ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 105

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

65.° ano
4 de março de 2022


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

564.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 20.10.2021-21.10.2021

2022/C 105/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre conciliar objetivos sustentáveis e sociais ambiciosos e um enquadramento propício às micro, pequenas e médias empresas (parecer de iniciativa)

1

2022/C 105/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre publicidade para um consumo moderno e responsável (parecer de iniciativa)

6

2022/C 105/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa (parecer de iniciativa)

11

2022/C 105/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu A indústria vidreira europeia na encruzilhada: tornar-se mais ecológica e energeticamente eficiente, aumentando simultaneamente a competitividade e mantendo empregos de qualidade (parecer de iniciativa)

18

2022/C 105/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a estratégia de mobilidade da UE e as cadeias de valor industriais da UE: abordagem dos ecossistemas automóveis (parecer de iniciativa)

26

2022/C 105/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o impacto societal e ecológico do ecossistema 5G (parecer de iniciativa)

34

2022/C 105/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável de nova geração — Revisão do plano de ação de 15 pontos (parecer de iniciativa)

40

2022/C 105/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas (parecer de iniciativa)

49

2022/C 105/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Autonomia estratégica e segurança e sustentabilidade alimentares (parecer de iniciativa)

56


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

564.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 20.10.2021-21.10.2021

2022/C 105/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Atualização da Nova Estratégia Industrial de 2020: construir um mercado único mais forte para a recuperação da Europa [COM(2021) 350 final]

63

2022/C 105/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a abordagem global da investigação e inovação — Estratégia da Europa para a cooperação internacional num mundo em mutação [COM(2021) 252 final]

77

2022/C 105/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 910/2014 no respeitante à criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital [COM(2021) 281 final — 2021/0136 (COD)]

81

2022/C 105/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno [COM(2021) 223 final — 2021/0114 (COD)]

87

2022/C 105/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos créditos aos consumidores [COM(2021) 347 final — 2021/0171 (COD)]

92

2022/C 105/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à segurança geral dos produtos, que altera o Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 87/357/CEE do Conselho e a Diretiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho [COM(2021) 346 final — 2021/0170 (COD)]

99

2022/C 105/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Conselho que suspende temporariamente os direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas Ilhas Canárias [COM(2021) 392 final — 2021/0209 (CNS)]

105

2022/C 105/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho Estratégia para um espaço Schengen plenamente funcional e resiliente [COM(2021) 277 final] e a proposta de Regulamento do Conselho relativo à criação e ao funcionamento de um mecanismo de avaliação e de monitorização para verificar a aplicação do acervo de Schengen e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1053/2013 [COM(2021) 278 final — 2021/0140 (CNS)]

108

2022/C 105/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Quadro estratégico da UE para a saúde e segurança no trabalho 2021-2027 — Saúde e segurança no trabalho num mundo do trabalho em evolução [COM(2021) 323 final]

114

2022/C 105/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de Recomendação do Conselho sobre a aprendizagem mista para um ensino primário e secundário inclusivo e de elevada qualidade [COM(2021) 455 final]

128

2022/C 105/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à garantia de condições de concorrência equitativas para um transporte aéreo sustentável [COM(2021) 561 final — 2021/0205 (COD)]

134

2022/C 105/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/87/CE no respeitante à notificação aos operadores de aeronaves com base na União da compensação no âmbito de uma medida baseada no mercado global [COM(2021) 567 final — 2021/0204 (COD)]

140

2022/C 105/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Caminho para um planeta saudável para todos — Plano de ação da UE: Rumo à poluição zero no ar, na água e no solo [COM(2021) 400 final]

143

2022/C 105/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos uniformes de controlo do transporte rodoviário de mercadorias perigosas (codificações) [COM(2021) 483 final — 2021/0275 (COD)]

148

2022/C 105/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1286/2014 no que respeita à prorrogação do regime transitório aplicável às sociedades gestoras, sociedades de investimento e pessoas que prestam consultoria sobre unidades de participação em organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) e em não-OICVM, ou que as vendem [COM(2021) 397 final — 2021/0215 (COD)]

149

2022/C 105/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/65/CE no que respeita à utilização dos documentos de informação fundamental pelas sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) [COM(2021) 399 final — 2021/0219 (COD)]

150

2022/C 105/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de conservação e de gestão para a conservação do atum-do-sul [COM(2021) 424 final — 2021/0242 (COD)]

151

2022/C 105/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento Estratégia anual para o Crescimento Sustentável 2021 [COM(2020) 575 final] (aditamento a parecer)

152

2022/C 105/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a recomendação de recomendação do Conselho sobre a política económica da área do euro [COM(2020) 746 final] (aditamento a parecer)

158


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

564.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 20.10.2021-21.10.2021

4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre conciliar objetivos sustentáveis e sociais ambiciosos e um enquadramento propício às micro, pequenas e médias empresas

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/01)

Relator:

Bruno CHOIX

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

227/0/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As micro, pequenas e médias empresas representam 99,8 % das empresas europeias e empregam 82,4 milhões de pessoas, desempenhando um papel crucial na recuperação económica e na consecução dos objetivos sociais e ambientais da UE. O seu caráter distintivo — dimensão humana e proximidade — facilita a apropriação natural desses desafios, face aos quais obtêm bons resultados mesmo em períodos de crise.

1.2.

Neste sentido, as micro, pequenas e médias empresas necessitam de um quadro regulamentar adaptado às suas especificidades. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) solicita a aplicação efetiva da Lei das Pequenas Empresas («Small Business Act»), do princípio «pensar primeiro em pequena escala» e da estratégia para as PME. Os encargos administrativos relacionados, em especial, com a transparência e a comunicação de informações devem ser estritamente limitados, uma vez que cada obrigação implica um custo.

1.3.

O CESE apoia a abordagem que visa legislar melhor e recomenda o envolvimento sistemático dos parceiros sociais, das associações profissionais e das câmaras setoriais em todas as etapas do processo legislativo (elaboração das consultas públicas, avaliação de impacto, emendas). Solicita à Comissão que tenha devidamente em conta os resultados das avaliações de impacto. O princípio da comporta regulatória («One in, one out») deve ser aplicado de forma rápida, efetiva e equilibrada, a fim de promover uma regulamentação ambiciosa nos domínios ambiental e social. Além disso, o CESE propõe reforçar a coordenação dos representantes para as PME (SME Envoys), tanto a nível nacional como europeu.

1.4.

O CESE exorta as instituições europeias a examinarem sistematicamente a possibilidade de encontrar alternativas às obrigações de transparência e de comunicação de informações, sempre que estas obrigações acarretem encargos excessivos.

1.5.

As iniciativas nacionais e regionais de promoção do diálogo social a nível das microempresas, do artesanato e das profissões liberais facilitam a apropriação das questões sociais, o diálogo entre os dirigentes das empresas e os trabalhadores, bem como a prevenção de conflitos, pelo que devem ser encorajadas.

1.6.

O CESE observa que importa avaliar melhor o potencial que os grupos e associações profissionais, assim como as câmaras setoriais encerram tanto para a difusão da inovação nos domínios social, ambiental e em matéria de governação, como para o acompanhamento das micro, pequenas e médias empresas. Recomenda à Comissão Europeia e aos Estados-Membros que se apoiem nos conhecimentos especializados e na rede desses intervenientes, em vez de elaborarem novas disposições onerosas e vinculativas.

1.7.

O CESE considera importante que os empresários tenham acesso à aprendizagem ao longo da vida, assim que criam uma nova empresa ou adquirem uma empresa existente, para que possam adquirir as competências necessárias à boa gestão empresarial, à integração do diálogo social, bem como à dupla transição ecológica e digital.

2.   Contexto e observações gerais

2.1.

As micro, pequenas e médias empresas estão no âmago da economia europeia e são, graças à sua presença em todo o território, um elemento fundamental para apoiar as comunidades locais confrontadas com fragilidades económicas, propagando resiliência a todo o sistema.

2.2.

A retoma é a única forma de evitar o despovoamento, pois permite salvaguardar os níveis de emprego e repartir a riqueza, tanto mais que, na Europa, essa retoma se norteia por objetivos de sustentabilidade.

2.3.

As micro, pequenas e médias empresas estão empenhadas na transição para a economia verde e digital. A economia circular, o desenvolvimento sustentável e o diálogo social estão no ADN das microempresas, das empresas do setor do artesanato e das profissões liberais. O CESE apela às instituições europeias para que confiem na capacidade de evolução destas empresas e promovam o seu papel decisivo na dupla transição (através de programas específicos de financiamento, de assistência técnica e de engenharia, e de políticas adaptadas), em vez de travarem a sua dinâmica.

2.4.

O CESE observa que há muitas empresas e poderes públicos a inovarem, a fim de ajudar as micro, pequenas e médias empresas a integrarem a economia circular no seu modelo económico (eliminação dos resíduos e dos produtos não vendidos, promoção da reparação, da reutilização e da reciclagem), em consonância com os objetivos da UE.

2.5.

Não obstante terem adotado em 2008 a Lei das Pequenas Empresas, nos últimos treze anos, em vez de adotarem textos consentâneos com as capacidades administrativas e financeiras das micro, pequenas e médias empresas, os legisladores optam, na maior parte dos casos, por normas que visam todas as empresas e adaptam-nas posteriormente às empresas mais pequenas, impondo-lhes novos encargos e prejudicando a sua competitividade, assim como a sua capacidade de inovação e de criação de emprego. É possível ter em conta de forma mais eficaz os resultados do teste das PME. A multiplicação de medidas em matéria de transparência e de publicação de informações pode ser prejudicial. A título de exemplo, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (1) introduziu procedimentos pouco claros que obrigam as micro, pequenas e médias empresas a consultar guias ou a recorrer a peritos externos, o que acarreta encargos. O regulamento relativo às máquinas estabelece obrigações semelhantes, solicitando procedimentos de avaliação através da certificação por entidades externas. A diretiva relativa ao branqueamento de capitais (2) prevê a obrigação de declaração dos beneficiários efetivos para todas as empresas, sujeita a pagamento em muitos Estados-Membros.

2.6.

O relatório de 2020 do Comité de Controlo da Regulamentação revela que não se avalia devidamente o impacto das propostas legislativas nas PME.

2.7.

O CESE congratulou-se com a estratégia para as PME, publicada pela Comissão em 2020. Secunda a resolução (3) do Parlamento que preconiza o estabelecimento de boas condições do ponto de vista administrativo, regulamentar e técnico para ajudar as micro, pequenas e médias empresas a melhorarem o seu desempenho, nomeadamente a nível ambiental, e defende que uma carga administrativa e reguladora excessiva trava o seu desenvolvimento.

2.8.

O CESE acolheu favoravelmente a Comunicação «Legislar melhor» que sublinha a importância de uma regulamentação mais eficaz para o desenvolvimento sustentável. Tal regulamentação não pode assentar apenas no crescimento económico, devendo antes refletir um equilíbrio entre as abordagens económica, sustentável e social.

2.9.

Não obstante, várias propostas legislativas e debates deixam entrever novas obrigações em matéria de comunicação de informações para as micro, pequenas e médias empresas (comunicação de informações sobre a sustentabilidade das empresas (4), a transparência salarial (5), o dever de diligência). Essas obrigações podem afetar direta ou indiretamente as micro, pequenas e médias empresas, pois decorrem de pedidos de grandes empresas na cadeia de valor, e podem constituir um custo, na medida em que essas empresas não dispõem dos recursos humanos e financeiros necessários para dar resposta a esses pedidos, colocando em risco a sua atividade, o seu modelo económico e, por conseguinte, a sua sobrevivência, sobretudo em períodos de crise.

2.10.

No entanto, as micro, pequenas e médias empresas obtêm resultados encorajadores, ou que superam até as médias nacionais, e isso sem obrigações. O CESE solicita que a legislação seja concebida para os 21 milhões de micro, pequenas e médias empresas europeias, e não para as empresas de maior dimensão que representam 0,2 % do total procurando em seguida aplicar os princípios às outras, para responder às necessidades não só dos empresários, mas também dos seus numerosos trabalhadores. Além disso, o CESE deseja que sejam propostas, de forma sistemática, alternativas à comunicação de informações.

3.   Custos e benefícios das medidas de comunicação de informações

3.1.

A estimativa do custo dos encargos administrativos pela Comissão carece muitas vezes de transparência e prejudica as micro, pequenas e médias empresas, a que se juntam os efeitos indiretos decorrentes das obrigações associadas à cadeia de valor, que a Comissão tem dificuldade em quantificar. Tal como referido na Comunicação «Legislar melhor», as alterações apresentadas pelo Parlamento e pelo Conselho raramente são objeto de avaliações de impacto e de testes das PME. Por fim, a transposição das medidas para o direito nacional é, por vezes, acompanhada da imposição de custos adicionais.

3.2.

Para fazerem face às crescentes obrigações, os empresários não têm outra solução senão tratarem eles próprios de lhes dar resposta, no tempo destinado às suas funções, ou recorrerem a peritos externos. Ambos os métodos afetam a atividade da empresa e implicam custos adicionais, que são proporcionalmente mais elevados nas microempresas do que nas grandes empresas. Além disso, o CESE alerta contra a multiplicação de medidas em matéria de comunicação de informações que, embora possam parecer diminutas quando consideradas individualmente, têm cumulativamente um impacto considerável.

3.3.

O CESE constata, todavia, que em domínios em que não se aplica a obrigação de comunicação de informações numerosas micro, pequenas e médias empresas têm bons resultados. Incentivadas pela respetiva federação profissional ou pelas câmaras setoriais, essas empresas investem na economia circular porque veem nisso vantagem para o seu desenvolvimento e notoriedade (6). A dimensão humana das micro, pequenas e médias empresas facilita a comunicação entre o empregador e os trabalhadores, o que leva a que, em muitos casos, a disparidade salarial entre homens e mulheres seja menor do que a nível nacional (7), etc. Os países que introduziram limiares para as PME relativamente a determinadas medidas legislativas em matéria social invocam um número reduzido de recursos, o que revela que essas empresas podem ser exemplares sem serem alvo de medidas onerosas. Conforme defendido nos pareces do CESE (8), a definição de PME deveria ser abordada.

3.4.

As micro, pequenas e médias empresas, nomeadamente as empresas da economia social, são atores de pleno direito da economia circular, uma vez que propõem serviços de proximidade que reforçam os laços sociais, criam emprego não deslocalizável e riqueza em zonas marcadas pela ausência de indústria e de determinados serviços públicos e proporcionam oportunidades comerciais e de emprego a grupos sociais vulneráveis. Mais de metade dos formandos em alternância fazem a sua formação nas micro, pequenas e médias empresas, que contribuem assim ativamente para o emprego dos jovens. Graças ao seu modelo económico e à sua dimensão humana, estas empresas privilegiam uma aplicação da inteligência artificial em que o ser humano mantém o controlo e colocam a tónica na qualidade de vida no trabalho e na governação participativa.

3.5.

A aplicação de medidas adicionais em matéria de comunicação de informações é muitas vezes considerada como um encargo injusto, que tem um impacto negativo na atividade das empresas, compromete o seu acesso aos contratos públicos ou ao financiamento sem, no entanto, contribuir significativamente para o desenvolvimento de políticas que, em muitos casos, foram elas que lançaram por sua própria iniciativa. Esta acumulação alimenta o ressentimento em relação a uma Europa considerada demasiado burocrática e desligada da realidade no terreno.

3.6.

Além disso, o CESE considera que os objetivos sociais e ambientais só serão atingidos atacando as causas dos desequilíbrios, e não multiplicando os requisitos vinculativos.

3.7.

Para promover um ambiente favorável às PME, importa dar uma atenção especial à questão das alterações demográficas, que reduzem significativamente a disponibilidade de trabalhadores qualificados e, por conseguinte, a produtividade das PME. O ensino e a formação profissionais, assim como a aprendizagem e o desenvolvimento de competências devem ser uma prioridade, nomeadamente em matéria de competências verdes e digitais.

4.   Legislar melhor

4.1.

O objetivo que visa legislar melhor exige um bom equilíbrio entre as abordagens económica, sustentável e social. O CESE insta a Comissão a apoiar-se mais nos parceiros sociais, nas associações profissionais e nas câmaras setoriais a nível europeu, nacional, regional e local quando da avaliação de impacto de um ato legislativo.

4.2.

Cada medida em matéria de transparência tem um custo. O CESE recorda à Comissão a necessidade de aplicar a Lei das Pequenas Empresas e o princípio «pensar primeiro em pequena escala», em conformidade com os compromissos que assumiu. Na sequência da Comunicação — Legislar melhor, o CESE solicita que se limitem os novos encargos administrativos diretos e indiretos ao estritamente necessário.

4.3.

O CESE insta a Comissão a consultá-lo aquando da elaboração das consultas, a fim de tomar em consideração as especificidades das PME de forma mais direcionada através de perguntas objetivas e adaptadas a todos os tipos de empresas. Insiste na necessidade de privilegiar as consultas curtas em todas as línguas da UE a fim de facilitar os contributos.

4.4.

O CESE exorta a Comissão a reforçar a rede de representantes para as PME e a respetiva coordenação a nível nacional e nos seus intercâmbios com a Comissão.

4.5.

O CESE toma nota do princípio da comporta regulatória que a Comissão se comprometeu a aplicar. A redução dos encargos administrativos deve ser analisada em conjunto com os parceiros sociais com o objetivo de aligeirar a carga a que estão sujeitos, sem comprometer os objetivos estratégicos nem diminuir os elevados padrões económicos, sociais e ambientais da UE. Para tal, o CESE insta a Comissão a fornecer os detalhes operacionais e metodológicos que permitem identificar os encargos supérfluos. O prazo de aplicação deste princípio parece estar desfasado do programa de trabalho da Comissão, que prevê a publicação de vários textos essenciais nos próximos meses. O CESE insta a Comissão a identificar rapidamente os encargos administrativos que podem ser suprimidos. Além disso, convida a Comissão a monitorizar, na sequência de cada supressão de encargos, a respetiva redução nas legislações nacionais, a fim de garantir a eficácia do princípio e a igualdade de tratamento.

4.6.

O CESE apela para que todas as novas propostas sejam objeto de uma verdadeira avaliação de impacto, sobretudo se implicarem medidas diretas ou indiretas em matéria de transparência e de comunicação de informações. Importa que todas as instituições apliquem o teste das PME, que deve incluir uma análise económica e jurídica e divulgar as suas fontes. Cabe realizar esse teste por ocasião de cada revisão do texto, assim como na fase da proposta e no decurso das negociações. O CESE recomenda que os parceiros sociais, nomeadamente as organizações patronais, sejam consultados em cada avaliação de impacto a fim de contribuírem para a análise das disposições relativas às micro, pequenas e médias empresas. A Comissão deve ter devidamente em conta os resultados das avaliações de impacto na identificação da opção política privilegiada. Em consonância com as propostas apresentadas na Comunicação «Legislar melhor», o CESE solicita aos membros do Parlamento e ao Conselho que documentem o impacto das suas alterações nas micro, pequenas e médias empresas.

4.7.

O relatório do Comité de Controlo da Regulamentação revela que o número de propostas que integram disposições adequadas às PME diminuiu consideravelmente (de 22 % no período de 2017 a 2019 para 15 % em 2020). Em caso de adoção de medidas em matéria de transparência, o CESE solicita às instituições que prevejam limiares para diminuir o ónus que recai sobre as micro, pequenas e médias empresas. O CESE solicita que se acelere a implementação do Portal Digital Único, previsto para 2023.

5.   Alternativas à publicação de informações

5.1.

A fim de evitar a generalização de procedimentos que podem ser considerados punitivos, o CESE incentiva a Comissão a incluir em cada proposta legislativa alternativas às obrigações de comunicação de informações aplicáveis às micro, pequenas e média empresas.

5.2.

Muitos Estados-Membros dispõem de câmaras setoriais específicas, nas quais os parceiros sociais podem debater medidas sociais e económicas, bem como a sua organização concreta. A representatividade está assegurada em numerosas organizações de PME nacionais. O CESE recomenda à Comissão que se apoie ainda mais nas associações de PME, nos parceiros sociais, nas associações profissionais e nas câmaras setoriais aos níveis europeu, nacional, regional e local. A experiência, o conhecimento especializado e a rede ativa de que dispõem permitem-lhes estar em melhor posição para apoiar e incentivar as micro, pequenas e médias empresas e desenvolver instrumentos que sirvam os objetivos sociais e ambientais. É importante dotar essas entidades dos meios financeiros e humanos necessários ao desenvolvimento de ações de apoio.

5.3.

O CESE observa que a Comissão desenvolveu alguns instrumentos que podem ser úteis para as micro, pequenas e médias empresas, mas que não chegam ao seu público-alvo. O CESE recomenda uma maior mobilização dos representantes para as PME, a fim de adaptar estes instrumentos às necessidades das micro, pequenas e médias empresas e de facilitar o conhecimento e a apropriação dos mesmos.

5.4.

O CESE propõe que se promova e faça uso de medidas nacionais e regionais, que facilitem o diálogo social a nível das microempresas, do artesanato e das profissões liberais (9) fornecendo aos trabalhadores e aos empregadores todas as informações e/ou aconselhamento sobre as disposições legais ou convenções que lhes são aplicáveis, debatendo questões específicas que dizem respeito às empresas e aos seus trabalhadores e emitindo pareceres oportunos sobre essas questões, bem como contribuindo para a prevenção de conflitos através do fornecimento de informações e da formulação de recomendações destinadas aos trabalhadores e aos empregadores.

5.5.

O CESE incentiva os Estados-Membros a apoiarem as associações profissionais nas suas iniciativas de formação, aconselhamento e apoio às micro, pequenas e médias empresas a fim de responder às exigências sociais e ambientais. Importa favorecer esse tipo de iniciativas em detrimento da adoção de disposições vinculativas.

5.6.

Tal como defende no seu Parecer de Iniciativa «Rumo a contratos públicos circulares» (10), o CESE exorta as autoridades públicas a apoiar as micro, pequenas e médias empresas na sua familiarização com os contratos públicos mais sustentáveis, nomeadamente a nível local, e a velar por que os cadernos de encargos respeitem um equilíbrio entre os critérios qualitativos e quantitativos.

5.7.

Os empresários das micro, pequenas e médias empresas devem ter acesso à aprendizagem ao longo da vida, à semelhança do que acontece para os trabalhadores, incluindo quando são criadas ou adquiridas novas empresas. Para criar uma «incubadora» de empresários (que criem novas empresas ou retomem atividades existentes) capazes de responder aos desafios sociais, ambientais e económicos, o CESE considera fundamental promover ciclos de formação adaptados às novas competências e incentivar a participação nestas ações.

5.8.

O CESE propõe que se conceda ajuda financeira às micro, pequenas e médias empresas para apoiar as medidas de incentivo à respetiva redução do balanço de carbono, sem que isso se traduza num obstáculo ao desenvolvimento das empresas ou num encargo suplementar.

5.9.

O CESE recomenda que se incentivem as iniciativas de certificação das empresas numa base voluntária, gratuita e com a intervenção de um terceiro, para efeitos de credibilização (11), assegurando simultaneamente que esses sistemas não constituem um obstáculo ao acesso ao mercado e evitando a sua multiplicação para não suscitar confusão nos consumidores.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO L 119 de 4.5.2016, p. 1).

(2)  Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva (UE) 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e que altera as Diretivas 2009/138/CE e 2013/36/UE (JO L 156 de 19.6.2018, p. 43).

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de dezembro de 2020, sobre uma nova estratégia para as PME europeias [2020/2131(INI)].

(4)  Proposta de diretiva relativa à comunicação de informações sobre a sustentabilidade das empresas [2021/0104(COD)].

(5)  Proposta de diretiva que reforça a aplicação do princípio da igualdade de remuneração por trabalho igual ou de valor igual entre homens e mulheres mediante a transparência salarial e mecanismos de fiscalização do cumprimento [2021/0050(COD)].

(6)  Um exemplo de empresa artesanal que implementou medidas de economia circular sem obrigação de transparência nos Países Baixos: https://www.deb.nl/ondernemersverhalen/slagerij-van-koppen-dacht-na-over-duurzaamheid/

(7)  Les entreprises de proximité au féminin (mars 2019) [As empresas de proximidade no feminino (março de 2019)]:

https://u2p-france.fr/sites/default/files/etude_les_entreprises_de_proximite_au_feminin.pdf

(8)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 15, e JO C 81 de 2.3.2018, p. 1.

(9)  Commissions paritaires régionales interprofessionnelles de l’artisanat (CPRIA: https://cpria.proximeo-france.fr/) [Comissões paritárias regionais interprofissionais do artesanato] e commissions paritaires régionales pour les professions libérales (CPR-PL) [comissões paritárias regionais para as profissões liberais].

(10)  https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2021:341:SOM:EN:HTML

(11)  Exemplo de Répar’acteurs: https://www.artisanat.fr/reparacteurs#:~:text=Le%20label%20%C2%AB%20R%C3%A9par’acteurs%20%C2%BB,de%20la%20r%C3%A9duction%20des%20d%C3%A9chets


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/6


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre publicidade para um consumo moderno e responsável

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/02)

Relator:

Thierry LIBAERT

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

132/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) frisa a necessidade de a União Europeia (UE) apoiar a sua indústria publicitária, que foi duramente atingida pela crise da COVID-19. Face à transição digital e à concorrência das GAFA (Google, Amazon, Facebook, Apple), a alavanca que a publicidade representa para as atividades económicas e para o emprego é agora mais importante do que nunca.

1.2.

Os imperativos de um maior respeito pelos consumidores e os desafios da transição ecológica e da luta contra as alterações climáticas exigem uma reflexão abrangente para que o setor publicitário integre, designadamente, os objetivos do Acordo de Paris.

1.3.

O CESE solicita ao setor publicitário que se empenhe na redução da sua pegada de carbono, a fim de, em consonância com os objetivos da UE, alcançar a neutralidade carbónica nas suas atividades até 2050 e reduzir em 55 % as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, como contributo para a ação coletiva rumo à neutralidade carbónica até 2050.

1.4.

O CESE insta todos os intervenientes do setor publicitário, em função do seu ramo de atividade, a empenharem-se na redução do seu impacto ambiental. Esse objetivo pode ser alcançado através da redução do consumo energético dos ecrãs de publicidade digitais e do aumento da sua reciclabilidade, da utilização preferencial de papel produzido a partir de madeira proveniente de florestas geridas de forma sustentável (rótulo PEFC e PFC) e de tintas em conformidade com as normas REACH e GreenGuard no caso dos cartazes de papel e dos folhetos publicitários, bem como reduzindo os impactos técnicos, energéticos e logísticos no domínio das produções audiovisuais.

1.5.

O CESE recomenda que os intervenientes do setor publicitário aumentem o seu contributo pro bono para apoiar as iniciativas ambientalmente responsáveis de intervenientes que não dispõem de recursos financeiros suficientes (PME, empresas em fase de arranque, cooperativas, etc.).

1.6.

O CESE exorta os intervenientes do setor publicitário a ministrar mais formação aos seus membros no que respeita aos desafios da transição ecológica. Esta sensibilização deve ser realizada também no âmbito dos cursos de formação universitária nos ramos ligados à comunicação.

1.7.

O CESE recomenda que o setor publicitário inicie uma reflexão sobre o imaginário publicitário e as representações associadas. Tal contribuirá para assegurar que a publicidade deixe de ser um obstáculo para se tornar uma verdadeira alavanca da transição ecológica, permitindo promover, com base em dados factuais e rigorosos, os produtos que contribuem para a redução dos impactos ambientais.

1.8.

O CESE apela para o prosseguimento dos esforços no sentido de reforçar a regulamentação da publicidade a nível europeu com vista a combater o branqueamento ecológico (greenwashing) e as alegações ambientais enganosas, com o objetivo de alcançar a harmonização entre os Estados-Membros da UE.

1.9.

O CESE espera que, a par dos aspetos ligados à transição ecológica, seja prestada especial atenção à publicidade dirigida aos mais jovens, em particular nas redes sociais.

1.10.

O CESE considera que não pode existir uma publicidade plenamente responsável se os intervenientes do setor publicitário na Europa não assumirem a sua responsabilidade em matéria de desinformação. A Comissão deve intensificar os seus esforços para combater a monetização da desinformação (1).

1.11.

O CESE solicita que o setor publicitário se abra mais à sociedade civil e crie, com maior frequência, oportunidades de debate com os diversos públicos, de modo a evoluir em consonância com as novas expectativas da sociedade.

2.   Definições

2.1.

No presente parecer adota-se a definição de publicidade apresentada pela UE, que a designava como «qualquer forma de comunicação feita no âmbito duma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal tendo por fim promover o fornecimento de bens ou de serviços». Contudo, esta definição não inclui a publicidade destinada a alcançar um objetivo de natureza institucional (melhoria da reputação da empresa) nem a publicidade proveniente de intervenientes do setor público ou da esfera associativa.

2.2.

A publicidade responsável encontra eco na responsabilidade da publicidade perante os grandes desafios societais e ambientais, nomeadamente a necessidade de combater as alterações climáticas.

3.   A publicidade como vetor da atividade económica e do emprego na Europa

3.1.

A publicidade está estreitamente ligada ao crescimento e ao emprego. O crescimento é maior nos casos em que os investimentos publicitários são elevados, e menor quando são mais baixos (2). Na Europa, de acordo com um estudo de 2017 da Federação Mundial dos Anunciantes que cobre o ano de 2016, os 92 mil milhões de euros em despesas de publicidade em sentido restrito terão gerado 643 mil milhões de euros em riqueza suplementar (3).

3.2.

De acordo com os diversos estudos, um investimento de 1 euro em publicidade tem um efeito multiplicador e de arrastamento de 5 a 7 pontos adicionais de crescimento. No caso da Bélgica, o coeficiente multiplicador seria de 5 (2,2 mil milhões de euros em despesas de publicidade trouxeram 13 mil milhões de euros à economia belga) (4).

3.3.

A publicidade acelera a divulgação de novos produtos e serviços e, por vezes, da inovação, o que se reflete na vida útil dos equipamentos de alguns produtos, como os artigos informáticos ou de telecomunicações. A divulgação acelerada de novos produtos levanta questões sobre os seus impactos ambientais.

3.4.

A publicidade dinamiza a concorrência. Sem publicidade, utilizaríamos todos a mesma instituição bancária, que estabeleceria as taxas ao seu critério. De facto, os bancos oferecem serviços bancários muito semelhantes entre si, o que os distingue é a publicidade. Esta observação aplica-se a muitos setores de atividade (a energia, a distribuição, etc.).

3.5.

A publicidade sustenta inúmeros setores, a começar pelos meios de comunicação social. Em muitos Estados-Membros da UE, financia em grande medida a imprensa, a rádio ou a televisão. Tal constitui, aliás, tanto um recurso como uma dependência, por vezes suscetível de influenciar o conteúdo das produções e suscitar questões de independência editorial.

3.6.

A publicidade representa um volume de negócios de 140 mil milhões de euros (2018) na Europa e engloba 280 000 empresas, muitas vezes pequenas e médias empresas, que trabalham parcial ou totalmente para a comunicação empresarial e empregam 998 000 pessoas (5).

3.7.

A publicidade gera um efeito indireto em muitas profissões ligadas à sua atividade, por exemplo, nos ramos da produção audiovisual, da criação artística ou da fotografia. O estudo belga mostrou que 87 000 pessoas tinham empregos financiados por receitas de publicidade ou estavam envolvidas na produção de publicidade através de cadeias de abastecimento.

3.8.

Além disso, se incluirmos todas as despesas de comunicação das empresas, verificamos que todos os anos, na UE, são significativos os montantes adicionais pagos para apoiar, a título de patrocínio, atividades recreativas, desportivas ou culturais.

4.   Um impacto que vai além dos aspetos económicos e sociais

4.1.

O efeito na imprensa consiste, reconhecidamente, em permitir um maior acesso aos meios de comunicação social. Sem publicidade, o preço dos jornais aumentaria drasticamente e, para muitas publicações, uma redução na publicidade ditaria o seu desaparecimento.

4.2.

É também a publicidade que disponibiliza publicações gratuitas, permitindo que milhões de pessoas leiam as notícias todos os dias.

4.3.

É de sublinhar o aspeto artístico e criativo. Importa referir que um grande número de cineastas, fotógrafos e artistas gráficos iniciou a sua carreira na publicidade.

4.4.

A incorporação da publicidade em certas paisagens urbanas transformou-as em pontos turísticos, como Times Square em Nova Iorque ou Piccadilly Circus em Londres. A própria animação publicitária deixa a sua marca nas cidades e dá vida a determinados locais. Esta presença da publicidade no espaço público pode, evidentemente, ser fortemente contestada.

4.5.

A publicidade contribui para apresentar um discurso positivo sobre o mundo, a felicidade, o prazer ou a beleza. No contexto atual de crises permanentes, os discursos publicitários ajudam a difundir mensagens otimistas e estimulantes. É também a publicidade que nos dá conselhos de vida: «Não imite, inove» (Hugo Boss), «Cuida de ti» (Garnier), «Nada é impossível» (Adidas). De modo geral, a publicidade transmite assim uma visão positiva do mundo que pode constituir uma alavanca importante para a transição ecológica.

5.   O modelo de publicidade e o seu impacto na sociedade e no ambiente

5.1.

A publicidade tem consequências diretas em termos de gases com efeito de estufa. Tem impacto na utilização de papel, bem como no consumo de diversos recursos (nomeadamente através dos novos ecrãs LCD) e de energia através da Internet ou dos meios audiovisuais. O impacto em termos de emissões de gases com efeito de estufa ou, num sentido mais lato, ambiental (por exemplo, a reciclabilidade do suporte), na prática, nunca é utilizado como um dos critérios de seleção para definir os termos de uma campanha publicitária.

5.2.

A publicidade ao ar livre também tem um impacto ambiental específico, nomeadamente no caso dos painéis luminosos e digitais, cujo consumo energético e impacto em termos de poluição luminosa não são negligenciáveis. No que toca ao fabrico de um ecrã publicitário digital, estima-se que sejam necessárias oito toneladas de materiais para a produção de um painel normal de 200 kg (6).

5.3.

Ao visar o consumo crescente daquilo que promove, a publicidade incentiva um consumo excessivo que não corresponde necessariamente às necessidades. Existem muitos exemplos de produtos e dispositivos cuja verdadeira utilidade é, em última análise, muito limitada e, por vezes, desproporcional ao seu impacto ambiental. Alguns desses artigos são descartados após a primeira utilização. A publicidade molda as necessidades e as expectativas das pessoas com base nos interesses dos distribuidores, e não necessariamente nos interesses coletivos.

5.4.

Devido à sua forte presença nas grandes metrópoles, a publicidade também pode contribuir para padronizar o espaço urbano das grandes cidades europeias. Através de campanhas publicitárias idênticas, as paisagens urbanas tornam-se homogéneas e perdem qualidade. O facto de a maioria dos anúncios provir de um punhado de anunciantes explica este fenómeno.

5.5.

Os valores que são transmitidos nas imagens difundidas estão muitas vezes distantes dos valores da partilha, da solidariedade e da moderação. A publicidade transmite uma imagem de felicidade por via da aquisição. O imaginário publicitário lembra-nos que tudo pode ser comprado. Para ser feliz, há que possuir e consumir em maior quantidade. No entanto, de acordo com os estudos de opinião, não existe uma ligação estatística forte entre o consumo e a perceção de felicidade, que depende maioritariamente das crenças em determinados valores e da importância do tecido familiar e da rede social física. A publicidade também pode ser uma fonte de constante insatisfação para os consumidores, incitando-os a consumir cada vez mais, e de frustração para todas as pessoas, em particular as mais desfavorecidas, que não dispõem de meios para adquirir os produtos e serviços anunciados.

5.6.

As empresas europeias, sem terem consciência disso, gastam mais de 400 milhões de euros em sítios Web de desinformação (7). Reconhece-se que as principais fontes de desinformação têm objetivos financeiros, nomeadamente através da referenciação de produtos, que permite recuperar montantes elevados provenientes da publicidade em linha.

5.7.

O CESE constatou que um número crescente de anúncios nas redes sociais não é apresentado como publicidade, mas encontra-se dissimulado nas intervenções de influenciadores mais ou menos conhecidos. Estima-se que mais de um quarto (26,6 %) dos anúncios nas redes sociais não mencionem a marca nem a intenção comercial (8). Tal gera uma confusão que diminui a confiança nas marcas, o que o Regulamento Serviços Digitais pode ajudar a combater impondo a obrigação de comunicar o nome da organização por conta da qual o anúncio é difundido (9).

6.   Acelerar a evolução da publicidade para tornar o seu modelo mais compatível com os desafios colocados pela transição ecológica

6.1.

Tendo em conta que a proteção do clima é cada vez mais um imperativo, dificilmente se compreende por que motivo a atividade publicitária não se comprometeu formalmente a respeitar o Acordo de Paris. Mais recentemente, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para alcançar uma redução de 55 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, e a Comissão apresentou, em 14 de julho de 2021, um pacote de doze medidas, o chamado «pacote Objetivo 55», para o mesmo fim. Tal como todos os setores profissionais devem contribuir para o esforço coletivo, também a atividade publicitária deverá integrar esse objetivo prioritário no espaço de uma década.

6.2.

A maior parte dos anunciantes compreendeu perfeitamente os desafios das alterações climáticas e a necessidade de ter em conta as grandes expectativas da sociedade. Após vários anos a mobilizarem-se para combater as alegações ambientais enganosas e o branqueamento ecológico, é agora necessário que intensifiquem os seus esforços.

6.3.

Esta dinâmica é impulsionada pela Comissão. Em 2012, a DG Justiça e Consumidores criou um grupo de trabalho, intitulado «grupo multilateral sobre alegações ambientais», que publicou vários relatórios em 2013 e, posteriormente, em 2016. Estes documentos permitiram aprofundar a compreensão do problema das alegações ambientais enganosas e influenciaram a aplicação da Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais. A Comissão está a trabalhar na atualização dessas orientações, que deverão ser publicadas até ao final de 2021. O texto final deve clarificar melhor a aplicação da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (10) no que diz respeito às alegações ambientais enganosas. Em 2020, as autoridades nacionais de defesa do consumidor efetuaram uma verificação, coordenada pela Comissão, de sítios Web de empresas que alegavam vender produtos respeitadores do ambiente. De acordo com a conclusão deste trabalho, em 42 % dos casos as alegações eram exageradas, falsas ou enganosas e poderiam ser consideradas práticas comerciais desleais ao abrigo das regras da UE (11).

6.4.

Mais recentemente, no novo Plano de Ação para a Economia Circular, apresentado em 11 de março de 2020, a Comissão inclui, pela primeira vez, uma vertente relativa à responsabilidade do setor da publicidade. No ponto 2.2. do plano de ação, a Comissão indica que pretende reforçar a proteção do consumidor contra o branqueamento ecológico. Nesse sentido, prevê que as empresas justifiquem as suas alegações ambientais em relação a um produto ou organização aplicando métodos de pegada ambiental. No ponto 3.2. expressa a sua intenção de criar incentivos para aumentar a taxa de ocupação dos veículos (o que pode incluir anúncios que mostrem menos motoristas sozinhos nos seus veículos).

6.5.

O Parlamento Europeu adotou, em novembro de 2020, um relatório de iniciativa sobre o tema «Em direção a um mercado único mais sustentável para as empresas e os consumidores» (12), elaborado pela Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores (IMCO), no qual «frisa a importância de uma publicidade responsável que respeite as normas públicas em matéria de ambiente e saúde dos consumidores».

6.6.

O CESE tem tido um papel particularmente ativo, em especial no que diz respeito à proibição de alegações ambientais enganosas, nomeadamente através do seu Parecer «Alegações ambientais, sociais e de saúde no mercado interno» (13). Além disso, adotou o Parecer «Rumo a uma estratégia da UE para o consumo sustentável» (14), no qual sublinha a importância de melhorar o enquadramento da publicidade com vista a um consumo mais sustentável. Mais recentemente, no seu Parecer «Nova Agenda do Consumidor» (15), o CESE reiterou a necessidade de reforçar a informação dos consumidores e de combater o branqueamento ecológico.

7.   Para uma publicidade europeia ao serviço de um consumo mais sustentável e responsável

7.1.

O CESE defende uma abordagem incitativa que apele à responsabilidade dos próprios anunciantes. Esta abordagem é motivada pelos progressos alcançados tanto pela profissão, nomeadamente no que diz respeito ao combate às alegações ambientais enganosas, como pela regulamentação. Deve-se igualmente à necessidade de apoiar um setor que gera crescimento e emprego num período particularmente difícil. O CESE considera que qualquer entrave aos modelos publicitários europeus corre o risco de beneficiar os dispositivos de publicidade digital, que são principalmente propriedade das GAFA, e se encontram ainda, em grande medida, fora do âmbito de aplicação dos sistemas fiscais europeus. No futuro, este modelo será, ele próprio, obrigado a mudar devido à evolução das regras aplicáveis aos testemunhos de conexão (cookies). No entanto, o CESE reconhece que, para certos tipos de produtos de grande impacto, como os combustíveis fósseis, poderão ser previstas formas de regulamentação mais rigorosas.

7.2.

No contexto da atual crise económica, o CESE defende a atribuição célere de um apoio financeiro excecional aos intervenientes do setor publicitário de menor dimensão e mais frágeis, nomeadamente às PME, o que lhes permitirá sobreviver à atual situação, solicitando como contrapartida que se empenhem em introduzir alterações estruturais no que se refere aos pontos acima descritos.

7.3.

Qualquer ramo do setor publicitário na Europa, bem como as agências de publicidade que operam na UE, devem integrar os objetivos do Acordo de Paris de 2015 na sua política de redução das emissões de gases com efeito de estufa e, em particular, os objetivos recentes da UE de redução de 55 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2030.

7.4.

Todos os intervenientes económicos do setor publicitário devem reconhecer os objetivos que se prendem com a transição ecológica e integrá-los no funcionamento das suas estruturas, propondo avaliações do seu balanço dos gases com efeito de estufa, trajetórias de redução e planos de ação adaptados a esses objetivos. Esta transição na atividade publicitária deve ocorrer de forma flexível, nomeadamente para encorajar e apoiar as agências de média dimensão.

7.5.

Os intervenientes do setor publicitário devem empenhar-se em avaliar o impacto carbónico das produções publicitárias, a fim de melhorar as práticas, propor alternativas de produção mais ecológicas e examinar as possibilidades de relocalização na Europa.

7.6.

Os intervenientes do setor publicitário devem reforçar o seu contributo pro bono para as organizações mais ativas em matéria de transição climática e inclusão social. De forma mais ampla, a evolução da governação no que diz respeito à regulamentação da publicidade deve ser projetada de forma a associar em maior medida a sociedade civil, potencialmente através de formas de governação a reinventar.

7.7.

Os intervenientes do setor publicitário devem organizar formações sistemáticas sobre os desafios da transição ecológica e as práticas publicitárias mais responsáveis, ministrando formações a nível interno aos seus colaboradores, e contribuindo para a formação dos estudantes de marketing e comunicação.

7.8.

O setor publicitário deve empenhar-se em continuar a reforçar os mecanismos de regulação profissional da publicidade, alargando as prerrogativas de controlo das entidades reguladoras na Europa e propondo uma maior integração efetiva da sociedade civil (ONG ambientais, associações de consumidores, organizações sindicais, etc.) na sua governação.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Comissão Europeia: Orientações para reforçar o Código de Conduta sobre Desinformação. 26 de maio de 2021. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_21_2585

(2)  Maximilien Nayaradou, «L’impact de la régulation de la publicité sur la croissance économique» [O impacto da regulamentação em matéria de publicidade no crescimento económico], versão sintetizada em Publicité et croissance économique, Union des annonceurs, 2006. Tese defendida na Universidade Paris-Dauphine em 2004.

(3)  Federação Mundial dos Anunciantes. The value of advertising [O valor da publicidade], Deloitte, 2017.

(4)  União Belga dos Anunciantes, L’impact de la publicité sur la croissance économique en Belgique [O impacto da publicidade no crescimento económico na Bélgica], 3 de dezembro de 2015.

(5)  Fonte: Eurostat. Advertising and Market Research Statistics [Estatísticas de publicidade e estudos de mercado].

(6)  ADEME, Modélisation et évaluation environnementale des panneaux publicitaires numériques [Modelização e avaliação ambiental dos painéis publicitários digitais], setembro de 2020.

(7)  Claudia Cohen, «Des marques financent, malgré elles, la désinformation» [Marcas financiam a desinformação sem o saberem], Le Figaro, 5 de agosto de 2021.

(8)  Observatório da influência responsável. ARPP. 13 de setembro de 2021.

(9)  JO C 286 de 16.7.2021, p.70.

(10)  Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149 de 11.6.2005, p. 22).

(11)  Bulletin Quotidien Europe n.o 12646, Agence Europe, 24 de janeiro de 2021.

(12)  https://oeil.secure.europarl.europa.eu/oeil/popups/ficheprocedure.do?reference=2020/2021(INI)&l=en

(13)  JO C 383 de 17.11.2015, p. 8.

(14)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 51.

(15)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 45.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/11


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/03)

Relatora:

Dominika BIEGON

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

5.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

168/3/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As regras orçamentais europeias devem ser revistas: as lacunas tornaram-se evidentes logo após a crise financeira de 2008-2009 e a pandemia de COVID-19 veio criar desafios ainda maiores para o atual quadro orçamental. Em pareceres anteriores, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratulou-se com a análise da governação económica efetuada pela Comissão Europeia. No presente parecer, o CESE reitera a sua posição quanto à necessidade de reformas e exorta a Comissão a prosseguir rapidamente a revisão do quadro de governação económica da UE, por ora suspensa. Antes da entrada em vigor do quadro revisto, a Comissão deve apresentar orientações para um período de transição, durante o qual o procedimento relativo aos défices excessivos não deve ser desencadeado, prevendo a possibilidade de utilizar a cláusula relativa a acontecimentos imprevistos consoante a situação em cada país.

1.2.

Qualquer futuro quadro orçamental deve: a) reforçar o investimento público; b) permitir maior margem de manobra cíclica; e c) permitir maior flexibilidade e diferenciação consoante o país no tocante às trajetórias de ajustamento da dívida, assegurando simultaneamente a sustentabilidade orçamental. A revisão do quadro orçamental da UE não só é necessária para efeitos de estabilização da economia a curto e médio prazo, como também é de importância vital para financiar a transformação socioecológica da nossa economia, assegurando o pleno emprego, postos de trabalho de elevada qualidade e transições justas.

1.3.

Mais especificamente, a principal proposta do CESE para a revisão do quadro orçamental visa a introdução de uma regra de ouro para o investimento público, que o CESE já tinha proposto em relatórios anteriores, a par de uma regra de despesa. Além disso, o CESE acolhe favoravelmente a proposta do Conselho Orçamental Europeu relativa à diferenciação consoante o país no tocante às trajetórias de ajustamento orçamental.

1.4.

Por último, o CESE salienta que a política orçamental é um domínio clássico da política parlamentar, e as decisões adotadas no seu âmbito afetam toda a estrutura da despesa e da receita do Estado. Por conseguinte, tanto os parlamentos nacionais como o Parlamento Europeu devem ter um papel de relevo no futuro quadro de governação económica da UE.

1.5.

De igual modo, é necessário envolver mais a sociedade civil no Semestre Europeu, tanto a nível nacional como da UE. Tal permitirá estabelecer uma política económica equilibrada, que concilie todos os interesses, em particular no caso da governação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, no âmbito do qual a participação da sociedade civil não tem sido satisfatória (1). O princípio da parceria, que há muito é uma tradição na governação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, deve servir de modelo para um mecanismo eficaz de participação da sociedade civil.

2.   Contexto: novos desafios na sequência da pandemia de COVID-19

2.1.

As regras orçamentais europeias devem ser revistas. Antes da crise, a avaliação (de 2019) do quadro orçamental da UE efetuada pelo Conselho Orçamental Europeu (2) identificou, acertadamente, dois problemas principais: primeiro, as regras orçamentais tendem a ser procíclicas — na sequência da crise financeira de 2008-2009, a consolidação orçamental fez-se demasiado cedo devido a preocupações exageradas em matéria de sustentabilidade, conduzindo a economia europeia a uma recessão dupla. Em segundo lugar, o investimento público na UE tem sido o primeiro alvo de cortes na despesa. Comparando a taxa média de investimento público no período 2015-2019 e no período anterior à crise (2005-2009), esta diminuiu em 20 dos 27 Estados-Membros, em alguns deles até 50 %, de tal forma que o valor do capital público na economia, marcado por um investimento público líquido negativo, se deteriorou entre 2013 e 2017 na área do euro.

2.2.

A pandemia de COVID-19 cria desafios ainda maiores para o quadro orçamental da UE: a recessão económica, juntamente com as medidas de políticas para atenuar o impacto social e económico da pandemia, conduziram a aumentos maciços do défice orçamental e dos níveis da dívida em relação ao PIB em muitos Estados-Membros (3). Segundo as estimativas do Conselho Orçamental Europeu (de 2020) (4), se as regras orçamentais da UE fossem ativadas sem alterações após o levantamento da cláusula de derrogação de âmbito geral, a trajetória esperada de redução do rácio da dívida sobrecarregaria alguns Estados-Membros, com consequências económicas, sociais e políticas negativas consideráveis, o que colocaria em perigo a retoma económica na UE.

2.3.

A reforma das regras orçamentais da UE não só é necessária para efeitos de estabilização da economia a curto e médio prazo, como também é de importância vital para financiar a transformação socioecológica da nossa economia, assegurando o pleno emprego, postos de trabalho de elevada qualidade e transições justas. A fim de alcançar os objetivos climáticos da UE, é necessária uma profunda modernização do capital da economia. Uma economia sustentável necessita de uma expansão maciça do investimento público. Caso contrário, as economias europeias enfrentarão riscos orçamentais relacionados com o clima (5). Em paralelo, é necessário assegurar a sustentabilidade orçamental. Em pareceres anteriores, o CESE salientou a necessidade de introduzir uma regra de ouro para o investimento público no quadro orçamental da UE (6). Tais exigências permanecem válidas: para cumprir os objetivos climáticos e ambientais europeus para 2030, a Comissão Europeia calculou recentemente que o défice global de financiamento é de cerca de 470 mil milhões de euros por ano até 2030 (7). Como acertadamente sublinhou, mobilizar financiamento à escala necessária será um desafio político significativo, e o investimento público desempenhará, sem dúvida, um papel fundamental, em particular também para estimular o investimento privado. A reforma do quadro orçamental da UE deve ter em conta estas considerações.

2.4.

O CESE salienta que os Estados-Membros têm de enfrentar o desafio de reduzir os rácios da dívida em relação ao PIB logo que a retoma económica esteja consolidada, a fim de manter uma margem de manobra orçamental suficiente para lutar contra a próxima crise económica. A regra de despesa proposta no presente parecer (ver pontos 3.3.2. e 3.3.3.) asseguraria efetivamente a consolidação das finanças públicas dos Estados-Membros em períodos favoráveis.

2.5.

O CESE sublinha que uma revisão do quadro orçamental da UE deve ter em conta o atual contexto macroeconómico. Tanto o FMI (8) como a Comissão Europeia (9) indicam que os rácios da dívida em relação ao PIB devem estabilizar a curto e médio prazo graças às baixas taxas de juro e ao aumento das taxas de crescimento. A sustentabilidade da dívida soberana depende da taxa de crescimento (real) do PIB, do saldo primário anual e das taxas de juro (reais) da dívida soberana por liquidar. O CESE insta a Comissão Europeia a ter estes fatores em consideração ao avaliar a sustentabilidade da dívida dos Estados-Membros.

2.6.

Além disso, o CESE salienta que a sustentabilidade das finanças públicas depende, em grande medida, de receitas públicas fiáveis e de uma tributação justa, incluindo, por exemplo, a luta contra a fraude fiscal e o planeamento fiscal agressivo. Ademais, os novos recursos próprios anunciados deverão contribuir para melhorar a tributação justa, bem como a justiça social e climática. A transparência da receita e da despesa, a contratação pública aberta e a participação constante da sociedade civil na supervisão da gestão das finanças públicas são igualmente necessárias para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas.

2.7.

Em pareceres anteriores, o CESE congratulou-se com a análise da governação económica efetuada pela Comissão Europeia e salientou a necessidade de uma revisão (10). O CESE também propôs que se debatesse a reforma da governação económica da UE no âmbito da Conferência sobre o Futuro da Europa. A adaptação das disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) em matéria de governação económica à atual realidade económica da UE não deve ser tabu. O CESE reitera este apelo, em particular face à crise da COVID-19. A fim de evitar o regresso às regras orçamentais vigentes antes da pandemia e gerir a transição para uma governação económica centrada na prosperidade, o CESE apela para que se retome o processo de revisão o mais rapidamente possível (11).

3.   Observações na especialidade

3.1.   Reequilibrar a governação económica da UE

3.1.1.

A política orçamental deve fazer parte de uma estrutura de governação a vários níveis mais ampla e equilibrada. O CESE preconiza uma governação económica centrada na prosperidade, cuja prioridade seja o bem-estar social e económico das pessoas, sem que ninguém fique para trás, assegurando simultaneamente a sustentabilidade da dívida pública. Por conseguinte, o CESE apela para a adoção de uma política económica equilibrada, que destaque e atribua igual importância a uma série de objetivos estratégicos fundamentais, nomeadamente o crescimento sustentável e inclusivo, o pleno emprego, o trabalho digno e as transições justas, a distribuição equitativa do rendimento e da riqueza, a saúde pública e a qualidade de vida, a sustentabilidade ambiental, a estabilidade dos mercados financeiros, a estabilidade dos preços, as relações comerciais equilibradas, uma economia social de mercado competitiva e finanças públicas sustentáveis. Estes objetivos são coerentes com os objetivos estabelecidos no artigo 3.o do Tratado da União Europeia e com os atuais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (12).

3.1.2.

A fim de apoiar os Estados-Membros rumo a uma economia sustentável e inclusiva, não basta permitir, sob certas condições, uma maior margem de manobra orçamental. É também necessário incentivar a realização de reformas. O atual quadro de governação económica da UE assenta em três pilares: a) supervisão orçamental, b) supervisão macroeconómica e c) coordenação das políticas social e de emprego. Por conseguinte, já incide fortemente na realização de reformas. Vários estudos empíricos destacam que, apesar das reformas, a grande maioria das recomendações específicas por país anteriormente formuladas incidiu no aumento da competitividade e na consolidação dos orçamentos públicos (13). O CESE exorta as instituições da UE a promoverem um maior equilíbrio nas futuras recomendações específicas por país: os marcos de referência orçamental, bem como os objetivos climáticos da UE e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais devem servir igualmente como pontos de referência importantes para as recomendações específicas por país. Deve conferir-se especial atenção às reformas que apoiam a transição para uma economia verde e digital (como políticas ativas de emprego e regimes de aprendizagem ao longo da vida, nomeadamente programas de requalificação e apoio à reorientação profissional) e às reformas que assegurem a absorção eficaz dos fundos da UE (como o desenvolvimento de capacidades técnicas nas administrações públicas para gerir projetos de investimento, sistemas de contratação pública abertos e eficazes e reformas para eliminar outras barreiras não financeiras a uma política de investimento eficaz).

3.2.   Reforçar o investimento público

3.2.1.

O CESE salienta que o quadro orçamental da UE deve ser reformado de forma a proteger mais eficazmente o investimento público (14). O efeito multiplicador do investimento público é particularmente elevado, pelo que os cortes neste domínio têm um impacto particularmente negativo no crescimento económico e no emprego. Os cortes no investimento público, em particular, e na despesa pública, em geral, são especialmente prejudiciais em tempos de contração e recessão económicas (15). Além disso, muitos estudos também identificam o investimento público como catalisador do crescimento a longo prazo (16). O aumento do investimento público a longo prazo proporciona também uma maior segurança ao planeamento do setor privado (17).

3.2.2.

Estes factos justificam uma abordagem em que se trate, preferencialmente, o investimento público no âmbito da avaliação do cumprimento das regras orçamentais da UE pelos Estados-Membros. O CESE preconiza que se aplique uma «regra de ouro» ao investimento público (18), a fim de salvaguardar a produtividade e a base social e ecológica necessária para o bem-estar das gerações futuras, assegurando simultaneamente a sustentabilidade orçamental. De modo geral, o CESE propõe a introdução do conceito tradicional em finanças públicas da regra de ouro no quadro orçamental revisto (19). Tal significa que o investimento público líquido deve ser excluído do cálculo dos défices nominais. Se uma regra de despesa for aplicada, como solicitado pelo CESE (ver pontos 3.3.2 e 3.3.3), o investimento público líquido deve também ser excluído na perspetiva do limite máximo da despesa pública, enquanto os custos de investimento seriam distribuídos ao longo de toda a vida útil, em vez de um período de quatro anos, como é atualmente o caso. O investimento público líquido aumenta o nível de capital público e/ou social da economia, proporcionando benefícios para as gerações futuras (20), que herdam o serviço da dívida pública, mas, em troca, beneficiam do correspondente crescimento do capital público na economia.

3.2.3.

O CESE frisa que a regra de ouro conduz a um tratamento preferencial do investimento público no âmbito do quadro orçamental da UE. Não dispensa os governos da obrigação de justificar e conquistar maiorias para projetos de investimento relevantes. A transparência e o controlo parlamentar devem, em todo o caso, ser preservados, nomeadamente para assegurar unicamente o investimento público que sirva o bem comum.

3.2.4.

Numa primeira fase, o CESE recomenda uma revisão fundamental da «cláusula de investimento». O CESE propõe que a «cláusula de investimento» do Pacto de Estabilidade e Crescimento seja interpretada de forma mais flexível. Até à data, foi raramente acionada, sobretudo devido aos seus critérios de elegibilidade restritivos (21). Estes critérios de elegibilidade devem ser flexibilizados: em princípio, o investimento público deve justificar um desvio temporário das trajetórias de ajustamento, independentemente da posição do Estado-Membro no ciclo económico e mesmo que esse investimento conduza a um défice excessivo acima do valor de referência de 3 % do PIB.

3.2.5.

Atualmente, os desvios do objetivo orçamental de médio prazo ou da trajetória de ajustamento nesse sentido só são permitidos se estiverem associados às despesas nacionais em projetos cofinanciados pela UE (22). O CESE propõe uma definição mais ampla de investimento. Não obstante, a definição de investimento deve ser clara e praticável para evitar a «contabilidade criativa». As orientações da Comissão Europeia aos Estados-Membros no contexto do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e a definição de investimento no âmbito deste mecanismo constituem um bom ponto de partida (23), uma vez que abrangem não só investimentos em ativos tangíveis, mas também investimentos em matéria de saúde, proteção social, educação e formação e investimentos destinados às transições ecológica e digital.

3.2.6.

O CESE congratula-se com a taxonomia das atividades sustentáveis, que estabelece claramente o que é uma «atividade económica sustentável do ponto de vista ambiental» e, deste modo, permite definir «investimentos sustentáveis do ponto de vista ambiental» (24). Por conseguinte, o CESE recomenda a adoção da taxonomia bem desenvolvida pela UE para atividades sustentáveis, enquanto base para uma avaliação da sustentabilidade do investimento público, em combinação com uma regra de ouro. Além disso, o CESE aguarda com expectativa as propostas da Comissão sobre a orçamentação ecológica.

3.3.   Mais margem de manobra cíclica para a política orçamental

Reforma dos métodos de ajustamento cíclico ou introdução de uma regra de despesa

3.3.1.

O CESE salienta que o método de ajustamento cíclico da Comissão Europeia é opaco e constitui uma fonte de prociclicidade. O método da Comissão Europeia que determina o equilíbrio estrutural revelou-se problemático, porque o produto potencial calculado é fortemente influenciado pela situação económica em vigor. Em fases de contração económica, por exemplo, o produto potencial é rápida e acentuadamente revisto em baixa, embora tal não reflita necessariamente as condições reais (25). A revisão em baixa do produto potencial tem graves consequências para o défice estrutural calculado e para os esforços de consolidação identificados em conformidade. Tornar o cálculo do produto potencial menos sensível às flutuações cíclicas pode proporcionar aos Estados-Membros uma margem orçamental considerável para implementação de políticas económicas anticíclicas. Esta proposta de reforma poderia ser aplicada facilmente e deveria ser considerada apenas como um requisito mínimo para tornar as regras orçamentais da UE mais adequadas para fazer face a flutuações cíclicas. No entanto, o défice estrutural continuará a ser um conceito extremamente complexo e o seu cálculo é quase impossível de explicar aos cidadãos e às partes interessadas. Devido aos problemas técnicos e à opacidade do conceito, há que considerar opções alternativas.

3.3.2.

Uma alternativa de reforma seria abandonar completamente o conceito contestado de défice estrutural e, em vez disso, aplicar uma regra de despesa pública num quadro orçamental revisto (26). Ao contrário do défice ajustado ao ciclo, a despesa pública é observável em tempo real e é diretamente controlada pelo Estado. O investimento público deve ser favorecido pela separação entre o orçamento corrente e o orçamento de investimento, sujeitando apenas o primeiro a limites de crescimento nominal da despesa. Desta forma, a abordagem da regra de ouro poderia ser combinada com uma regra de despesa (27).

3.3.3.

A despesa pública nominal seria calculada deduzindo os pagamentos de juros e a despesa pública cíclica. Os limites poderiam ser determinados pela taxa de crescimento a médio prazo do produto potencial real e pela taxa de inflação de 2 % visada pelo Banco Central Europeu (BCE). Caso os fatores cíclicos reduzam a receita fiscal (recessão) ou provoquem o seu aumento (período de expansão), a regra promove a estabilidade, assegurando que a despesa pública apenas aumenta dentro dos limites estipulados. A despesa que exceda o limite estabelecido só deve ser permitida se for orçamentalmente neutra, ou seja, se for compensada por um corte da despesa no mesmo montante noutro domínio ou por um aumento das receitas fiscais. No caso de um desagravamento fiscal geral, as taxas de crescimento da despesa teriam de ter em conta esta perda de recursos. A combinação proposta de uma regra de despesa e de uma regra de ouro para o investimento público pode constituir um instrumento eficaz para limitar a despesa pública a níveis sustentáveis, permitindo ao mesmo tempo que os estabilizadores automáticos funcionem e que os governos tenham margem de manobra.

Trajetórias de ajustamento da dívida flexíveis e específicas a cada país

3.3.4.

O CESE apoia a proposta do Conselho Orçamental Europeu (2020) (28) de introduzir elementos específicos a cada país num quadro orçamental simplificado. Em particular, o CESE acolhe favoravelmente a proposta relativa à diferenciação do ajustamento orçamental nos Estados-Membros, mantendo a sustentabilidade da dívida. Uma diferenciação por país das estratégias de redução da dívida em relação ao PIB deve basear-se numa análise económica abrangente que tenha em conta fatores como o nível inicial da dívida e a sua composição, os diferenciais de crescimento das taxas de juro como questão de sustentabilidade, as perspetivas de inflação, os custos projetados do envelhecimento demográfico e dos desafios ambientais, os níveis de desemprego e pobreza, a distribuição do rendimento e da riqueza, os desequilíbrios internos e externos e, principalmente, se o ajustamento orçamental (por exemplo, o excedente orçamental primário necessário) é realista (29).

3.3.5.

O CESE recorda que os valores de referência orçamentais não estão definidos no artigo 126.o do TFUE, mas sim no Protocolo n.o 12 anexo ao Tratado. Por conseguinte, esses valores podem ser alterados por unanimidade no Conselho, não exigindo um procedimento formal de alteração do Tratado. O CESE insta as instituições da UE a ponderarem o aumento do teto da dívida de 60 %, tendo simultaneamente em conta o atual contexto macroeconómico e assegurando a sustentabilidade orçamental.

3.3.6.

Por último, vale a pena acrescentar, neste contexto, que depender apenas dos estabilizadores automáticos nacionais em períodos de recessão não está em plena sintonia com a noção de política anticíclica. Os défices orçamentais causados pela redução do produto e do emprego não compensam totalmente as perdas cíclicas e não são suficientes para contrariar totalmente uma contração cíclica. Não passam de respostas anticíclicas passivas e parciais, necessitando de ser complementadas por medidas temporárias e discricionárias ativas em resposta a ciclos de recessão económica, de modo a desencadear períodos de retoma. No passado, vários Estados-Membros decidiram continuar a diminuir os rácios da dívida em relação ao PIB, com consequências económicas negativas, quando os estímulos orçamentais teriam sido mais adequados. Num futuro quadro orçamental, contanto que as taxas de juro se mantenham favoráveis, deve ser permitida a elevação dos défices primários, mantendo os rácios da dívida em relação ao PIB constantes ou diminuindo-os e assegurando a sustentabilidade da dívida. É por este motivo que as cláusulas excecionais devem continuar a ser a pedra angular de qualquer futuro quadro orçamental da UE e devem ser adaptadas em conformidade.

Desativação da cláusula de derrogação

3.3.7.

O CESE congratula-se com o acionamento da cláusula de derrogação de âmbito geral e desaconselha um «regresso ao normal» demasiado rápido, uma vez que tal poderia ter um efeito de contração, levando os Estados-Membros a reduzir a despesa para alcançar os objetivos orçamentais de médio prazo, tal como sucedeu após 2010, causando uma recessão dupla. Tal situação seria contrária ao objetivo do Instrumento de Recuperação da União Europeia («Next GenerationEU») e poderia desencadear uma nova recessão.

3.3.8.

O CESE apoia a decisão da Comissão Europeia de continuar a aplicar a cláusula de derrogação de âmbito geral em 2022 e de a desativar em 2023, contanto que o nível de atividade económica alcance o nível anterior à crise (30). Ademais, o CESE apoia a afirmação da Comissão Europeia de que «as situações específicas de cada país continuarão a ser tidas em conta após a desativação da cláusula de derrogação de âmbito geral» (31). Por último, a Comissão deve apresentar orientações para um período de transição, até à entrada em vigor do novo quadro orçamental, durante o qual nenhum procedimento relativo aos défices excessivos deve ser ativado, prevendo a possibilidade de utilizar a cláusula relativa a acontecimentos imprevistos consoante a situação em cada país. Além disso, o CESE exorta a Comissão a prosseguir rapidamente a revisão do quadro de governação económica da UE, por ora suspensa. Em vez de um «regresso», o CESE recomenda uma «viragem» rumo a um quadro de governação económica revisto, conforme descrito adiante (32).

3.4.   O papel internacional do euro

3.4.1.

A nossa moeda comum — o euro — beneficia de uma forte reputação internacional e foi reconhecida pela sua importância a nível global como moeda de reserva e comercial. A reputação do euro enquanto moeda estável e de confiança depende de regras orçamentais claras, compreensíveis e aplicáveis que reforcem o investimento público, a fim de permitir a modernização do stock de capital da economia e criar mais margem de manobra cíclica em períodos de contração económica, assegurando ao mesmo tempo a sustentabilidade da dívida. Por conseguinte, o CESE está convicto de que uma revisão das regras orçamentais não deve, de forma alguma, comprometer a estabilidade do euro como principal moeda âncora da União. No debate sobre a revisão das regras orçamentais, deverá dar-se particular ênfase à perceção dos mercados financeiros quanto às perspetivas a longo prazo do euro como moeda de importância mundial. De modo geral, a reputação do euro depende da estabilidade económica, social e política.

3.5.   Reforçar o papel dos parlamentos e da sociedade civil na governação económica da UE

3.5.1.

O CESE salienta que a política orçamental é um domínio clássico da política parlamentar, e que as decisões neste domínio afetam toda a estrutura da despesa e da receita do Estado. Por conseguinte, tanto os parlamentos nacionais como o Parlamento Europeu devem ter um papel de relevo no futuro quadro de governação económica da UE. O papel do Parlamento Europeu deve ser reforçado no Semestre Europeu através de um acordo interinstitucional. Ao mesmo tempo, há que respeitar o princípio da subsidiariedade e a repartição de competências nos Tratados. Os parlamentos nacionais devem escrutinar os governos pelas políticas orçamentais que estes prosseguem. Por conseguinte, devem participar efetivamente no Semestre Europeu e na execução dos planos nacionais de recuperação.

3.5.2.

De igual modo, é necessário envolver mais a sociedade civil no Semestre Europeu, tanto a nível nacional como da UE. Tal permitirá estabelecer uma política económica equilibrada, que concilie todos os interesses, em particular no caso da governação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, no âmbito do qual a participação da sociedade civil não tem sido satisfatória (33). O princípio da parceria, que há muito é uma tradição na governação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, deve servir de modelo para um mecanismo eficaz de participação da sociedade civil.

3.5.3.

Em caso de desvios significativos dos indicadores que representam os objetivos de política económica, devem seguir-se negociações entre as instituições da UE e os Estados-Membros, a fim de desenvolver soluções conjuntamente e em pé de igualdade. Em vez de ameaçar os Estados-Membros em causa com sanções financeiras, a introdução de incentivos positivos poderia atenuar o problema. A promoção de um crescimento inclusivo e sustentável deve ser o principal critério das recomendações (34).

3.5.4.

O CESE critica as chamadas «condicionalidades macroeconómicas» no Regulamento Disposições Comuns aplicável aos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, no regulamento relativo ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência e no tratado intergovernamental sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade, que, de modo geral, permitem suspender o pagamento de fundos da UE se os Estados-Membros violarem as regras orçamentais europeias ou se contribuírem para desequilíbrios macroeconómicos. Após a desativação da cláusula de derrogação de âmbito geral, estas condicionalidades macroeconómicas podem causar um efeito de contração, levando os Estados-Membros a reduzir a despesa para alcançar os objetivos orçamentais. Tal situação seria contrária ao objetivo político de coesão territorial e aos objetivos mais amplos do Instrumento de Recuperação da União Europeia.

3.5.5.

Para uma recuperação sustentável, continua a ser vital uma política monetária acomodatícia. O Parlamento Europeu poderia utilizar as suas resoluções anuais sobre o BCE e as suas audições trimestrais no «diálogo monetário» com o BCE para estabelecer objetivos secundários e desenvolver um processo mais democrático, com orientações em matéria de política macroeconómica e industrial. Tal permitiria uma maior participação dos parceiros sociais e dos cidadãos, em conjunto com os parlamentos nacionais. Desta forma, o BCE ganharia uma legitimidade renovada para um conjunto alargado de objetivos. Poderia funcionar de forma eficiente, utilizando todas as suas ferramentas para trabalhar em prol de um conjunto claro e politicamente definido de objetivos estratégicos, orientado por instituições democráticas. O BCE é uma instituição pública e pode ser chamado a ajudar os Estados-Membros a financiar-se em tempos de subida das taxas de juro, quer numa perspetiva de estabilidade dos preços, quer numa perspetiva de emprego, modificando as taxas de juro e as margens financeiras e utilizando instrumentos monetários específicos.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Resolução do CESE «Participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência — O que funciona e o que não funciona?» (2021) (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1).

(2)  Conselho Orçamental Europeu (2019): «Assessment of EU fiscal rules with a focus on the six and two-pack legislation» [Avaliação das regras orçamentais da UE, com foco no pacote de seis atos legislativos e no pacote de dois atos legislativos].

(3)  Previsões Económicas Europeias da primavera de 2021 da Comissão Europeia.

(4)  Conselho Orçamental Europeu (2020), Relatório anual de 2020.

(5)  Finance Watch (2021), «Fiscal Mythology Unmasked. Debunking eight tales about European public debt and fiscal rules» [Mitologia orçamental desvendada. Desmistificar oito ideias sobre a dívida pública e as regras orçamentais na Europa].

(6)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 32, JO C 123 de 9.4.2021, p. 12, e JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(7)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão (2020), «Identifying Europe’s recovery need» [Identificar a necessidade de recuperação da Europa], SWD(2020) 98 final.

(8)  Relatórios do FMI sobre o controlo orçamental, abril de 2021.

(9)  «Debt Sustainability Monitor» [Observatório da Sustentabilidade da Dívida], Comissão Europeia, fevereiro de 2021.

(10)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(11)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 12.

(12)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(13)  Crespy, Amandine e Vanheuverzwijn, Pierre (2019), «What Brussels means by structural reforms: empty signifier or constructive ambiguity?» [O que Bruxelas entende por reformas estruturais: conceito oco ou ambiguidade construtiva?], in Comparative European Politics, Vol. 17, n.o 1, p. 92-111; Hacker, Björn (2019): «A European Social Semester? The European Pillar of Social Rights in Practice» [Um Semestre Social Europeu? O Pilar Europeu dos Direitos Sociais na prática]. Bruxelas, ETUI.

(14)  Ver também Conselho Orçamental Europeu (2019).

(15)  Comissão Europeia (2016), «Report on Public Finances in EMU 2016» [Relatório sobre finanças públicas na UEM 2016], Institutional Paper 045; J.-M. Fournier (2016), «The positive effect of public investment on potential growth» [O efeito positivo do investimento público no crescimento potencial], Departamento de Economia da OCDE, Documento de trabalho n.o 1347.

(16)  Relatório «Fiscal Monitor» do FMI (2020), «Policies for the Recovery» [Políticas para a recuperação].

(17)  H. Bardt, S. Dullien, M. Hüther e K. Rietzler (2020), «For a sound fiscal policy. Enabling public investments» [Por uma política orçamental sólida. Viabilização do investimento público], Documento de orientação n.o 6/2020, Institut der deutschen Wirtschaft (IW), Köln (Instituto de Estudos Económicos de Colónia).

(18)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(19)  A. Truger (2020), «Reforming EU Fiscal Rules: More Leeway, Investment Orientation and Democratic Coordination» [Reforma das regras orçamentais da UE: mais margem de manobra, orientações de investimento e coordenação democrática], Intereconomics, 55(5).

(20)  Ver também P. Bom e J. Ligthart (2014), «What have we learned from three decades of research on the productivity of public capital?» [O que aprendemos com três décadas de investigação sobre a produtividade do capital público?], Journal of Economic Surveys, 28(5), p. 889-916.

(21)  J. Valero (2019), «New investment clause fails to win EU member state support» [Nova cláusula de investimento não consegue apoio dos Estados-Membros da UE], Euractiv. Ver Comissão Europeia (2015) — Otimizar o recurso à flexibilidade previsto nas atuais regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, COM(2015) 012 final.

(22)  Comissão Europeia (2015).

(23)  Comissão Europeia (2021), «Guidance to Member States. Recovery and resilience plans» [Orientações aos Estados-Membros. Planos de recuperação e resiliência], SWD(2021) 12 final, parte 2/2.

(24)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 103.

(25)  A. Truger (2015), «Austerity, cyclical adjustment and the remaining leeway for expansionary fiscal policies within the current EU fiscal framework» [Austeridade, ajustamento cíclico e a margem de manobra restante para políticas orçamentais expansionistas no atual quadro orçamental da UE], Journal for a Progressive Economy, 6, p. 32-37.

(26)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(27)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(28)  Conselho Orçamental Europeu (2020).

(29)  Conselho Orçamental Europeu (2020).

(30)  Comissão Europeia (2021), Coordenação das políticas económicas em 2021: superar a COVID-19, apoiar a recuperação e modernizar a nossa economia, COM(2021) 500 final.

(31)  Comissão Europeia (2021), Um ano após o início do surto de COVID-19: resposta em termos de política orçamental, COM(2021) 105 final.

(32)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.

(33)  Resolução do CESE «Participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência — O que funciona e o que não funciona?» (2021) (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1).

(34)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/18


Parecer do Comité Económico e Social Europeu «A indústria vidreira europeia na encruzilhada: tornar-se mais ecológica e energeticamente eficiente, aumentando simultaneamente a competitividade e mantendo empregos de qualidade»

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/04)

Relator:

Aurel Laurențiu PLOSCEANU

Correlator:

Gerald KREUZER

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

29.9.2021

Adoção em plenária

21.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

142/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A indústria vidreira europeia é um setor inovador e altamente estratégico do qual a União Europeia (UE) beneficia largamente. Os produtos de vidro são indispensáveis para a transição para uma economia circular com impacto neutro no clima: para a renovação de edifícios, a produção de mais eletricidade renovável, a descarbonização dos transportes e o fabrico de embalagens sustentáveis. O vidro contribui igualmente para a revolução da digitalização da Europa. Em suma, o vidro é o futuro.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) insta os decisores políticos da UE a colocar o setor vidreiro e todos os seus subsetores no centro das prioridades políticas atuais, como o pacote Objetivo 55, o pacote da economia circular, a Agenda Digital, a agenda relativa às cadeias de valor estratégicas e a política comercial internacional da UE e instrumentos conexos.

1.3.

A Vaga de Renovação da UE seria uma excelente fonte de oportunidades de negócio para a indústria vidreira, desencadeando investimentos, ao mesmo tempo que contribui enormemente para a redução das emissões de CO2 dos edifícios. Apelamos à UE e aos decisores políticos nacionais para que, pelo menos, mantenham os objetivos atuais propostos e, sempre que possível, os reforcem.

