ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 75

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

66.° ano
28 de fevereiro de 2023


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

573.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 26.10.2022-27.10.2022

2023/C 75/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Enfrentar em conjunto uma ameaça existencial: parceiros sociais e sociedade civil por uma ação climática ambiciosa

1

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

573.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 26.10.2022-27.10.2022

2023/C 75/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Soberania digital: um pilar crucial para a digitalização e o crescimento da UE (parecer de iniciativa)

8

2023/C 75/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Preparação para situações de emergência (parecer de iniciativa)

13

2023/C 75/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Euro digital (parecer de iniciativa)

22

2023/C 75/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Recapitalizar as empresas da UE — Uma solução inovadora para uma recuperação sustentável e inclusiva (parecer de iniciativa)

28

2023/C 75/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Considerações adicionais sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022 [COM(2021) 740 final] (parecer de iniciativa)

35

2023/C 75/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Considerações adicionais sobre a recomendação de recomendação do Conselho sobre a política económica da área do euro [COM(2021) 742 final] (parecer de iniciativa)

43

2023/C 75/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforçar a mobilidade dos trabalhadores para apoiar a retoma económica (parecer de iniciativa)

50

2023/C 75/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Melhorar a igualdade na UE (parecer de iniciativa)

56

2023/C 75/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Assegurar aos doentes com doenças raras uma solidariedade europeia forte (parecer de iniciativa)

67

2023/C 75/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Papel dos familiares cuidadores de pessoas com deficiência e de pessoas idosas: explosão do fenómeno durante a pandemia (parecer de iniciativa)

75

2023/C 75/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Os polos de inovação digital e as PME (parecer de iniciativa)

82

2023/C 75/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Rumo a uma estratégia sustentável para as proteínas vegetais e os óleos vegetais na UE (parecer de iniciativa)

88

2023/C 75/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Rumo a um quadro para a rotulagem dos alimentos sustentáveis, a fim de capacitar os consumidores para fazerem escolhas alimentares sustentáveis (parecer de iniciativa)

97

2023/C 75/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma visão estratégica da transição energética tendo em vista a autonomia estratégica da UE (parecer de iniciativa)

102

2023/C 75/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A importância dos transportes públicos para a recuperação ecológica da Europa (parecer de iniciativa)

115

2023/C 75/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A diplomacia cultural como vetor das relações externas da UE — Novas parcerias e papel das organizações da sociedade civil (parecer de iniciativa)

122

2023/C 75/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tribunal multilateral de arbitragem entre os investidores e o Estado: avaliação do processo da CNUDCI e respetivas realizações à luz das recomendações da sociedade civil (parecer de iniciativa)

130


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

573.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 26.10.2022-27.10.2022

2023/C 75/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração [COM(2022) 650 final], Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado-Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado-Membro [COM(2022) 655 final] e Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Atrair competências e talentos para a UE [COM(2022) 657 final]

136

2023/C 75/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública (ações judiciais estratégicas contra a participação pública) [COM(2022) 177 final — 2022/0117 COD]

143

2023/C 75/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (CE) n.o 767/2008, (CE) n.o 810/2009 e (UE) 2017/2226 do Parlamento Europeu e do Conselho, os Regulamentos (CE) n.o 1683/95, (CE) n.o 333/2002, (CE) n.o 693/2003 e (CE) n.o 694/2003 do Conselho e a Convenção de aplicação do Acordo de Schengen no respeitante à digitalização dos procedimentos de visto [COM(2022) 658 final]

150

2023/C 75/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a normas de qualidade e segurança para as substâncias de origem humana destinadas à aplicação em seres humanos e que revoga as Diretivas 2002/98/CE e 2004/23/CE [COM(2022) 338 — 2022/0216 (COD)]

154

2023/C 75/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece condições harmonizadas para a comercialização dos produtos de construção, que altera o Regulamento (UE) 2019/1020 e que revoga o Regulamento (UE) n.o 305/2011[COM(2022) 144 final]

159

2023/C 75/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Conversão para uma rede de dados sobre a sustentabilidade das explorações agrícolas [COM(2022) 296 final — 2022/0192 (COD)]

164

2023/C 75/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de ação para a criação de corredores solidários UE-Ucrânia com vista a facilitar as exportações agrícolas e o comércio bilateral da Ucrânia com a UE [COM(2022) 217 final]

171

2023/C 75/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia da UE para a energia solar [COM(2022) 221 final] e Recomendação da Comissão relativa à aceleração dos procedimentos de concessão de licenças para projetos no domínio da energia renovável e à facilitação dos contratos de aquisição de energia [C(2022) 3219 final]

178

2023/C 75/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Intervenções a curto prazo no mercado da energia e melhorias a longo prazo da configuração do mercado da eletricidade — uma linha de ação [COM(2022) 236 final]

185

2023/C 75/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às orientações da União para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes, que altera o Regulamento (UE) 2021/1153 e o Regulamento (UE) n.o 913/2010 e revoga o Regulamento (UE) n.o 1315/2013 [COM(2022) 384 final/2 — 2021/0420 (COD)]

190

2023/C 75/29

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Disposições específicas para os programas de cooperação 2014-2020 apoiados pelo Instrumento Europeu de Vizinhança e no âmbito do objetivo da Cooperação Territorial Europeia, na sequência de perturbações na execução dos programas [COM(2022) 362 — 2022/0227 (COD)]

195

2023/C 75/30

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que revoga a Diretiva 89/629/CEE do Conselho [COM(2022) 465 final — 2022/0282 (COD)]

198

2023/C 75/31

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Conselho que estabelece regras relativas a uma dedução para reduzir a distorção dívida-capitais próprios e à limitação da dedutibilidade dos juros para efeitos do imposto sobre o rendimento das sociedades [COM(2022) 216 final — 2022/0154 (CNS)]

199

2023/C 75/32

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à revogação do Regulamento (CEE) n.o 1108/70 do Conselho, que introduz um sistema de contabilidade das despesas referentes às infraestruturas de transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável, e do Regulamento (CE) n.o 851/2006 da Comissão, relativo à fixação do conteúdo das diferentes rubricas dos esquemas de contabilização do anexo I do Regulamento (CEE) n.o 1108/70 do Conselho [COM(2022) 381 final]

204


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

573.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 26.10.2022-27.10.2022

28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu — Enfrentar em conjunto uma ameaça existencial: parceiros sociais e sociedade civil por uma ação climática ambiciosa

(2023/C 75/01)

Relatores:

Peter SCHMIDT

Isabel CAÑO AGUILAR

Sandra PARTHIE

Josep PUXEU ROCAMORA

Neža REPANŠEK

Lutz RIBBE

Base jurídica

Artigo 50.o do Regimento

Resolução

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

104/1/0

A reunião anual da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP 27) terá lugar em Charm el-Cheikh, no Egito, de 6 a 18 de novembro.

Em conformidade com a nota da Mesa do CESE de 22 de fevereiro de 2022, o CESE criou um Grupo Eventual para a Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas a fim de elaborar a resolução do Comité sobre a COP, em conformidade com as prioridades da próxima COP e os processos de negociação da CQNUAC, bem como de ajudar a familiarizar o Comité no seu conjunto com o processo da CQNUAC e associá-lo às negociações sobre as alterações climáticas.

O grupo eventual é composto por seis membros da Secção NAT, mais um representante dos jovens que participa regularmente, dando seguimento ao Parecer de Iniciativa — Rumo a uma participação estruturada dos jovens no processo decisório da UE no domínio do clima e da sustentabilidade (1). Nos últimos meses, o grupo eventual reuniu-se com organizações e instituições relevantes, como a Comissão Europeia, o Comité das Regiões, o gabinete dos campeões de alto nível para o clima e o acompanhamento da ação climática, assim como com representantes das diferentes componentes da sociedade civil (jovens, empresas, agricultores, sindicatos e ONG no domínio do ambiente) para trocar informações e procurar desenvolver sinergias. A emergência climática foi sublinhada em todos estes contactos.

O ano de 2022 está a revelar-se um ano em que as alterações climáticas estão a provocar fenómenos meteorológicos extremos de forma mais dramática do que nunca, desde vagas de calor e incêndios sufocantes na Europa e em partes do sul da Ásia até inundações calamitosas no Paquistão e no Bangladexe, e secas prolongadas na África Oriental, com milhares de mortos e muitos outros milhões de deslocados ou de pessoas em risco de passar fome.

A este propósito, o recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (2) afirma que, para limitar o aquecimento global a 1,5oC, as emissões de gases com efeito de estufa devem atingir o seu valor máximo até, o mais tardar, 2025, que é preciso reduzir as emissões para metade até 2030 e que, para esse fim, são indispensáveis reduções drásticas e imediatas em todos os setores. No entanto, prevê-se que as políticas atualmente em vigor resultem em cerca de 2,7oC e que os atuais compromissos por país — contributos determinados a nível nacional — apenas limitarão o aquecimento a 2,4o(3).

A invasão da Ucrânia pela Rússia tornou uma situação já económica e socialmente difícil ainda mais complexa. No entanto, a emergência climática não pode esperar. Qualquer medida especial adotada deve ser excecional e de duração limitada, e a União Europeia deve acelerar a reformulação da sua política energética e climática, a fim de enfrentar os choques a curto prazo ao mesmo tempo que continua a promover a incontornável descarbonização das sociedades. A Europa deve ser líder na ação climática e velar por que as suas medidas políticas correspondam efetivamente às suas ambições.

A resolução elaborada pelos membros do grupo eventual exorta as instituições da UE e os governos a reforçarem as suas ambições climáticas em conformidade com as ciências e os dados científicos e dá um destaque especial ao papel da sociedade civil organizada na aceleração da ação climática. A resiliência social só pode ser reforçada capacitando a sociedade civil, os intervenientes sociais e os movimentos das bases.

Somos a última geração que pode travar as alterações climáticas, e o CESE, enquanto voz da sociedade civil europeia, deve desempenhar um papel de liderança na promoção da transição para sociedades socialmente justas, inclusivas e neutras em termos de carbono.

Recomendações políticas do comité económico e social europeu

Prosseguir objetivos climáticos mais ambiciosos para lidar com a emergência climática e reforçar a ação climática da UE

Enquanto voz da sociedade civil organizada na Europa, e agindo na sua qualidade de órgão consultivo do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão e como membro da comunidade da sociedade civil mundial, o Comité Económico e Social Europeu (CESE)

1.

salienta que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) foi adotada há 30 anos com o objetivo central de estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera num nível que evitasse uma interferência antropogénica perigosa com o sistema climático (artigo 2.o) e que tal objetivo não foi alcançado;

2.

salienta que o Acordo de Paris de 2015 substituiu o objetivo qualitativo da Convenção sobre as Alterações Climáticas, a saber, evitar a interferência com o clima, por uma meta quantitativa: «[…] manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo dos 2oC em relação aos níveis pré-industriais e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5oC acima dos níveis pré-industriais» (4);

3.

sublinha que o objetivo de 1,5oC não será suficiente para evitar as consequências dramáticas das alterações climáticas, na medida em que é patente que aquelas já estão a alterar todas as regiões do mundo. As inundações, as secas, as tempestades, os incêndios e as vagas de calor estão a aumentar exponencialmente, com efeitos sociais devastadores e um impacto económico de milhares de milhões de euros todos os anos (5);

4.

frisa que estamos a atravessar uma emergência climática e que não devemos renunciar ao artigo 2.o da convenção, apesar de a CQNUAC, atualmente, ainda não estar a apresentar resultados concretos;

5.

está profundamente convicto de que as decisões estratégicas têm de estar alinhadas com as ciências e os dados científicos, e assinala que o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) definiu critérios de referência claros: para ainda ser possível limitar o aumento da temperatura a 1,5oC, as emissões têm de atingir o seu máximo até, o mais tardar, 2025 (6) e o mundo tem de reduzir as emissões em 45 % abaixo dos níveis de 2010 até 2030;

6.

reconhece que a invasão da Ucrânia pela Rússia veio agravar uma situação já difícil, caracterizada pela inflação, preços elevados da energia e dos alimentos e por possíveis situações de penúria energética, com um duro impacto nas vidas dos cidadãos, e criou enormes desafios sociais e económicos, pelo menos, a curto prazo. O CESE está convicto de que a situação atual torna ainda mais urgente a ação climática europeia e de que a nova situação geopolítica reforça a necessidade de a UE acelerar a reformulação da sua política energética e climática;

7.

acredita que importa reforçar o Pacto Ecológico Europeu, a fim de se alcançar o objetivo de descarbonização da economia, continuar a reduzir as dependências externas, assegurar a capacidade de resistência e reforçar a transição justa, bem como que só será possível conceder derrogações excecionais temporárias a metas definidas (7); estima que o desenvolvimento de uma autonomia estratégica aberta deve garantir a redução das dependências em matéria de energia, matérias-primas essenciais e produtos alimentares;

8.

insta a UE a assumir um papel de liderança e solicita à Comissão Europeia e aos Estados-Membros da UE que atualizem os contributos determinados a nível nacional (CDN) no seguimento do Pacto de Glasgow para o Clima; apela para uma repartição equitativa a nível mundial assente na equidade, na responsabilidade histórica e nas capacidades;

9.

congratula-se com as decisões do Parlamento Europeu sobre o Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE (CELE) (8) e os sumidouros de carbono (9), que implicam um ligeiro aumento da meta de redução das emissões da UE, o que constitui um apelo, ainda que insuficiente, para o reforço dos CDN da UE;

10.

manifesta-se preocupado por vários países terem anunciado planos a longo prazo para alcançar a neutralidade carbónica até 2050 ou 2060 que não são apoiados por planos adequados a curto e médio prazos e, por conseguinte, insta a Comissão Europeia a intensificar os esforços diplomáticos da UE para promover a adoção, pela comunidade internacional, de quadros estratégicos similares ao Pacto Ecológico Europeu e está disponível para apoiar tais esforços interagindo com as organizações da sociedade civil de todo o mundo, tendo a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como orientação para os próximos anos decisivos;

11.

solicita à UE que desenvolva mais abordagens setoriais para medidas específicas ou crie «clubes do clima» que contem com os países com os programas de ação climática mais ambiciosos, a fim de encorajar ações mais céleres de outras nações, podendo o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (MACF) ser um instrumento para tal objetivo;

12.

considera que são necessárias medidas decisivas e claramente definidas para tornar operacional o artigo 6.o do Acordo de Paris e completar o conjunto de regras de Paris, que estabelece um quadro para a cooperação internacional voluntária para que os países reduzam as emissões a fim de cumprirem os seus compromissos, evitando alguns dos problemas relacionados com a dupla contabilização ou o risco de falsos créditos de redução das emissões;

Rever o nosso modelo económico atual com vista a abordar eficazmente a atenuação das alterações climáticas e a adaptação às mesmas e garantir um acesso adequado ao financiamento das ações climáticas

13.

salienta que, para acelerar a transição para uma sociedade com impacto neutro no clima, temos de rever o nosso modelo económico atual com vista a repensar a nossa forma de consumo e de produção, e apela para que a UE proponha uma nova visão da prosperidade para os cidadãos e o planeta, fundada nos princípios da sustentabilidade ambiental, do direito a uma vida digna e da defesa dos valores sociais (10);

14.

propõe um novo quadro de governação para realizar tais mudanças transformadoras e incentiva os governos e os órgãos de poder regional a criarem comissões tripartidas para uma transição justa, a fim de permitir aos parceiros sociais e às organizações da sociedade civil, incluindo a juventude, formular recomendações e negociar e elaborar planos nacionais e regionais para a transição justa (11); considera que as iniciativas existentes para fazer face aos desafios sociais da transformação ecológica continuam a estar fragmentadas (12);

15.

estima que a transição rápida para uma economia descarbonizada acarretará desafios enormes para os cidadãos, os trabalhadores, as empresas e as regiões, especialmente aquelas que dependem mais de setores e indústrias com elevada intensidade carbónica (13), bem como que os CDN devem incluir a realização de um mapeamento granular e uma análise dos impactos que a transição terá no emprego e nas competências nos diferentes países, regiões e setores, incluindo nas empresas subcontratadas e nas cadeias de valor a jusante, e ser acompanhados de planos nacionais de emprego e de estratégias para a transição justa (14) assentes nas orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para uma transição justa; apoia, assim, a proposta da Conferência sobre o Futuro da Europa (15) de assegurar uma transição justa que proteja os trabalhadores e os postos de trabalho mediante o financiamento adequado da transição e de mais investigação;

16.

observa que a responsabilidade do setor privado na consecução do objetivo de descarbonização exigirá a rápida transformação dos sistemas a uma escala sem precedentes e salienta que o setor privado tem um papel crucial a desempenhar nesse processo;

17.

reconhece os múltiplos e variados esforços envidados por empresas e empreendedores em toda a UE para criar soluções empresariais que contribuam para a atenuação das alterações climáticas e a adaptação aos desafios relacionados com as mesmas, e considera que as alterações climáticas devem ser enfrentadas com modelos empresariais inovadores e responsáveis centrados em metas de sustentabilidade mensuráveis, incluindo a redução da utilização da água, da energia e de substâncias químicas;

18.

manifesta a sua preocupação pelo facto de a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) na UE estar a aumentar as emissões no estrangeiro para satisfazer o consumo da UE, gerando efeitos induzidos pelos GEE (16), e considera que a abordagem da UE para o inventário de GEE deve integrar as emissões de GEE associadas aos produtos importados, que a dissociação dos progressos socioeconómicos dos impactos negativos nacionais e importados no clima e na biodiversidade tem de se tornar uma prioridade, e que o MACF constitui uma medida de apoio para alcançar tal objetivo;

19.

frisa que a perda de biodiversidade e as alterações climáticas se reforçam mutuamente, como salientado pela comunidade científica; preconiza uma abordagem holística da ação ambiental que aborde a relação entre a perda de biodiversidade e as alterações climáticas, e propõe a revisão e o aumento da dimensão das zonas protegidas e dos esforços para proteger os recursos naturais remanescentes no âmbito da Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 (17);

20.

está preocupado pelo facto de o impacto das alterações climáticas estar a afetar de forma desproporcionada as pessoas mais vulneráveis e por as comunidades menos responsáveis pelas emissões a nível mundial se verem confrontadas com as consequências mais graves e nem sempre possuírem os recursos para as enfrentar;

21.

assinala que as ações de adaptação são cada vez mais essenciais, dada a multiplicação dos fenómenos climáticos anormais, e que é fundamental prever melhor o impacto das alterações climáticas; frisa que o Acordo de Paris destaca a importância dos processos nacionais de planeamento da adaptação, requerendo que todos os países apresentem relatórios sobre os progressos efetuados, e insta à generalização da inclusividade, a fim de evitar exacerbar as desigualdades existentes;

22.

defende um aumento das contribuições totais para o financiamento da luta contra as alterações climáticas por parte dos países desenvolvidos, com «igual ênfase» no financiamento da atenuação e da adaptação, já que, sem financiamento adicional, o planeamento e a concretização da adaptação serão limitados, em especial nos países em desenvolvimento; solicita mais medidas para assegurar o cumprimento deste princípio, uma vez que a atenuação protege as gerações futuras do agravamento da crise climática enquanto a adaptação protege as gerações atuais e futuras dos fenómenos meteorológicos extremos causados pelas alterações climáticas já existentes (18); recorda que o financiamento da adaptação às alterações climáticas representa atualmente apenas 25 % do financiamento global destinado ao clima e que as promessas anteriores de aumentar para 40 % tal financiamento até 2025 não se concretizaram (19);

23.

congratula-se com a contribuição da Comissão no valor de 100 milhões de euros para o Fundo de Adaptação, instando simultaneamente os Estados-Membros da UE a duplicarem até 2025 os níveis de financiamento da adaptação de 2019, e apela para que sejam envidados esforços suplementares para atingir o objetivo do plano de execução de mobilizar 100 mil milhões de dólares; sublinha que não existe atualmente um mecanismo de financiamento a nível mundial para apoiar a recuperação das perdas e danos sofridos pelas pessoas e solicita aos Estados-Membros da UE e à Comissão que criem um «mecanismo de perdas e danos» financeiro para fazer face às consequências das alterações climáticas;

24.

estima que, enquanto parte integrante das medidas em matéria de justiça climática, os governos e as instituições da UE devem elaborar uma política europeia de migração e asilo prospetiva e abrangente que ofereça proteção às pessoas deslocadas por razões climáticas, começando pelo reconhecimento formal dos refugiados por razões climáticas;

Fomentar ações setoriais eficazes para alcançar a neutralidade climática

25.

salienta que a economia circular e a bioeconomia fomentam o desenvolvimento de uma nova visão de prosperidade para as pessoas e devem ser mais incentivadas (20), assinalando que a aplicação de estratégias para a economia circular em todos os setores e países pode, potencialmente, reduzir em 39 % as emissões de GEE a nível mundial (21); manifesta-se preocupado por a economia da UE ser apenas cerca de 12 % circular, apesar do amplo processo de modernização legislativa lançado em 2015 através do primeiro Plano de Ação da UE para a Economia Circular, e estima que só será possível obter mais progressos com a participação de todos os quadrantes da sociedade civil, a fim de, nomeadamente, suplantar os obstáculos políticos, culturais, infraestruturais, financeiros e relacionados com a governação que ainda persistem (22);

26.

apela para que as estratégias de transição para criar sistemas alimentares sustentáveis sejam devidamente integradas nos CDN e assinala que, embora vários países refiram o potencial da atenuação das alterações climáticas e da adaptação da agricultura nos respetivos CDN, apenas alguns definem metas para outras etapas do sistema alimentar (23), deixando muitas oportunidades por explorar (24); reitera as suas recomendações para adotar políticas alimentares globais, tais como a Estratégia do Prado ao Prato, incluindo medidas em matéria de clima, e para assegurar a participação estruturada das partes interessadas ao longo de toda a cadeia de abastecimento alimentar (25) e em todos os níveis de governação, em particular colocando os produtores no cerne das estratégias para a agricultura e envolvendo-os na elaboração das políticas;

27.

manifesta a sua preocupação com a situação em África, que representa menos de 4 % das emissões mundiais mas que se destaca, desproporcionadamente, como uma das regiões mais vulneráveis do mundo, e, uma vez que a COP 27 se realiza em África, exorta expressamente a UE a priorizar os recursos financeiros, técnicos e de reforço das capacidades de África, a fim de ajudar o continente a cumprir os compromissos assumidos na COP 21, em Paris, e de ter em conta o facto de que a maioria dos contributos determinados a nível nacional em África preveem metas de atenuação e adaptação que só podem ser atingidas se for recebido apoio internacional adequado, potencialmente comprometendo a proteção de ecossistemas de conservação de elevado valor, como florestas ou savanas, e a extração de combustíveis fósseis;

28.

apela para que se eliminem imediatamente os subsídios aos combustíveis fósseis, congratula-se com a Comunicação — REPowerEU, pois apresenta soluções que estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia (26)(27); estima que os governos devem proporcionar um quadro para o investimento em tecnologias inovadoras em domínios como a eficiência energética e a produção de energias renováveis, mediante o apoio à investigação, à inovação e ao desenvolvimento, e que a regulamentação deve abrir caminho ao desenvolvimento e à adoção pelo mercado de novas tecnologias, incluindo medidas do lado da procura para criar mercados-piloto e incentivar o consumo de produtos hipocarbónicos (28);

29.

acolhe com agrado as soluções digitais que permitem a proteção do ambiente e a transição para a sustentabilidade nos transportes, nos sistemas energéticos, nos edifícios, na agricultura e noutros setores. No entanto, observa que a digitalização global não contribuiu, até à data, para a redução das necessidades de energia nem das emissões de carbono e, por conseguinte, salienta que são necessárias políticas de apoio para atenuar os efeitos de ricochete e indução (29);

30.

sublinha que as alterações climáticas também têm repercussões graves para as empresas, em particular as PME, nomeadamente a interrupção das cadeias de abastecimento ou danos em locais de produção devido a fenómenos meteorológicos extremos, forçando-as por vezes a mudanças onerosas dos seus modelos empresariais e operacionais, bem como a investimentos para fazer face aos requisitos regulamentares ou outros, e considera que cabe apoiar as primeiras empresas a adotar novos modelos empresariais sustentáveis para assegurar que a sua inovação não conduz a desvantagens competitivas;

31.

salienta que o apoio ao setor privado deve respeitar os princípios do acesso equitativo aos instrumentos de financiamento das PME e deve basear-se exclusivamente em objetivos climáticos (30), e que será necessário um trabalho laborioso ao longo das cadeias de valor e uma colaboração intersetorial;

32.

considera que a harmonização e a normalização são essenciais para alcançar, em toda a indústria, a proporcionalidade das soluções através da tecnologia, do reforço de competências e da regulamentação, devendo ser apoiadas pelos governos da UE a nível internacional; considera que será fundamental, em especial para as PME, obter instrumentos de acompanhamento e de reforço das capacidades para satisfazer os novos requisitos e promover o acesso aos mercados na UE;

Capacitar a sociedade civil para acelerar as ações climáticas e apelar para um novo quadro de governação

33.

sublinha que a escala da ação necessária exige políticas integradas e executadas a vários níveis e soluções intersetoriais, com uma verdadeira participação da sociedade civil, e, por conseguinte, propõe um novo quadro de governação para realizar tais mudanças transformadoras;

34.

considera que, no tocante ao local de trabalho, este novo quadro de governação deve assegurar o diálogo social, garantindo os direitos e a participação dos trabalhadores e o reforço das convenções coletivas;

35.

estima que também cabe reforçar o diálogo mais amplo, com o contributo das regiões, dos intervenientes rurais e dos municípios, dos parceiros sociais, das cooperativas e da sociedade civil, com vista a garantir a justiça social, a credibilidade e conferir uma importância especial à promessa de que ninguém será esquecido (31). Por exemplo, facilitar as abordagens que passam pelo «prossumidor» pode acelerar a transição para um sistema energético mais limpo, criar novos modelos económicos e ajudar a proteger os grupos mais vulneráveis das nossas sociedades de, por exemplo, serem privados de aquecimento, eletricidade e tecnologias da informação;

36.

está firmemente convencido de que cumpre apoiar e encorajar efetivamente as iniciativas com caráter ascendente e de nível local para acelerar a atenuação das alterações climáticas e a adaptação às mesmas e reforçar a resiliência social, libertando assim o potencial de uma cultura de cooperação e de soluções ascendentes; estima que é igualmente necessário e essencial investir mais na inovação social, a fim de generalizar as mudanças sociais e culturais necessárias para integrar a proteção do clima na vida quotidiana das empresas, das administrações públicas e dos agregados familiares;

37.

considera que a questão do género não deve ser tratada em separado e de forma compartimentada, devendo antes ser encarada como fundamental para evitar medidas e políticas sem a perspetiva de género. As alterações climáticas não afetam da mesma maneira todos os quadrantes da população, e, se não forem elaboradas corretamente, as políticas de combate às alterações climáticas podem perpetuar essas injustiças e desequilíbrios. Por exemplo, a participação desigual das mulheres nos processos de decisão e no mercado de trabalho acentua as desigualdades e impede, amiúde, que as mulheres prestem um contributo para a elaboração, o planeamento e a execução das políticas em matéria de clima (32);

38.

considera que uma participação mais forte dos jovens nos processos de decisão, desde a elaboração de propostas e iniciativas legislativas até à execução, monitorização e acompanhamento refletirá melhor o aspeto intergeracional das transições (33). Por isso é que, desde 2021, o CESE inclui um delegado para a juventude na delegação oficial da UE nas reuniões da Conferência das Partes (COP) da CQNUAC e se empenhou em dar força à voz dos jovens e das organizações de juventude no trabalho do Comité; recomenda com veemência às partes e outros intervenientes a adotarem uma abordagem semelhante;

39.

chama a atenção para o papel da população indígena na linha da frente das alterações climáticas — os povos indígenas protegem mais de 80 % da biodiversidade que resta no planeta (34); congratula-se com o empenho crescente da população indígena na política climática e insta as partes a associarem ativamente esses povos à concretização das ações climáticas;

40.

promete levar a cabo ações para aplicar as recomendações estratégicas acima mencionadas.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 44.

(2)  https://www.ipcc.ch/2022/04/04/ipcc-ar6-wgiii-pressrelease/

(3)  https://climateactiontracker.org/global/temperatures/

(4)  Acordo de Paris.

(5)  Baseado em: «Economic losses from weather and climate-related extremes in Europe reached around half a trillion euros over past 40 years» [Perdas económicas decorrentes de fenómenos meteorológicos e climáticos extremos na Europa representaram cerca de meio bilião de euros nos últimos 40 anos], Agência Europeia do Ambiente; «New report: World counts the cost of a year of climate breakdown» [Novo relatório: o mundo faz contas aos custos de um ano de degradação do clima], Centro de Comunicação da Christian Aid — Associação caritativa britânica de combate à pobreza mundial; «The Costs of Extreme Weather Events Caused by Climate Change» [Custos de fenómenos climáticos extremos causados pelas alterações climáticas], Centro Euro-Mediterraneo sui Cambiamenti Climatici (CMCC); «Billion-Dollar Weather and Climate Disasters» [Catástrofes climáticas e meteorológicas de milhares de milhões de dólares], National Centers for Environmental Information (NCEI).

(6)  «Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change» [Alterações climáticas em 2022: Atenuação das alterações climáticas] (PIAC).

(7)  Resolução do CESE — A guerra na Ucrânia e o seu impacto económico, social e ambiental (JO C 290 de 29.7.2022, p. 1).

(8)  «Alterações climáticas: Parlamento pressiona para ação e independência energética da UE mais rápidas».

(9)  «“Fit for 55”: Parliament agrees to higher EU carbon sink ambitions by 2030» [Objetivo 55: Parlamento concorda com objetivos mais elevados para os sumidouros de carbono na UE até 2030].

(10)  Parecer do CESE — A economia sustentável de que necessitamos (JO C 106 de 31.3.2020, p. 1).

(11)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(12)  Parecer do CESE — Diálogo social no âmbito da transição ecológica (JO C 486 de 21.12.2022, p. 95).

(13)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(14)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(15)  Conferência sobre o Futuro da Europa — Recomendações adotadas pelo painel de cidadãos europeus.

(16)  «2021 Europe Sustainable Development Report» [Relatório de 2021 sobre o Desenvolvimento Sustentável na Europa], SDSN Europe.

(17)  Parecer do CESE — Objetivos de restauração da natureza no âmbito da Estratégia de Biodiversidade da UE [título provisório] (NAT/841 — em elaboração).

(18)  Parecer do CESE — A nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas (JO C 374 de 16.9.2021, p. 84).

(19)  «António Guterres: 50% of All Climate Finance Needed for Adaptation» [António Guterres: A adaptação requer 50 % do financiamento climático global].

(20)  Parecer do CESE — Desenvolver sinergias entre os diferentes roteiros para a economia circular (JO C 14 de 15.1.2020, p. 29).

(21)  Relatório sobre as Lacunas em matéria de Circularidade de 2021, «Climate Change Mitigation through the Circular Economy» [A atenuação das alterações climáticas através da economia circular].

(22)  Parecer do CESE — A nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas (JO C 374 de 16.9.2021, p. 84).

(23)  «Enhancing NDCs For Food Systems — recommendations for decision-makers» [Reforço dos CDN para os sistemas alimentares — Recomendações para os decisores], Projeto de Ação CDN.

(24)  Parecer do CESE — Segurança alimentar e sistemas alimentares sustentáveis (JO C 194 de 12.5.2022, p. 72).

(25)  Parecer do CESE — Do prado ao prato: uma estratégia de alimentação sustentável (JO C 429 de 11.12.2020, p. 268).

(26)  Parecer do CESE — Justiça climática (JO C 81 de 2.3.2018, p. 22), e Parecer do CESE — A nova Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas (JO C 374 de 16.9.2021, p. 84).

(27)  Parecer do CESE — REPowerEU: ação conjunta europeia para uma energia mais segura e mais sustentável a preços mais acessíveis (JO C 323 de 26.8.2022, p. 123).

(28)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(29)  Parecer do CESE — Digitalização e sustentabilidade: situação atual e necessidade de ação na perspetiva da sociedade civil (JO C 429 de 11.12.2020, p. 187).

(30)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(31)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(32)  «2020 Pocket Guide to Gender Equality under the UNFCCC» [Guia de bolso de 2020 para a igualdade de género no âmbito da CQNUAC], WEDO.

(33)  Parecer do CESE — Rumo a uma participação estruturada dos jovens no processo decisório da UE no domínio do clima e da sustentabilidade (JO C 429 de 11.12.2020, p. 44).

(34)  «Indigenous peoples defend Earth’s biodiversity — but they’re in danger» [Povos indígenas protegem a biodiversidade da Terra — mas correm perigo].


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

573.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 26.10.2022-27.10.2022

28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Soberania digital: um pilar crucial para a digitalização e o crescimento da UE

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/02)

Relator:

Philip VON BROCKDORFF

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

7.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

185/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Apesar dos progressos significativos realizados para reforçar a soberania digital da UE, continua a existir uma forte dependência em relação às empresas tecnológicas sediadas fora da UE. Trata-se de uma situação que limita a liderança e a autonomia estratégica da UE no mundo digital, o que, por sua vez, reduz o potencial de crescimento económico da UE.

1.2.

Num ambiente em linha ainda dominado por empresas tecnológicas de países terceiros, surge a questão do grau de controlo que os cidadãos, as empresas e os governos da UE podem ter sobre os seus dados digitais. Embora esta não se afigure uma prioridade na crise que se está a viver, não se pode menosprezar a necessidade de corrigir o desequilíbrio na perspetiva da soberania digital.

1.3.

Neste contexto, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) entende que a UE tem de reduzir a sua dependência em relação aos gigantes tecnológicos de países terceiros, redobrando de esforços para desenvolver uma economia digital segura, inclusiva e baseada em valores, capaz de competir com estes gigantes de países terceiros, e colocando a tónica na fiabilidade da conectividade, na segurança dos dados e na inteligência artificial (IA).

1.4.

Assim, o CESE apela para que se direcione uma parte significativa do investimento no setor digital para a autonomia estratégica aberta na economia digital, nomeadamente através do investimento em capacidades, educação, formação profissional, infraestruturas e tecnologias digitais. O CESE apela igualmente para a criação de condições de concorrência equitativas na transformação digital, que permitam a proteção dos direitos dos trabalhadores, bem como a coexistência e o desenvolvimento de empresas de todas as dimensões, sem excesso de regulamentação.

1.5.

O CESE observa que as inovações como a computação em nuvem e a IA se tornaram importantes ativos estratégicos na UE, contribuindo de forma positiva para o crescimento potencial da economia da UE. No entanto, a UE está a perder terreno na corrida mundial de desenvolvimento de novas tecnologias no mundo digital e, no caso de algumas tecnologias, o investimento privado na UE está a ficar atrás de investimentos semelhantes nos EUA e na China.

1.6.

O CESE solicita esforços renovados para a criação de parcerias público-privadas no domínio das tecnologias digitais e para o apoio à investigação em grande escala na UE no domínio das novas tecnologias, com a finalidade específica de acompanhar o ritmo do desenvolvimento de capacidades de investigação nos EUA e na China.

1.7.

O CESE argumenta que os desequilíbrios existentes no que diz respeito à soberania digital se devem, em parte, aos obstáculos nacionais que continuam a impedir a realização de um mercado único genuíno. Nas circunstâncias atuais, o mercado único é essencialmente um agregado de múltiplos mercados nacionais mais pequenos, sem a escala necessária para que uma empresa sediada na UE possa competir, sozinha, com os gigantes digitais deste mundo. Além disso, existem diferentes níveis de desenvolvimento, infraestruturas e capacidades digitais na UE.

1.8.

O CESE solicita à Comissão que avance com o seu quadro regulamentar digital, que visa proteger os cidadãos da UE dos excessos do mundo digital, proporcionando simultaneamente um quadro para um ambiente mais ético e centrado no ser humano.

1.9.

Igualmente importante é tornar as plataformas, os ecossistemas e as atividades em linha mais abertos, justos e previsíveis, com regras que abranjam a transparência e a neutralidade dos algoritmos e tendo em conta a partilha de dados e a interoperabilidade.

1.10.

O CESE apoia os apelos à UE para que desenvolva uma infraestrutura de computação em nuvem e de dados com o intuito de construir a sua soberania digital e corrigir o enorme desequilíbrio no mercado de armazenamento em nuvem e de dados, que é quase totalmente dominado por empresas de países terceiros.

1.11.

Além disso, o CESE reconhece o potencial da UE para se tornar líder mundial na recolha e no tratamento de dados, que constituem a espinha dorsal da economia digital. Um quadro da UE para a recolha e a partilha de dados possui um enorme potencial em setores estratégicos como a saúde, o mercado de trabalho e os transportes.

1.12.

O CESE solicita uma atualização das políticas em matéria de concorrência e de proteção dos consumidores no mercado único, com ênfase, nomeadamente, nas práticas distorcivas das empresas tecnológicas de países terceiros e na influência crescente das empresas digitais chinesas na UE. Neste contexto, o CESE congratula-se com o desenvolvimento da legislação, como o Regulamento Mercados Digitais e a proposta de Regulamento Circuitos Integrados.

1.13.

O CESE reconhece que as pequenas e médias empresas (PME) desempenham um papel fundamental na definição da soberania digital da UE, sobretudo através das suas interações com grandes empresas tecnológicas da UE.

1.14.

Por último, o CESE sublinha a importância da educação a todos os níveis (quer profissional, quer académica) para o desenvolvimento da soberania digital da UE.

2.   Contexto

2.1.

A soberania digital pode ser descrita preliminarmente como a autonomia através da qual os governos e as empresas gerem e criam os seus próprios dados, hardware e software. Há demasiado tempo que se manifestam preocupações acerca da forte dependência da UE em relação a um pequeno número de grandes empresas tecnológicas que exercem atividade fora da UE.

2.2.

Uma prova da forte dependência da UE em relação a empresas tecnológicas de países terceiros é o facto de se estimar que 92 % da totalidade dos dados do mundo ocidental estejam armazenados em servidores detidos pelos EUA. Estes incluem dados em linha, dados obtidos a partir das redes sociais e dados administrados pelos governos nacionais (1).

2.3.

Não é surpreendente que esta situação esteja a fazer crescer o receio de que os cidadãos, as empresas e os governos nacionais da UE possam não ter controlo total sobre os seus dados, continuando a estar muito dependentes de grandes empresas tecnológicas estabelecidas fora da UE, o que dificulta às empresas tecnológicas sediadas na UE competir com as empresas rivais nos EUA. Um outro receio é o de que a UE esteja lentamente a perder a sua capacidade de fazer cumprir de forma eficaz a legislação no meio digital.

2.4.

É preocupante o facto de esta forte dependência em relação às empresas tecnológicas norte-americanas limitar a liderança e a autonomia estratégica da UE no mundo digital, o que poderá, por sua vez, limitar o potencial de crescimento económico da UE. A influência económica das empresas tecnológicas de países terceiros não pode ser menosprezada. O mesmo se pode dizer da sua influência nos cidadãos da UE e nos seus padrões de consumo, e ainda da forma como definem a interação destes com os demais cidadãos da UE e do resto do mundo.

2.5.

Hoje, as grandes empresas tecnológicas de países terceiros sabem mais sobre nós do que talvez os nossos próprios familiares e amigos, e esta falta de privacidade é preocupante. Com efeito, não controlamos os nossos próprios dados na Internet: esse controlo está nas mãos das grandes empresas tecnológicas, e a Internet continua amplamente isenta de regulamentação. As iniciativas como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da UE (2) tentaram definir novas regras. O problema é que as empresas tecnológicas avançam mais rapidamente do que a UE. As grandes empresas tecnológicas operam frequentemente em espaços onde possuem uma vantagem significativa em matéria de informação em relação às entidades reguladoras e continuam, essencialmente, a ter liberdade para monitorizar os movimentos dos cidadãos na Internet, recolhendo informações pelo caminho e explorando esses conhecimentos para obter lucro.

2.6.

Neste contexto, a presidente da Comissão identificou a política digital como uma das principais prioridades para o seu mandato de 2019-2024, prometendo soberania tecnológica. Porém, ainda estamos longe de a alcançar, e a própria Comissão manifestou preocupação com o desrespeito das regras e dos valores fundamentais da UE pelas grandes empresas tecnológicas de países estrangeiros. Nos últimos anos, a economia da Internet consolidou-se em torno destes gigantes tecnológicos, que utilizam testemunhos de conexão para controlar os dados e manter um poder de mercado oligopolista. Por seu lado, o Parlamento Europeu manifestou preocupações acerca das ameaças de segurança ligadas à presença tecnológica crescente da China na UE tendo, concretamente, apelado à ação a nível da UE para reduzir a influência crescente da China na infraestrutura de 5G.

2.7.

É preocupante que setores inteiros da economia da UE continuem a estar muito dependentes de grandes plataformas em linha situadas em países terceiros. Esta situação priva os Estados-Membros da sua soberania digital em domínios essenciais como os direitos de autor, a proteção de dados e a tributação. Esta preocupação foi também alargada a outras áreas, como o comércio eletrónico e a desinformação em linha.

2.8.

Num ambiente em linha dominado por empresas tecnológicas de países terceiros, surge a questão de saber se os cidadãos da UE podem recuperar o controlo sobre os seus dados digitais e se a UE é capaz de corrigir o desequilíbrio na perspetiva da soberania digital dentro de um prazo razoável. As secções 3 e 4 apresentam perspetivas a este respeito.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Em primeiro lugar, a UE tem de reduzir a sua dependência em relação aos gigantes tecnológicos de países terceiros, redobrando de esforços para desenvolver uma economia digital segura, inclusiva e baseada em valores capaz de competir com estes gigantes e colocando a tónica na fiabilidade da conectividade, na segurança dos dados e na inteligência artificial (IA). O CESE considera que a questão dos valores é particularmente importante e, como tal, coloca a tónica na dimensão social e ética, bem como nos direitos dos trabalhadores numa economia digital.

3.2.

A Comissão reagiu à evolução da economia digital com a apresentação, em 2021, das Orientações para a Digitalização relativas à década digital da UE, centradas nas infraestruturas, nos governos, nas empresas e nas competências. Esta Bússola Digital define objetivos a nível nacional e da UE e propõe a criação de um quadro de governação comum sólido para acompanhar os progressos e dar resposta às insuficiências, bem como o lançamento de outros projetos plurinacionais que combinem investimentos da UE, dos Estados-Membros e do setor privado. Esta iniciativa foi complementada pelo Regulamento Mercados Digitais, um quadro legislativo que visa proporcionar um maior grau de concorrência nos mercados digitais europeus, impedindo as grandes empresas de abusarem do seu poder de mercado e permitindo a entrada de novos operadores no mercado. Mais recentemente, a proposta de Regulamento Circuitos Integrados visa aumentar a produção de circuitos integrados em toda a UE em resposta ao aumento da procura e reduzir a dependência de fornecedores de países terceiros. Tal permitiria contrariar a posição dominante da China, especialmente no que respeita à produção de circuitos integrados semicondutores.

3.3.

À medida que a economia da UE recupera da crise pandémica, e face ao aumento dos preços, o CESE apela para a aplicação eficaz da Bússola Digital e insta os governos da UE a proporcionem incentivos às empresas para que continuem a investir nas capacidades digitais e nos recursos humanos. Esse investimento contribuiria para impulsionar a autonomia estratégica na transformação digital da economia da UE. O investimento dos governos da UE na melhoria das capacidades, infraestruturas e tecnologias digitais é igualmente vital.

3.4.

O CESE observa que inovações como a computação em nuvem e a IA se tornaram importantes ativos estratégicos na UE, contribuindo de forma positiva para o potencial crescimento da economia da UE. No entanto, a UE continua a perder terreno na corrida mundial de desenvolvimento de novas tecnologias no mundo digital. No domínio da IA, por exemplo, o investimento privado da UE está atrás do dos EUA e da China. O mesmo se verifica no domínio das tecnologias de recolha e de acesso aos dados e da computação quântica, estando o investimento da UE em tecnologias de cadeia de blocos e na Internet das coisas igualmente aquém do dos EUA e da China.

3.5.

O CESE destaca também os vários instrumentos financeiros existentes destinados a reduzir as disparidades em relação ao investimento dos EUA e da China nas tecnologias digitais. Estes instrumentos poderiam certamente apoiar a investigação e a inovação em tecnologias digitais. Contudo, tal como se referiu no ponto 3.3, é necessário mais investimento, e o CESE solicita esforços renovados para a criação de parcerias público-privadas no domínio das tecnologias digitais e para o apoio à investigação em grande escala na UE no domínio das novas tecnologias, com a finalidade específica de acompanhar o ritmo de desenvolvimento das capacidades de investigação nos EUA e na China.

3.6.

O CESE acredita que, para a UE, a soberania digital não é meramente uma questão de recuperar terreno perdido ou de estar na vanguarda do domínio digital. Tão-pouco se trata de saber se a soberania digital está relacionada com a natureza protecionista da UE. Trata-se de criar condições de concorrência equitativas para as empresas tecnológicas sediadas na UE, com vista a, tal como indicado no título do presente parecer de iniciativa, reforçar o potencial de crescimento económico da UE e, desse modo, beneficiar a sociedade europeia em geral.

3.7.

São razões válidas para que as empresas tecnológicas sediadas na UE possam ter de ser tratadas de forma mais favorável que as empresas não sediadas na UE caso almejem um lugar entre os principais líderes digitais do mundo. No entanto, o CESE argumenta que os desequilíbrios existentes no que diz respeito à soberania digital se devem, em parte, aos obstáculos nacionais que continuam a impedir a realização de um mercado único genuíno. Nas circunstâncias atuais, o mercado único é essencialmente um agregado de múltiplos mercados nacionais mais pequenos, sem a escala necessária para que qualquer empresa sediada na UE possa competir, sozinha, com as Microsofts deste mundo. Existem também diferentes níveis de desenvolvimento e infraestruturas em toda a UE. Não surpreende, portanto, que o mercado digital continue a ser dominado por empresas de países terceiros.

3.8.

O CESE considera também que, ao abordar a soberania digital, será possível dar resposta a preocupações relacionadas com a privacidade e os dados pessoais, a tributação, os dados e a contratação pública. Tal não acontecerá de um dia para o outro, mesmo com um quadro regulamentar mais robusto. A tributação, em particular, emergiu como uma área controversa, porque as empresas tecnológicas sediadas nos EUA podem obter lucros mediante interações com clientes na UE, o que levanta a questão da presença física, que normalmente determina a sujeição a imposto.

3.9.

Por último, o CESE já salientou, num parecer anterior (3), a importância da soberania digital enquanto pilar fundamental do desenvolvimento económico, social e ambiental da Europa e destacou que essa soberania deve ter por base a competitividade à escala mundial e a cooperação sólida entre os Estados-Membros. Trata-se de uma condição prévia necessária para que a UE seja líder mundial no palco internacional, nomeadamente no que diz respeito à fiabilidade das tecnologias digitais.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE solicita aos Estados-Membros que apliquem eficazmente o quadro regulamentar digital que visa proteger os cidadãos da UE dos excessos do mundo digital, proporcionando simultaneamente um quadro para um ambiente mais ético e centrado no ser humano. O CESE entende que o quadro regulamentar deveria ajudar a gerir mais eficazmente o setor digital da UE. Além disso, a proteção dos trabalhadores e o direito à negociação coletiva deveriam facilitar a transição para a digitalização. Ao mesmo tempo, as empresas tecnológicas da UE deveriam ter margem suficiente para inovar e avançar em comparação com as empresas tecnológicas de países terceiros, incentivando, sempre que possível, as parcerias internacionais.

4.2.

A definição de regras relativas aos dados da UE ajudará a tornar a UE mais soberana no sentido nominal, mas não será suficiente para que as empresas tecnológicas europeias igualem o alcance global das empresas de países terceiros. Este último objetivo só pode ser alcançado mediante orientação política, investimento em investigação e inovação e a resolução das lacunas existentes no mercado único.

4.3.

Tal implica uma abordagem mais prospetiva do quadro regulamentar, que definirá a economia digital nos próximos anos. Igualmente importante é tornar as plataformas, os ecossistemas e as atividades em linha mais abertos, justos e previsíveis, com regras que abranjam a transparência e a neutralidade dos algoritmos e tendo em conta a partilha de dados e a interoperabilidade.

4.4.

Ao construir a soberania digital da UE, o CESE apela para o reforço da coordenação entre as jurisdições nacionais e, em particular, entre as entidades reguladoras neste domínio. É necessário repensar as estruturas de governação existentes, tanto para reforçar a interação entre os Estados-Membros, como para facilitar as decisões conjuntas relacionadas com o domínio digital. No entender do CESE, tal será fundamental para apoiar os esforços destinados a alcançar alguma forma de soberania digital. Ao mesmo tempo, o CESE adverte contra o excesso de regulamentação, que pode prejudicar o crescimento económico potencial.

4.5.

O CESE apoia os apelos à UE para que desenvolva uma infraestrutura de computação em nuvem e de dados com o intuito de construir a sua soberania digital e corrigir o enorme desequilíbrio do mercado de armazenamento em nuvem e de dados, que é quase totalmente dominado por empresas de países terceiros. Desta forma, ajudaria a reduzir os riscos de segurança para os cidadãos da UE. Neste contexto, o CESE reitera o seu apoio ao projeto Gaia-X da UE, que procura proporcionar um ambiente seguro de gestão de dados para os cidadãos, as empresas e os governos.

4.6.

Além disso, o CESE reconhece o potencial da UE para se tornar líder mundial na recolha e no tratamento de dados, que constituem a espinha dorsal da economia digital. Um quadro da UE para a recolha e a partilha de dados possui um enorme potencial em setores estratégicos como a saúde, o mercado de trabalho e os transportes. Permitiria aos cidadãos e às empresas acederem a dados a nível da UE (em conformidade com as regras de privacidade e de proteção de dados) e aumentaria a eficiência no mercado único.

4.7.

Neste contexto, o CESE solicita que se proceda à atualização da política da concorrência no mercado único, corrigindo os desequilíbrios existentes, com ênfase, nomeadamente, nas práticas distorcivas das empresas tecnológicas de países terceiros e na influência crescente das empresas digitais chinesas na UE.

4.8.

O CESE reconhece que a consecução da soberania digital dependerá dos seguintes fatores: (i) da forma como as empresas tecnológicas sediadas na UE se adaptarão ao quadro legislativo; (ii) das medidas adotadas para colmatar as lacunas do mercado único; e (iii) da investigação e inovação na UE no domínio digital, bem como das oportunidades de investimento. Ao mesmo tempo, o CESE não pode ignorar o papel que as PME poderiam desempenhar na definição da soberania digital da UE. As PME podem não dispor dos recursos financeiros necessários para moldar diretamente a economia digital, mas podem certamente contribuir por meio de interações com as grandes empresas tecnológicas da UE.

4.9.

Por último, o CESE sublinha a importância da educação a todos os níveis (quer profissional, quer académica) para o desenvolvimento da soberania digital da UE: os estabelecimentos de ensino devem investir em investigação e inovação pertinentes e deve ser criado um quadro de pessoal qualificado que seja capaz de apoiar a estratégia digital da UE. Recomenda-se igualmente uma abordagem coordenada entre as instituições de ensino da UE.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://www.weforum.org/agenda/2021/03/europe-digital-sovereignty/

(2)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (JO L 119 de 4.5.2016, p. 1).

(3)  JO C 365 de 23.9.2022, p. 13,


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/13


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Preparação para situações de emergência

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/03)

Relator:

Paul RÜBIG

Decisão da Plenária

24.2.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

7.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

184/8/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) solicita à Comissão e aos Estados-Membros que elaborem urgentemente um plano para aumentar substancialmente a autonomia/soberania do mercado único da União Europeia (UE) no que diz respeito às instalações de produção de energia, à produção de alimentos e de água e à extração das matérias-primas necessárias, incluindo a soberania/autonomia relativa às tecnologias essenciais. Esta autonomia/soberania da UE tem de compreender a investigação e o desenvolvimento correspondentes, a transformação dos materiais e a conceção, a construção, a instalação, o arranque e a manutenção de instalações no mercado único, de modo a evitar a pobreza energética e o desemprego entre os cidadãos e os consumidores da UE. A preparação mais eficiente para situações de emergência assenta na resiliência, seja ela de natureza técnica ou social. Importa integrar em todas as políticas energéticas melhorias contínuas no que toca à resiliência dos sistemas energéticos face a ameaças naturais, políticas ou de outra espécie.

1.2.

O CESE recomenda que a UE defina, com caráter de urgência, medidas a curto prazo para construir instalações de produção de energia no mercado único, com vista a alcançar o objetivo de autonomia/soberania da UE.

1.3.

O CESE considera que as situações de penúria energética generalizada e duradoura a nível europeu podem ser evitadas adotando as seguintes medidas:

promover a abertura no plano tecnológico (no que respeita às aplicações para a produção e utilização de energia);

reforçar e desenvolver o mercado único europeu da energia;

melhorar a cooperação e a coordenação com parceiros que partilham dos mesmos valores e estabelecer uma cooperação mais estreita com países vizinhos e países terceiros;

concretizar uma política comercial ambiciosa e a diversificação das fontes;

combater os desajustamentos do mercado de trabalho;

melhorar a comunicação e aumentar a sensibilização;

acelerar a inovação e a digitalização;

facilitar o acesso ao financiamento;

garantir investimentos suficientes (para facilitar a transição ecológica, entre outras coisas);

garantir que as políticas são exequíveis. Por exemplo, no domínio da energia e do clima, devemos reavaliar o pacote Objetivo 55 para alcançar um equilíbrio entre o cumprimento dos objetivos para 2030 e 2050 e a procura de um caminho para esta transição que seja suportável do ponto de vista económico e social. Os lucros do comércio de licenças de emissão devem ser utilizados para financiar um limite máximo do preço do gás com base no modelo do índice Henry Hub nos EUA, bem como investimentos em novas instalações de produção de energia na UE.

1.4.

Com vista a evitar uma revisão dos prazos previstos no Pacto Ecológico e a aplicar políticas energéticas realistas, as opções em matéria de procedimentos de avaliação do impacto e dos riscos no âmbito do Pacto Ecológico e da política energética da UE devem incluir não apenas o impacto das medidas no clima, mas também o seu impacto no poder de compra dos consumidores da UE e na competitividade da economia da UE, protegendo assim postos de trabalho na União.

1.5.

Tendo em conta a gravidade da crise, o CESE considera que nenhuma medida deve estar excluída a priori na resposta à crise.

1.6.

No âmbito do conjunto de medidas a adotar, o CESE entende que parte da resposta deve consistir na execução do Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas (plano SET) e do plano REPowerEU, em particular:

Melhorar a eficiência energética e promover a circularidade;

Aplicar o plano REPowerEU para eliminar a dependência europeia dos combustíveis fósseis da Rússia;

Aumentar o armazenamento de gás e as operações de reabastecimento coordenadas; monitorizar e otimizar os mercados da eletricidade; canalizar investimentos em sistemas energéticos e reforçar a conectividade com a vizinhança imediata através da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) (1), do Organismo dos Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE), da Rede Europeia dos Operadores das Redes de Transporte de Gás (REORT-G) (2), da Rede Europeia dos Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade (REORT-E) (3) e de comunidades de conhecimento e inovação (CCI) do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, como a CCI InnoEnergy, a CCI Matérias-Primas e a CCI Indústria Transformadora, tendo em conta a evolução da infraestrutura europeia para o hidrogénio e do armazenamento de hidrogénio e dióxido de carbono;

Criar 1 000 centrais de produção de energia na UE no quadro de um procedimento de autorização de 14 dias e iniciar imediatamente os investimentos, com apoio financeiro da UE no valor de 50 %, proveniente das receitas do comércio de licenças de emissão.

1.7.

O CESE recomenda que se incentive e se apoie os consumidores no sentido de investirem na sua produção própria de energia e na eficiência energética. Tal exigirá campanhas de informação e incentivos fiscais.

1.8.

Além disso, o CESE entende que a UE deve construir infraestruturas novas para o transporte de energia e de recursos energéticos (gasoduto que liga o Norte de África a Espanha) e para fontes de energia renováveis como o hidrogénio, o biometano e o amoníaco (iniciativa Campfire).

1.9.

Em resposta à crise, o CESE recomenda uma série de medidas a curto prazo:

Salvaguardar outras fontes, em especial o petróleo, o carvão, o gás, o urânio, a água e os alimentos para consumo humano e animal;

Elaborar planos e conceitos para poupar e racionar a energia nos 27 Estados-Membros da UE:

o racionamento deve ter prioridades claras, por exemplo a negociação de planos de racionamento da energia nas indústrias com utilização intensiva de energia e a negociação de novos acordos comerciais da OMC com novas prioridades em matéria de alimentos para consumo humano e animal, água e saneamento;

deve dar-se prioridade ao armazenamento e ao abastecimento de eletricidade e gás para hospitais, serviços de assistência médica, serviços de urgência e prestação de cuidados a cidadãos mais idosos e vulneráveis;

Emitir regras para salvaguardar níveis suficientes de reservas de petróleo e gás;

Promover poupanças energéticas e novas fontes de energia;

Incrementar a investigação e o desenvolvimento da UE no que diz respeito à investigação no domínio da energia, em especial fontes de energia alternativas, energia de fusão, armazenamento de energia, tecnologias do hidrogénio e do amoníaco, eficiência energética de processos industriais com utilização intensiva de energia e aparelhos de consumo;

Acelerar os procedimentos de aprovação pública de novos projetos que fornecem energia suplementar a curto e a médio prazo, como as estações de descarga de hidrogénio nos portos da UE, gasodutos e instalações portuárias para regaseificação do gás natural liquefeito (GNL);

Solicitar que todas as empresas da UE que produzem ou fornecem produtos e serviços necessários em situações de emergência assegurem o seu abastecimento de eletricidade de emergência, atualizem os seus planos de emergência e organizem formação periódica sobre situações de emergência, etc. (por exemplo, as empresas ativas no setor das telecomunicações e radiodifusão, os serviços de emergência, os servidores informáticos públicos e os fornecedores de eletricidade).

1.10.

Além das medidas a curto prazo, o CESE recomenda igualmente uma série de medidas a médio e longo prazo:

1.10.1.

O CESE solicita à Comissão Europeia que elabore planos e adote as medidas e ações coordenadas à escala da UE a seguir indicadas:

Efetuar a decomposição do metano por eletrólise/pirólise e a reformação a vapor do metano para produzir hidrogénio e carbono sólido;

Utilizar as reservas diversificadas e duradouras de metano como matérias-primas para o hidrogénio (vetor energético) e o carbono e explorar plenamente os seus benefícios enquanto corretivos de solos na agricultura, a fim de aumentar os rendimentos e melhorar a segurança alimentar;

Acelerar exponencialmente a aquisição pública de infraestruturas energéticas críticas, simplificando e agilizando a regulamentação da UE que a desacelera;

A nova Diretiva-Quadro da Água. Importa dar prioridade à garantia de um abastecimento energético rápido;

É necessário simplificar o novo regulamento da UE relativo às cadeias de abastecimento. A tónica deve ser colocada na garantia de um aprovisionamento sustentável de matérias-primas e bens essenciais na UE, negociado no âmbito de acordos comerciais bilaterais;

Reforçar as cadeias de produção e os sistemas de transporte para compensar possíveis interrupções futuras na disponibilidade de matérias-primas críticas para as empresas da UE (industriais e comerciais);

Reduzir a dependência de importações de materiais críticos e produtos prefabricados;

Colocar a tónica na soberania/autonomia tecnológicas da UE;

Desenvolver uma infraestrutura de redes elétricas transfronteiras (380 kV ou mais);

Assegurar a produção de transformadores para a mudança de tensão elétrica (alta/baixa, CA/CC);

Retomar os milhares de projetos de produção de energia (hidroelétrica e geotérmica, armazenamento hidrobombeado, etc.) que estão pendentes há vários anos devido a um rácio de rentabilidade inadequado (devido ao gás barato proveniente da Rússia) ou a obstáculos burocráticos;

Estudar novas tecnologias de exploração. Existem várias regiões na UE com jazidas substanciais de gás natural que pode ser extraído recorrendo a novas tecnologias recentemente desenvolvidas por universidades europeias. Tendo em conta o objetivo de soberania ou autonomia energéticas da UE, esta deve ponderar seriamente essas novas tecnologias e incentivar as regiões a experimentá-las;

Ponderar novamente, sempre que possível e necessário, a produção local de gás, petróleo e combustíveis sintéticos ou intensificar a produção existente, como medida de curto prazo.

1.10.2.

O CESE destaca a necessidade de reforçar a formação profissional e as competências dos eletricistas e agricultores, bem como de criar empregos na área da gestão dos recursos hídricos.

1.10.3.

O CESE recomenda que se aumente o número de estudantes europeus de CTEM (CTEM = Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática), uma vez que permanece inalterado, enquanto os países asiáticos aumentaram substancialmente o seu número de estudantes de física, tecnologias da informação e engenharia. Recomenda ainda a criação de iniciativas e incentivos para aumentar o número de engenheiros, técnicos e empregos de alta tecnologia na Europa, a fim de alcançar os objetivos de soberania/autonomia tecnológica da UE.

1.10.4.

Por último, mas não menos importante, o CESE considera que importa manter um elevado poder de compra dos cidadãos e dos consumidores da UE, centrando atenções na soberania/autonomia tecnológica da UE e, dessa forma, reduzindo a dependência da UE em relação às importações (de tecnologia e de energia) e aumentando o número de postos de trabalho no setor da alta tecnologia na Europa.

1.11.

Em suma, trata-se de compreender se a ordem de prioridades dos consumidores mudou, passando de «1. Ambiente; 2. Preço; 3. Segurança do aprovisionamento» para «1. Segurança do aprovisionamento; 2. Preço; 3. Ambiente».

2.   Observações na generalidade

2.1.

Definição de «gestão de emergências»: por «gestão de emergências» entende-se a organização e a gestão dos recursos e das responsabilidades para fazer face a todos os aspetos humanos das emergências, ou seja,

prevenção,

preparação,

resposta,

atenuação,

recuperação.

2.2.

Ninguém sabe quanto tempo durará esta guerra brutal na Ucrânia, quantas infraestruturas serão destruídas ou quantos milhões de refugiados ucranianos fugirão para os Estados-Membros da UE, introduzindo milhões de novos consumidores no mercado único.

2.3.

A guerra na Ucrânia terá certamente consequências dramáticas para a UE, que está fortemente dependente dos combustíveis fósseis e matérias-primas importados da Rússia e da Ucrânia. Recomenda-se um investimento urgente em instalações próprias de exploração mineira e de produção para obter energia e, dessa forma, alcançar a autonomia/soberania, que é um dos principais objetivos da UE.

2.4.

Em 2021, em alguns países europeus, 100 % das importações de gás natural e 70 % das importações de petróleo tiveram origem na Rússia. Em setembro de 2022, alguns países da UE (por exemplo, a Polónia, a Bulgária e os três Estados bálticos) tinham deixado de importar gás da Rússia e muitos países da UE tinham conseguido reduzir consideravelmente as suas importações de gás natural russo através do aumento das importações de gás de outros países, principalmente de gás natural liquefeito (GNL) através de terminais de GNL. Em resposta, os preços do gás dispararam e continuam a aumentar na UE. Em julho de 2022, os preços médios do gás na UE eram cerca de oito vezes mais elevados do que nos EUA, afetando assim negativamente a competitividade da UE.

2.5.

Por conseguinte, cresce o risco de perdas maciças de postos de trabalho na UE. Segundo a Associação Europeia da Siderurgia, a indústria siderúrgica da UE emprega diretamente 330 000 pessoas altamente qualificadas e apoia indiretamente mais 2,2 milhões de pessoas. As indústrias do alumínio, do cimento, do papel, do vidro e dos produtos químicos também empregam de forma direta ou indireta centenas de milhares de pessoas. No mercado único, as instalações de produção de energia podem proporcionar centenas de milhares de novos postos de trabalho bem remunerados e, consequentemente, aumentar o poder de compra dos consumidores da UE.

2.6.

Quanto à segurança alimentar, os países europeus procurarão sistematicamente tornar-se menos dependentes do abastecimento de trigo da Ucrânia e da Rússia. Devemos analisar a possibilidade de conceder subvenções para fertilizantes, reservar terras para a produção de alimentos para consumo humano e animal e utilizar os resíduos agroalimentares para produzir biogás.

3.   Preparação para catástrofes (4)

3.1.

A UE fez muito em matéria de preparação para situações de emergência, mas a guerra na Ucrânia demonstrou que tem de prosseguir e mesmo intensificar os seus esforços nos seguintes domínios:

Falhas de energia (apagões) causados por falhas técnicas, ciberataques, etc., que podem afetar:

sistemas de comunicação,

sistemas de saneamento, abastecimento de água e tratamento de águas residuais,

continuidade das atividades na indústria.

Planos de racionamento de eletricidade e gás para os consumidores e a indústria da UE. Este risco aumentou exponencialmente desde o início da guerra na Ucrânia.

Interrupções na disponibilidade de matérias-primas devido a ruturas na cadeia de produção ou no sistema de transportes (por exemplo, o engarrafamento que envolveu 400 grandes navios de carga no porto de Xangai, em abril de 2022, devido ao confinamento imposto por esse território por causa da COVID-19).

Ciberameaças ou ciberincidentes: como pode a UE reforçar a resiliência das empresas e assegurar a continuidade das atividades para salvaguardar os abastecimentos de que os consumidores da UE necessitam?

Outros ataques: as empresas devem ter condições para suportar os ataques e recuperar rapidamente dos mesmos.

3.2.

As emergências e as catástrofes realçam a importância dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (5). As catástrofes podem ser naturais (6) ou provocadas por acidentes industriais ou tecnológicos (máquinas criadas por seres humanos ou catástrofes nucleares, biológicas e químicas), pela guerra e catástrofes políticas e civis (7), por situações de epidemia e fome e pelo impacto da produção de alimentos para consumo humano e animal.

4.   Entidades importantes na Comissão Europeia

4.1.

A UE não carece de organismos competentes e especializados para ajudar a orientar o debate e as medidas em matéria de «Preparação para situações de emergência». Entre estes organismos figuram:

a DG ECHO (Proteção Civil e Operações de Ajuda Humanitária Europeias) (8);

o CCRE (Centro de Coordenação de Resposta de Emergência) (9);

a Rede Europeia de Conhecimentos sobre Proteção Civil (10);

o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia (MPCUE) (11).

5.   Exemplos atuais de potenciais emergências críticas para os Estados-Membros da UE, especialmente no domínio das infraestruturas de produção de energia

5.1.

Rutura na cadeia de abastecimento da produção de energia fóssil (carvão, petróleo, gás natural ou urânio). Em 2021, os combustíveis fósseis representaram aproximadamente 80 % de toda a energia primária utilizada na UE, sendo, na sua maioria, importados.

5.2.

As falhas de energia e as consequentes ruturas das comunicações provocadas por falhas técnicas, ciberguerra ou ataques terroristas. A produção de energia elétrica renovável é inconstante: nem sempre há vento ou luz solar quando a UE necessita de grandes quantidades de energia, pelo que qualquer aumento nas capacidades de produção de energia eólica ou energia solar fotovoltaica na UE implica o desenvolvimento de enormes instalações de armazenamento de energia.

5.3.

A capacidade de garantir o abastecimento de matérias-primas críticas (cobre, lítio, cobalto, elementos de terras raras, etc.) através de novas estratégias da UE para o mercado único em matéria de exploração mineira, reciclagem, etc.

5.4.

A capacidade de garantir um mercado único competitivo para abastecimento de produtos semiacabados (por exemplo, a indústria automóvel da UE enfrenta uma escassez grave de tubos isoladores de cabos produzidos na Ucrânia desde o início da guerra nesse país).

5.5.

As necessidades de materiais para o enorme número de turbinas eólicas necessário para realizar os objetivos de descarbonização da produção de eletricidade excedem a produção mundial anual de cobre por um fator de 14 (25 milhões de toneladas contra 350 milhões de toneladas necessárias), a produção mundial anual de alumínio por um fator de 7,2 e a produção mundial anual de liga de aço necessária para as turbinas eólicas por um fator de 3,9. Os painéis solares são maioritariamente produzidos na China.

5.6.

São urgentemente necessários abastecimentos maciços de combustíveis fósseis até ser construída uma quantidade suficiente de instalações de produção de energias renováveis na UE.

6.   Resposta

6.1.

Tendo em conta a magnitude do consumo de energia na UE, a transição energética da União demorará aproximadamente duas décadas. O Conselho, reunido em Versalhes, recomendou uma aceleração da transição, o que constituiria uma tarefa muito exigente.

6.2.

O principal obstáculo a uma transição mais rápida não é apenas o dinheiro, mas sim os materiais necessários para as cerca de 700 000 grandes turbinas eólicas de 5 MW de que a UE precisa e os milhões de instalações fotovoltaicas, de energia de fusão, de energia hidráulica e de armazenamento de energia. Além disso, será necessário construir instalações geotérmicas e instalações de armazenamento de hidrogénio, amoníaco e dióxido de carbono (CO2). A fim de distribuir a quantidade de energia elétrica gerada de modo descentralizado, cujo aumento será enorme, será necessário expandir a uma escala colossal as linhas de transmissão de energia de alta e de média tensão.

6.3.

Cada uma dessas 700 000 grandes turbinas eólicas de 5 MW (que produzem normalmente 12,5 GWh de energia elétrica por ano) tem uma altura de cerca de 200 metros e uma base de cerca de 2 000 toneladas de betão armado e requer aproximadamente 600 toneladas de liga de aço, 20 toneladas de cobre e um abastecimento de materiais de terras raras bastante escassos, que têm de ser importados principalmente da China ou da Rússia. Multiplicando estas toneladas de materiais necessários pelas cerca de 700 000 turbinas eólicas de que a UE precisa, torna-se evidente que precisaremos de quantidades gigantescas de betão, aço, cobre e outros materiais, cuja produção emitiria enormes quantidades suplementares de CO2. No caso dos elementos de terras raras (para os geradores de eletricidade e as baterias), como o neodímio, o disprósio, etc., o problema de escassez é ainda mais grave e seria difícil de resolver até 2050.

7.   Atenuação

7.1.

Se a Alemanha continuasse a construir turbinas eólicas ao ritmo de 2021, as 70 000 turbinas eólicas necessárias para cumprir as metas do Pacto Ecológico demorariam 160 anos a construir.

7.2.

Em resumo, muitos engenheiros afirmam que o cumprimento dos objetivos do Pacto Ecológico para 2050 é muito difícil devido à escassez de materiais (elementos de terras raras, cobre, aço, etc.) e de engenheiros e trabalhadores qualificados (p. ex. eletricistas), que são essenciais para o Pacto Ecológico da UE.

8.   Prevenção

8.1.

Pretende-se que muitas indústrias com utilização intensiva de energia passem a utilizar hidrogénio verde renovável ou amoníaco produzidos através de energia elétrica renovável até 2050, incluindo as indústrias siderúrgica, química e cimenteira. Muitas pessoas desconhecem que a transição de todas estas indústrias com utilização intensiva de energia exige aproximadamente dez vezes mais energia elétrica renovável do que a transição para a eletromobilidade e a descarbonização da indústria siderúrgica.

8.2.

A produção de ferro e aço é responsável por um quarto de todas as emissões industriais de CO2 a nível mundial. Em 2020, foram produzidos cerca de 1 870 milhões de toneladas de aço a nível mundial, dos quais aproximadamente 57 % na China e 7 % na UE. Dos 1 870 milhões de toneladas de aço produzidos a nível mundial, cerca de 1 300 milhões de toneladas (65 %) são produzidos de forma integrada em altos-fornos, num processo em que se utiliza coque para reduzir o minério de ferro, gerando emissões de CO2 muito elevadas (aproximadamente 1,4 toneladas de CO2 por cada tonelada de aço).

8.3.

Nos 27 Estados-Membros da UE, são produzidos aproximadamente 150 milhões de toneladas de aço por ano, dos quais cerca de 90 milhões de toneladas em altos-fornos. A fim de trocar a produção destes 90 milhões de toneladas de ferro fundido (reduzido em altos-fornos com coque) pela produção de ferro com recurso a hidrogénio verde renovável, seriam necessários cerca de 360 TWh de eletricidade renovável por ano (até 2050), o que constitui uma quantidade enorme! Trata-se de mais eletricidade renovável do que a necessária para eletrificar todos os automóveis de passageiros em toda a UE. Serão necessárias, no mínimo, 30 000 grandes turbinas eólicas para produzir esta eletricidade renovável para a indústria siderúrgica da UE.

8.4.

Se analisarmos o caso da União Europeia, em 2019, a produção de eletricidade foi de aproximadamente 2 904 TWh, dos quais apenas cerca de 35 % a partir de fontes renováveis. No entanto, cerca de 38 % (1 112 TWh) foram produzidos a partir de combustíveis fósseis e cerca de 26 % (765 TWh) recorrendo a energia nuclear. Apenas 13 % da eletricidade foi produzida a partir de energia eólica, 12 % a partir de centrais hidroelétricas, 4 % de centrais de energia solar, 4 % a partir de bioenergia e 2 % de fontes geotérmicas. Em 2019, a maior parte da eletricidade renovável gerada na União Europeia (1 005 TWh) foi produzida a partir de energia eólica (367 TWh, ou 42 % de toda a energia renovável). Do remanescente, 39 % foram produzidos em centrais hidroelétricas (345 TWh), 12 % em centrais de energia solar (125 TWh) e os restantes 6 % a partir de bioenergia (55 TWh).

8.5.

A expansão das centrais hidroelétricas de armazenamento por bombagem é necessária para estabilizar a rede em caso de apagão iminente.

8.6.

A agenda política em matéria de energia e clima tem de conferir maior destaque à energia hidroelétrica. As centrais hidroelétricas desenvolvidas de forma sustentável têm de ser reconhecidas enquanto fontes de energia renovável. Os governos devem incorporar centrais hidroelétricas de pequenas e grandes dimensões nas suas metas de implantação a longo prazo, nos seus planos energéticos e nos regimes de incentivo de energias renováveis, em condições de igualdade com as energias renováveis variáveis.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia.

(2)  https://www.entsog.eu/

(3)  https://www.entsog.eu/

(4)  https://ec.europa.eu/echo/what/humanitarian-aid/disaster-preparedness_en

(5)  https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/

(6)  https://www.conserve-energy-future.com/10-worst-natural-disasters.php

(7)  https://www.samhsa.gov/find-help/disaster-distress-helpline/disaster-types/incidents-mass-violence

(8)  https://ec.europa.eu/echo/index_en

(9)  https://erccportal.jrc.ec.europa.eu/

(10)  https://civil-protection-knowledge-network.europa.eu/

(11)  https://ec.europa.eu/echo/what/civil-protection/eu-civil-protection-mechanism_en


ANEXO

Os seguintes pontos do parecer da secção foram substituídos por alterações adotadas pela Assembleia, embora tenham recolhido pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

«1.3.

O CESE considera que as situações de penúria energética generalizada e duradoura a nível europeu podem ser evitadas adotando as seguintes medidas:

reforçar e desenvolver o mercado único europeu da energia;

melhorar a cooperação e a coordenação com parceiros que partilham dos mesmos valores;

concretizar uma política comercial ambiciosa e a diversificação das fontes;

combater os desajustamentos do mercado de trabalho;

melhorar a comunicação e aumentar a sensibilização;

acelerar a inovação e a digitalização;

facilitar o acesso ao financiamento;

garantir investimentos suficientes (para facilitar a transição ecológica, entre outras coisas);

garantir que as políticas são exequíveis. Por exemplo, no domínio da energia e do clima, devemos reavaliar o pacote Objetivo 55 para alcançar um equilíbrio entre o cumprimento dos objetivos para 2030 e 2050 e a procura de um caminho para esta transição que seja suportável do ponto de vista económico e social.»

Resultado da votação

Votos a favor:

95

Votos contra:

67

Abstenções:

25

«1.6.

No âmbito do conjunto de medidas a adotar, o CESE entende que parte da resposta deve consistir na execução do Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas (plano SET) e do plano REPowerEU, em particular:

Melhorar a eficiência energética e promover a circularidade;

Aplicar o plano REPowerEU para eliminar a dependência europeia dos combustíveis fósseis da Rússia;

Aumentar o armazenamento de gás e as operações de reabastecimento coordenadas; monitorizar e otimizar os mercados da eletricidade; canalizar investimentos em sistemas energéticos e reforçar a conectividade com a vizinhança imediata através da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) (*1), do Organismo dos Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE), da Rede Europeia dos Operadores das Redes de Transporte de Gás (REORT-G), da Rede Europeia dos Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade (REORT-E) e de comunidades de conhecimento e inovação (CCI) do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, como a CCI InnoEnergy, a CCI Matérias-Primas e a CCI Indústria Transformadora.

Resultado da votação

Votos a favor:

104

Votos contra:

61

Abstenções:

18

«1.10.1.

O CESE solicita à Comissão Europeia que elabore planos e adote as medidas e ações coordenadas à escala da UE a seguir indicadas:

Acelerar exponencialmente a aquisição pública de infraestruturas energéticas críticas, simplificando e agilizando a regulamentação da UE que a desacelera;

A nova Diretiva-Quadro da Água. Importa dar prioridade à garantia de um abastecimento energético rápido;

É necessário simplificar o novo regulamento da UE relativo às cadeias de abastecimento. A tónica deve ser colocada na garantia de um aprovisionamento sustentável de matérias-primas e bens essenciais na UE, negociado no âmbito de acordos comerciais bilaterais;

Reforçar as cadeias de produção e os sistemas de transporte para compensar possíveis interrupções futuras na disponibilidade de matérias-primas críticas para as empresas da UE (industriais e comerciais);

Reduzir a dependência de importações de materiais críticos e produtos prefabricados;

Colocar a tónica na soberania/autonomia tecnológicas da UE;

Desenvolver uma infraestrutura de redes elétricas transfronteiras (380 kV ou mais);

Assegurar a produção de transformadores para a mudança de tensão elétrica (alta/baixa, CA/CC);

Retomar os milhares de projetos de produção de energia (energia hidroelétrica e geotérmica, armazenamento hidrobombeado, etc.) que estão pendentes há vários anos devido a um rácio de rentabilidade inadequado (devido ao gás barato proveniente da Rússia) ou a obstáculos burocráticos;

Estudar novas tecnologias de exploração. Existem várias regiões na UE com reservatórios substanciais de gás natural que pode ser extraído recorrendo a novas tecnologias recentemente desenvolvidas por universidades europeias. Tendo em conta o objetivo de soberania ou autonomia energéticas da UE, esta deve ponderar seriamente essas novas tecnologias e incentivar as regiões a experimentá-las.»

Resultado da votação

Votos a favor:

96

Votos contra:

66

Abstenções:

30


(*1)  Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia.»»


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/22


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Euro digital

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/04)

Relator:

Juraj SIPKO

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

6.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

183/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O rápido processo de inovação tecnológica no setor financeiro tem conduzido ao desenvolvimento gradual de moedas digitais por bancos centrais no mundo inteiro. Tal como outros bancos centrais em todo o mundo, o Banco Central Europeu (BCE-Eurosistema) adotou uma decisão em julho de 2021 no sentido de lançar uma «fase de investigação» antes da possível introdução de um euro digital. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apraz-se com a continuação dos trabalhos do BCE rumo à introdução de um euro digital. Atualmente, o BCE-Eurosistema está a empregar uma abordagem faseada para a adoção de um euro digital, que segue um calendário definido previamente. No entanto, ainda não está tomada uma decisão sobre a adoção de um euro digital.

1.2.

O CESE considera muito importante a inclusão financeira e digital no âmbito da introdução de um euro digital, estando em crer que este último será benéfico para todos os intervenientes na área do euro. O euro digital deve permitir operações de pagamento mais rápidas e eficientes.

1.3.

O CESE assinala que o euro digital constituirá uma nova forma de moeda. Nesse sentido, salienta que, embora seja necessário levar em conta todos os aspetos positivos e as oportunidades que esta tecnologia proporciona, ao ponderar a sua adoção, importa também assinalar todos os seus potenciais riscos, especialmente no que toca ao setor financeiro. Por conseguinte, ao conceber o euro digital, será necessário ter em conta a vigilância, supervisão e gestão dos potenciais riscos.

1.4.

O CESE considera que a estabilidade financeira deve ser uma questão fulcral a ponderar ao avançar para a introdução de um euro digital. Assim, à medida que este progride, o BCE deve tomar todas as medidas necessárias no domínio da supervisão para combater transações ilícitas, especialmente para fins de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, bem como para combater ciberataques.

1.5.

Tendo em conta os preparativos para a eventual introdução de um euro digital, o CESE considera que há margem para tornar o sistema de pagamentos mais eficiente e competitivo. O euro digital pode reduzir os riscos, promovendo simultaneamente a estabilidade financeira.

1.6.

O CESE apoia as ações empreendidas pelo BCE-Eurosistema rumo à introdução de um euro digital. Visto que este é um projeto muito complexo, também influenciado em grande medida pelo atual desenvolvimento dinâmico de tecnologias inovadoras, será importante que o BCE exponha várias opções para a conceção do projeto. Neste sentido, será importante permitir transações em linha e fora de linha. Além disso, nas operações de pagamento transfronteiras, os sistemas terão de ser compatíveis entre si.

1.7.

O CESE está a acompanhar de perto o trabalho do BCE relativo à adoção de um euro digital, e continuará a fazê-lo. Assim, à medida que o processo decisório no BCE-Eurosistema avança, será importante adotar todas as medidas substantivas e sistémicas para selecionar o modelo mais adequado, que garanta a inclusão financeira, a estabilidade financeira e a privacidade. O BCE está a estudar e a rever vários cenários de conceção.

1.8.

Dado que se trata de um projeto complexo e particularmente exigente, que diz respeito a todos os residentes nos Estados-Membros da União Europeia, o CESE salienta a necessidade de envolver a sociedade civil nas próximas fases de preparação, negociação e debate relativamente à introdução do euro digital.

2.   Observações gerais

2.1.

A evolução contínua da tecnologia está a conduzir à rápida digitalização de todos os setores da economia, incluindo a estrutura social global. O rápido desenvolvimento e o impacto da inovação tecnológica têm-se feito sentir também no setor financeiro e nas instituições que prestam serviços de pagamentos. O rápido processo da digitalização continua também em curso no setor público.

2.2.

Os bancos centrais de todo o mundo estão atualmente a debater e a ponderar a introdução de uma moeda digital do banco central (CBDC — central bank digital currency). Atualmente, os bancos centrais das Baamas e da Nigéria já adotaram uma moeda digital como moeda com curso legal. Além disso, mais de 110 países em todo o mundo exploram a possibilidade de introduzir uma moeda digital.

2.3.

A República Popular da China foi o primeiro país do G20 a fazê-lo (1), lançando com sucesso um projeto de moeda digital que, por enquanto, não está ligado a nenhum outro banco central no mundo. Em janeiro de 2022, a Reserva Federal dos EUA publicou um estudo sobre as vantagens e desvantagens da introdução de um dólar digital.

2.4.

Cerca de 90 % dos bancos centrais, que representam 95 % do PIB mundial, estão atualmente a ponderar a adoção de uma moeda digital (2). Aproximadamente metade dos bancos centrais do mundo estão a desenvolver ou a executar testes específicos relativos à introdução de uma CBDC. Além disso, dois terços dos bancos centrais tencionam introduzir, a curto ou médio prazo, uma CBDC para transações de retalho.

2.5.

De modo geral, espera-se que a introdução de moedas digitais pelos bancos centrais conduza a uma redução dos custos e a operações de pagamento mais eficientes, rápidas e seguras.

2.6.

Este processo de adoção de moedas digitais pelos bancos centrais está associado à evolução dinâmica do mercado das criptomoedas. Além disso, o aparecimento e a rápida propagação da COVID-19 aceleraram ainda mais este processo de digitalização.

2.7.

Ao decidir sobre a introdução de moedas digitais dos bancos centrais, será importante levar em conta o impacto dessa medida na estabilidade macrofinanceira. Prevê-se que os Estados que decidiram adotar e, potencialmente, aplicar moedas digitais recolham benefícios importantes, não só em termos de velocidade, eficiência e volume das operações, mas também no que toca ao funcionamento ininterrupto do sistema de pagamentos e de liquidação.

2.8.

A introdução de um euro digital pelo Banco Central Europeu deverá ter por objetivo preservar o papel da moeda pública enquanto âncora do sistema de pagamentos e contribuir para a autonomia estratégica e eficiência económica da Europa. Deverá, além disso, contribuir para um mercado europeu de pagamentos de retalho mais justo, mais diverso e mais resiliente, assegurando ao mesmo tempo um elevado grau de privacidade e segurança. Com efeito, o Eurosistema está empenhado em cumprir normas de privacidade rigorosas. Todavia, seria necessário prever no quadro regulamentar níveis de privacidade mais elevados do que os das atuais soluções de pagamentos.

3.   Observações principais

3.1.

O CESE assinala que o BCE deve concentrar-se na redução e eliminação de potenciais riscos ao avançar na introdução de um euro digital. Quanto ao euro digital propriamente dito, estão a ser debatidos vários modelos, incluindo modelos baseados na validação por terceiros e na validação interpares e que possam funcionar em linha ou fora de linha (3).

3.2.

O CESE espera que a estratégia do BCE para adotar um euro digital passe por examinar todo o tipo de riscos inerentes e por dar atenção à adoção de medidas que eliminem possíveis riscos.

3.3.

O CESE destaca que os planos do BCE para introduzir um euro digital devem também focar-se em manter a estabilidade financeira e assegurar uma transição monetária harmoniosa. Para isso, será importante proceder a mais análises aprofundadas das diferentes características de conceção de um euro digital, incluindo na perspetiva do futuro impacto do euro digital na estabilidade macrofinanceira.

3.4.

O CESE entende que o processo de desenvolvimento tecnológico deverá ainda ter em conta outros possíveis riscos associados. Assim, a estratégia do BCE para o euro digital terá de enfrentar dois desafios, nomeadamente, assegurar a estabilidade financeira e a transição harmoniosa da política monetária, por um lado, e assegurar um processo dinâmico de desenvolvimento e inovação tecnológicos, por outro.

3.5.

O CESE antevê que seja necessário tomar todas as medidas necessárias contra o financiamento do terrorismo e outras operações ilegais, sempre que sejam efetuados pagamentos estrangeiros (4). A este respeito, o CESE entende haver uma margem de manobra considerável para uma cooperação e coordenação internacionais mutuamente benéficas entre bancos centrais e instituições monetárias/financeiras e económicas internacionais (5).

3.6.

O CESE assinala que, ao avaliar as diferentes formas de moeda, há que ter em conta as funções que desempenham, nomeadamente as funções de reserva de valor, unidade de conta e meio de troca. Um euro digital deve ser usado sobretudo como forma de pagamento, sem se tornar um instrumento para investimentos financeiros, a fim de evitar consequências negativas para o setor financeiro.

3.7.

O CESE entende que, para produzir os melhores resultados no que toca a esta função de meio de pagamento, será importante assegurar liquidez suficiente e a ausência de quaisquer restrições. O CESE assinala também que, em relações de pagamento e liquidação recíprocas, será importante aceitar quer pessoas singulares quer coletivas. No entanto, serão necessárias ferramentas que evitem a utilização do euro digital para fins de investimento (6).

3.8.

O CESE prevê que o BCE tenha de enfrentar determinados desafios ao ponderar a introdução de um euro digital, especialmente no que diz respeito à segurança dos pagamentos e à sua eficiência, à inclusão financeira, à estabilidade financeira, à transmissão da política monetária, etc. Os planos de introdução de moedas digitais por empresas do setor privado aceleraram os projetos de CBDC. É muito importante que o BCE anteveja outras fontes de concorrência provenientes de moedas digitais do setor privado (7).

3.9.

O CESE assinala que será importante que o BCE decida como identificar as condições para prevenir uma potencial falha do mercado. Além disso, será também necessário decidir como lidar com os bancos privados e com as instituições financeiras que prestam serviços de pagamentos nacionais e internacionais. O BCE terá, portanto, uma decisão importante a tomar na fase preparatória quanto ao modelo de CBDC a escolher.

3.10.

Atualmente, os modelos reconhecidos para moedas digitais dos bancos centrais são os seguintes: o modelo direto, o modelo indireto, o modelo intermediado e o modelo híbrido. Além disso, o CESE assinala que um dos maiores desafios para implantar um dos possíveis modelos para a moeda digital do BCE será a interoperabilidade entre bancos centrais (8).

3.11.

O CESE considera expectável que os sistemas de pagamentos transfronteiras para transações de retalho com o euro digital sejam suficientemente rápidos, menos onerosos, mais transparentes, mais seguros e muito mais acessíveis.

3.12.

O CESE realça que a interligação dos pagamentos de retalho facilitará a realização de transações individuais no âmbito dos diferentes modelos adotados pelos vários bancos centrais ao introduzirem o euro digital. Quanto melhor for a interoperabilidade entre os prestadores de serviços de pagamentos, maior será a satisfação dos utilizadores e dos prestadores de serviços.

3.13.

O CESE vê o euro digital como uma nova forma de moeda. A inovação tecnológica está a gerar duas formas de moeda digital, nomeadamente: a) ativos digitais dos bancos centrais e b) ativos digitais privados. Neste ponto, importa ter em conta não só a potencial concorrência, mas também o estatuto do euro digital nas relações monetárias internacionais enquanto segunda moeda de reserva mais importante.

4.   Recomendações específicas

4.1.

O CESE assinala que, se for introduzido um euro digital, o BCE, em cooperação com os bancos comerciais, assegurará que o numerário continuará a estar disponível e a poder ser usado em operações de retalho (9).

4.2.

O CESE assinala que o BCE deve vigiar todos os riscos potenciais. A «criptomoeda estável» constituirá uma medida importante para garantir a estabilidade da moeda na cadeia de blocos (10). Assim, será importante especificar de que forma o BCE lidará com este formato de moeda digital — a criptomoeda estável –, que pode também estar ligado ao euro digital.

4.3.

O CESE salienta que o numerário continuará a ser muito importante para o caráter inclusivo de uma moeda. Certos grupos da sociedade — especialmente as pessoas mais idosas e em situação de vulnerabilidade financeira — nem sempre têm acesso a contas digitais e cartões de crédito. Para estas pessoas, o numerário é a única forma de pagamento. Além disso, o numerário constitui uma proteção contra a intrusão excessiva na esfera privada dos cidadãos. O volume crescente de notas na economia faz prova da confiança nesta forma de moeda, provavelmente também na sequência da crise financeira de 2008 e como resultado desta.

4.4.

O CESE assinala que, atualmente, quase todos os bancos centrais do mundo que adotaram uma estratégia para a introdução de uma moeda digital do banco central estão a procurar estabelecê-la e estão a testar o formato, o sistema, a conceção e o modelo das suas futuras moedas digitais.

4.5.

Na opinião do CESE, o dilema com que o BCE se depara devido ao processo de inovação tecnológica (11) consiste em decidir como continuar o processo de digitalização do euro que já está em curso, assegurando ligações com outras moedas digitais de bancos centrais e assegurando ao mesmo tempo a inclusão financeira e a estabilidade macroeconómica e financeira.

4.6.

O CESE espera que a introdução de um euro digital não seja vista como uma solução para todas as questões relacionadas com esta revolução tecnológica, que ainda está a evoluir. É expectável que se assista a uma redução significativa dos métodos de pagamento em numerário. Além disso, será necessário debater a questão da soberania monetária, sobretudo apoiando o processo de digitalização associado aos pagamentos e transferências estrangeiros, e tratar também a questão fulcral da inclusão financeira. Todas estas são questões em aberto com que o BCE ainda se depara atualmente.

4.7.

O CESE chama a atenção para o facto de que não pode haver uma abordagem única aplicável universalmente ao euro digital em todos os Estados-Membros, visto que existem diferenças nacionais. Por isso, na transição para o euro digital, haverá que pensar antes de mais no âmbito de utilização desta moeda em cada país. O euro digital será disponibilizado a todos os cidadãos da área do euro, da mesma forma que o numerário está à disposição de todos os cidadãos da área do euro, independentemente do seu país. A utilização poderá variar consoante os hábitos e normas de cada país.

4.8.

O CESE entende que, ao procurar delinear as diferentes características da introdução do euro digital, será importante ter especialmente em conta as condições da privacidade, bem como a calendarização do lançamento no mercado. Será também importante utilizar as infraestruturas atuais e a nova arquitetura técnica para assegurar a segurança das operações de pagamento e dos procedimentos relativos à identificação dos clientes.

4.9.

O CESE considera que, na prática, o euro digital implicará um elevado nível de proteção da privacidade. Embora ainda não tenha sido definido um calendário com precisão, é muito importante efetuar preparativos cuidadosos nesta fase. Além disso, o CESE assinala que, ao emitir um euro digital, o BCE terá em conta todos os requisitos em matéria de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, mas tal não significa que será o próprio BCE a realizar as verificações de «conhecimento do cliente», que poderão ser feitas, por exemplo, por entidades sujeitas a supervisão, dependendo do modelo do euro digital.

4.10.

O CESE considera que será também importante aferir a soberania nacional e o impacto no sistema bancário europeu. Embora atualmente o sistema de pagamentos europeu no seu conjunto não seja completamente uniforme, é muito vantajoso o facto de ser acessível quer a pessoas singulares quer coletivas. Até agora, e desde a crise financeira mundial, o sistema tem sido relativamente eficiente, estável e seguro.

4.11.

O CESE apela à finalização da União Bancária. Uma União Bancária completa e genuína seria benéfica para continuar a reforçar a resiliência e a uniformidade do setor bancário europeu. Este aspeto é também crucial e benéfico no contexto de um potencial euro digital.

4.12.