1.4.

É necessária uma transição energética dentro do setor, a fim de promover a neutralidade carbónica do processo de produção de vidro, que é, por natureza, um processo com utilização intensiva de energia. Esta transição energética resultará em aumentos significativos dos custos da atividade empresarial, devido ao aumento dos custos operacionais e dos requisitos de fundos próprios.

1.5.

O CESE recomenda vivamente que as políticas da UE apoiem a indústria vidreira, a fim de permitir essa transição, com apoio financeiro tanto para as despesas de investimento como de funcionamento, com o reforço da capacidade em matéria de energias renováveis e com um abastecimento energético a preços acessíveis, assegurando igualmente que a indústria não seja exposta a concorrência desleal de fora do mercado da UE.

1.6.

O CESE apoia todas as políticas da UE e planos nacionais de recuperação que facilitam a revolução dos transportes no sentido de automóveis inteligentes e com impacto neutro no clima e a expansão maciça dos sistemas de transportes públicos. O vidro de alta tecnologia desempenha um papel de relevo nesta matéria.

1.7.

O Comité recomenda vivamente que a UE classifique o vidro como um material permanente, devido às suas características inertes, reutilizáveis e infinitamente recicláveis.

1.8.

O CESE apela à substituição de materiais não lineares por vidro totalmente circular, reutilizável e reciclável, a fim de reduzir a dependência das importações de combustíveis fósseis, a extração de matérias-primas virgens e o esgotamento de recursos. O Comité entende que a UE deve reconhecer os benefícios do vidro no seu contributo para sistemas de embalagem sustentáveis.

1.9.

O CESE recomenda vivamente uma aplicação mais alargada dos princípios da economia circular, juntamente com apoio financeiro público e privado e parcerias como a iniciativa «Close the Glass Loop» (Fechar o Ciclo do Vidro), a fim de incentivar a adoção da reciclagem do vidro. Tal permitirá à Europa evitar o desperdício de vidro, reduzir o consumo de energia e as emissões de CO2 e criar novos empregos no setor da reciclagem do vidro.

1.10.

O CESE exorta a UE a reconhecer que o vidro é indispensável para a produção de energia verde. O vidro é um componente essencial não só dos painéis solares fotovoltaicos, mas também das turbinas eólicas, e pode ser utilizado de outras formas para produzir eletricidade verde. O CESE exorta a Comissão e o Parlamento a elaborar novas políticas da UE relativamente aos objetivos climáticos e às cadeias de valor estratégicas, a fim de retomar a produção de células fotovoltaicas na Europa e salvaguardar a produção de outros produtos de vidro estratégicos e as cadeias de valor a que pertencem (por exemplo, para-brisas para fabricantes de meios de transporte).

1.11.

O CESE solicita que o investimento na educação e formação seja apoiado, a fim de proporcionar as capacidades e os conhecimentos necessários aos novos trabalhadores e aos trabalhadores jovens que entram no setor para substituir a mão de obra envelhecida, bem como para permitir aos trabalhadores atuais acompanharem a inovação e as mudanças necessárias à transição na indústria.

1.12.

O CESE exorta a UE a proteger as nossas indústrias vidreiras do risco de fuga de carbono. A intensificação das ambições climáticas e o aumento do custo do carbono exigem uma proteção reforçada, e não enfraquecida, da fuga de carbono. A competitividade dos produtos de vidro nos mercados de exportação e na própria UE pode ser parcialmente assegurada por medidas eficazes contra a fuga de carbono através do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (CELE). Este sistema deve ser mantido para apoiar a indústria na transição rumo ao cumprimento do objetivo de neutralidade climática da UE. A introdução do mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço (MACF) e do pacote relativo à taxonomia deve ser cuidadosamente ponderada. O Comité solicita que o MACF inclua uma solução para as exportações e que as medidas relativas à fuga de carbono sejam reforçadas, complementando o MACF com a atribuição de licenças a título gratuito com base em parâmetros de referência, pelo menos até 2030, em conformidade com as regras da OMC.

1.13.

As transições ecológica e digital na Europa, e na indústria vidreira em particular, têm de ser justas. Para assegurar o máximo apoio a esta transição, o CESE solicita a participação dos trabalhadores. Por conseguinte, a legislação da UE deve apoiar o diálogo social a todos os níveis.

1.14.

A fim de acompanhar a evolução da indústria vidreira, em termos de redução de CO2, produção e outras variáveis pertinentes, o CESE acolheria com agrado um apoio e uma análise mais orientados para o setor como um todo e para os seus subsetores, bem como para cada Estado-Membro.

2.   Descrição geral da indústria vidreira

2.1.   Produção

A produção de vidro na UE atingiu 36,8 milhões de toneladas em 2020, segundo a Glass Alliance Europe. A UE é um dos maiores produtores de vidro do mundo. A sua produção engloba cinco subsetores:

a)

60,4 % — vidro de embalagem

b)

29,2 % — vidro plano

c)

3,2 % — vidro doméstico

d)

5,3 % — fibras (reforço e isolamento)

e)

2,1 % — vidro especial

2.2.

Emprego

Em 2018, o setor vidreiro empregava, aproximadamente, 290 mil trabalhadores na UE27 (1). Este número abrange o fabrico, a reciclagem e a transformação do vidro, nomeadamente o vidro plano, uma vez que alguns setores têm cadeias de valor complexas. O setor da transformação do vidro também inclui um número considerável de PME.

2.3.   Saúde e segurança

2.3.1.

A indústria vidreira europeia oferece postos de trabalho de qualidade para uma ampla gama de perfis: desde empregos de trabalho manual não especializado a empregos de engenharia de alto nível.

2.3.2.

Trabalhar como operário na indústria vidreira pode ser fisicamente desgastante e é ainda, por vezes, perigoso. As medidas de saúde e segurança requerem investimento e têm frequentemente um impacto positivo na produtividade. As medidas de prevenção de doenças profissionais são continuamente melhoradas, como é o caso da prevenção da silicose, no âmbito do diálogo social sobre sílica cristalina respirável da Rede europeia no domínio da sílica (NEPSI). A cultura de segurança e prevenção tem contribuído para a qualidade do emprego no setor.

2.4.   Idade, educação e formação

Contrariamente ao que acontece na Europa Central e Oriental, a mão de obra dos países da Europa Ocidental é maioritariamente mais velha (acima dos 50 anos) e muito experiente. É cada vez mais difícil atrair trabalhadores novos e mais jovens. Substituir trabalhadores mais velhos e experientes implica formar novos trabalhadores e permitir que os trabalhadores atuais acompanhem a inovação e as mudanças no setor.

2.5.   A indústria vidreira é um setor muito inovador

2.5.1.

As tendências de saúde e bem-estar estão a criar novas oportunidades e mercados para embalagens de vidro sustentáveis, saudáveis, reutilizáveis e infinitamente recicláveis em ciclo fechado. O setor vidreiro está empenhado na inovação do design e em vias mais «disruptivas» para a descarbonização do processo de produção, prenunciando uma grande transformação na produção de vidro.

2.5.2.

O vidro utilizado na construção e no setor automóvel está a tornar-se mais sofisticado, integrando folhas, gases, revestimentos, câmaras, radares e outros materiais para reforçar a segurança, as propriedades de isolamento e a transmissibilidade de dados. Algumas células fotovoltaicas podem ser integradas em fachadas de vidro ou em tejadilhos panorâmicos de automóveis para manter a eficiência e gerar eletricidade renovável.

2.5.3.

Os produtos de vidro de alta tecnologia são também utilizados nos setores aeroespacial e da defesa. Os produtos e compostos de vidro são também utilizados em naves espaciais e satélites como revestimentos, componentes eletrónicos, sensores, ecrãs, etc. Desta forma, a indústria vidreira é não só um setor de alta tecnologia e inovador, mas também um setor altamente estratégico.

2.6.   Impacto da COVID-19

Os mercados têm estado deprimidos em setores fundamentais desde o início da pandemia, o que conduziu a uma redução da produção com uma recuperação lenta em alguns setores importantes do vidro (vidro plano, vidro doméstico, fibras). Em 2020, verificou-se uma redução de 1 % a 14 %, consoante o subsetor. No que diz respeito ao setor do vidro plano, que serve principalmente as indústrias automóvel e da construção, o mercado da UE contraiu mais de 10 % em 2020. Embora a retoma na construção tenha sido mais constante do que o previsto, o mercado do vidro automóvel permanece muito deprimido até à data.

3.   O contributo do vidro para a neutralidade climática, a economia circular, o bem-estar e a Agenda Digital na UE

3.1.   Neutralidade climática

3.1.1.   Vaga de Renovação

3.1.1.1.

Os produtos de vidro estão no cerne da Vaga de Renovação da UE, que visa reduzir drasticamente o consumo de energia e as emissões de CO2 dos edifícios. Para isolar os edifícios, há que utilizar vidro com os mais elevados padrões de desempenho energético nas janelas. Tal representaria reduções maciças de CO2, uma vez que o vidro de alto desempenho poderia reduzir as emissões de CO2 dos edifícios em 37,4 % até 2050 (2). A lã de vidro, o vidro de espuma e outros derivados de fibra de vidro isolantes são igualmente essenciais para garantir um isolamento eficaz dos edifícios.

3.1.1.2.

A Vaga de Renovação da UE seria uma excelente fonte de oportunidades de negócio. A duplicação da taxa de substituição de janelas poderia resultar num crescimento do mercado de vidro plano superior a 60 % e poderia, assim, desencadear investimentos.

3.1.2.   Produção de energia verde

3.1.2.1.

O vidro é indispensável para a produção de energia verde. O vidro é um componente essencial dos painéis solares fotovoltaicos. As turbinas eólicas utilizam fibras de vidro para as tornar leves mas robustas. A eletricidade verde também pode ser produzida por um espelho de vidro especial que concentra a luz num elemento central ligado a um gerador.

3.1.2.2.

A rápida ascensão e queda da indústria europeia de produção de painéis solares, devido à concorrência desleal de empresas chinesas, pode ser um exemplo de como não se deve gerir novas oportunidades de energia verde num ambiente competitivo a nível internacional. As novas políticas da UE relativamente a objetivos climáticos e cadeias de valor estratégicas devem visar a renovação da produção de células fotovoltaicas na Europa.

3.1.3.   Transporte

3.1.3.1.

O setor vidreiro é um grande fornecedor dos produtores de material circulante. Devido à crise da COVID-19, algumas empresas de transportes públicos suspenderam ou cancelaram uma série de grandes encomendas, com várias instalações em risco de encerramento, o que poderia resultar num aumento das importações. A execução atempada de planos nacionais de recuperação poderia ser eficaz no apoio à produção europeia.

3.1.3.2.

Embora a indústria automóvel já estivesse em crise antes da COVID-19, haverá provavelmente uma procura de vidro mais avançado, leve e com grande capacidade de isolamento. Os veículos autónomos aumentarão a procura de produtos de vidro especializados mais sofisticados para funcionar como ecrãs, painéis de instrumentos e dispositivos de realidade aumentada, etc.

3.1.4.   Embalagem sustentável

O vidro fornece embalagens inertes saudáveis e sustentáveis aos setores dos alimentos e bebidas, cosmético e farmacêutico (por exemplo, as vacinas contra a COVID-19) da Europa. O setor vidreiro é líder num vasto leque de inovações em processos de conceção ecológica, descarbonização e eficiência energética para transformar a forma como o vidro é produzido. Todos os anos, nada menos que 10 % dos custos de produção são investidos em descarbonização, eficiência energética e modernização de instalações. O projeto mais recente de embalagens de vidro intitulado «Furnace for the Future» (Forno do Futuro) (3), que se candidatou ao Fundo de Inovação do CELE, permitirá reduzir as emissões em 60 %. Esta é uma das várias iniciativas desenvolvidas para apoiar o objetivo do setor de fornecer embalagens de vidro com impacto neutro no clima, que transformarão o setor e oferecerão grandes oportunidades de crescimento em embalagens de vidro com baixo teor de carbono.

3.2.   Economia circular: o vidro como um produto circular perfeito

3.2.1.

O vidro é um material inerte permanente que é reutilizável e infinitamente reciclável sem perder as suas propriedades.

3.2.2.

O vidro é uma alternativa ecológica a muitas aplicações do plástico, ocupando o primeiro lugar em termos de reciclagem eficaz, e é 100 % reutilizável, proporcionando um sistema totalmente circular. É a única embalagem que não necessita de uma camada ou revestimento de plástico e permanece sempre saudável e segura para embalagens de qualidade alimentar, independentemente do número de vezes que for reciclada, o que a torna a única embalagem a possuir essa qualidade. O vidro é um dos materiais de embalagem mais reciclados, sendo 76 % de todo o vidro atualmente colocado no mercado recolhido para reciclagem. A utilização de vidro reciclado reduz tanto o consumo de energia como as emissões de CO2. Deve continuar a haver incentivos à escala da UE para que as partes interessadas em toda a cadeia de valor, incluindo os consumidores, reciclem mais e melhor.

3.2.3.

No setor do vidro de construção, o vidro reciclado representa atualmente 26 % das matérias-primas utilizadas (4). É possível aumentar a reciclagem melhorando a recolha, a separação e a limpeza do vidro proveniente de janelas ou fachadas antigas.

3.2.4.

O fim de vida da primeira geração de células fotovoltaicas pode criar uma nova oportunidade para renovar a política industrial em matéria de energia solar e manter materiais preciosos na Europa através do aumento da reciclagem. Esta oportunidade deve ser apoiada por uma visão e uma política claras da UE.

3.3.   Bem-estar

3.3.1.

O vidro está por todo o lado. A vida moderna não seria possível sem ele. O setor vidreiro é também uma das indústrias mais antigas e tem raízes históricas profundas na Europa no vidro decorativo, nas artes e na cultura. Esta longa tradição moldou o saber-fazer europeu, as práticas e a arte do fabrico de vidro.

3.3.2.

Atualmente, o vidro torna possível a tecnologia médica, a biotecnologia e a engenharia das ciências da vida. O vidro também nos protege da irradiação X (radiologia) e gama (nuclear). O vidro utilizado na decoração de interiores e em móveis como espelhos, divisórias, balaustradas, mesas, prateleiras e iluminação de vidro melhoram os nossos espaços habitacionais e escritórios.

3.3.3.

O vidro protege a qualidade e a durabilidade dos nossos alimentos e bebidas. A louça de vidro permite uma experiência gastronómica requintada e acessórios art de vivre. As janelas de vidro permitem a entrada de luz natural nas nossas casas e escritórios. O vidro é utilizado em equipamentos elétricos e eletrónicos domésticos e de escritório, como portas de fornos, fogões, ecrãs de televisão e de computador e telemóveis inteligentes.

3.4.   Europa Digital

As unidades de produção europeias já disponibilizam o vidro mais fino, que é utilizado para ecrãs, telemóveis inteligentes, tábletes e outros ecrãs (táteis). Os fios e cabos de fibra de vidro ótica asseguram a transmissão de dados em grande escala e mesmo intercontinental, bem como microligações em dispositivos eletrónicos e chipes.

4.   A indústria vidreira como um setor energívoro

4.1.

Todos os anos, novos fornos são progressivamente reconstruídos ou adaptados com tecnologias hipocarbónicas inovadoras, que são muito mais eficientes do ponto de vista energético. A indústria continua a reduzir o consumo de energia utilizando tecnologias de recuperação de calor residual, a tecnologia do ciclo orgânico Rankine, a utilização de cascos de vidro e outras tecnologias simbióticas. Os novos sistemas e tecnologias de gestão de energia implantados nas fábricas de vidro estão a ajudar a aumentar a eficiência energética.

4.2.

A redução do consumo de energia no setor vidreiro tem-se acentuado ao longo de quase 100 anos e está agora a atingir o seu limite termodinâmico.

4.3.

Uma vez que as emissões de CO2 no setor vidreiro estão diretamente ligadas à energia utilizada, as melhorias da eficiência energética são visíveis na redução das emissões de CO2. Com efeito, essas melhorias conduziram a reduções acentuadas das emissões de CO2. Por exemplo, a indústria vidreira francesa, que é bastante diversificada e sofisticada, reduziu as suas emissões de CO2 em 70 % entre 1960 e 2010.

4.4.

A fim de acompanhar os progressos realizados pela indústria vidreira em comparação com outros setores com utilização intensiva de energia, deveria ser desenvolvido um apoio mais orientado para o setor como um todo e para os seus subsetores, bem como para cada Estado-Membro.

4.5.   Vias para a neutralidade climática e carbónica

4.5.1.

O setor vidreiro está quase a atingir o seu limite termodinâmico, o que significa que já não é possível obter reduções significativas das emissões de CO2 com as técnicas atuais e a combustão de gás natural. É necessária, portanto, uma transição energética e uma circularidade ainda maior na produção de vidro nas zonas onde existe potencial.

4.5.2.   Eletricidade verde

A eletrificação é outra via promissora para a descarbonização da produção de vidro. Está atualmente em curso um projeto de demonstração intitulado «Furnace for the Future» (Forno do Futuro). Este seria o primeiro forno elétrico híbrido de vidro de embalagem de grande capacidade no mundo. Já existem fornos elétricos de pequena capacidade a funcionar nos subsetores do vidro de embalagem e do vidro doméstico. Como no caso do hidrogénio, é necessário reforçar a capacidade da eletricidade verde.

4.5.3.   Hidrogénio verde

O hidrogénio é uma alternativa muito promissora ao gás natural. O setor vidreiro já está a explorar a opção dos fornos a hidrogénio. Serão ainda necessários vários anos até que o primeiro forno alimentado a hidrogénio esteja operacional num cenário competitivo e que haja capacidade suficiente de produção e transporte de hidrogénio.

4.5.4.   Circularidade

Ao fundir vidro com fornos a gás natural, até 80 % do CO2 são emitidos através da combustão de gás natural e 20 % são emitidos por matérias-primas virgens. A substituição das matérias-primas virgens por vidro reciclado (cacos) evita a necessidade de extrair materiais virgens, reduz o desperdício e as emissões de CO2 e poupa energia. É possível «fechar o ciclo do vidro» (5) e reciclar mais vidro pós-consumo. Várias iniciativas e modelos estão a ser testados para melhorar a recolha, tanto no subsetor da construção como no do vidro automóvel. O desmantelamento do vidro e das vidraças dos edifícios antes da demolição e um objetivo de recolha específico para cada material devem ser considerados como complemento do objetivo genérico para os resíduos de construção e demolição, que não é eficiente no que diz respeito a materiais leves, como o vidro. São necessários sistemas de recolha seletiva para garantir uma elevada qualidade, a fim de permitir a utilização de níveis elevados de conteúdo reciclado nos produtos de vidro.

4.5.5.   Obstáculos e desafios

A transição energética resultará em custos operacionais e requisitos de capital mais elevados. As políticas da UE devem apoiar os investimentos da indústria para permitir esta transição e devem assegurar que a indústria não seja exposta à concorrência desleal de fora do mercado da UE. Além disso, devem ser tomadas medidas agora, uma vez que os fornos têm uma vida útil de cerca de 10 a 15 anos (vidro de embalagem) ou de 15 a 20 anos (vidro plano), garantindo-nos apenas duas gerações de fornos até ao ano crucial de 2050.

5.   A indústria vidreira na política da UE

5.1.

Recuperação verde: o Pacto Ecológico, a Vaga de Renovação da UE, a promoção de mais energias renováveis, uma política de transportes sustentável e as iniciativas da economia circular devem ser catalisadores eficazes de produtos de vidro com baixo teor de carbono.

5.2.

Novas fontes de energia: apoiar e reforçar a capacidade de produzir energia renovável para eletricidade verde e hidrogénio verde e assegurar a disponibilidade de biogás. Apoiar a energia eólica e solar no cabaz energético.

5.3.

Investigação e desenvolvimento (I&D): reforçar o apoio e o financiamento públicos para projetos de I&D e de demonstração (6), como o Fundo de Inovação do CELE, a fim de descarbonizar a produção e continuar a desenvolver fornos eficientes do ponto de vista energético. No seu primeiro convite à apresentação de propostas, o Fundo de Inovação do CELE registou um número maciço de subscrições, prevendo-se que tal seja igualmente o caso em convites subsequentes.

5.4.

Adoção pelo mercado: são necessários mecanismos de apoio à adoção pelo mercado de produtos de vidro com baixo teor de carbono, a fim de assegurar o retorno dos investimentos realizados na produção hipocarbónica. É necessário apoiar a substituição dos plásticos por alternativas sustentáveis de vidro no setor retalhista, doméstico, hoteleiro, para refeições prontas a levar e alimentos e bebidas para consumo em movimento, a fim de contribuir para a transição de sistemas de economia linear para sistemas de economia circular.

5.5.

Vaga de Renovação: apoiar medidas da Vaga de Renovação que possam incentivar a utilização de produtos que evitam a emissão de CO2, a fim de aumentar a eficiência energética e as energias renováveis, tanto em edifícios como nos transportes. Aumentar o objetivo de eficiência energética e torná-lo vinculativo a nível da UE com vista a promover a renovação de edifícios públicos e aumentar o nível de ambição no que diz respeito às obrigações de poupança de energia. Apoiar o aumento do financiamento disponível para a renovação de edifícios através de uma série de instrumentos, nomeadamente o novo Fundo Social para o Clima.

5.6.

Transportes sustentáveis: apoiar a revolução dos transportes no sentido de automóveis inteligentes e com impacto neutro no clima e a expansão dos sistemas de transportes públicos. O vidro de alta tecnologia desempenha um papel de relevo nesta matéria.

5.7.

Embalagens sustentáveis: apoiar a substituição de materiais não lineares por vidro totalmente circular, reutilizável e reciclável, a fim de reduzir a dependência das importações de combustíveis fósseis, a extração de matérias-primas virgens e o esgotamento de recursos.

5.8.

Circularidade: apoiar as infraestruturas de recolha seletiva e reciclagem, o reforço de capacidades e tecnologias para otimizar a quantidade e qualidade do vidro pós-consumo para reciclagem de ciclo fechado em novos produtos de vidro. Incentivar as parcerias público-privadas na cadeia de valor, como a plataforma «Close the Glass Loop» (Fechar o Ciclo do Vidro) para o vidro de embalagem (7), a trabalhar em conjunto.

5.8.1.

Em particular, devem ser envidados esforços no domínio das atividades da indústria da construção civil, nomeadamente dos resíduos de demolição, com vista a explorar o potencial do vidro de construção em fim de vida.

5.8.2.

Verificou-se que as taxas de reutilização e de reciclagem elevadas das embalagens de vidro contribuem para reduzir os impactos ambientais dos sistemas de embalagem de vidro e aumentar a eficiência na utilização dos recursos. A fim de alcançar taxas de reutilização e reciclagem elevadas, além de regimes de responsabilidade alargada do produtor para a reciclagem de embalagens de vidro descartáveis, a indústria introduziu sistemas voluntários de depósito de embalagens de vidro reutilizáveis e alguns Estados-Membros do Espaço Económico Europeu (EEE) adotaram sistemas obrigatórios de reembolso de depósito de embalagens de bebidas descartáveis. Embora os sistemas obrigatórios de reembolso de depósito de embalagens descartáveis sejam vistos como um meio eficaz para impedir a deposição de lixo em espaços públicos e alcançar elevadas taxas de reciclagem das embalagens de bebidas, o CESE considera que estes sistemas aplicados ao vidro descartável para outros recipientes de vidro (e não apenas em embalagens de bebidas) não são compatíveis com o bom funcionamento dos regimes de responsabilidade alargada do produtor, que são comprovadamente adequados à finalidade da recolha para fins de reciclagem e que permitiram atingir taxas de reciclagem muito elevadas.

5.8.3.

No caso do vidro de embalagens não reutilizáveis, é necessário apoiar regimes de responsabilidade alargada do produtor para a recolha de vidro a granel. Estes regimes são muito mais eficazes do que os regimes de devolução e depósito de embalagens descartáveis, tanto em termos ambientais como económicos.

5.9.

Digitalização: apoiar as indústrias e os trabalhadores que estão a contribuir para uma Europa digital (fibra ótica, ecrãs táteis, ecrãs, sensores) através de uma política industrial eficaz da UE e do desenvolvimento de ecossistemas, tendo em conta todos os desafios acima mencionados e refletindo as características específicas dos vários subsetores do vidro.

5.10.   Assegurar a competitividade no mercado europeu

5.10.1.

A transição energética do setor vidreiro levará tempo e, durante a transição, os custos da energia muito elevados, que continuam a aumentar e estão a criar uma situação extremamente difícil no setor vidreiro, representam atualmente cerca de 25 % a 30 % dos custos de produção de vidro, consoante os produtos e as flutuações de preços.

5.10.2.   Auxílios estatais

Todos os subsetores do vidro devem beneficiar de instrumentos de apoio aos requisitos de capital e aos custos operacionais, como o Fundo de Modernização, os fundos estruturais da UE e o Fundo de Inovação do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE, entre outros. O vidro deve ser isento da Diretiva Tributação da Energia, mas incluído na isenção por categoria aplicável à compensação de eletricidade e deve beneficiar de contratos para diferenciais de carbono para que os subsetores possam investir em processos de produção com baixas emissões de CO2. Em particular, o vidro especial deve ser acrescentado à lista de auxílios estatais em matéria de clima.

5.10.3.

Competitividade a nível mundial

5.10.3.1.

As práticas comerciais desleais de países terceiros têm de ser abordadas rapidamente com instrumentos eficazes de política comercial.

5.10.3.2.

O setor das fibras de vidro de filamento contínuo tem sido prejudicado por um mercado distorcido devido às elevadas importações de fibras de vidro objeto de dumping e subsidiadas da Ásia. Existe uma necessidade urgente de instituir medidas antievasão, por exemplo, sobre as importações provenientes do Egito e do Barém.

5.10.3.3.

O setor vidreiro que produz para-brisas para o setor automóvel também enfrenta uma dura concorrência, principalmente por parte dos produtores chineses. Normas ambientais e de emissão de CO2 menos exigentes, combinadas com salários mais baixos e piores condições de trabalho, conduzem a uma concorrência desleal que pode levar os fabricantes de automóveis europeus a aumentar as importações do Extremo Oriente, com um consequente aumento das emissões de CO2 a nível mundial.

5.10.3.4.

A Europa é o principal produtor mundial de embalagens de vidro. Este setor serve o setor de alimentos e bebidas essenciais da UE, o maior setor da UE. O vidro também contribui para o comércio externo num valor estimado de 250 mil milhões de euros em produtos embalados ou suscetíveis de ser embalados em vidro, proporcionando mais receitas de exportação da UE do que resinas plásticas e granulados, produtos químicos orgânicos e aeronaves.

5.11.   Assegurar uma transição justa

A aprendizagem e a formação ao longo da vida devem ser incentivadas e apoiadas para assegurar que a mão de obra se adapte às novas tecnologias e processos e para proporcionar uma maior segurança do emprego, tanto dentro do próprio setor como no mercado de trabalho em geral. Os trabalhadores devem participar na transição e, por conseguinte, a legislação da UE deve apoiar o diálogo social a todos os níveis.

5.12.   Estabilidade legislativa e segurança jurídica

5.12.1.

Fuga de carbono: devem ser mantidas medidas eficazes contra a fuga de carbono através do CELE, a fim de apoiar a indústria na transição rumo ao cumprimento do objetivo de neutralidade climática da UE e criar e manter condições de concorrência equitativas a nível europeu e internacional.

5.12.2.

MACF: o CESE apoia a introdução cuidadosa do MACF em conformidade com as regras da OMC, mas este mecanismo deve prever uma solução para as exportações, para além da atribuição de licenças a título gratuito com base em parâmetros de referência pelo menos até 2030, a fim de permitir que as empresas se concentrem nos investimentos hipocarbónicos e avaliem a eficácia do MACF.

5.12.3.

Taxonomia: o Comité congratula-se com o trabalho realizado no pacote relativo à taxonomia da UE destinado a orientar o financiamento privado para atividades sustentáveis, mas considera que é necessário abordar o papel do fabrico de vidro e o seu contributo para a adaptação às alterações climáticas e a atenuação dos seus efeitos.

5.12.4.

Circularidade: o Comité acolhe favoravelmente o Plano de Ação para a Economia Circular e solicita que o vidro seja plenamente reconhecido como um material permanente que continua a ser produtivo nas nossas economias e que as iniciativas destinadas a reforçar a circularidade do vidro sejam plenamente apoiadas.

5.12.5.

Objetivo 55: este pacote foi apresentado durante a elaboração do presente parecer. Propõe a alteração de uma dúzia de propostas existentes (Diretiva Comércio de Licenças de Emissão, Diretiva Tributação da Energia, Diretiva Energias Renováveis, etc.) e introduz algumas propostas novas (como a proposta de MACF). O Comité insta a Comissão a avaliar cuidadosamente o impacto deste pacote na indústria vidreira. Dada a magnitude das alterações introduzidas em muitos domínios diferentes, é crucial assegurar a coerência entre os vários atos legislativos e evitar potenciais conflitos. O pacote deve apoiar a indústria na sua transição energética, assegurando ao mesmo tempo condições equitativas com os concorrentes fora da UE que não enfrentam os mesmos custos do carbono.

Bruxelas, 21 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Fonte: Eurostat e FERVER.

(2)  A fonte é um relatório da Organização Neerlandesa de Investigação Científica Aplicada (TNO) de 2019, intitulado «Glazing potential: energy savings and CO2 emission reduction» [Potencial do vidro: poupanças de energia e redução das emissões de CO2], para a Glass for Europe.

(3)  Furnace for the Future: https://feve.org/about-glass/furnace-for-the-future/

(4)  Glass for Europe, «2050: Flat glass in climate-neutral Europe» [2050: O vidro plano numa Europa com impacto neutro no clima], 2019. Https://glassforeurope.com/wp-content/uploads/2020/01/flat-glass-climate-neutral-europe.pdf

(5)  Close the Glass Loop: https://closetheglassloop.eu/

(6)  A indústria vidreira tem várias estratégias de descarbonização, tais como a transição para fontes de energia renováveis, medidas de eficiência energética, matérias-primas hipocarbónicas, a utilização de vidro reciclado, transportes e logística.

(7)  Close the Glass Loop www.closetheglassloop.eu


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/26


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a estratégia de mobilidade da UE e as cadeias de valor industriais da UE: abordagem dos ecossistemas automóveis

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/05)

Relator:

Arnaud SCHWARTZ

Correlatora:

Monika SITÁROVÁ

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

29.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

235/1/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que o ecossistema automóvel europeu se pode tornar líder no desenvolvimento e na implantação de soluções de mobilidade sustentável. Por conseguinte, o ecossistema automóvel tem de desenvolver ativamente estratégias para moldar as disrupções e megatendências em curso que afetam o setor automóvel europeu.

1.2.

A fim de reduzir as emissões dos transportes em 90 % até 2050, o CESE espera que a União Europeia (UE) envide esforços para tornar todos os modos de transporte sustentáveis e, simultaneamente, assegure alternativas sustentáveis amplamente disponíveis e acessíveis para os cidadãos da União. É possível alcançar este objetivo mediante uma combinação inteligente de sistemas de propulsão que estabeleça um equilíbrio entre proteção ambiental, utilização eficiente das energias renováveis, viabilidade económica e adesão dos consumidores, respeitando ao mesmo tempo o princípio da neutralidade tecnológica.

1.3.

O CESE sublinha firmemente que a mobilidade individual deve continuar a ser acessível e comportável para todos, em especial os trabalhadores pendulares sem acesso a transportes públicos de qualidade ou outras soluções de mobilidade. É necessário evitar a todo o custo uma polarização social entre as pessoas que podem adquirir um automóvel ecológico e as que não têm condições para o fazer. A este respeito, o CESE adverte que a criação de um sistema de comércio de licenças de emissão paralelo para o setor dos transportes poderá comprometer o apoio público à redução dos recursos fósseis no transporte rodoviário se os grupos com rendimentos mais baixos e os grupos cuja subsistência depende do transporte rodoviário não forem devidamente compensados.

1.4.

O CESE salienta que a indústria automóvel europeia tem sido desde sempre um líder mundial e um motor do crescimento e do emprego. Na transição para o paradigma de um sistema de transporte rodoviário digitalizado e descarbonizado, é importante manter esta posição e desenvolver vias de transformação que lhe permitam dar resposta às tendências disruptivas que a indústria enfrenta atualmente. Para o efeito, deve tirar partido dos seus pontos fortes na tecnologia, da sua mão de obra qualificada, da sua engenharia de craveira mundial, dos seus consumidores exigentes, das suas cadeias de abastecimento sofisticadas, da sua forte cultura de pequenas e médias empresas (PME) e das suas relações laborais construtivas.

1.5.

O lançamento bem-sucedido do projeto importante de interesse europeu comum relativo às baterias demonstrou que a exploração em comum de recursos públicos e privados contribui claramente para o reforço da cadeia de abastecimento da indústria automóvel. Por conseguinte, o CESE está convicto de que é importante ponderar mais projetos importantes de interesse europeu comum neste setor, por exemplo no que diz respeito ao hidrogénio (existe um projeto em preparação), aos automóveis automatizados e conectados, à economia circular, às matérias-primas, etc. É necessário tomar medidas corajosas para fazer face aos estrangulamentos no abastecimento de semicondutores, e a criação de um segundo projeto importante de interesse europeu comum relativo aos semicondutores ajudaria a resolver este problema.

1.6.

O CESE pretende que a UE apoie condições de concorrência equitativas à escala mundial. A Europa deve ter a ambição de manter a sua posição sólida enquanto exportadora na indústria automóvel. Por conseguinte, é necessário adotar medidas para:

promover a reciprocidade nas relações comerciais (acesso ao mercado, contratação pública, investimentos, respeito dos direitos de propriedade intelectual, subvenções);

celebrar acordos bilaterais de comércio livre (incluindo um capítulo sobre a indústria automóvel e o transporte rodoviário);

combater práticas comerciais desleais (subvenções, acordos bilaterais de comércio livre, diferenças de preço do carbono, dumping social e ambiental);

promover a cooperação internacional em matéria de automóveis não poluentes e tecnologias de combustíveis hipocarbónicos.

1.7.

A transformação da indústria automóvel terá um impacto significativo na quantidade e na qualidade dos postos de trabalho necessários. Consequentemente, são necessárias políticas ativas do mercado de trabalho para manter a empregabilidade da mão de obra através, por exemplo, de iniciativas de melhoria de competências e requalificação (como a aliança de competências no setor automóvel), a fim de dotar os trabalhadores das competências necessárias para o futuro. No caso dos trabalhadores que têm de abandonar o setor, importa garantir uma transição harmoniosa para outro posto de trabalho (a par de regimes de reforma antecipada).

1.8.

O CESE solicita um levantamento claro do impacto da transição digital e ecológica do setor, a fim de identificar as regiões e as partes da cadeia de abastecimento mais ameaçadas. Além disso, é necessário acompanhar a evolução da implantação da indústria devido à descarbonização e à digitalização, tendo em conta todas as fases importantes do ciclo de vida. Uma vez que a cadeia de abastecimento da indústria automóvel enfrenta desafios enormes, o CESE considera imperativo criar um mecanismo para uma transição justa destinado a este setor, a fim de aplicar as medidas de acompanhamento necessárias para evitar perturbações sociais e assegurar uma transição socialmente responsável.

2.   Observações gerais

Situação atual

2.1.

A indústria automóvel foi sempre uma pedra angular da indústria da União Europeia e tem ligações importantes com indústrias a montante, como o aço, os produtos químicos e os têxteis, bem como com setores a jusante, como as tecnologias da informação e comunicação, as reparações, os combustíveis, os lubrificantes e os serviços de mobilidade. O setor representa mais de 8 % do produto interno bruto da UE e é responsável por 28 % das despesas totais em investigação e desenvolvimento na UE, e as suas exportações geram um excedente comercial significativo. Contudo, o futuro da indústria automóvel europeia dependerá da sua capacidade para realizar os ajustamentos fundamentais necessários para responder aos desafios sem precedentes que enfrenta atualmente.

2.2.

A indústria automóvel europeia está na antecâmara de um paradigma totalmente novo resultante da transição complexa para uma economia digital e ecológica. Em 28 de novembro de 2018, a Comissão adotou uma visão a longo prazo para uma economia com impacto neutro no clima até 2050, que atribuiu um papel importante ao setor dos transportes nesta transição. O Pacto Ecológico Europeu, de dezembro de 2019, estabelece um quadro estratégico para alcançar a neutralidade climática, solicitando uma redução de 90 % das emissões dos transportes até 2050. Neste contexto, a UE decidiu rever a sua meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa, estabelecida para 2030, para, pelo menos, 55 %. A fim de alcançar este objetivo, a Comissão apresentou em 14 de julho de 2021 o seu pacote Objetivo 55, que revê o Regulamento Partilha de Esforços, a Diretiva Infraestrutura para Combustíveis Alternativos e o Regulamento que estabelece normas de desempenho em matéria de emissões de CO2.

2.3.

A transição dos combustíveis fósseis para a energia hipocarbónica, bem como a mudança da criação de valor acrescentado através da produção em série de automóveis para a prestação de serviços de mobilidade, implicarão uma forte turbulência para a indústria, para as muitas PME nas suas cadeias de abastecimento complexas e para os 13,8 milhões de trabalhadores do setor. Por conseguinte, o grande desafio consistirá em gerir esta transição para as zero emissões líquidas de uma forma socialmente aceitável.

Megatendências disruptivas

2.4.

Globalização. Ao mesmo tempo que desaceleram nos mercados consolidados, as vendas de automóveis crescem em mercados emergentes. Consequentemente, o centro de gravidade económico está a mudar da UE e dos EUA para a Ásia. Atualmente, a China produz em cadeia 26 milhões de automóveis por ano, contra 22 milhões na UE. A China foi também um dos primeiros mercados a produzir veículos elétricos e possui uma indústria de baterias consolidada. O Japão e a Coreia do Sul também estão na linha da frente em matéria de baterias, com uma posição particularmente forte no que diz respeito aos semicondutores. A Europa tem também dificuldades de acesso ao abastecimento ético de matérias-primas como o lítio e o cobalto (1). Além disso, o setor automóvel deve ter em consideração o aumento das tensões geopolíticas.

2.5.

O desafio do desenvolvimento sustentável. Segundo a visão estabelecida na Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da UE, «[a]té 2030, haverá pelo menos 30 milhões de automóveis sem emissões» nas estradas europeias. Em 14 de julho, a Comissão Europeia propôs que, a partir de 2035, só possam ser comercializados veículos de zero emissões, o que exigirá um forte aumento da percentagem desses veículos na frota (dos atuais 0,2 % para 11 % a 14 % em 2030) (2). A realização dos objetivos do Pacto Ecológico criará vantagens para os pioneiros e apoiará a liderança da Europa nas tecnologias hipocarbónicas e a sua competitividade a nível mundial. Tal implica também investimentos maciços no desenvolvimento de sistemas de tração alternativos (elétricos a baterias, híbridos, a hidrogénio) e combustíveis sem componentes fósseis para os sistemas de tração convencionais que permanecerão ainda por muito tempo na frota. O ritmo da adoção destes sistemas de propulsão e combustíveis depende do quadro regulamentar de apoio e dos períodos de retorno destes investimentos. A Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da UE reconhece a necessidade de «tornar todos os modos de transporte mais sustentáveis». Esta abordagem requer a adoção de veículos com nível nulo ou baixo de emissões, bem como de combustíveis renováveis e hipocarbónicos para o transporte rodoviário, por via navegável e aéreo.

2.6.

Mudança das mentalidades dos consumidores. O comportamento em matéria de mobilidade está a mudar. Uma nova geração de consumidores está menos interessada em possuir um automóvel, já que muitos deles residem em zonas urbanas com sistemas de transporte coletivo bem estabelecidos. Em vez de adquirirem um automóvel, procuram outra solução de mobilidade (partilha de automóveis, veículos de aluguer com condutor, micromobilidade). A pandemia veio reforçar outras tendências já visíveis, como as compras em linha, o trabalho à distância, as videoconferências e os serviços de entrega. Tal resultará numa redução da mobilidade em automóveis particulares e, simultaneamente, no aumento do recurso a furgões comerciais.

2.7.

Aumento da conectividade. As tecnologias digitais visam permitir que os automóveis passem a estar quase permanentemente conectados, o que poderá criar um potencial considerável para novos modelos de negócio baseados em dados. Os automóveis inteligentes estarão equipados com dispositivos de segurança ativa, ludoinformação, serviços de informações sobre o tráfego, comunicação veículo-infraestrutura, etc.

2.8.

A automatização gradual do automóvel. O caminho para os automóveis sem condutor conduzirá a níveis cada vez maiores de funcionalidades de veículos autónomos. A condução automatizada exigirá enormes investimentos em software, redes de comunicação e hardware (radares, lidares, transpônderes). Além disso, criará muitos desafios relacionados com a fiabilidade, o quadro jurídico, o preço, o equipamento rodoviário e as responsabilidades.

2.9.

Digitalização da produção. A indústria automóvel inventou a cadeia de montagem (Ford), os princípios da produção otimizada (Toyota) e as plataformas de produção globalizadas (Volkswagen). Atualmente, está a adotar os princípios da Indústria 4.0, com robotização avançada, cadeias de abastecimento integradas digitalmente, sistemas de fabrico avançado e fabrico aditivo.

Consequências da transformação ecológica e digital

2.10.

Uma indústria automóvel mais pequena, digitalizada e descarbonizada criará um desafio enorme em matéria de emprego. Os veículos elétricos a baterias têm menos componentes e são mais fáceis de produzir, sendo as baterias responsáveis por, pelo menos, 36 % do seu valor acrescentado. Com base numa extrapolação de um estudo recente do Instituto IFO alemão, é possível concluir que 620 000 postos de trabalho estarão em risco na cadeia de valor de sistemas de propulsão convencionais da UE. As soluções podem consistir, em parte, em reformas (antecipadas) (3), por exemplo, ou, mais em geral, numa revolução do futuro do trabalho (4). Por seu turno, a transição gerará também novos postos de trabalho em setores conexos, como a eletrónica de potência, as redes inteligentes, as infraestruturas rodoviárias e de carregamento, as baterias, os novos materiais e os sistemas de propulsão movidos a combustíveis alternativos.

2.11.

Tendência em curso de consolidação e alianças estratégicas (por exemplo, Stellantis, alianças entre a BMW e a Mercedes e entre a Volkswagen e a Ford), a fim de explorar em conjunto a investigação e o desenvolvimento sobre novos sistemas de propulsão ou agrupar a aquisição de componentes. Estas fusões e alianças resultarão sempre em novas estratégias empresariais, numa reavaliação da pegada industrial, na externalização para regiões com custos salariais mais baixos, em programas de redução de postos de trabalho e numa maior pressão sobre os fornecedores. Além disso, a derivação de áreas de negócio consolidadas permite às empresas concentrar recursos nos novos sistemas de propulsão.

2.12.

Diluição das fronteiras entre a indústria automóvel e o setor das tecnologias da informação. As tecnologias da informação entrarão em todas as fases da cadeia de abastecimento. Os dados tornar-se-ão uma nova matéria-prima e uma fonte de rendimento. Está em curso uma reconfiguração da indústria a nível mundial, com novos intervenientes que irrompem na indústria: prestadores de serviços de mobilidade (Uber), gigantes das tecnologias da informação (Google, Apple, Baidu), produtores de chipes (Intel, NXP, STM), produtores de baterias (Panasonic, CATL, LG) ou fabricantes de equipamento de origem emergentes (Tesla).

2.13.

O valor acrescentado pode mudar do centro da indústria automóvel (os fabricantes de equipamento de origem) para outras partes da cadeia de abastecimento, uma vez que a quota-parte das tecnologias da informação em percentagem do valor acrescentado aumentará necessariamente em detrimento dos componentes mecânicos.

2.14.

É provável que se crie cada vez mais valor acrescentado em serviços de mobilidade, como os veículos de aluguer com condutor, a boleia organizada, a coviaturagem e muitos serviços digitais, como as aplicações de navegação, a ludoinformação, a publicidade e os sistemas avançados de auxílio ao condutor. Tal criará novos modelos de negócio: enquanto os fabricantes de equipamento de origem veem a indústria automóvel como um mercado de 100 milhões de veículos, as plataformas digitais encaram-na como um mercado em que se pode vender anualmente o equivalente a 16 biliões de quilómetros.

2.15.

A estrutura do emprego no setor será totalmente reformulada. Serão necessárias novas competências e experiência (eletrónica, eletroquímica, novos materiais, tecnologias da informação) e, paralelamente, registar-se-á uma queda da procura de competências mecânicas tradicionais. Dotar a mão de obra dessas competências será um desafio significativo para a indústria automóvel.

2.16.

As megatendências acima referidas reforçar-se-ão todas mutuamente. Embora seja amplamente consensual que a disrupção transformadora já começou, todas as partes interessadas devem ter como prioridade tornar a transição social para os transportes descarbonizados mais gradual, organizando uma transição justa. Para ser aceite, a mobilidade sustentável deve ser comportável para todos.

3.   Controlo da transformação

Ambiente: mudança de rumo no sentido da sustentabilidade

3.1.

A fim de reduzir as emissões dos transportes em 90 % até 2050, a UE deve procurar tornar todos os modos de transporte sustentáveis e, simultaneamente, assegurar alternativas sustentáveis amplamente disponíveis e acessíveis para os cidadãos da União. É possível alcançar este objetivo mediante uma combinação inteligente de sistemas de propulsão que estabeleça um equilíbrio entre proteção ambiental, utilização eficiente das energias renováveis, viabilidade económica e adesão dos consumidores, respeitando ao mesmo tempo o princípio da neutralidade tecnológica. Tal exige uma combinação de diferentes estratégias:

redução das emissões de CO2«do depósito às rodas» (48 V, híbridos, eletricidade, hidrogénio, motores de combustão interna mais eficientes, etc.);

redução das emissões de CO2«do poço às rodas». É necessário apoiar o desenvolvimento de eletrocombustíveis e biocombustíveis conformes com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e com os critérios de sustentabilidade estabelecidos na Diretiva Energias Renováveis (5) para evitar impactos no uso do solo, na biodiversidade e nas florestas;

uma estratégia coordenada para cidades limpas (por exemplo, através da descarbonização do transporte até ao «quilómetro final», de soluções inovadoras de micromobilidade ou das viagens intermodais);

redução das emissões ao longo do ciclo de vida (fabrico e reciclagem);

redução da intensidade das emissões do setor dos transportes (soluções de transporte inteligentes, mobilidade partilhada). Deve estar disponível uma solução de mobilidade sustentável para cada necessidade de transporte (transporte de mercadorias a grande distância com recurso a biocombustíveis e a combustíveis sintéticos ou hidrogénio, sistemas de propulsão elétricos a baterias para entregas urbanas até ao «quilómetro final»), respeitando o princípio da neutralidade tecnológica;

incentivos à reconversão baseada na substituição do motor de combustão interna por um motor elétrico ou complementado (em formato híbrido) com motores no cubo da roda;

redução do peso dos veículos recentemente comercializados (6).

3.2.

A Comissão pretende criar um sistema de comércio de licenças de emissão paralelo para os transportes rodoviários e os edifícios. A fixação de um preço para as emissões dos transportes rodoviários equivalerá a uma tributação dos combustíveis (neste caso, porém, com base numa maioria qualificada). As receitas serão utilizadas para compensar as pessoas que precisam de um veículo com motor de combustão interna para trabalhar ou porque não dispõem de opções de transporte alternativas. Uma vez que a conceção de um mecanismo de compensação deste tipo será extremamente complexa e que o aumento dos preços dos combustíveis afetará de forma desproporcionada os grupos com rendimentos mais baixos, o CESE não está convencido de que este seja o caminho a seguir, uma vez que comprometerá o apoio do público à ação climática. Em vez disso, os esforços para reduzir os custos do ciclo de vida dos sistemas de propulsão alternativos e o custo dos combustíveis com nível baixo ou nulo de emissões de carbono afiguram-se uma forma mais adequada de tornar os transportes hipocarbónicos comportáveis para muitos.

3.3.

Importa dar prioridade aos chamados «desertos de carregamento». Atualmente, estão disponíveis 213 000 estações de carregamento na UE, em que 70 % das mesmas se concentram em três países (Países Baixos, Alemanha e França). Tendo em conta que o objetivo é alcançar 1 milhão de carregadores públicos até 2025 e 3 milhões até 2030, existe um fosso enorme a colmatar em matéria de desenvolvimento de infraestruturas (na Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da UE estima-se que os investimentos adicionais necessários em infraestruturas de carregamento e abastecimento de combustíveis hipocarbónicos ascendam a 130 mil milhões de euros por ano, durante a próxima década). Por conseguinte, o CESE apoia a introdução de objetivos obrigatórios. No âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o projeto emblemático «Recarregamento e Abastecimento» apenas incentiva os Estados-Membros a acelerarem a implantação de pontos de recarregamento e abastecimento como parte dos seus planos de recuperação. É importante dedicar especial atenção às habitações, à preparação de redes para uma maior integração dos veículos elétricos, à interoperabilidade das infraestruturas de carregamento, ao desenvolvimento de serviços de carregamento inteligentes (por exemplo, através do equilíbrio da carga) e ao abastecimento de combustíveis renováveis e hipocarbónicos. Os veículos comerciais pesados totalmente elétricos estão a tornar-se uma realidade e, por conseguinte, merecem também uma ênfase específica.

3.4.

Enquanto não for alcançada a paridade dos preços entre os veículos convencionais e os veículos elétricos (prevista para 2025-2027), serão necessários incentivos financeiros para apoiar a entrada dos veículos hipocarbónicos no mercado. Estes incentivos podem ser financeiros (subvenções, reduções de impostos e sistemas de desmantelamento) ou não financeiros (faixas prioritárias, isenções de portagem ou lugares de estacionamento reservados), incluindo um quadro regulamentar coerente para a promoção de investimentos em combustíveis hipocarbónicos. Importa dedicar especial atenção à ecologização das frotas de automóveis, já que esta pode ser uma alavanca importante para acelerar a transição e também contribuirá para a criação de um mercado de veículos usados com nível nulo ou baixo de emissões de carbono.

3.5.

Apoio ao desenvolvimento da economia circular no ecossistema automóvel: reciclagem, reutilização e retransformação de automóveis e peças. É importante aplicar também os princípios da economia circular para aumentar a quantidade de matérias-primas recicladas disponíveis para a indústria e reduzir a dependência das importações. Contudo, estudos recentes indicam que os materiais reciclados apenas atingirão uma escala de mercado adequada dentro de uma década, no final da vida útil dos veículos elétricos. Por conseguinte, é necessário ser realista e compreender que a extração primária é fundamental, pelo menos na década de 2020. Neste sentido, a diversificação das cadeias de abastecimento, bem como uma estratégia de exploração mineira ecológica e ética devem garantir a segurança do abastecimento. Além disso, a futura revisão da Diretiva 2000/53/CE (7) relativa aos veículos em fim de vida deverá ter em conta a eletrificação dos veículos e a necessidade de desenvolver os mercados de materiais secundários.

Economia: manter e desenvolver na UE toda a cadeia de abastecimento da indústria automóvel

3.6.

Promover a colaboração industrial. Os orçamentos avultados no domínio da investigação e desenvolvimento (neste momento, 60 mil milhões de euros por ano) atualmente investidos para desenvolver uma mobilidade descarbonizada, conectada, automatizada e partilhada requerem a colaboração industrial e parcerias público-privadas. Neste contexto, a introdução de parcerias de inovação ao abrigo do quinto agregado (clima, energia e mobilidade) do Horizonte Europa (parcerias em matéria de hidrogénio limpo, baterias, mobilidade conectada e automatizada, transportes rodoviários sem emissões e promoção da transição urbana) merece total apoio. Além disso, as alianças industriais sob a égide da Comissão Europeia (relativas, por exemplo, às baterias, ao hidrogénio e às matérias-primas, bem como a aliança anunciada para a cadeia de valor dos combustíveis renováveis e hipocarbónicos) proporcionam uma plataforma ampla e aberta para a definição de roteiros estratégicos e a coordenação da investigação e desenvolvimento, dos investimentos e da introdução de novas inovações no mercado. Por último, o agrupamento de recursos públicos e privados em projetos importantes de interesse europeu comum reforçará claramente a cadeia de abastecimento da indústria automóvel na Europa, reduzirá as dependências estratégicas e promoverá a dupla transição ecológica e digital. Importa ponderar novos projetos importantes de interesse europeu comum, relativos aos automóveis conectados e automatizados, à economia circular, à integração dos sistemas energéticos, ao abastecimento de matérias-primas, à economia dos dados ou aos semicondutores.

3.7.

Desafios do desenvolvimento de uma cadeia de valor sustentável e circular das baterias (8) na UE. O fabrico local das baterias e das pilhas de combustível tem de ser um objetivo crucial da UE. As alianças da UE relativas às baterias e ao hidrogénio merecem ser apoiadas e ter recursos suficientes à sua disposição. Estas alianças industriais devem mobilizar investimentos maciços em instalações de produção e criar milhares de postos de trabalho na Europa. Será necessário evitar as fraturas atualmente visíveis entre as regiões da Europa.

3.8.

A megatendência dos automóveis conectados e automatizados poderá conduzir a uma mudança do valor acrescentado da venda e manutenção de veículos para novos modelos de negócio disruptivos baseados em serviços de dados e na mobilidade como serviço. O ecossistema automóvel deve estar preparado para entrar e assegurar a sua presença nestes novos modelos de negócio. Tal exigirá normas tecnológicas e de regulamentação tendo em vista a prestação de novos serviços de mobilidade inovadores, como o pagamento em função da utilização, a publicidade baseada na localização e as atualizações ou manutenção de veículos à distância. A construção de um espaço europeu de dados da mobilidade também será fundamental para garantir a liderança europeia nos serviços de mobilidade digital. Será igualmente necessário implantar a infraestrutura de comunicações digitais necessária e conceber roteiros para aumentar os níveis de automatização (incluindo um quadro para ensaios em larga escala, acesso a dados e uma nova abordagem da homologação de veículos). Além disso, importa avaliar o impacto a longo prazo da automatização crescente dos veículos, em especial nos postos de trabalho e em questões éticas, já que este aspeto será importante para garantir a aceitação social. Por último, uma vez que o transporte de mercadorias se poderá intensificar no futuro (devido ao comércio eletrónico), é necessário desenvolver soluções de mobilidade inteligentes para os transportes com base na organização multimodal do transporte, na eficiência em termos de custos (combinações de veículos de grande capacidade) e em modos de transporte sustentáveis, utilizando soluções de automatização e conectividade na cadeia logística.

3.9.

As tecnologias inteligentes e soluções digitais baseadas no «paradigma Indústria 4.0» devem apoiar a integração dos sistemas de produção e contribuir para os tornar mais flexíveis. Ao se reforçarem os sistemas de produção ao longo de toda a cadeia de abastecimento (e não apenas a integração dos processos de produção ao nível das empresas) será possível tornar as cadeias de abastecimento da indústria automóvel mais resistentes e reforçar a competitividade. Importa apoiar a digitalização criando um espaço de dados industriais para o setor. Contudo, estas tecnologias também implicam uma maior automatização com impacto negativo no emprego, a que é necessário dar resposta.

3.10.

Apoiar condições de concorrência equitativas à escala mundial. A Europa deve ter a ambição de manter a sua posição sólida enquanto exportadora na indústria automóvel. Por conseguinte, é necessário adotar medidas para:

promover a reciprocidade nas relações comerciais (acesso ao mercado, contratação pública, investimentos, respeito dos direitos de propriedade intelectual, subvenções);

celebrar acordos bilaterais de comércio livre (incluindo um capítulo sobre a indústria automóvel e o transporte rodoviário);

combater práticas comerciais desleais (subvenções, acordos bilaterais de comércio livre, diferenças de preço do carbono, dumping social e ambiental);

promover a cooperação internacional em matéria de automóveis não poluentes e tecnologias de combustíveis hipocarbónicos.

3.11.

O apoio à harmonização técnica a nível mundial no âmbito da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas deve ser reforçado. É necessário tomar medidas corajosas para resolver os estrangulamentos no abastecimento de semicondutores na indústria automóvel. A procura de semicondutores continuará a aumentar, uma vez que os automóveis são cada vez mais dispositivos eletrónicos. Neste contexto, o CESE apoia plenamente a proposta, apresentada na mais recente comunicação sobre a política industrial, no sentido de desenvolver um conjunto de instrumentos para reduzir e evitar dependências estratégicas da Europa. Além disso, o objetivo, estabelecido nas orientações europeias para a digitalização, de duplicar a quota de mercado da Europa nos semicondutores a nível mundial, de 10 % para 20 %, merece total apoio. A criação de um segundo projeto importante de interesse europeu comum relativo aos semicondutores contribuirá certamente para o cumprimento deste objetivo. Os Estados-Membros devem também cumprir a sua promessa de despender 20 % do Mecanismo de Recuperação e Resiliência no âmbito da COVID-19 na transição digital. As outras medidas possíveis incluem a captação de investimento direto estrangeiro e a instituição de uma cooperação estratégica entre as empresas da indústria automóvel e os produtores de semicondutores. Por fim, o Observatório das Tecnologias Críticas deve acompanhar atentamente as muitas outras dependências estratégicas na indústria automóvel: matérias-primas, hidrogénio, baterias, energias renováveis, tecnologias de computação em nuvem, etc.

3.12.

É necessário abordar o impacto do novo cenário automóvel no mercado de substituição. O mercado de substituição automóvel, que emprega quatro milhões de pessoas, deverá enfrentar uma mudança estrutural profunda resultante da diminuição das vendas, da eletrificação, da menor procura de combustíveis, das vendas em linha e da diminuição da manutenção. O setor terá de se reinventar enquanto prestador de serviços de mobilidade: atualização de automóveis, manutenção preventiva, veículos de aluguer com condutor, coviaturagem e desenvolvimento de modelos de negócio na micromobilidade. Importa ultrapassar os conflitos de interesses no acesso a dados a bordo dos veículos e criar uma plataforma interoperável e normalizada para permitir que o mercado de substituição desenvolva serviços baseados em dados (como o diagnóstico à distância, a atualização de software ou a manutenção preventiva).

Sociedade: gerir a mudança e garantir uma transição socialmente justa

3.13.

A transformação da indústria automóvel terá um impacto enorme na quantidade de postos de trabalho necessários para o fabrico de automóveis e dos seus componentes, bem como nos perfis profissionais exigidos pelo novo paradigma. Por conseguinte, as políticas do mercado de trabalho devem centrar-se em manter ou aumentar a empregabilidade da mão de obra através da aprendizagem ao longo da vida e em criar vias flexíveis entre o mundo da educação e o mundo do trabalho (por exemplo, sistemas de formação em alternância, mercados da aprendizagem funcionais e certificação da aprendizagem não formal). A mobilidade interna dos trabalhadores nas empresas deve ser promovida através da melhoria de competências e da requalificação, a fim de os dotar das competências necessárias para o futuro (diminuição do trabalho manual e aumento acentuado das competências digitais, com especial ênfase na engenharia de software e de eletrónica). Iniciativas setoriais europeias, como a DRIVES e a ALBATTS, e a nova aliança de competências no setor automóvel constituem instrumentos fundamentais para dar resposta ao desafio das competências.

3.14.

No caso dos trabalhadores que têm de abandonar o setor, importa organizar uma transição harmoniosa para outro posto de trabalho. Estes trabalhadores deverão ter acesso aos novos empregos que serão efetivamente criados em setores emergentes, como as tecnologias da informação, as redes 5G, a eletrónica de potência, as infraestruturas de carregamento, a produção de energias renováveis, as redes inteligentes, as estradas inteligentes, os serviços de mobilidade, as baterias, os combustíveis alternativos, o armazenamento de energia e a produção e distribuição de energia elétrica. Este processo será bastante complexo, uma vez que, provavelmente, estes postos de trabalho serão criados noutros locais e noutros momentos, com conjuntos de competências diferentes em relação aos empregos que vão desaparecer. É necessário garantir a segurança dos rendimentos durante a transição. É possível evitar os despedimentos coletivos também através de sistemas de reformas antecipadas, desemprego parcial e redução de horário. Importa garantir um diálogo social adequado, a fim de poder antecipar a mudança oportunamente e evitar perturbações e conflitos sociais.

3.15.

É necessário um levantamento claro do impacto da transição digital e ecológica do setor, a fim de identificar as regiões e as partes da cadeia de abastecimento mais ameaçadas. Não devem surgir novas fraturas sociais entre os países da Europa Ocidental e Oriental, nem entre o sul e o norte da Europa. Além disso, é necessário acompanhar a evolução estrutural da indústria devido à descarbonização e à digitalização. Importa examinar atentamente os eventuais progressos na utilização da biomassa, uma vez que há aqui igualmente oportunidades para a criação de novos empregos, velando, ao mesmo tempo, por permanecer dentro dos limites ecológicos.

3.16.

Todas as partes interessadas (empresas, sindicatos, organizações de polos empresariais, autoridades, agências do mercado de trabalho ou organismos de desenvolvimento regional) nas regiões de produção automóvel devem trabalhar em conjunto, de forma intensiva, na elaboração de planos abrangentes de reconversão regional.

3.17.

Importa evitar o desperdício de ativos nas cadeias de abastecimento da indústria automóvel, assegurando um apoio atempado e adequado para as muitas PME que não dispõem de recursos (humanos e financeiros) para reconfigurar as suas atividades e evoluir para modelos de negócio mais prometedores.

3.18.

A mobilidade individual deve continuar a ser acessível e comportável para todos, em especial os trabalhadores pendulares sem acesso a transportes públicos de qualidade ou outras soluções de mobilidade. É possível alcançar este objetivo prevendo uma compensação pelo preço mais elevado dos sistemas de propulsão alternativos e dos combustíveis com nível baixo ou nulo de emissões de carbono que podem ser utilizados num automóvel convencional. É necessário evitar a todo o custo uma polarização social entre as pessoas que podem adquirir um automóvel ecológico e as que não têm condições para o fazer.

3.19.

Conclusão. A indústria automóvel europeia tem sido desde sempre um líder mundial e um motor do crescimento e do emprego. Na transição para o paradigma de um sistema de transporte rodoviário digitalizado e descarbonizado, é importante manter esta posição e desenvolver vias de transformação que lhe permitam dar resposta às tendências disruptivas que a indústria enfrenta atualmente. Para o efeito, deve tirar partido dos seus pontos fortes na tecnologia, da sua mão de obra qualificada, da sua engenharia de craveira mundial, dos seus consumidores exigentes, das suas cadeias de abastecimento sofisticadas, da sua forte cultura de PME e das suas relações laborais construtivas. O ecossistema automóvel europeu deve tornar-se líder no desenvolvimento e na implantação de soluções de mobilidade sustentável. Por conseguinte, o ecossistema automóvel tem de desenvolver ativamente estratégias para moldar as disrupções e megatendências em curso que afetam o setor automóvel europeu. Uma vez que a cadeia de abastecimento da indústria automóvel enfrenta desafios enormes, o CESE considera imperativo criar um mecanismo para uma transição justa destinado a este setor, a fim de aplicar as medidas de acompanhamento necessárias para evitar perturbações sociais e assegurar uma transição socialmente responsável.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_2312

(2)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão «Sustainable and Smart Mobility» [Mobilidade sustentável e inteligente], SWD(2020) 331, p. 248.

(3)  Oliver Falck, Nina Czernich, Auswirkungen der vermehrten Produktion von elektrisch betriebener Pkw auf die Beschäftigung in Deutschland, Instituto IFO, maio de 2021. https://www.ifo.de/DocDL/ifoStudie-2021_Elektromobilitaet-Beschaeftigung.pdf

(4)  https://eeb.org/library/escaping-the-growth-and-jobs-treadmill/

(5)  Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (JO L 328 de 21.12.2018, p. 82).

(6)  Os veículos com menos de 1 000 kg/mais de 1 500 kg correspondiam, respetivamente, a 36 %/7 % das vendas em França, em 1998, e a 15 %/16 % em 2019 (Eurostat).

(7)  Diretiva 2000/53/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de setembro de 2000, relativa aos veículos em fim de vida (JO L 269 de 21.10.2000, p. 34).

(8)  Neste contexto, o parecer descreve pormenorizadamente o papel do regulamento europeu relativo às baterias (JO C 220.9.6.2021, p.128).


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/34


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o impacto societal e ecológico do ecossistema 5G

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/06)

Relator:

Dumitru FORNEA

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

210/2/19

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) observa que a digitalização célere e o desenvolvimento das comunicações eletrónicas têm um impacto considerável na economia e na sociedade em geral. Através da utilização responsável destas tecnologias, a humanidade tem uma oportunidade histórica de construir uma sociedade melhor. No entanto, sem dever de diligência e controlo democrático, as nossas comunidades poderão enfrentar desafios sérios na administração destes sistemas tecnológicos no futuro.

1.2.

O CESE reconhece que as infraestruturas de comunicações eletrónicas podem melhorar consideravelmente a qualidade de vida dos cidadãos e ter um impacto direto na luta contra a pobreza. A tecnologia 5G representa uma enorme oportunidade para melhorar os serviços de saúde humana através do desenvolvimento da telemedicina e da melhoria do acesso aos cuidados médicos. A sociedade reconhece o papel importante que a telemedicina desempenhou durante a pandemia.

1.3.

O CESE observa que o debate sobre a implantação de redes 5G se transformou numa discussão controversa e de cariz político. Não obstante, é necessário esclarecer questões sociais, sanitárias e ambientais, com a participação dos cidadãos e de todos os intervenientes pertinentes.

1.4.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a avançar no processo de avaliação do impacto multissetorial de novas tecnologias 5G e 6G, considerando que são necessárias ferramentas e medidas para fazer face aos riscos e às vulnerabilidades. Por conseguinte, recomenda que se afetem fundos europeus e nacionais a investigações pluridisciplinares mais aprofundadas e estudos de impacto centrados no ser humano e no ambiente, bem como à divulgação desses resultados, a fim de informar o público e os responsáveis políticos.

1.5.

O CESE propõe que a Comissão Europeia consulte os cidadãos e as organizações da sociedade civil e, através da participação de todas as instituições públicas pertinentes, contribua para o processo de decisão no tocante ao impacto societal e ecológico das comunicações eletrónicas móveis.

1.6.

O CESE considera que a UE necessita de um organismo europeu independente, com metodologias atualizadas, em consonância com o atual contexto tecnológico e uma abordagem multidisciplinar, encarregado de definir orientações para a proteção dos cidadãos e dos trabalhadores em caso de exposição a radiações eletromagnéticas de radiofrequência.

1.7.

O CESE recomenda que todas as estações de transmissão de radiofrequência e as bandas de frequência em que operam sejam inventariadas e que estas informações sejam publicadas para uma melhor gestão territorial e para a proteção dos interesses dos cidadãos, em especial dos grupos vulneráveis (crianças, grávidas, doentes crónicos, idosos, pessoas com hipersensibilidade elétrica). Importa ter igualmente em conta a saúde e segurança dos trabalhadores.

1.8.

O CESE apoia a ideia de o equipamento das redes 5G ter de ser concebido, de origem, com capacidades para fornecer informações públicas e em tempo real sobre a potência de emissão e outros parâmetros técnicos pertinentes para as organizações de consumidores e os cidadãos interessados. Esses dados têm de ser centralizados, geridos e divulgados pelas autoridades competentes.

1.9.

O CESE considera que a vigilância e o controlo da poluição eletromagnética têm de ser efetuados com base numa abordagem científica interinstitucional e interdisciplinar rigorosa, apoiada pela disponibilização de equipamento moderno para medir os parâmetros das redes de comunicações eletrónicas, para que os efeitos cumulativos durante períodos prolongados sejam devidamente realçados e avaliados.

1.10.

Embora não haja dados científicos reconhecidos que demonstrem o impacto negativo da tecnologia 5G na saúde humana, o CESE considera que importa monitorizar em permanência os aspetos sociais, ambientais e de saúde desta tecnologia, em consonância com o princípio da precaução. Reconhece a preocupação quanto aos efeitos na saúde, nomeadamente os efeitos térmicos e não térmicos, à intensidade da exposição e aos efeitos a longo prazo dessa exposição. Algumas regiões/zonas concentrarão uma maior exposição do que outras e, nesses casos, devem ponderar-se medidas específicas, incluindo a recomendação de ampliar a aplicação do princípio ALARA (tão baixo quanto razoavelmente possível), a fim de limitar os efeitos das radiações eletromagnéticas geradas pelas redes 5G.

1.11.

O CESE observa que é praticamente impossível evitar a exposição da população a diversos campos eletromagnéticos. Os parceiros sociais deverão participar desde o início na revisão dos valores-limite de exposição previstos na Diretiva relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde em matéria de exposição dos trabalhadores aos riscos devidos aos agentes físicos (campos eletromagnéticos) (1). Há que prestar especial atenção aos efeitos não térmicos.

1.12.

Importa reforçar e consolidar as medidas de proteção da saúde e segurança através do controlo rigoroso dos níveis de radiação e da aplicação estrita de normas de segurança para as pessoas que trabalham nas proximidades de fontes de radiação eletromagnética.

1.13.

O CESE assinala a necessidade de atualizar os mecanismos institucionais que visam defender os direitos humanos no novo contexto da hiperdigitalização, da hiperautomação e da hiperconectividade facilitadas pela implantação da tecnologia 5G, tendo em conta que qualquer desenvolvimento tecnológico tem de integrar tais valores universais, que representam uma dimensão válida e necessária na avaliação da relação entre custos e benefícios.

1.14.

O CESE compreende a preocupação dos cidadãos em relação à garantia de que os seus direitos de propriedade são respeitados na distribuição de antenas ou ao direito de serem donos dos seus próprios corpos no contexto das redes 5G que se estendem por todo o lado, desde as suas próprias casas até aos satélites em órbita. O direito de propriedade e o direito às escolhas pessoais têm de ser respeitados. Deve ser garantida a definição de consentimento informado, para que o cidadão tenha o direito efetivo de dar o seu consentimento livre, plenamente informado e válido.

1.15.

O CESE apoia o reforço das capacidades europeias de prevenção, educação e proteção no âmbito dos riscos cibernéticos, tanto através do reforço das instituições pertinentes, como a ENISA, como através da criação de instrumentos tecnológicos, institucionais e jurídicos para assegurar a observância dos direitos dos cidadãos. A fim de resolver certas ameaças à segurança, a UE deve investir mais no desenvolvimento das suas próprias tecnologias e no apoio à indústria tecnológica e aos programadores. Acima de tudo, estas ações devem ser adaptadas para incentivar as PME europeias a desenvolverem infraestruturas 5G seguras e fiáveis.

2.   Introdução

2.1.

A tecnologia 5G não é propriamente uma nova tecnologia; é uma evolução de tecnologias existentes (da primeira à quarta geração) e existirá a par destas, o que se traduzirá numa rede mista de redes: um maior número de bandas de radiofrequência mais variadas, uma série de dispositivos que trocam dados entre si e uma miríade de interações com os utilizadores. Alguns dos novos equipamentos e das novas tecnologias utilizados poderão ter efeitos diferentes dos provocados pelas gerações anteriores.

2.2.

A tecnologia 5G deve permitir a hiperconectividade sem fios, a capacidade de abranger e ligar um número elevadíssimo de dispositivos e uma velocidade de transferência muito mais rápida, medida em Gbps. Tal será possível através da agregação de espetros de formação de feixe e de várias ligações paralelas, utilizando simultaneamente antenas Massive MIMO (a estação de base agregada em fase do operador) e antenas MIMO normais (o próprio dispositivo do cliente), e com um tempo de latência baixo (milissegundos para as infraestruturas próprias do operador mas não com o resto da Internet).

2.3.

Segundo um estudo realizado pela Associação mundial de operadores móveis (GSMA) em 2019, as novas capacidades da rede 5G são necessárias para a condução autónoma, a realidade virtual, a realidade aumentada e a «Internet tátil». As outras aplicações podem ser fornecidas utilizando a tecnologia atual (4G LTE e fibra ótica). A tecnologia 5G acelerará igualmente a transição para a Indústria 4.0 e facilitará o desenvolvimento de aplicações baseadas na inteligência artificial, pelo que esta tecnologia é considerada fundamental para o desenvolvimento de uma economia moderna, cada vez mais automatizada e digitalizada.

2.4.

Várias comunidades científicas em todo o mundo apresentaram elementos probatórios (2) indicando que há razões para preocupação relativamente à exposição prolongada e ubíqua do corpo humano e de outros organismos biológicos à gama de frequências de micro-ondas utilizadas pelas redes 5G e às secções e radiofrequências de 10, 20, 30 ou mais giga-hertz específicas das tecnologias 5G, bem como aos potenciais efeitos nocivos na saúde humana, na biodiversidade e no ambiente. Todavia, até agora, as autoridades da UE e nacionais pertinentes afirmaram não haver provas científicas do impacto negativo da tecnologia 5G na saúde humana. A OMS afirma que, até à data, e depois de realizado muito trabalho de investigação, não foi possível estabelecer um elo causal entre efeitos adversos para a saúde e a exposição a tecnologias sem fios.

2.5.

A par das tecnologias emergentes que facilita, a tecnologia 5G traz incerteza e, à semelhança de qualquer tecnologia nova, alguns efeitos que podem ser ainda invisíveis. A fim de abordar corretamente todas as questões relacionadas com o impacto das redes 5G na saúde pública e evitar que a opinião pública seja vítima de desinformação, a sociedade civil considera necessária uma governação preventiva adequada, mediante a aplicação do princípio da precaução ao processo legislativo europeu, com vista à regulamentação desta nova geração tecnológica de comunicações eletrónicas.

3.   Observações na generalidade

3.1.

De um modo geral, as instituições internacionais, as empresas e as autoridades nacionais mostram-se abertamente entusiasmadas com as vantagens que a tecnologia 5G trará. No entanto, importa analisar a possibilidade de surgirem efeitos negativos à medida que o ecossistema 5G se desenvolve e, implicitamente, as condições necessárias para a aceitação social dessas infraestruturas e serviços que têm um impacto societal significativo.

3.2.

Com a rápida evolução das tecnologias de comunicações eletrónicas e da infraestrutura da Internet, tem havido um debate crescente entre o público em geral e a sociedade civil organizada nos países desenvolvidos em relação à necessidade e às vantagens de acelerar exponencialmente o desenvolvimento das redes de TIC. As autoridades públicas têm de reconhecer os desafios associados às formas como estes sistemas tecnológicos podem potencialmente afetar o ambiente, os organismos vivos ou os direitos civis das pessoas.

3.3.

A nível europeu, as preocupações quanto aos potenciais efeitos da poluição eletromagnética na saúde estão patentes no considerando 31 da Decisão n.o 243/2012/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (3): «Uma abordagem coerente da autorização de espetro na União deverá ter plenamente em conta a proteção da saúde pública contra os campos eletromagnéticos, a qual é fundamental para assegurar o bem-estar dos cidadãos. Sem prejuízo da Recomendação 1999/519/CE do Conselho, de 12 de julho de 1999, relativa à limitação da exposição da população aos campos eletromagnéticos (0 Hz a 300 GHz), é fundamental assegurar uma monitorização permanente dos efeitos das radiações ionizantes e não ionizantes decorrentes da utilização do espetro para a saúde, incluindo os efeitos cumulativos, na vida real, da utilização do espetro em várias frequências por um número cada vez maior de equipamentos».

4.   Observações na especialidade

A tecnologia 5G e o impacto nos direitos civis das pessoas

4.1.

Nos últimos anos, várias organizações da sociedade civil na UE e noutros países emitiram alertas sobre os efeitos nocivos e as crises graves e complexas suscetíveis de serem desencadeadas pela falta de controlo democrático e transparência e pelas ameaças à segurança decorrentes da dependência de tecnologias fornecidas por intervenientes e países terceiros.

4.2.

A indústria das comunicações eletrónicas e as aplicações revolucionárias do tipo 5G que esta proporciona baseiam-se na exploração de dois recursos muito importantes. Em primeiro lugar, a utilização do espetro de radiofrequência. Trata-se de um recurso natural limitado que é propriedade das pessoas e gerido em seu nome pelos governos através de agências nacionais ou outros organismos públicos que cedem estes recursos aos operadores de comunicações eletrónicas.

4.3.

Outro recurso essencial é o acesso aos dados e metadados dos consumidores e das pessoas. Com o desenvolvimento do mercado dos serviços digitais, estes dados são muitíssimo valiosos e conferem vantagens enormes às empresas que os utilizam. O CESE realçou alguns dos desafios neste contexto no seu Parecer «Uma estratégia europeia para os dados» (4).

4.4.

Tendo em conta o que precede, importa sublinhar que a tecnologia 5G e a partilha e agregação de dados, à semelhança de muitas outras tecnologias, constituem uma ferramenta poderosa que pode ser utilizada para fortalecer a sociedade civil, tornar os serviços públicos mais eficazes e fiáveis e reduzir as desigualdades através da promoção do crescimento económico. Por conseguinte, a UE e os Estados-Membros devem tirar partido da tecnologia 5G para melhorar o acesso a dados de alta qualidade e desenvolver infraestruturas de administração digital (administração eletrónica) mais eficazes, aproximando assim as instituições públicas e democráticas dos cidadãos.

4.5.

Deste modo, o desenvolvimento responsável e sustentável das infraestruturas de comunicações eletrónicas deverá melhorar a qualidade de vida dos cidadãos comuns, especialmente nas regiões e nos países menos desenvolvidos. O desenvolvimento destas tecnologias tem, assim, uma influência direta na luta contra a pobreza.

4.6.

A fim de implantar as redes 5G a toda a velocidade, a União Europeia, através da Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho (5) (artigos 42.o, 43.o e 44.o), criou um quadro regulamentar para facilitar o acesso dos operadores de comunicações eletrónicas a propriedades onde tenham de ser instalados equipamentos e infraestruturas essenciais para o desenvolvimento destas redes. A sociedade civil acompanha a interpretação desta disposição, de modo que a transposição da diretiva não conduza a derrogações inconstitucionais da garantia dos direitos de propriedade dos cidadãos.

Impacto do ecossistema 5G no ambiente

4.7.

Algumas organizações da sociedade civil sinalizaram o potencial impacto ambiental das novas redes 5G. Algumas das suas alegações dizem respeito à insuficiência de disposições relativas a estudos de impacto ambiental ou à inadequação dos mecanismos e das medidas para reduzir a pegada energética da infraestrutura da rede 5G ou para promover a reciclagem de resíduos eletrónicos (6).

4.8.

A fim de realizarem uma avaliação adequada do impacto da tecnologia 5G no ambiente e no clima, as autoridades públicas têm de ter em conta aspetos como as emissões de gases com efeito de estufa (7), a disponibilidade e o consumo de matérias-primas essenciais, a quantidade (e as fontes) de energia utilizada por todos os objetos ligados e utilizados na Internet das coisas, bem como a quantidade (e as fontes) de energia utilizada para transportar dados sem fios e gerir pontos de centralização e trânsito de dados.

4.9.

Com a implantação da tecnologia 5G e a Internet das coisas, milhares de milhões de novos elementos da rede 5G e bens de uso doméstico (produtos eletrónicos e eletrodomésticos, instalações, etc.) passarão a integrar a categoria de resíduos eletrónicos (8), facto que tem de ser tido em consideração no contexto do conceito de economia circular, bem como das políticas para acabar com os resíduos.

Preocupações quanto ao impacto das redes 5G na saúde humana e nos organismos vivos

4.10.

A tecnologia 5G representa uma enorme oportunidade para melhorar a saúde humana. O desenvolvimento das infraestruturas de TIC e a incorporação da tecnologia 5G acelerarão o progresso da telemedicina, nomeadamente através do conceito da Internet das coisas. A tecnologia 5G permitirá a realização de cirurgias complexas à distância, melhorando assim consideravelmente o acesso a cuidados médicos de alta qualidade, especialmente para as pessoas que não têm meios para viajar para o estrangeiro a fim de receber o tratamento de que necessitam.

4.11.

O desenvolvimento da telemedicina é particularmente importante em períodos de pandemia, em que o acesso permanente a cuidados médicos diminui consideravelmente. Ademais, a tecnologia 4G permitiu o desenvolvimento da telerradiologia. A infraestrutura de TIC permitiu aos doentes serem diagnosticados à distância (IRM, TAC) e beneficiar de um serviço médico de qualidade, independentemente da localização. A tecnologia 5G continuará a aprofundar esse processo, permitindo que as pessoas tenham um acesso mais eficaz a diagnósticos e a serviços médicos diretos prestados à distância.

4.12.

Por seu turno, o rápido desenvolvimento tecnológico dos últimos 20 anos conduziu a um aumento dos campos eletromagnéticos e, implicitamente, a um aumento da poluição causada por este nevoeiro elétrico. O impacto do nevoeiro elétrico deve ser avaliado com base numa abordagem assente em dados concretos, a fim de avaliar o risco real.

4.13.

A hipersensibilidade eletromagnética, ou intolerância eletromagnética, é uma doença que foi reconhecida pelo Parlamento Europeu (9), pelo CESE (10) e pelo Conselho da Europa (11). Afeta um certo número de pessoas e, com a implantação da tecnologia 5G (que requer uma rede eletrónica muito mais densa), é expectável que esta doença possa vir a afetar mais pessoas.

4.14.

A nível mundial, realizaram-se estudos que concluem que os efeitos biológicos das radiações eletromagnéticas não apresentam quaisquer riscos para a saúde, desde que sejam cumpridas as normas nacionais ou da CIPRNI. Ao mesmo tempo, há outros estudos, realizados desde a década de 1970 até ao presente (12), que concluíram que existem perigos para a saúde humana (13).

4.15.

Em relatórios sobre as preocupações quanto à exposição prolongada das pessoas a campos eletromagnéticos criados pela tecnologia 5G, elaborados em 2019 e 2020, respetivamente, pela Comissão Europeia e pela Federal Communications Commission (FCC) (14), afirma-se que não há provas científicas sólidas ou credíveis de problemas de saúde causados pela exposição à energia de radiofrequência emitida pelos telefones móveis.

4.16.

Há vários anos, a Organização Mundial da Saúde classificou o campo eletromagnético produzido pelas radiofrequências como possivelmente cancerígeno; agora, assume uma posição semelhante à das autoridades da UE e dos EUA. Todavia, com a implantação das redes 5G, anunciou que irá proceder em 2022 a uma nova avaliação dos riscos dos campos eletromagnéticos para o espetro da radiofrequência (de 3 kHz a 3000 GHz) (15).

4.17.

A versão final da Resolução n.o 1815 do Conselho da Europa, de 27 de maio de 2011, sobre os potenciais perigos dos campos eletromagnéticos e o seu efeito no ambiente adverte para o impacto da poluição eletromagnética na saúde humana e inclui um conjunto de recomendações gerais e específicas para uma abordagem coerente de médio e longo prazo dos desafios colocados pela proliferação das comunicações telefónicas na rede móvel. Este documento sublinha a necessidade de se tomarem todas as medidas razoáveis para reduzir a exposição a campos eletromagnéticos em conformidade com o princípio ALARA (16), que tem de ser aplicado no caso de radiações ionizantes.

4.18.

Alguns estudos indicam que os efeitos das radiações emitidas por telefones móveis e infraestruturas de comunicações sem fios (até mesmo emissões não térmicas) apresentam riscos para a saúde humana do ponto de vista neuronal, reprodutivo, oncológico e genotóxico (17). Todavia, as instituições pertinentes consideram, com base nas suas próprias avaliações e metodologias, que as radiações emitidas por telefones móveis e infraestruturas de comunicações sem fios são seguras para os seres humanos.

4.19.

Como referido anteriormente, alguns estudos examinaram o impacto das radiações eletromagnéticas na saúde humana e animal. Não obstante, muito poucos aspetos são esclarecidos e ainda menos é referido em relação ao impacto complexo que a exposição a radiações eletromagnéticas não ionizantes pode ter enquanto efeito não térmico na flora e na fauna. Os estudos mais conhecidos referem o impacto importante e imediato nos polinizadores e nas aves, mas os cientistas mostram-se muito preocupados com o impacto a longo prazo das emissões eletromagnéticas nos ecossistemas vivos.

Alegações em relação às orientações da CIPRNI (18)

4.20.

A Comissão Europeia e a grande maioria dos governos nacionais de todo o mundo recorrem às orientações da CIPRNI quando definem limites para a exposição dos cidadãos às radiações de campos eletromagnéticos. As orientações da CIPRNI atualizadas e publicadas em 2020 também tiveram em conta a formação de feixes e as frequências, parâmetros específicos da tecnologia 5G, mas não tiveram em consideração a agregação de frequências nem a maior densidade das ligações.

4.21.

Apesar do facto de a CIPRNI envidar esforços consideráveis para indicar os métodos científicos utilizados na elaboração das orientações de proteção, esta apenas reconhece como potencialmente nocivos os efeitos térmicos produzidos pelas radiações eletromagnéticas.

4.22.

O estudo do STOA efetuado pelo Parlamento Europeu (19), em conformidade com as recomendações formuladas na Resolução n.o 1815 do Conselho da Europa, de 2011, defende a observância do princípio da precaução, a revisão dos limiares propostos pela CIPRNI e a adoção de medidas técnicas e administrativas para reduzir o impacto da poluição eletromagnética produzida pelas comunicações eletrónicas.

4.23.

As medidas propostas visam assegurar uma arquitetura mais responsável para as infraestruturas de comunicações (colocação de antenas e de outros equipamentos específicos), assegurar que o público em geral é informado sobre os potenciais efeitos da poluição eletromagnética e as opções de que dispõe para reduzir o impacto da exposição às radiações eletromagnéticas, desenvolver capacidades para monitorizar campos eletromagnéticos, etc. Cabe disponibilizar fundos nacionais e europeus para levar a cabo investigação pluridisciplinar mais aprofundada e estudos de impacto no ser humano e no ambiente, assim como para divulgar os resultados a fim de informar o público e os responsáveis políticos.

Cibersegurança da tecnologia 5G — Ferramentas, medidas e respetiva eficácia

4.24.

O CESE já sublinhou muitos dos desafios em matéria de cibersegurança no seu Parecer «Implantação segura de redes 5G — Conjunto de instrumentos da UE» (20). As vulnerabilidades por resolver nas redes 4G serão amplificadas nas redes 5G, nomeadamente ao nível técnico da arquitetura, da topologia e do protocolo, tal como identificadas pela ENISA (21) e, segundo o relatório do grupo de cooperação Segurança das Redes e da Informação (22), ainda não é possível combatê-las com medidas eficientes.

4.25.

A fim de combater certas ameaças à segurança, a UE deve investir mais no desenvolvimento das suas próprias tecnologias e no apoio à indústria tecnológica e aos programadores. Acima de tudo, estas ações devem ser adaptadas para incentivar as PME europeias a desenvolverem infraestruturas 5G seguras e fiáveis.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2013/35/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde em matéria de exposição dos trabalhadores aos riscos devidos aos agentes físicos (campos eletromagnéticos) (20.a diretiva especial na aceção do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 89/391/CEE) e que revoga a Diretiva 2004/40/CE (JO L 179 de 29.6.2013, p. 1)

(2)  https://ehtrust.org/environmental-health-trust-et-al-v-fcc-key-documents/

(3)  Decisão n.o 243/2012/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, que estabelece um programa plurianual da política do espetro radioelétrico (JO L 81 de 21.3.2012, p. 7).

(4)  TEN/708 (JO C 429 de 11.12.2020, p. 290).

(5)  Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO L 321 de 17.12.2018, p. 36)

(6)  https://www.greenpeace.org/static/planet4-eastasia-stateless/2021/05/a5886d59-china-5g-and-data-center-carbon-emissions-outlook-2035-english.pdf

(7)  https://www.hautconseilclimat.fr/wp-content/uploads/2020/12/rapport-5g_haut-conseil-pour-le-climat.pdf

(8)  https://www.itu.int/en/ITU-D/Climate-Change/Pages/Global-E-waste-Monitor-2017.aspx

(9)  Resolução do Parlamento Europeu, de 2 de abril de 2009, sobre preocupações com a saúde associadas aos campos eletromagnéticos (2008/2211(INI)), ponto 28, https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-6-2009-0216_PT.html

(10)  Parecer do CESE «Implantação segura de redes 5G — Conjunto de instrumentos da UE: TEN/704» (JO C 429, 11.12.2020, p. 281).

(11)  Resolução n.o 1815 (2011), versão final, ponto 8.1.4, http://assembly.coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-en.asp?fileid=17994

(12)  https://bioinitiative.org/updated-research-summaries/

(13)  Defence Intelligence Agency — Biological Effects of Electromagnetic Radiation (Radiowaves and Microwaves) [Agência de Informações de Defesa — Efeitos biológicos das radiações eletromagnéticas (ondas radioelétricas e micro-ondas) — março de 1976.

(14)  A posição da FCC foi contestada em tribunal por organizações da sociedade civil dos EUA: https://ehtrust.org/eht-takes-the-fcc-to-court/

(15)  Segundo o Regulamento das Radiocomunicações da União Internacional das Telecomunicações (UIT).

(16)  «Tão baixo quanto razoavelmente possível» — o princípio ALARA é utilizado na criação de programas de proteção contra as radiações ionizantes.

(17)  Por exemplo, o estudo REFLEX europeu de 2004, realizado em nome da UE por 12 instituições académicas com um orçamento total superior a 3 milhões de euros, elevando-se a contribuição da Comissão Europeia a e 2 059 milhões de euros.

(18)  Comissão Internacional para a Proteção contra as Radiações Não Ionizantes.

(19)  https://www.home-biology.com/images/emfsafetylimits/EuropeanParliamentSTOA.pdf

(20)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 281.

(21)  https://www.enisa.europa.eu/publications/enisa-threat-landscape-report-for-5g-networks/at_download/fullReport

(22)  https://ec.europa.eu/newsroom/dae/document.cfm?doc_id=64468


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/40


Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável de nova geração — Revisão do plano de ação de 15 pontos»

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/07)

Relatora:

Tanja BUZEK

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

28.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

236/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O comércio necessita do quadro estratégico adequado para fomentar o crescimento, a criação de empregos dignos, o desenvolvimento sustentável e apoiar uma retoma económica sustentável na sequência da crise da COVID-19, que possibilite a reconstituição e reorganização, pelas empresas, das suas cadeias de valor e abastecimento afetadas. O ano de 2021 marca uma mudança na configuração da governação do comércio da União Europeia, e o CESE apoia esta nova via — aberta, sustentável e decisiva.

1.2.

Os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável refletem o empenho da UE numa «agenda comercial assente em valores», que promove simultaneamente o desenvolvimento económico, social e ambiental. É crucial abordar o problema do incumprimento e melhorar a concretização dos compromissos assumidos nos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, a fim de alcançar elevados padrões laborais e de sustentabilidade, através de instrumentos comerciais. Tanto a nível bilateral como mundial, a UE deve fixar parâmetros de referência ambiciosos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, com parceiros comerciais que partilhem as mesmas ideias e dispostos a liderar.

1.3.

O CESE congratula-se com a revisão antecipada do plano de ação de 15 pontos e espera que este vá além do seu quadro limitado e compartimentado de 2018. Tendo em conta os casos de incumprimento dos compromissos jurídicos vinculativos constantes dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, o CESE propõe uma revisão ambiciosa, com uma nova abordagem de execução assente em sanções, um acompanhamento mais forte pela sociedade civil, utilizando instrumentos inovadores e reforçando o efeito de alavanca do comércio e desenvolvimento sustentável. Esta «nova geração» de capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável deve ser parte integrante da estratégia comercial da UE, aplicando-se tanto às negociações atuais como futuras.

1.4.

Uma nova abordagem começa por eliminar a compartimentação. A aplicação e execução bem-sucedidas dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável requerem uma interação dinâmica, estruturada e mais cooperante entre os intervenientes, bem como o intercâmbio entre instituições e organismos internacionais e, sobretudo, entre todos eles e os grupos consultivos internos (GCI) e entre estes. Enquanto organismo reconhecido a nível internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) deve participar na monitorização da aplicação das suas convenções nos acordos de comércio livre (ACL).

1.5.

Os problemas mais graves surgem frequentemente desde o início. O CESE salienta a importância de, no âmbito do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável, assegurar compromissos prévios à ratificação das principais convenções internacionais ou a adoção de roteiros vinculativos e executórios, com prazos claros para tal ratificação. O primeiro caso de aplicação dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável ao abrigo do modelo em vigor confirmou que uma terminologia vaga é insuficiente.

1.6.

As três dimensões dos referidos capítulos estão interligadas e não devem ser abordadas de forma compartimentada. O CESE congratula-se com o papel ativo das empresas nos esforços para assegurar um comércio sustentável e estima que elas podem ter um papel positivo na promoção das oportunidades no âmbito das ações climáticas, por exemplo, para a indústria das tecnologias limpas, com especial destaque para as PME. Os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável devem estabelecer ligações mais fortes à Declaração de Princípios Tripartida sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social da OIT (doravante a «Declaração sobre empresas multinacionais»), promovendo a ratificação das suas convenções, e às orientações da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) para empresas multinacionais, em especial a jusante da cadeia de valor.

1.7.

Uma mudança efetiva no terreno requer ir além dos capítulos clássicos sobre comércio e desenvolvimento sustentável e ter em conta o forte impulso de instrumentos estratégicos suplementares. O CESE insta à adjudicação de contratos públicos apenas a empresas de países que cumpram as normas fundamentais da OIT e o Acordo de Paris. Exorta igualmente a uma legislação europeia ambiciosa em matéria de dever de diligência obrigatório como outra medida fundamental de acompanhamento. Os investidores estrangeiros devem respeitar o dever de diligência antes de beneficiarem de um acordo de investimento internacional. A fim de alcançar o comércio sustentável, as medidas devem ser complementadas com ações de luta contra o branqueamento de capitais, a criminalidade fiscal e a elisão fiscal e contra a corrupção.

1.8.

O desenvolvimento sustentável deve refletir a evolução e impulsioná-la, assegurando que as normas laborais e ambientais ocupam uma posição igualmente importante na sua agenda. O Pacto Ecológico, as iniciativas sobre a economia circular e o mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço complementam os temas relevantes no contexto do comércio e do desenvolvimento sustentável, que já incluem a biodiversidade. Para estabelecer obrigações concretas, os compromissos ambientais devem converter-se em normas internacionais.

1.9.

Não há uma solução milagrosa para a execução, mas importa começar pelo reforço da aplicabilidade efetiva. O CESE há muito que solicitou um painel de peritos reformulado, que preveja penalizações ou sanções financeiras, bem como um papel ativo para os GCI no seu funcionamento. O Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido pode ser considerado um modelo, ao dar prioridade a condições de concorrência equitativas e à sustentabilidade, em prol tanto das empresas como dos trabalhadores.

1.10.

Os parceiros comerciais da UE demonstram ter um pensamento criativo e inovador no que diz respeito a novos instrumentos comerciais. A UE deve adotar uma abordagem inovadora em matéria de resolução de litígios laborais e considerar a suspensão das preferências pautais para as empresas que violem as normas internacionais acordadas. No contexto de uma relação económica gradual, o CESE apoia reduções pautais faseadas associadas à aplicação pelos países parceiros dos compromissos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, com a possibilidade de revogação em caso de violação.

1.11.

Não há sustentabilidade sem a sociedade civil. A constituição dos GCI não foi um fim em si mesmo. Para serem levados a sério, necessitam de informações, recursos e acesso para aconselhar as partes em matéria de aplicação e execução, bem como de um quadro institucionalizado mais forte. Além dos GCI, o CESE solicita o restabelecimento do grupo de peritos sobre ACL.

1.12.

O CESE é um dos maiores defensores dos GCI e continuará a apoiar o seu trabalho. Os debates sobre o reforço dos GCI intensificaram-se recentemente, e o CESE incentiva a Comissão e outras partes interessadas (1) a colaborarem com os GCI no sentido de melhorar a sua composição, a organização do seu trabalho, o seu âmbito e papel nos mecanismos de execução e os seus canais institucionais, tal como descrito em pormenor na secção cinco do presente parecer.

2.   Introdução

2.1.

Uma política comercial ativa tem de fomentar eficazmente o desenvolvimento sustentável e beneficia as empresas, os trabalhadores, os consumidores e a população em geral, desde que proporcione novas oportunidades de mercado, crie postos de trabalho dignos e nivele as condições de concorrência. Acarreta também riscos inerentes, que apenas podem ser atenuados eficazmente se a política comercial for integradora e permitir à sociedade civil, às partes interessadas e à população em geral darem a conhecer as suas preocupações.

2.2.

O CESE apela há muito para que a sustentabilidade seja uma das forças motrizes da política comercial, tendo em conta o papel fundamental que o comércio deve desempenhar na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. A nova estratégia comercial da UE deste ano estabelece o quadro para os próximos anos, sendo que o CESE forneceu, num parecer específico (2), recomendações sobre os aspetos relacionados com o comércio, saudando simultaneamente a tónica colocada na sustentabilidade e apelando a um reforço ambicioso dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, bem como à sua aplicabilidade efetiva.

2.3.

Partindo do trabalho anterior do CESE, o presente parecer fornece uma avaliação da sociedade civil acerca da abordagem atual para contribuir para a revisão em curso dos referidos capítulos. Baseia-se numa abordagem inovadora do comércio, com vista a fazer respeitar os valores de desenvolvimento sustentável da UE: capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável para as gerações futuras.

3.   Comércio e desenvolvimento sustentável: uma agenda comercial da UE baseada em valores

3.1.

Ao integrar sistematicamente capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos seus ACL, a UE destaca o seu empenho numa «agenda comercial assente em valores», que promove simultaneamente o desenvolvimento económico, social e ambiental. É crucial abordar o problema do incumprimento e melhorar a concretização dos compromissos assumidos nos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, a fim de alcançar elevados padrões laborais e de sustentabilidade, através de instrumentos comerciais.

3.2.

Partindo de um formato mais embrionário no âmbito do ACL UE-Coreia do Sul de 2011, os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável foram evoluindo constantemente em todos os subsequentes ACL da UE, integrando um simples mecanismo de resolução de litígios, assente em consultas, e GCI para a monitorização pela sociedade civil. Incluem compromissos no sentido de respeitar os acordos laborais e ambientais multilaterais, bem como de impedir que as partes afrouxem ou reduzam os níveis de proteção ambiental ou laboral com vista a atrair comércio e investimentos. Enquanto fóruns bilaterais de diálogo e cooperação, podem igualmente servir de plataformas para fazer avançar a agenda multilateral para o comércio sustentável.

3.3.

Embora a UE tenha adotado medidas para colocar a sustentabilidade no cerne das suas ambições comerciais, as negociações em curso estão aquém desse objetivo. A revisão dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável deve, através de uma abordagem inovadora, reforçá-los e torná-los mais incisivos, abandonando o seu antigo «estatuto informal», bem como, enquanto parte integrante da estratégia comercial da UE, ser aplicada aos acordos em negociação e ser incluída nos mandatos revistos de negociação.

4.   Plano de ação de 15 pontos — avaliação

4.1.

O Parlamento Europeu (PE), o CESE e um vasto grupo de partes interessadas participaram num debate público crescente acerca da eficácia da abordagem da UE em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, que acabou por ser interrompido, em 2018, com o lançamento pela Comissão do plano de ação de 15 pontos. Estruturado em torno de quatro capítulos principais, este plano de ação definiu o quadro limitado e compartimentado para a evolução, ao longo dos últimos anos, dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, avaliado em seguida no contexto da sua execução e insuficiências.

Trabalhar em conjunto

4.2.

Criar parcerias com os Estados-Membros e o Parlamento Europeu: o grupo de peritos da Comissão para o comércio e o desenvolvimento sustentável reforçou a sua ligação com os Estados-Membros, mas a própria estrutura do grupo faz com que, nesse processo, se percam conhecimentos especializados e informações importantes. O seu trabalho merece um reforço da comunicação das conclusões e recomendações e exige ligações mais sólidas e regulares com os GCI e o CESE. A participação da DG Comércio tem de ser alargada aos principais serviços dos Estados-Membros responsáveis em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, envolvendo, eventualmente, outras direções-gerais (DG) pertinentes, como a DG Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão e a DG Ação Climática, bem como as respetivas redes, e trabalhando com organizações internacionais que integrem continuamente este fluxo de informações e observações. O fornecimento de informações atualizadas ao PE relativamente a questões pertinentes em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável deve envolver os GCI, em condições de igualdade, não devendo ser feito à porta fechada. O PE deve não só desempenhar um papel no que toca à monitorização e aplicação dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, como também deve ser totalmente informado das atividades e envolvido em decisões do Subcomité para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável e de outros órgãos de governação conjunta pertinentes. O que precede é especialmente importante no contexto do mecanismo de condições de concorrência equitativas ao abrigo do Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido.

4.3.

Trabalhar com as organizações internacionais: ao preconizar uma abordagem mais proativa e sistémica, o CESE apela à participação de organismos internacionais como a OIT, mesmo durante a negociação e ao longo da aplicação dos ACL, incluindo em todas as fases dos roteiros. Conforme evidenciado no caso da ratificação pelo Vietname, a OIT pode desempenhar um papel fundamental nas fases de pré-aplicação e de aplicação inicial. A colaboração mais estreita entre a Comissão, a OIT e o CESE é essencial para definir a assistência técnica e os projetos de reforço das capacidades da OIT nos países parceiros. Essa cooperação deve ser complementada por uma maior integração da OIT no papel de monitorização dos GCI, e as presidências do CESE e dos GCI poderiam ser convidadas a participar nas reuniões anuais de alto nível da DG Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão. A abordagem em matéria de acordos multilaterais no domínio do ambiente parece subaproveitada, sendo que poderia ser alargada a outras organizações internacionais pertinentes como a OCDE, bem como ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, atendendo à importância crescente do financiamento em prol dos ODS.

Permitir que a sociedade civil, incluindo os parceiros sociais, desempenhem o seu papel na aplicação

4.4.

Facilitar o papel de monitorização da sociedade civil, incluindo os parceiros sociais: o CESE saúda o projeto da UE relativo a um Instrumento de Parceria, que financia a participação em reuniões de alguns dos membros do GCI da UE, para além de preservar a independência política dos GCI. Insta a Comissão a renovar o financiamento do instrumento e a colaborar com os GCI no que toca à conceção do mesmo. Recomenda que o futuro apoio técnico e logístico seja mais flexível. O recurso a videoconferências pode complementar, mas não substituir, as reuniões presenciais. O financiamento futuro deve prever reuniões anuais que juntem todos os membros dos GCI com vista ao debate de questões transversais em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável. Para além do fornecimento de recursos financeiros, é necessário dar resposta aos desafios estruturais e organizacionais a fim de capacitar plenamente os GCI, como assinalado na secção 5.

4.5.

Alargar à totalidade dos ACL o âmbito de atuação da sociedade civil, incluindo os parceiros sociais: desde há muito que o CESE tem vindo a recomendar firmemente que os GCI prestem aconselhamento relativamente a todos os aspetos dos acordos comerciais da UE, mantendo uma tónica especial na aplicação dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável e, em termos mais gerais, no impacto do comércio no desenvolvimento sustentável. Este novo âmbito será testado em primeiro lugar no Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido. O CESE propõe que se alargue o atual âmbito de atuação dos GCI em todos os ACL em vigor, tanto através da revisão dos textos dos acordos como da introdução de práticas harmonizadas ao abrigo do regulamento interno dos GCI.

4.6.

Tomar medidas no que se refere à conduta empresarial responsável: o CESE saúda o facto de as empresas envidarem ativamente esforços para garantir um comércio sustentável, bem como o empenho da Comissão em promover comportamentos empresariais responsáveis. No entanto, lamenta que nem o CESE nem os GCI pertinentes tenham participado na supervisão dos projetos com a OCDE e a OIT. A Comissão deve elaborar indicadores para avaliar os resultados concretos dos projetos, para além da sensibilização, bem como incluir uma análise mais orientada e aprofundada a jusante nas cadeias de abastecimento.

Resultados

4.7.

Prioridades nacionais: o CESE concorda com uma abordagem estratégica e mais direcionada, pese embora existam diferenças significativas entre países parceiros, inclusivamente no seio de acordos regionais, como o acordo UE-América Central. A definição e avaliação das prioridades devem visar, de forma proativa e em diferentes fases do processo, consultas da sociedade civil, incluindo dos GCI. As unidades geográficas da DG Comércio e as delegações da UE devem interagir mais com os GCI para obter contributos e fornecer informações de forma sistemática. Por outro lado, impõe-se uma avaliação regular dos progressos ou retrocessos da Comissão no que se refere a tais prioridades.

4.8.

Execução assertiva: o processo de resolução de um litígio no domínio do trabalho com a Coreia proporciona ensinamentos importantes. Em primeiro lugar, a Comissão deve ser mais célere e proativa no recurso a procedimentos de resolução de litígios no domínio do comércio e do desenvolvimento sustentável, conferindo um papel ativo aos GCI. Em segundo lugar, importa incluir nos painéis peritos em direito internacional do trabalho, que devem consultar a OIT relativamente à sua jurisprudência e interpretação vinculativa. Em terceiro lugar, o relatório do painel confirma a necessidade de roteiros vinculativos, passíveis de desencadear sanções e com prazos claros para a ratificação das convenções da OIT. A expressão vaga «esforços contínuos e sustentados» confere às partes uma margem de manobra excessiva. Apesar de a Coreia ter ratificado três das quatros convenções da OIT em falta (não ratificou a Convenção n.o 105 sobre a abolição do trabalho forçado), continua a não ser claro se as alterações à legislação realizadas pelo país dão cumprimento integral às disposições das Convenções n.o 29, n.o 87 e n.o 98. Por conseguinte, o processo permanece aberto, e o CESE reitera o seu apelo para que sejam tomadas medidas de acompanhamento. No entanto, os problemas de conformidade não existem apenas em países parceiros. O CESE constata com preocupação que parecem faltar instrumentos para uma execução sólida na UE e nos seus Estados-Membros.

4.9.

Encorajar a ratificação precoce dos principais acordos internacionais: o CESE apoia a ratificação das principais convenções internacionais antes da celebração e assinatura de um ACL, a fim de beneficiar da máxima influência diplomática e negocial. O caso recente do Vietname revelou esses efeitos positivos, dado que o país ratificou as convenções n.o 98 e n.o 105 da OIT. Não foram, no entanto, realizados quaisquer progressos no que toca à ratificação da Convenção n.o 87. O CESE salienta, assim, a importância de, no âmbito do capítulo sobre o comércio e desenvolvimento sustentável, assegurar compromissos prévios à ratificação das principais convenções internacionais ou a adoção de roteiros vinculativos e executórios, com prazos claros para tal ratificação.

4.10.

Análise da aplicação e eficácia dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável: o CESE concorda que são necessárias análises e avaliações regulares da aplicação dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Lamenta, no entanto, a reduzida visibilidade do trabalho dos GCI, bem como a desconsideração das respetivas recomendações no âmbito destes processos, nomeadamente no contexto dos relatórios de execução anuais. Os relatórios futuros devem refletir melhor os programas de trabalho dos GCI, bem como as suas declarações conjuntas com GCI de países parceiros. Em particular, o CESE lamenta que, até à data, não tenham sido realizados progressos para tornar efetivamente aplicáveis os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável. No que se refere ao Acordo Económico e Comercial Global (CETA) celebrado com o Canadá, o CESE, o GCI da UE e os GCI canadianos apelaram reiteradamente à realização de progressos sólidos no que se refere à revisão antecipada, relativamente à qual as partes se tinham comprometido no instrumento comum interpretativo, com vista a reforçar a aplicabilidade efetiva das disposições em matéria laboral e ambiental. Este processo de revisão deve envolver estreitamente os GCI de ambas as partes.

4.11.

Manual de execução: o CESE saúda a elaboração de manuais que sirvam de ferramenta de execução, para ajudar os parceiros no âmbito de ACL a compreenderem melhor os compromissos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável e orientá-los no seu cumprimento. No que diz respeito a questões laborais, os parceiros sociais têm de ser vistos como parceiros fundamentais no terreno. As bases de dados comparativas formais têm de colocar a tónica no nível efetivo de aplicação das disposições em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, indo bem além dos progressos no que se refere à formulação utilizada nos acordos.

4.12.

Reforçar os recursos: a UE deve reservar alguns dos seus recursos de ajuda ao comércio para apoiar a participação e o reforço das capacidades dos GCI e das organizações da sociedade civil de países terceiros, no que se refere aos esforços em matéria de comércio e investimento sustentáveis.

4.13.

Ação climática: ainda que o comércio não seja o motor da política climática, deve desempenhar o seu papel no fomento da agenda climática mundial, sendo que as empresas, com especial destaque para as PME, têm um papel positivo a desempenhar no que respeita à promoção de oportunidades para o setor das tecnologias limpas. Tornar o Acordo de Paris um «elemento essencial» de todos os futuros acordos comerciais abrangentes, ou seja, suspender esses acordos em caso de incumprimento, é um passo positivo que deve ser alargado de forma a abranger as convenções fundamentais e atualizadas da OIT.

4.14.

Comércio e trabalho: o CESE saúda o âmbito alargado das questões laborais incluídas nos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, e insta a novas atualizações dos compromissos. Os referidos capítulos devem ter ligações mais fortes à Declaração sobre empresas multinacionais da OIT e às orientações da OCDE para empresas multinacionais. A Comissão deve promover a ratificação das convenções da OIT incluídas na Declaração sobre empresas multinacionais. A legislação avançada da UE, nomeadamente relacionada com a governação sustentável das empresas e com o dever de diligência obrigatório, deve proporcionar um enquadramento contínuo para o desenvolvimento adicional dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Contudo, para fazer a diferença no terreno, tais compromissos exigem uma execução mais proativa e maior aplicabilidade.

Transparência e comunicação

4.15.

Mais transparência e melhor comunicação: o CESE junta a sua voz às de todas as instituições e partes interessadas que sublinham a importância da transparência e da comunicação. A publicação de atas exaustivas constitui um ponto de partida importante útil para a participação da sociedade civil. As reuniões de diálogo com a sociedade civil, da Comissão, são um canal importante, embora devam ser reforçadas para assegurar um acompanhamento mais estruturado. Para tal, o CESE recomenda que se elimine a compartimentação e garanta que os vários canais de comunicação se reforçam mutuamente — com o PE, os Estados-Membros e a sociedade civil.

4.16.

Resposta a alegações relacionadas com comércio e desenvolvimento sustentável dentro de um prazo determinado: o CESE saúda o lançamento, em 2020, de um sistema de reclamações mediante a criação do ponto de entrada único, e, em especial, da unidade específica — sob a alçada do alto responsável pela execução da política comercial –— que lida exclusivamente com reclamações relacionadas com o comércio e o desenvolvimento sustentável. É demasiado cedo para avaliar a sua eficácia, mas o CESE prevê que a evolução contínua deste mecanismo envolva a sociedade civil e siga as recomendações desta.

5.   A nova geração de capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável

5.1.

Desde o plano de ação de 2018, o mundo do comércio evoluiu, tal como o debate sobre o comércio e o desenvolvimento sustentável. O Pacto Ecológico é um objetivo político global, inclusive para a agenda comercial da UE. Os intervenientes institucionais, como o PE e os Estados-Membros, apelam cada vez mais para uma reforma ambiciosa dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável. A pandemia de COVID-19 afetou os fluxos comerciais de uma forma sem precedentes, pondo a descoberto problemas importantes nas cadeias de abastecimento e de valor mundiais, muitas vezes relacionados com o incumprimento dos compromissos assumidos nos capítulos de comércio e desenvolvimento sustentável. O primeiro processo de resolução de um litígio no domínio do comércio e desenvolvimento sustentável sujeitou o sistema atual a uma prova decisiva em termos institucionais. O novo alto responsável pela execução da política comercial criou elevadas expectativas em termos de maior atenção, mais recursos e novos instrumentos legislativos para aplicar e executar melhor os compromissos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável. Entretanto, os parceiros comerciais da UE, como o Canadá e os Estados Unidos da América, adotaram fortes mecanismos de execução no âmbito dos seus ACL ou, como a Nova Zelândia, apresentaram propostas ambiciosas nas negociações comerciais com a UE, assegurando que o comércio é benéfico para todos.

5.2.

Os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável não se resumem a um debate sobre valores, são uma questão de sobrevivência tanto a nível da UE como a nível mundial. Preconizando uma abordagem holística, o CESE apoia os esforços da UE para impulsionar a agenda de sustentabilidade a nível multilateral e apela a alianças estratégicas com os principais parceiros comerciais sobre questões prioritárias, como a fuga de carbono ou o dever de diligência. Reitera a necessidade de liderança da UE numa reforma ambiciosa da Organização Mundial do Comércio (OMC) e na eliminação de tabus, ou seja, sobre os aspetos sociais do comércio. Enquanto nova forma de pensar positiva, o CESE congratulou-se com proposta dos EUA de abordar o problema global do trabalho forçado nos navios de pesca no âmbito das negociações em curso da OMC sobre subsídios à pesca (3).

5.3.

O CESE tem apelado constantemente para a integração de capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável mais vigorosos, pois constatou que o plano de ação de 15 pontos não estava a produzir resultados. Dentro do mesmo espírito, a revisão da política comercial de 2021 contempla ações adicionais para a aplicação e execução eficazes dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, incluindo, nomeadamente, «a possibilidade de sanções em caso de incumprimento».

5.4.

Hoje em dia, já foi recolhida experiência suficiente e foram tiradas suficientes ilações para servir de base a uma reformulação da abordagem atual, e o CESE propõe uma série de iniciativas inovadoras sobre a forma de os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável favorecerem o pleno cumprimento dos seus compromissos juridicamente vinculativos. Tal debate deve assegurar que as normas ambientais e laborais ocupam uma posição igualmente importante na estratégia de aplicação e execução.

Instrumentos políticos que conferem um efeito de alavanca adicional à aplicação dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável

5.5.

Em maio de 2020, França e os Países Baixos publicaram um documento oficioso, instando a UE a melhorar a sua análise dos aspetos socioeconómicos associados aos efeitos do comércio, bem como a reforçar a sua ambição no que toca ao elo entre comércio e desenvolvimento sustentável, em todas as suas dimensões (4), à luz do Pacto Ecológico Europeu. O CESE congratula-se com a adoção de uma abordagem mais analítica dos efeitos no comércio e apoia firmemente a recomendação de incentivar a aplicação eficaz dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável mediante reduções pautais faseadas, bem como do esclarecimento das condições a cumprir pelos países para beneficiar de tais reduções, incluindo a possibilidade de revogação dessas rubricas pautais específicas em caso de violação.

5.6.

O CESE insta ainda a que se vá além do conjunto de instrumentos comerciais tradicional, no sentido de encontrar medidas de acompanhamento que garantam alterações efetivas no terreno. A União deve adotar uma diretiva ambiciosa da UE relativa ao dever de diligência obrigatório, que reconheça a responsabilidade com base nas normas atuais e proporcione um quadro jurídico claro e seguro para as empresas europeias e de países terceiros com atividade na UE. O CESE defendeu com vigor que as decisões de gestão com vista a garantir a sustentabilidade económica, ecológica e social das empresas devem ser orientadas por obrigações em matéria de dever de diligência a incluir nos acordos comerciais no que se refere às cadeias de valor e de abastecimento mundiais (5).

5.7.

Para fazer progredir a sua agenda de desenvolvimento sustentável, a Comissão também deve explorar outros domínios e capítulos para além dos tradicionais capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, focando-se em aspetos como o investimento, a criação de ligações e as sinergias. O cumprimento do dever de diligência deve ser um requisito a respeitar pelos investidores estrangeiros para poderem beneficiar da aplicação de um acordo de investimento internacional. De modo análogo, as partes num ACL devem garantir que as empresas residentes nos seus territórios cumprem os requisitos em matéria de dever de diligência (6).

5.8.

A fim de assegurar um comércio sustentável, é imperativo que a UE introduza disposições relativas à cooperação entre as partes no que se refere à luta contra o branqueamento de capitais, a criminalidade fiscal e a elisão fiscal. A corrupção também prejudica os esforços de desenvolvimento sustentável e exige a integração de padrões elevados comparáveis para a sua eliminação.

5.9.

A adjudicação de contratos públicos deve estar sujeita a condições, sendo os contratos adjudicados a empresas de países que cumpram as normas fundamentais da OIT e o Acordo de Paris. Os ACL da UE devem promover as boas práticas relativas à integração de critérios ambientais e sociais nos contratos públicos (7).

5.10.

Embora a vertente ambiental dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável tenha realizado a maior parte dos seus progressos ao longo da última década, subsistem dois desafios. O primeiro tem que ver com o facto de as obrigações climáticas ao abrigo do Acordo de Paris dependerem de uma aplicação determinada a nível nacional, o que dificulta a tarefa de pôr termo às violações. O segundo diz respeito à falta de normas ambientais internacionais, nomeadamente relativas ao ar e água limpos, o que torna difícil o estabelecimento de obrigações. É importante trabalhar no sentido de operacionalizar os compromissos ambientais, de modo a estabelecer normas, incluindo normas relacionadas com o dever de diligência. À luz da pandemia de COVID-19, a questão da biodiversidade tornou-se mais premente do que nunca. O Pacto Ecológico, as iniciativas legislativas da UE sobre a economia circular ou o mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço (8) passaram a ser temas relevantes no contexto do comércio e do desenvolvimento sustentável.

5.11.

Uma visão mais abrangente revela a existência, nos ACL, de questões graves de sustentabilidade que os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável não conseguem resolver. A agricultura, uma das principais moedas de negociação da UE, tem um impacto claro em termos de sustentabilidade, por exemplo. O CESE salienta, em particular, a necessidade de colocar a segurança e sustentabilidade alimentares da UE no centro da análise (9). O CESE apela à aplicação harmoniosa da Diretiva relativa a práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento agrícola e alimentar, com vista a obter uma cadeia de abastecimento alimentar mais eficiente e mais equitativa.

Reforçar a aplicabilidade efetiva

5.12.

O CESE há muito que solicita um painel de peritos reformulado, para se poder desencadear um mecanismo de resolução de litígios entre Estados, que preveja penalizações ou sanções financeiras, bem como vias de recurso para a parte lesada (10). Os GCI devem ter um papel ativo no quadro da resolução de litígios. A equipa do alto responsável pela execução da política comercial deve investigar os casos apresentados por um GCI e informar e dar seguimento a todas as medidas de execução e relatórios do painel de peritos.

5.13.

O CESE saúda a nova abordagem do Acordo de Comércio e Cooperação que destaca a igualdade de condições de concorrência e a sustentabilidade, aplicando, para qualquer violação, um mecanismo de resolução de litígios com acesso a vias de recurso. Este modelo «híbrido» combina a abordagem baseada no painel de peritos com uma vertente executória para situações reiteradas de inobservância da não regressão ou de falta de aplicação, a nível nacional, de disposições em matéria laboral, social, ambiental ou climática. Tal inclui uma compensação temporária acordada entre as partes, ou a suspensão unilateral das obrigações pela parte queixosa, em qualquer domínio (por exemplo, pautas aduaneiras, direitos de tráfego aéreo, acesso a águas de pesca), sob determinadas condições.

5.14.

Um secretariado do trabalho independente para tratar as questões laborais transnacionais no âmbito de um ACL, incluindo os efeitos no mercado de trabalho, e para acompanhar e analisar a conformidade do respetivo capítulo sobre o trabalho, e um mecanismo de apresentação de reclamações coletivas devem complementar a execução dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável (11). Enquanto organismo reconhecido a nível internacional, a OIT deve participar na monitorização da aplicação das suas convenções nos ACL. O seu papel também deve ser reforçado e institucionalizado no que se refere à interpretação correta de instrumentos da OIT, no âmbito de litígios que envolvam normas laborais internacionais. A OIT deve ser sistematicamente envolvida, para fornecer orientações ao painel de peritos sobre tais matérias.

5.15.

O CESE propõe a análise de abordagens inovadoras em matéria de resolução de litígios laborais que permitam a painéis internacionais ad hoc impor medidas corretivas a uma empresa que viola as normas laborais internacionais acordadas. Os GCI da UE e do Canadá no âmbito do CETA (12) assinalaram o exemplo do Mecanismo de Resposta Rápida do T-MEC (13), ao abrigo do qual as penalizações incluem a suspensão das preferências pautais, baseando-se numa escala progressiva de gravidade e reincidência. O objetivo continua a ser o de incentivar, sempre que possível, a conciliação através de colaboração bilateral e diálogo entre as partes. No entanto, a existência de consequências dissuade as empresas de não cumprirem as regras.

5.16.

A avaliação da execução com base nos litígios resolvidos com êxito dá apenas uma imagem parcial, especialmente porque o litígio é sempre um último recurso. A possibilidade de sanções também é um «forte incentivo» ao cumprimento, quer seja ou não utilizado. Em última análise, os «processos improcedentes» e a sua evolução oferecem informações valiosas que a Comissão deve ter em conta ao realizar o seu estudo comparativo sobre as diferentes abordagens dos países. Uma simples comparação da formulação dos acordos e dos progressos quanto à linguagem proporcionaria, por si só, poucas perceções significativas. Requer igualmente uma avaliação qualitativa dos resultados da aplicação, por exemplo, aprendendo com as experiências da sociedade civil em termos de aconselhamento no contexto da negociação e de monitorização da aplicação das disposições em causa.

Quadro capacitador no que toca à participação da sociedade civil nos GCI

5.17.

Os GCI são uma concretização fulcral dos ACL de nova geração, mas necessitam de um quadro institucionalizado reforçado para cumprirem com êxito as suas tarefas de monitorização, tanto no que diz respeito aos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável como aos ACL da UE na íntegra.

5.18.

As preocupações principais estão relacionadas com o facto de alguns dos organismos dos GCI dos países parceiros não estarem ativos, não serem representativos ou carecerem de independência face à influência estatal. Este problema decorre, muitas vezes, de os acordos não definirem os processos de criação dos GCI, da liberdade de escolha de organismos existentes e da ausência de consequências caso os compromissos não sejam cumpridos. O CESE receia, em particular, que a supressão do termo «equilibrado» no Acordo de Comércio e Cooperação no tocante à composição do GCI possa ter um impacto grave no seu funcionamento.

5.19.

No quadro de acordos comerciais regionais, como os acordos UE-América Central e UE-Colômbia/Peru/Equador, ou de um eventual futuro ACL UE-Mercosul, subsistem preocupações quanto à criação de GCI individuais em cada país parceiro. Esta abordagem estritamente «nacional» representa um sério obstáculo a qualquer forma de colaboração significativa entre os GCI parceiros nacionais e entre estes e a sua congénere da UE.

5.20.

Assim, os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável devem criar organismos dos GCI com tarefas específicas, definindo claramente a sua independência, representatividade e composição equilibrada. As partes devem ser responsáveis pela sua criação e funcionamento. Os acordos regionais devem criar organismos regionais conjuntos com o apoio adequado de um secretariado. As delegações da UE e o CESE devem assistir no processo de criação e no funcionamento, nomeadamente com orientações e boas práticas. Além disso, o CESE propõe que se melhore a correspondência entre as organizações representativas nos GCI da UE e dos países terceiros, designadamente no tocante às partes interessadas a nível ambiental e empresarial.

5.21.

Para reforçar a colaboração do GCI da UE com as suas congéneres da sociedade civil nos países parceiros, as reuniões conjuntas entre GCI são imperativas e devem ser integradas nos próprios ACL. O CESE considera que a criação de organismos conjuntos da sociedade civil representa um valor acrescentado e contribui em grande medida, em particular, para apoiar a sociedade civil nos países parceiros. O seu papel especial deve ser mantido nos comités consultivos mistos (CCM) enquanto fórum essencial para o diálogo da sociedade civil de ambas as partes dos acordos de associação, como o UE-Chile (14).

5.22.

O papel do CESE na configuração dos GCI e em garantir que estão efetivamente operacionais é fundamental e deve ser reforçado. Em julho de 2021, o CESE estabeleceu o caminho a seguir ao organizar a primeira reunião de sempre de todos os GCI (#AllDAGs), que juntou todos os membros dos atuais onze GCI para debater medidas concretas de melhoria. Presente em todos os GCI, o CESE é um elemento crucial das presidências dos GCI, compostas por um presidente e dois vice-presidentes, selecionados de entre os três grupos e todos os membros de um GCI. A colaboração no âmbito das presidências conjuntas do GCI permite que os conhecimentos especializados internos e externos ao CESE orientem o trabalho do GCI, sendo que esta prática deve ser mantida. Sobretudo no que se refere aos GCI da Ucrânia, da Moldávia e da Geórgia, a existência, no CESE, de membros oriundos de países vizinhos da UE revelou-se extremamente valiosa. Para além do papel dos seus membros, o CESE também assiste os GCI ao prestar-lhes apoio valioso ao nível do secretariado.

5.23.

Uma maior visibilidade e canais institucionais estruturados são fundamentais para obter resultados. Deveria ser endereçado às presidências do GCI um convite permanente para participarem nas reuniões do Subcomité das Partes para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável, bem como nos grupos de monitorização dos respetivos acordos do PE. O grupo de peritos sobre comércio e desenvolvimento sustentável com os Estados-Membros e o alto responsável pela execução da política comercial devem estar estreitamente ligados ao trabalho dos GCI através de estruturas de intercâmbio e de apresentação de relatórios. Tal deve ser complementado pelo intercâmbio de informações com a OIT sobre a aplicação das medidas laborais associadas ao comércio e ao desenvolvimento sustentável e com os secretariados dos acordos multilaterais no domínio do ambiente e do clima. O Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e as delegações da UE em países parceiros deveriam realizar sessões informativas regulares com os GCI e ser apoiados, em países específicos, por adidos responsáveis por questões laborais e ambientais.

5.24.

O CESE salienta a necessidade de reforçar a cooperação com a sociedade civil no que toca à definição e à monitorização dos instrumentos e acordos comerciais. Solicita o restabelecimento do grupo de peritos sobre ACL, que demonstrou, de forma ímpar, o empenho necessário e sistemático em relação a questões comerciais. Os GCI são também uma fonte inexplorada de saber-fazer sobre questões transversais em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, da qual importa tirar plenamente partido.

5.25.

Os desafios crescentes para os GCI requerem soluções sistémicas com recursos adequados, tanto humanos como financeiros. Os próprios GCI devem ver reforçado o seu envolvimento em decisões conexas.

5.26.

A racionalização dos GCI não é um objetivo em si mesmo. Qualquer nova abordagem potencial, como orientar mais as estruturas para temas específicos, terá de garantir o seu funcionamento eficaz para fazer face aos desafios na aplicação dos acordos específicos e associar os próprios GCI na sua configuração. Reuniões recorrentes de todos os membros do GCI da UE contribuiriam para encontrar soluções comuns para questões transversais e proporcionariam uma plataforma para debater vias pragmáticas e práticas antes da próxima renovação da sua composição, na primavera de 2023.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Em 2020, um estudo da Fundação Friedrich-Ebert (FES) analisou as insuficiências dos GCI, e um grupo de organizações membros de GCI, coordenado pela CNV Internationaal, está atualmente a elaborar um documento oficioso com recomendações sobre a forma de os reforçar.

(2)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 73.

(3)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 73.

(4)  «Non-paper on trade, social economic effects and sustainable development» [Documento oficioso sobre o comércio, os efeitos socioeconómicos e o desenvolvimento sustentável], 2020.

(5)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 136, e JO C 429 de 11.12.2020, p. 197.

(6)  Ibd.

(7)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 73.

(8)  Futuro parecer NAT/834 «Mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço».

(9)  Futuro parecer NAT/822 «Autonomia estratégica e segurança e sustentabilidade alimentares».

(10)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 53.

(11)  JO C 227 de 28.6.2018, p. 27.

(12)  Declaração conjunta dos GCI da UE e do Canadá (em inglês), setembro de 2020.

(13)  Tratado entre México, Estados Unidos da América e Canadá.

(14)  O futuro parecer REX/536 analisará o quadro para a participação da sociedade civil ao longo de todo o ciclo de vida dos acordos comerciais e políticos, devendo ser adotado na primavera de 2022.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/49


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Rumo a uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais e urbanas»

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/08)

Relator:

Josep PUXEU ROCAMORA

Correlatora:

Piroska KÁLLAY

Decisão da Plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

4.10.2021

Adoção em plenária

21.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

220/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está convencido de que o futuro da Europa dependerá da forma como tratarmos as zonas rurais e de que é necessária uma maior cooperação com as zonas urbanas para assegurar que nenhum território ou cidadão seja esquecido na transição justa para uma União Europeia (UE) com impacto neutro no clima, sustentável e próspera. Tal estaria em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico e Social Europeu, o Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU), a Agenda Territorial 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

1.2

O CESE considera que a UE deve reduzir as diferenças entre os territórios, promovendo \políticas que assegurem uma transição justa e sustentável em todos os domínios e garantam uma boa qualidade de vida no mundo rural.

1.3

Devido aos desafios das alterações climáticas e das pandemias, o CESE destaca a urgência de atuar agora e mudar o paradigma para demonstrar o valor acrescentado da cooperação e promover o respeito e a compreensão mútuos, em benefício de todos os cidadãos.

1.4

Por conseguinte, o CESE solicita aos responsáveis políticos que elaborem e executem uma estratégia global e holística da UE que promova um desenvolvimento rural e urbano equilibrado, coeso, equitativo e sustentável, aproveitando o papel das comunidades locais, impulsionando as indústrias tradicionais e criando novas atividades económicas e oportunidades de trabalho nas zonas rurais, promovendo simultaneamente as sinergias com as zonas urbanas.

1.5

A fim de assegurar a igualdade de condições entre as comunidades rurais e o meio urbano, o CESE formula as seguintes recomendações:

1.

É necessário dotar as políticas rurais de recursos suficientes e disponibilizar infraestruturas de comunicação tecnológicas, de transporte (especialmente transportes públicos, essenciais para a vida quotidiana e o emprego) e sistemas de educação e prestação de serviços de saúde de qualidade e eficientes, de forma totalmente alinhada com os serviços urbanos pertinentes (condições de saúde equitativas);

2.

A oferta de emprego, formação e habitação deve refletir e aproveitar os recursos naturais rurais, criando também oportunidades de negócio inovadoras;

3.

Os parlamentos rurais e o desenvolvimento local de base comunitária (DLBC), enquanto modelos de democracia participativa, devem ser apoiados pelos responsáveis políticos e integrar todos os cidadãos das zonas rurais, incluindo os parceiros sociais, as mulheres, os idosos, as pessoas com deficiência, as minorias e, em especial, os jovens;

4.

Importa proteger e promover os bens do património cultural (1).

1.6

O CESE formula as seguintes recomendações para o desenvolvimento rural e urbano:

1.

Os governos devem ser transparentes e justos na prestação de serviços aos cidadãos em todos os domínios;

2.

As organizações da sociedade civil, nomeadamente no âmbito da iniciativa LEADER e dos grupos de ação local, deverão estabelecer associações locais rurais e urbanas para criar oportunidades económicas, sociais e ambientais e promover uma maior compreensão das interdependências;

3.

O modelo de governação dos conselhos de política alimentar poderá servir de inspiração para uma cooperação eficaz entre todas as partes interessadas à escala local. Os novos impactos e desafios ambientais e a pandemia alteraram as possibilidades de teletrabalho, a necessidade de habitação rural e o acesso à utilização das terras;

4.

Deve promover-se e apoiar-se o intercâmbio de boas práticas e de cenários de risco entre os territórios;

5.

O acesso a um ensino de alta qualidade nas zonas rurais pode ser um dos fatores que contribuem para o desenvolvimento económico local e para a adaptação das comunidades rurais a um ambiente em rápida mutação.

1.7

Em particular, o CESE dirige as seguintes recomendações à Comissão Europeia e aos governos nacionais e regionais:

1.

Importa continuar a desenvolver a visão a longo prazo da Comissão para as zonas rurais (2), adotada recentemente, para a transformar num compromisso rural e urbano no sentido de uma abordagem equitativa. É importante mostrar o valor acrescentado do trabalho conjunto das organizações rurais e urbanas, por exemplo a Estratégia do Prado ao Prato e um Pacto Ecológico socialmente integrador;

2.

A Comissão Europeia deverá empenhar-se na criação de um grupo de partes interessadas rurais e urbanas, com base na iniciativa Aldeias Inteligentes, para desenvolver boas práticas em modelos de parceria;

3.

A fim de apoiar o compromisso, deverá existir investimento em projetos-piloto locais e incentivos ou condicionalidades e prémios pan-europeus para iniciativas progressivas que constituam exemplos de acordos integradores.

1.8

O CESE compromete-se igualmente a colaborar com o Parlamento Europeu e o Comité das Regiões, encomendando estudos, consultando a sociedade civil organizada e promovendo uma carta europeia dos direitos e deveres rurais e urbanos.

1.9

O CESE adotará uma abordagem holística nos seus pareceres futuros sobre políticas territoriais, urbanas e rurais. A título de exemplo, o presente parecer foi debatido em diversas secções do CESE antes de ser adotado.

2.   Introdução

2.1

Seguindo as recomendações do Parecer do CESE — Uma abordagem integrada para as regiões vulneráveis da UE, adotado em setembro de 2020 (3), e da audição organizada em 18 de junho de 2021 (4), o CESE preconiza agora uma estratégia holística da UE sobre o desenvolvimento rural e urbano sustentável, analisando o quadro geral que articula a política rural com todas as demais políticas pertinentes, identificando os desafios e os obstáculos existentes e destacando o papel da sociedade civil, das empresas e das comunidades locais na definição de abordagens ascendentes. O CESE contribuirá ativamente para garantir que tal estratégia é tida em conta quando da elaboração das políticas da UE.

2.2

É essencial gerir melhor a diversidade existente nas zonas rurais, com base nas oportunidades de cada uma. Existem zonas rurais que, devido à sua proximidade com as zonas urbanas, podem beneficiar do «efeito de aglomeração» através da interação rural-urbana; outras, mais remotas, dependem muito mais de um setor, frequentemente a agricultura, a silvicultura, a pesca ou a extração mineira, sendo a sua interação com as cidades menos visível.

2.3

Embora as zonas rurais e urbanas sejam duas zonas diferentes, com características específicas e com um desenvolvimento desigual, a realidade mostra que se trata de zonas estreitamente interligadas. Estas interdependências são, ao mesmo tempo, cada vez mais complexas e dinâmicas, com fluxos estruturais e funcionais de pessoas e bens de capital, informação, tecnologia e estilos de vida. Por conseguinte, é fundamental encontrar um equilíbrio entre as zonas rurais e urbanas, já que ambas necessitam uma da outra e nenhuma pode existir sem a outra.

2.4

O ideal do modo de vida rural enquanto situação de bem-estar e qualidade de vida para a população deve ser um objetivo a alcançar também nas zonas remotas ou desfavorecidas. A estratégia deve encontrar a fórmula para atingir o equilíbrio necessário entre os dois aspetos e a forma de se complementarem para alcançar a sustentabilidade no futuro.

2.5

Os desafios que as zonas rurais enfrentam (alterações demográficas, despovoamento, fosso digital, baixos níveis de rendimentos, acesso limitado a determinados serviços, necessidade de melhores perspetivas de emprego ou impactos específicos das alterações climáticas) terão de ser abordados numa perspetiva territorial holística e renovada que procure uma relação recíproca de desenvolvimento.

2.6

Este novo contexto, que vai para além do vínculo tradicional entre as zonas rurais, centradas no setor agrícola e separadas do meio urbano, exige que as medidas de desenvolvimento rural se baseiem numa abordagem multissetorial e integrada em todas as regiões, que aproveite as sinergias e complementaridades com as zonas rurais, urbanas e intermédias.

3.   Desafios e propostas de ação

3.1

A conceção tradicional, que estabelece uma distinção clara entre zonas rurais e urbanas, necessita de novos conceitos e novas interpretações e abordagens, cabendo ter em conta a realidade local para definir a região em causa.

3.2

O desenvolvimento futuro dos territórios europeus deve basear-se na complementaridade entre as zonas rurais e urbanas e na coordenação das políticas que lhes são destinadas, com o objetivo último de alcançar a coesão social e económica e a sustentabilidade ambiental desses territórios.

3.3

O CESE considera que é necessária maior coerência nas abordagens estratégicas de desenvolvimento rural e urbano, a fim de evitar sobreposições e discrepâncias entre estratégias (por exemplo, a estratégia dos grupos de ação local, a estratégia de investimento territorial integrado, a estratégia de desenvolvimento local e a estratégia de desenvolvimento regional) e de facilitar a sua aplicação pelos intervenientes locais no âmbito dos processos de desenvolvimento e dos investimentos.

3.4

O desenvolvimento rural e urbano deve reger-se pelos princípios estabelecidos na Agenda Territorial 2030 da UE, na Carta de Leipzig, na Agenda Urbana das Nações Unidas, na Agenda Urbana da UE, no Pacto de Amesterdão, na Declaração de Cork 2.0 sobre uma Vida Melhor nas Zonas Rurais e nos Princípios da OCDE sobre a Política Urbana e Rural, no âmbito dos quais se ponderam parcerias temáticas e a gestão partilhada entre as zonas urbanas e rurais.

3.5

As cidades de média dimensão desempenham um papel fundamental na ligação das áreas metropolitanas urbanas com as rurais e merecem, por isso, uma atenção especial tanto no planeamento territorial como na atribuição de recursos e serviços. Muitas cidades europeias (incluindo Toulouse, em França, Manresa, em Espanha, Turim, em Itália, e Aalborg, na Dinamarca) já adotaram abordagens muito bem-sucedidas. As redes de cidades como a ICLEI (5), a Eurotowns (6) e a Eurocidades (7) são intervenientes fundamentais para trocar experiências e promover boas práticas.

3.6

A interação entre o campo e a cidade deve constar da agenda política, sendo necessário facilitar a sua compreensão entre os responsáveis políticos e quem elabora as políticas, bem como promover formas de as organizar localmente.

3.7

A investigação financiada com fundos europeus também deve continuar a estudar formas de promover um desenvolvimento rural e urbano equitativo e sustentável e revitalizar o desenvolvimento económico das zonas rurais. É importante que projetos como o ROBUST (8), o RUBIZMO (9) e o LIVERUR (10) sejam aprofundados e conduzam a mudanças concretas.

3.8

A consecução da sustentabilidade (económica, social e ambiental) destes territórios, rurais e urbanos, exige uma política abrangente e associada à realidade socioeconómica, cultural e etnográfica de cada território, promovendo a cooperação entre as zonas rurais e urbanas e o compromisso entre os diversos intervenientes sociais e económicos, além de mecanismos de governação adequados com as administrações locais.

3.9

As zonas rurais remotas estão ainda mais expostas aos desafios com que se confrontam as zonas rurais, pelo que requerem políticas e tratamento específicos. Além da resolução de problemas relacionados com a dificuldade de acesso a serviços públicos, incluindo saúde e educação, o CESE propõe a criação de programas que regenerem o ecossistema económico local em cooperação com as povoações vizinhas.

3.10

Muitos dos desafios que as zonas rurais enfrentam vão além do âmbito e dos fundos no contexto da política agrícola comum (PAC), conforme salientado no relatório de avaliação recente do CESE sobre o impacto da PAC no desenvolvimento territorial das zonas rurais (11), pelo que é necessário avançar rumo a uma abordagem integrada da ação e do financiamento nas diversas políticas que têm impacto nas zonas rurais. Os fundos no âmbito das políticas nacionais devem complementar os fundos da PAC destinados ao desenvolvimento rural.

3.11

As políticas agrícolas, alimentares e rurais devem estar em consonância com as políticas em matéria de clima e biodiversidade, as políticas destinadas a reduzir a pobreza, as políticas de infraestruturas e transportes, as políticas de educação e formação, as políticas relativas à prestação de serviços básicos de interesse geral (saúde, habitação, etc.) e as políticas que promovem o desenvolvimento de novas atividades baseadas na economia circular e na bioeconomia, a digitalização ou o combate ao despovoamento.

3.12

Estas políticas também devem complementar e ser coerentes com as estratégias europeias, como o Pacto Ecológico (12) ou a Estratégia do Prado ao Prato (13) e, em particular, a nova estratégia industrial (14), que define o setor agroalimentar como um dos principais ecossistemas estratégicos da UE, e as políticas que garantem a segurança alimentar. No contexto do Pacto Ecológico Europeu, experimentar novas formas de cooperação urbano-rural é não apenas uma condição prévia, mas também uma oportunidade para uma transição justa e um desenvolvimento sustentável territorialmente equilibrado.

3.13

Importa melhorar a governação e a harmonização dos fundos europeus, nacionais e infranacionais, a fim de promover mais eficazmente o desenvolvimento sustentável através de uma abordagem mais adequada das questões horizontais, tendo sempre em conta as necessidades de cada território.

3.14

O CESE chama a atenção para a necessidade de assegurar o acesso a financiamento sustentável e o desenvolvimento de instrumentos financeiros adaptados ao desenvolvimento rural e urbano, tendo em conta a estrutura de risco e as características da estrutura económica. Além disso, a abordagem em matéria de taxonomia e orçamento para as zonas rurais deve ter em conta as necessidades de desenvolvimento e de investimento.

3.15

Esta abordagem integrada exige a coordenação entre as diferentes administrações e órgãos de gestão, incluindo as diversas direções da Comissão Europeia que se ocupam das políticas transversais. Tal coordenação horizontal requer uma abordagem em que os responsáveis políticos incorporam as questões rurais em todas as políticas, a fim de assegurar que estas têm em conta as necessidades das zonas rurais.

3.16

Uma coordenação bem-sucedida entre administrações deve ter em conta os seguintes aspetos:

i)

identificar a escala correta de intervenção;

ii)

estabelecer um papel claro de liderança na coordenação de políticas;

iii)

reforçar os acordos de cooperação entre regiões ou municípios;

iv)

promover parcerias entre as zonas rurais e urbanas para tirar partido das ligações funcionais;

v)

melhorar a coordenação vertical entre os níveis de governo.

3.17

É necessário manter uma ligação direta aos territórios rurais através do papel ativo das regiões da UE, que desempenham um papel fundamental na definição e na aplicação das políticas de desenvolvimento rural à escala local. A participação de múltiplas partes interessadas e uma abordagem «ascendente» são fatores essenciais para garantir a sustentabilidade e a apropriação local das políticas rurais. O CESE solicita que se tenha em conta o papel que os grupos de ação local e o modelo de desenvolvimento local liderado pela comunidade podem desempenhar.

3.18

O CESE propõe também que se utilize o modelo de governação dos conselhos de política alimentar como inspiração para uma cooperação eficaz entre todas as partes interessadas à escala local.

3.19

Importa realizar progressos no domínio dos contratos territoriais, baseados em políticas de compromissos, que implicam definir objetivos, unir esforços, incentivar compromissos públicos e privados com uma perspetiva territorial, desenvolver mecanismos de cooperação interinstitucional e intersetorial, criar uma nova estrutura institucional, promover o desenvolvimento sustentável, reconhecer a diversidade das zonas rurais e promover as ligações urbano-rurais. Neste contexto, as empresas e organizações do setor agroalimentar têm agora a oportunidade de assinar o código de conduta sobre práticas empresariais e comerciais responsáveis (15), lançado pela Comissão como parte integrante da Estratégia do Prado ao Prato.

3.20

Os contratos territoriais devem basear-se na equidade e no respeito. Em Inglaterra, no País de Gales e na Escócia, existem códigos de conduta rurais que ajudam os cidadãos a compreender como respeitar as zonas rurais. Estes códigos poderão ser transpostos para uma carta europeia de direitos e deveres (16) para relações rurais e urbanas equitativas e sustentáveis. Esta carta deve fazer parte da educação cívica para todos.

3.21

O CESE reconhece que não existem fórmulas uniformes aplicáveis aos diferentes territórios e que cada unidade territorial deve concentrar-se e especializar-se, respeitando a especificidade, a diversidade e a multifuncionalidade das utilizações e encontrando soluções baseadas no seu potencial e nas suas necessidades, capacidades e aspirações. A utilização das infraestruturas existentes e a reflexão sobre o desenvolvimento de novas infraestruturas devem ser consideradas de forma holística, tendo simultaneamente em conta as tendências de investimento nos locais adequados.

3.22

Quanto à necessidade de melhorar as oportunidades de emprego:

i)

A pandemia de COVID-19 acelerou os processos de digitalização e ecologização, que exigem esforços para se prolongarem no tempo.

ii)

É necessário criar e manter novas oportunidades de emprego nas zonas rurais, incluindo as relacionadas com a prestação de serviços rurais, o teletrabalho, as novas tecnologias ou as energias renováveis.

iii)

O reforço dos aspetos multifuncionais da agricultura, a promoção das atividades não agrícolas e o estabelecimento de empresas no setor dos serviços e indústrias das energias limpas nas zonas rurais podem criar muitas oportunidades de emprego.

iv)

Promover o empreendedorismo, assegurar regras de concorrência equitativas para as PME e prestar atenção às necessidades das gerações mais jovens (por exemplo, o teletrabalho).

v)

Manter o emprego e o comércio perto das pessoas. A visão rural-urbana oferece oportunidades para o desenvolvimento de uma economia circular.

vi)

Promover o trabalho digno e melhorar as condições de trabalho nas zonas rurais, assegurando simultaneamente que todas as partes responsáveis intervêm no processo de melhoria.

vii)

Associar a procura dos consumidores aos mercados regionais e rurais, mediante a comercialização de produtos locais e rótulos de qualidade.

viii)

Deve promover-se fortemente a criação de oportunidades culturais nas zonas rurais, incluindo a promoção de eventos culturais e a proteção do património histórico e religioso rural (igrejas, castelos, etc.).

ix)

Os processos de digitalização abrem novas oportunidades que podem criar expectativas e aumentar a atratividade para os cidadãos — em especial para os jovens — e gerar uma mudança nas tendências de despovoamento e na qualidade de vida nas zonas rurais. Para isso, o meio rural deve dispor de infraestruturas adequadas que assegurem a conectividade. As estratégias de conectividade e as plataformas digitais oferecem soluções neste domínio, e um regulamento relativo à digitalização das zonas rurais facilitaria o desenvolvimento das tecnologias digitais na agricultura e nas zonas rurais.

x)

Há que apoiar a agricultura sustentável e a aquicultura (17) nas zonas rurais e periurbanas, juntamente com o turismo ecológico, o lazer e as atividades educativas sobre sustentabilidade, e estas atividades devem ser compatíveis com a proteção da biodiversidade, a fim de garantir a qualidade de vida das pessoas.

xi)

Um ensino nas zonas rurais acessível e de qualidade, desde os primeiros anos de vida das crianças, pode contribuir para melhorar os resultados da educação, sendo o acesso a serviços públicos, como os serviços de acolhimento de crianças e as escolas, um fator local que condiciona a atratividade das zonas rurais, incluindo para os trabalhadores altamente qualificados.

3.23

O crescimento económico e a criação de emprego são importantes, mas têm de ser complementados por uma disponibilização suficiente de serviços, habitação, energia, lazer, educação e formação, aprendizagem ao longo da vida e sistemas de saúde de qualidade que assegurem que as zonas rurais sejam não só sustentáveis, mas também locais atrativos para viver. A UE necessita urgentemente de construir os alicerces de uma economia do bem-estar integradora e sustentável que funcione para todos (18).

3.24

Em particular, o desenvolvimento contínuo de transportes públicos a preços acessíveis deve ser uma prioridade para o desenvolvimento das zonas rurais e, por conseguinte, para a conectividade com as zonas urbanas. A disponibilização de transportes públicos a preços acessíveis é imprescindível para a vida quotidiana e para o emprego, estando associada à acessibilidade de serviços públicos essenciais, como escolas, estruturas de acolhimento de crianças, médicos ou farmácias, e às deslocações casa-trabalho.

3.25

Tal exige novas formas de prestação de serviços rurais:

i)

prestação de serviços integrados (coatividade de vários serviços num espaço; colaboração entre prestadores de serviços; cooperação entre equipas de profissionais; coprodução entre organizações públicas, privadas e comunitárias);

ii)

uma abordagem baseada na prestação de serviços alternativos e mais flexíveis (serviços móveis que levam o serviço ao cidadão; modelos de sistemas radiais, em que os serviços são prestados regularmente a partir de uma localização central; serviços mais adaptados às necessidades locais);

iii)

soluções digitais e tecnológicas, incluindo nos setores da educação e da saúde.

3.26

Uma estratégia global para alcançar limiares de serviço em diferentes territórios e o intercâmbio de serviços entre diferentes partes dos territórios são elementos fundamentais para o planeamento de zonas urbanas e rurais sustentáveis.

3.27

É necessário elaborar uma estratégia que, através da melhoria dos serviços rurais e de novas oportunidades de emprego, permita o estabelecimento da população e, acima de tudo, possa assegurar a renovação geracional necessária.

Bruxelas, 21 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE — O contributo das zonas rurais da Europa para o Ano Europeu do Património Cultural 2018, com vista a garantir a sustentabilidade e a coesão das zonas urbanas e rurais (JO C 440 de 6.12.2018, p. 22).

(2)  COM(2021) 345 final.

(3)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 60.

(4)  Rumo a uma estratégia holística sobre o desenvolvimento rural e urbano sustentável e equitativo | Comité Económico e Social Europeu.

(5)  https://www.iclei.org

(6)  https://www.eurotowns.org

(7)  https://eurocities.eu

(8)  https://rural-urban/eu

(9)  https://rubizmo.eu

(10)  https://liverur.eu

(11)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/information-reports/evaluation-caps-impact-territorial-development-rural-areas-information-report

(12)  Pacto Ecológico Europeu | Comissão Europeia.

(13)  Estratégia do Prado ao Prato.

(14)  Comunicação sobre a atualização da Nova Estratégia Industrial de 2020 (europa.eu).

(15)  Código de conduta (europa.eu).

(16)  Código Rural: conselhos para os visitantes das zonas rurais — gov.uk.

(17)  Ver Pareceres — Orientações estratégicas para o desenvolvimento sustentável da aquicultura na UE — NAT/816 (JO C 517 de 22.12.2021, p. 103); Nova abordagem para uma economia azul sustentável na UE — NAT/817 (JO C 517 de 22.12.2021, p. 108).

(18)  Parecer do CESE — A economia sustentável de que necessitamos (JO C 106 de 31.3.2020, p. 1).


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Autonomia estratégica e segurança e sustentabilidade alimentares»

(parecer de iniciativa)

(2022/C 105/09)

Relator:

Klaas Johan OSINGA

Decisão da plenária

25.3.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

4.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

128/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico Social e Europeu (CESE) propõe uma definição de autonomia estratégica aberta aplicada aos sistemas alimentares, assente na produção alimentar, na mão de obra e no comércio justo, com o objetivo geral de garantir a segurança e a sustentabilidade alimentares para todos os cidadãos da UE através de um abastecimento alimentar justo, saudável, sustentável e resiliente.

1.2.

Em particular, importa diversificar em maior medida os sistemas alimentares da UE, reforçar a mão de obra agrícola, nomeadamente atraindo os jovens e garantindo condições de trabalho e remuneração dignas, e alinhar as políticas comerciais com as normas de sustentabilidade alimentar da UE e com a competitividade (1).

1.3.

A melhor forma de assegurar a autonomia estratégica aberta e a sustentabilidade dos sistemas alimentares é através da criação de um conjunto de ferramentas que inclua medidas de gestão do risco para ajudar as cadeias de abastecimento alimentar a fazer face a situações extremas e as autoridades nacionais e da UE a tomar medidas imediatas.

1.4.

Os acontecimentos recentes causados pela COVID-19, as condições meteorológicas extremas devido às perturbações do clima e os ciberataques demonstram a necessidade de melhorar a resiliência e a sustentabilidade dos sistemas alimentares. No âmbito da Estratégia do Prado ao Prato, a Comissão Europeia está a elaborar um plano de contingência da UE para o abastecimento e a segurança alimentar e um mecanismo conexo da UE de resposta a situações de crise alimentar (2). Tal deve ajudar a aumentar a sensibilização para os riscos, devendo também prever a identificação, a avaliação, o registo e o acompanhamento dos principais riscos mediante a realização de testes de resistência dos sistemas críticos à escala da UE e dos Estados-Membros, e contribuir para a aplicação de medidas que resolvam os problemas enfrentados.

1.5.

A UE necessita de um sistema para evitar que ocorrências como as falhas de energia e de rede ou os ciberataques degenerem em situações fora de controlo devido a relações de dependência. Por exemplo: uma cidade que tenha de estar várias semanas em confinamento, uma falha de energia que se prolongue por vários dias, um ciberataque dirigido a uma empresa ou retalhista do setor alimentar.

1.6.

A fim de melhorar os mecanismos de resposta, é necessário desenvolver os sistemas alimentares existentes e, ao mesmo tempo, diversificá-los, incluindo os modelos de negócio das lojas de explorações agrícolas, a agricultura urbana, a agricultura vertical e, de uma forma geral, a abordagem «produção local para consumo local». Tal implica uma aplicação mais vasta de investigação e inovação por parte de agricultores e produtores, devendo contribuir para minimizar os riscos do surgimento de «desertos alimentares» e da especialização da produção (3). Ao mesmo tempo, devem reforçar-se as vantagens dos sistemas de distribuição eficientes, que partem das explorações agrícolas para as instalações de transformação e os mercados.

1.7.