O CESE assinala que os bancos comerciais nos países da área do euro beneficiam atualmente de condições favoráveis para as suas operações de pagamento. Neste contexto, espera-se que os bancos comerciais e outras instituições do setor financeiro, incluindo instituições que prestam serviços de pagamentos, cooperem intensamente com o BCE na conceção e introdução do euro digital.

4.13.

A introdução e aplicação de moedas digitais dos bancos centrais em países da área do euro deverá ter em conta, pelo menos, os seguintes aspetos fulcrais:

i)

ao adotar o euro digital como meio de pagamento básico, terá de continuar disponível a opção de efetuar operações de pagamento em numerário;

ii)

a necessidade de o euro digital poder ser usado e estar acessível dentro da área do euro e, potencialmente, fora dela; e

iii)

o processo de digitalização deverá possibilitar a utilização do euro em transações ao abrigo das novas condições que não existiam para pagamentos em numerário.

4.14.

O CESE acredita que o BCE está a elaborar e tenciona aplicar uma série de medidas destinadas a introduzir um euro digital, em conformidade com o calendário adotado. Além disso, salienta a necessidade de uma cooperação muito estreita no que toca a assegurar um elevado grau de interligação dos sistemas de pagamentos, não só nos Estados-Membros da área do euro mas também com outros bancos centrais no mundo e com instituições monetárias e financeiras relevantes, que também prestarão a assistência técnica necessária.

4.15.

A introdução de um euro digital exigirá a criação de um conjunto completo de condições substantivas e sistémicas para assegurar o seu funcionamento eficaz. Uma vez que tal afetará todos os cidadãos dos países da área do euro, e mesmo de todos os Estados-Membros da UE, existe uma necessidade clara de incluir a sociedade civil, a investigação e o meio académico nas próximas fases dos debates sobre a adoção e a introdução de um euro digital.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A China lançou um projeto de iuane digital em 2014 e a moeda foi utilizada durante os Jogos Olímpicos de inverno em 2022. Até à data, o iuane digital tem sido utilizado apenas no território chinês.

(2)  Para mais informações, consultar: https://news.bitcoin.com/105-countries-are-exploring-central-bank-digital-currencies-cbdc-tracker-shows/

(3)  Para mais informações, consultar:

https://www.ecb.europa.eu/paym/digital_euro/investigation/governance/shared/files/ecb.degov220504_magdesignfeatures.en.pdf?2e15ee7911b93a720fbdebe09cfa1a79

(4)  É possível obter informações adicionais no mais recente parecer do CESE sobre a matéria, relativo ao pacote legislativo em matéria de combate ao branqueamento de capitais (JO C 152 de 6.4.2022, p. 89).

(5)  As seguintes instituições são as mais estreitamente associadas ao processo de introdução de uma moeda digital dos bancos centrais: Fundo Monetário Internacional, Banco de Pagamentos Internacionais, Banco Mundial e outras instituições públicas e privadas de cariz monetário/financeiro e económico.

(6)  Para mais informações, consultar: https://www.ecb.europa.eu/paym/digital_euro/investigation/governance/shared/files/ecb.degov220711_tools.en.pdf?fb2430528d8f964513dd66ffcd8cbaf7

(7)  As moedas digitais privadas (criptomoedas) podem concorrer com as moedas digitais do banco central. Desde a crise financeira mundial, tem-se assistido a um aumento significativo das moedas digitais privadas.

(8)  Ao interligar diferentes modelos de sistemas de pagamentos transfronteiras, é importante que estes sejam compatíveis entre si.

(9)  Para mais informações, ver o anterior Parecer do CESE — Estratégia para os pagamentos de pequeno montante na UE (JO C 220 de 9.6.2021, p. 72).

(10)  A criptomoeda estável é uma criptomoeda de preço fixo cujo valor de mercado está vinculado a outros ativos. Ao contrário de outras criptomoedas, como a bitcoin, as criptomoedas estáveis podem ser indexadas a ativos, como determinadas reservas ou moedas convertíveis que podem ser transacionadas em bolsa, incluindo o dólar americano ou o euro.

(11)  A evolução tecnológica nesta matéria baseia-se num processo de descentralização da atividade financeira, como denotam as experiências que estão a ser realizadas por grandes empresas do setor tecnológico, por exemplo. O Diem/Libra e a introdução do e-CNY resultam de um processo tecnológico revolucionário.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Recapitalizar as empresas da UE — Uma solução inovadora para uma recuperação sustentável e inclusiva

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/05)

Relator:

Antonio GARCÍA DEL RIEGO

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

6.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

186/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Segundo dados recentes, o défice de capital próprio e de capital híbrido situa-se entre 450 e 600 mil milhões de euros. Esta situação coloca muitas empresas em risco, especialmente tendo em conta que estão a surgir novas tensões económicas e que as empresas da União Europeia (UE) estão sobre-endividadas. As empresas da UE dependem principalmente do financiamento bancário, pelo que é importante incentivar outras fontes de financiamento, o que exige a participação de intervenientes como gestores de ativos, companhias de seguros e fundos de pensões.

1.2.

Neste contexto, o CESE recomenda o desenvolvimento de um quadro que fomente os instrumentos financeiros híbridos, a fim de facilitar a aplicação desses instrumentos, reforçar os balanços das empresas e permitir-lhes manter o seu nível de investimento sem aumentar o seu endividamento. Deste modo, as empresas poderão manter-se competitivas e ser capazes de se adaptar ao futuro, impulsionando as suas transformações ecológica e digital.

1.3.

Os instrumentos altamente subordinados são a melhor alternativa possível, por vários motivos:

i)

já existem e são regulamentados em diferentes países europeus, sendo por isso um instrumento seguro para as micro, pequenas e médias empresas (MPME);

ii)

constituem uma solução ágil a longo prazo, fácil de aplicar, para empresas de todas as dimensões, em comparação com alternativas mais sofisticadas, como as obrigações ou as ações;

iii)

constituem um produto compatível com as empresas familiares, que representam 60 % das empresas da UE, visto que, normalmente, as famílias proprietárias pretendem manter o controlo das suas empresas.

1.4.

Para ser uma solução eficaz, estes instrumentos devem ter um estatuto de quase capital, de modo a não contar como dívida nos balanços, e ser classificados imediatamente antes do capital próprio na cascata de pagamentos em caso de liquidação de uma empresa.

1.5.

Para produzir um grande impacto, chegando a empresas de todas as dimensões, a melhor opção é um sistema em que haja colaboração entre as instituições privadas e públicas, nomeadamente, bancos, gestores de ativos, investidores do setor público e investidores institucionais (seguradoras e fundos de pensões).

1.6.

Esta recomendação serve um objetivo a longo prazo, com uma solução que pode ser aplicada a curto prazo, e apoiaria a União dos Mercados de Capitais (UMC). Um modelo de instrumento à escala da UE poderia beneficiar da visibilidade, da liquidez e da escala do mercado único e gerar uma ampla aceitação entre os investidores institucionais que procuram perfis de risco de dívida e de tipo híbrido, mas com rendimentos mais elevados, respondendo também às necessidades das empresas de menor dimensão. Com uma dimensão suficiente à escala da UE, um quadro bem-sucedido poderia evoluir para uma categoria de ativos bem definida capaz de incentivar o investimento e a integração na UE.

2.   Contexto

2.1.

As pequenas e médias empresas (PME) são o núcleo da economia: na UE-27, representam 99,8 % do número total de empresas, quase dois terços (65 %) do emprego e mais de metade (53 %) do valor acrescentado gerado pelo setor empresarial não financeiro (1). São a economia real e o principal fator de coesão social em muitas regiões europeias. Em 2020, havia mais de 22,5 milhões de PME. Existem pouco menos de 200 mil empresas de média dimensão, mas representam 17,3 % do valor acrescentado e 16 % do emprego (2).

2.2.

A COVID-19 atingiu duramente a economia ao longo de 2020 e durante parte de 2021, mas a resposta rápida dos governos, com medidas públicas temporárias, impediu uma vaga generalizada de falências relacionadas com a COVID-19, principalmente através de soluções para resolver problemas de liquidez e de curto prazo que resultaram no sobre-endividamento das empresas da UE.

2.3.

O fim da maioria das medidas de apoio público já concedidas coincide com novas tensões que afetam as economias mundial e europeia, como a crise energética, a inflação, o fim da política monetária flexível do Banco Central Europeu (BCE), o alargamento dos prémios de risco, o aumento das despesas de financiamento, os problemas nas cadeias de abastecimento e a invasão da Ucrânia pela Rússia.

2.4.

A posição da Europa como líder da transição ecológica exigirá grandes investimentos de agentes públicos e privados. O enfraquecimento da posição das PME poderá dificultar a sua adaptação às novas normas e mantê-las aquém das grandes empresas ou das empresas de média dimensão de outras partes do mundo.

2.5.

Dado que uma elevada percentagem de empresas está sobre-endividada (3) e, ao mesmo tempo, necessita de recursos a longo prazo para enfrentar os desafios futuros, são necessárias novas soluções que reforcem o capital das MPME e das pequenas empresas de média capitalização. As iniciativas existentes a nível europeu, como o programa ESCALAR do Banco Europeu de Investimento, visam geralmente empresas de elevado crescimento que são consideradas empresas jovens de acelerado crescimento ou empresas em fases iniciais que são financiadas por fundos de capital de risco. As novas soluções devem complementar as soluções já em vigor e centrar-se nas MPME e pequenas empresas de média capitalização existentes e estabelecidas, que constituem a maioria das empresas europeias.

2.6.

Alguns países lançaram medidas seletivas para reforçar a capacidade de investimento das empresas, evitando simultaneamente o risco de «inviabilização». Em Espanha e França, estes programas representam mais de 30 mil milhões de euros para 15 mil empresas (4), utilizando os empréstimos altamente subordinados como principal instrumento e a notação de risco como critério de seleção para garantir que os beneficiários são empresas viáveis.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O sobre-endividamento das empresas europeias exige algum tipo de instrumento de recapitalização que lhes permita manter ou aumentar o seu esforço de investimento. Até ao momento, os mercados públicos têm apoiado de forma razoavelmente adequada as empresas cotadas em bolsa, mas os mercados privados não têm profundidade suficiente para apoiar as empresas de menor dimensão. Estima-se que o défice de capital próprio e de capital híbrido que a UE poderá enfrentar devido à pandemia e à redução das medidas de apoio estatal se situe entre 450 e 600 mil milhões de euros (5).

3.2.

As MPME e as pequenas empresas de média capitalização referem, de um modo geral, que têm mais dificuldade do que as grandes empresas em aceder ao financiamento, especialmente o financiamento a longo prazo:

3.2.1.

Segundo o inquérito SAFE (6), uma percentagem maior dessas empresas afirma que enfrenta obstáculos (7 % das PME em comparação com 4 % das grandes empresas), tem taxas de sucesso mais baixas (72 % contra 85 %) e taxas de rejeição mais elevadas (6 % contra 2 %) e obtém piores condições quando pede um empréstimo.

3.2.2.

As empresas familiares representam mais de 60 % de todas as empresas europeias (com valores que ascendem a 85 % em Espanha e 75 % em Itália, França e Alemanha (7)). É menos provável que estas empresas procurem alternativas de capital próprio para financiamento a longo prazo que exijam a renúncia ao controlo da empresa.

3.3.

Além disso, as PME tendem a ter uma carteira menos diversificada de instrumentos financeiros externos, que são frequentemente baseados em bancos e orientados para utilizações a curto prazo.

i)

A dependência das PME em relação aos bancos continua a ser elevada na área do euro, com 70 % do financiamento externo a depender dos bancos, contra 40 % nos EUA (8).

ii)

Constata-se que 63 % das grandes empresas declaram utilizar fundos para investimentos em capital fixo, em comparação com 38 % das PME e apenas 28 % das microempresas (9).

3.4.

Por conseguinte, o presente parecer de iniciativa recomenda o desenvolvimento de um quadro comum para os instrumentos financeiros altamente subordinados que estimule a recapitalização das empresas da UE. Esse quadro deve assegurar que estes instrumentos assumem uma posição de quase capital, de modo a não afetar o rácio de dívida das empresas nem a sua notação.

3.4.1.

O presente parecer insta a UE a tomar medidas coletivas para desenvolver adequadamente este quadro comum, em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, permitindo a intervenção da União quando, devido à dimensão e aos efeitos da ação proposta, os objetivos de uma ação puderem ser mais bem alcançados ao nível da União.

3.4.2.

Um quadro deste tipo para os instrumentos altamente subordinados deve:

i)

colmatar o referido défice de financiamento a longo prazo para reforçar os balanços e apoiar o investimento;

ii)

proporcionar às empresas familiares um instrumento para impulsionar os seus investimentos a longo prazo sem renunciar ao controlo da sua empresa, pois os estudos mostram que estão dispostas a distribuir uma parte dos lucros e/ou a emitir instrumentos híbridos (10);

iii)

ser compatível com as práticas dos principais prestadores de serviços financeiros (bancos comerciais, gestores de ativos, setor público), para que possa chegar à maioria das empresas;

iv)

ajudar a atrair investidores institucionais, como as companhias de seguros e os fundos de pensões, sujeitos ao Regulamento sobre os documentos de informação fundamental para pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros (PRIIP) (11), que gerem as poupanças e são um interveniente fundamental para canalizar mais ativos para a economia real.

3.5.

Existem diferentes instrumentos altamente subordinados que podem ser utilizados para reforçar os balanços das PME e das empresas de média capitalização, tais como obrigações, obrigações convertíveis, sistemas de ações duplas e empréstimos híbridos (tais como empréstimos participativos):

i)

As empresas de grande capitalização são as que mais utilizam a emissão de obrigações, nomeadamente para grandes emissões. Esses processos são complexos e dispendiosos. Por exemplo, embora a utilização de obrigações de empresas tenha aumentado consideravelmente nos últimos anos, existem apenas 2 mil emitentes ativos no total, principalmente empresas de maior dimensão (12).

ii)

As obrigações convertíveis privadas têm como principal vantagem o facto de serem extremamente flexíveis em termos de estrutura, uma vez que se trata de um contrato privado. No entanto, implicam também um baixo nível de segurança para as empresas mais pequenas, que geralmente possuem menos literacia financeira, e custos de transação elevados. São utilizadas principalmente por fornecedores de capital de risco sofisticados.

iii)

Os sistemas de ações duplas referem-se à emissão de duas categorias de ações, tendo uma delas geralmente associados direitos de voto limitados ou inexistentes, embora proporcione capital próprio. Embora este instrumento seja permitido em alguns Estados-Membros (13) (como os países nórdicos, Polónia, Portugal e Itália), em muitos outros (como Alemanha, França e Espanha) não o é, afigurando-se difícil alcançar uma implantação em grande escala, uma vez que exigiria um elevado grau de adaptação à empresa emissora das ações.

iv)

Os empréstimos híbridos são instrumentos de dívida altamente subordinados e orientados para o longo prazo (geralmente incluindo períodos de tolerância). Trata-se de um instrumento regulamentado em muitas jurisdições, que confere maior segurança às empresas e torna o processo mais ágil, uma vez que o produto não é criado em cada operação. Além disso, não penaliza as empresas em termos de endividamento, uma vez que ocupa a última posição na ordem de reembolso, antes do capital próprio.

 

Implantação

Viabilidade

Histórico

Proteção das empresas

Proteção dos investidores

Obrigações

Baixa

Alta

Baixo

Média

Alta

Obrigações convertíveis

Média

Média

Baixo

Baixa

Alta

Ações duplas

Baixa

Média

Médio

Alta

Média

Empréstimos híbridos

Alta

Alta

Médio-alto

Alta

Média

Fonte: Inbonis Rating.

3.6.

Um instrumento de empréstimo híbrido é a melhor alternativa, por vários motivos:

i)

representa uma solução a longo prazo que é fácil de aplicar e proporciona maior proteção às empresas, em comparação com as obrigações ou as ações;

ii)

para as MPME, assegura que não há diluição ou perda do controlo, tendo simultaneamente vantagens nos custos, como a dedutibilidade fiscal ou custos de emissão mais baixos);

iii)

para os mutuantes, oferece um retorno atrativo, sem necessidade de envolver os detentores nas decisões das empresas;

iv)

os empréstimos participativos, que são um tipo de empréstimo híbrido, já existem e são regulamentados em muitos países europeus, como Espanha (préstamos participativos), França (prêts participatifs), Alemanha (Partiarisches Darlehen) ou, mais recentemente, Portugal (empréstimos participativos(14).

3.6.1.

Os empréstimos híbridos são o instrumento escolhido por diferentes iniciativas públicas e privadas para fazer face à falta de financiamento de capital em toda a UE: existem pelo menos seis programas em três Estados-Membros, bem como alguns programas do Fundo Europeu de Investimento, que utilizam este empréstimo participativo híbrido:

i)

França tem o programa Relance, um programa de dívida subordinada apoiado pelo Estado no valor de 12,7 mil milhões de euros, destinado a 10 mil empresas, principalmente PME, utilizando empréstimos participativos e obrigações subordinadas. Este programa é distribuído pelos bancos e financiado por investidores institucionais.

ii)

Em Espanha, o fundo de mil milhões de euros para a recapitalização de empresas afetadas pela COVID-19 destina-se a PME e empresas de média capitalização com problemas de solvabilidade mas viáveis, utilizando empréstimos participativos.

iii)

Também em Espanha, existe um fundo de apoio ao investimento industrial produtivo, num montante total de 9 mil milhões de euros a 15 anos (600 milhões de euros por ano), financiado por fundos públicos, que utiliza dívida regular, empréstimos participativos e capital próprio, destinado a empresas com projetos de investimento industrial.

iv)

Em Valência, o banco de desenvolvimento regional, Instituto Valenciano de Finanzas, lançou vários programas de financiamento que utilizam um empréstimo participativo para apoiar as PME e as empresas de média capitalização estratégicas com um projeto de investimento, num montante total de 400 milhões de euros por ano.

v)

Os Países Baixos lançaram um programa de apoio a empréstimos subordinados para PME, no valor de 400 milhões de euros.

3.7.

A fim de assegurar uma implantação eficaz que chegue a todas as MPME e tenha o máximo impacto, o melhor sistema operacional é aquele em que há múltiplas entidades cedentes e distribuidores, tanto do setor público como privado, que podem não coincidir. Entre as entidades cedentes contam-se os bancos, os gestores de ativos e também o setor público, ao passo que os investidores podem ser os próprios bancos, o setor público ou investidores institucionais (seguradoras e fundos de pensões). Este quadro diz respeito a operações de cedência novas e não à titularização de operações já existentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, em França, com o programa Relance (15).

3.8.

Atenuação da potencial perceção do risco num sistema de empréstimos híbridos distribuído em grande escala em toda a Europa:

Perceção do risco

Solução

Supervisão do sistema bancário paralelo

A inclusão de instrumentos de gestão do risco, como a notação de risco, eliminaria o risco do sistema bancário paralelo.

Exclusão dos bancos

Um instrumento de empréstimo híbrido restabeleceria a solvabilidade das empresas, pelo que os bancos estariam dispostos a continuar a conceder-lhes empréstimos.

Compatibilidade com a iniciativa DEBRA (Debt Equity Bias Reduction Allowance, dedução para reduzir a distorção dívida-capital próprio)

Esta iniciativa procura igualmente evitar o sobre-endividamento das empresas, pelo que é compatível com o objetivo principal da iniciativa DEBRA.

Restabelecimento da solvabilidade das empresas não viáveis

A introdução de normas de mercado, como a notação de risco, impediria as empresas não viáveis de acederem a estes instrumentos. Muitos programas públicos que utilizam empréstimos participativos incluíram este requisito.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O quadro proposto para empréstimos híbridos deve cumprir determinadas normas que o tornem atrativo para todas as partes interessadas: empresas, prestadores de serviços financeiros que atuam como distribuidores e investidores institucionais.

4.2.

É essencial que o quadro assegure que este tipo de empréstimo híbrido seja considerado capital próprio, com os seguintes efeitos:

i)

Para o cálculo do rácio dívida-capital, de modo a não aumentar o endividamento existente ou não ter impacto excessivo no rácio dívida-capital. Por exemplo, em França, o artigo L313-14 do Code monétaire et financier [Código Monetário e Financeiro] estabelece que os empréstimos participativos são tratados como capital próprio para efeitos da avaliação da situação financeira das sociedades beneficiárias.

ii)

Para efeitos de redução do capital. É este o caso, por exemplo, na regulamentação espanhola, que estabelece que os empréstimos participativos são incluídos no cálculo do capital próprio para efeitos de redução de capital e liquidação de empresas e que o reembolso antecipado ou a amortização de empréstimos participativos só pode ocorrer se for seguido de um aumento de capital no mesmo montante (16).

iii)

Em caso de insolvência, os empréstimos híbridos devem ter um estatuto subordinado, abaixo das dívidas ordinárias ou dos credores comuns e acima dos acionistas. Interpretar a dívida de outra forma poria provavelmente em causa a capacidade das empresas para aumentar a dívida a partir de fontes tradicionais. Um dos objetivos do plano de ação para a UMC é alcançar uma maior convergência entre os regimes nacionais de insolvência, que diferem entre os Estados-Membros da UE.

4.2.1.

Há casos em que os empréstimos híbridos são considerados capital próprio de acordo com as normas internacionais de relato financeiro (IFRS) e o quadro de Basileia II. Por exemplo, quando um empréstimo híbrido tem maturidade perpétua, pode ser considerado capital próprio ao abrigo das normas IFRS, devido ao seu estatuto de altamente subordinado (17). Em geral, os instrumentos híbridos podem ser considerados capital próprio se forem não garantidos, subordinados e totalmente desembolsados, se não forem reembolsáveis por iniciativa do detentor, se puderem ser utilizados para cobrir perdas e se for possível adiar a obrigação de pagar juros (18).

4.2.2.

O CESE recomenda a alteração da Diretiva Contabilística 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (19), a fim de harmonizar o procedimento contabilístico para os empréstimos híbridos ou outros tipos de dívida com um prazo de vencimento superior a oito anos (20), com um período de tolerância de pelo menos três anos e com uma taxa de juro variável, em parte ligada ao «sucesso» definido de forma discricionária (por exemplo, em função do crescimento, da rentabilidade, etc.). Esta alteração facilitará o cálculo dos empréstimos híbridos como capital próprio aquando do cálculo do património líquido de uma sociedade para efeitos de direito comercial, tratando-os como capital próprio ou fundos próprios para efeitos contabilísticos.

4.3.

Para evitar incertezas, o instrumento deve manter a sua contrapartida de dívida para outros fins (ou seja, fiscais e legais), pelo que a emissão de um instrumento equiparável a capital próprio não deve implicar a perda do controlo de voto pelas empresas.

4.3.1.

Outro ponto importante tanto para as empresas como para os investidores é o facto de os juros periódicos pagos sobre o instrumento de dívida subordinada não poderem ser sujeitos a qualquer retenção ou dedução na fonte, de modo que o consórcio receba o rendimento de juros em termos brutos.

4.4.

No que diz respeito ao investimento, um instrumento de quase capital como o proposto seria considerado um instrumento elegível para os fundos europeus de investimento a longo prazo (ELTIF), em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento ELTIF (21), permitindo a sua integração imediata no ecossistema financeiro.

4.4.1.

Os ELTIF poderiam posteriormente ser comercializados na UE através da publicação de um prospeto ou de um documento de informação fundamental que cumpra os requisitos do Regulamento Prospeto (22) ou do regulamento relativo aos pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros, respetivamente. Tal ajudaria a integrar os pequenos investidores na dívida privada e na economia real, algo que ainda não foi alcançado com as iniciativas de financiamento por empréstimo colaborativo.

4.4.2.

De preferência, o instrumento deve incorporar normas de mercado, tais como notações de risco emitidas por agências registadas na Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) ou avaliações com base em indicadores ambientais, sociais e de governação, a fim de reforçar a carteira de investidores.

4.5.

Por último, esta iniciativa apoiaria a UMC. Uma abordagem à escala da UE, com um modelo de instrumento europeu comum, poderia beneficiar da visibilidade, da liquidez e da escala do mercado único e gerar uma ampla aceitação entre os investidores institucionais que procuram perfis de risco de dívida e de tipo híbrido, mas com melhores rendimentos, respondendo também às necessidades das empresas de menor dimensão. Com uma dimensão suficiente à escala da UE, um quadro bem-sucedido poderia evoluir para uma categoria de ativos bem definida capaz de incentivar o investimento e a integração na UE.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Relatório anual 2020/2021 sobre as PME europeias, Comissão Europeia, julho de 2021.

(2)  Relatório anual 2020/2021 sobre as PME europeias, Comissão Europeia, julho de 2021.

(3)  O rácio da dívida aumentou 18,8 pontos percentuais entre final de 2019 e início de 2021, atingindo um máximo de 164,4 %. Boletim Económico do BCE, número 2/2022.

(4)  Ministério da Economia de França, COFIDES, SEPIDES, Instituto Valenciano de Finanzas.

(5)  «Recapitalising EU businesses post COVID-19» [Recapitalizar as empresas da UE após a COVID-19], AFME e PwC.

(6)  «Survey on the access to finance of enterprises (SAFE)» [Inquérito sobre o acesso das empresas ao financiamento], Comissão Europeia, novembro de 2021.

(7)  Empresas Familiares Europeias.

(8)  «European SMEs Financing Gap» [Défice de financiamento das PME europeias], Euler Hermes.

(9)  «Survey on the access to finance of enterprises (SAFE)» [Inquérito sobre o acesso das empresas ao financiamento], Comissão Europeia, novembro de 2021.

(10)  «Recapitalising EU businesses post COVID-19» [Recapitalizar as empresas da UE após a COVID-19], AFME e PwC.

(11)  Regulamento (UE) n.o 1286/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, sobre os documentos de informação fundamental para pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros (PRIIPs) (JO L 352 de 9.12.2014, p. 1).

(12)  «The rise of non-bank finance and its implications for monetary policy transmission» [O aumento do financiamento não bancário e as suas implicações para a transmissão da política monetária], 2021, BCE.

(13)  «Study on minority shareholders protection» [Estudo sobre a proteção dos acionistas minoritários], relatório final, Comissão Europeia.

(14)  Regime jurídico dos empréstimos participativos estabelecido pelo Decreto-Lei n.o 11/2022, de 12 de janeiro.

(15)  «Dispositif de garantie aux fonds de prêts participatifs et d’obligations subordonnées» [Mecanismo de garantia de fundos para empréstimos participativos e obrigações subordinadas], Comissão Europeia.

(16)  Resolução, de 20 de dezembro de 1996, do Instituto de Contabilidad y Auditoría de Cuentas (Instituto de Contabilidade e Auditoria).

(17)  Decisão da Comissão SA.60113 (2021/N) — Finlândia — COVID-19, auxílio estatal à Finnair.

(18)  Basileia II. 4. Dívida híbrida/instrumentos de capital, anexo 1-A. Definição de capital. d) Dívida híbrida/instrumentos de capital.

(19)  Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho (JO L 182 de 29.6.2013, p. 19).

(20)  Importa recordar que a vida média de uma empresa ronda esse número e é ainda inferior (cinco anos) no caso das participações privadas.

(21)  Regulamento (UE) 2015/760 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo aos fundos europeus de investimento a longo prazo (JO L 123 de 19.5.2015, p. 98).

(22)  Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativo ao prospeto a publicar em caso de oferta de valores mobiliários ao público ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado, e que revoga a Diretiva 2003/71/CE (JO L 168 de 30.6.2017, p. 12).


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Considerações adicionais sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022

[COM(2021) 740 final]

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/06)

Relatora:

Judith VORBACH

Decisão da Plenária

24.3.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

6.10.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

133/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Desde a adoção do primeiro parecer sobre a Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022, houve uma mudança drástica da situação, devido à agressão da Rússia contra a Ucrânia. Em consequência, as estimativas de crescimento do produto interno bruto (PIB) real da União Europeia (UE) foram revistas em baixa e as previsões em matéria de inflação na área do euro foram revistas para valores mais elevados, atingindo um máximo histórico, desencadeado em grande medida por uma escalada dos preços no mercado do gás. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reconhece que todos os objetivos fundamentais de uma política económica orientada para a prosperidade estão sob pressão, ao mesmo tempo que a fragmentação geoeconómica, as tensões e a crise da COVID-19 continuam a ser fatores de risco graves.

1.2.

O CESE reitera explicitamente o seu apelo para uma abordagem equilibrada da política económica, que resolva os problemas de longa data e responda às crises atuais. Os objetivos da UE consagrados no artigo 3.o do TUE são a base da prosperidade, estabilidade política, convergência ascendente, competitividade e resiliência passadas, presentes e futuras da UE. Não se pode permitir que a crise atual comprometa a equidade e os objetivos ambientais. No que se refere à escalada dos preços, é imperioso proteger as empresas mais vulneráveis e especialmente expostas, em especial as PME. Além disso, é fundamental salvaguardar o poder de compra das famílias com rendimentos baixos e médios, que constituem uma parte muito importante da procura económica. A solidariedade com o povo da Ucrânia, o reforço da autonomia estratégica da UE e a luta pela paz devem também estar em primeiro plano.

1.3.

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) tornou-se um instrumento fundamental no cumprimento das prioridades estratégicas da UE ao abrigo do Semestre Europeu (o «Semestre»). Ajudou a estabilizar a economia durante a pandemia e está a desempenhar um papel fundamental na resposta à crise atual. O CESE insta a que os planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR) sejam aplicados de modo a terem um impacto tangível no bem-estar das pessoas. Uma vez que as recomendações específicas por país (REP) desempenharão um papel mais importante, o CESE preconiza um acompanhamento rigoroso e uma abordagem equilibrada. O CESE insta a uma reforma do Semestre que garanta uma participação de qualidade da sociedade civil organizada. No que se refere aos PRR, o CESE acolhe com agrado a recomendação de tirar «partido da aplicação bem-sucedida do princípio da parceria» e insta a que se torne obrigatória a participação da sociedade civil organizada.

1.4.

O CESE acolhe favoravelmente o estabelecimento de metas mais ambiciosas em matéria de eficiência e de energias renováveis e frisa que a sustentabilidade ambiental tem de estar em primeiro plano, além de apelar para que se promova, com urgência, uma reforma do mercado europeu da eletricidade. É necessário um investimento em grande escala para promover a transição ecológica e aumentar a autonomia estratégica, pelo que o CESE insta a Comissão a apresentar uma visão estruturada que indique quais os fundos da UE que devem ser utilizados e em que medida o investimento deve ser garantido por programas da UE, Estados-Membros ou instrumentos de financiamento privados ou mistos. O CESE recomenda a aplicação de um fundo de ajustamento às alterações climáticas e o reforço, no futuro, do Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) e/ou do Programa InvestEU. O CESE chama a atenção para o perigo de cortar fundos relacionados com objetivos sociais quando da restruturação de fundos ou da elaboração do novo quadro financeiro plurianual.

1.5.

A realização do mercado único deve reforçar a convergência ascendente entre os Estados-Membros. Importa superar as distorções e os obstáculos e ajudar as regiões a explorar plenamente o seu potencial. É necessária uma evolução na realização do mercado de capitais e da União Bancária, bem como a execução da estratégia para o financiamento sustentável, a fim de assegurar a estabilidade do mercado financeiro. O CESE defende a aplicação de uma abordagem equitativa e equilibrada à melhoria do enquadramento empresarial e da produtividade. A formação e a investigação continuam a ser instrumentos fundamentais para impulsionar a competitividade, uma dupla transição justa e a autonomia estratégica. O CESE acolhe favoravelmente as propostas destacadas na Comunicação da Comissão — Rumo a uma economia ecológica, digital e resiliente: o nosso modelo europeu de crescimento, mas realça igualmente a importância de reforçar a autonomia estratégica, transferindo a produção de produtos essenciais para a UE, sem negligenciar os objetivos sociais e ambientais.

1.6.

A Comissão defende, corretamente, que o apoio público destinado a estimular o investimento privado deve ser bem orientado para projetos com um claro valor acrescentado e que a política de concorrência deve desempenhar um papel fundamental. O CESE sublinha a importância da transparência e do acompanhamento para assegurar a integridade e alcançar os objetivos pretendidos. Há que evitar os efeitos inesperados assegurando que os investimentos que, de qualquer forma, seriam realizados não são subsidiados, e os orçamentos públicos não devem estar sobrecarregados de riscos. Por fim, as medidas de auxílio estatal devem também ficar vinculadas à criação de empregos de qualidade e ao respeito pelos direitos dos trabalhadores, assim como ao cumprimento das normas ambientais e das obrigações orçamentais.

1.7.

O CESE apoia as recomendações da Comissão de permitir o funcionamento dos estabilizadores automáticos, a intensificação do investimento e a continuação da aplicação da cláusula de derrogação de âmbito geral ao longo de 2023. Contudo, tem algumas reservas relativamente à limitação do crescimento das despesas correntes financiadas a nível nacional abaixo do crescimento do produto potencial de médio prazo e à intenção de reavaliar a necessidade de dar início a procedimentos relativos aos défices excessivos na primavera de 2023. Até ao momento, as regras orçamentais da UE praticamente não foram executadas e nunca foram aplicadas sanções. O CESE reitera o seu apelo para que o quadro orçamental seja modernizado através da definição de metas realistas e da aplicação de uma «regra de ouro», sem comprometer a sustentabilidade orçamental a médio prazo, apresentando simultaneamente orientações para um período de transição. É necessário salvaguardar o bom valor do euro através de uma abordagem monetária e orçamental equilibrada, de harmonia com uma boa governação macroeconómica. Por fim, o CESE salienta que um sistema equitativo de receitas e despesas constitui uma condição prévia para a sustentabilidade orçamental.

2.   Observações na generalidade

2.1.

Em fevereiro de 2022, o CESE adotou um parecer sobre a Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022 (1). Nessa altura, a UE acabava de passar pela recessão mais profunda da sua história (2), tendo adotado medidas de apoio sem precedentes para atenuar as consequências e evitar uma situação instável. Com o Instrumento de Recuperação da União Europeia, a UE atingiu uma nova fase em matéria de política económica e de solidariedade. Com a Comissão a atribuir um papel significativo ao Semestre no âmbito do MRR, aumentando a sua importância para a coordenação estratégica, o CESE reiterou o seu apelo para uma maior participação da sociedade civil organizada. Além disso, acolheu favoravelmente a agenda em matéria de sustentabilidade competitiva, embora salientando que as suas quatro dimensões — sustentabilidade ambiental, produtividade, equidade e estabilidade macroeconómica — devem ser colocadas em pé de igualdade, a fim de alcançar o reforço mútuo pretendido e uma transição ecológica e digital justa.

2.2.

Tal como em anos anteriores, o aditamento ao parecer tem em consideração o processo do Semestre em curso e fornece contributos para o próximo ciclo. Este facto é particularmente relevante este ano. Desde a agressão da Rússia à Ucrânia, o cenário geopolítico mudou drasticamente, as prioridades alteraram-se e as políticas foram adaptadas, conforme refletido nas comunicações sobre o plano REPowerEU (3) e sobre o nosso modelo europeu de crescimento (4). O Semestre, que está a passar, ele próprio, por uma mudança sistémica, revelou-se um quadro credível para a coordenação de políticas da UE durante a pandemia. No pacote da primavera, as implicações da crise atual estão novamente refletidas de forma circunstanciada. Tal como a comunicação (5), o presente parecer está estruturado em torno das dimensões da agenda em matéria de sustentabilidade competitiva.

2.3.

A guerra na Ucrânia e as sanções subsequentes, juntamente com as medidas de contenção aplicadas na China e a desaceleração do crescimento nos EUA, estão a afetar a economia da UE. A subida acelerada dos preços da energia e dos produtos alimentares está a fomentar a inflação, que, por sua vez, está a corroer o poder de compra e a entravar a competitividade. A UE está numa posição vulnerável devido à sua localização geopolítica, à sua grande dependência de combustíveis importados e à sua enorme integração nas cadeias de valor mundiais. Nas previsões do verão, as estimativas de crescimento do PIB real foram revistas em baixa para 2,7 % em 2022, enquanto as previsões em matéria de inflação foram revistas para valores mais elevados, atingindo um máximo histórico, em média, de 8,3 % em 2022 (6). A Comissão salienta que a natureza e a dimensão sem precedentes dos choques provocados pela guerra tornam as projeções extremamente incertas. Novos aumentos de preços, combinados com efeitos indiretos, podem intensificar as forças de estagflação, sendo provável que haja repercussões políticas. As tensões geopolíticas e a COVID-19 continuam a ser fatores de risco graves (7).

2.4.

A crise recente exerce pressão sobre todos os objetivos fundamentais de uma política económica orientada para a prosperidade (8), nomeadamente sustentabilidade ambiental, crescimento sustentável e inclusivo, pleno emprego e postos de trabalho de qualidade, distribuição equitativa, saúde e qualidade de vida, estabilidade dos mercados financeiros, estabilidade dos preços, comércio equilibrado baseado numa estrutura industrial e económica justa e competitiva, e estabilidade das finanças públicas. O CESE reitera explicitamente o seu apelo para uma abordagem política equilibrada, centrada em todos estes objetivos, para resolver os problemas de longa data e responder devidamente às crises atuais recentes, em consonância com o artigo 3.o do TUE. Manter-se fiel aos seus objetivos e princípios foi a base da prosperidade da UE no passado, mas constitui também a base para a estabilidade política presente e futura, a convergência ascendente, a competitividade e a resiliência a novas crises. A reação da UE à agressão russa não deve comprometer a equidade e os objetivos ambientais.

2.5.

São vários os motivos que conduziram à escalada sem precedentes dos preços, incluindo também as deficiências das políticas europeias. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, tem razão quando afirma que o atual sistema do mercado da eletricidade, tal como está concebido, já não funciona e tem de ser reformado (9). O CESE insta a Comissão e o Conselho a avançarem rapidamente com uma reforma do mercado da energia da UE e, como parte desse processo, a combaterem também a volatilidade prejudicial a curto prazo e os aumentos dos preços a longo prazo. O CESE apela veementemente para a adoção de medidas drásticas, extraordinárias e também temporárias. Entre os possíveis pontos de partida contam-se o «efeito da ordem de mérito», a bolsa de energia da UE (EEX), o abuso do poder de mercado e o impacto de transações especulativas e da negociação de alta frequência. Os preços da eletricidade devem ser dissociados dos preços do gás e devem ser ponderados limites de preços. Os ganhos excecionais devem ser tributados, tendo o cuidado de não desencorajar os investimentos em soluções hipocarbónicas.

2.6.

O eixo fundamental das prioridades da UE deve ser a solidariedade com o povo da Ucrânia, o reforço da autonomia estratégica da UE e a luta pela paz. Este facto está em consonância com o artigo 21.o do TFUE, que dispõe, nomeadamente, que a União deve prosseguir políticas no sentido de «[s]alvaguardar os seus valores, interesses fundamentais, segurança, independência e integridade», «[c]onsolidar e apoiar a democracia» e «[p]reservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional». Para tal, o CESE reconhece ainda os objetivos consagrados na Declaração de Versalhes do Conselho, a saber, reforçar a soberania da UE mediante a redução das suas dependências estratégicas, aumentar a segurança do aprovisionamento no domínio das matérias-primas críticas e eliminar progressivamente a dependência da Rússia no que toca aos combustíveis fósseis. O CESE congratula-se com as medidas que estão a ser tomadas para eliminar progressivamente a dependência em relação aos combustíveis fósseis e apela para a adoção de medidas adicionais nesse sentido.

2.7.

O MRR tornou-se um instrumento fundamental para o cumprimento das prioridades estratégicas da UE ao abrigo do Semestre e, de facto, já ajudou de forma decisiva a estabilizar a economia durante a pandemia, a amplificar a dupla transição e a intensificar a cooperação entre a Comissão e os Estados-Membros. Doravante, o MRR desempenhará um papel fundamental na mobilização e canalização dos recursos, para responder à crise recente e executar o plano REPowerEU. Os Estados-Membros são convidados a propor um capítulo específico do plano REPowerEU nos respetivos PRR, com base nas novas REP. O CESE sublinha a importância da execução eficaz e sustentável dos PRR atualizados, para que possam ter um impacto positivo e tangível no bem-estar das pessoas. Contudo, vincular a consecução dos objetivos estabelecidos nos PRR ao desembolso de parcelas do MRR aumenta a importância das REP. Esta alteração dos procedimentos deve ser acompanhada e avaliada, e o CESE insta a Comissão e o Conselho a assegurarem uma abordagem equilibrada.

2.8.

É necessária, nomeadamente, uma maior participação a nível nacional dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil no processo do Semestre, a fim de assegurar que todos os grupos da sociedade estão devidamente representados, promover soluções personalizadas com o pleno apoio das organizações da sociedade civil e lograr uma apropriação alargada dos PRR. O CESE insta a uma reforma do Semestre que garanta uma participação efetiva e de qualidade, através de uma diretiva ou de um regulamento. Durante um processo de consulta formal assente em regras e procedimentos transparentes, as organizações da sociedade civil devem ser devidamente informadas por escrito e devem dispor de tempo suficiente para analisarem as propostas e redigirem as suas observações e propostas. A inclusão ou rejeição destas propostas deve ser acompanhada de uma justificação apresentada em documentos públicos.

2.9.

No contexto dos PRR, o CESE congratula-se com a recomendação da Comissão de tirar «partido da aplicação bem-sucedida do princípio da parceria na programação e execução da política de coesão», conforme reivindicado pelo CESE no seu parecer sobre a Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022. A participação das organizações da sociedade civil tornou-se obrigatória. Na sua primeira resolução (10) sobre a participação da sociedade civil na conceção dos planos, o CESE concluiu que tal foi, em grande medida, insuficiente na maioria dos Estados-Membros e apelou para a definição de normas mínimas para essa consulta. Na sua segunda resolução (11), o CESE instou muitos Estados-Membros a melhorarem a participação das organizações da sociedade civil, a procederem a uma execução e acompanhamento transparentes, bem como a disponibilizarem informações ao público, incentivando simultaneamente um maior diálogo sobre os PRR com todas as partes interessadas, o poderia também ajudar a prevenir a utilização abusiva e a fraude. Além disso, a resolução inclui boas práticas, como a criação de um organismo de supervisão que inclua organizações da sociedade civil, que podem servir de exemplo para outros Estados-Membros. Durante a sua conferência anual, o Grupo do Semestre Europeu do CESE reiterou o seu apelo para que a participação da sociedade civil seja um imperativo legal (12). O apelo para a devida participação das organizações da sociedade civil e dos órgãos de poder local e regional também está refletido no relatório de iniciativa conjunto da Comissão dos Orçamentos e da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários sobre a execução do MRR (13), que constitui o contributo do Parlamento Europeu para o Relatório de revisão sobre a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, adotado pela Comissão Europeia em 29 de julho de 2022 (14).

3.   Observações na especialidade

3.1.   Energia e sustentabilidade ambiental

3.1.1.

A Comissão salienta, corretamente, que acelerar a descarbonização «reduzirá a nossa dependência dos combustíveis fósseis, contribuindo simultaneamente para alcançar os nossos objetivos climáticos para 2030». O CESE frisa que a sustentabilidade ambiental deve estar em primeiro plano e congratula-se com o aumento da meta em matéria de energias renováveis para, no mínimo, 45 % do cabaz energético global da UE, juntamente com a meta em matéria de eficiência energética de diminuição de 13 % do consumo de energia até 2030, como parte do plano REPowerEU. Da mesma forma, acolhe favoravelmente as recomendações relativas a investimentos em energia, que devem centrar-se, nomeadamente, no apoio aos agregados familiares vulneráveis, na promoção da mobilidade sustentável e da descarbonização da indústria, na investigação e desenvolvimento e na melhoria das infraestruturas, incluindo num contexto transfronteiriço.

3.1.2.

Antes da guerra na Ucrânia, já existia uma disparidade entre as necessidades de investimento e o financiamento. Para atingir o objetivo intermédio de diminuir, até 2030, as emissões em 55 % em relação a 1990, estima-se que seja necessário um investimento anual adicional de até 520 mil milhões de euros (15). Surgem ainda outras necessidades em matéria de requalificação e melhoria de competências, adaptação às alterações climáticas e tecnologias essenciais, como as baterias. Por outro lado, cerca de 30 % do orçamento da UE para 2021-2027 será investido na transição ecológica. Prevê-se que a política de coesão distribua cerca de 100 mil milhões de euros durante esta década, e 224,1 mil milhões de euros deverão provir do MRR (16). A Comissão indicou na sua análise que o REPowerEU implica um investimento adicional de 210 mil milhões de euros até 2027, que se somarão ao montante necessário para concretizar os objetivos das propostas do pacote Objetivo 55. Além disso, são propostas várias possibilidades para mobilizar financiamento, que assentam em grande medida na componente de empréstimos do MRR. O CESE insta a Comissão a apresentar uma visão estruturada, que indique quais os fundos da UE que devem ser utilizados e em que medida o investimento deve ser garantido por programas da UE, investimento privado de Estados-Membros ou formas mistas.

3.1.3.

Tendo em conta a urgência e o interesse comum de acelerar a transição energética, o CESE recomenda vivamente que os Estados-Membros utilizem de forma célere e exaustiva as oportunidades oferecidas pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia, pelos PRR e pelo recente plano REPowerEU. Caso se verifique que as medidas em vigor não são suficientes para satisfazer as necessidades de financiamento possivelmente crescentes, será necessário tomar medidas adicionais. O CESE apela para a criação de um fundo de ajustamento às alterações climáticas (17) para prestar apoio imediato em caso de catástrofe. Além disso, mesmo que seja aplicada uma «regra de ouro», alguns Estados-Membros poderão continuar a não ter capacidade para angariar as quantias necessárias sem comprometer a sua sustentabilidade orçamental. Por conseguinte, deve ponderar-se o reforço do Instrumento de Recuperação da União Europeia e/ou do Programa InvestEU. Vincular subvenções e/ou empréstimos a investimentos na transição energética poderá constituir um ponto de viragem. O CESE defende a aplicação de uma abordagem equitativa e equilibrada à melhoria do enquadramento empresarial e da produtividade. De qualquer forma, o CESE chama a atenção para o perigo de cortar fundos relacionados com objetivos sociais e com uma transição justa quando da restruturação dos fundos existentes e também no contexto do novo quadro financeiro plurianual.

3.1.4.

A Comissão salienta, corretamente, que a «transformação da economia europeia só terá êxito se for justa e inclusiva e se todos puderem beneficiar das oportunidades proporcionadas pela dupla transição» (18). Estas não devem ser palavras vãs. O CESE reitera o seu apelo para a realização de um mapeamento e uma análise dos impactos que a transição terá no emprego e nas competências (19). Em tempos de insegurança e de crise, deve recorrer-se ainda mais ao diálogo social e a uma boa governação empresarial, com a participação dos trabalhadores e o envolvimento dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil no processo de definição de políticas. Por fim, todos os aspetos da sustentabilidade ambiental, incluindo a biodiversidade e a prevenção da poluição, devem continuar a ser prioritários. O princípio de «não prejudicar significativamente» deve também ser aplicado no contexto dos PRR atualizados.

3.2.   Produtividade

3.2.1.

A realização do mercado único deve reforçar a convergência económica e social ascendente entre os Estados-Membros. O CESE concorda com a Comissão que as distorções e os obstáculos ao mercado único devem ser enfrentados. Além de contribuir para um mercado único mais integrado, ajudar as regiões a explorarem o seu pleno potencial também reforçará a produtividade da UE e contribuirá para a sustentabilidade energética, uma vez que a capacidade de produzir energias renováveis varia substancialmente entre regiões. É necessária uma evolução na realização do mercado de capitais e da União Bancária, assegurando simultaneamente a estabilidade do mercado financeiro, a fim de promover financiamentos e investimentos fiáveis e sólidos. Em especial, a contração de empréstimos para efeitos do Instrumento de Recuperação da União Europeia reforça os mercados de capitais da UE e o papel internacional do euro. Além disso, o CESE salienta o quadro de financiamento sustentável que visa canalizar investimento privado no sentido da sustentabilidade, realçando ainda a importância de ter em consideração os riscos relacionados com as alterações climáticas.

3.2.2.

O CESE acolhe favoravelmente uma abordagem política abrangente que inclua investimentos e reformas, a fim de melhorar o enquadramento empresarial e promover a produtividade de uma forma equitativa e equilibrada. As reformas devem visar uma administração pública eficiente, uma infraestrutura de transportes moderna, educação e formação de qualidade e a eficiência dos recursos. O CESE concorda com a Comissão que são essenciais sistemas judiciais independentes, de qualidade e eficientes, bem como estruturas eficazes em matéria de luta contra a corrupção. A investigação e a inovação, juntamente com a educação, continuam a ser instrumentos vitais para impulsionar a produtividade, a competitividade, as transições ecológica e digital, a convergência ascendente e a autonomia estratégica da UE. O CESE acolhe favoravelmente as recomendações da Comissão de, nomeadamente, facilitar as transferências de conhecimentos, produzir excelência, promover a inovação empresarial e atrair talentos.

3.2.3.

O CESE tece seguidamente algumas observações sobre a Comunicação da Comissão — Rumo a uma economia ecológica, digital e resiliente: o nosso modelo europeu de crescimento. A Comissão destaca medidas que visam reduzir as dependências estratégicas, como parcerias internacionais, alianças industriais, investimentos públicos e privados e, nomeadamente, a diversificação das cadeias de abastecimento. O CESE frisa que é muito importante que a UE promova uma estratégia de comércio livre de uma forma equitativa, sem negligenciar os objetivos ambientais e sociais ao longo das cadeias de abastecimento. No que se refere ao aprovisionamento de matérias-primas e recursos críticos, a UE não deve passar a tornar-se dependente de Estados que não partilham dos seus valores, devendo, pelo contrário, procurar a autonomia estratégica. Além disso, a produção de bens essenciais, tais como medicamentos, deve ser transferida para a UE, de modo a assegurar a sua disponibilidade em caso de emergência.

3.2.4.

A digitalização potencia a transição ecológica, a produtividade e a competitividade. A Comissão destaca, corretamente, quatro domínios de intervenção, a saber, educação, aptidões e competências digitais, infraestruturas digitais e de conectividade seguras e sustentáveis, a transformação digital das empresas e a digitalização dos serviços públicos e dos sistemas educativos. Para alcançar estes objetivos, são necessários mais investimentos em tecnologias digitais essenciais, incluindo a cibersegurança, a inteligência artificial, os espaços de dados e os semicondutores. O CESE insta a uma digitalização sustentável mediante a salvaguarda dos direitos sociais, a melhoria da eficiência energética e a diminuição dos resíduos eletrónicos e da utilização de água.

3.2.5.

A Comissão refere que a maior parte dos investimentos realizados para financiar a dupla transição e reforçar a resiliência provirá do setor privado, devendo os investimentos públicos ser bem direcionados e ajudar a atrair investimentos privados e a corrigir carências do mercado. Na verdade, a UE pretende mobilizar pelo menos 1 bilião de euros durante a próxima década, através do orçamento da UE e de instrumentos conexos. A Comissão afirma, corretamente, que o apoio público deve ser bem orientado para projetos com um claro valor acrescentado e que a política de concorrência deve desempenhar um papel fundamental. O CESE realça a necessidade de transparência e de acompanhamento, em especial no contexto do InvestEU ou de programas similares, para assegurar a integridade e alcançar os objetivos pretendidos. Há que evitar efeitos inesperados assegurando que os investimentos que, de qualquer forma, seriam realizados não são subsidiados. As afetações devem ser transparentes e os riscos devem ser partilhados de uma forma juridicamente vinculativa, para que os setores públicos não sejam sobrecarregados. Em comparação com o financiamento público, não devem surgir custos mais elevados e as medidas de auxílio estatal devem ficar vinculadas à criação de empregos de qualidade e ao respeito pelos direitos dos trabalhadores, assim como ao cumprimento das normas ambientais e das obrigações fiscais.

3.3.   Equidade

3.3.1.

Embora a UE seja relativamente próspera de acordo com os padrões mundiais, as desigualdades entre e dentro de Estados-Membros e regiões constituem um desafio importante. A Comissão explica que, graças a uma resposta política rápida, as desigualdades globais de rendimento e o risco de pobreza ou exclusão social mantiveram-se geralmente estáveis entre 2019 e 2020, enquanto os efeitos a médio prazo são incertos. Muitos dos que já enfrentavam piores condições foram afetados de forma desproporcionada. Os mais afetados pela escalada dos preços foram as famílias com menores rendimentos. Além disso, os preços da habitação continuaram a aumentar de forma acentuada, com alguns Estados-Membros a registarem o crescimento mais rápido em mais de uma década, enquanto as taxas de juro começam a aumentar. Milhões de pessoas sofreram uma redução do rendimento disponível e estão com dificuldade em pagar as contas. Continuam a existir enormes incertezas, as catástrofes relacionadas com o clima estão a aumentar e a dupla transição está a provocar alterações estruturais.

3.3.2.

A sustentabilidade social não é apenas um objetivo em si mesma, sendo também uma condição prévia para uma situação económica e política estável, produtividade equitativa e competitividade. A diminuição dos rendimentos reais e as expectativas sombrias afetam o bem-estar individual, mas também a procura económica e, por conseguinte, os planos de investimento, a produção e o crescimento. Além disso, embora o setor bancário se tenha revelado resiliente e os empréstimos não produtivos tenham sido substancialmente reduzidos, exceto em três Estados-Membros, esta resiliência pode ficar comprometida se houver uma nova recessão económica. O CESE alerta para os perigos destes efeitos indiretos. Tendo em vista a escalada dos preços, é imperioso proteger os mais vulneráveis e salvaguardar o poder de compra das famílias com rendimentos baixos e médios, que são responsáveis por uma parte muito importante da procura.

3.3.3.

O CESE congratula-se vivamente com as medidas tomadas para proteger os mais vulneráveis e para atenuar o impacto social de múltiplas crises na UE, como, por exemplo, o Programa SURE, e para apoiar as pessoas que fogem da Ucrânia. O CESE concorda também com a Comissão no que se refere à importância de assegurar o acesso a uma educação de qualidade a todos os níveis, de garantir uma cobertura adequada das redes de segurança social e de disponibilizar habitação social e habitação a preços acessíveis, a par de sistemas de saúde eficazes, resilientes e sustentáveis. O CESE chama a atenção para a necessidade de apoiar também os jovens afetados pela crise energética. De facto, a aplicação plena do Pilar Europeu dos Direitos Sociais é crucial: a sua aplicação no ciclo do Semestre Europeu, juntamente com o seu acompanhamento através do painel de indicadores sociais, é um passo na direção certa. Por fim, mas não menos importante, as reformas e os investimentos no âmbito dos PRR, que contribuem para a inclusão e a resiliência, são muito bem acolhidos.

3.3.4.

Entrevistas realizadas no contexto da resolução do CESE sobre a participação da sociedade civil indicam que a dimensão social se encontra relativamente subdesenvolvida em alguns PRR. O CESE recomenda que se preste atenção aos efeitos distributivos e que se tenha cuidadosamente em atenção o Pilar Europeu dos Direitos Sociais no contexto dos PRR. Além disso, solicita que seja apresentada uma estimativa do investimento necessário para a aplicação do Pilar. O CESE salienta a importância de alcançar um equilíbrio entre as liberdades económicas e os direitos sociais e laborais. Os direitos de proteção dos trabalhadores a nível nacional nunca devem ser classificados como barreiras administrativas ao mercado (20). Ao reforçar o mercado único, dever-se-á igualmente respeitar os direitos sociais e laborais, a fim de preservar, de forma equitativa, os progressos da UE rumo à sustentabilidade económica, social e ambiental.

3.4.   Estabilidade macroeconómica

3.4.1.

A conceção e a execução de apoio orçamental em grande escala a nível nacional e da UE deram um contributo decisivo para salvaguardar a estabilidade económica, social e política, sobretudo porque aumentaram a confiança. Além disso, embora a recuperação económica tenha sido seriamente afetada pelo início da guerra, é provável que a política orçamental expansionista em 2022 ajude novamente a moderar o impacto da crise recente e salvaguarde a estabilidade. O CESE apoia as recomendações da Comissão de permitir o funcionamento dos estabilizadores automáticos e de intensificar o investimento para a execução da dupla transição. Em particular, constata com satisfação que a cláusula de derrogação de âmbito geral continuará a aplicar-se ao longo de 2023, uma vez que, na verdade, a situação económica da UE não regressou à normalidade e os Estados-Membros têm de ser capazes de reagir rapidamente quando necessário. Reconhecendo que o Banco Central Europeu (BCE) aumentou as taxas de juro pela primeira vez em 11 anos, o CESE lança um forte apelo para que sejam adotadas medidas políticas que assegurem que os diferenciais entre as obrigações europeias sejam moderados e previnam turbulências no mercado financeiro, de modo a salvaguardar o investimento privado na transição energética e a evitar uma recessão. Embora a concretização destes objetivos possa requerer uma utilização ampla do conjunto de instrumentos do BCE, a política monetária, por si só, não será capaz de travar a atual dinâmica dos preços de forma sustentável.

3.4.2.

O CESE acolhe favoravelmente as medidas orçamentais discricionárias, estimadas em 0,6 % do PIB da UE em 2022, que visam atenuar os efeitos dos elevados preços da energia para os setores mais vulneráveis e especialmente expostos. Contudo, a escassez de energia e o impacto nos preços de outros produtos de base poderão também ser pertinentes a médio prazo, juntamente com as tensões geopolíticas atuais e uma nova pressão descendente sobre a economia da UE. Além disso, as perspetivas de crescimento baixas, juntamente com a intensificação das pressões sobre os preços, suscitam novos dilemas para a política económica da UE. Por conseguinte, o CESE apoia a recomendação da Comissão de que a UE se deve manter pronta a reagir à evolução da situação económica. A situação tem de ser acompanhada com atenção, a fim de detetar, numa fase precoce, quaisquer novos obstáculos que exijam um estímulo orçamental de estabilização e de acautelar a necessidade de prorrogar as medidas de apoio.

3.4.3.

O CESE manifesta reservas quanto à limitação do crescimento das despesas correntes financiadas a nível nacional abaixo do crescimento do produto potencial de médio prazo, salientando que um eventual controlo das despesas correntes primárias tem de ter em consideração o impacto social e alertando para os perigos de cortar nas despesas sociais, de cuidados de saúde e de educação. Em contrapartida, as divergências entre Estados-Membros devem ser resolvidas de uma forma orientada para a prosperidade, por exemplo, mediante a promoção de atividades de investigação e desenvolvimento e de uma intensificação da formação. O CESE tem igualmente dúvidas sobre a avaliação da pertinência de propor a instauração de procedimentos relativos aos défices excessivos na primavera de 2023 e salienta que as regras orçamentais da UE praticamente não foram executadas (21) e que as sanções da fase 2 do procedimento relativo aos défices excessivos nunca foram aplicadas, pois numa altura de dificuldades económicas ainda teriam agravado a situação. Além disso, o CESE questiona a possível aplicação de procedimentos relativos aos défices excessivos enquanto a cláusula de derrogação ainda se encontra ativa.

3.4.4.

O CESE reitera as suas considerações relativamente às falhas do quadro orçamental atual, bem como o seu apelo para a modernização do quadro mediante, nomeadamente, o estabelecimento de metas realistas e funcionais em matéria de défice e de dívida (22), integrando uma «regra de ouro» do investimento e permitindo uma maior flexibilidade e uma diferenciação consoante o país, sem comprometer a sustentabilidade orçamental a médio prazo. É necessário salvaguardar o bom valor do euro através de uma abordagem monetária e orçamental equilibrada, de harmonia com uma boa governação macroeconómica. O CESE instou também a Comissão a apresentar orientações para um período de transição, durante o qual o procedimento relativo aos défices excessivos não deve ser desencadeado, antes da entrada em vigor do quadro revisto (23). Além disso, o Parlamento Europeu salientou, na sua resolução de 8 de julho de 2021, a «importância de dispor de uma via clara para um quadro orçamental revisto, de preferência antes da desativação da cláusula de derrogação de âmbito geral», e realçou que «a aplicação do quadro orçamental atual, nomeadamente as trajetórias de ajustamento, conduziria a uma redução extremamente rápida da dívida que poderia prejudicar a trajetória de recuperação das economias». Por último, a fim de evitar pôr em risco a estabilidade e de aumentar a capacidade de preparação e resposta a situações de crise, deveria ponderar-se a criação de fundos da UE adequados.

3.4.5.

O CESE apoia plenamente a recomendação de que devem continuar a ser envidados esforços concertados para intensificar a luta contra o planeamento fiscal agressivo e a evasão fiscal, bem como contra os efeitos de repercussão daí decorrentes entre os Estados-Membros, e preconiza uma ação coordenada. Congratula-se com o acordo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) relativo à reforma da fiscalidade das empresas e encoraja os Estados-Membros a aplicá-lo rapidamente. A UE deve promover este acordo a nível internacional, nomeadamente junto de parceiros comerciais importantes. Ademais, são bem acolhidas as estratégias que transferem o essencial da carga fiscal do trabalho para o apoio à dupla transição, desde que o impacto distributivo seja cuidadosamente ponderado. Por exemplo, o imposto sobre imóveis provoca menos distorção e permitiria transferir a carga fiscal do fator trabalho para outros fatores. Além disso, o CESE chama a atenção para o facto de, no contexto de assegurar uma política orçamental prudente, serem abordadas apenas as medidas relacionadas com as despesas e não as medidas baseadas em receitas. De uma forma geral, um sistema de receitas equitativo constitui uma condição prévia para a sustentabilidade orçamental e para o restabelecimento de finanças públicas sólidas, especialmente em países altamente endividados.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE — Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2022 (JO C 275 de 18.7.2022, p. 50).

(2)  Ver «European Economic Forecast — Spring 2022 (europa.eu)» [Previsões económicas europeias da primavera de 2020], p. 1.

(3)  COM(2022)230 final.

(4)  Comunicação da Comissão Europeia — Rumo a uma economia ecológica, digital e resiliente: o nosso modelo europeu de crescimento.

(5)  Comunicação — Semestre Europeu 2022 — Pacote da primavera — Comissão Europeia (europa.eu).

(6)  «Summer 2022 Economic Forecast: Russia’s war worsens the outlook» [Previsões económicas do verão de 2022: a guerra da Rússia agrava as perspetivas] (europa.eu).

(7)  «Spring 2022 Economic Forecast: Russian invasion tests EU economic resilience» [Previsões económicas da primavera de 2022: invasão russa põe à prova a resiliência económica da UE] — Comissão Europeia (europa.eu).

(8)  Parecer do CESE — Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2022 (JO C 275 de 18.7.2022, p. 50).

(9)  Intervenção da presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, durante o debate na sessão plenária do Parlamento Europeu (8.6.2022) sobre as conclusões da reunião extraordinária do Conselho Europeu de 30 e 31 de maio 2022.

(10)  JO C 155 de 30.4.2021, p. 1.

(11)  Ver Resolução do CESE — Como melhorar a participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência? (JO C 323 de 26.8.2022, p. 1).

(12)  Conferência Anual do GSE 2022 — Comité Económico e Social Europeu (europa.eu).

(13)  2021/2251 (INI), ponto 88.

(14)  COM(2022) 383 final.

(15)  Contra os 683 mil milhões de euros anuais investidos durante a última década. Num cenário intermédio, estima-se que as necessidades de investimento anual adicional sejam, em média, de 360 mil milhões de euros até 2030. Ver Bruegel Policy Contribution, n.o 18/21 — setembro de 2021. Será necessário ainda mais investimento após 2030.

(16)  COM(2022) 231 final.

(17)  Ver o Parecer do CESE — Fundo de ajustamento às alterações climáticas financiado no âmbito da política de coesão e pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU) (JO C 486 de 21.12.2022, p. 23).

(18)  Comunicação da Comissão Europeia — Rumo a uma economia ecológica, digital e resiliente: o nosso modelo europeu de crescimento [COM(2022) 83 final].

(19)  Parecer do CESE — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática (JO C 275 de 18.7.2022, p. 101).

(20)  Ver o Parecer do CESE — Análise Anual do Crescimento Sustentável 2022 (JO C 275 de 18.7.2022, p. 50), ponto 3.2.3.

(21)  Segundo as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) de outubro de 2015, não era expectável que a regra de redução de 1/20 da dívida fosse cumprida por nove Estados-Membros nos três anos seguintes. A segunda fase do procedimento relativo aos défices excessivos não foi executada (Bruegel Policy Contribution, março de 2016).

(22)  Klaus Regling, diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, propõe ajustar o rácio da dívida de 60 % para 100 %, mantendo o défice anual em 3 % do PIB.

(23)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227 e JO C 105 de 4.3.2022, p. 11.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Considerações adicionais sobre a recomendação de recomendação do Conselho sobre a política económica da área do euro

[COM(2021) 742 final]

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/07)

Relator:

Juraj SIPKO

Decisão da Plenária

22.3.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

6.10.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

170/1/2//

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) observa que a evolução económica atual da área do euro e da União Europeia se caracteriza por um nível particularmente elevado de incerteza económica, geoeconómica e política. Esta incerteza resulta de dois choques sistémicos em curso, a saber, a prevalência continuada da COVID-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Existe também um novo risco associado à fragmentação dos setores do comércio internacional, dos pagamentos e dos mercados de capitais e financeiros, incluindo a indústria transformadora, a investigação e os transportes. Os riscos sistémicos levaram a uma enorme acumulação de dívida pública e a um crescimento da inflação. No entanto, o combate às alterações climáticas continua a ser o principal desafio que a área do euro e os Estados-Membros da UE enfrentam.

1.2.

O CESE reitera que a luta contra a prevalência continuada da COVID-19 está longe de ter terminado. Por conseguinte, cabe adotar todas as medidas substantivas e sistémicas para combater a doença, preparando-nos ao mesmo tempo para outras eventuais epidemias e pandemias. O CESE sublinha que, tal como confirmado pela experiência dos últimos dois anos, a taxa mais elevada de rendibilidade dos investimentos se regista no setor da saúde.

1.3.

O CESE defende o fim da agressão russa e da guerra na Ucrânia, juntamente com a restauração da integridade territorial da Ucrânia. Tal pode criar condições para um crescimento económico resiliente, inclusivo e sustentável nos países da área do euro e nos Estados-Membros da União Europeia.

1.4.

O CESE está a acompanhar atentamente as tendências inflacionistas muito desfavoráveis, que resultam principalmente do aumento dos preços das matérias-primas, dos produtos alimentares e da energia, incluindo da rutura da cadeia de abastecimento. Nesta situação, o aumento das taxas de juro não é um instrumento particularmente eficaz. Uma política monetária demasiado restritiva pode também aumentar os riscos de uma recessão e atrasar os investimentos privados na transição energética, que são urgentes. Por conseguinte, o CESE recomenda que o BCE realize uma avaliação da proporcionalidade adequada, analisando cuidadosamente os efeitos colaterais de uma política monetária mais restritiva e as suas consequências para os objetivos de estabilidade dos preços a longo prazo. No entanto, o CESE incentiva o Banco Central Europeu a reduzir a inflação subjacente sem comprometer a recuperação económica da UE. Devido aos riscos referidos, o BCE deve proceder com cautela na normalização da política monetária.

1.5.

Face à subida acentuada dos preços da energia e dos produtos alimentares, o CESE recomenda que os decisores da política económica a nível nacional criem uma rede de segurança social funcional e eficaz para os grupos mais vulneráveis da população, incluindo os segmentos mais afetados da classe média, para que ninguém fique para trás.

1.6.

O CESE está preocupado com a atual acumulação de dívida pública. Recomenda, portanto, a adoção de medidas rumo à consolidação orçamental a médio prazo. Com vista ao reaprovisionamento dos orçamentos nacionais, o CESE vê como possibilidade uma tributação equitativa, acompanhada de uma utilização eficaz dos fundos públicos.

1.7.

O CESE salienta que a ativação da cláusula de derrogação de âmbito geral na sequência da COVID-19 foi a decisão certa. Embora tenha sido prorrogada até 2023, será necessário ponderar uma nova prorrogação caso os riscos sistémicos persistam. O CESE espera, portanto, que a Comissão Europeia elabore, de imediato, medidas concretas para reformar o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

1.8.

Apesar dos progressos realizados no sentido da criação de uma União Financeira, importa ainda adotar e aplicar todas as medidas substantivas e sistémicas necessárias para concluir a União Bancária e a União dos Mercados de Capitais. A este respeito, o CESE insta as organizações responsáveis e as instituições competentes a unirem esforços para criar uma União Financeira.

1.9.

O CESE salienta o impacto negativo da fragmentação. Chama a atenção para a instabilidade do mercado de obrigações soberanas nos mercados da área do euro. Por conseguinte, congratula-se com o anúncio do Banco Central Europeu, de 15 de junho de 2022, sobre a elaboração de medidas para combater a fragmentação na área do euro.

1.10.

O CESE apoia a transformação das economias da área do euro. Ao mesmo tempo, assinala o risco existencial associado às alterações climáticas. Tendo em conta o que precede, e apesar da inesperada e complexa evolução geoeconómica, recomenda uma transição para fontes de energia renováveis e a utilização dos recursos financeiros disponíveis no âmbito do plano de recuperação, bem como de outros recursos financeiros, incluindo o apoio do financiamento do setor privado.

1.11.

À semelhança de outros países da UE, os países da área do euro confrontam-se atualmente com ameaças, riscos e choques sistémicos. Por conseguinte, dado o período crítico que a humanidade atravessa, o CESE apela a todos os países e instituições internacionais competentes para que trabalhem em conjunto com vista a fazer face a todos os choques sistémicos, riscos e ameaças sem precedentes na História que o mundo enfrenta atualmente. Atrasar a adoção e aplicação de medidas pode ter consequências importantes, não só do ponto de vista dos prejuízos materiais, mas também — e sobretudo — para a humanidade.

2.   Antecedentes e contexto

2.1.

Existem atualmente dois choques verdadeiramente sistémicos, a saber, a COVID-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, que em conjugação com a subsequente fragmentação geoeconómica resultaram num elevado grau de incerteza. Além disso, o aumento dos preços das matérias-primas e dos produtos alimentares conduziu a riscos socioeconómicos significativos, tanto na área do euro como na UE. À luz da ameaça existencial constituída pelas alterações climáticas, um dos principais desafios para a área do euro e para os Estados-Membros da UE é a transição para uma economia verde.

2.2.

A evolução económica atual está a ser acompanhada por choques verdadeiramente externos e sem precedentes nos países da área do euro. Por conseguinte, do ponto de vista dos indicadores macroeconómicos subjacentes, estes acontecimentos não podem ser vistos como estáveis. Além disso, alguns Estados-Membros da área do euro enfrentam desafios estruturais de longa data no seu caminho para a construção de economias sustentáveis, resilientes e inclusivas.

2.3.

Antes destes dois choques sistémicos, a inflação era relativamente baixa em quase todos os Estados-Membros da área do euro. Mesmo antes do início da crise climática, as taxas de inflação eram relativamente mais baixas, tendo alguns países da área do euro registado inclusive uma deflação. A dinâmica atual da inflação exige um amplo recurso ao conjunto de instrumentos do BCE. Atualmente, a inflação constitui um dos maiores riscos para um crescimento económico sustentável, resiliente e inclusivo na área do euro. Não é possível reduzir e estabilizar a inflação, mantendo-a abaixo da meta para a inflação, ou seja, abaixo dos 2 %, sem introduzir alterações adequadas à política monetária do Banco Central Europeu. Neste contexto, o Conselho do BCE adotou as medidas necessárias para cumprir o mandato do BCE de prossecução da estabilidade dos preços e de salvaguarda da estabilidade financeira. No futuro próximo, é importante que o BCE proceda com cautela na normalização da política monetária.

2.4.

A inflação registada atualmente é a mais elevada desde a criação da união monetária europeia. Resulta de toda uma série de fatores que levaram ao aumento gradual das taxas de inflação, mesmo durante o aprofundamento da crise global da COVID-19. A recuperação económica na área do euro agora em curso exacerbou ainda mais esta tendência negativa, em resultado da redução da oferta. A invasão da Ucrânia pela Rússia também contribuiu para o aumento dos preços. É legítimo perguntar até que ponto a política monetária do Banco Central Europeu, utilizando todos os instrumentos à sua disposição, pode abrandar o crescimento da inflação, fazendo-a regressar gradualmente ao objetivo de inflação estabelecido e mantendo-a dentro desses limites, sem pôr em risco a estabilidade da moeda única e a recuperação económica na sequência da crise da COVID-19.

2.5.

As tendências inflacionistas atuais não são nem temporárias nem de curto prazo (como observado no outono de 2021), apontando para um elevado grau de incerteza. No segundo semestre do ano passado, os aumentos de preços deveram-se sobretudo aos preços da energia, à rutura das cadeias de abastecimento, a um aumento invulgarmente acentuado dos preços das matérias-primas e a custos de transporte mais elevados. Tendo em conta as razões complexas da atual dinâmica dos preços, a política monetária, por si só, não será suficiente para reduzir a inflação. Importa diversificar as importações de energia, reduzindo assim a dependência do aprovisionamento em relação à Rússia. A diversificação proporciona também aos Estados-Membros da área do euro uma oportunidade histórica para iniciar reformas estruturais urgentes (por exemplo, reformas administrativas, reformas judiciais ou reformas destinadas a reforçar o Estado de direito) e reduzir a dependência das importações de energia tradicionais. Além disso, é necessária uma intervenção no mercado para controlar a dinâmica atual da volatilidade dos preços no mercado da energia. A este respeito, o CESE congratula-se com a proposta da Comissão de uma intervenção de emergência para fazer face aos preços elevados da energia.

2.6.

Paralelamente, está provado que muitas empresas têm sido capazes de expandir os seus lucros apesar do aumento dos preços da energia. A análise do BCE indica que os lucros têm contribuído de forma determinante para a inflação interna global, uma vez que as empresas repercutiram os seus custos mais elevados, protegendo e expandindo as margens de lucro. As intervenções do mercado no setor da energia podem também travar a dinâmica dos preços.

2.7.

Os atuais aumentos de preços estão principalmente ligados à oferta. Esta tendência está a afetar negativamente a competitividade da área do euro, levando a custos mais elevados e exercendo uma pressão ascendente sobre os salários e vencimentos numa altura de recessão económica. Se este padrão adverso continuar, poderá conduzir a uma situação de estagflação (que, porém, ainda não existe no conjunto dos países da área do euro). Numa perspetiva histórica, há quase 40 anos que não se regista uma situação de estagflação. Não se pode excluir que, se os choques sistémicos externos perdurarem, isso possa resultar numa estagflação indesejável. Por outro lado, o CESE aponta para possíveis efeitos adversos na procura se os trabalhadores com rendimentos baixos e médios forem afetados pela diminuição dos salários reais.

2.8.

Em 2021, registou-se uma tendência relativamente favorável de crescimento económico nos Estados-Membros da área do euro, sem qualquer expectativa de um abrandamento acentuado dos fluxos de investimento e de comércio em resultado dos elevados níveis de incerteza económica. A crise global da COVID-19 pode aprofundar as disparidades de crescimento económico na área do euro se não forem adotadas e aplicadas reformas estruturais. Esta tendência para a divergência pode ter um impacto importante na convergência e exacerbar esta evolução adversa entre os Estados-Membros da área do euro.

2.9.

A curto prazo, as perspetivas de crescimento potencial do investimento não são animadoras. Os instrumentos adotados para a recuperação pós-COVID (Mecanismo de Recuperação e Resiliência) começaram a parecer insuficientes em resultado da incerteza do investimento causada pela guerra na Ucrânia. Por conseguinte, é importante que cada economia seja capaz de lidar com a perturbação continuada dos fluxos comerciais e de investimento e com a incerteza persistente na economia mundial, mas sobretudo com o elevado grau de incerteza nos países da área do euro.

2.10.

O abrandamento económico resulta também dos aumentos significativos dos preços da energia que os agregados familiares enfrentam. Alguns Estados-Membros adotaram medidas para combater o aumento dos preços, sob a forma de subsídios, alterações do IVA, incluindo contribuições sociais adicionais, e tarifas sociais de energia para os agregados familiares com rendimentos mais baixos. É, portanto, necessário repensar uma utilização eficiente da energia pelos agregados familiares e alterar os hábitos de consumo de energia. O aumento dos preços da energia levou a uma exclusão gradual de outros artigos do cabaz dos consumidores, relativamente aos quais se observa uma queda na procura. Além disso, os preços mais elevados da energia para os agregados familiares estão a levar a uma alteração no seu padrão de consumo e a uma queda significativa no consumo de determinados produtos. Não obstante, a energia é um bem de primeira necessidade e só pode ser poupada até certo ponto, o que significa que os agregados familiares mais pobres, em particular, sofrerão com estas subidas de preços.

2.11.

A COVID-19 tem tido um impacto muito negativo nas finanças públicas dos Estados-Membros da área do euro. A cláusula de derrogação de âmbito geral ao abrigo do Pacto de Estabilidade e Crescimento foi ativada em março de 2020 para enfrentar a crise da COVID-19. Criou-se também um quadro temporário relativo aos auxílios estatais, permitindo a utilização em grande escala de estímulos orçamentais para apoiar o setor empresarial, mas também para manter a estabilidade social.

2.12.

A resposta orçamental e a contração da produção resultaram num aumento significativo dos rácios da dívida pública, particularmente em alguns Estados-Membros com dívidas elevadas. É de primordial importância continuar a assegurar a sustentabilidade da dívida pública através de uma redução gradual da mesma. Uma vez que os preços da energia se manterão elevados a médio prazo, será necessária uma revisão dos mecanismos de mercado e de fixação de preços, juntamente com outras medidas de apoio orçamental, a fim de apoiar os agregados familiares e empresas particularmente afetados pelos aumentos dos preços da energia.

2.13.

O aumento das despesas com a segurança e outras prioridades críticas pode levar a um declínio temporário da posição económica da área do euro na economia mundial. Neste contexto, os Estados-Membros da área do euro enfrentam o grande desafio de avançar para um crescimento económico sustentável e manter o peso da economia da área do euro face a outros concorrentes mundiais, utilizando todos os instrumentos disponíveis em conjunto com políticas individuais eficazes, incluindo instrumentos diplomáticos.

2.14.

Mais recentemente, observou-se uma depreciação do euro em relação ao dólar americano em resultado dos acontecimentos geopolíticos adversos, um declínio que começou em maio de 2021. A depreciação do euro, a segunda maior moeda de reserva, resulta principalmente das diferentes políticas monetárias aplicadas pelo Banco Central Europeu e pelo Sistema da Reserva Federal (FED).

2.15.

Com base nas análises acima referidas, a Comissão Europeia apresentou as suas perspetivas económicas (julho de 2022), que são sobretudo determinadas pela evolução da situação na Ucrânia. Esta perspetiva pressupõe que, este ano, o crescimento económico será de 2,7 % nos Estados-Membros da UE e 2,6 % na área do euro, caindo para 1,5 % e 1,4 % no próximo ano, de acordo com as previsões da Comissão. A taxa média de inflação deverá atingir 7,6 % na UE e 7,6 % na área do euro este ano, prevendo-se que caia, no próximo ano, para 4,6 % e 4 %, respetivamente.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE salienta que a evolução da situação económica dos países da área do euro a curto e médio prazo é, e tem potencial para ser, fortemente influenciada pelo impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia. Este contexto adverso é sistémico e não tem paralelo na história do pós-guerra. Por conseguinte, é muito difícil compará-lo com outros choques que historicamente tiveram um impacto negativo na evolução económica da área do euro. Em todo o caso, o grau de incerteza é muito elevado, o que torna mais difícil determinar as perspetivas de evolução futura.

3.2.

O CESE salienta que a trajetória dos indicadores macroeconómicos e microeconómicos subjacentes nos países da área do euro não é animadora. O nível de incerteza é especialmente elevado. Em particular, há uma série de variáveis desconhecidas, principalmente de natureza geopolítica e económica, que podem afetar os níveis de incerteza já extremamente elevados.

3.3.

O CESE considera que a tendência inflacionista representa um risco elevado para o progresso socioeconómico nos países da área do euro. O risco de inflação atual está sobretudo ligado à oferta e à perturbação das cadeias de valor. A evolução da situação na Ucrânia, particularmente no domínio da energia, incluindo os preços das matérias-primas, juntamente com as medidas para conter a propagação da COVID-19, levaram a mudanças no lado da oferta.

3.4.

A dinâmica atual da inflação exige um amplo recurso ao conjunto de instrumentos do BCE, a fim de alcançar a estabilidade dos preços através de uma política monetária acomodatícia. O BCE deve proceder com cautela na normalização da política monetária. Além disso, espera-se que a política monetária continue a apoiar a política económica nos países membros da área do euro.

3.5.

O CESE salienta que o risco de inflação não tem sido atenuado nos Estados-Membros e as tentativas para o eliminar são apenas parciais. Dada a atual evolução desfavorável da inflação e o seu impacto nos agregados familiares, juntamente com a evolução da competitividade, o CESE apela a todas as instituições competentes e responsáveis para que adotem e apliquem todas as medidas urgentes para compensar os choques negativos dos preços. Ao mesmo tempo, é necessário evitar a turbulência no mercado de obrigações soberanas na área do euro (1).

3.6.

O CESE congratula-se com a publicação do plano REPowerEU. Espera que este programa contribua para uma redução gradual da dependência em relação à Federação da Rússia no domínio da energia. Oferece também a possibilidade de eliminar gradualmente os maiores riscos no tocante aos custos, que constituem uma grande ameaça à estabilidade dos preços nos países da área do euro.

3.7.

O CESE espera que o REPowerEU dê mais dois contributos fundamentais: i) o REPowerEU poderia estimular um grande aumento do investimento em setores e domínios selecionados, concretizando assim uma ideia que é anterior à invasão da Ucrânia pela Rússia. A ideia de base é que, este ano, o crescimento do investimento será significativo, especialmente em domínios selecionados de interesse público; ii) o REPowerEU deverá também dar um contributo substancial para as mudanças estruturais mais importantes que a produção atual enfrenta e, assim, cumprir os objetivos-chave de tornar as economias da área do euro mais competitivas, sustentáveis e resilientes, na prossecução dos grandes objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico.

3.8.

O CESE está a acompanhar de perto a forma como o investimento está a ser fundamentalmente reafetado em relação aos planos de investimento originais. É de esperar que o crescimento do investimento seja inferior nos setores ligados à reestruturação energética e à aplicação das prioridades do Pacto Ecológico nos países da UE. As perspetivas em setores e domínios que não estão diretamente ligados a eles não são claras. Neste contexto, será importante acompanhar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas em setores económicos tradicionais (que não revestem importância estratégica nem procuram a excelência de craveira mundial), utilizando oportunidades potenciais em determinadas regiões.

3.9.

O CESE apoia vivamente que se pondere devidamente não só o cumprimento das atuais prioridades fundamentais, mas também a garantia de um desempenho uniforme em matéria de inovação entre as regiões, a área do euro e a UE como um todo. Subestimar este objetivo pode exacerbar tendências divergentes entre as regiões da área do euro e os Estados-Membros da UE.

3.10.

O CESE congratula-se com a possibilidade de uma convergência mais forte graças ao crescimento nos Estados-Membros da área do euro anteriormente menos desenvolvidos, que a longo prazo têm vindo a crescer a um ritmo superior à média da área do euro. Neste contexto, importa assinalar que a COVID-19 e a atual guerra na Ucrânia podem conduzir a um processo de agravamento e divergência nos Estados-Membros da área do euro, o que não é conducente à concretização dos objetivos de base estabelecidos no Tratado de Maastricht.

3.11.

O CESE saúda e apoia o debate em curso sobre a conceção do novo quadro institucional para as finanças públicas nos Estados-Membros da UE. Neste contexto, o Comité salienta que a atualização das regras orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento está sobretudo associada ao desafio de conciliar a sustentabilidade financeira com as necessidades claras de investimento público.

3.12.

O CESE vê margem para uma coordenação e articulação mútuas entre diferentes tipos de políticas destinadas a assegurar a sustentabilidade da dívida pública. Além disso, em casos justificados, cabe apoiar estratégias orçamentais, em conformidade com uma abordagem de médio prazo da correção orçamental orientada para a recuperação e a resiliência. O CESE espera que se chegue a soluções realistas e viáveis, resultando numa plataforma sobre finanças públicas que deverá ser implantada sem demora.

3.13.

Dado que os orçamentos públicos estão sob tensão na sequência da crise da COVID-19, outras medidas compensatórias para ajudar os agregados familiares e as empresas a enfrentarem a crise energética devem ser direcionadas e eficazes. O CESE compreende e respeita as atuais razões para salvaguardar a segurança, as necessidades humanitárias e sociais e o seu impacto nos orçamentos nacionais da área do euro. Neste contexto, o CESE congratula-se com a decisão da Comissão de prolongar a ativação da cláusula de derrogação de âmbito geral ao abrigo do Pacto de Estabilidade e Crescimento e convida a Comissão a apresentar propostas concretas de reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento o mais rapidamente possível.

3.14.

O CESE afirmou repetidamente que, como no passado, e ainda mais hoje, são necessários maiores esforços para reforçar a posição da área do euro no contexto internacional. Atualmente, as economias da área do euro enfrentam novos desafios relacionados com o risco de segurança global e as mudanças estruturais. Além disso, a evolução económica e política pode afetar a posição do euro no sistema monetário e de pagamentos internacional. O fim da agressão russa e da guerra na Ucrânia, juntamente com a restauração da integridade territorial da Ucrânia, pode conduzir a uma revitalização da economia mundial e, na sua senda, a uma economia mais forte na área do euro.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE está convencido de que, a fim de assegurar uma estabilidade socioeconómica relativa nos Estados-Membros da área do euro, num contexto de elevados níveis de incerteza geopolítica e económica, associados aos riscos de inflação e de dívida pública crescentes, será importante concentrar-se nas prioridades certas quando se recorrer aos fundos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). Este instrumento permite aos Estados-Membros da UE a emissão conjunta de obrigações nos mercados de capitais, tendo sido até agora muito eficaz. O CESE congratular-se-ia, portanto, com a sua utilização prática também no futuro. A este respeito, o CESE vê possibilidades de utilização do MRR além de 2026.

4.2.

O CESE salienta que a atual invasão da Ucrânia pela Rússia pode conduzir a uma recessão indesejada e mesmo a uma situação de estagflação em determinados países da área do euro. Por conseguinte, é agora, mais do que nunca, necessário um acompanhamento cuidadoso destes desenvolvimentos adversos e uma ação preventiva para os gerir.

4.3.

O CESE observa que as tendências em matéria de desemprego e do mercado de trabalho apontam para uma relativa estabilidade. Ao mesmo tempo, o Comité salienta discrepâncias assaz grandes entre as taxas de desemprego nacionais em comparação com o período anterior a 2008. O desemprego estrutural é prevalecente em alguns Estados-Membros da área do euro, associado a uma escassez de mão-de-obra qualificada. É esta escassez relativa de mão-de-obra altamente qualificada que não permite uma margem suficiente para aumentar a competitividade em setores e domínios selecionados. Neste contexto, o CESE observa que ainda há espaço suficiente, e por explorar, para a requalificação e melhoria de competências nos Estados-Membros da área do euro e da UE.

4.4.

O CESE manifesta grande preocupação com as tendências negativas das desigualdades e com o aumento da pobreza nos Estados-Membros da área do euro e em toda a UE. As desigualdades no sentido mais lato do termo são também, em grande medida, o legado da crise financeira mundial. A COVID-19 exacerbou ainda mais esta tendência adversa. O aumento dos preços da energia e dos produtos alimentares está atualmente a afetar os grupos populacionais mais vulneráveis, bem como os agregados familiares com rendimentos baixos e médios. Por este motivo, o CESE insta urgentemente todas as instituições competentes a criarem uma rede de segurança social que funcione eficazmente e que não deixe ninguém para trás.

4.5.

O CESE chama mais uma vez a atenção para eventuais novas mutações, pandemias e epidemias inesperadas. O surgimento e a rápida propagação da COVID-19 revelaram que o setor da saúde não estava de todo preparado para a pandemia. É, portanto, imperativa uma preparação mais aprofundada, mas sobretudo medidas estratégicas mais responsáveis por parte de todos os organismos e instituições competentes neste domínio. O CESE observa que, como a evolução nos últimos dois anos demonstrou, o maior retorno do investimento provém do investimento na saúde e na prevenção.

4.6.

O CESE salienta que apoiar a provisão de liquidez adicional desde o surto de COVID-19 foi a decisão certa. No entanto, dado que algumas operações específicas foram suspensas, será agora necessário concentrar-se em assegurar a solvência de determinadas empresas. Será igualmente necessária liquidez adicional para apoiar o crescimento pós-pandemia. Assim, o CESE considera fundamental avançar com a criação da União dos Mercados de Capitais e da União Bancária.

4.7.

O CESE salienta que está em curso um processo de fragmentação da economia mundial. A invasão da Ucrânia pela Rússia levou à fragmentação do comércio internacional, dos pagamentos internacionais, das relações monetárias e financeiras internacionais, dos transportes internacionais, da ciência e investigação internacionais e das cadeias de valor globais, entre outros. Este processo tem tido um impacto muito negativo na evolução socioeconómica dos países da área do euro.

4.8.

O CESE observa que o atual nível elevado de incerteza económica e geoeconómica, acompanhado de riscos elevados, constitui a situação mais complexa de toda a história do projeto de integração europeia. Dada a imprevisibilidade da evolução socioeconómica futura, existe uma forte necessidade de as instituições competentes adotarem e aplicarem toda uma série de medidas para reduzir e eliminar os choques externos às economias dos Estados-Membros da área do euro.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Por conseguinte, o CESE congratula-se com o anúncio do BCE, de 15 de junho de 2022, de que pretende criar um instrumento para combater a fragmentação na área do euro.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/50


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforçar a mobilidade dos trabalhadores para apoiar a retoma económica

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/08)

Relator:

Philip von Brockdorff

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

101/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Em vários pareceres, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) assinalou a importância da mobilidade dos trabalhadores e observou que, ao longo dos anos, esta tem vindo a aumentar no interior da UE, mas apenas a um ritmo moderado.

1.2.

O CESE considera necessária uma análise mais aprofundada das razões — além das restrições causadas pela pandemia — que explicam o aumento percentual inferior do número de cidadãos móveis da UE em idade ativa relativamente a anos anteriores. Apela igualmente para a realização de um estudo que determine o custo económico da situação atual do mercado de trabalho.

1.3.

O CESE recomenda a adoção de medidas mais eficazes a nível nacional, que coloquem a tónica nas políticas ativas de emprego, como os benefícios ligados à atividade profissional para os trabalhadores da UE e de países terceiros.

1.4.

O CESE insta a Comissão Europeia a incluir indicadores nas recomendações específicas por país elaboradas no âmbito do Semestre Europeu, a fim de acompanhar as políticas nacionais que, de uma forma ou de outra, restringem a mobilidade dos trabalhadores a nível da UE.

1.5.

O CESE solicita ainda à Comissão Europeia que analise as tendências negativas relacionadas com a mobilidade dos trabalhadores, em especial a fuga de cérebros em determinados setores e regiões. Ao mesmo tempo, as medidas que visam combater a fuga de cérebros devem ser acompanhadas de medidas destinadas a fomentar a convergência social e económica ascendente.

1.6.

O CESE recomenda igualmente que os Estados-Membros continuem a melhorar os seus portais neste domínio, incluindo informações sobre as condições de trabalho mínimas exigidas pela legislação nacional, a fim de evitar abusos. Apela ainda para que se envidem mais esforços no sentido de melhorar as competências linguísticas.

1.7.

O CESE insta os Estados-Membros a facilitarem a mobilidade das pessoas com deficiência.

1.8.

O CESE considera igualmente que a igualdade de género é um fator importante para reforçar a mobilidade dos trabalhadores na UE, como referido no Parecer SOC/731 (1).

1.9.

O CESE insta a Comissão Europeia a acompanhar continuamente a coordenação dos sistemas de segurança social e a assegurar soluções comuns para situações novas, como o teletrabalho a partir do estrangeiro. Além disso, solicita que se intensifiquem os esforços para criar um número europeu de segurança social enquanto possível solução para ultrapassar os obstáculos ao acesso à segurança social em situações transfronteiriças.

1.10.

O CESE observa que as boas condições de trabalho e de emprego, bem como aspetos relacionados com a qualidade de vida, como a disponibilidade de escolas de qualidade e infraestruturas de lazer, são essenciais para as empresas manterem uma vantagem competitiva e atraírem trabalhadores qualificados.

1.11.

O CESE assinala ainda que a pandemia de COVID-19 expandiu claramente as oportunidades de teletrabalho. Cada vez mais trabalhadores manifestam interesse em trabalhar à distância a partir do estrangeiro por períodos curtos ou temporariamente. O CESE aguarda com expectativa as próximas negociações com os parceiros sociais sobre uma diretiva nesta matéria.

1.12.

O CESE apela para a criação de uma rede de pontos de informação à escala da UE, incluindo serviços em linha, mas também serviços de proximidade e telefónicos, destinada a ajudar os trabalhadores e os empregadores a lidarem com questões em domínios como os serviços bancários e de seguros.

1.13.

Por último, o CESE salienta a importância da análise estatística em curso dos fluxos de mobilidade dos trabalhadores para ajudar a sanar a inadequação das competências nos mercados de trabalho da UE e para avaliar o impacto de acontecimentos específicos, como a guerra na Ucrânia, e analisar a circulação de pessoas em idade ativa entre os Estados-Membros da UE e no interior dos mesmos.

2.   Observações na generalidade

2.1.

Numa altura de grande incerteza económica, em que as previsões económicas são revistas em baixa e se avizinha o provável aumento da taxa de juro da área do euro para contrariar as taxas de inflação elevadas, a mobilidade dos trabalhadores na UE poderá desempenhar um papel fundamental na retoma económica e nas perspetivas de crescimento da UE. É geralmente reconhecido que a livre circulação de trabalhadores e serviços contribui para a coesão e o crescimento económicos na União e cria oportunidades de emprego no mercado único. O efeito é claro: um aumento da mobilidade para preencher as vagas existentes melhora a afetação dos recursos laborais e aumenta a produção económica e o bem-estar, especialmente se as condições de trabalho forem dignas. O mercado de trabalho da UE assenta também no princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 45.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e especificado em vários atos de direito derivado. De modo geral, a economia da UE beneficia com o aumento da mobilidade dos trabalhadores. No entanto, cada Estado-Membro pode registar ganhos ou perdas, consoante os efeitos a longo prazo da direção dos fluxos de mobilidade. A curto prazo, a mobilidade dos trabalhadores beneficia os países de origem que se caracterizam pelo desemprego estrutural. No entanto, os efeitos líquidos para os países de acolhimento dependem, em grande medida, nomeadamente, das condições de trabalho oferecidas aos trabalhadores.

2.2.

O CESE assinalou, em vários pareceres, a importância da mobilidade dos trabalhadores e observou que o número de trabalhadores móveis dentro da UE tem vindo a aumentar ao longo dos anos, mas a um ritmo moderado, continuando aquém da percentagem de trabalhadores móveis nos Estados Unidos da América (EUA). Segundo um estudo realizado pela Direção-Geral da Política Regional e Urbana da Comissão Europeia, a percentagem da população dos EUA que se instalou noutro estado corresponde a cerca de 2,8 % da população total em idade ativa, enquanto na UE este valor é de cerca de 1,2 % (2).

2.3.

De acordo com as estatísticas demográficas de 2019 do Eurostat, 13 milhões de pessoas em idade ativa (20-64 anos) na UE instalaram-se num Estado-Membro diferente. No entanto, a percentagem de cidadãos móveis da UE em idade ativa registou um aumento percentual inferior ao de anos anteriores, e a pandemia não ajudou a inverter a tendência.

2.4.

O inquérito às forças de trabalho da UE de 2019 indicou um total de 11,9 milhões de cidadãos móveis da UE em idade ativa (definidos como cidadãos da UE que residem num Estado-Membro do qual não são nacionais), dos quais 9,9 milhões eram cidadãos móveis ativos (definidos como cidadãos da UE que começam a trabalhar noutro Estado-Membro sem necessidade de obter uma autorização de trabalho). Tal representava 4,2 % da população ativa total nos 28 Estados-Membros que compunham a UE naquela altura. A saída do Reino Unido da UE reduziu, obviamente, as oportunidades de trabalho para os cidadãos da UE, e os principais países de destino são atualmente a Alemanha, a França, a Itália e a Espanha.

2.5.

A Roménia e a Polónia são os principais países de origem dos cidadãos móveis ativos, e os principais setores de atividade económica dos cidadãos móveis da UE são a indústria transformadora e o comércio grossista e retalhista. Outros setores relativamente importantes são a construção e os transportes, a assistência social e os serviços ao domicílio, o turismo e a agricultura.

2.6.

O número de trabalhadores transfronteiriços na UE28 era de 1,5 milhões, tendo igualmente diminuído com a saída do Reino Unido da UE, e os principais países de residência dos trabalhadores transfronteiriços são a França, a Alemanha e a Polónia, registando-se ainda fluxos consideráveis entre a Eslováquia, a Hungria e a Áustria. O CESE observa que a mobilidade dos trabalhadores na UE tem motivações diversas, relacionadas com a situação pessoal de cada um, nomeadamente as diferenças salariais entre o país de acolhimento e o país de residência do trabalhador transfronteiriço. A decisão de se instalar no estrangeiro para trabalhar pode, de facto, assentar numa combinação de várias razões, incluindo o emprego oferecido numa base sazonal em setores como a agricultura e o turismo. No contexto atual, a redução do poder de compra que afeta os cidadãos em toda a UE pode, efetivamente, desencorajar a mobilidade dos trabalhadores, especialmente se o aumento dos preços também tiver impacto nos preços do mercado do arrendamento.

2.7.

Nos últimos anos, registou-se um aumento da mobilidade dos cidadãos móveis altamente qualificados, que representam mais de um terço dos cidadãos móveis da UE. Por seu turno, o número de cidadãos móveis pouco qualificados diminuiu na mesma proporção do aumento do número de cidadãos móveis altamente qualificados. Importa assinalar que a mobilidade destes últimos contribui significativamente para o desenvolvimento da economia do conhecimento. Os países de destino da UE da maioria dos cidadãos móveis altamente qualificados são a Alemanha, a Espanha, a França, a Bélgica e a Áustria. Embora os cidadãos móveis altamente qualificados sejam, na sua maioria, profissionais dos setores empresarial, do ensino, das ciências e da engenharia, a sobrequalificação parece ser bastante predominante. Estima-se que 55 % dos cidadãos móveis altamente qualificados sejam mulheres.

2.8.

As projeções demográficas do Eurostat apontam para um aumento da idade média dos cidadãos da UE. Além disso, a percentagem da população em idade ativa também deverá diminuir em relação à população total, em especial na faixa etária dos 20 aos 39 anos. Inversamente, os grupos etários mais velhos registarão proporcionalmente fortes aumentos. Esta evolução demográfica terá um impacto considerável no número potencial de cidadãos móveis da UE nos próximos anos, uma vez que é mais provável que as pessoas se desloquem no início da sua vida ativa e menos provável à medida que envelhecem, o que é corroborado pelos dados disponíveis, que indicam que as faixas etárias dos 20 aos 29 anos e dos 30 aos 39 anos registam fluxos de saída anuais superiores aos das outras faixas etárias.

2.9.

Dado que o número de pessoas em grupos etários mais jovens também está a diminuir nos países de origem, tal deverá resultar numa diminuição do número de trabalhadores móveis em toda a UE. No entanto, esta diminuição prevista dos fluxos de mobilidade poderá ser contrabalançada pelo envelhecimento da população da UE, que resultará no aumento da procura de cuidados de saúde e de assistência social especializados, o que exige o reforço do recrutamento de trabalhadores móveis.

2.10.

Do que precede, fica claro que os fluxos de mobilidade na UE continuam a ser um desafio devido à limitação da oferta e à inadequação das competências na maioria dos setores, nomeadamente na indústria das tecnologias da informação e da alta tecnologia. A pandemia não ajudou a melhorar esta situação, sendo a mobilidade intra-UE condicionada pelos confinamentos e por outras medidas restritivas, como o encerramento das fronteiras e a proibição de viajar. Antes da pandemia, a mobilidade leste-oeste dos trabalhadores preponderava sobre os fluxos sul-norte, situação que deverá manter-se com o afluxo de refugiados da Ucrânia, devastada pela guerra. Em todo o caso, quanto mais cedo a mobilidade dos cidadãos da UE regressar aos níveis anteriores à pandemia, melhor será. O número de trabalhadores móveis ativos no mercado de trabalho diminuiu 4 % entre 2019 e 2020 (3).

2.11.

O reconhecimento mútuo de diplomas e qualificações é essencial para preencher vagas em setores com escassez de mão de obra e para facilitar a mobilidade. No entanto, importa reforçar o sistema de reconhecimento, para que funcione eficazmente e apoie a mobilidade dos trabalhadores. O problema reside principalmente no reconhecimento mútuo das qualificações profissionais e não tanto a nível académico ou da experiência profissional. Não obstante, cabe observar que o reconhecimento mútuo das qualificações académicas e das qualificações profissionais segue abordagens diferentes. Importa igualmente ter em conta que, nos termos do artigo 166.o do TFUE, a UE deve respeitar plenamente as competências dos Estados-Membros quanto ao conteúdo e à organização da formação profissional, apoiando e complementando a ação dos Estados-Membros.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE considera necessária uma análise mais aprofundada das razões — além das restrições causadas pela pandemia — que explicam o aumento percentual inferior do número de cidadãos móveis da UE em idade ativa relativamente a anos anteriores. O CESE apela igualmente para a realização de um estudo que determine o custo económico da situação atual do mercado de trabalho, caracterizado por uma fragmentação coincidente com as fronteiras entre os Estados-Membros: «o custo de um mercado de trabalho da UE não unificado».

3.2.

O CESE recomenda a adoção de medidas estratégicas mais eficazes a nível nacional, como incentivos à mobilidade, incluindo a mobilidade circular (investindo nos países de origem através de programas de intercâmbio e de aprendizagem mútua), com destaque para medidas nacionais no âmbito das políticas ativas de emprego, como os benefícios ligados à atividade profissional para os trabalhadores da UE e de países terceiros. Neste contexto, o CESE considera que oferecer aos candidatos a emprego apoio financeiro, como a cobertura dos custos de reinstalação, para que aceitem um trabalho noutro Estado-Membro ou noutra região, ajudaria a encorajar a mobilidade. Além disso, deveriam envidar-se esforços adicionais para melhorar a informação sobre ofertas de emprego noutros países da UE e prestar apoio à reinstalação para facilitar a logística associada à mudança de país — por exemplo, encontrar alojamento, registar-se para efeitos fiscais, encontrar uma escola para os filhos, possível ajuda para encontrar emprego para os cônjuges, etc. O CESE recomenda a utilização de ferramentas de inteligência artificial numa rede à escala da UE que centralize todas as ofertas de emprego em todos os Estados-Membros, com vista a melhorar a adequação entre os perfis e as exigências do posto de trabalho. Na mesma ordem de ideias, devem conceder-se incentivos mais direcionados para encorajar os trabalhadores desempregados a instalarem-se nos Estados-Membros com baixos níveis de desemprego. A falta de mão de obra qualificada é a questão mais premente para as empresas europeias, conforme referido no Relatório SAFE, publicado pelo Banco Central Europeu em 1 de junho de 2022.

3.3.

O CESE lamenta que o mercado de trabalho da UE continue fragmentado. A mobilidade dos trabalhadores tem sido vítima da abordagem fragmentária adotada até à data. Há que evitar novas políticas desarticuladas, especialmente a nível nacional. Considerando que é necessário salvaguardar a igualdade de tratamento entre os trabalhadores locais e os trabalhadores móveis, o CESE insta a Comissão Europeia a incluir indicadores nas recomendações específicas por país elaboradas no âmbito do Semestre Europeu, a fim de acompanhar as políticas nacionais que, de uma forma ou de outra, restringem a mobilidade dos trabalhadores a nível da UE.

3.4.

Só será possível melhorar a mobilidade dos trabalhadores e profissionais da UE através do reforço da aplicação das disposições existentes, do acesso à informação e da cooperação entre os Estados-Membros. O CESE considera que o papel da Comissão Europeia é vital em todas estas questões. Observa que determinados Estados-Membros poderão mostrar-se relutantes em adotar novas reformas do mercado único, por temerem que estas resultem em perdas de emprego a curto prazo, nomeadamente nos países menos desenvolvidos, bem como em países ou setores com baixa produtividade. Teoricamente, a livre circulação de trabalhadores ajudaria a resolver este problema, mas, de uma perspetiva nacional, pode conduzir temporariamente a uma perda de recursos e a uma potencial fuga de cérebros ou de competências. Por conseguinte, poderá ser necessário que a Comissão Europeia analise as tendências negativas relacionadas com a mobilidade dos trabalhadores, em especial a fuga de cérebros em determinados setores e regiões. Ao mesmo tempo, as medidas que visam combater a fuga de cérebros devem ser acompanhadas de medidas destinadas a fomentar a convergência social e económica ascendente. O CESE reconhece que pode haver uma série de variáveis em jogo, incluindo as perspetivas demográficas e o seu efeito na dimensão e composição da população em idade ativa, tanto nos países de origem como nos países de acolhimento.

3.5.

Tendo presente que importa assegurar em permanência as normas em matéria de educação e validação, o CESE insta os Estados-Membros a reduzirem a burocracia e a respeitarem o princípio fundamental da igualdade de tratamento. Neste contexto, reconhece-se a necessidade de novas melhorias nos mecanismos de reconhecimento mútuo e nos portais de mobilidade profissional. O CESE regista importantes melhorias no Portal Europeu da Mobilidade Profissional (EURES), na plataforma em linha Europass e no sistema de classificação europeia das competências/aptidões, qualificações e profissões (ESCO) e insta os Estados-Membros a continuarem a melhorar os seus portais neste domínio, incluindo informações sobre as condições de trabalho mínimas exigidas pela legislação nacional. Considera-se que a inclusão destas informações é particularmente importante para evitar abusos nas condições de trabalho dos trabalhadores móveis nas regiões transfronteiriças e dos trabalhadores de países terceiros. O CESE apela igualmente para que se envidem mais esforços no sentido de melhorar as competências linguísticas, uma vez que a falta destas constitui um obstáculo importante à livre circulação na UE.

3.6.

O CESE insta os Estados-Membros a facilitarem a mobilidade das pessoas com deficiência. Neste contexto, é importante a adoção de uma definição europeia comum do estatuto de deficiência, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e o reconhecimento mútuo desse estatuto pelos Estados-Membros.

3.7.

O CESE considera que a igualdade de género é um fator importante para reforçar a mobilidade dos trabalhadores na UE, como referido no Parecer SOC/731. Deve enquadrar-se no compromisso mais amplo de respeitar as normas da democracia e igualdade para todos, enquanto meio para aumentar a mobilidade dos trabalhadores.

3.8.

O CESE recomenda que os Estados-Membros de acolhimento proporcionem às pessoas que trabalham no país de acolhimento acesso à formação, como cursos de línguas, no início da sua experiência profissional, e à requalificação numa fase posterior, se necessário, a fim de fazer face à escassez de mão de obra em determinados setores e apoiar a transição digital e as medidas para uma economia com impacto neutro no clima.

3.9.

O CESE observa igualmente que o Programa Erasmus+ pode reforçar a mobilidade dos trabalhadores em toda a UE e chama a atenção para um estudo realizado em 2011 (4) que analisa a forma como estudar no estrangeiro influencia a mobilidade no mercado de trabalho numa fase posterior da vida, utilizando a participação no Programa Erasmus como variável independente para o estudo no estrangeiro. O estudo concluiu que estudar no estrangeiro aumenta significativamente a probabilidade de trabalhar no estrangeiro após a obtenção de uma qualificação académica. A probabilidade de os licenciados que estudaram no estrangeiro trabalharem no estrangeiro após os seus estudos é cerca de 15 pontos percentuais mais elevada.

3.10.

O CESE congratula-se com a melhoria da coordenação dos sistemas de segurança social na UE, mas regista com alguma preocupação que persistem dificuldades para os trabalhadores móveis, em especial para os trabalhadores transfronteiriços e fronteiriços, no acesso aos sistemas de proteção social. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a acompanhar continuamente a coordenação dos sistemas de segurança social e a assegurar soluções comuns para situações novas, como o teletrabalho a partir do estrangeiro. Nunca é de mais salientar a importância de uma ação coordenada a nível da União. Os Estados-Membros têm de assegurar em permanência os direitos sociais dos trabalhadores móveis, incluindo em situações de crise. Embora reconheça as diferenças existentes entre os regimes de pensões na UE, o CESE apela igualmente para que se envidem mais esforços no sentido de reforçar a coordenação e a aplicação dos direitos de pensão dos trabalhadores móveis na UE, eventualmente através das recomendações específicas por país no âmbito do Semestre Europeu. Além disso, solicita que se intensifiquem os esforços para criar um número europeu de segurança social enquanto possível solução para ultrapassar os obstáculos ao acesso à segurança social em situações transfronteiriças.

3.10.1.

Cabe assinalar que o Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (PIRPE) (5) deve ser especialmente atraente para os trabalhadores por conta própria e para os trabalhadores móveis que trabalham em países diferentes ao longo da sua vida profissional. A possibilidade de mudar de prestador de PIRPE além-fronteiras contribuirá indubitavelmente para a mobilidade dos trabalhadores, embora não seja claro até que ponto a favorecerá, uma vez que os PIRPE ainda não estão disponíveis.

3.10.2.

Aquando da sua introdução, o CESE congratulou-se com o conceito do PIRPE por ser um passo fundamental para incentivar os cidadãos da UE a cotizar de forma adequada para os seus anos de reforma e por ser um elemento essencial da União dos Mercados de Capitais (UMC). No entanto, uma vez que a oferta de PIRPE ainda tem de se concretizar, o CESE considera necessário envidar esforços adicionais no contexto do Plano de Ação para a UMC (6), no âmbito da ação 9, a fim de estimular a participação em regimes complementares de pensões.

3.11.

O CESE observa que a pandemia de COVID-19 expandiu claramente as oportunidades de teletrabalho (7). Cada vez mais trabalhadores manifestam interesse em trabalhar à distância a partir do estrangeiro por períodos curtos ou temporariamente. O CESE aguarda com expectativa as próximas negociações com os parceiros sociais sobre a revisão e atualização do Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho, de 2002, que deverá ser apresentada para adoção sob a forma de um acordo juridicamente vinculativo, a executar através de uma diretiva.

3.12.

O CESE observa que as boas condições de trabalho e de emprego, bem como aspetos relacionados com a qualidade de vida, como a disponibilidade de escolas de qualidade e infraestruturas sustentáveis e de qualidade, são essenciais para as empresas manterem uma vantagem competitiva e atraírem trabalhadores qualificados. Salienta igualmente a importância do investimento contínuo na formação formal e informal e na aprendizagem ao longo da vida, a fim de apoiar a transição para uma economia digital e descarbonizada. Face a um contexto dinâmico e em rápida mutação, é fundamental uma adaptação célere e eficaz às novas necessidades do mercado de trabalho, tendo em conta o impacto da escassez de trabalhadores na mão de obra existente. Neste contexto, reveste-se de importância o acordo-quadro dos parceiros sociais europeus sobre a digitalização, que estabelece que ambas as partes se comprometem a melhorar as competências ou a requalificação, a fim de fazer face aos desafios digitais das empresas.

3.13.

O CESE salienta a necessidade de digitalizar os procedimentos de mobilidade e de destacamento dos trabalhadores, a fim de melhorar o intercâmbio de informações entre as autoridades nacionais e de eliminar os obstáculos desproporcionados. Tal também ajudará a monitorizar e a aplicar as regras corretamente. O CESE concorda com a proposta constante da Resolução do Parlamento Europeu, de 20 de maio de 2021 — O impacto das normas da UE na livre circulação de trabalhadores e serviços: a mobilidade dos trabalhadores no interior da UE como ferramenta para fazer coincidir as necessidades e as competências do mercado de trabalho [2020/2007(INI)] (8) —, que recomenda a criação, no seio da Autoridade Europeia do Trabalho (AET), de um serviço digital e físico de assistência aos trabalhadores e a futuros empregadores sobre as normas aplicáveis na UE. Conforme previsto no artigo 5.o do Regulamento relativo à AET, cabe a esta autoridade melhorar a disponibilidade, a qualidade e a acessibilidade das informações sobre a mobilidade dos trabalhadores, nomeadamente através de um sítio Web único ao nível da União que funcione como um portal único de acesso a fontes de informação e serviços a nível da União e a nível nacional, em todas as línguas da UE. Além disso, a AET deve apoiar os Estados-Membros na atualização dos seus sítios Web nacionais.

3.14.

Paralelamente, o CESE insta os Estados-Membros a digitalizarem os serviços públicos, em particular os serviços de segurança social pertinentes, a fim de facilitar a mobilidade dos trabalhadores europeus em toda a UE, garantindo simultaneamente a portabilidade dos direitos e o cumprimento das obrigações em matéria de mobilidade dos trabalhadores e dos profissionais.

3.15.

Ao mesmo tempo, o CESE apela para a criação de uma rede de pontos de informação à escala da UE, incluindo serviços em linha, mas também serviços de proximidade e telefónicos, destinada a ajudar os trabalhadores e os empregadores a lidarem com questões em domínios como os serviços bancários e de seguros.

3.16.

O CESE salienta a importância da análise estatística em curso dos fluxos de mobilidade dos trabalhadores para ajudar a sanar a inadequação das competências nos mercados de trabalho da UE e para avaliar o impacto de acontecimentos específicos, como a guerra na Ucrânia, e analisar a circulação de pessoas em idade ativa entre os Estados-Membros da UE e no interior dos mesmos. O CESE reconhece que é mais difícil encontrar correspondências a nível europeu do que a nível nacional ou regional. No entanto, considera que o papel dos conselheiros EURES na prestação de apoio informado aos trabalhadores móveis é fundamental.

3.17.

A investigação sobre a mobilidade dos trabalhadores de países terceiros e as suas condições de trabalho também é importante. O CESE expressa preocupação com a existência de condições de trabalho precárias para os trabalhadores de países terceiros nos Estados-Membros e apela para uma aplicação mais rigorosa das regras. Observa ainda que a mobilidade dos trabalhadores entre os Estados-Membros da UE não será suficiente para responder à escassez de competências. A migração de trabalhadores provenientes de países terceiros terá também de ser facilitada e reforçada. A este respeito, o CESE congratula-se com o recente pacote de medidas sobre a política de migração, mas reitera o seu ponto de vista de que é necessário adotar medidas eficazes para permitir que os cidadãos da UE desempregados entrem no mercado de trabalho.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 443 de 22.11.2022, p. 63.

(2)  https://epc2010.princeton.edu/papers/100976

(3)  Relatório anual sobre a mobilidade dos trabalhadores no interior da UE (2021).

(4)  Parey and Waldinger (2011). Studying abroad and the effect on international labour market mobility; evidence from the introduction of Erasmus [Estudar no estrangeiro e os seus efeitos na mobilidade internacional no mercado de trabalho: dados relativos à introdução do Erasmus].

(5)  Parecer do CESE — Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (JO C 81 de 2.3.2018, p. 139).

(6)  Parecer do CESE — Uma União dos Mercados de Capitais ao serviço das pessoas e das empresas — novo plano de ação (JO C 155 de 30.4.2021, p. 20).

(7)  JO C 220 de 9.6.2021, p. 13; JO C 220 de 9.6.2021, p. 106.

(8)  JO C 15 de 12.1.2022, p. 137.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Melhorar a igualdade na UE

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/09)

Relatora:

Ozlem YILDIRIM

Correlator:

Cristian PÎRVULESCU

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

140/13/31

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) relembra o Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («a Carta»), onde se lê: «A União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade». Além disso, destaca a importância do artigo 20.o da Carta, que consagra o princípio da igualdade de todas as pessoas perante a lei.

1.2.

O CESE recorda ainda que a aplicação do princípio da igualdade, além de proibir a discriminação, promove também uma aplicação coerente da norma de direito.

1.3.

O CESE insta vivamente o Conselho, o Parlamento e a Comissão a avançarem na elaboração de medidas contra a discriminação no acesso a bens e serviços, adotando, nomeadamente, a proposta de diretiva que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual (1).

1.4.

O CESE considera que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia já constitui uma base sólida e que os instrumentos de defesa dos direitos fundamentais devem ser concebidos de modo uniforme em toda a União. Considera também essencial incluir todas as interações, todos os ambientes e todas as situações em que podem ocorrer discriminações. As diferenças de proteção jurídica criam hierarquias inaceitáveis entre os direitos e deixam sem proteção grupos inteiros de pessoas.

1.5.

O atual sistema de proteção europeu assenta fundamentalmente na ação individual das vítimas através de ações judiciais e do direito. Contudo, diversos estudos mostram que as denúncias e os processos não permitem responder à dimensão estrutural, interseccional e sistémica das desigualdades e que o recurso das vítimas à via judicial é pouco significativo, muito pontual em termos estatísticos e utilizado somente em último caso (2).

1.6.

O CESE salienta que a eliminação das desigualdades e das discriminações complexas causadas pelas estruturas sociais requer uma política coerente e multidimensional, meios concretos e uma mobilização a longo prazo. A sensibilização, a visibilidade e a formação constituem alavancas importantes que importa acionar em todos os quadrantes da sociedade.

1.7.

O CESE entende que a promoção da igualdade e a proteção dos direitos fundamentais devem ser integradas numa visão mais abrangente da sociedade, que multiplique e reforce os instrumentos através dos quais os Estados-Membros e as instituições europeias materializam o apoio às pessoas e aos intervenientes públicos e privados.

1.8.

O CESE considera que a União deve empenhar-se ativamente na promoção do reconhecimento do princípio geral da igualdade e de obrigações positivas em prol da igualdade de oportunidades e que, para tanto, as instituições devem centrar-se no aperfeiçoamento da próxima geração de medidas de promoção da igualdade na Europa.

1.9.

O CESE reconhece que a evolução tecnológica permite facilitar o acesso de muitos cidadãos aos seus direitos, mas sublinha que tal evolução pode criar, na prática, novas desigualdades, que, por seu turno, geram novas necessidades de intervenção para assegurar o acompanhamento e aplicar o princípio da igualdade de tratamento.

1.10.

A fim de resolver a questão dos encargos suportados pelas pessoas singulares quando intentam ações judiciais, conferir à ação judicial uma força à altura da gravidade das práticas denunciadas e dotar o quadro jurídico de força dissuasora efetiva para controlar as discriminações, o CESE é favorável a que a UE elabore legislação para adotar normas no sentido de facilitar a aplicação, nos Estados-Membros, de ações judiciais coletivas que melhorem o acesso às vias de recurso judiciais e aumentem o impacto destas no combate às discriminações e na defesa da igualdade de tratamento.

1.11.

O CESE considera que a União deve garantir a segurança, a igualdade de tratamento e a proteção, pelas autoridades dos Estados-Membros, dos ativistas políticos, sindicais e associativos, como corolário dos seus valores de democracia, Estado de direito e não discriminação em razão de opiniões políticas.

1.12.

Também importa que todos os intervenientes da sociedade civil, em particular os que intervêm na defesa dos direitos humanos, vejam melhorada a sua capacidade de utilizar os instrumentos jurídicos existentes e de colaborar com as instituições públicas.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE relembra o Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («a Carta»), onde se lê: «A União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade». Além disso, destaca a importância do artigo 20.o da Carta, que consagra o princípio da igualdade de todas as pessoas perante a lei.

2.2.

O CESE recorda ainda que a aplicação do princípio da igualdade, além de proibir a discriminação, promove também uma aplicação coerente da norma de direito.

2.3.

Atualmente, a União Europeia reconhece as formas múltiplas da desigualdade e a sua dimensão interseccional (incluindo as desigualdades de género, étnicas, sociais, geracionais, etc.).

2.4.

Volvidos mais de vinte anos desde a adoção do Tratado de Amesterdão, todos os indicadores europeus e nacionais revelam que persiste a discriminação no emprego e no acesso a bens, à educação, a serviços públicos e à proteção social em razão da origem étnica, da raça, do sexo, da orientação sexual, das opiniões e convicções, da deficiência e da idade.

2.5.

Esta persistência da discriminação tem designadamente origem em processos complexos e geralmente cumulativos, que resultam de processos integrados e de sistemas e normas que produzem e reproduzem as discriminações diretas ou indiretas. Esta intersecção de fontes de desigualdade cria situações que são, portanto, sistémicas e que constituem verdadeiros entraves à promoção da igualdade (3).

2.6.

O CESE, quer por intermédio dos seus membros, quer em atividades realizadas diretamente nos Estados-Membros, observa igualmente uma deterioração do clima social geral, bem como uma crescente generalização dos comportamentos discriminatórios em relação às pessoas vulneráveis. Desse ponto de vista, é clara a necessidade de uma ação rápida e concertada a nível nacional e europeu.

2.7.

Além disso, após quase dois anos de crise na sequência da COVID-19, várias agências das Nações Unidas, incluindo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (4), veem sinais preocupantes de agravamento das desigualdades sociais e territoriais. A crise da COVID-19 intensificou as desigualdades sociais e económicas e teve um impacto significativo nas empresas europeias, afetando a sua capacidade de manter e criar postos de trabalho.

2.8.

Consequentemente, os grupos sociais que vivem em situação de pobreza ou precariedade são necessariamente mais vulneráveis à discriminação, que vem somar-se, portanto, a outros fatores de vulnerabilidade. O CESE destaca a necessidade de visar a especificidade destas discriminações e de elaborar uma política robusta de combate à discriminação de que são alvo os grupos populacionais económica e socialmente desfavorecidos na UE.

2.9.

O CESE salienta que a eliminação das desigualdades e das discriminações complexas causadas pelas estruturas sociais requer uma política robusta, meios concretos e uma mobilização a longo prazo. Cumpre conferir um apoio acrescido e significativo aos organismos nacionais para a igualdade e os direitos humanos, especialmente no que diz respeito à melhoria da sua independência e ao reforço dos seus recursos humanos e financeiros. A sensibilização, a visibilidade e a formação constituem alavancas importantes que importa acionar em todos os quadrantes da sociedade e em todas as políticas públicas.

2.10.

O CESE entende que a promoção da igualdade e a proteção dos direitos fundamentais devem ser integradas numa visão mais abrangente da sociedade, que multiplique e reforce os instrumentos através dos quais os Estados-Membros e as instituições europeias materializam o apoio às pessoas e aos intervenientes públicos e privados.

2.11.

O CESE reitera o seu inteiro apoio ao novo Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e entende que existem vários elementos de convergência com a promoção da igualdade, a proteção dos direitos fundamentais e o combate à discriminação (5). A fim de cumprir os objetivos do plano, é essencial conferir mais atenção à sua aplicação.

2.12.

Na esteira dos seus pareceres anteriores (6), o CESE reconhece os esforços envidados pela UE no que respeita à igualdade entre mulheres e homens, à proteção contra a discriminação em razão da origem étnica, raça ou idade, religião, opiniões ou crenças, à defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ e dos direitos das pessoas com deficiência, e também no que respeita à integração dos ciganos e à defesa dos direitos dos migrantes.

2.13.

Como já referido pelo CESE, a Carta encerra um potencial ainda por explorar pelas instituições de defesa dos direitos humanos, pelas organizações da sociedade civil e pelos parceiros sociais. São necessárias melhorias para otimizar o seu impacto em prol da proteção, prevenção, promoção, execução e aplicação do princípio da igualdade (7).

2.14.

O atual sistema de proteção europeu assenta fundamentalmente na ação individual das vítimas através de ações judiciais e do direito. Contudo, diversos estudos mostram que as denúncias e os processos não permitem responder à dimensão estrutural, interseccional e sistémica das desigualdades e que o recurso das vítimas à via judicial é pouco significativo, muito pontual em termos estatísticos e utilizado somente em último caso (8).

2.15.

Atualmente, no emprego, o combate à discriminação limita-se às situações que correspondem unicamente aos critérios enunciados no artigo 19.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual).

2.16.

Além do mais, a proteção conferida pelo direito da União em matéria de acesso a bens e serviços públicos cinge-se aos critérios da raça ou origem étnica e da igualdade entre mulheres e homens. Nenhuma outra forma de desigualdade é tratada enquanto tal e a proteção contra a discriminação varia consoante os critérios.

2.17.

Atualmente, a proteção contra a discriminação é assimétrica entre os Estados-Membros. De facto, alguns concedem proteção contra todas as formas de discriminação referidas no artigo 19.o no acesso a bens e serviços, enquanto outros vão além dos critérios dessa disposição. Assim, a proteção contra a discriminação e, por conseguinte, a igualdade variam entre os Estados-Membros.

2.18.

Perante estes factos, importa determinar as próximas etapas a cumprir para superar as atuais limitações na aplicação do mecanismo de proteção efetiva da igualdade na União Europeia, sob o prisma da inclusão.

3.   Observações na especialidade

3.1.   Promover a afirmação de um princípio geral de igualdade nos Estados-Membros

3.1.1.

A situação atual na Europa evidencia que o princípio da igualdade é um desiderato que continua sujeito a fortes condicionalismos. Por exemplo, a própria Comissão afirma que, no período da COVID-19, a igualdade de acesso aos cuidados de saúde foi um desafio considerável na Europa (9).

3.1.2.

Atualmente, alguns países europeus traduzem o princípio geral da igualdade no seu quadro jurídico através da sacralização do direito à igualdade de tratamento na sociedade civil e nas relações económicas e com o Estado, ao passo que outros apenas punem as discriminações expressamente proibidas por lei, não estabelecendo qualquer obrigação positiva de aplicação do princípio da igualdade (10).

3.1.3.

Esta disparidade cria um desfasamento significativo entre os cidadãos e residentes europeus no tocante ao alcance do princípio da igualdade, da sua proteção jurídica e dos requisitos impostos para a sua aplicação efetiva.

3.1.4.

O CESE insta a Comissão a reconhecer as dificuldades estruturais que impedem a realização plena do princípio da igualdade, ilustradas pelos limites dos resultados alcançados e pela magnitude das desigualdades atualmente patentes na Europa. As organizações nacionais para a igualdade e os direitos humanos devem participar ativamente nesse processo de avaliação contínua.

3.1.5.

O CESE considera essencial que a União intervenha em todas as suas esferas de competência, adotando uma política ambiciosa de promoção do princípio da igualdade e da igualdade de oportunidades consentânea com os valores consagrados no Tratado da União Europeia e na Carta dos Direitos Fundamentais. Para o efeito, apoia a nova iniciativa da Comissão Europeia, assente nos artigos 157.o e 19.o do Tratado, que se centra na eficácia dos organismos nacionais para a igualdade e no desenvolvimento do seu potencial e das suas múltiplas funções e capacidades.

3.1.6.

A União deve dotar-se de meios concretos para traduzir o princípio geral da igualdade num princípio jurídico aplicável a todos os Estados-Membros, que permita conceder uma proteção que vá além das desigualdades de tratamento relacionadas com os sete critérios de discriminação enunciados no artigo 19.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A utilização dos fundos estruturais seria, por exemplo, um meio eficaz para a aplicação concreta das medidas de luta contra a discriminação.

3.1.7.

O reconhecimento de um princípio geral de igualdade de tratamento, a criação de obrigações positivas e o reconhecimento da sua dimensão sistémica são formas de melhorar a luta contra as desigualdades económicas e sociais.

3.2.   Combater as desigualdades e discriminações geradas no domínio digital

3.2.1.

O CESE reconhece que a evolução tecnológica permite facilitar o acesso de muitos cidadãos aos seus direitos, mas considera que essa evolução gera, na prática, novas desigualdades de acesso aos direitos e aos serviços, bem como novas necessidades de intervenção para defender o princípio da igualdade de tratamento.

3.2.2.

A transformação digital dos serviços estatais e do acesso a bens e serviços (nomeadamente aos serviços de primeira necessidade) deu origem a uma alteração profunda da relação com o utente, em resultado da supressão das barreiras físicas, mas criou novas barreiras digitais. Essa transformação entrava o acesso de determinados cidadãos a direitos e a serviços, em particular as pessoas em situação de maior precariedade ou de vulnerabilidade ou as pessoas com deficiência, bem como a maioria das pessoas idosas no território europeu (11).

3.2.3.

Estas falhas requerem a elaboração e a aplicação de novas políticas públicas de inclusão digital, bem como a criação, pelos operadores públicos e privados, de obrigações positivas para com os utentes, incluindo o acesso fácil e gratuito.

3.2.4.

Além das dificuldades técnicas de acesso digital, e relativamente aos instrumentos com base em algoritmos (12) e tecnologias biométricas (13), o CESE observa que estamos perante novos desafios na perspetiva de eventuais violações de direitos e da criação de situações de discriminação.

3.2.5.

Como demonstram os trabalhos do Conselho da Europa (14) e da Agência dos Direitos Fundamentais (15), as decisões algorítmicas impregnam as ferramentas de decisão de enviesamentos discriminatórios resultantes da procura da reprodução automatizada de resultados. Os instrumentos jurídicos mais relevantes para atenuar os riscos de discriminação associados à IA são a legislação em matéria de não discriminação e a legislação em matéria de proteção de dados. Se forem efetivamente aplicados, ambos os quadros jurídicos poderão ajudar a combater a discriminação ilegal.

3.2.6.

O CESE considera que, para controlar esses efeitos, é necessário empreender uma política pública forte aplicável a todo o mercado interno europeu, bem como aos agentes económicos fora da Europa, que imponha a introdução de processos de controlo das decisões automatizadas, verificação dos dados, avaliação, elaboração de estudos de impacto e procedimentos de correção na conceção e aplicação dessas tecnologias, em consonância com a legislação sobre os serviços digitais em fase de adoção. A adoção da Diretiva Serviços Digitais poderá também ajudar a fornecer soluções.

3.3.   Promover a igualdade de tratamento e o combate às discriminações no mundo laboral

3.3.1.

O CESE salienta a importância determinante do emprego como fator de integração e de realização da promessa de igualdade para todos.

3.3.2.

Apesar do empenho histórico da União Europeia na causa da igualdade para as mulheres no emprego, a situação atual lembra-nos que, historicamente, são as mulheres as primeiras a sofrer as consequências das crises (sejam elas económicas, sociais, sanitárias ou outras). A igualdade entre homens e mulheres no domínio profissional continua a ser um dos grandes desafios que os países europeus enfrentam. Com a crise da COVID-19, a taxa de emprego das mulheres caiu em todas as faixas etárias e categorias profissionais, para se situar globalmente nos 61,8 % (16).

3.3.3.

Estas desigualdades ligadas ao género somam-se a outras formas de desigualdade. O inquérito realizado pelo Eurostat em 2019 revela que 68 % das pessoas com deficiência corriam o risco de se verem em situação de pobreza ou de exclusão social, em comparação com 28,4 % das pessoas na população geral (17). 21 % das pessoas que se identificam como LGBT afirmaram sentir-se discriminadas no trabalho, assim como 25 % das pessoas de origem magrebina, africana ou cigana (18).

3.3.4.

O Eurobarómetro de 2020 sobre as discriminações indica, por seu turno, que 59 % dos europeus considera que a primeira causa de discriminação é a origem étnica ou a cor da pele, e os estudos mostram que esta forma de discriminação é particularmente significativa em matéria de emprego, com um impacto considerável na igualdade de oportunidades e na integração social. Importa instaurar métodos eficazes que permitam provar essas discriminações em tribunal, como o método Clerc, reconhecido pelos supremos tribunais de França, e que permite comparar a evolução na carreira de pessoas inicialmente contratadas para funções do mesmo nível (19).

3.3.5.

Atualmente, a política europeia de combate à discriminação no emprego resume-se a um quadro jurídico que permite levar casos de discriminação a tribunal, cabendo à potencial vítima o ónus muito pesado de lutar contra as discriminações através da interposição de uma ou várias ações contra o seu empregador, um prestador de serviços ou o Estado.

3.3.6.

A Comissão Europeia já reconheceu há muito que as discriminações resultam de fenómenos coletivos. A instauração de processos judiciais caso a caso representa um encargo muito pesado para as vítimas. O fenómeno de não se intentarem ações por discriminação está bem documentado e ocorre em grande escala (20). A discriminação no emprego raramente é objeto de processos judiciais, e as ações por discriminação no acesso a bens e serviços são quase inexistentes. Poderia reforçar-se os mecanismos e processos não judiciais de promoção da igualdade, bem como o apoio ao trabalho jurídico pro bono e aos processos judiciais de interesse público.

3.3.7.

A fim de resolver a questão dos encargos suportados pelas pessoas singulares quando intentam ações judiciais, conferir à ação judicial uma força à altura da gravidade das práticas denunciadas e dotar o quadro jurídico de força dissuasora efetiva para controlar as discriminações, o CESE é favorável a que a UE elabore legislação para adotar instrumentos processuais no sentido de facilitar o acesso aos direitos nos Estados-Membros através, por exemplo, de ações judiciais coletivas que melhorem o acesso às vias de recurso judiciais e aumentem o impacto destas no combate às discriminações e na defesa da igualdade de tratamento.

3.3.8.

Por seu turno, se a União Europeia pretende combater eficazmente as discriminações no trabalho, a ação judicial não pode ser a única forma de intervenção contra as discriminações coletivas e sistémicas.

3.3.9.

A União Europeia deve alargar o seu leque de intervenções contra as discriminações, indo para lá das ações judiciais e impondo a aplicação de mecanismos de antecipação, que permitam intervir a montante das desigualdades, corrigir as práticas e evitar as discriminações.

3.3.10.

O CESE entende que devem ser postas em prática políticas análogas de combate à discriminação em razão de todos os critérios enunciados no artigo 19.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Por isso, convida a Comissão:

i.

a comprometer-se, no âmbito da sua política de emprego e de combate às discriminações, a aplicar eficazmente as medidas existentes ou a adotar novas medidas que promovam a igualdade no emprego e a assegurar a aplicação efetiva da legislação em vigor;

ii.

a velar pela adoção de medidas que generalizem a análise das discriminações no trabalho e a reforçar as obrigações de avaliação, prestação de informações e fiscalização dos empregadores;

iii.

a ajudar as empresas a desenvolverem práticas antidiscriminatórias e de inclusão.

3.4.   Alargar e harmonizar o âmbito da proteção contra a discriminação dentro da União

3.4.1.

O CESE encoraja vivamente a União Europeia a avançar na elaboração de medidas contra a discriminação no acesso a bens e serviços, adotando, nomeadamente, a proposta de diretiva que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.

3.4.2.

O CESE observa que a proteção contra a discriminação no acesso a bens e serviços, tal como existe atualmente, cria uma hierarquia de proteção em função de certos critérios e gera, por conseguinte, uma situação de proteção desigual das pessoas visadas por diferentes critérios de discriminação.

3.4.3.

O princípio da não discriminação é um pilar da proteção dos direitos fundamentais na União. Porém, enquanto a adoção do projeto de diretiva continuar em suspenso, a União Europeia não conseguirá cumprir o seu desígnio de garantir um exercício igual dos direitos no espaço público europeu.

3.4.4.

O CESE insta o Conselho, o Parlamento e a Comissão a envidarem todos os esforços para que a referida proposta de diretiva seja adotada com uma redação que integre as suas recomendações gerais sobre a melhoria das modalidades de acesso aos direitos e à ação judicial, incluindo, nomeadamente, mecanismos para facilitar o acesso aos direitos através da adoção de procedimentos de ação coletiva para assegurar a sua eficácia e o reconhecimento da competência dos organismos nacionais de luta contra a discriminação.

3.4.5.

A União Europeia deveria intensificar os seus esforços e a sua cooperação no terreno para garantir o respeito pela dignidade e pelos direitos fundamentais das pessoas LGBTQIA+, sem exceção, bem como para reforçar a sua participação na vida pública e assegurar que não são alvo de perseguição.

3.5.

O CESE considera que a União deve empenhar-se ativamente na promoção do reconhecimento de um princípio geral e de obrigações positivas de igualdade de oportunidades. As instituições da UE devem igualmente apoiar as organizações nacionais para a igualdade e os direitos humanos através da adoção de normas vinculativas, para que aquelas possam tirar partido de todo o seu potencial e contribuir para a aplicação efetiva da legislação em vigor.

3.6.   Renovar a proteção contra a discriminação política, sindical e cívica

3.6.1.

O CESE observa que, nos últimos anos, em toda a Europa, os ativistas políticos e sindicais (ou pertencentes a associações de trabalhadores), bem como os ativistas da sociedade civil, têm enfrentado dificuldades no exercício da sua liberdade de expressão e de ação, por exemplo, no exercício do seu direito de se manifestar para exprimir as suas reivindicações ou negociar.

3.6.2.

O CESE considera que tanto a União como os Estados-Membros devem assegurar efetivamente, de acordo com a respetiva legislação e com os instrumentos internacionais aplicáveis, que as suas autoridades garantem a segurança, a igualdade de tratamento e a proteção dos ativistas políticos e dos parceiros sociais e associativos, como corolário dos seus valores de democracia, Estado de direito e não discriminação em razão de opiniões políticas.

3.6.3.

Todos os Estados-Membros ratificaram a Convenção n.o 87 da OIT sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito Sindical e a Convenção n.o 98 da OIT sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva. A liberdade sindical e o direito de sindicalização também devem ser respeitados e promovidos. É importante que se discuta, a nível nacional e da UE, a forma de garantir que os trabalhadores possam ter acesso à representação sindical e exercer os direitos de organização e ação coletiva (21). Em conformidade com as normas reconhecidas internacionalmente da OIT, o CESE encoraja vivamente os Estados-Membros e a Comissão a assegurarem, em conformidade com a sua legislação, com os seus sistemas de relações laborais e com os instrumentos internacionais aplicáveis, que a liberdade sindical e o direito de sindicalização e negociação coletiva são efetivamente protegidos.

3.7.   Instituições nacionais eficazes para promover a igualdade, defender os direitos fundamentais e combater a discriminação

3.7.1.

A aplicação de regulamentação europeia e nacional neste domínio enfrenta, com demasiada frequência, limites significativos ligados aos aspetos jurídicos, institucionais, organizacionais e financeiros que caracterizam cada Estado-Membro.

3.7.2.

O CESE preconiza a elaboração de planos concretos, que incluam apoio financeiro, para reforçar as capacidades das instituições nacionais.

3.7.3.

O CESE insta a Comissão a elaborar um programa de assistência às instituições nacionais com competências no domínio dos direitos humanos, a fim de melhorar, reforçar e racionalizar as suas capacidades (criação, acreditação e cumprimento das normas internacionais). Tal programa deverá incluir a sensibilização, o conhecimento das necessidades específicas de todos os grupos e a capacidade de lhes dar uma resposta adequada.

3.7.4.

Também importa melhorar a capacidade de todos os agentes sociais e cívicos, em particular dos que intervêm na proteção dos direitos humanos, para utilizar os instrumentos jurídicos existentes e colaborar com as instituições públicas. É imperativo reforçar o apoio aos agentes sociais e às organizações da sociedade civil que asseguram o acesso das vítimas de discriminação aos seus direitos. O apoio que lhes for prestado pode assumir diversas formas: formações, ações de sensibilização, transferência de conhecimentos e boas práticas, apoio financeiro e organizacional, bem como proteção contra ataques e campanhas de descrédito.

3.7.5.

O CESE reitera o referido em pareceres anteriores seus, nomeadamente a necessidade de criar um mecanismo eficaz e acessível para detetar e denunciar as agressões físicas e verbais, a intimidação e o assédio, inclusive através de meios abusivos e de discursos de ódio contra organizações da sociedade civil, incluindo as envolvidas na proteção dos direitos humanos (22). Quando estes ataques são lançados num contexto digital, há que identificá-los rapidamente e proceder à retirada das publicações em causa.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2008) 426.

(2)  Agência dos Direitos Fundamentais, Igualdade na UE decorridos vinte anos da aplicação inicial das diretivas relativas à desigualdade, abril de 2021 (relatório integral não disponível em português).

(3)  Mulder, J., Indirect sex discrimination in employment, [A discriminação indireta no emprego em razão do sexo], Rede Europeia de Peritos Jurídicos no domínio da igualdade de género e da não discriminação, Comissão Europeia, 2020.

(4)  Ver, em particular, a 8.a edição do relatório da OIT sobre o impacto da crise em curso no mundo do trabalho, de outubro de 2021. Organização Internacional do Trabalho (OIT), «COVID-19: ILO Monitor — 8th edition» [COVID-19: Observatório da OIT — 8.a edição], 27 de outubro de 2021.

(5)  Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais [COM(2021) 38] (JO C 374 de 16.9.2021, p. 38).

(6)  Ver, nomeadamente: Parecer — A situação das mulheres com deficiência (SOC/579) (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20); Parecer — A situação das mulheres ciganas (SOC/585) (JO C 110 de 22.3.2019, p. 20); Parecer — Definição da agenda relativa aos direitos das pessoas com deficiência 2020-2030 (SOC/616): (JO C 97 de 24.3.2020, p. 41); Parecer — Gestão da diversidade nos Estados-Membros da UE (SOC/642) (JO C 10 de 11.1.2021, p. 7); Parecer — Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025 (SOC/667) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 128), Parecer — Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027 (SOC/668) (JO C 286 de 16.7.2021, p. 134); Parecer — Estratégia sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (SOC/680) (JO C 374 de 16.9.2021, p. 50); e a Estratégia relativa à inclusão dos ciganos pós-2020.

(7)  Parecer — Nova estratégia para reforçar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais na UE (SOC/671) (JO C 341 de 24.8.2021, p. 50).

(8)  Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Igualdade na UE decorridos 20 anos da aplicação inicial das diretivas relativas à igualdade, op. cit.

(9)  Comissão Europeia, Solidariedade na saúde: reduzir as desigualdades no domínio da saúde na UE [COM(2009) 567 final].

(10)  Crowley, N., Making Europe more Equal: A legal Duty? [Tornar a Europa mais igualitária: um dever jurídico?], Equinet, 2016.

(11)  Défenseur des droits [Defensor dos direitos]: Dématérialisation et inégalités d’accès aux services publics [Digitalização e desigualdades no acesso aos serviços públicos], 2019; e Dématérialisation des services publics: trois ans après, où en est-on? [Digitalização dos serviços públicos: ponto da situação após três anos], 2022.

(12)  Gerards, J., Xenidis, R., Algorithmic discrimination in Europe [Discriminação algorítmica na Europa], Rede Europeia de Peritos Jurídicos no domínio da igualdade de género e da não discriminação, Comissão Europeia, 2020.

(13)  Défenseur des droits [Defensor dos direitos], Technologies biométriques: l’impératif respect des droits fondamentaux [Tecnologias biométricas: necessidade absoluta de respeitar os direitos fundamentais], 2021.

(14)  Conselho da Europa, CERI, Zuiderveen Borgesius, F., «Discrimination, Artificial Intelligence and algorithmic decision-making» [Discriminação, inteligência artificial e decisões algorítmicas], 2018.

(15)  Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Preparar o futuro — Inteligência artificial e direitos fundamentais — Síntese, 2021.

(16)  Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), Gender equality and the socio-economic impact of the COVID-19 pandemic [Igualdade de género e o impacto socioeconómico da pandemia de COVID-19].

(17)  Eurostat, Income inequalities [Disparidades de rendimentos], 2019.

(18)  Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Igualdade na UE decorridos 20 anos da aplicação inicial das diretivas relativas à igualdade, op. cit.

(19)  Chappe. V.A., «La preuve par comparaison: méthode des panels et droit de la non-discrimination» [Prova por comparação: método dos painéis e direito da não discriminação], in Sociologies pratiques, 2011/2 n.o 23, p. 45-55; Decisão-quadro do Defensor dos Direitos n.o 2022-139, de 31 de agosto de 2022; Tribunal de Cassação: Cass. soc. 10/07/1998 n.o 90-41231; Cass. soc. 04/07/2000, n.o 98-43285; Cass. soc. 28/06/2006, n.o 04-46419.

(20)  Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Igualdade na UE decorridos 20 anos da aplicação inicial das diretivas relativas à igualdade, op. cit.

(21)  Ver também o Parecer — Salários mínimos dignos em toda a Europa (SOC/632), pontos 4.5.3 e 4.5.6 ( JO C 429 de 11.12.2020, p. 159).

(22)  Parecer — Nova estratégia para reforçar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais na UE (SOC/671): (JO C 341 de 24.8.2021, p. 50).


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 59.o, n.o 3, do Regimento):

ALTERAÇÃO 1

SOC/724 — Melhorar a igualdade na UE

Ponto 3.3.7

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

A fim de resolver a questão dos encargos suportados pelas pessoas singulares quando intentam ações judiciais, conferir à ação judicial uma força à altura da gravidade das práticas denunciadas e dotar o quadro jurídico de força dissuasora efetiva para controlar as discriminações, o CESE é favorável a que a UE elabore legislação para adotar instrumentos processuais no sentido de facilitar o acesso aos direitos nos Estados-Membros através, por exemplo, de ações judiciais coletivas que melhorem o acesso às vias de recurso judiciais e aumentem o impacto destas no combate às discriminações e na defesa da igualdade de tratamento.

A fim de resolver a questão dos encargos suportados pelas pessoas singulares quando intentam ações judiciais, conferir à ação judicial uma força à altura da gravidade das práticas denunciadas e dotar o quadro jurídico de força dissuasora efetiva para controlar as discriminações, o CESE incentiva os Estados-Membros a ponderar e, quando necessário, adotar medidas adequadas com vista a garantir e promover o acesso à justiça. Tal poderá passar pela elaboração de legislação para adotar instrumentos processuais no sentido de facilitar o acesso aos direitos no Estado-Membro em questão através, por exemplo, de ações judiciais coletivas suscetíveis de melhorar o acesso às vias de recurso judiciais e aumentar o impacto destas no combate às discriminações e na defesa da igualdade de tratamento.

Justificação

No grupo de estudo e na Secção SOC, não houve acordo entre os três grupos sobre esta matéria. O direito processual é tradicionalmente da competência dos Estados-Membros. Por conseguinte, deve caber aos Estados-Membros decidir se pretendem introduzir a ação coletiva a nível nacional como instrumento de aplicação do princípio da igualdade. Tal permitiria igualmente adaptar os sistemas nacionais à sua própria realidade. Além disso, não se deve esquecer que as ações coletivas também podem ser utilizadas de forma abusiva.

Resultado da votação

Votos a favor:

59

Votos contra:

104

Abstenções:

13

ALTERAÇÃO 2

SOC/724 — Melhorar a igualdade na UE

Ponto 3.3.10

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

O CESE entende que devem ser postas em prática políticas análogas de combate à discriminação em razão de todos os critérios enunciados no artigo 19.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Por isso, convida a Comissão:

a comprometer-se, no âmbito da sua política de emprego e de combate às discriminações, a aplicar eficazmente as medidas existentes ou a adotar novas medidas que promovam a igualdade no emprego e a assegurar a aplicação efetiva da legislação em vigor;

a velar pela adoção de medidas que generalizem a análise das discriminações no trabalho e a reforçar as obrigações de avaliação, prestação de informações e fiscalização dos empregadores ;

a ajudar as empresas a desenvolverem práticas antidiscriminatórias e de inclusão.

O CESE entende que devem ser postas em prática políticas análogas de combate à discriminação em razão de todos os critérios enunciados no artigo 19.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Por isso, convida a Comissão:

a comprometer-se, no âmbito da sua política de emprego e de combate às discriminações, a aplicar eficazmente as medidas existentes ou a adotar novas medidas que promovam a igualdade no emprego e a assegurar a aplicação efetiva da legislação em vigor;

a velar pela adoção de medidas que contribuam para um uso eficiente da análise das discriminações no trabalho , tal como definidas na legislação da UE , e a fornecer orientações aos empregadores sobre as suas obrigações de avaliação, prestação de informações e fiscalização;

a ajudar as empresas a desenvolverem práticas antidiscriminatórias e de inclusão.

Justificação

Este ponto diz respeito à execução de políticas assentes nos critérios estabelecidos no artigo 19.o do TFUE. Nos pontos 3.4.1 (e 1.3) do parecer já se afirma que o «CESE encoraja vivamente a União Europeia a avançar na elaboração de medidas contra a discriminação no acesso a bens e serviços, adotando, nomeadamente, a proposta de diretiva que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual». A proposta de alteração visa modificar o texto de modo a indicar que tipo de medidas são necessárias para tornar eficaz a execução e a aplicação das regras da UE em matéria de luta contra a discriminação.

Resultado da votação

Votos a favor:

67

Votos contra:

109

Abstenções:

11

ALTERAÇÃO 3

SOC/724 — Melhorar a igualdade na UE

Ponto 3.4.4

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

O CESE insta o Conselho, o Parlamento e a Comissão a envidarem todos os esforços para que a referida proposta de diretiva seja adotada com uma redação que integre as suas recomendações gerais sobre a melhoria das modalidades de acesso aos direitos e à ação judicial, incluindo, nomeadamente, mecanismos para facilitar o acesso aos direitos através da adoção de procedimentos de ação coletiva para assegurar a sua eficácia e o reconhecimento da competência dos organismos nacionais de luta contra a discriminação.

O CESE insta o Conselho, o Parlamento e a Comissão a envidarem todos os esforços para que a referida proposta de diretiva seja adotada com uma redação que integre as suas recomendações gerais sobre a melhoria das modalidades de acesso aos direitos e à ação judicial, deixando, porém, aos Estados-Membros a decisão sobre eventuais mecanismos para facilitar o acesso aos direitos através da adoção de procedimentos de ação coletiva para assegurar a sua eficácia e o reconhecimento da competência dos organismos nacionais de luta contra a discriminação.

Justificação

No grupo de estudo e na Secção SOC, não houve acordo entre os três grupos sobre esta matéria. O direito processual é tradicionalmente da competência dos Estados-Membros. Por conseguinte, deve caber aos Estados-Membros decidir se pretendem introduzir a ação coletiva a nível nacional como instrumento de aplicação do princípio da igualdade. Tal permitiria igualmente adaptar os sistemas nacionais à sua própria realidade. Além disso, não se deve esquecer que as ações coletivas também podem ser utilizadas de forma abusiva.

Resultado da votação

Votos a favor:

60

Votos contra:

114

Abstenções:

11

ALTERAÇÃO 4

SOC/724 — Melhorar a igualdade na UE

Ponto 1.10

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

A fim de resolver a questão dos encargos suportados pelas pessoas singulares quando intentam ações judiciais, conferir à ação judicial uma força à altura da gravidade das práticas denunciadas e dotar o quadro jurídico de força dissuasora efetiva para controlar as discriminações , o CESE é favorável a que a UE elabore legislação para adotar normas no sentido de facilitar a aplicação, nos Estados-Membros , de ações judiciais coletivas que melhorem o acesso às vias de recurso judiciais e aumentem o impacto destas no combate às discriminações e na defesa da igualdade de tratamento.

O CESE incentiva os Estados-Membros a ponderar e, quando necessário, adotar medidas adequadas a fim de resolver ou atenuar a questão dos encargos suportados pelas pessoas singulares quando intentam ações judiciais, conferir à ação judicial uma força à altura da gravidade das práticas denunciadas e dotar o seu quadro jurídico de força dissuasora efetiva para controlar as discriminações . Tal poderá passar pela elaboração de legislação para adotar normas no sentido de facilitar a aplicação, no Estado-Membro em questão , de ações judiciais coletivas que melhorem o acesso às vias de recurso judiciais e aumentem o impacto destas no combate às discriminações e na defesa da igualdade de tratamento. A fim de facilitar o intercâmbio de boas práticas, o CESE convida a Comissão Europeia a fornecer informações sobre os diferentes quadros legislativos nacionais aplicáveis neste domínio.

Justificação

No grupo de estudo e na Secção SOC, não houve acordo entre os três grupos sobre esta matéria. O direito processual é tradicionalmente da competência dos Estados-Membros. Por conseguinte, deve caber aos Estados-Membros decidir se pretendem introduzir a ação coletiva a nível nacional como instrumento de aplicação do princípio da igualdade. Tal permitiria igualmente adaptar os sistemas nacionais à sua própria realidade. Além disso, não se deve esquecer que as ações coletivas também podem ser utilizadas de forma abusiva.

Resultado da votação

Votos a favor:

65

Votos contra:

113

Abstenções:

8


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Assegurar aos doentes com doenças raras uma solidariedade europeia forte

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/10)

Relator:

Alain COHEUR

Decisão da Plenária

24.2.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

171/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Em 2009, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) adotou o Parecer — Proposta de recomendação do Conselho relativa a uma ação europeia em matéria de doenças raras (SOC/330) (1), no qual exprimia o seu apoio e expunha as suas preocupações e recomendações, com vista a chamar a atenção para todas as necessidades das pessoas que vivem com uma doença rara. O CESE lamenta profundamente que, volvidos mais de dez anos sobre a adoção desse parecer, seja necessário reiterar o seu apelo em prol de uma abordagem europeia abrangente, que leve em conta todas as necessidades das pessoas com doenças raras, e apela para a procura de soluções europeias que atenuem o impacto das doenças raras na vida quotidiana, familiar e profissional.

1.2.

O CESE reafirma com firmeza o seu apoio aos doentes com doenças raras, às suas famílias e à comunidade afetada por doenças raras em sentido lato, manifestando a sua solidariedade para com todos eles. A União Europeia (UE) poderia estar na linha da frente da defesa do direito aos cuidados de saúde para todos em toda a União Europeia e demonstrar que uma doença rara não tem de ser vivida em solidão. Para poder diagnosticar e tratar doenças raras mais rapidamente, é necessário apoiar a investigação científica de base e a criação de um espaço europeu de dados de saúde (EEDS) com base nos princípios FAIR (acrónimo em inglês para dados de investigação localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis). O CESE recomenda que se reconheça e se promova plenamente os conhecimentos especializados do portal Orphanet, a fim de melhorar o ecossistema europeu de dados de saúde em benefício dos doentes com doenças raras. A disponibilização do Orphanet em todas as línguas da UE proporcionaria um grande valor acrescentado aos doentes com doenças raras e aos profissionais de saúde.

1.3.

O CESE reitera as conclusões sobre a prevalência de doenças raras na UE e as semelhanças nos percursos dos doentes com doenças raras e nos desafios de proteção social que estes enfrentam, apesar da heterogeneidade ou diversidade de doenças, bem como da dispersão geográfica dos doentes e pesquisadores.

1.4.

O CESE acolhe favoravelmente o princípio do direito de acesso aos cuidados de saúde proposto pelo Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a resolução das Nações Unidas e a atenção dada às doenças raras pela Conferência sobre o Futuro da Europa e a Presidência francesa do Conselho da UE, em 2022, com vista a assegurar que a situação dos doentes com estas doenças não seja agravada por desigualdades na saúde. O CESE destaca a importância de uma estratégia europeia de cuidados ambiciosa para os cuidadores informais de doentes com doenças raras.

1.5.

Recomenda que se aproveite o ímpeto político e se desenvolvam as recomendações tecidas pelas instituições e pela sociedade civil, com o objetivo de criar um plano de ação europeu abrangente sobre as doenças raras, com objetivos específicos, mensuráveis, alcançáveis, realistas e oportunos (SMART, do acrónimo em inglês) até 2030, a fim de assegurar a igualdade de oportunidades de diagnóstico e tratamento a todos os doentes com doenças raras, numa perspetiva holística de cuidados integrados. O objetivo deve ser o de os doentes terem a sua doença rara diagnosticada no prazo de um ano.

1.6.

O CESE sugere que o mandato da Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA) seja alargado, ou que esta entidade sirva de modelo à criação de uma nova autoridade europeia para as doenças não transmissíveis, que promoveria a cooperação no domínio das doenças raras e a solidariedade a este respeito, a fim de coordenar a aplicação de um plano de ação europeu para as doenças raras e assegurar uma abordagem europeia para as doenças raras não transmissíveis. Trabalhar em sinergia com o Orphanet, que beneficiaria do apoio estrutural da UE para publicar o seu trabalho em todas as línguas oficiais da UE, asseguraria o acesso tanto dos doentes como dos profissionais à informação de que necessitam.

1.7.

O CESE dá voz à sociedade civil dos Estados-Membros, a fim de reforçar o diálogo político com os cidadãos, e apoia as instituições europeias através de uma cooperação estrutural e permanente, que lhes permite elaborar políticas que contem com pleno apoio. O CESE recomenda que o próximo trio de Presidências em 2023-2024 (Espanha, Bélgica e Hungria) mantenha na agenda política as doenças raras, tendo em conta a avaliação em 2022 das redes europeias de referência (RER) e a promessa da Comissão de rever a sua estratégia sobre esta matéria até ao início de 2023, integrando as doenças raras nas políticas de saúde pública nos mandatos futuros da Comissão. A participação das partes interessadas e dos parceiros sociais é essencial para a elaboração de uma estratégia ambiciosa.

1.8.

O CESE solicita iniciativas, como uma resolução, que capacitem os doentes com doenças raras e incentivem a sua participação na política em matéria de doenças raras e nas recomendações elaboradas a este respeito, em conformidade com o artigo 4.o da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD). As associações de doentes, graças à sua experiência, podem desempenhar um papel vital enquanto representantes de doentes, atuando como seus porta-vozes. A sua presença nos meios de comunicação social e participação nas recomendações políticas devem ser asseguradas e apoiadas (2).

1.9.

O CESE apela para que se reconheça a importância de aceder a um diagnóstico de doença rara durante rastreios perinatais ou neonatais, ou assim que possível após o aparecimento de problemas de saúde ou de desenvolvimento. É igualmente importante reconhecer os benefícios dos cuidados de saúde multidisciplinares e de uma perspetiva holística em relação às necessidades e percursos dos doentes, que podem beneficiar de cuidados médicos e sociais integrados e de uma coordenação centralizada dos cuidados, bem como, acima de tudo, da otimização da acessibilidade dos cuidados do ponto de vista financeiro.

1.10.

O CESE afirma que os serviços de saúde de qualidade não podem nunca ser um privilégio reservado àqueles que, por qualquer motivo, conseguem obter um melhor acesso ao serviço de saúde nacional, pagar prémios de seguro mais elevados ou efetuar pagamentos diretos mais avultados, ou organizar grandes campanhas de angariação de fundos. Nunca é demais afirmar a importância de ter sistemas de seguros de saúde solidários, que protejam os doentes com doenças raras. O CESE seria favorável a um debate sobre os benefícios e os desafios da cobertura dos tratamentos inovadores para doentes com doenças raras pelos fundos mutualistas de seguro de saúde europeus baseados na solidariedade.

1.11.

O CESE reconhece a importância de os doentes com doenças raras poderem aceder a tratamentos além-fronteiras, incluindo o diagnóstico e cuidados. A capacidade de viajar para receber tratamento e de evitar viagens excessivas graças à telemedicina podem melhorar o acesso dos doentes com doenças raras a cuidados de saúde, especialmente os doentes com doenças muito raras. O CESE solicita que o funcionamento das RER seja otimizado e apela para a sua integração nos sistemas globais de saúde da UE e dos Estados-Membros. Propõe também que se explore a opção de elaborar uma convenção para cuidados no âmbito das RER.

1.12.

Tendo em conta a situação económica desigual dos Estados-Membros, o CESE recomenda e espera que seja levada a cabo uma reflexão sobre a possibilidade de criar um fundo financeiro especial da UE para o qual os Estados-Membros contribuam e do qual beneficiem de acordo com a sua capacidade financeira, a fim de assegurar o acesso ao tratamento para todos os doentes europeus com doenças raras, especialmente os que têm necessidades médicas não satisfeitas, garantindo uma verdadeira solidariedade na UE. O CESE apoia modelos de aquisição conjunta e contribuições, como a ferramenta europeia de cálculo do preço justo de medicamentos, que aumentem a acessibilidade dos tratamentos farmacêuticos para os Estados-Membros e os doentes com doenças raras, e solicita que este aspeto seja tido em conta na revisão da legislação da UE sobre medicamentos órfãos e pediátricos (para pessoas com doenças raras e para crianças).

1.13.

O CESE aconselha a que seja estudada a possibilidade de um fundo de solidariedade para doenças raras, especialmente para as doenças não incluídas nas RER. Esse fundo seria um complemento útil nos casos em que o seguro de saúde obrigatório não cobre os custos de tratamentos de doenças complexas ou raras, ou os custos dos cuidados transfronteiras. O CESE considera que é necessária uma mutualização a nível europeu. Um fundo solidário europeu para os doentes com doenças raras deve:

ter por objetivo evitar, por um lado, que os doentes com doenças raras incorram em custos incomportáveis para pagar cuidados de saúde medicamente necessários e justificáveis que estejam disponíveis na UE, e, por outro, que sofram mais desigualdades na saúde devido à raridade da sua doença;

ser uma expressão da solidariedade europeia, no sentido de melhorar o acesso de todos os doentes com doenças raras aos cuidados de saúde disponíveis em toda a UE, de melhorar o cumprimento dos direitos dos doentes a cuidados transfronteiras e de otimizar e facilitar a utilização das RER;

complementar as disposições nacionais sobre a segurança social e os seguros de saúde através do desenvolvimento de um fundo que cubra os inevitáveis custos associados aos cuidados transfronteiras dentro da UE, e facilitar a cooperação europeia no combate aos desafios de saúde pública através de uma abordagem transfronteiras estrutural e de apoio.

2.   Observações na generalidade sobre doenças raras

2.1.

Estas doenças são raras, mas os doentes afetados por elas são numerosos. Uma doença é classificada como rara com base na sua prevalência. Na UE, uma doença rara é definida como um problema de saúde amiúde crónico, por vezes causador de deficiência ou que põe em risco a vida, e que não afeta mais do que uma em duas mil pessoas (3). Em 2019, o Orphanet, portal sobre doenças raras e medicamentos órfãos, contabilizou 6 172 doenças raras e singulares (4). 71,9 % dessas doenças raras têm origem genética e 69,9 % manifestam-se na primeira infância. Estima-se que entre 3,5 % e 5,9 % da população tenha uma doença rara, o que resulta em aproximadamente 36 milhões de doentes na UE.

2.2.

Muitas vezes, a complexidade e a natureza crónica de uma doença rara não têm impacto apenas na vida do próprio doente, afetando muitas outras pessoas, como os familiares, mas também os sistemas de saúde e de assistência social. As famílias podem ficar em risco de isolamento e de maior vulnerabilidade e, dada a dimensão de género dos cuidados informais (5), as doenças raras podem ter um impacto significativo nas vidas das mães e das mulheres em particular. O acesso dos cuidadores informais à proteção social deve, por conseguinte, merecer uma atenção específica.

2.3.

Apesar de já terem sido identificadas mais de 6 172 doenças raras, que podem levar ao diagnóstico de um doente, ainda há doenças que, por falta de definições, caracterizações ou testes diagnósticos, os médicos não conseguem diagnosticar, as chamadas «síndromes sem nome» (SWAN, na sigla em inglês). O fosso em matéria de saúde é ainda mais pronunciado para os doentes não diagnosticados: as suas necessidades não supridas são ainda maiores e a desigualdade mais acentuada, uma vez que é necessário um diagnóstico para obter cuidados médicos adequados ou benefícios sociais e de seguro de saúde adicionais.

2.4.

As desigualdades persistentes no acesso aos cuidados de saúde requerem modelos proativos e bem direcionados, de base comunitária, para que os grupos mais vulneráveis, por exemplo, pessoas com deficiências físicas e sensoriais ou perturbações de ordem psicossocial, possam receber diagnósticos e cuidados. Os cuidados de saúde dos migrantes e dos cidadãos da UE com antecedentes migratórios foram já abordados em pareceres anteriores do CESE; importa utilizar os conhecimentos especializados e as recomendações deles constantes no âmbito de uma abordagem comum para as doenças raras (6).

2.5.

Na ausência de deteção através de rastreio perinatal, para diagnosticar uma doença rara são necessários, em média, 4,5 anos a contar do aparecimento de problemas de saúde ou de desenvolvimento. A investigação concluiu que os períodos de incerteza no diagnóstico — que, frequentemente, incluem diagnósticos incorretos e/ou tratamentos incorretos que geram consequências negativas — variam entre até 5 a 7 anos (7). A via rumo a um diagnóstico conclusivo e correto representa, em muitos casos, uma odisseia que obriga a consultas com vários profissionais de saúde. A investigação demonstrou que 22 % dos doentes com diagnósticos de doenças raras consultaram mais do que cinco profissionais de saúde, e 7 % desses doentes consultaram até mais de dez (8).

2.6.

Para sensibilizar os profissionais da saúde de forma a poderem detetar melhor potenciais doenças raras e os capacitar para que encaminhem os doentes e acelerem o processo de diagnóstico, importa assegurar a partilha de informação, uma formação de elevada qualidade, adequada e contínua, bem como um planeamento atempado dos profissionais, com a participação dos parceiros sociais.

2.7.

Tratar como prioritária a investigação médica de base sobre as causas das doenças raras, incluindo as causas genéticas, e investir de forma estruturada nessa investigação levará necessariamente a tratamentos mais eficientes e, possivelmente, à cura de doentes com doenças raras. Os instrumentos de financiamento europeus, como o Programa UE pela Saúde 2021-2027 — uma visão para uma UE mais saudável — e regulamentos como a proposta de criação de um espaço europeu de dados de saúde (EEDS) devem apoiar essa investigação.

2.8.

Os conhecimentos e as competências especializadas necessários para diagnosticar e gerir as necessidades de cuidados terapêuticos especializados decorrentes de certas doenças raras podem não existir em certos Estados-Membros, e estar dispersos por toda a UE. É necessário que haja mais tratamentos à disposição e que estes sejam mais acessíveis e a preços mais comportáveis, já que os doentes se queixam da inexistência de tratamento nos seus locais de residência (22 %), de listas de espera que entravam o acesso ao tratamento (14 %), de tratamentos financeiramente incomportáveis (12 %) e da inexistência de apoio financeiro para facilitar viagens destinadas a receber tratamento noutro país (12 %) (9).

2.9.

A qualidade dos cuidados prestados exige que os serviços de saúde sejam atempados, equitativos, integrados e eficientes (10). Os rastreios perinatais e neonatais são processos fulcrais para um diagnóstico precoce. A Recommendation on Cross Border Genetic Testing Of Rare Diseases in the European Union [Recomendação sobre a realização de testes genéticos de doenças raras na União Europeia], do grupo de peritos da Comissão Europeia em matéria de doenças raras, e o trabalho da organização Eurordis sobre a testagem na UE formam as bases para uma recomendação para toda a Europa.

2.10.

O caminho a percorrer até ao diagnóstico, a receção do diagnóstico e a vida com uma doença rara podem ter impacto psíquico no doente e/ou na sua família. A vulnerabilidade psicológica e social pode ser provocada pela invisibilidade de uma doença, pelo fardo físico que representa e pela falta de conhecimento ou de compreensão da doença por parte dos outros. A vida quotidiana pode ser agravada pela fraca coordenação dos cuidados, mas também por problemas de natureza prática, administrativa, educativa, profissional ou financeira (11). Uma abordagem holística nos cuidados abrange todo o leque de necessidades de saúde (prevenção e cuidados contínuos, curativos, de reabilitação e paliativos), bem como de necessidades sociais e quotidianas, e requer cuidados médicos e sociais integrados, multidisciplinares e de elevada qualidade.

2.11.

O Dia das Doenças Raras sensibiliza a sociedade em geral e promove o reconhecimento desta questão, melhorando a compreensão e a inclusão social dos doentes e das famílias. Informar os doentes com doenças raras e assegurar o seu bem-estar e o das suas famílias requer um ecossistema de profissionais da saúde, fundos mutualistas de seguros de saúde, grupos de contacto (digitais) e associações de doentes.

3.   Observações na generalidade sobre a política europeia para as doenças raras

3.1.

A UE identificou as doenças raras como uma prioridade no domínio da saúde pública há mais de vinte anos e tomou medidas que permitiram o aumento da investigação e do desenvolvimento, a adoção, pelos Estados-Membros, de planos de ação nacionais para as doenças raras, a coordenação da cooperação transfronteiras nas RER e o direito de acesso a cuidados transfronteiras (12). A Comissão adotou a recomendação 3 «Melhorar o apoio para facilitar o acesso dos doentes que sofrem de doenças raras a cuidados de saúde» e anunciou que procederia, se necessário, à revisão da sua estratégia para as doenças raras até ao início de 2023 (13). O Parlamento Europeu adotou a sua resolução sobre a estratégia da UE em matéria de saúde pública pós-COVID-19, na qual lança o apelo para a adoção de um plano de ação no domínio das doenças raras (14). Além disso, a UE também consagrou, no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o «direito a aceder, em tempo útil, a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis» (15).

3.2.

Espera-se que a comunicação anunciada sobre uma estratégia europeia de prestação de cuidados contemple o apoio à aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e o devido reconhecimento dos cuidadores informais. As famílias dos doentes com doenças raras sairiam beneficiadas com uma estratégia que abra caminho a um maior reconhecimento dos cuidadores e dos seus direitos em toda a UE, que ofereça mais flexibilidade no exercício dos direitos dos cuidadores em situações transfronteiras e que abranja a saúde mental (dos cuidadores formais e informais) como preocupação central (16).

3.3.

O Estados-Membros da UE apoiaram a Resolução das Nações Unidas de 2021, intitulada Addressing the challenges of persons living with a rare disease and their families (17) [Abordar os desafios das pessoas que vivem com uma doença rara e das respetivas famílias], na qual se inclui um apelo para o reforço dos sistemas de saúde de modo a capacitar as pessoas que vivem com uma doença rara para satisfazer as suas necessidades de saúde física e mental a fim de realizar os seus direitos humanos, incluindo o seu direito ao nível mais elevado possível de saúde física e mental, e de melhorar a equidade e igualdade na saúde, pôr fim à descriminação e à estigmatização, eliminar as lacunas na cobertura e criar uma sociedade mais inclusiva.

3.4.

O Conselho (Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores) sobre Saúde abordou a resposta da Europa às doenças raras e debateu se seria útil reforçar a cooperação e coordenação neste domínio entre os Estados-Membros e a nível da UE. A Presidência do Conselho considerou que o reforço da ação da União neste domínio traria os benefícios tangíveis da união da saúde pública aos cidadãos europeus. O Espaço Europeu de Dados de Saúde é um instrumento que deve contribuir para uma ação da UE mais eficaz, desempenhando um papel no combate às doenças raras e garantindo o acesso a dados de saúde de qualidade, dentro de um quadro seguro, e, assim, contribuindo para acelerar o acesso a novas terapias mais seguras e personalizadas (18).

3.5.

O relatório acerca dos resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa inclui uma proposta relativa ao acesso equitativo aos cuidados de saúde para todos, com o objetivo de criar um «direito à saúde», garantindo a todos os europeus um acesso equitativo e universal a cuidados de saúde preventivos e curativos de qualidade e a preços comportáveis. O plenário da Conferência reconheceu e referiu especificamente a comunidade afetada pelas doenças raras, apoiando: a tomada de decisões mais rápida e vigorosa em questões fulcrais e a melhoria da eficiência da governação europeia, à medida que se avança rumo ao desenvolvimento da União Europeia da Saúde; a necessidade de garantir que todos tenham acesso aos tratamentos existentes, independentemente do Estado-Membro da UE onde estes estejam disponíveis pela primeira vez; a facilitação, para esse fim, da cooperação transfronteiras, especialmente no caso das doenças raras; o reforço do sistema de cuidados de saúde para aumentar a resiliência e qualidade dos nossos sistemas de saúde, especialmente através de um maior desenvolvimento, coordenação e financiamento das redes europeias de referência, que constituem a base do desenvolvimento de redes de cuidados médicos para tratamentos altamente especializados e complexos (19).

3.6.

O Plano Europeu de Luta contra o Cancro, de 2021, que constitui uma nova abordagem da UE para a prevenção, o tratamento e os cuidados, a lista de ações a realizar até 2030 e a participação das partes interessadas fazem parte da abordagem da política de saúde europeia que visa combater as desigualdades na saúde dentro da UE (20). O plano também se baseia nas redes europeias de referência enquanto pioneiras no intercâmbio de conhecimentos especializados relativos ao diagnóstico e tratamento de doenças raras.

4.   Observações na especialidade sobre doenças raras e a política para as doenças raras

4.1.

Com base no seguimento dado ao Parecer do CESE — Proposta de recomendação do Conselho relativa a uma ação europeia em matéria de doenças raras (21), o CESE considera que, apesar de as respetivas recomendações estarem a ser aplicadas com diferentes graus de êxito, por exemplo, através do desenvolvimento de RER desde 2017, da introdução de um sistema de comunicação e alerta, bem como da elaboração de guias práticos ou diretrizes que facilitem o diálogo entre as diferentes culturas profissionais na UE ou da inclusão, no espaço europeu de dados de saúde, do requisito do acesso dos doentes aos seus dados, a política da UE em matéria de doenças raras exige uma ação urgente para recuperar o tempo perdido.

4.2.

As redes europeias de referência (RER) são um aspeto essencial da concretização da cooperação europeia entre sistemas de saúde destinada a facilitar ensaios clínicos e conhecimentos especializados em matéria de diagnóstico e tratamento de doentes europeus com doenças raras. Atualmente, o potencial destas redes ainda não foi plenamente analisado nem realizado. Está previsto dar-se início a uma avaliação em 2022 (22). As 24 RER, criadas em 2017, já contam com 1 466 membros em todos os Estados membros europeus, incluindo mais de 900 unidades de cuidados de saúde localizadas em mais de 313 hospitais. 1,7 milhões de doentes estão a ser tratados por membros das RER, mas só 2 100 doentes com doenças complexas e muito raras foram tratados através do sistema de gestão clínica dos doentes (SGCD).

4.3.

Os fatores a abordar para otimizar o potencial das RER são os seguintes: falta de reembolso dos prestadores de cuidados de saúde que participam nas RER, falta de reembolsos específicos para consultas virtuais através do SGCD e problemas de interoperabilidade administrativa ou técnica. Outro aspeto a melhorar é a integração das RER nos sistemas nacionais de saúde através dos centros de referência associados dedicados às doenças raras, garantindo assim a promoção da sua existência e a sua acessibilidade.

4.4.

Centralizar os cuidados prestados a doentes com doenças raras e, ao mesmo tempo, manter um número suficiente de centros especializados beneficiaria a qualidade dos cuidados. Importa fixar os critérios que definem um centro especializado. Além disso, estes centros necessitam de financiamento específico e adequado. A sociedade civil e os parceiros sociais são quem gera os recursos necessários para financiar a despesa em matéria de saúde pública, pelo que devem ter um papel estratégico na repartição destes recursos. As redes locais, regionais e nacionais de cuidados devem ser sensibilizadas para a existência de centros especializados e encorajadas a participar nas RER, a fim de facilitar o acesso aos cuidados e de melhorar a sua qualidade.

4.5.

Já se verificou que as parcerias e consórcios transfronteiras com vários intervenientes, apoiados por financiamento da UE, que reúnam a sociedade civil e peritos em doenças raras ou em política de saúde ou social, académicos, parceiros médicos, centros de conhecimento, associações de doentes, fundos mutualistas de seguros de saúde sem fins lucrativos e doentes com conhecimento da situação, têm um efeito positivo nos ecossistemas de investigação e cooperação a nível europeu. Estas iniciativas têm contribuído para formular recomendações para políticas centradas nos doentes e lançar projetos-piloto e estudos que melhoram o acesso dos doentes europeus com doenças raras a cuidados de saúde e sociais holísticos e integrados, de elevada qualidade (23). Chegou a hora de consolidar essas recomendações e boas práticas numa política coerente que integre iniciativas nacionais, transfronteiras e europeias, sem deixar para trás nenhum doente com doença rara.

4.6.

O estudo participativo da Rare 2030 de análise prospetiva da política para as doenças raras contém oito recomendações fulcrais sobre o tratamento, os cuidados, a investigação, os dados e as infraestruturas europeias e nacionais, estabelecendo um roteiro e objetivos SMART que dão o mote à próxima década de políticas para as doenças raras, nomeadamente, 1) planos e estratégias nacionais e europeus de longo prazo e integrados; 2) diagnósticos mais precoces, rápidos e exatos; 3) acesso a cuidados de saúde de elevada qualidade; 4) cuidados integrados e centrados na pessoa; 5) parcerias com doentes; 6) investigação e desenvolvimento inovadores e baseados nas necessidades; 7) otimização de dados para benefício dos doentes e da sociedade; 8) tratamentos disponíveis, acessíveis e a preços comportáveis (24).

4.7.

O reconhecimento dos conhecimentos dos doentes com doenças raras, dos seus familiares e dos profissionais de saúde formou a base do projeto EMRaDi que, entre outros aspetos, analisou a procura e a oferta no domínio das doenças raras na Eurorregião Mosa-Reno. O projeto analisou também a realidade quotidiana e os percursos dos doentes, com base em 104 entrevistas aprofundadas sobre oito doenças raras (25). Estas entrevistas confirmaram os pressupostos sobre as dificuldades em obter um diagnóstico, a existência de um encargo acrescido na coordenação dos cuidados (com doentes que contactam entre 6 e 25 profissionais de saúde ao longo do seu percurso), a necessidade e preferência por cuidados multidisciplinares em centros especializados e, por conseguinte, a necessidade de uma perspetiva holística mais alargada em relação a todo o leque de necessidades de informação, de apoio psicológico, de inclusão social e de oportunidades de desenvolvimento, bem como em relação às necessidades práticas e administrativas, mas também às necessidades de cuidados de saúde transfronteiras. Do projeto resultaram recomendações sobre cuidados holísticos, telemedicina e solidariedade europeia (26).

4.8.

A pandemia de COVID-19 acelerou a digitalização dos cuidados de saúde, a utilização de novas tecnologias e a aplicação da telemedicina. A regulamentação da telemedicina, o reforço das suas capacidades e o reembolso de despesas incorridas no seu âmbito, incluindo as teleconsultas, os conhecimentos especializados partilhados remotamente, o acompanhamento remoto e a saúde móvel, têm de resultar de uma consulta dos parceiros sociais e das partes interessadas do setor médico, e, acima de tudo, assegurar a segurança dos doentes e a qualidade e continuidade dos cuidados e dos tratamentos. A utilização otimizada da telemedicina leva a que os doentes, incluindo os doentes com doenças raras, não tenham de viajar excessivamente no seu país ou na Europa.

4.9.

O desenvolvimento da investigação académica, da economia de saúde e da qualidade dos cuidados prestados aos doentes com doenças raras exige registos de doentes baseados nos princípios FAIR (fáceis de encontrar, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis). É necessário que iniciativas como o depósito de dados de registo europeus, o repositório de metadados da Infraestrutura Europeia de Registo de Doenças Raras (ERDRI.mdr) e o espaço europeu de dados de saúde deem origem a um debate sobre um registo padrão, que seja conciso, e sobre a finalidade dos registos.

4.10.

O mapeamento da oferta e da procura no domínio das doenças raras requer análises quantitativas da prevalência, do consumo de cuidados e dos respetivos custos para os doentes com doenças raras, respeitando ao máximo a privacidade dos doentes. Uma metodologia inovadora empregue pelos fundos de seguro de saúde belgas permitiu efetuar uma primeira análise da prevalência, bem como dos custos e consumo de cuidados por parte de doentes com doenças raras, em comparação com os custos e consumo de cuidados médios dos seus membros (27).

4.11.

Essa análise confirmou que o consumo de cuidados é mais elevado do que o de um membro médio (idas ao hospital e internamentos mais frequentes, consultas mais frequentes com médicos de clínica geral e com especialistas), o que se explica pelas necessidades de cuidados mais complexas. Os custos no sistema de seguro de saúde obrigatório foram confirmados como sendo dez vezes superiores à média, com pagamentos diretos anuais três vezes mais elevados do que os dos segurados médios. Os medicamentos representaram a maior parte dos custos, perfazendo, em média, metade das despesas. Prevê-se que os custos reais sejam muito mais elevados, uma vez que o estudo não teve em conta as circunstâncias socioeconómicas dos agregados familiares ou outras despesas não reembolsáveis, tais como os cuidados psicológicos ou paramédicos, os seguros complementares ou os pagamentos diretos simples. A análise comprova a importância de ter sistemas de seguros de saúde solidários e robustos, que intervenham para proteger os doentes com doenças raras. O facto de haver doentes com doenças raras que, por motivos financeiros, recusam ou não aderem ao tratamento não só tem impacto na sua saúde e qualidade de vida, como também representa um risco financeiro de custos mais elevados a longo prazo.

4.12.

A revisão da legislação da UE sobre medicamentos órfãos e pediátricos (para pessoas com doenças raras e para crianças) exige uma abordagem ambiciosa que assegure que os preços dos medicamentos órfãos e dos tratamentos sejam comportáveis para os sistemas de saúde dos Estados-Membros e para os doentes. Atualmente, a comportabilidade dos preços é um entrave para muitos doentes com doenças raras. Diferentes modelos de cooperação europeia e a aquisição conjunta de medicamentos entre países — como a iniciativa Beneluxa (28) ou as iniciativas levadas a cabo durante a pandemia de COVID-19 para aquisição de vacinas — melhoraram o acesso aos tratamentos graças a uma abordagem da UE comum, transparente, sustentável e de apoio. O debate sobre a fixação de preços justos e sobre a transparência dos custos de I&D para os medicamentos é reforçado pela proposta de uma calculadora do preço justo dos medicamentos e pelo modelo de fixação de preços justos da Associação Internacional do Mutualismo (AIM), usado para calcular o preço justo de medicamentos novos ou existentes (que não tenham concorrente genérico) e para comparar esse preço com o preço efetivamente pago ou que esteja a ser negociado (29).

4.13.

Nos casos em que não seja possível um reembolso regular, existem em diferentes Estados-Membros disposições diversas para o acesso a produtos órfãos por parte de doentes com doenças raras, incluindo programas de uso compassivo, disposições sobre medicamentos com uso não conforme e, por exemplo, intervenções de um fundo de solidariedade especial (30). Os fundos de solidariedade podem ser um complemento útil nos casos em que o seguro de saúde obrigatório não cobre os custos de tratamentos complexos ou de doenças raras, ou os custos dos cuidados transfronteiras, o que acontece certamente quando não existem centros de referência reconhecidos na UE. Apesar do impacto orçamental do tratamento de doenças raras, ainda não houve reflexões sobre a criação de convenções europeias para cuidados nas RER ou para que os doentes com doenças raras possam aceder a cuidados num centro de referência noutro Estado-Membro.

4.14.

A Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA) foi criada em resposta à pandemia de COVID-19 e constitui um pilar fundamental da União Europeia da Saúde. O seu objetivo é prevenir, detetar e reagir rapidamente a emergências sanitárias, bem como antever ameaças e potenciais crises sanitárias, através da recolha de informações e do desenvolvimento das capacidades de resposta necessárias. A sua missão poderia ser alargada para além das doenças transmissíveis e o seu mandato significa que esta entidade pode fazer face a outras ameaças para a saúde. A atual estrutura de governação da União Europeia da Saúde ainda não inclui um apoio institucionalizado a medidas de preparação e resposta a desafios relacionados com doenças raras, que os Estados-Membros possam vir a enfrentar. A HERA pode servir de modelo a uma nova autoridade para as doenças não transmissíveis, incumbida de promover a coordenação e a solidariedade no domínio das doenças raras.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 218 de 11.9.2009, p. 91.

(2)  Gabinete das Nações Unidas para os Direitos Humanos (2006), Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

(3)  Comissão Europeia (2019) «Rare Diseases» [Doenças Raras].

(4)  Orphanet (2021) «Orphanet in numbers: 6 172 diseases» [Orphanet em números: 6 172 doenças] https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php; Nguengang Wakap S., Lambert D. M., Olry A., Rodwell C., Gueydan C., Lanneau V., Murphy D., Le Cam Y., Rath A., «Estimating cumulative point prevalence of rare diseases: analysis of the Orphanet database» [Cálculo da prevalência pontual cumulativa de doenças raras: análise da base de dados da Orphanet] In: European Journal of Human Genetics, fevereiro de 2020; 28(2): pp.165-173. doi: 10.1038/s41431-019-0508-0, publicado em linha em 16 de setembro de 2019. PMID: 31527858; PMCID: PMC6974615.

(5)  Eurocarers (dezembro de 2021), «The gender dimension of informal care» [A dimensão de género dos cuidados informais].

(6)  JO C 256 de 27.10.2007, p. 123.

(7)  Eurordis; «Rare disease impact report: insights from patients and the medical community 2013» [Relatório sobre o Impacto das Doenças Raras: pontos de vista dos doentes e da comunidade médica 2013], que expõe em detalhe a incerteza nos diagnósticos de doenças pouco prevalecentes nos Estados Unidos e no Reino Unido.

(8)  Koning Boudewijnstichting (2014), «Zoom: nieuwe perspectieven op gelijke kansen- Zeldzame ziekten» [Zoom: novas perspetivas sobre igualdade de oportunidades — Doenças raras].

(9)  Kole, A., Hedley V., et al. (2021), «Recommendations from the Rare 2030 Foresight Study: The future of rare diseases starts today: Available, accessible and affordable treatments — what do people living with a rare disease think?» [Recomendações do Estudo de Prospetiva Rare 2030: O futuro das doenças raras começa hoje: tratamentos disponíveis, acessíveis e comportáveis — o que pensam as pessoas que vivem com uma doença rara?], p. 119.

(10)  Organização Mundial da Saúde (2022), «Quality of care» [Qualidade dos cuidados].

(11)  Loridan J., Noirhomme C. (2020), «Field analysis of existing rd patient pathways in the EMR» [Análise de campo de percursos de doentes com doenças raras na Eurorregião Mosa-Reno].

(12)  Regulamento (CE) n.o 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos (JO L 18 de 22.1.2000, p. 1); Recomendação do Conselho, de 8 de junho de 2009, relativa a uma ação europeia em matéria de doenças raras (JO C 151 de 3.7.2009, p. 7); Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (JO L 88 de 4.4.2011, p. 45).

(13)  Tribunal de Contas Europeu (2019), Medidas da UE relativas aos cuidados de saúde transfronteiriços: ambições importantes, mas é necessária uma melhor gestão.

(14)  Parlamento Europeu (10 de julho de 2020), A estratégia da UE em matéria de saúde pública pós-COVID-19 — Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de julho de 2020, sobre a estratégia da UE em matéria de saúde pública pós-COVID-19 [2020/2691(RSP)) (JO C 371 de 15.9.2021, p. 102).

(15)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais [COM(2021) 102 final].

(16)  Associação Internacional do Mutualismo (AIM) (2022), AIM's Views on the EU Care Strategy [Pontos de vista da AIM sobre a estratégia da UE de prestação de cuidados].

(17)  Nações Unidas (5 de janeiro de 2022), A/RES/76/132: Resolução adotada pela Assembleia Geral em 16 de dezembro de 2021, Addressing the challenges of persons living with a rare disease and their families [Abordar os desafios das pessoas que vivem com uma doença rara e das respetivas famílias].

(18)  Conselho (Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores) sobre Saúde, 29 de março de 2022, Principais resultados — Resposta europeia às doenças raras.

(19)  Conferência sobre o Futuro da Europa, Relatório sobre o resultado final, maio de 2022.

(20)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Plano Europeu de Luta contra o Cancro (2021).

(21)  JO C 218 de 11.9.2009, p. 91.

(22)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha o documento «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação da Diretiva 2011/24/UE relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços» [SWD(2022) 200 final], redes europeias de referência, p. 29-36.