A fim de garantir a produção a longo prazo de géneros alimentícios suficientes e saudáveis, e meios de subsistência viáveis, é importante que os recursos naturais sejam utilizados de forma sustentável, preservando o solo e os recursos hídricos, combatendo as alterações climáticas e as perdas de biodiversidade e protegendo o bem-estar animal. A UE deve também reforçar a produção local e regional, a fim de conjugar uma produção e uma transformação alimentares bem equilibradas com uma pegada de carbono reduzida.

1.8.

A política agrícola comum (PAC) desempenha um papel vital do ponto de vista económico, social e ambiental. Deve estabilizar os mercados durante as crises, assegurando ao mesmo tempo que os agricultores e a indústria transformadora dispõem de uma rede de segurança e protegendo o ambiente, o clima, a mão de obra e o bem-estar animal. A PAC contribui para manter a capacidade estratégica de produção, bem como a segurança dos alimentos e a segurança alimentar.

1.9.

As explorações agrícolas, os terrenos agrícolas férteis e os recursos hídricos são ativos estratégicos e devem ser protegidos até um certo nível em toda a UE, pois constituem a espinha dorsal da nossa autonomia estratégica aberta no domínio alimentar.

1.10.

O CESE reitera a sua recomendação de explorar a possibilidade de criar um conselho europeu de política alimentar com várias partes interessadas e a vários níveis (4). No contexto da autonomia estratégica aberta, esse conselho poderia desempenhar, nomeadamente, um papel de acompanhamento e ajudar a avaliar e a antecipar os riscos na cadeia de abastecimento alimentar.

1.11.

A UE deve assegurar que as fronteiras se mantêm abertas de forma segura e que a mão de obra e a logística continuam operacionais para a produção e distribuição de géneros alimentícios («corredores verdes»), tanto no interior da UE como para países terceiros, o que implica um forte mecanismo de coordenação entre os Estados-Membros, a Comissão Europeia e os países terceiros.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer de iniciativa tem por objetivo explorar o conceito de «autonomia estratégica aberta» para a Europa em relação à segurança e à sustentabilidade alimentares futuras e apresentar pontos de vista e recomendações políticas da sociedade civil de caráter prospetivo. Em particular, o parecer fornece matéria de reflexão sobre questões decorrentes de acontecimentos recentes como a pandemia de COVID-19, as condições meteorológicas extremas, os ciberataques e as tensões políticas e sociais.

2.2.

A «autonomia estratégica aberta» deve ser encarada como uma oportunidade para a UE garantir a segurança do abastecimento alimentar e estabelecer normas de sustentabilidade alimentar elevadas, em particular no contexto do Pacto Ecológico Europeu e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. O desafio europeu da sustentabilidade alimentar deve ser abordado tanto no plano interno como externo, e o presente parecer examinará também as possíveis formas de proteger e melhorar a disponibilidade de alimentos sustentáveis para todos os cidadãos da UE, especialmente em tempos de crise.

2.3.

O parecer baseia-se em várias propostas e ideias concretas já apresentadas pelo CESE em trabalhos anteriores (5), que podem ser sintetizadas do seguinte modo:

Promover uma política alimentar global na UE, com o objetivo de favorecer regimes alimentares saudáveis assentes em sistemas alimentares sustentáveis, associar a agricultura à nutrição e aos serviços ecossistémicos e garantir cadeias de abastecimento capazes de proteger a saúde pública em todos os segmentos da sociedade europeia. Essa política, que agora se reflete na Estratégia do Prado ao Prato da Comissão, deverá emprestar maior coerência aos diferentes domínios de ação ligados à alimentação, recuperar o valor dos alimentos e promover uma transição a longo prazo do produtivismo e consumismo alimentares para a cidadania alimentar;

Reforçar o potencial das cadeias de abastecimento alimentar curtas, da agroecologia e dos sistemas de qualidade dos produtos agrícolas;

Assegurar preços justos e proibir práticas comerciais desleais;

Incorporar a Estratégia do Prado ao Prato e a Estratégia de Biodiversidade do Pacto Ecológico como normas globais de sustentabilidade em todos os acordos comerciais futuros da UE;

Garantir o envolvimento e a participação estruturados da sociedade civil e de todas as partes interessadas em toda a cadeia de abastecimento alimentar, nomeadamente através de um conselho europeu de política alimentar.

2.4.

Por último, o parecer de iniciativa visa contribuir com informações importantes para o trabalho em curso sobre a Estratégia do Prado ao Prato do Pacto Ecológico, a PAC, a revisão da política comercial e a agenda de prospetiva estratégica, trazendo a segurança e a sustentabilidade alimentares da UE para o centro da análise.

2.5.

Em setembro de 2021, as Nações Unidas realizaram uma Cimeira sobre Sistemas Alimentares, destinada a ajudar os países a alcançar os 17 ODS, em particular o ODS 2 — Erradicar a Fome. O CESE forneceu um contributo para o debate (6).

3.   Autonomia estratégica aberta, os elementos-chave do sistema alimentar

3.1.

Segundo a Comissão Europeia, a «autonomia estratégica aberta» consiste na capacidade da UE para fazer as suas próprias escolhas e para moldar o mundo à sua volta através da liderança e do envolvimento, refletindo os seus valores e interesses estratégicos. Permite que a UE seja mais forte, tanto do ponto de vista económico como geopolítico, ao ser (7):

aberta ao comércio e ao investimento que ajuda a economia da UE a recuperar de crises e a manter-se competitiva e ligada ao mundo;

sustentável e responsável, assumindo a liderança internacional para moldar um mundo mais ecológico e justo, reforçando as alianças existentes e interagindo com muitos parceiros;

assertiva contra práticas desleais e coercivas e disposta a fazer valer os seus direitos, privilegiando sempre a cooperação internacional para a resolução de problemas mundiais.

3.2.

É necessário definir melhor a «autonomia estratégica aberta» no que diz respeito aos sistemas alimentares. O CESE pretende contribuir para a reflexão sobre a melhor forma de preparar a UE para futuras crises. Este aspeto deve fazer parte do Plano de Recuperação da UE, por exemplo através da utilização dos fundos do Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU).

3.3.

O CESE propõe uma definição de autonomia estratégica aberta baseada na produção alimentar, na mão de obra e no comércio justo, com o objetivo geral de garantir a segurança e a sustentabilidade alimentares para os cidadãos da UE através de um abastecimento alimentar justo, sustentável e resiliente.

3.4.   Produção alimentar

3.4.1.

A segurança alimentar deve ser abordada de um ponto de vista internacional, nacional e local. As cidades, que produzem poucos alimentos frescos — os chamados «desertos alimentares» — acolhem 55 % da população mundial, e as Nações Unidas preveem que esta percentagem aumente, atingindo 68 % até 2050. As projeções mostram que a urbanização, combinada com o crescimento geral da população mundial, pode provocar um acréscimo de 2,5 mil milhões de pessoas nas zonas urbanas até 2050 (8). Estima-se que o nível de urbanização da Europa aumente para aproximadamente 83,7 % em 2050 (9).

3.4.2.

No mercado interno da União Europeia, os géneros alimentícios são transportados diariamente, na maior parte dos casos, das zonas rurais e das indústrias transformadoras para os supermercados das zonas urbanas. Nos confinamentos de 2020/2021, contudo, as lojas locais, as lojas de explorações agrícolas e as lojas em linha gozaram de uma popularidade crescente entre os consumidores.

3.4.3.

O desenvolvimento de cadeias de abastecimento curtas contribui para a resiliência da Europa. Os canais de distribuição locais devem estar adaptados às necessidades das populações e às especificidades dos territórios e dos climas. As capacidades de transformação devem ser mais desenvolvidas à escala local.

3.4.4.

A diversificação da produção também contribuirá para aumentar a resiliência da UE. A Estratégia do Prado ao Prato prevê um aumento das terras agrícolas dedicadas à agricultura biológica, sendo as hortas e a agricultura urbana e vertical (10) opções válidas e cada vez mais populares que permitem reduzir a distância de transporte dos alimentos. Estas iniciativas devem ser associadas a outras formas locais e regionais de produção e transformação de alimentos, a fim de criar uma rede de segurança.

3.4.5.

A identificação das vulnerabilidades deve estar no topo da agenda da UE. Os Estados-Membros e a Comissão Europeia devem cooperar na deteção de lacunas, na redução do desperdício alimentar, no desenvolvimento de cenários e na coordenação de ações de formação e comunicação específicas.

3.4.6.

A gestão inteligente das reservas alimentares deve fazer parte da autonomia estratégica aberta da UE no domínio alimentar e deve prever a rotação periódica das reservas estratégicas, evitando a especulação por parte dos comerciantes, nomeadamente a compra de matérias-primas e alimentos abaixo do preço de custo (11), e reações fortes do mercado ao assegurar a transparência do mesmo.

3.5.   A mão de obra

3.5.1.

São poucos os jovens com formação e a intenção de trabalhar no domínio da agricultura. Em 2016, por cada agricultor da UE com menos de 35 anos, havia mais de seis agricultores com idade superior a 65 anos (12).

3.5.2.

Além disso, os agricultores continuam a absorver uma parte desproporcionada dos danos e perdas resultantes de catástrofes. O aumento da sua frequência e intensidade, aliado à natureza sistémica do risco, está a afetar a vida das pessoas, a devastar meios de subsistência e a colocar em risco todo o nosso sistema alimentar.

3.5.3.

É essencial aumentar a mão de obra agrícola na Europa, proteger a agricultura e os terrenos agrícolas férteis e assegurar sistemas de conhecimento e inovação agrícolas adequados. Os jovens e as mulheres devem ser incentivados a participar na atividade agrícola e a trabalhar nas explorações agrícolas a longo prazo.

3.5.4.

A garantia de condições de trabalho dignas para os trabalhadores da UE e de países terceiros na agricultura, no setor alimentar e em todos os níveis da cadeia de abastecimento é uma condição indispensável para a implementação de um sistema alimentar sustentável e resiliente. Devem ser garantidos financiamentos adequados, salários justos e mais elevados, preços justos, subsídios de adaptação às alterações climáticas e os direitos dos trabalhadores sazonais.

3.5.5.

Segundo o CESE, uma política alimentar global da UE deve proporcionar sustentabilidade económica, ambiental e sociocultural. Por conseguinte, é indispensável assegurar que a Estratégia do Prado ao Prato redefina fundamentalmente a dinâmica da cadeia de abastecimento e proporcione aos agricultores melhorias duradouras dos rendimentos e dos meios de subsistência (13). Coloca-se a questão de saber se esta mudança fundamental necessária se concretizará se não forem criados os incentivos políticos e económicos adequados.

3.6.   Comércio

3.6.1.

As exportações agroalimentares da UE-27 em 2020 foram avaliadas em 184,3 mil milhões de euros, o que representa um aumento de 1,4 % em relação a 2019, ao passo que as importações, num montante de 122,2 mil milhões de euros, registaram um aumento de 0,5 % relativamente ao ano anterior. O excedente comercial agroalimentar em 2020 foi de 62 mil milhões de euros, o que representa um aumento de 3 % em relação a 2019 (14). Segundo o Centro Comum de Investigação (JRC), mil milhões de euros de exportações agroalimentares criam, em média, 20 000 empregos, dos quais 13 700 no setor primário. Ao mesmo tempo, a agricultura representava cerca de 4,2 % do emprego total na UE em 2016 (15).

3.6.2.

O Reino Unido, os EUA, a China, a Suíça e o Japão foram os maiores mercados agroalimentares da UE, sendo destinatários de mais de 52 % de todas as exportações. Entre as maiores fontes de importações agroalimentares da UE em 2020, contam-se o Reino Unido, o Brasil, os EUA, a Ucrânia e a China.

3.6.3.

A UE desempenha um papel importante no comércio mundial de produtos agroalimentares, e é essencial que as suas políticas comerciais sejam consentâneas com os seus objetivos em matéria de sustentabilidade. Num parecer anterior (16), o CESE propôs que todos os futuros acordos comerciais da UE incorporassem a Estratégia do Prado ao Prato e a Estratégia de Biodiversidade, do Pacto Ecológico, enquanto normas globais de sustentabilidade. Reconheceu a importância e o valor das atividades comerciais baseadas em regras, em condições de concorrência equitativas, e previu um grande contributo dessas atividades para a recuperação económica após a crise da COVID-19.

3.6.4.

A fim de reduzir a dependência dos fatores de produção agrícola, a UE deve apoiar práticas de baixo consumo, especialmente em termos de combustíveis fósseis e pesticidas, e fomentar a capacidade de produção de fatores de produção agrícola na Europa.

3.6.5.

São necessários sistemas inovadores para proteger e melhorar a base de recursos naturais, promovendo ao mesmo tempo uma produção eficiente (17). As novas tecnologias, os robôs e as vacinas são ativos importantes a desenvolver.

4.   Gestão dos riscos e cenário de teste de resistência

4.1.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a humanidade e a nossa segurança alimentar enfrentam uma série de ameaças novas e sem precedentes, como condições meteorológicas extremas devido às perturbações do clima, doenças e pandemias. A agricultura depara-se com uma série de riscos que, num mundo hiperconectado, interagem entre si (18).

4.2.

A FAO indica que, em 2020/21, os preços dos alimentos atingiram o nível mais elevado desde 2011 (19). Afirma-se com frequência que a volatilidade dos preços é impulsionada em parte pela especulação. A ONU e a OCDE indicam que, em 2020, entre 720 e 811 milhões de pessoas passaram fome. Quase uma em cada três pessoas no mundo (2,37 mil milhões) não tinha acesso a uma alimentação adequada em 2020, o que corresponde a um aumento de 320 milhões num ano (20).

4.3.

A pandemia de COVID-19 demonstra que, mesmo na Europa, a segurança alimentar não deve ser tida como um dado adquirido. Todos os intervenientes e atividades ao longo da cadeia alimentar estão hiperconectados. Durante a pandemia, os países introduziram restrições comerciais. Mesmo no interior da UE, os Estados-Membros adotaram medidas unilaterais fechando fronteiras e colocando em risco o transporte de géneros alimentícios e trabalhadores sazonais. Graças às rápidas adaptações por parte dos agricultores e parceiros da cadeia alimentar, a produção, a transformação e a distribuição não cessaram. A Comissão também tomou medidas para manter o funcionamento do mercado interno. No entanto, muitos empresários foram afetados economicamente pela crise, com a suspensão das viagens, do turismo e da restauração.

4.4.

Os ciberataques, como os ataques de software de sequestro, provocam crises na vida real, tal é a quantidade dos dados atualmente em linha («Internet das coisas»). Segundo a agência noticiosa AP, o pagamento médio aos cibercriminosos atingiu 310 000 dólares americanos em 2020, o que representa um aumento de 311 %. Em média, as vítimas só recuperaram o acesso aos seus dados após 21 dias (21).

4.5.

Em abril de 2021, a principal cadeia de supermercados neerlandesa (Albert Heijn) deixou de ter alguns produtos de queijo durante vários dias na sequência de um ciberataque a um grande distribuidor (22). A maior empresa de transformação de carnes do mundo, a JBS, sofreu recentemente um ciberataque, o que intensificou as preocupações de segurança nos EUA no que diz respeito ao abastecimento nacional de alimentos (23). Estima-se que muitos ciberataques não são comunicados pelas empresas para evitar reações do mercado como os açambarcamentos e o aumento vertiginoso dos preços. Mesmo não sendo o alvo direto, algumas empresas também sofreram indiretamente os efeitos de ciberataques, como o ataque com software de sequestro ao fornecedor de software Kaseya, dos Estados Unidos, que levou ao encerramento de várias centenas de lojas do grupo Cooperative na Suécia, em julho de 2021 (24).

4.6.

Igualmente preocupante foi o bloqueio do canal do Suez por um navio porta-contentores de 200 000 toneladas no início de abril de 2021. Estes incidentes revelam a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento mundiais. Uma perturbação dessas cadeias durante alguns dias traduz-se em atrasos que levam muito tempo a recuperar, o que pode causar um aumento dos preços para os consumidores e as empresas.

4.7.

Em setembro, a Comissão Europeia publicou o seu Relatório de prospetiva estratégica 2021, centrado na autonomia estratégica aberta (25). A Comissão considera que «garantir sistemas […] alimentares sustentáveis e resilientes» é um dos domínios estratégicos fundamentais para reforçar a liderança mundial da UE. A este respeito, é mencionada a necessidade de investir na inovação para assegurar sistemas alimentares resilientes e sustentáveis (26).

4.8.

Além disso, um documento técnico recente do Centro Comum de Investigação fornece informações de base para os quadros de indicadores de resiliência apresentados no Relatório de prospetiva estratégica de 2020 da Comissão (27). Essas informações incluem indicadores de vulnerabilidade relacionados com o acesso a serviços locais e a dependência da importação de géneros alimentícios, e demonstra a importância geopolítica dos alimentos. Um quadro de indicadores ajuda a cartografar a vulnerabilidade e desenvolver testes de resistência direcionados. Trata-se, no entanto, de uma abordagem geral, dado não existir um indicador único, e os quadros de indicadores de resiliência estão atualmente a ser revistos.

4.9.

É necessário que as cadeias de abastecimento passem de um sistema imediato (just in time) para um sistema de antecipação de imprevistos (just in case). A dependência de fornecedores monopolistas no que toca a certos produtos pode estar sujeita à interferência de governos hostis. Em causa está também o abastecimento de fatores de produção aos agricultores e às empresas de transformação de alimentos. O CESE apela, por isso, a uma análise da disponibilidade alimentar da UE do ponto de vista da segurança, que pode ser realizada através de estudos de cenários.

4.10.

Deve recorrer-se aos testes de resistência para expor vulnerabilidades. Por exemplo: quais são as possíveis consequências de falhas das redes locais, regionais ou nacionais de energia e de telecomunicações que se prolonguem por vários dias? Trata-se, reconhecidamente, de um dos riscos mais imponentes para a infraestrutura crítica de qualquer nação, incluindo o abastecimento de alimentos. Os impactos diretos no abastecimento alimentar são diversos, nomeadamente: falhas no abastecimento de eletricidade, água e gás; a perda de capacidade de refrigeração e congelação; a perda de instalações de cozedura, panificação e transformação/fabrico; a perda de aquecimento e iluminação; a incapacidade de garantir a higiene alimentar básica; a incapacidade de obter combustível para veículos de distribuição ou outros usos na cadeia de abastecimento. No entanto, os impactos indiretos resultantes de impactos noutras infraestruturas críticas também podem ter consequências significativas. Uma ausência prolongada de telecomunicações e comunicações de dados colocaria desafios sérios e imediatos à forma como as empresas comunicam internamente e com agências governamentais, fornecedores, clientes e consumidores para facilitar a disseminação de informações vitais e efetuar novas encomendas e pagamentos, inclusive através de sistemas de ligação bancária.

4.11.

O CESE recomenda uma investigação mais aprofundada deste cenário.

5.   Recomendações sobre a via a seguir

5.1.

A autonomia estratégica aberta enquanto conceito oferece oportunidades, mas também apresenta riscos. A prosperidade da UE depende igualmente do comércio mundial e, por conseguinte, da existência de regras claras para o comércio e de medidas definidas.

5.2.

A escassez de alimentos, real ou aparente, pode levar a que os consumidores façam compras por pânico, com menor consideração pelo clima, a biodiversidade ou o bem-estar animal. Por esse motivo, a Europa só se pode tornar mais ecológica se também se tornar mais resiliente.

5.3.

A COVID-19 mostrou que uma perturbação mais prolongada das cadeias de abastecimento provoca efeitos em cascata em toda a economia, podendo o regresso à normalidade levar vários anos.

5.4.

A autonomia estratégica aberta no domínio alimentar não pode existir sem uma política comercial aberta e justa. A União Europeia não pode voltar a aplicar políticas protecionistas, porque tal criaria novas vulnerabilidades e poderia causar danos consideráveis (28). A título de exemplo, a UE fornece cereais ao Norte de África e ao Médio Oriente. Muitas vezes, as cadeias de abastecimento internacionais são mais eficientes e diversificadas, pelo que são mais capazes de se adaptar rapidamente a novos choques do que as cadeias locais.

5.5.

A UE deve avaliar em que casos e para que produtos a autossuficiência é uma abordagem oportuna. Há que aumentar a sensibilização dos consumidores e do público em geral para o modo de funcionamento das cadeias de abastecimento.

5.6.

A UE, em conjunto com as Nações Unidas e os seus parceiros comerciais, deve abordar as causas profundas da insegurança alimentar e contribuir para a tão necessária transformação do sistema alimentar, tornando a agricultura mais resiliente aos choques. Os governos têm um papel a desempenhar no apoio às cadeias de abastecimento para que estas se tornem mais sustentáveis, robustas e seguras.

5.7.

Num recente documento informal conjunto, a França e os Países Baixos apelaram a condições comerciais mais rigorosas na UE, incluindo um plano da UE sobre conduta empresarial responsável. Tal deverá assegurar uma política coerente e harmonizada, mantendo simultaneamente condições de concorrência equitativas no mercado interno da UE. Um plano de ação da UE sobre conduta empresarial responsável deve constituir a estratégia principal da abordagem da UE para promover o comércio justo, a produção responsável e a gestão das cadeias de abastecimento.

5.8.

A Espanha e os Países Baixos elaboraram recentemente um documento informal conjunto sobre a prossecução de uma autonomia estratégica mantendo, simultaneamente, uma economia aberta. Um dos aspetos referidos nesse documento era o de que a «autonomia estratégica aberta» deveria ser uma das questões debatidas na Conferência sobre o Futuro da Europa.

5.9.

Neste contexto, é também pertinente o debate da UE sobre o dever de diligência (29) e o código de conduta da Estratégia do Prado ao Prato (30). A este respeito, as empresas e organizações do setor agroalimentar têm agora a oportunidade de assinar o código de conduta para práticas empresariais e comerciais responsáveis, lançado pela Comissão Europeia no âmbito da Estratégia do Prado ao Prato (31).

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Para que uma política alimentar europeia abrangente seja verdadeiramente pertinente para os consumidores europeus, é essencial que os alimentos produzidos de forma sustentável na UE sejam competitivos. Tal pressupõe que o setor agroalimentar europeu seja capaz de proporcionar alimentos aos consumidores a preços que incluem custos suplementares para critérios como a sustentabilidade, o bem-estar animal, a segurança dos alimentos e a nutrição, mas também um retorno justo para os agricultores e, ao mesmo tempo, manter a sua posição como a opção preferida para a grande maioria dos consumidores (JO C 129 de 11.4.2018, p. 18; JO C 429 de 11.12.2020, p. 268).

(2)  Plano de contingência, Comissão Europeia.

(3)  «COVID-19 and the food phenomena» [A COVID-19 e os fenómenos alimentares], FAO.

(4)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 18 e JO C 429 de 11.12.2020, p. 268.

(5)  Entre outros: JO C 129 de 11.4.2018, p. 18, JO C 190 de 5.6.2019, p. 9, JO C 429 de 11.12.2020, p. 268, JO C 429 de 11.12.2020, p. 66, JO C 440 de 6.12.2018, p. 165, Parecer do CESE — Rumo a uma cadeia de abastecimento alimentar justa, NAT/823 (JO C 517 de 22.12.2021, p. 38).

(6)  Contributo para a Cimeira das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares de 2021, CESE.

(7)  Revisão da Política Comercial, Comissão Europeia.

(8)  «68% of the world population projected to live in urban areas by 2050» [Prevê-se que 68 % da população mundial viva em zonas urbanas até 2050], Nações Unidas.

(9)  «Urbanisation in Europe» [Urbanização na Europa], Comissão Europeia; «World urbanisation Prospects 2018» [Perspetivas de urbanização mundial 2018], Nações Unidas.

(10)  «Vertical farming» [Agricultura vertical], WUR — Universidade e Investigação de Wageningen.

(11)  Parecer do CESE — Rumo a uma cadeia de abastecimento alimentar justa, NAT/823 (JO C 517 de 22.12.2021, p. 38).

(12)  «CAP — Structural change and generational renewal» [PAC: alterações estruturais e renovação geracional], Comissão Europeia.

(13)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 268.

(14)  «2020 a year of stability for EU agri-food trade» [2020, um ano de estabilidade para o comércio agroalimentar da UE], Comissão Europeia.

(15)  «Farmers and the agricultural labour force — statistics» [Agricultores e mão de obra agrícola — estatísticas], Eurostat.

(16)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 66.

(17)  «The future of food and agriculture» [O futuro da alimentação e da agricultura], FAO.

(18)  «The impact of disasters and crises on agriculture and food security: 2021» [O impacto das catástrofes e das crises na agricultura e na segurança alimentar: 2021], FAO.

(19)  «FAO Food Price Index» [Índice de preços dos alimentos pela FAO], FAO.

(20)  «2021 State of Food Security and Nutrition in the World» [A segurança alimentar e a nutrição no mundo em 2021], PAM.

(21)  «Cyber attack on US pipeline is linked to criminal gang» [Ciberataque em oleoduto dos EUA está ligado a associação criminosa], AP News.

(22)  «Kaasschaarste bij Albert Heijn na hack leverancier» [Escassez de queijo no Albert Heijn após ciberataque a fornecedor], Volkskrant.

(23)  «Hacking American beef: the relentless rise of ransomware» [Carne americana alvo de pirataria informática: o aumento implacável do software de sequestro], Financial Times.

(24)  «NCSC statement on Kaseya incident» [Declaração do NCSC sobre o incidente Kaseya], NCSC.

(25)  Relatório de prospetiva estratégica 2021, Comissão Europeia.

(26)  «Shaping and securing the EU's Open Strategic Autonomy by 2040 and beyond» [Definir e garantir a autonomia estratégica aberta da UE até 2040 e mais além], JRC.

(27)  «Resilience Dashboards» [Quadros de indicadores de resiliência], Comissão Europeia.

(28)  Todos os futuros acordos comerciais da UE devem também incorporar a Estratégia do Prado ao Prato e a Estratégia de Biodiversidade, do Pacto Ecológico, enquanto normas globais de sustentabilidade (JO C 429 de 11.12.2020, p. 66).

(29)  «Towards a mandatory EU system of due diligence for supply chains» [Rumo a um sistema obrigatório do dever de diligência na UE para as cadeias de abastecimento], Euractiv.

(30)  «Code of Conduct for Responsible Business and Marketing Practices» [Código de conduta para práticas empresariais e comerciais responsáveis], Comissão Europeia.

(31)  Parecer do CESE — Alinhar as estratégias e as operações do setor alimentar com os ODS para uma recuperação sustentável pós-COVID-19 (ainda não publicado no Jornal Oficial).


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

564.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 20.10.2021-21.10.2021

4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/63


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Atualização da Nova Estratégia Industrial de 2020: construir um mercado único mais forte para a recuperação da Europa»

[COM(2021) 350 final]

(2022/C 105/10)

Relatora:

Sandra PARTHIE

Correlator:

Dirk BERGRATH

Consulta

Comissão Europeia, 1.7.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

21.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

194/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Uma estratégia industrial coerente deve centrar-se em duas dimensões: a recuperação da pandemia e a reconstrução e resiliência. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o apelo para a criação conjunta de trajetórias de transição para o futuro verde e digital e sublinha que tal tem de ser levado a cabo em parceria com a indústria, os poderes públicos, os parceiros sociais e outras partes interessadas. Para o CESE, o primeiro passo para uma aplicação bem-sucedida e coerente da estratégia industrial é definir o quadro adequado, centrado na competitividade e na inovação, que deve ser abordado em cada ecossistema, com objetivos e metas claros.

1.2.

Neste contexto, o CESE preconiza a criação de indicadores-chave de desempenho (ICD) específicos que meçam não só a competitividade do ecossistema, mas também as questões horizontais, e sublinha a necessidade de avaliações regulares dos indicadores escolhidos e de os adaptar ou alterar ao longo do tempo.

1.3.

O CESE congratula-se com o compromisso da Comissão Europeia de manter e aumentar a base industrial e de produção da Europa e sublinha que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental e devem ser associados à conceção do futuro da indústria europeia. O CESE insta igualmente ao alinhamento das medidas previstas para atingir a neutralidade climática e a transição digital com o objetivo de bem-estar social e crescimento sustentável.

1.4.

O Comité reconhece que a resiliência da cadeia de valor ganhou maior importância e apoia os esforços da Comissão para garantir a segurança das cadeias de abastecimento e reforçar a resiliência das empresas, dado que é importante para a economia da UE, tendo a pandemia de COVID-19 revelado insuficiências inesperadas, incluindo no mercado único.

1.5.

Em certos domínios, infelizmente, a pandemia contribuiu para aumentar o fosso entre os Estados-Membros da UE prósperos e os menos prósperos, o que coloca ainda mais em risco a coesão social e económica. O Instrumento de Recuperação da União Europeia constitui uma ferramenta sem precedentes para a UE atenuar este impacto e deve ser utilizado para assegurar uma maior convergência entre os Estados-Membros e as regiões da Europa, também no que diz respeito à dupla transição para uma Europa sustentável e digital.

1.6.

As alianças industriais estão a revelar-se um método de sucesso para o desenvolvimento de projetos industriais de grande escala e transfronteiriços em domínios estratégicos. Tais alianças industriais, juntamente com projetos importantes de interesse europeu comum (IPCEI), são fundamentais para a recuperação e para a promoção das normas europeias e das tecnologias essenciais, em especial nos domínios em que o mercado, por si só, não pode produzir resultados ou está a sofrer distorções.

1.7.

Na opinião do CESE, a aplicação bem-sucedida de tais projetos requer um diálogo estreito com os representantes dos trabalhadores e sindicatos, bem como com os representantes das empresas e as associações de empregadores, a fim de incluir os seus conhecimentos especializados e reduzir ao máximo as incertezas na conversão. Devem ser acompanhados de uma avaliação do impacto dos processos de descarbonização na criação de valor, no emprego e nas competências necessárias para a produção industrial descarbonizada e a economia circular.

1.8.

É fundamental identificar medidas claras e adequadas para apoiar as MPME (1), e o CESE saúda a intenção de oferecer apoio acessível às empresas de todas as dimensões para que inovem e evoluam plenamente para a digitalização. É igualmente necessário rever as políticas de forma a resolver os problemas de contratação com que as empresas se deparam e atrair uma mão de obra qualificada, bem como facilitar um ambiente favorável aos negócios e os investimentos em infraestruturas sociais, a qualificação e formação dos trabalhadores e condições de trabalho dignas.

1.9.

As falhas de abastecimento nas cadeias de valor estratégicas, bem como a escassez de trabalhadores qualificados, estão a comprometer a capacidade das indústrias europeias de recuperarem rapidamente da pandemia. É fundamental que os Estados-Membros e a UE ajam de forma decisiva para fazer face às dependências estratégicas (2), nomeadamente através da reindustrialização, da economia circular, da política comercial e de medidas no domínio das competências. De um modo geral, as empresas estão em melhor posição para reapreciar e rever as suas cadeias de abastecimento, e os seus esforços devem ser respaldados.

1.10.

A UE deve permanecer aberta, justa e assente em valores, a fim de atrair investidores e apoiar as atividades económicas. No entanto, o CESE apoia um mercado único aberto e justo, que permita às empresas europeias concorrer nos mercados estrangeiros e, por isso, apela à Comissão e aos Estados-Membros para que assegurem investimentos em soluções digitais com valor acrescentado para as economias europeias. A digitalização da economia deve ser promovida de forma inclusiva, evitando qualquer tipo de discriminação digital.

1.11.

O CESE considera que o conjunto de medidas anunciadas pela Comissão para combater a concorrência desleal em virtude dos subsídios estrangeiros também deve servir de instrumento para reindustrializar a Europa e apoiar as suas cadeias de valor industriais. O CESE apoia igualmente o levantamento das cadeias de produção europeias, colocando a indústria na vanguarda desta reconstrução, e insta a uma melhor promoção das normas europeias a nível mundial.

2.   Comunicação da Comissão

2.1.

A comunicação constitui uma atualização da nova estratégia industrial para a Europa, publicada em 10 de março de 2020. A atualização visa ter em conta o impacto da crise da COVID-19 na economia e na indústria da Europa, expõe os ensinamentos retirados da crise e define as principais prioridades estratégicas em três vertentes principais:

reforçar a resiliência do mercado único,

ultrapassar as dependências estratégicas da Europa,

acelerar as transições ecológica e digital da indústria da UE.

2.2.

A atualização também avalia a resiliência e o funcionamento do mercado único, avalia as necessidades de cada ecossistema industrial, identifica dependências estratégicas nos principais ecossistemas vulneráveis e propõe indicadores-chave de desempenho para acompanhar a aplicação da estratégia. Inclui uma dimensão das PME com apoio financeiro adaptado e medidas para permitir às PME e empresas em fase de arranque abraçar a dupla transição.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE congratula-se com a atualização da estratégia industrial. Impunha-se uma revisão da estratégia, tendo em conta que a crise da COVID-19 colocou a economia da Europa e as cadeias de valor industriais, as micro, pequenas e médias empresas, bem como os cidadãos — em especial os jovens, as pessoas que perderam o emprego, os trabalhadores com rendimentos mais baixos e os grupos vulneráveis, como pessoas com deficiência e mulheres — sob pressão. Revelaram-se insuficiências, dependências e lacunas adicionais nas cadeias de abastecimento, que requerem uma avaliação baseada em dados concretos para serem bem resolvidas. O CESE congratula-se com o compromisso da Comissão de manter e aumentar a sua base industrial e de produção e sublinha que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental e devem ser associados à conceção do futuro da indústria europeia. Em especial, o CESE sublinha o papel fundamental do diálogo social, dos parceiros sociais, da negociação coletiva e da participação dos trabalhadores, bem como do empenho da sociedade civil, para a concretização de uma política industrial competitiva.

3.2.

Não obstante, uma vez que os desafios pré-COVID-19 não deixaram de existir, cabe assegurar a coerência com as medidas propostas na Estratégia Industrial para a Europa de 2020. A recuperação levará o seu tempo e é necessário um apoio contínuo à indústria, às empresas e aos trabalhadores europeus. O desafio da dupla transição, que consiste em combater as alterações climáticas e promover a digitalização, exige esforços da parte das empresas e dos poderes públicos e deve desempenhar um papel central numa estratégia industrial moderna para a Europa. O CESE sublinha que as medidas previstas para a neutralidade climática e a transição digital devem ser alinhadas com o objetivo de bem-estar social e crescimento sustentável, para alcançar uma transição justa, sem que ninguém fique para trás. Além da ênfase na recuperação da crise da COVID-19, é essencial ter uma perspetiva de longo prazo na transição ecológica e digital, mas também na produtividade e na competitividade em geral.

3.3.

O Comité reconhece que a resiliência da cadeia de valor ganhou maior importância e apoia os esforços da Comissão para garantir a segurança das cadeias de abastecimento e reforçar a resiliência das empresas, dado que é importante para a economia da UE e que a pandemia de COVID-19 veio revelar insuficiências inesperadas, incluindo no mercado único. Uma política industrial horizontal forte deve apoiar a base industrial europeia sem intervenções discricionárias nos resultados do mercado. O CESE sublinha a importância da inovação. A procura de formas de alcançar um nível adequado de segurança de abastecimento e o reforço da capacidade de reagir às perturbações devem fazer parte da agenda política e, acima de tudo, empresarial.

3.4.

As competências são fundamentais para apoiar a dupla transição e contribuir para a recuperação. A UE só pode ser uma potência geopolítica se possuir uma base industrial muito competitiva, com empresas fortes e trabalhadores altamente qualificados, instalações de produção em solo europeu e regras claras e justas no que diz respeito ao mercado interno. O CESE apoia a iniciativa Pacto para as Competências, que visa fomentar ações de requalificação e melhoria das competências dos trabalhadores adultos. As ações abrangidas pelo pacto, como o estabelecimento de parcerias de competências por ecossistema, nomeadamente parcerias público-privadas, são mais eficazes se prosseguidas a nível setorial, associando os parceiros sociais setoriais e as organizações pertinentes da sociedade civil. É também importante que as iniciativas nacionais em matéria de competências incentivem os empregadores a oferecer oportunidades de formação. A este respeito, a dimensão territorial reveste-se de grande importância; os mercados de trabalho devem ser devidamente avaliados com vista à criação de novos empregos em todas as regiões. O CESE acompanhará estes aspetos e insta a Comissão e os Estados-Membros a envolverem os parceiros sociais e a sociedade civil no acompanhamento e na execução dos planos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que devem ser consentâneos com o Pacto Ecológico Europeu e a estratégia industrial. A Europa carece de uma mão de obra altamente qualificada e adaptada às mudanças que a economia atravessa. O sucesso da melhoria das competências e da requalificação constitui um grande desafio (3).

3.5.

O CESE saúda a análise exaustiva do impacto da pandemia de COVID-19 realizada no contexto da estratégia. As atividades e os instrumentos de acompanhamento e observação constantes propostos, como o Relatório Anual sobre o Mercado Único ou o acompanhamento de matérias-primas críticas, podem criar conjuntos de dados muito úteis para avaliar o estado da força industrial da Europa e informar uma política industrial horizontal que coloca novamente a Europa numa posição de liderança mundial.

3.6.

No entanto, dispor de um conjunto de estratégias ou planos, por exemplo ligados ao Pacto Ecológico ou ao Instrumento de Recuperação da União Europeia, não é, por si só, suficiente caso estes não sejam executados. O CESE apela à Comissão e aos Estados-Membros para que assegurem a coerência entre os vários planos de recuperação da Europa, dotando-os do quadro regulamentar e dos incentivos necessários para que o setor industrial, as suas empresas e os trabalhadores possam fazer a transição para um futuro sustentável e digital.

3.7.

Em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, esta utilização considerável dos fundos públicos deve nortear-se pelo princípio da sustentabilidade e da solidariedade social, que deve constituir o fio condutor da execução da estratégia atualizada. Dada a dimensão dos desafios, os recursos atualmente disponibilizados através do Fundo para uma Transição Justa não bastam para criar perspetivas suficientes para as regiões afetadas e os trabalhadores assalariados em processo de mudança estrutural. Uma transição justa no setor industrial só terá sucesso se for feita de forma coordenada. O CESE estima que o investimento público deve ser realizado através de programas de investigação amplos e abertos, como o Horizonte Europa, para evitar o financiamento de atividades que estão mais próximas dos mercados.

3.8.

A política industrial e a política comercial estão interligadas, devem reforçar-se mutuamente e combater as distorções do mercado. Garantir que a UE permanece aberta ao comércio e ao investimento é uma condição indispensável para alcançar a resiliência. O comércio pode contribuir para diversificar as cadeias de abastecimento e permitir que a UE tenha acesso livre aos fatores de produção essenciais para a nossa capacidade de inovar e aumentar a produção (4). A política comercial da UE pode contribuir para reforçar a nossa competitividade a nível mundial, nomeadamente aumentando a ambição climática dos parceiros comerciais, por exemplo, através da liberalização do comércio de bens e serviços ambientais. O CESE sublinha que todas as políticas da UE devem promover o desenvolvimento sustentável a nível europeu e internacional e garantir que o desenvolvimento económico é indissociável da justiça social, do respeito dos direitos humanos e de elevados padrões de trabalho e ambientais. A UE deve permanecer aberta, justa e assente em valores, a fim de atrair investidores e apoiar as suas atividades económicas.

3.9.

O mercado único é o maior trunfo da Europa e o seu sucesso será a chave para permitir a transição. A Comissão deve continuar a centrar-se na execução e observância das regras e na eliminação das barreiras no mercado único que existiam mesmo antes da crise.

3.10.

Em certos domínios, a pandemia aumentou o fosso entre os Estados-Membros da UE prósperos e os menos prósperos, o que coloca ainda mais em risco a coesão social e económica. O Instrumento de Recuperação da União Europeia é uma ferramenta sem precedentes para atenuar tal impacto, mas o CESE lamenta que a vertente regional e a localização periférica ou geográfica estejam ausentes da atualização da estratégia industrial. Uma abordagem ecossistémica, por si só, não corrigirá a situação nem reduzirá as divergências. Um dos principais objetivos da estratégia deve consistir em reduzir as divergências entre os Estados-Membros e as regiões, procurando simultaneamente uma convergência ascendente.

4.   Acompanhamento das tendências industriais, das cadeias de valor e da competitividade

4.1.

A indústria transformadora é um motor de inovação, um ponto focal para as cadeias de valor, incluindo os serviços, e uma fonte de empregos altamente produtivos e bem remunerados. Garantir o futuro da indústria transformadora, reforçar a produção industrial e proporcionar um ambiente regulamentar e empresarial propício devem ser os pilares de uma política económica e industrial europeia resiliente e moderna que preserva e cria postos de trabalho.

4.2.

As falhas de abastecimento nas cadeias de valor estratégicas, bem como a escassez de trabalhadores qualificados, estão a comprometer a capacidade das indústrias europeias de recuperarem rapidamente da pandemia. Os Estados-Membros e a UE devem fazer face às dependências estratégicas, nomeadamente atraindo produção estratégica para o território da UE, bem como através da economia circular e de medidas de política comercial. De um modo geral, as empresas são as que estão em melhor posição para reapreciar e rever as suas cadeias de abastecimento. O CESE considera que o conjunto de medidas anunciadas pela Comissão para combater a concorrência desleal em virtude dos subsídios estrangeiros também deve servir de instrumento para reindustrializar a Europa e apoiar as suas cadeias de valor industriais. O aumento das capacidades estratégicas da Europa através de novas alianças industriais, que de outro modo não seriam estabelecidas, pode criar emprego e crescimento através da reconstrução de determinadas instalações de produção estratégicas.

4.3.

A indústria transformadora da Europa enfrenta uma concorrência crescente da parte dos Estados Unidos e da China. A Europa está a disputar investimentos que podem ser realizados em muitas partes do mundo. A existência de condições de investimento favoráveis é indispensável para a prosperidade futura da Europa. É necessário que os investidores nacionais, europeus e internacionais encontrem condições atrativas para manter e aumentar o capital social e, dessa forma, facilitar o crescimento futuro. As empresas existentes devem reunir condições para o desenvolvimento, e os fundadores devem ter a perspetiva de que os seus projetos empresariais podem crescer com sucesso na Europa. O CESE recomenda o reforço da abordagem horizontal da estratégia industrial, acompanhado de abordagens verticais.

4.4.

A tributação pode desempenhar um papel fundamental na disponibilização dos incentivos necessários, mas não se os Estados-Membros continuarem a concorrer entre si de forma desleal e danosa, permitindo assim que algumas grandes empresas evitem o pagamento da sua quota-parte de impostos. O CESE apoia a elaboração da proposta legislativa sobre a iniciativa BEFIT [Business in Europe: Framework for Income Taxation (As empresas na Europa: quadro para a tributação dos rendimentos)], e saúda os acordos recentes celebrados no âmbito da OCDE no domínio da tributação das empresas.

4.5.

O Relatório Anual sobre o Mercado Único define um conjunto de ICD para analisar a evolução económica e acompanhar os progressos alcançados nos diversos domínios identificados como prioritários para a indústria europeia. O CESE apoia os ICD como ferramenta de acompanhamento e congratula-se com o objetivo de fornecer uma visão geral do desempenho da economia da UE, comparando-o com parceiros internacionais e analisando a especificidade dos ecossistemas industriais. O CESE solicita à Comissão que elabore uma avaliação anual especificando de que forma os ICD atingiram os objetivos propostos e, se necessário, ponha em prática medidas corretivas. O CESE considera igualmente que são necessários objetivos quantificáveis, um calendário e uma governação concretos se os ICD forem um instrumento essencial para a aplicação da estratégia industrial.

4.6.

Contudo, o CESE considera que são necessários indicadores que não só forneçam outro conjunto de dados como ilustrem o que é importante para a competitividade da UE. Os ICD propostos negligenciam indicadores importantes como a idade, o género ou o perfil de competências da mão de obra nos vários ecossistemas. Esses aspetos são fundamentais para antecipar as mudanças que se avizinham e evitar estrangulamentos e obstáculos ao transformar a indústria europeia. São também essenciais para assegurar uma recuperação inclusiva, tendo em conta que os jovens, as mulheres e os trabalhadores precários foram os mais atingidos pela crise. O CESE recomenda complementar os ICD propostos com indicadores que meçam o desempenho social da estratégia industrial e dos seus 14 ecossistemas, com o objetivo de garantir boas condições de trabalho e de produção e empregos de qualidade. Defende a introdução de indicadores específicos que meçam não apenas os ecossistemas, mas também as questões horizontais, bem como a possibilidade de os adaptar, alterar ou desenvolver ao longo do tempo, se necessário. Os ICD devem, por exemplo, levar em consideração as preferências do consumidor, especialmente, a transição para produtos sustentáveis.

5.   Reforço da resiliência do mercado único

5.1.

O CESE congratula-se por o mercado único ser um elemento central da atualização. Um mercado interno forte é uma condição indispensável para as empresas europeias se estabelecerem, se desenvolverem e continuarem a prosperar. O CESE recorda que o objetivo é assegurar elevados padrões laborais, sociais e ambientais e o bom funcionamento das cadeias de abastecimento e das redes de criação de valor na Europa. A coesão social, a existência de sistemas de saúde acessíveis, serviços públicos eficientes, boas infraestruturas, sistemas de ensino bem-sucedidos e um sistema de relações laborais eficaz são condições essenciais para atrair investimentos e criar prosperidade.

5.2.

O CESE apoia a proposta da Comissão de criar um instrumento de emergência do mercado único com vista a uma maior transparência e coordenação. Congratula-se também com a análise pormenorizada dos ecossistemas industriais, que terá de ser acompanhada de análises e roteiros setoriais, destacando não apenas as interdependências e ligações, mas também as lacunas em muitos setores na UE, nomeadamente a avaliação da evolução do mercado de trabalho e as correspondentes necessidades em matéria de competências. Também deve haver margem para rever o modo como os ecossistemas (5) são definidos e utilizados, mas também quais os setores examinados, para que a ferramenta não se torne excessivamente seletiva.

5.3.

O CESE congratula-se com o reconhecimento do papel das MPME europeias e subscreve a intenção de as ajudar a expandir e atrair mão de obra qualificada. Essa situação requer um ambiente favorável aos negócios e investimentos em qualificação e formação dos trabalhadores, bem como em condições de trabalho dignas e infraestruturas sociais de qualidade. O CESE regozija-se com o facto de a Comissão prestar uma atenção redobrada aos atrasos de pagamento. A resolução da questão dos atrasos de pagamento é especialmente importante para as PME. Os sistemas alternativos de resolução de litígios, em que os litígios são suscetíveis de ser tratados de forma confidencial, podem ser um passo importante nesse sentido.

5.4.

As alianças industriais estão a revelar-se um método de sucesso para o desenvolvimento de projetos industriais de grande escala e transfronteiriços em domínios estratégicos. Tais alianças industriais, juntamente com projetos importantes de interesse europeu comum, são fundamentais para a recuperação e para a promoção das normas europeias e das tecnologias essenciais, em especial nos domínios em que o mercado, por si só, não pode produzir resultados ou está a sofrer distorções.

5.5.

O CESE defende uma reforma das regras em matéria de auxílios estatais, uma vez que a configuração atual já não é adequada. Necessitamos de um sistema que reduza os encargos administrativos, acelere a tomada de decisão e facilite o cumprimento dos requisitos da cláusula de equivalência. As regras em matéria de auxílios estatais também podem ser decisivas para o desenvolvimento dos projetos importantes de interesse europeu comum, que são essenciais para incentivar o investimento público e privado.

5.6.

O CESE lamenta que, na comunicação, não seja reconhecido o papel fundamental das empresas da economia social durante a pandemia nem a sua importância na construção de uma Europa resiliente e orientada para o futuro. Neste aspeto, o CESE salienta o futuro plano de ação para a promoção da economia social.

5.7.

A investigação, o desenvolvimento e a inovação são muito importantes para o futuro da indústria europeia. O CESE lamenta que o objetivo de investir 3 % do PIB em investigação, desenvolvimento e inovação ainda esteja longe de ser cumprido. Embora alguns Estados-Membros atinjam esse nível, outros estão abaixo de 1 %. Essas diferenças estão a prejudicar a capacidade global da UE enquanto bloco, ficando atrás dos EUA, do Japão e da China.

5.8.

Para reforçar a resiliência do mercado único é necessário fomentar a sua integração. Para o efeito, há que ter em consideração a dimensão e integração fiscais, bem como as medidas destinadas a evitar a concorrência fiscal desleal, tanto a nível europeu como a nível internacional. As regras de concorrência também têm de ser adaptadas às novas realidades que enfrentamos neste momento, independentemente da política industrial.

6.   Fazer face às dependências: autonomia estratégica aberta na prática

6.1.

A UE deve permanecer aberta, justa e assente em valores, a fim de atrair investidores e apoiar as suas atividades económicas. O seu poder geopolítico está associado ao facto de possuir uma base industrial muito competitiva, com empresas fortes e trabalhadores altamente qualificados, instalações de produção na UE, bem como regras claras e justas no que diz respeito ao mercado interno, que pode ser um exemplo a nível internacional (6). No entanto, para manter a concorrência leal na UE, é importante que os instrumentos de defesa comercial sejam utilizados com ponderação.

6.2.

O CESE considera que uma política centrada na autonomia não é adequada e que, em vez disso, a política comercial da UE deve reconhecer que a abertura é um elemento fundamental para alcançar a resiliência. É importante encontrar um ponto de equilíbrio entre a abertura e o instrumento jurídico previsto para fazer face aos potenciais efeitos de distorção, tanto nas empresas como nos trabalhadores, dos subsídios estrangeiros no mercado único. O CESE apoia um mercado único aberto e justo e condições de concorrência equitativas, que permitam às empresas europeias concorrer nos mercados estrangeiros.

6.3.

Por outro lado, deve evitar-se a introdução de novos termos, como «sustentabilidade competitiva», sem explicações adicionais. As empresas enfrentarão uma batalha difícil durante a fase de recuperação e necessitarão de um quadro legislativo fácil de negociar.

6.4.

A abordagem de formar e apoiar alianças industriais tem-se revelado bem-sucedida nos exemplos atuais das baterias e do hidrogénio. O CESE considera que se trata de um excelente instrumento e apoia o lançamento de novas alianças nos setores escolhidos, nomeadamente os processadores e as tecnologias de semicondutores, os dados industriais, as tecnologias de nuvem e de computação periférica, os lançadores de engenhos espaciais e a aviação com emissões zero. Insiste, no entanto, em que as alianças sejam estabelecidas de forma transparente e inclusiva, prestando especial atenção às MPME.

7.   Acelerar a dupla transição

7.1.

Tal como reconhecido no Pacto Ecológico, a digitalização desempenha um papel fundamental em todos os ecossistemas. Deve, por isso, haver um reforço dos investimentos em toda a UE, para impulsionar o crescimento de novos setores das tecnologias da informação e comunicação, como a economia dos dados, a Internet das coisas, a computação na nuvem, a robótica, a inteligência artificial e a produção avançada, bem como a utilização das normas industriais europeias. O CESE apela à Comissão e aos Estados-Membros para que assegurem investimentos em soluções digitais com valor acrescentado para as economias europeias.

7.2.

A prioridade absoluta é tornar a Europa competitiva no domínio digital. A estratégia assinala acertadamente a necessidade de os colegisladores adotarem rapidamente o Regulamento Serviços Digitais e o Regulamento Mercados Digitais, bem como o papel primordial das normas harmonizadas no reforço do mercado único de bens e na facilitação da liderança global europeia nas tecnologias, nomeadamente utilizando a digitalização para obter uma maior eficiência energética. O bom funcionamento do sistema de normalização europeu é essencial para a consecução dos objetivos da dupla transição e para o reforço da competitividade e da resiliência das indústrias da UE. O CESE apela à Comissão para que intensifique os seus esforços para alcançar a liderança através da definição de normas e ser uma referência neste domínio, promovendo e desenvolvendo as normas europeias existentes em conjunto com as empresas. O CESE congratula-se, por conseguinte, com a abordagem holística da Comissão, tendo também em conta a importância do setor dos serviços para o bom funcionamento do mercado único e para o êxito da dupla transição.

7.3.

É fundamental dotar a mão de obra europeia de competências digitais para a nova fase de industrialização. A adaptação à era digital exige mão de obra qualificada e devidamente preparada. As competências têm um considerável efeito catalisador na inovação e na criação de valor acrescentado. O aumento da empregabilidade requer estratégias abrangentes de mercado de trabalho que envolvam todas as partes interessadas pertinentes (parceiros sociais, instituições do mercado de trabalho, organizações da sociedade civil, e organismos de formação). As aptidões e competências digitais devem ser integradas em todos os níveis de educação e formação e junto dos parceiros sociais setoriais. As empresas locais devem participar na governação dos sistemas de educação e formação profissional, visto que possuem um amplo conhecimento dos sistemas das empresas e das necessidades do mercado local. Importa promover a digitalização da economia de forma inclusiva, evitando qualquer tipo de discriminação digital, especialmente contra pessoas idosas, pessoas com deficiência e residentes em zonas rurais e remotas.

7.4.

O CESE salienta que um setor industrial europeu forte, alicerçado em tecnologias com emissões de poluentes baixas ou nulas e na eficiência energética, é a melhor solução para a prosperidade económica e o clima. Reduzir as capacidades de produção e arriscar a fuga de carbono e de investimentos para países com normas menos ambiciosas em termos de emissões seria um erro sério. O desenvolvimento de tecnologias acessíveis com emissões de carbono baixas ou nulas, bem como energeticamente eficientes, e a sua introdução nos mercados mundiais constituem o fator mais decisivo para a redução das emissões a nível mundial. A responsabilidade da Europa está em demonstrar que é possível uma redução ambiciosa das emissões sem colocar a prosperidade económica em risco.

7.5.

A economia circular (7) e a criação de mercados secundários de matérias-primas são vitais. As políticas de gestão de resíduos, a obrigação de utilização de material reciclado em embalagens e outros produtos são fundamentais para iniciar os investimentos ao longo das cadeias de reciclagem.

7.6.

A fim de alcançar o nível de investimento necessário para financiar o Pacto Ecológico, deve prever-se também uma revisão das regras em matéria de auxílios estatais para o investimento em produtos e processos hipocarbónicos. Além disso, os recém-criados Fundo de Inovação e Fundo de Modernização, bem como as receitas dos leilões do sistema de comércio de licenças de emissão e os contratos para diferenciais de carbono propostos, devem proporcionar recursos adicionais para apoiar projetos no domínio da energia e do clima e fazer face ao impacto social da transição que visa não deixar ninguém para trás. Da mesma forma, cabe estabelecer uma ligação entre a estratégia industrial e o Pacto Ecológico Europeu e o plano de ação para a poluição zero na água, no ar e no solo.

7.7.

O CESE apoia a orientação adotada na atualização da estratégia industrial no que diz respeito ao mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço. No entanto, sublinha que a introdução deste mecanismo em determinados setores deve estar em total conformidade com as regras da OMC, a fim de evitar medidas de retaliação de parceiros comerciais. Com vista à neutralidade carbónica, o estabelecimento de níveis semelhantes de preço do carbono a nível internacional deve ser a meta prioritária em futuras negociações multilaterais.

7.8.

A análise de dados desempenhará um papel fundamental a curto e médio prazo. A UE necessita de programas avançados de análise de dados que possam avaliar o nível de competitividade da Europa em comparação com os nossos concorrentes mundiais. O CESE congratula-se, portanto, com os esforços envidados para criar alianças industriais na área dos dados industriais e tecnologias de nuvem e de computação periférica.

Bruxelas, 21 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG

N.B.:

Segue-se anexo (Parecer complementar da Comissão Consultiva das Mutações Industriais «Atualização da nova estratégia industrial da UE — Impacto no ecossistema industrial da saúde», CCMI/185, EESC-2021-02562-00-00-AS-TRA).

(1)  Micro, pequenas e médias empresas (MPME).

(2)  O CESE sublinha que, logicamente, deve ser «independências» estratégicas, e não «dependências», mas, por uma questão de coerência, seguirá a terminologia da Comissão.

(3)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 16.

(4)  Ver JO C 429 de 11.12.2020, p. 197, e JO C 364 de 28.10.2020, p. 53.

(5)  Da utilização do termo «ecossistemas» infere-se, erradamente, a existência de um equilíbrio sustentável. As comunicações da Comissão não utilizam de forma coerente o termo «ecossistemas». Na Comunicação «Pacto Ecológico Europeu, de dezembro de 2019, “ecossistema” é utilizado para os sistemas naturais e não para os criados pelos seres humanos». Na Comunicação «Atualização da Nova Estratégia Industrial, o termo é utilizado apenas para os sistemas industriais».

(6)  Ver JO C 364 de 28.10.2020, p. 108.

(7)  Ver JO C 364 de 28.10.2020, p. 94, e JO C 14 de 15.1.2020, p. 29.


ANEXO

Parecer da Comissão Consultiva das Mutações Industriais

«Atualização da nova estratégia industrial da UE — Impacto no ecossistema industrial da saúde»

(parecer complementar ao parecer INT/935)

Relator:

Anastasis YIAPANIS

Correlator:

Antonello PEZZINI

Decisão da Plenária

26.4.2021

Base jurídica

Artigo 37.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer complementar

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção na CCMI

29.9.2021

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Europeu Social e Económico (CESE) está firmemente convicto de que a saúde está no centro do novo contexto geopolítico internacional. Por conseguinte, considera fundamental apoiar um ecossistema europeu dos cuidados de saúde forte e coordenado, a fim de contribuir para a autonomia estratégica industrial e a soberania tecnológica da União Europeia (UE) e melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos, assente numa abordagem holística munida de roteiros claramente definidos e indicadores de desempenho mensuráveis e transparentes.

1.2.

É necessário proceder a uma cartografia e análise ascendentes com os Estados-Membros e as partes interessadas do setor para permitir uma avaliação da natureza exata das dependências identificadas, incluindo os riscos que representam para a resistência e o funcionamento dos ecossistemas industriais, e para combater as vulnerabilidades e a escassez de materiais estratégicos.

1.3.

O CESE considera que são necessárias medidas para criar um ecossistema de cuidados de saúde mais forte, justo, eficiente e acessível, com uma governação eficaz, uma diversificação adequada das fontes de abastecimento e uma arquitetura digital interoperável e interligada no domínio dos cuidados de saúde. A UE tem de encontrar os incentivos adequados para a relocalização de capacidades de produção estratégicas.

1.4.

A Europa depende do exterior para o abastecimento de certas matérias-primas. O setor da saúde carece de cadeias de abastecimento internacionais mais robustas e diversificadas para estar preparado para enfrentar crises futuras. O CESE acolhe favoravelmente a proposta anunciada de criação de uma Autoridade da UE de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias.

1.5.

O CESE sublinha a necessidade de acelerar o ritmo, nomeadamente através de sinergias entre os setores público e privado. É urgente uma prospetiva estratégica a nível da União que promova a disponibilidade equitativa de equipamentos e o acesso ao ecossistema dos cuidados de saúde, assim como uma maior solidariedade, equidade e cooperação multilateral. O CESE solicita que se assegure o bem-estar social através de um acesso fácil a medicamentos eficazes e de elevada qualidade para todos os habitantes da UE.

1.6.

As potenciais sinergias entre grandes empresas e pequenas e médias empresas (PME) não estão a ser plenamente exploradas, o que dificulta seriamente a capacitação das PME e impede que o setor da saúde se torne uma incubadora de descobertas revolucionárias. Os instrumentos de apoio ao investimento devem ser coordenados de forma eficaz, com convites à apresentação de propostas específicos para as PME industriais.

1.7.

O CESE solicita maior clareza quanto à partilha de dados de saúde e à utilização de inteligência artificial, a eliminação de barreiras regulamentares e o apoio a uma abordagem comum da UE no que diz respeito à utilização de serviços de telemedicina. O CESE apoia plenamente a implantação do espaço europeu de dados de saúde, no pleno respeito dos direitos individuais e da proteção dos dados pessoais.

1.8.

O setor da saúde pode contribuir significativamente para a neutralidade climática da UE através de políticas de gestão de resíduos adequadamente concebidas, de novos modelos de negócio de economia circular e de uma maior capacidade das infraestruturas de transporte.

1.9.

O investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) é essencial para a competitividade e a sustentabilidade do setor da saúde. As políticas europeias devem estimular os investimentos públicos e privado para que estes integrem os aspetos sociais e de saúde.

1.10.

O CESE apela para um maior empenho nos procedimentos regulamentares relativos ao desenvolvimento de normas harmonizadas de qualidade e segurança para equipamentos de proteção e dispositivos médicos. O CESE solicita mandatos claros para os organismos de normalização no âmbito do processo técnico-regulamentar.

1.11.

São necessários programas específicos de formação, requalificação, melhoria de competências e aprendizagem ao longo da vida destinados aos trabalhadores europeus no domínio da saúde, a fim de fazer face aos novos desafios do Pacto Ecológico. A atenção deve incidir não apenas nos profissionais de saúde, mas também nos investigadores, nos professores, nos agentes dos meios de comunicação social e nos próprios doentes. Por conseguinte, o CESE apela para uma comunicação reforçada a nível da UE sobre os direitos dos consumidores e dos doentes, com a plena inclusão dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil pertinentes.

1.12.

O CESE insta a Comissão a prosseguir a colaboração e o diálogo entre as partes interessadas sobre a resistência do setor farmacêutico, com base nas estruturas existentes no âmbito da Estratégia Farmacêutica para a Europa, e a continuar a desenvolver uma transformação forte, sustentável e digital do ecossistema industrial da saúde, tal como delineado na Estratégia Industrial para a Europa.

2.   Contexto e introdução

2.1.

A pandemia de COVID-19 criou uma crise sem precedentes em todos os Estados-Membros, que, ao contrário de outras crises, teve impacto na oferta e na procura, bem como na sociedade no seu conjunto. A UE foi duramente atingida em comparação com outras partes do mundo e registou mais mortes por milhão de habitantes do que as verificadas a nível mundial (1). A UE reagiu de forma adequada e quase coordenada, embora tivesse podido fazer mais, se estivesse mais preparada, como União, para enfrentar este tipo de choque.

2.2.

O mercado único representa uma das conquistas mais importantes do projeto da União Europeia. Ainda existem barreiras decorrentes da aplicação não harmonizada da legislação da UE nos Estados-Membros. A pandemia de COVID-19 ampliou essas barreiras, evidenciando, em especial, a fragilidade das cadeias de valor e o aumento dos problemas ao nível da distribuição. Tornou-se evidente que a UE depende de países terceiros no que diz respeito a produtos médicos.

2.3.

O setor da saúde proporcionou mais de 7 milhões de postos de trabalho em 2018 (2). Este setor constitui um trunfo importante para o mercado único, com mais de 800 000 postos de trabalho diretos e 109,4 mil milhões de euros de excedente comercial (3). Em 2019, os produtores de medicamentos deram o contributo mais elevado para os investimentos em I&D, e o mercado europeu de eletromedicina vale agora 120 mil milhões de euros. No entanto, a UE investe menos em comparação com os seus parceiros comerciais: por exemplo, 19,2 % do investimento industrial em I&D na UE é destinado à inovação na saúde, mas esse valor, nos EUA, corresponde a 26,4 %. A Europa é um centro importante para a indústria mundial de dispositivos médicos. O mercado de dispositivos médicos na UE representa um terço do mercado mundial, com cerca de 32 000 empresas e 730 000 trabalhadores.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A saúde é uma das megatendências do futuro, nomeadamente na Europa, e, no novo contexto geopolítico, é fundamental apoiar o ecossistema industrial dos cuidados de saúde que contribui para a autonomia estratégica e a soberania tecnológica da UE.

3.2.

O CESE considera que a comunicação da Comissão Europeia coloca a indústria, e em especial os cuidados de saúde, no centro das políticas europeias, reconhecendo a sua capacidade para impulsionar grandes mudanças, interpretar as novas necessidades e desafios da sociedade e oferecer soluções inovadoras e competitivas. No entanto, o CESE apela para a adoção de uma abordagem mais holística do que a adotada pela Comissão, que se centra essencialmente na indústria. Os decisores políticos têm um elevado nível de responsabilidade, uma vez que a saúde é um dos elementos essenciais da existência individual e, sem dúvida, o bem mais precioso das pessoas. O CESE apela, assim, para uma comunicação reforçada a nível da UE sobre os direitos dos consumidores e dos doentes, incluindo os direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A UE necessita de um sistema de saúde forte e coordenado.

3.3.

A estrutura industrial do ecossistema da saúde é uma construção muito abrangente, com grandes intervenientes e um número significativo de PME. No entanto, as potenciais sinergias entre estes dois grupos não estão a ser plenamente exploradas, o que prejudica gravemente a capacitação das PME. Consequentemente, o ecossistema da saúde não está a funcionar em pleno e vê-se impedido de se tornar uma incubadora de novas descobertas inovadoras.

3.4.

O ecossistema industrial da saúde necessita de um mercado interno forte, com instalações de produção e distribuição robustas. O CESE já salientou a importância de um «mercado interno funcional, justo e eficaz, capaz, por um lado, de promover e recompensar uma verdadeira inovação médica que constitua um valor acrescentado real para os cuidados de saúde e, por outro, de reforçar a competitividade para assegurar um acesso equitativo e a preços acessíveis aos medicamentos» (4).

3.5.

Afigura-se particularmente necessário atualizar a integração do mercado único, garantindo uma governação mais eficaz, especialmente no setor industrial dos cuidados de saúde (5): o bom funcionamento do mercado único e da política de concorrência permitem uma dinâmica empresarial sólida, que pode desempenhar um papel essencial na diversificação das fontes de abastecimento na UE e evitar a fragmentação da arquitetura dos cuidados de saúde.

3.6.

Tal como a pandemia de COVID-19 veio evidenciar, a colaboração e a solidariedade entre os países melhoram a capacidade de resposta da UE e aumentam a capacidade de resistência da União no seu conjunto. É urgente uma prospetiva estratégica a nível da UE, especialmente porque a pandemia afetou mais profundamente os setores e as cadeias de valor com interligações transfronteiras.

3.7.

As dependências estratégicas influenciam os interesses fundamentais da UE. Dizem sobretudo respeito aos domínios da proteção e segurança, à saúde dos europeus e à capacidade de acesso a bens, serviços e tecnologias que são essenciais para as transições ecológica e digital que estão no centro das prioridades da UE.

3.8.

O CESE recomendou a apresentação de «uma estratégia clara, concreta e abrangente para a indústria europeia, orientada a curto, médio e longo prazo» e instou a Comissão a «elaborar um plano de ação concreto, com objetivos anuais claros e procedimentos de acompanhamento, que preveja uma cooperação estreita com todas as partes interessadas» (6), salientando, ao mesmo tempo, que o «papel dos empregadores e dos empresários e a participação do setor privado na promoção das mudanças estruturais são fundamentais para a transição industrial» (7).

3.9.

A indústria médico-farmacêutica inovadora é impulsionada pelos progressos na medicina. Uma questão importante que tem de ser resolvida imediatamente diz respeito à inacessibilidade ou indisponibilidade dos medicamentos. O bem-estar social deve ser garantido através de um acesso fácil a medicamentos eficazes e de elevada qualidade para todos os cidadãos que vivam na UE. A saída do Reino Unido da União Europeia tem ramificações importantes para os fabricantes de dispositivos médicos.

3.10.

A dependência da Europa de um número muito reduzido de produtores e países no que toca a certas matérias-primas tornou-se evidente no contexto da pandemia de COVID-19. Além disso, mesmo as tecnologias ecológicas e digitais, muitas vezes ligadas ao sistema industrial de saúde, também dependem de um conjunto de matérias-primas escassas importadas para a Europa, com uma proporção muito elevada de elementos de terras raras necessários provenientes de um único fornecedor, a China (8). O reforço e a diversificação das cadeias de abastecimento internacionais também são fundamentais para o desenvolvimento do setor da saúde e para garantir que a UE está preparada para enfrentar crises futuras como a pandemia de COVID-19. O objetivo final deve ser eliminar vulnerabilidades e criar um ambiente comercial estável, previsível e eficiente em termos de recursos. É de saudar a proposta anunciada de criação de uma Autoridade da UE de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias.

3.11.

A Europa tem tido êxito na sua estratégia de desenvolvimento de parcerias público-privadas para estimular a I&D na indústria farmacêutica, mas os valores envolvidos correspondem a um décimo do que é gasto pela Agência de Investigação e Desenvolvimento em Biomedicina dos Estados Unidos (BARDA).

3.12.

Nos próximos anos, as maiores oportunidades residirão nas tecnologias digitais de saúde. Tanto os medicamentos, dispositivos e procedimentos médicos como as medidas para prevenir, diagnosticar ou tratar doenças são fundamentais para todos os cidadãos da UE. O próximo Regulamento Inteligência Artificial (9), a proposta legislativa sobre o espaço europeu de dados de saúde (10) e a normalização trarão maior clareza no que diz respeito à partilha de dados de saúde e à utilização de inteligência artificial, eliminarão barreiras regulamentares e promoverão uma abordagem comum da UE para a utilização de serviços de telemedicina, enquanto o Regulamento Governação de Dados (11) deverá garantir a partilha de dados de saúde, salvaguardando a proteção de dados pessoais e preservando outros direitos humanos.

4.   Observações na especialidade

4.1.

A transformação digital do setor da saúde constitui uma enorme oportunidade. Acolher a dupla transição pode proporcionar mais vantagens competitivas para a União, num ambiente internacional complexo e tenso. Através, em particular, do investimento em tecnologias de computação de alto desempenho e de inteligência artificial, a UE pode desenvolver tecnologias de ponta, nomeadamente no domínio das tecnologias preditivas. A pandemia demonstrou a necessidade imediata de serviços de saúde inteligentes, como a telessaúde.

4.2.

Além disso, o setor da saúde pode contribuir significativamente para a neutralidade climática da UE, reduzindo as suas emissões de gases com efeito de estufa ao longo das cadeias de valor. É necessário reforçar as políticas de gestão de resíduos, pois o setor produz quantidades significativas de resíduos resultantes de sobras de medicamentos e equipamentos tecnológicos e pessoais usados. Devem ser desenvolvidos novos modelos de negócio de economia circular e aumentadas as capacidades das infraestruturas de transporte, envolvendo todos os Estados-Membros e as partes interessadas na descarbonização das cadeias de valor.

4.3.

A saúde humana depende, em última análise, de produtos e serviços ecossistémicos (como a disponibilidade de água doce, alimentos e fontes de combustível), que são necessários para uma boa saúde humana e meios de subsistência produtivos. A perda de biodiversidade pode ter um impacto direto significativo na saúde humana se os serviços ecossistémicos já não forem adequados para satisfazer as necessidades sociais.

4.4.

A medicina tradicional continua a desempenhar um papel essencial nos cuidados de saúde, especialmente nos cuidados de saúde primários. A utilização de plantas medicinais é a forma de medicação mais comum na medicina tradicional e na medicina complementar em todo o mundo. Muitas comunidades dependem de produtos naturais recolhidos de ecossistemas para fins medicinais e culturais, para além dos alimentos.

4.5.

O armazenamento estratégico e a relocalização de empresas da UE são outros rumos importantes a considerar e fazem parte das competências partilhadas da UE. À medida que a tecnologia evolui, acompanhada de uma maior capacidade de produção, a UE tem de encontrar os incentivos adequados para relocalizar as capacidades de produção estratégicas no seu território. Os incentivos fiscais podem desempenhar um papel fundamental a este respeito.

4.6.

É necessário proceder a uma cartografia e análise ascendentes com os Estados-Membros e a indústria para permitir uma avaliação mais pormenorizada da natureza exata das dependências identificadas, incluindo os riscos que representam para a resistência e o funcionamento dos ecossistemas industriais na UE, bem como as possíveis perspetivas de redução dessas dependências e de litígios comerciais e ciberataques no futuro.

4.7.

O investimento em I&D é essencial para a competitividade e a sustentabilidade do setor da saúde. Complementando o contributo dos fundos da UE, as políticas europeias devem estimular tanto quanto possível o investimento público e privado. O desenvolvimento de parcerias público-privadas, como a Empresa Comum «Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores 2», incentivará os produtores a procurar e investir em atividades de investigação, desenvolvimento e inovação que são fundamentais para futuras descobertas de medicamentos. Este tipo de iniciativas poderá manter a Europa na vanguarda da inovação médica.

4.8.

Do mesmo modo, é fundamental apoiar os esforços dos Estados-Membros para congregar recursos públicos através de projetos importantes de interesse comum europeu em setores em que o mercado, por si só, não pode proporcionar inovações revolucionárias, como no caso do setor farmacêutico.

4.9.

A competitividade da indústria deve ser apoiada por um quadro eficaz de direitos de propriedade intelectual que capacite e proteja a inovação. O acesso aos dados é também fundamental para os produtores, especialmente para as PME que foram duramente atingidas pela pandemia e devem ser incentivadas a expandir-se e crescer. A UE necessita de políticas especialmente concebidas para a análise de grandes dados e infraestruturas interoperáveis de acesso a dados.

4.10.

As PME também necessitam de um acesso fácil ao financiamento para prosperar e crescer, o que implica também fontes alternativas aos empréstimos bancários habituais, como oportunidades de financiamento baseadas em participações privadas ou capital de risco. Os instrumentos de apoio ao investimento devem ser coordenados de forma eficaz, com linhas especificamente dedicadas às PME industriais. Neste domínio, é importante conceber as iniciativas decorrentes do quadro de financiamento sustentável da UE, incluindo a aplicação da taxonomia, de forma a proporcionar uma oportunidade para a economia europeia, tendo em conta as necessidades dos mercados financeiros e os desafios da indústria.

4.11.

O desenvolvimento de um formato europeu de intercâmbio de registos de saúde eletrónicos para desbloquear o fluxo de dados de saúde além-fronteiras fornece um quadro para o desenvolvimento de especificações técnicas comuns para a partilha segura de dados de saúde entre os Estados-Membros da UE, de acordo com as quais o Comité Europeu de Normalização está a desenvolver especificações técnicas. O CESE apela para um maior empenho e participação das partes interessadas pertinentes nos procedimentos regulamentares relativos ao desenvolvimento de normas harmonizadas de qualidade e segurança para equipamentos de proteção individual e dispositivos médicos.

4.12.

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência pode ser utilizado para dar resposta a muitas das necessidades do ecossistema de saúde através de reformas e investimentos nos sistemas nacionais de saúde, reforçando a resistência e a preparação para crises e os cuidados primários, aumentando o acesso justo e transparente aos serviços e abordando as vulnerabilidades da cadeia de abastecimento e as competências digitais dos profissionais de saúde, as soluções de telemedicina e a investigação, desenvolvimento e inovação.

4.13.

O CESE apela para o desenvolvimento de programas de formação, requalificação, melhoria de competências e aprendizagem ao longo da vida especificamente concebidos para os profissionais de saúde europeus, em consonância com o seu papel profissional e social fundamental, o progresso tecnológico e os novos requisitos para uma maior sustentabilidade. São necessárias políticas de formação claras lideradas pelas partes interessadas do setor, a fim de dispor de trabalhadores qualificados e capazes de fazer face aos novos desafios do Pacto Ecológico.

4.14.

O CESE já salientara, num anterior parecer, a necessidade de «definir novas políticas em matéria de competências, com a colaboração das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais, a fim de acelerar a adaptação dos sistemas de ensino e de formação à procura de novos perfis profissionais» (12). No setor da saúde, a atenção deve incidir não apenas nos profissionais de saúde, mas também nos investigadores, nos professores, em todos os tipos de decisores, nos agentes dos meios de comunicação social, nos próprios doentes e nas organizações que os representam.

4.15.

Os contratos públicos estratégicos desempenham um papel fundamental na aproximação da indústria da UE, dos centros de investigação e das autoridades reguladoras nacionais e da UE, especialmente no setor da saúde, e facilitam a cooperação público-privada com vista a satisfazer as necessidades dos sistemas de saúde públicos e privados e permitir a compra de tecnologias de saúde inovadoras e acessíveis, nomeadamente soluções ecológicas e digitais e cláusulas sociais (13).

4.16.

O CESE reitera o seu apelo às instituições europeias e aos Estados-Membros para demonstrarem vontade política em estabelecer um «pacto de saúde para o futuro da Europa» (14), em consonância com os valores fundamentais da UE.

4.17.

A iniciativa para o diálogo estruturado (15) anunciada na estratégia farmacêutica é fundamental para a Europa, a fim de identificar as causas e os fatores determinantes de potenciais vulnerabilidades e dependências nas cadeias de abastecimento de medicamentos.

4.18.

O CESE apoia plenamente a implantação do espaço europeu de dados de saúde (16) para proporcionar as infraestruturas de partilha de dados necessárias às ferramentas de diagnóstico e ao tratamento no que diz respeito à cooperação e à colaboração nos esforços para coinvestir em ecossistemas de cuidados de saúde de última geração em toda a extensão das cadeias de valor.

4.19.

O CESE considera que devem ser utilizadas normas harmonizadas como um instrumento destinado a abranger os requisitos essenciais de segurança dos produtos, apoiados por instrumentos que ajudem à colocação dos produtos no mercado. A União Europeia deve evitar a regulamentação excessiva de produtos, sendo prioritário aliviar os encargos administrativos causados pelo excesso de legislação, garantindo ao mesmo tempo um acesso fácil à documentação, informações fiáveis, um intercâmbio harmonioso de boas práticas e uma cooperação eficaz.

4.20.

Por último, o CESE insta a Comissão a prosseguir a colaboração e o diálogo entre todas as partes interessadas, a fim de reforçar a resistência do sistema farmacêutico da UE a crises futuras, com base nos mecanismos existentes estabelecidos na Estratégia Farmacêutica para a Europa (17) e na Estratégia Industrial para a Europa (18). O CESE insta igualmente a Comissão a criar mais sinergias entre os Estados-Membros, a apresentar novas iniciativas para reforçar a coordenação dos diferentes sistemas nacionais (em conformidade com o TFUE (19)) e a continuar a desenvolver uma transformação forte, sustentável e digital do ecossistema industrial da saúde.

Bruxelas, 29 de setembro de 2021.

O Presidente da Comissão Consultiva das Mutações Industriais

Pietro Francesco DE LOTTO


(1)  Estudo do Parlamento Europeu «Impacts of the COVID-19 pandemic on EU industries» [Impactos da pandemia de COVID-19 nas indústrias da UE].

(2)  Eurostat — «Healthcare personnel statistics» [Estatísticas relativas aos profissionais de saúde].

(3)  «International trade in goods by type of good» [Comércio internacional de bens por tipo de bem].

(4)  Parecer do CESE «Estratégia farmacêutica (JO C 286 de 16.7.2021, p. 53).

(5)  «Questions and Answers: EU4Health Programme 2021-27» [Perguntas e respostas: Programa UE pela Saúde 2021-2027].

(6)  Parecer do CESE «Uma nova estratégia industrial para a Europa» (JO C 364 de 28.10.2020, p. 108).

(7)  Parecer do CESE «Transição industrial rumo a uma economia europeia verde e digital» (JO C 56 de 16.2.2021, p. 10).

(8)  Por exemplo, platina para produzir hidrogénio limpo, silício metálico para painéis solares e lítio para veículos elétricos.

(9)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial (Regulamento Inteligência Artificial) e altera determinados atos legislativos da União [COM(2021) 206 final].

(10)  Comunicação «Uma estratégia europeia para os dados» [COM(2020) 66 final].

(11)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à governação de dados (Regulamento Governação de Dados) [COM(2020) 767 final].

(12)  Parecer do CESE «Uma nova estratégia industrial para a Europa» (JO C 364 de 28.10.2020, p. 108).

(13)  Compra social — Guia para ter em conta os aspetos sociais nos concursos públicos (2.a edição) (JO C 237 de 18.6.2021).

(14)  Parecer do CESE «Criação de um programa de ação da União no domínio da saúde para o período 2021-2027» (JO C 429 de 11.12.2020, p. 251).

(15)  «Structured dialogue on security of medicines supply» [Diálogo estruturado relativo à segurança do abastecimento de medicamentos].

(16)  «Comissão publica consulta pública sobre o Espaço Europeu de Dados de Saúde»

(17)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52020DC0761

(18)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1593086905382&uri=CELEX:52020DC0102

(19)  Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/77


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a abordagem global da investigação e inovação — Estratégia da Europa para a cooperação internacional num mundo em mutação»

[COM(2021) 252 final]

(2022/C 105/11)

Relatora:

Neža REPANŠEK

Consulta

Comissão Europeia, 1.7.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

231/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente o compromisso da UE de assumir um papel de liderança e preservar a abertura em matéria de cooperação internacional no domínio da investigação e inovação, promovendo simultaneamente a reciprocidade e condições de concorrência equitativas assentes em valores fundamentais.

1.2.

O CESE acolhe com agrado as conclusões da Declaração de Bona sobre a liberdade de investigação científica, adotada na Conferência Ministerial sobre o Espaço Europeu da Investigação (EEI) realizada naquela cidade em 20 de outubro de 2020, uma vez que constitui uma condição prévia para um panorama dinâmico da investigação e inovação que zela pelo progresso do conhecimento e pelo bem da sociedade. O CESE apoia a futura adoção desses princípios à escala internacional.

1.3.

O CESE considera que é necessário assegurar uma maior participação das organizações da sociedade civil no apoio às instituições da UE e aos Estados-Membros quando da elaboração de políticas extraordinárias e programas especiais (em matéria de mobilidade nas carreiras, de captação e/ou retenção de investigadores, e de investigação aplicada e de resultados da inovação aplicáveis à cultura empresarial das PME da UE) capazes de mobilizar o valor acrescentado da UE para um Espaço Europeu da Investigação (1) ambicioso na próxima década. Tal passa designadamente por ter em conta os ensinamentos adquiridos durante a pandemia e o impacto das alterações climáticas nas sociedades e economias, bem como por assegurar a plena transferência de conhecimentos e tecnologias através da transformação digital da investigação. A pandemia trouxe para primeiro plano a cooperação no domínio da saúde, cujo enfoque deve ser a generalização dos cuidados de saúde, envidando esforços no sentido de melhorar e reforçar o setor da saúde de forma atempada, bem como a cooperação entre os profissionais de saúde, cuja colaboração pode ajudar a encontrar soluções, inclusive para os problemas de saúde mais complexos.

1.4.

O CESE sublinha a importância de reforçar o papel de liderança da UE no apoio a parcerias multilaterais de investigação e inovação com vista a apresentar novas soluções para os desafios no domínio ecológico, digital, sanitário, social e da inovação, tendo em conta o impacto atual da COVID-19 nas sociedades, nas comunidades empresariais, nos sistemas de saúde europeus e na economia mundial em geral.

1.5.

A fim de contribuir concretamente para uma UE mais forte no mundo, o CESE apela para que as organizações da sociedade civil sejam devidamente associadas à escala nacional e da UE ao acompanhamento das ações levado a cabo pela Comissão Europeia, tal como estabelecido na sua comunicação. Na perspetiva do Fórum do EEI para a Transição, o CESE propõe que se abra caminho à ação conjunta entre a UE e as instituições nacionais através de um relatório preliminar a elaborar por uma rede de conhecimento da sociedade civil, que seria apresentado e debatido em 2022 por ocasião de uma conferência internacional.

2.   Observações gerais

2.1.

A abordagem global da investigação e inovação (I&I) apresenta a perspetiva da Comissão sobre a estratégia da Europa para a cooperação internacional no domínio da investigação e inovação, que visa designadamente reforçar as parcerias com vista a apresentar novas soluções para os desafios no domínio ecológico, digital, sanitário, social e da inovação.

2.2.

A nova estratégia assenta em dois objetivos principais. Em primeiro lugar, visa criar um ambiente de investigação e inovação assente em regras e valores, mas ao mesmo tempo aberto, a fim de ajudar os investigadores e inovadores de todo o mundo a colaborar no âmbito de parcerias multilaterais e a encontrar soluções para os desafios globais. Em segundo lugar, visa assegurar a reciprocidade e a igualdade de condições na cooperação internacional no domínio da investigação e inovação.

2.3.

A nova abordagem global deve ser executada mediante:

a diferenciação da cooperação bilateral da UE no domínio da investigação e inovação, a fim de a tornar compatível com os interesses e valores europeus e de reforçar a autonomia estratégica aberta da UE;

a mobilização da ciência, da tecnologia e da inovação, a fim de acelerar o desenvolvimento sustentável e inclusivo e a transição para economias e sociedades do conhecimento resilientes em países de baixo e médio rendimento;

o lançamento de iniciativas inspiradas numa abordagem da Equipa Europa, que combine as ações da UE, das suas instituições financeiras e dos Estados-Membros, a fim de maximizar a sua eficácia e o seu impacto.

2.4.

A comunicação serve igualmente de orientação para a execução da dimensão internacional do Programa Horizonte Europa, o novo programa de investigação e inovação da UE para fins civis, e das suas sinergias com outros programas da UE, em especial, o Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional — Europa Global.

3.   O compromisso assumido em prol da abertura internacional e do respeito pelos valores fundamentais no domínio da investigação e inovação

3.1.

Por forma a manter a liderança, o programa de investigação e inovação da UE deve permanecer aberto ao mundo. Tal significa que participantes de todo o mundo, independentemente do local de estabelecimento ou de residência, devem poder participar em programas da UE, como o Erasmus+ e o Horizonte Europa. Além disso, cabe promover o respeito e o entendimento comum dos valores no domínio da investigação e aplicar esses princípios em todas as parcerias internacionais.

3.2.

Na sequência da adoção do Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação (2), o Parecer do CESE — Um novo EEI para a Investigação e a Inovação (3) sublinha a necessidade de incluir o princípio da integridade científica e ética na ética e integridade da investigação, a fim de evitar perdas em termos de saúde humana e monetárias, bem como fracassos científicos. A comunicação sublinha o papel da UE na proteção de valores fundamentais comuns ao abordar desafios éticos e na garantia da inovação tecnológica centrada no ser humano.

3.3.

A liberdade académica, a autonomia institucional, os aspetos de ética e integridade da investigação, os fundamentos empíricos, a igualdade de género, a diversidade e a inclusão devem ser generalizados e integrados na cooperação internacional no domínio da investigação. O CESE concorda firmemente com a importância do equilíbrio entre os géneros e da igualdade, do empoderamento e da participação dos jovens, assim como da inclusão e diversidade na investigação mundial em inovação. Para além de proporcionar oportunidades de investigação, importa defender a todos os níveis um ambiente inclusivo e de apoio à investigação livre de interferências políticas. O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão de elaborar e promover orientações sobre o modo de abordar formas de ingerência estrangeira dirigida às organizações de investigação e às instituições de ensino superior da UE.

3.4.

O objetivo global da UE é tornar os conjuntos de dados fáceis de encontrar, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis, de acordo com o conceito de ciência aberta e dados abertos.

3.5.

É importante disponibilizar financiamento de base à escala nacional, assegurando um nível adequado de investimento em investigação e desenvolvimento que permita atingir os objetivos estabelecidos no setor.

3.6.

A diplomacia científica pode ajudar a UE a exercer o seu «poder de influência» e a prosseguir os seus interesses e valores económicos de forma mais eficaz, respondendo à procura e ao interesse dos países parceiros e tirando partido dos pontos fortes da UE enquanto potência no domínio da investigação e inovação. O CESE está convicto de que um diálogo social e civil construtivo a todos os níveis contribuirá para o êxito da diplomacia científica nas nossas comunidades.

4.   Novo equilíbrio — Rumo à reciprocidade e a condições de concorrência equitativas no domínio da I&I

4.1.

Através das suas políticas e dos seus programas, a UE é um importante catalisador para a internacionalização da investigação e inovação. Pode igualmente envolver sistemas de produção e assegura a mobilização da ciência, de jovens investigadores, de redes interdisciplinares, da tecnologia e da inovação, a fim de acelerar o desenvolvimento sustentável e inclusivo, por um lado, e a transição para economias e sociedades do conhecimento resilientes em países de baixo e médio rendimento, por outro. O CESE salienta a importância do investimento privado e, em particular, público na ciência, a fim de acompanhar a evolução de outras potências mundiais na investigação e inovação e, ao mesmo tempo, proteger os direitos humanos e os valores fundamentais.

4.2.

Atualmente, há outras grandes potências científicas que afetam à ciência uma dotação superior à da UE, em percentagem do produto interno bruto. As tensões geopolíticas aumentam e os direitos humanos e os valores fundamentais como a liberdade académica estão a ser postos em causa. A liberdade académica constitui a espinha dorsal do ensino superior na UE e deve ser protegida perante países terceiros. À luz dos acontecimentos recentes, o CESE saúda e apoia o apelo lançado por académicos europeus (4) para que se atue imediatamente no sentido de criar vias legais complementares céleres para investigadores e académicos em risco, incluindo académicos, estudantes e intervenientes da sociedade civil do Afeganistão, sobretudo mulheres e pessoas pertencentes a minorias étnicas e religiosas.

5.   Resposta conjunta aos desafios globais

5.1.

O CESE apoia plenamente a ideia de colocar claramente a ênfase na «dupla transição» justa — ou seja, na transição digital e no Pacto Ecológico —, na saúde e nas políticas de recuperação a longo prazo após a COVID-19. A cooperação transfronteiras a uma escala sem precedentes constitui um instrumento fundamental para a Europa aprender a desenvolver, em colaboração com outros parceiros, soluções inovadoras que assegurem uma transição ecológica e digital justa, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e para promover a resiliência, a prosperidade e a competitividade da Europa — em especial a favor das micro, pequenas e médias empresas —, bem como para apoiar o bem-estar económico e social. Na promoção da transição para uma economia europeia mais resiliente, é essencial que a evolução rumo a uma economia europeia sustentável assegure uma recuperação integradora que não deixa ninguém para trás, ao mesmo tempo que cria novas oportunidades para os trabalhadores. A inovação social pode também desempenhar um papel importante nesses processos.

5.2.

A abertura recíproca, a livre troca de ideias e a cocriação de soluções são cruciais para a prossecução e a evolução dos conhecimentos fundamentais. São componentes essenciais de um ecossistema de inovação dinâmico, uma vez que a abertura em matéria de cooperação, que caracteriza a ação da UE, está a decorrer num contexto mundial em transformação.

5.3.

A mobilização de investigadores e inovadores à escala mundial será crucial para o bem-estar dos cidadãos e das gerações futuras. Como se viu na recente pandemia global, o reforço da cooperação internacional em questões como a saúde mundial ajuda-nos a alcançar inovações revolucionárias. A UE deve reforçar os seus objetivos de autonomia estratégica aberta, desenvolvendo, em simultâneo, uma cooperação bilateral diferenciada com países terceiros em determinados domínios (5).

5.4.

Em resposta às atuais tendências mundiais, a UE deve dar o exemplo, promovendo o multilateralismo assente em regras. A ordem multilateral tem de ser revigorada para se adequar ao fim a que se destina, de modo a poder enfrentar os desafios globais e responder às crescentes exigências dos cidadãos em matéria de transparência, qualidade e inclusividade. A UE deve igualmente promover a ambiciosa modernização das principais instituições internacionais multilaterais, prosseguindo um roteiro comum de abertura recíproca em matéria de cooperação no domínio da investigação e inovação para permitir encontrar uma resposta mundial para os desafios globais e proceder ao intercâmbio de boas práticas.

5.5.

A UE deve desempenhar um papel de liderança enquanto entidade responsável pela definição de normas sustentáveis à escala mundial, o que também passa por uma maior influência na cooperação internacional no domínio da investigação pré-normativa e da normalização «favorável às PME». O CESE salienta ainda a importância das medidas de apoio às PME em todos os domínios da proteção dos direitos de propriedade intelectual.

5.6.

O CESE apoia plenamente o plano de ação em matéria de propriedade intelectual (6), considerando-o uma abordagem muito positiva e holística da modernização do sistema de propriedade intelectual da UE. O lançamento do sistema de patente unitária deve ser uma prioridade fundamental, que reforçará consideravelmente a competitividade das empresas da UE.

5.7.

Alguns países recorrem cada vez mais a medidas discriminatórias para alcançar a liderança tecnológica e, frequentemente, utilizam a investigação e a inovação para exercer influência mundial e controlo social. Cumpre reforçar a prosperidade e a competitividade económica da UE, mas também a sua capacidade de adquirir e fornecer autonomamente aos seus cidadãos tecnologias e serviços essenciais seguros e protegidos. A UE deve liderar o desenvolvimento de novas normas mundiais, padrões internacionais e quadros de cooperação, em áreas como a indústria digital, incluindo a inteligência artificial e outras novas tecnologias. A força democrática e regulamentar da UE constitui um trunfo para ajudar a construir um mundo melhor, enquanto a sua credibilidade como interveniente em prol da paz e as suas estruturas de segurança e defesa podem contribuir para os esforços multilaterais em prol da manutenção, preservação e construção da paz.

5.8.

O CESE está na vanguarda do debate sobre a inteligência artificial (IA) desde o seu primeiro parecer sobre esse tema, em 2017 (7), tendo publicado vários pareceres sobre esta matéria nos últimos anos (8). Tem defendido uma abordagem da IA baseada na «detenção do controlo por humanos», em que o ser humano controla a IA em termos técnicos e mantém a capacidade de decidir se, quando e de que forma a utiliza na nossa sociedade. Cabe também chamar a atenção para o impacto da IA no emprego, a importância de encontrar o equilíbrio certo entre regulamentação, autorregulação e orientação ética, e o impacto da IA nos consumidores, entre outros. O CESE está a elaborar o seu parecer formal sobre a proposta da Comissão Europeia de regulamento sobre a inteligência artificial (9).

5.9.

A capacidade da UE de ser um interveniente mundial é também assegurada através da coerência entre as ações externas da UE e as políticas internas de cada Estado-Membro. É essencial uma voz unida e coerente da UE para estabilizar as nossas parcerias e alianças com países terceiros, apoiar as organizações multilaterais e regionais e negociar uma abordagem mais centrada no interesse dos bens públicos mundiais.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Nota da Presidência ao Conselho — Renovar o Espaço Europeu da Investigação — Como preparar a implantação de um EEI ambicioso para a próxima década? e Novo Espaço Europeu da Investigação: Conselho adota conclusões — Comunicado de imprensa, 1 de dezembro de 2020.

(2)  The European Code of Conduct for Research Integrity, www.allea.org [accessed 6 June 2021].

(3)  Parecer do CESE — A new European Research Area (ERA) for Research and Innovation (JO C 220 de 9.6.2021, p. 79).

(4)  https://www.scholarsatrisk.org/2021/08/urgent-appeal-to-european-governments-and-eu-institutions-take-action-for-afghanistans-scholars-researchers-and-civil-society-actors/

(5)  Integrar a cooperação com os países da EFTA, os Balcãs Ocidentais, a Turquia, os países abrangidos pela política europeia de vizinhança e o Reino Unido, aprofundar as parcerias da UE com África, a América Latina e outros países e regiões, etc.

(6)  Parecer do CESE — Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável (JO C 286 de 16.7.2021, p. 59).

(7)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 1.

(8)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 1; JO C 440 de 6.12.2018, p. 51; JO C 240 de 16.7.2019, p. 51; JO C 47 de 11.2.2020, p. 64; JO C 364 de 28.10.2020, p. 87.

(9)  INT/940 — Regulamento relativo à inteligência artificial (JO C 517 de 22.12.2021, p. 61).


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/81


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 910/2014 no respeitante à criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital

[COM(2021) 281 final — 2021/0136 (COD)]

(2022/C 105/12)

Relator:

Tymoteusz Adam ZYCH

Consulta

Parlamento Europeu, 8.7.2021

Conselho, 15.7.2021

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

229/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta da Comissão Europeia relativa a um instrumento que altera o Regulamento relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno (eIDAS) no respeitante à criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital, que pretende ajustar esse ato jurídico às necessidades atuais do mercado. A avaliação do regulamento em vigor revelou a necessidade de fornecer melhores soluções de serviços digitais que alarguem o acesso tanto ao setor privado como ao setor público e que estejam disponíveis para a grande maioria dos cidadãos e residentes da UE.

1.2.

Contudo, o CESE assinala que a digitalização dos serviços proposta pode resultar na exclusão de partes da sociedade europeia, em particular das pessoas idosas, das pessoas com baixa literacia digital e das pessoas com deficiência. Por conseguinte, o CESE convida a Comissão Europeia e os Estados-Membros a criarem o quadro necessário para a educação digital e uma campanha de informação, o que deverá igualmente contribuir para a sensibilização no domínio da proteção de dados pessoais.

1.3.

O CESE congratula-se com o facto de a utilização da carteira europeia de identidade digital ser discricionária e gratuita. No entanto, a introdução de novas soluções digitais implica necessariamente tempo e custos significativos. Assim, o CESE convida a Comissão Europeia a avaliar melhor o tempo necessário para a aplicação efetiva do novo regulamento, a fim de evitar prejudicar o mercado, e a proporcionar uma análise mais aprofundada e uma maior clareza no regulamento no que diz respeito aos custos previstos para a sua aplicação.

1.4.

O CESE assinala que a secção 9 da proposta de regulamento prevê o reconhecimento transfronteiras de certificados eletrónicos qualificados de atributos emitidos num Estado-Membro. Contudo, tendo em conta que as disposições do direito interno dos Estados-Membros diferem frequentemente de forma significativa, o CESE entende necessário esclarecer que o reconhecimento de um certificado eletrónico qualificado de atributos num Estado-Membro se limita à confirmação dos factos, por analogia com o artigo 2.o, n.o 4, do Regulamento relativo à promoção da livre circulação dos cidadãos através da simplificação dos requisitos para a apresentação de certos documentos públicos na União Europeia e que altera o Regulamento (UE) n.o 1024/2012 (1): «O presente regulamento não se aplica ao reconhecimento, por um Estado-Membro, dos efeitos jurídicos associados ao conteúdo dos documentos públicos emitidos pelas autoridades de outro Estado-Membro».

1.5.

Na opinião do CESE, uma proteção de dados eficaz deve ser considerada especialmente no contexto da proteção dos direitos fundamentais, em particular o direito à privacidade e o direito à proteção dos dados pessoais. Por conseguinte, o CESE subscreve sem reservas a exigência de que o Quadro Europeu para a Identidade Digital ofereça aos utilizadores os meios necessários para controlar quem tem acesso ao seu gémeo digital e a que dados exatamente. O CESE convida a Comissão Europeia e os Estados-Membros a contemplarem, após consultas sobre os aspetos técnicos do Quadro Europeu para a Identidade Digital, a questão da criação de um registo que permita aos utilizadores rastrear qualquer acesso aos seus dados.

1.6.

O CESE sublinha as preocupações de segurança relacionadas com o processo de digitalização, em especial o desenvolvimento de enormes sistemas de armazenamento e tratamento de dados vulneráveis à fraude e à perda. O CESE está igualmente ciente de que não existe atualmente qualquer sistema de segurança capaz de assegurar uma proteção total dos dados. Assim, na opinião do CESE, cumpre garantir aos utilizadores das carteiras europeias de identidade digital uma indemnização por qualquer situação indesejável relacionada com os seus dados (por exemplo, roubo ou divulgação de dados). Tal responsabilidade deve ser independente da culpa do prestador.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer tem por objeto a proposta de regulamento da Comissão Europeia que altera o Regulamento (UE) n.o 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho (2) (Regulamento eIDAS) no respeitante à criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital.

2.2.

Tal como previsto na exposição de motivos, o Regulamento eIDAS proporcionaria as seguintes proteções e vantagens: 1) um acesso a soluções de identidade eletrónica com um elevado nível de segurança e fiabilidade; 2) a garantia de que os serviços públicos e privados podem recorrer a soluções de identidade digital de confiança e seguras; 3) a garantia de que as pessoas singulares e coletivas estão capacitadas para utilizar soluções de identidade digital; 4) a garantia de que essas soluções estão associadas a uma série de atributos e permitem a partilha seletiva de dados de identidade limitada às necessidades do serviço específico solicitado; e 5) a aceitação de serviços de confiança qualificados na UE e a igualdade de condições para a sua prestação. As alterações propostas constituem uma resposta ao aumento da procura de soluções digitais transfronteiras de confiança, que surge da necessidade de identificar e autenticar utilizadores com um elevado nível de garantia.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE está ciente das novas exigências do mercado interno relativamente ao desenvolvimento de serviços de identificação eletrónica e de serviços de confiança para as transações eletrónicas transfronteiras. As soluções previstas no Regulamento eIDAS, que começou a produzir efeitos jurídicos em várias fases, a partir de julho de 2016, não satisfazem essas exigências, o que é confirmado pelo facto de, na sua forma atual, apenas 59 % dos residentes da UE terem acesso a soluções de identidade eletrónica seguras e de confiança. Além disso, o acesso transfronteiras a esses serviços é limitado devido à falta de interoperabilidade entre os sistemas oferecidos por cada Estado-Membro.

3.2.

Por conseguinte, o CESE congratula-se com a nova proposta da Comissão Europeia relativa a um instrumento que altera o Regulamento eIDAS no respeitante à criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital, que pretende ajustar o ato jurídico em apreço às necessidades atuais do mercado. Estima-se que as soluções propostas no documento da Comissão poderiam contribuir para o aumento do número de utilizadores de identificação digital para 80 % ou mesmo 100 % de todos os cidadãos e residentes da UE.

3.3.

O CESE congratula-se, em especial, com as soluções que visam aumentar a segurança dos dados pessoais dos utilizadores, garantindo a discrição para partilhar os dados e a possibilidade de controlar a natureza e a quantidade de dados fornecidos a partes utilizadoras. Uma vez que, segundo a proposta, os Estados-Membros continuarão a controlar os prestadores de serviços digitais, estes garantiriam que os conjuntos de dados sensíveis (por exemplo, relacionados com a saúde, a religião e crenças, opiniões políticas, a origem étnica ou racial) só fossem fornecidos a pedido dos prestadores de serviços, na sequência de uma decisão informada tomada pelo titular da identidade, em conformidade com a legislação nacional aplicável.

3.4.

O CESE salienta que o calendário para a aplicação de certas disposições do novo regulamento é bastante otimista e convida a Comissão Europeia, quando esta estabelecer os prazos finais de aplicação, a ter igualmente em conta o tempo necessário para os prestadores de serviços atualizarem os seus sistemas informáticos por forma a cumprirem as novas obrigações. Assim, o CESE convida a Comissão Europeia a aprofundar a análise do tempo necessário para a aplicação efetiva do novo regulamento e, por conseguinte, a alargar o prazo para a sua aplicação de modo a não afetar o mercado em causa. A título de exemplo, a entrada em vigor do regulamento exigirá que os prestadores qualificados de serviços de confiança (QTSP) que oferecem assinaturas à distância com base em dispositivos qualificados de criação de assinaturas (QSCD) se tornem prestadores qualificados para esse serviço específico, sendo que precisarão de algum tempo para aplicar tanto os aspetos técnicos como o procedimento de autorização.

3.5.

O CESE assinala que a digitalização dos serviços proposta, independentemente das suas vantagens, pode resultar na exclusão de partes da sociedade europeia, nomeadamente das pessoas idosas, das pessoas com baixa literacia digital e das pessoas com deficiência. O CESE reconhece o papel fundamental da educação dos cidadãos europeus no combate a essa exclusão, que deve igualmente contribuir para uma maior sensibilização no domínio da proteção dos dados pessoais.

4.   Disponibilidade e utilização discricionária de um Quadro Europeu para a Identidade Digital

4.1.

O CESE acolhe favoravelmente a ideia de fornecer melhores soluções de serviços digitais que alarguem o acesso não só aos serviços públicos, mas também ao setor privado. Além disso, o CESE concorda com as tentativas da Comissão Europeia de criar um Quadro Europeu para a Identidade Digital que esteja disponível para a grande maioria dos cidadãos europeus. Devido aos obstáculos existentes ao acesso aos serviços de identificação eletrónica além-fronteiras (por exemplo, a falta de interoperabilidade entre os sistemas de identificação eletrónica desenvolvidos pelos Estados-Membros), muitos residentes da UE não os utilizam de todo. As novas soluções baseadas nas carteiras europeias de identidade digital podem contribuir para disponibilizar serviços em linha de confiança a, pelo menos, 80 % dos cidadãos europeus.

4.2.

Por conseguinte, o CESE apoia a proposta de exigir aos Estados-Membros a emissão de uma carteira europeia de identidade digital, uma ferramenta que permitiria ao utilizador: 1) pedir e obter de forma segura, armazenar, selecionar, combinar e partilhar, de um modo que seja transparente e rastreável pelo utilizador, os dados legais de identificação pessoal e o certificado eletrónico de atributos necessários para se autenticar em linha e fora de linha, a fim de utilizar serviços públicos e privados em linha; e 2) assinar documentos por meio de uma assinatura eletrónica qualificada aceite em toda a UE.

4.3.

Além disso, o CESE congratula-se com a proposta de assegurar que a carteira europeia de identidade digital seja igualmente acessível às pessoas com deficiência, em conformidade com as disposições do anexo I da Diretiva 2019/882 do Parlamento Europeu e do Conselho (3), que é coerente com o princípio da UE da não discriminação, tal como estabelecido no artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de evitar a exclusão digital neste contexto, o CESE propõe que todas as soluções sejam desenvolvidas em cooperação com as instituições competentes e as ONG de defesa das pessoas com deficiência, com base numa «abordagem de cooperação entre várias partes interessadas».

4.4.

O CESE considera que o facto de a utilização ou não utilização de uma carteira europeia de identidade digital ser deixada à discrição dos cidadãos e residentes da UE é também um aspeto positivo. Na opinião do CESE, os utilizadores não deveriam ser obrigados a utilizar a carteira para aceder a serviços privados ou públicos, mas simplesmente ter a opção de o fazer.

4.5.

Do ponto de vista da acessibilidade económica, o CESE congratula-se com o facto de a utilização da carteira europeia de identidade digital ser gratuita para os utilizadores. Contudo, o CESE convida a Comissão Europeia a proporcionar uma análise mais aprofundada e uma maior clareza no regulamento no que diz respeito i) aos custos de emissão para as pessoas singulares; ii) aos custos (de emissão e utilização) para as pessoas coletivas; e iii) aos custos de acrescentar quaisquer atributos de identidade digital a essa carteira, uma vez que o CESE considera que cada um desses acréscimos representaria um serviço de confiança, implicando assim custos para o titular da carteira.

5.   Aspetos de usabilidade de um Quadro Europeu para a Identidade Digital

5.1.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão Europeia de melhorar a usabilidade dos meios de identificação eletrónica através da criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital comum baseado na utilização transfronteiras de uma carteira europeia de identidade digital.

5.2.

De acordo com a proposta, é possível melhorar a usabilidade através dos meios previstos no novo artigo 12.o-B do Regulamento eIDAS, que prevê um conjunto de requisitos relativos ao reconhecimento das carteiras europeias de identidade digital, destinados não só aos Estados-Membros, mas também a partes utilizadoras privadas prestadoras de serviços e «plataformas em linha de muito grande dimensão», conforme definidas no artigo 25.o, n.o 1, da proposta de Regulamento Serviços Digitais (4). Com base nessas novas disposições, alguns setores privados (isto é, dos transportes, da energia, dos serviços bancários e financeiros, da segurança social, da saúde, da água potável, dos serviços postais, das infraestruturas digitais, da educação e das telecomunicações) devem aceitar a utilização de carteiras europeias de identidade digital para a prestação de serviços nos casos em que a legislação nacional ou da UE ou obrigações contratuais exijam a autenticação forte do utilizador para efeitos de identificação em linha. À luz da proposta da Comissão, o mesmo requisito seria aplicável às plataformas em linha de muito grande dimensão (por exemplo, redes sociais), que devem aceitar a utilização de carteiras europeias de identidade digital no que respeita aos atributos mínimos necessários para o serviço em linha específico para o qual é pedida a autenticação, como a prova de idade.

5.3.

O CESE salienta que, a fim de garantir a ampla disponibilidade e usabilidade dos meios de identificação eletrónica, incluindo as carteiras europeias de identidade digital, os prestadores de serviços em linha privados (que não se qualificam como «plataformas de muito grande dimensão») devem participar na elaboração de «códigos de conduta» de autorregulação que facilitem a ampla aceitação dos meios de identificação eletrónica. A Comissão Europeia deve ser responsável pela avaliação da eficácia e usabilidade de tais disposições para os utilizadores das carteiras europeias de identidade digital.

6.   Questões relativas aos efeitos jurídicos das carteiras europeias de identidade digital

6.1.

O CESE apoia a proposta no que diz respeito à melhoria do acesso aos serviços públicos digitais, nomeadamente em situações transfronteiras.

6.2.

A nova secção 9 proposta do Regulamento eIDAS prevê que um certificado eletrónico qualificado de atributos emitido num Estado-Membro deve ser reconhecido como certificado eletrónico qualificado de atributos em qualquer outro Estado-Membro.

6.3.

Contudo, no que respeita ao direito interno dos Estados-Membros, que pode diferir significativamente em alguns casos, o CESE salienta que os atributos certificados por confronto com as fontes autênticas num Estado-Membro devem limitar-se apenas à confirmação de circunstâncias factuais e não devem produzir efeitos jurídicos noutros Estados-Membros, a menos que os atributos certificados estejam em conformidade com a sua legislação nacional. No essencial, as soluções jurídicas propostas não devem afetar o reconhecimento, por um Estado-Membro, dos efeitos jurídicos associados ao conteúdo dos atributos certificados por confronto com as fontes autênticas noutro Estado-Membro, por analogia com as disposições do Regulamento (UE) 2016/1191. Alguns dados pessoais (relativos à religião ou crenças de uma pessoa) podem servir de exemplo. Em alguns países da UE, esse tipo de informações produz efeitos jurídicos (por exemplo, na Alemanha, os registos vitais incluem informações sobre a religião, o que determina a obrigação de pagar um imposto eclesiástico para poder casar numa cerimónia religiosa), enquanto tal não se verifica noutros países (por exemplo, na Polónia).

6.4.

Por conseguinte, o CESE convida a Comissão Europeia a considerar a clarificação do texto da secção 9, de forma a ficar claro que o reconhecimento de um certificado eletrónico qualificado de atributos em qualquer outro Estado-Membro se limita à confirmação das circunstâncias factuais relacionadas com o atributo em questão e não produz efeitos jurídicos noutros Estados-Membros, a menos que os atributos certificados estejam em conformidade com a sua legislação nacional.

7.   Aspetos relacionados com a segurança

A.   Proteção de dados no contexto dos direitos fundamentais

7.1.

O CESE assinala que, devido à falta de um Quadro Europeu para a Identidade Digital comum, na maioria dos casos os cidadãos e outros residentes da UE deparam-se com obstáculos no intercâmbio digital transfronteiras de informações relacionadas com a sua identidade e, além disso, no intercâmbio de tais informações de forma segura e com elevado grau de proteção de dados.

7.2.

Por conseguinte, o CESE congratula-se com as tentativas de criar um sistema interoperável e seguro baseado em carteiras europeias de identidade digital, que possa melhorar o intercâmbio de informações entre os Estados-Membros, nomeadamente em matéria de emprego ou direitos sociais. Neste contexto, o CESE espera que o novo Quadro Europeu para a Identidade Digital crie, por exemplo, possibilidades de aumentar rapidamente as oportunidades de emprego transfronteiriço e de alargar a concessão automática de direitos sociais sem procedimentos de aplicação adicionais ou outros esforços administrativos.

7.3.

Contudo, o CESE considera que uma proteção de dados eficaz é a principal preocupação a ser abordada no contexto da proteção dos direitos fundamentais, em particular o direito à privacidade e o direito à proteção dos dados pessoais.

7.4.

Por conseguinte, o CESE apoia plenamente a exigência de que o Quadro Europeu para a Identidade Digital ofereça a todas as pessoas os meios necessários para controlar quem tem acesso ao seu gémeo digital e a que dados exatamente (incluindo o acesso pelo setor público). Como assinalado na proposta, tal exigirá também um elevado nível de segurança no que diz respeito a todos os aspetos da disponibilização da identidade digital, nomeadamente à emissão de carteiras europeias de identidade digital e às infraestruturas para a recolha, o armazenamento e a divulgação de dados de identidade digital.

7.5.

Neste contexto, o CESE congratula-se com a proposta de conceder aos utilizadores o direito de divulgar seletivamente os seus atributos, em função das necessidades numa determinada situação. De acordo com a proposta, ao utilizar uma carteira europeia de identidade digital, o utilizador poderá controlar a quantidade de dados fornecidos a terceiros e deve ser informado dos atributos exigidos para a prestação de um serviço específico.

7.6.

O CESE apoia a proposta de separação física e lógica dos dados pessoais relacionados com o fornecimento de carteiras europeias de identidade digital de quaisquer outros dados armazenados pelos emitentes de carteiras europeias de identidade digital e aprova a obrigação de os prestadores de serviços de certificados eletrónicos qualificados de atributos operarem sob uma entidade jurídica distinta.

7.7.

Além da necessidade de garantir uma proteção de dados eficaz, é essencial que os utilizadores tenham controlo sobre os seus dados. A este respeito, o CESE aprovaria igualmente a criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital assente nas identidades jurídicas emitidas pelos Estados-Membros e no fornecimento de atributos de identidade digital qualificados e não qualificados.

7.8.

O CESE salienta que, a fim de garantir um elevado grau de proteção jurídica dos dados dos utilizadores, deve ser dado aos utilizadores um maior controlo sobre as carteiras europeias de identidade digital, incluindo a rastreabilidade do acesso aos dados de cada utilizador. Para este efeito, os aspetos técnicos, a definir durante os debates realizados após a aprovação da proposta, devem incluir a criação de um registo que permita ao utilizador verificar, mediante pedido, qualquer acesso aos seus dados.

B.   Outros aspetos de segurança e responsabilidade

7.9.

De acordo com a proposta, o novo Quadro Europeu para a Identidade Digital fornecerá mecanismos para prevenir a fraude e garantir a autenticação de dados de identificação pessoal. O facto de a proposta incluir uma disposição que introduz meios que permitem a verificação de atributos por confronto com fontes autênticas poderá melhorar, por exemplo, a segurança das crianças em linha, impedindo-as de aceder a conteúdos impróprios para a sua idade. O CESE assinala que, a nível nacional, tal proteção eficaz não está atualmente disponível ou é altamente ineficaz.

7.10.

O CESE acolhe favoravelmente a ideia de que os navegadores Web devem assegurar apoio e interoperabilidade com certificados qualificados de autenticação de sítios Web de acordo com o Regulamento eIDAS. Devem reconhecer e exibir certificados qualificados de autenticação de sítios Web para prestar um elevado nível de garantia, permitindo aos proprietários do sítio Web declarar a sua identidade enquanto proprietários de um sítio Web e aos utilizadores identificar os proprietários do sítio Web com um elevado grau de certeza. Ao mesmo tempo, o CESE considera que é necessário fornecer mecanismos de recurso simples, rápidos e eficazes para assegurar que um sítio Web seja desbloqueado quando tiver sido indevidamente marcado como perigoso. Importa igualmente estabelecer regras em matéria de responsabilidade sempre que um sítio Web tenha sido indevidamente classificado como perigoso.

7.11.

O CESE sublinha que cada digitalização de dados suscita preocupações de segurança, em especial os enormes sistemas de armazenamento e tratamento de dados, que constituem uma fonte de informações vulnerável à fraude e à perda de dados. O CESE está também ciente de que não existe atualmente um sistema de segurança totalmente eficaz (ou seja, livre de lacunas e erros) que elimine por completo tal ameaça.

7.12.

Por conseguinte, o CESE salienta que, a fim de minimizar todas essas situações indesejáveis relacionadas com os dados dos utilizadores, a arquitetura técnica do Quadro Europeu para a Identidade Digital, desenvolvido pelos Estados-Membros em coordenação com a Comissão, deve centrar-se em medidas que aumentem a segurança dos dados e forneçam mecanismos de controlo de dados. Tais mecanismos são importantes, por exemplo, no contexto da utilização de dados recolhidos dos utilizadores para outros fins que não os originalmente previstos. O CESE considera igualmente que a arquitetura técnica deve ser desenvolvida no respeito pelos direitos fundamentais e pelo princípio da soberania dos Estados-Membros.

7.13.

O CESE assinala que o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento eIDAS estabelece a responsabilidade dos prestadores de serviços de confiança pelos danos causados deliberadamente ou por negligência a todas as pessoas singulares ou coletivas por incumprimento das obrigações previstas nesse regulamento (e das obrigações relativas à gestão dos riscos de cibersegurança previstas no artigo 18.o da «Diretiva SRI 2» proposta, de acordo com a proposta da Comissão). Essa disposição deve ser aplicada em conformidade com as regras nacionais em matéria de responsabilidade (artigo 13.o, n.o 3).

7.14.

No contexto das preocupações em matéria de responsabilidade, o CESE sublinha que as questões relacionadas com a definição de danos, a sua dimensão e a devida indemnização são regulamentadas pelo direito interno dos Estados-Membros. De acordo com essas regras, a responsabilidade dos prestadores de serviços de confiança pode ser limitada ao abrigo das disposições pertinentes do direito interno e das «políticas de prestação de serviços», que são definidas pelos prestadores.

7.15.

O CESE considera que se deve garantir aos utilizadores das carteiras europeias de identidade digital uma indemnização por qualquer situação indesejável relacionada com os seus dados, como roubo, perda, divulgação, utilização para outros fins que não os originalmente previstos, etc. Tal responsabilidade deve abranger todas as situações acima mencionadas, independentemente da intenção ou negligência do prestador (independentemente da culpa do prestador).

7.16.

Qualquer roubo, divulgação não autorizada ou perda de dados (em particular, dados pessoais) pode causar danos a longo prazo ao seu titular. Uma vez divulgados, os dados digitais podem ser adquiridos a longo prazo por muitas entidades, contra a vontade do seu titular. O CESE incentiva a Comissão e os Estados-Membros a procurarem e a desenvolverem mecanismos eficazes a que os titulares dos dados possam recorrer em tais casos.

7.17.

As soluções propostas pelo novo sistema obrigarão os prestadores de serviços a atualizarem significativamente os seus sistemas de segurança eletrónica para um nível muito mais elevado, prestando especial atenção à cibersegurança. O CESE prevê que tal implicará custos significativos e a modernização da infraestrutura informática existente e poderá constituir um encargo excessivo para alguns prestadores de serviços, que poderá mesmo levar ao desaparecimento, de alguns mercados, de prestadores de serviços que não podem suportar tais investimentos num curto prazo. Por conseguinte, o CESE é de opinião que a Comissão e os Estados-Membros devem procurar soluções que protejam os prestadores de discriminação nesse domínio e permitam uma adaptação «suave» a este respeito, nomeadamente oferecendo a possibilidade de assegurar o cumprimento dos novos requisitos em várias etapas, num prazo razoável.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (UE) 2016/1191 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 2016, relativo à promoção da livre circulação dos cidadãos através da simplificação dos requisitos para a apresentação de certos documentos públicos na União Europeia e que altera o Regulamento (UE) n.o 1024/2012 (JO L 200 de 26.7.2016, p. 1).

(2)  Regulamento (UE) n.o 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno e que revoga a Diretiva 1999/93/CE (JO L 257 de 28.8.2014, p. 73).

(3)  Diretiva (UE) 2019/882 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços (JO L 151 de 7.6.2019, p. 70).

(4)  COM(2020/825 final.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/87


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno

[COM(2021) 223 final — 2021/0114 (COD)]

(2022/C 105/13)

Relator:

Maurizio MENSI

Consulta

Parlamento Europeu, 7.6.2021

Conselho, 3.6.2021

Base jurídica

Artigos 114.o e 207.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

220/3/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe com agrado os esforços envidados pela Comissão e concorda com a necessidade de reforçar os instrumentos políticos para proteger o mercado da UE e as suas empresas, colmatando uma lacuna no quadro regulamentar em matéria de concorrência, de comércio e de contratação pública, a fim de garantir uma concorrência leal e sem distorções provocadas pelas subvenções estrangeiras.

1.2.

A este respeito, o CESE considera útil e importante o instrumento operacional apresentado na proposta da Comissão relativa ao financiamento concedido por países terceiros a empresas que operam no mercado da UE, suscetível de distorcer o mercado. Considera, no entanto, que alguns aspetos da proposta legislativa, de si complexa e estruturada, devem ainda ser aperfeiçoados.

1.3.

De acordo com a proposta, a definição lata de subvenção estrangeira pode abranger muitas formas de subvenções concedidas por um Estado estrangeiro, incluindo as de natureza fiscal. Por razões de transparência e simplificação, afigura-se, por conseguinte, oportuno que a Comissão indique quais as investigações que tenciona privilegiar, estabelecendo, se for caso disso, critérios que regulem o tratamento das várias práticas.

1.4.

A proposta confia à Comissão a análise dos investimentos realizados na UE por entidades subvencionadas por países terceiros. A este respeito, o CESE considera oportuno que a Comissão clarifique com precisão o âmbito de aplicação do regulamento, se for caso disso, através de orientações específicas, a fim de assegurar a sua aplicação uniforme na UE e minimizar o risco de interpretações divergentes pelos Estados-Membros responsáveis, por seu turno, pela análise dos investimentos estrangeiros. Para o efeito, propõe também a criação de um balcão de informação para as empresas sobre as regras relativas às subvenções estrangeiras e aos respetivos requisitos e obrigações de notificação.

1.5.

A Comissão inicia o procedimento ao apreciar a subvenção estrangeira à luz dos seus efeitos negativos e positivos sobre o desenvolvimento da atividade económica em causa. O CESE considera importante que a Comissão forneça orientações adicionais sobre a forma como procederá a essa apreciação na prática, quais podem ser os efeitos positivos ou em que situações o equilíbrio se justifica.

1.6.

No que diz respeito ao atual regime de controlo das concentrações, o CESE considera que a Comissão deve clarificar de que forma este se articula com o novo regime proposto, a fim de evitar qualquer desfasamento temporal e de resultados que acarrete encargos significativos para as empresas.

1.7.

A Comissão só pode iniciar o procedimento se o total das subvenções estrangeiras exceder o limiar de 5 milhões de euros em três anos fiscais consecutivos. O CESE considera esse limiar bastante baixo em termos absolutos, pelo que considera adequado que a Comissão o aumente, a fim de evitar os casos de entidades de menores dimensões e os casos com menor importância, no interesse também das pequenas e médias empresas.

1.8.

No domínio dos contratos públicos, a possibilidade de investigações ex officio e de uma ampla revisão dos concursos públicos poderá ser fonte de riscos e encargos para as empresas que operam e investem na UE. Por conseguinte, é fundamental que a Comissão simplifique e clarifique, tanto quanto possível, o regime aplicável, a fim de facilitar a aplicação das novas regras, especialmente porque rivalizam com a legislação já em vigor, reduzindo os encargos administrativos que recaem sobre as empresas da UE.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE considera essencial que a UE e os seus mercados permaneçam abertos e competitivos, o que é fundamental para o bom funcionamento e o equilíbrio do seu sistema socioeconómico, a robustez das empresas e o bem-estar dos cidadãos, constituindo igualmente a base do seu modelo de autonomia estratégica (1). Neste contexto, entende que o objetivo de proteger o mercado único das subvenções que falseiam a concorrência deve ir de par com a aplicação coerente em toda a UE de um instrumento eficaz, que acarrete os menores encargos possíveis para as empresas.

2.2.

Em 17 de junho de 2020, a Comissão adotou um Livro Branco sobre subvenções estrangeiras para analisar a questão, lançar um debate público e propor possíveis soluções. No Livro Branco, identifica-se uma lacuna legislativa nas regras da UE relativas aos auxílios estatais em matéria de concorrência, de comércio e de contratação pública que, efetivamente, impede a UE de adotar medidas quando as subvenções estrangeiras provocam distorções no mercado interno, o que favorece certas operações de concentração ou certos participantes em concursos públicos. No Livro Branco, assinalam-se ainda vários problemas relacionados com o acesso ao financiamento da UE por parte de operadores que beneficiam de subvenções estrangeiras, que podem falsear a concorrência no que se refere aos fundos da UE. Até à data, nenhum Estado-Membro adotou legislação nacional para corrigir os eventuais efeitos de distorção causados por subvenções estrangeiras.

2.3.

A problemática das subvenções estrangeiras não é nova, tendo sido já várias vezes realçada a nível da UE. O Conselho fez referência ao Livro Branco da Comissão nas suas conclusões de 11 de setembro de 2020, tendo o Conselho Europeu, nas suas conclusões de 1 e 2 de outubro de 2020, apelado ao desenvolvimento de «novos instrumentos para fazer face aos efeitos de distorção sobre o mercado único devidos a subvenções estrangeiras». No seu relatório de fevereiro de 2020 sobre a política de concorrência, o Parlamento Europeu instou a Comissão a analisar «instrumentos de investigação adequados para as situações em que se considera que uma empresa teve um comportamento de “distorção”, devido a subvenções públicas, ou obteve lucros excessivos com base numa posição dominante no mercado no seu país de origem». Numa carta conjunta enviada aos vice-presidentes executivos da Comissão Margrethe Vestager e Valdis Dombrovskis e ao comissário Thierry Breton, um grupo de 41 deputados ao Parlamento Europeu expressou forte apoio a um instrumento para combater «empresas de países terceiros que tenham recebido apoio estatal significativo».

2.4.

Tal como anunciado no programa de trabalho da Comissão para 2020-2021, a proposta de regulamento em apreço apresenta pormenorizadamente um novo instrumento operacional (um sistema de notificação ex ante das subvenções de montante mais avultado e suscetíveis de causar mais distorções, a par de um procedimento ex officio) destinado a colmatar a lacuna regulamentar da legislação europeia e a garantir condições de concorrência equitativas no mercado interno. O teor da proposta de regulamento é ainda referido no ponto 3.2.6 da comunicação sobre a revisão da política comercial relativa à observância de condições de concorrência equitativas.

2.5.

Em suma, o objetivo da legislação proposta consiste em investigar e, se for caso disso, desincentivar ou impedir as empresas que beneficiam de subvenções estrangeiras de realizarem operações de concentração, participarem em concursos públicos e adotarem comportamentos no mercado que possam distorcer o mercado interno da União Europeia. Na legislação, prevê-se a notificação obrigatória das operações de concentração em que o volume de negócios da empresa-alvo seja superior a 500 milhões de euros e as partes tenham recebido nos últimos três anos contribuições financeiras estrangeiras superiores a 50 milhões de euros, tal como dos concursos públicos em que o valor contratual é superior a 250 milhões de euros e uma das partes é subvencionada por contribuições estrangeiras. A proposta prevê ainda a possibilidade de a Comissão investigar o comportamento do mercado, incluindo as fusões e aquisições abaixo desses limiares, por parte de qualquer entidade que beneficie de subvenções financeiras estrangeiras superiores a 5 milhões de euros durante três anos consecutivos.

2.6.

A proposta mostra que o problema não é o investimento estrangeiro, mas sim as subvenções que agilizam os processos de aquisição de empresas da UE, influenciam as decisões de investimento, distorcem o comércio de bens e a prestação de serviços, condicionando o comportamento dos beneficiários e prejudicando a concorrência. Ao contrário das subvenções, para as quais a Comissão se reserva a competência exclusiva, no caso dos investimentos estrangeiros, a competência cabe aos Estados-Membros, que têm sempre a possibilidade de analisar os investimentos estrangeiros suscetíveis de afetar a segurança e a ordem pública.

2.7.

Este último aspeto rege-se pelo Regulamento (UE) 2019/452 do Parlamento Europeu e do Conselho (2), aplicável desde 11 de outubro de 2020, que estabelece um sistema para o intercâmbio de informações entre a Comissão e os Estados-Membros e melhora os mecanismos de controlo, quando já existentes, permitindo à Comissão apresentar observações ou pareceres sobre as operações aprovadas pelos Estados-Membros. Esse regulamento abrange principalmente os investimentos em infraestruturas e tecnologias críticas, dados sensíveis e meios de comunicação social, sem estabelecer limiares mínimos, pelo que os Estados-Membros podem analisar quase todos os investimentos vindos do estrangeiro.

3.   Observações na especialidade

3.1.

A proposta de regulamento define as «subvenções estrangeiras» de forma muito vasta (artigo 2.o): trata-se de qualquer intervenção em que um país terceiro concede uma contribuição financeira que confere uma vantagem a uma empresa que exerce uma atividade económica no mercado interno da UE, e que é limitada a uma empresa individual ou a várias empresas ou associações de empresas. As contribuições financeiras podem assumir várias formas, nomeadamente: a transferência de fundos ou de passivos, injeções de capital, subvenções, empréstimos, garantias de empréstimos, incentivos fiscais, compensação de perdas de exploração, compensação de encargos financeiros impostos pelas autoridades públicas, perdão de dívidas, conversão de dívidas em capital ou renegociação; a renúncia de receitas que, de outra forma, são devidas; ou o fornecimento de bens ou a prestação de serviços ou a aquisição de bens e serviços.

3.2.

Por conseguinte, a definição lata de subvenção estrangeira constante da proposta, essencialmente em consonância com a definição da UE de auxílio estatal, é suscetível de abranger muitas formas de subvenções e incentivos concedidos por um país terceiro, o que levanta questões quanto à capacidade efetiva da Comissão para fazer face ao enorme volume de trabalho, que, com efeito, tocará todos os tipos de subvenções concedidas por todos os países do mundo. Tal poderá gerar insegurança jurídica e acarreta o risco de surgirem eventuais litígios com os concorrentes nas fusões e aquisições contestadas. Nesse caso, importa que a Comissão esclareça cabalmente quais são as investigações que pretende privilegiar e, a esse respeito, se pondera estabelecer critérios a divulgar previamente.

3.3.

A proposta confia essencialmente à Comissão a análise dos investimentos realizados na UE por entidades subvencionadas por países terceiros. No entanto, alguns Estados-Membros podem considerar que tais decisões são da sua competência no âmbito dos regimes nacionais de análise do investimento estrangeiro. A este respeito, o CESE considera oportuno que a Comissão Europeia clarifique com precisão o âmbito de aplicação do regulamento, incluindo, se for caso disso, através de orientações específicas, a fim de assegurar a sua aplicação uniforme na UE e minimizar o risco de interpretações divergentes pelos Estados-Membros. Para o efeito, propõe também a criação de um balcão de informação para as empresas sobre as regras relativas às subvenções estrangeiras e aos respetivos requisitos e obrigações de notificação.

3.4.

Por conseguinte, a proposta de regulamento implementa um novo sistema de análise que é simultaneamente ex ante (para as concentrações de grande dimensão e os procedimentos de adjudicação de contratos públicos) e ex post, que se junta ao sistema atualmente previsto para as concentrações da UE, inspirando-se no mesmo, mas dele distinto (capítulo 3). No caso em apreço, as operações que exigem notificação incluem igualmente as fusões, as aquisições de controlo e as empresas comuns de direito próprio, embora os limiares financeiros sejam diferentes dos limiares do Regulamento das Concentrações.

3.5.

A Comissão apreciará se há uma distorção do mercado interno (artigo 5.o), limitando-se a analisar o contexto da concentração em causa, embora tal não pareça exigir que a Comissão estabeleça um nexo de causalidade direto entre a operação e a distorção do mercado. Considera-se que existe uma distorção no mercado interno quando uma subvenção estrangeira é suscetível de melhorar a posição concorrencial da empresa em causa no mercado interno e, ao fazê-lo, falseia, efetiva ou potencialmente, a concorrência no mercado interno.

3.6.

Por conseguinte, a proposta de regulamento confere à Comissão amplo poder discricionário ao enumerar como indicadores potencialmente relevantes o montante e a natureza da subvenção, a situação da empresa e dos mercados em causa, o nível de atividade económica da empresa no mercado interno e o objeto e as condições associadas à subvenção estrangeira, bem como a sua utilização no mercado interno.

3.7.

Neste contexto, a Comissão «deve, sempre que tal se justifique, ponderar o equilíbrio entre os efeitos negativos de uma subvenção estrangeira, em termos de distorção no mercado interno, e os seus efeitos positivos no desenvolvimento da atividade económica em causa» (artigo 5.o). Caso os efeitos positivos prevaleçam, não será adotada nenhuma medida. Nesse caso, considera-se adequado que a Comissão forneça orientações adicionais sobre a forma como procederá a essa apreciação na prática, em especial quais podem ser os efeitos positivos ou em que situações o equilíbrio se justifica. A este respeito, o Comité faz notar que a Comissão elaborou orientações abrangentes e pormenorizadas sobre as subvenções intra-UE compatíveis com o mercado interno.

3.8.

Se a Comissão concluir que uma subvenção estrangeira distorce o mercado interno, pode impor medidas corretivas para reparar os danos causados (artigo 6.o). As empresas podem igualmente propor compromissos para corrigir as alegadas distorções e a Comissão pode tornar esses compromissos vinculativos. Os compromissos e as medidas corretivas podem consistir na concessão de acesso em condições justas e não discriminatórias a uma infraestrutura, na concessão de licenças relativas aos ativos adquiridos ou desenvolvidos com o apoio de subvenções estrangeiras, na redução da capacidade ou da presença no mercado, na não participação em determinados investimentos, na publicação de resultados de investigação e desenvolvimento, na alienação de determinados ativos, no reembolso da subvenção estrangeira ao país terceiro, acrescido de juros adequados, ou na obrigatoriedade de dissolução da concentração.

3.9.

A este respeito, considera-se que se impõe esclarecer melhor a relação entre o novo regime proposto e o atual regime de controlo das concentrações da UE. Embora os limiares de notificação e a avaliação substantiva sejam diferentes, é possível notificar à Comissão muitas operações em paralelo ao abrigo de ambos os regimes, com o risco de um desfasamento temporal e de resultados acarretando encargos significativos para as empresas.

3.10.

A proposta de regulamento propõe um regime de notificação obrigatória distinto para os contratos públicos da UE superiores a 250 milhões de euros (capítulo 4). As empresas que participam num procedimento de contratação pública devem notificar à entidade adjudicante todas as contribuições financeiras estrangeiras recebidas nos três anos anteriores a essa notificação ou confirmar numa declaração que não receberam quaisquer contribuições financeiras estrangeiras nesse período (artigo 28.o).

3.11.

As autoridades adjudicantes devem comunicar sem demora essa notificação à Comissão, que tem 60 dias após essa data para proceder a uma análise preliminar e mais 140 dias para uma investigação aprofundada, prazo que pode ser prorrogado em circunstâncias excecionais. As notificações não suspendem o procedimento de contratação pública, mas a autoridade adjudicante não poderá concluir o procedimento e adjudicar o contrato a uma empresa objeto de análise pela Comissão. Se as empresas não procederem à notificação, a Comissão pode aplicar coimas até 10 % do volume de negócios total da empresa. Trata-se de um procedimento bastante complicado, que acarreta o risco de atrasar a conclusão de procedimentos complexos, como os de contratação pública, essenciais para que os Estados-Membros possam aplicar os planos ao abrigo do Instrumento de Recuperação da União Europeia.

3.12.

Nos termos da proposta de regulamento, a Comissão pode, por sua própria iniciativa, examinar informações de qualquer fonte sobre alegadas subvenções estrangeiras que distorcem a concorrência no mercado interno da UE (capítulo 2). A única condição é que o total das subvenções estrangeiras exceda o limiar de 5 milhões de euros em três anos fiscais consecutivos. Trata-se de um limiar bastante baixo em termos absolutos, pelo que se considera adequado que a Comissão o aumente, a fim de evitar os casos de entidades de menores dimensões e os casos com menor importância, no interesse também das pequenas e médias empresas. Além disso, a Comissão pode analisar as contribuições financeiras estrangeiras até 10 anos antes do início da sua investigação, dada a possibilidade de examinar as subvenções estrangeiras concedidas nos 10 anos anteriores à data de entrada em vigor do novo regulamento, caso os efeitos de distorção ocorram após a entrada em vigor do regulamento.

3.13.

A proposta de regulamento terá um efeito económico significativo, uma vez que afeta potencialmente todas as empresas que beneficiam de apoio de países terceiros e exercem atividades económicas na UE (em especial no que se refere às fusões e aquisições ou aos concursos para adjudicação de contratos públicos acima dos limiares estabelecidos), para além de ter um impacto positivo, em especial nos intervenientes que não recebem subvenções estrangeiras.

3.14.

Na prática, a proposta permitirá à Comissão exercer um controlo das subvenções concedidas por governos de países terceiros semelhante ao efetuado ao abrigo das regras da UE em matéria de auxílios estatais, o que acarreta o risco de acrescentar um nível adicional de complexidade a um quadro regulamentar já muito estruturado, com grandes encargos para as empresas na UE. A título de exemplo, no futuro, a mesma operação poderá estar sujeita a três procedimentos diferentes: controlo das concentrações, análise dos investimentos estrangeiros e análise das subvenções estrangeiras ao abrigo da proposta em apreço, tendo cada um dos procedimentos as suas próprias regras processuais e calendário.

3.15.

No domínio das fusões e aquisições, a análise das subvenções estrangeiras juntar-se-ia às notificações obrigatórias de controlo das concentrações (a nível da UE ou dos Estados-Membros) e às notificações nacionais de investimento estrangeiro, acarretando o risco de litígios com as empresas em causa.

3.16.

No domínio dos contratos públicos, a possibilidade de investigações ex officio e de uma ampla revisão dos concursos públicos poderá ser fonte de riscos e encargos para as empresas que operam e investem na UE. Trata-se sobretudo de investidores estrangeiros que investem na UE e de empresas sediadas na UE que beneficiam de contribuições financeiras estrangeiras (através de investidores ou de auxílios estrangeiros para projetos específicos). Neste caso, as empresas devem examinar cuidadosamente todas as subvenções estrangeiras recebidas, para avaliarem se as novas regras são de aplicação.

3.17.

Por conseguinte, é fundamental que a Comissão simplifique e clarifique, tanto quanto possível, o regime aplicável, a fim de facilitar a aplicação das novas regras, especialmente porque rivalizam com a legislação já em vigor, e reduzir os encargos administrativos que recaem sobre as empresas da UE.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Comunicação da Comissão «A Hora da Europa: Reparar os Danos e Preparar o Futuro para a Próxima Geração» [COM(2020) 456 final]. Consultar igualmente a Comunicação da Comissão «O sistema económico e financeiro europeu: promover a abertura, a solidez e a resiliência» [COM(2021) 32 final].

(2)  Regulamento (UE) 2019/452 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de março de 2019, que estabelece um regime de análise dos investimentos diretos estrangeiros na União (JO L 79 I de 21.3.2019, p. 1).


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/92


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos créditos aos consumidores

[COM(2021) 347 final — 2021/0171 (COD)]

(2022/C 105/14)

Relator:

Bogdan PREDA

Consulta

Parlamento Europeu, 8.7.2021

Conselho, 14.7/2021

Base jurídica

Artigo 114.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

21.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

159/5/16

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a atualização da legislação em matéria de crédito ao consumo definida na proposta de diretiva em análise, mas salienta que subsistem áreas em que esta deveria ser mais ambiciosa ou não garante o equilíbrio adequado entre os seus objetivos e as soluções propostas. Além disso, o CESE considera que as soluções previstas na proposta de diretiva devem centrar-se mais no impacto da digitalização, no aumento da utilização de dispositivos digitais e na concessão de crédito ao consumo ecológico, a fim de ajudar os consumidores a fazer compras mais sustentáveis.

1.2.

O CESE aprecia os esforços envidados pela Comissão Europeia para promover campanhas de formação financeira/literacia digital, uma vez que tais iniciativas trarão indubitavelmente benefícios para os consumidores e os mutuantes.

1.3.

O CESE observa que, com base nos dados relativos à origem do sobre-endividamento, a fixação de limites máximos aos custos dos empréstimos, a fim de evitar práticas tarifárias extremas, proporciona benefícios concretos aos consumidores vulneráveis, desde que esse limite seja corretamente definido após uma análise cuidadosa do mercado e do impacto potencial. Por conseguinte, o CESE observa que a diretiva em apreço deve prever uma metodologia clara e harmonizada a que os Estados-Membros possam recorrer para aplicar tais limites, a fim de prevenir e desencorajar práticas extremas que possam conduzir ao sobre-endividamento. Tal permitiria ainda assegurar condições de concorrência equitativas para os mutuantes de diferentes países.

1.4.

O CESE considera vantajoso explicitar a obrigação de todos os mutuantes de proceder a uma avaliação minuciosa da solvabilidade dos consumidores. A este respeito, o CESE apoia a abordagem da Comissão quanto ao tipo de dados a utilizar na avaliação da solvabilidade, incluindo a exceção relativa aos dados pessoais sensíveis, como os dados em matéria de saúde, uma vez que é muito importante garantir uma abordagem equilibrada no processo. No entanto, é extremamente importante salientar na diretiva que nem mesmo uma avaliação exaustiva da solvabilidade pode garantir o reembolso do empréstimo.

1.5.

O CESE considera que o texto da proposta de diretiva deve ser revisto de modo a assegurar a igualdade de tratamento para todos os mutuantes, desde o processo de autorização/licenciamento até aos regulamentos/obrigações operacionais, a fim de assegurar condições de concorrência equitativas para todos os concorrentes.

1.6.

O CESE considera que a Comissão deve proceder a uma análise aprofundada das obrigações relativas à informação pré-contratual, a fim de encontrar o equilíbrio adequado entre a necessidade e a pertinência da informação para os consumidores e a forma mais eficaz e flexível de a apresentar, tendo também em consideração a digitalização de todo o processo.

1.7.

O CESE recomenda que a Comissão clarifique o texto da proposta de diretiva relativo ao reembolso antecipado.

2.   Introdução

2.1

O presente parecer refere-se à proposta de diretiva da Comissão Europeia relativa aos créditos aos consumidores, que revoga a Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (1) relativa a contratos de crédito aos consumidores.

2.2

Conforme estabelecido na exposição de motivos, a necessidade da nova diretiva justifica-se pelo facto de, desde 2008, a digitalização ter aumentado e alterado profundamente tanto os hábitos de empréstimo (por exemplo, novas formas de divulgar informações digitalmente e de avaliar a solvabilidade dos consumidores através de sistemas automatizados de decisão e de dados não tradicionais) como o perfil dos mutuantes. No contexto da crise da COVID-19, também se tornou necessário oferecer instrumentos legislativos para aliviar os encargos financeiros para os cidadãos e as famílias mais vulneráveis do ponto de vista financeiro.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão de atualizar o quadro jurídico relativo aos créditos aos consumidores, uma vez que o mercado evoluiu efetivamente desde 2008 e que as disposições atuais não cobrem devidamente todos os tipos de intervenientes/produtos, o que significa que há áreas em que os consumidores não beneficiam de proteção adequada ou em que as regras vigentes podem ser melhoradas.

3.2

O CESE considera que os dois principais objetivos na elaboração da proposta de diretiva, nomeadamente: i) reduzir o prejuízo para os consumidores que contraem empréstimos num mercado em mutação; e ii) facilitar a oferta transfronteiras de crédito aos consumidores e a competitividade do mercado interno, estão intimamente interligados e são essenciais para garantir um nível adequado de cobertura e a aplicação uniforme da nova diretiva. Por exemplo, uma proposta que vise a imposição de limites máximos obrigatórios para os custos dos créditos ao consumo deve ser mais pormenorizada e harmonizada na proposta de diretiva, de acordo com uma metodologia clara, a fim de garantir um nível uniforme de proteção dos consumidores e impossibilitar eficazmente práticas de concessão de empréstimos irresponsáveis em toda a UE, bem como a criação de produtos de crédito ao consumo com taxas usurárias ou custos excessivos, que amiúde visam os consumidores mais vulneráveis e conduzem a situações de sobre-endividamento. Esta metodologia harmonizada também é necessária para assegurar condições de concorrência equitativas para os mutuantes de diferentes países.

3.3

O alargamento do âmbito de aplicação da diretiva e o esclarecimento das definições de vários termos trarão indubitavelmente benefícios para os consumidores e os mutuantes, e permitirão clarificar melhor os direitos e as obrigações conexos. Além disso, o CESE considera que a proposta no sentido de impor aos Estados-Membros a obrigação de prestar serviços independentes de aconselhamento em matéria de dívidas para consumidores sobre-endividados ou outros consumidores vulneráveis também deve ajudar os consumidores em situações difíceis. O CESE recomenda ainda que a diretiva incentive os mutuantes a adotarem políticas que facilitem a deteção precoce de dificuldades financeiras e incluam disposições sobre medidas de tolerância. Quer uma quer outra abordagem evitaria situações de sobre-endividamento e incentivaria os credores a encontrar soluções para os mutuários em dificuldades.

3.4

O CESE aprecia os esforços envidados pela Comissão para promover iniciativas de formação financeira/literacia digital, a fim de garantir que os consumidores compreendem devidamente os produtos de empréstimos e os riscos que correm ao contrair um empréstimo, uma vez que este é o método mais eficaz para manter a sua saúde financeira. Neste sentido, o CESE considera que o texto da diretiva relativo à comunicação entre os mutuantes e os consumidores, em todas as fases da relação, deve ser adaptado para ter em conta a transição digital e o aumento da utilização de dispositivos digitais.

3.5

O CESE também felicita a Comissão pelos seus esforços no sentido de criar regulamentos claros sobre os serviços de consultoria financeira em matéria de contratos de empréstimo, mas acolheria com agrado uma perspetiva jurídica clara sobre a forma como tais serviços podem ser oferecidos.

3.6

O CESE congratula-se com a iniciativa de explicitar a obrigação de todos os mutuantes realizarem uma avaliação minuciosa da solvabilidade dos consumidores, a fim de verificar se podem pagar os empréstimos em questão e se as suas necessidades financeiras estão a ser protegidas, evitando práticas de empréstimos irresponsáveis e o sobre-endividamento. No entanto, a Comissão deve ter presente que as novas regras não podem nem devem transferir a responsabilidade pela execução efetiva dos pagamentos dos consumidores para os mutuantes, uma vez que cabe aos consumidores envidar todos os esforços para cumprir as suas obrigações de reembolso da dívida e gerir as suas despesas pessoais com prudência. O CESE convida a Comissão a aprofundar a análise do texto da proposta de diretiva relativa aos créditos aos consumidores de modo a deixar claro que uma avaliação exaustiva da solvabilidade não constitui uma garantia de reembolso do empréstimo. Além disso, a fim de assegurar a devida proteção dos consumidores, o CESE insta a Comissão a pormenorizar as situações em que, em circunstâncias específicas e bem justificadas, os mutuantes têm o direito, sem qualquer obrigação a este respeito, de conceder empréstimos aos consumidores mesmo que não passem na avaliação da solvabilidade.

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE convida a Comissão a aprofundar a análise de algumas das novas definições, a fim de assegurar a clareza do texto. Por exemplo, a definição de credor deve ser revista a fim de assegurar que todas as empresas de crédito sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva e igualmente supervisionadas/licenciadas quando conduzem o mesmo tipo de atividade. Além disso, com o objetivo de assegurar condições de concorrência equitativas e proporcionar efetivamente aos consumidores o mesmo nível de proteção, todos os mutuantes, independentemente do seu estatuto jurídico de empresa, devem aplicar as mesmas regras e estar sujeitos às mesmas obrigações, incluindo no que diz respeito à apresentação de relatórios, exceto no caso de empréstimos sem custos, sempre que sejam cumpridas todas as disposições em matéria de proteção do consumidor.

4.2

Relativamente às obrigações decorrentes da atividade de crédito ao consumo, a diretiva deve ser mais ambiciosa. Ou seja, estabelecer que essa atividade de crédito requer uma autorização/licença da autoridade competente, a fim de assegurar uma proteção adequada dos consumidores, um controlo eficaz e condições de concorrência equitativas para o crédito ao consumo. O sistema atualmente proposto parece variar entre a autorização e o registo, embora tal não seja claro.

4.3

No que diz respeito à disposição específica sobre a conversão de empréstimos expressos em euros para a moeda nacional, o CESE convida a Comissão a rever novamente o artigo 4.o da proposta de diretiva, de modo a clarificar a sua aplicabilidade. A solução proposta, para além de não estar alinhada com o artigo 23.o da Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (2) relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, carece de clareza quanto à sua intenção/aplicabilidade e quanto à própria metodologia proposta para a conversão.

4.4

No que respeita ao princípio da não discriminação (artigo 6.o da proposta de diretiva), o CESE receia que possa ser muito difícil aplicá-lo por vários motivos que se prendem sobretudo com diferentes requisitos a nível nacional e com a dificuldade de obter todas as verificações necessárias como parte do processo de avaliação da solvabilidade. No que diz respeito ao acesso às bases de dados, o CESE receia que, em determinadas circunstâncias, possa ser impraticável ou pouco económico para os credores terem acesso direto às bases de dados de outros Estados-Membros por vários motivos (por exemplo, falta de procura de crédito transfronteiriço, diferentes requisitos a nível nacional e a dificuldade de obtenção de todas as verificações no âmbito do processo de avaliação da solvabilidade). Por conseguinte, o CESE convida a Comissão a aprofundar a análise do princípio, nomeadamente considerando o acesso indireto a tais bases de dados, por exemplo, mutuantes que solicitem a documentação necessária para a avaliação da solvabilidade através da sua base de dados local ou das autoridades fiscais locais.

4.5

No que se refere às bases de dados de relatórios nacionais, o CESE observa que o tratamento dos dados de crédito durante a pandemia de COVID-19 ou qualquer situação excecional semelhante pode afetar a integridade do sistema de relatórios de crédito e, em última instância, o fornecimento de crédito aos consumidores. Por conseguinte, o CESE solicita à Comissão que saliente na proposta de diretiva a importância de continuar a partilhar plenamente as informações em matéria de crédito, incluindo a comunicação de dados/moratórias de pagamentos em falta quer durante uma crise, quer em circunstâncias normais. Ademais, em conformidade com as orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA) sobre a concessão de empréstimos, o CESE também recomenda que a Comissão especifique que as bases de dados de relatórios devem conter, pelo menos, informações sobre o comportamento dos consumidores em matéria de reembolso dos respetivos contratos de empréstimo em vigor, incluindo eventuais atrasos.

4.6

O CESE aprecia os esforços envidados pela Comissão para tornar a informação pré-contratual mais acessível aos consumidores. Considera, contudo, que a solução adequada não deve ser a criação de um documento adicional (a síntese normalizada em matéria de crédito). No seu entender, tal poderia não só resultar num encargo adicional para os consumidores e os credores, como também induzir os consumidores em erro, na medida em que estes podem limitar a sua análise apenas às informações fornecidas na síntese, sem considerar devidamente todas as outras informações constantes no formulário «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores» (SECCIF, na sigla em inglês). Uma solução mais adequada seria considerar, à luz da necessidade de responder aos novos métodos digitais, a simplificação do processo de estabelecer (e conduzir) a relação com os consumidores, inclusive fornecendo especificamente meios digitais para cumprir a obrigação de entrega do formulário SECCIF.

4.7

No que diz respeito à isenção das regras aplicáveis às vendas associadas (obrigatória e facultativa) no contexto das contas correntes ou de poupança, é altamente questionável se é de facto do interesse do consumidor limitar esta isenção apenas a contas cujo único propósito se limita aos requisitos dos empréstimos. De acordo com o texto, os mutuantes devem proibir os consumidores de utilizarem as contas em questão para fins pessoais, fora do âmbito dos requisitos do empréstimo. O CESE concorda que o consumidor não deve ser obrigado a abrir uma conta que não seja necessária para a utilização ou o reembolso do empréstimo, mas considera que essa conta, uma vez aberta, deve ser utilizada pelo consumidor da forma que lhe convier.

4.8

No que se refere aos direitos dos consumidores, o CESE considera que, caso a avaliação da solvabilidade envolva a utilização de perfis ou outro tratamento automatizado de dados pessoais, a solução proposta na diretiva pode comprometer a capacidade das instituições financeiras de estabelecerem condições de avaliação consentâneas com o seu próprio apetite pelo risco, diminuindo assim a flexibilidade do processo. Na opinião do CESE, o enunciado do artigo 18.o, n.o 6, deve ser reformulado em conformidade com os requisitos do Regulamento geral sobre a proteção de dados (RGPD), o que significa que o consumidor tem os direitos concedidos pelo RGPD quando a avaliação da solvabilidade é efetuada exclusivamente de forma automática e produz efeitos relativos a um particular.

4.9

O CESE considera que o reembolso antecipado dos empréstimos é uma disposição central da diretiva, uma vez que se destina a promover a competitividade do mercado e a combater as situações de sobre-endividamento, e congratula-se com a intenção geral da proposta. No entanto, salienta que é necessário rever o texto da proposta de diretiva para: i) facilitar verdadeiramente o exercício deste direito; e ii) evitar a ocorrência de litígios em torno da definição de «todos os custos».

4.10

O CESE observa que, com base nos dados relativos à origem do sobre-endividamento, a fixação de limites máximos aos custos dos empréstimos, a fim de evitar práticas tarifárias extremas, proporciona benefícios concretos aos consumidores vulneráveis, desde que esses limites sejam corretamente definidos após uma análise cuidadosa do mercado e do impacto potencial. Esta abordagem deve assegurar que as medidas beneficiam efetivamente os consumidores e não têm o efeito contrário.

4.11

Em consonância com a última diretiva em matéria de proteção dos consumidores, o artigo 44.o da proposta de diretiva especifica que os Estados-Membros devem prever sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas na legislação nacional em caso de violação das regras de transposição da diretiva. O CESE acolhe favoravelmente essas disposições, mas solicita à Comissão que indique também na diretiva que as sanções administrativas não afetam os direitos dos consumidores à obtenção de uma indemnização ou de um reembolso, consoante o caso.

Bruxelas, 21 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO L 133 de 22.5.2008, p. 66).

(2)  Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO L 60 de 28.2.2014, p. 34).


ANEXO

Os seguintes pontos do parecer da secção foram substituídos por alterações adotadas pela Assembleia, embora tenham recolhido pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

ALTERAÇÃO 2

Proposta por:

Reet TEDER

INT/956 — Contratos de crédito aos consumidores

Ponto 4.1

Alterar.

Parecer da secção

Alteração

O CESE convida a Comissão a aprofundar a análise de algumas das novas definições, a fim de assegurar a clareza do texto. Por exemplo, a definição de credor deve ser revista a fim de assegurar que todas as empresas de crédito sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva e igualmente supervisionadas/licenciadas quando conduzem o mesmo tipo de atividade. Além disso, com o objetivo de assegurar condições equitativas de concorrência e proporcionar efetivamente aos consumidores o mesmo nível de proteção, todos os mutuantes, independentemente do seu estatuto jurídico de empresa, devem aplicar as mesmas regras e estar sujeitos às mesmas obrigações, incluindo no que diz respeito à apresentação de relatórios.

O CESE convida a Comissão a aprofundar a análise de algumas das novas definições, a fim de assegurar a clareza do texto. Por exemplo, a definição de credor deve ser revista a fim de assegurar que todas as empresas de crédito sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva e igualmente supervisionadas/licenciadas quando conduzem o mesmo tipo de atividade. Além disso, com o objetivo de assegurar condições equitativas de concorrência e proporcionar efetivamente aos consumidores o mesmo nível de proteção, todos os mutuantes, independentemente do seu estatuto jurídico de empresa, devem aplicar as mesmas regras e estar sujeitos às mesmas obrigações, incluindo no que diz respeito à apresentação de relatórios , exceto no caso de empréstimos sem custos, sempre que sejam cumpridas todas as disposições em matéria de proteção do consumidor .

Resultado da votação

Votos a favor:

88

Votos contra:

79

Abstenções:

21

ALTERAÇÃO 3 — TEXTO DE COMPROMISSO

Proposta por:

Bogdan PREDA

INT/956 — Contratos de crédito aos consumidores

Ponto 4.10

Parecer da secção

Alteração de compromisso

O CESE observa que, com base nos dados relativos à origem do sobre-endividamento, é evidente que os limites máximos aos custos dos empréstimos proporcionam benefícios concretos aos consumidores, especialmente aos mais vulneráveis .

O CESE observa que, com base nos dados relativos à origem do sobre-endividamento, a fixação de limites máximos aos custos dos empréstimos , a fim de evitar práticas tarifárias extremas, proporciona benefícios concretos aos consumidores vulneráveis , desde que esses limites sejam corretamente definidos após uma análise cuidadosa do mercado e do impacto potencial . Esta abordagem deve assegurar que as medidas beneficiam efetivamente os consumidores e não têm o efeito contrário.

Resultado da votação

Votos a favor:

82

Votos contra:

79

Abstenções:

17

ALTERAÇÃO 4 — TEXTO DE COMPROMISSO

Proposta por:

Bogdan PREDA

INT/956 — Contratos de crédito aos consumidores

Ponto 1.3

Parecer da secção

Alteração de compromisso

O CESE observa que, com base nos dados relativos à origem do sobre-endividamento, é evidente que os limites máximos aos custos dos empréstimos proporcionam benefícios concretos aos consumidores, especialmente aos mais vulneráveis . No entanto, uma proposta que vise a imposição de limites máximos aos custos dos créditos ao consumo deve ser mais pormenorizada e harmonizada na diretiva, de acordo com uma metodologia clara, a fim de assegurar condições de concorrência equitativas para os mutuantes de diferentes países.

O CESE observa que, com base nos dados relativos à origem do sobre-endividamento, a fixação de limites máximos aos custos dos empréstimos , a fim de evitar práticas tarifárias extremas, proporciona benefícios concretos aos consumidores vulneráveis , desde que esse limite seja corretamente definido após uma análise cuidadosa do mercado e do impacto potencial . Por conseguinte, o CESE observa que a diretiva em apreço deve prever uma metodologia clara e harmonizada a que os Estados-Membros possam recorrer para aplicar tais limites, a fim de prevenir e desencorajar práticas extremas que possam conduzir ao sobre-endividamento. Tal permitiria ainda assegurar condições de concorrência equitativas para os mutuantes de diferentes países.

Resultado da votação

Votos a favor:

88

Votos contra:

77

Abstenções:

15


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/99


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à segurança geral dos produtos, que altera o Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 87/357/CEE do Conselho e a Diretiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho

[COM(2021) 346 final — 2021/0170 (COD)]

(2022/C 105/15)

Relator:

Mordeschaj Martin SALAMON

Consulta

Parlamento Europeu, 13.9.2021

Conselho, 23.8.2021

Base jurídica

Artigo 114.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

30.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

231/0/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a proposta de regulamento relativo à segurança geral dos produtos (RSGP), uma vez que atualiza e pode melhorar a Diretiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (1) relativa à segurança geral dos produtos (DSGP) em vigor, especialmente no que diz respeito aos desafios e às transformações nos mercados e na tecnologia.

1.2.

O CESE constata que muitas das lições retiradas ao longo de 20 anos de aplicação da DSGP estão integradas no quadro proposto, o que permite esperar que os consumidores gozem de uma melhor proteção, principalmente quando os produtos se revelam perigosos. Simultaneamente, os operadores económicos e os mercados em linha beneficiarão, sem dúvida, de regras mais claras e harmonizadas.

1.3.

O CESE apoia a proposta de RSGP, uma vez que reconhece a necessidade de realinhar as condições de concorrência equitativas entre os diferentes operadores económicos, nomeadamente entre os fabricantes e PME da UE e as empresas de países terceiros no que respeita às vendas em linha.

1.4.

O CESE observa que as definições dos conceitos de «segurança» e «produto» foram atualizadas para refletir a natureza evolutiva dos mercados e da tecnologia, de modo que as ameaças à segurança decorrentes dos produtos conectados vulneráveis à pirataria informática, da falta de atualizações do software e das substâncias químicas nocivas possam agora ser atenuadas. A fim de aumentar a segurança jurídica, o CESE propõe reforçar a definição de produtos seguros e alguns dos critérios utilizados para avaliar a segurança.

1.5.

O CESE apoia as novas obrigações impostas aos mercados em linha, mas duvida fortemente que a proteção seja suficiente para os consumidores se os esforços de execução continuarem a recair principalmente sobre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei e não sobre as plataformas.

1.6.

O CESE destaca a necessidade de assegurar uma interação harmoniosa com os outros atos legislativos principais que abrangem tópicos idênticos ou conexos, como o Regulamento Serviços Digitais (RSD) e o Regulamento Mercados Digitais (RMD), bem como a próxima revisão da Diretiva Responsabilidade dos Produtos, especialmente no que diz respeito à responsabilização dos diferentes tipos de mercados em linha.

1.7.

O CESE lamenta que o RSGP não especifique que os mercados em linha são importadores ou distribuidores de produtos em função da sua atividade e do seu papel na cadeia de abastecimento (digital) e não lhes estabeleça deveres e responsabilidades semelhantes aos dos estabelecimentos tradicionais. O CESE acolheria com agrado maior clareza no que respeita à delimitação das responsabilidades.

1.8.

O CESE considera que os esforços de fiscalização do mercado devem ser alargados a todos os bens de consumo e devem ser partilhados, coordenados, bem financiados e racionalizados em toda a Europa.

1.9.

O CESE lamenta que os Estados-Membros não sejam obrigados a recolher e fornecer melhores dados em matéria de acidentes e lesões. Sem uma base de dados em matéria de lesões a nível da UE, será difícil garantir uma aplicação eficaz em termos de custos e, subsequentemente, realizar avaliações corretas do RSGP. O RSGP deve, por conseguinte, exigir que os Estados-Membros recolham e partilhem dados sobre lesões relacionadas com produtos de consumo, com base numa metodologia comum.

1.10.

O CESE acolheria favoravelmente a adoção de medidas destinadas a apoiar as PME e, em particular, as microempresas, a cumprir as suas obrigações, incluindo um período de apoio financeiro, com o fornecimento de orientações claras e úteis, aconselhamento e formação adequada, a fim de assegurar que as PME não sejam prejudicadas nos seus esforços de conformidade em comparação com os operadores de maior dimensão que dispõem de mais recursos.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

O RSGP (2) está em conformidade com a Nova Agenda do Consumidor de 2020 (3) e tem como objetivo:

atualizar e modernizar o quadro geral para a segurança dos produtos de consumo não alimentares;

preservar o seu papel enquanto rede de segurança para os consumidores;

adaptar as disposições aos desafios colocados pelas novas tecnologias e pelas vendas em linha; e

assegurar condições de concorrência equitativas para as empresas.

2.2.

Embora a proposta substitua (4) a DSGP, continuará a ser aplicável aos produtos de consumo não alimentares fabricados. O regulamento proposto também dará continuidade à DSGP ao:

exigir que os produtos de consumo sejam «seguros»;

estabelecer certas obrigações para os operadores económicos; e

prever disposições para a elaboração de normas que visam apoiar o requisito geral de segurança.

2.3.

O regulamento proposto visa atualizar as regras estabelecidas atualmente na Diretiva 2001/95/CE para garantir uma rede de segurança para todos os produtos e, ao mesmo tempo, assegurar que o regime proporciona uma maior coerência, alinhando as regras de fiscalização do mercado aplicáveis aos produtos que não se enquadram no âmbito de aplicação da legislação de harmonização da UE («produtos não harmonizados») com as regras aplicáveis aos produtos que se enquadram no âmbito de aplicação dessa mesma legislação («produtos harmonizados»), conforme estabelecido no Regulamento (UE) 2019/1020 do Parlamento Europeu e do Conselho (5).

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão de rever e modernizar a DSGP no âmbito da Nova Agenda do Consumidor para o período 2020-2025. A DSGP constituiu um marco da legislação relativa à defesa do consumidor no mercado único, exigindo que apenas fossem colocados no mercado produtos seguros e atuando como rede de segurança para os consumidores que não beneficiavam de uma legislação setorial mais específica. O RSGP preserva este papel fulcral.

3.2.

Tendo em conta a experiência adquirida com a aplicação da diretiva e as mudanças fundamentais que ocorreram nos produtos e mercados desde a sua adoção em 2001, a revisão já deveria ter sido efetuada há muito tempo. O CESE apoia a revisão porque, embora a diretiva tenha sido um instrumento importante para o estabelecimento de condições de concorrência equitativas entre os fabricantes e PME da UE e as empresas de países terceiros, é necessário prosseguir os esforços para alinhar as condições de concorrência, nomeadamente no que respeita às vendas em linha (uma necessidade reconhecida pelo RSGP).

3.3.

A natureza dos produtos vendidos aos consumidores evoluiu de forma significativa, o que significa que as antigas definições de «segurança» e de «produto» já não são válidas. A definição de segurança que abrange apenas «saúde» e «integridade física» já não corresponde aos riscos reais a que os consumidores podem estar expostos. O CESE congratula-se com a inclusão no artigo 7.o de uma série de aspetos para avaliar a segurança dos produtos. No entanto, lamenta que o artigo 3.o, n.o 2, não saliente claramente a sua ligação ao artigo 7.o, o que melhoraria a segurança jurídica.

3.4.

O CESE acolhe favoravelmente a ênfase colocada no conceito de «segurança» e a inclusão da «cibersegurança» como requisito para que um produto seja considerado «seguro». No entanto, a fim de aumentar a segurança jurídica, o CESE propõe que se determine que a cibersegurança seja avaliada em todas as circunstâncias e ao longo de todo o ciclo de vida do produto. Além disso, quando os produtos de uso quotidiano contêm substâncias químicas nocivas, a atual DSGP tem dificuldades em proteger os consumidores. O CESE considera óbvio e inevitável que qualquer futuro quadro regulamentar deve também proteger os consumidores contra ameaças à sua segurança causadas por produtos conectados vulneráveis à pirataria informática, pela falta de atualizações do software e por substâncias químicas nocivas, pelo que acolhe com agrado as alterações a este respeito.

3.5.

Apesar da existência de iniciativas de autorregulação para melhorar a proteção contra produtos perigosos vendidos em linha, um estudo recente (2020) (6) mostrou que dois terços dos 250 produtos adquiridos testados não cumpriam a legislação de segurança e as normas técnicas da UE, colocando os consumidores em risco. Este facto aponta para a necessidade de uma regulação eficaz em vez de uma autorregulação. O CESE apoia a adoção de regulamentação neste domínio e acolhe favoravelmente as novas obrigações impostas aos mercados em linha, embora advirta que podem não ser totalmente adequadas para proteger os consumidores, uma vez que grande parte da deteção e execução continua a recair sobre os responsáveis pela aplicação da lei e não sobre as plataformas. O CESE também lamenta que o RSGP não especifique que os mercados em linha são importadores (ou distribuidores, se for o caso) de produtos em função da sua atividade e do seu papel na cadeia de abastecimento (digital) e não lhes estabeleça deveres e responsabilidades semelhantes aos dos estabelecimentos tradicionais. O CESE solicita que a responsabilidade das plataformas seja esclarecida nos casos em que nenhum outro interveniente da cadeia de abastecimento tome medidas contra um produto perigoso.

3.6.

Os consumidores estão a efetuar cada vez mais transações comerciais em linha, além-fronteiras e através de cadeias de abastecimento mais longas e complexas. O regime atual de controlo do mercado dispõe de escassas competências internacionais e transfronteiriças e constitui um sistema heterogéneo mal financiado que abrange apenas alguns tipos de bens, o que indica claramente a necessidade de agir. O CESE considera que os esforços de fiscalização do mercado devem ser alargados a todos os bens de consumo e devem ser partilhados, coordenados, devidamente financiados e racionalizados em toda a Europa. O CESE acolhe com agrado a criação de um mecanismo de arbitragem, bem como o papel da Comissão no mesmo, para resolver diferenças de interpretação e/ou aplicação que possam persistir entre países. O CESE apoia também o desenvolvimento de fortes laços de cooperação a nível mundial e incentiva a participação em iniciativas internacionais.

3.7.

O RSGP só cumprirá o seu objetivo de defesa dos consumidores quando interagir de forma harmoniosa com os outros atos legislativos principais que abrangem tópicos idênticos ou conexos. Em particular no que diz respeito à questão da responsabilização dos diferentes tipos de mercados em linha, qualquer versão bem-sucedida do RSGP deverá ser coordenada com o RSD e com a Diretiva Responsabilidade dos Produtos, e exigirá os ajustamentos correspondentes destes atos legislativos. Cumpre também assegurar a coerência com a proposta legislativa relativa à inteligência artificial, a estratégia para os produtos químicos e o Plano de Ação para a Economia Circular. Embora estas ligações sejam claramente reconhecidas no RSGP, o CESE acolheria com agrado detalhes mais específicos sobre a interoperabilidade dos vários atos legislativos para assegurar uma proteção eficaz no terreno. Seria inaceitável que subsistissem lacunas. O CESE apela igualmente para que seja dada atenção às iniciativas internacionais, como as da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), no que respeita à cooperação internacional, incentivando a liderança da UE neste domínio.

3.8.

A DSGP foi elaborada com base no princípio da precaução e o CESE congratula-se com o facto de este continuar a ser um pilar da arquitetura do RSGP. Este princípio permite a adoção dos mais elevados níveis de defesa do consumidor. O CESE considera que o princípio da precaução é fundamental para garantir a defesa do consumidor, proporcionando simultaneamente um conceito flexível que permite que o RSGP se adapte aos novos desafios. Por conseguinte, devem sempre ser tomadas medidas de precaução quando os dados científicos sobre um perigo para o ambiente ou para a saúde humana são incertos, mas os riscos são elevados. Tal torna também a rede de segurança da DSGP mais eficaz, fornecendo soluções quando existe um risco para os consumidores e a legislação setorial específica apresenta lacunas. A aplicação do princípio da precaução torna igualmente a fiscalização do mercado mais completa.

4.   Observações na especialidade

O CESE:

4.1.

apoia a transformação da DSGP num regulamento, uma vez que é uma opção que permite uma aplicação mais rápida e coerente em toda a UE. Embora a utilização de uma diretiva permitisse adaptar as regras à legislação local, aumentaria os custos de conformidade e a insegurança para as empresas que operam além-fronteiras ou que produzem para vários mercados. Até à data, a experiência revela que duas em cada cinco empresas indicam ter custos adicionais relacionados com a aplicação não uniforme da DSGP (7);

4.2.

congratula-se com o âmbito mais claro e amplo da legislação, nomeadamente a clarificação e a introdução de mercados secundários (considerando 16), a clarificação de que o risco para o ambiente deve fazer parte da avaliação da segurança de um produto (considerando 11) e a inclusão de prestadores de serviços de execução no âmbito de aplicação do regulamento, permitindo uma fiscalização mais eficaz do mercado;

4.3.

acolhe com agrado as obrigações específicas que o RSGP estabelece para os mercados em linha. No entanto, adverte para a necessidade de colmatar as lacunas. As obrigações devem ser definidas com maior precisão e, em particular, importa considerar a possibilidade de aplicar o artigo 5.o aos mercados em linha e de aumentar a sua responsabilidade para o nível de um importador (ou distribuidor, se for o caso), a fim de evitar que as plataformas contornem o RSGP e a atual proposta de RSD. Recomenda que os mercados em linha tenham também a obrigação de controlar (notificação e retirada) os produtos vendidos através dos seus intermediários, conforme introduzido no RSD, a fim de eliminar o ónus da notificação e retirada por parte das autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei. Seria igualmente bem acolhida uma clarificação sobre a forma como as obrigações estabelecidas no RSD serão aplicadas a título adicional ou complementar ao RSGP;

4.4.

apoia os requisitos mais rigorosos em matéria de rastreabilidade e salienta que os Estados-Membros devem ter à sua disposição os instrumentos adequados para assegurar uma rastreabilidade eficaz. A este respeito, as novas competências da Comissão para adotar medidas de execução e estabelecer requisitos específicos de rastreabilidade também reforçam potencialmente a defesa do consumidor;

4.5.

apoia o reforço dos processos de recolha, mas considera que a publicação dos avisos de recolha deve ser sempre obrigatória. Nos casos em que os consumidores compraram um artigo e o ofereceram, ou o compraram num mercado de segunda mão, um sistema de avisos diretos de recolha dirigidos aos compradores, que noutros casos funciona, poderia não ser eficaz porque o utilizador efetivo do produto não recebe o aviso direto de recolha;

4.6.

lamenta que os Estados-Membros não tenham obrigação de recolher e fornecer melhores dados sobre acidentes e lesões, quando uma base de dados sobre lesões a nível da UE facilitaria uma aplicação eficaz em termos de custos e, subsequentemente, permitiria realizar avaliações corretas do RSGP. A utilização de dados do sistema comunitário de troca rápida de informação (RAPEX) para medir a quantidade de lesões sofridas pelos consumidores é problemática, uma vez que os grupos de produtos relacionados com o maior número de lesões não mostram uma correlação significativa com as notificações no RAPEX. Este problema foi também assinalado no estudo preliminar para a avaliação de impacto, que concluiu que os dados do RAPEX não podem ser considerados representativos das tendências de segurança dos produtos de consumo (8). O RSGP deve, por conseguinte, exigir que os Estados-Membros recolham e partilhem dados sobre lesões relacionadas com produtos de consumo, com base numa metodologia comum, a fim de criar uma base de dados representativa que abranja o mercado único. O Programa a favor do Mercado Único poderia proporcionar uma base financeira sólida para a vigilância pan-europeia de lesões relacionadas com os produtos. A transferência deste ónus para os operadores económicos, como previsto na proposta, sem uma estratégia de execução pan-europeia clara, é suscetível de produzir resultados insatisfatórios;

4.7.

considera que o RSGP deve permitir o estabelecimento de critérios de segurança química para os produtos abrangidos pelo seu campo de aplicação. A DSGP atual não estabelece o que é um produto «seguro» em relação às substâncias químicas. Não é claro se o regulamento proporcionará mais clareza a este respeito. Por exemplo, a UE proíbe as substâncias químicas cancerígenas em brinquedos, mas não em artigos de puericultura, embora o risco de exposição seja muitas vezes semelhante. O objetivo da Comissão de rumar a um ambiente sem substâncias tóxicas, expresso na Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos e apoiado pelo CESE (9), deve ser cumprido no âmbito da aplicação do RSGP (10);

4.8.

apoia o facto de que os riscos de cibersegurança que afetam a segurança dos consumidores serão agora abrangidos pelo conceito de segurança. Tal inclui a introdução oportuna do conceito de «conformidade em utilização» — dado que as atualizações de software alteram o produto, este deve ser examinado ao longo do tempo. Este aspeto está a tornar-se cada vez mais importante, à medida que aumenta o número de produtos de consumo conectados, o que aumenta os riscos de pirataria informática e utilização indevida, o que acarreta riscos para a segurança. No entanto, as definições de produto seguro devem fazer uma referência clara a esses requisitos e critérios;

4.9.

considera que a fiscalização do mercado deve, tanto quanto possível, estar ao mesmo nível em todos os setores. Neste caso, as alterações devem ser cuidadosamente analisadas para assegurar que as autoridades responsáveis pela aplicação da lei (em todos os setores abrangidos) tenham à sua disposição uma caixa de ferramentas adequada e que também exista uma forte ligação com a união aduaneira. Embora seja bem acolhida a ênfase na fiscalização do mercado com base no risco, será crucial que as autoridades também realizem verificações aleatórias adequadas para otimizar a proteção e evitar danos aos consumidores. Caso contrário, os produtos perigosos não conhecidos como tal só serão detetados depois de terem causado danos aos consumidores;

4.10.

considera que as definições, os termos e os sistemas devem ser coerentes entre os vários instrumentos de segurança dos produtos, permitindo simultaneamente as variações necessárias consoante a categoria individual do produto (brinquedos, cosméticos, eletrónica, etc.);

4.11.

congratula-se com o facto de as definições de normas de segurança ao longo do processo de normalização serem reforçadas, por forma que as normas sejam elaboradas atempadamente e com a possibilidade de os Estados-Membros se oporem àquelas que não garantem a segurança dos consumidores e que, por conseguinte, não cumprem o mandato conferido. A fim de assegurar que a normalização satisfaz as necessidades dos consumidores e não é utilizada para excluir os pequenos intervenientes do mercado, é muito importante prestar um apoio constante à representação efetiva do setor dos consumidores e das PME na normalização europeia (11);

4.12.

congratula-se com o facto de as obrigações estabelecidas no RSGP se aplicarem a todas as empresas, independentemente da sua dimensão, ancorando o princípio de que a segurança não pode estar sujeita a regimes «simplificados» e de que todos os produtos de consumo devem ser seguros. Lamenta, contudo, que os pontos de vista das PME tenham sido sub-representados na fase de consulta, agravando as distorções já existentes no mercado. Observa ainda que os valores da avaliação de impacto que constam do capítulo 3, consagrado ao impacto financeiro, são aproximativos. A fim de evitar distorções futuras, o CESE recomenda que os indicadores-chave de desempenho para a apresentação de relatórios anuais pelos Estados-Membros (nos termos do artigo 22.o, n.o 1) quantifiquem os impactos nas PME e nas microempresas;

4.13.

reconhece que as PME e, em particular, as microempresas, podem ser desproporcionalmente afetadas por essas medidas devido a um volume de negócios inferior e a um menor capital humano para aplicar as obrigações (12). Congratula-se com o facto de o quadro legislativo em vigor abordar algumas das suas necessidades específicas, nomeadamente através de: um regime de sanções que tem em consideração a dimensão da empresa na imposição de sanções [artigo 40.o, n.o 2, alínea h)] e defende sanções proporcionadas; e um sistema de fiscalização do mercado baseado no risco que não prejudica as empresas mais pequenas (13). Contudo, o CESE acolheria favoravelmente a adoção de medidas destinadas a apoiar as PME e, em particular, as microempresas, a cumprir as suas obrigações, incluindo um período de apoio financeiro, com o fornecimento de orientações claras e úteis, aconselhamento e formação adequada, a fim de assegurar que as PME não sejam prejudicadas nos seus esforços de conformidade em relação aos operadores de maior dimensão que dispõem de mais recursos;

4.14.

congratula-se com o facto de todos os consumidores poderem ter acesso a informações sobre a identificação do produto, a natureza do risco e as medidas tomadas (14), nomeadamente consultando o portal «Safety Gate» (15), mas adverte que tal não deve abrir o caminho para exigir que os consumidores atenuem os seus riscos, adquirindo estes conhecimentos antes de uma compra [no contexto que pode ser interpretado como «nível de segurança com que os consumidores podem razoavelmente contar» (artigo 7.o, n.o 3, alínea i)]. Além disso, as bases de dados e as notificações devem ser facilmente acessíveis aos consumidores vulneráveis e aos consumidores com deficiência;

4.15.

observa que o artigo 8.o, n.o 11, exige que os fabricantes utilizem o Portal para Empresas relativo a Segurança para alertar imediatamente os consumidores sobre os riscos para a sua saúde e a segurança e informar as autoridades de fiscalização do mercado. Reitera que o regulamento deve garantir especificamente que o facto de esta informação ser disponibilizada não impõe, direta ou indiretamente, aos consumidores a obrigação de consultar a base de dados, o que pode contribuir para determinar se um produto é ou não perigoso. Além disso, as notificações devem ser facilmente acessíveis aos consumidores vulneráveis e aos consumidores com deficiência;

4.16.

acolheria com agrado uma delimitação mais clara e informações detalhadas sobre a diferença entre o portal «Safety Gate» (previsto no artigo 24.o, e no qual os Estados-Membros emitem notificações) e o Portal para Empresas relativo a Segurança (previsto no artigo 25.o, e no qual os operadores económicos fornecem às autoridades responsáveis pela aplicação da lei e aos consumidores informações sobre a segurança dos seus produtos) e à forma como esses portais podem interagir;

4.17.

congratula-se com a possibilidade de os consumidores apresentarem reclamações às autoridades nacionais (16), bem como de informarem o portal «Safety Gate» sobre os riscos (17), que devem ser acompanhados. Solicita que se conceda financiamento adequado para investigar devidamente todas essas reclamações e, assim, ajudar a proteger os consumidores de forma eficiente. Congratula-se com a combinação deste mecanismo de reclamação com a necessidade de os fabricantes investigarem as reclamações recebidas (artigo 8.o, n.o 2) e de tomarem medidas corretivas quando considerarem ou tiverem motivos para crer que um produto que colocaram no mercado pode ser perigoso (artigo 8.o, n.o 10).

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Diretiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos (JO L 11 de 15.1.2002, p. 4).

(2)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à segurança geral dos produtos, que altera o Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 87/357/CEE do Conselho e a Diretiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho [2021/0170 (COD)].

(3)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho «Nova Agenda do Consumidor — Reforçar a resiliência dos consumidores para uma recuperação sustentável» [COM(2020) 696 final].

(4)  Considerando 2, RSGP.

(5)  Regulamento (UE) 2019/1020 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à fiscalização do mercado e à conformidade dos produtos e que altera a Diretiva 2004/42/CE e os Regulamentos (CE) n.o 765/2008 e (UE) n.o 305/2011 (JO L 169 de 25.6.2019, p. 1).

(6)  https://www.beuc.eu/publications/beuc-x-2021-004_is_it_safe_to_shop_on_online_marketplaces.pdf, p. 15.

(7)  RSGP, p. 13.

(8)  https://ec.europa.eu/info/files/study-support-preparation-evaluation-gpsd-well-impact-assessment-its-revision-part-1-evaluation_en, p. 40.

(9)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 181.

(10)  https://webapi2016.eesc.europa.eu/v1/documents/eesc-2020-05343-00-00-ac-tra-pt.docx/content

(11)  JO L 316 de 14.11.2012, p. 12, anexo III.

(12)  «Study to support the preparation of an evaluation of the General Product Safety Directive as well as of an impact assessment on its potential revision» [Estudo de apoio à preparação de uma avaliação da Diretiva relativa à segurança geral dos produtos, bem como de uma avaliação de impacto sobre a sua eventual revisão], p. 11 e p. 320. Ver também a proposta de regulamento [COM(2021) 346 final], p. 13.

(13)  JO L 316 de 14.11.2012, p. 12, anexo III.

(14)  Artigo 31.o.

(15)  Artigo 32.o, n.o 1.

(16)  Artigo 31.o, n.o 4.

(17)  Artigo 32.o, n.o 2.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/105


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Conselho que suspende temporariamente os direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas Ilhas Canárias

[COM(2021) 392 final — 2021/0209 (CNS)]

(2022/C 105/16)

Relator:

Tymoteusz Adam ZYCH

Consulta

Conselho, 15.9.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

21.9.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

101/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE apoia a proposta da Comissão Europeia, dada a sua importância socioeconómica elevada para a região e a capacidade da UE para a adotar, à luz da sua competência para regulamentar os direitos aduaneiros.

1.2.

Além das categorias de produto já abrangidas pelo Regulamento (UE) n.o 1386/2011 da Comissão (1), a proposta é aplicável a sete novas categorias de produto com os códigos NC 3903 19, 5603 94, 5604 10, 7326 90, 7607 20, 8441 40 e 8479 90 (máquinas para fins industriais e matérias-primas).

1.3.

A manutenção da suspensão dos direitos aduaneiros sobre as importações de um determinado número de produtos industriais e o alargamento das categorias a que se aplica afiguram-se benéficos para a economia das Ilhas Canárias, que sofreu prejuízos económicos específicos devido à pandemia de COVID-19 em comparação com outras regiões da União, nomeadamente no que diz respeito ao volume do PIB interno.

1.4.

A instituição de controlos de utilização final, em conformidade com as regras do Código Aduaneiro da União e respetivas disposições de aplicação, é um procedimento que já existe neste contexto e que não cria encargos administrativos adicionais significativos para os órgãos de poder local e regional nem para os operadores económicos.

1.5.

O CESE salienta que tanto a adoção de novas soluções jurídicas como a continuação das existentes para apoiar as regiões ultraperiféricas são essenciais para o respetivo crescimento económico, para o equilíbrio do mercado interno e para a criação de emprego no setor local.

1.6.

No entender do CESE, a suspensão proposta deve ser estabelecida por um período plurianual a fim de permitir às empresas tomar decisões de investimento a longo prazo.

2.   Introdução

2.1.

As Ilhas Canárias, uma das comunidades autónomas de Espanha, perfazem uma área total de aproximadamente 7 446,95 km2 e formam um arquipélago no oceano Atlântico composto por treze ilhas afastadas cerca de 1 000 km da costa da Península Ibérica. Constituem uma das regiões periféricas da União Europeia que fazem parte do grupo das regiões ultraperiféricas e que, juntamente com os arquipélagos das Ilhas Selvagens, de Cabo Verde, da Madeira e dos Açores, formam uma área geográfica denominada Macaronésia.

2.2.

Atualmente, a população ronda os 2 175 952 habitantes, sendo Tenerife (904 713) e a Gran Canária (846 717), que albergam mais de 80 % da população total, as duas ilhas mais populosas. A concentração populacional tão elevada em apenas duas das treze ilhas é responsável por uma parte dos problemas socioeconómicos da região, incluindo a sua taxa elevada de emigração.

3.   Objetivo da proposta da Comissão

3.1.

O CESE recorda que, nos termos do artigo 349.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o Regulamento (UE) n.o 1386/2011 determinou a suspensão temporária dos direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas Ilhas Canárias, enquanto medida específica aplicável a uma das regiões ultraperiféricas da União Europeia.

3.2.

As medidas previstas no Regulamento (UE) n.o 1386/2011, destinadas a reforçar a competitividade dos operadores económicos locais e a assegurar assim um emprego mais estável nestas ilhas, caducam em 31 de dezembro de 2021. Em abril de 2021, o Governo espanhol solicitou a prorrogação da suspensão dos direitos autónomos da Pauta Aduaneira Comum aplicáveis a um determinado número de produtos. De acordo com esse pedido, os condicionalismos enfrentados pela região, sendo estruturais e permanentes, continuam a estar relacionados com o isolamento, a pequena dimensão do mercado e a sua fragmentação. As ilhas também não podem beneficiar da integração europeia ao mesmo nível que as regiões continentais. O regime de suspensão previsto na proposta destina-se a reduzir estes condicionalismos no mercado das Ilhas Canárias. Além disso, em virtude da crise económica provocada pela pandemia de COVID-19, o Governo espanhol solicitou ainda a suspensão dos direitos da Pauta Aduaneira Comum aplicáveis a sete novas categorias de produto.

3.3.

O objetivo da proposta da Comissão é apoiar as regiões ultraperiféricas espanholas no desenvolvimento dos seus ativos, a fim de permitir o crescimento e a criação de emprego no setor local. A proposta em apreço complementa o Programa de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e à Insularidade (POSEI), destinado a apoiar o setor primário e a produção de matérias-primas, o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) e o financiamento da dotação específica adicional do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).

3.4.

A proposta da Comissão está em consonância com as políticas da União, sobretudo no que diz respeito à política global para as regiões ultraperiféricas e no domínio do comércio internacional, da concorrência, do ambiente, das empresas, do desenvolvimento e das relações externas.

3.5.

A proposta em apreço permitirá aos operadores económicos importar determinadas matérias-primas, componentes, peças e bens de equipamento com isenção de direitos entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2031, graças à suspensão temporária dos direitos aduaneiros.

4.   Observações gerais

4.1.

O CESE saúda a proposta de alteração do regulamento do Conselho em vigor e observa que as medidas específicas nela previstas podem ser adotadas sem pôr em causa a integridade e a coerência da ordem jurídica da União, incluindo o mercado interno e as políticas comuns. Na opinião do CESE, esta mudança contribuirá para melhorar o equilíbrio do mercado interno.

4.2.

O CESE já salientou por diversas vezes que a situação das regiões insulares é consideravelmente mais difícil do que no resto da União, especialmente em comparação com o continente, uma vez que sofrem limitações geográficas, demográficas e ambientais graves e permanentes, como por exemplo: o afastamento do continente; a superfície limitada; a dependência dos transportes marítimo e aéreo, incluindo os seus custos mais elevados; o declínio demográfico e a situação difícil do mercado de trabalho; a concentração da produção nas pequenas e microempresas menos resistentes ao dinamismo das mudanças económicas do que as empresas de maior dimensão; e o aproveitamento limitado das oportunidades do mercado único europeu e da competitividade das relações económicas.

4.3.

Os meios de transporte limitados e os custos acrescidos de distribuição de mercadorias conduzem a um custo de produção mais elevado para as empresas do que aconteceria se exercessem a sua atividade económica no continente, o que reduz de imediato a sua competitividade. Essa situação cria dificuldades para as empresas locais encontrarem clientes fora das fronteiras domésticas e força o setor industrial a concentrar a produção no mercado local. O CESE considera que a política aduaneira da União deve ter em conta a situação económica difícil das regiões insulares e adotar medidas adequadas para melhorar as suas oportunidades e competitividade em relação aos setores estabelecidos no continente.

4.4.

O CESE destaca que o turismo é um fator essencial para a estabilidade económica em muitas regiões insulares, sendo igualmente o principal recurso económico das Ilhas Canárias. Em 2018, a percentagem das entradas do turismo no PIB das Ilhas Canárias elevou-se a 28 %, denotando uma tendência ascendente. Em 2017, o número de turistas que chegaram ao arquipélago das Canárias esteve muito próximo de ultrapassar a barreira dos 16 milhões, tendo superado em cerca de um milhão os números de 2016, enquanto 15,11 milhões de turistas visitaram as Ilhas Canárias em 2019.

4.5.

Embora o desenvolvimento do turismo seja responsável pelo crescimento económico, importa igualmente recordar as desvantagens de assentar a economia neste setor, como demonstrado pelo surto da pandemia de COVID-19. De acordo com dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística espanhol, o número de turistas estrangeiros nas Ilhas Canárias diminuiu mais de 70 % em 2020, período em que apenas 3,78 milhões de pessoas visitaram o arquipélago. As receitas da região provenientes do turismo caíram na mesma percentagem, cujo volume no ano passado não ultrapassou os 4 mil milhões de euros. A maior diminuição registou-se em Lanzarote (73,7 %), enquanto a menor diminuição foi em Tenerife (66,4 %). O abrandamento da atividade turística nas Ilhas Canárias em 2020 levou a uma queda estimada de cerca de 20 % do PIB. Verificou-se ainda uma contração da atividade industrial e da construção, com uma descida estimada de 13 % em relação a 2019. Cabe sublinhar que os efeitos da crise sanitária mundial terão consequências a longo prazo — o turismo europeu deverá manter-se abaixo dos níveis de 2019 até 2023 (2).

4.6.

A taxa de desemprego também aumentou significativamente nas Ilhas Canárias em resultado da crise da COVID-19. No primeiro trimestre de 2020, situava-se nos 18,89 %, mas ao longo do ano subiu para 25,42 %, muito acima das médias nacional e da União de 15,5 % e 7,1 %, respetivamente (Eurostat, 2021).

4.7.

O CESE observa que a proposta em apreço é coerente com a política prosseguida pela União, em que um dos principais objetivos consiste em assegurar a coesão territorial, económica e social e procurar reforçar a União através de uma gestão eficaz das políticas económicas, de modo que as regiões ultraperiféricas beneficiem das mesmas oportunidades de desenvolvimento e de acesso a melhores condições de vida. Em conformidade com o artigo 174.o do TFUE, as regiões insulares foram reconhecidas como regiões desfavorecidas que requerem especial atenção.

4.8.

O CESE salienta igualmente que o aumento dos preços da energia nos últimos dois anos e o seu impacto nos custos globais dos transportes contribuíram indubitavelmente para um maior declínio da competitividade da indústria nas regiões insulares. Além disso, os benefícios da suspensão pautal autónoma em aplicação desde 1991 tornaram-se menos eficazes. Consequentemente, a indústria local tornou-se menos competitiva em relação aos seus concorrentes em Espanha e nos demais territórios continentais da União. Ciente das especificidades geográficas e económicas da região das Canárias, o CESE entende que cabe apoiar medidas destinadas a atenuar os efeitos negativos das suas limitações.

4.9.

O CESE observa que a solução proposta pode contribuir de forma significativa para preservar a estabilidade económica desta parte da União Europeia e que a sua supressão teria um efeito inflacionista no mercado, o que comprometeria, a longo prazo, a já moderada base industrial das ilhas, aumentando, por conseguinte, as disparidades relativamente às demais regiões da UE.

4.10.

Na opinião do CESE, cumpre também apoiar a solução já por várias vezes aplicada de condicionar a utilização das medidas pautais ao destino final dos produtos, de modo que apenas os operadores económicos localizados nas Ilhas Canárias possam beneficiar das mesmas.

4.11.

No entanto, o CESE chama a atenção para a possível emergência de dificuldades nas transações comerciais na região das Canárias — que se podem mesmo estender a toda a UE — devido à falta de definição do termo «desvio do comércio» utilizado no artigo 4.o, n.o 1, do regulamento objeto do presente parecer. O aparecimento de «desvios do comércio» habilita a Comissão a levantar temporariamente a suspensão dos direitos autónomos, o que acarreta graves consequências económicas para a região e para as empresas locais. O CESE chama a atenção para a necessidade de uma definição precisa deste termo, tanto qualitativa como quantitativamente.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Regulamento (UE) n. o 1386/2011 do Conselho, de 19 de dezembro de 2011, que suspende temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum sobre as importações de um determinado número de produtos industriais nas Ilhas Canárias (JO L 345 de 29.12.2011, p. 1).

(2)  https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/126/tourism


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/108


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho «Estratégia para um espaço Schengen plenamente funcional e resiliente»

[COM(2021) 277 final]

e a proposta de Regulamento do Conselho relativo à criação e ao funcionamento de um mecanismo de avaliação e de monitorização para verificar a aplicação do acervo de Schengen e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1053/2013

[COM(2021) 278 final — 2021/0140 (CNS)]

(2022/C 105/17)

Relator:

Ionuț SIBIAN

Consulta

Comissão Europeia, 10.8.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do TFUE

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

232/1/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a estratégia da Comissão para um espaço Schengen plenamente funcional e resiliente.

1.2.

O Comité reafirma o seu total apoio, tal como expresso na sua resolução de 17 de fevereiro de 2016, aos princípios subjacentes à cooperação Schengen: o exercício sem entraves das liberdades fundamentais consagradas nos Tratados, num espaço comum de liberdade, segurança e justiça, e a necessidade de reforçar a responsabilidade conjunta e a solidariedade na gestão das fronteiras externas.

1.3.

O Comité reitera que, na elaboração e implementação da política da UE em matéria de gestão das fronteiras, interoperabilidade, gestão da migração e do asilo e cooperação policial e judiciária penal, a UE e os Estados-Membros encontram-se sempre vinculados pela Carta dos Direitos Fundamentais, cujas disposições são obrigados não só a respeitar mas também a promover.

1.4.

O Comité está profundamente preocupado com as denúncias de violações dos direitos fundamentais nas fronteiras externas da UE e apela à Comissão e à Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) para que corrijam, monitorizem e deem seguimento, sem demora, às denúncias de violações dos direitos fundamentais e assegurem a aplicação eficaz dos mecanismos de responsabilização estabelecidos no Regulamento relativo à Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira. O Comité solicita o reforço do Fórum Consultivo sobre Direitos Fundamentais e a participação da sociedade civil organizada nesse fórum, através do CESE.

1.5.

O Comité manifesta a sua preocupação com a reintrodução semipermanente dos controlos fronteiriços em partes das fronteiras internas dos Estados-Membros e com o impacto económico e social negativo desta situação nos cidadãos da UE, nas empresas e, em particular, nos trabalhadores fronteiriços, nas comunidades fronteiriças e nas eurorregiões. Apela à Comissão para monitorizar e avaliar cuidadosamente e com periodicidade a necessidade e a proporcionalidade destas reposições e a tomar medidas sempre que necessário. Aplaude a intenção anunciada da Comissão de utilizar mais prontamente os seus poderes de execução sempre que as avaliações de Schengen possam dar origem a tal ação.

1.6.

O Comité expressa a sua preocupação com a contínua exclusão dos Estados-Membros Chipre, Roménia, Bulgária e Croácia da plena aplicação do acervo de Schengen. Juntamente com a Comissão, apela a uma ação rápida e decisiva do Conselho a este respeito.

1.7.

O Comité observa que muitos dos elementos que são partes constituintes da estratégia ainda permanecem como propostas legislativas. Deseja salientar que emitiu pareceres específicos sobre algumas dessas propostas, nomeadamente sobre o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo e a interoperabilidade. O Comité solicita à Comissão que tome a devida nota destes pareceres.

1.8.

O Comité observa que muitos dos elementos do pacto dependem da aplicação atempada da legislação recentemente adotada, muito especialmente do Regulamento Interoperabilidade e do Regulamento relativo à Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira 2.0. Exprime a sua preocupação com os progressos realizados a este respeito e apela à Comissão para que acompanhe de perto eventuais atrasos e derrapagens do orçamento, exortando a uma correção eficaz dos mesmos.

1.9.

O Comité considera positivas as propostas de melhoria do funcionamento do mecanismo de avaliação de Schengen, em particular as que visam garantir um seguimento mais rápido, reforçar as sinergias com o mecanismo de avaliação da vulnerabilidade e dar uma ênfase acrescida e mais transversal aos direitos humanos, nomeadamente através do papel previsto para a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Não obstante, importa assegurar que o mecanismo de avaliação de Schengen não se traduz na politização de questões de natureza mais técnica.

1.10.

O Comité entende que o Fórum Schengen pode dar um impulso político à salvaguarda e ao desenvolvimento do espaço Schengen, mas adverte que o fórum não deve implicar um regresso ao passado intergovernamental de Schengen, cujo funcionamento foi prejudicado pelo intergovernamentalismo e pela falta de transparência. Outras instituições da UE, assim como o Comité, devem estar sempre a par da informação atualizada e devem poder assistir como participantes.

1.11.

O Comité entende que os domínios conexos da cooperação policial e da cooperação judiciária em matéria penal, incluindo a melhoria da cooperação na prevenção do terrorismo, são da maior importância para a confiança dos cidadãos da UE e dos Estados-Membros no espaço Schengen. Essa cooperação exige, em todos os momentos, o pleno respeito pelos direitos fundamentais em todos os Estados-Membros, incluindo a salvaguarda de um sistema judicial independente, a fim de permitir que os instrumentos de confiança mútua, como o mandado de detenção europeu, funcionem adequadamente.

1.12.

O Comité tem a firme convicção de que a cooperação com países terceiros não deve concentrar-se exclusivamente no controlo da migração e do asilo, mas deve também constituir uma verdadeira parceria destinada a melhorar a posição dos migrantes e refugiados também nos países terceiros, em particular a situação das vítimas do tráfico de seres humanos, e deve procurar abordar as causas profundas da migração, promovendo uma migração segura e ordenada.

1.13.

Tal como salientado pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, no seu discurso sobre o estado da União de 2021, é extremamente importante chegar a acordo sobre um sistema europeu comum de gestão das nossas fronteiras externas, da migração e do asilo, a fim de não permitir que países terceiros tirem partido da falta de unidade.

2.   Contexto

2.1.

Em 1985, vários Estados-Membros firmaram o Acordo de Schengen a nível internacional, tomando a decisão de suprimir todos os controlos fronteiriços nas suas fronteiras internas. A Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 1990, previa as «medidas de acompanhamento» necessárias, com o objetivo de compensar as externalidades resultantes da supressão dos controlos.

2.2.

O Tratado de Amesterdão integrou o acervo de Schengen na ordem jurídica da União e regulamentou a posição especial do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca.

2.3.

A celebração de acordos bilaterais com a Noruega, a Islândia, a Suíça e o Listenstaine permitiu a participação destes países na cooperação Schengen.

2.4.

A Bulgária, a Roménia e a Croácia participam em partes do acervo de Schengen, mas o levantamento dos controlos nas suas fronteiras internas exige uma decisão unânime do Conselho. O Conselho recusou-se a tomar essa decisão apesar de a Comissão ter considerado que estes países estão tecnicamente prontos.

2.5.

Desde que foi incorporado na ordem jurídica da União, o acervo de Schengen tem evoluído progressivamente, nomeadamente com a adoção do Código das Fronteiras Schengen, do Código de Vistos e do Regulamento relativo à Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira. A cooperação no domínio das fronteiras, vistos, migração e asilo é apoiada por vários sistemas informáticos de grande escala para o intercâmbio de informações (SIS, VIS, Eurodac, SES, ETIAS, sistema ECRIS-TCN), que atualmente são interoperáveis.

2.6.

Embora a responsabilidade seja partilhada, cada Estado-Membro permanece responsável pelas suas partes respetivas das fronteiras externas, o que significa que as deficiências na gestão das fronteiras externas num Estado-Membro são suscetíveis de ter sérias repercussões em todo o espaço de liberdade, segurança e justiça.

2.7.

Nos últimos cinco anos, o espaço Schengen tem estado sob considerável pressão, em resultado da reintrodução repetida e continuada dos controlos nas fronteiras internas por parte de alguns Estados-Membros. Este regresso ao controlo nas fronteiras ocorreu em resposta ao fluxo de refugiados e à situação da migração em 2015, bem como à ameaça de violência terrorista na Europa.

2.8.

A pandemia de COVID-19 levou a mais encerramentos de fronteiras e restrições à livre circulação de pessoas.

2.9.

Em resposta à situação de crise dos refugiados e da migração em 2015, a Frontex, Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia, foi objeto de reforma e passou a designar-se Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira em 2016, sendo novamente reforçada em 2019.

2.10.

No Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, a Comissão Europeia afirmava que «a gestão integrada das fronteiras é um instrumento estratégico indispensável» para a integridade do espaço Schengen, bem como «uma componente essencial de uma política de migração abrangente». Além disso, anunciou uma estratégia específica para o futuro de Schengen, que foi publicada em 2 de junho de 2021.

2.11.

O objetivo da estratégia é tornar o espaço Schengen mais forte e mais resiliente. Faz o balanço dos desafios enfrentados pelo espaço Schengen nos últimos anos, nomeadamente durante a crise pandémica, e traça um caminho a seguir que mantém as vantagens do espaço Schengen.

2.12.

A estratégia tem por objetivo:

1)

assegurar uma gestão eficaz das fronteiras externas da UE;

2)

reforçar o espaço Schengen internamente;

3)

melhorar a capacidade de preparação e a governação;

4)

completar o espaço Schengen.

2.13.

A nova estratégia é acompanhada pela proposta de regulamento do Conselho que cria um mecanismo de avaliação e de monitorização para verificar a aplicação do acervo de Schengen e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1053/2013 (1).

2.14.

A Comissão propõe uma revisão do mecanismo de avaliação e monitorização de Schengen. Entre as alterações destacam-se a aceleração do processo de avaliação e o estabelecimento de um procedimento acelerado em caso de deficiências significativas que possam colocar em risco o espaço Schengen no seu conjunto.

3.   Observações gerais

3.1.   Gestão moderna e eficaz das fronteiras externas

3.1.1.

O Comité apoia a rápida adoção de um ciclo estratégico plurianual de políticas para a gestão europeia integrada das fronteiras como parte do sistema de gestão integrada previsto no artigo 77.o, n.o 2, alínea d), do TFUE. O Comité pede para ser consultado sobre esta estratégia antes da sua adoção (2).

3.1.2.

O Comité continua a defender uma Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira eficaz e a criação do respetivo instrumento operacional. Vê, no entanto, com alguma preocupação, os progressos realizados a este respeito. Em particular, aponta para as recentes conclusões do Tribunal de Contas Europeu, segundo as quais a agência não cumpriu plenamente o seu mandato de 2016 e houve vários riscos e deficiências em relação à execução do seu mandato de 2019 (3).

3.1.3.

O Comité manifesta particular preocupação com as denúncias de violações dos direitos fundamentais durante as atividades operacionais coordenadas pela Frontex e o conhecimento das mesmas por parte da agência, tal como divulgado por diversos meios de comunicação social e ONG e debatido no relatório do Grupo de Trabalho para o Escrutínio da Frontex da Comissão LIBE. Expressa a sua satisfação com a recente nomeação de um novo provedor de direitos fundamentais, bem como com o processo de recrutamento em curso de agentes de controlo dos direitos fundamentais; sublinha, porém, que o Gabinete para os Direitos Fundamentais precisa de receber recursos adequados para cumprir as suas tarefas com total independência. Apela à Frontex para que implemente integralmente os mecanismos e estruturas de responsabilização previstos no seu regulamento de base.

3.1.4.

O Comité manifesta a sua preocupação com a ênfase dada na estratégia aos mecanismos de triagem antes da entrada, os quais, no seu parecer sobre o pacto, considerou serem um contributo novo que valia a pena ter em consideração. No entanto, o Comité questionou a sua viabilidade prática e considerou-os inadequados do ponto de vista dos direitos fundamentais (4). Salienta a necessidade de os Estados-Membros disporem de um mecanismo de controlo independente, tal como previsto no Regulamento Triagem.

3.1.5.

O Comité sempre considerou a plena interoperabilidade dos sistemas informáticos como um passo necessário para a construção de uma política coerente e eficaz em toda a UE. Nesta linha de pensamento, também apoia uma digitalização mais ampla dos procedimentos de vistos e documentos de viagem.

3.1.6.

O Comité manifesta a sua preocupação com facto de a Comissão afirmar que os atrasos em cada Estado-Membro podem entravar a implementação da interoperabilidade a nível europeu. Dada a experiência passada com a aplicação do SIS II e à luz do ponto da situação recentemente efetuado no que toca à aplicação do Sistema de Entrada/Saída (SES) e do Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (ETIAS) (5), o Comité gostaria de saber que medidas concretas a Comissão está a tomar para assegurar uma aplicação atempada da interoperabilidade, em conformidade com o orçamento previsto.

3.1.7.

O Comité sublinha que se deve alcançar um maior desenvolvimento tecnológico e a plena interoperabilidade, no devido respeito pela proteção dos dados pessoais e pelos direitos fundamentais. No que diz respeito à proposta de revisão do Eurodac, e em relação à utilização em geral de bases de dados de grande escala, o Comité reitera que se deve alcançar a plena interoperabilidade com o devido respeito pela proteção dos direitos fundamentais. As medidas devem ser estritamente necessárias e proporcionais, dada a sensibilidade dos dados, especialmente quando se trata de requerentes de proteção internacional e da confidencialidade do procedimento. É de salientar que os dados pessoais tratados no âmbito da gestão de fronteiras e do regresso são abrangidos pelo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e não podem ser qualificados como dados pessoais operacionais nos termos do Regulamento (UE) 2018/1725 do Parlamento Europeu e do Conselho (6).

3.1.8.

O CESE salienta que, no âmbito da cooperação com países terceiros, especialmente também da atuação da Frontex em território de países terceiros, cumpre respeitar plenamente os direitos fundamentais, incluindo o direito à proteção dos dados pessoais, e criar mecanismos adequados de responsabilização.

3.2.   Medidas de reforço interno do espaço Schengen

3.2.1.

O Comité expressa a sua satisfação com a atenção dada às medidas que, embora não se tratando propriamente de medidas destinadas ao desenvolvimento do espaço Schengen, estão, todavia, relacionadas com o funcionamento deste espaço.

3.2.2.

É possível responder melhor às preocupações de segurança dos Estados-Membros através da intensificação e do reforço da cooperação entre as autoridades responsáveis pela aplicação da lei do que com a reintrodução de controlos nas fronteiras internas.

3.2.3.

O Comité sublinha que, em todas as formas de cooperação policial e judiciária penal, os direitos fundamentais, incluindo os direitos de defesa (7) e os direitos das vítimas (8), devem ser plenamente respeitados. Tal significa também que, em caso de violação dos direitos fundamentais, a repartição de responsabilidades entre os diferentes intervenientes (da UE e nacionais) não se deve traduzir num défice de responsabilização.

3.2.4.

A proteção dos dados pessoais, ao abrigo dos quadros jurídicos apropriados, tem de ser assegurada em todos os momentos, especialmente quando se trata de dados pessoais altamente sensíveis, como os que estão contemplados nas disposições da Decisão Prüm.

3.2.5.

No que diz respeito à utilização de inteligência artificial no policiamento transfronteiras, o Comité remete para o seu Parecer sobre o Regulamento Inteligência Artificial (9).

3.2.6.

O Comité gostaria de salientar que, no anexo à proposta de um ato legislativo em matéria de inteligência artificial (10), se prevê a possibilidade de utilizar a IA para a gestão da migração, do asilo e do controlo nas fronteiras. Em particular, a referência ao uso de «polígrafos e instrumentos similares ou [instrumentos] para detetar o estado emocional de uma pessoa singular» é preocupante, uma vez que faltam provas científicas para a fiabilidade de tais métodos.

3.2.7.

No que respeita às medidas específicas propostas no Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, o Comité remete para o seu parecer de 17 de dezembro de 2020 (11).

3.2.8.

O Comité questiona o valor acrescentado de um maior recurso ao Sistema de Informações Antecipadas sobre os Passageiros em combinação com os registos de identificação dos passageiros, e considera que a Comissão não apresentou argumentos convincentes para permitir o intercâmbio sistemático e em massa de dados pessoais intra-Schengen, o que, necessariamente, afetaria também os cidadãos da UE que exercem o seu direito à livre circulação.

3.2.9.

No que diz respeito à utilização do mandado de detenção europeu, e de outros instrumentos que facilitam a cooperação para a aplicação da lei, como a decisão europeia de investigação, o Comité salienta que a confiança mútua é indispensável para o bom funcionamento destes instrumentos baseados no princípio do reconhecimento mútuo. Isto exige um controlo ainda mais eficaz do Estado de direito por parte das instituições da UE e implica a responsabilidade dos Estados-Membros de defenderem o Estado de direito, em particular o direito à tutela jurisdicional efetiva, ao abrigo do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE (a seguir designada «a Carta») e do artigo 19.o, n.o 1, do TUE.

3.3.   Reforço da governação

3.3.1.

O Comité aprecia o facto de o Fórum Schengen poder proporcionar aos Estados-Membros uma plataforma para debater questões politicamente relevantes relacionadas com a cooperação Schengen. No entanto, outras instituições da UE, bem como o Comité, devem permanecer informadas e ter o direito de assistir na qualidade de participantes. O fórum e as suas ações devem ser tão transparentes quanto possível e devem permitir o acesso aos seus documentos. O relançamento do relatório sobre o estado de Schengen é louvável, mas não é suficiente nesta matéria.

3.3.2.

O Comité apoia a ideia de que é necessário alterar o Código das Fronteiras Schengen para incorporar alguns dos ensinamentos colhidos da crise da COVID-19. Salienta que estes ensinamentos vão para além da questão das fronteiras internas e remetem para o funcionamento do próprio mercado interno. Por conseguinte, qualquer alteração deste tipo deve fazer parte de um teste de aptidão mais amplo do quadro regulamentar europeu relativo à livre circulação, tendo em conta que, muito provavelmente, a COVID-19 continuará a ser uma realidade no mundo. O Comité defende a ideia de que tal abordagem deve incluir regras sobre viagens para a UE, que estão atualmente ausentes do Código das Fronteiras Schengen. O Comité também gostaria que a Comissão o informasse se prevê alguma alteração ao Regulamento Pequeno Tráfego Fronteiriço.

3.3.3.

O Comité está convicto de que a Comissão deve tomar uma posição mais resoluta de apoio à possibilidade de viajar sem fronteiras na Europa. O Tratado da UE é claro ao afirmar que a UE deve oferecer aos seus cidadãos um espaço sem fronteiras. O direito dos Estados-Membros de reintroduzir controlos nas fronteiras é uma exceção a esse direito, que deve ser interpretada em sentido estrito. Não pode ser considerada como uma prerrogativa soberana, estando antes vinculada pelas regras do Código das Fronteiras Schengen. Uma eventual revisão deste código deve ter plenamente em conta a natureza excecional da reintrodução dos controlos nas fronteiras.

3.3.4.

O Comité acolhe favoravelmente as propostas para melhorar o funcionamento do mecanismo de avaliação de Schengen, em particular as que visam assegurar um seguimento mais célere, as que se destinam a reforçar as sinergias com o mecanismo de avaliação da vulnerabilidade e as que prestam maior atenção aos direitos humanos, adotando uma abordagem transversal neste contexto. Não obstante, importa assegurar que o mecanismo de avaliação de Schengen não se traduz na politização de questões de natureza mais técnica.

3.3.5.

O Comité incentiva a Comissão a fazer uso ativo dos poderes de execução que lhe são conferidos pelos Tratados, quando se trata de situações em que há uma ausência de seguimento às deficiências detetadas durante as avaliações de Schengen. Haverá que dar prioridade a práticas sistémicas que violem as normas dos direitos fundamentais. É importante que a Comissão não se baseie apenas nas conclusões do mecanismo de avaliação de Schengen, mas que também ela própria acompanhe ativamente a situação dos direitos fundamentais.

3.4.   Completar o espaço Schengen

3.4.1.

O Comité aplaude a posição da Comissão no que diz respeito a completar o espaço Schengen. Sublinha a articulação entre a livre circulação, a cidadania da UE e a ausência de controlos nas fronteiras. Atualmente, os cidadãos da Bulgária, da Croácia e da Roménia não usufruem plenamente dos seus direitos como cidadãos da UE ao abrigo dos Tratados.

3.4.2.

O Comité salienta que estes Estados-Membros já controlam as suas fronteiras externas em conformidade com o Código das Fronteiras Schengen. A sua plena adesão melhoraria o funcionamento e a segurança da União Europeia, através da sua participação integral em todas as bases de dados de grande escala no domínio da Justiça e Assuntos Internos (JAI).

3.4.3.

O Comité convida a Comissão a apresentar um roteiro mais detalhado no sentido da plena adesão e convida o Conselho a agir rapidamente em conformidade.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2021) 278 final.

(2)  Ver ponto 4.8 em JO C 110 de 22.3.2019, p. 62.

(3)  Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu, Apoio da Frontex à gestão das fronteiras externas: ainda não é suficientemente eficaz, 2021.

(4)  Pareceres do CESE sobre a migração: JO C 123 de 9.4.2021, p. 15, JO C 155 de 30.4.2021, p. 58, JO C 155 de 30.4.2021, p. 64.

(5)  Nota da Comissão Europeia «Implementation of interoperability: state of play on the implementation of the Entry/Exit System and the European Travel Information and Authorisation System, June 2021» [Implementação da interoperabilidade: ponto da situação no que toca à aplicação do Sistema de Entrada/Saída e do Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem], junho de 2021.

(6)  Regulamento (UE) 2018/1725 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos e organismos da União e à livre circulação desses dados, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 45/2001 e a Decisão n.o 1247/2002/CE (JO L 295 de 21.11.2018, p. 39).

(7)  Em conformidade com o Título VI da Carta dos Direitos Fundamentais e com outra legislação derivada pertinente.

(8)  Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO L 315 de 14.11.2012, p. 57), bem como a legislação para categorias específicas de vítimas de tráfico de seres humanos, exploração sexual e pornografia infantil, e terrorismo.

(9)  INT/940 (JO C 517 de 22.12.2021, p. 61).

(10)  COM(2021) 206 final, p. 4 e 5.

(11)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 15.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/114


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Quadro estratégico da UE para a saúde e segurança no trabalho 2021-2027 — Saúde e segurança no trabalho num mundo do trabalho em evolução»

[COM(2021) 323 final]

(2022/C 105/18)

Relator:

Carlos Manuel TRINDADE

Consulta

Comissão, 10.8.2021

Base jurídica

Artigo 153.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

6.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

153/25/41

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) afirma que a proteção dos trabalhadores contra os riscos para a saúde e a segurança no trabalho (SST) é fundamental para garantir condições de trabalho dignas e duradouras, está consagrada nos Tratados e na Carta dos Direitos Fundamentais, constitui um direito estabelecido no princípio 10 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e é um dos elementos cruciais para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas (1).

1.2

O CESE partilha totalmente com a Comissão a afirmação de que «condições de trabalho saudáveis e seguras são uma pré-condição para uma mão de obra saudável e produtiva. Ninguém deve sofrer de doenças ou acidentes relacionados com o trabalho. São também um aspeto importante da sustentabilidade e da competitividade da economia da UE» (2). O CESE subscreve igualmente a constatação de que «uma SST de qualidade também reduz os custos de cuidados de saúde e outros encargos sociais. Em contrapartida, os custos de uma SST deficiente são elevados para os indivíduos, as empresas e a sociedade» (3).

1.3

O CESE, na generalidade, concorda com a visão estratégica e as ações previstas no quadro estratégico (sem prejuízo dos comentários, propostas e recomendações que se apresentam seguidamente neste parecer), nomeadamente:

1.3.1

O CESE nota nomeadamente a afirmação da Comissão de que «apresentará, no final de 2021, uma iniciativa para melhorar as condições de trabalho das pessoas que trabalham através de plataformas digitais … [para] … assegurar condições de trabalho adequadas, nomeadamente em termos de saúde e segurança no trabalho», no caso de os parceiros sociais não estarem dispostos a negociar entre si (4).

1.3.2

O CESE, na generalidade, apoia nomeadamente: i) a «visão zero» relativamente às mortes relacionadas com o trabalho; ii) as medidas previstas sobre o cancro; iii) a ratificação da Convenção da OIT sobre Violência e Assédio de 2019 (n.o 190); iv) a iniciativa legislativa a tomar até 2021 sobre a prevenção e o combate à violência baseada no género contra as mulheres e a violência doméstica, até ao final de 2021; e v) o objetivo da Comissão de integrar os riscos psicossociais e ergonómicos na campanha locais de trabalho saudáveis.

1.3.3

O CESE, na generalidade, apoia nomeadamente: i) que «é essencial retirar ilações da pandemia de COVID-19 e reforçar a preparação para potenciais futuras crises pandémicas […] prosseguindo o desenvolvimento de sinergias entre a SST e a saúde pública»; e ii) a inclusão da COVID-19 na Recomendação da Lista Europeia de Doenças Profissionais (5).

1.3.4

O CESE, na generalidade, apoia nomeadamente: i) a necessidade de os Estados-Membros tomarem iniciativas para «contrariar a tendência decrescente do número de inspeções de trabalho»; ii) a realização de uma Cimeira sobre a SST em 2023, focando especialmente os progressos na concretização do objetivo «visão zero» relativamente às mortes no trabalho; iii) a existência de um novo indicador sobre acidentes de trabalho mortais, já proposto no plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais; iv) a melhoria da atividade dos inspetores de trabalho através de orientações e formação a nível europeu e dos Estados-Membros; v) a promoção da cooperação a nível da UE e dos Estados-Membros para assegurar a coerência na execução da legislação; e vi) orientações e apoio às empresas, particularmente às micro e pequenas empresas, para cumprirem a legislação em matéria de SST (6).

1.3.5

O CESE, na generalidade, apoia nomeadamente: i) a existência de uma cooperação entre a UE, a OIT e a OMS em matéria de dados e conhecimento; ii) o facto de que a UE, em colaboração com os Estados-Membros, apoiará a criação de um novo indicador sobre a mortalidade por doenças atribuídas a fatores de risco profissional (no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas); iii) o facto de a UE apoiar a integração do direito a condições de trabalho seguras e saudáveis no quadro de princípios e direitos fundamentais no trabalho da OIT; iv) a intenção da UE de promover a SST nas cadeias de abastecimento mundial; v) a intenção da UE de agir para assegurar que as normas de SST sejam devidamente tidas em conta nos compromissos vinculativos em matéria de normas laborais e sociais, bem como na promoção do trabalho digno em futuros acordos comerciais; e vi) o apoio aos países candidatos para incorporarem nas respetivas legislações o acervo legislativo da UE referente à SST (7).

1.4

O CESE, na especialidade, propõe à Comissão as seguintes ações, medidas ou iniciativas para serem integradas no quadro estratégico da UE 2021-2027:

1.4.1

Sobre o subcapítulo 2.1 — i) quanto às pessoas classificadas como independentes, às quais o quadro estratégico considera que as regras de SST não se aplicam, o CESE recomenda que se proceda atempadamente a uma investigação, com a participação da Comissão, de peritos e dos parceiros sociais, a fim de encontrar a melhor solução para que também os trabalhadores independentes desfrutem de um ambiente de trabalho seguro e saudável, apresentando as respetivas conclusões até à Cimeira sobre SST de 2023; ii) quanto à previsão do lançamento pela Comissão de uma iniciativa não legislativa a nível da UE relacionada com a saúde mental no trabalho, propõe, exatamente devido à relevância dos fundamentos apresentados no quadro estratégico, que essa iniciativa seja legislativa.

1.4.2

Sobre o subcapítulo 2.2 — i) apela à Comissão para que inclua os cancros de origem profissional no futuro Plano Europeu de Luta contra o Cancro e proceda ao alargamento da Diretiva ACM a substâncias tóxicas para a reprodução e a medicamentos perigosos, garantindo o acompanhamento a longo prazo do estado de saúde dos trabalhadores expostos a agentes cancerígenos, mesmo no caso em que o trabalho nessas circunstâncias já não se realize; ii) recomenda que a previsão da Comissão de que «estudará formas de reforçar a eficácia da Diretiva Sanções Aplicáveis aos Empregadores» (52/2009/CE) possa conduzir à revisão no sentido de agravar as sanções previstas para os empregadores incumpridores; iii) propõe que, como as recentes ilações da COVID-19 demonstraram, urge uma iniciativa legislativa de prevenção de riscos psicossociais; iv) que a experiência acumulada e a investigação sobre as doenças musculoesqueléticas fundamentem a necessidade de uma iniciativa legislativa nesta matéria.

1.4.3

Sobre o subcapítulo 2.3 — i) que a Recomendação da Lista Europeia de Doenças Profissionais seja transformada em diretiva; ii) que a Diretiva Agentes Biológicos seja melhorada, incorporando as recentes experiências; iii) que, quanto às inspeções de trabalho nacionais, se estabeleça a meta de que, até ao final do quadro estratégico, será cumprido nos Estados-Membros o rácio estabelecido nas normas da OIT de um inspetor de trabalho por cada 10 000 trabalhadores. Se essa meta não for concretizada durante o presente quadro estratégico, a Comissão apresentará uma iniciativa legislativa com esse objetivo.

1.4.4

Sobre o capítulo 3 — que a ação inspetiva da Autoridade Europeia do Trabalho (AET) seja devidamente integrada e promovida no quadro estratégico, devido ao importante papel que desempenha de articulação das ações inspetivas transfronteiriças.

1.5

O CESE nota que, apesar de algumas melhorias nos últimos anos, existe ainda uma importante falta de informação e de conhecimento da realidade da UE e dos Estados-Membros em matéria de SST. O CESE está convicto de que esse conhecimento é indispensável para uma melhor identificação de desafios e prevenção de riscos, a definição de políticas adequadas e a monitorização da execução e dos progressos efetuados a nível da UE e em cada um dos Estados-Membros, em particular no que respeita aos objetivos e ações decorrentes do quadro estratégico da SST para o período 2021-2027.

1.6

O CESE salienta que, no processo de revisão da legislação existente a nível da UE e dos Estados-Membros em matéria de SST, há que ter em conta as transformações ecológicas, digitais, demográficas e sociais da economia europeia, em particular no mundo do trabalho, a fim de proteger os trabalhadores, sejam eles dependentes ou independentes, neste caso em conformidade com o ponto 1.4.1, alínea i).

1.7

Os Estados-Membros assumem uma responsabilidade particular para que a legislação em matéria de SST seja cumprida e sejam asseguradas condições de trabalho saudáveis e seguras a todos os trabalhadores europeus, em particular aos trabalhadores sazonais, aos grupos mais vulneráveis como os jovens, os idosos, as mulheres, as pessoas com deficiência, os migrantes e os precários. O reforço dos meios técnicos e humanos das inspeções de trabalho, em retrocesso nos últimos anos em muitos Estados-Membros, e uma maior articulação, cooperação e formação a nível europeu são fatores essenciais para que se registem melhorias sensíveis no âmbito do cumprimento da legislação em matéria de SST. Também as orientações e apoios às PME, particularmente às microempresas, para cumprirem a legislação de SST devem constituir uma prioridade dos vários Estados-Membros. A Comissão Europeia, enquanto guardiã dos Tratados, tem a responsabilidade de assegurar que os Estados-Membros cumprem adequadamente a legislação de SST.

1.8

O CESE recomenda à Comissão e aos Estados-Membros que, no quadro das atualizações das estratégias nacionais em matéria de SST, tomem iniciativas de promoção de um diálogo social permanente entre os parceiros sociais sobre as condições de SST nos setores, nas empresas e nos locais de trabalho. A participação dos sindicatos e dos representantes dos trabalhadores e a sua constante auscultação sobre a avaliação e a prevenção dos riscos são fundamentais para promover ambientes de trabalho seguros e saudáveis, com reflexos diretos na saúde dos trabalhadores, na produtividade das empresas e nos serviços de saúde pública.

1.9

Face aos desafios da globalização e ao valor europeu de «fazer elevar as normas da SST a nível mundial», o CESE recomenda à Comissão e aos Estados-Membros uma estreita cooperação com a OIT e com a OMS para promover o direito a condições de trabalho seguras e saudáveis no quadro dos princípios e direitos fundamentais do trabalho da OIT e na salvaguarda do respeito desses princípios pelas cadeias de abastecimento mundial.

2.   Contexto geral

2.1

O CESE nota que «há quase 20 anos que os quadros estratégicos da UE em matéria de SST têm desempenhado um papel central na forma como as autoridades nacionais e os parceiros sociais decidem sobre os objetivos da SST» (8). No entanto, o CESE sublinha que, embora seja inegável a importância desses quadros estratégicos nos planos nacionais, falta-lhes visibilidade e tem existido algum défice de participação das organizações sindicais e patronais na sua elaboração e acompanhamento em vários Estados-Membros.

2.2

O CESE regista a avaliação efetuada do quadro estratégico da UE em matéria de SST 2014-2020, designadamente quanto à identificação de importantes aspetos como: i) as limitações de recursos do Estado-Membro; ii) a necessidade de dar mais atenção às doenças profissionais, às alterações demográficas, aos riscos psicossociais e às perturbações musculoesqueléticas; e iii) a necessidade de ajudar as inspeções do trabalho e as empresas a melhorar as respetivas normas de SST (9).

2.3

O CESE nota que a legislação europeia tem permitido reduzir esses riscos e tem contribuído para a melhoria das normas de SST em todos os setores de atividade económica no conjunto dos Estados-Membros. No entanto, subsistem desafios e a pandemia de COVID-19 veio agravar os riscos a que é preciso dar resposta.

2.4

O CESE reconhece os progressos significativos em matéria de SST na UE nos últimos anos: os acidentes de trabalho mortais diminuíram cerca de 70 % entre 1994 e 2018. Ainda que a desindustrialização europeia e a melhoria dos cuidados médicos tenham contribuído para isso, também é verdade que o sistema de SST da UE desempenhou um papel importante (10).

2.5

O CESE nota que, apesar destes progressos, em 2018 registaram-se ainda mais de 3 300 acidentes mortais e 3,1 milhões de acidentes não mortais na UE-27 e mais de 200 000 trabalhadores morrem anualmente de doenças relacionadas com o trabalho. Esta realidade de grande sofrimento humano exige a salvaguarda e melhoria das normas de proteção dos trabalhadores e constitui um desafio e uma necessidade constantes (11).

2.6

O CESE sublinha que os acidentes e doenças relacionados com o trabalho custam anualmente à economia europeia mais de 3,3 % do PIB (cerca de 460 mil milhões de euros em 2019) e que as estimativas apontam para que, por cada euro investido na SST, o retorno para o empregador é de cerca do dobro (12).

2.7

A pandemia de COVID-19 evidenciou a importância crucial da SST para a proteção da saúde dos trabalhadores, o funcionamento da nossa sociedade e a continuidade das atividades económicas críticas. O CESE comparte a constatação de que a pandemia salientou também a necessidade de uma estratégia articulada entre a SST e a as politicas de saúde pública, criando sinergias entre ambas as dimensões que têm reflexos diretos no «funcionamento da nossa sociedade e na continuidade das atividades económicas e sociais criticas» (13).

3.   O quadro estratégico da UE para a saúde e segurança no trabalho 2021-2027

3.1

É neste contexto geral que a Comissão apresenta o novo quadro estratégico da UE para a SST, para o período 2021-27 (14) (adiante designado «quadro estratégico»), anunciado no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que está centrado nos seguintes três grandes objetivos:

antecipar e gerir a mudança no novo mundo do trabalho, resultante das transições ecológica, digital e demográfica;

melhorar a prevenção de acidentes e doenças no local de trabalho;

aumentar o grau de preparação para eventuais crises sanitárias futuras.

3.2

O CESE partilha com a Comissão Europeia a convicção de que a concretização desses objetivos exige:

i)

um diálogo social robustecido;

ii)

maiores capacidades de investigação e de recolha de dados a nível dos Estados-Membros e do conjunto da UE;

iii)

reforço da execução;

iv)

sensibilização;

v)

maior mobilização de financiamento.

3.3

O CESE nota que o quadro estratégico prevê, durante o período da sua realização, a implementação de 36 ações, sendo 17 da responsabilidade direta da Comissão, 16 dos Estados-Membros e três dos parceiros sociais.

4.   Observações sobre o quadro estratégico

4.1   Sobre o ponto 2.1, antecipar e gerir a mudança

4.1.1

No contexto das transições ecológica e digital, a natureza das funções, padrões de trabalho e locais de trabalho está a mudar, colocando importantes desafios aos Estados-Membros e às empresas para se garantir saúde e bem-estar aos trabalhadores.

4.1.2

O envelhecimento da mão de obra impõe a adaptação do ambiente de trabalho e das tarefas às necessidades específicas dos trabalhadores mais velhos, por forma a minimizar os riscos, desempenhando a SST um papel essencial para se dar uma resposta adequada à evolução demográfica.

4.1.3

Também as tecnologias digitais podem oferecer aos trabalhadores, incluindo os trabalhadores com deficiência ou os trabalhadores mais velhos, oportunidades acrescidas para melhorar o equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar, tanto para as mulheres como para os homens, e contribuir para a aplicação da SST graças a ferramentas acessíveis, campanhas de sensibilização e inspeções mais eficientes.

4.1.4

O CESE considera que a robotização e a utilização da inteligência artificial podem reduzir os riscos de tarefas perigosas, como aquelas em áreas altamente contaminadas, como sistemas de águas residuais, aterros sanitários ou áreas de fumigação agrícola; podem também proporcionar novas oportunidades para trabalhadores e empresas. Mas é um facto que as novas tecnologias colocam também importantes desafios devido a irregularidades crescentes de quando e onde o trabalho é prestado, à possibilidade de vigilância dos trabalhadores, e aos riscos relacionados com novas ferramentas e máquinas, podendo aumentar a tensão psíquica que conduz a um número crescente de doenças psicossomáticas para as quais precisam de ser encontradas medidas adequadas.

4.1.5

Ainda que a legislação da UE em matéria de SST já abranja muitos dos riscos decorrentes da evolução das indústrias, dos equipamentos e dos locais de trabalho, o CESE partilha com a Comissão Europeia a ideia de que os progressos tecnológicos, o envelhecimento da mão de obra e a evolução das formas de trabalho exigem novas propostas legislativas.

4.1.6

Neste quadro, o CESE recomenda à Comissão que a própria Diretiva-Quadro relativa à SST possa ser revisitada por forma a ajustá-la às realidades laborais e aos novos riscos e desafios das mudanças climáticas (tais como trabalhar sob elevadas temperaturas ao ar livre), das alterações demográficas e da digitalização.

4.1.7

O CESE considera que os riscos de natureza psicossocial, já em níveis muito elevados antes da pandemia, se acentuaram significativamente em resultado da COVID-19 e da introdução massiva não planeada do trabalho remoto não voluntário e das condições particulares que o acompanham, como o desaparecimento da fronteira entre trabalho e vida privada, a conectividade permanente, a falta de interação social e a utilização acrescida da TIC.

4.2   Sobre o ponto 2.2, melhorar a prevenção de doenças e acidentes relacionados com o trabalho

4.2.1

O CESE partilha da visão da Comissão, designadamente, «a abordagem “visão zero” das mortes relacionadas com o trabalho e o reforço da cultura de prevenção na UE, que só será possível através i) da realização de inquéritos exaustivos sobre acidentes e mortes no local de trabalho; ii) da identificação e do combate às causas destes acidentes e mortes; iii) do aumento da sensibilização para os riscos relacionados com acidentes de trabalho, lesões e doenças profissionais; e iv) do reforço da aplicação das regras e orientações vigentes».

4.2.2

O CESE considera inaceitável os cerca de 100 000 mortos por cancro de origem profissional, apelando aos Estados-Membros para a rápida concretização da estratégia subjacente ao roteiro sobre agentes cancerígenos, em torno da aplicação dos valores-limite e de outras disposições adotadas a nível da UE, restringindo a exposição a 26 substâncias perigosas e melhorando, assim, as condições de trabalho para cerca de 40 milhões de trabalhadores. O CESE considera que a lista de substâncias perigosas deve ser revista e completada, em particular com os nanomateriais e os seus efeitos cancerígenos, recomendando que a lista de carcinógenos sujeitos a limites de exposição passe para 50.

4.2.3

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a promover a saúde no trabalho e dar prioridade ao reforço da investigação e da recolha de dados, tanto a nível da UE como a nível nacional. Estas ações devem abranger em especial as doenças cardiovasculares de origem profissional, as lesões musculoesqueléticas e os riscos psicossociais.

4.2.4

O CESE apoia a proposta de atualizar continuamente a metodologia de tratamento das substâncias perigosas e de identificar novas eficiências no estabelecimento de valores-limite de SST. O CESE sublinha e apoia o processo de abordagem das substâncias perigosas com base na avaliação científica, em conformidade com o princípio «uma substância, uma avaliação». Considera-se que a consulta da ACSH tripartida e o envolvimento estreito de todas as partes interessadas se têm revelado bem-sucedidos.

4.2.5

O CESE considera, no quadro das posições do Parlamento Europeu e das partes interessadas sobre a necessidade de proteger os profissionais de saúde expostos a medicamentos perigosos, bem como a outros riscos, que esta matéria deve ser aprofundada, não apenas pela via da formação, instrução e orientação, mas pela via da adoção de legislação vinculativa.

4.2.6

O CESE considera que o reconhecimento da diversidade, incluindo as diferenças e desigualdades entre homens e mulheres, e a luta contra a discriminação na mão de obra são vitais para garantir a segurança e saúde dos trabalhadores, nomeadamente aquando da avaliação de riscos, devendo ser incentivadas ações para evitar preconceitos de género. Em qualquer caso, deve ter-se em conta que a capacidade de trabalho pode ser afetada pela condição biológica (lactação, gravidez).

4.2.7

Também as pessoas com deficiência devem ver melhoradas as suas perspetivas no mercado de trabalho, incluindo na aplicação concreta da SST e nos programas de reabilitação profissional para as pessoas que sofrem de doenças crónicas ou que foram vítimas de acidentes.

4.2.8

A proteção dos grupos de trabalhadores particularmente vulneráveis deve ser melhorada. Neste âmbito, as inspeções de trabalho e a ratificação da Convenção sobre Violência e Assédio de 2019 deve merecer especial atenção de todos os Estados-Membros. O CESE insta todos os Estados-Membros a ratificar esta Convenção durante o período de execução desta estratégia.

4.3   Sobre o ponto 2.3, aumentar a preparação — responder rapidamente às ameaças

4.3.1

A crise da COVID-19 evidenciou que a SST teve um papel crucial para ajudar trabalhadores, empresas e Estados-Membros a proteger vidas e a gerir riscos para assegurar o bem-estar, a continuidade das atividades e a sustentabilidade.

4.3.2

Uma das lições a retirar para o futuro, e que assegurou a eficácia das respostas durante a crise, é a importância das sinergias entre a SST e a saúde pública. Esta interação deve ser reforçada em todos os Estados-Membros para que a UE possa estar preparada para enfrentar crises sanitárias futuras.

4.3.3

O CESE reconhece a importância do trabalho desenvolvido pela EU-OSHA em termos da criação de instrumentos de orientação, em colaboração com os Estados-Membros e os parceiros sociais, que permitiram às empresas, em especial às PME, responder adequadamente às diferentes fases da pandemia.

4.3.4

A classificação do vírus SARS-CoV-2 ao abrigo da Diretiva Agentes Biológicos contribuiu para assegurar a proteção dos trabalhadores nas instalações onde o vírus é manuseado para produção, distribuição e aplicação das vacinas.

4.3.5

A pandemia evidenciou a maior exposição dos trabalhadores móveis e transfronteiriços, incluindo os trabalhadores sazonais, migrantes e precários, a condições de trabalho pouco saudáveis ou inseguras, como alojamentos deficientes ou sobrelotados ou a falta de informação sobre os seus direitos. O CESE insta os Estados-Membros a cumprir as suas obrigações em matéria de SST e a reforçar as ações de sensibilização para a necessidade de promover condições de trabalho e de vida justas e seguras para os trabalhadores sazonais, móveis e transfronteiriços.

4.3.6

O CESE nota que a Comissão sublinha a importância de apoiar os trabalhadores infetados pela COVID-19 e as famílias que perderam familiares devido à exposição ao SARS-CoV-2 durante a sua atividade profissional, e o facto de 25 Estados-Membros já terem dado passos nesse sentido, nomeadamente através do reconhecimento da COVID-19 como doença profissional (15).

4.4   Sobre o capítulo 3, aplicação do quadro estratégico atualizado

4.4.1

O CESE subscreve a afirmação da Comissão de que «os parceiros sociais estão particularmente bem colocados para encontrar soluções adaptadas às circunstâncias de uma atividade ou setor especifico» (16).

4.4.2

O CESE destaca que a pandemia demonstrou que as empresas e os locais de trabalho também são importantes centros de disseminação de contágio, tornando mais relevante a existência de medidas de SST devidamente adaptadas a cada unidade económica concreta.

4.4.3

O CESE recomenda à Comissão que, nesta matéria, o quadro estratégico tome iniciativas de promoção de um diálogo social permanente entre os parceiros sociais sobre as condições de SST nos setores de atividade e, em particular, nas empresas. A participação dos sindicatos e dos representantes dos trabalhadores e a sua auscultação constante sobre a realidade existente, em estreita coordenação com a negociação e contratação coletiva, realizando a avaliação, prevenção e gestão de riscos, potenciando as oportunidades e criando ambientes de trabalho seguros e saudáveis, têm reflexos diretos na saúde dos trabalhadores, na produtividade e competitividade das empresas e na própria sociedade, especialmente nos serviços de saúde pública.

4.4.4

O CESE concorda com a Comissão em que somente o conhecimento rigoroso e atempado da realidade da SST, tanto a nível da UE como a nível dos Estados-Membros, permite a identificação de desafios e a prevenção de riscos, a definição de politicas adequadas, a monitorização da sua execução e a análise dos seus resultados. Também o conhecimento das inovações cientificas e tecnológicas e a sua incorporação constante nas decisões politicas permitem a sua constante evolução.

4.4.5

O CESE subscreve a necessidade de existência, a nível da UE e dos Estados-Membros, de bases de dados de SST atualizadas e adequadas à realidade, com novos indicadores sociais, que permitam a investigação e a elaboração de relatórios, análises e estudos sobre a SST em todas as dimensões (17).

4.4.6

O CESE toma nota de que o «sucesso do presente quadro estratégico depende, em grande medida, da sua aplicação a nível nacional e local» (18). Esta compreensão atribui uma responsabilidade acrescida aos Estados-Membros para cumprir e fazer cumprir a legislação e promover e remover obstáculos ao diálogo social entre os parceiros sociais, pois que uma das condições basilares para o sucesso do quadro estratégico é a intervenção da inspeção do trabalho a nível dos Estados-Membros, a ação dos técnicos e médicos de medicina do trabalho e a participação dos sindicatos e dos representantes dos trabalhadores de SST.

4.4.7

O CESE recorda que, para que os objetivos do quadro estratégico tenham sucesso, a responsabilidade das empresas em condições de SST é abrangente, seja nos locais de trabalho, seja quando o trabalhador se encontra em teletrabalho ou em trabalho à distância. No entanto, esta situação é problemática quando o trabalhador exerce a sua atividade a partir de casa ou de outro local ao qual o empregador pode não ter acesso ou controlo.

4.4.8

O CESE partilha da opinião de que a sensibilização para os riscos de acidentes de trabalho, lesões e doenças profissionais é fundamental para concretizar os objetivos do quadro estratégico, com destaque para o da «visão zero» relativamente às mortes por acidentes de trabalho. O CESE considera que, efetivamente, a sensibilização é uma das medidas essenciais para a aplicação da legislação, mas que a existência prévia desta e, a posteriori, a participação e a fiscalização é que são, no seu conjunto, a chave do sucesso. O CESE está convicto de que a focalização na prevenção e no cumprimento das Diretivas de SST é fundamental para atingir os objetivos desta estratégia.

4.4.9

Para o CESE, esta sensibilização depende, em grande medida, da participação ativa dos parceiros sociais e de todos os atores. É neste quadro que o CESE valoriza e recomenda à Comissão que enfatize melhor o papel do Comité Consultivo para a Segurança e a Saúde no Local de Trabalho.

4.4.10

O CESE considera que, embora a concretização destes objetivos seja partilhada por todos os intervenientes — Estados-Membros, empresas, inspeções de trabalho e trabalhadores —, o grau de responsabilização varia, sendo que os trabalhadores são a parte mais vulnerável e com menor poder, devendo, por esta razão, ter a maior proteção.

4.4.11

O CESE, por esta razão, considera que deve ser atribuído ao trabalhador a capacidade de, quando constata que existe perigo de acidente ou de doença séria no seu local de trabalho, muito especialmente risco mortal, poder recusar laborar e, em última instância, ter o direito de rescisão com indemnização se existir risco de vida por as regras de SST não serem cumpridas pela empresa.

4.4.12

O CESE regista que existe um universo de 11 fundos e mecanismos financeiros europeus que têm capacidade de financiar ações nos vários domínios de SST (19). O CESE sublinha que o apoio financeiro para a realização de ações de SST é uma das medidas fundamentais para o êxito do próprio quadro estratégico. O CESE recomenda à Comissão que proceda a uma informação mais detalhada aos Estados-Membros e, particularmente, aos parceiros sociais, para que se torne mais acessível o seu acesso e a concretização de projetos de SST.

4.5   Sobre o capítulo 4, promover normas eficazes em matéria de SST a nível mundial

4.5.1

O CESE subscreve a afirmação de que, «num mundo globalizado, as ameaças para a saúde e segurança não param nas fronteiras» e de que o objetivo do quadro estratégico é «elevar as normas da SST a nível mundial» (20).

4.5.2

O CESE, de igual modo, apoia a posição da Comissão de colaborar com a OIT na aplicação e no acompanhamento da «Declaração Centenária de 2019 para o Futuro do Trabalho», sustentando a integração do direito a condições de trabalho seguras e saudáveis no quadro de princípios e direitos fundamentais de trabalho da OIT.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Comunicação da Comissão [COM(2021) 323 final].

(2)  Ibidem.

(3)  Ibidem.

(4)  Ibidem.

(5)  Ibidem.

(6)  Ibidem.

(7)  Ibidem.

(8)  Ibidem.

(9)  Ibidem.

(10)  Comunicação da Comissão [COM(2021) 323 final].

(11)  Ibidem.

(12)  Ibidem.

(13)  Comunicação da Comissão [COM(2021) 323 final].

(14)  Ibidem.

(15)  Ibidem.

(16)  Ibidem.

(17)  Ibidem.

(18)  Ibidem.

(19)  Ibidem.

(20)  Ibidem.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento):

ALTERAÇÃO 1

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 4.1.5

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Ainda que a legislação da UE em matéria de SST já abranja muitos dos riscos decorrentes da evolução das indústrias, dos equipamentos e dos locais de trabalho, o CESE partilha com a Comissão Europeia a ideia de que os progressos tecnológicos, o envelhecimento da mão de obra e a evolução das formas de trabalho exigem novas propostas legislativas.

Ainda que a legislação da UE em matéria de SST já abranja muitos dos riscos decorrentes da evolução das indústrias, dos equipamentos e dos locais de trabalho, o CESE partilha com a Comissão Europeia a ideia de que os progressos tecnológicos, o envelhecimento da mão de obra e a evolução das formas de trabalho poderão exigir novas propostas legislativas.

Resultado da votação:

Votos a favor:

70

Votos contra:

118

Abstenções:

11

ALTERAÇÃO 2

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 4.1.6

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Neste quadro, o CESE recomenda à Comissão que a própria Diretiva-Quadro relativa à SST possa ser revista por forma a ajustá-la às realidades laborais e aos novos riscos e desafios das mudanças climáticas (tais como trabalhar sob elevadas temperaturas ao ar livre), das alterações demográficas e da digitalização.

Neste quadro, o CESE recomenda à Comissão que continue a acompanhar de perto a implementação da Diretiva-Quadro relativa à SST por forma a revê-la, se necessário, para assegurar que cobre também os novos riscos e desafios das mudanças climáticas (tais como trabalhar sob elevadas temperaturas ao ar livre), das alterações demográficas e da digitalização.

Resultado da votação:

Votos a favor:

68

Votos contra:

124

Abstenções:

12

ALTERAÇÃO 3

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 4.2.2

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE considera inaceitável os cerca de 100 000 mortos por cancro de origem profissional, apelando aos Estados-Membros para a rápida concretização da estratégia subjacente ao roteiro sobre agentes cancerígenos, em torno da aplicação dos valores-limite e de outras disposições adotadas a nível da UE, restringindo a exposição a 26 substâncias perigosas e melhorando, assim, as condições de trabalho para cerca de 40 milhões de trabalhadores. O CESE considera que a lista de substâncias perigosas deve ser revista e completada, em particular com os nanomateriais e os seus efeitos cancerígenos, recomendando que a lista de carcinógenos sujeitos a limites de exposição passe para 50 .

O CESE considera inaceitável os cerca de 100 000 mortos por cancro de origem profissional, apelando aos Estados-Membros para a rápida concretização da estratégia subjacente ao roteiro sobre agentes cancerígenos, em torno da aplicação dos valores-limite e de outras disposições adotadas a nível da UE, restringindo a exposição a 26 substâncias perigosas e melhorando, assim, as condições de trabalho para cerca de 40 milhões de trabalhadores. O CESE considera que a lista de substâncias perigosas deve ser revista e completada, em particular de modo a incluir nanomateriais específicos com efeitos cancerígenos comprovados , recomendando o máximo de esforço para aumentar a lista de carcinógenos sujeitos a limites de exposição.

Resultado da votação:

Votos a favor:

68

Votos contra:

135

Abstenções:

6

ALTERAÇÃO 4

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 4.2.5

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

O CESE considera, no quadro das posições do Parlamento Europeu e das partes interessadas sobre a necessidade de proteger os profissionais de saúde expostos a medicamentos perigosos, bem como a outros riscos, que esta matéria deve ser aprofundada, não apenas pela via da formação, instrução e orientação, mas pela via da adoção de legislação vinculativa .

O CESE considera, no quadro das posições do Parlamento Europeu e das partes interessadas sobre a necessidade de proteger os profissionais de saúde expostos a medicamentos perigosos, bem como a outros riscos, que esta matéria deve ser aprofundada, não apenas pela via da formação, instrução e orientação, mas pela via da aplicação eficiente da legislação em vigor .

Resultado da votação:

Votos a favor:

71

Votos contra:

133

Abstenções:

9

ALTERAÇÃO 5

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 4.3.5

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

A pandemia evidenciou a maior exposição dos trabalhadores móveis e transfronteiriços, incluindo os trabalhadores sazonais , migrantes e precários , a condições de trabalho pouco saudáveis ou inseguras, como alojamentos deficientes ou sobrelotados ou a falta de informação sobre os seus direitos. O CESE insta os Estados-Membros a cumprir as suas obrigações em matéria de SST e a reforçar as ações de sensibilização para a necessidade de promover condições de trabalho e de vida justas e seguras para os trabalhadores sazonais, móveis e transfronteiriços.

A pandemia evidenciou a possibilidade de uma maior exposição dos trabalhadores móveis e transfronteiriços, incluindo os trabalhadores sazonais e migrantes em situações de emprego instável , a condições de trabalho pouco saudáveis ou inseguras, como alojamentos deficientes ou sobrelotados ou a falta de informação sobre os seus direitos. O CESE insta os Estados-Membros a cumprir as suas obrigações em matéria de SST e a reforçar as ações de sensibilização para a necessidade de promover condições de trabalho e de vida justas e seguras para os trabalhadores sazonais, móveis e transfronteiriços.

Resultado da votação:

Votos a favor:

72

Votos contra:

125

Abstenções:

11

ALTERAÇÃO 6

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 4.4.11

Suprimir:

Parecer da secção

Alteração

O CESE, por esta razão, considera que deve ser atribuído ao trabalhador a capacidade de, quando constata que existe perigo de acidente ou de doença séria no seu local de trabalho, muito especialmente risco mortal, poder recusar laborar e, em última instância, ter o direito de rescisão com indemnização se existir risco de vida por as regras de SST não serem cumpridas pela empresa.

 

Resultado da votação:

Votos a favor:

69

Votos contra:

135

Abstenções:

8

ALTERAÇÃO 7

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 1.4.1

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Sobre o subcapítulo 2.1 — i) quanto às pessoas classificadas como independentes, às quais o quadro estratégico considera que as regras de SST não se aplicam, o CESE recomenda que se proceda atempadamente a uma investigação, com a participação da Comissão, de peritos e dos parceiros sociais, a fim de encontrar a melhor solução para que também os trabalhadores independentes desfrutem de um ambiente de trabalho seguro e saudável, apresentando as respetivas conclusões até à Cimeira sobre SST de 2023; ii) quanto à previsão do lançamento pela Comissão de uma iniciativa não legislativa a nível da UE relacionada com a saúde mental no trabalho, propõe, exatamente devido à relevância dos fundamentos apresentados no quadro estratégico, que essa iniciativa seja legislativa .

Sobre o subcapítulo 2.1 — i) quanto às pessoas classificadas como independentes, às quais o quadro estratégico considera que as regras de SST não se aplicam, o CESE recomenda que se proceda atempadamente a uma investigação, com a participação da Comissão, de peritos e dos parceiros sociais, a fim de encontrar a melhor solução para que também os trabalhadores independentes desfrutem de um ambiente de trabalho seguro e saudável, apresentando as respetivas conclusões até à Cimeira sobre SST de 2023; ii) quanto à previsão do lançamento pela Comissão de uma iniciativa não legislativa a nível da UE relacionada com a saúde mental no trabalho, o CESE acolhe favoravelmente a abordagem adotada pela Comissão .

Resultado da votação:

Votos a favor:

66

Votos contra:

135

Abstenções:

8

ALTERAÇÃO 8

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 1.4.2

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Sobre o subcapítulo 2.2 — i) apela à Comissão para que inclua os cancros de origem profissional no futuro Plano Europeu de Luta contra o Cancro e proceda ao alargamento da Diretiva ACM a substâncias tóxicas para a reprodução e a medicamentos perigosos; garantindo o acompanhamento a longo prazo do estado de saúde dos trabalhadores expostos a agentes cancerígenos, mesmo no caso em que o trabalho nessas circunstâncias já não se realize ; ii) recomenda que a previsão da Comissão de que «estudará formas de reforçar a eficácia da Diretiva Sanções Aplicáveis aos Empregadores» (52/2009/CE) possa conduzir à revisão no sentido de agravar as sanções previstas para os empregadores incumpridores ; iii) propõe que, como as recentes ilações da COVID-19 demonstraram, urge uma iniciativa legislativa de prevenção de riscos psicossociais ; iv) que a experiência acumulada e a investigação sobre as doenças musculoesqueléticas fundamentem a necessidade de uma iniciativa legislativa nesta matéria .

Sobre o subcapítulo 2.2 — i) apoia a proposta do quadro estratégico para a saúde e segurança no trabalho que visa identificar uma lista prioritária de substâncias tóxicas para a reprodução a abordar, com base no parecer acordado no Comité Consultivo para a Segurança e a Saúde no Local de Trabalho, no sentido de estabelecer uma lista de substâncias prioritárias com um limite de exposição profissional (LEP), e apela à Comissão para que inclua os cancros de origem profissional no futuro Plano Europeu de Luta contra o Cancro; ii) recomenda que a previsão da Comissão de que «estudará formas de reforçar a eficácia da Diretiva Sanções Aplicáveis aos Empregadores» (52/2009/CE) conduza a uma aplicação e cumprimento eficazes ; iii) concorda com a abordagem da Comissão de lançar, em cooperação com os Estados-Membros e os parceiros sociais, uma iniciativa não legislativa a nível da UE relacionada com a saúde mental no trabalho, que avalie os problemas emergentes associados à saúde mental dos trabalhadores ; iv) apoia o objetivo da Comissão de integrar os riscos psicossociais e ergonómicos na campanha sobre locais de trabalho saudáveis .

Resultado da votação:

Votos a favor:

70

Votos contra:

140

Abstenções:

7

ALTERAÇÃO 9

Proposta por:

LE BRETON Marie-Pierre

MINCHEVA Mariya

PILAWSKI Lech

VADÁSZ Borbála

VERNICOS George

SOC/698 — Saúde e segurança no trabalho — Quadro estratégico da UE 2021-2027

Ponto 1.4.3

Alterar:

Parecer da secção

Alteração

Sobre o subcapítulo 2.3 — i) que a Recomendação da Lista Europeia de Doenças Profissionais seja transformada em diretiva ; ii) que a Diretiva Agentes Biológicos seja melhorada, incorporando as recentes experiências ; iii) que, quanto às inspeções de trabalho nacionais, se estabeleça a meta de que, até ao final do quadro estratégico, será cumprido nos Estados-Membros o rácio estabelecido nas normas da OIT de um inspetor de trabalho por cada 10 000 trabalhadores . Se essa meta não for concretizada durante o presente quadro estratégico, a Comissão apresentará uma iniciativa legislativa com esse objetivo.

Sobre o subcapítulo 2.3 — o CESE nota i) que os Estados-Membros devem acompanhar adequadamente a Recomendação da Lista Europeia de Doenças Profissionais; ii) que a Diretiva Agentes Biológicos foi melhorada, incorporando as recentes experiências.

Resultado da votação:

Votos a favor:

70

Votos contra:

133

Abstenções:

7


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/128


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de Recomendação do Conselho sobre a aprendizagem mista para um ensino primário e secundário inclusivo e de elevada qualidade

[COM(2021) 455 final]

(2022/C 105/19)

Relatora-geral:

Tatjana BABRAUSKIENĖ

Relator-geral:

Michael MCLOUGHLIN

Consulta

Conselho, 30.8.2021

Base jurídica

Artigo 165.o, n.o 4, e artigo 166.o, n.o 4 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

654

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

152/0/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o facto de a proposta salientar que «a educação é um direito humano fundamental e um direito da criança». O CESE congratula-se igualmente com o facto de a proposta ter por objetivo aplicar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS) e outras iniciativas importantes da UE (1) que visam reforçar a cooperação entre os Estados-Membros, envidando esforços para tornar a educação inclusiva e de qualidade numa realidade na transição ecológica e digital da vida social e económica e do mercado de trabalho.

1.2

O CESE exorta novamente «a Comissão Europeia e os Estados-Membros a implementar o primeiro princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que visa assegurar que todas as pessoas na Europa têm direito a uma educação inclusiva e de qualidade, a formação e a aprendizagem ao longo da vida» (2), bem como a aplicá-lo de modo a melhorar a disponibilização de aptidões e competências digitais, apoiando a igualdade de acesso à aprendizagem mista para todos e um financiamento público sustentável, acordado com os parceiros sociais do setor da educação e com a sociedade civil.

1.3

O CESE remete para o seu parecer (3), no qual salienta que «a aplicação do Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027 deve traduzir-se num diálogo eficaz, na consulta das partes interessadas, na observância e na aplicação dos direitos laborais, bem como na informação, na consulta e na participação dos trabalhadores no desenvolvimento de competências digitais e de empreendedorismo, nomeadamente no domínio do EFP [ensino e formação profissionais], da educação de adultos e da formação de trabalhadores, a fim de reduzir o défice de competências que as empresas enfrentam».

1.4

O CESE exorta os Estados-Membros a aproveitar a experiência educativa adquirida durante a crise da COVID-19 e a assegurar que a aprendizagem mista seja cuidadosamente concebida e praticada em programas curriculares equilibrados com o apoio de instrumentos pedagógicos adequados, a fim de assegurar que seja proporcionado um ambiente de aprendizagem e instrumentos adequados e inovadores para todas as crianças. Os Estados-Membros devem garantir que a aprendizagem mista seja estabelecida para apoiar a qualidade e a inclusividade da educação, em particular para as crianças necessitadas. Embora esteja a ganhar terreno e a receber mais atenção, o conceito de aprendizagem mista ainda carece de investigações e estudos suplementares, principalmente na perspetiva das desvantagens educativas, bem como para as escolas primárias e para os primeiros anos do ensino secundário.

1.5

O CESE observa que, a fim de assegurar uma maior autonomia aos estudantes no seu processo de aprendizagem, é importante que a aprendizagem mista esteja disponível para todos os estudantes, e não apenas para aqueles que vivem em zonas rurais sem acesso à escola, ou para os do ensino superior, em que a aprendizagem independente é requerida pelos estudantes.

1.6

O CESE assinala que, nos casos de aprendizagem não escolar, baseada em projetos, é necessário garantir a saúde e a segurança dos alunos, em particular dos alunos do ensino e formação profissionais (EFP). O ensino à distância a longo prazo, em vigor durante a crise da COVID-19, teve um impacto negativo no bem-estar mental e físico dos estudantes e dos professores, bem como nos resultados de aprendizagem dos alunos. O CESE congratula-se com a ênfase da proposta na necessidade de recorrer a profissionais de saúde mental qualificados a fim de assegurar um apoio eficaz para o bem-estar dos estudantes e dos professores.

1.7

O CESE solicita aos Estados-Membros que assegurem a inclusão da aprendizagem mista na sua estratégia de educação, na sequência de um diálogo eficaz com os parceiros sociais e as partes interessadas pertinentes do setor da educação, de forma a contribuir positivamente para uma aprendizagem inclusiva e de qualidade para os estudantes, garantindo o acesso a bons ambientes de ensino e aprendizagem, bem como aos instrumentos e ao apoio necessários para os professores, sem deixar os estudantes sem apoio.

1.8

O CESE apela ainda aos Estados-Membros para que assegurem que a aprendizagem mista não prejudica o valor social da educação ou a relevância do ensino presencial nos programas educativos. A experiência do ensino e aprendizagem em linha durante a situação de emergência causada pela pandemia de COVID-19 colocou em evidência o valor insubstituível do ensino presencial e da interação e do feedback contínuos entre professores e estudantes para assegurar uma educação inclusiva e de qualidade. As relações entre os estudantes e os professores são fundamentais para a motivação e aprendizagem dos estudantes, pelo que não devem ser prejudicadas pela aprendizagem mista.

1.9

O CESE solicita aos Estados-Membros que assegurem que a elaboração de planos educativos individualizados tem em consideração as necessidades dos estudantes em matéria de tecnologias de apoio. Além disso, o CESE assinala que tal exige que os professores recebam a assistência adequada de pessoal de apoio, estejam familiarizados com estas tecnologias e sejam capazes de as utilizar de forma eficaz para responder às necessidades dos alunos com deficiência.

1.10

O CESE destaca o papel central dos professores no que respeita à aprendizagem mista. O intercâmbio de pessoal, os projetos colaborativos e o ensino individualizado são possíveis se os professores dispuserem de um tempo de trabalho adequado para esse efeito e do apoio da direção escolar. É muito importante desenvolver uma comunidade de aprendizagem mista para promover o valor da tecnologia de ensino e formação.

1.11

Ademais, o CESE salienta que, para assegurar a inclusão e a qualidade da educação, a aprendizagem mista deve contribuir para a aplicação das «Conclusões do Conselho sobre os professores e formadores europeus do futuro». Neste sentido, o CESE exorta os Estados-Membros a apoiar eficazmente os professores na sua preparação para prestar apoio aos estudantes em matéria de aprendizagem mista de qualidade, melhorando, atualizando e tornando o desenvolvimento profissional inicial e contínuo mais relevante para as necessidades dos professores e dos estudantes.

1.12

O CESE congratula-se com as medidas propostas para apoiar a literacia informática dos professores, como cursos, programas e instrumentos de melhoria de competências digitais, para os professores e o desenvolvimento e a divulgação de módulos e recursos pedagógicos em linha e no local. Além disso, a proposta deveria apoiar o direito de os professores beneficiarem de um desenvolvimento profissional contínuo, atualizado e acessível. Este facto deve ser reconhecido no diálogo social e na negociação coletiva a nível nacional, regional e local, com a participação significativa dos parceiros sociais do setor da educação.

1.13

O CESE salienta que os cursos em linha abertos a todos (MOOC) não são necessariamente interativos ou assentes numa boa pedagogia. Por conseguinte, insta a Comissão a prestar um apoio mais diversificado à formação de professores, formadores, dirigentes escolares e formadores de professores sobre aprendizagem mista na plataforma School Education Gateway, que conduza a uma certificação. Os recursos técnicos e materiais desenvolvidos com o apoio da Comissão para ser utilizados no contexto da aprendizagem mista devem ser fiáveis, fáceis de utilizar, traduzidos para todas as línguas oficiais da UE e unanimemente aceites por todas as partes interessadas no processo de aprendizagem. O CESE recomenda que os projetos das Academias de Professores Erasmus+ também sejam convidados a desenvolver programas conjuntos de formação de professores credenciados para melhorar a pedagogia em matéria de aprendizagem mista. Deve analisar-se o papel das microcredenciais no contexto da aprendizagem mista.

1.14

O CESE congratula-se com o facto de a proposta colocar a tónica no bem-estar e na atratividade da profissão docente, sugerindo que os Estados-Membros contratem mais professores para apoiar o bem-estar do pessoal docente. O CESE constata que a grande escassez de professores e as condições de trabalho e salariais pouco atrativas (4) têm um efeito negativo na qualidade do ensino. Esta situação pode criar um obstáculo ao desenvolvimento de sistemas de aprendizagem mista inclusivos e de alta qualidade.

1.15

O CESE salienta que a combinação do ensino presencial e do ensino à distância exige que os professores sejam criativos e inovadores (5) e que possuam boas competências pedagógicas. É essencial conceber a aprendizagem mista de forma a respeitar a carga de trabalho, o tempo de trabalho e as condições de trabalho dignas dos professores, garantindo que tenham um ambiente de trabalho favorável.

1.16

O CESE recomenda que seja assegurada uma direção escolar democrática, que permita aos estudantes e professores dispor de uma independência efetiva para orientarem o seu próprio processo de aprendizagem e ensino. O CESE salienta uma vez mais a importância de assegurar e reforçar a governação democrática dos sistemas de educação e formação, o que deve implicar «uma consulta significativa das organizações da sociedade civil» (6).

1.17

O CESE observa que a aprendizagem mista fora de um ambiente de educação formal, por exemplo, a aprendizagem informal e não formal, deve ser reconhecida, mediante a aplicação efetiva da Recomendação do Conselho, de 20 dezembro de 2012, sobre a validação da aprendizagem não formal e informal. Com efeito, a aprendizagem informal e não formal desempenha um papel importante no apoio ao desenvolvimento de competências interpessoais, comunicativas e cognitivas essenciais, nomeadamente a criatividade, a cidadania ativa e as competências para a vida profissional. A participação nos processos de validação deve ser acessível a todos e apoiada por investimentos públicos sustentáveis.

1.18

O CESE salienta que uma aprendizagem mista bem desenvolvida deve ser apoiada por investimentos públicos sustentáveis, ocupar um lugar de destaque no âmbito do Semestre Europeu e beneficiar do apoio de fundos adicionais da UE, como o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o Erasmus+ e o Fundo Social Europeu Mais (FSE+). O apoio ao acesso a programas de aprendizagem em linha de qualidade é essencial para qualquer aluno. É necessário mais investimento, especialmente para assegurar um ensino à distância de alta qualidade aos alunos do EFP, garantir o seu acesso a instrumentos e simuladores que os ajudem na aprendizagem prática independente num ambiente seguro, bem como para disponibilizar centros comunitários de aprendizagem ao longo da vida (7) e bibliotecas.

1.19

O CESE constata que a utilização crescente de instrumentos digitais no âmbito da aprendizagem mista põe cada vez mais em perigo a segurança dos dados de alunos e professores, bem como os direitos de propriedade intelectual dos professores. Por conseguinte, a Comissão e os Estados-Membros devem prever um financiamento público sustentável e criar um quadro jurídico adequado em consulta com os parceiros sociais e as partes interessadas do setor da educação, assegurando a proteção de dados e os direitos de propriedade intelectual na educação. O CESE manifesta preocupação com o facto de a recomendação considerar que não são necessários recursos suplementares para aplicar os planos da proposta. O financiamento pode ser uma forma de estimular a cooperação em domínios em que a UE não dispõe de uma forte competência. Os custos podem envolver custos de alojamento, manutenção e equipamento para a integração de uma plataforma, alojamento de recursos didáticos, segurança de dados, equipamento de professores e alunos, etc. Os alunos mais desfavorecidos serão os mais prejudicados se não se dispuser de recursos adequados.

1.20

O CESE exorta a Comissão e os Estados-Membros a abordar a proliferação dos prestadores de ensino e a expansão do setor das tecnologias educativas, que será cada vez mais favorecido pela aplicação da aprendizagem mista nos programas educativos. O CESE convida os Estados-Membros a elaborar regulamentações nacionais, incluindo a possibilidade de criar plataformas públicas de ensino e aprendizagem em linha para proteger o valor público da educação. Além disso, as plataformas públicas devem ser estabelecidas em consulta significativa com os parceiros sociais e as partes interessadas do setor da educação, respeitando plenamente a autonomia profissional dos professores e do pessoal docente, bem como a liberdade académica e a autonomia das instituições de ensino, sem exercer pressão sobre os professores ou o pessoal docente quanto ao material educacional e aos métodos pedagógicos que utilizam.

1.21

Tendo em conta a importância atribuída a todo o domínio da aprendizagem mista, o CESE propõe que, para a recomendação em apreço, se desenvolva uma medição discreta e uma recolha de dados diferenciados em função da idade, reconhecendo as diferentes necessidades de desenvolvimento das crianças e dos jovens. Tal deve permitir também recolher informações sobre parâmetros relacionados com as desvantagens, como a intimidação e o abandono escolar precoce. As medições precisas podem ser desenvolvidas em conjunto com os parceiros pertinentes. Da mesma forma, por conseguinte, deve prever-se uma comunicação de informações e um acompanhamento claros da aplicação da recomendação.

2.   Observações na generalidade

2.1

O presente parecer analisa a proposta de Recomendação do Conselho sobre a aprendizagem mista para um ensino primário e secundário inclusivo e de elevada qualidade. O presente parecer também coloca a tónica no ensino profissional inicial de nível secundário. A proposta de recomendação não defende a generalização de uma presença reduzida do educador na aprendizagem, nem incentiva a que se passe mais horas à frente de um ecrã. O CESE congratula-se com o envolvimento dos jovens, que deve ser sustentado e contínuo em todo o processo.

2.2

Segundo um estudo da Comissão Europeia (8), a aprendizagem mista é entendida como uma abordagem híbrida que combina a aprendizagem na escola com a aprendizagem à distância, incluindo a aprendizagem em linha. A aprendizagem mista consiste num modelo flexível que pode apoiar o progresso de um projeto ou ciclo de estudos, sem exigir que os professores e os aprendentes estejam sempre no mesmo espaço físico.

2.3

Enquanto a aprendizagem baseada na escola melhora as capacidades sociais dos aprendentes, o bem-estar, o sentido de pertença, o sentido de comunidade e uma melhor interação pessoal entre professores e alunos, e entre os alunos, a aprendizagem mista bem organizada pode ajudar os aprendentes a alcançar uma aprendizagem mais independente, individualizada e autodirigida (9). Poderá ser particularmente interesse para a aprendizagem relacionada com as artes, incluindo materiais em suporte de vídeo.

2.4

Embora a proposta descreva a aprendizagem mista como uma abordagem híbrida, enfatizando a sua flexibilidade e o seu potencial para incentivar o estudo independente, é necessário um maior esclarecimento sobre o papel que os professores e os formadores desempenham na aplicação da aprendizagem mista. Neste sentido, é importante garantir que a aprendizagem mista seja aplicada nos programas curriculares através de uma abordagem escolar holística, tendo em conta as necessidades dos professores, dos estudantes e das suas famílias. É também necessário que a aprendizagem mista seja aplicada durante o horário escolar e não cause uma sobrecarga insustentável para os professores nem um fardo adicional para as famílias dos alunos.

3.   Observações na especialidade

3.1

A crise da COVID-19 forçou os alunos das escolas primárias, secundárias e do EFP a ser mais independentes. As escolas e os professores (na sua maioria sem qualquer preparação adequada) foram obrigados a adaptar-se, perante a situação de emergência, ao ensino em linha e à distância, recorrendo a mensagens digitais, ao correio eletrónico, às conversações por vídeo em linha e a outros meios para estabelecer contacto com os alunos, a fim de proporcionar um ensino adequado durante o confinamento. Tratou-se também de um desafio significativo para os alunos com deficiência, que se encontram em maior desvantagem na interação através dos meios digitais. Os governos, as emissões televisivas, os parceiros sociais, os prestadores de ensino e formação, as ONG e os indivíduos atuaram de forma incrivelmente rápida para apoiar os professores na criação de salas de aula virtuais e plataformas de colaboração, mas ainda há muito por fazer.

3.2

Tendo em conta o enorme impacto da crise da COVID-19 nos jovens e no sistema educativo, também devemos ser prudentes quanto ao momento da mudança. É necessário tempo para processar o regresso às aulas presenciais, e muitos jovens precisam de se habituar ao regresso ao «normal». Tantas mudanças em tão pouco tempo podem ser desestabilizadoras. As crianças e os jovens sofreram as consequências da crise da COVID-19. A sua educação, socialização, perspetivas económicas e saúde mental foram particularmente afetadas durante a pandemia. A prioridade no próximo período deve ser o regresso à normalidade, dedicando especial atenção ao bem-estar, à saúde mental e à aprendizagem formal.

3.3

O CESE manifesta a sua preocupação face à capacidade das escolas primárias, e mesmo de alguns primeiros anos das escolas secundárias, para abordar a aprendizagem mista, uma vez que os aprendentes destas faixas etárias carecem amiúde das competências necessárias para participar ativamente num ambiente de aprendizagem mista. Geralmente, falta-lhes autonomia, competências de colaboração, competências em tecnologias da informação e comunicação, construção do conhecimento, competências de autoavaliação e várias outras competências ditas do século XXI. Estas competências são necessárias para uma aprendizagem bem-sucedida num ambiente misto, pelo que a sua ausência numa população de aprendentes representa uma ameaça séria à qualidade da aprendizagem mista prestada. É necessário estabelecer um princípio segundo o qual a transição experimental para a aprendizagem mista na escolaridade começa com os alunos mais velhos e não com os mais novos.

3.4

O CESE chama a atenção para o facto de os alunos do EFP terem sido os que mais perderam na experiência de aprendizagem prática nos programas de aprendizagem durante a pandemia de COVID-19. A falta de acesso à banda larga e aos instrumentos informáticos, a interação inadequada entre os professores e os estudantes, bem como a falta de ambientes de aprendizagem adequados contribuíram para uma maior percentagem de abandono escolar, em particular entre as raparigas e as crianças oriundas de meios socioeconómicos desfavorecidos. Por conseguinte, a aprendizagem mista deve ser cuidadosamente concebida e implantada de modo a assegurar um ambiente e instrumentos de aprendizagem inclusivos para todas as crianças. Embora a recomendação se centre amplamente no ensino primário e secundário, e também no EFP inicial de nível secundário, seria útil explorar o potencial da aprendizagem mista na área dos programas de aprendizagem.

3.5

A proposta inclui entre as suas medidas uma resposta direta à crise, dando «prioridade ao bem-estar físico e mental dos aprendentes e das suas famílias», bem como impulsionar «o desenvolvimento das competências digitais dos alunos e das famílias». Neste sentido, o CESE salienta a importância de alargar o âmbito da garantia do bem-estar e da melhoria das competências digitais a todo o sistema educativo, nomeadamente os professores, os formadores e os dirigentes escolares.

3.6

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão de desenvolver, em cooperação com os Estados-Membros, material de orientação específico, manuais e outra documentação concreta, com base em dados comprovados, atividades de aprendizagem entre pares e boas práticas. Tal permitirá colmatar as lacunas identificadas no apoio ao desenvolvimento de uma abordagem de aprendizagem mista a nível da escola e do sistema. Os parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes também devem fazer parte desta cooperação. Cada ação, mudança ou ajuste no domínio dos sistemas educativos devem ser efetuados com o máximo cuidado. Devemos ter a certeza absoluta de que tais mudanças não agravam de forma alguma as desvantagens educativas e o abandono escolar precoce, que são indubitavelmente os maiores desafios que o nosso sistema educativo enfrenta.

3.7

O CESE considera que a aprendizagem mista tem potencial para transformar completamente o ensino e a aprendizagem. No entanto, embora a proposta realce as «oportunidades criadas pela combinação da aprendizagem, incluindo a melhoria da qualidade e da inclusividade da educação e da formação, bem como do desenvolvimento de competências alargadas e do bem-estar dos aprendentes», o CESE salienta que as limitações na aplicação da aprendizagem mista devem ser cuidadosamente consideradas. Deve ser prestada especial atenção às regiões rurais e às zonas pobres, onde faltam infraestruturas (falta de acesso a banda larga e a instrumentos informáticos) e um ambiente de apoio (ambiente doméstico, contexto financeiro, etc.) que possibilitem uma aprendizagem mista de qualidade benéfica para os estudantes. A ligação a redes potentes e fiáveis, especialmente quando toda a família precisa de se conectar para tratar dos seus assuntos, é fundamental. Além disso, nem todos os estudantes têm níveis suficientes de competências digitais, autodisciplina ou autonomia necessários para acompanhar as aulas de forma independente e realizar tarefas sem interação presencial com os professores. De uma forma geral, o êxito da aprendizagem mista depende muito da supervisão e assistência dos pais — especialmente no caso dos alunos mais jovens. Esta situação corre o risco de criar ou aumentar as desigualdades nos resultados de aprendizagem dos alunos e contribuir para um aumento na taxa de abandono escolar precoce, uma vez que nem todos têm pais que são capazes ou têm disponibilidade para desempenhar eficazmente essa função.

3.8

Embora os sistemas educativos tenham registado um movimento crescente no sentido da privatização nos últimos anos, a aprendizagem mista deve ser aplicada nos programas educativos de modo a proteger a responsabilidade e a transparência na governação dos sistemas públicos de ensino da influência dos interesses e intervenientes privados e comerciais. A educação enquanto bem público não deve ser prejudicada pela aprendizagem mista.

3.9

Antes da pandemia de COVID-19, os educadores enfrentavam o desafio de um crescente fosso de aprendizagem entre os alunos devido a diversas pressões socioeconómicas. Outros fatores incluem o racismo, a segregação e um declínio geral da mobilidade ascendente e uma recessão na economia global. Em geral, também tem sido registada uma maior dependência dos trabalhos de casa, por exemplo, o que apenas serve para aumentar as disparidades de resultados. O isolamento e a autoaprendizagem também têm efeitos psicológicos prejudiciais. Para muitos alunos, especialmente aqueles de origens socioeconómicas desfavorecidas, a interação presencial com os professores e os colegas proporciona conforto e ajuda a reduzir o fosso de aprendizagem. A atual pandemia de COVID-19 exacerbou este fosso de aprendizagem, incluindo o fosso de competências digitais, colocando mais estudantes em risco de falhar na aprendizagem.

3.10

O CESE chama a atenção para o facto de a formação inicial e o desenvolvimento profissional contínuo dos professores não serem suficientes para os dotar das competências adequadas, incluindo competências digitais, métodos pedagógicos ou materiais de ensino úteis no contexto da aprendizagem mista. Tal aplica-se, em especial, ao trabalho com alunos com necessidades especiais, num contexto multicultural, ou com alunos desfavorecidos, o que é ainda mais problemático do que o habitual, pois penaliza precisamente os grupos de alunos que necessitam de mais apoio na situação atual. O Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência apela à igualdade de acesso aos serviços de educação para os trabalhadores e os alunos com deficiência, bem como à disponibilização de medidas como a linguagem gestual, a legendagem em direto e o trabalho adaptado.

3.11

Os instrumentos de autoavaliação mencionados na proposta, como a futura ferramenta SELFIE para os professores, têm potencial para apoiar a aplicação da aprendizagem mista. No entanto, o CESE chama a atenção para o risco de estes instrumentos poderem criar uma avaliação comparativa entre as instituições de ensino, com vista à criação de classificações escolares, ligas e concursos. É importante que a aplicação da aprendizagem mista respeite as características específicas de quaisquer instituições de ensino e as prioridades no que diz respeito à utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC), as quais devem ser acordadas pelos professores, formadores e dirigentes escolares.

3.12

O trabalho com crianças e jovens deve basear-se cada vez mais na participação real e contínua das pessoas envolvidas, de acordo com o artigo 12.o da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. À exceção de uma consulta, a recomendação não dá grande ênfase aos pontos de vista das crianças. Esta lacuna deve ser colmatada. Muitos Estados-Membros estão a desenvolver modelos de boas práticas e a UE está a elaborar a sua própria estratégia para os direitos da criança. Este tipo de mudança deverá acabar por ser visível na gestão e avaliação escolares.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2020) 625 final, COM(2020) 624 final, JO C 66 de 26.2.2021, p. 1, JO C 221 de 10.6.2021, p. 3.

(2)  JO C 56 de 16.2.2021, p. 1.

(3)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 27.

(4)  Comissão Europeia: «Teachers in Europe Careers, Development and Well-being» [Professores na Europa, carreiras, desenvolvimento e bem-estar], 2021.

(5)  Comissão Europeia: «Blended learning in school education — guidelines for the start of the academic year 2020/21» [Aprendizagem mista na educação escolar — orientações para o início do ano letivo 2020/2021].

(6)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 27.

(7)  Downes, P. (2011). Multi/Interdisciplinary Teams for Early School Leaving Prevention: Developing a European Strategy Informed by International Evidence and Research [Equipas multi/interdisciplinares para a prevenção do abandono escolar precoce: desenvolvimento de uma estratégia europeia com base em dados e investigações internacionais]. Comissão Europeia, NESET (Rede de Peritos sobre os Aspetos Sociais da Educação e da Formação), Direção-Geral Educação e Cultura: Bruxelas.

(8)  Comissão Europeia: «Blended learning in school education — guidelines for the start of the academic year 2020/21» [Aprendizagem mista na educação escolar — orientações para o início do ano letivo 2020/2021].

(9)  Ibid.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/134


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à garantia de condições de concorrência equitativas para um transporte aéreo sustentável

[COM(2021) 561 final — 2021/0205 (COD)]

(2022/C 105/20)

Relator:

Thomas KROPP

Consulta

Parlamento Europeu, 13.9.2021

Conselho da União Europeia, 14.9.2021

Base jurídica

Artigo 100.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

231/0/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reafirma a importância fundamental do mercado da aviação da UE para o comércio e o turismo na União Europeia, bem como para a competitividade internacional da economia europeia (1).

No entanto, tendo em conta que a aviação é um dos setores em que o ritmo de crescimento das emissões de CO2 é mais elevado, o CESE apoia as iniciativas regulamentares levadas a cabo pelas instituições da UE para mitigar o impacto da aviação no ambiente (2).

1.2.

O pacote Objetivo 55 desenvolvido pela Comissão visa colocar a UE no bom caminho para atingir o seu ambicioso objetivo de redução das emissões de gases com efeito de estufa em 55 %, em relação aos níveis de 1990, até 2030, alinhando a política da UE com os ambiciosos mandatos políticos do Pacto Ecológico Europeu e da Lei Europeia em matéria de Clima. O CESE apoia este pacote legislativo muito ambicioso, que inclui várias propostas legislativas aplicáveis à aviação, de que a promoção dos combustíveis para a aviação sustentáveis é um elemento essencial. Embora a Comissão tenha avaliado o caráter complementar da proposta em apreço relativamente a outras propostas pertinentes, o CESE considera que a Comissão deveria ter também em consideração os efeitos financeiros cumulativos de todas as medidas legislativas pertinentes.

1.3.

No contexto das iniciativas legislativas tendentes a acelerar a transição para a neutralidade carbónica, a proposta relativa à ReFuelUE Aviação assume uma importância fundamental para a aviação. Ao contrário do que acontece noutros setores, a aviação está dependente dos combustíveis fósseis como fonte de energia. Com vista a possibilitar o crescimento do setor da aviação a par da redução das respetivas emissões de CO2, a proposta de regulamento relativo à ReFuelUE Aviação visa acelerar a produção, a distribuição e a utilização de combustíveis de aviação sustentáveis impondo aos fornecedores de combustível para aviação a jato a obrigação de fornecer uma mistura de combustível com uma percentagem cada vez maior de combustíveis de aviação sustentáveis em todos os aeroportos da UE, e exigindo às companhias aéreas que aumentem gradualmente em etapas predefinidas a utilização de combustíveis sustentáveis.

Em linha com a sua abordagem da promoção da aviação sustentável, o CESE apoia o objetivo central da proposta da Comissão, mas propõe alterações com vista a assegurar que esta possa ser aplicada eficazmente e sem criar distorções.

1.4.

O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão para acelerar o crescimento do mercado de combustíveis de aviação sustentáveis. É um facto que os combustíveis de aviação sustentáveis — se forem produzidos em quantidade suficiente e estiverem disponíveis para todas as companhias aéreas — permitirão reduzir significativamente as emissões de CO2 do setor. No entanto, o CESE tem dúvidas sobre se a abordagem seguida pela Comissão evitará distorções de concorrência.

1.5.

A aviação é um setor de serviços de âmbito internacional que abrange, na prática, dois mercados distintos com dinâmicas de mercado distintas: o mercado único europeu do Espaço Económico Europeu (EEE), por um lado, e o mercado regulamentado internacionalmente, por outro. O CESE considera que a proposta de regulamento deve ter claramente em conta esta diferença e apela à Comissão para que vele pela manutenção de condições de concorrência equitativas dentro da EEE e promova normas relativas à sustentabilidade aplicáveis a nível mundial.

1.6.

A proposta de regulamento abrangerá todas as operações de todas as companhias aéreas da UE, quer operem dentro do EEE, quer internacionalmente; as redes de companhias aéreas de países terceiros, no entanto, só serão abrangidas na medida em que prestem serviços a partir de um aeroporto da UE. A obrigação de abastecimento de combustível com uma percentagem mínima de combustíveis de aviação sustentáveis não se aplicará a todos os outros serviços internacionais de companhias aéreas de países terceiros. A diferença de preço prevista entre os combustíveis de aviação convencionais e os combustíveis de aviação sustentáveis poderá, por conseguinte, conferir uma vantagem concorrencial às companhias aéreas de países terceiros. Numa altura em que todo o setor da aviação a nível mundial enfrenta grandes dificuldades para recuperar da pior crise da história do pós-guerra, as companhias aéreas da UE não deveriam ter de suportar mais custos unilateralmente. Além disso, se o custo decorrente da diferença de preços for transferido para os passageiros, os voos menos respeitadores do ambiente operados por companhias aéreas de países terceiros passarão a ser mais atrativos para os passageiros da UE.

1.7.

O CESE recomenda que a aplicação efetiva do regulamento em apreço seja precedida de uma fase-piloto, durante a qual as disposições internas do EEE relacionadas com a mitigação do impacto da aviação no ambiente poderiam ser alinhadas e a Comissão se empenharia na estreita coordenação das iniciativas da UE de promoção dos combustíveis de aviação sustentáveis com iniciativas semelhantes realizadas a nível internacional. Quando for produzida e estiver disponível para as transportadoras da UE e de países terceiros uma quantidade suficiente de combustíveis de aviação sustentáveis, o regulamento proposto será plenamente aplicado, impondo obrigações também para as companhias aéreas de países terceiros com voos a partir dos aeroportos da UE. Esta abordagem por etapas minimizará os riscos de desvantagens para os primeiros a tomar a iniciativa, reduzirá o risco de fuga de carbono, permitirá um processo de execução com uma boa relação custo-eficácia e proporcionará estabilidade de planeamento a todas as partes interessadas, incluindo aos fabricantes de combustíveis de aviação sustentáveis. Além disso, facilitará a aplicação de uma abordagem coerente em relação aos biocombustíveis.

1.8.

Atendendo a que as rotas de longo curso são responsáveis por uma proporção significativamente maior de emissões de CO2 do que as rotas de médio e pequeno curso no EEE (3), o CESE considera que a Comissão deveria colocar mais ênfase nos meios de alcançar uma coordenação das medidas regulamentares internacionais. Estas medidas de terceiros, juntamente com os mecanismos de compensação já acordados como é o caso do Regime de Compensação e Redução das Emissões de Carbono da Aviação Internacional (CORSIA) (4), darão um novo impulso à produção, difusão e utilização dos combustíveis de aviação sustentáveis a nível internacional, acelerando, desse modo, a procura de combustíveis de aviação sustentáveis e reduzindo o risco de fuga de carbono (5).

O CESE concorda com a análise da Comissão de que a criação de um mercado de combustíveis de aviação sustentáveis levará tempo. O CESE insta a Comissão a desenvolver um roteiro realista e abrangente para o aumento gradual da utilização destes combustíveis a fim de proporcionar estabilidade de planeamento a todas as partes interessadas, nomeadamente aos produtores dos combustíveis, e de fornecer orientações para o processo de acompanhamento político.

2.   Observações na generalidade

2.1.

É necessária uma abordagem regulamentar abrangente e eficaz para promover o crescimento da aviação sustentável.

2.1.1.

A proposta de regulamento relativo à ReFuelUE Aviação complementa e é complementada por várias outras propostas regulamentares do pacote Objetivo 55, todas elas destinadas a mitigar os efeitos da aviação no ambiente (6). Na avaliação do impacto e da viabilidade da proposta relativa à ReFuelUE Aviação, há que ter, assim, devidamente em conta a interdependência destas propostas e o seu efeito cumulativo no mercado da aviação.

2.1.2.

A revisão da Diretiva Tributação da Energia proposta introduzirá uma taxa mínima de tributação aplicável aos voos dentro da UE; os combustíveis de aviação sustentáveis beneficiarão de um imposto mínimo de taxa zero, devendo as taxas de tributação aumentar gradualmente ao longo de um período de dez anos para o nível de 10,75 EUR/gigajoule. O objetivo declarado da proposta em apreço é estimular a utilização de combustíveis mais sustentáveis na aviação e incentivar as companhias aéreas a utilizar aeronaves mais eficientes e menos poluentes, bem como evitar uma possível perda de receitas na ordem dos 32 %. Se os Estados-Membros estabelecerem, a título individual, uma taxa de tributação superior à taxa mínima, estes impostos nacionais sobre o CO2 adicionais aumentariam significativamente os custos suportados pelas companhias aéreas, a menos que sejam produzidos combustíveis de aviação sustentáveis em quantidades suficientes. Afigura-se essencial estabelecer essa relação com a disponibilidade de combustíveis de aviação sustentáveis; caso contrário, as normas poderão ter um efeito punitivo em vez de fornecerem mais incentivos à produção e à utilização daqueles combustíveis.

2.1.3.

Com efeito, o CESE tem dúvidas de que a introdução de mais impostos possa estimular a transição dos combustíveis fósseis para os combustíveis de aviação sustentáveis, se estes não estiverem disponíveis em quantidade suficiente.

2.1.4.

Na ausência de disposições anti-dumping significativas, as condições de mercado permitem atualmente às companhias aéreas oferecer tarifas abaixo dos respetivos custos de exploração marginais, ou mesmo abaixo dos custos cumulativos da gestão do tráfego aéreo e das taxas aeroportuárias. A introdução de um novo imposto não afetará esses níveis de preço marginais e, por conseguinte, não constituirá um incentivo à utilização de combustíveis de aviação sustentáveis como medida competitiva; a introdução na UE desse imposto mínimo apenas contribuirá para privar as companhias aéreas dos meios financeiros necessários para investirem em aeronaves mais eficientes. Além disso, as receitas obtidas com estes impostos adicionais não podem, por definição, ser utilizadas para fins pré-determinados (ambientalmente relevantes), indo, em vez disso, para os cofres dos Estados-Membros. Por conseguinte, não poderão ser utilizadas para promover o crescimento da oferta a fim de responder à procura crescente de viagens aéreas.

2.1.5.

O CESE entende, por conseguinte, que é necessária uma avaliação mais diferenciada da dinâmica do mercado que atente nomeadamente na eventual necessidade de responder, como medida regulamentar adicional, à necessidade de legislação anti-dumping que obrigue efetivamente à aplicação de um nível de preços mínimo para cobrir custos exógenos (7).

A Comissão propõe igualmente a revisão do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (CELE) aplicável à aviação, outra das medidas que integram o pacote Objetivo 55. O CELE em vigor cobre aproximadamente 40 % do total das emissões na UE; com a revisão do regime, esta percentagem aumentará graças à inclusão de outros setores, como é o caso do setor marítimo. Além disso, a percentagem de redução obrigatória das emissões aplicável aos setores abrangidos pelo CELE foi aumentada de 40 % para 61 % até 2030, em relação aos níveis de 2005, enquanto as licenças de emissão atribuídas a título gratuito deverão ser progressivamente suprimidas entre 2023 e 2025.

2.1.6.

Com efeito, o comércio de licenças de emissão é um mecanismo de mercado para reduzir as emissões e o ajustamento dos parâmetros deste instrumento pode reforçá-lo. Na avaliação dos efeitos das medidas referidas na dinâmica do mercado, conforme proposto anteriormente, há que ter presente que a redução progressiva das licenças de emissão atribuídas a título gratuito implica um encargo financeiro adicional a juntar ao custo adicional do imposto mínimo a aplicar a nível da UE. Além disso, no que respeita à Diretiva Tributação da Energia, à Diretiva Comércio de Licenças de Emissão e à proposta de regulamento relativo à ReFuelUE Aviação, tal avaliação requer a análise de dados sobre a utilização e o consumo de combustível para aviação a jato, bem como a utilização de combustíveis de aviação sustentáveis. A simplificação das disposições relativas à recolha, comunicação e verificação dos dados deve ser objeto de maior atenção, a fim de evitar a complexidade desnecessária e garantir a viabilidade dos processos.

A proposta de regulamento relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos visa garantir a criação das infraestruturas aeroportuárias adequadas a fim de permitir o acesso a combustíveis de aviação sustentáveis em todos os aeroportos da UE. Embora seja evidentemente fundamental assegurar uma logística eficiente para a disseminação dos combustíveis de aviação sustentáveis, o regulamento em si necessita de ser clarificado; de acordo com a redação atual, os veículos para o fornecimento de combustíveis verdes poderiam ser considerados não ecológicos (8). Na ausência de disposições mais claras, é difícil avaliar até que ponto poderão ser gerados custos adicionais nos aeroportos potencialmente transferíveis para as companhias aéreas.

2.2.

A proposta de regulamento relativo à ReFuelUE Aviação é fundamental para garantir a sustentabilidade futura da aviação, mas importa evitar que tenha efeitos distorcivos no mercado da aviação.

2.2.1.

A Comissão reconhece que a produção e a difusão dos combustíveis de aviação sustentáveis a nível industrial exigirão investimentos consideráveis, e tempo, para um crescimento significativo. Dado que a jurisdição da Comissão está juridicamente limitada ao tráfego aéreo intra-UE, e, em termos efetivos, intra-EEE, a Comissão propõe duas medidas para minimizar as distorções na concorrência internacional: assegurar a utilização de combustível com mistura de combustíveis de aviação sustentáveis em todos os voos que partem dos aeroportos da UE independentemente do seu destino, e impor que o combustível disponibilizado nos aeroportos da UE contenha uma percentagem mínima de combustíveis de aviação sustentáveis. A primeira medida tem como alvo os fornecedores e é não-discriminatória em relação às companhias aéreas. A segunda medida, no entanto, suscita dúvidas quanto à sua viabilidade e eficácia relativamente à prevenção de distorções de mercado.

2.2.2.

O artigo 7.o impõe a todas as companhias aéreas a obrigação de comunicarem informações, nomeadamente sobre o combustível abastecido em determinado aeroporto da UE, e também sobre a quantidade total de combustível de aviação com mistura de combustíveis sustentáveis comprado aos fornecedores. A comunicação pelas companhias aéreas de informações sobre a utilização e o consumo de combustível por voo já é uma prática corrente no contexto das obrigações de comunicação no âmbito do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (CELE), sendo este sistema aplicável apenas aos voos intra-UE (9). A proposta de regulamento estende as obrigações de comunicação aos voos internacionais com partida dos aeroportos da UE. Estes voos são operados também por transportadoras aéreas de países terceiros, que, por conseguinte, passam a estar abrangidas pela obrigação de comunicação de informações. A imposição de obrigações de comunicação de informações a companhias aéreas não nacionais para efeitos de fiscalização do cumprimento pelas autoridades nacionais é uma prática internacionalmente aceite. Por conseguinte, esta obrigação de comunicação não deve merecer oposição internacional.

2.2.3.

No entanto, o artigo 5.o estabelece que (todas) as companhias aéreas têm de assegurar que a quantidade anual de combustível de aviação abastecido num determinado aeroporto da UE corresponde a, pelo menos, 90 % do combustível de aviação necessário anualmente. A finalidade desta disposição consiste em prevenir o chamado abastecimento em excesso. A Comissão refere-se ao abastecimento em excesso como um meio de as companhias aéreas se abastecerem de mais combustível do que o necessário para evitar o reabastecimento no aeroporto de destino onde o combustível poderá ser mais caro (10). No entanto, os aeroportos de escala de algumas companhias aéreas não pertencentes à rede europeia encontram-se nas proximidades do EEE (exemplos: Londres, Doa, Dubai, Istambul), bastando um voo de curta distância para alcançar esses aeroportos a partir dos aeroportos do EEE. As aeronaves poderão, depois, graças ao abastecimento de combustível nesse aeroporto de escala fora da UE, alcançar os destinos das rotas de longo curso sem abastecerem em excesso. A repercussão do acréscimo de custos relacionado com os combustíveis de aviação sustentáveis nos passageiros, através do aumento do preço dos bilhetes, poderia incentivar os passageiros a viajar para os seus destinos finais de longo curso através do aeroporto de escala fora da UE (mais barato) (11). No entanto, o artigo 5.o não contempla as distorções sistémicas provocadas pela criação de desvantagens competitivas para os aeroportos de escala da UE e, consequentemente, para as companhias aéreas associadas da UE.

2.2.4.

Atendendo a que as rotas para os aeroportos de escala localizados próximo da UE envolvem voos de pequeno curso, o abastecimento de combustível para estes voos com partida da UE abrange apenas uma pequena fração do total das operações internacionais das companhias aéreas de países terceiros. Com o tempo, à medida que a percentagem de combustível com mistura de combustíveis de aviação sustentáveis for aumentando, aumentará também a diferença de preço entre o combustível com mistura de combustíveis de aviação sustentáveis e combustível de aviação tradicional, com o consequente aumento da atratividade dos voos via aeroportos de escala fora da UE associada a preços mais competitivos. Os passageiros serão ainda mais incentivados a evitar rotas que envolvam o abastecimento com combustíveis de aviação sustentáveis, em prejuízo do objetivo declarado da proposta de regulamento em apreço de promover a utilização de combustíveis de aviação sustentáveis e, desse modo, reduzir as emissões de CO2, incluindo nas rotas a partir da UE.

2.2.5.

À luz do que precede, o CESE recomenda o «escalonamento» da aplicação do regulamento proposto. Numa fase-piloto, as atividades deverão centrar-se na harmonização das disposições em vigor em matéria de comunicação de informações e de tributação relacionada com o CO2 a nível da UE e nacional. Muitas dessas disposições vigoram em paralelo e formam a base para o cálculo do nível tanto das licenças e das compensações das emissões, como dos impostos sobre o CO2/combustíveis de aviação a pagar a nível nacional. No entanto, estas disposições não são vistas no mesmo contexto, dando origem a processos administrativos paralelos envolvendo as partes interessadas e as administrações. O regulamento proposto introduziria, na sua redação atual, um requisito adicional de comunicação de informações ainda mais completas sobre o abastecimento de combustível em todos os aeroportos, incluindo o abastecimento com combustíveis de aviação sustentáveis e a utilização de combustíveis a nível da UE; a Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação (AESA) e a Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (Eurocontrol) seriam igualmente obrigadas a comunicar as informações acumuladas recebidas nos termos do regulamento, mas não necessariamente outras informações.

2.2.6.

O CESE considera que é necessário começar por criar transparência e reduzir a complexidade desnecessária simplificando os mecanismos de informação, verificação e acompanhamento relativamente aos regulamentos atualmente aplicáveis às companhias aéreas da UE, estabelecendo, desse modo, um conjunto de medidas coerente, eficaz e eficiente que poderá integrar as diversas iniciativas nacionais, criando um quadro harmonizado. Nesta fase-piloto, a informação comunicada pelas companhias aéreas da UE refletiria o abastecimento de combustíveis de aviação sustentáveis (apenas) por companhias aéreas da UE para voos intra-EEE. Esta abordagem afigura-se realista tendo em conta o tempo que será necessário para aumentar a produção de combustíveis. Os referidos voos no mercado único europeu da aviação não devem, inicialmente, incluir passageiros internacionais.

2.2.7.

Esta fase-piloto proposta não atrasaria necessariamente a plena aplicação do regulamento, e teria como objetivo a simplificação dos processos de informação e verificação dentro da UE a fim de assegurar que as medidas do pacote Objetivo 55 aplicáveis à aviação não geram encargos administrativos complexos e desnecessários. Além disso, criaria transparência sobre o efeito financeiro cumulativo das medidas relativas ao setor da aviação europeu. A fase-piloto não impediria a Comissão de alinhar os processos com os adotados fora do EEE.

2.2.8.

A aplicação do regulamento proposto aos voos internacionais a partir de aeroportos da UE deveria ficar dependente da disponibilidade de combustíveis de aviação sustentáveis para fazer face ao aumento da procura. Um regime eficaz de abastecimento de combustíveis de aviação sustentáveis a nível do EEE poderia, por conseguinte, servir de referência, modelo ou norma a nível mundial. Um alargamento gradual do âmbito do regime proposto evitará, além disso, uma repetição da controvérsia em que a Comissão se viu envolvida a propósito da inclusão dos voos com partida da UE no CELE. É fundamental que a Comissão desenvolva instrumentos regulamentares viáveis a nível do EEE e negocie uma abordagem harmonizada a nível mundial.

2.2.9.

No contexto da coordenação dos esforços para o desenvolvimento de um quadro internacional aperfeiçoado e direcionado, o CORSIA poderá e terá de ser necessariamente abordado. Mantendo a distinção entre os marcos relativos às medidas a nível do EEE e os marcos relativos ao quadro internacional, o CORSIA poderá ser consensualmente adaptado a este último sem acrescentar complexidade às primeiras.

2.3.

É necessário estabelecer um roteiro abrangente, claro e convincente para a aplicação das propostas apresentadas, bem como marcos de acompanhamento.

2.3.1.

As metas climáticas que têm sido acordadas a nível político no EEE para todos os setores, e nomeadamente para a aviação, são extremamente ambiciosas e, como confirma o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) no seu relatório recentemente publicado, já deveriam ter sido alcançadas. No entanto, as especificidades da aviação, tal como descritas pela Comissão e sintetizadas acima, requerem incentivos à procura e à oferta no mercado de combustíveis de aviação sustentáveis, que é atualmente insignificante, sem comprometer a competitividade internacional do setor da aviação europeu ou a segurança do emprego na UE. Para responder a estes desafios específicos do setor, será essencial aplicar medidas eficazes de forma gradual com etapas claramente definidas, em relação às quais as partes interessadas possam adaptar realisticamente os seus produtos e processos internos.

2.3.2.

O processo legislativo em curso envolve naturalmente alguma incerteza quanto ao resultado final dos pacotes legislativos. O CESE insta todas as instituições da UE a procurar manter ou mesmo melhorar a eficácia acumulada das medidas propostas — e a chegar a um consenso sobre o roteiro para a sua execução.

2.3.3.

Esse roteiro incluirá o alinhamento das medidas nacionais já existentes. Alguns Estados-Membros já desenvolveram esses roteiros após consulta com as partes interessadas (12).

3.   Observações na especialidade

3.1.

Para o êxito da aplicação da proposta é fundamental evitar erros de conceção críticos na utilização obrigatória de combustíveis de aviação sustentáveis. A Comissão desenvolveu oito opções legislativas que diferem no que respeita à parte obrigada do regulamento (fornecedor e/ou companhia aérea), ao âmbito geográfico (intra-EEE com ou sem extra-EEE), às obrigações acessórias para os futuros combustíveis de aviação sustentáveis sofisticados (nomeadamente os combustíveis renováveis de origem não biológica), ao objetivo (quantidade de combustíveis de aviação sustentáveis/redução das emissões de gases com efeito de estufa), e aos requisitos logísticos (isto é, se a opção prevê a disponibilização de um livro e sistema de reclamação que torne o abastecimento físico de cada aeroporto desnecessário, evitando a necessidade de assegurar que cada lote de combustível em cada aeroporto contém combustíveis de aviação sustentáveis).

3.2.

O CESE apoia a abordagem seguida pela Comissão de tornar obrigatórios os biocombustíveis avançados e o querosene sintético. A proposta da UE prevaleceria sobre determinadas obrigações nacionais que se baseiam, em parte, em combustíveis obtidos a partir de culturas. Por conseguinte, dado que a produção de biocombustíveis se reveste de importância decisiva para muitos setores, e não apenas para a aviação, é fundamental garantir que seja sempre sustentável.

3.3.

A proposta da Comissão prevê que, até 2023, os combustíveis de aviação incluam uma percentagem mínima de 5 % de combustíveis de aviação sustentáveis, dos quais 4,3 % representarão biocombustíveis e 0,7 % querosene sintético. A Comissão deve rever a proporção entre os biocombustíveis avançados e o querosene sintético. Uma vez que os biocombustíveis avançados são produzidos a partir de resíduos, os recursos escassos limitam a sua exploração ambiciosa. Já o querosene sintético, se for produzido a partir de eletricidade renovável (ecológica) e de CO2 capturado da atmosfera, proporcionará combustível com emissões irrisórias de CO2. O CESE considera que a criação de mais legislação secundária poderia acelerar a introdução de processos de produção avançados, e facilitar a consecução de objetivos mais ambiciosos a médio e a longo prazo para as misturas de combustíveis de aviação sustentáveis.

3.4.

Tendo em conta o potencial do querosene sintético, o CESE recomenda uma inclusão mais ambiciosa deste combustível. Um aumento da percentagem mínima obrigatória para 0,7 % em 2027 e para 5 % em 2030 não parece ser irrealista. Na opinião do CESE, a Comissão subestima a dinâmica do mercado do querosene sintético. Os países em desenvolvimento na América do Sul e em África podem desenvolver centrais, e armazenar e transportar combustíveis sintéticos para os países que têm necessidade de combustíveis de aviação sustentáveis e daqueles combustíveis. Com a eventual expansão das centrais, a produção de combustíveis sintéticos tornar-se-á cada vez mais acessível para estes países. A Diretiva Energias Renováveis reformulada (DER III) não proporciona, no entanto, suficiente estabilidade de planeamento para os investidores investirem em novas tecnologias. Esta fonte de energia é, não obstante, tão importante, que o CESE insiste na importância de um roteiro politico claro, como descrito acima.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 99; JO C 389 de 21.10.2016, p. 86.

(2)  Comunicação — Pacto Ecológico Europeu [COM(2019) 640 final];

Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente], https://ec.europa.eu/transport/themes/mobilitystrategy_pt;

Diretiva Comércio de Licenças de Emissão, incluindo a aviação[COM(2021) 552 final];

Diretiva Energias Renováveis [COM(2021) 557 final];

Diretiva Infraestrutura para Combustíveis Alternativos [COM(2021) 560 final].

(3)  Metade das emissões de CO2 é gerada por apenas 6 % dos voos: as operações de longo curso, Data Snapshot on CO2 emissions and flight distance, Eurocontrol [Instantâneo de dados sobre as emissões de CO2 e a distância de voo].

(4)  O Regime de Compensação e Redução das Emissões de Carbono da Aviação Internacional (CORSIA) é um regime, baseado no mercado, de compensação da percentagem de emissões de CO2 geradas por voos internacionais que excede o nível de 2020. Está a ser aplicado desde 1 de janeiro de 2021 numa base voluntária, até 2026; 81 países (incluindo todos os Estados-Membros da UE) que representam 77 % da aviação internacional aderiram voluntariamente.

(5)  Vários países, como é o caso do Reino Unido e dos Estados Unidos da América, estão igualmente a planear medidas para promover os combustíveis de aviação sustentáveis e reduzir as emissões de CO2, ver SWD(2021) 633 final.

(6)  SWD(2021) 633 final, secção 7.2.

(7)  Qualquer intervenção regulamentar a nível dos mecanismos de mercado é contrária aos objetivos de liberalização do mercado da aviação. No entanto, a liberalização não é um dogma, e tem limites quando obsta à consecução dos objetivos climáticos estabelecidos no Pacto Ecológico. É neste contexto que o CESE solicita uma análise pormenorizada e diferenciada das implicações de tais intervenções para o mercado, num quadro regulamentar liberalizado. Esta medida assume especial pertinência quando estão em causa várias iniciativas regulamentares complementares que são interdependentes e podem ter efeitos financeiros cumulativos para as partes interessadas.

(8)  Parecer sobre Taxonomia do investimento sustentável — Alterações climáticas, adotado em 22.9.2021, ECO/549 (JO C 517 de 22.12.2021, p. 72).

(9)  A intenção inicial de estender a aplicação do CELE aos voos para e a partir dos aeroportos da UE foi posta de parte na sequência da oposição de países terceiros que insistiram no argumento de que as respetivas companhias aéreas não podem ser legalmente abrangidas por um regime regulamentar da UE equivalente a um imposto.

(10)  Exposição de motivos (1. Razões e objetivos da proposta), p. 1.

(11)  Exemplo: o preço do bilhete para o voo entre Estugarda e Cuala Lumpur com escala em Viena refletiria o custo do combustível com mistura de combustíveis de aviação sustentáveis, mais caro, para o segmento de voo de curta distância Estugarda-Viena, bem como o custo da utilização obrigatória de combustíveis de aviação sustentáveis no segmento de longo curso Viena-Cuala Lumpur. Em contrapartida, num voo entre Estugarda e Cuala Lumpur com escala em Istambul, a utilização de combustível com mistura de combustíveis de aviação sustentáveis apenas seria necessária para o segmento de voo de curta distância Estugarda-Istambul.

No exemplo apresentado acima, poderia, com efeito, ser financeiramente vantajoso para a operadora do voo Istambul-Estugarda abastecer-se com uma quantidade suficiente de combustível em Istambul para reduzir a necessidade de um novo reabastecimento de combustível para o voo de regresso entre Estugarda e Istambul, desse modo evitando também o abastecimento com combustível com mistura de combustíveis sustentáveis. Estas considerações esbarram contra o disposto no artigo 5.o.

(12)  Exemplo: Power-To-Liquid Roadmap of Germany, 2021 [Roteiro para os combustíveis sintéticos da Alemanha, 2021] https://www.bmvi.de/SharedDocs/DE/Anlage/LF/ptl-roadmap.pdf?__blob=publicationFile


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/140


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/87/CE no respeitante à notificação aos operadores de aeronaves com base na União da compensação no âmbito de uma medida baseada no mercado global»

[COM(2021) 567 final — 2021/0204 (COD)]

(2022/C 105/21)

Relator:

Thomas KROPP

Consulta

Conselho da União Europeia, 14.9.2021

Parlamento Europeu, 13.9.2021

Base jurídica

Artigos 192.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

7.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

238/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) observa que, devido à pandemia de COVID-19, as emissões de CO2 do setor da aviação diminuíram 64 % em 2020, em comparação com os níveis de 2019 (1). Baseando-se nas previsões da Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (Eurocontrol), a Comissão indica na sua proposta que o volume de tráfego não deverá atingir os níveis de 2019 antes de 2024 (2).

1.2.

O Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional das Nações Unidas (OACI) decidiu, em julho de 2020, que as emissões de 2019 devem ser utilizadas como base de referência para calcular a compensação (3) a efetuar pelas companhias aéreas relativamente aos anos 2021 e 2022.

1.3.

De acordo com a proposta de alteração da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (4), os Estados-Membros devem comunicar as compensações, como exigido pelo direito internacional, em 2022 relativamente a 2021, embora se preveja que o aumento das emissões em 2021 em relação a 2019 seja negligenciável, ou mesmo nulo.

1.4.

Por conseguinte, o CESE apoia a proposta da Comissão (5) de alteração da Diretiva 2003/87/CE no que diz respeito à notificação da compensação em 2021. A alteração deve ser adotada sem demora, a fim de garantir segurança jurídica (6).

1.5.

O CESE recomenda que se preveja um prolongamento da base de referência alterada até que o número médio de passageiros atinja os níveis de 2019, pelo menos para os anos de 2022 e 2023 — segundo as previsões atuais, estes são os anos em que se deverá verificar a recuperação. Caso contrário, os operadores de aeronaves seriam obrigados a compensar as emissões apesar de realizarem menos voos e gerarem menos emissões do que durante o ano de referência.

1.6.

O Regime de Compensação e Redução das Emissões de Carbono da Aviação Internacional (CORSIA) faz parte de um pacote de medidas destinadas a atenuar o impacto da aviação no ambiente. O CESE exorta a Comissão a reexaminar todas as propostas regulamentares pertinentes para o setor da aviação no âmbito do pacote Objetivo 55 da sua política do Pacto Ecológico, com vista a estabelecer a interdependência das propostas para avaliar o seu impacto financeiro cumulativo e harmonizar os respetivos procedimentos.

1.7.

Em 2016, os Estados membros da OACI, incluindo os Estados-Membros da UE, acordaram em aplicar o CORSIA como instrumento de proteção do clima no domínio da aviação internacional. O CESE acolhe favoravelmente a adoção de medidas à escala mundial para setores que têm uma dimensão global. Por conseguinte, apela à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e aos Estados-Membros para que continuem a subscrever e a apoiar plenamente o CORSIA.

2.   Observações gerais

2.1.

Em 2016, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) adotou o CORSIA para fazer face às emissões de CO2 da aviação. As normas e procedimentos de aplicação deste regime foram adotados num anexo à Convenção de Chicago, que todos os Estados membros da OACI devem aplicar desde janeiro de 2019.

2.2.

Um regime de compensação não reduz as emissões do setor, mas as companhias aéreas compensarão noutros setores o aumento das emissões da aviação, a fim de estabilizar as emissões líquidas de CO2. Um requisito fundamental é que a redução das emissões noutros locais seja permanente e não conduza a aumentos involuntários das emissões.

2.3.

O CORSIA reveste-se de uma importância inestimável, uma vez que se trata de um mecanismo acordado internacionalmente à escala das Nações Unidas. Todos os Estados membros da OACI signatários devem assegurar que os seus transportadores comuniquem anualmente as emissões; a monitorização dos voos internacionais teve início em 1 de janeiro de 2019. Por conseguinte, as companhias aéreas estão obrigadas a criar bases de dados para o combustível utilizado em cada voo, a fim de calcular as emissões de CO2, aplicando um dos diversos métodos aprovados para a medição de combustíveis. No entanto, os Estados membros da OACI acordaram em aplicar o CORSIA em fases sucessivas; entre 2021 e 2026, apenas os voos entre Estados que tenham decidido participar voluntariamente nesta primeira fase estarão sujeitos a compensação (7). A partir de 2027, todos os voos internacionais serão abrangidos pelo regime, com uma isenção muito reduzida para alguns países em desenvolvimento. Os voos domésticos são da competência de outra instância das Nações Unidas, a CQNUAC (8), e são abrangidos pelo Acordo de Paris.

2.4.

Devido à crise sem precedentes provocada pela pandemia de COVID-19 e à forte diminuição do volume de tráfego e, por conseguinte, das emissões de CO2 em 2020, seguida de um processo de recuperação que se vem arrastando, é muito pouco provável que se apliquem requisitos de compensação no período 2021-2023; tal poderia criar incertezas quanto à pertinência das obrigações de notificação. A proposta em apreço estabelece a obrigação jurídica de os Estados-Membros da UE notificarem às companhias aéreas baseadas na UE, até 30 de novembro de 2022, os valores de compensação relativamente às emissões de 2021, mesmo que estes sejam nulos. Tal proporcionaria segurança jurídica tanto para as companhias aéreas da UE como para os Estados-Membros.

2.5.

Prevê-se que o CORSIA permita compensar cerca de 2,5 mil milhões de toneladas de CO2 entre 2021 e 2035, o que corresponde a uma média anual de 165 milhões de toneladas de CO2 (9). No entanto, uma vez que o CORSIA não reduz as emissões da aviação, não afetará os níveis reais de CO2 emitidos pelo setor. Por conseguinte, o CORSIA deve ser considerado em conjugação com outros mecanismos que têm impacto nos níveis de emissões de CO2 do setor (10). Três outras medidas no âmbito do pacote Objetivo 55 (11) prosseguem este objetivo: a introdução de um imposto sobre o querosene apenas à escala da UE, a introdução de um mandato de mistura para combustíveis de aviação sustentáveis (12) e alterações ao Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE (CELE).

2.6.

Embora tanto o CORSIA como o CELE abordem as emissões de CO2, o seu modo de funcionamento é diferente. O CELE reduz o volume total das emissões permitidas, obrigando as companhias aéreas a comprar licenças para as suas emissões individuais. Por outro lado, o CORSIA obriga as companhias aéreas a adquirir compensações para contrabalançar o aumento das emissões coletivas do setor, para que cada tonelada de CO2 emitida pela aviação seja evitada ou reduzida noutro setor. O CELE aplica-se ao transporte aéreo no interior da UE. Tal inclui, contudo, os passageiros que apenas estão em trânsito entre um aeroporto da UE e um aeroporto de escala da UE para chegar a um destino internacional; nesses casos, são fixados preços para as emissões de CO2 de todos os segmentos de viagem que envolvem um aeroporto da UE. O mesmo passageiro poderia dirigir-se para o mesmo destino de longo curso através de um aeroporto de escala situado na vizinhança da UE, como Londres, Istambul, Dubai, Doa ou Moscovo; nesse caso, contudo, as emissões de CO2 do voo de longo curso proveniente de um aeroporto de escala de um país terceiro não seriam abrangidas pelo CELE. Estes casos de fuga de carbono devem ser abordados.

2.7.

A iniciativa ReFuelUE Aviação poderia igualmente conduzir a distorções da concorrência, uma vez que a utilização de misturas com combustíveis de aviação sustentáveis seria (apenas) obrigatória em todos os aeroportos da UE, mas não nos aeroportos de escala de países terceiros. Embora os combustíveis de aviação sustentáveis emitam menos CO2 do que os combustíveis convencionais, os seus custos de produção são significativamente mais elevados. Sem um financiamento público dos combustíveis de aviação sustentáveis, o custo adicional desses combustíveis acabaria por se repercutir nos passageiros, que pagariam mais por voos internacionais a partir de um aeroporto de escala da UE do que por voos para o mesmo destino a partir de um aeroporto de escala de um país terceiro. Há que evitar estas distorções significativas da concorrência internacional; em última análise, colocam em risco as reduções de emissões de CO2 que são desejadas do ponto de vista político, comercial e, sobretudo, ecológico.

2.8.

A tributação do querosene só teria um efeito no mercado se estimulasse a produção de combustíveis de aviação sustentáveis, o que não é necessariamente o caso.

2.9.

O CESE recomenda que a Comissão elabore uma panorâmica completa de todas as medidas baseadas no mercado e dos seus efeitos esperados no mercado da aviação.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/clima/news/emissions-trading-greenhouse-gas-emissions-reduced-2020_pt

(2)  https://www.eurocontrol.int/publication/eurocontrol-five-year-forecast-2020-2024

(3)  A compensação é uma ação de uma empresa ou de um indivíduo destinada a compensar as suas emissões através do financiamento de uma redução das emissões noutro local. Nos mercados em que a compensação é obrigatória, são emitidos créditos de redução certificada de emissões para as compensações criadas por projetos de redução de emissões. Estes créditos podem ser transacionados entre empresas e governos para respeitar os acordos internacionais que limitam a quantidade de CO2 que pode ser emitida por um organismo ou organização.

(4)  Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275 de 25.10.2003, p. 32).

(5)  A proposta objeto do presente parecer: COM(2021) 567 final — 2021/0204 (COD).

(6)  O CESE segue o raciocínio do considerando 9 da proposta COM(2021) 567 final — 2021/0204 (COD).

(7)  Pelo menos 88 Estados, que representam 77 % da aviação internacional, estão abrangidos pelo regime desde 2021, incluindo todos os Estados-Membros da UE.

(8)  Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. As medidas no âmbito da CQNUAC foram aplicadas pela primeira vez através do Protocolo de Quioto, que foi assinado em 1997 e vigorou entre 2005 e 2020. O Protocolo de Quioto foi substituído pelo Acordo de Paris, que entrou em vigor em 2016. A CQNUAC conta com 197 Estados signatários. Os progressos registados na aplicação das suas decisões são acompanhados pela Conferência das Partes (COP), que se reúne anualmente.

(9)  Ficha de informação da IATA sobre o CORSIA, 12 de maio de 2019.

(10)  Como a inclusão da aviação no CELE (Diretiva 2003/87/CE) ou a iniciativa ReFuelEU Aviação [COM(2021) 561 final — 2021/0205 (COD)].

(11)  O pacote Objetivo 55 da Comissão é composto por várias propostas regulamentares interdependentes que permitiriam à União Europeia atingir o objetivo, acordado pelo Conselho da UE em 2020, de redução de 55 % das emissões líquidas de gases com efeito de estufa do continente; este objetivo está consagrado na Lei Europeia em matéria de Clima. As propostas deste pacote afetam igualmente os ecossistemas europeus dos transportes e do turismo. Sem incentivos eficazes, as propostas não podem conduzir a políticas sustentáveis da UE em matéria de turismo e transportes. Pelo contrário, as medidas propostas poderiam dar lugar a um aumento significativo dos custos para as empresas da UE, tanto grandes como pequenas, e prejudicar a sua competitividade em relação às empresas de transportes e de turismo de países terceiros situadas junto das fronteiras da UE, colocando assim em risco os empregos da UE nestes setores. As regiões da UE que dependem em grande medida do turismo seriam, por conseguinte, particularmente afetadas. Uma abordagem sustentável e orientada para o futuro, como proposto pela Comissão, consiste em medidas complementares. Porém, estas medidas, de forma articulada, devem servir de catalisadores para um setor neutro em termos de gases com efeito de estufa; por conseguinte, o seu impacto cumulativo nos custos para os ecossistemas europeus dos transportes e do turismo deve ser tido em conta, a fim de assegurar a estabilidade do planeamento dos investimentos em novos empregos.

(12)  Projeto de parecer do CESE TEN/744 (ver página 136 do presente Jornal Oficial).


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/143


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Caminho para um planeta saudável para todos — Plano de ação da UE: «Rumo à poluição zero no ar, na água e no solo»

[COM(2021) 400 final]

(2022/C 105/22)

Relatora:

Maria NIKOLOPOULOU

Consulta

Comissão Europeia, 31.5.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

4.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

105/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia o plano da Comissão de abordar de forma holística os diferentes tipos de poluição e cumprir os compromissos do Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para que o plano seja verdadeiramente ambicioso, os objetivos devem estar totalmente alinhados com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o nível de ambição deve ser reforçado desde o início, ou seja, agora.

1.2.

O CESE insta a Comissão a começar a recolher dados para, em breve, poder apresentar propostas legislativas nos domínios em que elas não existem, por exemplo, o da poluição luminosa e vibracional.

1.3.

O CESE saúda a criação da plataforma de partes interessadas na poluição zero, destinada a acelerar a descontaminação, e pretende colaborar através da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular (1) e de outros mecanismos.

1.4.

O CESE lamenta que, na hierarquia da poluição zero, a reparação e a compensação dos danos relacionados com a poluição mereçam menor atenção. Importa definir ações para os casos em que não é possível identificar os responsáveis pela poluição ou em que estes não podem compensar os danos.

1.5.

O CESE propõe que, no âmbito da avaliação das fontes de material particulado, o seu potencial de oxidação e as partículas ultrafinas sejam incluídos na legislação e no acompanhamento da poluição por material particulado.

1.6.

A fim de combater a poluição marinha, todos os portos devem dispor de um sistema avançado de recolha e gestão de resíduos. Além disso, a União Europeia (UE) deve incentivar as ações de extração de lixo do mar de forma contínua, tanto para apoiar a descontaminação como para assegurar uma atividade secundária à pesca.

1.7.

Parte da poluição de plásticos no mar provém das águas interiores. A limpeza dos rios europeus exige a coordenação entre os países afetados.

1.8.

O CESE considera que é necessário harmonizar a gestão dos resíduos e que estes devem ser geridos e revalorizados onde são produzidos ou onde haja instalações de reciclagem adequadas para evitar impactos negativos em países terceiros.

1.9.

Embora os objetivos estejam estabelecidos a nível da UE, o CESE recomenda a definição de limites mínimos por país, a fim de assegurar que todos os Estados-Membros realizem progressos suficientes, ainda que a ritmos diferentes.

1.10.

O CESE insta os Estados-Membros e a Comissão a acelerar o processo de transição para fontes de energia renováveis, que são de extrema importância para que as empresas viabilizem o seu processo de descarbonização da produção.

1.11.

O CESE felicita a Comissão pela estratégia de ciência cidadã para promover a participação e o compromisso das pessoas, sensibilizando para a poluição, a saúde e o bem-estar.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

O Plano de Ação da UE «Rumo à poluição zero no ar, na água e no solo» é uma das pedras angulares finais do Pacto Ecológico. Estabelece como objetivo principal para 2050 a redução da poluição para níveis não nocivos para a saúde humana e o ambiente. A Comissão integrará e ligará todas as ações em curso que visam simultaneamente vários objetivos em matéria de poluição.

2.2.

Ao abrigo do direito da UE, em consonância com as ambições do Pacto Ecológico e em sinergia com outras iniciativas, até 2030, a UE deverá assegurar uma redução:

superior a 55 % dos impactos da poluição atmosférica na saúde (mortes prematuras);

de 30 % da percentagem de pessoas cronicamente perturbadas pelo ruído dos transportes;

de 25 % dos ecossistemas da UE em que a poluição atmosférica ameaça a biodiversidade;

de 50 % das perdas de nutrientes, da utilização e do risco de pesticidas químicos, da utilização dos mais perigosos e das vendas de agentes antimicrobianos para animais de criação e na aquicultura;

de 50 % do lixo de plástico no mar e de 30 % dos microplásticos libertados no ambiente;

significativa da produção total de resíduos e de 50 % dos resíduos urbanos finais.

2.3.

Os relatórios do plano de acompanhamento e de prospetiva da poluição zero previstos para 2022 e 2024 terão como finalidade avaliar o processo de cumprimento dos objetivos de 2030 e serão a base de referência para decidir as medidas a aplicar ou a reforçar para garantir o êxito desses objetivos. A partir daí, definir-se-ão os passos seguintes para alcançar a poluição zero em 2050.

2.4.

A Comissão, juntamente com o Comité das Regiões Europeu, lançará a plataforma de partes interessadas na poluição zero.

2.5.

A Diretiva-Quadro Estratégia Marinha será revista até 2023 a fim de reduzir o plástico e outros resíduos, o ruído subaquático e os poluentes.

2.6.

A revisão da Diretiva Tratamento de Águas Residuais Urbanas e da Diretiva Lamas de Depuração aumentará o nível de ambição no sentido de eliminar os nutrientes das águas residuais e preparar a água tratada e as lamas para reutilização.

O Regulamento relativo a transferências de resíduos será revisto a fim de melhor monitorizar as exportações de resíduos, assegurar o seu tratamento sustentável e restringir as exportações com impactos nocivos no ambiente e na saúde em países terceiros.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Conforme indicado no plano de ação, a luta contra a poluição é também uma luta pela equidade, uma vez que os impactos mais nocivos na saúde são sentidos pelos grupos mais vulneráveis, incluindo as crianças, as pessoas idosas ou com patologias clínicas, as pessoas com deficiência e as pessoas que vivem em condições socioeconómicas mais desfavorecidas (2). A nível mundial, são os países de baixo e médio rendimento que mais suportam o ónus das doenças associadas à poluição, registando quase 92 % das mortes relacionadas com a poluição (3).

3.2.

O CESE apoia o plano da Comissão e as suas iniciativas emblemáticas para abordar de forma holística os diferentes tipos de poluição e cumprir os compromissos do Acordo de Paris e os ODS. Para que o plano seja verdadeiramente ambicioso, os objetivos devem estar totalmente alinhados com as recomendações da OMS.

3.3.

O CESE concorda com a abordagem de reforçar a legislação em vigor nos diferentes domínios e de a ajustar nos casos em que não tenha sido aplicada com êxito; por exemplo, em matéria de qualidade do ar e da água. O Comité reitera que a política ambiental da UE revelou que a aplicação deficiente, fragmentada e díspar da legislação ambiental da UE constitui um grave problema em muitos Estados-Membros (4). Além disso, não falta conhecimento sobre o que deve ser feito; o que falta é a execução de medidas já conhecidas, muitas vezes decididas há muito tempo, e vontade política (5).

3.4.

O CESE insta a Comissão a começar a recolher dados para, em breve, poder apresentar propostas legislativas nos domínios em que elas não existem; por exemplo, o da poluição luminosa e vibracional.

3.5.

O nível de cumprimento dos objetivos será avaliado com base nos resultados do acompanhamento e da prospetiva para 2024. Desta forma, abrir-se-á um debate para avaliar o nível de ambição e, se necessário, rever os objetivos e a legislação de forma mais aprofundada. O CESE receia que este processo seja demasiadamente longo, tendo em conta o pouco tempo que resta para cumprir os objetivos de 2030, e considera que o nível de ambição deve ser reforçado desde o início, ou seja, agora.

3.6.

Os objetivos estabelecidos para 2030 em matéria de poluição do ar baseiam-se em anos de referência demasiadamente antigos. Os anos de referência variam consoante os objetivos, uma vez que se baseiam em dados e legislação diferentes. Embora os longos períodos de dados acumulados facilitem as projeções, o CESE considera que o ponto de partida temporal para avaliar a evolução dos objetivos deveria estar alinhado para todos os objetivos a fim de obter uma visão realista do nível de cumprimento.

3.7.

O quadro facilitador deverá ajudar as empresas, nomeadamente as pequenas e médias empresas, a aplicar a legislação de controlo da poluição, minimizando os encargos administrativos. É igualmente necessário harmonizar um quadro regulamentar a nível internacional, uma vez que a poluição da UE não termina nas suas fronteiras.

3.8.

O CESE considera que o processo de cooperação entre setores é fundamental para garantir a transição. Por conseguinte, saúda a criação da plataforma de partes interessadas na poluição zero e pretende colaborar através da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular e de outros mecanismos. Recomenda igualmente o estabelecimento de uma colaboração estreita com países terceiros e a criação de espaços de cooperação entre a sociedade civil das diferentes regiões, uma vez que a poluição não tem fronteiras.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O apoio da UE à inovação, ao investimento e à investigação no domínio dos novos equipamentos e tecnologias é importante para todas as empresas e para a criação de novos postos de trabalho de qualidade. No entanto, é necessário investir na natureza e biodiversidade (recuperação dos ecossistemas e agricultura regenerativa), na prosperidade (infraestruturas sustentáveis, transições energéticas e energias renováveis, edifícios e mobilidade ecológica ou pública) e nas pessoas (educação e superação do fosso digital, investigação e desenvolvimento, reformas fiscais para criar oportunidades mais justas e equitativas nos domínios da educação, saúde e ambiente).

4.2.

O CESE lamenta que, na hierarquia da poluição zero, a reparação e a compensação dos danos relacionados com a poluição mereçam menor atenção. O princípio do poluidor-pagador não se revelou muito eficaz, como demonstra o elevado número de sítios contaminados ainda existentes na UE. Importa definir ações para os casos em que não é possível identificar os responsáveis pela poluição ou em que estes não podem compensar os danos.

4.3.

No que diz respeito à poluição do ar, o CESE chama a atenção da Comissão para o material particulado, que está associado a milhões de mortes prematuras em todo o mundo. No âmbito da avaliação dos efeitos toxicológicos do material particulado na saúde humana, deve estabelecer-se uma métrica normalizada baseada não apenas na concentração mássica, mas também no tamanho e na composição química. No âmbito do processo de avaliação das fontes de material particulado, é necessário ter em conta o seu potencial de oxidação e as partículas ultrafinas, uma vez que determinam o grau de perigosidade. Estes elementos devem ser incluídos na legislação e no acompanhamento da poluição por material particulado.

4.4.

A legislação relativa às águas será adaptada de forma a reduzir os poluentes químicos e os microplásticos. O lixo de plástico é extremamente preocupante, uma vez que é difícil de eliminar e absorve outros poluentes, para além de não se ter em conta o elevado impacto químico e toxicológico dos seus aditivos e dos derivados da sua fragmentação, os nanoplásticos (6). Os países da OCDE contribuem em grande medida para o lixo de plástico produzido noutros países, o que torna necessário encontrar soluções para a poluição transfronteiras e estabelecer um novo limite mundial específico para este tipo de lixo. Além disso, a prevenção é fundamental, devendo promover-se e incentivar-se a produção no sentido da conceção ecológica. A indústria e as ciências do ambiente devem trabalhar em conjunto para estudar soluções viáveis.

4.5.

É importante, particularmente no setor da agricultura, investir na inovação de tecnologias e modelos de operação que facilitem a reutilização da água e melhorem a sua qualidade, bem como aplicar soluções para reduzir a pegada ambiental (por exemplo, na rega orgânica, na utilização de pesticidas e na emissão de nitratos). A capacitação dos operadores e a formação em novas tecnologias e soluções digitais facilitarão a sua aplicação e o cumprimento da legislação relativa às águas.

4.6.

Importa gerir de forma rigorosa os resíduos das atividades de pesca e, em particular, as redes de pesca. Tendo em conta que a mobilidade do lixo de plástico no mar segue padrões aleatórios, devem ser introduzidas regras internacionais ou, pelo menos, discriminadas de acordo com a produção e o consumo de plástico de cada país, para que os maiores poluidores paguem mais. As organizações não governamentais e alguns países demonstraram que existem ferramentas e pessoas qualificadas para extrair o lixo marinho e que é possível criar as estruturas portuárias necessárias para o seu armazenamento e reciclagem (7). No entanto, esta medida não é aplicada porque os pescadores não obtêm qualquer benefício económico da recolha e classificação dos resíduos e os portos pequenos ainda não estão preparados para essa atividade. Todos os portos, incluindo os de menores dimensões, devem dispor de um sistema avançado de recolha e gestão transparente de resíduos (8). A UE deve incentivar estas ações de forma contínua, tanto para apoiar a descontaminação como para assegurar uma atividade secundária à pesca (9).

4.7.

80 % dos resíduos presentes nos mares provêm das águas interiores (lagos e rios) (10). É mais eficaz gerir e controlar o problema na origem. A limpeza dos rios europeus exige a coordenação entre os países. No entanto, os países afetados têm ordenamentos jurídicos muito diversos e níveis de obrigações governamentais muito divergentes no que diz respeito à gestão das bacias hidrográficas.

4.8.

O CESE considera que abordar a questão das misturas químicas constitui um passo importante na avaliação dos riscos dos produtos químicos. A investigação e o desenvolvimento são fundamentais para avançar no conhecimento, na avaliação e na gestão das misturas (11).

4.9.

Orientar a UE para a poluição zero exige incentivos para facilitar a mudança, formação em novas tecnologias e soluções digitais, assistência técnica, educação social e harmonização e aplicação de guias de boas práticas para a produção e o consumo. As empresas devem dispor de energia renovável a preços acessíveis e combustíveis gasosos com baixo teor ou com teor zero de carbono em quantidade suficiente para descarbonizar os seus processos de fabrico. O CESE insta os Estados-Membros e a Comissão a acelerarem o processo de transição para fontes de energia renováveis.

4.10.

A revisão da Diretiva Emissões Industriais proporciona um nível elevado de proteção do ambiente no seu conjunto. A aplicação das melhores técnicas disponíveis que não originem custos excessivos constituiria uma abordagem mais adequada para as pequenas e médias empresas. A aplicação da Diretiva Emissões Industriais deve abranger toda a cadeia de valor, incluindo a obtenção de matérias-primas fora da UE. Os níveis de cumprimento devem ser juridicamente vinculativos no que diz respeito às emissões industriais, e é necessária uma metodologia de acompanhamento normalizada e fiável que assegure a comparação de dados fidedignos, bem como uma avaliação harmonizada que garanta condições de concorrência equitativas entre toda a indústria da UE.

4.11.

O CESE considera que a Agenda de Competências constitui um elemento fundamental para o desenvolvimento do mercado de trabalho, que orienta a formação dos profissionais de modo a sensibilizá-los para o clima, o ambiente e a saúde. Além disso, saúda a formação dos trabalhadores do setor da saúde e social, que reforçará a sua capacidade para fazer face aos riscos ambientais. Esta estratégia facilitará a adaptação dos empresários, das empresas, incluindo as pequenas e médias empresas, dos trabalhadores por conta própria e dos trabalhadores em geral, minimizando a perda de postos de trabalho.

4.12.

Os municípios e as regiões estão na linha da frente da execução dos programas contra a poluição. Os esforços dos órgãos de poder local e regional são essenciais para cumprir a agenda. É fundamental harmonizar os requisitos e as medidas em todas as regiões e garantir que a execução e os objetivos efetivamente alcançados subsistam ao longo do tempo, independentemente das mudanças políticas. Embora os objetivos estejam estabelecidos a nível da UE, o CESE recomenda a definição de limites mínimos por país, a fim de assegurar que todos os Estados-Membros realizem progressos suficientes, ainda que a ritmos diferentes.

4.13.

É importante harmonizar a gestão dos resíduos, uma vez que a separação e o tratamento não funcionam da mesma forma em todas as regiões da UE nem a nível local em cada país, o que reduz a eficácia da gestão e da prevenção da poluição. Deve proibir-se a exportação de qualquer resíduo que não cumpra as normas da UE, independentemente das medidas regulamentares do país de destino previsto. Além disso, os resíduos da UE devem ser geridos e revalorizados onde são produzidos ou onde haja instalações de reciclagem adequadas para evitar impactos em países terceiros, exceto se os resíduos forem utilizados como matéria-prima num processo de produção sustentável e respeitador do ambiente.

4.14.

A Comissão desenvolverá um quadro integrado de acompanhamento e prospetiva da poluição zero, a fim de avaliar os seus impactos sanitários, ambientais, económicos e sociais. Deve também incluir-se a monitorização do estado dos rios. Os dados recolhidos devem ser obtidos através de métodos normalizados, ser transparentes, fiáveis e rastreáveis e estar acessíveis a todos. A base de dados deverá integrar as fontes das principais instituições associadas à Comissão e também de qualquer instituição reconhecida que pretenda contribuir para o acompanhamento da poluição e dos seus efeitos.

4.15.

O CESE felicita a Comissão pela estratégia de ciência cidadã para promover a participação e o compromisso das pessoas sensibilizando para a poluição, a saúde e o bem-estar. Desta forma, capacitará as pessoas para vigiarem a poluição e integrarem os dados recolhidos com vista à tomada de decisões. Para garantir o êxito da estratégia, é necessário assegurar a coordenação entre autoridades, organizações não governamentais, comunidades e meio científico.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular

(2)  Relatório n.o 22/2018 da AEA: «Unequal exposure and unequal impacts» [Exposição e impactos desiguais].

(3)  UNEP/EA.4/3 (2018): «Implementation plan “Towards a Pollution-Free Planet”» [Plano de execução «Rumo a um planeta sem poluição»].

(4)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 33.

(5)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 76.

(6)  Ver Sendra et al., 2020.

(7)  Diretiva (UE) 2019/883 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos meios portuários de receção de resíduos provenientes dos navios, que altera a Diretiva 2010/65/UE e revoga a Diretiva 2000/59/CE (JO L 151 de 7.6.2019, p. 116).

(8)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 207.

(9)  «Can fishers help cleaning the sea from plastic waste?» [Podem os pescadores ajudar a descontaminar o mar dos resíduos plásticos?], ETF.

(10)  Programa das Nações Unidas para o Ambiente, «Marine plastic debris and microplastics» [Resíduos de plástico e microplásticos no mar], 2016.

(11)  JO C 286 de 16.7.2021, p. 181.


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/148


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos uniformes de controlo do transporte rodoviário de mercadorias perigosas (codificações)»

[COM(2021) 483 final — 2021/0275 (COD)]

(2022/C 105/23)

Consultas

Parlamento Europeu, 13.9.2021

Conselho da União Europeia, 24.9.2021

Base jurídica

Artigos 91.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

219/0/1

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 564.a reunião plenária de 20 e 21 de outubro de 2021 (sessão de 20 de outubro), decidiu, por 219 votos a favor e 1 abstenção, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/149


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1286/2014 no que respeita à prorrogação do regime transitório aplicável às sociedades gestoras, sociedades de investimento e pessoas que prestam consultoria sobre unidades de participação em organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) e em não-OICVM, ou que as vendem»

[COM(2021) 397 final — 2021/0215 (COD)]

(2022/C 105/24)

Consultas

Conselho da União Europeia, 29.7.2021

Parlamento Europeu, 13.9.2021

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

216/0/7

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 564.a reunião plenária de 20 e 21 de outubro de 2021 (sessão de 20 de outubro de 2021) decidiu, por 216 votos a favor e 7 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/150


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/65/CE no que respeita à utilização dos documentos de informação fundamental pelas sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM)»

[COM(2021) 399 final — 2021/0219 (COD)]

(2022/C 105/25)

Consulta

Conselho da União Europeia, 1.9.2021

Base jurídica

Artigo 53.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

218/0/11

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 564.a reunião plenária de 20 e 21 de outubro de 2021 (sessão de 20 de outubro de 2021) decidiu, por 218 votos a favor e 11 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/151


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de conservação e de gestão para a conservação do atum-do-sul»

[COM(2021) 424 final — 2021/0242 (COD)]

(2022/C 105/26)

Consulta

Parlamento Europeu, 13.9.2021

Conselho, 30.8.2021

Base jurídica

Artigo 43.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

221/0/1

Considerando que o conteúdo da proposta é satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 564.a reunião plenária de 20 e 21 de outubro de 2021 (sessão de 20 de outubro), decidiu, por 221 votos a favor e 1 abstenção, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/152


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento Estratégia anual para o Crescimento Sustentável 2021»

[COM(2020) 575 final]

(aditamento a parecer)

(2022/C 105/27)

Relator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Decisão da Mesa

26.4.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 1, do Regimento, e artigo 29.o, parágrafo A, das Disposições de Aplicação do Regimento

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

5.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

168/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) ainda está preocupado com o facto de os sistemas de governação dos planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR) e a repartição de responsabilidades entre os níveis central, regional e local no tocante à sua execução não serem suficientemente claros na maioria dos Estados-Membros. O mesmo acontece quanto aos mecanismos adequados para a participação das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais nas fases de execução, acompanhamento e ajuste dos PRR. O que precede foi mencionado na resolução (1) adotada em fevereiro pelo CESE, sendo que a situação permanece inalterada, apesar dos esforços da Comissão. O CESE insta veementemente a um escrutínio reforçado desses aspetos fundamentais da recuperação da União.

1.2

O CESE chama a atenção para a necessidade de medir os progressos no que se refere à execução dos PRR. São necessários bons indicadores de acompanhamento, dado que servirão de bússola para a prossecução do desenvolvimento e da recuperação. Os Estados-Membros têm de dar uma resposta adequada a este desafio, sendo necessária coragem para colocar os cidadãos a par das enormes dificuldades que se anteveem.

1.3

O CESE está convicto de que o próximo ciclo do Semestre Europeu será importante para a União enquanto instrumento central para a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). Os planos nacionais compreendem dois tipos de ferramentas: os Estados-Membros podem aplicar e levar a cabo mudanças estruturais radicais, por um lado, recorrendo à dupla transição e, por outro lado, através de investimentos e reformas em prol dos cidadãos (famílias, trabalhadores, empresários, etc.) mais diretamente afetados pela crise atual. Na opinião do CESE, devem ser contempladas ambas as opções. Estas exigem diferentes ferramentas que, por vezes, não são conciliáveis. A recuperação é necessária para tornar o sistema económico resiliente.

1.4

A crise da COVID-19 colocou em evidência algumas das mais perniciosas fragilidades da Europa: a falta de uma política de coordenação industrial e a dependência de outros espaços económicos para a obtenção de vários produtos e serviços. O CESE compreende que é difícil alterar hábitos e políticas e que são necessários vários anos para que os verdadeiros efeitos das novas políticas se façam sentir. No entanto, o tempo é um fator determinante para uma União que almeje a mudança e a recuperação. O aumento do preço das matérias-primas (e as dificuldades na sua distribuição), a falta de semicondutores e os preços elevados da energia também revelam a dependência da União face a bens críticos. O CESE deseja que todos os Estados-Membros adotem medidas concretas em matéria de investimento na educação, nas infraestruturas e na política industrial, a fim de aumentar as taxas de emprego e incentivar os cidadãos a impulsionar a indústria europeia.

1.5

O CESE apoia investimentos no ensino de elevada qualidade, na aprendizagem ao longo da vida e na I&D, que são fundamentais para fomentar e complementar as mudanças económicas e sociais promovidas pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia. É evidente a natureza indispensável de investimentos que reforcem os sistemas de saúde e as políticas de saúde pública das sociedades fortemente afetadas pela pandemia de COVID-19. Tais investimentos devem ser conjugados com uma política industrial verdadeiramente sólida, suscetível de promover a produção e o desenvolvimento de produtos e serviços na Europa, a fim de evitar uma dependência integral de outros espaços económicos.

1.6

O CESE considera ser chegada a altura de uma reforma minuciosa e profunda do pacto. É necessária uma recomendação vigorosa no contexto do novo Semestre Europeu revisto, bem como um novo pacto que inclua procedimentos e regras vinculativos para efeitos de consulta das organizações da sociedade civil e dos órgãos de poder local. Isto pressupõe a tomada de medidas. Chegou o momento de elaborar regras vinculativas que assegurem a participação em todas as fases, desde a preparação à execução, para evitar futuros problemas estruturais.

1.7

No entender do CESE, uma análise sucinta das principais prioridades dos PRR revela que é dado um destaque evidente aos objetivos do Pacto Ecológico. O CESE considera que tal é, obviamente, importante, embora tenha preocupações quanto à execução e ao impacto de certas medidas, que não parecem estar devidamente fundamentadas. Os cidadãos, os trabalhadores e as empresas devem ser apoiados no âmbito desta transição, e as metas devem ser definidas clara e razoavelmente, para evitar uma situação caracterizada por uma retórica política deslumbrante acompanhada de uma má execução prática, com consideráveis efeitos colaterais ocultos.

1.8

O CESE chama a atenção para o facto de um dos resultados mais valiosos do processo do Semestre Europeu ter sido ignorado ao longo dos anos. De facto, as recomendações específicas por país são uma oportunidade para melhorias e baseiam-se em dados coerentes. Os Estados-Membros devem reavaliar a sua atitude em relação a este instrumento, em particular após a crise da COVID-19 e à luz da oportunidade que o MRR proporciona para implementar reformas estruturais (na educação, nas políticas orçamentais, no mercado de trabalho, na proteção social no âmbito do Pilar Social e das recomendações da Cimeira do Porto) que são essenciais para a maioria dos Estados-Membros. O CESE recomenda vivamente uma mudança de atitude na perspetiva dos Estados-Membros, devendo as organizações da sociedade civil ser muito ativas e atuar como supervisoras no processo.

1.9

O CESE chama igualmente a atenção para a capacidade de absorção de fundos de alguns Estados-Membros, tendo em conta o seu «historial». Metade dos fundos estruturais do Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 não tinha sido utilizada até ao final de 2020, devendo ser despendida nos próximos anos. A experiência e os dados da Comissão devem servir de alerta aos Estados-Membros e ajudá-los a reafetar melhor os fundos em termos de distribuição e calendário. É muito importante alertar os Estados-Membros para o facto de que as suas opções políticas não devem comprometer o processo de recuperação e de que é necessário tomar algumas medidas para evitar problemas no sistema. Trata-se da necessidade não só de evitar a burocracia, mas também de prestar o apoio político adequado a bem da eficiência.

1.10

O CESE acredita que o inevitável processo de digitalização, especialmente no que diz respeito aos serviços públicos nos sistemas de saúde ou sociais, eliminará uma série de postos de trabalho. Esta digitalização pode também criar problemas para os cidadãos idosos com menos capacidade para lidar com este processo. O CESE chama a atenção para a necessidade de conceber programas que possam efetivamente apoiar os cidadãos e facilitar a transição. Os Estados-Membros devem afetar fundos de investimento para requalificar as pessoas prejudicadas por esta mudança, sendo necessária coragem política para enfrentar o desafio, tal como uma boa comunicação com os cidadãos para clarificar as políticas e os objetivos.

1.11

O CESE acolhe com agrado a grelha de avaliação da recuperação e resiliência e considera que este será um instrumento muito importante, capaz de impulsionar o processo de investimento e de criar mecanismos que possam ser de importância crucial para a União. Apoia igualmente o calendário proposto, estando prevista a sua adoção pela Comissão até ao final de setembro (2). No entanto, o CESE insiste na participação das organizações da sociedade civil também neste processo. Não se trata de uma questão de visibilidade. Trata-se de uma questão de vigilância, e o CESE chama igualmente a atenção para a necessidade de capacitar e preparar as organizações da sociedade civil para este desafio. É inútil apelar à ação destas organizações se elas não estiverem preparadas ou não dispuserem dos recursos necessários para serem ativas. Tal representa uma enorme responsabilidade e uma excelente oportunidade para as organizações da sociedade civil.

2.   Observações na generalidade

2.1

O CESE saúda o lançamento da Comunicação da Comissão — Coordenação das políticas económicas em 2021: superar a COVID-19, apoiar a recuperação e modernizar a nossa economia (3). O mundo está perante uma crise grave, que parece comprometer todos os planos e estratégias de recuperação. No entanto, para salvaguardarmos a nossa União, a resiliência e a força da Europa têm de prevalecer.

2.2

É indiscutível que a União Europeia tomou medidas sem precedentes para combater a pandemia de COVID-19, atenuar o impacto da crise e colocar a nossa economia numa trajetória de crescimento sólido, sustentável e inclusivo. No entanto, continua a existir uma elevada incerteza quanto à eficácia das políticas de saúde, sendo que a crise teve um enorme impacto na confiança dos cidadãos, que é indispensável para a recuperação económica e social. O objetivo de vacinar mais de 70 % da população europeia terá um forte impacto na confiança dos cidadãos, e o CESE saúda a coordenação assegurada entre os Estados-Membros com vista à consecução do mesmo. O CESE chama igualmente a atenção para a necessidade de clarificar aos cidadãos que estas realizações são importantes, mas que ainda é necessária prudência, uma vez que estas medidas podem não ser suficientes para pôr completamente termo à crise sanitária.

2.3

A oportunidade de que os Estados-Membros dispõem no sentido de apresentarem planos nacionais de recuperação e resiliência é um fator determinante e deve constituir uma prioridade. O CESE está convicto de que as organizações da sociedade civil podem desempenhar um papel fulcral na execução e acompanhamento desses planos, considerando que os Estados-Membros devem ter plena noção disso. Conforme referido na resolução do CESE, «[o] CESE considera que todas as reformas do processo de reestruturação devem assentar nos princípios subjacentes à UE: a defesa dos direitos humanos e sociais, os valores democráticos e o Estado de direito. Os investimentos no âmbito do MRR devem ter por objetivo libertar todo o potencial do mercado único, reforçar a resiliência económica da UE, realizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, criar uma economia circular, alcançar a neutralidade climática na UE até 2050, encorajar a inovação e a modernização no contexto da digitalização da economia e da sociedade e assegurar a aplicação eficaz do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a fim de garantir a coesão social, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades» (4).

2.4

O Instrumento de Recuperação da União Europeia, com uma dotação de 750 mil milhões de euros (500 mil milhões aplicados agora), é um instrumento fundamental que permite à UE fomentar o investimento e a recuperação, a fim de sair mais forte e mais resiliente da crise atual.

2.5

O CESE considera que o Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais define ações concretas destinadas a reforçar a dimensão social em todas as políticas da União e contribuirá para assegurar uma recuperação inclusiva.

2.6

O CESE reitera também a sua posição segundo a qual a sustentabilidade ambiental, a produtividade, a distribuição equitativa e justa e a estabilidade macroeconómica continuam a ser os princípios orientadores da agenda económica da UE. Apesar de todos os desafios, o Pacto Ecológico continua a ser uma prioridade a longo prazo e a Europa deve aproveitar a oportunidade para liderar neste domínio.

2.7

O CESE está firmemente convicto de que assegurar uma coordenação política eficaz no âmbito do Semestre Europeu continua a ser crucial para colocar a economia da UE numa trajetória de crescimento sustentável e inclusivo mais forte após a pandemia. O CESE já chamou a atenção para este aspeto nos últimos meses e continua a considerá-lo prioritário.

2.8

O CESE considera que, de um modo geral, a participação da sociedade civil organizada nos Estados-Membros ainda é reduzida. As organizações foram informadas e, em muitos casos, ouvidas, mas apenas com poucos resultados tangíveis. Salvo raras exceções, na maioria dos Estados-Membros não se realizaram consultas eficazes que tenham conduzido a alterações significativas das propostas iniciais dos governos.

3.   Observações na especialidade

3.1

Graças às medidas tomadas à escala da UE e à escala nacional, o impacto da pandemia nos mercados de trabalho europeus foi limitado. Existem, no entanto, diferentes opiniões e circunstâncias no seio da União. O CESE considera que têm de ser adotadas abordagens diferenciadas para garantir a recuperação dos Estados-Membros mais severamente afetados pela crise.

3.2

O CESE concorda com a perspetiva de continuação, em 2021 e 2022, de uma política económica prestadora de apoio. Os Estados-Membros estão perante uma enorme batalha que está longe de ter terminado. A União deve prevalecer, reconhecendo que os planos de recuperação precisam de tempo para surtir efeito e que é necessária resiliência para obter resultados. O CESE solicita com veemência a adoção de estratégias a curto e longo prazo para dar uma resposta adequada aos efeitos negativos da crise e lograr um crescimento forte e sustentável ao longo dos anos.

3.3

Regista-se uma tendência interessante de maior poupança por parte dos cidadãos europeus. Esta tendência também deverá representar uma boa oportunidade para fomentar uma combinação de investimentos privados e públicos passíveis de fazer a diferença no que toca à recuperação da economia e das condições sociais. O CESE insta a medidas específicas nesta matéria e entende que a Comissão deve incentivar todos os Estados-Membros a adotar uma política orçamental sólida. É necessária criatividade para adotar estratégias que transformem estas poupanças em investimentos inteligentes, devendo esta responsabilidade ser partilhada com os governos, as partes interessadas e as instituições financeiras.

3.4

O CESE, através do apoio e trabalho ativos do Grupo do Semestre Europeu (GSE), tenciona trabalhar na sua próxima resolução durante os próximos meses, com os contributos das nossas 27 delegações do GSE, compostas por três membros e criadas para o efeito, e acompanhar a participação da sociedade civil no processo de execução, analisando simultaneamente o conteúdo das políticas do ponto de vista da sociedade civil. Até ao momento, apenas se registou uma pequena melhoria, principalmente no que diz respeito às reuniões formais de informação, com possibilidades muito limitadas de influenciar os planos.

3.5

As organizações da sociedade civil manifestam maior otimismo quanto às perspetivas de os governos utilizarem fundos para estimular o investimento do que para incentivar reformas favoráveis ao crescimento, sendo que muitos membros consideram que os planos nacionais de recuperação e resiliência do seu país não são ambiciosos ou não refletem um empenho suficiente nas reformas, enquanto outros criticam a falta de investimento adicional que ainda não estivesse previsto antes da crise da COVID-19.

3.6

A Europa enfrentou uma enorme dificuldade com a crise da COVID-19 e revelou uma perigosa fragilidade da União: a falta de uma política de coordenação industrial e a dependência de outros espaços económicos para a obtenção de vários produtos e serviços. Este facto deve ser abordado de forma coordenada para facilitar a recuperação. Mais do que nunca, é necessária uma política industrial adequada e há que agir agora. O aumento do preço das matérias-primas também revela a dependência da União face a bens críticos. O CESE deseja que todos os Estados-Membros adotem medidas concretas em matéria de investimento na educação, nas infraestruturas e na política industrial, a fim de aumentar as taxas de emprego e incentivar os cidadãos a impulsionar a indústria europeia.

3.7

A grande maioria das organizações da sociedade civil (71 %) considera que o seu envolvimento na conceção dos planos nacionais de recuperação e resiliência dos seus países variou entre «pouco suficiente» e «extremamente limitado».

3.8

O CESE considera que o processo de digitalização é fundamental para impulsionar a economia e a sociedade, mas existe uma necessidade real de os Estados-Membros conceberem programas e afetarem recursos para eliminar os obstáculos a este processo, especialmente para alguns segmentos da população, nomeadamente os idosos e as pessoas menos qualificadas. A necessidade de desenvolver programas informáticos com impacto, alinhados com software que possa beneficiar todos os cidadãos é, por conseguinte, uma prioridade. Digitalização sim, mas não a qualquer preço.

3.9

O CESE está muito satisfeito com a iniciativa da Comissão relativa a uma grelha de avaliação da recuperação e resiliência. É um passo importante para acompanhar a execução dos PRR e o CESE considera que se trata de uma oportunidade para impulsionar o processo de investimento e criar mecanismos que possam ser de importância crucial para a União. Uma vez mais, as organizações da sociedade civil podem desempenhar um papel fundamental neste processo e estão prontas a cooperar.

4.   Os planos de recuperação e as diferentes abordagens

4.1

No que diz respeito ao quadro em vigor, o CESE entende que a prioridade deve ser uma política relativa ao crescimento sustentável e inclusivo e ao equilíbrio orçamental dos Estados-Membros. É evidente a necessidade de adaptação a uma nova fase, que terá início quando tiverem sido superados os perigos sanitários causados pela pandemia de COVID-19. Deveria existir uma alternativa a um desequilíbrio excessivo enquanto perspetiva única na sequência de um enorme aumento da dívida e do défice dos Estados-Membros. O CESE considera que este é o momento para uma reforma radical e profunda do quadro de governação orçamental e adverte veementemente contra o regresso às «antigas» regras orçamentais. Precisamos de uma recomendação vigorosa no contexto do novo Semestre Europeu revisto, bem como de um novo pacto que inclua procedimentos e regras vinculativos para efeitos de consulta das organizações da sociedade civil e dos órgãos de poder local, o que pressupõe a tomada de medidas. Chegou o momento de elaborar regras vinculativas que assegurem a participação em todas as fases, desde a preparação até à execução, e os Estados-Membros têm de considerar novas metas para a redução do défice, com especial incidência no crescimento e também na governação.

4.2

É urgente modernizar o quadro orçamental e económico, adotar uma orientação centrada na prosperidade e aplicar uma regra de ouro. A Comissão também está agora a analisar o lado das despesas, mas também — com razão — o lado das receitas. O CESE recomenda que a tributação do trabalho seja transferida para impostos ambientais, tendo simultaneamente em conta uma abordagem regressiva e não sobrecarregando os agregados familiares com baixos rendimentos. O CESE apela igualmente para que se combata o planeamento fiscal agressivo e a fraude, uma vez que tal pode comprometer a recuperação económica e orçamental dos Estados-Membros e da UE no seu conjunto. Neste contexto, é necessária uma abordagem inteligente, bem como uma maior convergência na União para avançar. A política monetária e orçamental também deve ser uma opção, eventualmente com impostos ambientais progressivos e com reduções graduais dos impostos. É evidente que a concorrência fiscal com países terceiros, em vez de países no interior da UE, pode fazer a diferença.

4.3

O CESE salienta que existe também, para além da pandemia, uma pressão sobre o preço das matérias-primas, que exige uma resposta bastante cuidadosa. O CESE é apologista da concorrência leal e apoia a necessidade de assegurar condições equitativas, mas assinala que a situação se está a agravar, existindo o risco de danos graves para toda a União. Os preços das matérias-primas aumentaram entre 30 % e 120 % nos últimos meses, e continua a registar-se uma pressão ascendente.

4.4

Os PRR revelam as diferentes perspetivas dos Estados-Membros no que se refere à recuperação de cada economia e de cada contexto social, bem como as desigualdades existentes em cada Estado-Membro. O CESE solicita políticas mais coordenadas, capazes de fortalecer a União. A cooperação entre Estados-Membros é necessária, devendo ser partilhadas boas práticas para evitar passos em falso. Setores como o turismo e a indústria transformadora, entre outros, foram os mais afetados, e o seu reforço deve constituir uma prioridade, pois será bastante importante para criar postos de trabalho, adaptar a mão de obra às necessidades reais da economia e envolver as organizações da sociedade civil no processo de execução.

4.5

O CESE está preocupado com o facto de as recomendações específicas por país formuladas pela Comissão terem sido amplamente ignoradas por alguns Estados-Membros até à data, o que levou a um ceticismo quanto a uma possível mudança de atitude no futuro. Além disso, a capacidade de absorção de certos Estados-Membros e os efeitos transformadores dos investimentos do MRR são algo a pôr em causa, pelo que existem dúvidas quanto à sua eficiência e eficácia potenciais. O CESE insiste, por conseguinte, na necessidade de um acompanhamento atento.

4.6

O CESE considera que a execução dos PRR não pode ser um mero pró-forma, devendo estar em consonância com o verdadeiro espírito do instrumento. Assim, defende que importa reconhecer o papel das organizações da sociedade civil e realizar as consultas em fóruns públicos e não à porta fechada.

4.7

A crise da COVID-19 acentuou e exacerbou as disparidades que existem há muito tempo nas nossas sociedades, e as pessoas mais vulneráveis foram muitas vezes as mais afetadas. A incidência de infeções por COVID-19 foi mais elevada nas pessoas mais carenciadas. Vários segmentos da sociedade sofrem frequentemente o maior impacto das medidas de combate à crise. A perda de postos de trabalho, provocada pela crise, afetou em maior número, e de forma desproporcionada, os trabalhadores pouco qualificados e/ou os jovens. Além disso, a educação tem sido gravemente perturbada em muitos casos. Agravaram-se os riscos de desigualdades para os grupos de cidadãos menos qualificados.

5.   O mercado único como ponto forte do modo de vida europeu

5.1

A crise da COVID-19 fez-se sentir em todos os Estados-Membros, embora com níveis de impacto diferentes. Uma abordagem coordenada no que se refere à vacinação permitiu que a União alcançasse excelentes resultados. O objetivo de vacinar 70 % da população da União representou uma tarefa de monta, tendo a resposta da UE sido bastante positiva. Não obstante alguns problemas (expectáveis no âmbito de um projeto desta natureza), a vacinação foi um êxito e representou um bom exemplo do «projeto de paz» de que a União é sinónimo, desde a sua criação.

5.2

Mais do que nunca, o mercado único e a respetiva integração devem ser uma prioridade, importando evitar conflitos políticos. A retórica política, encontrada em alguns Estados-Membros, que coloca em questão o mercado único foi contradita pelos factos: a negociação e redação dos PRR num prazo tão curto apenas foi possível graças a uma União forte e a uma abordagem coordenada. A comunicação é fundamental para promover os valores europeus, e o mercado único é parte desse processo. Todos os cidadãos europeus devem beneficiar do mercado interno, para que se possam orgulhar da capacidade da Europa para responder à crise, apesar de todos os contratempos criados pelo desafio de uma resposta coordenada à crise.

5.3

O CESE compreende que os Estados-Membros adotaram diferentes abordagens no que se refere à situação sanitária, mas também sublinha que, após o processo de vacinação, importa reforçar a promoção da coordenação e das boas práticas. A União deve tirar partido das suas mais-valias — e, mais concretamente, da livre circulação de cidadãos, mercadorias e capitais. O CESE tenciona apoiar esta liberdade sem comprometer os sistemas de saúde dos Estados-Membros, o que apenas é possível num contexto de coordenação do mercado único. A viabilidade dessa coordenação foi demonstrada várias vezes ao longo da história pelos Estados-Membros. Chegou a altura de dar uma resposta adequada.

5.4

O CESE defende o mercado único e as suas oportunidades, juntamente com um mercado social forte, que é essencial e é uma «marca» da União. Trata-se de uma realização que cumpre proteger.

6.   As organizações da sociedade civil no contexto dos planos de recuperação

6.1

O CESE insiste em que a participação das organizações da sociedade civil é crucial para a recuperação, especialmente porque temos de admitir que as medidas de recuperação de emergência, tanto à escala nacional como da UE, podem tornar-se permanentes.

6.2

As organizações da sociedade civil apoiam investimentos de elevada qualidade na educação, na aprendizagem ao longo da vida e na I&D, que são essenciais para fomentar e complementar as mudanças económicas e sociais promovidas pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia, tal como os investimentos que reforçam os sistemas de saúde e as políticas de saúde pública das sociedades fortemente afetadas pela pandemia de COVID-19. Mais do que nunca, as organizações ativas «no terreno» têm a capacidade e a responsabilidade de indicar e propor formas de enfrentar os desafios reais, cabendo aos Estados-Membros ter a coragem de associar estas organizações ao processo decisório. O CESE solicita a aplicação desta abordagem sobretudo pelo facto de as organizações da sociedade civil terem experiência e conhecimentos adquiridos ao longo de décadas de serviço dedicado a várias causas, com muito bons resultados.

6.3

Em tempos de crise, a voz das organizações da sociedade civil é mais importante do que nunca, não só devido à experiência dessas organizações, mas principalmente pela sua relação de contacto direto com a realidade, que é indispensável para acompanhar e executar políticas com um impacto efetivo.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência — O que funciona e o que não funciona? (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1).

(2)  Grelha de avaliação da recuperação e resiliência & indicadores comuns: Grelha de avaliação da recuperação e resiliência: elementos pormenorizados e indicadores comuns.

(3)  COM(2021) 500 final, de 2.6.2021, Coordenação das políticas económicas em 2021: superar a COVID-19, apoiar a recuperação e modernizar a nossa economia.

(4)  Participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência — O que funciona e o que não funciona? (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1).


4.3.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 105/158


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a recomendação de recomendação do Conselho sobre a política económica da área do euro

[COM(2020) 746 final]

(aditamento a parecer)

(2022/C 105/28)

Relatora:

Kristi SÕBER

Decisão da Mesa

26.4.2021

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 1, do Regimento, e artigo 29.o, parágrafo A, das Disposições de Aplicação do Regimento

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

5.10.2021

Adoção em plenária

20.10.2021

Reunião plenária n.o

564

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

166/2/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está ciente de que a pandemia está longe de terminada e que as suas repercussões económicas se farão sentir ao longo de muitos anos, pelo que importa adotar um novo conjunto de políticas económicas de emergência específicas. Congratula-se com as previsões mais recentes da Comissão Europeia que apontam para uma nova aceleração rápida das economias da área do euro e da UE a partir de 2021 (os dados preliminares vão nesse sentido), graças, em especial, à recuperação do investimento, fortemente apoiado pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia (NextGenerationEU), em especial o Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

1.2.

Ao mesmo tempo, o CESE reconhece que a UE atravessa o período mais grave da história económica da integração europeia, que afeta o consumo privado e o investimento, bem como o desempenho do comércio externo. Neste momento crítico, só a despesa pública pode ajudar a aliviar a situação.

1.3.

Perante esta situação única específica, cabia criar um novo conjunto de políticas económicas de emergência para fazer face à crise. O CESE nota com agrado a resposta rápida a nível da UE e dos Estados-Membros e congratula-se com o facto de o processo de dupla transição se ter tornado num elemento importante do esforço e da estratégia de recuperação.

1.4.

Especialmente no primeiro semestre de 2020, as Iniciativas de Investimento de Resposta ao Coronavírus ajudaram a atenuar a situação económica muito difícil, principalmente através da estabilização dos mercados, do emprego e dos rendimentos pessoais. A esta primeira medida seguiu-se o Instrumento de Recuperação da União Europeia, uma contribuição orçamental robusta e extremamente inovadora, que deu uma resposta direta aos efeitos da pandemia. O CESE congratula-se vivamente com ambas as iniciativas, enquanto resposta rápida e flexível à pandemia.

1.5.

Ciente das diferentes situações e repercussões da pandemia, que agravaram as disparidades entre os Estados-Membros, o CESE apela para que não se descure a questão das divergências na área do euro e se dê uma resposta prudente à deterioração significativa do desempenho orçamental. No âmbito de um enquadramento comum, acolhe favoravelmente a flexibilização das políticas económicas nacionais específicas e dos programas de recuperação que respeitam as necessidades intrínsecas dos Estados-Membros. Recomenda que se flexibilize igualmente a execução dos programas de recuperação e resiliência.

1.6.

O CESE sublinha a necessidade de alcançar um novo equilíbrio entre as políticas monetária e orçamental e de eliminar no próximo período os desequilíbrios macroeconómicos identificados. Está ciente do aumento significativo dos rácios da dívida no ano passado. Quando a retoma económica avançar a bom ritmo, a redução do rácio da dívida terá de se processar de forma a promover o crescimento inclusivo e evitar injustiças sociais e efeitos negativos nas empresas e no mercado de trabalho.

1.7.

O CESE aceita e concorda que a recuperação pós-COVID-19 terá de se fazer acompanhar de várias medidas de política estrutural (1), em consonância principalmente com o Pacto Ecológico Europeu. A este respeito, o CESE apoia o vínculo estabelecido entre o processo de recuperação, a consolidação orçamental e as práticas de ecologização dos orçamentos.

1.8.

O CESE está firmemente convicto de que os ensinamentos da pandemia devem refletir-se no esforço global para contribuir para o desenvolvimento economicamente eficaz, socialmente justo e ambientalmente sustentável da UE e da área do euro a longo prazo.

1.9.

Ao contrário da crise anterior de 2009-2011, em que os setores bancário e financeiro foram um dos fatores desencadeadores da subsequente recessão, o CESE regozija-se que, desta vez, dada a sua situação sólida e saudável, estes setores ajudaram a ultrapassar de forma mais harmoniosa esta situação difícil.

1.10.

O CESE apela para a manutenção da integridade do mercado único, bem como para a prevenção da sua fragmentação, enquanto condição sine qua non para o desempenho positivo das economias da área do euro e da UE no futuro. Essa integridade deverá ainda escorar-se na realização de progressos adequados no desenvolvimento da União Bancária e da União dos Mercados de Capitais.

1.11.

O CESE reconhece que se retiraram alguns ensinamentos importantes da crise anterior que foram utilizados para apoiar a estabilidade macroeconómica. Exorta as instituições competentes da UE a melhorar a governação da política económica da União e a assegurar que as lições retiradas da pandemia se refletirão posteriormente em esforços contínuos de reforma.

2.   Antecedentes e contexto

Desempenho macroeconómico atual e perspetivas

2.1.

A pandemia de COVID-19 provocou uma depressão económica súbita e profunda. No entanto, em 2020, a queda do PIB foi, em última análise, ligeiramente inferior ao inicialmente previsto. A descida foi maior do que na última crise económica (em 2020, a economia da área do euro caiu 6,5 % em termos homólogos, em comparação com 4,5 % em 2009, e a economia da UE retraiu-se 6,0 % em termos homólogos em 2020, em comparação com 4,3 % em 2009, prevendo-se um crescimento de 4,8 % tanto da economia da área do euro como da UE em 2021). Estamos, por conseguinte, perante uma situação económica excecional e o pior desempenho económico da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

2.2.

Em 2020, tanto o consumo privado como o investimento diminuíram consideravelmente (7,4 % em termos homólogos) e o comércio externo também foi gravemente afetado. Apenas a despesa pública aumentou ligeiramente, em 2020, numa comparação homóloga (1,3 %). Até agora, devido às medidas de emergência, não se registaram perdas de postos de trabalho em massa nem grandes perdas de rendimentos como aconteceu com a crise de 2008. No entanto, tendo em conta o declínio significativo da atividade económica, tal significa que também a produtividade diminuiu.

2.3.

Em geral, considera-se que 2021 será o ano da retoma (devido sobretudo ao crescimento das atividades de investimento, que segundo as previsões da Comissão deverá atingir os 6,2 %), mas essa retoma continua marcada pela incerteza devido ao impacto da pandemia e às alterações comportamentais dos agentes económicos.

Conjunto de políticas económicas de emergência

2.4.

A pandemia levou à elaboração de um novo conjunto de políticas económicas de emergência para responder ao choque de forma imediata, mas também a médio prazo, cuja principal prioridade consiste em enfrentar, eliminar e atenuar as consequências económicas e sociais da pandemia e manter a Europa numa trajetória sustentável e competitiva.

2.5.

Outro elemento da resposta à pandemia a médio e longo prazo, assim como do esforço de recuperação, reconstrução e resiliência, é o processo com vista à dupla transição (ecológica e digital), que se centra fortemente nos aspetos sociais e na observância do Estado de direito e dos outros valores fundamentais da UE. O CESE apela ainda para um maior enfoque no combate às desigualdades e às consequências da crise, em particular para os grupos mais vulneráveis.

Política monetária

2.6.

O Banco Central Europeu prossegue a sua política altamente expansionista enquanto resposta específica à pandemia. No entanto, recentemente, o BCE anunciou que as condições favoráveis de financiamento poderão ser mantidas com um ritmo moderadamente mais baixo de compra de ativos líquidos ao abrigo do programa de compras de emergência por pandemia, em comparação com os dois trimestres anteriores.

Orientação orçamental e consolidação orçamental

2.7.

Ao redirecionar e reafetar os fundos no âmbito da política de coesão, as Iniciativas de Investimento de Resposta ao Coronavírus (CRII e CRII+) contribuíram significativamente para compensar e atenuar os efeitos negativos, estabilizar os mercados e proteger os empregos e os rendimentos das pessoas.

2.8.

Tendo por objetivo atenuar as consequências negativas da pandemia, o Instrumento de Recuperação da União Europeia é, sem dúvida, o instrumento mais inovador concebido e elaborado enquanto resposta direta à pandemia de COVID-19 em fase de aplicação.

2.9.

A orientação orçamental expansionista do Instrumento de Recuperação da União Europeia foi apoiada pela ativação excecional e temporária da cláusula de derrogação de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

2.10.

No entanto, a par das medidas adotadas a nível nacional, os compromissos orçamentais foram dispendiosos e conduziram à deterioração dos indicadores orçamentais.

2.11.

A redução viável do rácio da dívida deve processar-se de forma a evitar injustiças sociais e efeitos negativos indesejados no mercado de trabalho. É fundamental uma estratégia de crescimento sustentável e inclusivo para melhorar os indicadores orçamentais.

Medidas regulamentares e de política estrutural

2.12.

A pandemia de COVID-19 revelou algumas falhas estruturais graves no funcionamento das economias e das sociedades europeias. Por conseguinte, após a COVID-19 importa não só estabelecer uma nova normalidade, mas também adotar medidas que tornem os sistemas económicos e societais mais resilientes (o que já pressupõe uma menor fragilidade e vulnerabilidade). Tal inclui não só os marcos para uma transição dupla socialmente justa, assim como sistemas de saúde mais eficientes e interligados e a distribuição de serviços médicos por toda a Europa, mas também o apoio a uma área do euro mais competitiva dentro e fora da Europa, que inclua investimentos estratégicos para apoiar a indústria europeia e reforçar a posição da UE a nível mundial.

2.13.

Na primeira fase da pandemia, o mercado único foi gravemente afetado, tendo-se assistido à interrupção dos fluxos comerciais tradicionais entre os Estados-Membros da UE e mesmo no interior destes devido às graves medidas restritivas. Esta situação foi resolvida graças à intervenção da Comissão Europeia que estabeleceu os corredores verdes nas fronteiras.

Intermediação financeira

2.14.

O setor bancário e financeiro da área do euro e da UE comprovou a sua solidez e resiliência, graças aos novos regulamentos e regras adotados após a crise anterior. Atualmente, o setor é mais forte em termos de bens de investimento e de solidez da sua carteira. No entanto, podem existir alguns riscos relacionados com a solvabilidade dos seus clientes, o que poderá fazer aumentar o crédito não produtivo.

Governação

2.15.

A atual crise pôs em evidência a arquitetura incompleta do quadro de governação económica da UE. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência alterou radicalmente a natureza do Semestre Europeu. Uma vez que o desembolso dos fundos está ligado à aplicação das recomendações específicas por país, estas tornaram-se mais vinculativas do ponto de vista político. A sociedade civil deve participar mais ativamente no processo do Semestre Europeu. O princípio da parceria, com uma longa tradição na política de coesão, deve servir de modelo para um mecanismo eficaz de participação da sociedade civil.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE admite que os cenários da recuperação dependerão em grande medida da intensidade da pandemia e do êxito das campanhas de vacinação, assim como dos aspetos estruturais (por exemplo, o desempenho dos setores afetados maioritariamente ou totalmente, como o turismo, a hotelaria e a restauração, os transportes, a cultura e o lazer e o respetivo peso na economia). A flexibilidade potencial da política orçamental para permitir a adoção de medidas de compensação e a eficácia das mesmas também serão fundamentais.

3.2.

O CESE lamenta que o impacto económico da pandemia tenha acentuado ainda mais as divergências entre as economias da área do euro em termos de desempenho económico, indicadores orçamentais, inflação e saldo externo, o que poderá influenciar fortemente a conjuntura económica e social e a competitividade das economias afetadas e da área do euro no seu conjunto, assim como os desequilíbrios externos e internos.

3.3.

O CESE acolhe com agrado a resposta muito abrangente e extremamente flexível dos principais agentes da política económica da UE à pandemia, nomeadamente o Banco Central Europeu (com os seus programas de compra e taxas de juro diretoras), o Mecanismo Europeu de Estabilidade (com os seus instrumentos de apoio à estabilidade macroeconómica) e a Comissão (com o Instrumento de Recuperação da União Europeia, uma iniciativa muito inovadora, completada por outras medidas de emergência como as Iniciativas de Investimento de Resposta ao Coronavírus, o instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência, SURE, a flexibilização das regras orçamentais e em matéria de auxílios estatais, bem como do Regulamento Financeiro, e outras medidas excecionais que conferem aos Estados-Membros a flexibilidade necessária para adotar as medidas de gestão da crise que se impõem).

3.4.

O CESE está convicto de que os resultados alcançados pelo conjunto de políticas económicas de emergência serão fundamentais. Para tal, importa coordenar e articular de forma conjunta as respostas de política monetária e de política orçamental. Cabe adotar as reformas que se impõem para apoiar uma recuperação sustentável (através de medidas em prol da energia limpa, da digitalização, da inovação e da economia circular, entre outros domínios). O impacto do Instrumento de Recuperação da União Europeia e a respetiva interação com outras políticas económicas serão importantes, em especial nos países que receberão montantes financeiros avultados.

3.5.

O CESE manifesta agrado por este conjunto de políticas económicas de emergência também integrar alguns limites para evitar, no futuro, eventuais consequências negativas na estabilidade dos preços e nos indicadores relativos à disciplina orçamental a médio e longo prazo em resultado das atuais políticas expansionistas. Em especial, a evolução futura das finanças públicas está sujeita a riscos elevados. Neste contexto, o CESE salienta a necessidade de uma política fiscal justa e sustentável, nomeadamente através da luta contra a fraude fiscal e o planeamento fiscal agressivo.

3.6.

O CESE espera que o Instrumento de Recuperação da União Europeia ajude a repor as economias da UE e da área do euro nos níveis anteriores à pandemia, mas também que apoie as medidas de política estrutural que importa adotar, principalmente à luz das transições ecológica e digital, tendo devidamente em conta as preocupações sociais e em matéria de emprego. No que toca ao Instrumento de Recuperação da União Europeia, o CESE acolhe com agrado o facto de a UE ter conseguido adotar um leque tão vasto de medidas num curto espaço de tempo, mas entende que cabe também envidar esforços para colmatar eventuais lacunas, como a consulta insuficiente da sociedade civil quando da elaboração dos planos nacionais de recuperação e resiliência.

3.7.

O CESE considera que o instrumento SURE é outra iniciativa inovadora concebida e aplicada para dar uma resposta direta à crise, que visa apoiar os Estados-Membros nos seus esforços para proteger os postos de trabalho e os rendimentos das pessoas.

3.8.

O CESE recomenda que a próxima consolidação orçamental respeite a ecologização dos orçamentos (2) e o apoio ao investimento público ecológico, a fim de contribuir para o Pacto Ecológico Europeu e para uma maior robustez orçamental da UE. Está ciente do impacto negativo considerável da atual crise nas finanças públicas.

3.9.

O CESE adverte contra a desativação prematura da cláusula de derrogação de âmbito geral (3), mas realça que será necessário não descurar a sustentabilidade orçamental assim que a pandemia esteja claramente ultrapassada e a recuperação avance a bom ritmo. Nessa altura, importa redirecionar os instrumentos e as políticas orçamentais, a fim de adotar as estratégias adequadas a médio e longo prazo. O CESE congratula-se com a decisão da Comissão de relançar a revisão do quadro de governação económica da UE no outono de 2021. As regras orçamentais só devem ser plenamente aplicadas após a conclusão da revisão. Assim, em vez de um «regresso», o CESE recomenda uma «viragem» para um quadro de governação económica revisto (4). O CESE considera que o futuro quadro orçamental deve ser propício ao investimento, através da aplicação de uma regra de ouro para o investimento público, sem pôr em risco a estabilidade orçamental e financeira a médio prazo, promover o crescimento e permitir que os Estados-Membros apliquem uma política anticíclica em períodos de contração económica.

3.10.

O CESE preconiza a realização de reformas com vista a tornar os sistemas de receitas públicas mais eficientes e mais justos, transferindo a carga fiscal do trabalho e dos investimentos produtivos para se centrar mais na fiscalidade ambiental e na fixação do custo das externalidades, bem como numa estrutura de incentivos mais eficiente e melhorada a fim de restringir as práticas de elisão fiscal.

3.11.

O CESE nota com agrado que os setores financeiro e bancário da área do euro e da UE estão em bem melhores condições do que na crise anterior, sendo, por isso, menos vulneráveis e mais resilientes. No entanto, o CESE recomenda, ao mesmo tempo, que não sejam subestimados alguns dos riscos de solvabilidade decorrentes da perda de receitas sofrida pelos clientes do setor, o que poderá levar a um aumento do crédito não produtivo nos balanços dos bancos. O CESE congratula-se com a estabilidade demonstrada pelo setor bancário da área do euro, o qual, até à data, não foi afetado significativamente pela crise.

3.12.

O CESE está firmemente convicto de que o bom funcionamento do mercado único também se traduzirá por uma maior resiliência e eficiência das economias da área do euro e da UE no seu conjunto. O Comité considera também particularmente importante concluir o mercado único, a fim de limitar as inflexibilidades e deficiências económicas.

3.13.

O CESE congratula-se com o conjunto de políticas económicas específicas adotadas no ano passado para dar uma resposta imediata à pandemia, que foi continuamente ajustado para refletir a evolução da situação. O CESE considera que as medidas de resposta da UE podem atenuar eficazmente os eventuais impactos negativos da crise no desempenho económico da área do euro e da UE a longo prazo, bem como nos mercados de trabalho da União, e reduzir o agravamento das divergências económicas e sociais. Ao mesmo tempo, é crucial corrigir os desequilíbrios consideráveis, a fim de mitigar eficazmente os riscos macroeconómicos maiores, incluindo o risco de aumento das desigualdades.

3.14.

O CESE está firmemente convicto de que o bom funcionamento dos sistemas de saúde, de proteção social e de emergência é crucial para um desenvolvimento económico positivo e sustentável a longo prazo. A pandemia pôs em evidência e reforçou esse vínculo, que, por conseguinte, se deve também refletir na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.15.

O CESE recomenda vivamente que se prossigam os esforços para completar a União Económica e Monetária, bem como para adaptar o Semestre Europeu ao programa do Instrumento de Recuperação da União Europeia, concluir a União Bancária e a União dos Mercados de Capitais e rever o quadro de governação económica. Deve ponderar-se se o conceito do Instrumento de Recuperação da União Europeia não poderá ser um exemplo da forma como, no futuro, se poderá mobilizar e utilizar os recursos financeiros comuns da UE.

3.16.

O CESE salienta que o principal pacote de medidas para fazer face aos impactos negativos da pandemia foi elaborado no primeiro semestre de 2020, ou seja, imediatamente antes de os efeitos mais graves da pandemia se fazerem sentir na maioria dos Estados-Membros. Por conseguinte, pode ponderar-se realizar uma avaliação da pertinência e adequação das medidas adotadas. O planeamento desempenha um papel fundamental na antecipação, o que permitirá continuar a dar resposta à nova realidade criada pela pandemia, que está longe de ultrapassada, tornando necessário um planeamento contínuo.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE congratula-se com a publicação pela Comissão de sete iniciativas emblemáticas que servirão de orientação para a aplicação prática do Mecanismo de Recuperação e Resiliência em cada Estado-Membro. É muito importante que essas iniciativas sejam coerentes com os desafios e as prioridades identificadas na Recomendação do Conselho sobre a política económica da área do euro para a recuperação pós COVID-19.

4.2.

O CESE concorda que o Fundo de Garantia Pan-Europeu do Banco Europeu de Investimento prestou um apoio significativo na proteção e no reforço do setor empresarial na área do euro e na UE no seu conjunto.

4.3.

No que diz respeito à recuperação, o CESE propõe que esta se centre no crescimento económico e na justiça social, o que se traduzirá num aumento dos rendimentos e do PIB. A aplicação de uma orientação orçamental sustentável, com vista a reduzir os encargos para as gerações futuras e a limitar o risco associado ao aumento das taxas de juro ou à diminuição da produção, exige um maior aumento da atividade económica, que poderá ser possibilitado pelo seguinte: a) reforço do investimento público e b) reformas de apoio à transição para uma economia verde e digital.

4.4.

O CESE reconhece que foram retirados alguns ensinamentos importantes da crise anterior que foram utilizados para apoiar a estabilidade macroeconómica e está firmemente convicto de que as lições retiradas da pandemia devem refletir-se em esforços contínuos de reforma centrados na redução dos encargos administrativos suportados pelas empresas mediante a digitalização das administrações públicas, das PME e do setor empresarial no seu conjunto, na identificação eletrónica e em sistemas judiciais mais eficazes.

Bruxelas, 20 de outubro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Definição do BCE em: Série de Documentos de Trabalho Ocasionais do BCE, Structural Policies in the Euro-area [Políticas estruturais na área do euro]; junho de 2018: política económica estrutural = medidas de política económica adotadas nos mercados de trabalho, de produtos e financeiros para melhorar os quadros institucionais e regulamentares, a fim de reforçar as condições para o crescimento a longo prazo e assegurar efeitos de distribuição desejáveis.

(2)  Documento de reflexão, Elva Bova (2021), «Green Budgeting Practices in the EU: A First Review» [Ecologização dos orçamentos na UE: primeira análise].

(3)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227

(4)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 227, e o parecer de iniciativa do CESE sobre reformular o quadro orçamental da UE para uma recuperação sustentável e uma transição justa (ECO/553). Ver página 10 do presente Jornal Oficial.