(23)  INNOVCARE (2018), «Bridging the gaps between health, social and local services to improve care of people living with rare and complex conditions» [Colmatar as lacunas entre serviços de saúde, sociais e locais para melhorar os cuidados prestados a pessoas com doenças raras e complexas]; EMRaDi (2020), «Rare diseases do not stop at borders» [As doenças raras não conhecem fronteiras]; RARE 2030 (2021), «Foresight in Rare Disease Policy» [Análise prospetiva da política para doenças raras].

(24)  Kole, A., Hedley V., et al. (2021) Recommendations from the Rare 2030 Foresight Study: The future of rare diseases starts today [Recomendações do estudo de prospetiva Rare 2030: O futuro das doenças raras começa hoje].

(25)  EMRaDi (2020), Final report of the EMRaDi project [Relatório final sobre o projeto EMRaDi].

(26)  Projeto EMRaDi (2019), ficha informativa EMRaDi — «How to get EU actions on rare diseases (RD) closer to RD patients and their relatives? From local and cross-border developments to European solutions» [Como aproximar as ações da UE no domínio das doenças raras e os doentes com doenças raras e respetivas famílias? De novidades locais e transfronteiras a soluções europeias].

(27)  Noirhomme C., «Analyse de la consommation et des dépenses de soins des personnes atteintes de maladies rares» [Análise do consumo e das despesas de cuidados por parte das pessoas com doenças raras] In: MC informations 282, dezembro de 2020, p. 20-29.

(28)  Beneluxa Initiative on Pharmaceutical Policy [Iniciativa Beneluxa de política farmacêutica].

(29)  AIM — European fair price calculator for medicines [Ferramenta europeia de cálculo do preço justo de medicamentos]; «AIM offers a tool to calculate fair and transparent European prices for accessible pharmaceutical innovations» [A AIM disponibiliza uma ferramenta de cálculo de preços europeus justos e transparentes para inovações farmacêuticas acessíveis].

(30)  Universidade de Maastricht (2020), «Report on the analysis of legal, financial and reimbursement mechanisms of rare diseases for treatment costs of EMR rare diseases patients» [Relatório sobre a análise de mecanismos jurídicos, financeiros e de reembolso no âmbito de doenças raras para os custos de tratamento de doentes com doenças raras na Eurorregião Mosa-Reno]. 3.2 Orphan medical products [Produtos médicos órfãos], p. 43-45.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/75


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Papel dos familiares cuidadores de pessoas com deficiência e de pessoas idosas: explosão do fenómeno durante a pandemia

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/11)

Relator:

Pietro Vittorio BARBIERI

Decisão da Plenária

24.2.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

170/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) manifesta a sua preocupação com as condições de vida das pessoas que prestam cuidados de longa duração a familiares com deficiência e doenças crónicas e degenerativas, incluindo o declínio cognitivo e as doenças oncológicas.

1.2.

O CESE observa que estas situações se agravaram ainda mais durante a pandemia de COVID-19, tornando indispensáveis intervenções estruturais nas políticas e nos serviços sociais.

1.3.

O CESE salienta a necessidade de se chegar a uma definição comum do papel e do estatuto dos familiares que prestam cuidados de longa duração a pessoas com deficiência ou doenças crónicas e degenerativas, incluindo o declínio cognitivo e as doenças oncológicas, com vista a otimizar as políticas sociais e ajustar o melhor possível os apoios necessários. Esta definição comum deverá contemplar, nomeadamente, uma descrição das características específicas destes cuidadores e uma classificação das suas intervenções, e reconhecer o papel que desempenham, inclusive no domínio dos serviços prestados à sociedade.

1.4.

O CESE chama a atenção para a necessidade de se continuar a analisar de forma mais aprofundada este fenómeno através de investigações e estudos sociológicos e estatísticos que tenham em conta o impacto das atividades de prestação de cuidados de longa duração nos familiares cuidadores, independentemente de estes exercerem ou não simultaneamente uma atividade profissional.

1.5.

O CESE considera que a gestão do fenómeno dos familiares cuidadores deve assentar numa ação conjunta levada a cabo por políticas públicas, pelos empregadores (através do diálogo social) e, por último, pelos próprios familiares cuidadores e as suas organizações representativas, assegurando a participação dos diversos intervenientes desde a fase de elaboração das políticas públicas até à fase de aplicação.

1.6.

O CESE salienta a importância de assegurar às pessoas que prestam cuidados de longa duração aos seus familiares serviços de proteção da saúde, incluindo cuidados de saúde preventivos e consultas médicas especializadas regulares, bem como formação adequada sobre a forma de cuidarem da sua própria saúde.

1.7.

O CESE apela para que sejam efetuadas avaliações nos sistemas nacionais de pensões destinadas a recolher elementos que permitam modular e adaptar o direito a formas alternativas de remuneração para os familiares forçados a deixar de trabalhar para prestar cuidados de longa duração a uma pessoa com doenças crónicas e degenerativas ou deficiência.

1.8.

O CESE chama a atenção para a persistência de situações de disparidade de género neste domínio e, em consonância com o Parecer — Estratégia para a Igualdade de Género (1), solicita que sejam adotadas medidas para a combater, nomeadamente através do reforço da aplicação das orientações já estabelecidas na Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho (2).

1.9.

Dada a relativa falta de sensibilização para as condições de vida das pessoas afetadas, o CESE apela à criação de um Dia Europeu dos familiares que prestam cuidados de longa duração, que sensibilize para este fenómeno e incentive a adoção de políticas e medidas de apoio adequadas.

1.10.

O CESE salienta a importância de se assegurar serviços e apoios em matéria de habitação e serviços domiciliários, com especial destaque para as necessidades em matéria de cuidados de saúde e de enfermagem, bem como serviços de apoio psicológico aos cuidadores e aos agregados familiares ou às pessoas com deficiência.

1.11.

O CESE destaca a necessidade de se incentivar e assegurar serviços de emergência em caso de acontecimentos imprevistos que impeçam os cuidadores de prestar cuidados de longa duração ou temporários, bem como serviços de apoio, que limitem os efeitos de uma sobrecarga excessiva e prolongada. Cumpre também prever trâmites e procedimentos que simplifiquem os procedimentos burocráticos impostos aos cuidadores.

1.12.

O CESE considera essencial prever serviços e apoios que permitam às pessoas com deficiência alcançar a autonomia pessoal fora das suas famílias de origem, nomeadamente através de vias que lhes permitam tornar-se autossuficientes, soluções de habitação alternativas e percursos de vida independentes para as pessoas com deficiência. Estas políticas têm também inevitavelmente efeitos positivos no alívio da carga de prestação de cuidados imposta aos familiares, que, de outra forma são forçados a prestar cuidados de longa duração.

1.13.

O CESE solicita aos Estados-Membros que ponderem a adoção de medidas, nomeadamente através de transferências pecuniárias, para combater o risco de empobrecimento das pessoas que, apesar das políticas, dos serviços e dos apoios específicos destinados a combater este fenómeno, são obrigadas a abandonar, por completo, ou parcialmente, uma atividade assalariada, a fim de prestar cuidados de longa duração aos seus familiares.

1.14.

O CESE insta os Estados-Membros a promoverem, nas suas políticas, a oferta adequada (qualitativa e quantitativa) de trabalhadores do setor dos cuidados continuados.

1.15.

O CESE recomenda que se incentive e apoie os empregadores a promover formas de flexibilidade laboral e medidas sociais nas empresas, para além das já previstas nas normas dos Estados-Membros, em benefício dos trabalhadores que prestam cuidados de longa duração aos seus familiares.

2.   Descrição do fenómeno

2.1.

As estatísticas do Eurostat sobre a conciliação da vida profissional e familiar, publicadas em 2018 (3), revelaram que mais de 300 milhões de residentes na UE se encontravam na faixa etária dos 18-64 anos e que, destes, cerca de um terço tinha responsabilidades de prestação de cuidados. Tal significa que cerca de 100 milhões de pessoas cuidavam de crianças com menos de 15 anos ou de familiares em situação de dependência (pessoas doentes, idosas ou com deficiência) com idade igual ou superior a 15 anos. Por outro lado, cerca de 200 milhões de pessoas na UE não tinham qualquer responsabilidade de prestação de cuidados. Dos prestadores de cuidados, a maioria (74 %) era responsável por crianças com menos de 15 anos que viviam no seu agregado familiar. Dos restantes 26 %, 3 % cuidavam de crianças que não viviam no seu agregado familiar, 7 % de crianças que viviam alternadamente no seu agregado familiar, 4 % de crianças e familiares em situação de dependência e, por último, 12 % cuidavam apenas de familiares em situação de dependência.

2.2.

Em 2018, um em cada três residentes na UE com idades compreendidas entre os 18 e os 64 anos tinha responsabilidades de prestação de cuidados (34,4 %, em comparação com 65,6 % que não tinham essa responsabilidade). No grupo de pessoas com responsabilidades de prestação de cuidados, 28,9 % prestavam cuidados apenas a crianças com menos de 15 anos, 4,1 % a familiares em situação de dependência com idade igual ou superior a 15 anos, e menos de 2 % cuidava quer de crianças com menos de 15 anos quer de familiares em situação de dependência.

2.3.

A maioria das pessoas que prestava cuidados a familiares em situação de dependência eram mulheres: 63 %, em comparação com 37 % de homens. Na faixa etária analisada (18-64 anos), estes cuidadores pertenciam prevalentemente aos grupos etários mais avançados: 48,5 % tinham entre 55 e 64 anos e 35 % entre 45 e 54 anos. Apenas 5,5 % pertenciam à faixa etária dos 18-44 anos.

2.4.

Em todos os atuais Estados-Membros (27), bem como no Reino Unido antes do Brexit (1) (EU-28), verificou-se uma diferença de 3,3 pontos percentuais entre os homens (2,5 %) e as mulheres (5,9 %) que declararam ter reduzido o seu horário de trabalho ou ter deixado de trabalhar durante mais de um mês no seu emprego atual ou anterior para prestar assistência familiar a pessoas doentes, idosas ou com deficiência. A maior diferença verificou-se na Bulgária (6,8 p.p.) e a mais baixa em Chipre (1,1 p.p.), mas, em todos os países, as mulheres tinham alterado a sua vida profissional mais frequentemente do que os homens (Eurostat, 2018).

2.5.

Em 2018, 29,4 % dos trabalhadores assalariados da UE-28 declararam que, em geral, podiam usufruir de um horário de trabalho flexível (adaptado) e faltar dias completos ao trabalho para prestar assistência a familiares. No entanto, observaram-se diferenças entre os EstadosMembros a este respeito. A taxa mais elevada de trabalhadores que podiam usufruir de horários de trabalho flexíveis e faltar ao trabalho para prestar assistência a familiares foi registada na Eslovénia (60,4 %), seguida da Finlândia (57,1 %) e da Dinamarca (55,1 %). As taxas mais baixas registaram-se na Hungria (7,5 %), na Polónia (7,3 %) e em Chipre (3,8 %). Por outro lado, um em cada quatro trabalhadores (25,2 %) declarou que não podia usufruir de horários de trabalho flexíveis nem faltar dias completos ao trabalho para prestar assistência a familiares. À semelhança do que foi observado entre as pessoas que tinham essa possibilidade, também neste grupo verificaram-se diferenças significativas entre os Estados-Membros, desde 6,9 % e 7,7 % na Letónia e na Eslovénia, a 58,6 % e 58,7 %, na Polónia e em Chipre, respetivamente (Eurostat, 2018).

2.6.

No que diz respeito aos efeitos na saúde, Elizabeth Blackburn, Carol Greider e Jack Szostak ganharam o Prémio Nobel da Medicina em 2009 por um estudo que demonstrava o impacto biológico do stresse típico dos prestadores de cuidados de longa duração. Verificou-se que as mães que prestam cuidados de longa duração a crianças com necessidades especiais apresentavam telómeros mais curtos, o que reduzia a sua esperança média de vida entre nove a dezassete anos. Os efeitos deste stresse prolongado são amplamente comprovados pela literatura científica internacional.

2.7.

Durante a audição de 4 de julho de 2022, a Comissão Europeia declarou que os cuidados informais prestados corresponderiam a 33-39 mil milhões de horas, o que equivale a um valor que se situa entre os 2,4 % e os 2,7 % do PIB da UE. O quadro financeiro plurianual, isto é, o total do investimento da UE em projetos inovadores para o futuro, representa menos de metade deste montante, ou seja, cerca de 1,02 % do PIB.

2.8.

As histórias de vida dos familiares cuidadores recolhidas pelas organizações não governamentais de pessoas com deficiência revelam grandes condicionamentos e restrições no que diz respeito a oportunidades de socialização, bem como ao prosseguimento de interesses culturais e desportivos, devido à atividade de prestação de cuidados, muitas vezes imprevisível, e à falta de alternativas à prestação pessoal dos cuidados, situação agravada pela ausência de momentos e espaços de descontração.

2.9.

As estatísticas e as histórias de vida dos cuidadores demonstram claramente a disparidade de género existente na prestação de cuidados de longa duração a familiares com deficiência ou doenças crónicas ou degenerativas, que faz recair as responsabilidades adicionais sobre as mulheres. As principais consequências são o abandono da atividade profissional, os entraves à progressão na carreira, a passagem forçada ao trabalho a tempo parcial e, de um modo geral, um empobrecimento material e imaterial.

2.10.

Na UE, 25 % das mulheres e 3 % dos homens afirmam não terem acesso a um trabalho remunerado, ou só poderem trabalhar involuntariamente a tempo parcial, devido às suas tarefas de prestação de cuidados a pessoas jovens, idosas e doentes da sua família (4).

2.11.

Frequentemente, as pessoas que deixam de trabalhar não estão cobertas por descontos para a segurança social que lhes deem direito a uma pensão de velhice, pelo que se destinam a integrar o sistema de assistência social ou de apoio às pessoas mais carenciadas.

2.12.

As pressões e restrições que afetam os serviços de assistência pessoal e familiar em todos os países da UE, ainda que em graus diversos, conduzem a uma sobrecarga ainda maior das pessoas que prestam cuidados de longa duração aos seus familiares com deficiência ou doenças crónicas e degenerativas, incluindo oncológicas.

2.13.

Uma vez que os familiares cuidadores não exercem a sua atividade no âmbito de uma relação laboral, não beneficiam de medidas de proteção bem estabelecidas e consolidadas em matéria de saúde e de prevenção de patologias, como as previstas para os trabalhadores por conta de outrem.

2.14.

As histórias de vida dos familiares cuidadores mostram que o exercício continuado e a longo prazo da prestação de cuidados é frequentemente determinado pela insuficiência dos serviços sociais e não tanto pela vontade de não institucionalizar o familiar. Mesmo quando os serviços são de boa qualidade, os familiares cuidadores continuam a ter de assumir responsabilidades, mais ou menos importantes, de prestação de cuidados.

2.15.

A dependência face à família de origem para receberem cuidados, devido à falta de alternativas, apoios e assistência, significa muitas vezes que as pessoas com deficiência não conseguem iniciar percursos de vida autónomos e independentes.

2.16.

O questionário «Viver, trabalhar e COVID-19» (5) da Eurofound revelou, durante a pandemia, um aumento significativo dos cuidados domiciliários formais e informais e uma diminuição no recurso às estruturas de cuidados residenciais.

2.17.

Nas despesas de proteção social dos países da UE, as despesas com a institucionalização em estruturas residenciais, que constitui uma possível causa de isolamento, tendem a ser largamente predominantes e a assumir uma importância estratégica, em detrimento do desenvolvimento de políticas de apoio ao acesso à habitação própria e a uma vida independente, apesar dos princípios e orientações da Estratégia da UE sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2021-2030, na qual a Comissão Europeia instou os Estados-Membros a aplicarem boas práticas de desinstitucionalização no domínio da saúde mental e em relação a todas as pessoas com deficiência, incluindo as crianças, a fim de reforçar a transição dos cuidados institucionais para serviços de apoio inseridos em redes comunitárias.

2.18.

O fenómeno de sobrecarga dos cuidadores resulta da prestação de cuidados a pessoas com características muito diferentes (pessoas com perturbações psíquicas, deficiência intelectual grave, demência senil, doenças crónicas, degenerativas e oncológicas), cuja especificidade condiciona a intensidade, a duração e o tipo de cuidados prestados, bem como a sua eventual progressividade e, consequentemente, a sobrecarga associada. Em muitos casos, o familiar cuidador deve inclusivamente assumir a componente estritamente sanitária da prestação de cuidados.

2.19.

Constata-se a persistência de estereótipos relacionados com a assistência a familiares, ainda que muito diversos: por exemplo, as ideias feitas que consideram estas situações uma fatalidade inevitável ou, pelo contrário, uma mera escolha afetiva e consciente dos próprios familiares cuidadores. Quando as pessoas com deficiência são forçadas a depender dos seus familiares para receberem cuidados, deparam-se, em certos casos, com dificuldades em aceder a vias que lhes permitam tornarem-se autossuficientes ou levar uma vida independente, o que prejudica e limita as suas escolhas, bem como as oportunidades de concretização dos seus projetos de vida.

2.20.

A gestão de emergências (como, por exemplo, situação de doença do cuidador, exacerbação dos sintomas, emergências habitacionais, conflitos e stresse descontrolado) constitui um fator particularmente importante do controlo quer de acontecimentos excecionais quer do stresse e da ansiedade associados aos mesmos, ainda que se verifiquem diferenças consideráveis nesta matéria, relacionadas com os diferentes níveis de qualidade dos serviços de apoio.

2.21.

Em situações de maior pressão, e na ausência de alternativas à assistência direta dos familiares, a perspetiva de os familiares dependentes se verem privados do familiar cuidador, por exemplo, devido à perda de autonomia pessoal, doença degenerativa, idade ou morte do cuidador, constitui um motivo justificado de grande angústia, que se agrava quando não existe nenhuma outra opção viável de prestação de cuidados. Sobretudo nos casos mais graves, a dependência exclusiva face aos familiares cuidadores para a prestação de cuidados, constitui uma razão para o isolamento de todo o agregado familiar, com efeitos previsíveis e, por vezes, patológicos.

2.22.

O direito da UE não reconhece de forma uniforme o papel dos familiares cuidadores de pessoas com doenças crónicas e degenerativas ou deficiência, inclusive no que diz respeito à sua valorização nas relações com os serviços, nem reconhece os riscos e necessidades inerentes à atividade de prestação de cuidados.

2.23.

Parece existir uma correlação entre as situações de maior exclusão, risco e desvantagem e a qualidade e quantidade dos serviços prestados às famílias de pessoas com deficiência e a estas últimas, incluindo o apoio à vida autónoma e os serviços domiciliários, em particular serviços de saúde e reabilitação. No entanto, não existem dados disponíveis para identificar e descrever de forma segura todos os aspetos desta possível correlação e para indicar eventuais boas práticas.

2.24.

A Diretiva (UE) 2019/1158 relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores indica uma série de medidas que visam, por um lado, combater as disparidades de género na prestação de cuidados aos familiares e, por outro, promover uma maior conciliação entre o tempo dedicado à prestação de cuidados e o tempo dedicado à vida profissional; no entanto, além do que é indicado na análise do impacto efetivo nos Estados-Membros, a diretiva não tem em consideração os familiares cuidadores que não trabalhem ou que estejam na reforma.

2.25.

Em muitos contextos, o apoio às pessoas que prestam cuidados de longa duração a familiares com deficiência ou com doenças crónicas ou degenerativas é assumido por organizações sem fins lucrativos dos próprios familiares, tal como revelado na audição do Grupo de Estudo Temático para os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 16 de setembro de 2021.

2.26.

Na UE-27, cerca de 6,3 milhões de pessoas trabalham no setor dos cuidados continuados, o que representa 3,2 % de toda a população ativa da UE (com base nos dados do inquérito às forças de trabalho — IFT — de 2019). Existe uma grande variação entre os Estados-Membros e os valores muito baixos registados nalguns deles (Grécia, Chipre, Roménia, Polónia, Bulgária, Estónia, Lituânia, Croácia, Itália e Hungria — em todos eles 1,8 % ou menos) refletem provavelmente a dependência de cuidados informais (familiares) nesses países, bem como a dependência de cuidados prestados por auxiliares domésticos empregados pelas famílias e não incluídos nestas estatísticas.

2.27.

Um estudo da Eurofound (2020) revelou que os salários no setor dos cuidados continuados e noutros setores dos serviços sociais estão 21 % abaixo da média e recomenda a promoção da negociação coletiva no setor para resolver este problema (6).

3.   Criar uma política em prol dos cuidadores

3.1.

Salienta-se a necessidade de se chegar a uma definição comum do papel e do estatuto dos familiares que prestam cuidados de longa duração a pessoas com deficiência ou doenças crónicas e degenerativas, incluindo o declínio cognitivo e as doenças oncológicas. Esta definição comum deverá contemplar, nomeadamente, uma descrição das características específicas destes cuidadores e uma classificação das suas intervenções, contribuindo, assim, para o reconhecimento do estatuto dos cuidadores familiares, bem como das políticas e dos serviços de apoio nos Estados-Membros.

3.2.

No quadro de uma revisão global das políticas de proteção social, considera-se necessário e oportuno valorizar e assegurar o empenho e a participação dos cidadãos (beneficiários e prestadores de cuidados) na conceção conjunta dos serviços que os afetam e, numa fase anterior, na definição estratégica das respetivas políticas.

3.3.

Para determinar os contornos deste fenómeno, é fundamental realizar um estudo sobre a situação e as condições de vida das pessoas que prestam cuidados de longa duração a familiares com deficiência ou doenças crónicas e degenerativas, incluindo o declínio cognitivo e as doenças oncológicas.

3.4.

Para dispormos de informações corretas para a elaboração de políticas nessa matéria, o Eurostat deve atualizar o seu estudo «Reconciliation of work and family life» [Conciliação da vida profissional e familiar], de 2018, analisando com maior profundidade o impacto da prestação de cuidados de longa duração nos familiares cuidadores, independentemente de estes exercerem ou não simultaneamente uma atividade profissional.

3.5.

As pessoas que prestam cuidados de longa duração aos seus familiares devem ver reconhecido o seu direito à proteção da saúde, incluindo no domínio da prevenção de acidentes ocorridos durante o exercício das suas responsabilidades de prestação de cuidados e da prevenção de doenças e patologias resultantes de tais responsabilidades, de forma tão semelhante quanto possível à dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores por conta própria.

3.6.

É desejável levar a cabo estudos económicos, jurídicos e de impacto destinados a identificar critérios comuns, equitativos e sustentáveis para o reconhecimento do desgaste associado à prestação de cuidados de longa duração por familiares cuidadores que exercem ao mesmo tempo uma atividade profissional regular.

3.7.

O mesmo deve ser feito com vista a identificar medidas de apoio económico às pessoas que deixam de trabalhar para cuidar de familiares idosos ou com doenças crónicas e degenerativas ou deficiências.

3.8.

Em consonância com o Parecer — Estratégia para a Igualdade de Género (7), importa adotar medidas para combater a disparidade de género que caracteriza a prestação de cuidados de longa duração a familiares, nomeadamente reforçando a aplicação das orientações constantes da Diretiva (UE) 2019/1158.

3.9.

O êxito e a eficácia das políticas e dos serviços em prol dos familiares que prestam cuidados de longa duração estão estreitamente ligados às políticas e ao apoio prestado às pessoas com deficiência que estão dependentes da sua família de origem para receber cuidados e que desejam ou podem iniciar percursos de vida independentes fora dela.

3.10.

O conhecimento e a compreensão deste fenómeno são ainda fragmentários, parciais e limitados a um número reduzido de observatórios e intervenientes sociais. Este conhecimento limitado deve ser compensado, nomeadamente através de iniciativas específicas, a fim de reforçar e incentivar políticas e medidas de apoio adequadas. O CESE apela, por conseguinte, à criação de um Dia Europeu dos familiares que prestam cuidados de longa duração.

3.11.

O CESE insta a União Europeia a cooperar estreitamente com os Estados-Membros, a fim de melhorar as condições de vida dos familiares que prestam cuidados de longa duração e dos seus agregados familiares, evitando que os cuidadores sejam obrigados, na prática, a exercer esta atividade. Importa adotar medidas concretas para:

reconhecer e valorizar o papel das partes interessadas, inclusive no domínio dos serviços prestados à sociedade;

assegurar serviços e apoios à habitação, evitando fenómenos de isolamento, marginalidade e sobrecarga física e psíquica;

reforçar os serviços domiciliários, com destaque para as necessidades em matéria de cuidados de saúde e de enfermagem;

prestar serviços de apoio psicológico ao familiar cuidador e ao agregado familiar;

criar trâmites e procedimentos que simplifiquem as atividades de natureza burocrática;

assegurar serviços de emergência no caso de acontecimentos imprevistos ou da impossibilidade de assistência;

assegurar serviços de apoio que atenuem os efeitos da sobrecarga psicofísica excessiva e prolongada dos familiares cuidadores;

combater, nomeadamente através de transferências pecuniárias, o risco de empobrecimento das pessoas que abandonam uma atividade assalariada ou reduzem o horário de trabalho e do seu agregado familiar, em geral;

promover, nas políticas dos Estados-Membros, a oferta adequada (qualitativa e quantitativa) de trabalhadores do setor dos cuidados continuados;

promover, sempre que possível, vias para alcançar a autossuficiência, soluções de habitação alternativas e percursos de vida independentes para as pessoas com deficiência;

adotar medidas destinadas aos familiares cuidadores com base em ações conjuntas das políticas públicas (reconhecimento e reforço do papel dos familiares cuidadores, disponibilidade e fiabilidade dos serviços, saúde dos cuidadores, promoção de soluções de resistência, proteção social e regimes de compensação para os cuidadores, etc.), dos empregadores (através do diálogo social) e, por último, dos próprios familiares cuidadores e das suas organizações representativas, assegurando a sua participação desde a conceção das políticas públicas até à sua aplicação.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 77.

(2)  Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho (JO L 188 de 12.7.2019, p. 79).

(3)  «Reconciliation of work and family life» [Conciliação da vida profissional e familiar], Eurostat 2018.

(4)  JO C 194 de 12.5.2022, p. 19, ponto 3.8.

(5)  https://www.eurofound.europa.eu/publications/report/2020/living-working-and-covid-19

(6)  Eurofound (2020), «Long-term care workforce: Employment and working conditions» [Condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores do setor dos cuidados continuados].

(7)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 77.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/82


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Os polos de inovação digital e as PME

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/12)

Relator:

Giuseppe GUERINI

Correlator:

Nicos EPISTITHIOU

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

13.9.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

136/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está firmemente convicto de que a economia europeia pode beneficiar das transições digital e ecológica e tornar-se mais competitiva, sustentável, resiliente e autónoma.

1.2.

Para alcançar estes objetivos, a UE tem de melhorar a sua capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) e de inovação, bem como aumentar a disseminação de tecnologias entre os cidadãos, as administrações públicas e as empresas.

1.3.

O Comité considera que o investimento da UE em I&D deve aumentar para 3 % do PIB o mais rapidamente possível. A UE tem de desenvolver um conjunto de competências distintas no domínio das tecnologias digitais de nova geração e assegurar que estas se tornem parte integrante dos modelos de negócio das empresas da UE.

1.4.

A dupla transição proporciona muitas oportunidades para reforçar a competitividade das PME, mas também pode constituir uma ameaça. A fim de prevenir tais riscos, há que acompanhar as PME europeias no processo de transição por meio de um conjunto de políticas e instrumentos.

1.5.

Embora possam ser extremamente inovadoras, as PME tradicionais têm dificuldades em gerir a dupla transição devido a limites financeiros e organizacionais, bem como à falta de competências.

1.6.

É necessário melhorar radicalmente o acesso das PME ao financiamento para a inovação em todos os Estados-Membros, nomeadamente através do recurso ao financiamento por capitais próprios e a incentivos fiscais ligados às tecnologias e competências digitais.

1.7.

Os polos de inovação digital (PID) funcionam como balcões únicos que fornecem análises e soluções às empresas para gerir a dupla transição. O CESE considera que é necessária a participação de um maior número de empresas da UE, inclusivamente as da economia social, nas atividades dos PID e que importa melhorar a comunicação dos resultados, especialmente às PME.

1.8.

Os PID podem servir de plataformas para testar soluções tecnológicas antes do investimento («testar antes de investir»), realizar o intercâmbio de boas práticas e desenvolver competências digitais. Podem igualmente desempenhar um papel essencial no aproveitamento do potencial das tecnologias digitais em prol da sustentabilidade.

1.9.

O Comité considera que não há uma visão clara do futuro desenvolvimento dos PID, especialmente à luz dos recém-criados Polos Europeus de Inovação Digital (PEID). São necessários indicadores-chave de desempenho (ICD) para medir o desempenho dos PID, com o objetivo de os transformar nos principais centros europeus de inovação inclusiva das PME.

1.10.

O CESE considera que os PID devem atuar como intermediários, sendo concebidos para atentar nas necessidades das PME e identificar instrumentos e soluções para as orientar. É fundamental sensibilizar para o importante papel que os PID podem desempenhar.

1.11.

O Comité constata que há várias políticas em matéria de PME que não são aplicadas a nível nacional, bem como uma grande lacuna na comunicação destes mecanismos para as PME. A UE e os Estados-Membros devem empenhar-se conjuntamente na sensibilização para as iniciativas europeias e nacionais vocacionadas para as PME, incluindo as vantagens de aderir à rede de PID.

1.12.

O CESE considera que é necessário assegurar um financiamento adequado para as atividades dos PID — desde programas de apoio ao desenvolvimento empresarial e à investigação e inovação (I&I) até ao financiamento subsidiado para as empresas e à participação em concursos.

1.13.

O CESE considera que os PID devem ser orientados para apoiar as economias regionais e os sistemas locais de PME, e recomenda um levantamento regional dos polos existentes, bem como um plano de ação centrado no desenvolvimento regional e numa maior inclusão e participação. A cooperação entre as grandes empresas e as PME pode impulsionar a inovação digital, aproveitando o potencial, atualmente por explorar, da inovação baseada na cadeia de abastecimento.

1.14.

O CESE observa que existem diferenças entre as regiões europeias na distribuição dos PID, registando-se um atraso na Europa Oriental e do Sudeste. Reduzir as disparidades entre os Estados-Membros e as regiões reveste-se de importância vital para o progresso europeu.

1.15.

Os PID têm de apoiar as PME na melhoria de competências e na requalificação da sua mão de obra, inclusive dos empresários, nomeadamente para garantir a empregabilidade futura em contextos em rápida evolução. Os sistemas educativos têm de ser desenvolvidos com uma forte ênfase nos domínios da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM), começando no primeiro ciclo do ensino básico. Além disso, o ensino secundário e superior técnico e profissional e as universidades locais são importantes intervenientes. As competências digitais são um fator essencial para alcançar a plena digitalização e atrair jovens talentos, inclusive para os setores tradicionais.

1.16.

Os sindicatos, as organizações da sociedade civil, as associações de empregadores e os poderes públicos têm de trabalhar em conjunto, tanto na gestão das missões e estratégias dos PID como no desenvolvimento de programas de aprendizagem ao longo da vida e de formação profissional que assegurem a empregabilidade contínua com locais de trabalho e salários dignos, garantindo os direitos sociais e a participação ativa dos trabalhadores. Neste contexto, o diálogo social é extremamente importante e é imperativo garantir a igualdade de género.

2.   Contexto da proposta e observações gerais

2.1.

A transformação digital está a ter efeitos extraordinários na economia, no ambiente e na sociedade em geral, nomeadamente o aumento da produtividade dos sistemas económicos, a melhoria dos serviços públicos e da qualidade de vida das pessoas e o estímulo de novos desenvolvimentos. As empresas e organizações (públicas e privadas, de mercado e sociais) que iniciaram o percurso da transformação digital desenvolveram os seus serviços, produtos e processos e tornaram-se mais competitivas.

2.2.

Os receios relacionados com os impactos negativos no emprego resultantes da digitalização foram também mais claramente contextualizados: as atividades altamente normalizadas nos setores mais expostos à concorrência comportam riscos de deslocação, mas tais riscos são muito mais reduzidos nos setores com maior valor acrescentado e na indústria transformadora. Em geral, a economia europeia pode beneficiar das transições digital e ambiental e tornar-se mais competitiva, sustentável, resiliente e autónoma.

2.3.

As mudanças causadas pela transformação digital são fundamentais e rápidas, e exigem que todas as organizações acompanhem continuamente o ritmo frenético da evolução, inclusivamente reinventando-se. As PME, a espinha dorsal da economia europeia, estão entre as organizações que mais sofreram com a transformação digital.

2.4.

As PME tradicionais tendem a concentrar os recursos, que são escassos em termos de financiamento, capital humano e estrutura organizacional, em atividades e práticas consolidadas. Mesmo quando são altamente inovadoras, as PME tendem a preferir a inovação incremental (tecnologia média) à inovação radical (alta tecnologia), que é típica do domínio digital. As PME também dependem dos empréstimos bancários tradicionais como forma de financiamento, o que, por vezes, é dificultado pela falta de garantias ou historial creditício. É possível criar mais oportunidades de financiamento, especialmente no que diz respeito ao financiamento por capitais próprios, que ainda está pouco desenvolvido na UE em comparação com os Estados Unidos, por exemplo, onde existe muito financiamento disponível nas fases em que a dívida não pode ser reembolsada.

2.5.

A pandemia de COVID-19 acelerou os processos de transformação digital: as dimensões essenciais da economia e da sociedade, como o trabalho, o comércio, o ensino, a comunicação e o entretenimento, tornaram-se subitamente virtuais. Para sobreviver, as PME também tiveram de desenvolver uma presença digital.

2.6.

A pandemia de COVID-19 também limitou os fluxos comerciais e perturbou as cadeias de valor mundiais, colocando em evidência a necessidade e urgência de a Europa adquirir um nível muito mais elevado de independência tecnológica. É esta direção que estão a tomar as estratégias da UE que visam o desenvolvimento de soluções autónomas e altamente competitivas para as tecnologias essenciais no futuro. Tal implica acolher e encorajar certas escolhas políticas. Embora se tenham registado progressos, há ainda uma margem significativa para melhorias no que diz respeito à transformação digital das empresas, dos poderes públicos e de outras organizações.

2.7.

O CESE considera que a capacidade tanto de produzir inovação como de a disseminar na sociedade e na economia será o fator que mais determinará a competitividade da UE até 2050. Para o efeito, e tal como defendido pela Comissão Europeia no Programa Europa Digital (1), a UE tem de desenvolver um conjunto distinto de competências no domínio das tecnologias digitais de nova geração, como a Internet das coisas, os megadados, a inteligência artificial, a robótica, a computação em nuvem e a cadeia de blocos, e assegurar que estas tecnologias facilitadoras se tornam uma parte permanente dos modelos de negócio das empresas europeias, nomeadamente através das atividades dos polos de inovação digital. A bem da clareza, o termo PID no presente parecer refere-se tanto aos polos de inovação digital como aos Polos Europeus de Inovação digital.

2.8.

O que foi dito sobre a transição digital também é válido para a transição ecológica. As duas vertentes da transição sistémica têm muito em comum e criam um duplo ónus para as PME (e, naturalmente, diferentes oportunidades a avaliar cuidadosamente).

2.9.

A digitalização da indústria europeia terá um impacto direto na consecução dos objetivos climáticos do Pacto Ecológico e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. No entanto, os projetos digitais avançados também utilizam quantidades significativas de energia e o CESE considera que os PEID podem desempenhar um papel importante na análise do impacto na transição ecológica. A produção sustentável e os modelos de negócio circulares na Europa só podem ser alcançados através de investimentos significativos em novas tecnologias emergentes.

2.10.

Estes desafios exigem o desenvolvimento rápido e vigoroso da capacidade tecnológica da UE. O CESE observa que a UE continua atrasada no investimento em I&D em relação ao PIB (2,32 % em 2020, em comparação com 3,08 % nos Estados Unidos e 3,2 % no Japão) (2). Há que aumentar os investimentos em I&D o mais rapidamente possível para 3 % do PIB, a fim de permitir à UE competir a nível mundial no domínio da transição digital.

2.11.

A nível europeu, as empresas, e não apenas as PME, têm dificuldade em adotar novas tecnologias. O CESE salientou — em vários pareceres — que, embora a transformação digital implique oportunidades significativas para as empresas em toda a UE, muitas destas ainda enfrentam obstáculos e insegurança jurídica, especialmente no que diz respeito às atividades transfronteiriças. Para muitas PME, a essa insegurança acresce a falta de acesso a financiamento ou a recursos de investimento, bem como a escassez de competências.

2.12.

Por conseguinte, importa desenvolver e reforçar instrumentos de apoio às PME para colmatar estas lacunas. Os polos de inovação digital (PID) são os principais instrumentos para este efeito. O CESE considera que é necessária a colaboração de um maior número de empresas da Europa com os PID e que importa melhorar a comunicação dos resultados obtidos, especialmente às PME.

3.   Os polos de inovação digital enquanto infraestruturas de apoio às PME

3.1.

Os polos de inovação digital são entidades diferentes (organizacionalmente, bem como em termos de governação e de serviços prestados), criadas em toda a Europa para ajudar as PME no processo de transformação digital. Os PID funcionam como balcões únicos que fornecem análises e soluções às empresas para gerir a dupla transição.

3.2.

Os PID prestam às PME serviços de valor acrescentado, como melhoria de competências e requalificação, consultoria sobre inovação, tecnologias, estratégias, financiamento, transição ecológica e economia circular. Também proporcionam amiúde instalações e plataformas tecnológicas para testar soluções tecnológicas antes de realizar investimentos («testar antes de investir»).

3.3.

A vasta rede de PID na Europa está atualmente a ser objeto de uma grande reestruturação. Os PID europeus (PEID) recentemente selecionados beneficiarão de um financiamento de 50 % dos fundos da Europa Digital e de 50 % de fundos nacionais e regionais, e serão encarregados de apoiar a digitalização das PME e dos poderes públicos. Na sequência da adoção do Programa Europa Digital, os primeiros PEID estarão operacionais a partir de setembro de 2022. Os atuais PID continuarão a funcionar para apoiar a transformação digital das PME e regiões, utilizando os recursos do Horizonte Europa e do FEDER. O CESE considera que esta sobreposição de nomes pode causar confusão entre os destinatários dos serviços.

3.4.

O CESE considera que não existe uma visão clara do desenvolvimento futuro dos PID. Por conseguinte, apela para a utilização de indicadores-chave de desempenho claros para medir o desempenho dos PID ao longo do tempo, bem como para avaliar a forma como a estratégia de digitalização das PME progride a nível europeu. É imperativo transformar os PID numa rede completa de balcões únicos para dar resposta às necessidades digitais das PME.

3.5.

Os PEID serão mais uniformes em termos de dimensão, governação e tarefas. Terão uma presença geográfica bastante ampla e desenvolverão capacidades específicas e de alto nível em «tecnologias facilitadoras essenciais» individuais, conforme definido no Programa Europa Digital. Apoiarão a transformação digital das empresas, em especial das PME e das empresas de média capitalização, e dos poderes públicos.

3.6.

Embora as tecnologias facilitadoras essenciais e a abordagem centrada na alta tecnologia, seguida pela Comissão Europeia para os PEID, sejam coerentes com os objetivos de competitividade tecnológica da Europa, estabelecidos no Programa Europa Digital, suscitam preocupações quanto à sua capacidade de se adaptarem às vias de inovação das PME.

3.7.

O CESE considera essencial, na estratégia para reforçar a capacidade digital das PME, prestar mais atenção à natureza da procura por parte destes tipos de empresas, bem como às potenciais questões críticas que possam surgir nestes processos de mudança radical. Para o efeito, é necessária uma maior capacidade de atentar nas necessidades das PME e a colaboração com várias partes interessadas, incluindo as grandes empresas, em programas de inovação específicos.

3.8.

As PME não desempenham um papel organizacional oficial na inovação e I&D, e a sua abordagem da inovação é orientada sobretudo para a tecnologia média (integração de tecnologias estabelecidas) e para a inovação incremental (progressiva e mais lenta do que a inovação digital radical), que também se desenvolve através de formas informais e semiformais de intercâmbio de conhecimentos especializados e experimentação com outras empresas, inclusivamente no âmbito de relações de subcontratação. As tecnologias essenciais também podem ser introduzidas nas PME, criando percursos de desenvolvimento estratégico e tecnológico que incluam essas tecnologias.

3.9.

Por conseguinte, os processos de inovação para as PME exigem um intermediário entre a procura e a oferta, o qual deve ser concebido para ter em conta a procura (mesmo que fraca) e identificar as ferramentas e soluções mais adequadas de entre uma oferta excessiva e caótica de respostas tecnológicas. Os PID podem ser esse intermediário. É fundamental sensibilizar para o importante papel que os PEID podem desempenhar.

3.10.

Os resultados alcançados pelos PID a este respeito já podem ser considerados positivos. Segundo o Banco Europeu de Investimento (BEI), «os dados recolhidos mostram que os polos de inovação digital desempenham um papel fundamental para apoiar às PME europeias no processo de transformação digital. […] Mais de 70 % das empresas inquiridas que utilizaram um polo de inovação digital consideram que o apoio que receberam melhorou o seu percurso digital.»

3.11.

Os polos de inovação digital podem também desempenhar um papel muito importante na promoção da digitalização das empresas de economia social, em especial as empresas sociais que operam no setor da assistência social e dos cuidados domiciliários, em que as tecnologias digitais podem ajudar a melhorar os serviços dando resposta às necessidades das pessoas com deficiência.

4.   Propostas para melhorar as políticas europeias em matéria de inovação digital para as PME

4.1.

O CESE congratula-se com a atenção dedicada às PME e com a quantidade de políticas e programas destinados a apoiá-las. No entanto, o Comité constata que a abordagem global da Comissão Europeia não se centra suficientemente no funcionamento e nas necessidades das PME. Além disso, nem todas estas políticas são aplicadas a nível nacional e existe uma grande lacuna na comunicação destes mecanismos entre as PME. A sensibilização para as iniciativas europeias e nacionais deve tornar-se uma prioridade, e as instituições europeias e os Estados-Membros têm de partilhar essa responsabilidade.

4.2.

O CESE considera que, para executar as tarefas dos PID, é necessário assegurar um financiamento adequado através da utilização de várias fontes, desde programas de apoio ao desenvolvimento empresarial e à I&I a nível regional, nacional e europeu até ao financiamento subsidiado para as empresas e à participação em concursos. Do lado das PME, deve estar prevista a possibilidade de aceder a incentivos fiscais relacionados com investimentos em inovação digital e competências conexas.

4.3.

O CESE considera que os PID devem desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento harmonioso e equilibrado da economia e do emprego na UE e, especificamente, acompanhar a dupla transição, digital e ecológica, das PME. Para o efeito, devem também desenvolver a prestação dos serviços denominados «não mercantis» no âmbito das atividades de formação e sensibilização, devendo os custos dessas atividades de interesse público ser cobertos por financiamento público.

4.4.

O CESE considera que os PID devem, acima de tudo, desempenhar o papel de integradores de sistemas, associando as necessidades das PME às soluções tecnológicas. Para o efeito, é fundamental que os PID desenvolvam a capacidade de funcionar como plataformas de inovação locais, agregando as competências e os recursos das redes de inovação locais (e, eventualmente, externas) e a procura/oportunidades decorrentes dos sistemas de produção locais, antes de desenvolver competências específicas em tecnologias essenciais individuais que cabem na alçada de outras entidades de I&I (centros de investigação, universidades, grandes empresas).

4.5.

Tendo em conta a normalização dos processos e os incentivos à cooperação transfronteiriça e à partilha de conhecimentos, experiências e práticas, nomeadamente através de uma plataforma digital partilhada, o CESE considera que os PID devem ser orientados para apoiar as economias regionais e os sistemas locais de PME. Por conseguinte, o CESE recomenda um levantamento regional dos polos existentes, em colaboração com as organizações de empregadores das PME, bem como um plano de ação centrado no desenvolvimento regional e numa maior inclusão e participação.

4.6.

O CESE observa que subsistem disparidades na distribuição dos PID entre as regiões europeias, registando-se um atraso nos mesmos países da Europa Oriental e do Sudeste que revelam baixas taxas de participação na digitalização nos últimos anos. Num parecer anterior, o CESE afirmou que «[d]eve ser atribuída especial prioridade ao combate ao fosso digital. […]. A pandemia colocou em evidência tanto as oportunidades como as desvantagens da comunicação digital, em particular para as pessoas que vivem nas zonas rurais.» Reduzir as disparidades entre os Estados-Membros e as regiões reveste-se de importância vital para o progresso europeu.

4.7.

O CESE considera que, para incentivar as transições digital e ecológica entre as PME, importa acompanhar e abordar devidamente duas dimensões essenciais: as competências digitais generalizadas e a cooperação entre empresas, começando pelas cadeias de produção e de abastecimento.

4.8.

As competências digitais são um fator crítico, especialmente para as PME, uma vez que constituem o maior obstáculo à plena digitalização, mesmo quando há fortes incentivos financeiros aos investimentos. Para as PME, a melhoria das competências e a requalificação dizem respeito tanto aos trabalhadores como aos empresários que intervêm diretamente nos processos de produção e nas escolhas de inovação e investimento. Se os empresários carecerem de competências digitais, não podem tirar partido das oportunidades proporcionadas pelas tecnologias digitais, o que constitui um grande obstáculo à competitividade das empresas, com um impacto negativo no emprego.

4.9.

As PME não desempenham um papel organizacional oficial na inovação e I&D, e a sua abordagem da inovação é orientada sobretudo para a tecnologia média (integração de tecnologias estabelecidas) e para a inovação incremental (progressiva e mais lenta do que a inovação digital radical), que também se desenvolve através de formas informais e semiformais de intercâmbio de conhecimentos especializados e experimentação com outras empresas, inclusivamente no âmbito de relações de subcontratação. As tecnologias essenciais também podem ser introduzidas nas PME, criando percursos de desenvolvimento estratégico e tecnológico que incluam essas tecnologias.

4.10.

Os sindicatos, as organizações não governamentais e da sociedade civil, as associações de empregadores e os poderes públicos, cujo papel de liderança deve orientar a missão e as estratégias dos PID, devem trabalhar em conjunto para desenvolver programas de melhoria de competências e requalificação, aprendizagem ao longo da vida e formação profissional que garantam a empregabilidade contínua da mão de obra, locais de trabalho e salários dignos e os direitos sociais. Os trabalhadores têm de desempenhar um papel de liderança nos processos de transformação digital e é imperativo garantir a igualdade de género. O diálogo social é crucial para este efeito e deve ser apoiado no sentido de identificar as necessidades a curto e médio prazo, bem como os efeitos políticos a longo prazo.

4.11.

A cooperação entre as grandes empresas e as PME, começando pelas cadeias de produção e de abastecimento, pode impulsionar a inovação digital, superando muitos obstáculos em termos de conhecimento, normalização e custos.

4.12.

O CESE considera que o futuro papel estratégico dos PEID depende de dois fatores: a capacidade de comunicar aos responsáveis políticos as necessidades, os condicionalismos e as oportunidades das PME em matéria de investigação, desenvolvimento e inovação (IDI), a fim de melhorar a conceção de políticas que promovam a relevância e a qualidade das PME; e a capacidade de reforçar o nosso ecossistema social e empresarial, contribuindo para torná-lo mais resiliente e virado para o futuro.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (UE) 2021/694 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2021 que cria o Programa Europa Digital e revoga a Decisão (UE) 2015/2240 (JO L 166 de 11.5.2021, p. 1).

(2)  https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=R%26D_expenditure&oldid=551418


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Rumo a uma estratégia sustentável para as proteínas vegetais e os óleos vegetais na UE

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/13)

Relator:

Lutz RIBBE

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.10.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

158/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A indústria pecuária na UE (com carne, produtos lácteos, ovos) é um setor importante a nível económico da agricultura, mas que, nos últimos anos, tem sido cada vez mais objeto de um debate na sociedade, nomeadamente, devido ao impacto ambiental da pecuária intensiva a nível regional e mundial e ao facto de o setor estar fortemente dependente das importações de forragens. Este último aspeto suscita preocupações quanto à segurança dos alimentos para consumo humano e animal na UE. Em particular, é significativa a dependência da importação de espécies vegetais com elevado teor proteico (cerca de 75 %).

1.2.

Para além da necessidade implícita de terras aráveis fora da UE, o setor pecuário também reivindica uma grande parte das terras aráveis dentro da UE. Cerca de 50 % das colheitas destinam-se à alimentação animal para produção de produtos de origem animal. Menos de 20 % são utilizadas diretamente pelas pessoas nos regimes alimentares à base de plantas.

1.3.

Há anos que se debate a questão de uma estratégia europeia em matéria de proteínas, mas até à data registaram-se poucos progressos no desenvolvimento do cultivo de proteaginosas na Europa. Com o presente parecer, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) pretende formular orientações sobre aspetos adicionais a ter em conta nesse domínio.

1.4.

O CESE observa que não há grande escassez de fornecimento de proteínas na UE no setor alimentar (vegetal) propriamente dito (alimentos), mas sim, e mais importante, no setor dos alimentos compostos para animais (rações). São muitas as razões para aumentar a produção de proteínas na UE e, em particular, para integrar mais as pastagens na alimentação dos animais. No entanto, apesar do potencial existente não será possível substituir completamente, em termos puramente quantitativos, as elevadas importações de proteínas por uma produção europeia, sem afetar significativamente outros setores da produção agrícola.

1.5.

O CESE salienta ainda que a expansão do cultivo de culturas oleaginosas na UE pode também ter impactos positivos, como a autossuficiência em termos de combustível para tratores, uma maior disponibilidade de bagaço oleaginoso com um excelente potencial de alimentação proteica para animais e o aumento das rotações de culturas.

1.6.

Esta situação deve-se ao facto de existir um fator limitativo absoluto, nomeadamente as terras agrícolas disponíveis. Tanto na agricultura convencional como na agricultura biológica, são constantemente tomadas medidas inovadoras para aumentar a produtividade, mas também essas estão a atingir os seus limites em termos de volume. O CESE considera, portanto, que a UE deve elaborar urgentemente um estudo sobre o potencial e a proporção no uso dos solos, na Europa, das proteaginosas e das oleaginosas que poderiam ser cultivadas na UE.

1.7.

Uma componente importante de uma estratégia europeia em matéria de proteínas deve ser tornar a pecuária, no seu conjunto, compatível com os objetivos da UE e da ONU no que diz respeito à segurança alimentar europeia e mundial, à autonomia do abastecimento e à sustentabilidade. O aumento do cultivo de proteínas na UE é apenas um aspeto desta questão. Globalmente, um desenvolvimento em que a média mundial do consumo per capita de carne e produtos lácteos se aproxima do nível atual das economias desenvolvidas afigura-se incompatível com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

1.8.

Uma estratégia europeia para as proteínas vegetais e os óleos vegetais também deve contribuir para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais, em consonância com a visão a longo prazo da UE para as zonas rurais, por exemplo, através do desenvolvimento de novas cadeias de valor regionais autossustentáveis.

1.9.

Na Alemanha, a Comissão sobre o Futuro da Agricultura (ZKL), criada pelo governo federal, na qual estavam representados todos os grupos socialmente pertinentes, elaborou propostas para um sistema agrícola e alimentar sustentável numa abordagem global que também incluía o setor pecuário. Foram propostas alterações aos métodos de produção, que devem ser implementadas através de um conjunto de instrumentos (remuneração através de mercados e prémios), a fim de permitir a adaptação do maior número possível de agricultores. O CESE recomenda que a Comissão Europeia analise com mais precisão o formato deste processo e verifique se o mesmo seria adequado à criação de uma estratégia europeia em matéria de proteínas.

1.10.

Uma estratégia em matéria de proteínas que sirva igualmente os objetivos de autonomia estratégica do abastecimento terá de incluir os seguintes elementos:

promoção da investigação e inovação no domínio das proteínas de origem vegetal ao longo de toda a cadeia de valor e para uma utilização otimizada e orientada para as necessidades de fontes de proteínas de origem vegetal;

desenvolvimento e reforço da promoção do potencial das proteínas na UE;

reforço de uma produção interna sustentável de proteínas de origem vegetal, produzidas em conformidade com os elevados padrões europeus;

desenvolvimento e expansão das cadeias de valor regionais e das capacidades de tratamento regionais;

colaboração contínua com instituições e organizações agrícolas para promover o cultivo e a utilização de proteínas vegetais nacionais na indústria dos alimentos para consumo humano e animal;

reforço do potencial das culturas através da melhoria e do alargamento das estratégias de melhoramento das plantas;

expansão dos serviços de educação e aconselhamento e transferência de conhecimentos;

viabilização e facilitação da produção de proteaginosas em superfícies de interesse ecológico;

ligação reforçada entre a pecuária e o potencial regional de alimentação animal;

cumprimento sistemático dos valores-limite previstos para a poluição causada pelas emissões (nitratos em águas superficiais e subterrâneas, amoníaco, etc.), internalização dos custos externos;

promoção de práticas pecuárias particularmente respeitadoras dos animais através da informação ao consumidor e da rotulagem dos produtos;

fixação de normas de qualidade e de produção relativas às consequências para o ambiente e para a saúde dos produtos importados que concorrem com os produtos produzidos na UE;

campanha paralela de informação sobre as consequências para o ambiente e para a saúde dos diferentes regimes alimentares.

2.   Introdução e contexto

2.1.

As políticas e práticas agrícolas da UE têm sido bem-sucedidas no que diz respeito ao abastecimento alimentar, mas neste momento estão mais concentradas em questões de sustentabilidade e em alcançar os objetivos do Pacto Ecológico e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nomeadamente através da sua Estratégia do Prado ao Prato. Pelo menos desde a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia, a ênfase tem sido colocada também no objetivo de autonomia estratégica do abastecimento.

2.2.

A indústria pecuária na UE (com carne, produtos lácteos, ovos) é um setor importante a nível económico, mas que, nos últimos anos, tem sido cada vez mais objeto de debate na sociedade por variadíssimas razões. A dependência excessiva das importações de forragens é um aspeto desse debate.

2.3.

O Parlamento Europeu, na sua Resolução «Uma estratégia europeia para a promoção das proteaginosas» (1), fala de um «importante défice em proteínas vegetais devido às necessidades do seu setor pecuário industrial» e que «infelizmente, não tem vindo a melhorar muito […] apesar da utilização de coprodutos da produção de biocombustíveis nos alimentos para animais». A UE consagra «à cultura de proteaginosas apenas 3 % das suas terras aráveis e importa mais de 75 % do seu aprovisionamento em proteínas vegetais, sobretudo do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos» (2), embora a produção total de matérias ricas em proteínas na UE tenha crescido de 24,2 para 36,3 milhões de toneladas (+ 50 %) entre 1994 e 2014; ao mesmo tempo, o consumo total subiu de 39,7 para 57,1 milhões de toneladas (+ 44 %) (3). Para criar estas dependências contribuíram, em muito, decisões políticas como o Memorando de Acordo relativo às Sementes Oleaginosas (também conhecido por acordo de Blair House).

2.4.

Um papel especial, quase primordial para a indústria de rações (4) é desempenhado pela «farinha de soja [que] é um ingrediente privilegiado na fórmula dos alimentos compostos para animais, dado apresentar um elevado teor de proteínas (superior a 40 %) e de aminoácidos e uma grande disponibilidade durante todo o ano, o que reduz a necessidade de reformulação frequente» (5). O consumo de soja na Europa aumentou de 2,4 milhões de toneladas em 1960 para quase 36 milhões de toneladas/ano. Para satisfazer esta imensa procura de soja, são necessários quase 15 milhões de hectares de terra, «dos quais 13 milhões de hectares na América do Sul» (6), o que representa mais do que todos os terrenos agrícolas da Alemanha (11,7 milhões de hectares) (7). Uma grande parte da quantidade da soja importada (cerca de 94 %) é constituída por variedades geneticamente modificadas.

2.5.

No documento da Comissão (8) salienta-se que as culturas proteaginosas com um elevado teor proteico (mais de 15 %) «representam um quarto da oferta total de proteínas vegetais brutas na UE. Embora os cereais e os pastos contribuam significativamente para a oferta total de proteínas vegetais». Surpreendentemente, os cereais e os pastos não são tidos em conta pela Comissão nas suas considerações estratégicas sobre as proteínas vegetais «devido ao seu baixo teor proteico e à sua reduzida importância no mercado» (9), argumento que não colhe, de modo algum, junto do CESE.

2.6.

O volume elevado de importações, especialmente de soja, deve-se principalmente ao facto de a soja poder ser produzida de forma muito mais barata nos EUA e na América do Sul, devido às condições naturais de cultivo aí existentes. A isto acrescem outros fatores, como, por exemplo, padrões ambientais e sociais por vezes incrivelmente baixos, a desflorestação das florestas naturais na América do Sul e a expulsão dos povos indígenas, mas também dos pequenos agricultores (10). O CESE congratula-se com o reconhecimento do problema pela Comissão e com o seu empenho em assegurar cadeias de abastecimento não associadas à desflorestação (11).

A UE não adotou iniciativas adequadas que pudessem reduzir verdadeiramente a dependência das importações nem nas últimas propostas de reforma da política agrícola comum (PAC) nem nas negociações com os países do Mercosul.

2.7.

Neste contexto, cumpre referir que, no âmbito da anterior PAC, o cultivo de proteínas, em particular, beneficiou, em especial, das chamadas superfícies de interesse ecológico, que deixam de existir após a reforma: «As culturas fixadoras de azoto foram o tipo de cultura mais declarado em termos de superfícies de interesse ecológico». 37 % (!) dessas superfícies são utilizadas em conformidade. Uma vez que ainda está pendente a avaliação dos planos estratégicos nacionais apresentados para a execução da nova PAC, o CESE não pode ainda afirmar se estes levarão a uma melhoria ou, pelo contrário, a uma deterioração da situação. É verdade que os Estados-Membros dispõem de uma série de opções (em especial os pagamentos associados) para promover o cultivo. No entanto, análises preliminares levam a recear que a) nem todos os Estados-Membros os possam utilizar e b) os níveis de apoio não sejam suficientemente atrativos.

2.8.

O CESE tem uma posição clara, já que considera que «tornar a UE mais autónoma em matéria de proteínas é desejável a todos os níveis. As importações de grão de soja de países terceiros podem estar associadas à desflorestação, à degradação florestal e à destruição de ecossistemas naturais em alguns países produtores. O aumento do cultivo na União de leguminosas oleaginosas e secas com elevado conteúdo proteico limitaria as importações e teria, por conseguinte, um impacto positivo no clima e no ambiente» (12).

2.9.

Esta posição não é contrariada por nenhuma das partes. Pelo contrário, no seio da UE, há muito que é debatida a necessidade de uma estratégia europeia em matéria de proteínas correspondente, mas até agora não tem havido mais do que compromissos para expandir o cultivo europeu de proteínas e os instrumentos referidos no ponto 2.7 acima. Por este motivo, estamos muito longe de uma estratégia europeia em matéria de proteínas eficaz.

2.10.

Desde o início da pandemia de COVID-19, e pelo menos desde a guerra na Ucrânia, tornou-se evidente que a divisão mundial do trabalho e as relações comerciais não têm apenas consequências positivas. Podem levar a problemas que não foram pensados ou suficientemente refletidos. A nova palavra-chave é «autonomia estratégica ao nível do abastecimento». Independentemente de as carências serem ao nível do fornecimento de máscaras faciais, medicamentos, semicondutores ou energias fósseis, tais como gás, petróleo e carvão, as dependências podem levar a falhas económicas e sociais extremas.

2.11.

A guerra na Ucrânia e as suas consequências expectáveis a longo prazo terão um impacto duradouro no setor agrícola europeu e, inclusivamente, mundial, bem como na indústria alimentar europeia, e exigem mudanças.

2.12.

Na sua Resolução «A guerra na Ucrânia e o seu impacto económico, social e ambiental» (13), o CESE salienta também, portanto, o facto de que «o conflito terá inevitavelmente consequências graves para o setor agroalimentar da UE, o que exigirá medidas adicionais de apoio; sublinha, nesse contexto, que a UE deve reforçar o seu compromisso de criar sistemas alimentares sustentáveis […]. Em particular, a UE deve melhorar a sua segurança alimentar, reduzindo a dependência em relação aos principais produtos agrícolas e fatores de produção importados».

2.13.

Ao mesmo tempo, o CESE salienta que «o combate aos efeitos da guerra não deverá ocorrer em detrimento da ação climática e da sustentabilidade» e que os ODS da Agenda 2030 da ONU também promovem a paz, a segurança e a redução da pobreza. Sublinha que é necessário avançar com a aplicação da Agenda 2030 e com a transição justa através do Pacto Ecológico Europeu.

2.14.

Os chefes de Estado e de Governo da UE também se pronunciaram sobre esta questão na Declaração de Versalhes, de 11 de março de 2022, afirmando o seguinte: «Reforçaremos a nossa segurança alimentar reduzindo as nossas dependências de produtos e fatores de produção agrícolas essenciais importados, em particular aumentando a produção de proteínas vegetais na UE» (14).

3.   Factos e tendências

3.1.

O CESE defende que importa debater com maior profundidade e ter mais em conta as questões sistémicas na elaboração de uma estratégia europeia em matéria de proteínas abrangente. Neste contexto, importa clarificar o modo como se deve avaliar o sistema atual da perspetiva de uma autonomia estratégica do abastecimento europeia, bem como da sustentabilidade regional e mundial, e que vantagens e desvantagens tem para os agricultores, os consumidores, o ambiente e os animais de exploração pecuária. Contudo, as tendências atuais com impacto no domínio do fornecimento de proteínas também devem ser tidas em conta.

Prato, depósito ou gamela — o que cultivamos e o que acontece à colheita das culturas agrícolas?

3.2.

Sem as grandes importações de proteínas, a elevada produção de carne na Europa, tal como hoje praticada, não seria possível, embora uma grande parte da colheita agrícola já seja direcionada para a alimentação animal. Na Alemanha, por exemplo, são quase dois terços (!) de toda a colheita, ou seja, quase toda a pastagem (que nós humanos também não podemos utilizar diretamente) e 60 % do milho e dos cereais (15). A segunda utilização mais importante da colheita em termos de volume não são os alimentos de origem vegetal, mas a produção de energia técnica (milho para biogás, colza para biodiesel e cereais e beterraba sacarina para bioetanol). Somente em terceiro lugar vem a utilização direta de vegetais como alimento. Os alimentos de origem vegetal consumidos na Alemanha — essencialmente cereais panificáveis, batatas, açúcar, óleo de colza e legumes — representam apenas 11 % da produção total de vegetais!

3.3.

Também 93 % das proteínas vegetais importadas são destinadas à alimentação animal. Estas importações em particular, bem como a extensão e a intensidade da produção de carne, tornaram-se objeto de intenso debate social nos últimos anos.

3.4.

Duas constatações impõem-se de imediato: a primeira é de que não há grande escassez de fornecimento de proteínas na UE no setor alimentar (vegetal) propriamente dito («alimentos»), mas sim, e mais importante, no setor dos alimentos compostos para animais («rações»); a segunda é de que não será possível substituir completamente as elevadas importações de proteínas por uma produção europeia, sem afetar significativamente outros setores da produção agrícola.

3.5.

Esta situação deve-se ao facto de existir um fator limitativo absoluto, nomeadamente as terras agrícolas disponíveis. Tanto na agricultura convencional como na agricultura biológica, são constantemente tomadas medidas inovadoras para aumentar a produtividade, mas também essas estão a atingir os seus limites em termos de volume. A Associação da Indústria Transformadora de Sementes Oleaginosas na Alemanha conclui, por conseguinte, após uma análise detalhada, que é necessário continuar a garantir os canais de fornecimento dessas substâncias proteicas, pois a autossuficiência completa com recurso a proteínas produzidas a nível interno permanece irrealista (16).

3.6.

Estas declarações fundamentais não devem ser mal interpretadas: existem inúmeras boas razões para promover intensivamente o aumento do cultivo de proteaginosas e oleaginosas na UE. Ligam o azoto ao solo, reduzem a necessidade de azoto mineral, melhoram a qualidade e a fertilidade do solo, além de contribuírem positivamente para a ação climática (por exemplo, menos necessidades de transporte, menos desflorestação, menor utilização dos fatores de produção). A rotação de culturas alargada reduz a frequência da ocorrência de pragas e é positiva para a biodiversidade. Hoje em dia, apenas uma proporção muito pequena (cerca de 3 %) das terras agrícolas é cultivada com proteaginosas. No entanto, a expansão, por mais positiva que seja, ocorre, inevitavelmente, à custa de outras formas de cultivo, por exemplo outras culturas alimentares ou energéticas, ou em concorrência com as demais medidas de conservação da natureza.

Tendências atuais

3.7.

Por conseguinte, é aconselhável descrever e analisar primeiro tendências que possam ter impacto na futura criação e nutrição animal e, portanto, na procura e qualidade das proteínas.

3.7.1.

Por um lado, já começam a ser notórios sinais de mudança no comportamento dos consumidores e nos hábitos de consumo. Cada vez mais consumidores reduzem o consumo de carne ou prescindem do mesmo. O elevado consumo de carne na Europa está agora a ser também questionado por razões nutricionais. Em alguns Estados-Membros o consumo de carne tem vindo a decrescer (17). Esta realidade é claramente visível não só nas estatísticas, mas também nas prateleiras dos supermercados, onde os substitutos de carne à base de culturas proteaginosas estão a aumentar visivelmente.

3.7.2.

Uma segunda tendência pode ser descrita como «menos carne, mas de melhor qualidade»: os programas de excelência que se concentram em promover o bem-estar animal e uma maior regionalidade estão a aumentar, o que tem implicações na alimentação. Assim, cada vez mais consumidores prestam atenção à forma como os animais são mantidos e se foram, por exemplo, alimentados com rações produzidas localmente e/ou com rações isentas de organismos geneticamente modificados, se têm acesso a pastagens, etc. Na UE, assiste-se já a um elevado grau de diferenciação.

3.7.3.

Esta tendência era considerada um pequeno nicho no passado, mas surgem mudanças decisivas no horizonte: muitas grandes cadeias de supermercados em vários Estados-Membros já aumentaram gradualmente os requisitos para os seus produtos de carne fresca em termos de bem-estar animal e sustentabilidade ambiental. E vislumbram-se outras mudanças radicais: por exemplo, a partir de 2030, alguns grandes retalhistas vão obter 100 % da sua gama de carne fresca a partir de criação ao ar livre e de excelente qualidade. A transição aplica-se a todos os tipos de carne (vaca, porco, frango e peru).

3.7.4.

O aumento previsto ou já em curso da agricultura biológica na UE terá também impacto no fornecimento de rações (e importação de soja). De acordo com a Comissão Europeia, a pecuária biológica cresceu a um ritmo de 10 % ao ano até à data. O objetivo de 25 % da Estratégia do Prado ao Prato daria um novo impulso neste caso, se os mercados se desenvolverem em conformidade, para o qual a PAC pretende contribuir. Com apenas 6 % dos grãos de soja do mundo a serem comercializados como soja não geneticamente modificada, as explorações agrícolas precisam de procurar alternativas e/ou de produzir mais ração na própria exploração.

3.7.5.

Também são já visíveis mudanças significativas no setor do leite: em muitos Estados-Membros, o comércio retalhista de produtos alimentares está a exigir às centrais leiteiras leite e produtos lácteos sem recurso à engenharia genética na alimentação das vacas. Esta situação levou a que, por exemplo, na Alemanha a farinha de soja já não é utilizada para alimentação animal em cerca de 70 % da produção leiteira. Começa-se a assistir a uma diferenciação do mercado de que são exemplo o leite de pastagem, de feno ou de montanha. No entanto, os produtos lácteos continuarão a constituir uma fonte de proteínas essencial e acessível a todos no futuro, com vista a uma alimentação equilibrada para todos os grupos etários.

3.7.6.

Neste contexto, importa também recordar o Relatório de Informação do CESE «Benefícios da pecuária extensiva e dos fertilizantes orgânicos no contexto do Pacto Ecológico Europeu» (18), que elogia a pecuária extensiva (em pastagens permanentes e prados) não só pela importância que reveste para a biodiversidade e outros serviços ecológicos e agrários, mas também por desempenhar um papel fundamental no «fornecimento de alimentos sustentáveis, saudáveis, seguros e de elevada qualidade […], em particular com uma população mundial em crescimento». A necessidade de «destacar o papel das pastagens/trevo como fonte importante de proteínas para os ruminantes» é também destacada noutro parecer do CESE (19).

3.7.7.

Outra evolução completamente diferente que pode ter consequências económicas desastrosas para a agricultura, para a pecuária tradicional e para todo o sistema agroalimentar deste setor, é o desenvolvimento da denominada «carne artificial», que, no entanto, nada tem de carne e é um produto industrial produzido em reatores. Esta tendência não provém nem dos consumidores nem dos agricultores, mas de grandes multinacionais como a Cargill, a Tyson Foods ou a Nestlé, que investigam ou desenvolvem práticas para produzir tecido de carne artificial em reatores industriais. Argumentam que aquilo que os agricultores sempre fizeram ao longo da história da humanidade com a pecuária tradicional (nomeadamente cultivar células) podem elas fazer num reator utilizando muito menos terra; fica, no entanto, a dúvida quanto à poupança de água e outros recursos, bem como quanto à «qualidade» e aos custos de produção. O CESE defende o lançamento de um amplo debate social sobre as preocupações suscitadas por este possível desenvolvimento e as suas consequências negativas para os criadores de gado e a cadeia de produção de carne, bem como para a economia e o nível de emprego de todos os Estados-Membros e para a União Europeia no seu conjunto.

Reações no domínio político

3.8.

Entretanto, surgem reações claras dos responsáveis políticos, algumas das quais vão ainda mais longe do que a Estratégia do Prado ao Prato, e que também resultaram de um debate social completamente diferente. Na Alemanha, por exemplo, o governo federal criou, em julho de 2020, uma Comissão sobre o Futuro da Agricultura, constituída por 32 membros provenientes de grupos sociais muito diferentes, incluindo associações de agricultores tradicionais e grupos académicos. O objetivo era desenvolver uma visão para o futuro do sistema agrícola e alimentar que fosse aceite por amplos setores da sociedade. Em junho de 2021, as recomendações foram adotadas e publicadas por unanimidade. Obedece-se a um princípio comum: a responsabilidade ecológica e ética (animal) da agricultura pode ser melhorada de forma mais eficaz e permanente, encontrando formas de recompensar financeiramente métodos de produção mais sustentáveis através da introdução de novos instrumentos e, assim, torná-los economicamente viáveis.

3.9.

Para o domínio da pecuária, a Comissão sobre o Futuro da Agricultura segue as recomendações da Rede de Competências para a Pecuária, criada pelo Ministério Federal da Agricultura. Em fevereiro de 2020, foram publicadas as suas propostas (20), que esboçam uma estratégia de transformação para a reestruturação da pecuária, com um aumento significativo dos níveis de bem-estar animal. Esta reestruturação inclui o financiamento através de impostos ou taxas, em combinação com preços de mercado mais elevados, e a atribuição de um prémio ligado à indicação obrigatória do modo de produção pecuária, de acordo com normas definidas. Este financiamento é crucial para abrir uma perspetiva económica aos agricultores em questão. O resultado dessa estratégia de transformação deverá garantir a subsistência das explorações pecuárias, a par do decréscimo do número de cabeças de gado.

3.10.

Em resumo, as atuais formas de pecuária na Europa diferem, em alguns casos fundamentalmente, tanto em termos de procura de importações (principalmente de soja) como em termos de impacto regional no ambiente. Enquanto as formas ecológicas mais tradicionais ou extensivas de pecuária adaptadas ao terreno se baseiam principalmente em fatores de produção regionais (incluindo os alimentos para animais) e têm impactos ambientais limitados, sendo em parte mesmo indispensáveis para a preservação das paisagens, a atual e crescente dimensão da pecuária intensiva representa uma sobrecarga para o ambiente regional. Esta forma de pecuária, para além de reivindicar grandes extensões de terras aráveis na UE, também se baseia largamente em alimentos importados, cujo cultivo tem consequências devastadoras nos países de origem (contribuindo assim para agravar a desflorestação mundial, as alterações climáticas e as tensões sociais).

3.11.

Uma componente importante de uma estratégia europeia em matéria de proteínas deve ser, portanto, tornar a pecuária, no seu conjunto, compatível com os objetivos da UE e da ONU no que diz respeito à segurança alimentar europeia e mundial, à autonomia do abastecimento e à sustentabilidade. O aumento da produção de proteínas na UE é apenas um aspeto desta questão, mas, globalmente, um desenvolvimento em que a média mundial do consumo per capita de carne e produtos lácteos se aproxima do nível atual das economias desenvolvidas afigura-se incompatível com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. É inevitável uma redução no número de cabeças de gado.

3.12.

Em princípio, a Comissão sobre o Futuro da Agricultura já fez essa avaliação do atual sistema agrícola e alimentar, e fê-lo no contexto de um processo de debate na sociedade que merece ser analisado com mais pormenor por outros Estados-Membros da UE e pela própria Comissão Europeia. Por um lado, reconhece que a agricultura presta, indiscutivelmente, serviços positivos à sociedade, mas, ao mesmo tempo, analisa de forma crítica em que se baseiam os desenvolvimentos produtivos dos últimos anos e quais as suas consequências: o reverso da medalha deste progresso são formas de exploração excessiva da natureza e do ambiente, que afetam os animais e os ciclos biológicos e acarretam o risco de sérios danos para o clima. No entanto, a agricultura também se encontra numa crise económica. Vários fatores, nomeadamente políticos, conduziram a práticas económicas que não são sustentáveis a nível ecológico, económico e social. Tendo em conta os custos externos que as formas de produção predominantes implicam, manter o sistema agrícola e alimentar, na sua forma atual, está fora de questão por razões éticas, ecológicas e de bem-estar animal, bem como por razões económicas (21).

4.   Exigências: um fornecimento de proteínas sustentável e o reforço do papel das culturas oleaginosas

4.1.

Numa Europa em que a autonomia do abastecimento é cada vez mais reconhecida como um objetivo estratégico, as comparações com a política energética são certamente apropriadas: reduzir ao máximo a dependência das importações e concentrar a atenção em satisfazer a procura, de forma sustentável, com os nossos próprios recursos.

4.2.

Ao contrário do setor energético, onde as novas tecnologias (eólica, solar, biomassa, hidrogénio, etc.) podem compensar a falta de combustíveis fósseis, o setor alimentar mundial deve adaptar a produção e o consumo ao potencial do capital natural finito (principalmente a terra, mas também a biodiversidade). Tal deve ser acompanhado do estabelecimento de prioridades na utilização dos rendimentos agrícolas. A prioridade máxima deve ser fornecer às pessoas sobretudo produtos vegetais (cereais, fruta, legumes, etc.). Felizmente, não há razão para temer que a UE não consiga satisfazer estas necessidades da sua própria população. Contudo, dada a crescente preocupação com a fome no mundo, convém não esquecer que este problema não pode ser resolvido com a produção de carne, dado que as rações (assim como a biomassa para fins energéticos) competem com os alimentos.

4.3.

Este conflito de uso da terra é exacerbado pelo facto de a agricultura em quase todas as regiões da UE estar a enfrentar uma concorrência, por vezes significativa, pela utilização da terra: de acordo com os cálculos da UE, a perda de terrenos agrícolas para outras utilizações do solo, como a urbanização e a construção de infraestruturas, pode levar a uma diminuição de quase 1 milhão de hectares em terrenos utilizáveis até 2030.

4.4.

No entanto, a UE encontra-se numa situação confortável em comparação com o resto do mundo: a agricultura na UE, guiada pelos princípios do modelo agrícola europeu (22), é nitidamente capaz de produzir não só vegetais de elevada qualidade em quantidade suficiente para alimentar a sua população, mas também de fornecer grandes quantidades de rações, embora estas não sejam suficientes para satisfazer a procura atual. E tendo em conta uma eventual interrupção do abastecimento de cereais da Ucrânia e da Rússia para as regiões assoladas pela fome, impõe-se a questão de saber se nós, na UE, não deveremos canalizar menos cereais para alimentação animal (nem para utilização como combustível) e, assim, contribuir para solucionar o agravamento do problema da fome mundial e, também, aumentar o abastecimento de proteínas.

4.5.

No contexto de uma estratégia europeia em matéria de proteínas, deve ser lembrado que os ruminantes (mas não só) têm um dom que os humanos não têm: podem alimentar-se de erva! Mesmo para animais monogástricos (porcos e aves de capoeira), os prados poderiam complementar parte das rações alimentares. As pastagens devem, portanto, ser um elemento essencial para um fornecimento sustentável de proteínas; atualmente, é dada muito pouca atenção a este aspeto nos debates políticos. A decisão tomada pela UE no ano passado de reautorizar a farinha de carne e a farinha de insetos na alimentação animal pode também contribuir para uma redução da proporção de proteínas vegetais na alimentação animal.

4.6.

Estudos recentes dos órgãos especializados da União para a Promoção das Culturas Oleaginosas e Proteaginosas (UFOP) sobre o potencial da colza e das leguminosas no cultivo e na alimentação dão-nos confiança de que existe potencial em termos de tecnologia de cultivo para cultivar muito mais colza e leguminosas e, ao mesmo tempo, para expandir significativamente as rotações de culturas. A percentagem de colza e de leguminosas poderia ascender a cerca de 10 % da terra arável, o que corresponde, por exemplo, a mais do que duplicar o nível atual para as leguminosas (especialmente ervilhas forrageiras, favas forrageiras, soja, tremoços). Deste modo, o aumento do cultivo de culturas oleaginosas não impede a utilização sustentável da terra, antes pelo contrário. No entanto, isso só é possível à custa de outras formas de cultivo.

4.7.

Contudo, este estudo também revela que é impossível satisfazer, de forma autónoma, as necessidades de alimentação dos efetivos de gado atuais e que a concretização do objetivo de autonomia estratégica do abastecimento implica uma redução do número de cabeças de gado.

4.8.

O CESE considera, portanto, que é urgente a UE elaborar um estudo sobre o potencial europeu de proteaginosas e oleaginosas que poderiam ser cultivadas dentro das fronteiras da UE. A sustentabilidade do uso da terra (rotações de culturas, fertilidade do solo, incluindo a biodiversidade) deve ser tida em conta. Os resultados deste estudo devem, então, ser utilizados para determinar quais as necessidades a nível de utilização das terras para uma dieta saudável e baseada em proteínas vegetais para os cidadãos europeus. A partir daqui, pode então perceber-se o que resta para a alimentação animal (ou para fins energéticos) e o que ainda precisa de ser importado para uma pecuária que respeite os limites ecológicos europeus e mundiais de uma produção orientada para a sustentabilidade e o bem-estar animal. A estratégia europeia em matéria de proteínas deve também procurar responder à questão de saber qual o impacto que deve ter nos acordos comerciais existentes (como o Mercosul) e examinar de que forma será possível proteger os agricultores de explorações sustentáveis na UE das importações de produtos não sustentáveis.

4.9.

O CESE considera importante sublinhar que o óleo proveniente do cultivo de plantas oleaginosas em 10 % das terras aráveis da UE poderá levar à autossuficiência energética para o abastecimento de combustível dos tratores agrícolas se for utilizado exclusivamente para esse fim. Como já salientado em pareceres anteriores (23), o CESE defende que se deve criar um programa à parte para a utilização de óleos vegetais não esterificados (isto é, puros) em máquinas agrícolas, em vez de se apostar na mistura com gasóleo. No entanto, importa equacionar também o uso de combustíveis do tipo B100 (100 % de óleo vegetal esterificado). O bagaço oleaginoso (24) resultante é uma excelente ração proteica (o mesmo se aplica aos resíduos da produção de álcool, por exemplo).

4.10.

Alguns Estados-Membros estão já a trabalhar — por razões muito diferentes — na redução do número de cabeças de gado (por exemplo, os Países Baixos), o que pode ser alcançado pela via de decretos regulamentares ou através de instrumentos de mercado. Para além de padrões ambientais e de bem-estar animal claros, o CESE é sobretudo favorável a soluções de mercado que criem condições para o estabelecimento de novas cadeias de valor regionais que sejam autossustentáveis e não dependam permanentemente de subsídios. Ao mesmo tempo, essas soluções devem abrir perspetivas para o maior número possível de explorações pecuárias. Devem também permitir, tanto quanto possível, que todos os agricultores da UE produzam de forma sustentável e disponham de meios de subsistência seguros. Esta condição requer a proteção contra a concorrência desleal e as práticas comerciais desleais, bem como a promoção do poder de mercado dos agricultores no processo de transformação para um sistema alimentar mundial sustentável.

4.11.

O exposto reafirma a ideia de que uma estratégia sustentável da UE para as proteínas vegetais e oleaginosas tem de considerar o conjunto do sistema agrícola e alimentar, pois uma estratégia de cultivo isolada não é a solução.

4.12.

Os mecanismos de mercado devem ser direcionados de molde a refletirem os verdadeiros custos sociais, societais e ambientais. As deficiências do mercado podem ser corrigidas através de intervenções públicas assentes em dados concretos e científicos, com vista a otimizar o compromisso entre os custos e os benefícios para a sociedade, tendo em conta todos os interesses em causa.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2018, sobre uma Estratégia Europeia para a promoção das proteaginosas — Encorajar a produção de proteaginosas e leguminosas no setor agrícola europeu (JO C 390 de 18.11.2019, p. 2).

(2)  Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2018 (JO C 390 de 18.11.2019, p. 2), considerando E. Nota do CESE: a dependência de 75 % refere-se à cultura de proteaginosas com um elevado teor de proteínas; o fornecimento importante de proteínas aos animais a partir de erva e cereais é incompreensivelmente negligenciado em muitos debates.

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2018 (JO C 390 de 18.11.2019, p. 2), considerando L.

(4)  Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre o desenvolvimento das proteínas vegetais na União Europeia, [COM(2018) 757 final], p. 2.

(5)  COM(2018) 757 final, p. 3.

(6)  Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2018 (JO C 390 de 18.11.2019, p. 2), considerando L.

(7)  Segundo dados do Eurostat, a área agrícola total da Europa (incluindo pastagens e prados) na UE é atualmente de cerca de 174 milhões de hectares (dados anteriores ao Brexit, em alemão).

(8)  COM(2018) 757 final.

(9)  Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2018 (JO C 390 de 18.11.2019, p. 2).

(10)  Parecer do CESE — Minimizar o risco de desflorestação e degradação florestal associado a produtos colocados no mercado da UE (JO C 275 de 18.7.2022, p. 88).

(11)  Parecer do CESE — Minimizar o risco de desflorestação e degradação florestal associado a produtos colocados no mercado da UE (JO C 275 de 18.7.2022, p. 88).

(12)  Parecer Exploratório do CESE — Segurança alimentar e sistemas alimentares sustentáveis (a pedido da Presidência francesa) (JO C 194 de 12.5.2022, p. 72), ponto 1.3, alínea ii).

(13)  Resolução do CESE adotada na reunião plenária de 24 de março de 2022 (JO C 290 de 29.7.2022, p. 1).

(14)  https://www.consilium.europa.eu/media/54786/20220311-versailles-declaration-pt.pdf

(15)  Em 2017, a superfície agrícola utilizada na UE (27) era de 178,7 milhões de hectares: desta, 105,5 milhões de hectares correspondiam a terras aráveis, das quais 63 % (ou seja, 66,8 milhões de hectares) se destinavam à alimentação animal (https://de.statista.com/statistik/daten/studie/1196852/umfrage/landwirtschaftliche-flaechen-in-der-eu-nach-nutzungsart/).

(16)  Associação da Indústria Transformadora de Sementes Oleaginosas na Alemanha (OVID): «Eiweißstrategie 2.0» [Estratégia em matéria de proteínas 2.0], 2019.

(17)  Na Alemanha, o consumo de carne de porco por habitante diminuiu de 39,8 kg para 31 kg entre 1995 e 2021.

(18)  Relatório de Informação do CESE — Benefícios da pecuária extensiva e dos fertilizantes orgânicos no contexto do Pacto Ecológico Europeu.

(19)  Parecer do CESE — Segurança alimentar e sistemas alimentares sustentáveis (parecer exploratório a pedido da Presidência francesa) (JO C 194 de 12.5.2022, p. 72).

(20)  https://www.bmel.de/SharedDocs/Downloads/DE/_Tiere/Nutztiere/200211-empfehlung-kompetenznetzwerk-nutztierhaltung.html

(21)  Relatório final da Comissão sobre o Futuro da Agricultura [em alemão].

(22)  Parecer de Iniciativa do CESE — A Reforma da Política Agrícola Comum em 2013 (JO C 354 de 28.12.2010, p. 35).

(23)  Parecer do CESE — Utilização de energia proveniente de fontes renováveis (JO C 77 de 31.3.2009, p. 43).

(24)  Quando a colza é prensada, obtém-se cerca de um terço de óleo e dois terços do chamado bagaço.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/97


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Rumo a um quadro para a rotulagem dos alimentos sustentáveis, a fim de capacitar os consumidores para fazerem escolhas alimentares sustentáveis

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/14)

Relator:

Andreas THURNER

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.10.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

147/5/1

1.   Conclusões e recomendações

O Comité Económico e Social Europeu (CESE)

1.1.

congratula-se com a iniciativa da Comissão Europeia de criar um quadro jurídico para sistemas alimentares sustentáveis, o qual deverá prever, nomeadamente, regras para a rotulagem dos alimentos sustentáveis. Há uma necessidade clara de regulamentação e de um certo nível de normalização e harmonização, a fim de assegurar a credibilidade e condições de concorrência equitativas;

1.2.

salienta que a sustentabilidade é um conceito multidimensional, em que as dimensões económica, ambiental e social devem ser sempre consideradas em igual medida;

1.3.

observa que os hábitos alimentares das pessoas variam muito, dependem de diferentes fatores e estão também muito enraizados. As expectativas em relação a um sistema de rotulagem da sustentabilidade devem, portanto, ser avaliadas de forma realista desde o início. No entanto, é do interesse geral que as pessoas mudem para padrões de consumo mais sustentáveis;

1.4.

recomenda, portanto, o estabelecimento de um quadro para a rotulagem dos alimentos sustentáveis, que seja transparente, assente em dados científicos e o mais simples e pragmático possível. Esse quadro deve ajudar os operadores económicos a avaliarem e melhorarem a sustentabilidade dos produtos e fornecer aos consumidores informações úteis para uma decisão de compra informada;

1.5.

propõe que, no interesse de uma abordagem simples e pragmática, se contemple também aspetos que fazem parte da definição e avaliação geral da sustentabilidade, como, por exemplo, o bem-estar animal e os critérios sociais ou ecológicos. No entanto, não se deve utilizar o termo «sustentável» nesse caso, uma vez que deverá ficar reservado para uma abordagem de avaliação global;

1.6.

defende que se comece por uma abordagem voluntária, que deverá, no entanto, prever condições obrigatórias em caso de aplicação. Há que proibir os rótulos ou as informações em matéria de sustentabilidade que não cumpram essas condições;

1.7.

considera que um sistema de rotulagem assente numa escala de classificação (por exemplo, sob a forma de um código de cores semelhante ao dos semáforos) pode ajudar os consumidores a fazerem escolhas informadas. Esse tipo de sistema pode também promover a liderança em matéria de sustentabilidade e incentivar as empresas a melhorarem os respetivos processos ao longo da cadeia alimentar;

1.8.

assinala, a esse propósito, que os algoritmos de avaliação, sendo cruciais para um modelo de escala, devem ter fundamento científico e ser devidamente transparentes para os consumidores;

1.9.

considera que os regimes de qualidade existentes na UE, como a produção biológica ou as indicações geográficas, já contêm elementos que contribuem para uma maior sustentabilidade no sistema alimentar, facto que importa reconhecer em conformidade. O CESE recomenda ainda que se proceda a uma verificação da sustentabilidade dos regulamentos em vigor e que, se necessário, se adotem disposições adequadas nesse domínio para os completar;

1.10.

sublinha o papel crucial da educação para proporcionar uma compreensão básica das questões de sustentabilidade relacionadas com os alimentos. A transição para sistemas alimentares mais sustentáveis também pode ser promovida através de campanhas de sensibilização e de medidas adequadas para tornar os preços dos alimentos sustentáveis mais acessíveis.

2.   Contexto

2.1.

A Estratégia do Prado ao Prato (1) constitui um elemento central do Pacto Ecológico Europeu e visa tornar os sistemas alimentares justos, saudáveis e respeitadores do ambiente. O plano de ação da estratégia prevê, nomeadamente, medidas para promover o consumo alimentar sustentável e facilitar a transição para regimes alimentares saudáveis e sustentáveis. Entretanto, a Comissão Europeia já iniciou os trabalhos preparatórios com vista à adoção de uma lei-quadro horizontal para acelerar e facilitar a transição para a sustentabilidade e assegurar que os alimentos colocados no mercado da UE são cada vez mais sustentáveis.

2.2.

O CESE já elaborou um quadro de ação robusto através do desenvolvimento de uma visão estratégica para a promoção de uma política alimentar global. Os fundamentos dessa visão constam de pareceres subordinados a temas como a política alimentar global (2), os regimes alimentares saudáveis e sustentáveis (3), as cadeias curtas de abastecimento alimentar e a agroecologia (4), o consumo sustentável (5) e o alinhamento das estratégias e das operações do setor alimentar pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para uma recuperação sustentável pós-COVID-19 (6).

2.3.

As empresas têm uma grande responsabilidade em mãos: por um lado, orientar os consumidores para escolhas saudáveis e com menor impacto ambiental e, por outro, viabilizar a transformação sustentável dos sistemas alimentares através da adoção de práticas sustentáveis de agricultura, transformação e embalagem. As empresas devem fazer parte de todo o percurso rumo ao desenvolvimento do quadro para a rotulagem dos alimentos sustentáveis.

2.4.

Para além das empresas e dos intervenientes na produção alimentar, também os consumidores desempenham um papel crucial na transição para sistemas alimentares mais sustentáveis. Em princípio, cada decisão de compra desencadeia a ordem de produção seguinte. Assim, uma maior procura de alimentos sustentáveis conduzirá também a uma maior sustentabilidade do lado da oferta.

2.5.

Neste contexto, o presente parecer de iniciativa visa examinar possíveis opções para um quadro de rotulagem dos alimentos sustentáveis e apresentar conclusões e recomendações destinadas a ajudar a Comissão Europeia na elaboração desse quadro estratégico numa fase inicial do processo.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A sustentabilidade é um conceito multidimensional, em que as dimensões económica, ambiental e social devem ser sempre consideradas em igual medida. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura define sistema alimentar sustentável como um sistema que garanta a segurança alimentar e nutricional para todos, de tal modo que as bases económicas, sociais e ambientais não comprometam a segurança alimentar e nutricional das gerações futuras (7). Em suma, o foco unilateral nos aspetos ecológicos da sustentabilidade, como acontece com frequência atualmente, ou uma ênfase unilateral nos pilares socioeconómicos da sustentabilidade não é, por definição, sustentável. O objetivo deve ser abranger toda a cadeia de valor nas três dimensões da sustentabilidade.

3.2.

Um quadro de rotulagem não deve ter por objetivo classificar os alimentos como sustentáveis ou insustentáveis, mas, ao invés, contribuir para o desenvolvimento de um sistema alimentar mais sustentável. O quadro de rotulagem deve ajudar os operadores económicos a avaliarem e melhorarem a sustentabilidade dos produtos (metodologias que incentivam melhorias, por exemplo, um sistema de avaliação comparativa ou um sistema de referência) e fornecer orientações úteis aos consumidores. Esse quadro de rotulagem deve ser desenvolvido de forma aberta e transparente, com a participação das partes interessadas pertinentes, e basear-se numa metodologia clara e em dados científicos. Para o efeito, as empresas devem ter acesso aos indicadores, às metodologias e aos resultados obtidos com base no sistema de rotulagem. O quadro de rotulagem, acima de tudo, deve ser simples.

3.3.

São necessárias regras claras para minimizar a situação confusa que existe atualmente no mercado devido à utilização excessiva do termo «sustentável» (uma forma de branqueamento ecológico). Há que proibir os rótulos ou as informações em matéria de sustentabilidade que não assentem num sistema de certificação amplamente reconhecido.

3.4.

A rotulagem dos alimentos sustentáveis deve ter por base todo o processo de produção e ser inicialmente voluntária. No entanto, é essencial que o quadro para a rotulagem dos alimentos sustentáveis se baseie, desde o início, numa definição/metodologia clara, assente simultaneamente nos três pilares da sustentabilidade (ambiental, social e económico). Tal condição deve abranger toda a cadeia de valor alimentar, da produção ao consumo. Posteriormente, importará avaliar a necessidade de tornar obrigatória a rotulagem em matéria de sustentabilidade. O quadro da UE deve deixar espaço suficiente para a configuração de sistemas nacionais e regionais, mas as definições e regras de avaliação devem ser harmonizadas em toda a UE.

3.5.

Ainda assim, importa não sobrevalorizar o papel da rotulagem e pugnar por uma compreensão realista e pragmática do que a rotulagem da sustentabilidade pode e não pode alcançar. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, para que a rotulagem ajude os consumidores a comprarem alimentos com conhecimento de causa e a optarem por regimes alimentares mais saudáveis, importa que estes conheçam e reconheçam a rotulagem, compreendam o seu significado, sejam capazes de utilizá-la corretamente e estejam interessados na sua utilização (8). Será importante sensibilizar para os sistemas de rotulagem da UE em matéria de sustentabilidade e de qualidade. Essa sensibilização, acompanhada de medidas de contratação pública e educação, pode fazer aumentar a procura de alimentos sustentáveis. Os responsáveis políticos devem também estudar medidas adequadas para tornar os alimentos sustentáveis mais acessíveis, inclusivamente em termos de preços.

3.6.

A rotulagem da sustentabilidade reveste-se de grande importância quando o produtor não pode fornecer diretamente as informações necessárias. Se o produtor puder fornecer as informações pertinentes diretamente ao consumidor (por exemplo, num mercado agrícola local ou num ponto de venda numa exploração agrícola), não é necessário um sistema de rotulagem. Este aspeto é igualmente importante para evitar encargos burocráticos para os pequenos produtores.

3.7.

A educação é crucial para a promoção de uma compreensão básica das questões de sustentabilidade relacionadas com os alimentos. Cumpre investir, desde a mais tenra idade, na educação para uma alimentação sustentável para que as crianças aprendam a apreciar o valor da nutrição. Além disso, pode esperar-se que as crianças «eduquem» posteriormente os pais para que estes adotem comportamentos mais sustentáveis, como aconteceu, por exemplo, com a «separação e reciclagem de resíduos». O regime de ajuda da UE para distribuição nas escolas de fruta, produtos hortícolas e leite também deveria destacar aspetos importantes relacionados com a sustentabilidade.

3.8.

O CESE reitera a sua recomendação no sentido de elaborar novas orientações para regimes alimentares sustentáveis que tenham em conta as diferenças culturais e geográficas entre os Estados-Membros e no interior de cada um deles. Essas orientações confeririam uma direção mais clara para os agricultores, os transformadores, os retalhistas e o setor da restauração. O sistema agroalimentar beneficiaria de um novo «quadro» para produzir, transformar, distribuir e vender alimentos mais saudáveis e mais sustentáveis a um preço mais justo (9).

4.   Observações na especialidade

4.1.

Os hábitos alimentares das pessoas são diferentes e fortemente influenciados pelo seu ambiente pessoal e cultural. Além disso, os hábitos alimentares estão muito enraizados nas pessoas e, por conseguinte, mudar um regime alimentar é sempre um processo longo, feito de pequenos passos. Os estilos de vida e o ambiente social das pessoas são outros fatores relevantes que determinam se a sustentabilidade desempenha um papel nos padrões de consumo. No entanto, uma percentagem cada vez mais elevada de consumidores declara-se disposta a alterar os seus hábitos de consumo por razões de sustentabilidade. Existe um interesse em informação sobre sustentabilidade para permitir escolhas informadas.

4.2.

De uma forma mais geral, a rotulagem da sustentabilidade suscita amiúde o interesse das pessoas já sensibilizadas para essa questão, pelo que deverá facilitar as decisões de consumo sustentável desse grupo essencial.

4.3.

Assim, a questão que se coloca é a de saber se é possível chegar às pessoas que não se interessam pelo tema da sustentabilidade e de que forma fazê-lo. Graças ao exemplo de grupos interessados em sustentabilidade, é possível levar outras pessoas a mudar o seu comportamento por imitação. É também um progresso quando grupos-alvo que não estão tão interessados nesta questão fazem escolhas alimentares sustentáveis, pelo menos ocasionalmente ou em algumas áreas. Estes são apenas alguns aspetos para assegurar, logo à partida, expectativas realistas quanto à rotulagem da sustentabilidade.

4.4.

Há dois pré-requisitos essenciais para o êxito da rotulagem dos alimentos sustentáveis: assegurar a sensibilização dos consumidores para obter a sua aceitação e veicular uma mensagem compreensível. A rotulagem em si deve ser compreensível, simples e fiável. Ao mesmo tempo, cumpre adotar medidas de acompanhamento do lado do consumidor para promover a educação e a informação sobre a nutrição sustentável, reforçar a confiança e a aceitação num sistema de rotulagem e incentivar um consumo mais sustentável.

4.5.

A informação sobre sustentabilidade deve assentar nos seguintes princípios: fiabilidade, transparência, relevância, acessibilidade e clareza (ver as Orientações das Nações Unidas para a prestação de informações sobre a sustentabilidade dos produtos (10)). Importa assegurar que o sistema de certificação tem devidamente em conta o contexto estrutural, a fim de não penalizar as pequenas estruturas, tais como agricultores, PME, venda direta de produtos agrícolas, mercados semanais, etc.

4.6.

A rotulagem assente numa escala de classificação (por exemplo, sob a forma de um código de cores semelhante ao dos semáforos) poderia ajudar os consumidores a fazer escolhas informadas. Esse tipo de sistema pode também promover a liderança em matéria de sustentabilidade e incentivar as empresas a melhorarem os respetivos processos ao longo da cadeia alimentar. No entanto, para não gerar confusão, haverá que assegurar um certo grau de coerência entre os vários sistemas de rotulagem.

4.7.

O desenvolvimento de um quadro de rotulagem apropriado em matéria de sustentabilidade deve, tanto quanto possível, adotar uma abordagem global, no sentido de uma «produção e consumo sustentáveis», em vez de apenas «alimentos sustentáveis». O comportamento do consumidor constitui um elemento essencial de um sistema alimentar sustentável no seu conjunto. A embalagem e o transporte (origem do produto) também são importantes. Ao mesmo tempo, será necessário definir com um certo pragmatismo os indicadores pertinentes para a sustentabilidade (por exemplo, que informação/dados estão disponíveis de uma forma fiável). Em qualquer caso, cabe elaborar o mais rapidamente possível um conjunto harmonizado de regras para a rotulagem da sustentabilidade, uma vez que há cada vez mais rótulos de sustentabilidade diferentes a nível nacional e comercial que apenas geram confusão, levando a uma perda de confiança.

4.8.

As empresas europeias no setor retalhista alimentar já ganharam alguma experiência com projetos-piloto sobre a rotulagem dos alimentos sustentáveis. As conclusões preliminares mostram nomeadamente que a perceção dos produtos rotulados tende a ser mais positiva do que a dos produtos não rotulados, embora com pouca influência na decisão de compra, que as reações positivas vêm principalmente dos grupos-alvo mais jovens, que por vezes se confunde o Nutriscore com outros sistemas de pontuação, e que alguns consumidores preferem que a informação se encontre na embalagem (em vez de apenas na etiqueta do preço). Os pontos essenciais parecem ser, entre outros, a credibilidade do sistema de avaliação (independente, assente na ciência), a clareza da informação (compreensibilidade), uma abordagem o mais harmonizada possível em todo o setor e a transparência («clarificar» em vez de «simplificar», por exemplo, através de um código de barras que remeta para a informação pertinente).

4.9.

É igualmente fundamental ter em conta a dimensão social e socioeconómica, embora não seja evidente obter os indicadores pertinentes necessários. No setor social em particular, aplicam-se disposições jurídicas diferentes nos Estados-Membros (condições de trabalho, salário mínimo), o que poderá dificultar a adoção de uma abordagem harmonizada a nível da UE. Não obstante, é importante incluir a dimensão socioeconómica na rotulagem da sustentabilidade.

4.10.

No âmbito de uma abordagem pragmática, afigura-se evidente reconhecer os sistemas de certificação existentes na UE, como a produção biológica, a indicação geográfica protegida (IGP), a denominação de origem protegida (DOP) ou a especialidade tradicional garantida (ETG) para promover a sustentabilidade do sistema alimentar. Embora possam não abranger completamente a questão da sustentabilidade, esses sistemas contêm elementos que contribuem para uma maior sustentabilidade do sistema alimentar. Importa proceder a uma verificação da sustentabilidade dos regulamentos em vigor e, se necessário, adotar disposições adequadas para os completar.

4.11.

Os produtos locais ou regionais e as cadeias de abastecimento curtas podem ajudar a tornar os sistemas alimentares mais sustentáveis. Os produtores regionais produzem frequentemente nas imediações da população local e estão, por conseguinte, sujeitos a um certo «controlo social», o que poderá promover métodos de produção sustentáveis.

4.12.

A sazonalidade influencia o grau de sustentabilidade, especialmente no caso da fruta e dos legumes. A informação e a educação podem sensibilizar mais para a necessidade de um consumo pobre em recursos dessa categoria de alimentos rapidamente perecíveis e ricos em água.

4.13.

A reforma recente da PAC e a aplicação do Pacto Ecológico Europeu (Estratégia de Biodiversidade, Estratégia do Prado ao Prato) na agricultura europeia visam tornar a produção agrícola na Europa ainda mais sustentável. Por conseguinte, a rotulagem da origem das matérias-primas agrícolas também permitirá tirar conclusões sobre o seu nível de sustentabilidade.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/food/horizontal-topics/farm-fork-strategy_en

(2)  Parecer de iniciativa do CESE — Contributo da sociedade civil para o desenvolvimento de uma política alimentar global na UE (JO C 129 de 11.4.2018, p. 18).

(3)  Parecer de iniciativa do CESE — Promoção de regimes alimentares saudáveis e sustentáveis na UE (JO C 190 de 5.6.2019, p. 9).

(4)  Parecer de iniciativa do CESE — Promover cadeias de abastecimento alimentar alternativas e curtas na UE: o papel da agroecologia (JO C 353 de 18.10.2019, p. 65).

(5)  Parecer de iniciativa do CESE — Rumo a uma estratégia da UE para o consumo sustentável (JO C 429 de 11.12.2020, p. 51).

(6)  Parecer de iniciativa do CESE — Alinhar as estratégias e as operações do setor alimentar pelos ODS para uma recuperação sustentável pós-COVID-19 (JO C 152 de 6.4.2022, p. 63).

(7)  https://www.fao.org/in-action/territorios-inteligentes/componentes/produccion-agricola/contexto-general/en/

(8)  https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336988/WHO-EURO-2020-1569-41320-56234-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y

(9)  Parecer de iniciativa do CESE — Promoção de regimes alimentares saudáveis e sustentáveis na UE (JO C 190 de 5.6.2019, p. 9).

(10)  https://www.oneplanetnetwork.org/knowledge-centre/resources/guidelines-providing-product-sustainability-information


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/102


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma visão estratégica da transição energética tendo em vista a autonomia estratégica da UE

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/15)

Relatores:

Thomas KATTNIG

Lutz RIBBE

Tomasz Andrzej WRÓBLEWSKI

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

4.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

197/9/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

No final de 2021, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) decidiu desenvolver uma visão abrangente para a transição energética. Em 18 de janeiro de 2022, o CESE decidiu que todas as secções e a CCMI deveriam contribuir com pareceres de iniciativa sobre vários aspetos da transição energética para um parecer global sobre uma visão estratégica da transição energética para permitir o desenvolvimento sustentável.

No entanto, a situação atual na Ucrânia, após a invasão militar pela Federação da Rússia, colocou a transição energética no topo da lista de prioridades, dadas as suas consequências sem precedentes no aprovisionamento energético da UE e nos preços da energia.

À luz da crise atual, e tendo em conta o objetivo de pôr termo à dependência da UE em relação ao gás russo até 2030, o presente parecer apresenta uma visão abrangente para a transição energética, a fim de construir e promover a autonomia estratégica da UE no domínio da energia.

Tendo em vista desenvolver uma visão estratégica a longo prazo, o presente parecer-quadro resume:

as conclusões e recomendações dos pareceres de iniciativa setoriais (1);

as conclusões dos pareceres sobre o REPowerEU e o plano REPowerEU e as próximas propostas legislativas; e

as conclusões e recomendações de pareceres anteriores do CESE.

1.2.

O CESE chama a atenção para o risco de a combinação de efeitos económicos e sociais da atual crise energética colocar o sistema democrático sob pressão caso não sejam encontradas soluções adequadas. Por conseguinte, o CESE apoia a aplicação de medidas imediatas para dar resposta às questões mais prementes, em particular para garantir a segurança do aprovisionamento a preços tão acessíveis quanto possível, tanto para os consumidores individuais como para a indústria, que estão a ser duramente afetados pelos aumentos drásticos dos preços.

1.3.

As alterações climáticas são cada vez mais uma dura realidade na Europa. Além disso, a atual crise energética, agravada pela invasão agressiva da Ucrânia pela Rússia, demonstra claramente que, embora tanto as medidas como os objetivos propostos no âmbito da União Europeia da Energia e do Pacto Ecológico sejam, na sua essência, corretos, não são suficientemente ambiciosos, e ainda não bastam para conduzir a Europa a uma autonomia energética estratégica segura, sustentável e competitiva. Acima de tudo, ainda são abordados de forma demasiado receosa, sendo necessária uma mudança de paradigma a este respeito.

1.4.

Há que identificar o potencial da Europa no domínio das energias renováveis da forma tão precisa quanto possível e transmiti-lo amplamente, a fim de promover um entendimento comum sobre em que medida é possível alcançar a independência em relação às importações de energia. Em especial, há que ter em conta a eletrificação dos setores do aquecimento e dos transportes e a necessidade de produzir hidrogénio verde a nível nacional.

1.5.

Para além da necessidade de se explorar este potencial o mais rapidamente possível, é importante tirar partido do potencial de poupança de energia de forma ainda mais vigorosa. Na situação atual, poupar energia é a melhor forma de conseguir efeitos imediatos.

1.6.

Ao mesmo tempo, serão necessárias medidas a curto e, possivelmente, a médio prazo para compensar as ruturas no aprovisionamento energético proveniente da Rússia. As importações de gás natural liquefeito (GNL) são uma dessas medidas. No entanto, o CESE reputa importante evitar novas dependências a longo prazo em relação a combustíveis fósseis. Este aspeto deve ser tido em conta de antemão no ciclo de investimento. De modo geral, o objetivo não é diversificar as dependências, mas alcançar o nível mais elevado possível de «autonomia estratégica».

1.7.

Esta transformação é não só um grande desafio técnico, como também envolve questões estruturais. No futuro, a produção de energia será muito mais descentralizada do que no passado, oferecendo oportunidades aos municípios e regiões e a outras novas partes interessadas, por exemplo, micro, pequenas e médias empresas (MPME) e prossumidores individuais e comunitários. O CESE considera que os decisores políticos ainda não apresentaram indicações ou medidas claras sobre a forma como os consumidores de energia, em particular, se podem tornar novos intervenientes. Salientou em muitos dos seus pareceres que a aceitação da população é uma condição essencial para assegurar uma transformação rápida e que os direitos e as oportunidades de participação são as melhores formas de conseguir essa aceitação. Por conseguinte, não se trata apenas de saber onde e a partir de que fonte a energia é produzida, mas também quem pode ganhar dinheiro com a energia. O CESE reitera o seu apelo à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que prestem informação abrangente e direcionada e realizem ações de sensibilização, de forma coordenada e complementar, em conjunto com organizações empresariais, associações setoriais, parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes (2).

1.8.

O CESE reitera a sua convicção, expressa em pareceres anteriores, de que não só se impõe utilizar os fundos no âmbito da política de coesão social e regional e a ajuda à reconstrução para apoiar a ação climática e a transição energética, como é também necessário configurar uma política climática e energética que promova a coesão social e regional.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE chama a atenção para o risco de a combinação de efeitos económicos e sociais da atual crise energética colocar o sistema democrático sob pressão caso não sejam encontradas soluções adequadas. Por conseguinte, o CESE apoia a aplicação de medidas imediatas para dar resposta às questões mais prementes, em particular para garantir a segurança do aprovisionamento a preços tão acessíveis quanto possível, tanto para os consumidores individuais como para a indústria, que estão a ser duramente afetados pelos aumentos drásticos dos preços.

2.2.

As consequências da crise climática estão a ter um impacto maciço na Europa e no mundo. O CESE reitera o seu firme apoio aos objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico, ao reforço da autonomia estratégica no aprovisionamento de energia e à transição para uma economia sustentável e com impacto neutro no clima. A «guerra energética» iniciada pela Rússia torna ainda mais clara a necessidade de acelerar vigorosamente a transformação iniciada com o Pacto Ecológico. O plano REPowerEU e outras iniciativas propostas pela Comissão permitem adaptar o Pacto Ecológico em conformidade, mas ainda não são suficientemente ambiciosas.

2.3.

É importante ter em conta a dimensão social em todas as medidas previstas no âmbito da transição energética. Por um lado, tal mostra-se necessário para não comprometer a aprovação, pela sociedade, das alterações necessárias e para assegurar uma transição justa. Por outro lado, esta transformação possibilitará igualmente desenvolvimentos positivos na economia regional, incluindo novos postos de trabalho (3), o que promoverá a aceitação. Enquanto representante da sociedade civil, o CESE tem frequentemente formulado orientações sobre a forma como se deve envolver os cidadãos, para que estes possam beneficiar da «transformação justa». Infelizmente, estas orientações têm sido, na sua maioria, ignoradas, o que pode conduzir a maiores dificuldades de aceitação.

2.4.

O CESE considera que a competitividade da economia europeia, em especial do setor industrial e das MPME enquanto motores da inovação sustentável, deve e pode ser salvaguardada. Os modelos inteligentes de utilização de energia — por exemplo, as centrais elétricas virtuais — oferecem oportunidades de crescimento consideráveis para as empresas de menor dimensão. Uma vez que as MPME são uma parte essencial da solução para uma economia competitiva, circular, inclusiva e com impacto neutro no clima na UE, importa criar e manter as condições adequadas com formas específicas de apoio e condições-quadro. Tal é necessário para assegurar e criar crescimento económico e emprego de elevada qualidade.

2.5.

Embora a UE seja pioneira na redução das emissões de CO2, outros intervenientes devem participar na ação climática. A União Europeia deve intensificar os seus esforços diplomáticos, iniciar novas formas de cooperação e utilizar instrumentos, como acordos de comércio e cooperação, para persuadir países terceiros a envidarem mais esforços para responder a esta crise. Ao mesmo tempo, a UE deve efetuar um debate sobre a oportunidade de transferir as cadeias de abastecimento industrial para a Europa, a fim de reduzir a dependência dos fornecedores chineses — por exemplo, no setor dos módulos fotovoltaicos e das baterias — e, ao mesmo tempo, assegurar uma cadeia de abastecimento plenamente sustentável, incluindo em termos de política social e de respeito pelos direitos humanos.

2.6.

A atual crise (dos preços) da energia e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade. O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação REPowerEU e no plano REPowerEU para intensificar a produção de energia verde, diversificar a oferta e reduzir a procura de gás russo, uma vez que as soluções que apresentam estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia. Na sua opinião, o objetivo principal não deve ser a diversificação das dependências, mas sim, se possível, a «autonomia e a independência energética estratégica». O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás russo, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências de países terceiros que não partilham os valores europeus.

2.7.

A situação dos mercados da energia em agosto de 2022 deixou claro que nenhuma fonte de energia é sempre fiável a 100 %. Por exemplo, durante vários meses, um número considerável de centrais nucleares francesas não esteve ligado à rede por motivos relacionados com a manutenção, com o impacto das alterações climáticas ou com outros problemas. A produção de eletricidade a partir do carvão não só teve um impacto significativo na crise climática como também está a sofrer os seus efeitos diretos: devido aos níveis baixos de água do Reno causados pela seca, as centrais a carvão deixaram de poder ser abastecidas. Por razões semelhantes, a energia hidroelétrica também se tornou menos estável, como demonstra, por exemplo, o caso de Itália. Além disso, o gás natural, quer seja transportado sob a forma gasosa ou líquida, não só é nocivo para o clima como também comporta enormes riscos geopolíticos. Por outras palavras, no momento de considerar a futura política energética da UE, a energia eólica e a energia solar destacam-se como fontes energéticas estratégicas e viáveis no cabaz energético diversificado e seguro a que todos os Estados-Membros aspiram atualmente. Para compensar as variações destas duas fontes de energia, importa dispor, antes de mais, de instalações de armazenamento e, em segundo lugar, de hidrogénio verde, que permite armazenar a energia eólica e solar a longo prazo. A questão decisiva para a autonomia estratégica da Europa diz respeito à quantidade de hidrogénio verde que pode ser produzida na Europa e à quantidade que deve ser importada. Neste momento de transição, devemos apontar para a fonte relativamente mais fiável e mais eficiente do ponto de vista climático.

2.8.

Os acontecimentos das últimas décadas e, sobretudo, os do passado recente, são demonstrativos do risco de ciberataques e atos de sabotagem a infraestruturas críticas, como a rede de energia ou as centrais elétricas. A falha ou a perturbação destas infraestruturas pode causar uma escassez de oferta devastadora e ameaçar a segurança pública. As infraestruturas críticas como as redes de gás e eletricidade, os cabos de dados submarinos, as instalações no mar, bem como os parques eólicos terrestres e os terminais de GNL, as centrais a carvão ou nucleares, os transportes e o tráfego, assim como os serviços de saúde, financeiros e de segurança, podem ser alvos de ciberataques ou sabotagem. É do interesse de toda a Europa proteger melhor esta infraestrutura crítica. A UE deve estar mais bem preparada para potenciais ataques deste tipo. Por conseguinte, o CESE solicita uma avaliação crítica imediata das medidas adotadas até à data, bem como a elaboração de uma estratégia global para proteger a UE contra ameaças como as catástrofes naturais, a sabotagem e os ciberataques. Neste contexto, recomenda que qualquer investimento estrangeiro em setores estratégicos na União esteja em conformidade com a política de segurança da UE.

2.9.

O CESE congratula-se com a criação de um Fundo Social para o Clima (4). No entanto, está convicto de que o fundo não proporciona apoio financeiro suficiente para enfrentar de forma responsável os efeitos socioeconómicos. O enorme desafio que representa conceber um mecanismo de compensação eficaz e equitativo num espaço económico heterogéneo composto por 27 Estados-Membros requer medidas de acompanhamento de maior alcance e recursos ao nível nacional e da UE.

2.10.

A escalada dos preços da energia demonstrou que o mercado energético atual é apenas parcialmente sustentável. A própria presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, referindo-se aos preços transfronteiriços baseados nos custos cotados nas bolsas europeias de eletricidade, afirmou que esse sistema deixaria de funcionar se o volume de eletricidade verde continuasse a aumentar. É necessário fazer perguntas fundamentais sobre o futuro energético, com vista a assegurar um aprovisionamento de energia ecológico, a preços acessíveis e fiável, bem como o direito à energia. O CESE considera que a forma como o mercado da energia é concebido e regulamentado deve ser adaptada às novas realidades das energias renováveis predominantes, criando simultaneamente as condições necessárias para a indústria, as MPME e os intervenientes individuais, bem como para a criação de novas oportunidades de participação para os prossumidores, as comunidades de cidadãos para a energia, etc., e reforçando simultaneamente a proteção adequada dos consumidores. Na reconfiguração do mercado, deve ser dada especial atenção à prevenção dos obstáculos estruturais ao acesso ao mercado por parte dos pequenos intervenientes. Tal aplica-se, por exemplo, ao acesso à energia de compensação e, se necessário, aos mercados de capacidades, que podem ser necessários para garantir a segurança do aprovisionamento.

2.11.

A fim de assegurar que os preços da energia sejam socialmente aceitáveis e, mais uma vez, competitivos, abrindo simultaneamente o caminho para uma liderança contínua da UE na utilização das energias renováveis, o CESE apela para a simplificação e agilização dos procedimentos de licenciamento no domínio das energias renováveis, uma vez que estes são vistos como o principal obstáculo a uma implantação mais rápida das fontes de energia renováveis. Ao mesmo tempo, é necessário melhorar significativamente as condições-quadro para as medidas de descentralização, as cooperativas de energia e todas as formas de «prossumo».

2.12.

O CESE apoia vivamente a proposta da Comissão sobre o armazenamento de gás e o regulamento relativo à coordenação das medidas de redução da procura de gás. Convida as instituições a:

complementarem a proposta com um instrumento de investimento a curto prazo destinado a apoiar o investimento em infraestruturas preparadas para o hidrogénio, tais como interligações e instalações de armazenamento,

ponderarem a utilização de instalações de armazenamento de gás em países terceiros vizinhos,

estabelecerem planos para cada Estado-Membro, a fim de evitar uma repartição desequilibrada dos encargos a nível regional.

2.13.

O CESE salienta que a criação paralela de infraestruturas centralizadas e descentralizadas é problemática e que existe um risco de maus investimentos. Por exemplo, existem utilizações potenciais concorrentes para uma rede de gasodutos de hidrogénio à escala nacional e a expansão das redes de aquecimento urbano a frio. Por conseguinte, o CESE apelou para que se tomem decisões fundamentais acertadas no interesse da segurança dos investimentos (5).

3.   A transição energética como estratégia global na UE e no contexto internacional

3.1.

A agressão russa provocou uma crise geopolítica mundial, que está a ter um impacto exponencialmente crescente tanto no equilíbrio económico como na segurança energética mundial. Pôs em causa décadas de políticas em matéria de energia, defesa e relações externas, obrigando a UE a reavaliar os seus planos e as medidas tomadas até ao momento, demasiado hesitantes em matéria de transformação ecológica e digital, e a ter em conta as ramificações que a invasão russa e as sanções impostas terão na continuação da transição energética do mundo.

3.2.

A dependência de importações de energia primária provenientes de países terceiros tornou-se uma ameaça direta à segurança e à estabilidade da UE, motivo pelo qual a Comissão Europeia propôs rapidamente a adoção de um conjunto de medidas que adaptam a política energética europeia à atual situação geopolítica no âmbito do plano REPowerEU. A proposta de regulamento relativo à segurança do aprovisionamento de gás e às condições de acesso às redes de transporte de gás natural reclassifica, por exemplo, o armazenamento de gás como uma infraestrutura energética crítica e impõe a certificação obrigatória dos operadores das instalações de armazenamento de gás e objetivos de enchimento para ajudar a UE a voltar a ter o controlo do seu mercado da energia. O CESE saúda todas estas medidas que devem, efetivamente, contribuir para que a UE recupere o controlo do seu mercado da energia.

3.3.

Ao mesmo tempo, tendo em conta as tensões políticas atuais, o CESE considera necessário cooperar ainda mais ativamente com vários países que estão em condições de fornecer energia a curto prazo à Europa, até à entrada em vigor da expansão maciça das energias renováveis prevista pela Comissão. Tais países incluem os Estados Unidos e, em diferentes graus, países sul-americanos e africanos, cujas exportações de combustíveis fósseis, que se tornaram necessárias a curto prazo, devem ser acompanhadas da transferência de conhecimentos e do desenvolvimento de tecnologias de energias renováveis, a fim de acelerar a atenuação das alterações climáticas também nesses países.

4.   Criar um ambiente propício à transição energética

4.1.   Investimento público

4.1.1.

A fim de satisfazer a crescente procura de eletricidade e cumprir as metas climáticas, é necessário duplicar o investimento na rede elétrica, para 55 mil milhões de euros por ano, e aumentar os fundos para a construção de capacidades de produção limpas para 75 mil milhões de euros por ano (6). Neste contexto, o investimento público em sistemas de energia inteligentes e renováveis, bem como em infraestruturas de armazenamento, é muito importante para garantir a segurança do aprovisionamento, combater a pobreza energética, proporcionar preços acessíveis e criar emprego de alta qualidade.

4.1.2.

O CESE recomenda, mais uma vez, a aplicação da «regra de ouro» ao investimento público, tal como adotada no Parecer ECO/569 (7), desde que mantida a estabilidade orçamental a médio prazo e preservado o valor do euro, a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica, em prol do bem-estar das gerações futuras.

4.1.3.

Os mecanismos de financiamento misto com investidores privados só são uma opção se for possível assegurar que a atribuição é transparente, que não existem cláusulas de confidencialidade e que o setor público não incorre em quaisquer custos injustificados em comparação com o financiamento público. Deve haver total transparência relativamente aos custos adicionais justificados. Por conseguinte, é ainda mais importante definir claramente os direitos e as obrigações nesses modelos de financiamento misto, clarificar as questões de responsabilidade e prever um sistema eficiente e rápido de resolução de conflitos, a fim de evitar custos adicionais a longo prazo e problemas em matéria de responsabilidade.

4.1.4.

No que diz respeito à futura conceção de sistemas energéticos e respetivas infraestruturas, o CESE tem sublinhado repetidamente a importância da participação ativa de todos os consumidores — agregados familiares, empresas e comunidades da energia — no desenvolvimento de sistemas energéticos inteligentes e da criação de incentivos para que a sociedade civil possa participar na transição energética. Manifestamente, o papel dos particulares, dos agricultores, dos municípios, das MPME ou das comunidades de cidadãos para a energia no financiamento das medidas é completamente subestimado. O CESE salienta, por exemplo, que mais de 90 % da potência instalada na Alemanha não se deve a grandes empresas fornecedoras de energia. Não existe uma estratégia para explorar todo o potencial e vontade que existe.

4.1.5.

A legislação europeia sobre energia não reconhece a ação climática como um objetivo da regulamentação da rede. Consequentemente, as entidades reguladoras nacionais também têm dificuldade em conceder incentivos para a reestruturação, a expansão e a modernização das redes de distribuição de eletricidade que satisfaçam os requisitos de neutralidade climática. A legislação europeia sobre energia deve, por conseguinte, mencionar expressamente a neutralidade climática como um objetivo da regulamentação da rede.

4.1.6.

A Comissão salienta, com razão, que o investimento público pode e deve mobilizar o investimento privado. Mas o plano REPowerEU não aborda o refinanciamento dos respetivos fundos públicos. A eliminação dos subsídios aos recursos fósseis seria uma abordagem possível para organizar esse processo, tal como a tributação dos enormes lucros inesperados gerados pela grande crise do petróleo e do gás, de que beneficiaram em particular as grandes empresas petrolíferas e algumas empresas do setor da energia. O CESE está preocupado com o risco de os lucros extremamente elevados das empresas de energia, por um lado, e o aumento da pobreza energética causado pela explosão dos preços da energia, por outro, se transformarem num barril de pólvora social. O CESE propõe que estes lucros sejam reduzidos com a ajuda de medidas de tributação e convertidos em compensações financeiras para os consumidores de energia, por exemplo, agregados familiares financeiramente mais vulneráveis ou empresas com utilização intensiva de energia, e utilizados para expandir a produção de energias renováveis e criar as infraestruturas de rede necessárias, especialmente porque esta possibilidade já está a ser equacionada ou já existe em alguns Estados-Membros. O CESE considera que a definição dessa tributação requer muito cuidado para não desencorajar as empresas do setor da energia de investirem em soluções hipocarbónicas. O CESE insta a Comissão a propor as respetivas medidas sem mais demoras.

4.1.7.

A política de aprovisionamento deve ser acompanhada por infraestruturas que permitam o fluxo significativo de eletricidade e gás no mercado europeu e que garantam a estabilidade da rede. O CESE está convicto de que importa ter especialmente em atenção a classificação da expansão da rede enquanto interesse público superior, a inclusão da ação climática como um objetivo da regulamentação e, em geral, uma melhor sincronização no planeamento das energias renováveis e da rede elétrica. Neste contexto, é imprescindível dispor de orientações concretas a nível europeu.

4.2.   Fundo de ajustamento às alterações climáticas

4.2.1.

O mecanismo da UE em vigor para resposta a catástrofes naturais é o Fundo de Solidariedade da União Europeia (FSUE). No entanto, o orçamento anual disponível do FSUE é insuficiente devido ao elevado custo dos danos (8) provocados pelas recentes catástrofes naturais e tem de ser drasticamente aumentado. O financiamento da UE destinado à transição para energias ecológicas é mais substancial, mas não tem em consideração a urgência das necessidades atuais da UE em matéria de autonomia energética ecológica.

4.2.2.

Na opinião do CESE, a UE necessita de um novo mecanismo de financiamento que possa prestar apoio imediato e substancial aos Estados-Membros em situações de emergência deste tipo. Por conseguinte, propõe a criação de um novo Fundo de ajustamento às alterações climáticas. Este financiamento deve ser redirecionado dos fundos da UE existentes, nomeadamente do Fundo de Coesão e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), mas gerido de forma otimizada e coerente através deste novo fundo.

4.2.3.

Na modernização do quadro de financiamento, o âmbito dos programas existentes pode também ser alargado, os seus recursos aumentados e o Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next GenerationEU) considerado um modelo para um novo instrumento de financiamento. O CESE salienta que pode ser necessário criar novos recursos para dar resposta aos enormes desafios que enfrentamos. No entanto, quaisquer novos «recursos próprios» devem ser concebidos de forma justa, a fim de evitar sobrecarregar ainda mais os grupos desfavorecidos. Além disso, não devem prejudicar o desenvolvimento económico.

4.2.4.

É crucial que o funcionamento do fundo de ajustamento às alterações climáticas, mais centrado em respostas céleres e urgentes, seja coerente com as políticas abrangentes da UE em matéria de clima, ambiente e energia, que a longo prazo reduzirão a dependência de respostas de emergência e protegerão a humanidade e o mundo natural.

4.3.   Promoção das tecnologias

4.3.1.

O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e estável, bem como uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio verde. As tecnologias de armazenamento estão a ser desenvolvidas e as oportunidades oferecidas pela digitalização estão a ser plenamente exploradas. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investigação e desenvolvimento.

4.3.2.

Desde o início da liberalização, o desempenho do investimento das empresas de eletricidade tem vindo a decrescer. A percentagem de investimento público na investigação e no desenvolvimento de tecnologias de descarbonização é menor na UE do que em todas as outras grandes economias, o que compromete a competitividade da UE em tecnologias futuras essenciais. O CESE convida a Comissão a elaborar um plano estratégico de investimento e incentiva os Estados-Membros a utilizarem os fundos de forma otimizada e eficiente para o desenvolvimento de energias limpas. O mesmo se aplica aos investimentos na rede elétrica.

4.3.3.

A descarbonização exigirá uma transformação profunda das atividades industriais (nos próximos 30 anos). Embora já existam muitas tecnologias hipocarbónicas, os seus níveis de maturidade tecnológica (TRL) (9) são baixos. Serão necessários roteiros tecnológicos ambiciosos para expandir e implantar de forma generalizada estas tecnologias revolucionárias, cabendo à UE promover a inovação através dos fundos para o clima e a inovação.

4.3.4.

É incontestável que o hidrogénio verde contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (10) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (11).

4.4.   Apoiar as MPME (12)

4.4.1.

As micro, pequenas e médias empresas (MPME), sejam empresas tradicionais, empresas familiares, operadores de mercado, empresas da economia social, artesanato ou profissões liberais, são uma parte essencial da solução para uma economia da UE competitiva, com impacto neutro no clima, circular e inclusiva, desde que se criem e mantenham as condições ideais. As MPME beneficiam da melhoria do seu próprio desempenho ambiental e da disponibilização de conhecimentos e soluções a outras empresas, ao público em geral e ao setor público. O CESE reconhece e destaca a diversidade e as diferentes necessidades das MPME, ao mesmo tempo que apela para que se conceda atenção especial às empresas mais pequenas e mais vulneráveis.

4.4.2.

Salienta a urgência de apoiar as MPME na compreensão e gestão da transição ecológica da melhor maneira possível. O CESE apela à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que prestem informação abrangente e direcionada e realizem ações de sensibilização, de forma coordenada e complementar, em conjunto com organizações empresariais, associações setoriais, parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes. Em contrapartida, é igualmente necessário destacar o importante papel desempenhado pelas MPME em termos de novas tecnologias e soluções inovadoras para a mudança ecológica na indústria da UE, papel esse que deve ser tido em conta nos critérios de acessibilidade dos programas de financiamento.

4.4.3.

O CESE exorta a UE e os Estados-Membros a acelerarem o investimento ecológico nas MPME, assegurando um quadro regulamentar favorável, previsível e encorajador, que inclua procedimentos harmoniosos para a obtenção de autorizações e evite encargos administrativos onerosos, bem como facultando o acesso rápido, fácil, simples e rastreável a financiamento, adaptado às diferentes necessidades de todos os grupos diversos de MPME.

4.4.4.

Com o intuito de melhorar a eficiência na utilização de recursos pelas MPME, o CESE propõe o estabelecimento de «polos de circularidade» (H4C) em várias regiões. Esta iniciativa deverá reforçar a cooperação entre empresas de todos os setores e facilitar o desenvolvimento de novas práticas e processos, incluindo a demonstração de novas tecnologias. Os procedimentos de contratação pública em toda a UE devem incluir critérios de qualidade relacionados com o clima, sociais e de outra natureza, o que promove a inovação por parte das MPME e facilita o seu acesso aos contratos públicos. As organizações de MPME, as associações setoriais, as instituições académicas, os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes devem ser parte integrante no processo.

4.4.5.

O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de educação e as MPME no sentido de adaptar a formação às necessidades de competências e de aptidões pertinentes para a transição ecológica, nomeadamente através de medidas de requalificação e melhoria das competências tanto dos trabalhadores como dos empresários. Além disso, defende que se preste apoio às atividades de inovação das MPME, incentivando e facilitando a cooperação com outras organizações empresariais, associações setoriais, universidades e organismos de investigação.

5.   Promoção geral de uma transição justa e inclusiva

5.1.   Transição justa

5.1.1.

Uma «transição justa» implica medidas e intervenções de política social que acompanham a transição para uma economia e um sistema de produção sustentáveis e neutros em termos de carbono. O CESE sublinha que a «transição justa» não tem que ver apenas com o financiamento da transição. Também inclui o objetivo de proteger os direitos dos trabalhadores, de criar trabalho digno e empregos de qualidade, assim como segurança social, de reforçar a participação democrática (incluindo ao nível das empresas) e de manter e aumentar a competitividade das empresas europeias, o que requer ações específicas a todos os níveis, especialmente regional.

5.1.2.

O emprego nos setores-chave que são particularmente afetados pela modernização ecológica e pela revolução industrial rumo a uma Europa com impacto neutro no clima enfrenta grandes perturbações, tornando essencial a reconversão profissional e o investimento em educação com vista a empregos ecológicos de alta qualidade. Neste contexto, o intercâmbio atual de conhecimentos e os direitos educacionais são tão pertinentes como a constante promoção da aceitação das mulheres em profissões técnicas.

5.1.3.

As medidas e as várias fases da transição previstas no pacote Objetivo 55 podem conduzir a enormes mudanças na economia e a perturbações sociais. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a prestar mais atenção, no âmbito da avaliação dos planos nacionais integrados em matéria de energia e de clima (PNEC), à adequação das estratégias para uma transição justa e, em particular, a avaliar a consecução dos seguintes objetivos:

facilitar as transições no mundo do trabalho,

apoiar os trabalhadores que perdem os seus empregos em resultado da descarbonização (substituindo, no mínimo, cada posto de trabalho perdido por outro posto de valor equivalente),

desenvolver o potencial económico regional decorrente das energias renováveis e das novas formas de participação e intervenção na produção de eletricidade,

combater eficazmente a pobreza energética.

5.1.4.

O CESE apela para uma cooperação estreita entre os prestadores de serviços de formação e as empresas na conceção de formação que dê resposta às necessidades de aptidões e competências pertinentes para a transformação ecológica da economia, nomeadamente através da melhoria de competência e da requalificação profissional tanto dos trabalhadores como dos empresários.

5.1.5.

O CESE reitera a sua convicção, expressa em pareceres anteriores (13), de que não só se impõe utilizar os fundos no âmbito da política de coesão social e regional e da recuperação para apoiar a ação climática e a transição energética, como é também necessário configurar uma política climática e energética que promova a coesão social e regional. Aliás, tais abordagens já existem, como é o caso dos projetos para a construção de parques solares em antigas minas de lenhite em Portugal e na Grécia ou do apoio estrategicamente orientado para os prossumidores na Lituânia. Não obstante, estes exemplos estão longe de ser a prática geral ou a via principal.

5.2.   Facilitar o investimento privado

5.2.1.

Cada Estado-Membro necessita de programas para o desenvolvimento, da base para o topo, das fontes de energia renováveis, que são indispensáveis para a transformação energética e afetam significativamente tanto a qualidade como, acima de tudo, os preços da energia fornecida. Em resultado do aumento dos preços da energia fornecida pelas redes nacionais de eletricidade, já existe uma tendência para satisfazer de forma independente as necessidades energéticas das empresas, para as quais a energia verde se tornou uma questão de sobrevivência. Muitas empresas estão já a investir de forma dinâmica nas suas próprias fontes renováveis de energia e de calor. Os preços mais baixos destas fontes fazem delas opções atrativas para as empresas e para as comunidades locais, que poderiam utilizar a energia excedentária introduzida na rede elétrica. Infelizmente, em muitas partes da Europa, os sistemas não estão preparados para acolher um grande número de novas instalações e, como tal, há que desenvolvê-los. Além disso, muitas vezes, esses investimentos privados não precisariam de visar apenas as necessidades de uma única empresa, podendo proporcionar benefícios às comunidades locais.

5.2.2.

O problema do desenvolvimento do setor das energias renováveis reside, aparentemente, num aumento dinâmico da potência neste setor durante um período extremamente curto, o que constitui um grande desafio para os sistemas de energia dos Estados-Membros, apesar dos investimentos significativos na modernização da rede e no aumento da capacidade de transporte dos sistemas. A Europa precisa agora de criar comunidades locais de energia, nas quais os órgãos de poder local desempenham um papel preponderante em matéria de investimento. Trata-se das chamadas cooperativas de energia, constituídas com a participação de moradores e frequentemente financiadas por fundos de investimento locais. Esta forma de participação das sociedades locais na transformação energética assegura o apoio a estas iniciativas e minimiza o risco de resistência da sociedade à localização de instalações de produção, distribuição ou transporte de eletricidade nos territórios.

5.2.3.

Importa incluir estas iniciativas nos regulamentos da UE o mais rapidamente possível e prever um sistema de financiamento estatal para este tipo de investimentos. Neste caso, a comercialização de linhas de média e baixa tensão na rede elétrica é essencial para assegurar a participação dos investidores privados na construção da infraestrutura de rede. O número crescente de cidadãos que instalam sistemas fotovoltaicos mostra o grande potencial de investimento da sociedade e dos empresários. Uma legislação adequada neste domínio resolveria tanto os problemas de financiamento como os problemas de ligação desses investimentos ao sistema elétrico.

5.3.   Pobreza energética

5.3.1.

A UE e os seus Estados-Membros devem ter como prioridade absoluta a garantia da igualdade de acesso à energia e a segurança do aprovisionamento energético a preços acessíveis. A escalada dos preços da energia leva a que cada vez mais consumidores e cidadãos da UE sejam afetados pela pobreza energética em toda a Europa. As pessoas que já estavam expostas à pobreza energética assistem a um agravamento da sua situação e os consumidores que, no passado, não tinham dificuldades em pagar as suas faturas de energia estão agora em risco de pobreza.

5.3.2.

Tendo em conta a relevância da questão, o CESE insta a UE a promover uma abordagem comum da pobreza energética. Atualmente, cada Estado-Membro pode definir o conceito de pobreza energética de acordo com os seus próprios critérios. A inexistência de uma abordagem comum pode conduzir a uma situação em que a Comissão não é capaz de avaliar a situação de forma adequada e os Estados-Membros não têm o mesmo entendimento do conceito e procedem de forma diferente. A definição constante da proposta de reformulação da Diretiva Eficiência Energética e os indicadores já estabelecidos pelo Observatório da Pobreza Energética da UE são um bom começo. Atendendo à urgência da questão, o CESE considera que a Comissão e os Estados-Membros têm de promover uma abordagem comum que forneça um entendimento comum específico de pobreza energética e permita a recolha de dados estatísticos.

5.3.3.

O CESE salienta a importância de investir em aprovisionamento de energias justas e eficientes, de molde a minimizar a pobreza energética a longo prazo. Para tal, é importante assegurar que os investimentos em energias renováveis e eficiência energética, bem como renovações abrangentes de edifícios, apoiem os grupos de rendimento mais baixo. Só assegurando que os agregados familiares financeiramente mais vulneráveis dispõem dos meios para realizar os investimentos necessários é que os prossumidores podem alcançar uma «autonomia estratégica» para si próprios ou enquanto parte de uma comunidade — em última análise, a forma mais sustentável de superar a pobreza energética.

5.3.4.

Neste contexto, o CESE recorda a sua posição de que se deve evitar a todo o custo uma sociedade da energia de duas classes. É inaceitável que apenas as famílias munidas de uma boa capacidade financeira e técnica possam beneficiar da transição energética e que todas as outras famílias sejam obrigadas a suportar os custos. Por conseguinte, o CESE apoia os incentivos e os instrumentos de aplicação da Diretiva Eficiência Energética, a fim de ajudar os clientes e agregados familiares vulneráveis, e salienta que metas ambiciosas em matéria de aquecimento/arrefecimento urbano podem agravar as condições da habitação social. Por conseguinte, o Comité congratula-se com a proposta de criação de um Fundo Social para o Clima e apela para o cumprimento do princípio da transição justa, a fim de ter em conta as diferentes situações dos Estados-Membros.

5.3.5.

Uma vez que a pobreza energética decorre da pobreza em geral, é igualmente fundamental que a Comissão e os Estados-Membros prossigam os esforços com vista à redução global da pobreza. Esta crise realça a necessidade de melhorar continuamente o acesso ao emprego e à inclusão social, a fim de assegurar um nível de vida adequado e promover o crescimento económico nos Estados-Membros.

5.4.   Zonas rurais

5.4.1.

O CESE considera que não se prestou a atenção e o apoio que seria de esperar a uma estratégia combinada para a transição energética e a digitalização nas zonas rurais. Solicita que se ponha rapidamente em prática a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais da UE e que se mobilize as partes interessadas através do Pacto Rural da UE.

5.4.2.

O CESE tem salientado reiteradamente que a transição energética (a mudança de grandes instalações de produção centralizadas para estruturas mais descentralizadas) oferece verdadeiras oportunidades de novas fontes de rendimento e de novos empregos nas zonas rurais (14). Também aqui o CESE demonstra a sua grande deceção com as ideias apresentadas até à data pela Comissão Europeia e pelos Estados-Membros.

5.4.3.

Por conseguinte, cabe conferir maior reconhecimento e preponderância ao papel desempenhado pelas comunidades de energia locais e regionais a fim de alcançar uma transição energética justa e promover, concomitantemente, o desenvolvimento comunitário mediante a criação e a expansão de comunidades de cidadãos para a energia, em que participam de forma voluntária cidadãos, órgãos de poder local e MPME, no intuito de gerar benefícios sociais e económicos.

5.4.4.

Em suma, o CESE entende que a implantação de tecnologias digitais nas zonas rurais é um requisito essencial para apoiar a transição energética. O sistema energético rural deve ser descentralizado. Para tal, impõe-se uma maior e melhor interligação, o que, por seu turno, exige a implantação de tecnologias digitais para adaptar a oferta à procura e assegurar fluxos de energia eficientes.

6.   Observações na especialidade

6.1.

A manutenção de uma base industrial sólida na UE garantirá, na sociedade europeia, prosperidade, emprego de qualidade e empenho na luta contra as alterações climáticas. A indústria europeia tem de investir na Europa, tanto em investigação, desenvolvimento e inovação (IDI) como em ativos fixos tangíveis, a fim de manter a sua posição competitiva. Para tal, é necessário um quadro regulamentar adequado.

A indústria da energia representa um setor muito vasto da economia. Este segmento tem a particularidade de ser uma alavanca essencial para os outros setores da economia. No entanto, o setor da energia é, em todos os seus aspetos, um setor muito estereotipado em matéria de género, com os homens em posição dominante, o que implica grandes desequilíbrios profissionais entre homens e mulheres, tanto no setor privado como no setor público da energia (15).

O CESE recomenda:

reforçar e fazer cumprir a legislação em vigor, tanto a nível europeu como nacional, em matéria de igualdade,

criar igualdade de condições na formação profissional no setor da energia nos Estados-Membros e a nível europeu — criar um «colégio europeu de CTEM»,

assegurar a igualdade do mercado de trabalho no setor da energia, explorando oportunidades para as mulheres, evitando simultaneamente que as transições energética e digital se tornem armadilhas para as carreiras e os salários das mulheres, e desenvolvendo o diálogo social e acordos coletivos em matéria de igualdade nas empresas do setor da energia em toda a Europa.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 67, JO C 486 de 21.12.2022, p. 88, JO C 486 de 21.12.2022, p. 53, JO C 486 de 21.12.2022, p. 1, JO C 486 de 21.12.2022, p. 59, JO C 486 de 21.12.2022, p. 23, JO C 486 de 21.12.2022, p. 198.

(2)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 1.

(3)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 1.

(4)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 158.

(5)  Ver JO C 429 de 11.12.2020, p. 85.

(6)  Esta é a conclusão da organização interprofissional do setor da eletricidade Eurelectric.

(7)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 50.

(8)  Uns impressionantes 80 mil milhões de euros na Alemanha em 2021.

(9)  Nível de Maturidade Tecnológica (TRL, do inglês Technology Readiness Level): níveis de maturidade tecnológica são diferentes pontos numa escala utilizada para medir o progresso ou o nível de maturidade de uma tecnologia.

(10)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

(11)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.

(12)  JO C 486 de 21.12.2022, p. 1.

(13)  Ver JO C 47 de 11.2.2020, p. 30 e JO C 62 de 15.2.2019, p. 269.

(14)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 1.

(15)  Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas n.os 5, 7 e 8; Joy Clancy, Universidade de Twente, Give women a chance: engendering the energy supply chain [Dar uma oportunidade às mulheres: conferir uma dimensão de género à cadeia de abastecimento energético].


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 2.6

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

A atual crise (dos preços) da energia e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade. O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação REPowerEU e no plano REPowerEU para intensificar a produção de energia verde, diversificar a oferta e reduzir a procura de gás russo, uma vez que as soluções que apresentam estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia. Na sua opinião, o objetivo principal não deve ser a diversificação das dependências, mas sim, se possível, a «autonomia e a independência energética estratégica». O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás russo, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências de países terceiros que não partilham os valores europeus.

A atual crise (dos preços) da energia e a falta de segurança, estabilidade e previsibilidade do aprovisionamento estão a exercer uma enorme pressão na União Europeia. A crise seria menos grave se tivessem sido tomadas medidas mais específicas mais cedo e, por exemplo, se os próprios objetivos da UE (como os da União Europeia da Energia) tivessem sido encarados com maior seriedade. O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação REPowerEU e no plano REPowerEU para intensificar a produção de energia verde, diversificar a oferta e reduzir a procura de gás russo, uma vez que as soluções que apresentam estão em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e da União Europeia da Energia. Na sua opinião, o objetivo principal deve ser a diversificação dos recursos, assegurando, tanto quanto possível, a «autonomia e a independência energética estratégica» aberta . O CESE adverte que a Europa deve ser particularmente cautelosa quanto aos recursos substitutos do gás russo, tendo em conta o seu impacto no ambiente e as novas dependências de países terceiros que não partilham os valores europeus. Ao mesmo tempo, na situação atual, é necessário manter todas as fontes de energia europeias funcionais, uma vez que, na verdade, o perigo para a Europa neste momento não é o possível impacto ambiental das fontes substitutas, mas a falta de energia e os cortes de eletricidade. Não se pode perder a capacidade de produção de energia que abastece atualmente o mercado europeu da energia.

Resultado da votação

Votos a favor:

77

Votos contra:

113

Abstenções:

14

Ponto 4.3.1

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e estável, bem como uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio verde . As tecnologias de armazenamento estão a ser desenvolvidas e as oportunidades oferecidas pela digitalização estão a ser plenamente exploradas. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investigação e desenvolvimento.

O êxito da transição ecológica na indústria transformadora requer uma base suficiente e estável, bem como uma combinação adequada de energias renováveis para a eletrificação e a produção de hidrogénio. As tecnologias de armazenamento estão a ser desenvolvidas e as oportunidades oferecidas pela digitalização estão a ser plenamente exploradas. Por conseguinte, continua a existir uma necessidade considerável de investigação e desenvolvimento.

Resultado da votação

Votos a favor:

92

Votos contra:

112

Abstenções:

9

Ponto 4.3.4

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

É incontestável que o hidrogénio verde contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (1) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (2).

É incontestável que o hidrogénio contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (1) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (2).

Resultado da votação

Votos a favor:

92

Votos contra:

112

Abstenções:

9

Ponto 1.4

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Há que identificar o potencial da Europa no domínio das energias renováveis da forma tão precisa quanto possível e transmiti-lo amplamente, a fim de promover um entendimento comum sobre em que medida é possível alcançar a independência em relação às importações de energia. Em especial, há que ter em conta a eletrificação dos setores do aquecimento e dos transportes e a necessidade de produzir hidrogénio verde a nível nacional.

Há que identificar o potencial da Europa no domínio das energias renováveis da forma tão precisa quanto possível e transmiti-lo amplamente, a fim de promover um entendimento comum sobre em que medida é possível alcançar a independência em relação às importações de energia. Em especial, há que ter em conta a eletrificação dos setores do aquecimento e dos transportes e a necessidade de produzir hidrogénio a nível nacional.

Resultado da votação

Votos a favor:

92

Votos contra:

112

Abstenções:

9

Ponto 1.6

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Ao mesmo tempo, serão necessárias medidas a curto e, possivelmente, a médio prazo para compensar as ruturas no aprovisionamento energético proveniente da Rússia. As importações de gás natural liquefeito (GNL) são uma dessas medidas. No entanto, o CESE reputa importante evitar novas dependências a longo prazo em relação a combustíveis fósseis. Este aspeto deve ser tido em conta de antemão no ciclo de investimento. De modo geral, o objetivo não é diversificar as dependências, mas alcançar o nível mais elevado possível de «autonomia estratégica».

Ao mesmo tempo, serão necessárias medidas a curto e, possivelmente, a médio prazo para compensar as ruturas no aprovisionamento energético proveniente da Rússia. As importações de gás natural liquefeito (GNL) são uma dessas medidas. No entanto, o CESE reputa importante evitar novas dependências a longo prazo em relação a combustíveis fósseis. Este aspeto deve ser tido em conta de antemão no ciclo de investimento. De modo geral, o objetivo é diversificar as fontes e, ao mesmo tempo, diminuir as dependências elevadas em relação a um único importador , a fim de alcançar o nível mais elevado possível de «autonomia estratégica» aberta .

Resultado da votação

Votos a favor:

77

Votos contra:

113

Abstenções:

14


(1)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

(2)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.

(1)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

(2)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/115


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A importância dos transportes públicos para a recuperação ecológica da Europa

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/16)

Relatora:

Kristina KRUPAVIČIENĖ

Correlatora:

Dovilė JUODKAITĖ

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

4.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

173/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reconhece que os transportes públicos têm um papel fundamental a desempenhar na recuperação ecológica da Europa pós-pandemia. A pandemia funcionou como um catalisador, demonstrando que os transportes públicos prestam um serviço de interesse público e proporcionam aos profissionais de primeira linha e aos grupos vulneráveis acesso aos postos de trabalho e aos serviços. O CESE solicita o reconhecimento da mobilidade como um direito individual e um bem público que deve estar disponível para todos, uma vez que garante o acesso à vida económica, social e cultural. A disponibilização de serviços de transporte público providos de pessoal em número suficiente, acessíveis, a preços comportáveis, seguros e de qualidade para todos deve ser um objetivo prioritário da União Europeia (UE).

1.2.

Ciente da importância dos transportes públicos para os cidadãos, os utilizadores e os trabalhadores, o CESE reitera o seu apelo para uma abordagem participativa do planeamento dos transportes públicos a nível regional, nacional e europeu (1). Trata-se da única forma de assegurar que as estratégias e as medidas de recuperação vão ao encontro das necessidades e das expectativas de todos os que gerem e utilizam os transportes públicos.

1.3.

O CESE observa que o desenvolvimento de um serviço de elevada qualidade é essencial para a recuperação dos transportes públicos pós-pandemia. As boas condições de trabalho, a par da motivação e de uma formação adequada do pessoal, são essenciais para assegurar este nível de serviço. O CESE solicita que os responsáveis políticos a nível local, regional e nacional desenvolvam — com o total apoio dos responsáveis políticos da UE — modelos de negócio conducentes a um sistema de transportes mais inovador e atrativo, que garanta um serviço de elevada qualidade, bem como condições adequadas e proteção social aos trabalhadores.

1.4.

Os transportes públicos constituem um serviço com grande intensidade do fator trabalho, incluindo empregos verdes que não é possível deslocalizar. Os operadores dos transportes públicos estão entre os maiores empregadores nas zonas urbanas, proporcionando emprego a um vasto leque de pessoas e contribuindo para a inclusão dos trabalhadores migrantes no mercado de trabalho. A fim de preservar o caráter social do setor, o CESE insta os decisores políticos a garantirem que os contratos de serviços de transporte público preveem critérios sociais e de qualidade do serviço obrigatórios, como convenções coletivas e mecanismos de resposta adequados para os trabalhadores na sequência de uma mudança de operador. O CESE também exorta os responsáveis políticos a assegurarem a existência de mecanismos de diálogo social sólidos para tornar o setor sustentável do ponto de vista económico e social. O CESE apela igualmente para o pleno cumprimento dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos [Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho (2) ou Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (3)].

1.5.

O CESE chama a atenção para o facto de a consecução de uma mobilidade sustentável exigir um forte compromisso político de todos os intervenientes e a todos os níveis. As instituições da UE devem desempenhar um forte papel de liderança e orientação políticas, estabelecendo metas e objetivos claros e disponibilizando os fundos necessários. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a definir metas quantificáveis e ambiciosas relativas à transição da utilização de automóveis particulares para os transportes coletivos e a mobilidade ativa.

1.6.

O investimento sustentado é fundamental para assegurar o êxito das políticas orientadas para transportes públicos sustentáveis e, consequentemente, da recuperação ecológica. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência disponibilizou recursos financeiros significativos aos Estados-Membros da UE, tendo muitos deles decidido investir nos seus sistemas de transportes públicos. O CESE insta a Comissão a acompanhar e comunicar a forma como estes compromissos estão a ser cumpridos e a assegurar a conciliação da recuperação ecológica com a manutenção e a melhoria dos postos de trabalho, da qualidade do serviço e da inclusão social. O CESE exorta os Estados-Membros a criarem mecanismos participativos para consultar os utilizadores e os parceiros sociais sobre a utilização destes fundos, que são fundamentais para a recuperação dos transportes públicos. O CESE salienta que todos os fundos da UE e públicos afetados ao desenvolvimento de soluções de transporte devem estar associados a critérios relativos à inclusão, à acessibilidade e à sustentabilidade dos transportes.

1.7.

Por conseguinte, o CESE insta os decisores políticos a implementarem, de forma inclusiva e participativa, os processos de transição digital que visam proporcionar o acesso de todos a transportes sustentáveis e justos.

1.8.

O CESE convida a União Europeia e os Estados-Membros a contribuírem para a mudança rumo a modos de transporte mais ecológicos, tornando-os globalmente mais atrativos. A sensibilização para o impacto ambiental dos transportes e das opções de mobilidade pessoais também é importante para promover a transição para transportes públicos e sustentáveis. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a dedicar o ano de 2024 aos transportes públicos, aos seus utilizadores e aos seus trabalhadores.

2.   Antecedentes

2.1.

Os transportes e a mobilidade são parte integrante do quotidiano dos europeus, permitindo a mobilidade de pessoas de todas as camadas sociais e em todos os pontos da Europa. Simultaneamente, a fim de alcançar a neutralidade climática, o Pacto Ecológico Europeu definiu uma meta de redução de 90 % das emissões dos transportes até 2050. Todos os setores dos transportes têm de contribuir para esta redução. O Pacto Ecológico afirma que o «transporte multimodal precisa de um forte impulso», já que tal aumentará a eficiência do sistema de transportes.

2.2.

Na sua Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente, a Comissão estabelece a mobilidade interurbana e urbana sustentável como um projeto emblemático, salientando a necessidade de «[t]ornar a mobilidade justa e equitativa para todos» e aumentar a quota modal dos transportes coletivos, melhorando a multimodalidade sem descontinuidades nas zonas urbanas e suburbanas. A estratégia assinala também o aumento da procura de soluções novas e inovadoras, incluindo os serviços acessíveis a pedido e a mobilidade colaborativa, e destaca a necessidade de melhorar o quadro para a mobilidade urbana.

No seu quadro para a mobilidade urbana (4), a Comissão salienta que a mobilidade urbana representa 23 % da quota-parte crescente dos transportes na utilização de energia e nas emissões de gases com efeito de estufa da UE; as cidades enfrentam os maiores desafios em matéria de qualidade do ar, com concentrações de NO2 e PM10 que excedem os valores-limite da UE; os níveis de congestionamento nas cidades da UE estagnaram ou agravaram-se desde 2013, com custos consideráveis para a sociedade e impactos negativos nas deslocações pendulares diárias; 38 % de todas as mortes e ferimentos graves no transporte rodoviário na UE ocorrem em zonas urbanas; mais de 70 % dos europeus vivem em cidades e esperam soluções para uma mobilidade melhor e mais segura, para os congestionamentos e para a poluição atmosférica e sonora; e 30 % vivem em aldeias, pequenas cidades e zonas periurbanas, estando muitas vezes dependentes do automóvel particular para chegar a nós urbanos próximos;

É necessário adaptar as infraestruturas e os serviços de transportes públicos urbanos para garantir uma melhor acessibilidade, nomeadamente para servir melhor a população em envelhecimento em muitas cidades, bem como as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

2.3.

A Comissão também salienta que é urgente enfrentar as alterações climáticas e destaca o papel da mobilidade na inclusão social e no bem-estar das pessoas, especialmente para os grupos desfavorecidos. Por conseguinte, a Comissão estabeleceu a criação de uma rede de transportes públicos mais robusta como um dos objetivos do seu quadro para a mobilidade urbana.

2.4.

Nos últimos anos, a pandemia foi um fator de mudança no que diz respeito ao crescimento económico e às regras e aos mecanismos que o apoiam. Expôs perigos e chamou a atenção para certos valores no desenvolvimento do mercado único da UE. Contudo, também criou oportunidades para uma aplicação mais rápida de políticas como o Pacto Ecológico, demonstrou a importância de colocar as pessoas no centro do processo de recuperação, conforme refletido no conceito da transição justa, e levou a Comissão a adotar o seu maior programa de assistência financeira, destinado a atenuar os impactos sociais e económicos da COVID-19, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que tem na transição ecológica e na transformação digital dois dos seus seis pilares.

2.5.

No domínio dos transportes públicos, a pandemia afetou os postos de trabalho, os utilizadores, os operadores e os poderes públicos. Na suas conclusões sobre a Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente, o Conselho da UE assinalou que os transportes públicos foram gravemente afetados pela crise da COVID-19 e que a resposta estratégica à crise deverá ter por objetivo restabelecer a confiança nos transportes públicos e aumentar a sua resiliência, acelerando a sua transformação e modernização sustentáveis e assegurando simultaneamente a comportabilidade dos transportes, dado o papel essencial dos transportes públicos na coesão social e territorial.

2.6.

O CESE salienta o facto extremamente importante de, ao longo da pandemia, os transportes públicos terem demonstrado o seu valor assegurando a tão necessária mobilidade dos profissionais de primeira linha e dos grupos desfavorecidos. Os trabalhadores migrantes e as mulheres representam uma percentagem elevada destes grupos e sabe-se que estão fortemente dependentes dos transportes públicos para aceder aos locais de trabalho e aos serviços básicos. Os dados do Eurobarómetro relativos a 2020 mostram que o número de mulheres que utilizam transportes públicos é significativamente superior ao dos homens. Num estudo do Parlamento Europeu sobre as mulheres e os transportes, ao mesmo tempo que se assinala a falta de dados repartidos por género sobre os padrões de mobilidade, também se apresentam informações interessantes sobre este tipo de escolha (5).

2.7.

O CESE também reconhece o aumento dos custos e a diminuição dos recursos enfrentados pelos prestadores de serviços de transporte e pelos poderes públicos devido à pandemia. Embora as medidas de prevenção da COVID-19 tenham aumentado os custos e a redução significativa do número de utilizadores tenha diminuído consideravelmente as receitas das empresas, as autoridades locais, públicas e governamentais compreenderam que manter os transportes públicos em funcionamento fazia parte do seu dever de serviço às comunidades e, em particular, às pessoas que prestam serviços a terceiros.

2.8.

O presente parecer de iniciativa visa apresentar recomendações fundamentais sobre a recuperação e o desenvolvimento futuro de transportes públicos sustentáveis, robustos, inclusivos, acessíveis e resilientes após a crise da COVID-19, preparados para servir as próximas gerações, tendo em conta o envelhecimento da população na UE (6). Centrar-se-á nas questões do financiamento e da atratividade deste setor e do seu papel na recuperação ecológica da UE, incidindo nas condições sociais dos trabalhadores dos transportes públicos. A escassez de pessoal em todos os setores dos transportes demonstra a clara necessidade desta abordagem.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE reconhece que os transportes públicos constituem uma parte significativa da resposta à recuperação ecológica da Europa pós-pandemia. Além de responderem às preocupações climáticas, contribuem para a qualidade de vida combatendo o congestionamento. «Até 2020, os transportes públicos em zonas urbanas registaram quase 60 mil milhões de viagens de passageiros por ano na Europa, e estes números continuam a aumentar. […] O congestionamento já custa à economia europeia 1 % do seu produto interno bruto, ou seja, 100 mil milhões de EUR por ano.» (7)

3.2.

O CESE observa que a pandemia redefiniu o comportamento das pessoas e recentrou a atenção dos poderes públicos e locais no valor social dos transportes públicos. Contudo, os transportes públicos foram um dos setores mais atingidos pela queda drástica do número de utilizadores e o que mais tempo demorou a recuperar, uma vez que as pessoas se voltaram para a mobilidade ativa e para as viagens em automóvel particular como forma de evitar a infeção. Embora o aumento da mobilidade ativa seja uma tendência salutar que deve ser incentivada, cabe aos responsáveis políticos europeus e às autoridades a nível nacional, local e regional ponderar seriamente a questão da utilização acrescida do automóvel particular.

3.3.

O CESE reconhece que, apesar de se ter mantido a continuidade dos transportes públicos durante a pandemia, o emprego no setor foi duramente atingido. Na Europa, antes do primeiro confinamento, o setor proporcionava emprego direto a dois milhões de pessoas (8). Importa notar que os transportes públicos proporcionam uma grande variedade de postos de trabalho locais e seguros, desde perfis pouco qualificados a perfis altamente qualificados, e emprega trabalhadores de contextos muito diversos (9). Contudo, foi necessário colocar uma percentagem considerável desses trabalhadores em regimes públicos de desemprego temporário e muitos preferiram não regressar aos seus postos de trabalho, em especial nos Estados-Membros onde as prestações de segurança social são baixas e a cobertura da negociação coletiva é reduzida.

3.4.

Consequentemente, o CESE adverte que existe uma falta de efetivos crítica em todos os setores dos transportes na Europa, incluindo os transportes públicos. A qualidade e a segurança do emprego tornaram-se critérios fundamentais para os candidatos a emprego, sendo a cobertura da segurança social e da negociação coletiva uma garantia essencial neste contexto.

3.5.

O CESE congratula-se com os esforços das autoridades públicas regionais e governamentais para manter o nível necessário de serviços de transporte público ao longo da pandemia em circunstâncias complexas que exigiram apoio financeiro e investimento em protocolos de segurança contra a COVID-19. O CESE reconhece que as autoridades competentes tiveram de impor limitações drásticas na capacidade dos veículos (10), introduzir soluções digitais para reduzir o contacto direto entre os utilizadores e os trabalhadores, aumentar as despesas em equipamento de saúde e higiene e compensar a quebra de receitas provocada pela redução abrupta e prolongada do número de utilizadores dos transportes públicos.

3.6.

Simultaneamente, o CESE lamenta que os protocolos de segurança contra a COVID-19 no setor dos transportes nem sempre tenham sido adotados de uma forma inclusiva, tendo em conta todas as pessoas afetadas. Por exemplo, em alguns casos, os transportes públicos ficaram indisponíveis para as pessoas com deficiência e os idosos devido à redução ou suspensão da assistência prestada aos passageiros com mobilidade reduzida (11) e ao facto de as soluções digitais não terem em conta as pessoas com menos competências digitais ou as pessoas que não conseguem pagar dispositivos digitais ou serviços de comunicações eletrónicas e não terem sido desenvolvidas em consonância com as políticas de acessibilidade da UE e as normas que as apoiam.

3.7.

O CESE assinala que são agora necessárias estratégias pós-pandemia para tornar os transportes públicos atrativos e permitir que mais pessoas os utilizem. Conforme salientado no Parecer INT/909 do CESE, «esta é a oportunidade de assegurar uma recuperação justa e reconstruir rapidamente as economias europeias para as tornar mais ecológicas, mais justas e mais resistentes a choques futuros» (12). Este apelo é reiterado no Parecer TEN/728 do CESE, no qual se salienta que «a transição ecológica deve ser justa em termos sociais e preservar a competitividade dos transportes europeus, incluindo através da plena realização do espaço europeu dos transportes, com a concretização do mercado único» (13).

3.8.

Pelas razões expostas, são necessários os seguintes componentes fundamentais para tornar os transportes públicos mais atrativos:

disponibilidade, traduzida numa capacidade suficiente dos modos de transporte público para fazer face ao aumento da procura, especialmente em zonas rurais ou periféricas onde as pessoas têm frequentemente menos opções;

pessoal suficiente com condições e formação adequadas, postos de trabalho estáveis e de qualidade e um vasto leque de direitos e benefícios;

conectividade — reforçada e eficaz — com diferentes modos de transporte, nas zonas urbanas e periurbanas e entre elas, para proporcionar a todos os passageiros viagens intermodais sem descontinuidades, nomeadamente entre diferentes regiões geográficas;

comportabilidade para todos os membros da sociedade. Para o efeito, os cálculos dos custos dos transportes públicos devem ter em conta a comportabilidade para pessoas afetadas pela pobreza e exclusão socioeconómicas. Importa estudar regimes específicos para apoiar os grupos mais desfavorecidos do ponto de vista socioeconómico em consulta estreita com as comunidades pertinentes;

acessibilidade, permitindo uma utilização sem descontinuidades e independente a todos, incluindo as pessoas com deficiência, os idosos e as pessoas com mobilidade reduzida (temporária);

segurança dos utilizadores e dos trabalhadores, com base nas dimensões de género e interseccionais. As medidas de saúde pública inclusivas são igualmente pertinentes para a segurança das viagens, como tem sido demonstrado nos últimos anos. Os trabalhadores dos transportes públicos necessitam de um ambiente de trabalho seguro e sem violência e assédio;

qualidade no que diz respeito ao conforto, à duração das viagens, à assistência por um número suficiente de efetivos, à acessibilidade a soluções digitais, às informações sobre opções de transporte e aos horários.

3.9.

O CESE assinala que, nos anos anteriores à pandemia, o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 relativo às obrigações de serviço público (OSP) introduziu possibilidades de abertura dos serviços de transporte público a operadores privados através de concursos e de contratos de serviço público celebrados ao abrigo das regras gerais da UE em matéria de contratação pública. Tendo em conta que a pandemia demonstrou o papel estratégico desempenhado pelos transportes públicos na sociedade e na mobilidade e que os transportes públicos enfrentam uma escassez de efetivos sem precedentes, o CESE salienta a necessidade de os contratos de serviço público oferecerem proteção em termos de condições sociais e de emprego, a fim de reter as competências no setor.

3.10.

Os transportes públicos são um serviço que deve beneficiar a sociedade no seu conjunto, em toda a sua diversidade. É, pois, crucial assegurar a transparência dos processos de contratação pública, assim como a participação dos trabalhadores e dos utilizadores nas decisões de contratação pública.

3.11.

O CESE reconhece que, para atenuar o impacto social e económico da COVID-19, a Comissão lançou o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). O Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho (14) estabelece as condições em que os Estados-Membros podem ter acesso às subvenções do MRR da UE. Os Estados-Membros tiveram de apresentar planos nacionais e comprometer-se a utilizar 37 % das subvenções da UE em investimentos e reformas favoráveis ao clima e 20 % na transição digital. A mobilidade limpa permanece no centro destes planos. O CESE salienta, contudo, que a execução destas medidas terá impacto na sociedade e nos trabalhadores e, por conseguinte, não pode ser um processo fechado. É importante integrar todos os agentes sociais na elaboração de políticas para transportes públicos mais ecológicos e mais sustentáveis (15). De igual forma, os agentes públicos devem poder acompanhar eficazmente a aplicação das políticas públicas e a utilização dos fundos públicos em questão.

3.12.

É importante promover a participação inclusiva nas soluções de desenvolvimento dos transportes públicos para permitir que todas as partes interessadas, incluindo os poderes públicos, os prestadores de serviços, os utilizadores dos transportes públicos e os peritos em acessibilidade e urbanismo, tenham um papel a desempenhar (16). Convém promover boas práticas de cocriação de soluções de transportes públicos (17). Uma abordagem de «desenho universal», em conformidade com a CNUDPD (18), para o desenvolvimento de serviços deverá permitir a utilização de tais serviços pelos mais diversos utilizadores, incluindo as pessoas com deficiência, os idosos e as pessoas com mobilidade reduzida.

3.13.

Na sua Comunicação — Objetivo 55: alcançar a meta climática da UE para 2030 rumo à neutralidade climática, a Comissão refere que «[m]uitos cidadãos, especialmente os mais jovens, estão dispostos, quando sensibilizados por informações pertinentes, a alterar os seus padrões de consumo e de mobilidade para reduzir a sua pegada de carbono e viver num ambiente mais ecológico e saudável» (19). Aumentar a atratividade para todos contribuirá para a transição para modos de transporte mais ecológicos e mais sustentáveis. É importante sensibilizar para o impacto ambiental dos transportes e das opções de mobilidade pessoais. No entanto, as medidas de promoção por si só não terão o impacto necessário, a menos que se responda eficazmente aos desafios de proporcionar transportes públicos disponíveis, a preços comportáveis, acessíveis e seguros. Embora muitas pessoas estejam cientes de que é urgentemente necessário, a bem do ambiente, utilizar transportes mais ecológicos, não poderão dar um contributo valioso para a transição ecológica se simplesmente não conseguirem pagar ou aceder a transportes mais ecológicos. Esta será uma enorme oportunidade perdida para a UE.

3.14.

O CESE salienta que a pandemia de COVID-19 acelerou a integração das tecnologias digitais nos transportes públicos. É mais do que provável que estas tendências se mantenham e sejam incentivadas pela aplicação do MRR da UE e dos planos nacionais de recuperação e resiliência. Embora a digitalização possa contribuir para a eficiência e a sustentabilidade dos transportes públicos, bem como beneficiar os utilizadores dos transportes (por exemplo, mediante calculadores digitais de percursos ou informações sobre transportes em tempo real), importa ter o cuidado de assegurar que a transição digital não põe em causa as oportunidades de trabalho para o pessoal dos transportes e os serviços de apoio presenciais para os utilizadores, nem aumenta as desigualdades de mobilidade entre os utilizadores que podem ou não podem beneficiar da digitalização devido à inacessibilidade e à incomportabilidade dos serviços digitais e ao facto de possuírem menos competências digitais. Por conseguinte, o CESE insta os decisores políticos a implementarem, de forma inclusiva e participativa, os processos de transição digital que visam proporcionar o acesso de todos a transportes sustentáveis e justos.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE TEN/766 — O novo quadro da UE para a mobilidade urbana (JO C 323 de 26.8.2022, p. 107).

(2)  Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO L 315 de 3.12.2007, p. 1).

(3)  Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO L 94 de 28.3.2014, p. 1).

(4)  Quadro para a mobilidade urbana [COM (2021) 811 final].

(5)  «Women and transport» [As mulheres e os transportes], Parlamento Europeu, Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros (FEMM), dezembro de 2021 https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/701004/IPOL_STU(2021)701004_EN.pdf, p. 34 e 35: é importante analisar os dados no contexto das necessidades de mobilidade das mulheres. Conforme referido nas secções anteriores do estudo, as mulheres estão mais representadas no trabalho a tempo parcial e nos cuidados a crianças e familiares, vivem mais tempo, apresentam menor probabilidade de possuir carta de condução e automóvel e utilizam os transportes públicos ou deslocam-se a pé mais frequentemente do que os homens. Além disso, têm padrões de mobilidade diária mais complexos do que os homens. Simultaneamente, as mulheres têm frequentemente um controlo limitado das finanças dos seus agregados familiares, uma vez que são tendencialmente a sua segunda fonte de rendimento (Borgato et al., 2021; Rastrigina e Verashchagina, 2015). Em geral, as mulheres estão mais expostas ao risco de pobreza e exclusão social (Instituto Europeu para a Igualdade de Género — EIGE –, 2020), uma vez que apresentam maior probabilidade de pertencer a grupos vulneráveis e que a comportabilidade dos preços é um elemento crucial da sua mobilidade.

(6)  «Ageing Europe — statistics on population developments» [O envelhecimento na Europa — estatísticas sobre as dinâmicas das populações], Eurostat.

(7)  Declaração conjunta da Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) e da União Internacional dos Transportes Públicos (UITP) para a 26.a Conferência das Partes (COP 26): «Tackling climate action with public transport is one of the EU's largest economic opportunities of the 21st century» [A utilização dos transportes públicos na ação climática é uma das maiores oportunidades económicas da UE no século XXI].

(8)  «Relaunching Transport and Tourism in the EU after COVID-19» [Relançar os transportes e o turismo na UE após a COVID-19], maio de 2021, estudo encomendado pela Comissão TRAN do Parlamento Europeu e executado pelo Departamento Temático das Políticas Estruturais e de Coesão, Direção-Geral das Políticas Internas da União.

(9)  Declaração conjunta da Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) e da União Internacional dos Transportes Públicos (UITP) para a 26.a Conferência das Partes (COP 26): «Tackling climate action with public transport is one of the EU's largest economic opportunities of the 21st century» [A utilização dos transportes públicos na ação climática é uma das maiores oportunidades económicas da UE no século XXI].

(10)  Em 2020, no primeiro confinamento, Milão e Barcelona reduziram a taxa de ocupação dos veículos para 25 % e 50 %, respetivamente, a Irlanda para 20 % e Portugal para dois terços — ver «COVID-19 and urban mobility: impacts and perspectives» [A COVID-19 e a mobilidade urbana: impactos e perspetivas], setembro de 2020, estudo para a Comissão TRAN do Parlamento Europeu, Departamento Temático das Políticas Estruturais e de Coesão, Direção-Geral das Políticas Internas da União (PE 652.213).

(11)  «EDF Recommendations on exit measures for transport services in light of covid-19» [Recomendações do Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência (EDF) sobre as medidas de saída do confinamento para os serviços de transportes no contexto da COVID-19].

(12)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 219.

(13)  JO C 341 de 24.8.2021, p. 100.

(14)  Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (JO L 57 de 18.2.2021, p. 17).

(15)  A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) exige o seguinte: «No desenvolvimento e implementação da legislação e políticas para aplicar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão no que respeita a questões relacionadas com pessoas com deficiência, os Estados Parte devem consultar-se estreitamente e envolver ativamente as pessoas com deficiências, incluindo as crianças com deficiência, através das suas organizações representativas.» — Artigo 4.o, n.o 3, da CNUDPD. Além disso, no Parecer do CESE «Rumo a um sistema de transportes competitivo e económico em recursos» (JO C 341 de 24.8.2021, p. 100) assinala-se o seguinte: «Tal como já referido no seu parecer de 2012, o CESE gostaria de encorajar uma troca de pontos de vista aberta, permanente e transparente sobre a aplicação do Livro Branco entre a sociedade civil (empresas, empregadores, trabalhadores, utilizadores, ONG e meio académico, etc.), a Comissão e outros intervenientes importantes, como as autoridades nacionais a diferentes níveis. Tal reforçará a aceitação e a compreensão pela sociedade civil, assim como o envio de informações úteis aos decisores políticos e aos responsáveis pela execução.»

(16)  Em consonância com as recomendações formuladas no Parecer do CESE sobre Desafios societais da ecologização do transporte marítimo e fluvial (JO C 275 de 18.7.2022, p. 18): «O CESE considera que a participação de todas as partes interessadas, incluindo os parceiros sociais, é necessária para encontrar soluções pertinentes e viáveis no âmbito da ecologização do transporte marítimo.»

(17)  Ver, por exemplo, o projeto TRIPS — TRansport Innovation for disabled People needs Satisfaction [Inovação nos transportes para satisfazer as necessidades das pessoas com deficiência].

(18)  Artigo 2.o da CNUDPD.

(19)  Objetivo 55 [COM (2021) 550 final].


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/122


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A diplomacia cultural como vetor das relações externas da UE — Novas parcerias e papel das organizações da sociedade civil

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/17)

Relator:

Luca JAHIER

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

14.10.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

178/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A cultura é inclusiva. É uma forma de capital que permite iluminar o percurso da Europa e a imagem que projetamos no mundo. Numa altura em que a guerra regressou ao continente europeu, destruindo e dilacerando de forma devastadora vidas e locais, é necessário que as relações culturais sejam, mais do que nunca, um instrumento ao serviço do diálogo, da paz e do futuro. É hoje verdadeiramente prioritário tornar a cultura um vetor dinâmico e estratégico da política externa da União Europeia, conforme solicitado em muitos documentos e iniciativas importantes dos últimos dezassete anos.

1.2.

Com base na comunicação da Comissão Europeia de 2016, nas numerosas decisões e orientações do Conselho e nas recomendações do Parlamento Europeu, chegou o momento de adotar um verdadeiro plano de ação estratégico plurianual que, sob a coordenação do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), crie uma verdadeira sinergia com as diferentes políticas e estruturas da Comissão Europeia e dos Estados-Membros e proporcione uma plataforma para estabelecer relações eficazes com outros intervenientes que já levam a cabo ações bem-sucedidas, desde responsáveis de pessoas coletivas territoriais a representantes do vasto leque de intervenientes privados ou institucionais. Esse plano deve dispor das dotações financeiras necessárias.

1.3.

Entretanto, importa reforçar imediatamente as medidas destinadas a proteger, restaurar e reconstruir o património em zonas de catástrofes naturais, crises e conflitos, melhorando a formação dos operadores locais e reforçando as capacidades das instituições e das organizações da sociedade civil local. Há que desenvolver uma ação mais coerente no domínio das indústrias criativas e lançar projetos-piloto de dimensão significativa em zonas como os Balcãs Ocidentais, o Mediterrâneo e o Médio Oriente, África e a Ucrânia.

1.4.

Além disso, deve proceder-se ao levantamento das múltiplas ações e iniciativas já em curso a nível das instituições e organizações europeias, dos Estados nacionais e das muitas organizações da sociedade civil dos Estados-Membros, bem como ao nível das várias parcerias internacionais, com vista à criação de uma plataforma da UE para as relações culturais internacionais.

1.5.

É necessária uma estrutura específica significativa no SEAE, centrada num «Enviado Especial da UE para as Relações Culturais», que, dotada do orçamento necessário, estabeleça a direção política geral, seja capaz de estabelecer redes com os Estados-Membros e diferentes organizações e possa disponibilizar instrumentos e pequenas dotações financeiras às delegações da UE, com vista ao desenvolvimento de ações nos respetivos países.

2.   Panorâmica geral

2.1.

Há muito que as instituições europeias inscreveram na sua agenda a cultura enquanto instrumento da política externa da União Europeia, com o objetivo de reforçar o diálogo entre as diferentes culturas e promover os direitos humanos e a coesão social e económica, assente nas indústrias criativas e culturais enquanto força motriz do crescimento. A especificidade da diplomacia cultural que a União Europeia privilegia enquanto instrumento de ação em matéria de política externa consiste em não impor condições para a cooperação cultural e fomentar uma abordagem que vai além da mera promoção das produções culturais dos Estados-Membros, a fim de privilegiar a partilha, a nível da sociedade civil, de um espaço de coprodução cultural com os países parceiros.

2.2.

Em 2007, a Comissão Europeia adotou a Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado (1), com o objetivo, entre outros, de conferir à dimensão cultural um papel mais significativo nas relações externas da UE. O Parlamento Europeu apoiou fortemente esta perspetiva através da sua resolução de 2008, seguida de uma nova resolução em 2011, que previa um orçamento específico de 500 000 euros para o ano seguinte, destinado à execução de ações preparatórias em prol da cultura nas relações internacionais, que deram origem a um importante estudo de enquadramento da questão (2) em 2014.

2.3.

O Conselho Europeu apoiou reiteradamente o potencial diplomático das relações culturais, em especial nas suas conclusões de 2007, 2008, 2014 e 2015, bem como nos planos de ação elaborados pela Comissão desde 2014.

2.4.

Os trabalhos preparatórios dessa década resultaram na Comunicação Conjunta (3) da Comissão e da Alta Representante/vice-presidente para a Política Externa e de Segurança Comum — Para uma estratégia da UE no domínio das relações culturais internacionais, de junho de 2016. A comunicação indicava três domínios de trabalho para o desenvolvimento da estratégia em causa:

o desenvolvimento socioeconómico centrado nas políticas culturais, no papel das autoridades locais nas iniciativas culturais e das indústrias culturais e criativas nos países parceiros;

o diálogo intercultural para a paz e a estabilidade;

a proteção do património cultural contra as catástrofes naturais, os conflitos armados e o tráfico de bens culturais, igualmente utilizado para financiar atividades terroristas.

2.5.

Além disso, a comunicação indicava a necessidade de promover a coordenação gradual da ação dos Estados-Membros, a fim de ultrapassar a grande fragmentação existente, reforçar o papel de plataforma que algumas delegações da UE desempenham em países terceiros, fortalecer a cooperação com os Institutos Culturais Nacionais da União Europeia (EUNIC) enquanto garante da prerrogativa dos Estados-Membros no domínio cultural e recorrer aos instrumentos e linhas de financiamento já existentes nos diversos âmbitos. Criou igualmente uma plataforma de diplomacia cultural (4) para facilitar a identificação de programas e recursos adequados e a coordenação das diferentes partes interessadas.

2.6.

O CESE emitiu parecer sobre essa comunicação (5) em maio de 2017, manifestando o seu apoio firme, mas também identificando a necessidade de ir mais longe, passando de um documento intitulado «Para uma estratégia da UE» rumo à adoção e subsequente aplicação de uma estratégia e de um plano de ação de pleno direito. Este último, afirmou-se na ocasião, deveria responder a quatro necessidades estruturais: proporcionar clareza na governação ao nível da UE; coordenar e oferecer apoio complementar ao nível dos Estados-Membros; clarificar os aspetos financeiros; e promover redes de operadores culturais interligados, representando uma sociedade civil cultural dinâmica. O CESE solicitou igualmente que a dimensão cultural se tornasse o quarto pilar da estratégia de desenvolvimento sustentável, bem como a criação de redes adequadas para associar os diferentes intervenientes da sociedade civil organizada e outras organizações a vários níveis já ativas neste domínio.

2.7.

O próprio Parlamento Europeu, na resolução (6) adotada em julho de 2017, salientou que a comunicação carecia de uma estrutura mais significativa que permitisse desenvolver uma verdadeira estratégia de diplomacia cultural da UE e identificar meios de financiamento adequados. Também o CR emitiu um parecer (7) firme em junho de 2017, recordando, em particular, o papel fundamental que os órgãos de poder local e regional podem desempenhar no desenvolvimento de redes de cooperação cultural a nível da vizinhança. Este tema foi amplamente retomado por um estudo abrangente realizado em 2020 (8), que definiu uma estratégia a vários níveis para as relações culturais internacionais.

2.8.

Nas suas conclusões de maio de 2017, o Conselho reuniu e reiterou as propostas da Comissão e recomendou igualmente a criação de um Grupo dos Amigos da Presidência como plataforma transversal para facilitar a execução da estratégia. O Conselho voltou a abordar novamente o tema da diplomacia cultural nas importantes conclusões de junho de 2019 sobre uma abordagem estratégica da UE e um quadro de ação no domínio das relações culturais internacionais (9), nas conclusões de setembro de 2019 sobre a dimensão cultural do desenvolvimento sustentável (10), nas conclusões de maio de 2020 sobre a gestão dos riscos no domínio do património cultural (11) e nas conclusões de junho de 2021 sobre a abordagem da UE relativamente ao património cultural em situações de conflito e de crise (12).

2.9.

Por último, no quadro de ação europeu (13), publicado no seguimento do Ano Europeu do Património Cultural (2018), a Comissão considerou o «[p]atrimónio cultural em torno de parcerias mundiais mais fortes: reforçar a cooperação internacional» como um dos cinco pilares fundamentais da ação da UE.

3.   Observações e propostas

3.1.

O quadro acima exposto dá conta da vastidão dos projetos, das orientações, das propostas e das decisões acumuladas ao longo dos anos, bem como de um consenso atualmente bem estabelecido, que reconhece a cultura como um vetor de identidade e de coesão, um motor de desenvolvimento socioeconómico e um fator importante para a construção de relações pacíficas, incluindo a cooperação interpessoal (envolvendo tanto as organizações da sociedade civil como as universidades, os centros culturais, os museus, os municípios e outras organizações intermédias).

Além disso, existe a convicção crescente de que a ênfase na dimensão cultural constitui um elemento importante para a concretização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

3.2.

Do mesmo modo, a cultura integra atualmente os principais instrumentos de cooperação da UE, bem como vários acordos bilaterais da União Europeia com países terceiros, e há muitos anos que se executa uma vasta gama de projetos culturais ao abrigo da assistência técnica e financeira da UE.

Os objetivos dessas ações são a conservação e a recuperação de sítios considerados património cultural, a produção e a circulação de obras de arte, a criação e o restauro de museus, o reforço das capacidades dos operadores culturais e dos artistas a nível local, a promoção da sua livre circulação entre países, a organização de eventos culturais importantes, a sensibilização do público para a proteção do património cultural e, por último, o desenvolvimento de um novo modelo de turismo sustentável. A Comissão apoia também a criação e o reforço das indústrias culturais nos países parceiros, especialmente nos setores audiovisual e cinematográfico, bem como a promoção do acesso local à cultura.

3.3.

No entanto, a ação neste domínio é mais fragmentada do que nunca, não é visível no seu conjunto e não se compreende a sua visão estratégica , o que significa que não é capaz de concretizar o seu verdadeiro potencial enquanto «vetor» cada vez mais importante da política externa da UE e motor de parcerias em muitas partes do mundo. O enorme capital de iniciativas, quer em curso quer passíveis de realização, constitui um verdadeiro tesouro escondido, que deve ser explorado no sentido de criar uma massa crítica, não só a nível dos Estados-Membros, mas também ao nível de um conjunto muito vasto de intervenientes e instituições locais, bem como de organizações da sociedade civil.

3.4.

Importa igualmente recordar que, para fazer sentido, a diplomacia cultural da União Europeia deve ser concebida e desenvolvida enquanto instrumento da sua política externa, dotada, por conseguinte, da visão de influência necessária, que, no caso da União, se reflete na promoção mundial do seu modelo de coexistência pacífica e integração dos povos, no respeito pelos direitos fundamentais e pela liberdade de expressão artística, em conformidade com os princípios da democracia e do Estado de direito.

3.5.

Além disso, a cultura é produto do trabalho, que é o pilar sobre o qual assenta a construção da Europa. O trabalho permitiu desenvolver a indústria, colocou a Europa no centro das trocas comerciais, moldou a história das cidades europeias, foi fundamental para a emancipação das suas populações e, ao mesmo tempo, assegurou a afirmação dos direitos sociais e do modelo social europeu. A cultura do trabalho deve continuar a ocupar um lugar central na ação europeia.

3.6.

Na sua dimensão material e imaterial, o património cultural é, por natureza, um domínio politicamente sensível e muito complexo, com uma forte carga simbólica e emocional. Por conseguinte, está sujeito a um risco elevado de manipulações políticas, no que diz respeito à sua história, à sua pertença a uma ou outra componente da sociedade e à sua utilização, especialmente nos casos em que existem minorias e conflitos. Neste sentido, o património cultural tanto pode tornar-se um veículo de conflito como um vetor de paz, reconciliação e desenvolvimento partilhado, o que aponta claramente para o seu papel enquanto instrumento diplomático poderoso e complementar da abordagem da UE em matéria de paz, segurança e desenvolvimento sustentável.

3.7.

Nas conclusões de 21 de junho de 2021, que se centram principalmente na proteção do património em situações de conflito e de crise, o Conselho da UE reitera a ambição de fazer da diplomacia cultural um vetor importante de paz e desenvolvimento no quadro da política comum de segurança e defesa. Encarrega também o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), a Comissão e todas as agências e organismos competentes da UE de prepararem ações concretas nesse sentido, nomeadamente através da criação de um grupo de trabalho específico, liderado pelo SEAE, que deverá apresentar um relatório anual ao Conselho sobre os progressos alcançados. No ponto 8, salienta a importância de reforçar todas as parcerias necessárias com as organizações internacionais e regionais pertinentes e com as organizações intergovernamentais e não governamentais.

3.8.

Por conseguinte, importa reiterar com firmeza as recomendações do parecer do CESE de 2017 e da própria resolução do Parlamento Europeu do mesmo ano, no sentido nomeadamente de adotar um plano de ação de pleno direito, como já foi feito recentemente em vários outros domínios de ação da UE, e definir uma estrutura operacional de referência flexível, prevendo as dotações financeiras necessárias, tanto específicas como ao abrigo de outros programas já em vigor.

Tal plano deverá centrar-se em particular nos aspetos seguintes: no reforço da coerência das políticas e dos instrumentos da UE em matéria de ação externa; na complementaridade entre o património material e imaterial; na ligação às alterações climáticas como fonte de crise; na inclusão e na capacitação dos intervenientes locais, das mulheres e dos jovens; na formação e no intercâmbio de conhecimentos; na criação de redes e na ligação às redes existentes, como o Erasmus+; nas diversas possibilidades de desenvolver formas de cooperação e parcerias concretas entre as instituições culturais da UE e os intervenientes das organizações da sociedade civil desse setor, bem como os seus homólogos de países terceiros; no reforço da cooperação com os diferentes organismos regionais e internacionais existentes, fazendo da cultura um importante eixo das sinergias criadas.

Acima de tudo, deve desenvolver as interligações entre as dimensões seguintes:

as relações culturais e o desenvolvimento sustentável;

as relações culturais e a economia circular;

as relações culturais e a transição digital;

as relações culturais, a paz e a estabilidade;

as relações culturais e a promoção dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão;

as relações culturais e as minorias, a proteção e a promoção das culturas e das línguas minoritárias;

as relações culturais e a promoção da igualdade de género.

3.9.

A par da elaboração do plano, que deve contar com a mais ampla participação como se tornou usual e ser promovido com a mesma insistência e relevância adotadas em planos recentes, é, no entanto, necessário lançar desde já um conjunto de ações concretas, que permitam consubstanciar o mandato do Conselho e as numerosas recomendações e propostas das outras instituições acima referidas e trazer este processo para o centro das atenções. Mencionam-se algumas destas ações, a título de exemplo.

3.9.1.

Assegurar a proteção, o restauro e a reconstrução do património em zonas de catástrofes naturais, de crises e de conflito, com base nas missões da política comum de segurança e defesa existentes — Afeganistão, Ucrânia, Geórgia, Kosovo, Líbia, Territórios Palestinianos (Ramala e Rafa), Níger, Mali e Corno de África (Somália e Somalilândia), adaptando, se necessário, o seu mandato. A este respeito, importa investir no diálogo intracomunitário e interétnico (e, se for caso disso, interconfessional); fazer da reconstrução e da preservação do património cultural um instrumento de reconstrução da memória partilhada e de reconciliação, mas também uma oportunidade para criar emprego, bem como atividades económicas e turísticas sustentáveis; reforçar as capacidades locais e as atividades de formação necessárias; aumentar o recurso à cartografia por satélite e às imagens digitais para o desenvolvimento de ações preventivas.

3.9.2.

Reforçar a luta contra o tráfico ilícito de bens culturais, igualmente utilizado para financiar o terrorismo internacional, que atinge uma dimensão muito significativa em zonas de conflito, através da coordenação com a Europol e a Interpol e uma melhor formação da polícia de fronteiras.

3.9.3.

Desenvolver uma ação específica sobre as indústrias criativas, especialmente no que diz respeito à arte contemporânea e às novas tecnologias, com especial destaque para as novas gerações. Este domínio, em que já foram levadas a cabo algumas iniciativas importantes, em cooperação com a Organização Mundial do Comércio, é certamente uma das vias mais promissoras para promover o desenvolvimento sustentável, cuja pertinência já foi reconhecida no âmbito do novo Acordo de Parceria com os países de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP). A criação prevista da Fundação Cultural ACP e a proposta de uma primeira reunião entre os ministros da Cultura ACP-UE proporcionam um quadro político muito interessante, que merece assumir a prioridade devida. No mesmo sentido, o Creative Forum de 2021 (14), em Liubliana, reúne empresas criativas de toda a região mediterrânica, com o objetivo de contribuir para a transição ecológica, a inovação social e o crescimento económico.

3.9.4.

Proceder ao levantamento sistemático da diversidade e riqueza das iniciativas já em curso, a todos os níveis, nomeadamente através da criação de um sítio Internet interativo, aberto ao intercâmbio de boas práticas e ao desenvolvimento de novas sinergias entre os intervenientes a vários níveis e a nível transnacional. O objetivo desta ação será criar uma plataforma da UE para as relações culturais internacionais, à semelhança de outras iniciativas bem-sucedidas já lançadas noutros domínios (como, por exemplo, a Plataforma da Economia Circular e o Festival Novo Bauhaus Europeu). Neste domínio, o CESE, em cooperação com as principais organizações culturais europeias interessadas, pode vir a ser seguramente um polo institucional valioso e estável.

3.9.5.

Lançar projetos-piloto em algumas regiões específicas, relacionados com as prioridades políticas já identificadas em cada região. Apresentam-se de seguida alguns exemplos em que uma ação coordenada da UE pode fazer a diferença.

3.9.5.1.

Os Balcãs Ocidentais, inclusivamente pela sua perspetiva de integração na União Europeia, são uma zona em que importa desenvolver fortemente a dimensão cultural, por exemplo, apoiando uma rede regional das organizações da sociedade civil de todos os países dos Balcãs Ocidentais que vise preservar o património cultural e natural enquanto património comum. Por conseguinte, no âmbito das conversações entre Belgrado e Pristina para a normalização das relações entre a Sérvia e o Kosovo, cumpre dar uma prioridade muito maior ao tema do património cultural e religioso, tendo em conta a sua grande importância para a identidade das diferentes comunidades. Da mesma forma, na região mais vasta do sudeste da Europa, importa apoiar projetos de colaboração regionais com a participação de historiadores e historiadores de arte, para fazer face à tendência crescente de revisão ou de reescrita da história, acompanhadas da tentativa de distorcer a identidade plural dos monumentos históricos e dos sítios do património. Neste contexto, importa igualmente reforçar as capacidades das organizações da sociedade civil e das instituições locais, por exemplo, através de programas de geminação, nomeadamente com museus e fundações de Estados-Membros da UE, através do lançamento de um programa de «campeões do património da União Europeia e dos Balcãs Ocidentais», inspirado na metodologia do «Programa ILUCIDARE», que permita aos profissionais do património europeu e dos Balcãs Ocidentais partilharem experiências e boas práticas, ou recorrendo ao Corpo Europeu de Solidariedade para incentivar os jovens a participar em «estaleiros» de restauro do património. Além disso, um programa específico de voluntariado para o património cultural, a nível regional (aberto a cidadãos da UE e de países terceiros), poderá contribuir de forma significativa para forjar um espírito renovado de solidariedade neste domínio.

3.9.5.2.

O Mediterrâneo e o Médio Oriente constituem indubitavelmente uma região prioritária, marcada por inúmeras situações de conflito em curso, mas também rica em sítios do património cultural de valor inestimável, que podem desempenhar um papel importante na promoção da reconciliação, da paz, da reconstrução e mesmo do desenvolvimento sustentável, bem como na prevenção de novas crises, graças à energia valiosa das comunidades e das tradições locais. Importa também retomar e reforçar o projeto promovido pela DG DEVCO na região de Mossul para recuperar as identidades gravemente afetadas e o património em risco de desaparecimento, formando operadores culturais e profissionais locais e desenvolvendo as atividades económicas conexas. Uma iniciativa do mesmo tipo deverá também ter lugar na Síria para reconstruir Palmira . Da mesma forma, no contexto do processo complexo da Líbia , o enorme valor do património cultural deste país não pode ser subestimado. Há muito que os sítios de Sabrata, Leptis Magna, Cirene, Apolónia e Gadamés foram sinalizados como estando entre aqueles que, desde o início do conflito, são mais vulneráveis às pilhagens, com bens de enorme valor em risco de desaparecer nas redes de tráfico ilegal.

Desde 2015, a União para o Mediterrâneo (UM) promove uma rede independente de peritos mediterrânicos em matéria de alterações climáticas  (15), cujas conclusões nesta matéria são importantes, tal como o Plano de Ação para o Desenvolvimento Urbano 2040  (16). Um projeto específico com a colaboração da UM visando uma estratégia de segurança comum para os vários sítios do património material terá um elevado valor político e permitirá preservar também todas as atividades turísticas e económicas conexas.

Atualmente, a referência principal nesta matéria é a declaração final da Conferência dos Ministros da Cultura do Mediterrâneo, realizada em Nápoles em 16 e 17 de junho de 2022, com o objetivo de desenvolver estratégias e ações conjuntas para proteger e valorizar a cultura enquanto bem comum da região e lançar um «Processo de Nápoles» para a cooperação cultural no Mediterrâneo (17).

3.9.5.3.

A importância da cultura no continente africano não é certamente um facto novo, mas tem tido uma importância frequentemente muito marginal, tanto nas relações políticas como nos projetos e investimentos concretos. No entanto, não faltam exemplos de boas práticas, e a cultura assume uma prioridade crescente na comunidade de países ACP, sendo um domínio com potencial nas relações com a União Africana. Um dos pontos nevrálgicos é o Museu das Civilizações Negras de Dacar, um projeto que remonta ao primeiro presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, inaugurado no final de 2018, que é o principal centro de intercâmbio cultural de todo o continente, associado à perspetiva do Renascimento Africano. Neste contexto, é obrigatório mencionar também o Tigré, atualmente uma zona de conflito e de grave emergência humanitária, que alberga um património cultural muito rico, e é o berço da religião copta, exibindo importantes mosteiros e igrejas.

Além disso, é no continente africano que se encontra o maior número de refugiados e de pessoas deslocadas do mundo: cumpre investir na dimensão cultural destas populações, nomeadamente para que possam desenvolver as capacidades necessárias para preservar as suas tradições, fazendo delas um ponto de partida para um novo início com vista à sua reconstrução. Do mesmo modo, há que ter em conta a dimensão cultural das relações com as respetivas diásporas, que são numerosas e podem ser alavancas de desenvolvimento.

Por último, a indústria da moda, especialmente a nível do artesanato e das PME, está em plena expansão no continente, sendo não só um motor de bem-estar económico e de emprego, mas também um fator de identidade e de orgulho na criatividade do continente. Importa reforçar significativamente os projetos específicos, tanto de formação como de parcerias, entre os operadores económicos dos dois continentes.

3.9.5.4.

Cumpre criar uma iniciativa especial para a Ucrânia, tendo em conta a enorme destruição já comprovada do património cultural em muitas regiões do país. Os museus europeus poderiam organizar campanhas de angariação de fundos para apoiar o património cultural ucraniano e os Estados-Membros poderiam incentivar parcerias público-privadas para financiar projetos de restauro. O projeto-piloto do Parlamento Europeu «European Spaces of Culture» poderia centrar-se na Ucrânia, com a criação, em Kiev, de uma Casa da Cultura da Europa, que funcione como biblioteca, ou espaço cultural de outro tipo, organizada pela EUNIC em cooperação com o SEAE.

3.9.5.5.

Cumpre levar igualmente a cabo ações específicas para transmitir às populações russas e bielorrussas e à cultura russa uma mensagem positiva de paz e respeito pelo Ocidente, com o objetivo de contrariar a propaganda de Putin.

3.9.6.

Estabelecer uma coordenação com o Conselho da Europa, que já conduz políticas culturais a nível continental, como o programa «Itinerários culturais», e também com a UNESCO, com o Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro dos Bens Culturais e com o Conselho Internacional dos Museus, reforçando a cooperação multilateral na perspetiva da Conferência Mundial da UNESCO sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável — MONDIACULT 2022, que se realizará no México, de 28 a 30 de setembro de 2022.

3.9.7.

Elaborar orientações para uma política de restituição das obras de arte pilhadas e de reforço das capacidades dos países e museus que as acolhem, tendo em vista a reconstrução das culturas espoliadas e defraudadas. A necessidade de repatriamento é reforçada no caso de antiguidades de especial importância para a humanidade retiradas do território de um Estado de uma forma que tenha um impacto negativo no monumento ou no ambiente arqueológico em geral, com base tanto nos princípios fundamentais do direito do património cultural como na necessidade de restabelecer a integridade do monumento no seu contexto histórico, cultural e natural. Este princípio é igualmente expresso na Convenção da UNESCO de 1970 sobre os Bens Culturais, que facilita o repatriamento internacional dos bens culturais através do combate às pilhagens arqueológicas, ao tráfico de antiguidades e ao contrabando de obras de arte. Os túmulos dos índios norte-americanos, os bronzes do Benim, a estátua do mestre budista Zhang Gong e os frisos do Parténon são alguns exemplos.

3.9.8.

Reforçar as capacidades das partes da sociedade civil ativas no setor cultural e nas relações culturais internacionais em cada país, apoiando o desenvolvimento de organizações independentes e, em especial, de base.

3.10.

Para executar eficazmente uma iniciativa deste tipo, é necessária uma estrutura específica significativa no SEAE, estabelecida em rede com outras direções-gerais pertinentes da Comissão Europeia e centrada num «Enviado Especial da UE para as Relações Culturais», responsável pelo estabelecimento de uma direção política geral, reconhecida e forte e pela criação de redes, a fim de guiar globalmente o plano de ação acima referido.

Esta estrutura deve beneficiar de um orçamento que assegure a execução dessas funções.

Acresce uma rede de pontos focais dedicados à cultura, nas várias delegações da UE, de acordo com as diferentes prioridades políticas, tendo sempre como fundamento reconhecível uma Europa promotora da paz. As delegações da UE deverão posteriormente receber fundos específicos para desenvolver ações culturais no terreno.

3.11.

Por último, para associar a dimensão cultural das relações internacionais da UE à perspetiva da transição digital e sustentável, é necessário incorporar princípios de qualidade claros para o investimento cultural em qualquer ação desenvolvida em países parceiros. Por exemplo, os investimentos no património material devem cumprir os princípios do Novo Bauhaus Europeu (sustentabilidade, estética, inclusão) e do sistema de qualidade Davos Baukultur.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2007) 242 final.

(2)  Engaging the World: Towards Global Cultural Citizenship (europa.eu) [Ligar o mundo: rumo a uma cidadania cultural mundial].

(3)  JOIN(2016) 029 final.

(4)  Plataforma de Relações Culturais (cultureinexternalrelations.eu).

(5)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Para uma estratégia da UE no domínio das relações culturais internacionais (JO C 288 de 31.8.2017, p. 120).

(6)  Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de julho de 2017, sobre uma estratégia da UE no domínio das relações culturais internacionais (2016/2240(INI)) (JO C 334 de 19.9.2018, p. 112).

(7)  Parecer do Comité das Regiões Europeu — Para uma estratégia da UE no domínio das relações culturais internacionais (JO C 207 de 30.6.2017, p. 95).

(8)  Towards a multi-level strategy for EU external cultural relations [Para uma estratégia a vários níveis para as relações culturais externas da UE] — disponível no Serviço das Publicações da União Europeia (op.europa.eu).

(9)  Conclusões do Conselho sobre uma abordagem estratégica da UE e um quadro de ação no domínio das relações culturais internacionais (JO C 192 de 7.6.2019).

(10)  Resolução do Conselho relativa à dimensão cultural do desenvolvimento sustentável (JO C 410 de 6.12.2019, p. 1).

(11)  Conclusões do Conselho sobre a gestão dos riscos no domínio do património cultural (JO C 186 de 5.6.2020, p. 1).

(12)  Conclusões do Conselho sobre a abordagem da UE relativamente ao património cultural em situações de conflito e de crise (21.6.2021).

(13)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão — Quadro de ação europeu no domínio do património cultural [SWD(2018) 491 final de 5.12.2018], p. 29.

(14)  Future Unlocked! — Cultural and Creative Sectors as Agents of Change (creativeforum.si) [Desbloquear o futuro: os setores culturais e criativos como agentes de mudança].

(15)  https://www.medecc.org/

(16)  Towards a new UfM Strategic Urban Development Action Plan 2040 — Union for the Mediterranean [Rumo a um novo Plano de Ação Estratégico para o Desenvolvimento Urbano 2040], União para o Mediterrâneo, UM (ufmsecretariat.org).

(17)  https://cultura.gov.it/medculture


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/130


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tribunal multilateral de arbitragem entre os investidores e o Estado: avaliação do processo da CNUDCI e respetivas realizações à luz das recomendações da sociedade civil

(parecer de iniciativa)

(2023/C 75/18)

Relator:

Christophe QUAREZ

Decisão da Plenária

20.1.2022

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

14.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

176/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defende um sistema de proteção do investimento internacional adequado e eficaz e que inclua um mecanismo de resolução de litígios. No entanto, apoia as críticas ao sistema de resolução de litígios entre os investidores e o Estado previsto nos acordos de comércio e de investimento. Estas críticas, levantadas pela sociedade civil, dizem essencialmente respeito às questões de legitimidade, de coerência e de transparência deste sistema de arbitragem.

1.2.

O CESE toma nota do mandato da Comissão Europeia para negociar a criação eventual de um tribunal multilateral de investimento, sob a égide da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI). Lamenta, no entanto, que as negociações em curso se centrem mais nas questões processuais do que nos problemas de fundo.

1.3.

Cinco anos após o início deste primeiro processo multilateral de reforma do sistema de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, são limitados os progressos concretos alcançados, salvo no que respeita à redação de um código de conduta para os árbitros, cujos pormenores ainda estão por definir. No tocante aos debates sobre a reforma estrutural do sistema de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, de que a proposta de criação de um tribunal permanente é um elemento central, tem sido difícil encontrar uma solução que seja aceite por todos os Estados membros da CNUDCI.

1.4.

Com efeito, dado que continua a não haver consenso entre os Estados-Membros nas organizações internacionais pertinentes, não se antevê para já uma revisão do direito substantivo. Por conseguinte, o CESE exorta a Comissão Europeia a prosseguir os esforços no sentido de rever as questões de direito substantivo, a par das regras processuais, contando-se entre aquelas as disposições vagas ou demasiado abrangentes relativas ao tratamento justo e equitativo que cumpre circunscrever à não discriminação e à expropriação direta enquanto elementos essenciais da proteção do investimento.

1.5.

Além disso, o CESE apela para que algumas das questões mais transversais continuem a ser objeto de negociação, nomeadamente, o efeito dissuasor da resolução de litígios entre os investidores e o Estado, o esgotamento das vias de recurso nacionais e o acesso de terceiros, como as comunidades locais afetadas pelos investimentos. Os resultados desse processo têm de ser reais e fazer a diferença. O processo não deve terminar com a aclamação enquanto êxito de pequenas adaptações no atual sistema de arbitragem de resolução de litígios entre os investidores e o Estado.

1.6.

O CESE salienta que a reforma das regras processuais (nomeadamente no que respeita à transparência, às regras de deontologia, ao acesso à arbitragem ou ao custo desta) permite, não obstante, lançar as bases de um debate sobre a reforma das regras substantivas.

1.7.

O CESE espera que o modelo do amicus curiae (1) integre intervenções de terceiros de todas as partes interessadas (por exemplo, residentes locais, trabalhadores, sindicatos, grupos ambientais ou consumidores) e assegure que os juízes têm em devida consideração essas intervenções.

1.8.

O CESE congratula-se com os trabalhos da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) destinados a assegurar que os desafios do desenvolvimento sustentável são tidos em conta nos acordos de investimento, mas insta a que, no âmbito desses trabalhos, a organização tenha igualmente em consideração as questões sociais, em especial com vista a tornar o dever de diligência num critério de elegibilidade dos investidores estrangeiros.

1.9.

O CESE tem defendido sempre, nomeadamente no seu Parecer — Tribunal multilateral de investimento (REX/501) (2), que é fundamental que o tribunal multilateral de investimento não afete de modo algum a capacidade da União Europeia (UE) e dos Estados-Membros de cumprirem as suas obrigações decorrentes de acordos internacionais em matéria de ambiente, direitos humanos e direitos laborais, bem como de defesa dos consumidores. Além disso, importa prever garantias processuais contra as ações que visem a legislação de interesse público nacional. O CESE considera que é possível alcançar este objetivo com a inclusão de uma cláusula de hierarquia (3) e de uma exceção de interesse público.

1.10.

O CESE observa que, embora o Grupo de Trabalho III da CNUDCI se centre nos elementos processuais, a iniciativa poderá ter efeitos positivos no futuro, nomeadamente promovendo uma jurisprudência mais clara e estável, o que facilitará também uma reforma do direito substantivo aplicável nos tratados de investimento.

1.11.

O CESE sublinha que, ao abrigo do direito internacional consuetudinário e do direito internacional dos direitos humanos, as pessoas singulares devem primeiro procurar obter reparação junto dos tribunais nacionais antes de poderem intentar uma ação contra o Estado junto de um tribunal internacional; lamenta que, em contrapartida, o direito internacional em matéria de investimento não exija normalmente o esgotamento das vias de recurso nacionais. O CESE salienta que este sistema é discriminatório em relação às PME, tendo em conta as limitações financeiras destas empresas. Por conseguinte, incentiva a Comissão a prosseguir, no âmbito do processo da CNUDCI, a questão do esgotamento das vias de recurso nacionais antes do recurso perante tribunais internacionais. A resolução de litígios entre os investidores e o Estado deve ter o estatuto de via de recurso extraordinária.

1.12.

O CESE recorda à Comissão o seu pedido de ser mais estreitamente associado aos seus trabalhos no âmbito da CNUDCI.

1.13.

O CESE recorda a necessidade de conciliar o quadro de reforma do modelo de resolução de litígios entre os investidores e o Estado com os objetivos ambiciosos em matéria de desenvolvimento sustentável a que a União se propôs. Tratados de investimento mal elaborados podem travar o progresso, enquanto os bem elaborados podem ajudar as sociedades a enfrentar os desafios com que se confrontam atualmente. Importa desenvolver um novo modelo de governação do investimento internacional que colmate o fosso significativo entre o sistema de investimento, por um lado, e os direitos humanos e laborais e o ambiente, por outro.

2.   Introdução

2.1.

A resolução de litígios entre os investidores e o Estado (RLIE) é um dispositivo presente num grande número de acordos de comércio livre e de acordos de investimento internacionais, que permite a resolução dos litígios relativos à aplicação dos acordos de proteção dos investimentos.

2.2.

Trata-se de uma via de recurso perante um tribunal de arbitragem privado que pode ser acionada por um investidor estrangeiro originário de um Estado contratante contra um Estado que não respeita as disposições do tratado em causa.

2.3.

Um dos árbitros é nomeado pela empresa, outro pelo Estado e outro ainda pelo secretário-geral do Tribunal Permanente de Arbitragem.

2.4.

O CESE já se debruçou, por diversas vezes, sobre as problemáticas colocadas pela RLIE (4). Por conseguinte, o presente parecer não tem como objetivo analisar todas as lacunas que a arbitragem da RLIE apresenta nem todos os desafios que coloca, mas sim examinar e tomar uma posição sobre o processo de reforma e de modernização deste modo de resolução de litígios que está a ser debatido na CNUDCI e no qual a Comissão Europeia desempenha um papel central.

3.   Observações gerais

3.1.

O modelo de RLIE tem sido objeto de várias críticas nos últimos anos e o interesse pela revisão dos tratados de investimento tem vindo continuamente a aumentar, uma vez que estão em causa o direito dos Estados de legislarem, a legitimidade democrática, as normas europeias (quer sejam sanitárias, fitossanitárias, sociais ou ambientais), bem como a neutralidade e a independência dos árbitros.

3.2.

Os problemas mais frequentemente identificados dizem respeito à falta de transparência nos litígios em matéria de investimento, à falta de coerência e de previsibilidade das decisões de arbitragem, ao papel e à independência dos árbitros, às dúvidas sobre a sua legitimidade e sobre o efeito dissuasor das sentenças sobre os poderes regulamentares do Estado. O efeito dissuasor refere-se, nomeadamente, ao facto de os Estados poderem ser dissuadidos de adotar legislação, por definição, de interesse geral, por receio de se exporem a uma responsabilidade decorrente de um tratado de investimento e a uma eventual obrigação de pagamento de somas elevadas aos investidores estrangeiros em caso de litígio, em detrimento dos seus cidadãos e contribuintes.

3.3.

As críticas incidem frequentemente também sobre as cláusulas dos regimes de RLIE, pelo facto de estas conterem conceitos vagos e demasiado abrangentes, como os conceitos de «tratamento justo e equitativo» e de «expropriação indireta», que podem gerar insegurança jurídica e levar a uma potencial utilização abusiva.

3.4.

De igual modo, o princípio da impossibilidade de recurso ou de recurso de anulação ou de revisão, salvo convenção em contrário, afeta o direito de exercício de um recurso jurisdicional efetivo. Nos últimos anos, os investidores têm explorado as lacunas existentes nestes sistemas de RLIE clássicos, o que tem conduzido a um crescimento sem precedentes do número de litígios entre investidores e Estados, bem como a um aumento significativo das quantias reclamadas pelos investidores e dos custos dos processos.

3.5.

Tendo em conta que a superação dos desafios com que a UE se confronta atualmente — como as alterações climáticas (que implicam uma transição para uma economia hipocarbónica justa para os trabalhadores), a resposta à COVID-19, a transformação digital e a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (que incluem a noção de trabalho digno) — depende de investimentos internacionais e nacionais, é fundamental proceder a uma reforma profunda dos sistemas de resolução de litígios entre os investidores e os Estados.

3.6.

O CESE recorda a necessidade de dispor de um sistema de proteção do investimento internacional adequado, eficaz e moderno e que inclua um mecanismo de resolução de litígios, mas também de conciliar o quadro de reforma do modelo de RLIE com os objetivos ambiciosos em matéria de desenvolvimento sustentável a que a União se propôs. Tratados de investimento mal elaborados podem travar o progresso, enquanto os bem elaborados podem ajudar as sociedades a enfrentar os desafios com que se confrontam atualmente.

4.   Desafios do debate na União Europeia

4.1.

As críticas ao modelo de RLIE levaram a Comissão, em 2015, a procurar substituí-lo pela criação de um órgão permanente de resolução de litígios em matéria de investimento, concebido especificamente para responder às preocupações mencionadas anteriormente.

4.2.

Convém salientar que, com a criação de um tribunal multilateral de investimento, a Comissão visa questões processuais ligadas à resolução dos litígios, mas não responde de forma cabal às críticas de fundo formuladas contra o sistema de RLIE.

4.3.

Segundo a abordagem de reforma em apreço, as questões de fundo relativas, por exemplo, ao direito substantivo aplicável ou às regras de interpretação, nomeadamente o respeito pela coerência com outras obrigações internacionais (por exemplo, as obrigações no quadro da Organização Internacional do Trabalho e das convenções das Nações Unidas), só poderão ser tratadas no âmbito dos acordos de investimento subjacentes aplicáveis ao tribunal multilateral de investimento.

4.4.

O CESE manifesta, por conseguinte, o receio de que, mesmo que se chegue a um acordo sobre um novo sistema de resolução de litígios no plano multilateral, esse sistema não resolva o problema de fundo dos acordos bilaterais de proteção dos investimentos que contêm disposições vagas ou demasiado abrangentes suscetíveis de conduzir a abusos (nomeadamente, os conceitos de tratamento justo e equitativo e de expropriação indireta, referidos anteriormente). O CESE defende, portanto, que se circunscreva as disposições relativas ao tratamento justo e equitativo exclusivamente à não discriminação e à expropriação direta e exorta a Comissão Europeia a ter também em conta a problemática destas questões do direito substantivo aplicável, em vez de se restringir aos elementos processuais.

4.5.

As modalidades exatas do funcionamento do tribunal multilateral de investimento (nomeadamente no que respeita à composição, ao orçamento, à possibilidade de ser assistido por um secretariado, etc.) dependerão dos resultados das negociações que terão lugar entre os países que venham a aderir ao novo sistema.

5.   Necessidade de uma abordagem coerente com os objetivos de desenvolvimento sustentável e de justiça social

5.1.

Atualmente, existe na opinião pública — e mesmo nos peritos — a perceção de uma grande discrepância entre a proteção dos investimentos, que beneficia de força jurídica obrigatória e de instrumentos jurídicos vinculativos para a sua execução, e a proteção conferida aos direitos humanos, sociais, ambientais ou sanitários, cujos dispositivos internacionais não são vinculativos ou têm pouca força jurídica, ou, quando são vinculativos, carecem de instrumentos para uma aplicação adequada.

5.2.

O debate sobre a reforma do sistema de RLIE deve ter igualmente em conta a nova abordagem da Comissão Europeia relativa à aplicação e execução dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre da UE, que procede à revisão do plano de ação de 15 pontos de 2018 (5).

5.3.

O CESE congratula-se com o lançamento pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) de uma iniciativa (6) sobre o futuro dos acordos de investimento que visa examinar de que forma os futuros acordos permitirão responder aos desafios identificados e estimular reflexões de reforma. A necessidade primordial de fazer face à crise climática está no cerne desta iniciativa. No entanto, o CESE insta a que, no âmbito desses trabalhos, se tenha igualmente em consideração as questões sociais, em especial com vista a tornar o dever de diligência num critério de elegibilidade dos investidores estrangeiros.

5.4.

Os trabalhos da OCDE abrangem metas importantes da recomendação do Conselho sobre as qualidades do investimento direto estrangeiro (IDE) necessárias para fortalecer o desenvolvimento sustentável (7), adotada pelos ministros da OCDE em junho de 2022. Trata-se do primeiro instrumento multilateral destinado a ajudar os decisores políticos a reforçar o contributo positivo do investimento internacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. É acompanhado de um instrumentário de políticas de qualidade para reforçar o impacto do IDE (FDI Qualities Policy Toolkit (8)) e de indicadores para medir a qualidade do IDE, atualizados em 2022 (FDI Qualities Indicators 2022 (9)).

5.5.

Tal como a Comissão do Comércio Internacional (INTA) do Parlamento Europeu (10), o CESE considera que a política da União em matéria de investimento deve certamente responder às expectativas dos investidores e dos Estados beneficiários, mas também ser consentânea com os interesses económicos mais gerais da União, os objetivos de política externa e as prioridades da União, nomeadamente em matéria de proteção do ambiente, dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.

5.6.

O CESE afirma que ao abrigo do direito internacional consuetudinário e do direito internacional dos direitos humanos, as pessoas singulares devem primeiro procurar obter reparação junto dos tribunais nacionais antes de poderem interpor ações contra um Estado junto de tribunais internacionais; lamenta que, em contrapartida, o direito internacional em matéria de investimento não exija normalmente o esgotamento das vias de recurso nacionais antes do recurso aos tribunais internacionais.

5.7.

Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a dedicar mais atenção à questão do esgotamento das vias de recurso nacionais.

6.   Papel do Grupo de Trabalho III (GT-III) da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI)

6.1.

Com base no mandato que lhe foi conferido pelo Conselho, a Comissão encetou negociações com os Estados membros das Nações Unidas, sob a égide da CNUDCI, no âmbito do GT-III.

6.2.

O CESE recorda à Comissão o seu pedido de ser mais estreitamente associado aos seus trabalhos no âmbito da CNUDCI.

6.3.

Em novembro de 2017, a CNUDCI confiou ao GT-III «um mandato amplo para trabalhar na eventual reforma da resolução dos litígios entre investidores e Estados (RLIE)». Na primeira fase das deliberações, o GT-III identificou vários problemas.

Problemas relacionados com a duração e os custos globais da RLIE (11):

O grupo de trabalho tomou nota de análises baseadas nas informações limitadas que estão disponíveis atualmente, que indicam que 80 % a 90 % dos custos da RLIE dizem respeito aos custos de representação jurídica e aos honorários de peritos, e que o montante dos custos ascende, em média, a 8 milhões de dólares por processo.

Foi chamada a atenção, em particular, para o facto de os Estados em desenvolvimento, com recursos financeiros limitados, terem dificuldades em justificar os custos elevados dos processos de RLIE financiados com fundos públicos.

Foi sublinhado que as consequências em termos de duração e de custo do processo decorriam igualmente do facto de o regime de RLIE não seguir a regra do precedente vinculativo, o que conduz à falta de previsibilidade.

Foi também assinalado que os elevados custos dos processos, em determinados sistemas, limitavam o acesso das pequenas e médias empresas ao mecanismo de RLIE, o que as privava da proteção prevista nos termos dos tratados de investimento.

No entanto, foi também observado que os custos adicionais podiam resultar também, em determinados sistemas, de práticas abusivas, da existência de processos paralelos, da ausência de regras processuais claras e da ausência de um mecanismo que permita o rápido indeferimento dos pedidos abusivos.

Além disso, foi salientado que o aumento dos custos se deve a problemas sistémicos e à estrutura do regime de RLIE, ou mesmo à falta de um sistema. Foi observado ainda que estes problemas estão na origem da falta de coerência e de previsibilidade dos resultados, o que afeta principalmente os Estados demandados.

Problemas relacionados com preocupações de fundo, tendo em conta a interação com as normas de direito substantivo subjacentes (12):

Outros meios, além da arbitragem, para resolver os litígios em matéria de investimento e métodos de prevenção de litígios.

Esgotamento das vias de recurso nacionais.

Participação de terceiros.

Pedidos reconvencionais.

Impeditivo regulamentar.

Cálculo dos danos.

6.4.

Desde o início dos trabalhos, o GT-III trabalhou em duas vertentes principais: a primeira relativa a uma eventual reforma estrutural, abrangendo a criação de um tribunal permanente e de um sistema de recurso, a nomeação dos juízes e o âmbito do recurso. A segunda vertente paralela referente aos elementos de reforma incrementais e não estruturais, como a elaboração de um código de conduta para os árbitros e os juízes de forma a aumentar a transparência e evitar os conflitos de interesses, uma metodologia para avaliar as perdas e danos e os meios de favorecer a mediação entre as partes. Em contrapartida, não se registaram progressos significativos em relação à reforma estrutural e a questões transversais. Por exemplo, as questões da jurisdição e da composição do tribunal permanente e do processo de nomeação dos respetivos membros continuam a suscitar controvérsia no seio das delegações.

6.5.

Por seu turno, a Comissão Europeia aventa no debate a criação de regras claras em matéria de deontologia e de imparcialidade, e defende nomeações não renováveis, o emprego a tempo inteiro dos árbitros e mecanismos de nomeação de juízes independentes. O CESE subscreve esta posição por considerar que a imposição de regras estritas é fundamental para evitar conflitos de interesses.

6.6.

Os assuntos referidos inicialmente sobre questões mais transversais, como o efeito dissuasor da RLIE, o esgotamento das vias de recurso nacionais e o acesso de terceiros, como as comunidades locais afetadas pelos investimentos, não mereceram grande atenção para grande frustração dos muitos grupos da sociedade civil que assistiam na qualidade de observadores. Em plena consonância com as recomendações que apresentou no Parecer REX/501, o CESE incentiva a Comissão a assegurar que essas questões de fundo continuem a ser objeto de negociação, sendo abordadas de forma satisfatória.

6.7.

O CESE lamenta a falta de legibilidade dos relatórios das reuniões e do sítio Web do GT-III, que obsta a que as partes interessadas se possam informar corretamente sobre o desenrolar dos trabalhos.

6.8.

O CESE observa que, embora os trabalhos do GT-III se centrem nos elementos processuais, a iniciativa poderá ter efeitos positivos no futuro, nomeadamente conduzir a uma jurisprudência mais clara e mais estável, o que facilitará também uma reforma do direito substantivo aplicável no âmbito dos tratados de investimento. No entanto, para fazer verdadeiramente a diferença, o CESE considera essencial que a reforma institucional do processo multilateral de reforma do sistema de RLIE assuma uma abordagem mais holística da governação internacional do investimento, abandonando a arbitragem pontual, sem se limitar a substituir a arbitragem da RLIE por um tribunal entre os investidores e o Estado.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A figura do amicus curiae (amigo do tribunal) designa a entidade ou a pessoa que, não sendo parte no litígio, deseja apresentar argumentos jurídicos ao tribunal. A admissão de amicus curiae realiza-se sob condições estritas, a fim de garantir o respeito pelo equilíbrio de direitos entre as partes litigantes durante o processo. No entanto, encerra a promessa de legitimidade que os amicus curiae conferem ao processo de arbitragem do investimento, https://www.iisd.org/itn/fr/2019/04/23/protecting-social-rights-using-the-amicus-curiae-procedure-in-investment-arbitration-a-smokescreen-against-third-parties-maxime-somda/.

(2)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 145.

(3)  Nos casos em que os Estados envolvidos nas negociações pretendem estabelecer a ordem hierárquica de tratados sucessivos sobre a mesma matéria, as cláusulas finais contêm disposições que regem as relações entre o novo tratado e os tratados em vigor ou os tratados que venham a ser celebrados posteriormente sobre a mesma matéria.

(4)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 145, JO C 487 de 28.12.2016, p. 30, JO C 332 de 8.10.2015, p. 45.

(5)  O CESE debruçou-se sobre a questão no seu Parecer — Comércio de próxima geração e desenvolvimento sustentável — Revisão do plano de ação de 15 pontos (JO C 105 de 4.3.2022, p. 40).

(6)  https://www.oecd.org/investment/investment-policy/investment-treaties.htm

(7)  https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0476

(8)  https://www.oecd-ilibrary.org/finance-and-investment/fdi-qualities-policy-toolkit_7ba74100-en

(9)  https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=1144_1144750-u5ks4jvtnl&title=FDI-Qualities-Indicators-2022

(10)  Resolução do Parlamento Europeu, de 23 de junho de 2022, sobre o futuro da política da UE em matéria de investimento internacional [2021/2176 (INI)].

(11)  Relatório do Grupo de Trabalho III (Reforma da Resolução de Litígios entre os Investidores e o Estado) sobre os trabalhos da sua trigésima quarta sessão (Viena, 27 de novembro a 1 de dezembro de 2017) (em inglês).

(12)  Relatório do Grupo de Trabalho III (Reforma da Resolução de Litígios entre os Investidores e o Estado) sobre os trabalhos da sua trigésima sétima sessão (Nova Iorque, 1 a 5 de abril de 2019) (em inglês).


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

573.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu, 26.10.2022-27.10.2022

28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/136


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração

[COM(2022) 650 final]

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado-Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado-Membro

[COM(2022) 655 final]

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Atrair competências e talentos para a UE

[COM(2022) 657 final]

(2023/C 75/19)

Relator:

José Antonio MORENO DÍAZ

Correlatora:

Milena ANGELOVA

Consulta

Comissão Europeia, 26.7.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

179/0/6

1.   Introdução

1.1.

Em abril de 2022, a Comissão Europeia apresentou o pacote de medidas relativas às competências e aos talentos no seguimento da agenda de trabalho do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo adotado em setembro de 2020. O novo pacote tem por objetivo promover a migração ordenada para a União, incentivando a atração de talentos e competências de forma a beneficiar tanto os países de origem como os de destino. As revisões visam também promover um sistema mais eficiente e coerente de direitos e oportunidades de emprego para os nacionais de países terceiros residentes na União e, simultaneamente, reforçar a atratividade da União enquanto destino para nacionais qualificados de países terceiros.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o pacote em análise, que adota uma abordagem construtiva e coerente da migração e responde à necessidade de melhorar os instrumentos da União em matéria de migração regular. Com a aceleração das transições digital e ecológica e numa altura em que é evidente a escassez de mão de obra e de competências em todos os setores da atividade económica, o CESE salienta o papel que a migração legal pode desempenhar para suprir a escassez de mão de obra e de competências em áreas com necessidades comprovadas.

1.3.

O CESE já havia manifestado a sua preocupação com o facto de o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo colocar a ênfase na gestão das fronteiras e no controlo da migração e, como tal, considera como positivo os progressos realizados na governação da imigração organizada e regular.

1.4.

O CESE aprecia o reconhecimento, por parte da Comissão, do papel essencial que os migrantes já desempenham na economia e na sociedade europeias, contribuindo para satisfazer as necessidades de um mercado de trabalho em mutação e, sempre que necessário, para fazer face à escassez de mão de obra e de competências: uma mudança de perspetiva é essencial e deve ser acompanhada de um discurso normalizador e positivo.

1.5.

O CESE congratula-se, assim, com o facto de a entrada de talentos de países terceiros estar a ser facilitada para ajudar a satisfazer estas necessidades crescentes, sobretudo em setores com carências estruturais.

1.6.

Sem pôr em causa a sua importância, o CESE propõe que se examine a narrativa que associa a chegada de trabalhadores de países terceiros às necessidades dos mercados de trabalho dos Estados-Membros, a fim de prevenir situações de subemprego e más condições de trabalho dos trabalhadores recém-chegados à UE oriundos de países terceiros.

1.7.

O CESE considera que, para atrair talentos para a União, é necessário progredir no que toca a novas vias, mas também salienta que existem outras necessidades nos mercados de trabalho dos Estados-Membros que requerem a conceção de medidas paralelas às previstas no pacote proposto. Concretamente, é importante intensificar os esforços para apoiar a integração no mercado de trabalho das pessoas desempregadas e inativas através de medidas de apoio específicas.

1.8.

O CESE considera que a Comissão deve ser mais ambiciosa na procura de vias de migração laboral legais e organizadas que tenham igualmente em conta as pessoas que necessitam de proteção internacional.

1.9.

O CESE congratula-se com a Comunicação — Atrair competências e talentos para a UE, considerando que a mesma constitui um passo em frente no domínio da migração laboral, que requer instrumentos adequados, realistas e eficazes nos novos contextos.

1.10.

O CESE considera necessário realizar progressos na reserva de talentos da UE (1), começando com o projeto-piloto inicial e a versão completa a lançar no próximo ano, e salienta que o êxito e o alcance da reserva de talentos dependerão da mobilização dos recursos adequados para tornar o instrumento acessível e operacional. Além disso, acolhe com agrado as parcerias para atração de talentos, considerando que devem ser desenvolvidas em cooperação com países terceiros. O CESE insta à criação de mecanismos de avaliação adequados, que assegurem a visibilidade e a transparência na execução das parcerias para atração de talentos, não só mediante a avaliação dos instrumentos em si, mas também a identificação dos países com os quais cooperar — o respeito pelo Estado de direito e pelos direitos humanos deve estar sempre presente nas relações externas da política da União em matéria de imigração e asilo.

1.11.

Embora as mulheres predominem em alguns setores cruciais, as mulheres móveis e migrantes podem estar sujeitas a empregos precários e à economia informal, sendo muitas vezes particularmente vulneráveis à discriminação, à exclusão social e à falta de oportunidades de emprego e de formação, bem como expostas a abusos, violência e assédio. O CESE considera que a proteção dos direitos da mulher e a perspetiva de género devem ser integradas de forma mais sólida.

1.12.

O CESE congratula-se com a proposta de revisão da Diretiva relativa à residência de longa duração na União Europeia. Regista com agrado o facto de a Comissão, na sua proposta, facilitar o processo de consecução deste estatuto através da acumulação de períodos de residência em diferentes Estados-Membros, promover a mobilidade intra-UE e visar alargar a igualdade de acesso à proteção social aos nacionais da UE que sejam residentes de longa duração noutro Estado-Membro.

1.13.

O CESE congratula-se com a revisão da Diretiva Autorização Única, incluindo o objetivo de facilitar e simplificar o procedimento de requerimento e de garantir que a autorização única não é associada a um empregador específico, embora considere que se poderia ter tentado alargar o leque de direitos, em conformidade com o conteúdo da primeira proposta de diretiva apresentada em 2011.

1.14.

O CESE considera essencial que a revisão sublinhe a necessidade de reforçar a igualdade de tratamento dos trabalhadores nacionais de países terceiros, em especial no que diz respeito às condições de trabalho, à liberdade de associação e filiação e às prestações de segurança social.

1.15.

O CESE sublinha igualmente a importância da participação dos parceiros sociais e de outras entidades pertinentes no debate sobre a melhoria da governação da migração laboral a nível da UE. Para o efeito, congratula-se com a proposta de criação da plataforma de diálogo a nível da UE.

2.   Observações gerais

2.1.

Em abril de 2022, a Comissão Europeia apresentou o pacote de medidas relativas às competências e aos talentos no seguimento da agenda de trabalho do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo adotado em setembro de 2020. O pacote inclui a revisão da Diretiva 2003/109/CE relativa à residência de longa duração (2), da Diretiva 2011/98/UE relativa à autorização única (3) e da Comunicação — Atrair competências e talentos para a UE (4).

2.2.

O novo pacote tem por objetivo promover a migração ordenada para a União, incentivando a atração de talentos e competências de forma a beneficiar tanto os países de origem como os de destino. As revisões visam também promover um sistema mais eficiente e coerente de direitos e oportunidades de emprego para os nacionais de países terceiros residentes na União, contribuindo para reforçar a atratividade da União enquanto destino para nacionais qualificados de países terceiros.

2.3.

A Comunicação — Atrair competências e talentos para a UE visa ordenar os princípios que regem a migração legal para a União por razões económicas. Reflete a intenção de reforçar o pilar legislativo com as duas propostas de revisão, de estabelecer parcerias para atração de talentos e a reserva de talentos da UE e de promover a política de migração legal nos domínios da prestação de cuidados, da juventude e da inovação.

2.4.

O CESE salienta que a proposta carece de um exercício de análise e de avaliação que determine as causas do mau funcionamento das atuais diretivas sobre autorizações únicas ou autorizações de longa duração. A Comissão deve analisar e dar a conhecer as causas destas disfunções de implementação, identificando se se trata de falta de vontade dos Estados-Membros ou de um excesso de burocracia, entre outras causas possíveis, por forma a evitar problemas semelhantes no futuro.

2.5.

A proposta de revisão da Diretiva Autorização Única constitui uma oportunidade para alargar o acesso a este instrumento e facilitar a participação de trabalhadores de países terceiros no mercado de trabalho, consolidando simultaneamente os direitos que lhe são inerentes e progredindo na harmonização da sua aplicação entre os Estados-Membros.

2.6.

A proposta de revisão da diretiva da UE relativa à residência de longa duração procura também melhorar a sua aplicação nos diferentes Estados-Membros, facilitando ao mesmo tempo a mobilidade intra-UE através da simplificação do procedimento e da redução dos prazos exigidos para obtenção de autorizações de residência de longa duração.

2.7.

De modo geral, o CESE congratula-se com o pacote em análise, o qual adota uma abordagem construtiva e coerente da migração, responde à necessidade de melhorar os instrumentos da União em matéria de migração regular e destaca o papel que a migração legal pode desempenhar para suprir a escassez de mão de obra e de competências em setores com necessidades comprovadas. O CESE já havia manifestado a sua preocupação com o facto de o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo colocar a ênfase na gestão das fronteiras e no controlo da migração e, como tal, congratula-se com os progressos realizados na governação da imigração organizada e regular.

2.8.

O CESE reconhece o papel essencial que os migrantes já desempenham na economia e na sociedade europeias, contribuindo para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho e fazer face — sempre que necessário — à escassez de mão de obra e de competências. Congratula-se, assim, com a facilitação da entrada de talentos oriundos de países terceiros para ajudar a satisfazer estas necessidades crescentes, sobretudo em setores com carências estruturais. Congratula-se igualmente com as medidas que visam atrair empresas inovadoras e com capacidade para crescer, que proporcionam à economia e à sociedade da UE um valor acrescentado considerável. Os projetos de investigação internacionais continuam a ser outra forma eficaz de promover, atrair e reter talentos de craveira mundial. Para tal, importa acelerar e simplificar o acesso de profissionais de países terceiros procurados pelo mercado de trabalho da UE, de modo a aumentar a atratividade da Europa face a outras partes do mundo. O CESE também incentiva e acolhe favoravelmente a criação e o lançamento de instrumentos práticos que permitam facilitar a ligação e a correspondência entre talentos de países terceiros e potenciais empregadores nos Estados-Membros.

2.9.

Importa refletir sobre a narrativa que associa a entrada de mão de obra estrangeira às necessidades dos mercados de trabalho dos Estados-Membros. Em alguns Estados-Membros da UE, existem determinados setores e profissões afetados pelo desemprego estrutural, o qual pode decorrer de inadequação das competências, de falta de atratividade desses setores/profissões e de preocupações relacionadas com as condições de trabalho. Nesses países, é importante tentar reforçar a atratividade desses setores e profissões para os trabalhadores dos mercados nacionais (trabalhadores nacionais desse país, da UE e de países terceiros portadores de autorizações de trabalho), a fim de prevenir o subemprego e as más condições de trabalho dos trabalhadores recém-chegados à UE oriundos de países terceiros. Paralelamente, a reserva de talentos da UE pode ajudar a facilitar a correspondência específica entre trabalhadores de países terceiros e postos de trabalho na UE, de forma a evitar o subemprego destes trabalhadores.

2.10.

Embora considere que, para atrair talentos para a UE, é necessário progredir no que toca a novas vias, o CESE salienta também que existem outras necessidades nos mercados de trabalho dos Estados-Membros que requerem a conceção de medidas paralelas às previstas no pacote proposto.

2.11.

A este respeito, o CESE espera que possam ser realizados progressos (tal como previsto nos relatórios de seguimento) na melhoria da Diretiva Trabalhadores Sazonais e da Diretiva relativa à transferência de trabalhadores dentro de uma mesma empresa, prevista para 2023. Nesse sentido, salienta a necessidade, em conformidade com as resoluções do Parlamento Europeu e as suas próprias resoluções, de envidar esforços para assegurar a proteção dos trabalhadores sazonais e, em especial, para combater a exploração laboral, sempre que identificada, reforçando e aumentando o número de inspeções de trabalho para esse efeito, em consonância com as atividades da Autoridade Europeia do Trabalho.

2.12.

À luz da adoção da Agenda de Competências para a Europa (5) em 1 de julho de 2020, o CESE entende que se deve tratar os migrantes, os refugiados e os requerentes de proteção internacional em pé de igualdade, independentemente das suas competências e qualificações. Por conseguinte, todos os trabalhadores devem poder validar as suas aptidões e competências e participar em programas de aprendizagem, requalificação e melhoria de competências de qualidade e eficazes, de modo a poderem ser integrados no mercado de trabalho com base em percursos de aprendizagem flexíveis que correspondam às suas necessidades específicas e tendo devidamente em conta as suas diferentes faixas etárias.

2.13.

O CESE considera que a Comissão deve ser mais ambiciosa na procura de vias de migração laboral legais e organizadas que tenham igualmente em conta as pessoas que necessitam de proteção internacional.

2.14.

No que diz respeito aos estudantes de países terceiros que vêm para a UE estudar, cabe dar a devida atenção à sua integração harmoniosa no mercado de trabalho da UE, atenuando ao mesmo tempo a fuga de cérebros: seria positivo integrar medidas preventivas, como cláusulas de recrutamento ético (6), mecanismos de regresso assistido e reintegração nos seus países de origem, ou introduzir cláusulas específicas a este respeito nos acordos bilaterais de migração laboral.

3.   Relativamente à Comunicação — Atrair competências e talentos para a UE

3.1.

A comunicação apresentada em abril de 2022 retoma as recomendações do Pacto em matéria de Migração e Asilo de 2020 no que diz respeito à migração legal, com o objetivo de promover iniciativas legislativas e operacionais neste domínio.

3.2.

O CESE congratula-se com esta comunicação, considerando que constitui um passo em frente na migração laboral, um domínio que requer instrumentos adequados aos novos contextos. A este respeito, o CESE considera oportuna a inclusão de uma série de medidas específicas para os refugiados ucranianos e lamenta também que tais medidas não tenham sido adotadas mais cedo para as pessoas com necessidade de proteção internacional em geral, sobretudo durante a crise gerada pela guerra na Síria em 2015. O CESE está convicto de que a ação e as iniciativas tomadas relativamente aos refugiados ucranianos constituem um ponto de viragem e devem passar a ser a norma para a ação da UE em casos semelhantes no futuro.

3.3.

O CESE considera necessário fazer avançar as parcerias para atração de talentos em cooperação com países terceiros. No entanto, insta à criação de mecanismos de avaliação adequados, não só para os instrumentos em si, mas também para a identificação dos países com os quais cooperar. O respeito pelo Estado de direito e pelos direitos humanos é um elemento que deve estar sempre presente nas relações externas da política da UE em matéria de imigração e asilo. O CESE considera ainda necessário examinar e avaliar os procedimentos e os resultados dos projetos-piloto já concluídos, que deverão ser tidos em conta e utilizados aquando do lançamento de novos projetos.

3.4.

Ao apresentar a proposta para a reserva de talentos da UE, é importante que a Comissão Europeia coopere com os Estados-Membros e os parceiros sociais na criação da reserva de forma a minimizar a burocracia e evitar complexidades desnecessárias, de modo a torná-la operacional o mais rapidamente possível. A reserva deve contribuir para satisfazer as necessidades atuais e futuras em matéria de competências e tirar partido das oportunidades proporcionadas pela inteligência artificial e por outras tecnologias avançadas, utilizando plenamente as competências e os talentos dos nacionais de países terceiros, enquanto complemento do papel desempenhado pelos nacionais dos Estados-Membros e pela mobilidade laboral no interior da União.

3.5.

Tendo em conta a grave escassez de mão de obra e de competências sentida pelos empregadores, que, em muitos casos, são de natureza estrutural, um ponto de partida importante para o lançamento da versão completa da reserva seria adotar uma abordagem direcionada para a correspondência entre as competências disponíveis e as necessidades, com base em listas de profissões em situação de escassez. Dada a importância de assegurar que as listas nacionais de profissões em situação de escassez estão atualizadas, a Comissão deve identificar oportunidades de aprendizagem mútua e de avaliação entre pares sobre este tema.

3.6.

A par da elaboração do conceito de reserva de talentos, é necessário continuar a desenvolver, com a participação dos empregadores e sindicatos, informações em tempo real sobre o mercado de trabalho e as competências, o que permitirá assegurar a eficácia da reserva. Paralelamente, importa reforçar a capacidade da União de recolher e interpretar dados comparáveis e credíveis sobre a necessidade de migração oriunda de países terceiros.

3.7.

O CESE congratula-se com a introdução de ferramentas que facilitem a correspondência entre a oferta e a procura. Está convicto de que essas medidas são necessárias para o recrutamento de talentos, mas reitera a necessidade real de, paralelamente, abordar também outros setores dos mercados de trabalho dos Estados-Membros.

3.8.

O CESE corrobora a afirmação da Comissão de que o êxito destas iniciativas requer a cooperação e a participação dos agentes sociais e económicos, e considera essencial que se avance na criação de oportunidades de diálogo entre estes a nível europeu. O CESE, enquanto instância privilegiada para debater questões operacionais e práticas relacionadas com a migração laboral, espera participar na conferência de alto nível que a Comissão planeou para o final de 2022 sobre a nova plataforma de migração laboral. O CESE sublinha igualmente a importância da participação dos parceiros sociais e de outras entidades pertinentes no debate sobre a melhoria da governação da migração laboral a nível da UE. Para o efeito, congratula-se com a proposta de criação da plataforma de diálogo a nível da UE.

3.9.

O CESE considera que a exploração de vias futuras para a migração laboral num setor como o da prestação de cuidados constitui um avanço, embora lamente que os progressos realizados se estruturem em torno de procedimentos específicos que fragmentam a integridade da política europeia comum em matéria de imigração e asilo, o que impede uma visão completa. Em todo o caso, o CESE concorda que é necessário realizar progressos nestes domínios, abordando questões como o recrutamento ético ou as normas de proteção dos direitos laborais.

3.10.

Embora as mulheres predominem na maioria dos setores cruciais, as mulheres móveis e migrantes podem estar sujeitas a empregos precários e à economia informal, sendo muitas vezes particularmente vulneráveis à discriminação, à exclusão social e à falta de oportunidades de emprego e de formação, bem como expostas a abusos, violência e assédio. O CESE considera que a proteção dos direitos da mulher e a perspetiva de género devem ser integradas de forma mais sólida.

3.11.

O CESE congratula-se igualmente com a promoção de programas de mobilidade para os jovens, embora saliente, mais uma vez, a necessidade de assegurar uma mobilidade e integração no mercado de trabalho capaz de proteger os direitos laborais dos trabalhadores mais jovens, que por vezes enfrentam condições de trabalho mais precárias (emprego temporário, salários baixos, etc.). Na mesma ordem de ideias, cumpre estabelecer medidas específicas para os trabalhadores com deficiência, a fim de facilitar a sua integração adequada.

3.12.

O CESE congratula-se com a iniciativa de explorar programas de admissão para o empreendedorismo inovador de países terceiros. A este respeito, o CESE considera que o facto de estes programas de admissão estarem a ser explorados no contexto da economia digital e sustentável constitui um aspeto positivo, mas está em crer que, se forem devidamente estruturados, também podem facilitar a entrada de muitos outros perfis profissionais nos países da UE.

4.   Relativamente à revisão da Diretiva Residentes de Longa Duração da UE

4.1.

O CESE congratula-se com a proposta de diretiva que procura reforçar o estatuto de residente de longa duração na União, melhorando o modo como o mesmo é adquirido, em especial no caso da residência num segundo Estado-Membro. Congratula-se igualmente com o facto de a proposta procurar alargar a igualdade de acesso à proteção social aos cidadãos da UE que são residentes de longa duração noutro Estado-Membro. O CESE acolhe igualmente com agrado o facto de a diretiva procurar assegurar a igualdade de tratamento e de facilitar o acesso à informação no que diz respeito ao reagrupamento familiar.

4.2.

A residência de longa duração na União constitui um dos principais instrumentos da política europeia em matéria de imigração e asilo. Os procedimentos de aquisição do estatuto de residência de longa duração na União, adotados em 2003, não se desenvolveram de igual modo em toda a União, e a revisão proposta pela Comissão procura criar um sistema mais coerente.

4.3.

Os nacionais da União podem apresentar um pedido de autorização de residência de longa duração após cinco anos de residência num segundo Estado-Membro, uma disposição que se mantém na proposta de diretiva revista. A proposta visa facilitar a mobilidade, no interior da União, de pessoas com este tipo de residência, reduzindo o período de residência exigido para três anos e prevendo, além disso, a possibilidade de acumular períodos de residência em diferentes Estados-Membros.

4.4.

O CESE considera que o facto de se permitir aos requerentes acumular períodos de residência em diferentes Estados-Membros para cumprir os requisitos de residência de longa duração da União constitui um avanço, mas entende que importa melhorar os mecanismos de acompanhamento e coordenação desta disposição nos diferentes Estados-Membros.

4.5.

O CESE congratula-se com a inclusão de vários modelos de residência, tais como a residência para efeitos de formação, proteção internacional e residência temporária. Os vistos de curta duração não são contabilizados, embora possam ser considerados ao abrigo da disposição, se o requerente puder demonstrar uma relação laboral regular ou similar.

4.6.

O CESE congratula-se igualmente com o reforço dos direitos dos residentes de longa duração na União e dos seus familiares, incluindo o direito de se deslocar e de trabalhar noutros Estados-Membros, ou de mudar de emprego e se deslocar para outro Estado-Membro. O CESE considera particularmente interessante que, nos termos do novo artigo proposto, não seja necessário considerar a situação do mercado de trabalho nacional para pedidos de autorização de residência de longa duração num segundo Estado-Membro (ou seja, nos casos em que a residência de longa duração na União já tenha sido obtida), tanto para trabalho assalariado como para trabalho independente.

4.7.

O CESE congratula-se com a simplificação da possibilidade de trabalhar e estudar no prazo de 30 dias após a apresentação de um pedido de autorização de residência de longa duração num segundo Estado-Membro. Congratula-se igualmente com o reconhecimento do direito ao exercício de uma profissão regular (de um residente de longa duração num segundo Estado-Membro) nas mesmas condições que os cidadãos da UE.

4.8.

O CESE reconhece a importância de os Estados-Membros garantirem que os residentes de longa duração na União (e os seus familiares) beneficiam das mesmas liberdades e dos mesmos direitos que as pessoas com residência permanente nacional. Além disso, o CESE saúda o facto de os Estados-Membros também assegurarem que os requerentes de uma autorização de residência de longa duração na União não têm de pagar, pelo tratamento do seu pedido, taxas mais elevadas do que as impostas aos requerentes de autorizações de residência nacionais.

4.9.

O CESE considera que o direito de viver em família é fundamental para facilitar a integração social. Por conseguinte, congratula-se com a eliminação dos obstáculos administrativos e burocráticos, nomeadamente as condições de integração no caso dos residentes de longa duração. Congratula-se igualmente com a aquisição automática de residência de longa duração para os filhos nascidos (ou adotados) na UE de residentes de longa duração.

5.   Relativamente à revisão da Diretiva Autorização Única

5.1.

O CESE congratula-se com a revisão da Diretiva Autorização Única, que introduz várias melhorias na diretiva atual:

a redução do período do procedimento de autorização para quatro meses;

a possibilidade de lançar o procedimento a partir do país de origem ou de um Estado-Membro de destino;

o alargamento da diretiva de modo a incluir os nacionais estrangeiros que trabalhem através de agências de trabalho temporário;

a possibilidade de se mudar de empregador durante o período de validade da autorização, embora o governo continue a reservar-se o direito de recusa;

o facto de a autorização única não poder ser retirada, pelo menos durante um período de três meses após a cessação do emprego do titular da autorização, o que confere estabilidade e melhora a qualidade das condições de emprego e de trabalho dos trabalhadores migrantes;

o alargamento da Diretiva Autorização Única de modo a incluir as pessoas abrangidas pelo regime de proteção temporária;

a procura de formas de prestar informações sobre os direitos ligados à autorização única.

5.2.

Não obstante, o CESE considera que o facto de a revisão da diretiva não alargar o leque de direitos, em conformidade com o conteúdo da primeira proposta de diretiva, apresentada em 2011, constitui uma oportunidade perdida. Esta observação aplica-se a questões como o acesso a prestações de desemprego, embora o CESE sublinhe a importância de proporcionar aos Estados-Membros alguma flexibilidade a este respeito, tal como previsto na atual diretiva. Além disso, o CESE lamenta que não tenha sido explorada a possibilidade de alargar a diretiva aos migrantes em situações de trabalho temporário.

5.3.

O CESE considera essencial que a revisão sublinhe a necessidade de reforçar a igualdade de tratamento dos trabalhadores nacionais de países terceiros, em especial no que diz respeito ao aconselhamento em matéria de direitos sociais e condições de trabalho, à liberdade de associação e filiação e às prestações de segurança social, a fim de facilitar a integração no mercado de trabalho em condições de igualdade.

5.4.

O CESE faz seu o apelo lançado aos Estados-Membros para que estabeleçam mecanismos adequados de avaliação dos riscos, inspeções e sanções, bem como de fiscalização dos empregadores. No entanto, assinala que, sendo as inspeções do trabalho uma competência nacional, as mensagens e os instrumentos de acompanhamento que podem ser desenvolvidos a nível da UE devem ser reforçados em conformidade com o mandato da Autoridade Europeia do Trabalho (7).

5.5.

O CESE considera que são necessários mais progressos no sentido de proteger os trabalhadores migrantes que recorrem a mecanismos de reclamação no âmbito da inspeção do trabalho. Na ausência de mecanismos para impedir que as reclamações relativas ao trabalho sejam utilizadas para fins de controlo da migração, existe o risco de os empregadores punirem as pessoas que denunciam condições de trabalho exploratórias, com repercussões negativas para o seu estatuto de residência. Neste contexto, é necessário reforçar as medidas destinadas a combater a exploração laboral, bem como a sua aplicação.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  A reserva de talentos será uma reserva à escala da UE de candidatos provenientes de países terceiros, que serão selecionados com base em níveis de competências, critérios e requisitos de migração específicos, na sequência de uma análise das suas credenciais. Será a primeira plataforma e instrumento de correspondência para o efeito à escala da UE [COM(2022) 657 final].

(2)  COM(2022) 650 final.

(3)  COM(2022) 655 final.

(4)  COM(2022) 657 final.

(5)  https://ec.europa.eu/social/main.jsp?langId=pt&catId=89&furtherNews=yes&newsId=9723

(6)  Princípios gerais e diretrizes para o recrutamento justo e definição das comissões de recrutamento e dos custos conexos (em inglês).

(7)  https://www.ela.europa.eu/en/what-we-do


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/143


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública («ações judiciais estratégicas contra a participação pública»)

[COM(2022) 177 final — 2022/0117 COD]

(2023/C 75/20)

Relator:

Tomasz Andrzej WRÓBLEWSKI

Correlator:

Christian MOOS

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

143/2/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a iniciativa da Comissão, que constitui um passo em frente no combate aos processos de silenciamento, que têm vindo a aumentar na Europa desde 2015 (1). O combate às ações judiciais estratégicas contra a participação pública, ou seja, processos judiciais intentados contra a participação pública que são total ou parcialmente infundados e têm como principal objetivo impedir, restringir ou penalizar a participação pública, é fundamental para construir uma sociedade civil informada e reforçar a transparência na vida pública. Uma vez que estas ações também são intentadas por partes de fora da União Europeia (UE), as medidas de proteção contra tais ações contribuem para proteger a democracia europeia de ameaças externas.

1.2.

As ações judiciais estratégicas contra a participação pública caracterizam-se frequentemente por um desequilíbrio de poder significativo: os demandantes dispõem de mais recursos financeiros ou institucionais, o que lhes permite instaurar processos com relativa facilidade. Neste contexto, é importante assegurar que os demandados são dotados dos instrumentos adequados para se defenderem numa luta que é, neste momento, desigual.

1.3.

Importa salientar que as ações judiciais estratégicas contra a participação pública constituem um abuso do direito e são inaceitáveis em Estados de direito democráticos. Os jornalistas, em especial os independentes, são os mais vulneráveis a esta ameaça, mas este problema pode afetar também todos os outros participantes no debate público.

1.4.

É igualmente importante separar as ações judiciais estratégicas contra a participação pública, por um lado, e a proteção dos direitos pessoais e da possibilidade de defesa do bom-nome em casos de difamação, por outro. As referidas ações abrangem processos infundados e destinados a reprimir o debate público e a silenciar os respetivos participantes. Por conseguinte, os pedidos reconvencionais nessas ações não põem em causa o direito a um tribunal nem protegem as pessoas que divulgam conteúdos falsos ou difamatórios.

1.5.

O CESE congratula-se com os mecanismos propostos, mas entende que, durante os trabalhos legislativos, seria oportuno ponderar um alargamento da lista. Entre as propostas, merecem destaque a introdução de uma decisão prejudicial que põe termo a um processo considerado não conforme, a consolidação de processos a pedido do demandado na sua jurisdição designada, a fixação de um prazo para o procedimento ou a introdução de um procedimento acelerado, ou a proibição do financiamento da ação por uma pessoa que não o demandante.

1.6.

Além da aplicação de nova legislação, cujo processo legislativo completo poderá demorar vários anos, é pertinente rever a legislação nacional para identificar mecanismos que já permitam combater as ações judiciais estratégicas contra a participação pública. A identificação dos motivos que impedem uma utilização eficaz dos mecanismos existentes pode ajudar a proporcionar uma melhor proteção aos participantes no debate público.

1.7.

O acompanhamento das ações judiciais estratégicas contra a participação pública e da eficácia das soluções aplicadas também constitui uma questão importante. Importa analisar quem deve realizar essas avaliações, tendo em conta, nomeadamente, que as referidas ações podem ser intentadas por instituições públicas. Por conseguinte, a delegação desta competência nos Estados-Membros poderá não permitir a consecução adequada dos objetivos pretendidos.

1.8.

Simultaneamente, a fim de assegurar a maior eficácia possível na consecução do objetivo da diretiva, é importante avaliar a sua aplicação num período tão curto quanto possível. O CESE entende que um período mais curto é mais adequado do que o período de cinco anos atualmente previsto na proposta.

1.9.

Tendo em conta que a diretiva proposta se aplicará apenas a processos transfronteiriços, é igualmente importante procurar assegurar que cada Estado-Membro introduz iniciativas análogas para os processos nacionais. Por estar limitada a processos transfronteiriços, a diretiva proporcionará proteção apenas a determinados participantes no debate público, ignorando, em particular, jornalistas, ativistas ou denunciantes locais. A adoção de medidas abrangentes para combater as ações judiciais estratégicas contra a participação pública exige uma abordagem unificada em processos transfronteiriços e nacionais.

1.10.

Importa também instar os Estados-Membros a reverem as suas legislações nacionais de forma a descriminalizar a difamação. Quaisquer processos relativos aos direitos pessoais devem ser de natureza civil. A possível responsabilidade criminal conduz a uma situação em que os participantes no debate público possam ter mais receio de partilhar as suas opiniões ou de denunciar atos ilícitos.

1.11.

O CESE salienta que, além das disposições jurídicas, é extremamente importante aplicar medidas educativas adequadas e realizar ações de formação, tanto para os profissionais da justiça (em particular, os juízes e os advogados das partes) como para os participantes no debate público, incluindo jornalistas, ativistas sociais, defensores dos direitos humanos, denunciantes ou cidadãos comuns.

2.   Observações na generalidade

2.1.

A liberdade de expressão, a par da liberdade dos meios de comunicação social que lhe é inerente, constitui um dos valores fundamentais que os Estados democráticos devem garantir ao abrigo do Estado de direito.

2.2.

O direito à liberdade de expressão, consagrado no artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, engloba a liberdade de opinião e de comunicação de informações e ideias sem ingerência dos poderes públicos e independentemente da existência de fronteiras. Ao mesmo tempo, destaca-se o respeito pela liberdade e pelo pluralismo dos meios de comunicação social. Muitos outros atos legislativos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho (2) relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (Diretiva Denúncia de Irregularidades) e atos jurídicos adotados pelos Estados-Membros, contêm garantias semelhantes, o que indica o seu caráter universal e o papel importante que desempenham.

2.3.

Ao longo das últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico alterou drasticamente a forma do debate público. Até há pouco tempo, os principais meios de comunicação para a realização deste debate eram a televisão, a rádio e a imprensa, cujos conteúdos eram criados sobretudo por jornalistas profissionais e por denunciantes. Hoje em dia, as redes sociais assumem um papel importante, permitindo a qualquer pessoa apresentar as suas opiniões e dirigi-las a um vasto público, inclusive sob anonimato.

2.4.

No contexto da evolução dos meios de comunicação social e das mudanças tecnológicas, é fundamental criar mecanismos que assegurem uma verdadeira proteção da liberdade de expressão para todos os participantes no debate público, não só os jornalistas profissionais, mas também os ativistas ambientais (3) e sociais, os defensores dos direitos humanos, as organizações não governamentais, os denunciantes (4) em sentido lato, os cidadãos ativos, os sindicatos e todas as outras pessoas e organizações que se pronunciem publicamente sobre questões de importância social.

2.5.

É de salientar não só a importância da liberdade dos meios de comunicação social, mas também a necessidade de garantir o seu pluralismo. O CESE reitera as conclusões que constam do seu Parecer — Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa (5). O debate aberto, sem qualquer restrição, constitui a base de uma sociedade participativa, sem a qual a democracia não pode funcionar corretamente (6). A exclusão de qualquer uma das vozes do debate público pode conduzir, e conduziu no passado, a tensões sociais e à violência. Os meios de comunicação social não devem ser entendidos de forma restritiva como um grupo especializado de entidades envolvidas em atividades de comunicação social a título profissional, mas também como a participação ativa de pessoas que partilham opiniões ou manifestam a sua posição, independentemente do seu formato: Internet, fóruns, blogues ou podcasts. Este aspeto é particularmente importante nos países em que os meios de comunicação social públicos são controlados por partidos políticos no poder ou nos países com meios de comunicação privados controlados por um número reduzido de proprietários, que tentam dominar a mensagem e limitar a diversidade dos debates públicos.

2.6.

Na UE, a redução dos espaços cívicos compromete a capacidade das organizações da sociedade civil de desempenharem um papel vital no funcionamento e na proteção da democracia e do Estado de direito. As «ações judiciais estratégicas contra a participação pública» são utilizadas como instrumento para silenciar uma sociedade civil crítica. O CESE congratula-se com a resolução do Parlamento Europeu sobre medidas para combater a redução dos espaços cívicos (7) e encara a proposta de diretiva não apenas como uma das medidas que fazem parte do conjunto de instrumentos da UE, mas também como um passo decisivo para pôr termo a estas práticas.

2.7.

Alargar as oportunidades de publicação de declarações e alertas e reforçar o ativismo social permite não só alargar o debate público, mas também superar fenómenos socialmente preocupantes, divulgando abusos de poder por entidades estatais ou privadas, nomeadamente a corrupção ou a apropriação indevida de fundos públicos. O CESE salienta que os meios de comunicação social (definidos de forma ampla, incluindo atividades profissionais e amadoras dos participantes em debates públicos), enquanto «quarto poder», têm a função de formar opiniões, mas também de acompanhar as atividades dos agentes públicos e privados. Assim, a proteção do «quarto poder» é extremamente importante para assegurar o cumprimento das normas democráticas e o Estado de direito.

2.8.

A utilização de processos judiciais com má-fé para reprimir o debate público é um fenómeno cada vez mais comum nos Estados-Membros. Pessoas, entidades e empresas influentes, com amplos recursos financeiros e organizacionais, usam os seus poderes para silenciar vozes críticas, mediante instrumentos inovadores que contornam o RGPD ou exigindo a divulgação de fontes de informação jornalística, ao passo que os autores dessas críticas, incluindo jornalistas e intervenientes da sociedade civil que agem como denunciantes, muitas vezes carecem de recursos financeiros ou organizacionais para se defenderem da litigância injustificada. Algumas das pessoas singulares e coletivas que utilizam ações judiciais estratégicas contra a participação pública visando cidadãos e intervenientes da sociedade civil da UE são de países terceiros. No atual período de tensão geopolítica crescente, a UE deve dispor de um conjunto de medidas para proteger a sua democracia contra as ameaças externas, incluindo medidas de combate a esse tipo de ações judiciais.

2.9.

As ações judiciais estratégicas contra a participação pública não ocorrem ao abrigo do direito a um tribunal; o seu objetivo não é fazer valer os direitos do demandante, mas antes intimidar e enfraquecer a oposição e esgotar os recursos do demandado. As ações judiciais são intentadas frequentemente sem mérito e de forma sucessiva e, na verdade, o seu efeito é intimidar e silenciar no debate público as organizações ou pessoas acusadas, ou mesmo familiares seus, e desencorajar a continuidade das suas atividades. A incapacidade de neutralizar esses efeitos dissuasores pode ter como consequência a monopolização ou o oligopólio dos meios de comunicação social, o que é incompatível com os ideais do Estado de direito democrático.

2.10.

Tendo em conta o papel fundamental dos meios de comunicação social, das organizações não governamentais e de outras entidades e denunciantes envolvidos na construção da sociedade civil e na defesa do interesse público, é extremamente importante garantir a sua proteção adequada em caso de violação ou tentativa de violação da liberdade de expressão, especialmente numa situação de desequilíbrio manifesto de poder e de recursos. Uma tal situação pode ter efeitos negativos, nomeadamente levando a que o demandado se recuse a prosseguir a sua participação no debate público e a denunciar abusos, corrupção ou violações dos direitos humanos. Os custos elevados da litigância, acrescidos devido a uma conduta estratégica para protelar o processo, constituem um problema significativo para quem é alvo óbvio de uma ação judicial estratégica contra a participação pública.

2.11.

Por vezes, as ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público são acompanhadas de outras ações repreensíveis, como a intimidação, o assédio e ameaças contra o demandado. Também estas são ações destrutivas para a sociedade civil e o interesse público e merecem uma resposta firme e imediata, independentemente dos recursos financeiros ou privilégios das partes envolvidas.

2.12.

Simultaneamente, não podemos ignorar o problema das informações falsas ou do discurso de ódio óbvio, que devem ser objeto de verificação e, caso se verifiquem violações, retirados do espaço público. Contudo, o CESE solicita a aplicação rigorosa e correta dos protocolos existentes, decorrentes da execução da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (8), uma vez que este tipo de ação não pode colocar restrições à liberdade de expressão quando as informações e opiniões transmitidas não constituem notícias falsas nem incitam ao ódio (9). Em todo o caso, estas práticas não podem servir de pretexto para limitar o direito à liberdade de expressão.

2.13.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de diretiva da Comissão Europeia sobre a proteção das pessoas envolvidas em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública (10), bem como a Recomendação (UE) 2022/758 da Comissão (11) sobre a proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública.

2.14.

O CESE insta o Parlamento Europeu e o Conselho a adotarem a diretiva sem demora, uma vez que a execução das medidas de proteção dos jornalistas, dos intervenientes da sociedade civil e de outros participantes no debate público é uma questão urgente.

2.15.

O CESE saúda a decisão do Governo da Irlanda de participar na adoção e na aplicação da diretiva proposta. Nos termos do artigo 3.o e do artigo 4.o-A, n.o 1, do Protocolo n.o 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Irlanda pode decidir notificar e concretizar a sua intenção de participar na adoção e na aplicação da diretiva em apreço.

2.16.

Além das recomendações que constam da regulamentação da Comissão relativa às ações judiciais estratégicas contra a participação pública, o CESE exorta o Governo da Dinamarca a adotar legislação nacional que garanta o mesmo nível de proteção que o previsto na proposta de diretiva para as pessoas que participam no debate público no que diz respeito às ações judiciais estratégicas. Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Dinamarca não participará na adoção da diretiva e não ficará por ela vinculada nem sujeita à sua aplicação.

2.17.

Na opinião do CESE, as medidas adotadas não podem restringir indevidamente o direito à justiça e só devem ser aplicadas em caso de abuso e de má-fé.

2.18.

O CESE considera que as medidas jurídicas que impedem a instauração de processos judiciais infundados e abusivos devem ser complementadas com medidas educativas e uma rede de organizações para prestação de apoio jurídico às pessoas e entidades contra as quais são intentadas tais ações. Em particular, pelo papel importante que desempenham, os profissionais da justiça — juízes e advogados de defesa em processos judiciais — necessitam de formação adequada, uma vez que as suas decisões e ações são cruciais para o objetivo em causa e garantem a liberdade de expressão.

3.   Observações na especialidade

3.1.

A propagação do fenómeno negativo das ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público (ações judiciais estratégicas contra a participação pública) constitui um problema grave. Por conseguinte, as medidas tomadas pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu para combater este fenómeno são de extrema importância e essenciais para proporcionar proteção adequada aos participantes em debates públicos, nas situações em que o direito a instaurar um processo judicial tenha sido utilizado de má-fé para criar um efeito dissuasor de modo a silenciar os demandados e a desencorajá-los de prosseguirem as suas atividades.

3.2.

Todos os participantes no debate público devem estar protegidos de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, independentemente da sua natureza nacional ou transfronteiriça. O CESE concorda que as ações judiciais intentadas na jurisdição de um Estado-Membro contra uma pessoa residente noutro Estado-Membro são geralmente mais complexas e onerosas para o demandado. No entanto, o mesmo problema pode também surgir com ações judiciais noutra cidade ou na sequência de táticas processuais para tornar os processos no mesmo país mais longos e mais onerosos. Restringir a regulamentação apenas aos casos com incidência transfronteiriça pode dar azo a uma diferenciação injustificada nos direitos das pessoas e organizações cujas atividades têm um impacto local e que, por conseguinte, dispõem geralmente de recursos financeiros, humanos e organizacionais limitados.

3.3.

Para assegurar a correta aplicação da diretiva, é necessário definir uma base jurídica adequada e não ambígua para as medidas a adotar. Importa salientar que o principal objetivo dos mecanismos de combate às ações judiciais estratégicas contra a participação pública não é assegurar a boa tramitação dos processos (que pode desenrolar-se adequadamente em conformidade com os procedimentos nacionais), mas proteger os direitos dos demandados que possam não dispor de meios legais e financeiros adequados. O CESE entende que é necessário dotar os demandados, que geralmente se encontram numa posição mais frágil do que os demandantes, de mecanismos que lhes permitam defender-se contra ações infundadas que constituem um abuso do direito a um tribunal.

3.4.

O CESE salienta que a imposição de uma condição de caráter transfronteiriço implica a necessidade de examinar, caso a caso, (1) se ambas as partes do processo estão domiciliadas ou estabelecidas no outro Estado-Membro, (2) se o ato de participar num debate público sobre uma questão de interesse público é relevante para mais do que um Estado ou (3) se foram intentadas noutro Estado-Membro ações judiciais paralelas ou anteriores pelo demandante ou por demandantes correlacionados contra o mesmo demandado ou demandados correlacionados. A segunda condição, em particular, pode conduzir a uma apreciação discricionária e a uma limitação da proteção concedida ao demandado.

3.5.

O CESE subscreve a opinião de que a proteção respeitante às ações judiciais estratégicas contra a participação pública não deve aplicar-se apenas em matéria civil. Há que prestar especial atenção às posições das organizações internacionais (Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, Conselho da Europa) no sentido de retirar do direito penal a difamação. As medidas tomadas até à data não produziram os resultados esperados, uma vez que, em alguns Estados-Membros, a difamação continua a ser uma infração, punível com pena de multa e de prisão. É impossível participar livremente no debate público sob pena de ação penal. O CESE recomenda a adoção de medidas eficazes e eficientes para assegurar que os Estados-Membros retiram a difamação do direito penal, pois o facto de ainda assim o ser não passa de um resquício de um passado vergonhoso que ameaça a liberdade de opinião e de expressão.

3.6.

Independentemente da sua aplicação ulterior, as sanções penais têm um objetivo dissuasor. Como tal, estas são ainda mais suscetíveis de travar o debate público do que os processos civis. Abandonar a proteção no âmbito do direito penal pode resultar numa transição deliberada das ações da esfera civil para a esfera penal, não havendo proteção adicional do demandado neste último caso.

3.7.

O CESE salienta que os autores de ações judiciais estratégicas contra a participação pública podem ser não só organismos ou instituições de direito privado, mas também órgãos estatais, como o Ministério Público, e que, por conseguinte, a diretiva em apreço deve ser aplicável a todas estas instituições. O CESE solicita que, também nesses casos, esteja assegurada a proteção adequada das pessoas singulares e coletivas que participam no debate público e das suas fontes. Neste contexto, deve ser dada especial atenção ao acompanhamento das ações judiciais estratégicas contra a participação pública. A delegação desta atribuição nos Estados-Membros, onde os poderes públicos também podem ser demandantes em ações judiciais estratégicas contra a participação pública, suscita questões legítimas. Deve ponderar-se integrar organizações independentes nestas atividades ou introduzir um procedimento de acompanhamento a nível supranacional.

3.8.

É importante não considerar apenas os jornalistas ou defensores dos direitos humanos como os potenciais alvos de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, embora seja de entender estas profissões como particularmente vulneráveis a tais ações. O grupo-alvo deve ser definido consoante a sua função (com base nas atividades realizadas) e não a sua formação ou profissão. Desta forma, é possível proteger não só as pessoas que não estão diretamente envolvidas nas atividades dos meios de comunicação social, mas também, por exemplo, os cidadãos ativos que divulgam abusos ocorridos nas suas comunidades locais ou outros tipos de denunciantes num contexto mais amplo.

3.9.

Concorda-se com as garantias processuais propostas no projeto de diretiva — garantias, indeferimento liminar de processos judiciais manifestamente infundados, vias de recurso para processos judiciais abusivos, proteção contra decisões judiciais de países terceiros. No entanto, há que ponderar a possibilidade de tomar outras medidas que complementem e facilitem o trabalho do poder judicial, por exemplo, facilitando ou ordenando a consolidação de várias ações contra o mesmo demandado no caso de ações intentadas pelo mesmo demandante ou por demandantes correlacionados.

3.10.

Na opinião do CESE, seria igualmente útil introduzir um certo grau de automaticidade, sob a forma de «decisão prejudicial», ao abrigo da qual os processos judiciais sejam considerados não conformes se for evidente que se trata de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, permitindo inclusivamente não instaurar o processo em casos óbvios. Tal reduziria os custos (não só privados, mas também públicos) e limitaria o número de casos que pudessem ir avante.

3.11.

Importa também estudar soluções suplementares, com base em mecanismos existentes, nomeadamente:

a consolidação de processos a pedido do demandado na sua jurisdição designada;

a fixação de um prazo para o procedimento ou introdução de um procedimento acelerado (à semelhança dos processos eleitorais);

a proibição do financiamento da ação por uma pessoa que não o demandante (financiamento por terceiros).

3.12.

Tendo em conta o número crescente de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, o CESE recomenda que as novas regras de proteção contra essas ações, contidas na diretiva, sejam aplicadas pelos Estados-Membros a processos em curso ou iniciados aquando da entrada em vigor das novas regras.

3.13.

Simultaneamente, é necessário rever a legislação nacional relativa às medidas atuais para combater as ações judiciais estratégicas contra a participação pública. A eficácia dos mecanismos em vigor poderá permitir melhorar as medidas previstas e proporcionar uma proteção efetiva às pessoas em risco. Se já existirem instrumentos na legislação nacional que possam, pelo menos em parte, dar resposta ao problema em causa, será necessário identificar os motivos que impedem a aplicação adequada desses instrumentos. Essa análise poderá melhorar a situação dos participantes no debate social ameaçados por ações judiciais estratégicas contra a participação pública, independentemente da diretiva proposta, mas também poderá constituir um estudo interessante no âmbito da elaboração e da aplicação de nova legislação.

3.14.

Uma vez que a proposta de diretiva não abrange os casos de incidência nacional, o CESE congratula-se com a Recomendação (UE) 2022/758 sobre a proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública, pelo que insta os Estados-Membros a assegurarem o mesmo nível de proteção previsto na proposta de diretiva. Não obstante, as atividades da UE não devem limitar-se a recomendações, devendo exigir aos Estados-Membros que harmonizem a sua legislação neste domínio, a fim de proporcionar o mesmo nível de proteção no que diz respeito às ações judiciais estratégicas contra a participação pública em todos os Estados-Membros. Tal aplica-se, em particular, às definições jurídicas e ao âmbito de proteção no caso das ações judiciais estratégicas contra a participação pública, a fim de evitar interpretações divergentes e níveis de proteção diferentes nos Estados-Membros.

3.15.

Dada a dinâmica do problema das ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público, o CESE recomenda que a aplicação da diretiva seja avaliada após um período máximo de três anos, em vez dos cinco anos previstos atualmente. Assim, os Estados-Membros deveriam fornecer à Comissão informações sobre a aplicação da diretiva dois anos após a sua transposição. A Comissão apresentaria o relatório sobre a aplicação da diretiva um ano depois, ou seja, três anos após a sua transposição.

3.16.

O CESE apela à Comissão para que consulte os jornalistas e todas as partes interessadas, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil aquando da elaboração do relatório de avaliação, a fim de complementar as informações fornecidas pelos Estados-Membros com avaliações independentes sobre a aplicação da diretiva.

3.17.

É fundamental aplicar as medidas educativas indicadas na Recomendação (UE) 2022/758. Em especial, os profissionais da justiça (juízes e advogados de defesa em processos judiciais) necessitam de formação adequada e, além disso, o público em geral nos Estados-Membros deve beneficiar de atividades educativas mais amplas, pois qualquer pessoa, enquanto participante no debate público, corre o risco de ser alvo de uma ação judicial estratégica contra a participação pública. Essas medidas educativas devem dedicar atenção suficiente às ações judiciais estratégicas contra a participação pública com uma dimensão transnacional, abrangidas pela proposta de diretiva. Além disso, cabe organizar campanhas gerais em todos os Estados-Membros para divulgar e promover os direitos e liberdades de expressão, como complemento e reforço da diretiva.

3.18.

Um elemento importante do sistema de combate às ações estratégicas destinadas a reprimir o debate público deve ser também a prestação de assistência jurídica gratuita às pessoas e organizações em risco. O CESE apoia a criação e o desenvolvimento de centros de aconselhamento jurídico em universidades e também em associações profissionais do direito e outras entidades que possam prestar esse apoio. No entanto, é necessário assegurar que os organismos recomendados pelos Estados-Membros para a realização dessas atividades são credíveis, independentes e profissionais e que as suas atividades são objeto de uma verificação independente adequada pelas autoridades do Estado-Membro em causa.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Relatório da CASE (https://www.the-case.eu/slapps-in-europe).

(2)  Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO L 305 de 26.11.2019, p. 17).

(3)  NAT/824 — Relatório de informação do Comité Económico e Social Europeu — A proteção do ambiente como condição prévia para o respeito pelos direitos fundamentais.

(4)  SOC/593 — Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforço da proteção dos denunciantes à escala da UE (JO C 62 de 15.2.2019, p. 155).

(5)  SOC/635 — Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Assegurar a liberdade e a diversidade dos meios de comunicação social na Europa (parecer de iniciativa) (EESC 2021/01539) (JO C 517 de 22.12.2021, p. 9).

(6)  REX/545 — Relatório de informação do Comité Económico e Social Europeu — Apoio ao setor dos meios de comunicação social independentes na Bielorrússia.

(7)  Resolução do PE sobre a redução do espaço reservado à sociedade civil na Europa (2021/2103(INI)) (JO C 347 de 9.9.2022, p. 2).

(8)  Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO L 315 de 14.11.2012, p. 57).

(9)  SOC/712 — Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Uma Europa mais inclusiva e protetora: alargar a lista de crimes da UE ao discurso de ódio e aos crimes de ódio, (EESC 2022/00299) (JO C 323 de 26.8.2022, p. 83).

(10)  COM(2022) 177.

(11)  Recomendação (UE) 2022/758 da Comissão, de 27 de abril de 2022, relativa à proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos na participação pública contra processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») (JO L 138 de 17.5.2022, p. 30).


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/150


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera os Regulamentos (CE) n.o 767/2008, (CE) n.o 810/2009 e (UE) 2017/2226 do Parlamento Europeu e do Conselho, os Regulamentos (CE) n.o 1683/95, (CE) n.o 333/2002, (CE) n.o 693/2003 e (CE) n.o 694/2003 do Conselho e a Convenção de aplicação do Acordo de Schengen no respeitante à digitalização dos procedimentos de visto

[COM(2022) 658 final]

(2023/C 75/21)

Relator:

Ionuț SIBIAN

Consulta

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

29.9.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

187/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia vivamente a iniciativa de introdução de um procedimento de visto totalmente digital. Em geral, os vistos digitais acessíveis, rápidos e fiáveis, associados a um sistema de imigração mais informatizado, contribuem para uma redução significativa dos encargos administrativos relacionados com a imigração.

1.2.

O CESE congratula-se com a iniciativa de digitalização, que considera coerente com a abordagem geral da UE para incentivar a modernização e a digitalização dos serviços públicos e com a Comunicação da Comissão — Orientações para a Digitalização até 2030: a via europeia para a Década Digital.

1.3.

O CESE considera que a proposta atual constitui uma oportunidade de melhorar efetivamente os procedimentos de pedido de visto, reduzindo os custos e os encargos para os Estados-Membros e os requerentes, bem como aumentando a segurança jurídica e reforçando a segurança do espaço Schengen.

1.4.

O CESE congratula-se com o facto de a proposta de digitalização do procedimento de pedido de visto reduzir as limitações à mobilidade dos nacionais de países terceiros que efetuam um pedido de visto (já que deixarão de ter de se deslocar para apresentar pessoalmente o seu documento de viagem).

1.5.

A digitalização do procedimento de pedido de visto deve evitar qualquer tipo de discriminação (involuntária): tem de respeitar os direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com poucos conhecimentos informáticos/digitais ou que não tenham acesso à Internet. A digitalização dos procedimentos de visto deve cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos na Diretiva Acessibilidade da Web (1) e na Diretiva Acessibilidade (2).

1.6.

O CESE recomenda vivamente que as soluções informáticas utilizadas na plataforma de pedidos da UE contenham ferramentas/meios que permitam salvaguardar os direitos das crianças e prevenir o tráfico de seres humanos.

1.7.

A plataforma de pedidos da UE para obtenção de visto em formato digital deve estar totalmente ligada aos sistemas nacionais de visto geridos por cada Estado-Membro.

1.8.

O CESE considera que deve existir uma «embaixada digital da UE» única a nível da União, que defina requisitos harmonizados à escala europeia para os documentos comprovativos e para prestar informações e aconselhamento sobre o processo de pedido aos viajantes.

1.9.

O CESE considera que a digitalização dos procedimentos de visto incentivará e aumentará a atratividade das viagens com destino à UE.

1.10.

O CESE reconhece que a digitalização dos procedimentos de visto pode ter um impacto positivo no ambiente e que a plataforma de pedidos centralizada é uma solução eficiente do ponto de vista energético.

1.11.

O CESE recomenda que a Comissão assuma o compromisso firme de trabalhar com os governos dos países terceiros, bem como com as embaixadas e os consulados dos Estados-Membros e com a sociedade civil organizada, a fim de informar, preparar e assistir os requerentes ao longo do procedimento de pedido de visto.

2.   Observações na generalidade

2.1.   Antecedentes do parecer, incluindo a proposta legislativa em apreço

2.1.1.

A ideia de um visto Schengen digitalizado remonta a 2018. Nesse ano, a Comissão Europeia propôs uma alteração ao Código de Vistos e salientou que os vistos digitais eram o caminho a seguir a longo prazo. Em 2019, o Parlamento Europeu e o Conselho iniciaram a revisão do Código de Vistos da UE. Afirmaram que tinham por objetivo tirar pleno partido dos progressos jurídicos e tecnológicos recentes para desenvolver uma solução comum que permitisse a apresentação dos pedidos de visto Schengen em linha.

2.1.2.

Em 2020, a pandemia de COVID-19 fez abrandar as operações de vistos Schengen em todo o mundo, devido à dificuldade em receber os pedidos nas embaixadas e nos consulados. Essas dificuldades levaram os Estados-Membros a apelar novamente para a digitalização do processo.

2.1.3.

No seu programa de trabalho de 2021, a Comissão Europeia anunciou uma proposta legislativa relativa à digitalização dos procedimentos de visto, agendada para o quarto trimestre de 2021. O Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, apresentado em setembro de 2020, estabelece o objetivo de digitalizar integralmente o procedimento de visto até 2025, através da emissão de vistos digitais e da possibilidade de apresentar pedidos de visto em linha.

2.1.4.

Em 27 de abril de 2022, a Comissão apresentou uma proposta relativa à digitalização dos procedimentos de visto na UE. A proposta tem por objetivo:

modernizar, simplificar e harmonizar o procedimento de pedido de visto mediante a digitalização do procedimento de visto; e

reduzir os riscos de fraude (de identidade) e de falsificação e facilitar o processo de verificação na fronteira com recurso à digitalização.

2.1.5.

A proposta cria uma plataforma em linha única e o sistema terá as seguintes vantagens:

os requerentes de visto poderão apresentar um pedido de visto em linha, incluindo o pagamento dos emolumentos de visto, através de uma plataforma única da UE, independentemente do país Schengen que pretendam visitar;

a plataforma determinará automaticamente qual é o país Schengen responsável por analisar o pedido, em especial quando o requerente pretende visitar vários países Schengen;

a plataforma fornecerá aos requerentes informações atualizadas sobre os vistos Schengen de curta duração, bem como todas as informações necessárias sobre os requisitos e os procedimentos (como os documentos comprovativos, os emolumentos de visto e a necessidade de efetuar uma marcação para a recolha de identificadores biométricos);

apenas os requerentes que apresentem um pedido de visto pela primeira vez, para recolha de identificadores biométricos, os requerentes cujos dados biométricos já não sejam válidos e os requerentes que tenham adquirido um novo documento de viagem serão obrigados a comparecer pessoalmente no consulado;

o visto incluirá características de segurança de última geração, pelo que será mais seguro do que a atual vinheta.

2.1.6.

O regulamento proposto sublinha que o novo sistema garantirá a proteção permanente dos direitos fundamentais.

2.1.7.

A Agência da União Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA) será responsável pelo desenvolvimento técnico e pela gestão operacional da plataforma de pedidos da UE e dos seus componentes no âmbito do Sistema de Informação sobre Vistos — VIS.

2.1.8.

Qualquer cidadão estrangeiro que necessite de visto para um dos 26 países Schengen poderá utilizar a plataforma de pedidos de visto digital Schengen, assim que esta comece a funcionar. A plataforma não será aplicável aos restantes cinco países da UE que não pertencem ao espaço Schengen, uma vez que ainda não estão habilitados a emitir vistos Schengen.

2.1.9.

Os viajantes provenientes de países isentos da obrigação de visto para entrar no espaço Schengen não terão de utilizar a plataforma. Em vez disso, a partir de novembro de 2023, terão de apresentar um pedido de autorização ETIAS para viajar para a Europa (3).

2.2.   Observações na generalidade

2.2.1.

O CESE apoia vivamente a iniciativa de introdução de um sistema de visto totalmente digital. Em geral, os vistos digitais acessíveis, rápidos e fiáveis, associados a um sistema de imigração mais informatizado, contribuem para uma redução significativa dos encargos administrativos relacionados com a imigração. A gestão, o tratamento e o arquivo (bem como a destruição) de documentos em papel são processos morosos e dispendiosos para os consulados, e os Estados-Membros, bem como os nacionais de países terceiros que apresentam pedidos de visto, beneficiariam amplamente da digitalização dos procedimentos de visto.

2.2.2.

O sistema em linha proposto deve ser concebido de modo a ser rápido, fácil de utilizar, seguro (oferecer garantias suficientes de proteção dos dados introduzidos) e previsível (respeitar o princípio da segurança jurídica). Deve funcionar de forma fiável, e os requerentes devem poder contar com a conclusão do processo de pedido em linha no prazo máximo de alguns dias.

2.2.3.

A harmonização e a unificação dos procedimentos de pedido de visto no espaço Schengen ajudará a prevenir o chamado «visa shopping» (procura do visto mais fácil) pelos requerentes, que podem ter a tentação de apresentar o pedido num país Schengen que ofereça um processo mais rápido e mais cómodo de emissão do visto do que no país para o qual pretendem realmente viajar (por exemplo, a procura do visto mais fácil por cidadãos russos, se não se alcançar um acordo geral sobre a suspensão do acordo sobre a facilitação da emissão de vistos com a UE. A digitalização dos procedimentos de visto também reduzirá os riscos de segurança criados pelas vinhetas físicas, propensas à falsificação, à fraude e ao roubo. Além disso, a proposta é coerente com a abordagem geral da UE para incentivar a modernização e a digitalização dos serviços públicos.

2.2.4.

O CESE considera que a proposta atual constitui uma oportunidade de melhorar efetivamente os procedimentos de pedido de visto, reduzindo os custos e os encargos para os Estados-Membros e os requerentes, bem como reforçando a segurança do espaço Schengen.

2.2.5.

O CESE congratula-se com o facto de a proposta de digitalização do procedimento de pedido de visto reduzir as limitações à mobilidade dos nacionais de países terceiros que efetuam um pedido de visto. Ao já não ter de apresentar o seu documento de viagem no consulado/centro de pedido de visto, o requerente fica livre de viajar para o estrangeiro durante o período em que o seu pedido de visto está a ser tratado. O CESE considera que essa possibilidade trará vantagens às pessoas que viajam regularmente (4) por razões de trabalho, bem como aos ativistas e membros de grupos minoritários (por exemplo, LGBTQI+, ciganos), que ficam com mais possibilidades de encontrar um local seguro, se necessário.

2.2.6.

A plataforma de pedidos de visto em formato digital deve estar totalmente ligada aos sistemas nacionais de visto geridos por cada Estado-Membro. Desse modo, garante-se que o novo sistema de visto digital, incluindo o próprio visto digital, é integrado logo desde o início nos sistemas de visto digital dos Estados-Membros e concebido de forma totalmente interoperável entre os Estados-Membros.

2.2.7.

No entanto, deve existir uma «embaixada digital da UE» única a nível da União, que defina requisitos harmonizados à escala europeia para os documentos comprovativos e para prestar informações e aconselhamento sobre o processo de pedido aos viajantes.

2.2.8.

O CESE apoia a ideia de que a digitalização dos procedimentos de visto incentivará e aumentará a atratividade das viagens com destino à UE.

2.2.9.

O CESE recomenda que a Comissão assuma o compromisso firme de trabalhar com os governos e a sociedade civil organizada dos países terceiros, a fim de informar, preparar e assistir os nacionais desses países ao longo do procedimento de pedido de visto.

2.3.   Observações na especialidade

2.3.1.

A digitalização do procedimento de pedido de visto reduzirá a dependência dos Estados-Membros em relação a prestadores de serviços externos, reduzindo também o risco de exposição de dados pessoais a terceiros.

2.3.2.

O visto digital dificultará a falsificação das vinhetas de visto (uma vez que o visto não será «físico»). Além disso, eliminam-se os custos operacionais elevados da vinheta de visto.

2.3.3.

Uma das vantagens do visto digital é o facto de, em caso de perda ou roubo de um documento de viagem, o novo documento de viagem poder ser facilmente associado ao visto existente, sem ser necessário pedir um novo visto, como acontece atualmente (devido à associação física entre a vinheta de visto e o documento de viagem). O novo sistema de digitalização proposto elimina, por conseguinte, os custos adicionais gerados pela emissão de um novo visto incorridos pelos Estados-Membros e pelo requerente.

2.3.4.

A digitalização dos procedimentos de visto deve respeitar as necessidades específicas e os direitos das pessoas com deficiência, permitindo-lhes submeter pedidos de visto sem serem alvo de discriminação, nomeadamente ao cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos na Diretiva Acessibilidade da Web (Diretiva relativa à acessibilidade dos sítios Web e das aplicações móveis) e na Diretiva Acessibilidade.

2.3.5.

O CESE recomenda vivamente que as soluções informáticas utilizadas na plataforma de pedidos da UE contenham ferramentas/meios que permitam salvaguardar os direitos das crianças e prevenir o tráfico de seres humanos.

2.3.6.

A digitalização não tem de ser sinónimo de automatização e deve ser mais do que a mera utilização da inteligência artificial, pelo que não deve resultar na diminuição do número de funcionários.

2.3.7.

O pessoal administrativo responsável pelo manuseamento dos vistos também precisa de formação adequada para poder utilizar as funcionalidades positivas decorrentes da digitalização do procedimento e para evitar erros.

2.3.8.

Há que prestar apoio suplementar às embaixadas e aos consulados dos Estados-Membros da UE e à sociedade civil para ultrapassar os possíveis desafios relacionados com a acessibilidade à Internet e a literacia informática dos requerentes em países terceiros, a fim de evitar que sejam discriminados no acesso ao sistema de pedido de visto.

2.3.9.

O CESE considera que a digitalização dos procedimentos de visto pode ter um impacto positivo no ambiente, devido à redução da utilização e do desperdício de papel relacionados com o sistema de pedido de visto e à emissão da vinheta de visto, bem como ao facto de os requerentes de visto já não serem obrigados a deslocar-se para apresentar um pedido e recolher os documentos de viagem após a conclusão do processo de pedido e análise. Embora esteja ciente de que a digitalização (armazenamento e gestão de dados) consome energia que gera emissões de CO2, o CESE considera que uma plataforma de pedidos centralizada é uma solução mais eficiente do ponto de vista energético do que uma plataforma de pedidos por Estado-Membro.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva (UE) 2016/2102 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2016, relativa à acessibilidade dos sítios Web e das aplicações móveis de organismos do setor público (JO L 327 de 2.12.2016, p. 1).

(2)  Diretiva (UE) 2019/882 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços (JO L 151 de 7.6.2019, p. 70).

(3)  https://www.etiasvisa.com/etias-form-application

(4)  Tais como representantes de empresas, sindicatos ou da sociedade civil organizada.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/154


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a normas de qualidade e segurança para as substâncias de origem humana destinadas à aplicação em seres humanos e que revoga as Diretivas 2002/98/CE e 2004/23/CE

[COM(2022) 338 — 2022/0216 (COD)]

(2023/C 75/22)

Relator:

Tymoteusz Adam ZYCH

Consulta

Parlamento Europeu, 12.9.2022

Conselho da União Europeia, 22.7.2022

Base jurídica

Artigo 168.o, n.o 4, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

151/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a normas de qualidade e segurança para as substâncias de origem humana destinadas à aplicação em seres humanos e que revoga as Diretivas 2002/98/CE e 2004/23/CE (1), dada a sua importância fundamental para a proteção da saúde pública, o bem-estar dos doentes nos Estados-Membros da União Europeia (UE) e o potencial de inovação da UE.

1.2.

O CESE entende que é benéfico estabelecer normas de base comuns para a qualidade e segurança das substâncias de origem humana («SoHO», substances of human origin, na sigla em inglês), em consonância com o nível atual do conhecimento médico, pelo que concorda quanto à necessidade de nova regulamentação coerente nessa matéria.

1.3.

O CESE considera adequado definir o âmbito de aplicação do regulamento de molde a ter em conta não só as substâncias de origem humana ainda não regulamentadas a nível europeu (por exemplo, o leite materno), como também quaisquer substâncias de origem humana que possam vir a ser utilizadas no futuro.

1.4.

O CESE apoia as alterações ao texto jurídico que reduzirão os custos incorridos pelas instituições da União Europeia, os Estados-Membros e os cidadãos da UE, nomeadamente suprimindo da legislação os testes obsoletos e as medidas de rastreio sistemático. A eficácia das disposições do regulamento deve ser objeto de acompanhamento contínuo, tendo em conta a necessidade de preservar a segurança e a qualidade das substâncias de origem humana e de respeitar as normas decorrentes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

1.5.

O CESE congratula-se com a introdução de normas de base uniformes relativas à manutenção dos registos das entidades SoHO, que serão reforçadas com a criação da Plataforma SoHO da UE, o que contribuirá para melhorar a segurança da saúde pública na União através de um intercâmbio contínuo e rápido de informações.

1.6.

apoia as medidas destinadas a reforçar os direitos dos dadores de SoHO e que colmatam as lacunas regulamentares existentes. Neste contexto, cumpre salientar a importância fundamental do princípio da dádiva gratuita de substâncias de origem humana para eliminar os abusos e assegurar o aprovisionamento seguro dessas substâncias; O Comité recorda que o respeito rigoroso desse princípio decorre do disposto no artigo 3.o, n.o 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que prevê, no domínio da medicina e da biologia, «[a] proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes, enquanto tais, numa fonte de lucro».

1.7.

No entender do CESE, importa conferir especial atenção à necessidade de um controlo fiável e sistemático da segurança e da qualidade das entidades SoHO, assim como da forma como obtêm as substâncias de origem humana. É particularmente importante efetuar um acompanhamento e controlo permanente para verificar a regularidade das atividades exercidas pelas entidades que importam substâncias de origem humana. As substâncias de origem humana importadas para a União Europeia devem cumprir as mesmas normas de qualidade e segurança previstas para as substâncias obtidas na UE.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer tem por objeto a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a normas de qualidade e segurança para as substâncias de origem humana destinadas à aplicação em seres humanos e que revoga as Diretivas 2002/98/CE e 2004/23/CE (Regulamento SoHO).

2.2.

Como referido na exposição de motivos, o Regulamento SoHO proporcionará as seguintes salvaguardas e benefícios: 1) garantir a segurança e a qualidade para os doentes tratados com terapias SoHO e protegê-los plenamente dos riscos evitáveis associados às SoHO, 2) garantir a segurança e a qualidade para os dadores de SoHO e as crianças nascidas de óvulos, esperma ou embriões doados, 3) reforçar e permitir a harmonização das práticas de supervisão entre os Estados-Membros, 4) facilitar o desenvolvimento de terapias SoHO inovadoras seguras e eficazes e 5) melhorar a resiliência do setor, mitigando o risco de escassez. As soluções propostas dão resposta à proteção incompleta dos doentes, dos dadores de sangue, tecidos e células e da descendência de esperma, óvulos ou embriões doados contra riscos evitáveis associados a regras técnicas obsoletas, a abordagens divergentes dos Estados-Membros em matéria de supervisão que entravam o intercâmbio transfronteiriço de sangue, tecidos e células, à exposição dos doentes a interrupções no fornecimento destes materiais e à não realização do pleno potencial de novas formas de tratar ou utilizar o sangue, os tecidos e as células.

3.   Comentários gerais

3.1.

O CESE está ciente das novas exigências relacionadas com a evolução das ciências médicas, em particular da biotecnologia, que oferecem novas oportunidades para a utilização das substâncias de origem humana nas muitas formas de terapia dos doentes em toda a UE. Ao mesmo tempo, observa que, em virtude do desenvolvimento de novos tratamentos, algumas das normas atualmente aplicáveis encontram-se ultrapassadas.

3.2.

Por conseguinte, o CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento relativo às substâncias de origem humana (SoHO), apresentada pela Comissão Europeia, pois aplica-se globalmente a todas as substâncias identificadas como «sangue, tecidos e células». Trata-se de uma abordagem adequada e previdente, uma vez que as substâncias que atualmente desconhecemos e que podem ser utilizadas para fins terapêuticos no futuro serão abrangidas pelas disposições jurídicas vigentes em matéria de segurança e qualidade.

3.3.

O CESE saúda a adaptação do quadro jurídico ao princípio da «neutralidade financeira» recomendado pelo Comité de Bioética do Conselho da Europa. A proposta harmoniza igualmente o atual quadro jurídico e reforça, em especial, as disposições relativas à proteção e monitorização dos dadores e à comunicação de deficiências genéticas nos descendentes nascidos em resultado da reprodução medicamente assistida.

3.4.

O CESE considera adequada e apoia a proposta de uma abordagem de regulamentação única a aplicar em todos os Estados-Membros, pois contribuirá diretamente para garantir que as normas de qualidade e segurança para as substâncias de origem humana são respeitadas nos Estados-Membros da UE.

3.5.

O CESE congratula-se com os efeitos esperados da entrada em vigor do regulamento, nomeadamente: a definição de normas gerais comuns em matéria de segurança e qualidade e a inclusão, no âmbito de aplicação do regulamento, de todas as substâncias de origem humana que atualmente não estão regulamentadas; a facilitação do intercâmbio de substâncias de origem humana entre os Estados-Membros; a introdução da obrigação de assegurar medidas de preparação para situações de crise a nível da entidade e a nível nacional, bem como requisitos obrigatórios de monitorização dos fornecimentos; a criação de um ambiente regulamentar favorável à inovação; a criação de um ambiente regulamentar que reforce a segurança, a disponibilidade e a eficácia das substâncias de origem humana e, por fim, a criação de um quadro jurídico preparado para o futuro.

3.6.

O CESE congratula-se, em particular, com o facto de as orientações técnicas se basearem nas conclusões de organismos especializados europeus, pois trata-se da forma mais eficaz de assegurar que a legislação se mantém atualizada, em conformidade com a abordagem da medicina baseada em dados concretos.

3.7.

O CESE congratula-se com o facto de o princípio de dádiva voluntária e não remunerada, até agora expresso claramente nas normas relativas à dádiva de sangue, ter sido alargado a todas as substâncias de origem humana atualmente utilizadas (por exemplo, leite materno), assim como às substâncias de origem humana que atualmente não podem ser definidas mas que podem ser utilizadas no futuro. Importa assinalar que, nos termos do regulamento, é permitido compensar os dadores para que não sejam financeiramente prejudicados pela sua dádiva, mas a compensação para eliminar esse risco nunca deve constituir um incentivo que leve um dador potencial a ser desonesto ao fornecer as suas informações ou a doar com maior frequência do que o permitido. Neste contexto, cumpre salientar a importância fundamental do princípio da dádiva gratuita de substâncias de origem humana para eliminar os abusos e assegurar o aprovisionamento seguro dessas substâncias. O Comité recorda que o respeito rigoroso desse princípio decorre do disposto no artigo 3.o, n.o 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que prevê, no domínio da medicina e da biologia, «[a] proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes, enquanto tais, numa fonte de lucro». Os Estados-Membros devem ter em conta esse princípio ao estabelecerem na legislação nacional as condições para a obtenção de tais subsídios.

3.8.

O CESE apoia a introdução de normas de base uniformes relativas à manutenção pelos Estados-Membros dos registos das entidades SoHO, que serão reforçadas com a criação da Plataforma SoHO da UE, o que contribuirá para melhorar a segurança da saúde pública na União através de um intercâmbio contínuo e rápido de informações. É igualmente de saudar a criação de um Conselho de Coordenação SoHO, que poderá ser um instrumento eficaz para assegurar a aplicação efetiva das normas de qualidade e segurança previstas no regulamento.

3.9.

A proposta estabelece que os Estados-Membros são responsáveis pelas decisões de natureza ética e organizacional. Considera-se esta posição adequada, à luz das competências da União e dos Estados-Membros previstas nos Tratados, além de lógica, dada a natureza organizativa e técnica do âmbito de aplicação da proposta de regulamento. Neste seguimento, o Regulamento SoHO tem por objetivo garantir a qualidade, a segurança e a disponibilidade das substâncias de origem humana e assegurar o controlo dos processos de fabrico e transporte. No entanto, o CESE salienta que, tal como os controlos de segurança e de qualidade, a evolução da biotecnologia deve ser avaliada à luz das normas estabelecidas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

3.10.

O regulamento em apreço define as competências do pessoal das autoridades competentes e do pessoal que exerce atividades de supervisão. Além disso, menciona a necessidade de formação profissional adequada, assim como de formação contínua realizada, nomeadamente, a nível da UE. No entanto, não especifica os pormenores da formação e da experiência do pessoal (salvo no artigo 51.o em que se estipulam as qualificações do médico designado pelo estabelecimento SoHO). Todavia, a natureza específica do trabalho com substâncias de origem humana exige a colaboração de muitos especialistas no âmbito de uma equipa; muitas vezes, é o biotécnico que possui a competência específica pertinente, noutros casos, o médico da especialização adequada e, noutros casos ainda, é necessário recorrer a um especialista em deontologia ou a um advogado. Por conseguinte, o CESE propõe que a composição das autoridades competentes inclua uma equipa interdisciplinar de especialistas.

4.   Nível e âmbito de aplicação do regulamento

4.1.

O CESE congratula-se com o facto de o regulamento estar em conformidade com o princípio da subsidiariedade. Com efeito, os objetivos estabelecidos pelo regulamento são consideravelmente mais difíceis de alcançar pelos Estados-Membros a título individual ou não podem ser alcançados com uma eficácia comparável. Por conseguinte, o regulamento traz um claro valor acrescentado. Os benefícios incluem, em especial, o facto de as normas e orientações a aplicar utilizarem os conhecimentos já disponíveis em organismos especializados, como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e a Direção Europeia da Qualidade dos Medicamentos e Cuidados de Saúde, e o intercâmbio de informações através da Plataforma SoHO da UE.

4.2.

A definição proposta para «reprodução medicamente assistida», enquanto a facilitação da conceção por inseminação intrauterina de esperma, fertilização in vitro ou qualquer outra intervenção laboratorial ou médica que promova a conceção, deve, no entender do CESE, ser clarificada. Afigura-se compreensível que o âmbito de aplicação do regulamento abranja os procedimentos que utilizam substâncias de origem humana ou em que se criam substâncias de origem humana. No entanto, a utilização da expressão «qualquer outra intervenção […] médica que promova a conceção», na definição acima mencionada, conduz à inclusão no seu âmbito de aplicação de outros métodos não relacionados com a utilização de substâncias de origem humana e que não estão associados às normas do regulamento.

5.   Segurança das preparações e supervisão das entidades SoHO

5.1.

O CESE saúda a clarificação das normas de qualidade e segurança para as substâncias de origem humana e a introdução de mecanismos de controlo eficazes das entidades SoHO. As soluções propostas melhorarão o acesso dos doentes a terapias de qualidade e terão um impacto positivo no estado da saúde pública na União Europeia.

5.2.

A este respeito, o Comité salienta que as normas de qualidade e segurança devem aplicar-se a todas as substâncias de origem humana utilizadas na União Europeia, incluindo as substâncias de origem humana importadas para a UE. O CESE chama a atenção para a necessidade de uma aplicação eficaz e sistemática dos mecanismos de controlo previstos no regulamento para as entidades envolvidas na importação de substâncias de origem humana, nomeadamente no que diz respeito à qualidade e à segurança das preparações. Este aspeto é particularmente importante tendo em conta a facilitação das importações de substâncias de origem humana provenientes de países terceiros. O CESE insta as autoridades da UE a adotarem todas as medidas necessárias para impedir o desenvolvimento na UE de uma indústria de doação remunerada de células e tecidos, que começa a surgir noutras partes do mundo.

5.3.

De acordo com o disposto na proposta de regulamento, quando um Estado-Membro decide autorizar uma nova prática específica, a segurança e a qualidade dessa prática são então reguladas pela legislação da UE relativa às substâncias de origem humana. O CESE salienta que os organismos especializados competentes a nível da União Europeia devem proceder também a uma avaliação constante das novas práticas aplicadas fora da UE.

5.4.

O artigo 7.o da proposta de regulamento exige que as autoridades competentes assegurem a imparcialidade do seu pessoal, a fim de evitar situações de conflito de interesses. Para alcançar esse objetivo de forma eficaz, o CESE propõe alargar esse requisito de molde a abarcar o período imediatamente anterior à sua entrada em funções.

5.5.

O artigo 29.o, n.o 7, da proposta de regulamento estabelece os poderes dos inspetores para verificar se os estabelecimentos SoHO cumprem as normas relativas à proteção dos dadores e recetores de SoHO, as normas relativas à informação a prestar e as normas relativas à natureza voluntária e não remunerada das dádivas. O CESE considera que cumpre reforçar os poderes dos inspetores, que devem abranger um procedimento de investigação exaustivo.

6.   Direitos dos dadores de SoHO

6.1.

O CESE saúda a inclusão na proposta de regulamento SoHO de disposições que reforçam sistematicamente os direitos dos dadores de substâncias de origem humana e que colmatam as lacunas regulamentares existentes.

6.2.

O artigo 53.o, que estabelece as normas relativas à proteção dos dadores de SoHO, prevê, no n.o 1, alínea b), que se deve fornecer de forma adequada as informações aos dadores ou aos seus familiares ou a quaisquer pessoas que concedam a autorização em seu nome, tendo em conta a sua capacidade para as compreender. A fim de dirimir incertezas na interpretação, o CESE considera que importa especificar que as informações fornecidas devem ser completas e comunicadas de forma clara, para que se considere cumprida a condição de consentimento informado geralmente aceite na medicina.

6.3.

O artigo 55.o, n.o 3, alínea c), estabelece a obrigação de as entidades fornecerem informações aos dadores sobre o direito de retirar o consentimento e quaisquer restrições ao direito de retirar o consentimento após a dádiva. O CESE considera que o direito de retirar o consentimento só pode ser restringido por circunstâncias factuais, por exemplo, no caso de um procedimento já iniciado. A fim de evitar a violação de um dos direitos fundamentais do doente, a saber, o direito à autonomia, afigura-se justificado prever uma lista exaustiva de situações em que o direito de retirar o consentimento pode ser limitado.

7.   Proteção de dados

7.1.

O CESE congratula-se com o facto de o regulamento reafirmar a necessidade de respeitar os requisitos de confidencialidade rigorosos previstos no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (2) (RGPD) em relação ao tratamento de dados pessoais dos dadores e recetores de substâncias de origem humana, incluindo a limitação da finalidade do tratamento de dados pessoais e a minimização dos dados.

7.2.

O CESE considera que se justifica fazer a distinção entre o requisito de consentimento informado e livre para a dádiva, previsto na proposta de regulamento, e o requisito separado de consentimento para o tratamento de dados pessoais relativos à saúde do dador na aceção do RGPD, uma vez que os dois requisitos não são idênticos.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2022) 338.

(2)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO L 119 de 4.5.2016, p. 1).


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/159


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece condições harmonizadas para a comercialização dos produtos de construção, que altera o Regulamento (UE) 2019/1020 e que revoga o Regulamento (UE) n.o 305/2011»

[COM(2022) 144 final]

(2023/C 75/23)

Relator:

Manuel GARCÍA SALGADO

Correlator:

Domenico CAMPOGRANDE

Consulta

Parlamento Europeu, 18.5.2022

 

Conselho da União Europeia, 30.5.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

13.9.2022

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

139/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a Comissão Europeia não oferece quaisquer soluções a curto prazo para resolver o atraso atual na publicação de novas normas no Jornal Oficial da União Europeia. A proposta em apreço de alteração do Regulamento Produtos de Construção (1) (RPC), mesmo que seja bem-sucedida no seu objetivo, apenas produzirá resultados num espaço de 10 anos.

1.2

O CESE constata com preocupação que o período de transição proposto entre o regulamento atual e o regulamento revisto é de 20 anos, o que pode criar problemas de ordem prática, uma vez que 20 anos é um período excessivamente longo para o processo de introdução progressiva de especificações técnicas harmonizadas. O atual sistema de normalização é impraticável por carecer de meios para reagir às questões suscitadas pela Comissão Europeia e responder às prioridades políticas definidas.

1.3

O CESE mostra-se apreensivo com o facto de a Comissão Europeia, não obstante ter apresentado várias opções políticas aos Estados-Membros, retomar a abordagem em que as normas técnicas são redigidas por entidades reguladoras a nível europeu. Este processo centralizado é particularmente preocupante na medida em que limitaria a capacidade das empresas industriais de menor dimensão de se expressar e fazer valer os seus pontos de vista.

1.4

O CESE, em articulação com o setor da construção, considera que se deve procurar uma alternativa à opção apresentada pela Comissão Europeia, mantendo a normalização como elemento central. Será necessário prosseguir os debates e convidar todas as partes interessadas (os Estados-Membros, o Comité Europeu de Normalização, a Comissão Europeia, etc.) a trabalharem em conjunto para propor uma solução viável, na qual as normas harmonizadas desempenhem um papel fundamental no sistema. O objetivo é integrar todas as partes interessadas num diálogo destinado a procurar um sistema adequado que permita a livre circulação dos produtos de construção. Neste processo, o diálogo social com os empregadores e os trabalhadores, bem como a participação das partes interessadas da sociedade na normalização, são fundamentais.

1.5

Embora o CESE reconheça que a normalização é muitas vezes encarada como um processo induzido pela indústria, da base para o topo, é extremamente importante garantir que todas as partes interessadas trabalham em conjunto e cooperam de forma flexível para desenvolver normas atualizadas. Estas são fundamentais para permitir a sustentabilidade e a digitalização e facilitar a inovação no setor da construção. Este processo também deve ser apoiado pelo diálogo social e assegurar a participação dos empregadores, dos trabalhadores e das partes interessadas da sociedade na normalização.

1.6

O CESE entende que um quadro regulamentar europeu para os produtos de construção que funcione bem e esteja integrado no sistema de normalização não só responderá às necessidades da indústria, como também servirá a sociedade em geral, o que explica a importância da participação dos parceiros sociais. Além disso, permitirá à União Europeia (UE) concretizar o mercado interno digital, a recuperação económica pós-COVID-19, os planos estratégicos do Pacto Ecológico Europeu e os objetivos da economia circular.

1.7

O CESE observa que a nova proposta de RPC prevê que todos os intervenientes no setor da construção utilizem obrigatoriamente métodos de avaliação, classificações e critérios europeus. Esta obrigação afeta mais de três milhões de empresas na UE, cuja grande maioria são PME. É necessário que os requisitos sejam justificados e proporcionados e não impliquem encargos burocráticos e administrativos desnecessários, em especial se o seu valor acrescentado for reduzido. O CESE considera que este problema foi subestimado na proposta de revisão do RPC.

1.8

O CESE entende que seria desejável elaborar uma declaração de desempenho completa, bem como adaptar o artigo 6.o e o anexo III no que diz respeito aos requisitos enunciados no anexo I, uma vez que a marcação CE aposta nos produtos de construção não garante a conformidade com os requisitos básicos das obras de construção. Esta situação constitui um obstáculo à existência de um mercado interno europeu único para os produtos de construção, uma vez que, nos termos do artigo 8.o, os Estados-Membros podem ser obrigados a impedir a comercialização e a utilização desses produtos de construção, o que pode colocar em risco a segurança dos estaleiros.

1.9

O CESE salienta a necessidade de melhorar ou desenvolver os procedimentos associados ao RPC, em especial no que diz respeito à normalização e à definição de interfaces com normas de execução nacionais. Importa assegurar que a Comissão Europeia adota normas harmonizadas para todos os requisitos de ensaio, bem como para as disposições relativas ao desempenho e as características. Se não o fizer, devem ser permitidos requisitos nacionais aplicáveis aos produtos de construção sempre que haja, a nível nacional, preocupações específicas quanto à utilização dos produtos de construção. Tal implicaria a aprovação de requisitos e anexos nacionais para um determinado período de tempo. Caso se decida tornar a declaração de desempenho mais pormenorizada, importa adotar as medidas necessárias para assegurar a correspondência ao nível dos trabalhos (conceção, instalação, etc.), tanto no que diz respeito ao conteúdo da informação como à sua fiabilidade.

1.10

O CESE considera problemático que a proposta de revisão do RPC não especifique o mecanismo de recolha de informações sobre os produtos referidos nas especificações dos contratos públicos, devido à sua inclusão no novo artigo 7.o. Sem isso, compilar as propriedades e as características que correspondem às necessidades de todos os adquirentes públicos em todas as utilizações torna-se uma tarefa árdua e interminável.

1.11

O CESE considera que a falta de clareza regulamentar no novo RCP pode retardar, prejudicar ou mesmo interromper os esforços que as empresas de construção têm realizado para aplicar a circularidade. Por conseguinte, o regulamento deve introduzir esclarecimentos para evitar a interrupção da circularidade.

1.12

O CESE entende que a proposta de revisão do RPC tem de incluir disposições claras e proporcionadas que tenham em conta a falta de informações sobre os produtos reutilizados ou remanufaturados, introduzidos há 20, 50 ou 150 anos, uma vez que, relativamente a produtos deste tipo com marcação CE, as informações sobre o desempenho só estão disponíveis localmente.

1.13

O CESE está convicto de que é importante para a competitividade do setor utilizar a proposta de revisão do RPC como um instrumento que não só permite colocar um produto inovador no mercado, mas também facilita a sua utilização. Para o efeito, é necessário que a avaliação técnica europeia também forneça aos utilizadores informações que diminuam a sua relutância em utilizar a inovação.

1.14

O CESE salienta que deve ser claro que o significado do termo «produto de construção» não foi alargado, continuando a corresponder apenas à definição constante do artigo 2.o, n.o 1, do RPC atual. Na proposta de novo regulamento, não é claro o significado do termo «serviço». Importa assegurar que os produtos fabricados por medida continuam excluídos do âmbito de aplicação do RCP.

1.15

O CESE concorda com a avaliação positiva da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho sobre a proposta da Comissão Europeia no que diz respeito aos critérios que complementam os requisitos funcionais e de segurança para os produtos de construção, em especial os critérios ambientais e em matéria de saúde e segurança no trabalho, que estão amiúde relacionados com a economia circular e a sustentabilidade. Todos estes aspetos reforçam as provas do impacto positivo de uma boa gestão da saúde e segurança no trabalho.

1.16

Preocupa o CESE que, regra geral, a regulamentação nacional permita a utilização de resíduos contaminados no subsolo de estradas (contaminados com alcatrão antigo, bifenilos policlorados, pentaclorofenol, amianto, lã mineral antiga até uma determinada percentagem) ou a sua colocação em aterros especiais. Os resíduos de construção e demolição representam mais de um terço de todos os resíduos gerados na UE (2). Em algumas zonas, diferentes preocupações entram em conflito, por exemplo no que diz respeito à questão de saber se o subsolo escavado quando da construção de estradas e de outras infraestruturas pode ou não ser utilizado para depositar resíduos de construção.

1.17

O CESE manifesta preocupação com o facto de a conceção de produtos por forma a facilitar a reutilização, a remanufatura e a reciclagem, facilitando a separação de componentes e materiais na fase da reciclagem e evitando a mistura de materiais ou materiais complexos, expor enormemente os trabalhadores às substâncias manuseadas. A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho incentiva as empresas que propuseram soluções inovadoras para esses problemas, como, por exemplo, eliminar solventes perigosos da análise dos materiais regenerados no setor da construção e reparação de estradas. Por conseguinte, o CESE considera que o novo regulamento deve ter em conta estes aspetos essenciais para a segurança e saúde no trabalho. O CESE considera que o regulamento deve ainda assegurar não apenas o emprego e o progresso económico, mas também melhorias socioeconómicas com base nos princípios da responsabilidade social das empresas e na legislação conexa.

1.18

O CESE considera que a proposta deve ser objeto de uma revisão significativa para atingir os seus principais objetivos.

2.   Observações na generalidade

2.1

O relatório da Comissão, de 2016, sobre a execução do RPC identificou algumas lacunas. A avaliação efetuada ao RPC, os pareceres da Plataforma REFIT e as reações dos Estados-Membros e das partes interessadas revelaram de forma clara as insuficiências do quadro do RPC, o que entrava o funcionamento do mercado único dos produtos de construção e, por conseguinte, contraria os objetivos do RPC.

2.2

A Comunicação — Pacto Ecológico Europeu (3), o Plano de Ação para a Economia Circular e a Comunicação — Vaga de Renovação (4) na Europa destacaram o papel do RPC no âmbito dos esforços em prol de edifícios e renovações eficientes em termos de utilização de energia e de recursos, bem como na resposta à questão da sustentabilidade dos produtos de construção e na transição para uma economia circular. Na sua proposta de revisão da Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios (5), a Comissão realçou a importância das emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida dos edifícios e dos materiais de construção para calcular o potencial de aquecimento global dos novos edifícios após 2030.

2.3

Na Estratégia da UE para as Florestas e na Comunicação — Ciclos do carbono sustentáveis (6) anunciou-se o desenvolvimento, no contexto da revisão do RPC, de uma metodologia e normas sólidas e claras para quantificar os benefícios climáticos dos produtos de construção e da captura e utilização de carbono.

2.4

Tanto o Parlamento Europeu como o Conselho apelaram para a adoção de medidas destinadas a promover a circularidade dos produtos de construção, eliminar os obstáculos no mercado único dos produtos de construção e contribuir para os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e do Plano de Ação para a Economia Circular.

2.5

Os dois objetivos gerais da revisão do RPC consistem em 1) alcançar um mercado único dos produtos de construção que funcione bem e 2) contribuir para os objetivos da transição ecológica e digital, designadamente um mercado moderno, competitivo e eficiente na utilização de recursos.

2.6

O RPC limita significativamente as possibilidades de o setor comunicar, de forma coerente e harmonizada, o desempenho dos seus produtos e de os diferenciar em função do seu desempenho climático, ambiental e de sustentabilidade. Além disso, limita significativamente as possibilidades de os Estados-Membros definirem requisitos nacionais para os edifícios ou incluírem nos contratos públicos critérios relativos aos objetivos de sustentabilidade sem porem em causa o funcionamento do mercado único.

2.7

Na sua Comunicação — Uma nova estratégia industrial para a Europa (7), de março de 2020, a Comissão estabelece um plano para a indústria da UE liderar a dupla transição ecológica e digital. Na Comunicação — Atualização da Nova Estratégia Industrial de 2020 considera-se que a construção é um dos ecossistemas prioritários que maiores desafios enfrenta na consecução dos objetivos em matéria de clima e sustentabilidade e na adesão à transformação digital, de que depende a sua competitividade.

2.8

A proposta de regulamento que revoga o RPC atual visa corrigir as deficiências identificadas no RPC e abordar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e do Plano de Ação para a Economia Circular no que diz respeito aos produtos de construção. Para a consecução dos objetivos políticos, é imperativo melhorar o funcionamento essencial do quadro do RPC, em especial o processo de normalização. Contudo, a proposta não tem em conta os aspetos necessários relacionados com a saúde e segurança no trabalho nem as outras recomendações da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho.

2.9

O CESE considera que a educação, a formação, a requalificação, a aprendizagem ao longo da vida e a certificação são extremamente importantes, sendo primordial para o futuro da indústria que ocorram através do diálogo social. Observa igualmente que a aquisição das competências necessárias requer tempo e financiamento.

3.   Observações na especialidade

3.1

A normalização desempenha um papel crucial no setor da construção europeu. É o principal pilar do mercado interno, facilita a livre circulação dos produtos de construção na UE e estimula as atividades de construção. Este papel importante é reconhecido na legislação europeia, em especial o Regulamento Produtos de Construção e o Regulamento relativo à normalização europeia (8).

3.2

O objetivo do trabalho de normalização em matéria de sustentabilidade nas obras de construção deve incluir a avaliação, em pé de igualdade, dos aspetos ambientais, económicos e sociais da sustentabilidade dos produtos, edifícios e serviços, bem como a sua comunicação aos consumidores (de preferência através de rótulos).

3.3

Sem normas atualizadas, não é possível alcançar nem manter o mercado interno para os produtos de construção. Contudo, nos últimos anos, a integração das normas no sistema regulamentar falhou frequentemente, o que diminuiu a eficiência no setor da construção e prejudicou o mercado interno, nomeadamente através do aumento dos custos diretos ou indiretos para as empresas (em especial as de pequena e média dimensão).

3.4

A Comissão Europeia pode definir as regras para o desenvolvimento de normas harmonizadas utilizando pedidos de normalização. No entanto, a Comissão Europeia tem-se mantido passiva e não tem utilizado esta abordagem, obrigando o Comité Europeu de Normalização (CEN) a continuar a trabalhar com mandatos desatualizados e desencorajando os peritos de desenvolverem normas, que são muitas vezes bloqueadas por motivos que escapam ao seu controlo.

3.5

A Comissão Europeia reconhece que há problemas no atual procedimento de normalização através do CEN (o qual pode certamente ser melhorado), o que a levou a bloquear muitas normas. O CESE entende que a solução proposta pela Comissão Europeia, ou seja, a utilização de cada vez mais «atos delegados», é insatisfatória, já que deixa os empregadores, os trabalhadores e outras partes interessadas da sociedade fora do processo de normalização. Além disso, pelo facto de a Comissão Europeia bloquear muitas normas, impõe-se uma solução a curto prazo para as desbloquear. O CESE questiona seriamente se o recurso a atos delegados não conduz, em última análise, a uma sobreposição de competências com os Estados-Membros. Considera que só se deve aplicar este procedimento em casos excecionais, devidamente justificados, e que se deve estabelecer um conjunto claro de condições a preencher para o desencadear.

3.6

A Comissão Europeia, na sua proposta de um novo regulamento, menciona que a gestão da cadeia de abastecimento e as práticas de contratação pública influem no ambiente e na segurança e saúde no trabalho, na medida em que estimulam a utilização e a comercialização de produtos e materiais de qualidade. A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho também considerou este facto significativo, uma vez que pode promover a utilização de produtos respeitadores do ambiente e mais seguros para os trabalhadores.

3.7

O novo projeto LIFT-OSH (instrumentos de alavancagem da saúde e segurança no trabalho) da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho veio também comprovar que a boa gestão da saúde e segurança no trabalho tem um impacto positivo.

3.8

O CESE manifesta preocupação com o facto de a conceção de produtos por forma a facilitar a reutilização, a remanufatura e a reciclagem, facilitando a separação de componentes e materiais na fase da reciclagem e evitando a mistura de materiais ou materiais complexos, expor enormemente os trabalhadores às substâncias manuseadas. A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho incentiva as empresas que propuseram soluções inovadoras para esses problemas, como, por exemplo, eliminar solventes perigosos da análise dos materiais regenerados no setor da construção e reparação de estradas. Por conseguinte, o CESE considera que o novo regulamento deve ter em conta estes aspetos essenciais para a segurança e saúde no trabalho. O CESE considera que o regulamento deve ainda assegurar não apenas o emprego e o progresso económico, mas também melhorias socioeconómicas com base nos princípios da responsabilidade social das empresas e na legislação conexa.

3.9

A proposta de revisão do RPC refere que, a fim de garantir a segurança e a proteção do ambiente e colmatar uma possível lacuna regulamentar, é necessário sujeitar os «produtos» de construção fabricados no estaleiro para incorporação imediata nas obras de construção às mesmas regras que os outros produtos de construção colocados no mercado pelos fabricantes. O CESE considera que não existe nenhuma lacuna regulamentar quando esses produtos não são colocados no mercado. Os empreiteiros que fabricam «produtos» no local para incorporação imediata nas obras (por exemplo, uma viga de betão, espuma de poliuretano pulverizada, armações de janelas e de portas, etc.) estão sujeitos a requisitos regulamentares aplicáveis a (partes das) obras e que, na maioria dos casos, senão sempre, assentam exatamente nos mesmos requisitos técnicos aplicáveis aos fabricantes, nomeadamente a utilização de um sistema de controlo da produção na fábrica, a elaboração de documentação técnica, a avaliação dos «produtos», a declaração de desempenhos e da conformidade e a aposição da marcação CE. Esta disposição, além de desnecessária, seria particularmente prejudicial para as pequenas e médias empresas.

3.10

O artigo 7.o da proposta de revisão do RPC alarga o âmbito de aplicação a todos os requisitos dos produtos referidos nas especificações dos contratos públicos. Contudo, não especifica o mecanismo de recolha dessas informações, que pode estar relacionado com um conjunto vasto e diversificado de obras de construção, tais como estruturas para cães-polícia, edifícios administrativos das autoridades, vias rápidas, instalações nucleares, etc. O CESE manifesta preocupação com a viabilidade da recolha de todas as informações relativas às propriedades e características, bem como com a forma de determinar métodos de avaliação adequados que respondam às necessidades de todos os adquirentes públicos em todas as utilizações. Além disso, consoante a utilização prevista, os adquirentes públicos terão objetivos de fiabilidade muito diferentes (a fiabilidade do desempenho de membranas de impermeabilização a utilizar numa estrutura para cães será diferente da fiabilidade desse produto no telhado de um museu de belas-artes), que poderão não corresponder aos sistemas de avaliação e de verificação especificados na proposta de revisão do RPC. O CESE questiona se esta abordagem é realista.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (UE) n.o 305/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, que estabelece condições harmonizadas para a comercialização dos produtos de construção e que revoga a Diretiva 89/106/CEE do Conselho (JO L 88 de 4.4.2011, p. 5).

(2)  https://ec.europa.eu/environment/topics/waste-and-recycling/construction-and-demolition-waste_en

(3)  COM(2019) 640 final.

(4)  COM(2020) 662 final.

(5)  COM(2021) 802 final.

(6)  COM(2021) 800 final.

(7)  COM(2020) 102 final.

(8)  Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à normalização europeia, que altera as Diretivas 89/686/CEE e 93/15/CEE do Conselho e as Diretivas 94/9/CE, 94/25/CE, 95/16/CE, 97/23/CE, 98/34/CE, 2004/22/CE, 2007/23/CE, 2009/23/CE e 2009/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Decisão 87/95/CEE do Conselho e a Decisão n.o 1673/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 316 de 14.11.2012, p. 12).


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/164


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Conversão para uma rede de dados sobre a sustentabilidade das explorações agrícolas

[COM(2022) 296 final — 2022/0192 (COD)]

(2023/C 75/24)

Relator:

Florian MARIN

Consulta

Parlamento Europeu, 4.7.2022

Conselho, 11.7.2022

Decisão da Plenária

17.5.2022

Base jurídica

Artigo 43.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

5.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

188/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente e apoia a conversão da rede de informação contabilística agrícola (RICA) numa rede de dados sobre a sustentabilidade das explorações agrícolas (RDSA), conforme previsto na Estratégia do Prado ao Prato, com vista a recolher dados sobre sustentabilidade, a melhorar os serviços de aconselhamento e a prestar informações aos agricultores.

1.2.

O CESE considera que a RDSA é um instrumento importante para políticas baseadas em factos e recomenda o seguinte:

os dados sobre alterações climáticas, qualidade do solo e sequestro de carbono, pesticidas utilizados, qualidade da água e do ar, energia e biodiversidade devem ser tratados como dados ambientais a recolher pelos agricultores ou por outros instrumentos interoperáveis com a RDSA. Os dados recolhidos devem ser discriminados de acordo com o tipo de produto (biológico, etc.). As variáveis de dados sobre sustentabilidade devem ser cuidadosamente avaliadas quanto à sua validade, qualidade e comparabilidade ao serem incluídas na rede, para que possam ser utilizadas como um instrumento de políticas;

os dados sobre as condições de trabalho, os tipos de contratos, a saúde e a segurança (existência de um plano de saúde e segurança nas explorações agrícolas, número de acidentes, incluindo trabalhadores independentes), as competências e os salários, a condicionalidade social ligada à política agrícola comum, o número de trabalhadores independentes e o número de trabalhadores temporários/sazonais devem ser tratados como dados sociais a recolher pelos agricultores ou por outros instrumentos interoperáveis com a RDSA. Há que prestar especial atenção às mulheres e aos jovens;

os dados ambientais e sociais devem ter o mesmo nível de importância que os dados económicos. Dado que, nas últimas décadas, a RICA avaliou principalmente a situação económica dos agricultores, a dimensão económica é fundamental, a par da questão dos desafios ambientais e sociais;

uma abordagem interligada ao sistema integrado de gestão e de controlo (SIGC) e aos dados resultantes da aplicação da política agrícola comum (PAC), bem como ao Eurostat, especialmente no que se refere a dados ambientais e sociais;

a possibilidade de todos os agricultores contribuírem para a RDSA, sempre que queiram e sejam capazes, tendo por base uma metodologia específica e tendo em conta a representatividade e as limitações orçamentais; não devem existir sanções se, apesar de integrarem o grupo de amostra, não quiserem contribuir. O fornecimento de dados pelos agricultores deve continuar a ser voluntário. No entanto, os Estados-Membros devem identificar formas e incentivos adequados para incentivar os agricultores a participar na RDSA;

deve procurar-se constantemente reduzir a burocracia: devem também ser utilizadas tecnologias de dados modernas, como a inteligência artificial, a Internet das coisas, a validação automática ou infraestruturas de recolha à distância;

a RDSA deve ajudar a compreender melhor todo o ecossistema das explorações agrícolas e, para tal, importa garantir a interoperabilidade com outras bases de dados; deve igualmente prever-se a análise integrada de diferentes conjuntos de dados que abrangem outras partes da cadeia de abastecimento;

a inclusão de explorações agrícolas de subsistência e de semissubsistência na amostra da RDSA;

a inclusão de diferentes características, fontes, formatos, dimensões e níveis de granularidade dos dados, uma vez que as situações são diferentes entre Estados-Membros;

a realização de um intercâmbio permanente de boas práticas agrícolas entre Estados-Membros e entre agricultores; devem ser criados instrumentos especiais para o efeito.

esforços adicionais para consolidar a capacidade de recolha, partilha, gestão e utilização de dados para melhorar a eficiência e o processo de decisão das explorações agrícolas, em especial das explorações de pequena dimensão;

a RDSA deve contribuir para melhorar a gestão das explorações agrícolas e devem ser também prestados serviços de aconselhamento personalizados através de uma articulação clara com os dados sobre as variáveis exógenas do processo de produção agrícola, tais como as previsões meteorológicas;

o estabelecimento de critérios específicos relacionados com a sustentabilidade dos processos exigidos pela RDSA e critérios em matéria de condições de trabalho para os responsáveis pela recolha de dados.

1.3.

O CESE considera que cabe assegurar em permanência a proteção dos dados, a propriedade, a privacidade e a confidencialidade (garantia de anonimização total) e que os agricultores devem ter um controlo permanente sobre os respetivos dados. Além disso, cabe proteger os interesses dos agricultores e obter o seu consentimento para a partilha dos respetivos dados, independentemente do destino ou da utilização dos mesmos.

1.4.

O CESE recomenda que os agricultores recebam incentivos para contribuírem e recolham benefícios claros e diretos por partilharem os seus dados, além dos serviços de aconselhamento recebidos, nomeadamente benefícios financeiros ou acesso a convites à apresentação de propostas no âmbito de programas específicos financiados por fundos da União Europeia (UE).

1.5.

Os dados recolhidos para a RDSA não devem, em nenhum caso, ser utilizados para controlar e sancionar os agricultores. Se este princípio for comprometido, os agricultores devem ter a possibilidade de se abster de fornecer os dados, mas tal prejudicará significativamente a utilização da RDSA como instrumento para a elaboração de políticas.

1.6.

A abordagem geral da RDSA consiste na utilização de tecnologias digitais e, por este motivo, o CESE recomenda que se envidem mais esforços para construir um espaço comum de dados para a agricultura, promovendo a copropriedade de dados e as cooperativas de dados. O CESE considera que o setor agroalimentar carece de uma metodologia comum para assegurar a comparabilidade e a utilização comum dos dados.

1.7.

O CESE propõe a criação de um programa integrado específico para a digitalização do setor agroalimentar, uma vez que alguns agricultores são já obrigados a recolher dados ambientais para venderem os seus produtos e que as máquinas autónomas e inteligentes ou os sensores são geradores de dados. Deve ponderar-se a inclusão e a literacia digitais, juntamente com uma maior facilidade de acesso a tecnologias de dados, hardware e software.

1.8.

O CESE propõe que se envidem mais esforços para reduzir as zonas sem cobertura e proporcionar conectividade telefónica e de banda larga nas zonas rurais.

1.9.

Por fim, o CESE recomenda que os fundos destinados à aplicação da RDSA sejam garantidos pela Comissão e pelos Estados-Membros e que os dados recolhidos tenham em consideração a volatilidade dos preços e diversas crises na cadeia de abastecimento agroalimentar.

2.   Introdução

2.1.

Na Estratégia do Prado ao Prato (1), a Comissão Europeia prevê a transformação da rede de informação contabilística agrícola (RICA) numa rede de dados sobre a sustentabilidade das explorações agrícolas (RDSA), com vista a recolher dados de sustentabilidade, a melhorar os serviços de aconselhamento e a prestar informações aos agricultores. Os dados serão recolhidos nas explorações agrícolas, de acordo com critérios e uma periodicidade específicos em todos os Estados-Membros. A RICA será adaptada de modo a assegurar um processo de recolha de dados eficiente com a RDSA.

2.2.

Cada Estado-Membro elaborará um plano específico para a seleção das explorações contabilísticas, que garanta uma amostra de dados representativa. As explorações agrícolas serão classificadas segundo parâmetros uniformes e os responsáveis pela recolha de dados, tais como os serviços de contabilidade, participarão no processo, coordenado por um gabinete de ligação nos Estados-Membros.

2.3.

Os dados fornecidos pelas explorações agrícolas serão utilizados para caracterizar as explorações contabilísticas, para avaliar os rendimentos e a sustentabilidade económica, ambiental e social da exploração, bem como para testar, através de controlos no próprio local, a veracidade das informações prestadas.

3.   Funcionalidade da RDSA

3.1.

O CESE apoia a conversão da RICA na RDSA e considera que os mesmos dados não devem ser recolhidos duas vezes, pois alguns Estados-Membros já recolhem alguns dados sociais e ambientais, e que se deve assegurar uma abordagem interligada ao SIGC e aos dados resultantes da aplicação da PAC, bem como ao Eurostat, especialmente no que se refere a dados ambientais e sociais.

3.2.

A partilha de dados entre a RDSA e outros intervenientes, tais como as administrações, as autoridades estatísticas e organismos privados, deve realizar-se de forma controlada e adaptada. A promoção das tecnologias digitais já desenvolvidas e financiadas pela UE (a FAIRshare (2), os projetos do programa Horizonte Europa, etc.) pode contribuir para melhorar a gestão das explorações agrícolas e a utilização de tecnologias digitais a este nível.

3.3.

O período que decorre entre a recolha dos dados e o tratamento dos mesmos não deve afetar a qualidade da RDSA nem dos serviços de aconselhamento prestados aos agricultores. Os agricultores devem ser informados em caso de utilização dos seus dados para outras finalidades ligadas à RDSA, como a investigação, a inovação, a formação, etc., e dar o seu consentimento para tal.

3.4.

A proteção de dados, as regras pertinentes do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (3), os dados dos sensores, a confiança na utilização dos dados, os procedimentos de verificação e controlo, a propriedade, a privacidade e os direitos de produção e a transparência devem fazer parte dos interesses dos agricultores e estes devem beneficiar dos dados recolhidos. A redução da burocracia deve ser uma prioridade constante. É necessária uma metodologia clara a nível da UE para encorajar os agricultores a este respeito. Deve ponderar-se a participação das associações de agricultores.

3.5.

O CESE considera que devem ser tidas em consideração a sustentabilidade da aplicação do sistema e as condições de trabalho das pessoas envolvidas na aplicação da RDSA no âmbito da recolha, da gestão, do armazenamento e do tratamento de dados. O CESE salienta o seu parecer sobre digitalização e sustentabilidade (4): os centros de dados mais eficientes em termos energéticos devem tornar-se a norma e os novos centros de dados devem funcionar exclusivamente com energias renováveis. A Comissão deve estabelecer critérios específicos, a ter em conta em todos os Estados-Membros, sobre a sustentabilidade dos processos e as condições de trabalho para os responsáveis pela recolha de dados.

3.6.

A RDSA não deve ser um instrumento de utilização exclusiva pelos poderes públicos para a elaboração de políticas públicas, devendo integrar também as necessidades dos parceiros sociais, dos organismos de investigação, das universidades, dos agricultores e das organizações não governamentais (ONG). A RDSA pode ajudar a reforçar a inclusão dos agricultores no sistema financeiro (por exemplo, concessão de crédito). A RDSA deve fornecer periodicamente uma panorâmica geral da agricultura nos planos europeu, nacional e regional, bem como dos diferentes tipos de agricultura.

3.7.

Todos os agricultores da UE devem ter a possibilidade de contribuir para a RDSA, sempre que o pretendam fazer, tendo em conta a representatividade, as limitações orçamentais e os objetivos da RDSA. As explorações agrícolas que não integram a amostra devem poder contribuir de forma voluntária para a RDSA, com base em metodologias e critérios adaptados e específicos. Os agricultores não devem ser obrigados a fornecer dados à RDSA, nem devem sofrer qualquer sanção se não o fizerem. As explorações agrícolas de subsistência e semissubsistência devem também ser tidas em consideração. Os dados recolhidos devem ser discriminados de acordo com o tipo de produto (biológico, etc.).

3.8.

A recolha e o tratamento de dados de forma moderna e inovadora, com base na inteligência artificial, na Internet das coisas, na validação automática, em software de leitura ótica de carateres ou em infraestruturas de recolha à distância, devem ser tidos em consideração para tornar a RDSA mais eficiente, juntamente com os dados geoespaciais gerados através do Programa Espacial Europeu. Deve estabelecer-se uma articulação clara entre a RDSA, a PAC e a Nuvem Europeia para a Ciência Aberta.

3.9.

A RDSA deve ter em consideração os diversos quadros legislativos dos Estados-Membros, nomeadamente no que se refere aos aspetos ambientais e sociais, e deve ser suficientemente flexível para integrar novos indicadores. Para que a RDSA seja um êxito, é necessário que a cooperação entre os gabinetes de ligação, os gabinetes dos Estados-Membros e a Direção-Geral da Agricultura da Comissão seja eficaz. Os dados ambientais e sociais devem ter o mesmo nível de importância que os dados económicos, aplicando-se o mesmo princípio às explorações agrícolas de grande e pequena dimensão e às diversas regiões. A abertura e disponibilidade para contribuir para a RDSA varia entre Estados-Membros. Deve ter-se em conta o nível de sensibilidade e o valor exato de alguns elementos.

3.10.

O CESE propõe que se estabeleça uma distinção clara entre os dados que têm de ser recolhidos anualmente e os que têm de ser recolhidos periodicamente. A diversidade de características, fontes, formatos, dimensões e níveis de granularidade dos dados é um desafio para a RDSA, uma vez que os mesmos dados não devem ser recolhidos múltiplas vezes. Existem grandes diferenças entre Estados-Membros quanto às estruturas de custos para a recolha de dados, pelo que é necessária uma maior flexibilidade.

3.11.

A recolha de dados deve ter em consideração as diversas crises e a maior volatilidade dos preços, que se está a tornar uma variável constante nas cadeias agroalimentares. A guerra na Ucrânia está a contribuir para fomentar essa volatilidade, e a especulação sobre os produtos alimentares está a colocar as cadeias de abastecimento sob pressão. Os recursos financeiros atribuídos à RDSA devem ser assegurados pela Comissão e pelos Estados-Membros.

3.12.

O CESE propõe a criação de um órgão consultivo europeu, com a participação da sociedade civil, selecionado segundo critérios transparentes para fazer o acompanhamento da recolha de dados e para decidir sobre a utilização dos dados e as alterações estratégicas em matéria de requisitos de dados, tendo em consideração os desafios societais e a dinâmica da procura de dados.

3.13.

O CESE propõe ainda que sejam integrados na RDSA os dados relativos a práticas agrícolas, mais precisamente os relacionados com gestão dos solos, a proteção fitossanitária, a nutrição das plantas e a saúde e o bem-estar dos animais. Um dos resultados da RDSA deve ser a recolha e divulgação das boas práticas agrícolas, nomeadamente nos domínios ambiental e social (formação, ferramentas exemplares, boas práticas, intercâmbios entre consultores, etc.).

3.14.

Os dados sobre as alterações climáticas, a qualidade dos solos e o sequestro de carbono, a utilização de pesticidas, a qualidade da água, qualidade do ar, a energia e a biodiversidade devem ser tratados como dados ambientais a recolher pelos agricultores ou por outros instrumentos interoperáveis com a RDSA.

3.15.

As condições de trabalho, os tipos de contratos, a saúde e a segurança (existência de um plano de saúde e segurança nas explorações agrícolas, número de acidentes, incluindo trabalhadores independentes), a condicionalidade social ligada à política agrícola comum, o número de trabalhadores independentes e o número de trabalhadores temporários/sazonais, bem como as competências e os salários, devem ser considerados dados sociais a recolher pelos agricultores ou por outros instrumentos interoperáveis com a RDSA. Importa igualmente assegurar em permanência que os dados recolhidos são utilizados para ajudar a acompanhar a evolução rumo à consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

3.16.

O CESE propõe que se conceda especial atenção às mulheres e aos jovens enquanto ponto central do futuro do desenvolvimento rural. A RDSA pode fomentar indiretamente, entre outros aspetos, uma maior facilidade de acesso a oportunidades, contratos de trabalho estáveis, serviços públicos adaptados e uma qualidade de vida elevada. Além disso, cabe dar especial atenção aos dados das explorações agrícolas que operam a nível internacional, uma vez que a organização das explorações está a tornar-se mais complexa e algumas delas produzem igualmente fora da UE.

3.17.

No que diz respeito à aplicação da legislação relativa à RDSA, o CESE está preocupado com a proposta de conferir à Comissão o poder de adotar um número considerável de atos delegados (por exemplo, quanto à gestão de dados, à identificação das explorações agrícolas, à utilização de dados ou ao acesso e transmissão de dados primários). O recurso a atos delegados deve ser limitado ao mínimo, sendo preferível recorrer a atos de execução.

4.   Contributo da RDSA para a melhoria do desempenho ambiental, económico e social das explorações agrícolas e para a transparência e a equidade da cadeia de abastecimento agroalimentar

4.1.

A RDSA pode ser um instrumento que contribui para a melhoria da gestão das explorações agrícolas, ao criar ferramentas de apoio à tomada de decisão para um melhor desempenho das explorações agrícolas (nomeadamente ao promover a agricultura de precisão) através da recolha e análise de dados das explorações agrícolas, devendo os Estados-Membros ser orientados nesse sentido. A fim de prestarem aconselhamento fundamentado sobre as várias dimensões da sustentabilidade (económica, ambiental, social), seria benéfico para os serviços de aconselhamento decorrentes da RDSA uma melhor integração dos conjuntos de dados.

4.2.

Os dados recolhidos nas explorações agrícolas são parcialmente utilizados para aumentar o potencial e o desempenho sustentável da exploração. Os agricultores devem ter o controlo sobre os seus dados e ser apoiados e aconselhados a utilizá-los para trabalharem de forma mais precisa, eficiente e sustentável, promovendo práticas agrícolas sustentáveis. Os dados devem ser utilizados para a finalidade específica que motivou a sua recolha. Os Estados-Membros devem participar de forma adequada a este respeito e a Comissão deve apresentar recomendações claras e soluções de software aberto adaptadas ao ecossistema das explorações agrícolas.

4.3.

O CESE propõe a criação de um espaço comum de dados, assente num rótulo de confiança para os dados públicos no domínio agroalimentar na UE, com vista a uma abordagem mais adequada e mais eficiente das cadeias de abastecimento. Devem ser estabelecidas metas concretas em cada Estado-Membro. A copropriedade dos dados, as cooperativas de dados para a agricultura e a criação de parcerias para a agricultura dos dados exigem recursos financeiros e uma estratégia específicos.

4.4.

O setor agroalimentar carece da elaboração de normas e de uma metodologia comum para assegurar a comparabilidade e a utilização comum dos dados. Cabe adotar medidas concretas a este respeito, com a participação dos Estados-Membros, uma vez que alguns agricultores são obrigados a recolher dados para venderem os seus produtos aos retalhistas.

4.5.

O CESE propõe que a RDSA ajude a compreender melhor todo o ecossistema da exploração agrícola e seja interoperável com outras bases de dados que abrangem dados sobre a cadeia de abastecimento ou analisam de forma integrada diferentes conjuntos de dados, de modo a permitir acompanhar a distribuição do valor acrescentado e assegurar um tratamento equitativo de todos os intervenientes na cadeia alimentar. A RDSA deve apresentar indicadores-chave de desempenho básicos ligados ao desempenho das explorações agrícolas, mas também à situação regional e dos produtos.

4.6.

A RDSA deve contribuir para uma gestão inteligente, inovadora e sustentável das explorações agrícolas, para a melhoria da gestão e produção agrícolas e para uma articulação com as variáveis exógenas da produção agrícola (condições meteorológicas, por exemplo). Os agricultores e as cooperativas devem participar mais nos projetos de investigação, podendo os fundos da UE ser especificamente atribuídos à digitalização do setor agroalimentar. Devido à natureza específica do setor, deve lançar-se um convite à apresentação de propostas específico, com a participação dos Estados-Membros.

5.   O contributo da RDSA para a digitalização da agricultura e do setor agroalimentar

5.1.

A adoção das tecnologias informáticas é um processo moroso, uma vez que a agricultura ainda é um dos setores com menor grau de digitalização e que subsistem diferenças significativas entre países, regiões e explorações agrícolas neste domínio. A inclusão digital é um enorme desafio, que cabe enfrentar para reduzir as desigualdades. Um setor agroalimentar mais digitalizado contribuirá para reforçar a transparência da cadeia de abastecimento e minimizará o risco de especulação sobre os produtos alimentares. O CESE propõe que a Comissão, os Estados-Membros e a sociedade civil, trabalhando em parceira, instituam um programa integrado específico para a digitalização do setor agroalimentar. Devem existir programas específicos que facilitem o acesso dos Estados-Membros, e especialmente dos pequenos agricultores, a tecnologias de hardware e de software, pois a transição digital é uma prioridade. A renovação de licenças de software utilizado para a recolha e a partilha de dados deve ser garantida periodicamente. Para o efeito, podem ser utilizados fundos da UE, embora a participação dos Estados-Membros seja um fator importante.

5.2.

As máquinas autónomas e inteligentes ou os sensores são geradores de dados que podem ajudar no processo de decisão das explorações agrícolas e consolidar a gestão de dados na cadeia de abastecimento. A interligação e a interoperabilidade entre os intervenientes na cadeia de abastecimento, juntamente com os dados geoespaciais, devem ajudar a assegurar a ligação dos pequenos agricultores ao mercado e a consolidação das cadeias de abastecimento.

5.3.

A consolidação da capacidade de recolha, partilha, gestão e utilização de dados nas explorações agrícolas, especialmente nas explorações de pequena dimensão, é importante para uma melhor integração dos agricultores nas cadeias de abastecimento e para aumentar a eficiência das explorações agrícolas. Estes custos devem ser suportados pela PAC, devendo os Estados-Membros integrar medidas especiais nos planos estratégicos. O conhecimento insuficiente que os pequenos agricultores têm dos processos digitais deve ser gerido com cuidado, cabendo prestar uma atenção permanente e clara ao aumento da literacia digital no âmbito da PAC e de outras políticas pertinentes.

5.4.

A recolha de dados sociais e ambientais não deve ser um processo isolado ou uma atividade suplementar, mas sim uma atividade permanente nas explorações agrícolas, independentemente da sua dimensão ou tipo, devendo os Estados-Membros apoiar esta atividade contínua.

5.5.

O CESE manifesta a sua preocupação relativamente ao facto de a procura de dados e de digitalização no setor agroalimentar poder gerar discriminação de preços e especulação nos mercados de produtos de base. A concentração do mercado de dados num pequeno número de empresas deve ser gerida de molde a assegurar a soberania dos dados. Além disso, a partilha de dados entre intervenientes na cadeia de abastecimento deve ser efetuada de forma equitativa, transparente e não discriminatória, permitindo que a RDSA ajude a criar uma cadeia de abastecimento mais equitativa e reduzindo as emissões indiretas.

5.6.

Deve colocar-se, em permanência, a ênfase na criação de um quadro para a democracia dos dados e um poder de negociação equilibrado no que se refere aos benefícios dos dados nos setores agroalimentares. O CESE acolhe favoravelmente a introdução de um número de identificação para as explorações agrícolas e aponta para a necessidade de maior clareza em relação à privacidade, propriedade, responsabilidade e portabilidade dos dados na agricultura. Deve promover-se a partilha equitativa dos benefícios dos dados, com base na reciprocidade entre quem contribui com os dados e quem os agrega, bem como a facilitação da descoberta de dados da RDSA.

5.7.

São necessárias campanhas de sensibilização que destaquem a importância dos dados para o desempenho económico, social e ambiental das explorações agrícolas, especialmente para os pequenos agricultores, de molde a consolidar a confiança e a compreender melhor o contributo dos dados para a pertinência e a eficiência de futuras políticas públicas. Os intervenientes nas cadeias de abastecimento agroalimentar devem ter acesso a plataformas de dados abertos, a fim de assegurar a comparabilidade e a transparência nas cadeias de abastecimento de produtos. A RDSA poderia incentivar os agricultores a utilizarem plataformas digitais para se integrarem mais facilmente nas cadeias de abastecimento e transferirem boas práticas.

5.8.

O reforço da literacia digital deve ser uma constante, em especial para explorações de pequena dimensão e agricultores mais velhos, juntamente com formações destinadas aos responsáveis pela recolha de dados. A formação, as práticas e as campanhas em matéria de cibersegurança devem ter caráter permanente. Apesar do progresso registado na digitalização e no setor dos dados, são necessários sistemas de utilização mais fácil. O CESE destaca a necessidade de assegurar a cobertura da banda larga e a digitalização, aspetos incontornáveis para uma agricultura de precisão e a robótica, e de apoiar os investimentos nestas técnicas sustentáveis. Deve ponderar-se uma ligação clara da RDSA com o Mecanismo Interligar a Europa (MIE) e também com o Fundo de Investimento em Banda Larga do MIE.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE — «Do prado ao prato: uma estratégia de alimentação sustentável» (JO C 429 de 11.12.2020, p. 268).

(2)  https://www.h2020fairshare.eu/

(3)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO L 119 de 4.5.2016, p. 1).

(4)  Parecer exploratório do CESE — «Digitalização e sustentabilidade: situação atual e necessidade de ação na perspetiva da sociedade civil» (JO C 429 de 11.12.2020, p. 187).


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/171


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de ação para a criação de corredores solidários UE-Ucrânia com vista a facilitar as exportações agrícolas e o comércio bilateral da Ucrânia com a UE

[COM(2022) 217 final]

(2023/C 75/25)

Relator:

Marcin NOWACKI

Consulta

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

4.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

156/12/17

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta que a agressão militar não provocada da Federação da Rússia contra a Ucrânia levou à destruição de uma parte significativa das infraestruturas e ao bloqueio dos portos marítimos e das vias navegáveis, o que resultou no colapso do comércio externo ucraniano. Por conseguinte, é necessário procurar vias alternativas de comércio utilizando o transporte rodoviário e ferroviário entre a UE e a Ucrânia.

1.2.

O CESE insta os Estados-Membros, a Comissão e o Conselho a adotarem medidas para melhorar o desalfandegamento nos pontos de passagem fronteiriços, aumentando o número de funcionários e reforçando a cooperação entre os funcionários dos Estados-Membros da UE e da Ucrânia. Essas medidas deverão dar continuidade a uma tendência já patente em alguns países da UE, como a Polónia, que abriu corredores especificamente dedicados ao transporte de mercadorias nos pontos de passagem fronteiriços de Korczowa-Krakovets e de Dorohusk-Yahodyn. Importa igualmente salientar a necessidade de os Estados-Membros da UE e a Ucrânia cooperarem, a fim de melhorar o desalfandegamento, nomeadamente através da realização em simultâneo das operações aduaneiras por todos os serviços competentes, no respeito do conjunto de procedimentos em vigor, quer nos Estados-Membros da UE, quer na Ucrânia.

1.3.

Cumpre assinalar que um dos principais esforços mais recentes efetuados para aumentar o comércio por via terrestre foi a assinatura de dois acordos entre a UE, a Ucrânia e a Moldávia, a fim de eliminar os entraves ao transporte rodoviário de bens ucranianos para a UE através da Moldávia. Os acordos de transporte rodoviário contribuirão para esse esforço ao facilitarem o transporte de mercadorias por estrada entre a UE e a Ucrânia e Moldávia, permitindo aos transportadores ucranianos, moldavos e da UE transitarem nestes territórios e neles desenvolverem a sua atividade sem ter de obter licenças para as operações em causa. O acordo entre a UE e a Ucrânia também prevê o reconhecimento das cartas de condução e dos certificados de qualificações profissionais ucranianos (1).

1.4.

O CESE assinala a necessidade de investimentos urgentes em infraestruturas, a fim de aumentar as travessias de fronteiras e de permitir o comércio por via ferroviária. Esses investimentos só podem ser realizados com o apoio de fundos europeus. A fim de aumentar o volume do transporte, é necessário apoiar o processo de investimento, assim como dar garantias de pagamento e garantir os seguros dos empresários envolvidos no transporte de mercadorias entre a UE e a Ucrânia.

1.5.

O CESE salienta a necessidade de estabelecer uma cooperação estreita com parceiros ucranianos, não só para executar o processo de investimento e melhorar os procedimentos de transporte de mercadorias, como para possibilitar aos trabalhadores ucranianos o exercício da sua atividade na UE. Tal diz respeito tanto aos parceiros governamentais como aos parceiros sociais.

1.6.

O CESE observa que a Comissão Europeia identifica corretamente na sua comunicação os encargos significativos que afetam o comércio entre a UE e a Ucrânia, bem como as respetivas causas. O conflito armado em curso no território ucraniano, provocado pela invasão completamente injustificada da Rússia, levou à destruição em grande escala das infraestruturas da Ucrânia e ao bloqueio dos seus portos marítimos no Mar Negro, isolando assim o país da sua via de comércio internacional.

2.   Contexto

2.1.

O presente parecer tem por objeto a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de ação para a criação de corredores solidários UE-Ucrânia com vista a facilitar as exportações agrícolas e o comércio bilateral da Ucrânia com a UE (2), de 12 de maio de 2022.

2.2.

Os géneros alimentícios, em especial os cereais, são um dos principais produtos de base produzidos pela Ucrânia e exportados para a UE, assim como para vários países africanos e asiáticos. A Ucrânia é um dos maiores produtores de alimentos. O bloqueio do seu comércio externo provoca uma redução significativa da oferta de muitos produtos alimentares na UE e em todo o mundo. Juntas, a Ucrânia e a Rússia são responsáveis por 10 % da produção mundial de trigo e por 30 % do comércio mundial deste cereal.

2.3.

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão Europeia de criar rotas logísticas alternativas e otimizadas, ou seja, novos corredores solidários UE-Ucrânia, para facilitar o comércio de produtos agrícolas da Ucrânia e o comércio externo bilateral. Esses corredores proporcionarão igualmente à Ucrânia acesso às rotas comerciais europeias através de portos marítimos, o que permitirá ao nosso vizinho oriental participar no comércio mundial. No entanto, a opinião generalizada é de que as exportações por via terrestre só conseguem compensar entre um terço e metade do volume que a Ucrânia exporta normalmente através do Mar Negro. Além disso, os custos do transporte terrestre até à Europa são muito mais elevados do que a exportação por via marítima através do Mar Negro. Ademais, as exportações ucranianas são limitadas no mercado interno da UE, o que reduz as oportunidades para os agricultores e não ajuda a suprir as urgentes necessidades de alimentos sentidas em muitos países africanos e asiáticos.

2.4.

A abertura de um corredor seguro para os cereais no Mar Negro pode ser uma boa notícia para os países importadores de alimentos e para os agricultores ucranianos. No entanto, a verdadeira prova ainda não foi feita, num contexto em que a confiança na Rússia é baixa. Além de tudo isto, vive-se um período marcado pelos preços elevados dos combustíveis e fertilizantes. Grande parte dos terrenos agrícolas da Ucrânia estão sob controlo da Rússia ou são vulneráveis a ataques russos. É possível que os agricultores deixem de poder cultivar devido aos custos elevados e à falta de segurança. Nesse caso, poderão desistir da atividade, pondo ainda mais em risco a segurança alimentar mundial e reduzindo a quantidade de postos de trabalho disponíveis para os trabalhadores. Urge encontrar soluções. Não há tempo a perder.

2.5.

O CESE observa que a Comissão identifica corretamente os pontos de estrangulamento, ou seja, as questões mais problemáticas que entravam o comércio entre a UE e a Ucrânia, e propõe uma série de medidas para resolver os problemas identificados.

2.6.

Os principais obstáculos ao desenvolvimento do comércio entre a UE e a Ucrânia prendem-se com questões relacionadas com as infraestruturas. Por isso, é necessário um investimento urgente para manter as travessias de fronteiras desimpedidas e facilitar o transporte ferroviário entre a Ucrânia e os Estados-Membros da UE. Importa estabelecer e aprofundar a cooperação entre as instituições da UE, os Estados-Membros, a Ucrânia e a Moldávia, que podem desempenhar um papel ativo no transporte de mercadorias.

3.   Observações na generalidade

3.1.

É difícil calcular os danos causados pela invasão russa da Ucrânia, especialmente porque não se sabe quanto tempo durará a guerra. No entanto, importa começar já a ponderar o planeamento da reconstrução da Ucrânia, o seu desenvolvimento económico e a sua integração no ecossistema económico da União Europeia. Um passo importante para a reconstrução da Ucrânia foi a Conferência de Lugano, realizada em 4 e 5 de julho de 2022, particularmente importante uma vez que, em 23 de junho de 2022, os dirigentes da UE decidiram conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à adesão à União Europeia. O plano proposto pela Comissão Europeia de criar «corredores solidários» para aumentar o comércio entre a União Europeia e a Ucrânia é, sem dúvida, uma etapa essencial rumo a este objetivo.

3.2.

A Ucrânia dispõe de 18 portos a partir dos quais pode exportar mercadorias para países europeus e outras partes do mundo. Segundo informações recentes recebidas da Ucrânia, 15 desses portos foram bloqueados. Apenas três portos continuam operacionais: Reni, Izmail e Ust-Dunaisk. Além disso, a Rússia impediu a partida de quase 80 navios estrangeiros e respetivas tripulações. Segundo fontes ucranianas, apenas 400 000 toneladas de carga partiram dos portos em março. Em maio, esse volume aumentou para 1,3 milhões de toneladas (3). No entanto, trata-se apenas de uma gota no oceano face às necessidades. A esperança num aumento do comércio marítimo repousa sobre um acordo nos termos do qual a Rússia se compromete a permitir a partida de navios mercantes dos portos ucranianos. Os primeiros navios com cereais ucranianos já deixaram o porto de Odessa. Importa salientar que o acordo com a Rússia é frágil e que os portos podem voltar a ser bloqueados por completo a qualquer momento (4).

3.3.

Com efeito, a Ucrânia é um dos maiores produtores mundiais de géneros alimentícios. Cerca de metade das exportações mundiais de óleo de girassol, 16 % de milho e 10 % de trigo provêm do país. A Ucrânia é também um importante produtor e exportador de outros cereais e produtos alimentares (5). As exportações de alimentos são uma fonte de receitas importante para a Ucrânia, tendo gerado 27,7 mil milhões de dólares americanos em 2021 (6). Os produtos agrícolas ucranianos são vendidos no Sudeste Asiático, Médio Oriente e África. Os países da UE — Espanha, Países Baixos e Itália — estão também entre os maiores importadores dessas mercadorias.

3.4.

Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, cerca de dois terços das exportações ucranianas eram efetuados por via marítima. Nessa altura, os cereais eram exportados quase exclusivamente por via marítima, enquanto no caso dos óleos vegetais o valor das exportações por essa via era superior a 90 % (7). O bloqueio dos portos marítimos comerciais no Mar Negro tem um impacto direto na segurança alimentar internacional e na situação económica de muitos países do mundo. O abastecimento alimentar limitado proveniente da Ucrânia é certamente — e continuará a ser — um fator importante da inflação dos preços em toda a UE. A colheita foi dificultada pela guerra e as tropas russas têm roubado culturas nos territórios ocupados, para além de minarem a região e de queimarem os campos cultivados. Nestas condições, a colheita da Ucrânia é inferior à de anos anteriores, o que, aliado às dificuldades na exportação, poderá provocar fome em muitas regiões do mundo. Além disso, estima-se que cerca de 30 % das regiões ucranianas produtoras de trigo estejam atualmente sob controlo da Rússia (em agosto de 2022). O estado da produção nas zonas ocupadas não é claro: quem controla este abastecimento e será possível que ele ainda chegue aos mercados mundiais? Ademais, quando a guerra rebentou, estimava-se que estivessem armazenadas na Ucrânia entre 20 e 25 milhões de toneladas de cereais da colheita de 2021.

3.5.

Os problemas acima expostos justificam plenamente a proposta da Comissão de criação de «corredores solidários». No entanto, o CESE salienta que a proposta da Comissão deve incluir medidas destinadas a aumentar a segurança dos investimentos, além de medidas destinadas a aumentar a capacidade dos pontos de passagem fronteiriços.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Coordenação do trabalho dos serviços aduaneiros dos Estados-Membros da UE e da Ucrânia

4.1.1.

A realização de controlos aduaneiros conjuntos na fronteira da UE com a Ucrânia não é uma novidade. Por ocasião do campeonato Euro 2012 da UEFA aplicou-se um mecanismo semelhante. Mais de um milhão de pessoas atravessaram a fronteira entre a Polónia e a Ucrânia durante o Campeonato Europeu. No entanto, os procedimentos especiais, nessa altura, diziam apenas respeito à circulação de pessoas e não à circulação de mercadorias. Não obstante, a coordenação dos serviços aduaneiros permitiu um aumento da capacidade dos pontos de passagem fronteiriços. As circunstâncias especiais causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia justificam certamente a adoção de medidas semelhantes para a circulação de mercadorias. Não há dúvida de que são necessários controlos aduaneiros nos pontos de passagem fronteiriços com a Ucrânia. Todavia, recomenda-se que sejam realizados em plena cooperação e coordenação num único local e em simultâneo por funcionários dos Estados-Membros da UE e da Ucrânia.

4.2.   Aumento da capacidade dos pontos de passagem fronteiriços. Soluções de transporte rodoviário. Abertura de novos pontos de passagem fronteiriços e de corredores para o desalfandegamento de mercadorias, em especial de produtos agroalimentares

4.2.1.

A abertura dos pontos de passagem fronteiriços e o aumento da sua capacidade são cruciais para permitir a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros da UE e a Ucrânia. Essa tendência está a emergir nos países limítrofes da Ucrânia e deve ser apoiada, inclusive financeiramente, através de investimentos nas infraestruturas necessárias. Importa alargar a capacidade dos pontos de passagem fronteiriços existentes, por exemplo, aumentando o número de funcionários das alfândegas, e abrir novos pontos de passagem fronteiriços em locais em que tal seja possível, em especial para o desalfandegamento de mercadorias. De salientar o exemplo da Polónia, que aumentou a capacidade relativa às trocas de mercadorias nos pontos de passagem fronteiriços de Korczowa-Krakovets e Dorohusk-Yahodyn. Graças ao alargamento e à utilização das infraestruturas existentes, a Polónia reduziu, num espaço de tempo curto, o tempo de espera para o desalfandegamento das mercadorias, inclusivamente noutros pontos de passagem fronteiriços.

4.2.2.

Importa assinalar que, para o comércio de cereais da Ucrânia, é possível usar portos marítimos não só na Polónia como nos países do Báltico. É necessário usar eficazmente a rede ferroviária da Polónia e permitir às autoridades e empresas ucranianas o uso de portos na Polónia, na Lituânia, na Letónia e na Estónia. É importante referir que uma quantidade significativa de cereais ucranianos está armazenada em armazéns ao longo da fronteira da Polónia com a Ucrânia, o que significa que persistem entraves à logística comercial que têm de ser eliminados.

4.2.3.

É digno de nota o facto de a Comissão propor igualmente encetar negociações para a celebração de um acordo de transporte rodoviário de mercadorias entre a UE e a Ucrânia, que, após o seu período de vigência inicial, possa continuar em vigor enquanto durarem os graves efeitos da agressão militar da Rússia contra a Ucrânia nas infraestruturas e operações de transportes. No entanto, há que salientar as grandes diferenças existentes entre os enquadramentos empresariais na Ucrânia e na Europa. Por conseguinte, é necessário que qualquer potencial acordo entre a UE e a Ucrânia inclua um roteiro para alterações regulamentares na Ucrânia, a fim de fazer convergir a sua regulamentação com as normas europeias, designadamente o pacote da mobilidade. Caso contrário, as empresas de transportes ucranianas podem obter uma vantagem concorrencial significativa em relação às suas homólogas europeias, o que pode ter graves consequências económicas para o setor europeu dos transportes.

4.2.4.

Na ação 4, a Comissão apela para que se canalizem prioritariamente as remessas agrícolas ucranianas para os corredores de transporte de mercadorias com a melhor capacidade disponível. Esta ação é importante do ponto de vista administrativo. Importa, todavia, salientar que, sem incentivos económicos adicionais e seguros adequados, os operadores de transportes privados podem não estar dispostos a assumir os riscos associados ao transporte de produtos agrícolas. As empresas privadas guiam-se pelos princípios da maximização dos lucros e da minimização dos riscos pelo que, em vez de transportarem produtos agrícolas da Ucrânia, poderão optar por outras mercadorias ou por exercer atividades totalmente diferentes.

4.2.5.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão identificar, acertadamente, a necessidade de eliminar os inúmeros obstáculos à possibilidade de os condutores ucranianos trabalharem na UE. Há que adotar medidas concertadas com os parceiros ucranianos, a fim de permitir aos cidadãos ucranianos trabalhar em empresas de transporte europeias e atravessar livremente as fronteiras. Ao fim e ao cabo, as empresas de transportes europeias que operam na região deparam-se com uma escassez significativa de trabalhadores. Muitos cidadãos ucranianos trabalhavam em países da UE antes da guerra, mas foram forçados a regressar ao seu país de origem após a eclosão daquela. Atualmente, não podem deixar a Ucrânia para trabalhar na UE, o que tem um impacto na situação das empresas europeias.

4.3.   Ligações ferroviárias entre a UE e a Ucrânia

4.3.1.

O CESE assinala que a Comissão Europeia identifica corretamente os problemas existentes no domínio do transporte ferroviário de mercadorias. A bitola ferroviária usada na UE é de 1 435 mm e na Ucrânia de 1 520 mm, o que impede os vagões europeus de mercadorias de circularem nas vias ucranianas e vice-versa. No entanto, a Comissão alerta para o facto de a prática de substituir os bogies dos vagões poder não ser suficiente em todos os casos. Uma vez que os vagões ucranianos são, por vezes, um pouco mais largos do que os vagões utilizados na Europa, tal pode impedir a sua circulação nas linhas europeias.

4.3.2.

Na ação 5, a Comissão compromete-se a trabalhar com os Estados-Membros e o setor para identificar os principais centros de mudança de bitola/transbordo dentro e fora das fronteiras UE-Ucrânia, a fim de determinar os volumes que poderão ser transbordados diariamente, seja a granel seja contentorizados. Importa salientar que a assistência de coordenação da UE deve ir além do transporte e abranger também a expedição de mercadorias. Atualmente, as empresas ucranianas enfrentam grandes dificuldades na criação de novas cadeias logísticas (reserva de terminais fronteiriços e organização do transporte ferroviário, reserva de terminais nos portos, contratos com armadores marítimos) e, muitas vezes, transportam os cereais apenas até à fronteira, o que gera estrangulamentos. Seria possível resolver este problema através da organização de eventos e mecanismos (inclusive em linha) em grande escala com vista a pôr em contacto exportadores ucranianos e expedidores europeus, empresas de logística, etc.

4.3.3.

A execução de corredores solidários requer vários investimentos nas infraestruturas, em especial ferroviárias. Um exemplo notório disso é o prolongamento da infraestrutura ferroviária europeia dentro do corredor Polónia-Ucrânia-Roménia proposto, na linha Gdańsk-Lublin/Przemyśl-Lviv-Chernivtsi-Suceava-Constanța. Esse projeto poderá constituir um ramal oriental do novo corredor da rede transeuropeia de transportes (RTE-T) Báltico-Mar Negro-Egeu, que está a ser debatido no âmbito da revisão periódica da rede RTE-T. Depois de feitos os investimentos necessários na Polónia, como a plataforma central de transportes «Solidariedade» e a adaptação dos caminhos de ferro de alta velocidade ao transporte de mercadorias, esta será provavelmente a rota mais rápida para transportar mercadorias da Ucrânia até aos portos marítimos do Báltico. A realização dos investimentos como parte da rede RTE-T permitirá à Moldávia ligar-se melhor à UE e abrir mais rotas de transporte de mercadorias até Odessa e Quixinau.

4.4.   Apoio financeiro e redução dos riscos para as empresas

4.4.1.

A reconstrução da Ucrânia exige investimentos muito avultados. Uma parte significativa das infraestruturas e da agricultura do país foi destruída pela ação militar. Esses investimentos exigem fontes de financiamento e garantias de pagamento para dar segurança caso o investidor não possa pagar ao contratante. Por conseguinte, é necessário prever fundos europeus de apoio às empresas que investem na Ucrânia. Face aos custos elevados dos combustíveis, dos fertilizantes e dos seguros, muitos agricultores não se arriscarão a fazer investimentos. Muitas explorações agrícolas em zonas ocupadas serão deixadas ao abandono, o que significa que não haverá emprego para a população nem produção de bens alimentares.

4.4.2.

A Comissão salienta acertadamente que os proprietários de vagões da UE têm hesitado em permitir que o seu material circulante e os seus veículos entrem na Ucrânia. Em resposta a essa preocupação, a Ucrânia adotou um decreto governamental em que se compromete a suportar o custo financeiro dos prejuízos causados pela perda de vagões ou batelões. No entanto, o decreto não elimina os riscos associados ao seguro, além de não ser aplicável ao transporte rodoviário. Atualmente, o material circulante europeu já entra em parte na Ucrânia, mas ainda em quantidade limitada. Afigura-se adequado que a UE, em cooperação com a Ucrânia, apoie este instrumento, afetando-lhe fundos específicos. Os riscos associados à guerra no território ucraniano têm um impacto muito significativo na intenção das empresas (incluindo de transporte rodoviário) de operarem no setor do comércio de mercadorias entre a UE e a Ucrânia.

4.4.3.

Em vários pontos, a Comissão refere a necessidade de realizar investimentos significativos, por exemplo, na construção de ligações ferroviárias e de infraestruturas de transbordo ou de armazenamento de mercadorias. Importa salientar que um dos principais desafios ao investimento privado em infraestruturas cerealíferas (terminais, elevadores de grão, aquisição de vagões e material circulante, desenvolvimento de cais portuários, etc.) é a incerteza em torno da guerra e, por conseguinte, o risco de reescalonamento dos investimentos. Dada a dimensão global do problema, é legítimo solicitar o apoio dos países e das organizações internacionais para a criação de instrumentos financeiros que cubram o risco incorrido pelas empresas privadas que efetuam investimentos fundamentais em infraestruturas de transporte e armazenamento de cereais. O Banco Europeu de Investimento ou outros bancos de desenvolvimento dos países da região contam-se entre os potenciais intervenientes.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Apoiar as exportações ucranianas e melhorar as ligações com a UE: UE reforça cooperação com a Ucrânia e a Moldávia (europa.eu) (em inglês).

(2)  COM(2022) 217 final.

(3)  https://ubn.news/russian-invaders-have-seized-and-blocked-15-ukrainian-ports/

(4)  https://www.business-standard.com/article/international/ukraine-russia-sign-un-deal-to-export-grain-and-fertiliser-on-black-sea-122072201213_1.html

(5)  https://www.bbc.com/news/world-europe-61583492; https://www.apk-inform.com/en/news/1526701; ver também The importance of Ukraine and the Russian Federation for global agricultural markets and the risks associated with the war in Ukraine [Importância da Ucrânia e da Federação da Rússia para os mercados agrícolas mundiais e riscos associados à guerra na Ucrânia], Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

(6)  https://www.weforum.org/agenda/2022/07/ukraine-s-food-exports-by-the-numbers/

(7)  https://www.bbc.com/news/world-europe-61583492


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

ALTERAÇÃO

Proposta por:

CAÑO AGUILAR Isabel

HAJNOŠ Miroslav

QUAREZ Christophe

SZYMAŃSKI Mateusz

TEN/781 — Corredores solidários UE-Ucrânia

Ponto 4.5

Inserir novo ponto a seguir ao ponto 4.4.3.

Parecer da secção

Alteração

 

4.5

Proteção dos direitos dos trabalhadores no novo projeto de Código do Trabalho

O Parlamento ucraniano abandonou recentemente o seu princípio de longa data de consultar os sindicatos e as associações patronais sobre as políticas relacionadas com alterações à legislação laboral. Consequentemente, o Parlamento ucraniano aprovou a Lei 2434-IX, que entrou em vigor em agosto de 2022. Esta lei discrimina os trabalhadores de organizações com menos de 250 trabalhadores e com salários superiores a oito vezes o salário mínimo ao permitir ao seu empregador propor-lhes que assinem contratos individuais de trabalho que, se aceites, podem impor a esses trabalhadores responsabilidades e obrigações adicionais não previstas na legislação laboral ou nas convenções coletivas. A lei foi adotada para ser aplicada durante a vigência da lei marcial, mas faz obviamente parte de uma estratégia mais vasta de desregulamentação e supressão dos direitos dos trabalhadores. A sua adoção e a inclusão das suas disposições em nova legislação laboral em tempo de paz seriam contrárias ao acervo da UE, incluindo a liberdade de prestação de serviços, as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, as condições de emprego sustentáveis e o princípio da não discriminação, mas também às obrigações decorrentes das convenções ratificadas da Organização Internacional do Trabalho e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais sobre emprego seguro e adaptável, salários mínimos adequados e rendimento mínimo.

Resultado da votação:

Votos a favor:

81

Votos contra:

97

Abstenções:

17


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/178


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia da UE para a energia solar

[COM(2022) 221 final]

e

Recomendação da Comissão relativa à aceleração dos procedimentos de concessão de licenças para projetos no domínio da energia renovável e à facilitação dos contratos de aquisição de energia

[C(2022) 3219 final]

(2023/C 75/26)

Relator:

Kęstutis KUPŠYS

Correlatora:

Alena MASTANTUONO

Consulta

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

4.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

171/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE salienta a necessidade urgente de a UE impulsionar a energia solar e reforçar as capacidades europeias neste domínio, pelos seguintes motivos: cumprir os objetivos climáticos, aumentar a autonomia estratégica da UE no domínio da energia, promover o investimento público e privado e a criação de emprego digno, reforçar o tecido industrial e proporcionar oportunidades de negócio, bem como contribuir para o acesso dos agregados familiares à energia a preços acessíveis.

1.2.

Ao mesmo tempo, o CESE destaca a necessidade de reconhecer as diferenças entre os Estados-Membros no que toca à sua matriz energética, que reflete as respetivas condições geográficas e climáticas e a disponibilidade das diversas fontes de energia renováveis. O reforço da energia solar deve estar em consonância com as condições técnicas e a sustentabilidade ambiental. Para explorar todo o potencial da energia solar na Europa, os Estados-Membros devem intensificar a sua cooperação.

1.3.

O CESE congratula-se com a Estratégia da UE para a Energia Solar (1) (a seguir designada «a estratégia»), mas lamenta que venha a produzir resultados tão tardiamente. Exorta os Estados-Membros a não esperarem pela adoção das novas regras da UE e a começarem desde já a facilitar os procedimentos administrativos e a encurtar o processo de licenciamento. O CESE insta os Estados-Membros a reforçarem os procedimentos de licenciamento em balcão único, integrados e realizados uma só vez e a acelerarem imediatamente a designação de «zonas propícias», limitando o processo de implantação total a um máximo de dois anos. Salienta igualmente que a Estratégia da UE para a Energia Solar exige um reforço significativo das capacidades de armazenamento e que as redes de transporte e distribuição estejam prontas.

O CESE insta os decisores políticos a incentivarem, apoiarem e permitirem que os cidadãos sejam prossumidores de energia solar e formem comunidades de energia. Além disso, recomenda que os órgãos de poder local lancem projetos para combater a pobreza energética em zonas onde as pessoas não tenham os meios para investir através das comunidades de energia e solicita que se confira maior ênfase aos sistemas fotovoltaicos agrícolas, a fim de proporcionar aos agricultores novas oportunidades e benefícios.

1.4.

O Comité observa que o aumento da utilização de bombas de calor deve ser considerado em conjugação com o aumento da instalação de sistemas solares fotovoltaicos, uma vez que a combinação desses sistemas (nomeadamente em coberturas de edifícios) com uma bomba de calor proporciona a solução mais eficiente do ponto de vista energético e economicamente acessível para o arrefecimento, sempre que as condições climáticas o permitam. Considera também necessário promover sistemas solares térmicos em escala de utilidade pública.

1.5.

Para assegurar uma implantação em grande escala dos sistemas solares fotovoltaicos, é necessário reforçar o tecido industrial europeu e assegurar cadeias de abastecimento ininterruptas e fiáveis no âmbito da energia solar. Por conseguinte, o CESE considera imperativo que a UE encontre formas de produzir sistemas solares fotovoltaicos na Europa, melhorando o ambiente de investimento público e privado e criando condições favoráveis às empresas, nomeadamente o acesso adequado ao financiamento e uma forte ênfase na investigação e na inovação.

1.6.

Um dos grandes obstáculos à instalação de sistemas de energia solar é a enorme falta de trabalhadores qualificados, para além de obstáculos regulamentares e mesmo técnicos. O CESE apela para que se promova de forma intensiva a formação e o desenvolvimento de competências, mediante cooperação entre as partes interessadas pertinentes.

1.7.

O CESE sublinha a importância de criar uma capacidade industrial interna da UE para produtos de energia solar sustentáveis e a preços razoáveis e solicita a prestação de um apoio sólido à aliança da UE para a indústria solar fotovoltaica. Salienta a necessidade clara de mobilizar todas as partes interessadas, com o apoio dos poderes públicos e dos parceiros sociais, a fim de assegurar a disponibilidade dos conhecimentos práticos e especializados necessários e um amplo apoio à implantação de sistemas solares fotovoltaicos.

2.   Contexto

2.1.

Em 18 de maio de 2022, no contexto da guerra na Ucrânia, da introdução de sanções da UE contra a Rússia e dos esforços para abordar a questão da soberania energética, a Comissão Europeia propôs o plano REPowerEU (2), destinado a «reduzir rapidamente a nossa dependência dos combustíveis fósseis russos, reorientando rapidamente a transição para as energias limpas e unindo esforços a fim de alcançar um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia».

2.2.

No que diz respeito à produção de energia limpa, o plano REPowerEU propõe formas de a UE acelerar a transição ecológica e estimular um investimento maciço em energias renováveis (3). No âmbito do plano REPowerEU, a Comissão Europeia adotou a Estratégia da UE para a Energia Solar. Esta estratégia centra-se em quatro iniciativas:

a)

uma iniciativa europeia para a produção de energia solar nas coberturas de edifícios,

b)

um pacote relativo aos procedimentos de licenciamento,

c)

uma parceria europeia de competências em grande escala,

d)

uma aliança da UE para a indústria solar fotovoltaica.

2.3.

A estratégia baseia-se na proposta de diretiva que prevê uma série de iniciativas da UE em matéria de energia de fontes renováveis, desempenho energético dos edifícios e eficiência energética [a seguir designada «COM(2022) 222 final» (4)]. A Comunicação COM(2022) 222 final prevê a adoção de uma duração máxima para o procedimento de licenciamento aplicável a centrais de energia renovável. A Comissão propôs uma iniciativa para aumentar as metas estabelecidas em anteriores propostas de revisão da Diretiva Energias Renováveis II (5) e da Diretiva Eficiência Energética (6).

2.4.

O presente parecer é um dos vários pareceres do CESE relacionados com a energia e deve ser visto neste contexto global, em que se inserem também os pareceres sobre o plano REPowerEU (7), os mercados da energia, a segurança energética e os preços da energia, entre outros.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE congratula-se com a estratégia proposta e, em particular, com o facto de esta responder à necessidade de agir em todas as vertentes da energia solar: investimentos, inovação, produção de energia, eletricidade, conceção do mercado, incentivos, infraestruturas, trabalhadores qualificados, sensibilização, sustentabilidade e cadeias de valor.

3.2.

A promoção da energia solar e o reforço das capacidades europeias neste domínio são urgentes por vários motivos. Por um lado, porque são necessários para cumprir os objetivos climáticos, assim como aumentar a autonomia estratégica da UE no domínio da energia. E, por outro, porque fomentam o investimento público e privado e a criação de emprego digno, proporcionam oportunidades de negócio e contribuem para o acesso dos agregados familiares à energia a preços acessíveis.

3.3.

Para lograr uma Estratégia da UE para a Energia Solar coerente e sustentável, a UE tem de assegurar:

1)

quadros regulamentares adequados que poupem tempo e reduzam os custos;

2)

o contributo ativo dos consumidores para a produção de energia solar;

3)

a utilização de economias de escala;

4)

investimentos públicos e privados robustos em infraestruturas;

5)

incentivos à investigação, desenvolvimento e inovação;

6)

trabalhadores qualificados e os postos de trabalho de qualidade necessários para os atrair;

7)

matérias-primas em quantidade suficiente;

8)

circularidade e eficiência energética em todo o setor solar fotovoltaico;

9)

financiamento adequado.

3.4.

O CESE assinala também que a estratégia tem de reconhecer as diferenças entre os Estados-Membros no que toca à sua matriz energética, que reflete as respetivas condições geográficas e climáticas e a disponibilidade das diversas fontes de energia renováveis. Além disso, o reforço da energia solar deve estar em consonância com as condições técnicas e o enquadramento ambiental.

3.5.

O Comité espera que a Estratégia da UE para a Energia Solar se torne uma pedra angular da transição para um sistema energético com impacto neutro no clima, em que as energias renováveis desempenhem um papel central. Para o efeito, é necessário colocar uma forte ênfase no desenvolvimento da tecnologia de armazenamento, na gestão da procura e na integração de todo o sistema energético.

3.6.

O CESE chama a atenção para a necessidade urgente de criar condições favoráveis à investigação, ao desenvolvimento de produtos e à criação da capacidade industrial da UE para produzir equipamentos de energia solar sustentáveis e a preços competitivos. Para o efeito, apoia firmemente a aliança da UE para a indústria solar fotovoltaica, que deverá encontrar soluções para o problema persistente da diminuição de capacidade industrial na UE. Neste contexto, há que tirar partido da experiência e das possíveis sinergias com outras alianças, como a Aliança Europeia para as Baterias. É importante envolver os intervenientes da sociedade civil desde o início, uma vez que são essenciais para disponibilizar os conhecimentos práticos e especializados e para chegar a um público mais vasto, garantindo o apoio e a consulta da sociedade.

Aumentar a utilização da energia solar

3.7.

Para reforçar a adoção da energia solar, é necessária uma política que incentive os consumidores e todos os intervenientes do sistema energético a seguirem esta ambição quando adquirem a sua energia. Ao mesmo tempo, devem ser incentivados a empenhar-se em medidas de eficiência energética e de poupança de energia. É possível alcançar este objetivo sensibilizando-os para os benefícios previstos, por exemplo a redução das faturas de energia, a melhoria do seu bem-estar no dia a dia e o valor acrescentado dos seus imóveis, e concebendo instrumentos financeiros adequados.

3.8.

O CESE insta os decisores políticos a incentivarem, apoiarem e permitirem que os cidadãos sejam não só consumidores de energia conscientes, mas também prossumidores de energia solar e formem comunidades de energia locais. Tal contribuirá para aumentar a sua consciência e independência dos preços do mercado comum. O CESE recomenda que os órgãos de poder local lancem projetos de energia solar coletivos, tirando partido dos edifícios públicos, como escritórios, escolas e hospitais, para poderem combater a pobreza energética em zonas onde as pessoas não tenham os meios para investir através das comunidades de energia.

3.9.

Tendo em conta o papel prioritário da eficiência energética e da poupança de energia, os Estados-Membros devem facilitar a implantação de contadores inteligentes, a fim de proporcionar aos utilizadores de energia uma perspetiva mais clara do seu consumo e uma melhor compreensão sobre a forma de o gerir. O CESE solicita que se tenha em conta a ligação entre a melhoria da eficiência energética e o reforço do papel da energia solar na renovação dos edifícios. Exorta os Estados-Membros a orientar os utilizadores de energia no sentido de repartirem as suas necessidades energéticas de forma sensata ao longo de períodos de 24 horas, a fim de reduzir os picos de procura.

3.10.

O Comité observa que o aumento da instalação de sistemas solares fotovoltaicos deve ser considerado em conjugação com o aumento da utilização de bombas de calor, uma vez que os picos de produção de energia solar coincidem com o aumento da eletricidade necessária para arrefecer os edifícios. Por conseguinte, a combinação de sistemas solares fotovoltaicos (nomeadamente em coberturas de edifícios) e de bombas de calor proporciona a solução mais eficiente do ponto de vista energético e mais barata para o arrefecimento (em determinadas alturas do dia), sempre que as condições climáticas o permitam. No resto do tempo, a produção está associada à volatilidade da intensidade solar, o que significa que deve ser utilizada outra fonte de energia para satisfazer a procura de energia. É possível atenuar parcialmente a volatilidade reforçando significativamente a capacidade de armazenamento, que é atualmente insuficiente, e melhorando as ligações de transporte de energia, o que requer uma melhor cooperação entre os Estados-Membros.

3.11.

A energia solar térmica tem sido globalmente desvalorizada na maioria dos Estados-Membros. O CESE solicita que, sempre que possível, os planos de transição energética dos Estados-Membros, das regiões e dos municípios utilizem mais amiúde os sistemas solares térmicos em escala de utilidade pública. Tendo em conta a atual crise do fornecimento de gás e a necessidade de substituir o gás natural, utilizado principalmente para suprir necessidades de aquecimento e da indústria, a energia solar térmica será um fator importante no sistema energético.

3.12.

O CESE considera necessário continuar a avaliar e aumentar o potencial de adoção dos sistemas solares fotovoltaicos em coberturas de edifícios criando mecanismos permanentes de consulta e colaboração com um vasto leque de partes interessadas pertinentes. Tal exigiria a criação de agências e entidades locais e regionais especializadas em energias renováveis, devidamente financiadas, para apoiar os cidadãos, as pequenas e médias empresas e os órgãos de poder local, bem como o lançamento de iniciativas de formação e a promoção de novos postos de trabalho e emprego digno.

3.13.

Os sistemas solares fotovoltaicos integrados nos edifícios são importantes para maximizar a produção de energia solar. Se, além da cobertura, a fachada de um edifício estiver coberta por superfícies geradoras de eletricidade solar, o utilizador tem a possibilidade de aproveitar a luz solar durante uma parte muito maior do dia. Esta abordagem beneficia todo o sistema energético, uma vez que permite atenuar os picos de produção de energia solar fotovoltaica. O Comité recomenda que se incentive o aumento da investigação sobre os sistemas solares fotovoltaicos integrados nos edifícios e se acrescente também uma dimensão suplementar à iniciativa relativa à energia solar fotovoltaica nas coberturas de edifícios, colocando maior ênfase no apoio à orientação este-oeste na instalação de sistemas solares fotovoltaicos.

Acelerar os procedimentos de licenciamento e garantir recursos financeiros

3.14.

O CESE salienta que será urgente acelerar os procedimentos de licenciamento para facilitar a implantação das energias renováveis, incluindo a sua produção, armazenamento, distribuição e transporte. Embora o licenciamento seja da competência dos Estados-Membros, o CESE apoia as linhas gerais estabelecidas na Comunicação COM(2022) 222 final e na Recomendação da Comissão C(2022) 3219 final (8) e incentiva os Estados-Membros a concentraram os seus esforços no desenvolvimento dos respetivos procedimentos.

3.15.

Segundo uma análise do setor (9), os prazos de licenciamento para a instalação de sistemas solares fotovoltaicos variam entre 12 meses, na Lituânia, e 48 meses, na Croácia. Entre os 12 países com informações disponíveis, apenas três apresentavam prazos de licenciamento inferiores ao limite de 24 meses estabelecido ao nível da UE. Por conseguinte, o CESE insta os Estados-Membros a fixarem prazos definidos e mais curtos para os procedimentos administrativos e de licenciamento e a simplificarem os processos reforçando os procedimentos de licenciamento em balcão único, integrados e realizados uma só vez. Na opinião do Comité, os Estados-Membros não devem esperar pela adoção da proposta, devendo começar desde já a encurtar os procedimentos. Além disso, realça a necessidade de digitalizar o máximo de procedimentos possível ao longo das várias fases do processo de licenciamento.

3.16.

O CESE apoia plenamente a secção intitulada «Facilitação da participação dos cidadãos e da comunidade» da recomendação da Comissão (10). A participação dos cidadãos e das comunidades de energia em projetos de energia renovável é essencial para promover o empenho dos cidadãos na transição energética e o seu apoio nesse sentido. O CESE salienta que a implantação da energia solar não deve ser o privilégio de alguns consumidores e que os consumidores vulneráveis e em situação de pobreza energética devem ter acesso à energia solar, por exemplo, através de instalações em habitações sociais, comunidades de energia ou apoio financeiro para instalações individuais.

3.17.

Nos termos da Comunicação COM(2022) 222 final, os Estados-Membros devem adotar um ou mais planos que designem «zonas propícias» para um ou mais tipos de fontes de energia renováveis no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor das alterações da diretiva. O Comité sublinha a urgência de executar esses planos quanto antes, limitando o processo de implantação total a um máximo de dois anos. As coberturas representam uma área homogénea, exceto, naturalmente, nas zonas de proteção cultural. O CESE defende períodos mais curtos para o arranque de iniciativas cujas soluções técnicas são bem conhecidas, nomeadamente no caso dos sistemas fotovoltaicos nas coberturas de edifícios.

3.18.

O CESE observa igualmente que os módulos fotovoltaicos flutuantes instalados na superfície de lagos e reservatórios reduzem a perda de água por evaporação e melhoram a eficiência da conversão da energia fotovoltaica devido ao arrefecimento que a água assegura naturalmente. No caso das barragens, durante o dia a eletricidade pode ser fornecida à rede pelos módulos fotovoltaicos flutuantes e durante a noite pela água libertada da barragem, recorrendo ambos os sistemas à mesma ligação à rede.

3.19.

Não obstante, é necessária uma abordagem cuidadosa nos casos em que as soluções técnicas estejam menos avançadas e as implicações para a perda de biodiversidade não tenham sido plenamente examinadas. As opções poderão passar por projetos de sistemas fotovoltaicos flutuantes, especialmente em massas de água não artificiais. A ausência de uma tal abordagem mais circunstanciada constitui uma das raras lacunas da proposta supramencionada.

3.20.

O CESE solicita que se confira maior ênfase aos sistemas fotovoltaicos agrícolas, eventualmente através de uma nova recomendação da Comissão. As ações dos Estados-Membros neste domínio não devem distorcer a utilização das terras agrícolas produtivas nem prejudicar a produção alimentar (daí a necessidade de incentivar a produção de energia solar em terras menos valiosas). Ao mesmo tempo, importa destacar, no âmbito da política agrícola, as oportunidades ligadas aos rendimentos complementares resultantes da produção de energia para os agricultores e à melhoria da proteção das culturas e dos animais (efeito de sombra e arrefecimento, redução do stress térmico, proteção contra o granizo, geada). Este último fator deve ser considerado também na perspetiva de uma melhor adaptação às alterações climáticas. Importa dar prioridade à instalação de parques solares de grande escala em terrenos marginais e em terrenos industriais abandonados.

3.21.

É urgente impulsionar a energia solar, o que implica que os projetos pertinentes estabelecidos nos planos nacionais de recuperação e resiliência sejam uma prioridade. Uma vez que a capacidade de produzir energia verde, em especial energia solar, varia consideravelmente entre regiões, a política de coesão pode e deve contribuir decisivamente para o abastecimento energético global da UE; o Programa InvestEU, ou outro programa semelhante, também deve desempenhar um papel importante. O CESE saúda a tónica colocada pela estratégia na reorientação de antigos terrenos industriais ou mineiros, já que estes representam uma oportunidade para a implantação de sistemas de energia solar. A este respeito, o CESE apoia a utilização do Fundo de Modernização e do Fundo para uma Transição Justa nas zonas propícias.

Reforçar as capacidades de produção e instalação

3.22.

As atuais metas da UE para a energia solar fotovoltaica, de 320 GW até 2025 e 600 GW até 2030 (a Alemanha, por si só, pretende alcançar 215 GW) são muito ambiciosas, mas necessárias para cumprir as metas climáticas da União. De acordo com o plano REPowerEU, é necessário implantar 42 GW por ano até 2025, acelerando essa implantação para 53 GW por ano após 2025. Seguindo este plano, a UE tem de duplicar o ritmo da instalação solar que registou em 2021, sendo imediatamente necessário um aumento de 21 GW para 42 GW por ano.

3.23.

Atualmente, a economia europeia não está preparada para fornecer os componentes necessários para uma implantação tão ampla da energia solar fotovoltaica, devido à falta de capacidades de produção. Um dos grandes obstáculos à instalação é a enorme escassez de trabalhadores qualificados, para além de obstáculos regulamentares e mesmo técnicos. Comparativamente, e em forte contraste com a UE, a China deverá instalar capacidade fotovoltaica adicional de 100 GW em 2022, quase duplicando o seu ritmo de instalação (11), abrangendo simultaneamente toda a cadeia de valor da sua indústria fotovoltaica.

3.24.

O Comité realça, portanto, a necessidade de reforçar a base e a economia industriais europeias, salvaguardar a autonomia estratégica (em especial a autonomia do abastecimento energético) e assegurar cadeias de abastecimento harmoniosas e fiáveis. O CESE assinala que a UE só pode desempenhar um papel de liderança na indústria solar se as condições permitirem perspetivas comerciais e salienta a clara necessidade de mobilizar todas as partes interessadas, com o apoio dos poderes públicos e dos parceiros sociais.

3.25.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a criarem todas as condições necessárias para a comercialização de soluções fotovoltaicas inovadoras europeias desenvolvendo projetos importantes de interesse europeu comum ao longo de toda a cadeia de valor da energia solar. A longo prazo, esse quadro asseguraria condições de competitividade duradouras para o fabrico de painéis fotovoltaicos na Europa, permitindo, inclusivamente, à UE assumir a liderança no domínio das tecnologias fotovoltaicas, da sustentabilidade, da reciclagem e das soluções fotovoltaicas integradas.

3.26.

O CESE considera imperativo que a UE fomente o investimento público e privado e crie condições favoráveis para o setor da energia solar, por exemplo, promovendo a formação neste domínio e assegurando um acesso adequado ao financiamento, nomeadamente através dos instrumentos da «taxonomia da UE para atividades sustentáveis». Em consonância com a suposta transformação do Banco Europeu de Investimento em Banco Europeu do Clima, o CESE apela para que os programas de financiamento disponibilizados por este banco privilegiem o apoio à produção de sistemas solares fotovoltaicos.

3.27.

O CESE solicita incentivos à investigação de novas tecnologias fotovoltaicas, por exemplo, com base em materiais alternativos. Para superar o problema da falta de mão de obra qualificada, é fundamental promover a formação e o desenvolvimento de competências, mediante cooperação entre as partes interessadas pertinentes. Por conseguinte, o CESE insta as instituições competentes a encontrarem formas de desenvolver uma mão de obra que possua os conhecimentos, aptidões e competências necessários para operacionalizar todas as opções disponíveis em matéria de eficiência energética e de tecnologias para as energias renováveis.

4.   Observações na especialidade sobre as cadeias de abastecimento no domínio do fabrico

4.1.

Existem dependências estratégicas significativas nos segmentos de fabrico a montante que podem dificultar a rápida expansão da energia solar. O maior obstáculo continua a ser a capacidade limitada para fornecer os materiais necessários ao cumprimento das metas ambiciosas da estratégia. Em quase todas as partes da cadeia de valor da energia fotovoltaica, a Europa — que já foi líder na produção de energia solar fotovoltaica — não desempenha um papel visível, apesar de se manter na linha da frente da investigação nesse domínio, com importantes instalações de investigação.

4.2.

Ao longo da cadeia de valor industrial, a UE tem uma capacidade limitada para adquirir a matéria-prima subjacente, ou seja, o silício policristalino. Os problemas no aprovisionamento desta matéria-prima são agravados pelo facto de as quatro maiores fábricas de silício policristalino de grau solar, responsáveis por quase metade da produção mundial, se situarem na região do Sinquião, na China.

4.3.

O CESE congratula-se com a iniciativa legislativa da Comissão (12) que proibirá a colocação no mercado único de produtos fabricados com recurso a trabalho forçado. Trata-se de uma medida semelhante à Lei para a prevenção do trabalho forçado uigure, dos EUA, que teve impacto direto na distribuição do mercado de silício policristalino, já que o preço desta matéria-prima primária, produzida principalmente na China, deverá aumentar para toda a indústria fotovoltaica. Contudo, o CESE observa que esta medida, aplicada à escala mundial, contribui para a consecução do 8.o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, relativo ao trabalho digno.

4.4.

Uma resposta possível, ainda que simplista, a este desafio é o reforço de capacidades na Europa; no entanto, paradoxalmente, as atuais tecnologias de produção de silício policristalino «bruto» e dos respetivos lingotes são tecnologias de elevada intensidade energética. Com efeito, tal é viável e poderá ser realizado quando existe acesso a energia barata e fiável, incluindo energia a partir de fontes renováveis (por exemplo, através de centrais elétricas híbridas, combinando energia eólica, energia solar e armazenamento). Globalmente, a falta de matérias-primas e componentes e as regras estritas da UE, nomeadamente em matéria de eficiência energética, tornam as perspetivas comerciais bastante menos atrativas para a indústria europeia, que também se depara com dificuldades no acesso ao financiamento.

4.5.

O CESE está firmemente convicto de que a cooperação europeia no domínio da inovação com vista a desenvolver sistemas fotovoltaicos totalmente recicláveis é necessária para construir uma indústria solar próspera a nível europeu. É importante envidar esforços para estudar a utilização de matérias-primas mais promissoras do que o silício, nomeadamente na aplicação de células solares em película ou células solares que possam tornar-se translúcidas, por exemplo em janelas produtoras de energia.

4.6.

No que diz respeito às fases seguintes da cadeia de valor, ou seja, as bolachas (wafers) e células solares, a União Europeia encontra-se numa posição ainda pior. Apenas 1 % das bolachas solares e apenas 0,4 % das células são produzidas na Europa. Segundo a associação industrial SolarPower Europe, enfrentamos uma escassez crítica de capacidade de fabrico de lingotes e bolachas solares.

4.7.

Segundo dados do European Solar Manufacturing Council (ESMC), apenas 3 % dos módulos solares fotovoltaicos são produzidos na Europa, por 29 empresas diferentes. Por conseguinte, apenas um em cerca de 30 módulos montados na Europa são de origem europeia. Em 2020, o défice da balança comercial dos produtos de energia solar ascendeu a 8,7 mil milhões de dólares americanos.

4.8.

Os outros fatores de produção para as centrais fotovoltaicas também são escassos mas, nesses casos, as carências críticas que enfrentamos são menos severas. As estruturas de montagem são produtos pouco complexos e podem ser importadas com menos dependências críticas ou, se a procura for elevada, produzidas localmente.

4.9.

O caso do vidro solar, um elemento essencial para os painéis fotovoltaicos produzidos localmente, é um exemplo perfeito da falta de visão da política comercial da UE, já que foram levantados os direitos aduaneiros defensivos aplicáveis aos produtos finais (painéis solares fotovoltaicos) exportados da China para a Europa, expondo os produtores europeus a uma forte concorrência do estrangeiro, apesar de se terem mantido em vigor medidas defensivas semelhantes para os produtos intermédios, como o vidro solar. Desta forma, o vidro solar adquirido na Europa por produtores europeus de sistemas fotovoltaicos apresenta um preço desproporcionadamente elevado em comparação com o de produtores homólogos noutras regiões do mundo, o que conduziu também a pressões sobre os preços do vidro solar importado.

4.10.

Os painéis solares podem contribuir de forma eficiente para a sustentabilidade se o ciclo completo, incluindo a reciclagem e a reutilização, não exigir uma quantidade excessiva de energia. O fabrico, o transporte e a eliminação de qualquer tecnologia geram emissões. A forma como um painel é fabricado e reciclado ajuda a determinar o seu contributo real para a redução das emissões globais. Além disso, o CESE considera importante respeitar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ao longo da cadeia de abastecimento.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Proposta COM(2022) 221.

(2)  COM(2022) 230 final.

(3)  Parecer do CESE — REPowerEU: Ação europeia conjunta para uma energia mais segura e mais sustentável (JO C 323 de 26.8.2022, p. 123), e Parecer do CESE — Plano RePowerEU (JO C 486 de 21.12.2022, p. 185).

(4)  COM(2022) 222 final.

(5)  Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (JO L 328 de 21.12.2018, p. 82).

(6)  Diretiva 2012/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa à eficiência energética, que altera as Diretivas 2009/125/CE e 2010/30/UE e revoga as Diretivas 2004/8/CE e 2006/32/CE (JO L 315 de 14.11.2012, p. 1).

(7)  Parecer do CESE — Plano REPowerEU (JO C 486 de 21.12.2022, p. 185).

(8)  Recomendação da Comissão, de 18 de maio de 2022, relativa à aceleração dos procedimentos de concessão de licenças para projetos no domínio da energia renovável e à facilitação dos contratos de aquisição de energia [C(2022) 3219 final].

(9)  https://ember-climate.org/insights/research/europes-race-for-wind-and-solar/

(10)  C(2022) 3219 final.

(11)  https://www.pv-magazine.com/2022/05/31/chinese-pv-industry-brief-chinas-nea-predicts-108-gw-of-solar-in-2022/

(12)  COM(2022) 71, COM(2022) 66 e COM(2022) 453.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/185


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Intervenções a curto prazo no mercado da energia e melhorias a longo prazo da configuração do mercado da eletricidade — uma linha de ação

[COM(2022) 236 final]

(2023/C 75/27)

Relatora:

Alena MASTANTUONO

Consulta

Comissão Europeia, 28.6.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

4.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

179/3/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) tem graves apreensões quanto à evolução dos mercados da energia, pelo que se congratula com o facto de a comunicação da Comissão ponderar intervenções a curto prazo nos mercados da energia e melhorias a longo prazo na configuração do mercado da eletricidade. Assim, o CESE sublinha a conclusão da Comissão de que «há domínios em que são necessários ajustamentos à configuração do mercado da eletricidade da UE para ter em conta o futuro panorama e o cabaz de produção de energia, as novas tecnologias emergentes, a evolução geopolítica, bem como os ensinamentos retirados da atual crise. Esses ajustamentos devem contribuir para otimizar o funcionamento da configuração do mercado da eletricidade e torná-lo mais adequado para impulsionar uma descarbonização eficaz em termos de custos do setor da eletricidade, oferecer preços acessíveis aos consumidores e aumentar a sua capacidade de resistir à volatilidade dos preços.»

1.2

Uma vez que o bom funcionamento dos mercados da energia é crucial para alcançar todos os objetivos fundamentais de um sistema energético sustentável, nomeadamente a segurança do aprovisionamento, os custos e preços razoáveis e a neutralidade climática, o CESE considera também que é importante facilitar e manter as condições adequadas para o futuro. As medidas futuras não devem comprometer estes pré-requisitos e devem permitir a realização de esforços climáticos a médio e longo prazo.

1.3

No entanto, o CESE assinala, ao mesmo tempo, que a atual crise dos preços da energia está a ter um impacto negativo nos agregados familiares e nas empresas da Europa. Os preços extremamente elevados da energia estão a alimentar a inflação e a contribuir para a incerteza económica. Por conseguinte, o CESE apoia a abordagem da Comissão de adotar medidas a curto prazo para assegurar aos cidadãos e empresas da Europa preços acessíveis e uma redução dos custos, nomeadamente apoio financeiro direto aos consumidores vulneráveis, bem como às pequenas e médias empresas (PME) e às indústrias com utilização intensiva de energia mais afetadas. Contudo, o CESE entende que as intervenções temporárias devem ser seguidas de um ajustamento da configuração do mercado nos domínios em que são necessários ajustamentos à configuração do mercado da eletricidade da UE, como afirma a Comissão.

O CESE solicita aos decisores políticos que, em vez de recorrerem ao pagamento contínuo de compensações, encorajem, apoiem e criem condições propícias para que as pessoas se tornem prossumidores de energia e criem comunidades de energia locais, ajudando-as assim a tornarem-se mais independentes dos preços do mercado comum. O CESE insta os Estados-Membros e a Comissão Europeia a ajudarem os consumidores vulneráveis através de programas específicos destinados a torná-los prossumidores.

1.4

Na opinião do CESE, o problema principal é o preço elevado do gás natural, pelo que qualquer medida a nível europeu ou nacional deve procurar eliminar esta causa do aumento dos preços da eletricidade e facilitar o aumento da produção e da utilização de energias não fósseis, por forma a dar resposta à procura de energia. Por conseguinte, acolhe favoravelmente as medidas do lado da procura propostas pela Comissão Europeia em 14 de setembro de 2022 e apela para um esforço conjunto das famílias, do setor público e das empresas. A redução da procura é a forma mais fácil de fazer face ao preço da energia e de reduzir as emissões. O CESE apela igualmente para o reforço do investimento numa transição mais rápida para um sistema energético não fóssil e com impacto neutro no clima.

1.5

O CESE assinala que qualquer medida subsequente deve ser antecedida de um debate e de uma análise do impacto rigorosos. O CESE deseja participar neste debate. A Comissão e os Estados-Membros devem evitar propostas a curto prazo que poriam em causa os objetivos básicos de um sistema energético sustentável.

2.   Observações na generalidade

2.1

A Comunicação da Comissão — Intervenções a curto prazo no mercado da energia e melhorias a longo prazo da configuração do mercado da eletricidade apoia-se numa série de documentos recentes que focam o aumento rápido dos preços da energia e as preocupações sobre a segurança do aprovisionamento energético suscitadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Está também intrinsecamente associada às iniciativas relativas à transição energética rumo à neutralidade climática. O CESE salienta que a comunicação deve ser considerada neste contexto global e remete para os seus pareceres anteriores sobre estas matérias (1).

2.2

O bom funcionamento dos mercados da energia é crucial para alcançar todos os objetivos fundamentais de um sistema energético sustentável, nomeadamente a segurança do aprovisionamento, os custos e preços acessíveis e a neutralidade climática. Considerando que todos estes objetivos estão atualmente ameaçados, a UE deve centrar-se em medidas que proporcionem benefícios para todos os objetivos e tenham em conta as necessidades do modelo económico e social europeu. Por conseguinte, o CESE considera importante voltar ao que é essencial e privilegiar a criação de condições eficazes com vista a mercados da energia mais bem integrados.

2.3

Os mercados da energia estão cada vez mais interligados através da integração setorial, o que ajuda a descarbonizar o sistema energético de forma eficiente em termos de custos, bem como a combater a sua volatilidade crescente. A atual configuração do mercado visa motivar todos os intervenientes a alcançarem a descarbonização, o que é necessário para colocar a Europa na via da neutralidade climática. Por outro lado, a atual configuração do mercado, em que os preços da eletricidade são fixados com base na ordem de mérito, está a sofrer muito fortemente com os preços elevadíssimos do gás.

2.4

O mercado interno é essencial para que a UE assegure a afetação eficiente dos recursos, o que se aplica igualmente à energia. Ao mesmo tempo, os mercados internacionais também têm um impacto significativo no sistema energético da UE, especialmente através dos mercados de combustíveis. Os acontecimentos geopolíticos chamaram a atenção para a necessidade de a UE se esforçar por alcançar uma maior autonomia estratégica nos domínios da energia e das matérias-primas relacionadas com a energia. A consecução do objetivo de reduzir a dependência da UE em relação a países terceiros pouco fiáveis requer uma maior cooperação e salienta a interdependência entre Estados-Membros. Embora seja importante a UE aproveitar ao máximo os seus próprios recursos disponíveis e capacidades existentes, não é realista nem útil agir de forma isolada dos mercados internacionais. Em vez disso, importa procurar uma cooperação valiosa com parceiros fiáveis.

2.5

Só é possível alcançar mercados eficientes se os aspetos fundamentais estiverem assegurados. O CESE destaca que a existência das devidas infraestruturas energéticas é um alicerce indispensável para qualquer sistema energético e contribui para o funcionamento global dos mercados da energia, incluindo a disponibilidade da energia e a acessibilidade dos seus preços. A eliminação dos obstáculos à circulação da energia é, assim, uma medida essencial para conseguir mercados mais eficientes. A existência de regras de mercado adequadas são outro aspeto fundamental de um mercado eficiente, nomeadamente porque permitem regrar a concorrência, aumentando assim a transparência e criando e reforçando condições de concorrência equitativas.

2.6

É inevitável investir em infraestruturas energéticas, para permitir que os sistemas energéticos e o mercado da energia se desenvolvam e deem uma resposta eficiente à evolução atual, o que passa, nomeadamente, pela eletrificação, localização e digitalização e pelo aumento da produção e utilização de energias renováveis. Para facilitar estes investimentos, os decisores políticos e as autoridades competentes devem acelerar os procedimentos administrativos e de licenciamento, assegurando ao mesmo tempo a devida consulta das partes interessadas pertinentes. Para além das ligações de transporte e distribuição, as infraestruturas modernas e preparadas para os desafios do futuro devem incluir também capacidades de armazenamento de eletricidade, bem como os sistemas digitais necessários para tornar os sistemas energéticos «inteligentes». Ao mesmo tempo, há que evitar efeitos de dependência que deem origem a ativos irrecuperáveis.

2.7

O CESE considera que faz sentido distinguir entre medidas a curto prazo e medidas a longo prazo ao procurar soluções e melhorias face à situação atual. Importa reconhecer que muitas medidas, especialmente grandes investimentos, demoram mais tempo a surtir efeito. No caso de certas medidas, é necessário mais tempo para permitir o devido planeamento e assegurar a sua exequibilidade e compatibilidade com os objetivos energéticos fundamentais, bem como para evitar medidas a curto prazo que se possam revelar contraproducentes a longo prazo.

2.8

Essa visão a longo prazo também é necessária para garantir a segurança do aprovisionamento energético e a preparação para situações e perturbações excecionais nos mercados. Este aspeto põe em evidência a importância das atividades prospetivas na identificação dos riscos e na criação de condições para melhorar a resiliência e combater os riscos, nomeadamente através de planos de contingência.

2.9

Além disso, o CESE considera que alguns mecanismos de capacidade podem ajudar a garantir a segurança do aprovisionamento, especialmente em situações de picos de consumo, evitando ao mesmo tempo distorções do mercado indevidas, em consonância com os princípios de conceção previstos no Regulamento relativo ao mercado interno da eletricidade.

2.10

O CESE insta os decisores políticos a aderirem, de forma constante e coerente, a todos os objetivos fundamentais de um sistema energético sustentável, mas também apela para que se dedique mais atenção às causas que estão na origem dos problemas. Sem este tipo de abordagem, corre-se o risco significativo de tratar os sintomas agudos com medidas ineficientes ou, no pior dos casos, que prejudicam os objetivos fundamentais. Neste caso, os decisores políticos devem estabelecer com firmeza o calendário para este tipo de cenário de emergência.

2.11

O CESE salienta que qualquer medida, nacional ou da UE, deve ter por base o rigor científico, provas sólidas e avaliações de impacto exaustivas. No que diz respeito a políticas e medidas, importa levar a cabo consultas aprofundadas das partes interessadas pertinentes, incluindo a sociedade civil.

2.12

Globalmente, o desenvolvimento dos mercados da energia após a crise deve assentar cada vez mais na inovação e na concorrência, e não em subsídios e obstáculos ao comércio. Além disso, importa reconhecer que, no caso do mercado da energia da UE, qualquer intervenção, mesmo que circunscrita, é suscetível de ter consequências no resto do mercado. Por conseguinte, as medidas adotadas nos Estados-Membros devem ser temporárias e devidamente direcionadas, minimizando os efeitos de distorção no mercado da UE.

3.   Observações na especialidade

3.1

Qualquer eventual intervenção nos mercados da energia deve ser avaliada à luz dos objetivos fundamentais, a fim de assegurar que não prejudica a integridade do mercado interno e a igualdade de condições de concorrência, nem causa incertezas que debilitem o ambiente de investimento. Além disso, não deve prejudicar os esforços de descarbonização e de eficiência energética.

3.2

Esta é uma exigência difícil, já que qualquer medida de intervenção no mercado da energia teria consequências negativas, que se poderiam traduzir, em muitos casos, em distorções do mercado, custos orçamentais, perturbações do aprovisionamento ou num impacto negativo nos investimentos ou no comportamento dos consumidores. Por conseguinte, o CESE salienta que qualquer intervenção tem de se basear numa análise minuciosa das respetivas consequências económicas, sociais e ambientais.

3.3

O CESE entende que o apoio financeiro direto que visa atenuar o impacto do aumento dos preços da energia junto dos mais necessitados é sem dúvida a opção mais realista, enquanto medida de emergência em situação de crise. No entanto, quaisquer medidas de apoio destinadas a atenuar a crise devem ser temporárias e direcionadas para os mais afetados, sejam eles cidadãos, PME ou indústrias com utilização intensiva de energia.

3.4

O CESE solicita aos decisores políticos que, em vez de recorrerem ao pagamento contínuo de compensações, encorajem, apoiem e criem condições propícias para que as pessoas se tornem prossumidores de energia e criem comunidades de energia locais, ajudando-as assim a tornarem-se mais independentes dos preços do mercado comum. Importa também dedicar esforços crescentes à disponibilização de orientações e de apoio às atividades de poupança de energia e de eficiência energética dos cidadãos e das pequenas empresas, bem como à resposta à produção variável através de uma procura flexível. Tal como analisado exaustivamente pelo CESE, são sobretudo os consumidores vulneráveis que são mais afetados pelos elevados preços da energia e têm a probabilidade mais baixa, e em muitos casos nula, de se tornarem prossumidores. Tanto a Comissão Europeia como os Estados-Membros, a nível nacional, regional e local, devem lançar programas de iniciativa que ajudem esses consumidores a superar os vários obstáculos que enfrentam (por exemplo, campanhas de informação e ativação, recursos financeiros, acesso ao capital, acesso ao solo e ao telhado para a instalação de sistemas de energia solar e eólica, etc.).

3.5

No seu último parecer (2), o CESE concordou com as conclusões do relatório recente da ACER (3), segundo as quais, durante as crises, o mercado da eletricidade demonstrou funcionar bem, conseguindo evitar cortes de eletricidade ou mesmo apagões em determinadas áreas. A avaliação da ACER indica também que a volatilidade dos preços teria sido muito pior em qualquer país que tivesse atuado isoladamente. No entanto, o CESE está bem ciente de que os preços do gás estão a fazer subir os preços da energia, dada a atual configuração do mercado, em que o preço é determinado pela ordem de mérito. O CESE chama a atenção para os valores comuns da União relacionados com os serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tal como estabelecidos no Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao Tratado da União Europeia (TUE) (4).

3.6

De forma mais geral, importa também reconhecer que, nas últimas décadas, foram alcançados muitos progressos na integração dos mercados da energia da UE, o que gerou benefícios extraordinários em termos da disponibilidade e acessibilidade de preços da energia, que são muitas vezes tidos como garantidos. Sem a cooperação e a integração dos mercados, os custos de garantir a segurança do aprovisionamento energético e a ecologização do sistema energético seriam muito mais elevados.

3.7

Há que continuar esta evolução positiva da integração do mercado da energia. O interesse em assegurar a interligação transfronteiriça dos mercados da eletricidade e os benefícios daí decorrentes estão a tornar-se cada vez mais evidentes com a crescente utilização das energias renováveis. O aumento das ligações intranacionais e transfronteiriças contribui para a segurança do aprovisionamento, mas também nivela os preços. A curto prazo, poderá ser uma desvantagem para aqueles que beneficiam dos preços mais baixos, dentro da variação de preços existente, mas, a longo prazo, ajudará a baixar e a estabilizar os preços.

3.8

Segundo a avaliação da ACER, vale a pena manter a atual configuração do mercado. Contudo, o CESE concorda com a Comissão que há domínios em que é necessário ajustar a atual configuração do mercado da eletricidade da UE, a fim de alcançar os objetivos de descarbonização da UE a um custo mais reduzido e de garantir a segurança do aprovisionamento, especialmente devido ao aumento da produção e utilização de energia renovável, bem como a estabilidade e a acessibilidade dos preços.

3.9

O CESE propõe que se analise, por exemplo, se a configuração do mercado existente, incluindo o seu quadro regulamentar, proporciona incentivos suficientes para investir em opções de flexibilidade (como o armazenamento, a transferência de carga e o hidrogénio verde). Em alternativa à alteração do processo de ofertas, a qual comportaria riscos consideráveis, existem muitas oportunidades que podem incentivar tecnologias respeitadoras do sistema, incluindo um regime de tarifas de rede que recompense a produção e o consumo de eletricidade em volumes consentâneos com as necessidades.

3.10

Além disso, o CESE considera necessário iniciar de imediato o debate político sobre a forma de assegurar, numa configuração do mercado futura, o investimento e o refinanciamento das capacidades de produção de energias renováveis num futuro distante, quando a norma for cobrir toda a procura de eletricidade com energias renováveis, o que permitiria que o preço de mercado fosse regularmente nulo ou mesmo negativo.

3.11

No debate sobre os preços elevados da eletricidade, exprimiu-se muito claramente a necessidade de substituir a atual tarifação baseada nos preços marginais por um tipo de sistema diferente, uma vez que o gás está frequentemente em posição marginal, determinando assim o preço global da eletricidade. A este respeito, o CESE remete para a declaração da sua presidente e do presidente da Secção TEN do CESE, de 8 de setembro de 2022, em que «[o] CESE apela para uma ação europeia conjunta no sentido de assegurar a estabilidade dos preços da eletricidade e reformar, com caráter de urgência, o mercado da energia, bem como para uma realização mais célere do mercado único e o reforço das infraestruturas».

3.12

Os aumentos dos preços foram essencialmente gerados por fatores externos inesperados, como a guerra, que, conjugados com a ordem de mérito, fizeram disparar os preços no mercado da eletricidade para níveis recorde. Visto que a causa principal dos atuais preços elevados da energia é o gás, a solução ideal para este problema seria minimizar a utilização do gás e aumentar a produção e a utilização de energias não fósseis, por forma a dar resposta à procura de energia.

3.13

As energias fósseis também afetam os preços da eletricidade através das licenças de emissão, cujo preço aumentou significativamente, apesar de ainda ter um impacto limitado em comparação com os preços do gás. Além disso, uma parte significativa do preço da eletricidade para os consumidores ainda é constituída por diversos impostos.

3.14

Importa fazer uma distinção entre os choques de preços provocados por situações excecionais, como a guerra, e flutuações de preços mais regulares. As flutuações dependem de vários fatores relacionados com o aprovisionamento e a procura de energia. Devido ao enorme aumento da produção de eletricidade renovável intermitente, a volatilidade dos preços no sistema elétrico terá tendência a aumentar. Por conseguinte, o mercado deve enviar os sinais de preços adequados a fim de dar resposta à necessidade de flexibilidade.

3.15

O CESE salienta que os limites de preços ou outras medidas de intervenção nos mercados grossistas da energia são amiúde necessários no atual mercado da energia sobrecarregado, mas podem afetar a segurança do aprovisionamento, o ambiente de investimento e a poupança de energia. Nesse contexto, o CESE está consciente de que os sinais de preços baseados no mercado são necessários para encorajar o investimento na produção de energia e de que o preço também é um incentivo à poupança de energia e à eficiência energética. No entanto, é necessária uma compensação temporária bem direcionada para os mais afetados pelos preços da energia, sejam eles agregados familiares ou empresas, a fim de atenuar o efeito do aumento acentuado dos preços da energia.

3.16

O CESE congratula-se com a proposta de ponderar a revisão do quadro do Regulamento relativo à integridade e à transparência nos mercados grossistas da energia, a fim de atenuar os riscos de abuso de mercado através de uma maior transparência do mercado e de uma melhor qualidade dos dados de mercado. A fim de evitar um impacto negativo nas empresas, nos agregados familiares e na sociedade, o CESE solicita igualmente que sejam avaliadas medidas para combater os efeitos de distorção na fixação dos preços do gás resultantes de eventuais abusos de mercado e especulação.

3.17

O CESE chama a atenção para a necessidade de rever os planos nacionais em matéria de energia e clima à luz das novas condições, a fim de dar uma resposta coordenada às necessidades de eletricidade a longo prazo.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 80, JO C 323 de 26.8.2022, p. 123, JO C 443 de 22.11.2022, p. 140.

(2)  JO C 443 de 22.11.2022, p. 140.

(3)  «ACER's Final Assessment of the EU Wholesale Electricity Market Design» [Avaliação final da ACER sobre a configuração do mercado grossista da eletricidade da UE].

(4)  JO C 275 de 18.7.2022, p. 80.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/190


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às orientações da União para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes, que altera o Regulamento (UE) 2021/1153 e o Regulamento (UE) n.o 913/2010 e revoga o Regulamento (UE) n.o 1315/2013

[COM(2022) 384 final/2 — 2021/0420 (COD)]

(2023/C 75/28)

Relator-geral:

Stefan BACK

Consulta

Parlamento Europeu, 3.10.2022

Conselho da União Europeia, 6.10.2022

Base jurídica

Artigos 172.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE assinala que, no seu Parecer — Revisão do Regulamento RTE-T e do Regulamento Corredores de Transporte Ferroviário de Mercadorias (1) («proposta RTE-T» (2)), se congratulou com a maior ênfase dada às ligações com países vizinhos, incluindo países parceiros e os países candidatos à adesão.

1.2.

A proposta RTE-T foi publicada em dezembro de 2021; o ataque da Rússia contra a Ucrânia teve início posteriormente, em fevereiro de 2022. O CESE concorda com a avaliação apresentada na proposta alterada de que este acontecimento redefiniu o panorama geopolítico, revelando a vulnerabilidade da União face a acontecimentos disruptivos imprevistos fora das suas fronteiras e evidenciando o facto de que o mercado interno da UE e a sua rede de transportes não podem ser considerados de forma isolada no que se trata de definição de políticas da União.

1.3.

Esta situação chamou, e bem, a atenção para a necessidade urgente de prestar assistência à Ucrânia, nomeadamente através do reforço da conectividade dos transportes com a UE, a fim de manter e melhorar a mobilidade e os fluxos do transporte de mercadorias entre a Ucrânia e a UE. Em especial, é premente ajudar a transportar os cereais para fora da Ucrânia na sequência do bloqueio russo aos portos no mar Negro.

1.4.

O CESE concorda que a rápida criação de rotas logísticas alternativas que utilizem todos os modos de transporte que ligam a UE à Ucrânia é fundamental para a economia e a retoma económica da Ucrânia, bem como para a estabilização dos mercados alimentares e a segurança alimentar a nível mundial.

1.5.

O CESE apoia igualmente o plano de ação apresentado na Comunicação — Corredores Solidários com vista a modernizar as ligações transfronteiriças (rodoviárias, rodoferroviárias e ferroviárias) entre a UE e a Ucrânia, incluindo a reabertura de novos pontos de passagem fronteiriços, e avaliar o alargamento dos corredores da rede principal da RTE-T à Ucrânia.

1.6.

O CESE também está de acordo com o convite à apresentação de propostas ao abrigo do Mecanismo Interligar a Europa (MIE), previsto no plano de ação, que permitirá centrar o apoio em projetos destinados a melhorar a interoperabilidade e a conectividade da rede de transportes da União com a Ucrânia.

1.7.

Assim, o CESE apoia plenamente o alargamento da RTE-T à Ucrânia e à Moldávia, mediante os mapas indicativos constantes do anexo IV da proposta alterada, considerando-a uma proposta oportuna que, com o tempo, pode trazer valor acrescentado, em especial ao melhorar as possibilidades de estabelecer fluxos sem descontinuidades entre a Ucrânia e a UE.

1.8.

O CESE concorda plenamente com a forte mensagem política enviada com a integração das ligações à Ucrânia nas prioridades principais da RTE-T, ou seja, nos corredores europeus de transporte, com o seu sistema de execução sólido sob a forma de coordenadores, planos de trabalho, diversos grupos de trabalho e, ao abrigo da proposta RTE-T, a obrigação de dotar de força jurídica os planos de trabalho através de atos de execução.

1.9.

No entanto, o CESE estima lamentável o facto de, aparentemente, nem as disposições gerais aplicáveis à cooperação com países terceiros, nem as disposições aplicáveis à execução do instrumento dos corredores europeus de transporte e das prioridades horizontais conferirem uma base jurídica para o alargamento, a países terceiros, da aplicação das prioridades dos corredores ou do respetivo sistema de execução, incluindo os coordenadores, a governação, o plano de trabalho do coordenador europeu ou o ato de execução.

1.10.

Por conseguinte, o CESE solicita um sistema de execução sólido e credível para as ligações que devem ser consideradas parte dos corredores europeus de transporte, eventualmente através do reforço e da multiplicação dos grupos de trabalho sobre a cooperação com países terceiros.

1.11.

Tendo em conta o contexto político atual, e em consonância com as sanções impostas, afigura-se igualmente adequado suprimir as ligações indicativas da RTE-T à Rússia e à Bielorrússia.

1.12.

O CESE mostra-se surpreendido por a proposta alterada mencionar expressamente o compromisso de considerar restabelecer as ligações na Bielorrússia, e as ligações entre a Bielorrússia e os Estados-Membros da UE, em caso de transição democrática no país, não mencionando, porém, um compromisso semelhante em relação à Rússia. O CESE tem para si que cabe evitar compromissos deste tipo para o futuro.

1.13.

O CESE observa que a supressão das ligações entre os Estados-Membros e a Rússia parece ter levantado problemas em determinados Estados-Membros, na medida em que algumas dessas ligações continuam a ser importantes para a conectividade do Estado-Membro em causa. O CESE recomenda que se preste a devida atenção à eventual importância interna de tais ligações para a UE.

1.14.

O CESE concorda que é claramente necessário abordar a questão das diferentes bitolas dos carris na UE e na Ucrânia, embora alterá-las possa requerer algum tempo e, por conseguinte, não é provável que tais alterações proporcionem soluções para problemas de eficiência imediatos e urgentes.

1.15.

O CESE proporia que a obrigação de migração para a bitola nominal da norma europeia de 1 435 mm se limite aos corredores europeus de transporte, a fim de assegurar uma migração coerente e bem coordenada, uma vez que a obrigação de os Estados-Membros elaborarem planos de migração está limitada a esses corredores.

1.16.

O CESE alerta para o facto de a proposta de todas as infraestruturas ferroviárias novas na rede principal ou na rede global deverem ser construídas com a bitola nominal de norma europeia de 1 435 mm poder criar problemas extremamente complicados de coerência interna nos Estados-Membros com diferentes bitolas.

2.   Observações na generalidade (contexto)

2.1.   Ligações à Ucrânia e à Moldávia e supressão/despromoção das ligações com a Rússia e a Bielorrússia

2.1.1.

A proposta, de 27 de julho de 2022, de alterar a proposta RTE-T, apresentada pela Comissão em dezembro de 2021 (3), foi desencadeada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia e pelas suas consequências nas cadeias de abastecimento, que destacaram a importância das ligações RTE-T com os países parceiros vizinhos.

2.1.2.

O artigo 9.o da proposta da Comissão de dezembro (proposta RTE-T) prevê uma cooperação com os países terceiros para conectar a rede transeuropeia de transportes às redes infraestruturais desses países, com vista a reforçar o crescimento económico e a competitividade. Os pontos salientados incluem o alargamento da política da RTE-T aos países terceiros, os procedimentos de controlo e vigilância nas fronteiras para garantir a continuidade dos fluxos de tráfego, a conclusão das ligações infraestruturais relevantes, a interoperabilidade, a facilitação do transporte marítimo e o desenvolvimento dos sistemas TIC. Os mapas associados especificam o estatuto da rede, principal e global, de acordo com os critérios do Regulamento RTE-T (4).

2.1.3.

São estabelecidos critérios específicos para os corredores europeus de transporte, diferentes dos aplicáveis à rede principal e à rede global. Os corredores são as partes da RTE-T com maior importância estratégica (proposta RTE-T, artigo 7.o), com prioridades gerais específicas, diferentes das aplicáveis à rede principal e à rede global (artigos 12.o e 13.o), e regras de implementação específicas (capítulo V, artigos 50.o a 54.o).

2.1.4.

A Comunicação da Comissão — Corredores solidários UE-Ucrânia (5) identifica uma série de desafios infraestruturais que a UE e os seus países vizinhos têm de abordar para apoiar a economia e a retoma económica da Ucrânia e para resolver as questões do abastecimento e da conectividade entre a UE, a Ucrânia e os mercados mundiais. Propõe avaliar o alargamento dos corredores europeus de transporte à Ucrânia e à Moldávia, a fim de salvaguardar as importações e as exportações, incluindo a exportação das culturas para fora da Ucrânia. Em maio de 2022, foi assinado um memorando de entendimento de alto nível sobre os mapas indicativos da RTE-T na Ucrânia.

2.1.5.

Em 14 de julho de 2022, a Comissão adotou um regulamento delegado com mapas indicativos para a rede RTE-T da Ucrânia e da Moldávia, com o objetivo de alargar a aplicação das normas RTE-T aos países vizinhos, de modo a permitir ligações sem descontinuidades. Esses mapas fazem agora parte da proposta alterada, que também inclui mapas que estendem vários corredores RTE-T à Ucrânia e à Moldávia.

2.1.6.

A proposta alterada suprime igualmente os mapas indicativos da rede RTE-T da Rússia e da Bielorrússia.

2.1.7.

Além disso, as ligações das redes dos Estados-Membros às ligações RTE-T indicativas da Rússia e da Bielorrússia foram despromovidas para a rede global.

2.2.   Bitola

2.2.1.

A Comunicação — Corredores Solidários UE-Ucrânia também identifica os estrangulamentos resultantes da divergência entre a bitola ucraniana de 1 520 mm e a bitola normalizada da UE de 1 435 mm, o que levanta problemas devido à atual capacidade de transbordo insuficiente.

2.2.2.

A proposta alterada visa harmonizar a bitola na rede principal e na rede global da UE para possivelmente uma bitola comum de 1 435 mm. As novas infraestruturas ferroviárias devem ser construídas com essa bitola, e os Estados-Membros com uma bitola diferente, total ou parcialmente, elaborarão, o mais tardar dois anos após a data da entrada em vigor do regulamento, um plano de migração das linhas ferroviárias existentes situadas nos corredores europeus de transporte para a bitola de 1 435 mm. Esse plano será coordenado com os Estados-Membros vizinhos afetados pela migração.

2.2.3.

O plano de migração identificará as linhas ferroviárias que não migrarão e incluirá uma análise de custo-benefício que justifique essa decisão e uma avaliação do impacto na interoperabilidade.

2.2.4.

As prioridades para o planeamento da infraestrutura e do investimento relacionadas com os planos de migração devem ser incluídas no primeiro plano de trabalho dos coordenadores europeus para os corredores europeus de transporte de que façam parte as linhas ferroviárias de transporte de mercadorias com bitola diferente da bitola nominal da norma europeia.

2.2.5.

A Irlanda está isenta da obrigação de harmonizar a bitola (artigos 15.o e 16.o da proposta RTE-T).

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE assinala que, no seu parecer sobre a proposta RTE-T, se congratulou com a maior ênfase dada às ligações com países vizinhos, incluindo países parceiros e os países candidatos à adesão.

3.2.

A proposta RTE-T foi publicada em dezembro de 2021; o ataque da Rússia contra a Ucrânia teve início posteriormente, em fevereiro de 2022. O CESE concorda com a avaliação apresentada na proposta alterada de que este acontecimento redefiniu o panorama geopolítico, revelando a vulnerabilidade da União face a acontecimentos disruptivos imprevistos fora das suas fronteiras e evidenciando o facto de que o mercado interno da UE e a sua rede de transportes não podem ser considerados de forma isolada no que se trata de definição de políticas da União.

3.3.

Esta situação chamou, e bem, a atenção para a necessidade urgente de prestar assistência à Ucrânia, nomeadamente através do reforço da conectividade dos transportes com a UE, a fim de manter e melhorar a mobilidade e os fluxos do transporte de mercadorias entre a Ucrânia e a UE. Em especial, é premente ajudar a transportar os cereais para fora da Ucrânia na sequência do bloqueio russo aos portos no mar Negro.

3.4.

A necessidade de tomar medidas para assegurar a mobilidade e os fluxos de transporte adequados entre a UE e a Ucrânia foi assinalada pela primeira vez na Comunicação — Corredores Solidários UE-Ucrânia, atrás mencionada, e, desde então, tem sido abordada mediante uma série de medidas, entre as quais a promoção do desenvolvimento adequado de infraestruturas na Ucrânia e de alargamentos indicativos das ligações RTE-T ao país, em conformidade com as disposições da proposta RTE-T aplicáveis à cooperação com países terceiros.

3.5.

O CESE concorda que a rápida criação de rotas logísticas alternativas que utilizem todos os modos de transporte que ligam a UE à Ucrânia é fundamental para a economia e a retoma económica da Ucrânia, bem como para a estabilização dos mercados alimentares e a segurança alimentar a nível mundial.

3.6.

O CESE toma igualmente nota da necessidade de aumentar com urgência a capacidade dos terminais e pontos de passagem fronteiriços pertinentes, por exemplo, em pontos com bitola dupla, tal como referido na Comunicação — Corredores Solidários.

3.7.

O CESE apoia igualmente o plano de ação apresentado na Comunicação — Corredores Solidários com vista a modernizar as ligações transfronteiriças (rodoviárias, rodoferroviárias e ferroviárias) entre a UE e a Ucrânia, incluindo a reabertura de novos pontos de passagem fronteiriços, avaliar o alargamento dos corredores da rede principal da RTE-T à Ucrânia, de modo a aumentar a conectividade através do desenvolvimento de linhas ferroviárias com a bitola nominal da norma europeia até à Ucrânia e à Moldávia, e melhorar a conectividade e a navegabilidade no corredor Reno-Danúbio, para assegurar um tráfego mais eficiente.

3.8.

O CESE também está de acordo com o convite à apresentação de propostas ao abrigo do Mecanismo Interligar a Europa (MIE), previsto no plano de ação, que permitirá centrar o apoio em projetos destinados a melhorar a interoperabilidade e a conectividade da rede de transportes da União com a Ucrânia.

3.9.

Assim, o CESE apoia plenamente o alargamento da RTE-T à Ucrânia e à Moldávia, mediante os mapas indicativos constantes do anexo IV da proposta alterada, considerando-a uma proposta oportuna que, com o tempo, pode trazer valor acrescentado, em especial ao melhorar as possibilidades de estabelecer fluxos sem descontinuidades entre a Ucrânia e a UE.

3.10.

O CESE toma nota de que os mapas indicativos da infraestrutura da RTE-T da Ucrânia, constantes do anexo IV da proposta alterada, classificam as ligações, os terminais, os portos e os aeroportos como pertencentes à rede principal ou à rede global, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, da proposta RTE-T.

3.11.

As ligações indicativas na Ucrânia também fazem parte integrante dos corredores europeus de transporte, com a extensão à Ucrânia do corredor Mar do Norte — Báltico, do corredor Escandinavo — Mediterrânico, do corredor Mar Báltico — Mar Adriático, do corredor Reno — Danúbio e do corredor Mar Báltico — Mar Negro, através de mapas constantes do anexo III da proposta alterada.

3.12.

O CESE concorda plenamente com a forte mensagem política enviada com a integração das ligações à Ucrânia nas prioridades principais da RTE-T, ou seja, nos corredores europeus de transporte, com o seu sistema de execução sólido sob a forma de coordenadores, planos de trabalho, diversos grupos de trabalho e, ao abrigo da proposta RTE-T, a obrigação de dotar de força jurídica os planos de trabalho através de atos de execução.

3.13.

No entanto, o CESE estima lamentável o facto de, aparentemente, nem as disposições gerais aplicáveis à cooperação com países terceiros, nem as disposições aplicáveis à execução do instrumento dos corredores europeus de transporte e das prioridades horizontais conferirem uma base jurídica para o alargamento, a países terceiros, da aplicação das prioridades dos corredores ou do respetivo sistema de execução, incluindo os coordenadores, a governação, o plano de trabalho do coordenador europeu ou o ato de execução. Apenas o artigo 52.o, n.o 3, alínea f), sobre a governação dos corredores permite grupos de trabalho dedicados à cooperação com os países terceiros, mas, aparentemente, não altera o âmbito de aplicação das disposições relativas aos corredores europeus de transporte.

3.14.

Por conseguinte, o CESE solicita um sistema de execução sólido e credível para as ligações que devem ser consideradas uma extensão dos corredores europeus de transporte, eventualmente através do reforço e da multiplicação dos grupos de trabalho sobre a cooperação com países terceiros.

3.15.

Tendo em conta o contexto político atual, e em consonância com as sanções impostas, afigura-se igualmente adequado suprimir as ligações indicativas da RTE-T à Rússia e à Bielorrússia.

3.16.

No entanto, o CESE mostra-se surpreendido por a proposta alterada mencionar expressamente o compromisso de considerar restabelecer as ligações na Bielorrússia, e as ligações entre a Bielorrússia e os Estados-Membros da UE, em caso de transição democrática no país (em harmonia com um plano de ação da UE para tal), não mencionando, porém, um compromisso semelhante em relação à Rússia. Embora possa não existir um plano da UE específico para a transição democrática na Rússia, é difícil de compreender a diferença nas abordagens. O CESE recomenda, assim, que se evite assumir compromissos deste tipo para o futuro.

3.17.

O CESE observa que a supressão das ligações entre os Estados-Membros e a Rússia parece ter levantado problemas em determinados Estados-Membros. Por exemplo, o ministro dos Transportes da Finlândia criticou o caráter geral de tais medidas, uma vez que algumas dessas ligações continuam a ser importantes para a conectividade do Estado-Membro em causa. O CESE recomenda que se preste a devida atenção à eventual importância interna de tais ligações para a UE.

3.18.

O CESE concorda que é claramente necessário abordar a questão das diferentes bitolas dos carris na UE e na Ucrânia, embora alterá-las possa requerer algum tempo e, por conseguinte, não é provável que tais alterações proporcionem soluções para problemas de eficiência imediatos e urgentes.

3.19.

O CESE assinala que a obrigação de migrar para uma bitola de 1 435 mm foi alargada e a possibilidade de manter outras bitolas foi reduzida, através das alterações propostas aos artigos 15.o e 16.o e do novo artigo 16.o-A. Dado que o processo de migração para a bitola de 1 435 mm se centra nos corredores europeus de transporte — uma vez que os planos de migração a elaborar por todos os Estados-Membros estão limitados a esses corredores —, a obrigação geral de construir todas as novas linhas com a bitola de 1 435 mm parece ser incompatível com o objetivo principal do artigo 16.o-A, que consiste em assegurar a coerência e a fluidez do transporte ferroviário nos corredores transeuropeus.

3.20.

O CESE proporia, portanto, que a obrigação de migração se limite aos corredores europeus de transporte, a fim de assegurar uma migração coerente e bem coordenada.

3.21.

O CESE mostra-se surpreendido com a obrigação geral estabelecida no artigo 16.o-A, n.o 1, proposto de que todas as infraestruturas ferroviárias novas devem ser construídas com a bitola nominal de norma europeia de 1 435 mm, aparentemente sem ter em conta a configuração da rede envolvente, uma vez que tal obrigação poderia criar problemas extremamente complicados de coerência interna e estrangulamentos nos Estados-Membros com diferentes bitolas.

3.22.

É de salientar que a redução das possibilidades de isenção para as bitolas diferentes suscitou preocupações, por exemplo na Finlândia, onde foi posta em causa a proporcionalidade da proposta a este respeito.

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 290 de 29.7.2022, p. 120.

(2)  COM(2021) 812 final.

(3)  COM(2022) 384 final.

(4)  Regulamento (UE) n.o 1315/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo às orientações da União para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes e que revoga a Decisão n.o 661/2010/UE (JO L 348 de 20.12.2013, p. 1).

(5)  COM(2022) 217 final.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/195


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Disposições específicas para os programas de cooperação 2014-2020 apoiados pelo Instrumento Europeu de Vizinhança e no âmbito do objetivo da Cooperação Territorial Europeia, na sequência de perturbações na execução dos programas

[COM(2022) 362 — 2022/0227 (COD)]

(2023/C 75/29)

Relator-geral:

Andris GOBIŅŠ

Consulta

Parlamento Europeu, 27.9.2022

Conselho da União Europeia, 17.8.2022

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em plenária

27.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

117/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a abordagem da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e do Conselho de fazer o necessário para aprovar o regulamento em apreço o mais rapidamente possível e exorta-os a assegurar a sua entrada em vigor, o mais tardar, no início de novembro de 2022.

1.2.

Atendendo, perante a necessidade de uma aprovação rápida, a que o regulamento deverá, numa primeira fase, ser adotado sem alterações, o CESE recomenda que se pondere uma revisão numa segunda fase, com as alterações a seguir propostas. As alterações propostas também devem alimentar o debate e a preparação das alterações dos regulamentos e dos programas posteriores.

1.3.

O CESE congratula-se com a rápida ação das instituições da UE e com a flexibilidade necessária em relação à gestão dos projetos na sequência da guerra não provocada e injustificada da Rússia contra a Ucrânia. Uma intervenção rápida foi a única forma de preservar a coerência com os valores e os princípios da UE.

1.4.

O CESE endossa o objetivo de prever flexibilidade na alteração do objetivo dos projetos em curso, a fim de refletir as necessidades emergentes dando a margem necessária às autoridades de gestão e proporcionando-lhes a segurança jurídica de que os projetos serão executados de acordo com as regras e de que não haverá demasiadas limitações no que diz respeito à auditoria. Este aspeto é particularmente importante uma vez que o regulamento será aplicado retroativamente desde a data em que teve início a guerra aberta.

1.5.

O CESE chama a atenção para as novas realidades dos últimos meses da guerra na Ucrânia. Dado que a Ucrânia goza do estatuto de país candidato à adesão à UE e que é cada vez mais necessário reconstruir e preparar o país para o inverno, dever-se-ia conferir ainda mais flexibilidade às atividades elegíveis e alargar a definição de atividades de cooperação transfronteiriça/regional para os projetos em curso e programados, como previsto nas alterações propostas ao regulamento (ver sugestões infra).

1.6.

Perante a suspensão do financiamento às autoridades da Federação da Rússia e da Bielorrússia e a correspondente suspensão da cooperação transfronteiriça com estes países, o CESE propõe que se faça tudo o que é possível para transferir para a cooperação com a Ucrânia as dotações inicialmente destinadas a estes programas de cooperação.

1.7.

Dado que a sociedade civil se encontra na linha da frente da reconstrução da Ucrânia e da preparação do país para a adesão à UE, cumpre prestar especial atenção à afetação de fundos ao trabalho das organizações da sociedade civil, incluindo a reafetação de fundos.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE apoia os objetivos da proposta e congratula-se com a intenção de prever uma abordagem flexível para os programas de cooperação ao abrigo do Instrumento Europeu de Vizinhança, a fim de ter em conta as necessidades decorrentes da agressão militar não provocada e injustificada da Rússia contra a Ucrânia e o impacto daí resultante para a União Europeia (UE), e em especial várias das suas regiões orientais, assim como o impacto mais alargado da pandemia de COVID-19 na UE.

2.2.

O CESE reconhece os enormes esforços envidados pelos governos nacionais, pelo poder local e pela sociedade civil dos Estados-Membros vizinhos, da Moldávia e da Ucrânia para acolher os ucranianos deslocados que fogem em massa da invasão russa e congratula-se com o apoio à utilização orientada de programas de cooperação transfronteiriça para cobrir as respetivas necessidades de ajuda humanitária.

2.3.

O CESE reconhece os desafios específicos enfrentados, a todos os níveis, pelas autoridades ucranianas, que têm, ao mesmo tempo, de assegurar a defesa militar do país e de manter o funcionamento da economia numa altura em que a Ucrânia enfrenta um elevado número de vítimas, a destruição de habitações e infraestruturas, a deslocação de uma parte significativa da sua população, perturbação da produção e dos transportes, pressões inéditas sobre o orçamento e muitos outros problemas causados pela agressão russa. Os programas de cooperação transfronteiriça com a Ucrânia deverão contribuir para reduzir esta pressão, dando aos beneficiários a oportunidade de corresponder às necessidades em tempo de guerra.

2.4.

O CESE congratula-se com a recente concessão à Ucrânia e à Moldávia do estatuto de país candidato à adesão à UE e salienta que a UE deve prestar uma assistência completa a esses países na realização das suas reformas com vista à integração na UE, reformas que têm de levar a cabo ao mesmo tempo que arcam com a pressão de uma guerra total na Ucrânia. Os programas de cooperação transfronteiriça devem, quando seja caso disso, racionalizar os objetivos reforçados da Ucrânia e da Moldávia de integração na UE e convertê-los em atividades de programas, nomeadamente através da transmissão da experiência pertinente em matéria de reformas nos países vizinhos da UE. Tal deve incluir os preparativos a nível local e regional e um papel importante para as organizações da sociedade civil, incluindo os parceiros sociais.

2.5.

Perante a suspensão do financiamento às autoridades da Federação da Rússia e da Bielorrússia e a correspondente suspensão da cooperação transfronteiriça com estes países, o CESE propõe que se faça tudo o que é possível para transferir para a cooperação com a Ucrânia as dotações inicialmente destinadas a estes programas de cooperação. Devido ao grande simbolismo e ao aumento das necessidades, vale a pena investir tempo e competências na procura e preparação de bases jurídicas para o efeito. Os fortes laços emocionais e os valores comuns podem ser vistos como uma forma de «vizinhança» com a Ucrânia e ser interpretados como adequados aos objetivos do programa nos tempos extraordinários que correm.

2.6.

O CESE recorda os encargos financeiros extraordinários suportados pelas comunidades vizinhas, que acolhem numerosas pessoas deslocadas ucranianas, e saúda, por isso, a intenção de suprimir a obrigação de cofinanciamento nacional para cinco programas transfronteiriços do Instrumento Europeu de Vizinhança com a República da Moldávia e a Ucrânia.

2.7.

O CESE salienta que a agressão russa e o consequente afluxo de pessoas deslocadas demonstraram, uma vez mais, o papel fundamental da sociedade civil e impulsionaram significativamente o ativismo da sociedade civil, tanto na Ucrânia como nos países vizinhos da UE, com centenas de iniciativas de voluntariado a nível nacional, mas também a nível local, para fornecer alimentos e abrigar e assegurar outras necessidades humanitárias; por conseguinte, o apoio ao trabalho da sociedade civil deve centrar-se em particular nos programas transfronteiriços. A importância da sociedade civil organizada continuará a fazer-se sentir também durante a reconstrução da Ucrânia e das suas regiões e os preparativos para a adesão à UE.

2.8.

Face à atual crise energética, o CESE recorda que é necessário acelerar a transição para a energia verde e continuar a promover a eficiência energética. Os programas de cooperação transfronteiriça devem constituir uma oportunidade para os seus beneficiários de atenuarem os futuros desafios da época de inverno, permitindo-lhes ao mesmo tempo permanecer na via da sustentabilidade.

2.9.

O CESE lamenta que não tenham sido realizadas consultas das partes interessadas quando da elaboração das alterações propostas. Quando realizadas de forma adequada, estas consultas não constituem uma perda de tempo e aumentam, na maioria dos casos, a qualidade da legislação elaborada.

2.10.

Aplicar as boas práticas do Código de Conduta Europeu sobre o princípio de parceria pode contribuir para o êxito dos projetos executados ao abrigo do regulamento revisto.

3.   Observações na especialidade

3.1.

O CESE salienta que a UE prevê medidas abrangentes destinadas a apoiar as pessoas deslocadas da Ucrânia, nomeadamente através da Ação de Coesão a favor dos Refugiados na Europa (CARE), da Assistência flexível aos territórios (FAST-CARE), de alterações da política de coesão, etc. Importa evitar os riscos de duplo financiamento. A especificidade da Iniciativa Europeia de Vizinhança deve limitar-se ao seu objetivo principal, que é a cooperação entre a UE e os parceiros orientais. Na expectativa de perturbações mais prolongadas dos programas que envolvem a Rússia e a Bielorrússia, e dada a necessidade e o interesse crescentes na cooperação na Ucrânia e na Moldávia, a base jurídica para as alterações e a cooperação com estes países deve ser preparada, p. ex., no artigo 9.o, mas também nos artigos 5.o, 6.o e 8.o.

3.2.

O CESE salienta que, para além da chegada de pessoas deslocadas, a invasão russa da Ucrânia também afetou seriamente a cooperação entre a UE, a Ucrânia e os seus países vizinhos. Devido ao bloqueio naval russo aos portos marítimos da Ucrânia e à perturbação das rotas de transporte no leste da Ucrânia, uma grande parte do comércio ucraniano, incluindo os cereais, foi reencaminhada através das fronteiras com a UE, exercendo uma enorme pressão sobre as infraestruturas transfronteiriças. Uma vez que as exportações ucranianas de cereais e de outros produtos são vitais para prevenir a crise alimentar mundial, os programas transfronteiriços devem abordar os problemas logísticos decorrentes para assegurar a máxima capacidade de fluxo de mercadorias, designadamente através da melhoria da gestão transfronteiriça, da construção de instalações de armazenamento perto das fronteiras e de outras medidas pertinentes. Estes projetos poderão exigir prazos mais flexíveis do que os atualmente previstos no artigo 6.o, n.o 2.

3.3.

Os custos mais elevados devidos à inflação sem precedentes provocada pela invasão russa devem ser elegíveis em todos os projetos, e não apenas nos referidos no artigo 6.o, n.o 3.

3.4.

O CESE subscreve a proposta de facilitar a gestão dos programas transfronteiriços, incluindo as alterações das respetivas atividades, atendendo às circunstâncias extraordinárias. Contudo, frisa que é necessário acautelar a eventual utilização indevida de fundos e recomenda uma participação reforçada da sociedade civil (incluindo os parceiros sociais) no processo de decisão e no acompanhamento das atividades transfronteiriças. Estes aspetos poderiam ser salientados no artigo 7.o e/ou no artigo 15.o.

3.5.

A suspensão unilateral prevista no artigo 10.o, n.o 2, deve ser acompanhada de uma justificação que remeta para o regulamento.

3.6.

Como referido nos pontos 1.7 e 2.5, o CESE propõe que se permita ter em conta novos parceiros da sociedade civil (incluindo possibilidades de reafetação) e da Ucrânia nos casos em que estavam previstos parceiros que tenham sido suspensos. O artigo 10.o, n.o 3, deve ser alterado em conformidade. Além disso, os membros da diáspora pró-democrática bielorrussa ou russa devem poder ser considerados parceiros em casos excecionais.

3.7.

Há que ponderar medidas adicionais para prevenir fraudes ou gerir as irregularidades que possam surgir no processo de execução. A sociedade civil e os parceiros sociais devem ter um papel reforçado também em relação a estes processos e nos comités de acompanhamento (artigo 14.o, n.o 3).

Bruxelas, 27 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/198


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que revoga a Diretiva 89/629/CEE do Conselho

[COM(2022) 465 final — 2022/0282 (COD)]

(2023/C 75/30)

Consulta

Parlamento Europeu, 3.10.2022

Conselho da União Europeia, 26.9.2022

Comissão Europeia, 16.9.2022

Base jurídica

Artigos 100.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

26.10.2022

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

169/0/03

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité decidiu emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/199


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de diretiva do Conselho que estabelece regras relativas a uma dedução para reduzir a distorção dívida-capitais próprios e à limitação da dedutibilidade dos juros para efeitos do imposto sobre o rendimento das sociedades

[COM(2022) 216 final — 2022/0154 (CNS)]

(2023/C 75/31)

Relator:

Petru Sorin DANDEA

Correlator:

Krister ANDERSSON

Consulta

Conselho da União Europeia, 8.6.2022

Base jurídica

Artigo 115.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

6.10.2022

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

187/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A proposta da Comissão relativa a uma dedução para reduzir a distorção dívida-capitais próprios (DEBRA) visa abordar a referida distorção induzida pelos impostos, que afeta as empresas na UE, mediante, por um lado, a aplicação de regras relativas à dedutibilidade dos juros nocionais sobre os aumentos de capitais próprios e, por outro, a introdução de limitações específicas à dedutibilidade fiscal dos custos de empréstimo líquidos.

1.2.

Para o efeito, a Comissão elaborou regras específicas relativas tanto à dedução sobre os capitais próprios como à limitação das deduções de juros. As medidas não são aplicáveis às empresas financeiras, que estão sujeitas a obrigações regulamentares em matéria de capitais próprios que impedem a subcapitalização.

1.3.

A dedução sobre os capitais próprios definida pela Comissão calcula-se da seguinte forma: Base da dedução X Taxa de juro nocional. A base da dedução resulta da diferença entre os capitais próprios no final do ano fiscal e os capitais próprios no final do ano fiscal anterior, ou seja, a variação homóloga dos capitais próprios. Do lado da dívida, uma restrição proporcional limitará a dedutibilidade dos juros a 85 % dos custos de empréstimo líquidos (ou seja, os juros pagos menos os juros recebidos).

1.4.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia os objetivos visados pela Comissão, pois procuram abordar uma questão pertinente e há muito debatida em matéria de tributação das empresas, nomeadamente a distorção induzida pelos impostos que favorece a dívida em detrimento dos capitais próprios. No entanto, a estrutura e o conteúdo efetivos da proposta são cruciais para alcançar eficazmente esses objetivos.

1.5.

A esse respeito, o CESE considera que a decisão da Comissão de favorecer os capitais próprios em detrimento da dívida, mediante uma dedução dos aumentos de capitais próprios efetuados pelas empresas ao longo do tempo, mas também a redução em 15 % da dedutibilidade da dívida que pesa sobre as empresas, pode prejudicar as empresas europeias, em especial as PME.

1.6.

O CESE receia que a proposta da Comissão fragilize a situação financeira das PME e das microempresas, que são a espinha dorsal da economia europeia. Não é fácil para essas empresas aceder aos mercados de capitais, pelo que limitar a dedutibilidade dos seus custos de juros pode prejudicar o investimento, o crescimento e a criação de emprego em toda a Europa.

1.7.

O CESE defende que, no caso das pequenas e microempresas, há que incentivar os capitais próprios, sobretudo, ou mesmo exclusivamente, através de deduções fiscais sobre os capitais próprios, sem penalizar a dedutibilidade dos juros sobre a dívida.

1.8.

O CESE considera que o prémio de risco de 1 % a 1,5 % avançado na proposta da Comissão não tem em conta a realidade do mercado, além de ser insuficiente para compensar a perda da dedutibilidade dos custos de juros. Em 2021, o prémio de risco nos mercados foi superior a 5 % em todos os Estados-Membros, situando-se atualmente nos mesmos níveis.

1.9.

O CESE receia que, ao não permitir a dedução dos custos legítimos da atividade empresarial sob a forma de juros, se esteja a colocar as empresas europeias numa situação de desvantagem concorrencial em relação às empresas de outros grandes blocos comerciais.

1.10.

O CESE observa que não permitir que as empresas europeias deduzam os custos dos juros incentivaria a utilização de acordos de locação financeira em detrimento do investimento direto em maquinaria e equipamentos. Além disso, o financiamento intragrupo em grandes grupos de empresas com funções de tesouraria centralizadas tornar-se-ia mais difícil e ficaria comprometido, o que aumentaria os custos do financiamento dos investimentos e causaria a sua redução.

1.11.

A fim de dar um contributo construtivo e expressar plenamente as suas preocupações, o CESE propõe, por conseguinte, que a Comissão reveja consideravelmente a sua proposta, no sentido de prever uma isenção total ou parcial das limitações à dedutibilidade dos juros de dívida aplicável, em especial, às PME e às microempresas.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A proposta de diretiva (1) DEBRA da Comissão visa abordar a distorção dívida-capitais próprios induzida pelos impostos que afeta as empresas na UE, mediante, por um lado, o estabelecimento de regras relativas à dedutibilidade dos juros nocionais sobre os aumentos de capitais próprios e, por outro, a introdução de limitações específicas à dedutibilidade fiscal dos custos de empréstimo líquidos.

2.2.

A proposta é congruente com a Comunicação da Comissão — Uma tributação das empresas para o século XXI (2), na qual se destaca a existência de uma distorção a favor da dívida nas regras fiscais, que constitui um problema que as instituições europeias têm de resolver para se alcançar um sistema fiscal justo e eficaz.

2.3.

Na sua comunicação, a Comissão salienta que uma empresa pode atualmente «reduzir os juros associados a um financiamento por dívida, mas não os custos relacionados com um financiamento por capitais próprios, como o pagamento de dividendos, incentivando-a assim a financiar investimentos por meio de dívida em vez de por capitais próprios. Isto pode contribuir para uma acumulação excessiva de dívidas, com possíveis efeitos colaterais negativos para o conjunto da UE, caso alguns países registem importantes vagas de processos de insolvência. A distorção fiscal a favor da dívida também penaliza o financiamento da inovação através de capitais próprios».

2.4.

A proposta da Comissão dá igualmente seguimento ao pedido específico do Parlamento Europeu no sentido de se abordar a questão da distorção fiscal a favor da dívida em detrimento dos capitais próprios e incorporar, ao mesmo tempo, «disposições eficazes de combate à elisão fiscal, a fim de evitar qualquer utilização da dedução de uma remuneração convencional do capital próprio como novo instrumento para a erosão da base tributável» (3).

2.5.

A proposta da Comissão foi precedida de uma ampla consulta, na qual participaram partes interessadas, de académicos a poderes públicos, passando por organizações não governamentais, associações empresariais e empresas. A consulta revelou que a esmagadora maioria das partes interessadas defende a necessidade de uma iniciativa para reduzir a distorção a favor da dívida em detrimento dos capitais próprios.

2.6.

A Comissão também colaborou com os seis Estados-Membros que já aplicaram regras relativas à distorção dívida-capitais próprios, a fim de reunir conhecimentos especializados específicos sobre o funcionamento dessas regras com base na sua experiência direta (4).

2.7.

Na elaboração da sua proposta, a Comissão analisou a possibilidade de cinco opções regulamentares: i) opção 1: a introdução por tempo indefinido de uma dedução relativamente ao conjunto dos capitais próprios das empresas; ii) opção 2: a introdução de uma dedução, mas apenas para os novos capitais próprios e durante 10 anos; iii) opção 3: a introdução de uma dedução relativa ao capital das empresas, excluindo ao mesmo tempo a atual dedutibilidade dos pagamentos de juros; iv) opção 4: a exclusão completa da dedutibilidade das despesas com juros; e v) opção 5: a combinação de uma dedução para juros nocionais sobre os novos capitais próprios das empresas durante 10 anos com uma limitação parcial da dedutibilidade fiscal da dívida para todas as empresas.

2.8.

A opção 5 foi apontada como a opção preferível, pelo que a Comissão elaborou concretamente regras específicas relativas à dedução sobre os capitais próprios e à limitação das deduções de juros sobre a dívida, no âmbito da sua proposta. As medidas não são aplicáveis explicitamente às empresas financeiras, que já estão vinculadas por obrigações regulamentares em matéria de capitais próprios que impedem a subcapitalização.

2.9.

Mais concretamente, a dedução sobre os capitais próprios definida na proposta da Comissão calcula-se da seguinte forma: Base da dedução X Taxa de juro nacional. Por sua vez, a base da dedução é igual à diferença entre os capitais próprios no final do ano fiscal e os capitais próprios no final do ano fiscal anterior, ou seja, o aumento homólogo dos capitais próprios.

2.10.

Se a base da dedução de um contribuinte que já beneficiou de uma dedução sobre os capitais próprios for negativa num determinado período de tributação (diminuição dos capitais próprios), um montante proporcional torna-se tributável durante 10 períodos de tributação consecutivos e até ao aumento global dos capitais próprios líquidos para os quais foi obtida essa dedução, salvo se o contribuinte apresentar provas de que tal se deve a prejuízos incorridos durante o período de tributação ou a uma obrigação legal.

2.11.

A proposta estabelece regras específicas sobre os juros nocionais pertinentes a aplicar e, tendo em conta as dificuldades das PME em aceder ao financiamento, prevê a aplicação da taxa mais elevada em seu favor, sem a possibilidade de derrogações pelos Estados-Membros. A fim de evitar abusos, a dedutibilidade da dedução já está limitada a um máximo de 30 % do EBITDA (5) do contribuinte para cada ano fiscal, graças ao projeto BEPS contra a erosão da base tributável e transferência de lucros, transposto para aplicação na UE pela Diretiva Antielisão Fiscal (6). Propõe-se a coordenação das duas limitações.

2.12.

Do lado da dívida, uma restrição proporcional limitará a dedutibilidade dos juros a 85 % dos custos de empréstimo líquidos (ou seja, os juros pagos menos os juros recebidos). De acordo com a Comissão, essa abordagem permite visar simultaneamente a distorção dívida-capitais próprios, tanto do lado dos capitais próprios como da dívida. No entanto, não se incluem os aumentos de capital próprio devido a transações entre empresas ou a reavaliações de ativos.

2.13.

A base jurídica da proposta é o artigo 115.o do TFUE, relativo à adoção de diretivas para a aproximação das disposições dos Estados-Membros, e a Comissão considera a proposta de diretiva conforme aos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade. O prazo de transposição é fixado para o início de 2024, enquanto os Estados-Membros com regras já em vigor sobre a distorção dívida-capitais próprios serão autorizados a manter as deduções atualmente vigentes pelo período remanescente das mesmas ao abrigo da legislação nacional e por um período máximo de 10 anos.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia os objetivos visados pela proposta da Comissão, uma vez que procuram abordar uma questão pertinente e há muito debatida em matéria de tributação das empresas, nomeadamente a distorção induzida pelos impostos que favorece a dívida em detrimento dos capitais próprios. Considera que as empresas europeias de todas as dimensões podem beneficiar, em grande medida, de regras adequadas e robustas neste contexto, contribuindo para uma maior competitividade do mercado interno.

3.2.

O CESE recorda o seu Parecer — O papel dos impostos sobre as sociedades na governação empresarial (7), em que insta a uma solução para a distorção dívida-capitais próprios, sublinhando os riscos associados à alavancagem indevida e salientando que «[a] distorção fiscal a favor da dívida nos sistemas de tributação das sociedades tem impacto nos custos socioeconómicos, bem como na alavancagem financeira e na governação das empresas» (8).

O CESE salientou igualmente o contributo que a abordagem da distorção dívida-capitais próprios poderia dar para a ambição da Comissão de tornar a economia europeia mais sustentável e mais digitalizada (9), observando que «[u]ma dependência excessiva do financiamento por meio de dívida pode comprometer a realização dos objetivos definidos pela Comissão Europeia, uma vez que as empresas se tornam financeiramente vulneráveis, e a possibilidade de realizar novos projetos de investimento ecológico de risco é afetada negativamente». No entanto, as regras a aplicar têm de abordar adequadamente a questão relativa a uma dedução para reduzir a distorção dívida-capitais próprios. Em particular, o CESE considera que as propostas apresentadas pela Comissão podem prejudicar as PME, em especial as microempresas, fragilizando a sua situação financeira.

3.3.

A limitação da dedutibilidade dos custos de juros prejudica o investimento, o crescimento e a criação de emprego. Esses resultados negativos são ainda mais prováveis na conjuntura económica atual, marcada pela subida das taxas de juro.

3.4.

O CESE observa que é preferível uma ação da UE em detrimento da adoção pelos Estados-Membros de várias iniciativas descoordenadas. No entanto, uma vez que seis Estados-Membros já aplicam regras nacionais em matéria de deduções relativas ao financiamento por capitais próprios, é de salientar que o efeito líquido da dedução sobre os capitais próprios e da exclusão dos custos com os juros não harmonizará totalmente os custos de investimento em toda a UE, mesmo no caso de aprovação da diretiva em apreço.

3.5.

O CESE nota com agrado a ampla consulta pormenorizada realizada pela Comissão sobre a proposta DEBRA, que proporcionou a muitas partes interessadas diferentes — associações empresariais, empresas, poderes públicos e académicos — a oportunidade de exprimirem as suas posições sobre uma questão crucial para a tributação das empresas e a governação empresarial na UE.

3.6.

O CESE aprecia igualmente a consulta específica que a Comissão realizou junto dos seis Estados-Membros que já aprovaram regras relativas à distorção dívida-capitais próprios, uma vez que permite à entidade reguladora ter em conta a experiência já adquirida neste domínio pelos legisladores e pelas autoridades fiscais nacionais.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE considera que a decisão da Comissão de favorecer os capitais próprios em detrimento da dívida, mediante, por um lado, uma dedução dos aumentos de capitais próprios efetuados pelas empresas ao longo do tempo e, por outro, a redução em 15 % da dedutibilidade da dívida que pesa sobre as empresas, prejudicará as empresas europeias, em especial, as PME e as microempresas. No caso dessas empresas, há que incentivar efetivamente os capitais próprios, sobretudo, ou mesmo exclusivamente, através de deduções fiscais sobre os capitais próprios, sem penalizar a dedutibilidade dos juros sobre a dívida.

4.2.

O CESE considera arriscado limitar a dedutibilidade dos juros sobre a dívida, em particular para as PME e para as microempresas, no atual cenário económico, pautado pela dupla influência negativa de uma inflação sustentada, associada à subida das taxas de juro aplicadas pelos bancos centrais para manter a inflação sob controlo. Além disso, os níveis da dívida aumentaram em muitas empresas durante a pandemia. Com efeito, a limitação da dedutibilidade fiscal é suscetível de dificultar a gestão das dívidas que pesam sobre as pequenas e as microempresas.

4.3.

O CESE observa que o princípio da proporcionalidade, como interpretado pelo Tribunal de Justiça, exige que as instituições europeias elaborem regras adequadas para alcançar os objetivos regulamentares visados imputando o menor sacrifício possível aos destinatários das matérias regulamentadas. A este respeito, o CESE salienta que uma redução significativa da dedutibilidade do financiamento por dívida é suscetível de ter consequências imprevistas nas PME, em especial nas microempresas, nomeadamente uma menor sustentabilidade das dívidas das empresas, despedimentos e uma perda geral de estabilidade financeira em todo o mercado interno.

4.4.

O CESE observa que não permitir a dedutibilidade dos custos dos juros incentivaria a utilização de acordos de locação financeira em detrimento do investimento direto em maquinaria e equipamentos. Não se afigura adequado introduzir este tipo de incentivo, pelo menos sem uma análise aprofundada.

4.5.

Muitas empresas utilizam o financiamento intragrupo e funções centralizadas de tesouraria para financiar os investimentos de forma eficiente em termos de custos. As regras propostas exigiriam essencialmente que cada empresa do grupo financiasse os seus investimentos, o que aumentaria os custos de financiamento e, por conseguinte, reduziria infelizmente os investimentos. O CESE considera necessário abordar esta questão, para que os investimentos possam continuar a ser financiados de forma eficiente.

4.6.

O CESE recomenda que se limitem os custos de conformidade das empresas europeias interessadas em beneficiar da nova dedução sobre os capitais próprios, através da obtenção de um nível suficiente de segurança jurídica e de previsibilidade das novas regras, a fim de evitar incertezas e questões interpretativas, que possam conduzir a negociações alargadas ou mesmo a litígios entre as autoridades fiscais e as empresas.

4.7.

À luz dos argumentos anteriores e para apresentar um contributo construtivo, o CESE propõe, por conseguinte, que a Comissão reveja consideravelmente a sua proposta, no sentido de prever uma isenção total ou, pelo menos, parcial das regras relativas a uma dedução para reduzir a distorção dívida-capitais próprios aplicáveis às PME e às microempresas.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Proposta de diretiva do Conselho que estabelece regras relativas a uma dedução para reduzir a distorção dívida-capitais próprios e à limitação da dedutibilidade dos juros para efeitos do imposto sobre o rendimento das sociedades [COM(2022) 216 final].

(2)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Uma tributação das empresas para o século XXI [COM(2021) 251 final].

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de fevereiro de 2022, sobre o impacto das reformas fiscais nacionais na economia da UE [2021/2074(INI)] (JO C 342 de 6.9.2022, p. 14).

(4)  Os Estados-Membros que disponham de regras que prevejam uma dedução para aumentos de capitais próprios podem diferir a aplicação das disposições da diretiva em apreço durante o período de vigência dos direitos já estabelecidos ao abrigo da legislação nacional (salvaguarda de direitos adquiridos). Os contribuintes que, em [1 de janeiro de 2024], beneficiem de uma dedução relativa aos capitais próprios ao abrigo da legislação nacional (Bélgica, Chipre, Itália, Malta, Polónia e Portugal) poderão continuar a beneficiar dessa dedução ao abrigo da legislação nacional por um período máximo de 10 anos.

(5)  EBITDA («earnings before interest, taxes, depreciation, and amortization»): resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações.

(6)  Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno (JO L 193 de 19.7.2016, p.1).

(7)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 13.

(8)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 13, pontos 4.1 a 4.7.

(9)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 13.


28.2.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 75/204


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à revogação do Regulamento (CEE) n.o 1108/70 do Conselho, que introduz um sistema de contabilidade das despesas referentes às infraestruturas de transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável, e do Regulamento (CE) n.o 851/2006 da Comissão, relativo à fixação do conteúdo das diferentes rubricas dos esquemas de contabilização do anexo I do Regulamento (CEE) n.o 1108/70 do Conselho

[COM(2022) 381 final]

(2023/C 75/32)

Consulta

Parlamento Europeu, 12.9.2022

Conselho da União Europeia, 12.8.2022

Base jurídica

Artigos 91.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em plenária

26.10.2022

Reunião plenária n.o

573

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

170/0/0

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité decidiu emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 26 de outubro de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG