ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 286

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

64.° ano
16 de julho de 2021


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

560.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu (JDE) – por Interactio, 27.4.2021-28.4.2021

2021/C 286/01

Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre Uma nova narrativa para a Europa — Resolução do CESE sobre a Conferência sobre o Futuro da Europa

1

2021/C 286/02

Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre Sociedade civil europeia trabalha em parceria para a sustentabilidade do nosso futuro — Contributo do CESE para a Cimeira Social do Porto

6

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

560.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu (JDE) – por Interactio, 27.4.2021-28.4.2021

2021/C 286/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Profissões Liberais 4.0 (parecer de iniciativa)

8

2021/C 286/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel da economia social na criação de emprego e na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais(parecer exploratório)

13

2021/C 286/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Formação profissional: eficácia dos sistemas para antecipar e adequar as competências e as necessidades do mercado de trabalho e papel dos parceiros sociais e das diferentes partes interessadas (parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa)

20

2021/C 286/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Promover, com base na educação e na formação e numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, as competências necessárias para que a Europa crie uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente(parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa)

27

2021/C 286/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Harmonizar a entrada no mercado de suplementos alimentares na UE: soluções e boas práticas(parecer exploratório)

33


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

560.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu (JDE) – por Interactio, 27.4.2021-28.4.2021

2021/C 286/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à governação de dados (Regulamento Governação de Dados)[COM(2020) 767 final]

38

2021/C 286/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho Nova Agenda do Consumidor Reforçar a resiliência dos consumidores para uma recuperação sustentável[COM(2020) 696 final]

45

2021/C 286/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Estratégia Farmacêutica para a Europa[COM(2020) 761 final]

53

2021/C 286/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Tirar pleno partido do potencial de inovação da UE — Um plano de ação em matéria de propriedade intelectual para apoiar a recuperação e resiliência da UE[COM(2020) 760 final]

59

2021/C 286/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital (Regulamento Mercados Digitais)[COM(2020) 842 final — 2020/0374 (COD)]

64

2021/C 286/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um mercado único de serviços digitais (Regulamento Serviços Digitais) e que altera a Diretiva 2000/31/CE[COM(2020) 825 final — 2020/0361 (COD)]

70

2021/C 286/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho Estratégia de cibersegurança da UE para a década digital[JOIN(2020) 18 final]

76

2021/C 286/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um sistema informatizado de comunicação em processos cíveis e penais transnacionais (sistema e-CODEX) e que altera o Regulamento (UE) 2018/1726[COM(2020) 712 final — 2020/345 (COD)]

82

2021/C 286/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Digitalização da justiça na União Europeia — Uma panóplia de oportunidades[COM(2020) 710 final]

88

2021/C 286/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à avaliação das tecnologias de saúde e que altera a Diretiva 2011/24/UE[COM(2018) 51 final — 2018/0018 (COD)]

95

2021/C 286/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE no que respeita à atribuição de competências de execução à Comissão para determinar o significado dos termos utilizados em determinadas disposições dessa diretiva[COM(2020) 749 final — 2020/331 (CNS)]

102

2021/C 286/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 389/2012 do Conselho relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo no respeitante ao conteúdo dos registos eletrónicos[COM(2021) 28 final — 2021/0015 (CNS)]

106

2021/C 286/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Construir uma União Europeia da Saúde — Reforçar a resiliência da UE face a ameaças sanitárias transfronteiriças[COM(2020) 724 final], sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao reforço do papel da Agência Europeia de Medicamentos em matéria de preparação e gestão de crises no que diz respeito aos medicamentos e dispositivos médicos[COM(2020) 725 final — 2020/321(COD)], sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 851/2004 que cria um Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças[COM(2020) 726 final — 2020/320 (COD)] e sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde e que revoga a Decisão n.o 1082/2013/UE[COM(2020) 727 final — 2020/322 (COD)]

109

2021/C 286/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Uma União da igualdade: plano de ação da UE contra o racismo 2020-2025[COM(2020) 565 final]

121

2021/C 286/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões União da Igualdade — Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025[COM(2020) 698 final]

128

2021/C 286/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027[COM(2020) 758 final]

134

2021/C 286/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Garantir a justiça na UE — Estratégia de formação judiciária europeia para 2021-2024[COM(2020) 713 final]

141

2021/C 286/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, testes e recuperação, a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de COVID-19 (Certificado Verde Digital)[COM(2021) 130 final — 2021/0068 (COD)]

146

2021/C 286/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Estratégia da UE para aproveitar o potencial de energia de fontes renováveis ao largo com vista a um futuro climaticamente neutro[COM(2020) 741 final]

152

2021/C 286/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Estratégia de mobilidade sustentável e inteligente — pôr os transportes europeus na senda do futuro[COM(2020) 789 final]

158

2021/C 286/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu Proposta sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União e que revoga a Diretiva (UE) 2016/1148 e a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à resiliência das entidades críticas[COM(2020) 823 final — 2020/0359(COD) e COM(2020) 829 final — 2020/0365(COD)]

170

2021/C 286/29

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Os meios de comunicação social da Europa na Década Digital — plano de ação para apoiar a recuperação e a transformação[COM(2020) 784 final]

176

2021/C 286/30

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Estratégia para a sustentabilidade dos produtos químicos — Rumo a um ambiente sem substâncias tóxicas[COM(2020) 667 final]

181

2021/C 286/31

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativamente a isenções aplicáveis a importações e a determinados produtos, no que diz respeito a medidas de interesse público adotadas pela União[COM(2021) 181 final — 2021/0097 (CNS)]

190


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

560.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu (JDE) – por Interactio, 27.4.2021-28.4.2021

16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/1


Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma nova narrativa para a Europa — Resolução do CESE sobre a Conferência sobre o Futuro da Europa»

(2021/C 286/01)

Relatores:

Stefano MALLIA (Grupo I)

Oliver RÖPKE (Grupo II)

Séamus BOLAND (Grupo III)

Na reunião plenária de 27 e 28 de abril de 2021 (sessão de 27 de abril), o Comité Económico e Social Europeu adotou a presente resolução, por 226 votos a favor, um voto contra e cinco abstenções.

1.1.

A Conferência sobre o Futuro da Europa («a conferência») proporciona uma oportunidade única à Europa para se reaproximar e dialogar com os cidadãos europeus, nomeadamente através de intervenientes da sociedade civil, dando-lhes a possibilidade importante de se expressarem sobre o seu futuro comum. Chegou o momento de concretizar a promessa constante do artigo 11.o do Tratado da UE de dar aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de ação da União e estabelecer um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que o êxito da conferência dependerá igualmente da capacidade de traçar uma nova narrativa para a Europa, assente nas realidades da vida quotidiana, com as quais os cidadãos europeus se identificam. Tal narrativa deve ser mais do que uma lista de realizações; deve ser, pelo contrário, uma ligação racional e emocional concreta entre a UE e os seus cidadãos. Os temas estratégicos devem inscrever-se numa perspetiva comum, a fim de evitar os riscos de uma Europa «à la carte». O objetivo é redescobrir e renovar um sentido tão necessário de comunidade fundada em valores partilhados, gerando uma nova dinâmica europeia para enfrentar os desafios atuais e futuros.

1.3.

O CESE tem ligações profundas com todos os quadrantes da vida (empregadores, sindicatos, sociedade civil em geral) em todos os Estados-Membros; assim, está em melhor posição para envolver efetivamente a sociedade civil organizada, uma vez que dispõe das redes adequadas para o fazer. É desta forma que obtém, incontestavelmente, os seus conhecimentos especializados e é esta a sua razão de ser. É essencial a participação permanente do CESE durante todo o processo da conferência, incluindo no Conselho Executivo.

1.4.

O CESE deve estar plenamente integrado na governação da conferência, estando determinado a apresentar propostas sólidas e claras, assentes na sua narrativa e visão para a UE das próximas décadas. O Comité reitera a sua firme convicção de que a conferência tem de apresentar propostas e soluções que façam uma diferença verdadeira e concreta para os cidadãos da UE. Por conseguinte, é fundamental que a conferência avance de forma concreta e mensurável e não conduza apenas a debates não vinculativos com os cidadãos sem quaisquer resultados. Assim, a proposta do vice-presidente da Comissão, Maroš Šefčovič, de incluir as conclusões da conferência no programa de trabalho da Comissão, em 2022, é um passo na direção certa. Este é um ponto essencial que sustenta a credibilidade e a ambição de todo este processo político.

1.5.

A governação da conferência deve definir o âmbito e o objetivo da participação dos cidadãos e da sociedade civil, a enunciar desde o início. Conhecer o objetivo dos instrumentos de participação pode também contribuir para alinhar os objetivos com os meios disponíveis, tanto em termos de conceção de processos como de orçamento. A governação terá certamente de recorrer a formatos e métodos diferentes de participação, dependendo da fase e do nível em determinado momento, e encontrar formas de chegar aos europeus que não estão motivados para participar. O contributo dos cidadãos e da sociedade civil deve ser aproveitado pelos representantes políticos e pelas instituições ou refletido nas decisões, sob pena de a sua confiança nestes exercícios poder desaparecer. Há que evitar expectativas demasiado altas. Um mecanismo de retorno de informações assegurará que as ideias expressas durante os eventos da conferência dão lugar a recomendações concretas para a ação da UE.

1.6.

O calendário curto da conferência impõe limitações a todos os participantes, devendo, portanto, ser entendido como ponto de partida de um processo contínuo para dialogar mais com os cidadãos da Europa, com base neste período inicial. Cabe aproveitar esta oportunidade para alterar o paradigma e o nível de ambição em todos os domínios estratégicos, incluindo a política económica, social e ambiental.

1.7.

Todos os intervenientes devem acompanhar e abordar as deliberações da conferência com abertura de espírito, sem tirar conclusões sobre as primeiras etapas, mantendo todas as opções em cima da mesa. Neste contexto, nos últimos anos, a UE lançou algumas iniciativas e instrumentos, que devem, agora, ser aplicados. Há que promover o acompanhamento periódico da execução, bem como a comunicação de informações atualizadas sobre os progressos realizados a nível da UE no que diz respeito às medidas adotadas e aos instrumentos disponíveis.

2.   Uma nova narrativa para a Europa — Europa: um lugar excelente para viver e prosperar

2.1.

Neste contexto, o CESE propõe uma nova narrativa para a Europa que ligue o passado distante e recente da Europa ao presente e proporcione uma visão para o futuro baseada na cooperação transfronteiras, reforçando os laços entre os povos da Europa, e assente em valores de solidariedade, justiça social, cooperação entre gerações, igualdade de género, prosperidade sustentável e transições ecológica e digital justas. É imperativo mobilizar o apoio público a estes valores, a fim de repensar os nossos modelos de crescimento e governação em prol da sustentabilidade, construir uma sociedade mais equitativa e colocar as organizações da sociedade civil no centro de tal reconstrução e recuperação.

Os nossos cidadãos necessitam de uma Europa que:

reconhece que a sociedade civil é a guardiã do bem comum e parte integrante da apresentação de soluções para os desafios comuns da Europa;

se centra numa recuperação justa e sustentável da crise da COVID-19, abrindo caminho a uma sociedade mais integradora e reforçando a competitividade a longo prazo, tendo plenamente em conta as crises sociais, económicas, democráticas, demográficas e climáticas interligadas nos Estados-Membros da UE, a necessidade das transições ecológica e digital, bem como as alterações estruturais de longo prazo desencadeadas pela pandemia. A economia da Europa deve receber pleno apoio para recuperar o terreno perdido, tendo em conta a necessidade de convergência ascendente, maior coesão, proteção social, mais investimentos nos serviços públicos, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a redução da pobreza;

apoia a recuperação social e económica, o empreendedorismo, a transição justa, a criação de emprego de qualidade, a educação e a aquisição de competências, a inovação, o investimento social e em infraestruturas, a descarbonização, a digitalização, a conclusão do mercado único e a integração económica e monetária;

protege todos os seus cidadãos, incluindo os mais marginalizados, salvaguardando a sua saúde e segurança, o seu bem-estar, o ambiente e a biodiversidade;

respeita e promove a diversidade, a igualdade de género, os direitos fundamentais, a democracia, o diálogo social e a governação integradora; e

promove a paz, a segurança e o progresso no mundo, através do multilateralismo, da promoção da democracia e do Estado de direito, dos direitos humanos, do diálogo social, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da diplomacia e do comércio aberto, justo e sustentável.

2.2.

O CESE reconhece unanimemente que a dupla transição, ecológica e digital, é da maior importância para reforçar a competitividade sustentável, a solidariedade e a capacidade de resistência da Europa para lidar com crises futuras. A pandemia de COVID-19 foi a crise mais grave que a UE enfrentou desde a sua constituição. A pandemia exacerbou a necessidade de a UE ser capaz de dar respostas fortes e coerentes que melhorem as dimensões política, sanitária, económica e social da UE. Esta conferência proporciona à UE uma oportunidade única para alcançar tal resultado.

O impacto da COVID-19 nos nossos cidadãos, nas nossas sociedades e nas nossas economias pôs em evidência a necessidade de uma abordagem europeia comum. A pandemia mostrou que existem motivos fortes para agir em conjunto, mas também expôs as deficiências na forma como a Europa lida com tais desafios essenciais. Numa época de «crise permanente», a UE necessitará de reforçar a sua capacidade para lidar com crises, a fim de obter os resultados que os cidadãos europeus querem e merecem.

2.3.

Com esta crise, tornou-se patente que a UE deve envidar mais esforços para garantir que as empresas, os trabalhadores e as pessoas em situação de pobreza e exclusão social são devidamente protegidos do impacto dos desafios recentes e futuros. A COVID-19 também tornou clara a necessidade de apoiar a competitividade sustentável e de aumentar os investimentos em serviços de saúde, cuidados, educação e sociais de qualidade em toda a UE. Será essencial aprofundar a coordenação no domínio da saúde a nível da UE, combater melhor as ameaças transfronteiriças para a saúde e reforçar os sistemas de saúde da UE.

2.4.

A UE pode contar com pontos fortes fundamentais, tais como o seu mercado interno, que é um dos maiores mercados do mundo, ou um conjunto de valores fundamentais não negociáveis (1) que são parte integrante da sociedade e da democracia europeias, e com a solidariedade, como demonstrado por um ambicioso Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que exige a execução eficiente dos planos nacionais de recuperação. O objetivo principal da UE tem de ser o reforço do nosso modelo social de economia de mercado, em que uma economia sustentável e competitiva e políticas sociais bem estabelecidas são indissociáveis. Em consequência, há que avançar na concretização do Pacto Ecológico Europeu — que o CESE acolheu favoravelmente desde o início. O Pacto Ecológico é a nova estratégia europeia de crescimento, que tem no seu cerne a prosperidade, a sustentabilidade e a justiça social. Uma transição justa para um modo de vida com impacto neutro no clima, o fomento de emprego de qualidade e a promoção do empreendedorismo e da inovação sustentáveis, incluindo a economia circular e a economia social, serão essenciais para uma Europa próspera.

2.5.

No entanto, a UE enfrenta grandes desafios: a pandemia criará mais, e não menos, desigualdades, tanto entre os Estados-Membros como no seio dos mesmos. É por esta razão que devem ser perseguidas as duas faces da moeda: a competitividade sustentável da economia europeia e das empresas de todas as dimensões, em especial as PME, deve continuar a ser reforçada; ao mesmo tempo, a Europa deve adotar uma dimensão social mais ambiciosa e concreta que não esqueça ninguém.

2.6.

A fim de proteger os seus valores e concretizar as suas prioridades, a UE deve também desempenhar um papel positivo na esfera económica internacional. Num mundo caracterizado por uma forte concorrência e fricção, não só ao nível económico, mas também ao nível político, a UE tem de se tornar um ator mundial capaz de defender os seus interesses e valores de forma mais eficaz. A concretização de um certo grau de autonomia estratégica aberta, a fim de manter a capacidade de ação da UE em domínios económicos essenciais, deve ser contrabalançada pela vontade de cooperar para apresentar soluções para os desafios comuns, como as alterações climáticas, e reforçar o sistema multilateral assente em regras.

2.7.

A pandemia realçou a importância de uma base industrial europeia forte e resistente. A Europa tem de possuir uma política industrial ambiciosa que motive a dupla transição — digitalização e sustentabilidade —, reforçando ao mesmo tempo a competitividade global da Europa. Uma nova política industrial, utilizando uma série de políticas diferentes (incluindo o comércio, as competências, o investimento, a investigação e a energia), deve antever constantemente os setores e motores económicos futuros, criando condições-quadro, incluindo os perfis de competências necessários, para que a indústria europeia possa permanecer na vanguarda da tecnologia e da inovação a nível mundial, gerando emprego de elevada qualidade e crescimento sustentável na Europa. A competitividade, a sustentabilidade e a justiça social também salvaguardarão o modelo socioeconómico da Europa para o futuro.

2.8.

É essencial que a UE aproveite esta oportunidade para modernizar e transformar os seus setores industriais e respetivas cadeias de abastecimento, para que continuem a ser competitivos num mundo com emissões mais baixas. Para responder aos desafios associados às transformações de longo prazo, é necessário que os decisores políticos, os parceiros sociais, as organizações da sociedade civil e as principais partes interessadas destes países e regiões prevejam as mudanças e adotem uma gestão ativa da transição. O diálogo social e a informação, a consulta e a participação dos trabalhadores e das organizações que os representam são essenciais para gerir as transições de forma prospetiva. Tal será absolutamente fundamental para a Europa, dado que só colocando tanto as empresas como os trabalhadores no cerne da recuperação e das políticas futuras a Europa poderá ser bem-sucedida. A competitividade e a inclusividade têm de andar a par: os Estados-Membros com melhor desempenho em termos económicos são os que têm os padrões sociais mais elevados, e não o contrário.

3.   Papel do CESE

3.1.

Para reforçar o papel do CESE, é necessário demonstrar a sua relevância e valor acrescentado enquanto órgão consultivo, com base na sua função única de colmatar o fosso entre os decisores políticos e a sociedade civil, entre os diferentes intervenientes da sociedade civil e entre os intervenientes a nível nacional e europeu. Em especial, importa criar um debate transnacional que interligue os debates europeus a nível dos Estados-Membros.

3.2.

A posição do CESE deve resultar de um verdadeiro debate, começando pelo contributo dos intervenientes da sociedade civil e evoluindo da base para o topo. Tal abordagem é a única que garante que todos os pontos de vista são tidos em consideração e que produz resultados claros e eficientes.

3.3.

Será pertinente estabelecer uma cooperação com o Comité das Regiões Europeu (CR) e organizar missões «Going Local» em conjunto, no pleno respeito das competências diferentes, mas complementares, das duas instituições.

3.4.

O CESE é incentivado a agir, através dos seus membros no plenário da conferência e dos seus observadores no Conselho Executivo, enquanto intermediário institucional entre a conferência e as organizações nacionais que representam a sociedade civil.

3.5.

O CESE constituiu um grupo eventual, que definiu um roteiro com os seguintes objetivos:

melhorar as formas de envolver e estabelecer ligações com os intervenientes da sociedade civil, em especial interagir e mobilizar os círculos onde estão inseridos os membros do CESE no terreno;

modernizar e reforçar a função e a influência do próprio CESE;

dar um contributo estruturado da sociedade civil para a elaboração de políticas da UE, apresentando propostas relevantes ao Conselho, ao Parlamento Europeu e à Comissão Europeia sobre as formas de melhorar o funcionamento da UE e o trabalho do CESE no processo legislativo.

3.6.

Informar a Assembleia Plenária do CESE sobre os debates e diálogos nos Estados-Membros e na conferência, com a participação de deputados ao Parlamento Europeu, membros do CR, comissários e ministros do Conselho.

4.   Conclusão

O futuro que queremos: a sociedade civil assume plenamente o controlo

4.1.

O CESE estima ser necessária uma narrativa forte e partilhada para a União Europeia.

Nesse sentido, a Europa tem de ser considerada como: 1) guardiã de valores fundamentais partilhados, como a liberdade, a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito, 2) promotora a nível mundial da sustentabilidade, do comércio aberto e justo e do multilateralismo, 3) ancoradouro de um modelo económico e social único fundado na concorrência leal e na solidariedade, num espaço sem fronteiras internas, e 4) motor da prosperidade sustentável, com uma sociedade civil sólida no seu cerne.

4.2.

A Conferência sobre o Futuro da Europa deve ser o veículo para realizarmos mudanças duradouras na UE, nomeadamente uma participação acrescida e mais significativa dos cidadãos e da sociedade civil organizada na esfera pública europeia. Como primeiro passo neste processo, a sociedade civil deve trabalhar em parceria, em estreita colaboração e em rede, trocar boas práticas e procurar o consenso.

4.3.

As organizações da sociedade civil são fundamentais para encontrar soluções para os desafios atuais. O CESE solicita que a UE e as autoridades nacionais reconheçam o papel essencial da sociedade civil organizada na criação de confiança, na formação da opinião pública e enquanto agente positivo de mudança. É também imperativo que a UE apoie o papel central desempenhado pelas organizações da sociedade civil na promoção e na defesa dos valores europeus, da democracia, dos direitos fundamentais e do Estado de direito, contra o aumento do antiliberalismo, do populismo e da redução do espaço cívico.

4.4.

Será essencial, para a renovação e a reconstrução socioeconómica da UE, assegurar que todos os quadrantes da sociedade participam efetivamente na coconceção, coparticipação, coexecução e coavaliação das políticas da UE, nomeadamente dos planos nacionais de recuperação e resiliência e nos futuros programas nacionais de reformas, utilizando as estruturas de consulta existentes, tais como o processo do Semestre Europeu, e reconhecendo explicitamente que a sociedade civil é um parceiro e um beneficiário fundamental no âmbito da execução.

4.5.

A conceção e a construção de tais sociedades resistentes, equitativas e sustentáveis exigirão iniciativas ascendentes que adotem novas definições de bem-estar e desenvolvimento para além do produto interno bruto (PIB), respeitando ao mesmo tempo as opiniões e os direitos dos cidadãos. Além disso, é fundamental que as limitações aos direitos introduzidas durante a pandemia não prossigam após a COVID-19.

4.6.

Por último, para o CESE, é também essencial avaliar constantemente as medidas e ações propostas. O CESE dará um contributo sólido para este processo, através dos seus conhecimentos especializados e da sua experiência em dialogar com os cidadãos de todos os quadrantes da sociedade em todos os Estados-Membros da UE.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Artigo 2.o do TUE.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/6


Resolução do Comité Económico e Social Europeu sobre «Sociedade civil europeia trabalha em parceria para a sustentabilidade do nosso futuro — Contributo do CESE para a Cimeira Social do Porto»

(2021/C 286/02)

Relatores:

Stefano MALLIA (Grupo I)

Oliver RÖPKE (Grupo II)

Séamus BOLAND (Grupo III)

Na reunião plenária de 27 e 28 de abril de 2021 (sessão de 28 de abril), o Comité Económico e Social Europeu adotou a presente resolução, por 225 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções.

A Cimeira Social, que terá lugar no Porto, em 7 de maio de 2021, constitui uma oportunidade única para a UE colocar os cidadãos no centro do projeto europeu. Esta é uma oportunidade para demonstrar que a UE e os Estados-Membros agem em conjunto com os seus cidadãos e em prol do seu bem-estar, sem esquecer ninguém. É o culminar das aspirações europeias por sociedades sustentáveis, inovadoras, competitivas e coesas, que conduzirão a UE até 2030 e mais além, permitindo-lhe enfrentar os desafios da dupla transição ecológica e digital e deles tirar partido. A cimeira deverá também contribuir para que a nossa economia e a nossa sociedade alcancem a sustentabilidade, conferindo igual peso às dimensões económica, social e ambiental.

A pandemia de COVID-19 tornou ainda mais urgente a adoção de uma abordagem que coloque a mesma tónica nos aspetos sociais e nos aspetos económicos das nossas sociedades e economias. Durante a pandemia de COVID-19, as atenções centraram-se no ser humano e, à medida que a Europa avança lentamente para a reconstrução socioeconómica e aplica o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, será necessário manter as pessoas e as comunidades firmemente no centro das ações. Neste contexto, o Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais não poderia ser mais oportuno.

Uma declaração a elaborar no Porto deverá prever a participação de todos os agentes institucionais, económicos e sociais na execução do plano de ação, com base no diálogo civil e social. Trata-se de um momento decisivo para a Europa dar os próximos passos essenciais rumo a uma União viável e sustentável.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) insta os Estados-Membros e as instituições europeias a tomar medidas relativamente às questões que se seguem:

1.

O Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais deve ser um instrumento eficaz que permita a todos os intervenientes trabalharem em parceria e construírem sociedades europeias mais igualitárias, sustentáveis, inclusivas e resilientes. Todas as dimensões da sociedade civil representadas no CESE podem dar um contributo fundamental para o êxito deste processo. Através da participação ativa da sociedade civil europeia, todos os cidadãos, incluindo as pessoas com deficiência, os grupos étnicos e as minorias, os mais vulneráveis e marginalizados, devem poder participar na visão e futura aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, identificar-se com esse processo e aí encontrar esperança. A economia social merece especial reconhecimento e apoio, já que desempenha um papel crucial na resposta a necessidades sociais não satisfeitas e na redução da pobreza e das desigualdades.

2.

Sociedades europeias mais igualitárias, sustentáveis, inclusivas e resilientes só serão possíveis através da participação determinada da sociedade civil e de um diálogo eficaz com os parceiros sociais e a sociedade civil. A aferição e a comunicação de informações sobre o impacto da sociedade civil, a sensibilização para o seu contributo positivo e a criação de um ambiente jurídico favorável e de um cabaz de políticas combinadas são da maior importância.

3.

A conceção e a construção de sociedades resilientes, inclusivas, igualitárias e sustentáveis exigirão iniciativas orientadas da base para o topo, que contemplem novas definições de bem-estar e de desenvolvimento para além do PIB e invistam na inovação social, respeitando simultaneamente as opiniões e os direitos dos cidadãos. Além disso, é imperativo que as restrições aos direitos impostas durante a pandemia não prossigam após a COVID-19.

4.

A Europa tem de continuar unida e avançar com solidariedade, sustentada por uma cultura de diálogo civil e social, como aconteceu durante a pandemia. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais apoia uma economia social de mercado, atualizando e adaptando o seu modelo social às mudanças do futuro. Para reforçar a resistência e a sustentabilidade do ponto de vista social, o Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais tem de assegurar o bem-estar generalizado e um mercado de trabalho inclusivo que não permita discriminações e que se caracterize por postos de trabalho estáveis e bem remunerados.

5.

No rescaldo da pandemia, as instituições e os parceiros sociais devem, através do diálogo social, encontrar soluções para aumentar a resiliência social das nossas economias, com uma mentalidade nova e aberta à mudança, visando simultaneamente normas mínimas de proteção e igualdade de oportunidades, com especial destaque para a adequação dos salários, o combate às discriminações com base no género, o apoio aos jovens trabalhadores e a proteção dos trabalhadores precários e dos migrantes.

6.

Um dos principais desafios económicos e sociais na Europa consiste em estimular o crescimento económico, a criação de emprego, a participação no mercado de trabalho (nomeadamente das pessoas mais velhas e mais jovens, das mulheres, das pessoas mais afastadas do mercado de trabalho e das pessoas fora da vida ativa), a redução do desemprego, em especial dos jovens, e o reforço da posição das mulheres no mercado de trabalho. Assegurar a base competitiva favorável ao investimento é um elemento importante para que todos estes aspetos se concretizem.

7.

A competitividade e o aumento da produtividade com base nas competências e no conhecimento são os ingredientes certos para manter o bem-estar das sociedades europeias. O crescimento económico e o bom funcionamento do mercado interno constituem elementos importantes no reforço da dimensão social da UE. Temos de acentuar os pontos fortes do nosso sistema europeu de economia social de mercado, eliminando ao mesmo tempo os pontos fracos, e adaptá-lo de modo a enfrentar os desafios futuros.

8.

Todos os principais intervenientes da nossa economia e das nossas sociedades têm de estar preparados para explorar o potencial da digitalização e da transição para uma economia verde. Uma condição prévia para tal é a vontade e a capacidade de realizar mudanças estruturais, seja nos mercados de trabalho, na segurança social, na educação e formação ou na fiscalidade. Tal implica que os Estados-Membros realizem efetivamente reformas, coordenadas e facilitadas por quadros e iniciativas a nível da UE, tais como o Semestre Europeu. Este aspeto é fundamental para incentivar as empresas a investir na Europa.

9.

A combinação entre o fenómeno crescente do envelhecimento da população e o decréscimo da mão de obra levará ao aumento de pessoas idosas economicamente dependentes, a menos que consigamos aumentar a mão de obra através de mercados de trabalho mais inclusivos, nomeadamente mobilizando grupos atualmente excluídos ou sub-representados no mercado de trabalho. São necessárias medidas para dar resposta aos desafios enfrentados pelos sistemas de segurança social e de saúde dos Estados-Membros. As alterações demográficas implicarão também a necessidade de sistemas de ensino, mercados de trabalho e sistemas de proteção social nacionais adaptáveis e flexíveis. Tais desafios não representam necessariamente problemas, mas antes oportunidades para produzir resultados positivos.

10.

O plano de ação deve basear-se em medidas concretas e visíveis, que sejam mensuráveis e flanqueadas por quadros de acompanhamento, acordadas conjuntamente pelas partes interessadas pertinentes e abrangendo os critérios sociais, ambientais e económicos. O CESE congratula-se com os grandes objetivos propostos pela Comissão Europeia e convida os Estados-Membros a serem ambiciosos na definição dos seus próprios objetivos, de modo que todos os Estados-Membros contribuam efetivamente para a consecução dos objetivos europeus.

11.

À medida que a Europa transita da resposta à crise para a recuperação, o diálogo social, a informação, a consulta e a participação dos trabalhadores, através dos canais adequados, desempenham um papel importante na configuração da transição económica e na promoção da inovação no local de trabalho, em especial tendo em vista a dupla transição em curso e as mudanças no mundo do trabalho.

12.

O Pilar Europeu dos Direitos Sociais não tem suficientemente em conta o impacto de médio a longo prazo da crise da COVID-19 nos sistemas de saúde europeus. A pandemia demonstrou claramente que a saúde pode ter um impacto direto na estabilidade económica e social, mesmo na UE. Na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, os Estados-Membros devem realizar investimentos acrescidos e sustentáveis na modernização das infraestruturas e serviços públicos de saúde, bem como na melhoria da coordenação em matéria de saúde pública nos Estados-Membros e entre eles.

13.

São grandes as expectativas de que, na cimeira, todas as partes interessadas se empenhem firmemente em manter e desenvolver o modelo social europeu com base numa combinação equilibrada de direitos e responsabilidades. O CESE apela aos Estados-Membros e às instituições europeias para que demonstrem ambição e determinação.

Bruxelas, 28 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

560.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu (JDE) – por Interactio, 27.4.2021-28.4.2021

16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Profissões Liberais 4.0»

(parecer de iniciativa)

(2021/C 286/03)

Relator:

Rudolf KOLBE

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

233/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Os profissionais liberais utilizam já amplamente e com eficácia aplicações digitais e de inteligência artificial (IA) em benefício dos seus clientes e, por exemplo no domínio da engenharia, desempenham um papel preponderante no desenvolvimento tecnológico destas aplicações. Devem, também no futuro, continuar a participar mais estreitamente no processo de desenvolvimento e validação, a fim de garantir a aplicabilidade prática e a eficácia das aplicações.

1.2.

As aplicações digitais não devem ser encaradas como uma concorrência aos serviços prestados pelas profissões liberais ou como seu substituto. Pelo contrário, são instrumentos que atualmente já melhoram e expandem a prestação de serviços das profissões liberais.

1.3.

No interesse dos seus clientes, pacientes e comitentes, os profissionais liberais devem poder identificar e avaliar os perigos decorrentes da utilização das tecnologias digitais, devido à confiança particular que caracteriza essa relação profissional e que, mesmo no caso de canais de distribuição digitais, continuará a ser um elemento central.

1.4.

No contexto das aplicações digitais, os pacientes, clientes e comitentes devem poder confiar que os serviços prestados são da responsabilidade do profissional, assentes nos seus conhecimentos especializados e independentes de interesses externos. Uma condição prévia importante para tal é uma regulação profissional adequada e adaptada à evolução digital.

1.5.

Os profissionais liberais devem assegurar a proteção dos dados de forma coerente e defendê-la de terceiros. A fim de evitar a utilização abusiva de dados, são necessárias infraestruturas digitais seguras na UE.

1.6.

Os profissionais liberais devem atualizar os conteúdos da formação de base e contínua, a fim de garantir que as suas competências em tecnologias de informação e digitalização e as dos seus trabalhadores correspondem ao mais alto nível de qualidade possível. Solicita-se à UE que acompanhe estes processos através de programas de financiamento adequados.

1.7.

Os profissionais liberais devem adaptar as suas práticas autónomas à evolução digital e participar ativamente na configuração do processo. Para tal, poderá ser necessário alargar as regras deontológicas.

1.8.

O surgimento de novas profissões liberais, possibilitado pela digitalização, deve ser incentivado, com base nos critérios e princípios estabelecidos no Manifesto de Roma.

2.   A COVID-19 e as profissões liberais

2.1.

A pandemia desencadeou também um processo de digitalização generalizada nas profissões liberais. O aumento da procura dos serviços das profissões liberais e as restrições impostas pela pandemia levaram a uma forte expansão da oferta em formato digital. A crise veio demonstrar em que medida a nossa sociedade depende da excelência dos conhecimentos especializados dos profissionais liberais que exercem funções essenciais. Enquanto parceiros importantes dos governos na gestão de crises e na resposta às necessidades fundamentais da população, os profissionais liberais devem, no futuro, ser integrados de forma ainda mais aprofundada nos sistemas dos parceiros sociais e os seus serviços assegurados por uma regulação profissional adequada e adaptada à evolução digital. Um aspeto fundamental a ter em conta é o facto de, durante a pandemia, muitos trabalhadores independentes e profissionais liberais não terem tido acesso a apoios estatais ou estes terem sido insuficientes.

2.2.

A digitalização intensiva dos serviços das profissões liberais pode ter um impacto duradouro na melhoria da cobertura desses serviços, nomeadamente em regiões remotas. A este respeito, é necessário assegurar que o fosso ainda demasiado elevado entre a Internet de banda larga fornecida nas zonas urbanas e a fornecida nas zonas rurais seja colmatado o mais rapidamente possível e que os cidadãos de todas as regiões tenham acesso, em condições de igualdade, à prestação de serviços digitalizados. Os profissionais liberais investiram na digitalização e na proteção de dados durante a crise, a fim de desempenharem a sua função de prestadores de serviços de interesse geral em posições-chave da sociedade. Por conseguinte, importa incluir explicitamente os profissionais liberais como um grupo essencial em todas as medidas de revitalização económica.

3.   O Manifesto de Roma — Definição de profissão liberal

3.1.

Os profissionais liberais desempenham um papel fundamental no desenvolvimento económico e social da UE. Exercem um vasto leque de profissões regulamentadas, devem possuir qualificações específicas e representam 22 % de todos os trabalhadores na Europa. Em 2013, mais de um décimo do valor acrescentado bruto na UE já foi gerado pelo setor das profissões liberais. A crise da COVID-19 evidenciou a dependência existencial da nossa sociedade em relação aos serviços altamente qualificados prestados pelos profissionais liberais. Enquanto empregadores e empresas resilientes, as profissões liberais proporcionam um potencial de emprego significativo, além de desempenharem importantes funções de interesse geral. Os serviços que prestam estão estreitamente relacionados com as necessidades fundamentais das pessoas, tais como a vida, o trabalho, a saúde, a segurança ou a propriedade. Neste contexto, é importante assegurar o acesso democrático aos serviços das profissões liberais, por exemplo, na área da saúde através dos regimes de segurança social ou no domínio da justiça através do apoio judiciário. As recomendações relativas a limites máximos de honorários ou custos visam proteger as pessoas que utilizam os serviços das profissões liberais e dependem dessas orientações devido às assimetrias de informação.

3.2.

O Comité Económico e Social Europeu debruçou-se várias vezes sobre o tema das profissões liberais e, em 2014, encomendou um estudo exaustivo intitulado «Die Lage der freien Berufe in ihrer Funktion und Bedeutung für die europäische Zivilgesellschaft» (1) [A situação das profissões liberais no que respeita às suas funções e pertinência para a sociedade civil europeia]. Este trabalho demonstrou que, até à data, não existe uma interpretação comum ou definição universalmente válida do conceito de profissão liberal a nível da UE.

3.3.

Em dezembro de 2017, o CESE adotou o Manifesto de Roma a fim de definir o conceito de profissão liberal. Neste contexto, foi possível aproveitar o trabalho preparatório realizado por federações europeias de profissões liberais, que procuraram conjuntamente formular uma definição europeia sob a forma de uma Carta das Profissões Liberais.

3.4.

De acordo com o Manifesto de Roma, as profissões liberais consistem na prestação de serviços intelectuais com base numa qualificação ou habilitação profissional específica. Estes serviços caracterizam-se por um elemento pessoal e baseiam-se numa relação de confiança. Os profissionais liberais exercem a sua atividade mediante responsabilidade pessoal e independência profissional, estando sujeitos a uma deontologia profissional, vinculados aos interesses dos seus clientes e ao bem comum e subordinados a um sistema de organização e supervisão da profissão.

3.5.

Esta definição não é exaustiva, mas está aberta a novas evoluções tecnológicas e a novas profissões. O Manifesto de Roma revela que estas características são indicativas das profissões liberais, mas nem sempre têm de ser cumulativas.

4.   Desafios da digitalização

4.1.

A digitalização global desencadeou um processo de transformação da sociedade no seu conjunto, cujas consequências são imprevisíveis. A pandemia de COVID-19 contribuirá para acelerar esta evolução.

4.2.

Os exemplos que se seguem mostram que as aplicações e os canais de distribuição digitais, assim como a utilização da inteligência artificial, são já uma parte indispensável de muitos serviços das profissões liberais, podendo continuar a otimizá-los no futuro. Continuam por determinar as consequências da falta de contacto pessoal na relação particular de confiança entre estes profissionais e os seus clientes, comitentes e pacientes, bem como a resposta à questão de saber em que medida o chamado fator humano pode ser substituído pela inteligência artificial.

4.2.1.

No domínio do aconselhamento jurídico, as tecnologias de cadeia de blocos e as tecnologias jurídicas estão cada vez mais generalizadas. As caixas de correio eletrónico para advogados e as aplicações da administração pública em linha alterarão a forma como se estabelece o contacto com os tribunais e os órgãos administrativos. Os profissionais liberais já são, atualmente, parceiros importantes na execução de projetos da administração pública em linha e contribuem significativamente para a simplificação administrativa neste domínio.

4.2.2.

No domínio do planeamento, a Modelação da Informação da Construção (Building Information Modelling — BIM), um método de planeamento, execução e gestão de edifícios em rede, está a tornar-se cada vez mais importante e muitas avaliações da segurança das infraestruturas são realizadas com a ajuda da inteligência artificial.

4.2.3.

No setor da saúde, a utilização de aplicações de IA levou a alterações significativas nos diagnósticos médicos, bem como a avanços nas consultas de telemedicina e nas receitas eletrónicas e à crescente utilização de processos clínicos eletrónicos.

4.3.

A digitalização está a mudar os canais de comunicação e informação. Por um lado, abre a possibilidade de os consumidores obterem informações antes e durante a utilização dos serviços das profissões liberais, reduzindo assim as assimetrias de informação que existiam até aqui. Por outro lado, existe o risco de que uma oferta excessiva de informações não filtradas e descontextualizadas ou de notícias falsas seletivas possa induzir insegurança nos consumidores, conduzindo a perceções erradas graves e mesmo exacerbando as assimetrias de informação.

4.4.

Graças à digitalização dos serviços das profissões liberais e aos sistemas de tradução e de reconhecimento de voz baseados na IA, estes serviços passarão a estar menos ligados a um determinado local e língua, especialmente no caso dos serviços de aconselhamento e planeamento, mas também dos serviços sociais e de saúde. Tal não deve pôr em causa o princípio do país de destino estabelecido na Diretiva Serviços.

4.5.

A qualidade dos dados nas aplicações de IA reveste-se de particular importância no domínio dos serviços das profissões liberais. Para que, na prática, essas aplicações possam ser utilizadas eficazmente em domínios sensíveis, é essencial a participação dos profissionais liberais no desenvolvimento técnico e, em especial, na garantia da qualidade dos dados.

4.6.

Outro aspeto importante a este respeito é a anonimização ou a pseudonimização dos dados como base para a sua utilização segura no interesse dos clientes. Ao mesmo tempo, a evolução tecnológica aumenta o risco de cibercriminalidade, que também representa uma ameaça para os serviços oferecidos pelos profissionais liberais.

4.7.

A digitalização facilitará a entrada no mercado de novos operadores comerciais orientados para os modelos empresariais das profissões liberais. A União Europeia e os seus Estados-Membros devem acompanhar este processo com medidas regulamentares, sempre que necessário, a fim de regular, por exemplo, as relações entre os operadores de plataformas e os profissionais liberais, bem como o acesso a essas plataformas. As autoridades reguladoras nacionais ou as ordens profissionais devem ser associadas a este acompanhamento. No setor do fornecimento de produtos farmacêuticos, foram criadas nos últimos anos grandes farmácias em linha que operam além-fronteiras. Neste panorama, as empresas que já possuem competências digitais podem estar em vantagem enquanto novos operadores.

5.   Principais elementos das profissões liberais na transição digital

5.1.

Existe uma relação particular de confiança entre o profissional liberal e o seu cliente, paciente ou comitente, o que constitui uma característica essencial dos serviços das profissões liberais. A digitalização está a pôr à prova esta relação de confiança, por exemplo, porque o contacto pessoal já não ocorre diretamente, mas cada vez mais através de meios tecnológicos, como a videoconferência ou serviços de mensagens eletrónicas. No entanto, a prestação de aconselhamento e de assistência assente na confiança continuará a ser um elemento essencial dos serviços das profissões liberais, mesmo que tenham lugar em formato digital.

5.2.

Contudo, a longo prazo, coloca-se a questão de saber se as aplicações de IA conseguem cumprir os mesmos requisitos que os serviços de aconselhamento humano. Em teoria, seria concebível que a relação de confiança entre humanos se tornasse uma relação de confiança entre humanos e máquinas, mas atualmente as aplicações de IA ainda estão longe dessa realidade, já que a última decisão deve caber ao ser humano (princípio do «controlo humano»). A programação subjacente à IA deve ser transparente, centrada no ser humano e orientada, em primeiro lugar, para os interesses dos destinatários dos serviços, com os mesmos critérios em matéria de responsabilidade civil. A transparência dos algoritmos subjacentes é também essencial para o êxito e a confiança nos serviços de IA, não devendo conduzir a distorções ou à reprodução de preconceitos.

5.3.

A independência profissional e a responsabilidade pessoal constituem uma base importante para a relação de confiança acima referida. Uma característica inalienável dos serviços das profissões liberais é o facto de os pacientes, clientes e comitentes poderem estar confiantes de que os serviços prestados são da responsabilidade do profissional, assentes nos seus conhecimentos especializados e independentes de interesses externos. A confiança na competência profissional independente tornar-se-á cada vez mais importante, especialmente no ambiente digital, onde será mais difícil identificar as influências dos interesses de terceiros.

5.4.

A segurança e a proteção dos dados são elementos essenciais da prestação de serviços das profissões liberais na era digital. A este respeito, os profissionais liberais desempenham um papel fundamental, garantindo aos seus clientes ou pacientes a utilização segura das aplicações digitais e informando-os sobre os perigos envolvidos. Esta abordagem reforça a relação de confiança com o destinatário do serviço e está em linha com o respeito do sigilo profissional.

5.5.

Ao mesmo tempo, há que observar que os profissionais liberais não podem detetar todos os casos de utilização abusiva de dados, o que é crucial para eventuais problemas de responsabilidade. Este é particularmente o caso quando a utilização abusiva de dados se deve ao acesso de terceiros à infraestrutura digital disponível fora da UE. A União Europeia deve, por conseguinte, promover a criação e o desenvolvimento de infraestruturas digitais seguras, a fim de se manter à altura dos concorrentes de outras regiões do mundo.

6.   Digitalização e formação

6.1.

A digitalização alterará as necessidades da formação inicial, complementar e contínua dos profissionais liberais. Os profissionais devem assumir um compromisso com a aprendizagem ao longo da vida, abrangendo não só a sua área específica de especialização, mas também a aquisição de competências digitais noutros domínios em rápida mudança.

6.2.

A fim de assegurar as bases necessárias para as competências digitais, os profissionais liberais devem adquirir as competências digitais pertinentes logo durante a sua formação de base e, mais tarde, ao longo da sua vida profissional. Solicita-se à UE que acompanhe estes processos através de programas de financiamento adequados.

6.3.

A aquisição e o desenvolvimento de competências digitais dizem respeito também aos colaboradores dos profissionais liberais, cuja formação é da responsabilidade destes últimos.

7.   Digitalização e legislação laboral

7.1.

As normas elevadas de qualidade e segurança para a prestação dos serviços das profissões liberais são regulamentadas por lei em muitos países e devem ser garantidas, sejam estes serviços prestados digitalmente ou não. As legislações laborais nacionais na UE estão sob forte pressão desde há muitos anos. Embora a Comissão Europeia esteja confiante de que a redução da regulação profissional a nível nacional aumentará o crescimento económico e a concorrência, não são tidos em conta os custos subsequentes de prestações infrutíferas devido à falta de garantia da qualidade nos mercados liberalizados dos serviços das profissões liberais. Por conseguinte, muitos Estados-Membros consideram que a sua regulamentação é necessária e adequada para garantir a qualidade, especialmente no domínio dos serviços essenciais das profissões liberais.

7.2.

Tendo em conta a dificuldade crescente de enquadrar as novas formas digitais de prestação dos serviços das profissões liberais nas normas jurídicas em vigor, será necessário adaptar a legislação laboral atual. A fim de alcançar a flexibilidade necessária, cumpre rever as normas jurídicas que se tornem supérfluas em resultado da digitalização. Por outro lado, tornar-se-á mais necessário assegurar juridicamente certos princípios relativos ao acesso e ao exercício das profissões liberais, a fim de evitar que a digitalização tenha consequências negativas para os consumidores e as profissões liberais.

7.3.

Essencialmente, o objetivo será encontrar a relação ideal entre normas vinculativas e instrumentos jurídicos não vinculativos. A autorregulação profissional é uma prioridade, devendo o legislador intervir apenas quando esta não for eficaz. Para as profissões liberais não regulamentadas, cumpre incentivar a adoção de regras deontológicas.

8.   Digitalização e autorregulação das profissões liberais

8.1.

Uma característica essencial das profissões liberais é a sua forma de organização profissional, qualquer que seja a sua natureza, ainda que varie consideravelmente de um país para outro na UE.

8.2.

A autorregulação das profissões é organizada principalmente a nível regional e, amiúde, a nível local. A digitalização elimina a tradicional dependência local e linguística da prestação de serviços, colocando-se a questão de saber de que modo a supervisão profissional pode ser efetivamente assegurada no futuro. Os organismos de autorregulação das profissões devem abordar esta questão numa fase precoce.

8.3.

A digitalização traz novas tarefas às ordens e associações profissionais das profissões liberais, que podem ajudar os respetivos sócios a desenvolver novas áreas de negócio digitais ou a lidar com novos meios de comunicação.

8.4.

A digitalização exigirá a adaptação das regras deontológicas desenvolvidas no contexto da autorregulação profissional. Uma ética profissional que garanta o cumprimento dos principais elementos básicos das profissões liberais é uma condição prévia importante para evitar que os processos de digitalização tenham efeitos negativos nos consumidores. Assim, as regras deontológicas podem completar as bases jurídicas.

9.   Surgimento de novos perfis de profissões liberais

9.1.

A digitalização pode expandir o leque de profissões liberais existentes, reforçar a cooperação interdisciplinar com outras profissões e, com base nos critérios estabelecidos no Manifesto de Roma, favorecer o surgimento de novas profissões liberais no espírito de um sistema aberto e em evolução.

9.2.

Além disso, a digitalização aumentará a comercialização contínua dos serviços das profissões liberais e transformará os perfis tradicionais destas profissões.

9.3.

A autorregulação, as regras deontológicas e os requisitos legais mínimos desempenharão, por conseguinte, um papel importante no futuro ao garantir, através de abordagens inovadoras e flexíveis, o aspeto do bem comum, por oposição à mera obtenção do lucro e, deste modo, a qualidade dos serviços das profissões liberais em prol dos consumidores.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Estudo «Die Lage der freien Berufe in ihrer Funktion und Bedeutung für die europäische Zivilgesellschaft», EESC-2014-46-EN, ISBN 978-92-830-2460-6.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/13


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel da economia social na criação de emprego e na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais»

(parecer exploratório)

(2021/C 286/04)

Relator:

Giuseppe GUERINI

Correlatora:

Cinzia DEL RIO

Consulta

Presidência portuguesa do Conselho, 26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

239/2/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) saúda a presidência portuguesa por ter solicitado o presente parecer e considera importante que as organizações da economia social sejam vistas como parceiros estratégicos na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e na construção de uma União Europeia que defenda que a função principal da economia é estar ao serviço das pessoas. A este respeito, recomenda que as autoridades dos Estados-Membros prevejam uma ampla participação das organizações da economia social nos seus planos nacionais de recuperação e resiliência para vencer a crise pandémica.

1.2.

O CESE considera necessário consolidar os critérios operacionais adotados pelas instituições da UE, a fim de promover o reconhecimento adequado das organizações e empresas da economia social e das diversas formas jurídicas que assumem. Esses critérios passam por dar primazia aos objetivos sociais de interesse geral, adotar uma governação democrática na qual participem as várias partes interessadas e utilizar eventuais lucros (limitados) na persecução dos objetivos estatutários.

1.3.

Para medir o impacto social das organizações e empresas da economia social, o CESE considera necessário que a União Europeia se dote de um sistema permanente de recenseamento estatístico que lhe permita dispor de dados fiáveis, comparáveis e atualizados sobre a dimensão e o impacto do setor.

1.4.

O CESE considera que, quando o papel das organizações da economia social na criação e manutenção de postos de trabalho envolve trabalhadores desfavorecidos em zonas igualmente desfavorecidas, são necessárias políticas de apoio adequadas, capazes de reconhecer a função de interesse geral destas organizações que, embora sendo entidades de direito privado, desempenham uma função essencialmente pública.

1.5.

Essas políticas de apoio devem traduzir-se em quatro níveis:

políticas fiscais e sistemas de tributação que reconheçam a função de interesse geral;

políticas de promoção do investimento público e privado que fomentem o desenvolvimento de um financiamento com impacto social, nomeadamente por intermédio dos contratos públicos e das concessões;

políticas de apoio ao emprego estável e à participação económica dos trabalhadores das empresas da economia social;

políticas de apoio à qualificação dos trabalhadores e à inovação tecnológica nas organizações da economia social.

1.6.

No que diz respeito à criação e manutenção de postos de trabalho, o CESE considera que a fórmula conhecida por «aquisição pelos trabalhadores» [«worker buy out»] é uma boa prática útil não só para o relançamento das empresas em crise, mas também para a transmissão das PME cujos fundadores não têm herdeiros. Por este motivo, poderá ser interessante criar um fundo de investimento europeu específico.

1.7.

O CESE solicita que se alimente e fomente, nomeadamente mediante políticas de incentivo, o interesse crescente dos operadores financeiros nos investimentos com impacto social, os quais devem reconhecer nas empresas da economia social o interveniente principal do relançamento dos investimentos dedicados à concretização dos objetivos sociais, ambientais e de solidariedade.

1.8.

O CESE considera que as empresas da economia social podem ser a forma organizativa ideal para as novas formas de empreendedorismo assentes nas plataformas digitais, em particular, para as atividades da economia da partilha, dada a sua propensão para associar ativamente trabalhadores e utilizadores das plataformas digitais.

1.9.

O CESE salienta que as condições de trabalho dignas e a governação democrática são elementos definidores das empresas da economia social e defende que quando estes não estão previstos estatutariamente, como acontece nas cooperativas de trabalho e sociais, cumpre prever formas específicas de consulta e participação dos trabalhadores.

1.10.

O CESE considera que as organizações da economia social, em particular as associações de voluntariado, são fundamentais para a coesão, pois alimentam o capital social e apoiam a ação responsável da sociedade civil.

1.11.

O voluntariado dos jovens é um recurso fundamental para aumentar a empregabilidade e o capital humano das novas gerações, criando um efeito positivo que exponencia as oportunidades de emprego. Essa função afigura-se útil para reduzir o fenómeno dos jovens que não trabalham, não estudam, nem estão em formação e seria útil criar políticas que facilitem a transição do voluntariado para formas estáveis de emprego remunerado.

1.12.

Por último, o CESE solicita e espera que o Plano de Ação para a Economia Social constitua uma oportunidade para aplicar instrumentos operacionais e propostas legislativas concretas.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE congratula-se com a possibilidade de contribuir, através do presente parecer exploratório, elaborado a pedido da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, para a prossecução das prioridades do programa, em especial no que se refere à promoção do modelo social europeu, formulando propostas concretas sobre o papel das empresas da economia social na criação de emprego estável e digno, e de uma economia mais inclusiva, sustentável e resiliente.

2.2.

A economia social é cada vez mais reconhecida a nível internacional como um interveniente decisivo e importante, suscetível de exprimir a capacidade organizacional e transformadora da sociedade civil. Vários Estados-Membros adotaram legislação que reconhece os objetivos e as funções da economia social, descrevendo o perfil e a forma jurídica das organizações reconhecidas como expressões da economia social (1).

2.3.

No que toca ao reconhecimento jurídico, o CESE salienta no seu parecer INT/871 (2) que as organizações e as empresas da economia social colocam os objetivos sociais antes do capital, nomeadamente através de uma governação democrática na qual participam as várias partes interessadas. Não têm fins lucrativos privados e, mesmo que tenham lucros limitados em virtude da sua atividade comercial, os mesmos são destinados à persecução dos seus objetivos estatutários e à criação de postos de trabalho.

2.4.

O amplo reconhecimento da economia social é sustentado por estudos realizados por instituições e organismos internacionais como a OCDE, as Nações Unidas, a OIT e várias instituições da UE, entre as quais o CESE, cujos treze pareceres sobre a economia social que elaborou entre 2009 e 2020 categorizaram as organizações e as empresas da economia social em quatro famílias: as cooperativas, as associações, as mútuas e as fundações, a que se vieram juntar recentemente as empresas sociais.

2.5.

Embora os critérios e conceitos mais representativos da economia social, como o primado das pessoas sobre o capital, o reinvestimento dos lucros e a governação participativa, tenham sido reconhecidos pela União Europeia (3), ainda não foi possível chegar a acordo sobre uma definição jurídica europeia uniforme. Em 2018, o Parlamento propôs a introdução de uma certificação para as organizações da economia social com base no artigo 50.o do TFUE. O CESE entende que, para que esta iniciativa se concretize, será necessário recolher de forma mais homogénea e mais eficaz um maior número de dados estatísticos sobre o recenseamento das organizações e empresas da economia social de acordo com uma definição operacional comum, como acontece nos países que criaram registos públicos das organizações e empresas da economia social.

2.6.

É cada vez mais necessário dispor de uma definição operacional reconhecida e formalmente aceite e aplicável pelas instituições da União Europeia, especialmente para permitir o acesso às inúmeras oportunidades de crescimento e desenvolvimento, bem como para promover uma melhor compreensão da economia social por parte das instituições públicas e privadas.

2.7.

Esta definição é indispensável para o pleno acesso ao mercado de capitais, onde se regista um interesse crescente nos investimentos com impacto social. O Plano de Ação para a Economia Social constitui uma oportunidade única para abordar esta questão, mas também se deve considerar o papel da economia social no plano de ação para uma União dos Mercados de Capitais ao serviço das pessoas e das empresas (4), a fim de captar investimentos na Europa para uma economia em prol das pessoas.

2.8.

A função e o valor económico gerados pelas organizações da economia social afiguram-se muito significativos, quer pela sua dimensão (8 % do PIB), quer pela qualidade e persistência desse valor (5), que mesmo nos anos da crise financeira viu aumentarem tanto os valores da produção económica, como o número trabalhadores empregados.

2.9.

O papel na criação e manutenção de postos de trabalho é também importante, com mais de 13,6 milhões de postos de trabalho remunerados na Europa, representando cerca de 6,3 % da população ativa na UE-28 (6), mais de 232 milhões de membros de cooperativas, sociedades mútuas e organismos similares, e mais de 2,8 milhões de empresas e organizações. Destes trabalhadores, cerca de 2,6 milhões trabalham para empresas sociais que satisfazem os requisitos estabelecidos na Iniciativa de Empreendedorismo Social de 2011.

2.10.

Muitos trabalhadores das organizações e empresas da economia social pertencem a pequenas organizações, embora haja empresas da economia social de grande dimensão, que empregam, por vezes, centenas ou até milhares de pessoas. Uma grande parte encontra-se em organizações caracterizadas por uma governação participativa de natureza democrática, o que aponta para uma correlação entre a ampla participação das partes interessadas na governação e a tendência para manter níveis elevados de emprego, para além de uma maior capacidade de resistência aos choques (7).

2.11.

Uma característica significativa da economia social é a larga presença de trabalhadoras, que, em muitos casos, representam mais de 70 % da mão de obra, embora, em geral, essa percentagem ronde valores superiores a 50 %. Embora sejam necessárias mais medidas para assegurar a plena paridade, há uma presença significativa de mulheres nos cargos de direção e de liderança de muitas organizações da economia social. Entrevê-se, portanto, nestas organizações e empresas uma equidade salarial significativa, quer entre os vários cargos na hierarquia organizacional, quer nos próprios salários que não apresentam desequilíbrios excessivos de género (8).

2.12.

Uma maior equidade salarial não compensa o facto de os níveis salariais dos trabalhadores das organizações e empresas da economia social permanecerem amiúde no extremo inferior da distribuição do rendimento. Tal deve-se, em parte, a uma fraca valorização geral do trabalho de prestação de cuidados, que, em muitos casos, não é objeto de um reconhecimento económico adequado, nem mesmo nas formas empresariais tradicionais. A este respeito, é importante reforçar os direitos sindicais dos trabalhadores do setor social e da prestação de cuidados.

2.13.

Igualmente importante é o papel desempenhado na promoção e na aplicação de muitas inovações sociais, o que demonstra que estas organizações são capazes de interpretar e acompanhar as alterações da sociedade mobilizando recursos em termos de capital humano, que se manifesta numa participação ativa e solidária, com mais de 82,8 milhões de voluntários.

2.14.

O número elevado de pessoas ativas em setores importantes e o facto de as organizações e empresas da economia social enfrentarem desafios ligados à inovação social e tecnológica exigem apoio sob a forma de ações adequadas de formação contínua e de qualificação que permitam o desenvolvimento de competências profissionais e organizacionais.

2.15.

O CESE considera, portanto, extremamente oportuno que a Comissão Europeia tenha anunciado um Plano de Ação para a Economia Social e medidas concretas para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e do respetivo plano de ação, a respeito do qual o CESE se pronunciou no parecer SOC/614 (9).

3.   Propostas para uma política europeia de apoio e promoção da economia social

3.1.

A fim de dar um novo impulso e coerência ao contributo das organizações e empresas da economia social, assim como para construir uma «Europa mais social, resiliente e inclusiva», cumpre adotar medidas legislativas e programas de política económica europeia que promovam e fomentem o crescimento destas organizações e empresas da economia social, nomeadamente à luz do contributo que podem dar para um modelo de desenvolvimento sustentável, ecológico e solidário.

3.2.

Neste sentido, é possível identificar ações a quatro níveis:

um sistema de tributação que reconheça o papel de interesse geral desempenhado pelas empresas da economia social, em especial as que operam em setores de interesse público primário, como os serviços sociais, de saúde, educativos e de inclusão social;

políticas de promoção do investimento público e privado que fomentem o desenvolvimento de um financiamento com impacto social — com a subsequente melhoria da acessibilidade ao mercado dos contratos públicos e das concessões;

políticas de apoio ao emprego estável e à participação económica dos trabalhadores das empresas da economia social, especialmente na sua governação democrática;

políticas de apoio destinadas a desenvolver novas competências e a promover a disseminação da inovação e das novas tecnologias na sociedade civil.

3.3.

Embora reconheça o papel fundamental desempenhado pelas organizações e empresas da economia social no domínio dos serviços às pessoas e dos serviços sociais, o CESE considera, no entanto, imprescindível que o Estado e as administrações públicas mantenham as suas responsabilidades para garantir aos cidadãos a prestação de serviços essenciais.

3.4.

Importa continuar a reforçar as medidas de apoio ao emprego nas empresas sociais que têm como missão a integração no mercado de trabalho das pessoas com deficiência ou gravemente desfavorecidas. Essas medidas devem ter por objetivo reduzir a carga fiscal e contributiva que onera os custos do trabalho, cabendo aos poderes públicos suportar as contribuições necessárias para garantir a segurança e a proteção sociais destes trabalhadores desfavorecidos. Tais incentivos não seriam considerados auxílios estatais às empresas da economia social, uma vez que se destinam a apoiar a plena inclusão no trabalho de pessoas gravemente desfavorecidas. Em qualquer caso, só se devem conceder incentivos a organizações que respeitem as convenções coletivas de trabalho e os direitos fundamentais dos trabalhadores.

3.5.

Em muitos casos, as empresas da economia social são o principal prestador de serviços essenciais à população, como serviços educativos, de cuidados sociais e de saúde, de assistência ou de formação e inserção profissional para as pessoas desfavorecidas, exercendo atividades que, embora de natureza comercial ou empresarial, são sempre atividades com um forte valor comunitário e territorial, cujos lucros são, não obstante, reinvestidos na persecução dos objetivos estatutários. Trata-se de serviços executados com a participação direta dos próprios destinatários e que têm um vínculo territorial inerente à própria missão que executam. Por conseguinte, estas condições não podem ser equiparadas inteiramente aos regimes de concorrência no mercado. Cabe, portanto, flexibilizar alguns dos requisitos atuais em matéria de auxílios estatais que não permitem introduzir um regime fiscal que reconheça os méritos sociais e de utilidade pública destas organizações.

3.6.

Pela mesma razão, tal como já solicitado no parecer INT/906 (10), o CESE preconiza que o limiar de 500 000 euros em três exercícios financeiros estabelecido no Regulamento de minimis aplicável aos serviços de interesse económico geral deve ser de, pelo menos, 800 000 euros por exercício financeiro.

Não obstante, afigura-se oportuno prever regras harmonizadas de acesso ao financiamento público mediante a adoção de critérios uniformes, transparentes, assentes no pleno cumprimento das normas laborais e na aplicação das convenções coletivas setoriais.

3.7.

Importa identificar os instrumentos suscetíveis de aumentar os investimentos com impacto social efetuados nas organizações da economia social. Neste sentido, foram feitas algumas experiências interessantes com obrigações específicas ou títulos de participação (fundos próprios ou quase capital) numa empresa da economia social, associada à persecução de objetivos sociais de interesse geral.

3.8.

A aplicação de regimes fiscais preferenciais permitirá criar fatores de crescimento significativos com base nestes instrumentos financeiros, uma vez que a experiência confirma que as organizações da economia social, embora com investimento limitado, conseguem criar muitos postos de trabalho e gerar benefícios sociais significativos para os utentes dos serviços prestados.

3.9.

No entanto, é necessário prever métricas adequadas que permitam medir e comparar os resultados obtidos, tais como o aumento do emprego estável, a aplicação de normas elevadas de segurança no trabalho e a verificação do cumprimento efetivo dos objetivos sociais subjacentes à iniciativa. Os Estados-Membros devem, por conseguinte, adotar leis-quadro sobre a economia social e aplicar ativamente políticas conducentes ao crescimento e ao desenvolvimento das empresas da economia social.

3.10.

Em 2011, a Comissão Europeia já havia identificado a necessidade de melhorar o nível de conhecimento e de recolha pública de dados e estatísticas sobre as empresas da economia social, mas muito resta ainda por fazer para definir normas coordenadas, o que será, aliás, particularmente útil para evitar fenómenos como o «branqueamento da responsabilidade social das empresas» ou o acesso indevido às medidas de apoio.

3.11.

Desta forma, seria possível identificar as autoridades nacionais, nos Estados-Membros que ainda não o fizeram, responsáveis pelo controlo e verificação do cumprimento dos requisitos e das normas, assim como da coerência com os objetivos sociais.

3.12.

Uma das medidas específicas de apoio mais significativas é a participação no mercado dos contratos públicos e das concessões, para a qual a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (11) já propôs instrumentos que, apesar de importantes, não foram adequadamente implementados em todos os Estados-Membros. A fim de incentivar a contratação pública socialmente responsável, a Comissão Europeia deve dar o exemplo e tirar o máximo partido dos seus próprios concursos para perseguir objetivos de política social.

3.13.

Afiguram-se igualmente interessantes as medidas de apoio destinadas à reconversão das atividades de produção e de prestação de serviços, ou à transferência dessas atividades de empresas em crise ou de empresários em fim de carreira para os trabalhadores, organizados em cooperativas ou em empresas participativas.

3.14.

Muitas destas experiências, identificadas como aquisição pelos trabalhadores  (12), que já foram levadas a cabo com êxito para a recuperação de atividades industriais em crise, assistem agora a uma recrudescência dos casos em que uma empresa social participada pelos trabalhadores se propõe para retomar a atividade de uma pequena empresa. É o caso, em especial, dos jovens que não dispõem de capital adequado para constituir uma empresa e que, além disso, sentem dificuldades em dar esse salto ao pensarem que terão de enfrentar as dificuldades do mercado sozinhos.

3.15.

A fim de aumentar o potencial destas iniciativas, seria necessária uma medida de investimento e apoio para ajudar a criar uma empresa através de uma participação de capital para financiar os trabalhadores de empresas em crise que optam por retomar as suas atividades constituindo-se em cooperativa. Em alguns países, estas iniciativas permitiram a reconversão de várias empresas e a salvaguarda de milhares de postos de trabalho.

3.16.

Os sindicatos dos trabalhadores desempenham um papel crucial nestes processos de reconversão industrial. As formas de autoempreendedorismo como a aquisição pelos trabalhadores fazem parte das políticas ativas de emprego. O acordo assinado em Itália entre as três federações cooperativas e os três sindicatos mais importantes sobre a cooperação sistemática em matéria de aquisições pelos trabalhadores constitui uma boa prática de colaboração entre as cooperativas e os sindicatos (13).

3.17.

O CESE espera que o Plano de Ação para a Economia Social promova o lançamento de iniciativas semelhantes em todos os Estados-Membros da União Europeia, através da criação de uma estrutura específica no âmbito do Fundo Europeu de Investimento ou do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização, a fim de dispor de instrumentos concretos para apoiar o relançamento das atividades económicas arruinadas pela crise provocada pela pandemia.

4.   Novas formas de economia social

4.1.

As empresas da economia social estão a criar novos empregos e a desenvolver iniciativas de inovação social, nomeadamente no contexto da economia verde e da promoção do desenvolvimento sustentável. O número de experiências no domínio da economia circular realizadas por organizações da economia social está a aumentar, o que também cria novos postos de trabalho no setor da reutilização ou da agricultura social. Até à data, o quadro jurídico e as políticas de muitos Estados-Membros não têm permitido o desenvolvimento de cooperativas de inserção profissional, razão pela qual é desejável agir a nível da UE e, assim, começar a fazer progressos neste domínio.

4.2.

O papel que as cooperativas de trabalho (14) podem desempenhar reveste-se de particular interesse para tornar mais inclusivas as novas formas de empreendedorismo realizadas através das plataformas digitais, a fim de tornar a participação dos trabalhadores e dos utilizadores mais sustentável e partilhada, com o fito de desenvolver novas formas de mutualidade e solidariedade, através das tecnologias digitais suscetíveis de promover uma participação generalizada. É, no entanto, óbvio que a proteção dos trabalhadores das plataformas e dos trabalhadores atípicos passa necessariamente pela celebração de convenções coletivas adequadas com os sindicatos dos trabalhadores.

4.3.

As empresas da economia social podem criar oportunidades de emprego e de desenvolvimento local, através da organização da participação dos cidadãos na prestação de serviços, como o fornecimento de energias renováveis ou a organização de serviços em zonas descentralizadas e zonas rurais, como demonstrado pela experiência francesa com os Polos Territoriais para a Cooperação Económica, que reúnem associações, cooperativas, órgãos de poder local, empresas tradicionais e universidades em torno de um projeto e promovem experiências de agricultura social, turismo sustentável, valorização do património ambiental ou cultural.

4.4.

No contexto da economia social, as atividades de voluntariado são importantes para a geração mais jovem, mas também para as pessoas mais velhas, para as quais, em alguns casos, essas atividades são uma ocasião importante para manter um papel social e cívico ativo que contribui para melhorar a qualidade de vida. Por esta razão, é importante reforçar as sinergias entre os cursos de formação e os horários de voluntariado como forma de promover a integração no emprego no setor social. Uma maior coordenação entre os períodos de voluntariado e de estágio poderia facilitar a formação de pessoal jovem e qualificado.

4.5.

Cumpre reforçar e, eventualmente, alargar a experiência positiva do Corpo Europeu de Solidariedade, criando uma espécie de Erasmus para empresários sociais, a fim de promover a colaboração transfronteiras no domínio da economia social.

4.6.

Essa função afigura-se muito útil para reduzir o fenómeno complexo dos jovens que não trabalham, não estudam, nem estão em formação e seria útil criar políticas de incentivo para facilitar a transição do voluntariado para o emprego estável.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://oeil.secure.europarl.europa.eu/oeil/popups/ficheprocedure.do?reference=2016/2237(INL)&l=en

https://betterentrepreneurship.eu

https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/MEMO_11_735

https://cecop.coop/works/cecop-report-on-social-enterprises-laws-in-europe-a-worker-and-social-coops-perspective

(2)  https://www.eesc.europa.eu/en/our-work/opinions-information-reports/opinions/towards-appropriate-european-legal-framework

(3)  Iniciativa de Empreendedorismo Social: https://ec.europa.eu/growth/sectors/social-economy/enterprises_pt

Conclusões do Conselho sobre a promoção da economia social 2015: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15071-2015-INIT/pt/pdf

Social Economy Charter (Carta dos princípios da economia social) 2002: https://www.socialeconomy.eu.org/wp-content/uploads/2020/04/2019-updated-Social-Economy-Charter.pdf (em inglês).

(4)  Uma União dos Mercados de Capitais ao serviço das pessoas e das empresas — novo plano de ação, COM(2020) 590 final.

(5)  Os dados provêm da publicação da Comissão Europeia https://ec.europa.eu/social/BlobServlet?docId=22304&langId=en (em inglês).

(6)  Os dados provêm do relatório do CESE http://www.eesc.europa.eu/sites/default/files/files/qe-04-17-875-en-n.pdf (em inglês).

(7)  «The resilience of the cooperative model» [A resiliência do modelo cooperativo], Comité Europeu das Cooperativas de Produção (CECOP), 2012 https://www.cecop.coop/works/the-resilience-of-the-cooperative-model

(8)  «Las mujeres en las cooperativas de trabajo» [As mulheres nas cooperativas de trabalho], COCETA — Confederação espanhola de Cooperativas de Trabalho Associado, 2019 https://www.coceta.coop/publicaciones/estudio-mujer-cooperativismo-coceta-2019.pdf (em espanhol).

(9)  JO C 14 de 15.1.2020, p. 1.

(10)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 131.

(11)  https://ec.europa.eu/info/policies/public-procurement/support-tools-public-buyers/social-procurement_pt

(12)  «Business transfers to employees under the form of a cooperative in Europe: opportunities and challenges» [Transferência das empresas para os trabalhadores sob a forma de cooperativas na Europa: oportunidades e desafios], CECOP, 2013 (JO C 191 de 29.6.2012, p. 24).

(13)  Itália, celebrado acordo histórico entre os sindicatos e as cooperativas sobre as aquisições por trabalhadores, CECOP, 2021: https://cecop.coop/works/italy-historic-agreement-between-unions-and-coops-to-promote-worker-buyouts (em inglês).

(14)  «All for one — Worker-owned cooperatives» response to non-standard employment» [Todos por um — Cooperativas detidas pelos trabalhadores, uma resposta ao emprego atípico], CECOP 2019: https://cecop.coop/works/cecop-report-all-for-one-reponse-of-worker-owned-cooperatives-to-non-standard-employment (em inglês).


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/20


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Formação profissional: eficácia dos sistemas para antecipar e adequar as competências e as necessidades do mercado de trabalho e papel dos parceiros sociais e das diferentes partes interessadas»

(parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa)

(2021/C 286/05)

Relator:

Jean-Michel POTTIER

Pedido da presidência portuguesa do Conselho

26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Decisão da Mesa

28.10.2020

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

222/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) recorda a importância de adequar as competências às necessidades do mercado de trabalho. O CESE salienta que a eficácia dos sistemas de formação e a capacidade de antever necessidades de competências se revestem de importância crucial num contexto de alterações profundas causadas pela crise da COVID-19, que veio acelerar o ritmo das mudanças na nossa economia, especialmente nos domínios digital e ambiental.

1.2.

Tendo em conta as dificuldades de recrutamento que as empresas europeias enfrentam, o CESE destaca a pertinência do recurso a sistemas de formação em alternância para a aquisição de competências de modos muito diversos. Uma ampla maioria dos empregadores cumpre rigorosamente o seu papel de formador em alternância, com vista a transmitir o seu saber-fazer. No entanto, deve conceder-se especial atenção à antevisão e proibição de quaisquer abusos relacionados com o emprego produtivo não remunerado de formandos em alternância.

1.3.

O CESE recorda que a diversidade de tais sistemas permite uma adaptação ideal às diferentes situações das empresas no que respeita à sua dimensão, aos tipos de qualificações, à estruturação do sistema de formação e ao tipo e nível do posto de trabalho a ocupar. Permite igualmente que os trabalhadores e os candidatos a emprego adquiram novas competências, combatendo a obsolescência das competências profissionais.

1.4.

O CESE destaca as características específicas das pequenas e médias empresas (PME). Tendo em conta a natureza técnica das profissões exercidas num número considerável de PME, cujo saber-fazer é único, nomeadamente em mercados de nicho, a formação em alternância pode ser uma resposta adequada às necessidades de competências nessas empresas. Em muitas zonas rurais, o saber-fazer das pequenas empresas constitui uma oportunidade única para os jovens, pelo que a existência de um ambiente empresarial favorável poderia melhorar as suas perspetivas de emprego.

1.5.

O CESE considera que os parceiros sociais são intervenientes eficazes na conceção e na gestão de sistemas de formação, estando particularmente bem posicionados para avaliar as necessidades de competências do mercado de trabalho, nomeadamente graças à respetiva capacidade de identificar situações de escassez de mão de obra em cada setor profissional e território, assegurando um desenvolvimento de competências eficaz e assente na prática profissional. Os parceiros sociais podem colaborar com partes interessadas, como o Estado, a região ou o serviço público de emprego, a fim de cruzar dados quantitativos e qualitativos sobre as necessidades de competências.

1.6.

O CESE assinala que os parceiros sociais devem desempenhar sistematicamente um papel de relevo no desenvolvimento das qualificações e do respetivo conteúdo. A participação dos parceiros sociais desde o início do processo é essencial para evitar situações em que os recursos não correspondem às necessidades reais dos empregadores e dos trabalhadores na Europa.

Além disso, os parceiros sociais também têm capacidade para facilitar a orientação profissional de todos os cidadãos.

1.7.

O CESE reitera que a pertinência das partes interessadas (Estado, região, serviço público de emprego) é tanto maior quanto se trate de propor soluções para promover a inclusão social. O CESE preconiza a melhoria da coordenação entre todos os intervenientes, partes interessadas e parceiros sociais, com base num acordo que especifique as interações e as responsabilidades de cada interveniente, a fim de facilitar a compreensão dos sistemas de formação e de apoio. As organizações da sociedade civil, os serviços sociais públicos e sem fins lucrativos, as empresas sociais, as instituições de segurança social e os assistentes sociais desempenham um papel fundamental no acompanhamento dos jovens e das pessoas mais velhas, prestando especial atenção às pessoas de grupos socialmente desfavorecidos. O enquadramento jurídico e financeiro em alguns Estados-Membros constitui uma base responsável para a disponibilização de tais funções e serviços importantes. São igualmente essenciais políticas incisivas em matéria de formação profissional para realizar o objetivo de promover uma mão de obra qualificada, formada e suscetível de adaptação, bem como mercados de trabalho que reajam rapidamente às mudanças económicas, nos termos do artigo 145.o do TFUE.

1.8.

O CESE salienta a importância de ter em conta as características específicas das PME, incluindo das microempresas, a fim de satisfazer as necessidades de competências em profissões sob pressão. Tais empresas não dispõem de um departamento interno de recursos humanos, embora a articulação entre formação, competências e emprego exija uma abordagem específica, e na medida em que representam um grande número de potenciais postos de trabalho, necessitam de acompanhamento específico. Tal acompanhamento deve incidir na definição das respetivas necessidades de competências, na conceção da oferta de emprego, nos serviços de aconselhamento e consulta, no processo de recrutamento e no estabelecimento de sistemas de formação adequados que possibilitem uma integração profissional duradoura.

1.9.

O CESE recorda que a formação é um instrumento fundamental para a integração das pessoas com deficiência. Cabe adotar medidas adequadas para responder ao desafio da igualdade de oportunidades das pessoas e, em particular, das mulheres com deficiência no tocante à igualdade de acesso a sistemas de formação profissional inclusivos. O CESE salienta igualmente que a sustentabilidade do trabalho depende, em particular, do direito a uma formação de qualidade.

1.10.

O CESE recomenda a elaboração de acordos estratégicos nacionais em matéria de formação e orientação profissionais, com base em negociações entre os poderes públicos e os parceiros sociais, associando as partes interessadas do setor do ensino e formação profissionais (EFP). O CESE observa que tais acordos existem em certas empresas e determinados setores profissionais ou territórios, apelando para a generalização de acordos estratégicos nacionais deste tipo. As medidas da União devem, por sua vez, facilitar a adaptação às mutações industriais, a fim de promover a integração profissional e a reintegração no mercado de trabalho.

2.   Contexto

2.1.

A pertinência da reflexão sobre a relação entre as competências disponíveis e as necessidades no mercado de trabalho deve ser encarada no contexto europeu, tal como estabelecido na Declaração de Osnabrück, segundo a qual os parceiros sociais são tidos em conta enquanto partes interessadas: Este contexto europeu inclui:

por um lado, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais faz da educação, da formação e da aprendizagem ao longo da vida os seus primeiro e quarto princípios em matéria de igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, incluindo numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida;

por outro lado, a Comissão Europeia publicou, em 2020, uma comunicação sobre um espaço europeu da formação e da educação, reiterando os seus princípios de ação e os seus objetivos, nomeadamente uma educação de qualidade para todos;

por último, no seu Parecer SOC/570 (1) sobre o futuro do trabalho e das competências, o CESE solicitou a elaboração de políticas específicas e a adoção de medidas concretas para melhorar e adaptar os sistemas de educação e formação, na perspetiva da preparação e resposta à rápida evolução tecnológica e digital.

2.2.

A questão da adequação das competências disponíveis às necessidades do mercado de trabalho é encarada de formas diferentes nos vários países da União Europeia. Os debates sobre a chamada «inadequação das competências» já tinham começado antes da crise da COVID-19, e o CESE solicitou prudência no tratamento desta questão. Segundo o CEDEFOP, 45 % dos trabalhadores consideram que as suas competências não correspondem totalmente ao posto que ocupam, enquanto 70 % das empresas sofrem de escassez de competências, mas são poucas as que associam estas dificuldades com os obstáculos encontrados, por exemplo, problemas no recrutamento, a localização geográfica da empresa, o nível de remuneração e as condições de trabalho. Cabe realizar uma análise aprofundada sobre as causas exatas da inadequação das competências e sobre a forma de ajudar essas pessoas a encontrar emprego.

2.3.   As necessidades de competências

As competências procuradas variam em função do país. No entanto, esta diversidade varia consoante o nível do sistema de produção industrial de cada país, a comparar com as necessidades das economias orientadas para os serviços ou o turismo. Embora o nível geral das competências procuradas tenha tendência para aumentar, também há necessidades correspondentes a níveis de qualificações mais baixos, supridas com recurso à imigração.

2.4.   O sistema de formação

O ensino e a formação profissionais constituem o setor da educação mais próximo do mercado de trabalho e das suas necessidades de competências. Por norma, a formação profissional começa no ensino secundário, quer em contexto escolar quer em contexto profissional, nos centros de formação e nas empresas. A proporção de jovens com formação profissional em relação a jovens que concluíram o ensino geral varia na União Europeia, mas está a diminuir gradualmente em todos os territórios. Esta observação conduz, amiúde, a medidas corretivas ou de incentivo, promovidas tanto pelos poderes públicos como pelos setores profissionais, incluindo os parceiros sociais. Entre tais medidas, a Nova Agenda de Competências destaca a digitalização dos conteúdos de formação.

O sistema de formação profissional contínua baseia-se principalmente no trabalho, e a maioria das ações de formação ocorrem no contexto profissional.

2.5.   O papel dos parceiros sociais

Cabe reforçar este papel, já existente em todos os países, ainda que em diferentes medidas. Com base na sua experiência, os parceiros sociais participam na definição das necessidades de competências atuais e futuras nos setores profissionais ou a nível interprofissional à escala nacional. Além disso, participam muito frequentemente na definição de referências em matéria de qualificações e diplomas, na governação dos sistemas de formação, na gestão dos fundos destinados à formação profissional e à aprendizagem e no sistema de orientação profissional ao longo da vida. Por outro lado, a formação profissional é um tema geralmente incluído pelos parceiros sociais no âmbito da negociação coletiva.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE observa um desequilíbrio crescente no mercado de trabalho, relacionado sobretudo com o défice de competências, agravado pela crise sanitária, que aumenta as disparidades entre as necessidades e as competências dos jovens numa economia cada vez mais concentrada.

3.1.1.

Esta situação, que já existia antes da crise sanitária, tem vindo a evoluir e a agravar-se nas últimas duas décadas. 60 % dos trabalhadores adultos correm o risco de verem as suas competências tecnológicas tornarem-se obsoletas (dados da UE-28 em 2014) (2). Tal situação traduz-se na coexistência de desemprego e de pressões no mercado de trabalho (3)(4).

3.1.2.

Um dos impactos da crise sanitária é a aceleração das pressões sobre o mercado de trabalho, nomeadamente as tensões resultantes do desenvolvimento acelerado da transformação digital.

3.2.

O CESE congratula-se com a Agenda de Competências para a Europa e, em particular, com o facto de a Recomendação do Conselho sobre ensino e formação profissionais (EFP) em prol da competitividade sustentável e da justiça social permitir abranger ações em todas as fases da profissionalização e responder à evolução de todos os tipos de necessidades e de competências:

a)

Em todas as etapas da profissionalização (referência Cedefop — panorama de competências) (5):

antes de entrar na vida profissional:

através do desenvolvimento de competências e da profissionalização (formação profissional inicial e contínua, formação em alternância, aprendizagem em contexto laboral);

ao entrar no mundo do trabalho, ou em caso de mobilidade interna:

através da adaptação das competências profissionais e das competências sociais ao contexto profissional (acompanhamento na adaptação ao posto de trabalho, formação no posto de trabalho);

durante toda a vida profissional:

através da adequação das competências profissionais à evolução das necessidades do mercado de trabalho e da profissão.

b)

Adequando os sistemas às necessidades resultantes da evolução do emprego: melhoria de competências, requalificação, polivalência e novas competências;

c)

Em função das competências visadas: competências de base, competências técnicas e experiência profissional, competências transversais.

3.3.

As declarações das organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores das empresas existentes a nível europeu apresentam propostas que defendem a sua legitimidade para intervir neste domínio.

Assim, a Confederação Europeia de Sindicatos promove o diálogo social neste domínio, tanto a nível europeu como nacional, a SMEUnited considera que os governos deviam delegar nos parceiros sociais a governação dos programas de formação, e a BusinessEurope defende a definição das necessidades dos programas de formação pelos parceiros sociais e a negociação conjunta com os prestadores de formação no domínio da formação dos trabalhadores.

3.4.   O papel das partes interessadas

O CESE defende que os parceiros sociais devem ser integrados, lado a lado com as demais partes interessadas, a fim de facilitar a identificação das necessidades, dos recursos e das ações a realizar, e devem colaborar com essas partes interessadas recorrendo aos mesmos meios que estas dispõem. Tal diz respeito em particular a empresas, organizações profissionais setoriais e outras organizações profissionais e interprofissionais, parceiros sociais setoriais e nacionais, quadros nacionais de qualificações ou sistemas de certificação de diplomas profissionais, órgãos de poder regional e organismos públicos ou semipúblicos, autoridades nacionais, organizações da sociedade civil, empresas sociais, serviços sociais, instituições de segurança social, organismos de orientação e de apoio para a integração, a reintegração e a inserção de pessoas, incluindo pessoas com deficiência, e organismos de formação profissional inicial (EFPI) (6).

4.   Observações na especialidade

4.1.   Antevisão das necessidades de competências

4.1.1.

Os parceiros sociais desempenham um papel central na identificação, na avaliação e na antevisão das necessidades de competências no mercado de trabalho. O seu papel é essencial para dinamizar os observatórios das profissões e das competências e para analisar os dados recolhidos. A sua análise prospetiva deve articular-se com as avaliações realizadas por todas as partes interessadas: Estado, regiões, organizações e todos os organismos ativos no domínio do emprego e da formação e orientação profissionais, tais como os serviços e organismos de segurança social. Tal cooperação contribui para colocar a Europa no centro do mercado de trabalho.

4.1.2.

Na opinião do CESE, esse papel essencial deve ser reafirmado, dotando os parceiros sociais de todos os meios necessários para acompanhar o ritmo das grandes transformações em curso no mercado de trabalho. A crise sanitária, económica e social que começou em 2020 e ainda não terminou tem-se revelado um potente fator de aceleração das mudanças na nossa economia. A digitalização das empresas é absolutamente indispensável para que as empresas, incluindo as mais pequenas, consigam adaptar-se. A transição ecológica, tal como as novas profissões que a acompanham, é hoje aguardada com muita expectativa pelos clientes e pelos consumidores em reação às consequências da crise.

4.2.   Tornar a oferta de formação e os respetivos conteúdos mais eficazes

4.2.1.

Com base na avaliação das necessidades de competências, os sistemas de formação e de qualificações devem ser atualizados regularmente, a fim de evitar a sua obsolescência. Por conseguinte, as competências associadas às novas tecnologias, aos imperativos da transição ecológica ou às transformações digitais aceleradas pela crise sanitária exigem respostas céleres. Para chegar aos grupos-alvo menos acessíveis, as práticas pedagógicas inovadoras devem ser adaptadas com recurso a métodos inclusivos adequados.

O princípio da alternância permite conjugar os sistemas de formação e a capacidade formadora das empresas, sabendo-se que esta última facilita significativamente a integração profissional sustentável e promove, assim, o desenvolvimento das atividades económicas. Embora a grande maioria dos empregadores desempenhe plenamente o seu papel de formador em alternância, deve conceder-se especial atenção à antevisão e à proibição de quaisquer abusos relacionados com o emprego produtivo não remunerado de formandos em alternância.

4.2.2.

Estes sistemas de formação em alternância podem revestir diferentes formas:

formação profissional dos jovens e das pessoas mais velhas através da aprendizagem com vista a obter uma qualificação profissional completa relativa a uma profissão específica;

formação profissional inicial com períodos de estágio em empresa, no âmbito de sistemas de formação em alternância;

estágio de imersão numa empresa, nomeadamente para possibilitar um primeiro contacto com uma profissão;

formação profissional em alternância de candidatos a emprego;

formação interna em posto de trabalho da empresa;

formação anterior à integração profissional para adquirir as competências necessárias ao exercício de uma profissão;

formação em autonomia, análise de competências, em particular para pessoas em dificuldade, pessoas com deficiência e jovens que abandonam o ensino sem qualificações.

4.2.3.

Por fim, esta procura de eficiência da oferta de formação deve proporcionar soluções para as pessoas mais vulneráveis. É indispensável ter em conta as situações de deficiência na perspetiva da acessibilidade material e física do sistema de formação e da resposta pedagógica aos públicos-alvo.

4.3.   Melhorar a participação dos parceiros sociais e das partes interessadas

4.3.1.

Mais do que uma iniciativa voluntária, a celebração de acordos entre intervenientes é uma forma de consolidar estas boas práticas para antever melhor as necessidades de competências e o reforço da eficiência dos sistemas de formação profissional.

4.3.2.

As partes interessadas devem assumir um papel significativo em matéria de inclusão social, através de uma repartição eficaz das funções de acompanhamento e apoio às pessoas mais vulneráveis. As partes interessadas desempenham uma missão particular em prol dos cidadãos mais afastados do mercado de trabalho, disponibilizando ofertas de formação e o seu necessário acompanhamento.

4.3.3.

O êxito do sistema de formação profissional depende da participação ativa dos parceiros sociais na sua conceção. A cooperação entre os organismos de formação e as empresas, que são os dois locais de aprendizagem, é um fator determinante desse êxito. Na definição das políticas nacionais ou regionais, deve prever-se flexibilidade para os parceiros sociais adaptarem a estrutura e o conteúdo das formações às necessidades dos empregadores e dos trabalhadores no contexto específico do mercado de trabalho.

4.4.   Desenvolver o interesse das empresas e dos trabalhadores no investimento em formação

4.4.1.

A percentagem de trabalhadores que beneficiam anualmente de formação para a manutenção ou a melhoria de competências permanece muito baixa, nomeadamente nas pequenas e médias empresas. Os entraves são diversos: financiamento da formação e dificuldades dos empregadores em substituir o pessoal em formação, rejeição da formação inicial, disponibilidade e qualidade dos conteúdos e sistemas de formação para os trabalhadores.

4.4.2.

Neste contexto, os conhecimentos de base continuam a ser requisitos essenciais para o acesso ao emprego, em especial nas PME. O impacto da crise da COVID-19 é mais duramente sentido pelos jovens em formação e o abandono escolar aumentou, o que torna mais urgente a questão do acompanhamento e da orientação profissionais ao longo da vida. Este aspeto é crucial para suscitar o interesse dos trabalhadores e dos candidatos a emprego, dando-lhes a oportunidade de participar ativamente no seu desenvolvimento profissional. Um dos objetivos pertinentes consiste em assegurar que 8 % dos formandos e estagiários em formação possa beneficiar de um período de mobilidade no estrangeiro. Os estudos sobre o impacto do programa Erasmus destacam o reforço das competências e da empregabilidade resultantes de um período de mobilidade.

4.4.3.

Por último, coloca-se a questão da identificação de competências dos candidatos pelas empresas, sobretudo pelas que não dispõem de um serviço interno de recursos humanos.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 237 de 6.7.2018, p. 8.

(2)  https://www.cedefop.europa.eu/files/3075_en.pdf, p. 26.

(3)  Taxa de desemprego (por Estado-Membro): https://ec.europa.eu/eurostat/web/lfs/visualisations: taxa de desemprego, janeiro de 2021, UE-27.

(4)  Postos de trabalho vagos (por Estado-Membro): https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Job_vacancy_statistics

(5)  https://skillspanorama.cedefop.europa.eu/en/dashboard/european-skills-index

(6)  Prestadores de formação profissional — VET4EU2 https://ec.europa.eu/transparency/regexpert/index.cfm?do=groupDetail.groupDetailDoc&id=38451&no=1


ANEXO

EXEMPLOS DE BOAS PRÁTICAS

Na Áustria, a formação começa aos 15 anos

Neste país, 45 % das pessoas na faixa etária dos 15 aos 19 anos são formandos. Na maioria dos casos, a formação dos jovens que optam pela alternância entre escola e empresa dura três anos. Há 130 000 formandos, que passam 80 % do seu tempo numa empresa, ou seja, quatro dias de experiência prática e um dia de aulas por semana.

A formação é um direito garantido por lei: os alunos que, devido a más notas, não encontram uma empresa para completar a sua formação são formados em instalações públicas.

De modo geral, na Áustria, um formando tem uma probabilidade três vezes superior de encontrar um emprego em comparação com um jovem que termina o percurso educativo depois de completar a escolaridade obrigatória. Em 2018, a taxa de desemprego das pessoas com menos de 25 anos situava-se nos 9,6 %.

A preparação operacional para o emprego em França

A preparação operacional para o emprego é uma resposta rápida, e à medida, que visa as profissões sob pressão. Trata-se de uma formação que permite adquirir ou desenvolver as competências profissionais necessárias para satisfazer uma necessidade de recrutamento previamente identificada.

A preparação operacional para o emprego é concebida conjuntamente pelo «Pôle emploi» (serviço público de emprego) e pela empresa ou pelo setor profissional. Com uma duração máxima de 400 horas, esta formação inclui um período de imersão nas atividades da empresa e dá direito ao estatuto de estagiário em formação profissional, bem como a uma remuneração. Depois de concluída a formação, se tiver sido alcançado o nível exigido para ocupar o posto de trabalho, é celebrado um contrato de trabalho a longo prazo com a empresa que selecionou o candidato.

Nos últimos três anos, 70 000 estagiários por ano beneficiaram da preparação operacional para o emprego, com uma taxa de inserção profissional de aproximadamente 80 %.

O papel dos parceiros sociais na Alemanha

A experiência dos parceiros sociais assegura a correspondência entre os perfis profissionais e as necessidades do mercado de trabalho, permitindo uma integração harmoniosa das componentes da formação no processo de produção e de prestação de serviços das empresas.

Na Alemanha, os acordos sobre formação profissional são negociados, regra geral, pelos parceiros sociais e posteriormente inscritos nas convenções coletivas setoriais. Quando os conteúdos de formação deixam de corresponder às necessidades do mercado de trabalho, os parceiros sociais procedem à revisão das formações ou à criação de novas formações para novas profissões.

Tendo como base o financiamento público e o direito social («Sozialgesetzbuch»), a autonomia dos jovens desfavorecidos e com deficiência e a sua orientação profissional são apoiadas por organizações de proteção social em contexto escolar e pelos respetivos serviços profissionais.

Negociação de um acordo estratégico sobre formação profissional em Portugal

No âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social, o Governo português lançou um processo de negociação tendo em vista um acordo estratégico sobre formação profissional e aprendizagem ao longo da vida. Um grupo de trabalho reúne atualmente os representantes do Governo, dos organismos de tutela e dos parceiros sociais com o objetivo de celebrar um acordo sobre a governação do sistema de formação, a sua regulamentação e o seu financiamento. O acordo visa igualmente melhorar a qualidade das formações, a capacidade de adaptação rápida quadro nacional de qualificações, a resposta às necessidades setoriais, os incentivos à formação para as empresas e os particulares, a inovação pedagógica e as formações digitais e à distância.

Sistema dual na Polónia

No sistema educativo polaco, a formação dual é uma combinação de ensino escolar, que assegura os conhecimentos teóricos, com trabalho em empresa, que garante experiência prática em contexto profissional. A duração da formação baseada nas escolas profissionais varia entre dois e cinco anos. Com base num sistema de formação em alternância, a formação prática realiza-se ao abrigo de um contrato de trabalho de formação profissional. A formação teórica é objeto de um contrato de aprendizagem entre o administrador do estabelecimento de ensino e o empregador que recebe o formando. Desde setembro de 2019, os alunos do ensino profissional que não beneficiam deste sistema têm acesso a um período remunerado de estágio de estudante em contexto profissional. Importa salientar que as empresas artesanais desenvolveram formações em alternância que contaram com a participação de 23 500 artesãos e cerca de 65 000 jovens.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/27


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover, com base na educação e na formação e numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, as competências necessárias para que a Europa crie uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente»

(parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa)

(2021/C 286/06)

Relatora:

Tatjana BABRAUSKIENĖ

Pedido da presidência portuguesa do Conselho

Carta de 26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

219/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) destaca a importância de uma utilização eficiente do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) e de outros investimentos para apoiar o crescimento económico e uma sociedade resiliente no âmbito das transições digital e ecológica da economia, mediante a melhoria da qualidade e da inclusividade da educação e da formação (sistemas, instituições e programas), a fim de responder às necessidades dos aprendentes de todas as idades e em todas as fases da aprendizagem, de os preparar para a vida e para o trabalho e de assegurar que todos os trabalhadores, bem como o número cada vez mais elevado de desempregados, em particular mulheres, têm acesso a formação. Tal contribuirá igualmente para salvaguardar a liberdade de circulação de trabalhadores e de prestação de serviços e para assegurar que as empresas estão devidamente equipadas para gerir a evolução no respetivo setor e colmatar os défices de competências que enfrentam no âmbito das transições digital e ecológica das indústrias.

1.2.

O CESE recomenda a definição de objetivos a longo prazo exequíveis e o estabelecimento de um sistema de acompanhamento permanente no Espaço Europeu da Educação para cada Estado-Membro, tendo como objetivo proporcionar uma educação e formação de qualidade e inclusivas e uma aprendizagem ao longo da vida para todos, bem como assegurar que todos possuem os conhecimentos, as competências, as aptidões e a atitude necessários para a Europa criar uma sociedade mais justa, mais coesa, mais sustentável, mais digital e mais resiliente.

1.3.

O CESE salienta que a governação democrática dos sistemas de educação e formação — por exemplo através do diálogo social — no âmbito do próximo quadro estratégico da UE constitui uma ferramenta essencial para o êxito da elaboração e aplicação de políticas a nível nacional e da UE. Cabe assegurar e reforçar tal governação, bem como realizar uma consulta significativa das organizações da sociedade civil.

1.4.

O CESE recomenda que cada futuro grupo de trabalho de método aberto de coordenação apresente os resultados de políticas e, idealmente, recomendações políticas ao Conselho (da Educação) para debate. Os resultados dos grupos de trabalho devem ser públicos, efetivamente aplicados e receber destaque considerável ao nível de decisão adequado e entre os profissionais a nível nacional e da UE. Por conseguinte, é importante que entre os membros destes grupos figurem representantes dos parceiros sociais pertinentes e partes interessadas ativas na elaboração de políticas educativas, bem como representantes das direções das escolas, dos docentes e dos alunos de cada país.

1.5.

A fim de respeitar os indicadores, os valores de referência e as metas do Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, da Resolução do Conselho sobre o Espaço Europeu da Educação (2020), da Recomendação do Conselho sobre o ensino e a formação profissionais (EFP) e da Declaração de Osnabrück, o CESE propõe a realização de estudos adicionais e de uma avaliação de impacto no sentido de ajustar os indicadores e adotar outros indicadores necessários que ajudem os países a melhorar a comunicação de informações em matéria de aplicação, uma vez que ainda não é claro o impacto global da crise da COVID-19 nos sistemas educativos, nos estudantes e nos docentes. Os indicadores devem igualmente conduzir a medidas que apoiem os alunos e os formandos desfavorecidos do ponto de vista socioeconómico e/ou com deficiência, através de políticas sociais e educativas conjuntas a nível nacional. A consecução de valores de referência e de indicadores deve ser comunicada após consulta dos parceiros sociais pertinentes e das partes interessadas a nível nacional, regional, local e da UE.

1.6.

O CESE propõe que se prossiga o trabalho fundamental realizado nas reuniões de cooperação informais, realizadas sob os auspícios da presidência, sobre os setores Escolas, Ensino e Formação Profissionais e Ensino Superior (1), desenvolvendo sinergias entre eles e aumentando a sua visibilidade, com a participação dos parceiros sociais pertinentes de cada país da UE e mediante consulta das organizações da sociedade civil adequadas, seguindo o exemplo do Comité Consultivo para o Ensino e a Formação Profissionais. Recomenda ainda a interligação das políticas nacionais/regionais e da UE, no âmbito de parcerias eficazes e da governação estabelecidas pelos ministérios, pelos parceiros sociais e pela sociedade civil.

1.7.

O CESE apela para a aplicação eficaz do primeiro princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais a nível europeu e nacional, no âmbito do Plano de Ação para a Aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais a adotar na Cimeira Social de 2021, com a participação plena dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil pertinentes e o apoio de investimento público sustentável e do MRR.

1.8.

O CESE chama a atenção para a abordagem holística em matéria de educação e formação, bem como para a importância de aplicar tal abordagem na execução de iniciativas recentes da UE em matéria de educação (Espaço Europeu da Educação), EFP (Recomendação sobre EFP), competências (Agenda de Competências para a Europa), educação dos jovens (Uma ponte para o emprego) e competências digitais (Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027), assegurando que contribuem para a igualdade de acesso a educação e formação de qualidade, bem como para a requalificação e a melhoria de competências dos trabalhadores rumo a uma transição justa no mercado de trabalho, concedendo apoio para ajudar os adultos pouco qualificados a encontrar emprego e a adquirir competências no domínio do empreendedorismo, auxiliando também as empresas a acompanhar o ritmo da inovação e da competitividade a nível mundial.

1.9.

O CESE salienta que a aplicação do Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027 deve traduzir-se num diálogo eficaz, na consulta das partes interessadas, na observância e na aplicação dos direitos laborais, bem como na informação, na consulta e na participação dos trabalhadores no desenvolvimento de competências digitais e de empreendedorismo, nomeadamente no domínio do EFP, da educação de adultos e da formação de trabalhadores, a fim de reduzir o défice de competências que as empresas enfrentam. No que se refere ao relatório do Tribunal de Contas, tendo em vista a consecução da meta da Comissão Europeia de aumentar a percentagem de cidadãos na faixa etária dos 16 aos 74 anos com competências digitais básicas de 56 % em 2019 para 70 % em 2025, o CESE preconiza a atribuição de montantes específicos no âmbito de futuros programas da UE, a definição de objetivos secundários e intermédios, bem como a avaliação coerente das competências digitais num ambiente digital em constante e rápida mudança.

1.10.

O CESE exorta os Estados-Membros a assegurarem um apoio eficaz aos trabalhadores e aos desempregados com dificuldade em aceder a educação e formação de adultos inclusivas e de qualidade, garantindo um financiamento direcionado para as pessoas necessitadas, como desempregados, trabalhadores atípicos, trabalhadores pouco qualificados, pessoas com deficiência, trabalhadores mais velhos, idosos e pessoas de grupos desfavorecidos do ponto de vista socioeconómico, tendo simultaneamente em conta a dimensão do género.

1.11.

O CESE propõe que se combata as desigualdades crescentes nas escolas e na sociedade em geral através de políticas sociais e educativas conjuntas e eficazes a nível nacional. Propõe ainda a realização de uma reunião conjunta do Conselho com os ministros responsáveis pela educação e os ministros responsáveis pelos assuntos sociais, a fim de encontrar soluções para as desigualdades em matéria de educação e para o acesso desigual a educação e formação em resultado da crise da COVID-19.

1.12.

Embora saúde as metas estabelecidas na nova Resolução sobre o Espaço Europeu da Educação, o CESE propõe uma adaptação regular dos indicadores e dos valores de referência relacionados com o Espaço Europeu da Educação, bem como a adoção de outros que sejam necessários (por exemplo, sobre competências e aptidões ecológicas/aprendizagem no domínio do desenvolvimento sustentável) relativamente aos quais os países possam facilmente comunicar informações, nomeadamente a fim de assegurar que as medidas a nível nacional apoiam os alunos e os formandos desfavorecidos do ponto de vista socioeconómico.

1.13.

O CESE salienta que é crucial desenvolver as competências sociais de todos os formandos numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, assegurando que esse processo de ensino começa na primeira infância e se prolonga durante a educação de adultos, e lutar pela tolerância e pela não discriminação na educação e na formação em prol de todos os cidadãos. O ensino de competências essenciais, especialmente da sensibilidade social, da empatia, do diálogo intercultural, das competências de cidadania, das aptidões sociais e do empreendedorismo, deve ser integrado transversalmente em todo o processo de educação e formação.

1.14.

O CESE insta os Estados-Membros a utilizarem o Plano de Recuperação, o instrumento Próxima Geração UE e outros fundos da UE, incluindo o Erasmus, o Fundo Social Europeu Mais (FSE+) e o Fundo para uma Transição Justa, de forma eficiente e coerente para apoiar as políticas de educação e formação, tendo em vista uma sociedade mais justa, mais coesa, mais inclusiva, mais sustentável, mais digital e mais resiliente.

1.15.

O CESE considera que o processo do Semestre Europeu deve continuar a incentivar os governos a assegurarem um investimento público sustentável em compromissos a longo prazo para melhorar a qualidade, a equidade, a igualdade e a inclusão social nas escolas, reforçar a igualdade de acesso a material digital para todos os aprendentes de todas as idades e apoiar a utilização segura das tecnologias digitais nas escolas e nos estabelecimentos de ensino.

1.16.

O CESE realça que os conhecimentos, as competências e as aptidões devem ser reconhecidos e tidos em conta, em conformidade com os requisitos académicos e profissionais de cada Estado-Membro. É fundamental assegurar a igualdade de acesso a qualificações integrais, pelo que o CESE apela para a aplicação da Recomendação do Conselho sobre a validação da aprendizagem não formal e informal (2) e da Convenção sobre o Reconhecimento de Qualificações relativas ao Ensino Superior na Região Europa (3). Reitera ainda o seu parecer (4) de que a formação que conduz a microcredenciais deve obedecer a normas de qualidade e fornecer informações claras sobre o seu valor formativo, para que seja utilizada eficazmente no mercado de trabalho como formação suplementar e seja um complemento de qualificação. É importante não sobrerregulamentar as microcredenciais, a fim de preservar a sua flexibilidade em relação às necessidades do mercado de trabalho.

1.17.

O CESE apela para a implantação do Espaço Europeu da Educação a nível nacional — com base num diálogo social eficaz com os docentes —, de molde a melhorar a qualidade do ensino na era digital, a elevar os seus padrões, a desenvolver uma formação de base de maior qualidade e inclusiva para docentes, bem como a reforçar o desenvolvimento profissional contínuo e a assegurar condições de trabalho e salários dignos para os docentes, a fim de tornar a profissão mais atrativa para candidatos altamente qualificados.

1.18.

O CESE salienta a necessidade de respeitar a liberdade académica, bem como a autonomia e a governação das instituições de ensino superior na perspetiva do seu contributo para a aprendizagem ao longo da vida, e de assegurar um investimento público adequado no ensino superior e na investigação, o caráter inclusivo e a diversidade das redes universitárias na Europa, assim como o respeito pelas competências nacionais e institucionais em matéria de ensino superior. Apela ainda para um debate de ideias mais aprofundado com os governos, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil pertinentes sobre o chamado «diploma europeu» e o «estatuto de universidade europeia» e solicita o reforço da oferta de ensino e formação profissionais de nível terciário.

2.   Contexto

2.1.

O presente parecer é um contributo para os debates do Conselho sob a presidência portuguesa (primeiro semestre de 2021) relativos à execução de iniciativas da UE em matéria de educação, formação e aprendizagem ao longo da vida, nomeadamente o Espaço Europeu da Educação, a versão atualizada da Agenda de Competências para a Europa e o Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027.

2.2.

As crescentes desigualdades de rendimentos, a mobilidade humana e o envelhecimento da população constituem fatores sociais que influenciam as políticas de educação e formação. Numa altura em que a sociedade enfrenta imperativos económicos como a transformação digital e a economia circular, o apoio à aprendizagem das pessoas pode ser uma das soluções para uma sociedade mais sustentável, a fim de superar os obstáculos e os desafios da transformação social e económica, promovendo simultaneamente competências de aprendizagem.

2.3.

Os dirigentes dos países da UE reuniram-se na Cimeira de Gotemburgo, em 17 de novembro de 2017, para assinar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e, nessa ocasião, iniciaram os primeiros debates sobre o lançamento do chamado Espaço Europeu da Educação (5). Seguiram-se várias novas propostas neste domínio entre 2018 e 2020, que conduziram à elaboração da nova resolução do Conselho, apresentada em fevereiro de 2021. A iniciativa está relacionada com o primeiro princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que estabelece que «[t]odas as pessoas têm direito a uma educação, uma formação e uma aprendizagem ao longo da vida inclusivas e de qualidade, que lhes permitam manter e adquirir as competências necessárias para participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições no mercado de trabalho», e com os direitos referidos no quarto princípio, incluindo o apoio em matéria de formação e de requalificação, especialmente o acesso dos jovens a formação contínua, à aprendizagem e a um estágio.

2.4.

A Comissão Europeia publicou o seu novo pacote estratégico em 1 de julho de 2020, incluindo a Comunicação «Agenda de Competências para a Europa em prol da competitividade sustentável, da justiça social e da resiliência» (6) e uma proposta de recomendação do Conselho sobre o ensino e a formação profissionais (EFP) (7), bem como a Comunicação «Apoio ao emprego dos jovens: uma ponte para o emprego da próxima geração» (8) e uma proposta de recomendação do Conselho (9) sobre o mesmo assunto. Estes documentos estratégicos associam a aprendizagem ao longo da vida, a requalificação e a melhoria de competências à implantação e realização do Espaço Europeu da Educação. O CESE acompanhou estas iniciativas com a adoção, em 2020, dos Pareceres «Agenda de Competências atualizada» (10), «Reforçar a Garantia para a Juventude» (11) e «Rumo a uma estratégia da UE para melhorar as aptidões e as competências verdes para todos» (12).

2.5.

No seu Parecer «O “valor de uso” está de volta: novas perspetivas e desafios para os produtos e serviços europeus» (13) (2019), o CESE considerou que a oferta de produtos e serviços inovadores e altamente especializados que simultaneamente satisfaçam as necessidades dos clientes e os requisitos em matéria de sustentabilidade social e ambiental pode tornar-se a essência e a prioridade da competitividade europeia moderna. Por conseguinte, recomenda intervenções estratégicas em prol dos serviços de educação e formação pertinentes.

2.6.

Em 30 de setembro de 2020, a Comissão publicou a Comunicação «Concretizar o Espaço Europeu da Educação até 2025» (14), centrando-se em seis dimensões: qualidade, inclusão e igualdade de género, transições ecológica e digital, professores e formadores, ensino superior, e dimensão geopolítica. O Conselho (da Educação) da UE realizado em 30 de novembro de 2020 destacou a importância da competência nacional em matéria de educação e do respeito pela diversidade das culturas e dos sistemas educativos, e solicitou informações sobre «o mecanismo de governação do Espaço Europeu da Educação e as metas a nível da União a alcançar até 2030» (15).

2.7.

Além das iniciativas estratégicas referidas anteriormente, a Comunicação da Comissão «Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027: Reconfigurar a educação e a formação para a era digital» (16) foi seguida de conclusões do Conselho que salientaram que a educação digital deve ser «centrada no aprendente e apoiar todas as pessoas e cidadãos a desenvolverem a sua personalidade e as suas competências com confiança, de forma livre e responsável» (17).

3.   Observações gerais

3.1.

A pandemia de COVID-19 está a empurrar a economia europeia para uma recessão profunda e a provocar o aumento a taxa de desemprego, devido à contração sem precedentes da economia e às dificuldades que as empresas enfrentam nesta crise. Apesar do recurso generalizado a mecanismos de retenção de emprego, apoiados por instrumentos europeus e nacionais, as previsões relativas à UE apontam para um aumento da taxa de desemprego de 6,7 % em 2019 para 7,7 % em 2020 e 8,6 % em 2021, com um pequeno recuo em 2022 para 8,0 % (Eurostat, 5 de novembro de 2020). A elevada taxa de desemprego provocada pela crise da COVID-19 vem juntar-se às exigências crescentes em matéria de aquisição, requalificação e reconversão de competências dos trabalhadores europeus resultantes das transições digital e ecológica da indústria. É necessária uma política da UE eficaz que apoie o crescimento económico e o desenvolvimento de uma sociedade resiliente.

3.2.

A crise da COVID-19 também acelerou a transição digital na educação, no trabalho e na vida quotidiana. O Parecer do CESE «Agenda de Competências atualizada» salienta que «todos os europeus devem ter o direito a formação e aprendizagem ao longo da vida, inclusivas e de qualidade, no âmbito de uma transição justa, tendo em conta também a evolução demográfica. O CESE salienta a necessidade de combater a pobreza educativa, que se aprofundou devido à desigualdade no acesso a educação e formação durante a crise da COVID-19» (18). O desenvolvimento de conhecimentos, competências e aptidões deve não só atender às necessidades do mercado de trabalho e à perspetiva de uma competitividade assente na qualidade global, mas também preparar os aprendentes para serem cidadãos ativos e democráticos e ajudar a reduzir as desigualdades sociais e educativas. Para tal, é essencial assegurar, além do reforço das competências digitais dos cidadãos da UE, uma literacia mediática digital, de modo a garantir que os cidadãos são capacitados para lidar com as complexidades do mundo atual.

3.3.

Afigura-se fundamental adotar medidas estratégicas a nível nacional e da UE que não só assegurem que a educação e a formação são direitos humanos e um bem público, mas também respeitem a diversidade cultural da Europa e o facto de as políticas de educação e formação serem competências nacionais. As políticas a nível nacional e da UE devem prever medidas eficazes para aplicar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a fim de proporcionar uma educação e formação eficazes, inclusivas e de qualidade a todas as pessoas em todos os países europeus, mediante a participação de todos os Estados-Membros, dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil no Plano de Ação para a Aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.4.

É fundamental que o Espaço Europeu da Educação preveja um reforço da cooperação estratégica entre os países da UE e continue a proporcionar uma plataforma de aprendizagem para os ministérios, os parceiros sociais no domínio da educação e as partes interessadas pertinentes da sociedade civil. Uma governação eficaz exige a aplicação de políticas de educação e formação coerentes em todos os setores do ensino, desde a educação na primeira infância até à educação de adultos, incluindo EFP para todos os grupos etários, e a interligação das políticas nacionais/regionais e da UE no contexto de parcerias eficazes entre ministérios, parceiros sociais e a sociedade civil, no âmbito de grupos de política tripartidos.

3.5.

O CESE recorda o seu Parecer «Financiamento sustentável para a aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento de competências, no contexto da escassez de mão de obra» (19), e salienta que um investimento público sustentável em educação e formação e um investimento privado eficaz em ensino e formação profissionais para todas as idades constituem requisitos prévios para o êxito das medidas estratégicas que visam a inclusão social e económica dos aprendentes de todas as idades e o apoio às empresas. Por conseguinte, é importante que o Plano de Recuperação, o instrumento Próxima Geração UE e outros fundos da UE (por exemplo, o FSE+, o Fundo para uma Transição Justa) sejam utilizados de forma eficiente e coerente para apoiar as políticas de educação e formação em relação ao Semestre Europeu.

3.6.

Tendo em conta que não foram alcançados vários indicadores e valores de referência do Quadro Estratégico para a Cooperação Europeia no domínio da Educação e da Formação (EF 2020), o CESE congratula-se com o facto de muitos dos indicadores terem sido reforçados no âmbito da iniciativa sobre o Espaço Europeu da Educação. Contudo, tais indicadores constituem um enorme desafio e exigem um compromisso financeiro dos governos. Além disso, é essencial clarificar os termos utilizados como indicadores por cada país e reforçar a educação sobre sustentabilidade ambiental enquanto valor de referência.

3.7.

A crise da COVID-19 tornou evidente que as escolas são essenciais para os alunos conseguirem desenvolver as suas competências sociais. Os alunos devem ser ensinados a melhorar estas competências ao longo da vida através de atividades pedagógicas e da participação ativa na sociedade, através da aprendizagem sobre culturas e línguas diferentes, da mobilidade, da melhoria dos seus conhecimentos sobre arte, etc. Tais competências são especialmente importantes, pois há diversos exemplos na história que demonstram que as crises económicas e financeiras contribuem para agravar a tendência de radicalização. Por conseguinte, o CESE destaca a importância de adotar medidas para reforçar a aplicação da Declaração sobre a promoção da cidadania e dos valores comuns da liberdade, tolerância e não discriminação através da educação (2015) (20), aplicando-a a aprendentes de todas as idades.

3.8.

A fim de melhorar as competências e aptidões verdes e as atitudes de todos os cidadãos na Europa, os Estados-Membros da UE precisam de associar as políticas ambientais às políticas educativas e criar estratégias nacionais em matéria de competências e aptidões verdes. O CESE observa (21) que se poderia criar, a nível da UE, indicadores e valores de referência para competências e aptidões verdes em matéria de sensibilização para as alterações climáticas, responsabilização ambiental e desenvolvimento sustentável, a fim de ajudar os países a integrarem as competências e aptidões verdes, no âmbito de uma abordagem educativa transformadora, nos programas curriculares, desde a primeira infância até à educação de adultos, enquanto parte da aprendizagem ao longo da vida.

3.9.

O CESE congratula-se com o facto de o Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027 se centrar na igualdade de acesso a ferramentas digitais, à Internet e ao desenvolvimento de aptidões e competências digitais, nomeadamente para mulheres em profissões no domínio da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) e das tecnologias da informação (TI). Os trabalhadores devem ser apoiados por estratégias nacionais e empresariais em matéria de competências e digitalização eficazes, através da disponibilização de formação pertinente e de qualidade. É importante que as empresas também recebam apoio para assegurar a requalificação e a melhoria de competências dos seus trabalhadores, nomeadamente no contexto da digitalização dos seus empregos. Tal está igualmente em consonância com a transformação ecológica da indústria — em matéria de produtos e de processos —, constituindo simultaneamente uma necessidade e uma oportunidade para o empreendedorismo europeu.

3.10.

É fundamental respeitar as qualificações integrais. No que se refere à consecução do reconhecimento mútuo automático até 2025, o CESE salienta que os conhecimentos, as competências e as aptidões devem ser reconhecidos, em conformidade com os requisitos académicos e profissionais de cada Estado-Membro, e que se deve melhorar o acesso a informações atualizadas para alunos e formandos em processos de reconhecimento. Para tal, deve reforçar-se a aplicação da Recomendação do Conselho sobre a validação da aprendizagem não formal e informal (22) e da Convenção sobre o Reconhecimento de Qualificações relativas ao Ensino Superior na Região Europa (23), a fim de apoiar a aprendizagem ao longo da vida para todos.

3.11.

O CESE congratula-se com a iniciativa do Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027 de criar uma plataforma europeia de intercâmbio de materiais e cursos digitais. É essencial fornecer todas as informações para que os utilizadores saibam se os cursos conduzem a qualificações completas ou parciais, ou a microcredenciais, quem procede à validação e assegura a qualidade dos cursos em linha, se são reconhecidos e de que modo, e de que forma podem ser complementos de qualificação. Seria importante apresentar uma lista destes cursos no portal Europass e analisar aturadamene questões relacionadas com os direitos de autor e de propriedade dos materiais em linha, bem como a qualidade e a pertinência dos cursos em linha em causa.

3.12.

Os professores desempenham um papel central na disponibilização de educação e formação de qualidade, mas — de acordo com a OCDE — menos de um em cada cinco professores considera que a sua profissão é valorizada pela sociedade (24), sendo as suas remunerações 11 % inferiores, em média, às de outros profissionais com habilitações superiores (25). O Espaço Europeu da Educação tem de contribuir eficazmente para que os professores, os formadores e qualquer outro pessoal docente superem os efeitos negativos da crise da COVID-19.

3.13.

A inclusividade e a diversidade das redes de instituições, alunos e docentes das universidades europeias participantes devem ser reforçadas em todos os países que integram o Processo de Bolonha, sem prejuízo das competências nacionais e institucionais em matéria de ensino superior.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Reuniões informais dos diretores-gerais nacionais sobre os seguintes setores: Escolas, Ensino e Formação Profissionais e Ensino Superior.

(2)  2012/C 398/01

(3)  Convenção sobre o Reconhecimento de Qualificações relativas ao Ensino Superior na Região Europa

(4)  JO C 10 de 11.1.2021, p. 40

(5)  COM(2017) 673 final

(6)  COM(2020) 274 final

(7)  COM(2020) 275 final

(8)  COM(2020) 276 final

(9)  COM(2020) 277 final

(10)  JO C 10 de 11.1.2021, p. 40

(11)  JO C 10 de 11.1.2021, p. 48

(12)  JO C 56 de 16.2.2021, p. 1

(13)  JO C 97 de 24.3.2020, p. 27

(14)  COM(2020) 625 final

(15)  Videoconferência dos ministros da Educação, 30 de novembro de 2020 — Principais resultados: https://www.consilium.europa.eu/pt/meetings/eycs/2020/11/30/education/#

(16)  COM(2020) 624 final

(17)  2020/C 415/10

(18)  JO C 10 de 11.01.2021, p. 40

(19)  JO C 232 de 14.7.2020, p. 8

(20)  Declaração de Paris (2015)

(21)  JO C 56 de 16.2.2021, p. 1

(22)  2012/C 398/01

(23)  Convenção sobre o Reconhecimento de Qualificações relativas ao Ensino Superior na Região Europa

(24)  TALIS — O Inquérito Internacional da OCDE sobre Ensino e Aprendizagem — OCDE 2018.

(25)  OCDE, Education at a Glance 2020 OECD iLibrary | Introduction: The indicators and their framework (oecd-ilibrary.org) [A educação num relance, 2020, «iLibrary» da OCDE | Introdução: os indicadores e respetivo âmbito].


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/33


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Harmonizar a entrada no mercado de suplementos alimentares na UE: soluções e boas práticas»

(parecer exploratório)

(2021/C 286/07)

Relator:

Veselin MITOV

Consulta

Presidência portuguesa do Conselho da UE, 26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

15.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

245/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O mercado dos suplementos alimentares está a crescer na Europa. Os suplementos alimentares são regulamentados pela Diretiva 2002/46/CE (1), que não é aplicada de modo uniforme na União Europeia (UE). Porém, uma aplicação uniforme da legislação é essencial para o bom funcionamento do mercado interno da UE, pois permite a livre circulação de produtos seguros.

1.2.

O CESE defende a revisão desta legislação, prevendo nomeadamente a atualização da definição de suplementos alimentares, a criação de uma obrigação de notificação e de análise dos dossiês administrativos, bem como o estabelecimento de um sistema de vigilância alimentar que recolha indicações de reações adversas e, desta forma, reforce a proteção da saúde pública.

1.3.

A segurança dos produtos e dos ingredientes deve ser o requisito mais importante. Por conseguinte, deve assentar em dados científicos. O CESE recomenda o estabelecimento de níveis máximos para as vitaminas e os minerais, bem como a elaboração de listas positivas e negativas de ingredientes, incluindo plantas.

1.4.

As informações fornecidas ao consumidor devem permitir-lhe consumir os produtos de forma segura. O CESE recomenda a adoção de medidas de comunicação e de educação dos consumidores, em particular no âmbito do comércio eletrónico.

1.5.

O CESE insta as autoridades a reforçarem a fiscalização, a análise e a monitorização dos produtos, a fim de proteger os consumidores e os operadores através da retirada de produtos não conformes. Tais controlos devem igualmente impedir a concorrência desleal entre operadores (por exemplo, alegações não autorizadas ou produtos não conformes de países terceiros).

1.6.

Por conseguinte, o CESE insta todas as partes interessadas a harmonizarem o quadro regulamentar aplicável aos suplementos alimentares e a respetiva aplicação, em prol de uma economia mais justa e do reforço da segurança sanitária dos produtos.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer é elaborado a pedido da presidência portuguesa do Conselho e visa identificar soluções e boas práticas para a harmonização da entrada no mercado de suplementos alimentares na UE. O parecer do CESE poderá contribuir para os trabalhos da presidência sobre esta matéria, nomeadamente no âmbito de uma conferência a organizar no primeiro semestre e dos grupos de trabalho no Conselho. O CESE acolheu favoravelmente este pedido, que incide sobre uma vertente pouco estudada do setor alimentar.

2.2.

O CESE considera que este tema se enquadra bem no conceito de «Uma Só Saúde» da Organização Mundial da Saúde e na Estratégia do Prado ao Prato da UE, que preconizam uma alimentação saudável e sustentável, bem como o reforço da informação dos consumidores, assegurando simultaneamente um comércio justo entre os operadores (2). O CESE considera que os regimes alimentares saudáveis e sustentáveis representam um pilar fundamental de uma política alimentar abrangente, dado que é urgente orientar a nossa alimentação para a melhoria — e não para a deterioração — da saúde dos ecossistemas e da população (3).

2.3.

O CESE sempre foi favorável a uma política da UE de proteção da saúde ao longo de toda a cadeia alimentar, com vista a promover a segurança e a higiene, bem como informações claras, transparentes e fiáveis sobre os produtos (4). Defende igualmente que a segurança dos alimentos deve continuar a basear-se num sistema sólido e na Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), com base em procedimentos transparentes para a avaliação da segurança dos novos produtos que entram na cadeia alimentar, numa rastreabilidade completa e numa comunicação adequada de riscos (5).

3.   Rumo a uma harmonização no domínio dos suplementos alimentares

3.1.   Melhorar o quadro regulamentar

3.1.1.

Os suplementos alimentares são especificamente regulamentados pela Diretiva 2002/46/CE, que praticamente não foi alterada desde a sua entrada em vigor.

3.1.2.

A definição de suplementos alimentares não evoluiu, apesar da inovação neste setor e dos novos padrões de consumo. Por conseguinte, não é suficientemente precisa e presta-se a várias interpretações. Consideremos o exemplo da noção de «unidades medidas de quantidade reduzida», que varia consoante o país (não se definiu a quantidade). Tais interpretações podem levar a divergências entre os Estados-Membros quanto ao estatuto dos suplementos alimentares e aos resultados dos controlos. Importa clarificar esta definição e torná-la mais ampla.

3.1.3.

O CESE propõe a atualização da regulamentação, com vista a harmonizar mais eficazmente o mercado dos suplementos alimentares e a ter em conta as novidades.

3.2.   Tornar a notificação mais eficaz

3.2.1.

A notificação é uma possibilidade prevista na diretiva. Tal declaração consiste num processo de registo administrativo dos produtos antes da sua colocação no mercado. Não se trata de uma autorização de colocação no mercado nem de um atestado de conformidade ou de segurança. Cada Estado-Membro (24/27) pode decidir do conteúdo desta notificação, bem como do procedimento de tratamento desses dados (podendo ir da simples submissão a um estudo muito aprofundado).

3.2.2.

As informações contidas na notificação permitem às autoridades competentes conhecer melhor o seu mercado, enquanto o tratamento dos dados previne a distribuição de produtos não conformes (legislação nacional e europeia) e facilita os controlos.

3.2.3.

O CESE propõe o reforço da harmonização dos sistemas nacionais e recomenda que a legislação estabeleça quais as informações mínimas obrigatórias (composição qualitativa e quantitativa, rotulagem, etc.) a fornecer, de preferência em formato digital, a fim de limitar o encargo administrativo para o operador, assegurando ao mesmo tempo normas tão elevadas quanto possível. Se for exequível, o CESE propõe a criação de um portal europeu multilingue, cujo conteúdo ficaria ao critério dos Estados-Membros. Com efeito, devido ao reduzido grau de harmonização em matéria de composição (ver abaixo), esta questão só pode ser tratada a nível nacional.

3.2.4.

A fim de proteger os consumidores, o CESE considera que a notificação deve tornar-se obrigatória. Esta prática permite a colocação no mercado de produtos mais seguros e facilita igualmente a fiscalização e a monitorização do mercado. A lista dos produtos notificados e as conclusões correspondentes devem estar à disposição do consumidor. Os consumidores não devem hesitar em informar-se e em apresentar queixa às autoridades de controlo em caso de deteção de uma infração.

3.3.   Fixação de valores máximos para os nutrientes, uma prioridade legislativa

3.3.1.

As vitaminas e os minerais são os ingredientes mais conhecidos dos suplementos alimentares. Os nutrientes e as suas formas químicas são regulamentados e elencados, em primeiro lugar, no Regulamento (CE) n.o 1170/2009 (6), na sequência de avaliações de segurança efetuadas pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA). Atualmente, as doses máximas são fixadas a nível nacional, quer com base na dose útil quer com base na toxicidade (7). Alguns países não fixaram limites legais. Nos seus diversos pareceres, a EFSA definiu limiares de toxicidade. Estes valores dizem respeito à exposição tendo em conta todo o regime alimentar (8) e não podem ser extrapolados apenas para os suplementos alimentares.

3.3.2.

O CESE recomenda à Comissão que encarregue rapidamente a EFSA de fixar níveis máximos de nutrientes e critérios de pureza em suplementos alimentares. Devido à extensão do território europeu e às diferenças de hábitos alimentares (consumo de legumes, peixe ou carne, composição da água da rede, etc.), pode não ser possível fixar um valor máximo único, mas podem ser fixados limites por região/grupo de países. É igualmente preferível estabelecer limites para as populações frágeis: crianças, grávidas, etc.

3.3.3.

Tal harmonização a nível europeu seria benéfica para todas as partes interessadas: a segurança dos consumidores aumentaria e o risco de sobredosagem diminuiria, enquanto a livre circulação dos produtos beneficiaria tanto os operadores, que poderiam comercializar os seus produtos em mais mercados, como os consumidores, que teriam acesso a uma oferta mais ampla.

3.3.4.

Embora os nutrientes tenham prioridade, os outros ingredientes utilizados nos produtos também devem ser objeto de harmonização, o que facilitaria a sua circulação e permitiria atestar a sua segurança na sequência de uma avaliação científica. Por exemplo, certos países testaram uma aproximação da respetiva regulamentação sobre produtos à base de plantas através de listas comuns: Bélgica, França e Itália e, recentemente, Alemanha, Suíça e Áustria. Os ingredientes produzidos com recurso à biotecnologia, como os microrganismos (probióticos, leveduras), merecem também especial atenção.

3.3.5.

O CESE recomenda igualmente à Comissão que pondere o estabelecimento de listas positivas e negativas de outras substâncias, tanto em matéria de identificação e quantidades como de condições de utilização, à semelhança do preconizado no Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento Europeu e do Conselho (9) relativo a novos alimentos.

3.4.   As alegações, instrumento de decisão do consumidor

3.4.1.

As informações ao consumidor são geralmente prestadas através da rotulagem dos produtos (lista de ingredientes, alergénios, etc.) e inserem-se no âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.o 1169/2011 (10) (11). No entanto, as infrações em matéria de rotulagem representaram 58 % do total de infrações registadas nos controlos em 2018 (12). O CESE congratula-se com os esforços da UE, no contexto do trabalho do Conselho, em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios, mas assinala a persistência de alguns problemas.

3.4.2.

As propriedades do produto são descritas nas alegações constantes do rótulo, mas também em anúncios publicitários em revistas, na televisão, na Internet, etc. A publicidade pode incentivar a aquisição de determinados produtos. O Regulamento (CE) n.o 1924/2006 (13) previa listas positivas de alegações nutricionais e de saúde. As alegações sobre vitaminas e minerais já foram avaliadas pela EFSA e publicadas, mas as alegações relativas a substâncias vegetais e outras substâncias ainda não foram analisadas. Estas alegações estão, assim, sujeitas às regras nacionais, caso existam, e o mercado está cheio de todos os tipos de alegações não verificadas, o que cria uma distorção do mercado.

3.4.3.

Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a identificar o melhor método de trabalho para que a EFSA possa continuar a avaliar as alegações nutricionais e de saúde relativas a substâncias ainda por avaliar — com prioridade para as alegações relativas a substâncias vegetais — e a definir as condições para a segurança dos ingredientes.

3.5.   Os produtos-fronteira não estão isentos de riscos

3.5.1.

A apresentação e a publicidade dos suplementos alimentares também podem dar azo a confusão quanto ao estatuto dos produtos. Alguns operadores não hesitam em reivindicar propriedades terapêuticas ou profiláticas para os produtos, apresentando-os como substitutos de medicamentos e designando-os de «nutracêuticos» (termo resultante da contração dos termos «nutriente» e «farmacêutico»). Uma campanha de fiscalização específica revelou a utilização destas alegações enganosas na prevenção ou no controlo da COVID-19 (14). Os consumidores podem ser influenciados por estas falsas promessas.

3.5.2.

Os produtos cujo estatuto (15) não é claro são designados «produtos-fronteira». Esta zona de incerteza resulta do local de venda e da forma dos produtos, bem como do facto de certos ingredientes poderem ser utilizados tanto em alimentos como em medicamentos, embora em doses diferentes.

3.5.3.

O CESE recomenda à Comissão que crie um grupo de trabalho para os produtos-fronteira, por exemplo no âmbito do grupo de peritos do Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal, à semelhança do que já existe para medicamentos, dispositivos médicos, cosméticos ou biocidas, publicando documentos que ajudem as autoridades e os operadores a clarificar o estatuto dos produtos. A criação de um grupo de trabalho europeu não impede a criação de comités mistos a nível nacional que fixem o estatuto dos produtos.

3.5.4.

O CESE recomenda vivamente às autoridades que efetuem controlos especificamente orientados para estes produtos, a fim de os retirar do mercado. A presença destes produtos constitui uma forma de concorrência desleal face às empresas farmacêuticas, as quais têm de obter autorizações de colocação no mercado de medicamentos. A publicação destes controlos permitiria igualmente aos consumidores tomar conhecimento dos riscos destes produtos.

3.6.   A emergência do comércio eletrónico aumenta a oferta, mas também as desigualdades

3.6.1.

A venda à distância de produtos alimentares aumentou em resultado da pandemia de COVID-19. Os suplementos alimentares são, regra geral, produtos com um prazo de validade longo e fáceis de transportar.

3.6.2.

Infelizmente, alguns destes produtos, especialmente de países terceiros, não são conformes, por exemplo, em matéria de composição e de alegações, o que cria uma concorrência desleal em relação aos operadores europeus que cumprem as regras. Além disso, os Estados-Membros detetaram a presença de substâncias proibidas e perigosas (anfetaminas nos suplementos para desportistas, medicamentos, etc.) em determinados produtos, que põem o consumidor em perigo.

3.6.3.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a reforçarem a monitorização e a fiscalização das plataformas e dos sítios Internet de comércio eletrónico, bem como a recolherem amostras e a realizarem análises, inserindo os produtos não conformes no Sistema de Alerta Rápido para os Géneros Alimentícios e Alimentos para Animais (RASFF).

3.6.4.

O CESE considera igualmente que a comunicação e a educação dos consumidores e dos profissionais de saúde devem ser reforçadas para garantir compras mais seguras na Internet. Embora os géneros alimentícios tenham de respeitar normas de segurança para serem postos à venda, os consumidores devem estar cientes de que alguns produtos oferecidos em linha podem representar um risco para a sua saúde.

3.7.   A vigilância alimentar, instrumento de alerta

3.7.1.

Certos ingredientes podem ter efeitos indesejáveis, ainda que os produtos sejam conformes na aceção da legislação. A segurança não é avaliada para cada produto ou ingrediente, e o mesmo se aplica às suas eventuais interações com outros produtos, como os medicamentos.

3.7.2.

São poucos os Estados-Membros que dispõem de um sistema estruturado de recolha de informações sobre reações adversas (vigilância alimentar) e que fazem este acompanhamento: Itália, França, Dinamarca, Portugal, República Checa, Eslovénia e Croácia.

3.7.3.

O CESE defende a introdução de um sistema de vigilância alimentar nacional para promover a segurança dos produtos e assegurar um elevado nível de proteção da saúde pública através da deteção precoce de sinais que permitam prevenir problemas de saúde. Tal sistema deverá permitir a recolha de informações sobre reações adversas, independentemente da sua gravidade, a fim de respaldar a avaliação da segurança dos produtos, adotar medidas de emergência ou adaptar a legislação, se for caso disso, e permitir que os operadores desenvolvam produtos mais seguros através da utilização dessas informações nos seus controlos de qualidade. Quanto à produção, os suplementos alimentares estão sujeitos às mesmas regras de segurança que os demais produtos agroalimentares (APPCC (16), etc.), não tendo sido identificados riscos específicos para os trabalhadores do setor.

3.7.4.

O CESE propõe igualmente a criação, a nível europeu, de um grupo de trabalho dos Estados-Membros, sob a supervisão da EFSA, que permita o intercâmbio de informações entre países, a partilha de boas práticas para uma avaliação uniforme, o intercâmbio de conhecimentos científicos e a sua integração na legislação europeia, se for caso disso.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A02002L0046-20210320

(2)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 268.

(3)  JO C 190 de 5.6.2019, p. 9.

(4)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 158.

(5)  JO C 268 de 14.8.2015, p. 1.

(6)  JO L 314 de 1.12.2009, p. 36

(7)  Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, Processo C-672/15

(8)  Em conformidade com o artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 1925/2006 relativo à adição de vitaminas e minerais, a Comissão deveria ter fixado, até 19 de janeiro de 2009, os valores máximos de nutrientes em géneros alimentícios (excluindo suplementos alimentares).

(9)  JO L 327 de 11.12.2015, p. 1

(10)  JO L 304 de 22.11.2011, p. 18

(11)  O Conselho está a debater um roteiro sobre a revisão das regras relativas à informação do consumidor sobre a origem dos ingredientes e as datas de validade, mas cujo impacto nos suplementos alimentares é limitado.

(12)  EU Food Fraud Network [Rede Europeia de Luta contra a Fraude Alimentar] e sistema de assistência e cooperação administrativas — https://ec.europa.eu/food/system/files/2019-04/food-fraud_network_activity_report_2018.pdf

(13)  JO L 404 de 30.12.2006, p. 9

(14)  Os resultados desta campanha de fiscalização podem ser consultados aqui

(15)  Em conformidade com um acórdão do Tribunal de Justiça da UE, o estatuto dos produtos é da competência das autoridades nacionais e um suplemento alimentar pode ter um estatuto diferente consoante o país: processos apensos C-211/03, C-299/03, C-316/03, C-317/03 e C-318/03

(16)  Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo.


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

560.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu (JDE) – por Interactio, 27.4.2021-28.4.2021

16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/38


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à governação de dados (Regulamento Governação de Dados)»

[COM(2020) 767 final]

(2021/C 286/08)

Relator:

Giuseppe GUERINI

Correlator:

Marinel Dănuț MUREŞAN

Consulta

Conselho da União Europeia, 11.12.2020

Parlamento Europeu, 14.12.2020

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

234/3/13

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta de regulamento relativo à governação dos dados, que se articula com a Diretiva (UE) 2019/1024 (1) (Diretiva relativa aos dados abertos) e a complementa, centrando-se nos dados na posse dos organismos do setor público e sujeitos a direitos de terceiros.

1.2.

O CESE considera a iniciativa útil e necessária, uma vez que o tratamento, o armazenamento e a partilha de dados digitais têm vindo a ganhar importância não só do ponto de vista económico, mas também social e civil, na medida em que dizem respeito aos cidadãos, às administrações e às empresas e se exercem num ambiente regulamentar complexo e interligado.

1.3.

O CESE considera essencial adotar um quadro regulamentar harmonizado suscetível de incutir confiança nos cidadãos, nos consumidores, nas pequenas e médias empresas (PME) e, em particular, nas microempresas, a fim de garantir uma proteção adequada dos seus dados e, assim, promover oportunidades de desenvolvimento para os operadores económicos, bem como para os organismos de investigação e desenvolvimento.

1.4.

O CESE subscreve o objetivo da Comissão de aplicar o regulamento em apreço às administrações, aos organismos do setor público e aos organismos de direito público, mediante uma abordagem que abranja todos os intervenientes do setor público, independentemente da sua forma organizacional.

1.5.

O CESE considera importante que, sempre que a gestão e o tratamento de dados com recurso a dispositivos de inteligência artificial digam respeito ao mundo do trabalho, se prevejam formas adequadas de consulta e negociação prévia com os parceiros sociais sobre os problemas que estes levantam. A sociedade civil organizada tem também de ser associada quando esses dispositivos interferem com os direitos dos cidadãos.

1.6.

O CESE apoia a proposta de designar as autoridades nacionais responsáveis por assegurar o controlo adequado das novas regras.

1.7.

O CESE reconhece a utilidade de criar pontos de informação em cada Estado-Membro e recomenda que estes sejam acessíveis a todas as partes interessadas, a fim de assegurar o funcionamento eficaz e promover a boa cooperação com as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais.

1.8.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamentar as organizações que se dedicam à «gestão altruísta» de dados e concorda com a regra que determina que essas organizações devem ser entidades jurídicas sem fins lucrativos que perseguem objetivos de interesse geral, em condições de independência e autonomia em relação a outras organizações que perseguem objetivos lucrativos na gestão dos dados.

1.9.

O CESE considera particularmente interessante a possibilidade, prevista no regulamento, de reconhecer a utilidade de um «modelo cooperativo de gestão e intercâmbio de dados» enquanto instrumento destinado a favorecer os cidadãos, as micro, pequenas e médias empresas, os trabalhadores por conta própria e os profissionais liberais.

1.10.

Este modelo cooperativo poderia também ser um instrumento muito útil para a gestão neutra e partilhada dos dados. A este respeito, o CESE incentiva a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem os cidadãos, as PME e as suas organizações na promoção de iniciativas com vista a constituir organizações mutualistas para a gestão e o intercâmbio de dados.

1.11.

O CESE considera que a proteção dos dados pessoais e a proteção da identidade digital e da vida privada são aspetos fundamentais da «governação dos dados» diretamente ligados à questão do respeito pela dignidade humana e pelos direitos fundamentais. Por conseguinte, considera essencial reconhecer o direito à propriedade dos dados pessoais, a fim de permitir aos cidadãos europeus controlar a utilização dos seus dados.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A proposta da Comissão objeto do presente parecer visa:

i)

disponibilizar dados do setor público para reutilização quando esses dados estejam sujeitos a direitos de terceiros;

ii)

permitir a partilha de dados entre empresas;

iii)

permitir a utilização de dados pessoais em conformidade com o RGPD;

iv)

permitir a utilização de dados para fins altruístas.

2.2.

A proposta de regulamento articula-se com a Diretiva (UE) 2019/1024 relativa aos dados abertos e à reutilização de informações do setor público e complementa-a, centrando-se nos dados na posse do setor público e sujeitos a direitos de terceiros.

2.3.

A proposta baseia-se no artigo 114.o do TFUE e visa aproximar as legislações e as práticas administrativas dos Estados-Membros, a fim de garantir o fluxo de dados na União Europeia num quadro regulamentar harmonizado que assegure a consolidação adequada do mercado interno no que diz respeito à circulação dos dados na posse de organismos do setor público.

2.4.

O capítulo I do regulamento define o seu âmbito de aplicação e estabelece:

i)

as condições para a reutilização, na UE, de determinadas categorias de dados na posse de organismos do setor público;

ii)

um quadro de notificação e de supervisão da prestação de serviços de partilha de dados;

iii)

um quadro para o registo voluntário das entidades que recolhem e tratam dados disponibilizados para fins altruístas.

2.5.

O capítulo II cria um mecanismo para a reutilização de certas categorias de dados do setor público, cuja utilização está sujeita ao respeito dos direitos de terceiros. A proteção dos direitos de terceiros pode ser relevante, em especial, para a proteção dos dados pessoais, mas também para a proteção dos direitos de propriedade intelectual e do sigilo comercial.

2.6.

Os Estados-Membros devem instaurar um ponto de informação único para ajudar os investigadores e as empresas inovadoras interessados na identificação de dados adequados, bem como criar estruturas para apoiar os organismos do setor público com meios técnicos adequados e uma abordagem informada do quadro regulamentar do setor.

2.7.

O capítulo III visa assegurar uma maior confiança na partilha de dados pessoais e não pessoais e reduzir os custos de transação ligados à partilha de dados entre empresas e entre empresas e consumidores, através da criação de um regime de notificação aplicável aos prestadores de serviços de partilha de dados e de um quadro regulamentar para as atividades desses mesmos prestadores. Estes terão a obrigação de neutralidade relativamente aos dados partilhados, não podendo utilizá-los para outros fins.

2.8.

O capítulo IV visa facilitar a partilha altruísta de dados voluntariamente disponibilizados por indivíduos ou empresas para o bem comum. Prevê nomeadamente a possibilidade de as organizações envolvidas no altruísmo de dados se registarem como «Organização de altruísmo de dados reconhecida na UE», a fim de reforçar a confiança nas suas operações.

2.9.

Prevê também a elaboração de um formulário europeu comum de consentimento para cedência altruísta de dados, com vista a reduzir os custos associados à obtenção do consentimento e a facilitar a portabilidade dos dados.

2.10.

O capítulo V estabelece os requisitos para o funcionamento das autoridades competentes designadas para supervisionar e aplicar o quadro de notificação dos prestadores de serviços de partilha de dados e das entidades envolvidas no altruísmo de dados. Este capítulo prevê igualmente disposições que visam a proteção efetiva dos direitos individuais, nomeadamente o direito de apresentar uma reclamação administrativa e/ou interpor um recurso judicial contra as decisões das autoridades setoriais designadas.

2.11.

O capítulo VI cria o «Conselho Europeu da Inovação de Dados», que favorecerá o desenvolvimento de boas práticas pelas autoridades dos Estados-Membros, em especial no que diz respeito ao tratamento dos pedidos de reutilização de dados e à prossecução de práticas coerentes no que respeita ao quadro de notificação para os prestadores de serviços de partilha de dados e para o altruísmo de dados.

2.12.

O capítulo VII autoriza a Comissão a adotar atos de execução relativos ao formulário europeu de consentimento para cedência altruísta de dados e o capítulo VIII contém disposições transitórias para o funcionamento do regime geral de autorização dos prestadores de serviços de partilha de dados e prevê as disposições finais.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A proposta da Comissão afigura-se adequada e necessária, uma vez que o tratamento, o armazenamento e a partilha de dados digitais têm vindo a ganhar importância não só do ponto de vista económico, mas também social e civil, na medida em que dizem respeito aos cidadãos, às administrações e às empresas e se exercem num ambiente regulamentar complexo e interligado.

3.2.

A utilização sofisticada de dados digitais pode permitir o desenvolvimento de novos produtos e tornar os processos de produção tradicionais mais eficientes, estimular a investigação, combater o aquecimento global e melhorar a utilização dos recursos energéticos e hídricos, protegendo cada vez melhor a saúde humana.

3.3.

Uma utilização eficaz e virtuosa dos dados exige a possibilidade de os partilhar e trocar em grandes quantidades, tirando partido da capacidade computacional das máquinas de inteligência artificial no tratamento e exploração desses dados para objetivos de interesse comum cada vez mais ambiciosos. O intercâmbio de dados para detetar doenças de forma atempada através da imagiologia é disso exemplo.

3.4.

A complexidade e a quantidade de dados produzidos, recolhidos e transferidos em permanência levaram à criação de empresas, organizações e organismos especializados na gestão ou na intermediação de dados tendo em vista o intercâmbio tanto para fins comerciais como numa lógica de interesse geral orientada para a prossecução do bem comum (nomeadamente para fins de investigação científica).

3.5.

No atual contexto económico e tecnológico, os dados constituem um recurso muito valioso e útil, ao qual estão subjacentes importantes questões éticas, económicas e políticas, com um impacto muito significativo na competitividade e na concorrência, não só entre as empresas, mas também entre os Estados. Por conseguinte, é apropriado que a Comissão pretenda definir um quadro regulamentar proporcionado e claro para a governação pública dos dados, a fim de proteger o seu valor, não só económico, mas também estratégico, nos diferentes domínios em que a capacidade de possuir e tratar dados digitais é importante.

3.6.

No que diz respeito aos dados sensíveis, em particular aos dados relativos à saúde, o CESE considera útil elaborar e generalizar boas práticas operacionais, como, por exemplo, a adotada pela Microsoft, que optou por alertar os seus clientes quando as autoridades governamentais lhe solicitaram a divulgação dos dados pessoais dos próprios clientes.

3.7.

O CESE reconhece e congratula-se com o facto de o principal objetivo da proposta da Comissão consistir em criar condições para que os cidadãos, os consumidores, os trabalhadores por conta própria, os profissionais liberais e as empresas, em especial as pequenas e microempresas, partilhem os seus dados sabendo que estes serão geridos por organizações regulamentadas e devidamente supervisionadas, a fim de promover a confiança e o estabelecimento de um quadro regulamentar plenamente compatível com os valores e os princípios da União Europeia.

3.8.

Tal como salientado em pareceres anteriores, o CESE defende que a questão da governação dos dados e das ferramentas de inteligência artificial exige um quadro regulamentar europeu que garanta a transparência e a rastreabilidade dos algoritmos, o controlo humano das ferramentas de inteligência artificial e o respeito pelos direitos fundamentais.

3.9.

Importa também sublinhar que, a partir do momento em que estas ferramentas de inteligência artificial são introduzidas no mundo do trabalho, cabe à Comissão Europeia estabelecer regras para reforçar o diálogo social e a negociação mediante a consulta prévia dos representantes dos trabalhadores e incentivar a criação de comités ou de observatórios nacionais sobre a disseminação de ferramentas de inteligência artificial, que associem todas as partes interessadas: consumidores, pequenas e médias empresas, associações profissionais e representantes dos trabalhadores e da sociedade civil organizada.

3.10.

Seria igualmente importante que o regulamento previsse um procedimento de aprovação das condições gerais de utilização dos serviços de gestão de dados, de modo que as cláusulas dos contratos de transferência ou acesso a dados que infrinjam as normas de proteção da UE possam ser anuladas pelo tribunal. Para este mesmo efeito, o CESE recomenda a harmonização e o reforço do princípio do consentimento, simplificando o procedimento de aceitação ou recusa dos testemunhos de conexão (cookies).

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE considera que a proposta da Comissão está em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade consagrados nos Tratados, na medida em que elabora e propõe regras que não sacrificam excessivamente o interesse privado face ao objetivo de partilhar e assegurar uma utilização virtuosa dos dados.

4.2.

Por conseguinte, o regulamento, que garantirá a aplicação simultânea de regras uniformes em todo o mercado interno, afigura-se o instrumento jurídico mais adequado, uma vez que dispor de regras diferentes nos diversos Estados-Membros seria ineficaz e resultaria num custo excessivo de conformidade para as empresas europeias, em especial as PME, prejudicando a boa circulação dos dados.

4.3.

Este instrumento jurídico é, por conseguinte, a escolha mais judiciosa para prosseguir a construção de um mercado europeu em que os dados possam circular de forma virtuosa graças a um quadro regulamentar harmonizado, que permita aos cidadãos, aos consumidores e às pequenas e médias empresas confiar na proteção adequada dos seus dados e proporcione oportunidades de desenvolvimento e crescimento aos operadores económicos e às instituições de investigação e desenvolvimento.

4.4.

O CESE subscreve o objetivo da Comissão de aplicar o regulamento em apreço às administrações, aos organismos do setor público e aos organismos de direito público, à semelhança do que já acontece com as regras em matéria de contratos públicos, de modo a assegurar, graças a uma abordagem baseada em factos, que as regras são eficazes e se aplicam ao conjunto dos intervenientes do setor público, independentemente da sua forma organizacional.

4.5.

À luz da abordagem geral das novas regras, afigura-se igualmente proporcionado e coerente isentar as empresas públicas da aplicação das regras, tendo em conta o seu modelo organizacional cada vez mais inspirado em modelos empresariais e orientados para o mercado.

4.6.

O CESE apoia a disposição do artigo 6.o, que prevê que «[os] organismos do setor público que permitem a reutilização das categorias de dados referidas no artigo 3.o, n.o 1, podem cobrar taxas pela autorização da reutilização desses dados» e que essas «taxas devem ser não discriminatórias, proporcionadas e objetivamente justificadas e não podem restringir a concorrência». A este respeito, importa salientar que as empresas, as PME, as micro e pequenas organizações e as organizações da economia social fornecem muitos dados às autoridades, que têm um custo que pode ser significativo e cujo impacto, em especial para as PME, deve ser tido em conta na fixação das taxas.

4.7.

O CESE concorda e congratula-se também com o facto de a metodologia de cálculo das taxas ter de ser previamente publicada e de esta se basear necessariamente nos custos de gestão e partilha dos dados, e não num sistema de cálculo de custos diferente, que possa ser equiparado a uma licença de dados.

4.8.

O CESE chama a atenção para a necessidade de proceder ao intercâmbio de dados em conformidade com o artigo 101.o do TFUE sobre as práticas anticoncorrenciais. Em especial, será importante respeitar as orientações da Comissão em matéria de acordos de cooperação horizontal sob a forma de intercâmbio de informações. Tal permitirá evitar que os organismos que trocam informações perturbem a transparência do mercado, abrindo a porta à colusão entre concorrentes diretos e, consequentemente, a uma menor concorrência em detrimento do bem-estar dos consumidores, das pequenas e microempresas, distorcendo a concorrência nos mercados.

4.9.

O CESE apoia vivamente a designação de autoridades nacionais (artigos 12.o e 20.o) responsáveis por assegurar o controlo do cumprimento das novas regras estabelecidas pela Comissão e concorda com os requisitos que estas autoridades terão de preencher nos termos do artigo 23.o.

4.10.

A fim de evitar a utilização abusiva das bases de dados a nível nacional ou europeu, deve caber às várias autoridades nacionais em causa, em colaboração mútua e com a Comissão Europeia, o controlo da utilização dos dados.

4.11.

No que diz respeito às organizações de altruísmo de dados e às condições gerais para serem reconhecidas como tal, congratula-se com o facto de a proposta de regulamento dispor que estas organizações devem ser entidades jurídicas sem fins lucrativos que perseguem objetivos de interesse geral e, sobretudo, independentes e autónomas, nomeadamente em relação a outras organizações que perseguem objetivos comerciais ou lucrativos na gestão dos dados.

4.12.

Estas disposições, a par da constituição de um registo público específico dessas entidades, respondem adequadamente à necessidade de transparência e de proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e das empresas cujos dados são partilhados com fins altruístas, reforçando, assim, a confiança de todas as partes interessadas.

4.13.

O CESE considera extremamente útil a criação de um ponto de informação em cada Estado-Membro, tal como previsto no artigo 8.o da proposta de regulamento. Estes pontos de informação devem ser facilmente acessíveis a todas as partes interessadas, a fim de assegurar o funcionamento eficaz e promover a boa cooperação com as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais.

4.14.

Por último, saúda particularmente o facto de o capítulo III do regulamento prever a possibilidade de criar cooperativas para a gestão e o intercâmbio de dados, a fim de favorecer os cidadãos (trabalhadores, consumidores e empresários), as pequenas empresas e os empresários a título individual, que não poderiam aceder a grandes quantidades de dados ou tratá-las individualmente. A este respeito, o CESE incentiva a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem as organizações de PME na promoção de iniciativas coletivas com vista a constituir este tipo de organizações mutualistas para a gestão e o intercâmbio de dados.

4.15.

As cooperativas e as estruturas de base colaborativa, em geral, afiguram-se particularmente adequadas para gerir a atividade de intermediação, intercâmbio ou partilha de dados entre cidadãos (trabalhadores, consumidores, empresários) e empresas. As cooperativas, em particular, permitem uma coincidência de interesses na gestão de dados entre o titular de dados e o detentor de dados cooperativo, que, neste caso, é propriedade dos próprios titulares de dados, pelo que são suscetíveis de assegurar uma governação participativa partilhada entre cidadãos, empresas e empresários, que podem desempenhar, simultaneamente, o papel de fornecedores e de utilizadores ou beneficiários dos dados. Este mecanismo poderia promover o clima de confiança e abertura necessário para uma boa governação dos dados no mercado único digital europeu.

4.16.

A este respeito, o CESE considera que é necessária uma cooperação eficaz com as organizações da sociedade civil, os parceiros sociais e as organizações profissionais.

4.17.

No que respeita à proteção dos dados pessoais, o CESE recorda que a legislação europeia considera a proteção da vida privada e o respeito pela dignidade humana um aspeto incontornável dos direitos fundamentais e invioláveis do indivíduo. No entanto, a proteção adequada destes direitos é ameaçada pela utilização abusiva dos dados obtidos com o consentimento livre da pessoa em causa, mas nem sempre mediante procedimentos simples. Há também casos mais graves em que os dados são obtidos de forma abusiva mediante uma verdadeira usurpação da identidade. Em alguns Estados-Membros, os tribunais condenaram repetidamente o «furto de dados». Reconhecer o furto significa reconhecer o direito à propriedade dos dados.

4.18.

Por conseguinte, o CESE recomenda que se reconheça o direito à propriedade dos dados digitais na UE, a fim de permitir que os cidadãos (trabalhadores, consumidores, empresários) controlem, giram ou proíbam a utilização dos seus dados. Tal abriria o caminho para a interposição de ações coletivas com clara legitimidade jurídica, a fim de impedir ou controlar o acesso aos dados das pessoas, assim como de facilitar a sua gestão com vista à criação do mercado digital europeu.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 172 de 26.6.2019, p. 56.


ANEXO

A proposta de suprimir os seguintes pontos foi aceite durante o debate, embora pelo menos um quarto dos sufrágios expressos tenha apoiado a sua manutenção.

 

1.6.

O CESE apoia a proposta de designar as autoridades nacionais responsáveis por assegurar o controlo adequado das novas regras e salienta, a este respeito, que, ao invés de criar novas autoridades, se poderia confiar a aplicação das regras referidas na proposta da Comissão às autoridades de proteção de dados já existentes nos Estados-Membros, tirando partido da sua experiência.

4.9.

O CESE apoia vivamente a designação de autoridades nacionais (artigos 12.o e 20.o) responsáveis por assegurar o controlo do cumprimento das novas regras estabelecidas pela Comissão e concorda com os requisitos que estas autoridades terão de preencher nos termos do artigo 23.o. A este respeito, sem prejuízo do poder discricionário dos Estados-Membros no que respeita à organização, o CESE salienta que as autoridades de proteção dos dados já operacionais dispõem de conhecimentos técnicos e regulamentares consideráveis neste domínio. Por conseguinte, poderiam elas próprias aplicar as regras abrangidas pela proposta da Comissão, sem criar novas autoridades.

Resultado da votação

Votos a favor da proposta de suprimir estes pontos:

124

Votos contra:

94

Abstenções:

27


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho Nova Agenda do Consumidor “Reforçar a resiliência dos consumidores para uma recuperação sustentável”»

[COM(2020) 696 final]

(2021/C 286/09)

Relator:

Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Correlator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

Comissão, 14.1.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

218/2/24

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE toma nota da Nova Agenda do Consumidor e das 22 ações nela propostas e considera difícil ser mais exaustivo e pormenorizado.

1.2

No entanto, reconhecendo o esforço feito pela Comissão, o CESE entende que uma «agenda» do consumidor deveria surgir como corolário ou consequência de uma verdadeira estratégia em matéria de política dos consumidores. Como a mais recente Estratégia em matéria de Política dos Consumidores, da Comissão, data já de 13.3.2007 (para o período 2007-2013), acha-se hoje completamente desatualizada.

1.3

O CESE receia assim que, tal como está estruturada, a Nova Agenda do Consumidor possa ser vista como uma lista de iniciativas avulsas e que a sua aplicação no terreno seja de difícil concretização

1.4

O CESE considera ainda que as medidas para enfrentar a pandemia de COVID-19 devem ser excecionais e muitas delas prioritárias e urgentes, dada a situação sem precedentes de crise conjunta de saúde, económica e social, e questiona-se se tais medidas devem ser incluídas numa Agenda do Consumidor, que, aliás, na opinião do CESE, aborda insuficientemente a difícil situação atual.

1.5

Neste contexto, o CESE não pode deixar de reafirmar o seu entendimento de que a União da Saúde deve ser aprofundada o mais possível e que a política de saúde não é uma política exclusiva dos Estados-Membros, devendo o art.o 168.o do TFUE, ser oportunamente modificado de forma a aproximá-lo do art.o 169.o relativo à política dos consumidores.

1.6

O CESE insiste em que a realização do mercado interno, físico ou digital, se faça em condições de igualdade e que se alcance um elevado nível de proteção do consumidor, que aliás o CESE tem reclamado em diversas ocasiões. Por este motivo, concorda com a necessidade de adotar uma abordagem horizontal, integrada com outras políticas da União, de forma que os interesses dos consumidores sejam tidos em conta na conceção e implementação das políticas setoriais.

1.7

O CESE considera essencial a componente «verde» da Agenda e recorda que apoiou o Pacto Ecológico Europeu. Em particular, o CESE preconiza uma maior durabilidade dos bens, o acesso a produtos sustentáveis, uma economia limpa, circular e mais amiga do clima e o uso eficiente dos produtos, bem como o combate à obsolescência programada e o direito à reparação de bens e produtos.

1.8

O CESE está, no entanto, consciente de que o trabalho necessário para medir a «pegada carbónica» tem de ter em conta o ciclo de vida dos produtos e não é de fácil implementação.

1.9

É necessário adaptar as regras de defesa do consumidor ao mundo digital. Os novos desafios colocados pelas tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA), a Internet das coisas (IdC) e a robótica, requerem um reforço da proteção atual e devem ser abordados, especialmente na revisão da Diretiva sobre a segurança dos produtos, e as lacunas existentes na legislação em vigor devem ser identificadas e preenchidas. É também por isso que o Regulamento Serviços Digitais (RSD) e o Regulamento Mercados Digitais (RMD) serão essenciais para complementar esta estratégia.

1.10

O CESE reclama que o apoio europeu se reflita também na participação de todas as organizações da sociedade civil (especialmente as organizações de consumidores), pelo seu papel no desenvolvimento da Agenda. A sociedade civil organizada, em particular as organizações de consumidores e representantes empresariais, em conjunto com outros parceiros sociais, deve desenvolver uma relação mutuamente benéfica para garantir uma participação mais ampla na formulação e implementação desta política.

1.11

Consequentemente, o papel da educação e formação do consumidor deve ser aumentado e reforçado no âmbito da Agenda, porque contribuem para consolidar um elevado nível de proteção.

1.12

O CESE está ciente das dificuldades das PME em contribuírem para o êxito da Agenda, nomeadamente em termos de sensibilização e informação dos consumidores e à oferta de bens e serviços sustentáveis mas de maior valor económico.

1.13

O CESE chama a atenção para a necessidade de dotar as empresas, sobretudo as PME, de meios financeiros para fazer face às exigências da Agenda, sobretudo numa altura em que o combate à crise provocada pela COVID-19 diminuiu o investimento das empresas nos setores digital e ecológico.

2.   A comunicação da Comissão

2.1   Generalidades

2.1.1

A comunicação da Comissão:

visa reforçar o quadro geral de colaboração entre as instituições da UE, os Estados-Membros e as partes interessadas;

adota uma abordagem holística que abrange várias políticas da União;

reflete a necessidade de ter em conta os requisitos de proteção do consumidor na formulação e aplicação de outras políticas, em complemento de outras iniciativas da UE;

requer uma colaboração estreita entre a UE e os Estados-Membros e a transposição, aplicação e execução do quadro de defesa do consumidor desenvolvido ao nível do direito derivado da União.

2.1.2

A comunicação refere 22 ações que abrangem cinco grandes áreas prioritárias:

A transição ecológica;

A transformação digital;

A proteção e respeito dos direitos dos consumidores;

As necessidades específicas de certos grupos de consumidores; e

A cooperação internacional.

2.1.3

A comunicação aborda os problemas considerando importante que todos tenham acesso equitativo e oportuno a testes necessários e acessíveis, equipamentos de proteção, tratamento e futuras vacinas, proporcionando ao consumidor todas as garantias no que se refere aos direitos fundamentais, à ética médica, à privacidade e à proteção de dados de acordo com o respetivo Regulamento Geral.

2.1.4

As convulsões sociais e económicas ligadas à pandemia representam um desafio para a sociedade. Embora seja importante garantir um elevado grau de proteção do consumidor, persistem ainda alguns desafios, tais como:

a implementação da legislação relativa ao direito ao reembolso total de pagamentos adiantados aos operadores turísticos;

o aumento de burlas aos consumidores, das técnicas de comercialização enganosas e das fraudes nas compras em linha;

a alteração dos padrões de consumo, como o gerado pelo aumento dos resíduos de embalagens de uso único.

2.2   Principais áreas prioritárias

2.2.1

Transição ecológica: contribuir para a neutralidade climática, a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade e a redução da poluição da água, do ar e do solo. O acesso a produtos sustentáveis deve ser garantido a todos.

2.2.2

O Pacto Ecológico Europeu estabelece uma estratégia global para transformar a UE numa sociedade justa e próspera, com uma economia com impacto neutro no clima, eficiente em termos de recursos, limpa e circular e em que a pegada ambiental é reduzida.

2.2.3

A Diretiva Venda de Bens deve ser modificada para promover a reparação e torná-la um direito efetivo. Medidas adicionais para tratar de grupos específicos de bens e serviços estão previstas.

2.2.4

Os consumidores devem ser mais bem protegidos contra informações falsas ou informações apresentadas de forma confusa ou enganosa para dar a impressão de que um produto ou uma empresa é mais respeitador do ambiente («branqueamento ecológico»).

2.3   A transformação digital

2.3.1

A Diretiva relativa à melhor aplicação e à modernização da legislação em matéria de defesa dos consumidores e a Diretiva Conteúdos Digitais são etapas importantes, embora sejam necessárias medidas adicionais, dado o ritmo acelerado dos avanços tecnológicos.

2.3.2

É necessário evitar a utilização de padrões «obscuros», certas práticas de personalização que consistem na definição de perfis, publicidade oculta, as fraudes, a informação falsa ou enganosa e a manipulação das avaliações dos consumidores. São também necessárias orientações adicionais para a Diretiva Práticas Comerciais Desleais e a Diretiva Direitos dos Consumidores, porque os consumidores devem beneficiar de um nível comparável de proteção e justiça em linha ou fora de linha.

2.3.3

A inteligência artificial traz benefícios, mas alguns usos podem violar os direitos dos consumidores e ser-lhes prejudiciais. O CESE gostaria de sublinhar que, de acordo com o artigo 22.o do RGPD, os titulares dos dados têm direito à intervenção humana quando uma decisão baseada no tratamento automatizado os afeta de forma significativa.

2.3.4

O novo Regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor reforça a capacidade em linha das autoridades competentes, os mecanismos de cooperação e o sistema de recolha de dados para resolver as violações em larga escala da legislação da UE em questões de defesa do consumidor, para garantir um nível constante de defesa do consumidor e oferecer um «balcão único» às empresas.

2.4   Abordar as necessidades específicas dos consumidores

2.4.1

Parte-se do pressuposto de que, em geral, os consumidores são a parte mais fraca de uma transação e que, por isso, os seus interesses requerem proteção. No entanto, alguns grupos de consumidores podem ser particularmente vulneráveis e necessitar de salvaguardas específicas. Essa vulnerabilidade pode ser devida a circunstâncias sociais ou a características particulares como idade, sexo, estado de saúde, a literacia digital, a numeracia ou a situação financeira.

2.4.2

O aumento da vulnerabilidade financeira de muitos agregados familiares na UE é particularmente preocupante neste momento.

2.4.3

A intenção da revisão seria igualmente evitar situações discriminatórias no acesso a serviços de crédito.

2.4.3.1

Idosos e pessoas com deficiência têm necessidades específicas relacionadas com o consumo, e é importante garantir a disponibilização de informação clara, acessível e fácil de utilizar em linha e fora de linha, de acordo com os requisitos de acessibilidade de produtos e serviços.

2.4.3.2

Uma abordagem justa e não discriminatória da transição digital deve atender às necessidades dos consumidores idosos, com deficiência e, de forma mais geral, pessoas «desconectadas», que podem sentir-se menos confortáveis com ferramentas digitais.

2.4.3.3

As crianças e os menores estão particularmente expostos a práticas comerciais enganosas ou agressivas em linha e haverá que encontrar soluções para esse problema. Além disso, as crianças devem ser protegidas de produtos inseguros existentes e dos riscos relacionados com os produtos, pelo que os requisitos de segurança para as normas relativas a certos produtos para crianças serão atualizados.

2.4.3.4

O risco de discriminação é por vezes agravado por algoritmos usados por alguns fornecedores de bens e serviços, que podem ser formulados com preconceitos muitas vezes derivados de expectativas culturais ou sociais pré-existentes.

2.5   Proteção dos consumidores no contexto global

2.5.1

É importante que a UE projete o seu elevado nível de defesa do consumidor a nível internacional como um valor e um modelo europeu.

2.5.2

Garantir a segurança das importações e proteger os consumidores da UE contra práticas comerciais desleais utilizadas por operadores de países terceiros exige uma ação reforçada dentro da UE, através de ferramentas mais robustas para a supervisão do mercado e uma cooperação mais estreita com as autoridades dos países parceiros da UE.

2.5.3

A cooperação multilateral em questões de consumo é fundamental para promover um elevado nível de proteção e segurança a nível internacional e proteger os consumidores a nível global.

2.6   Governação

2.6.1

A Agenda apresenta as ações destinadas a promover as prioridades da política dos consumidores que a UE e os Estados-Membros poderão desenvolver nos próximos cinco anos.

2.6.2

Esta nova visão da cooperação entre a UE e as prioridades políticas nacionais implica um novo quadro para uma cooperação reforçada, capaz de realizar ações concretas.

2.6.3

A Comissão tentará manter discussões regulares com o PE, o CESE e o CR e trabalhará em estreita colaboração com as autoridades nacionais para garantir uma coordenação estreita das ações e a melhor utilização dos fundos disponíveis.

2.6.4

Tudo acompanhado de uma cooperação estreita e efetiva com as partes interessadas, incluindo organizações de consumidores, indústria e setor académico. Organizações de consumidores fortes a nível nacional e da União são parceiros essenciais para planear o trabalho no âmbito da Agenda e chegar aos consumidores.

2.6.5

A Comissão irá por isso:

criar um novo grupo consultivo para a política dos consumidores;

renovar o Painel de Avaliação das Condições dos Consumidores em 2021.

3.   Observações na generalidade

3.1

Relativamente à crise sanitária, o CESE incentiva a Comissão e os Estados-Membros a prosseguirem os seus esforços para vacinar a população e tornar a estratégia europeia de vacinação social e economicamente acessível a todos os cidadãos.

3.2

É importante capacitar e envolver os consumidores na economia e torná-los atores-chave de uma recuperação sustentável, reforçando assim a competitividade da economia da União e do mercado único. Novos modelos de negócios que podem otimizar a eficiência e sustentabilidade de bens e serviços são importantes.

3.3

Os consumidores devem ser atores relevantes na transição ecológica, promovendo a produção e o consumo sustentáveis. Todos os produtos devem ser seguros, disponíveis, baratos e acessíveis sobretudo no que diz respeito à promoção do prazo de validade, à durabilidade, reparabilidade e reciclagem dos produtos. O CESE já se tinha manifestado a favor da regulamentação da chamada «obsolescência programada», e a favor da durabilidade dos produtos, mesmo quando se trata de software. As medidas propostas são em geral horizontais, e não específicas à proteção do consumidor.

3.4

As PME devem ser envolvidas nesta transição ecológica, sem aumentar muito os encargos administrativos.

3.5

O CESE está empenhado em colaborar ativamente na realização de uma transição «ecológica» e de uma transformação «digital», sem produzir exclusões sociais, evitando um regime de duas velocidades para consumidores vulneráveis e situações discriminatórias que restrinjam a escolha e o acesso a bens e serviços, como a recusa de acesso a serviços de crédito a mulheres grávidas com base numa eventual perda de rendimentos e a exclusão de mães solteiras de certos serviços financeiros.

3.6

Devem ser tomadas medidas de apoio para fazer face à vulnerabilidade financeira das famílias, incluindo as monoparentais e as de cônjuges do mesmo sexo, especialmente em termos de dívida. O CESE tem-se manifestado repetidamente a favor da regulamentação do sobre-endividamento das famílias nos seus pareceres.

3.7

Nas medidas horizontais, a Comissão deve atuar no domínio da pobreza energética e evitar situações que possam conduzir à exclusão social.

3.8

O CESE espera que a Comissão aborde, o mais brevemente possível, a revisão das diretivas relativas à segurança dos produtos, crédito ao consumidor, comercialização à distância de serviços financeiros, direitos do consumidor, práticas comerciais desleais.

3.9

O CESE tem grandes expectativas em relação à Diretiva relativa às ações representativas para a proteção dos interesses coletivos dos consumidores e espera que a transposição da diretiva seja coerente com os quadros jurídicos dos Estados-Membros.

3.10

O CESE concorda com o objetivo de capacitar os consumidores para desempenharem um papel mais ativo na transição ecológica. Não basta que as empresas procedam a alterações e inovem, é preciso que o mercado aceite e se transforme para a economia funcionar de forma mais circular: consumo de produtos mais sustentáveis (previsivelmente mais caros), maior durabilidade e reparabilidade dos produtos associada à desejada conceção ecológica (desenvolvimento de produtos com base em critérios ecológicos) e maior eficiência no uso de recursos naturais. O papel do transporte no quadro da transição ecológica deve igualmente ser considerado.

3.11

Importa passar a mensagem de que o compromisso para com o meio ambiente é de todos: das empresas que implementam medidas e práticas mais sustentáveis, informam e formam os consumidores e, para que essas medidas sejam eficazes, dos consumidores, que devem também adotar hábitos e comportamentos sustentáveis. Quanto aos custos acrescidos que poderão resultar para as PME europeias, aferidos no âmbito da avaliação de impacto do teste das PME (parte integrante da iniciativa europeia da Lei das Pequenas Empresas), deve ser assegurada a sua mitigação ao abrigo desse mecanismo, do qual faz também parte a auscultação em curso dos representantes das PME. Será necessário criar mecanismos e meios para que as PME sejam capazes de atualizar e renovar os seus conhecimentos.

3.12

O CESE considera importante reforçar o combate às práticas comerciais abusivas em linha que desrespeitem os direitos dos consumidores e de todos os outros operadores envolvidos no ciclo do produto. Defende que tudo o que é considerado abusivo no universo físico (fora de linha) deve ter tratamento do mesmo modo no universo digital (em linha). Novos tipos de abusos no mundo fora de linha, como estratégias de vigilância de negócios e «padrões obscuros», exigem o desenvolvimento de proteções ainda mais fortes.

3.13

Importa reforçar os meios informáticos, humanos e outros que fornecem apoio no combate à fraude digital, a qual — por força da sua abrangência e disseminação — torna muito mais complexa a atuação das autoridades, inclusive em casos que chegam a ser de ataque à saúde pública (por exemplo, com a compra em linha de medicamentos «ilegais»).

3.14

Nas ações 8, 9 e 10, importa salvaguardar o equilíbrio entre a segurança e a flexibilidade necessária para não bloquear a inovação e o progresso tecnológico e económico. Importa desenvolver um plano de ação com a China em matéria de segurança de produtos e aumentar o apoio a países parceiros da UE, incluindo em África, para capacitação em termos de regulamentos e assistência técnica. É importante a proteção da genuinidade dos produtos (e, em adição, dos direitos das marcas), pois é reconhecida a existência de um grande volume de contrafação e falsificação de produtos em certos países terceiros. Os produtos originais, por questões de reconhecimento de qualidade, de conveniência e de reputação, merecem forte atenção e interesse por parte dos consumidores.

3.15

O CESE preconiza a adoção de um método de avaliação qualitativo e quantitativo. É importante avaliar se as diretivas da União são aplicadas atempadamente, em conformidade com as disposições do direito derivado e com os princípios de «legislar melhor».

3.16

O CESE constata que há um fosso cada vez maior entre as estratégias (por exemplo, o Pacto Ecológico Europeu, em geral, e a Estratégia do Prado ao Prato ou a Nova Agenda do Consumidor, em particular) e as iniciativas regulamentares (ou não regulamentares) mais pormenorizadas com que se pretende pôr em prática essas mesmas estratégias. O Comité sublinha que é necessário que o grau de ambição da Nova Agenda do Consumidor no que toca à consecução dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu se mantenha o mesmo em todo o processo de execução das iniciativas individuais que visam dar-lhe seguimento.

4.   A crise da COVID-19

4.1

A atual crise pandémica afetou severamente todo o mundo, tendo um impacto significativo em muitas áreas da vida. Esta crise levou à alteração das principais prioridades dos Estados-Membros e revelou-se extremamente penalizadora para os consumidores, os quais viram os seus direitos indevidamente limitados sem que os mecanismos existentes fossem reforçados ou, ainda, sem que mecanismos destinados a fazer face às novas realidades fossem criados de modo a garantir a proteção financeira dos consumidores.

4.2

É por isso fundamental, para antecipar as eventuais consequências para os consumidores e tirando partido das lições aprendidas com a crise pandémica, procurar reforçar, no futuro, a proteção dos consumidores na área dos serviços de saúde, energia, comunicações, serviços financeiros, aviação e direitos dos passageiros, viagens organizadas, fiscalização, alimentação e serviços digitais.

4.3

Por outro lado, a crise serviu a proliferação de práticas comercias desleais dirigidas aos mais vulneráveis e, até determinado período, além de ter conduzido à rutura de estoques de determinados produtos e equipamentos de proteção individual, deu azo à prática de preços muitíssimo elevados e especulativos. Esta situação exigirá, de novo, e na expectativa de novo período de agudização da crise, atenção e meios reforçados para as entidades fiscalizadoras.

4.4

O CESE deverá promover a elaboração de um parecer de iniciativa sobre esta matéria de modo a assessorar a Comissão na definição e implementação destas medidas.

5.   Outras áreas não incluídas na Nova Agenda do Consumidor ou abordadas de forma indireta a merecer referência

5.1   Gestão da saúde pública nos Estados-Membros

Estão a ser dados os primeiros passos para a criação da União Europeia da Saúde. A partir da crise do coronavírus, ficou demonstrado que a UE precisa de ter um papel muito mais forte na área da saúde pública, para proteger a saúde de todos os cidadãos europeus, com sistemas de saúde mais resilientes, reforçando um quadro de segurança sanitário mais sólido.

5.2   Serviços financeiros

No âmbito da revisão da Diretiva Crédito ao Consumo, será fundamental realçar o mecanismo da moratória e a criação de uma abordagem integrada que salvaguarde os interesses dos consumidores, independentemente da natureza do crédito. Será importante que, a nível europeu, se avalie o mecanismo de insolvência dos particulares, tendo em conta a necessidade de se evitar a desproteção do consumidor, atualmente existente.

5.3   Turismo, lazer e os direitos dos passageiros aéreos

É importante que se criem, reforcem ou alterem os direitos dos consumidores e que sejam criados fundos europeus para acautelar os interesses dos consumidores nestas áreas. Por outro lado, será a melhor oportunidade para se rever a proteção dos consumidores com um regime de proteção financeira adequado para proteger os passageiros contra o risco de crise de liquidez ou em caso de insolvência de uma companhia aérea no que diz respeito ao reembolso de bilhetes e, se necessário, ao repatriamento.

5.4   Habitação

É necessário criar um programa europeu integrado para a habitação que envolva diferentes áreas, designadamente o ambiente, a energia, os serviços financeiros, os direitos contratuais e a saúde, no sentido de criar como direito dos consumidores europeus o acesso a uma habitação digna e acessível a longo prazo. A construção de casas sustentáveis (por exemplo, as chamadas «casas passivas») deve ser incentivada. A aplicação dos princípios da circularidade à reabilitação de edifícios reduzirá as emissões de gases de efeito estufa relacionadas com os materiais de construção. A renovação de edifícios pode abrir muitas possibilidades e gerar benefícios sociais, ambientais e económicos de longo alcance.

5.5   Energia

Importa reforçar os direitos dos consumidores na implementação de políticas de energias renováveis, autoconsumo e tarifas de mercado e garantindo que nenhum consumidor é discriminado ou desconectado face à introdução de reais alternativas energéticas.

5.6

É necessário definir melhor e reforçar a responsabilização das plataformas digitais, quer para efeitos de segurança dos produtos, quer para efeitos de responsabilidade na intermediação dos contratos celebrados em linha.

5.7

É importante estabelecer uma estrutura de responsabilidade clara para plataformas em linha, incluindo a adoção de medidas adequadas para lidar com práticas comerciais fraudulentas, injustas e enganosas e a venda de produtos não conformes e mercadorias e serviços perigosos por meio de plataformas em linha. Neste sentido, é importante reforçar a cooperação entre a Comissão e as autoridades nacionais, para combater este tipo de práticas desonestas.

5.8

A venda direta de produtos perigosos para os consumidores, principalmente devido à sua composição química, deve ser interrompida ou limitada. O CESE acolhe favoravelmente a introdução do sistema «Safety Gate», como sistema de alerta rápido da UE para produtos de consumo não seguros.

5.9

É importante reforçar a proteção na área dos serviços pela Internet (over-the-top), que continua a não estar abrangida pela maioria das legislações nacionais e tão pouco foi abordada pelo Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.

5.10

A UE, ao desenvolver a política de defesa do consumidor, reforçará a sua coesão económica, social e territorial. Sem prejuízo da sua conceção política a nível global, deverá executar diversas ações e programas mais próximos dos cidadãos, para o que terá de reforçar a rede de Centros Europeus do Consumidor (CEC) e a rede de cooperação no domínio da defesa do consumidor, com a participação de todas as autoridades nacionais.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


ANEXO

A proposta de alteração seguinte foi rejeitada pela Assembleia, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos a favor da sua adoção (artigo 59.o, n.o 3 do Regimento):

Ponto 1.13

Suprimir.

 

1.13

O CESE chama a atenção para a necessidade de dotar as empresas, sobretudo as PME, de meios financeiros para fazer face às exigências da Agenda, sobretudo numa altura em que o combate à crise provocada pela COVID-19 diminuiu o investimento das empresas nos setores digital e ecológico.

Justificação:

 

A atual redação do ponto parece pressupor que o setor público deve prestar apoio às empresas para que estas cumpram obrigações básicas em matéria de proteção dos consumidores. É evidente que essa ideia vai demasiado longe no nosso sistema económico baseado na procura do lucro e é contrária aos pressupostos em que assenta o seu funcionamento. A proteção dos consumidores é inalienável, não é um luxo nem um serviço suplementar que se pode prestar mediante pagamentos a cargo do erário público.

Votação:

A favor:

64

Contra:

139

Abstenções:

35


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Estratégia Farmacêutica para a Europa”»

[COM(2020) 761 final]

(2021/C 286/10)

Relator:

Martin SCHAFFENRATH

Consulta

Comissão Europeia, 14.1.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

232/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se, antes de mais, com a intenção da Comissão Europeia de, através da nova Estratégia Farmacêutica para a Europa, assegurar a promoção da competitividade da indústria farmacêutica, o fornecimento de medicamentos seguros, de elevada qualidade e a preços acessíveis, e a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde dos Estados-Membros. A adoção de novas abordagens europeias comuns é fundamental sobretudo para assegurar o seguinte:

o acesso a medicamentos e a sua disponibilidade,

a acessibilidade dos preços e a sustentabilidade financeira dos sistemas nacionais de saúde,

a promoção da investigação e da inovação, a fim de reforçar a competitividade da indústria farmacêutica europeia,

o reforço de cadeias de abastecimento e de produção resilientes e transparentes,

a execução eficiente dos objetivos do Pacto Ecológico (1) por uma indústria farmacêutica com um impacto neutro no clima.

1.2.

A atual pandemia de COVID-19 revela a importância de uma abordagem europeia coordenada. Por conseguinte, o CESE chama a atenção para a importância de estratégias comuns em matéria de investigação e desenvolvimento de medicamentos e de fixação de preços, em particular no que diz respeito a produtos de alto risco e sem garantia de retorno do investimento dos fabricantes.

1.3.

O CESE salienta que todas as medidas políticas a nível da UE devem assegurar o respeito pelas competências dos Estados-Membros e pelo princípio da subsidiariedade, em conformidade com o artigo 168.o, n.o 7, do TFUE, a fim de ter em conta os sistemas nacionais de saúde, cuja organização difere de país para país, e de evitar que sofram uma desestabilização financeira. Este aspeto é particularmente importante quando se trata de questões de fixação de preços e de reembolso, que são da exclusiva responsabilidade dos Estados-Membros. No entanto, importa assegurar a partilha contínua das informações, dos conhecimentos e das boas práticas a nível da UE, a fim de evitar fragmentações e desigualdades.

1.4.

O CESE observa que o setor farmacêutico europeu, nas suas atuais condições, tem vindo a evoluir nos últimos anos de um modo que permite, em parte, abusos dos diversos regimes de incentivos, carecendo de transparência em muitos aspetos, e conduziu a uma concentração em áreas de negócio com elevadas margens de lucro e, por vezes, preços excessivos. Por conseguinte, o CESE considera urgente rever e adaptar o atual quadro regulamentar dos medicamentos, que deverá ter mais em conta as condicionalidades de acessibilidade dos preços e disponibilidade.

1.5.

O CESE salienta, em particular, o papel central de um mercado interno funcional, justo e eficaz, capaz, por um lado, de promover e recompensar uma verdadeira inovação médica que constitua um valor acrescentado real para os cuidados de saúde e, por outro, de reforçar a competitividade para assegurar um acesso equitativo e a preços acessíveis aos medicamentos.

1.6.

A fim de promover atividades inovadoras de investigação e desenvolvimento (I&D) como base para a competitividade global da indústria farmacêutica europeia, o CESE apoia, em particular, a ideia de se harmonizar o quadro jurídico tendo em vista a proteção da propriedade intelectual e a sua aplicação coerente nos Estados-Membros.

1.7.

No que diz respeito a cadeias de abastecimento e de produção mais resilientes que permitam reforçar a autonomia estratégica da Europa e evitar a indisponibilidade de medicamentos, o CESE defende a adoção de uma abordagem equilibrada entre uma maior diversificação dos locais de produção e uma relocalização gradual, parcial e, ao mesmo tempo, sustentável da produção para a Europa. Cabe debater e analisar conjuntamente a nível da UE os eventuais incentivos financeiros e fiscais concedidos pelos Estados-Membros e a sua eficiência.

1.8.

O CESE congratula-se igualmente com a revisão prevista do sistema europeu de incentivos à I&D no domínio farmacêutico na Europa, em particular o quadro jurídico relativo aos medicamentos para uso pediátrico e aos medicamentos órfãos. As futuras estratégias devem debruçar-se prioritariamente sobre o facto de não haver suficientes terapias adequadas para os cancros pediátricos.

1.9.

No entender do CESE, a revisão do quadro regulamentar dos medicamentos e quaisquer iniciativas futuras da UE devem assentar, antes de mais, no princípio da transparência, a fim de gerar um verdadeiro valor acrescentado para o interesse geral. Tal diz respeito não só aos custos para os fabricantes, mas também ao financiamento público da I&D, à aceitação de incentivos, etc.

1.10.

O CESE acolhe favoravelmente e secunda as iniciativas dos Estados-Membros, apoiadas pela Comissão Europeia, para a aquisição conjunta de medicamentos inovadores e muito dispendiosos, a fim de assegurar a sustentabilidade financeira dos sistemas nacionais de saúde.

1.11.

O CESE reconhece o papel positivo dos medicamentos genéricos e biossimilares no acesso a medicamentos a preços acessíveis, a sua importância para a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde, bem como o seu contributo para um mercado farmacêutico europeu resiliente e estrategicamente independente. O CESE apoia a adoção de medidas, por exemplo no âmbito dos contratos públicos, nomeadamente através da aplicação do critério da proposta economicamente mais vantajosa e de procedimentos concursais que permitam selecionar vários vencedores, tendo em conta os aspetos ambientais e de proteção social, suscetíveis de preparar para o futuro o mercado dos medicamentos genéricos e biossimilares.

1.12.

O CESE recomenda prudência quando se trata de acelerar o procedimento de autorizações assentes em dados insuficientes e na utilização reforçada dos dados reais, a não ser que se trate de uma crise sanitária transfronteiras. É absolutamente necessário evitar que o risco seja transferido da fase de pré-autorização para a de pós-comercialização, fazendo-o recair sobre os doentes. Por conseguinte, os dados e os resultados dos estudos devem ser publicados de forma coerente para assegurar uma monitorização eficaz após a autorização de comercialização.

2.   Observações gerais

2.1.

Segundo o relatório intitulado «Health at a Glance: Europe» [Situação da saúde na Europa] (2), publicado em 18 de novembro de 2020, as despesas de saúde nos 27 Estados-Membros da UE aumentaram, em média, 3,0 % por ano entre 2013 e 2019, atingindo 8,3 % do PIB em 2019. Embora esta percentagem tenha evoluído acompanhando o crescimento económico nos Estados-Membros, é de esperar um aumento acentuado no contexto da atual pandemia de COVID-19.

2.2.

Tal como já salientado nas conclusões do Conselho de 2016 (3) e no relatório de iniciativa do Parlamento Europeu sobre as opções da UE para melhorar o acesso aos medicamentos (4), o aumento dos preços dos medicamentos exerce cada vez mais pressão sobre os sistemas nacionais de saúde. Por conseguinte, importa restabelecer na UE o equilíbrio, no complexo sistema farmacêutico, entre a autorização de introdução no mercado e as medidas destinadas a promover a inovação, a fim de garantir um acesso equitativo a medicamentos em todos os Estados-Membros.

2.3.

Em particular, o aumento dos preços das terapias recentemente autorizadas compromete a estabilidade do orçamento farmacêutico e, por conseguinte, o acesso dos doentes aos medicamentos (5). Neste contexto, o CESE considera particularmente preocupante o forte agrupamento (p. ex.: cancro) em torno de áreas já bem estudadas, que coincidem, em grande medida, com as atuais carteiras de produtos dos fabricantes. Por conseguinte, no futuro, haverá que encontrar formas eficazes de evitar estas concentrações, devendo as terapias ser comportáveis e, subsequentemente, acessíveis a todos os doentes em pé de igualdade. Para o efeito, a I&D deve orientar-se para áreas com necessidades médicas reais não satisfeitas, por exemplo, as doenças raras ou os cancros pediátricos.

2.4.

O Roteiro para o Plano de Ação Europeu em matéria de Propriedade Intelectual (6) já salienta que a União dispõe de um sólido enquadramento jurídico em matéria de propriedade intelectual. Qualquer alteração deste sistema deve, por conseguinte, ser acompanhada de uma avaliação de impacto informada, efetuando-se apenas as alterações necessárias.

2.4.1.

Através das patentes, dos certificados complementares de proteção e da exclusividade de dados, pretende-se criar incentivos à investigação em novos domínios. O desenvolvimento da Estratégia Farmacêutica deve orientar-se pelo valor acrescentado que traz à sociedade. Importa conferir especial atenção à disponibilidade de medicamentos eficazes e seguros, com preços acessíveis a todos os doentes, em consonância com o direito a cuidados de saúde adequados, como estabelecido no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (7). Tal não se aplica somente ao fornecimento de novos medicamentos inovadores patenteados, mas também ao acesso a medicamentos genéricos e biossimilares. Consequentemente, um mercado interno funcional e justo desempenha um papel fundamental.

2.4.2.

O CESE apoia igualmente a harmonização do quadro jurídico relativo aos certificados complementares de proteção, no intuito de tornar o processo de concessão mais coerente e eliminar uma aplicação fragmentada a nível nacional. Dado o impacto social dos certificados complementares de proteção, importa assegurar que a autoridade central a criar nesse âmbito esteja subordinada às instituições da UE.

2.4.3.

O CESE mostra-se muito apreensivo com a eventual renovação dos direitos de exclusividade e com o reforço dos direitos de propriedade intelectual no mercado farmacêutico. No intuito de salvaguardar o acesso dos doentes a terapias a preços acessíveis, há que assegurar que o desenvolvimento e a introdução no mercado de medicamentos genéricos e biossimilares não limitam de modo algum a concorrência de preços. Por conseguinte, importa evitar que um produto beneficie de múltiplas proteções, seja em diferentes Estados-Membros, seja através de múltiplas patentes (patentes fracionadas), sobretudo porque nada prova que uma forte proteção da propriedade intelectual promova a inovação e a produtividade (8).

2.4.4.

Em particular no contexto do atual debate político sobre a relocalização dos locais de produção para a Europa a fim de assegurar o abastecimento, qualquer alteração do quadro jurídico em matéria de propriedade intelectual deve ser objeto de uma análise pormenorizada. De acordo com a avaliação de impacto da Diretiva 2011/62/UE que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, para impedir a introdução na cadeia de abastecimento legal, de medicamentos falsificados (9), a grande maioria das substâncias ativas para o fabrico de medicamentos genéricos proviria da Índia e da China, enquanto as substâncias ativas dos novos medicamentos patenteados são, na sua maioria, produzidos na Europa. Por conseguinte, haveria que criar outros incentivos e mecanismos para além do reforço dos direitos de propriedade intelectual, a fim de relocalizar, em particular, a produção de genéricos. As medidas alternativas poderiam ser, por exemplo, acordos de licenciamento, acordos prévios de aquisição ou também os chamados grupos de patentes para medicamentos (10). A par da relocalização, é também necessário procurar formas de diversificar mais a produção dentro e fora da Europa, a fim de reforçar e assegurar as cadeias de abastecimento.

2.5.

No domínio dos medicamentos órfãos, o CESE congratula-se com o facto de os incentivos previstos no Regulamento (CE) n.o 141/2000 (11) terem contribuído para um aumento constante do número de medicamentos órfãos aprovados, o que melhorou significativamente o acesso equitativo dos doentes a esses medicamentos e é, sem dúvida, um aspeto bem-vindo. No entanto, os preços elevados praticados pelos fabricantes dificultam o acesso aos medicamentos (12). Por conseguinte, o CESE salienta que o estatuto dos medicamentos órfãos não deve ser utilizado para obter preços e margens de lucro desproporcionados e, nesse sentido, apoia a revisão deste quadro jurídico iniciada pela avaliação de impacto, publicada em novembro de 2020 (13). Uma possibilidade seria proceder a uma reavaliação automática e regular dos critérios e a um ajustamento da duração da exclusividade de mercado, em condições a definir. O CESE apoia igualmente uma eventual revisão dos critérios, nomeadamente da prevalência (tendo em conta todas as indicações autorizadas), no que diz respeito à designação como medicamento órfão.

2.6.

O CESE faz seu o apelo da Comissão Europeia e de muitos deputados ao Parlamento Europeu para que todo o setor farmacêutico seja mais transparente, em particular no que diz respeito aos custos de I&D. A ausência, na maioria dos casos, de regras básicas sobre a transparência dos custos de desenvolvimento dos medicamentos não permite às autoridades competentes em matéria de fixação de preços e de reembolsos verificar a fixação do preço de novos medicamentos, sustentada pelo argumento de que os custos de investigação são elevados, nem a razoabilidade dos preços praticados.

2.6.1.

Segundo o CESE, a Diretiva 89/105/CEE relativa à transparência (14) poderia ser um instrumento importante neste contexto. O artigo 6.o desta diretiva prevê que os Estados-Membros que disponham de uma lista positiva devem publicar uma lista completa dos produtos farmacêuticos abrangidos pelo respetivo sistema nacional de seguro de saúde, bem como divulgar os preços fixados pelas respetivas autoridades competentes e comunicá-los à Comissão. No entanto, os preços efetivamente pagos são protegidos por acordos de compra confidenciais, o que dificulta consideravelmente o intercâmbio entre as autoridades nacionais. Neste contexto, a base de dados EURIPID (15) poderia servir de ponto de partida, na condição de todos os Estados-Membros serem obrigados a divulgar as suas informações sobre preços.

2.6.2.

Para o CESE, é também fundamental aumentar significativamente a transparência das cadeias globais de abastecimento e de produção de produtos farmacêuticos, a fim de fazer face a uma eventual escassez da oferta de medicamentos e de reforçar a resiliência dos sistemas de saúde. Para além da criação de um sistema coordenado de comunicação de informações, como já está previsto no contexto da União Europeia da Saúde, com a participação obrigatória de todas as partes interessadas, é igualmente fundamental a criação de uma reserva estratégica de medicamentos considerados essenciais pela OMS.

2.6.3.

No contexto da atual pandemia de COVID-19, o CESE junta-se ao apelo de muitos deputados ao Parlamento Europeu e de partes interessadas pertinentes para que haja mais transparência nos acordos de compra de vacinas contra a COVID-19 negociados com os fabricantes de produtos farmacêuticos. A transparência é fundamental para que os cidadãos da UE tenham confiança e aceitem imunizar-se contra o vírus. Tal deve aplicar-se não só aos atuais contratos de compra de vacinas, mas também servir de novo quadro de transparência para futuras aquisições conjuntas.

2.7.

No que diz respeito à aquisição conjunta de medicamentos dispendiosos recentemente autorizados, importa reforçar e promover explicitamente este procedimento a nível europeu. Deste modo, será possível não só aumentar a segurança do aprovisionamento na Europa, como também reforçar a posição negocial face aos fabricantes de produtos farmacêuticos e beneficiar de uma nítida redução de custos através de um maior volume de compras.

2.8.

No que diz respeito à promoção da I&D no setor farmacêutico, o CESE faz suas as críticas de muitas partes interessadas quanto à falta de transparência, à insuficiente participação dos intervenientes públicos e à falta de acesso do público aos resultados da investigação.

2.8.1.

Por conseguinte, o CESE solicita que, no futuro, todos os financiamentos públicos da investigação e os custos de I&D sejam divulgados, permitindo ter em conta estes valores na fixação dos preços a nível nacional e garantir um verdadeiro retorno público do investimento público. Neste contexto, deveria considerar-se a realização periódica de uma avaliação do financiamento da investigação e a apresentação de um relatório ao Parlamento Europeu. Especialmente em áreas sensíveis como a dos cuidados de saúde, pautar o financiamento da investigação exclusivamente pelos interesses da indústria farmacêutica revela-se prejudicial. Importa, portanto, que todas as partes interessadas pertinentes sejam, no futuro, estreitamente associadas às agendas de investigação da Comissão Europeia, a fim de garantir que correspondem efetivamente às reais necessidades médicas e sociais.

2.8.2.

Neste contexto, é essencial que haja na UE uma definição comum de «necessidades médicas não satisfeitas», a fim de orientar de forma eficiente as atividades de I&D no domínio farmacêutico para áreas em que não existe terapêutica adequada ou eficaz. Estes critérios devem basear-se nas necessidades dos doentes e nas necessidades de saúde pública.

2.9.

Ao mesmo tempo, no contexto da I&D no domínio médico e dos ensaios clínicos, o CESE apela para a adoção de medidas a nível da UE que tenham mais em conta as diferenças entre os sexos e os diferentes efeitos dos medicamentos na prática médica quotidiana, com base nos indicadores pertinentes correspondentes. Além disso, insta-se a uma maior transparência e, por conseguinte, a uma maior sensibilização de todos os intervenientes a este respeito.

2.10.

Na opinião do CESE, é particularmente positivo que a Estratégia Farmacêutica saliente explicitamente a crescente resistência aos agentes antimicrobianos (RAM). Para além de medidas eficazes para reduzir a utilização de antibióticos, importa colocar a tónica em modelos alternativos de incentivo ao longo do ciclo de I&D, bem como em novos sistemas de fixação de preços. Outra possibilidade é o recurso a boas práticas de incentivos, tais como intercâmbios numa fase precoce com a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e isenções das taxas de autorização. No futuro, será importante dissociar o lucro do fabricante dos volumes de vendas. No entanto, paralelamente à promoção de novos antibióticos, poderão ser tomadas outras medidas, como, por exemplo, acordos prévios de aquisição, permitindo aos fabricantes maior previsibilidade.

2.11.

No que diz respeito às questões de autorização e colocação no mercado, o CESE congratula-se, em princípio, com a rápida disponibilidade de medicamentos inovadores, especialmente em áreas onde existem muitas necessidades médicas não satisfeitas. No entanto, o facto de se agilizar o procedimento de autorização não garante automaticamente uma melhor oferta de medicamentos. Assim, o objetivo principal da política farmacêutica europeia deve ser o de assegurar a todos os doentes um acesso equitativo a medicamentos seguros, de elevada qualidade e a preços acessíveis.

2.11.1.

O CESE, não obstante as possibilidades tecnológicas em rápida evolução e o consequente apelo para uma conceção flexível dos estudos, concorda com a Comissão Europeia que os ensaios por controlo aleatório, com comparadores e parâmetros (idealmente) pertinentes, devem continuar a ser considerados o padrão universal para a autorização de comercialização. Só devem ser abertas exceções em casos específicos e fundamentados. Se a produção de dados for transferida para a fase pós-autorização, importa assegurar que os custos associados não são transferidos das empresas farmacêuticas para o setor público e que a segurança dos doentes não é comprometida por autorizações prematuras. Na fixação dos preços, cabe ter em conta que os dados disponíveis não são suficientes e que, por conseguinte, será necessário obter mais dados.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt

(2)  https://ec.europa.eu/health/state/glance_pt

(3)  JO C 269 de 23.7.2016, p. 31.

(4)  https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-8-2017-0040_PT.pdf

(5)  https://www.oecd.org/health/health-systems/Addressing-Challenges-in-Access-to-Oncology-Medicines-Analytical-Report.pdf

(6)  https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12510-Intellectual-Property-Action-Plan

(7)  https://ec.europa.eu/info/publications/european-pillar-social-rights-booklet_en

(8)  https://pubs.aeaweb.org/doi/pdf/10.1257/jep.27.1.3

(9)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32011L006&from=PT (JO L 174 de 1.7.2011, p. 74).

(10)  https://www.who.int/bulletin/volumes/97/8/18-229179/en/

(11)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02000R0141-20090807&from=PT (JO L 18 de 22.1.2000, p. 1).

(12)  https://ec.europa.eu/health/sites/health/files/files/paediatrics/docs/orphan-regulation_study_final-report_en.pdf

(13)  https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12767-Revision-of-the-EU-legislation-on-medicines-for-children-and-rare-diseases

(14)  JO L 40 de 12.2.1989, p. 8.

(15)  A EURIPID é uma base de dados voluntária das autoridades nacionais competentes pela fixação dos preços e pelos reembolsos, que contém a lista dos preços oficiais de medicamentos utilizados maioritariamente em ambulatório, em conformidade com a Diretiva 89/105/CEE relativa à transparência (https://euripid.eu/about).


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Tirar pleno partido do potencial de inovação da UE — Um plano de ação em matéria de propriedade intelectual para apoiar a recuperação e resiliência da UE”»

[COM(2020) 760 final]

(2021/C 286/11)

Relator:

Rudolf KOLBE

Consulta

Comissão Europeia, 14.1.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

241/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia plenamente o plano de ação em matéria de propriedade intelectual, da Comissão Europeia, enquanto abordagem muito positiva e holística da modernização do sistema de propriedade intelectual da União Europeia (UE).

1.2

O CESE está firmemente convicto de que o lançamento do sistema de patente unitária deve ser uma prioridade principal, que reforçará consideravelmente a competitividade das empresas da UE. Tendo em conta as dificuldades evidentes associadas à implementação do sistema, o CESE considera que o objetivo (de longo prazo) deve passar a ser a transferência do sistema de patente unitária para o ordenamento jurídico da UE.

1.3

O CESE salienta a importância das medidas de apoio às pequenas e médias empresas (PME) em todos os domínios da proteção dos direitos de propriedade intelectual (DPI). Além das medidas de apoio financeiro, deve colocar-se especial ênfase no aumento dos conhecimentos especializados em matéria de DPI e em serviços de consultoria e aconselhamento personalizados.

1.4

O CESE pretende lançar um debate sobre as formas de impulsionar o conhecimento sobre os DPI e respetiva gestão a todos os níveis dos sistemas educativos da UE.

1.5

O CESE incentiva a Comissão Europeia a implementar um título unitário de certificados complementares de proteção e a estudar a possibilidade de aplicar a novos setores o sistema de certificados deste tipo.

1.6

O CESE considera que a harmonização entre o quadro em matéria de direitos de autor e a gestão dos dados de direitos de autor impulsionaria a utilização dos DPI no setor criativo.

1.7

O CESE insta a um processo de diálogo social que, além de estabelecer normas jurídicas, clarifique e defina DPI justos através da negociação coletiva, a fim de proporcionar aos autores e aos produtores incentivos que se traduzam no reconhecimento das suas criações e numa compensação económica justa.

1.8

O CESE considera que as indicações geográficas constituem um instrumento importante para reforçar a competitividade dos produtores locais e destaca o potencial da criação de um sistema harmonizado para a proteção das indicações geográficas dos produtos não agrícolas.

1.9

O CESE reconhece o potencial económico e o interesse público da promoção do fluxo de dados em toda a UE, mas salienta os problemas que resultam de regulamentações desequilibradas.

1.10

O CESE saúda todas as medidas destinadas a materializar a luta contra as infrações aos DPI, bem como o reforço do papel do Organismo Europeu de Luta Antifraude no combate à contrafação.

1.11

O CESE defende um maior reforço dos instrumentos de apoio direto às empresas da UE que operam em países terceiros e a aplicação rigorosa da legislação em matéria de propriedade intelectual e das disposições dos acordos comerciais da UE para proteger tais empresas contra as infrações aos DPI.

1.12

A crise sanitária atual tornou evidente a necessidade de aceder à propriedade intelectual de importância sistémica em situações críticas. Os DPI não devem pôr em causa a acessibilidade e a disponibilidade de vacinas ou tratamentos contra a pandemia: a existência de sistemas eficazes de concessão de licenças obrigatórias proporciona uma rede de segurança para a sociedade em situações de emergência e uma compensação justa para as empresas.

2.   Observações na generalidade

2.1

O CESE acolhe favoravelmente o plano de ação em matéria de propriedade intelectual, da Comissão Europeia, enquanto abordagem importante para modernizar o sistema de propriedade intelectual da UE e reforçar o enorme potencial de inovação das empresas da UE, em especial as micro, pequenas e médias empresas. O CESE considera essencial dispor de um quadro jurídico e político otimizado e acessível, uma vez que a importância económica significativa dos produtos de propriedade intelectual, como as invenções, as criações artísticas e culturais, as marcas, o software, os conhecimentos especializados, os processos empresariais e os dados, continua a aumentar na UE.

2.2

Muitas empresas, em especial PME (que representam 99 % de todas as empresas na UE), não aproveitam (totalmente) as oportunidades de proteção da propriedade intelectual. O reforço da utilização da proteção da propriedade intelectual nas empresas da UE — com especial ênfase nas micro, pequenas e médias empresas — deve ser o aspeto principal do plano de ação em matéria de propriedade intelectual. As medidas necessárias são diversas e abrangem a redução de custos, a simplificação de procedimentos, o aumento da sensibilização e do conhecimento, a prestação de aconselhamento e apoio personalizados e a modernização do sistema educativo no que respeita aos conhecimentos especializados relacionados com os DPI.

2.3

A propriedade intelectual é um fator económico determinante, uma vez que as indústrias que lhe estão associadas representam quase 45 % do PIB e 30 % dos empregos da Europa, sendo também um fator essencial para responder aos desafios mais importantes que a nossa sociedade enfrenta. A crise da COVID-19 demonstrou de forma muito clara a dependência da UE em relação à excelência profissional, conjugada com regras e instrumentos eficazes em matéria de propriedade intelectual para garantir uma implementação rápida da propriedade intelectual pertinente. O êxito do combate às alterações climáticas também dependerá, em grande medida, do rápido desenvolvimento e da adoção de tecnologias de ponta e de instrumentos eficazes que permitam abordagens justas relativamente ao intercâmbio de ativos incorpóreos e dados cruciais.

2.4

A revolução tecnológica é uma força motriz dos DPI, mas também um desafio que exige uma abordagem equilibrada aos instrumentos baseados na inovação. A digitalização e as tecnologias de inteligência artificial levantam muitas questões relativas à propriedade intelectual que é necessário ter em conta, como a transparência, a origem dos dados e os direitos de autor, o grau de intervenção humana, os princípios éticos, etc. O CESE subscreve a opinião da Comissão Europeia de que os sistemas de inteligência artificial não devem ser tratados como autores ou inventores. Em geral, o CESE considera que — com alterações e atualizações equilibradas — o quadro europeu em matéria de propriedade intelectual é capaz de responder aos desafios da digitalização e da inteligência artificial. Uma vez que a UE ainda está significativamente atrás de outras regiões no que diz respeito ao número de patentes de produtos e tecnologias digitais, é necessário dedicar especial atenção às medidas destinadas a melhorar este importante mercado.

3.   Observações na especialidade

3.1   Proteção da propriedade intelectual

3.1.1

O sistema de patente unitária, enquanto balcão único para as empresas, é fundamental para reduzir significativamente os custos das patentes, facilitar a concessão de licenças, melhorar a transparência e ultrapassar os obstáculos ao acesso das PME. O lançamento do sistema de patente unitária e a operacionalização do Tribunal Unificado de Patentes melhorarão consideravelmente a proteção da propriedade intelectual e devem ser uma prioridade do plano de ação. A facilitação dos procedimentos também acelerará o processo em geral, aumentando assim a competitividade dos titulares de patentes europeias. O Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes proporciona uma base importante para um sistema de resolução de litígios em matéria de patentes que seja eficiente, especializado e tecnicamente competente e permita melhorar a segurança jurídica, a simplicidade e a eficiência. Contudo, as dificuldades associadas à implementação demonstram que o objetivo deve ser a transferência do sistema para o ordenamento jurídico da UE. Entretanto, é urgente abordar os atrasos adicionais provocados pelos processos nos Estados-Membros e/ou pela saída do Reino Unido do acordo. O facto de a quota de patentes da UE nas patentes a nível mundial ter descido drasticamente, de 17,4 % em 2009 para 11,3 % em 2019, também demonstra claramente que é necessário tomar mais medidas.

3.1.2

Um certificado complementar de proteção pode prolongar a proteção conferida por uma patente de um medicamento ou produto fitofarmacêutico sujeito a uma autorização de introdução no mercado. Trata-se, por conseguinte, de um instrumento importante para compensar a perda da proteção eficaz da patente, que decorre do período necessário para testes, ensaios clínicos ou de campo e processos regulamentares. O CESE considera que os certificados complementares de proteção são essenciais para promover eficazmente a inovação em novas substâncias ativas e para atrair centros de investigação e desenvolvimento na UE e que, por outro lado, devem existir exceções equilibradas aos direitos dos certificados complementares de proteção para assegurar medicamentos a preços acessíveis e em quantidade suficiente. O sistema de certificados complementares de proteção é simples e estimula a inovação, mas permanece fragmentado, exigindo o preenchimento de um pedido em cada um dos Estados-Membros da UE onde se pretende obter este tipo de proteção. A criação, através de um novo regulamento separado da UE, de um título unitário de certificados complementares de proteção e de uma só autoridade como balcão único para a concessão de patentes unitárias e certificados complementares de proteção tornaria estes últimos mais atrativos para os titulares de patentes, ofereceria melhor proteção aos inovadores e proporcionaria segurança jurídica a terceiros. O CESE também apoia a abordagem que consiste em examinar a aplicabilidade de um sistema otimizado de certificados complementares de proteção a novos setores para os quais os produtos necessitem, em princípio, de uma autorização de introdução no mercado.

3.1.3

Tendo em conta a experiência da revisão da legislação da UE relativa às marcas, o CESE está convicto de que a atualização da legislação da União em matéria de proteção de desenhos e modelos será efetuada com sucesso. A experiência positiva de regulamentação destas matérias através de legislação da UE deve motivar a Comissão a lançar uma proposta para um novo regulamento separado relativo às patentes unitárias e certificados complementares de proteção e, a longo prazo, a incorporar o sistema de patente unitária no ordenamento jurídico da UE.

3.1.4

O CESE observa que as indicações geográficas constituem um recurso único e precioso para os produtores da União Europeia num mercado mundial cada vez mais liberalizado e competitivo. O sistema da UE para a proteção das indicações geográficas reveste-se de grande valor económico no setor agrícola. De um modo geral, o sistema funciona muito bem, mas falta ainda fazer aplicar a proteção das indicações geográficas, através, por exemplo, de um sistema de controlo harmonizado das autoridades e de uma definição comum de fraude alimentar. Os acordos comerciais também devem dedicar especial atenção a estas medidas de proteção específicas. O CESE salienta o potencial da criação de um sistema harmonizado de proteção das indicações geográficas de produtos não agrícolas, que constituem uma parte importante da identidade local. Este sistema ajudaria os produtores locais a apresentarem mais eficazmente os seus produtos de qualidade e teria um impacto positivo adicional nas regiões menos desenvolvidas. Além disso, a simplificação do procedimento de registo beneficiaria os produtores.

3.1.5

O regime comunitário de proteção das variedades vegetais constitui outro exemplo positivo de uma abordagem harmonizada da proteção da propriedade intelectual com base num regulamento da UE. Este regime pode também proporcionar uma base segura aos obtentores de pequena e média dimensão e contém exceções importantes para a agricultura e para os obtentores. No que diz respeito aos seus objetivos declarados, este regime constitui uma base adequada que permite aos obtentores contribuírem de forma eficiente para as metas da transição ecológica.

3.1.6

O CESE salienta que a proteção dos direitos de autor, direitos relativos aos desenhos e modelos e direitos conexos é essencial para as profissões culturais e criativas, que geram uma riqueza económica significativa e contribuem de forma considerável para a identidade, a cultura e os valores europeus — nomeadamente através de obras arquitetónicas e outras obras culturais — mas, frequentemente, não possuem conhecimentos especializados ou recursos financeiros suficientes para proteger a propriedade intelectual e transformar as inovações em produtos. A harmonização entre o quadro em matéria de direitos de autor e a gestão dos dados de direitos de autor é importante e deve ser acompanhada por medidas de apoio suplementares.

3.1.7

Os trabalhadores que exercem uma atividade criativa e, em particular, os que desenvolvem invenções, são potenciais titulares de direitos. É essencial estabelecer um processo de diálogo social a nível europeu, nacional, setorial ou das empresas que, além de estabelecer normas jurídicas, clarifique e defina DPI justos através da negociação coletiva, a fim de proporcionar aos autores e aos produtores incentivos que se traduzam no reconhecimento das suas criações e numa compensação económica justa. Os acordos relativos à cessão de direitos de autor não devem ser encarados como uma obrigação de transferir toda a propriedade intelectual para o empregador sem uma compensação adequada.

3.1.8

A Diretiva Biotecnologia proporciona um quadro importante para a proteção jurídica das invenções biotecnológicas. Esta diretiva aborda temas sensíveis do ponto de vista político e ético e resulta, por conseguinte, de uma ponderação cuidadosa de interesses muito controversos. Contudo, a rápida evolução da biotecnologia também é necessária nos domínios da saúde e do combate a grandes epidemias e à fome no mundo. Por conseguinte, é importante promover amplamente as atividades de investigação e inovação nestes domínios, mas também divulgá-las e licenciá-las de forma eficiente.

3.1.9

Os segredos comerciais são ativos incorpóreos que complementam os direitos de propriedade intelectual. É extremamente importante protegê-los de forma eficaz, uma vez que são amplamente utilizados no processo criativo conducente à inovação e à criação dos direitos de propriedade intelectual. Por conseguinte, o CESE considera que a clarificação da base estabelecida na Diretiva (UE) 2016/943 (1) é um objetivo importante.

3.2   Utilização e implementação da propriedade intelectual, com especial ênfase nas PME

3.2.1

O CESE considera que um maior aproveitamento do potencial da proteção da propriedade intelectual pelas PME deve ser um dos principais objetivos do plano de ação, que tem impacto em todos os diferentes sistemas de proteção da propriedade intelectual. Embora exista um grande potencial de inovação nas micro, pequenas e médias empresas da UE, a grande maioria destas empresas não consegue acrescentar valor aos seus ativos incorpóreos.

3.2.2

O fator «custo» é um dos motivos pelos quais apenas 9 % das PME da União têm direitos de propriedade intelectual registados. Neste momento, os custos de obtenção de uma patente na UE são significativamente superiores aos dos Estados Unidos ou do Japão, por exemplo, e representam um enorme encargo financeiro para as micro, pequenas e médias empresas. Por conseguinte, é necessário reduzir os custos para melhorar o acesso das PME à proteção da propriedade intelectual. A rápida aplicação do sistema de patente unitária, que reduzirá significativamente os custos de registo das patentes, será um ponto de viragem para as micro, pequenas e médias empresas inovadoras, por exemplo as empresas de profissionais liberais da engenharia. O CESE salienta também a importância de todas as diferentes abordagens do apoio às PME através de recursos financeiros e conhecimentos especializados, os vales de propriedade intelectual do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia, a abordagem de apoio às PME para que utilizem a sua propriedade intelectual de modo a beneficiarem de acesso a financiamento e ao programa IPA4SME, que disponibiliza até 15 000 euros para cofinanciar medidas de diagnóstico e proteção da propriedade intelectual, etc. O Comité assinala também o papel importante dos agentes de patentes neste sistema de apoio.

3.2.3

O CESE considera que a enorme falta de conhecimento sobre as estratégias de gestão dos DPI nas empresas da UE, sobretudo, mas não exclusivamente, nas micro, pequenas e médias empresas, constitui um grande problema. Por conseguinte, dada a sua grande importância para enfrentar este desafio, há que alargar a prestação de informação, apoio e aconselhamento, tanto a nível geral como personalizado, e de acesso fácil, às micro, pequenas e médias empresas, com base em diversos programas e iniciativas, como o Helpdesk-DPI Europa, e através de diferentes canais e redes. É necessário aumentar a sensibilização dos empresários para o potencial dos DPI, combinando-a com vários programas de formação amplamente acessíveis. O CESE propõe que se estudem formas de aumentar o número de gestores de DPI qualificados nas empresas da UE.

3.2.4

O CESE pretende também lançar um debate sobre as formas de impulsionar o conhecimento sobre os DPI e respetiva gestão no sistema educativo da UE: os conhecimentos de base e a sensibilização para a gestão dos DPI devem ser incorporados no ensino secundário e superior, e os conhecimentos aprofundados sobre os DPI devem ser integrados nos estudos empresariais e técnicos e em muitos outros programas curriculares. A gestão dos DPI deve também estar disponível como disciplina autónoma no ensino superior. O CESE está convicto de que o reforço dos conhecimentos especializados disponíveis pode aumentar a utilização da proteção da propriedade intelectual.

3.2.5

Tendo em conta a importância evidente de transformar os resultados da investigação em inovação, o CESE saúda quaisquer atividades que promovam a transferência de conhecimentos e uma melhor gestão da propriedade intelectual na comunidade de investigação e inovação. As micro, pequenas e médias empresas são frequentemente pequenos parceiros no consórcio de um projeto e, nesta qualidade, precisam de mais apoio para transformar os DPI em produtos e proteger os seus direitos nos consórcios. Os programas de apoio que prestam assistência e aconselhamento personalizados devem colocar especial ênfase neste aspeto.

3.3   Acesso a ativos protegidos pela propriedade intelectual e partilha desses ativos

3.3.1

A crise sanitária atual tornou evidente a necessidade de aceder à propriedade intelectual de importância sistémica em situações críticas. Os DPI não podem pôr em causa a acessibilidade e a disponibilidade de vacinas ou tratamentos em situações de pandemia. Importa maximizar o impacto da investigação realizada com fundos públicos europeus, assegurando a partilha dos conhecimentos e da propriedade intelectual resultantes dessa investigação. Por outro lado, a existência de sistemas eficazes de concessão de licenças obrigatórias são uma rede de segurança para a sociedade em situações de emergência. Os seus procedimentos devem basear-se numa ponderação cuidadosa dos diferentes interesses em causa e, simultaneamente, ser rápidos e coordenados a nível europeu, a fim de cumprir os requisitos de saúde pública da forma mais eficaz possível. Neste contexto, o CESE salienta também a importância do Regulamento (CE) n.o 816/2006 relativo à concessão obrigatória de patentes respeitantes ao fabrico de produtos farmacêuticos destinados à exportação para países com problemas de saúde pública (2).

3.3.2

O reforço da transparência no que respeita à titularidade e à gestão da propriedade intelectual é essencial para facilitar a concessão de licenças e a partilha de propriedade intelectual. Neste contexto, o CESE gostaria igualmente de salientar a necessidade de uma aplicação rápida do sistema de patente unitária e a importância de melhorar as infraestruturas de direitos de autor no que respeita às informações sobre os titulares dos direitos, aos termos e condições e às oportunidades de concessão de licenças, também no âmbito da tecnologia das cadeias de blocos.

3.3.3

Uma vez que a normalização é um processo que envolve interesses de múltiplas partes interessadas, as patentes essenciais a normas exigem um nível de transparência particularmente elevado e regras justas de concessão de licenças. O CESE apoia, portanto, as abordagens assentes num sistema independente de verificação do caráter essencial por parte de terceiros e em medidas para reduzir as infrações e os elementos de fricção.

3.3.4

O CESE reconhece o potencial económico da promoção da partilha e do fluxo de dados em toda a UE e em todos os setores, mas salienta que a facilitação do fluxo e da utilização generalizada de dados se deve basear numa abordagem equilibrada que garanta a privacidade, a proteção, a segurança, os princípios éticos e os interesses legítimos de proteção da propriedade intelectual. Esta abordagem deve ser assegurada na revisão de 2021 da diretiva relativa às bases de dados (3).

3.4   Infrações aos DPI

3.4.1

A aplicação coerciva eficaz e os recursos judiciais são os principais critérios de um sistema de proteção da propriedade intelectual bem-sucedido, pelo que é necessário reforçar substancialmente estes elementos. O CESE salienta que a instituição do Tribunal Unificado de Patentes dará um enorme impulso à aplicação dos direitos de patente e que importa também reforçar consideravelmente a aplicação dos DPI noutros sistemas de DPI (por exemplo, seguros) mediante medidas práticas e/ou jurídicas. As micro, pequenas e médias empresas, em particular, carecem frequentemente de meios para fazer aplicar os seus DPI.

3.4.2

A digitalização conduziu a novas formas de infrações à propriedade intelectual, como o furto informático de segredos comerciais, a transmissão em linha ilegal, etc. O CESE acolhe favoravelmente regulamentação vinculativa, como o Regulamento Serviços Digitais (4), que assegure um melhor quadro jurídico.

3.4.3

A contrafação e a pirataria provocam enormes perdas de vendas na UE, além de constituírem uma ameaça para a saúde, a segurança e a proteção dos consumidores. O CESE acolhe favoravelmente a cooperação de todas as partes interessadas, a criação de um conjunto de instrumentos da UE e o reforço do papel do Organismo Europeu de Luta Antifraude no combate à contrafação.

3.5   Promover condições de concorrência equitativas a nível mundial

3.5.1

A UE não ocupa uma posição de liderança na concorrência mundial em matéria de DPI. A Ásia aumentou a sua quota no total mundial de pedidos de patentes para 65 % em 2019, ao passo que a quota da UE desceu drasticamente, de 17,4 % (em 2009) para 11,3 %. Por conseguinte, é extremamente importante reforçar a posição da UE.

3.5.2

A proteção e a aplicação coerciva dos DPI constituem um desafio adicional para as empresas da UE que operam em países terceiros. Consequentemente, o CESE incentiva todas as medidas da Comissão destinadas a melhorar esta situação. A negociação de capítulos sobre a propriedade intelectual, com um nível elevado de proteção, nos acordos de comércio livre, e os diálogos sobre a propriedade intelectual com os parceiros comerciais são abordagens importantes a longo prazo. O mesmo se aplica à cooperação em organizações mundiais, como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual e a Organização Mundial do Comércio, e à participação em acordos sobre propriedade intelectual a nível mundial.

3.5.3

O CESE salienta a importância de instrumentos de apoio direto que prestem informações às empresas da UE que operam em países terceiros, como a análise do investimento estrangeiro, a Lista de Vigilância da Contrafação e da Pirataria e o relatório sobre países terceiros. Medidas como os serviços de apoio às micro, pequenas e médias empresas em matéria de propriedade intelectual são particularmente importantes e devem ser aprofundadas.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 157 de 15.6.2016, p. 1.

(2)  JO L 157 de 9.6.2006, p. 1.

(3)  JO L 77 de 27.3.1996, p. 20.

(4)  COM(2020) 825 final.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/64


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital (Regulamento Mercados Digitais)»

[COM(2020) 842 final — 2020/0374 (COD)]

(2021/C 286/12)

Relatora:

Emilie PROUZET

Consulta

Conselho da União Europeia, 10.2.2021

Parlamento Europeu, 8.2.2021

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

179/9/16

1.   Conclusões e recomendações de alto nível

1.1.

Nos últimos dez anos, foram levantadas questões e identificadas necessidades tanto em termos de concorrência como de regras do mercado interno. Estas aumentaram certamente durante a crise da COVID-19. O CESE acolhe favoravelmente a proposta de Regulamento Mercados Digitais, que visa impedir que os controladores de acesso imponham condições desleais às empresas e aos consumidores e garantir a acessibilidade de serviços digitais importantes.

1.2.

As plataformas em linha são um fenómeno persistente que desafia os operadores históricos alterando a forma como consumimos e fornecemos produtos e serviços, mas também como trabalhamos e empregamos pessoas. A este respeito, o CESE congratula-se com a abordagem holística da Comissão Europeia no tratamento de todos os aspetos deste ecossistema. Neste contexto, o Comité estará particularmente atento à fiscalidade, à governação dos dados e às condições de trabalho. Quanto a este último ponto, o CESE acolhe com agrado a consulta da Comissão Europeia sobre a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas e aguarda com expectativa a iniciativa legislativa prevista para o final do ano.

1.3.

A procura de condições de concorrência equitativas para os diferentes participantes nos mercados digitais continua a ser o principal objetivo. A Europa necessita de um ambiente de plataformas em linha equitativo e disputável, a fim de obter um melhor funcionamento do mercado interno. O CESE considera que o Regulamento Mercados Digitais e o Regulamento Serviços Digitais (1) constituirão, em conjunto, a pedra angular de um quadro que deverá ser aperfeiçoado ao longo dos anos e aplicado em consonância com outras políticas fundamentais no domínio digital, como o Regulamento Privacidade Eletrónica, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), o Regulamento P2B e o alinhamento das regras de concorrência com a era digital.

1.4.

Continua a ser fundamental salvaguardar um ambiente empresarial justo e propício à inovação, protegendo simultaneamente os utilizadores finais. A proposta de Regulamento Mercados Digitais é uma resposta à era digital, acelerada e em evolução, que prevê prazos curtos e procedimentos rapidamente atualizáveis, salvaguardando ao mesmo tempo a segurança jurídica e o direito de defesa. No entanto, o CESE considera que o artigo 16.o relativo à investigação de mercado sobre incumprimentos deve ser reforçado tanto em termos de desfasamento temporal (a espera de três atos de incumprimento no prazo de cinco anos causaria danos excessivos) como de sanções.

1.5.

Ao focar serviços específicos independentemente do local onde o prestador de serviços esteja estabelecido ou da lei aplicável à prestação do serviço, a Comissão aborda efetivamente a questão da igualdade de condições de concorrência para os operadores em linha europeus e a nível mundial. O CESE considera que visar o serviço e não o operador é uma boa solução para lidar com as dificuldades enfrentadas ao tentar supervisionar intervenientes no setor digital tão diversos.

1.6.

Ao contrário do Regulamento Serviços Digitais, o Regulamento Mercados Digitais não exige diretamente que os controladores de acesso designados das plataformas nomeiem um representante legal na União Europeia. No entanto, os procedimentos de avaliação e investigação descritos abaixo requerem que haja diálogo e coordenação entre as plataformas de serviços essenciais e a Comissão. O CESE recomenda a inclusão de uma referência aos artigos 10.o e 11.o do Regulamento Serviços Digitais para assegurar que todos os controladores de acesso designam um representante legal na União Europeia.

1.7.

Além disso, uma das principais prioridades do CESE é evitar que a multiplicação de leis nacionais fragmente muito mais o mercado interno. O CESE considera que a ação a nível da UE é da maior importância e apoia plenamente o artigo 1.o, n.os 5 e 7.

1.8.

Ao mesmo tempo, o CESE concorda com o Regulamento Mercados Digitais quanto à necessidade de os Estados-Membros terem a possibilidade de atuar em estreita cooperação com a Comissão (através de uma decisão adotada nos termos do artigo 3.o, n.o 6, nos termos do artigo 33.o ou em paralelo, com base nas regras em matéria de concorrência).

1.9.

A fim de abranger os casos em que a responsabilidade decorre simultaneamente da violação do Regulamento Mercados Digitais e da violação das regras ao abrigo dos artigos 101.o e 102.o do TFUE, entende-se que estes dois conjuntos de regras podem ser aplicados em simultâneo. O Regulamento Mercados Digitais deve, por conseguinte, tornar mais claros os processos de execução e coordenação, no interesse da segurança jurídica e da eficiência (artigo 1.o, n.o 6).

1.10.

O CESE considera necessário um debate detalhado sobre as razões e o impacto da abordagem diferente de prever novas obrigações nos termos do artigo 10.o e de alargar a lista de práticas essenciais nos termos do artigo 17.o. Ao mesmo tempo, o CESE considera que devem ser definidas as circunstâncias excecionais específicas em relação aos seis parâmetros utilizados para designar os controladores de acesso (artigo 3.o, n.o 6).

1.11.

Por conseguinte, o CESE considera que as definições de «serviços essenciais», «utilizadores finais» e «utilizadores profissionais» deveriam ser muito mais específicas.

1.12.

O CESE considera necessário esclarecer que as práticas referidas nos artigos 5.o e 6.o são proibidas. No entanto, o artigo 6.o, relativo às práticas, deve ser aplicado especificamente durante o diálogo regular entre a Comissão e os controladores de acesso.

2.   Observações sobre o âmbito e a designação

2.1.

O CESE considera que o âmbito dos serviços é muito amplo, embora seja de importância fundamental. De facto, só as práticas diretamente relacionadas com estes serviços essenciais de plataforma são abrangidas pelo respetivo âmbito de aplicação e sujeitas a obrigações. O CESE apoia a segurança jurídica proporcionada pela revisão do regulamento com qualquer alteração do âmbito dos serviços.

2.2.

O CESE observa que as preocupações identificadas em relação ao funcionamento do mercado de serviços essenciais não se referem todas aos utilizadores finais (ver os serviços nas alíneas f), g) e h)) e interroga-se se o impacto do processo estipulado no Regulamento Mercados Digitais para os serviços essenciais B2B foi suficientemente avaliado, nomeadamente no que se refere ao ecossistema publicitário (mercado dos anúncios).

2.3.

Sempre que é proposto um serviço essencial, será possível avaliar se algum prestador desse serviço dispõe de atributos que cumulativamente satisfaçam os critérios para ser considerado um controlador de acesso no âmbito desse serviço específico. O CESE concorda com esta abordagem cumulativa.

2.4.   Observações específicas sobre a avaliação quantitativa — Controladores de acesso presumidos

2.4.1.

No que diz respeito ao primeiro limiar, o CESE observa que se refere ao volume de negócios total da empresa que detém a plataforma, incluindo quaisquer linhas de negócio que não sejam modelos de negócio em plataforma ou atividades em linha, e não ao volume de negócios do serviço.

2.4.2.

O CESE apoia o limiar de dados financeiros, em particular a forma como este abrange os valores de capitalização no sentido de refletir a capacidade das plataformas de rentabilizar os seus utilizadores e a sua capacidade financeira (incluindo a capacidade de alavancar o acesso ao mercado financeiro).

2.4.3.

No que diz respeito ao segundo limiar, o CESE reconhece a relevância dos critérios relativos ao número de utilizadores (para o serviço essencial específico da plataforma em apreço).

2.4.4.

Na proposta de regulamento, a definição de utilizador final (artigo 2.o, n.o 16) está próxima da definição de consumidor, sendo, conforme é habitual, colocada em oposição ao utilizador profissional. O artigo 3.o, n.o 2, alínea b), define o conceito de utilizadores finais em termos de duração (meses) e relevância (ativos). O CESE considera que a definição de utilizadores finais deve ser mais precisa (por exemplo, se são utilizadores de passagem, utilizadores de visita no sítio Web ou utilizadores que só recorrem ao sítio Web uma vez por mês). A mesma questão se aplica aos utilizadores profissionais. Por razões de segurança jurídica, o CESE recomenda que o conceito de «utilizadores finais» e «utilizadores profissionais» seja clarificado ou, pelo menos, definido na proposta de regulamento.

2.5.   Observações específicas sobre a avaliação qualitativa — Controladores de acesso avaliados

2.5.1.

Se os limiares não forem todos alcançados cumulativamente, a Comissão pode realizar uma investigação de mercado. Esta pode ser solicitada por um Estado-Membro (artigo 15.o) e basear-se em seis outros parâmetros para determinar se a plataforma cumpre os três critérios determinantes (artigo 3.o, n.o 6).

2.5.2.

A avaliação qualitativa do mercado interno introduzida pela Comissão Europeia reflete muitos parâmetros pertinentes em matéria de direito da concorrência e da economia. Ainda assim, tendo em conta a falta de precedentes (não é necessário definir um mercado pertinente ou demonstrar a existência de uma posição dominante para estabelecer o estatuto de controlador de acesso), o número e a amplitude das características/parâmetros permanecem por esclarecer/testar.

2.5.3.

Se o objetivo consiste em visar situações comparáveis às identificadas na avaliação quantitativa, mas em que os limiares não tenham sido ultrapassados, o CESE considera que o mecanismo de avaliação é muito pouco detalhado. À primeira vista, nada impede uma interpretação mais ampla destes parâmetros com vista à sua aplicação a um maior número de operadores, tendo em conta os múltiplos modelos de negócio em toda a economia que se encontram em processo de evolução e experimentação através da transformação digital e de novos modelos de negócio.

2.5.4.

Tendo em conta que estes seis parâmetros permitem designar controladores de acesso, o CESE considera necessário definir as suas circunstâncias excecionais específicas.

3.   Observações sobre as práticas listadas

3.1.

A fim de compreender as listas de práticas estabelecidas na proposta de Regulamento Mercados Digitais, o CESE considera importante relembrar o trabalho da Comissão: as práticas identificadas nos últimos anos, as já abrangidas pelo novo Regulamento P2B e as que poderiam ser abrangidas pela adaptação do direito da concorrência ao ecossistema digital.

3.2.

O CESE considera que o âmbito das práticas deve ser clarificado, especialmente se a Comissão o puder alargar. Por conseguinte, parece que muitas das práticas referidas no artigo 5.o fazem parte dos serviços essenciais de plataforma, ao passo que o artigo 6.o se refere à utilização de tais serviços essenciais de plataforma para alavancar e influenciar os resultados do mercado.

3.3.

O CESE apela para o desenvolvimento de um sistema de certificação sólido baseado em procedimentos de teste que permitam às empresas atestar a fiabilidade e a segurança dos seus sistemas de inteligência artificial. A transparência, especialmente dos sistemas de classificação, a rastreabilidade e a explicabilidade dos processos de tomada de decisões algorítmicas são um desafio técnico que requer o apoio de instrumentos da UE, como o Programa Horizonte Europa (2).

3.4.   Observações específicas sobre práticas desleais respeitantes aos dados

3.4.1.

O CESE reconhece a necessidade de melhorar ainda mais a aplicação do RGPD ao definir as práticas constantes do artigo 5.o, alínea a). Além disso, o CESE insta a Comissão Europeia a rever periodicamente o RGPD e a regulamentação conexa, em função da evolução tecnológica (3).

3.4.2.

No que diz respeito à portabilidade efetiva dos dados [artigo 6.o, alínea h)], o CESE salienta que, ao abrigo do Regulamento relativo ao livre fluxo de dados, a indústria dos serviços de computação em nuvem está a desenvolver um código de conduta para assegurar a transparência em termos contratuais e técnicos aquando da rescisão de contratos e da portabilidade de dados entre prestadores de serviços de computação em nuvem ou no retorno ao armazenamento nas suas próprias instalações. A eficácia do código na promoção da portabilidade no mercado dos serviços de computação em nuvem será avaliada em breve.

3.5.   Observações específicas sobre o autofavorecimento desleal

3.5.1.

O Regulamento Mercados Digitais estabelece a obrigação de o controlador de acesso se abster de uma classificação mais favorável mesmo em relação a «qualquer terceiro pertencente à mesma empresa». No entanto, esta especificação adicional não é repetida noutras disposições, embora um controlador de acesso possa evitar a restrição em causa fornecendo os dados relevantes a um terceiro. A título de exemplo, podemos referir o artigo 5.o, alínea a) ou o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), que não proíbem a transferência de dados para terceiros (pertencentes ou não à mesma empresa). Ainda que o artigo 11.o ofereça uma certa solução, não a consideramos suficiente.

3.5.2.

Cláusula de paridade — artigo 5.o, alínea b): já não seria permitido aos controladores de acesso impedirem que os utilizadores profissionais proponham os mesmos produtos ou serviços aos consumidores através de outros serviços de intermediação em linha ou motores de pesquisa em condições diferentes das propostas pela própria plataforma. O CESE considera que a expressão «a preços ou em condições diferentes» é ampla, podendo abranger outros critérios que não apenas o preço e que possam carecer de especificação.

3.6.   Observações específicas sobre condições de acesso desleais

3.6.1.

No que respeita à prática referida no artigo 5.o, alínea d), o CESE observa que o Regulamento P2B já contém disposições sobre a garantia de acesso dos utilizadores profissionais à apresentação de queixas e à transparência no âmbito do tratamento de queixas e questiona a relevância desta prática. O CESE questiona por que razão os utilizadores finais não estão abrangidos.

4.   Observações sobre os poderes de investigação, de execução e de acompanhamento

4.1.

Para efeitos do artigo 3.o, n.o 6, deve ser dada maior atenção à participação das autoridades dos Estados-Membros em causa na tomada de decisões. É nossa convicção que as autoridades de um Estado-Membro devem ter o direito de apresentar à Comissão um pedido de emissão de uma decisão nos termos do n.o 6, e que a Comissão deve ter a correspondente obrigação de debater o pedido e, se for caso disso, permitir que o Estado-Membro em causa adote medidas preliminares até à decisão da Comissão. Para efeitos da decisão, a Comissão deverá igualmente solicitar um parecer a todos os Estados-Membros onde o potencial controlador de acesso opera.

4.2.

A proposta de regulamento combina a autoavaliação das plataformas e a avaliação da autoridade competente, nomeadamente a Comissão Europeia. No entanto, esta avaliação é realizada em primeira instância pela plataforma de serviços essenciais, que é obrigada a notificar a Comissão no prazo de três meses caso estes limiares tenham sido atingidos (artigo 3.o, n.o 3). O CESE reconhece e apoia o facto de o processo estipulado no Regulamento Mercados Digitais tornar as plataformas responsáveis. Observa também que a proposta de regulamento respeita os direitos de defesa e de recurso e o ritmo dos negócios digitais.

4.3.

O CESE apoia as medidas do Regulamento Mercados Digitais que permitem à Comissão avaliar e acompanhar o crescimento de plataformas consideradas controladores de acesso, como as concentrações fora dos limiares do Regulamento (CE) n.o 139/2004 (4).

4.4.

Além disso, o CESE apoia a avaliação efetuada pela Comissão sobre se o atual regime da UE permite captar suficientemente as aquisições importantes de objetivos de baixo volume de negócios que possam ter um impacto na concorrência no mercado interno da UE (5). A proposta da comissária Margrethe Vestager no sentido de começar a aceitar consultas das autoridades nacionais da concorrência sobre concentrações de empresas, independentemente de essas autoridades terem ou não competência para apreciar o caso, poderia ser uma opção (6).

4.5.

Juntamente com a Comissão Europeia, cumpre criar também o Comité Consultivo Mercados Digitais previsto para maximizar a eficácia. O CESE considera o artigo 32.o muito vago a este respeito e entende que o comité deve ser incumbido de uma supervisão e de um acompanhamento permanentes. O CESE propõe igualmente que se pondere se o comité pode receber queixas de associações de consumidores e de parceiros sociais.

4.6.

O CESE considera que as organizações que se ocupam dos interesses empresariais, da defesa do consumidor e dos sindicatos devem ser ouvidas e os seus pontos de vista devem ser tidos em conta, tal como em casos de concorrência. O artigo 20.o do Regulamento Mercados Digitais autoriza a Comissão a realizar entrevistas e a registar declarações. O CESE propõe que a sua participação e o seu direito a ser ouvido sejam claramente mencionados neste artigo.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE «Regulamento Serviços Digitais» (ver página … do presente Jornal Oficial).

(2)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 64.

(3)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 64.

(4)  JO L 24 de 29.1.2004, p. 1.

(5)  https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2020)24/en/pdf

(6)  https://ec.europa.eu/commission/commissioners/2019-2024/vestager/announcements/future-eu-merger-control_en


ANEXO

O seguinte texto, que constava do parecer da secção, foi rejeitado em detrimento de uma proposta de alteração aprovada pela Assembleia, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

«2.3.

Sempre que é proposto um serviço essencial, será possível avaliar se algum prestador desse serviço dispõe de atributos que cumulativamente satisfaçam os critérios para ser considerado um controlador de acesso no âmbito desse serviço específico. O CESE considera que esta abordagem cumulativa não abrange de forma eficaz os controladores de acesso, e propõe que seja cumprido apenas um critério — de preferência o número de utilizadores —, a fim de assegurar a coerência com o Regulamento Serviços Digitais. Manifesta igualmente preocupação pelo facto de o procedimento de identificação dos controladores de acesso poder ser moroso e, por conseguinte, recomenda um processo mais rápido.»

Resultado da votação

Votos a favor:

98

Votos contra:

83

Abstenções:

20


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/70


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um mercado único de serviços digitais (Regulamento Serviços Digitais) e que altera a Diretiva 2000/31/CE»

[COM(2020) 825 final — 2020/0361 (COD)]

(2021/C 286/13)

Relator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

Conselho da União Europeia, 11.2.2021

Parlamento Europeu, 8.2.2021

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

235/3/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a proposta relativa a um mercado único dos serviços digitais (Regulamento Serviços Digitais) num momento em que surgiram serviços (digitais) novos e inovadores da sociedade da informação que mudaram a vida quotidiana dos cidadãos da UE, moldando e transformando a forma como comunicam, se relacionam, consomem e exercem as suas atividades económicas. Tais serviços contribuíram em muito para a transformação societal e económica da UE e de todo o mundo, e a crise da COVID-19 comprovou o seu caráter crucial para criar uma sociedade melhor.

1.2.

O CESE apoia os esforços da Comissão para evitar a fragmentação do mercado interno devido à proliferação de regras e regulamentação nacionais que podem comprometer o sistema e impedir que todas as empresas europeias beneficiem de um mercado único sólido. Por conseguinte, o CESE apela para uma declaração clara sobre o caráter exaustivo do Regulamento Serviços Digitais. O CESE tem para si que esta é uma oportunidade de definir normas gerais para os mercados digitais que orientem a Europa nesta nova era, assegurando um elevado nível de segurança e defesa do consumidor em linha.

1.3.

O CESE está ciente de que o debate sobre o Regulamento Serviços Digitais levará algum tempo e que serão necessários compromissos a longo prazo. Não obstante, o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a definir um calendário razoável para a realização do debate e de uma consulta pública integradora e para a aplicação do regulamento e da estratégia. É fundamental que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil participem em tal processo, a fim de alcançar condições equitativas para todos os intervenientes, estabelecidos ou não na União Europeia.

1.4.

O CESE considera igualmente que é necessário dar prioridade a regras e regulamentação novas para responder aos problemas e aos desafios das tecnologias digitais, dada a sua importância. Uma economia nova requer abordagens novas.

1.5.

O CESE congratula-se com o reforço da transparência em relação aos sistemas de recomendação e publicidade. No entanto, tais sistemas de recomendação não devem ser demonizados, devendo antes assegurar que os consumidores recebem apenas a publicidade que querem. A regulamentação deve, assim, destacar a autonomia individual, e o CESE entende que os artigos 29.o e 30.o do regulamento devem, por isso, estabelecer o equilíbrio adequado.

1.6.

O CESE observa que existem muitas lacunas no que diz respeito ao princípio do país de origem e apela para uma apreciação cautelosa de métodos alternativos, como o princípio do país de destino, particularmente em questões fiscais, laborais e de consumo, a não ser que exista uma regulamentação mais sólida ao nível da UE que assegure a concorrência leal e o nível mais elevado possível de defesa dos consumidores. Deve assegurar-se que as disposições do direito do trabalho aplicáveis ao trabalhador da plataforma são idênticas às que vigoram no país onde o serviço é prestado, na medida em que as más condições de trabalho para os trabalhadores se tornaram muito problemáticas para a concorrência leal. O objetivo geral é aplicar e reforçar as regras do mercado interno, assegurando condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes.

1.7.

As obrigações de transparência não devem impedir a evolução tecnológica, em particular no domínio da inteligência artificial (IA) e da informática. Embora a IA de caixa preta apresente riscos, pode também gerar benefícios significativos. O CESE sublinha a necessidade de assegurar que a legislação é aperfeiçoada e não entrava os progressos tecnológicos, tendo em conta o mais elevado nível possível de proteção dos trabalhadores e dos consumidores. Defende o estabelecimento de um quadro adequado que permita às empresas assegurar a equidade, a fiabilidade e a segurança dos respetivos sistemas de IA.

1.8.

A isenção de responsabilidade dos serviços de armazenagem deve deixar de ser aplicável apenas quando se trata de conteúdos claramente ilegais ou considerados ilegais por decisão judicial. O CESE recomenda o estabelecimento de um regime de responsabilidade positivo para os mercados em linha, a aplicar em determinadas circunstâncias.

1.9.

As definições utilizadas devem ser racionalizadas e, na medida do possível, harmonizadas com os textos jurídicos conexos, tais como o Regulamento Mercados Digitais, a Diretiva relativa aos direitos de autor no mercado único digital e o Regulamento relativo às plataformas para empresas (P2B).

1.10.

O Regulamento Serviços Digitais faz parte de uma abordagem regulamentar mais ampla da economia das plataformas, que também deve tratar a tributação, os direitos dos trabalhadores (incluindo a proteção social, a saúde e a segurança, o direito de sindicalização e de negociação coletiva), a repartição da riqueza, a sustentabilidade e a segurança dos produtos. O CESE chama a atenção para a tarefa hercúlea de obter uma coordenação adequada entre todos os instrumentos e iniciativas pertinentes, nomeadamente no domínio dos direitos de propriedade intelectual, das telecomunicações, dos dados e da privacidade, da responsabilidade pelos produtos, da segurança dos produtos, do setor audiovisual e, claro, da Diretiva Comércio Eletrónico. É necessária uma panorâmica adequada da forma de integrar as diferentes perspetivas que afetam o Regulamento Serviços Digitais.

1.11.

O CESE continuará a estar particularmente atento à fiscalidade, à governação de dados, ao estatuto profissional, às condições de trabalho e à defesa do consumidor, na medida em que são elementos importantes no âmbito da concorrência, por vezes desleal, nas economias digitais. O Comité sublinha que tais desafios devem ser enfrentados à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda Digital, da Carta dos Direitos Fundamentais e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

2.   Observações na generalidade

2.1.

As tecnologias digitais podem ser essenciais no nosso quotidiano e podem trazer grandes benefícios para a sociedade e a economia, sendo agora universalmente reconhecido que são indispensáveis para o funcionamento do mercado e para as relações que estabelecemos, com benefícios reais para a comunidade em geral. No entanto, os serviços digitais também criaram grandes desafios para os cidadãos, a sociedade e o mercado. Uma Europa mais justa depende de uma boa regulamentação do setor digital e da garantia de uma distribuição adequada desses benefícios e da proteção adequada de todos os participantes no mercado (cidadãos, consumidores, trabalhadores e empresas, de todas as dimensões).

2.2.

Em resposta a uma série de documentos, à evolução da jurisprudência e a apelos para reformas ambiciosas do quadro jurídico da UE em vigor para o comércio eletrónico, mantendo ao mesmo tempo os princípios fundamentais do seu regime de responsabilidade, a proibição da monitorização geral e a cláusula relativa ao mercado interno, por um lado, e para um mercado digital modernizado, mais equitativo e competitivo, por outro, a Comissão centra-se em dois domínios principais: o Regulamento Serviços Digitais e o Regulamento Mercados Digitais.

2.3.

Com o Regulamento Serviços Digitais, a UE deve assegurar um elevado nível de defesa do consumidor europeu em vários aspetos da economia digital, nomeadamente nas plataformas digitais em linha. A luta contra os conteúdos ilegais e o reforço da transparência na forma como a publicidade visa determinado público contam-se entre os aspetos mais importantes e mais controversos da proposta em apreço.

2.4.

Com o Regulamento Mercados Digitais, a Comissão concentra-se na forma de funcionar do mercado digital europeu, procurando simultaneamente torná-lo mais equilibrado, mais competitivo e mais inovador, prestando mais e melhores serviços aos cidadãos, mediante o estabelecimento de condições equitativas para todos os participantes no mercado.

2.5.

Assim, o CESE acolhe favoravelmente os esforços envidados pela Comissão para regulamentar mais a economia digital e torná-la fiável tanto para a sociedade como para a economia. Cabe proteger os cidadãos, os trabalhadores e os operadores económicos, especialmente as PME e os cidadãos vulneráveis, nas suas relações com as plataformas digitais e garantir as necessidades de segurança em todas as operações, seja em matéria de conteúdos, de transações económicas ou inclusive de direitos de propriedade intelectual.

2.6.

As regras europeias relativas ao ciberespaço estão a tornar-se cada vez mais complexas e fragmentadas. Cabe envidar esforços para aumentar a sua legibilidade e coerência. A existência de regras demasiado complexas pode ser prejudicial, tanto para as empresas como para os cidadãos, asfixiando a inovação, aumentando os custos e dificultando o exercício dos direitos pelos cidadãos. Assim, o CESE congratula-se com a intenção da Comissão de coordenar e racionalizar os aspetos processuais das regras de execução nos Estados-Membros e a escolha de um instrumento jurídico diretamente aplicável.

2.7.

O CESE sublinha que o Regulamento Serviços Digitais deve ser coerente com o potencial quadro jurídico que aborda outras questões relevantes relacionadas com a economia das plataformas, tais como os direitos dos trabalhadores (incluindo a proteção social, a saúde e a segurança, o direito de associação sindical e a negociação coletiva) (1), a fiscalidade, a distribuição da riqueza e a sustentabilidade, sublinhando a necessidade de enfrentar estes desafios a nível europeu e à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda Digital, da Carta dos Direitos Fundamentais e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Entre as iniciativas futuras da Comissão, o Comité Económico e Social Europeu estará particularmente atento à fiscalidade, à governação de dados, ao estatuto profissional, às condições de trabalho e à defesa do consumidor, na medida em que são elementos importantes no âmbito da concorrência, por vezes desleal, nas economias digitais.

2.8.

A regulamentação do ciberespaço deve estar tão preparada para o futuro e ser tão neutra em termos tecnológicos quanto possível, proporcionando clareza e oportunidades de mercado para todos e colocando a tónica na defesa do consumidor e na segurança.

2.9.

É importante que, no domínio da tributação digital, a Comissão tome a iniciativa no quadro dos debates internacionais, estabelecendo princípios de equidade e transparência, de distribuição da riqueza e de sustentabilidade, e sublinha a necessidade de lidar com tais questões ao nível europeu e em harmonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a Estratégia Digital, a Carta dos Direitos Fundamentais e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.   Observações na especialidade

3.1.

A necessidade de regulamentação melhor e mais eficiente, a fim de evitar, por exemplo, a concorrência desleal, é um dos temas principais desta economia nova. A Comissão entende claramente (e o CESE concorda) que são necessários novos meios e abordagens para regulamentar um mercado que não pode utilizar os mesmos instrumentos e realizar as «atividades normais». É um facto que o quadro regulamentar «normal» da concorrência não é suficiente para fazer face, de forma eficiente, aos desafios e às dificuldades criados pela existência de grandes empresas tecnológicas.

3.2.

O CESE preconiza regras mais claras, tais como as que a Comissão está disposta a explorar com base num quadro regulamentar simplificado e acelerado para o mercado interno no mundo digital. A UE deve atualizar os seus instrumentos regulamentares, a fim de abordar com eficácia os mercados digitais, para além das questões relativas às plataformas de «guardiões digitais». A nova economia requer ações diferentes e, por isso, o CESE também acolhe favoravelmente a iniciativa do Regulamento Mercados Digitais (2).

3.3.

A soberania digital europeia deve ser tida em conta em todos os exercícios regulamentares, a fim de proteger não só as empresas, mas também os trabalhadores, os consumidores e os cidadãos. Com a crise da COVID-19, a venda de produtos não seguros, as avaliações falsas, as práticas comerciais desleais e outras violações do direito dos consumidores, a pirataria e a contrafação em plataformas digitais aumentaram para níveis inaceitáveis. Tal ilustra a utilidade da iniciativa do Regulamento Serviços Digitais e a necessidade urgente de ação.

3.4.

É também patente que os mecanismos de execução para combater a fraude e as atividades ilegais associadas às plataformas digitais representam um desafio, cabendo assegurar que as empresas que lucram mais com a economia digital também têm mais responsabilidades. O CESE considera que o Regulamento Serviços Digitais é fundamental para restaurar a confiança no mercado e levar os Estados-Membros a definir um mecanismo de execução rápido e eficiente adequado a todos os Estados-Membros, tendo em conta as diferenças existentes entre eles. O CESE congratula-se por os défices de execução no domínio da publicidade ilegal em linha virem, muito provavelmente, a ser reduzidos graças ao Regulamento Serviços Digitais.

3.5.

Independentemente da abordagem adotada em matéria de sistemas e mecanismos de execução, é necessário que a Comissão e os Estados-Membros atribuam fundos suficientes para investir em recursos humanos, sistemas de formação, software e hardware que reforcem a confiança no mercado e dos cidadãos. Por conseguinte, é prioritário definir os custos necessários para aplicar o Regulamento Serviços Digitais, bem como os custos previstos para a sociedade se não forem tomadas medidas, e garantir as condições adequadas para assegurar a participação de todos os Estados-Membros.

3.6.

Quanto ao âmbito de aplicação do Regulamento Serviços Digitais, a dimensão faz diferença: as empresas neste domínio não devem ser todas tratadas da mesma forma, a fim de evitar a concorrência desleal com base no poder financeiro e na dimensão. No entanto, o critério proposto, ou seja, o número de trabalhadores, pode revelar-se inadequado e fácil de contornar. Este aspeto é essencial, pois uma parte significativa das obrigações das plataformas estabelecidas na proposta de regulamento não se aplica a microempresas nem a pequenas empresas, nomeadamente o tratamento de reclamações, o comportamento abusivo, a denúncia de infrações penais, a publicidade transparente, as auditorias independentes e os sinalizadores de confiança.

3.7.

No entanto, o CESE salienta que é importante proteger as PME, as microempresas e as empresas da economia social, visto que podem não conseguir suportar os custos de conformidade e de investimento, cabendo assegurar que não serão prejudicadas pela aplicação de um regulamento que lhes deveria proporcionar condições de concorrência equitativas. Por conseguinte, o CESE solicita a determinação de critérios alternativos para definir micro e pequenas empresas (artigo 16.o), tais como o volume de negócios anual ou a sua estrutura de propriedade ou organizativa.

3.8.

O CESE congratula-se com o período de adaptação para as empresas abrangidas pela categoria de plataformas em linha de muito grande dimensão (artigo 25.o, n.o 4). Amiúde, tais empresas crescem muito rapidamente e devem ter uma oportunidade justa para se adaptarem aos requisitos e obrigações mais rigorosos estabelecidos na proposta.

3.9.

Embora a proposta indique claramente que o regulamento deve ser entendido como lex generalis, parece haver muitas definições estreitamente relacionadas entre si em instrumentos diferentes, que se podem tornar demasiado complexas do ponto de vista do cumprimento, impondo custos suplementares às empresas e aos consumidores. Por exemplo, o conceito de «plataforma em linha» é definido na proposta; o conceito de «plataforma» não é definido, mas é utilizado no Regulamento P2B [Regulamento (UE) 2019/1150 (3)]; a Diretiva Mercado Único Digital [(UE) 2019/790 (4)] utiliza o conceito de «prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha»; e a proposta de regulamento relativo aos mercados digitais refere os «guardiões digitais» e os «serviços essenciais de plataforma».

3.10.

Com o crescimento dos serviços digitais, os modelos de negócios evoluíram e tornaram-se mais complexos, estando as distinções entre os diferentes intervenientes a esbater-se. Tendo em conta a rápida evolução do setor, que constitui um desafio para as entidades reguladoras, são necessárias definições mais claras. O CESE recomenda que se defina mais claramente «plataforma», «utilizador» ou «destinatário» (a proposta utiliza os dois termos, mas o termo «destinatário» é muito mais frequente), «consumidor» e «trabalhador da economia digital».

3.11.

Segundo a proposta em apreço, as regras relativas à rastreabilidade dos comerciantes aplicam-se apenas «[s]empre que uma plataforma em linha permita aos consumidores celebrar contratos à distância com comerciantes» (artigo 22.o). Uma alternativa seria definir tais prestadores/plataformas que permitem aos consumidores celebrar contratos à distância com comerciantes enquanto «mercados» e esclarecer quais as regras aplicáveis a tal categoria de intermediário.

3.12.

A elaboração de códigos de conduta, nos termos dos artigos 35.o e 36.o, deve ser realizada de forma aberta e participativa, com a participação das organizações que representam os utilizadores e os beneficiários, das organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais e das autoridades competentes.

3.13.

O CESE observa que existem muitas lacunas no que diz respeito ao princípio do país de origem e apela para uma apreciação cautelosa de métodos alternativos, como o princípio do país de destino, particularmente em questões fiscais, laborais e de consumo, a não ser que exista uma regulamentação mais sólida ao nível da UE que assegure a concorrência leal e o nível mais elevado possível de defesa dos consumidores. Deve assegurar-se que as disposições do direito do trabalho aplicáveis ao trabalhador da plataforma são idênticas às que vigoram no país onde o serviço é prestado, na medida em que as más condições de trabalho para os trabalhadores se tornaram muito problemáticas para a concorrência leal. O objetivo geral é aplicar e reforçar as regras do mercado interno, assegurando condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes.

3.14.

Além disso, o sistema estabelecido nos artigos 8.o e 9.o da proposta não deve ser considerado uma alternativa ao reconhecimento e à execução de decisões judiciais. Cabe igualmente esclarecer que as regras relativas à recusa do reconhecimento e à recusa de execução continuam a ser válidas e de aplicação.

3.15.

O CESE congratula-se com a clarificação de que as investigações voluntárias por iniciativa própria não afetam a aplicabilidade das salvaguardas (artigo 6.o) e com a manutenção do princípio de inexistência de obrigações gerais de vigilância (artigo 7.o). No entanto, tais regras não devem afetar a obrigação, estabelecida no artigo 22.o, de os mercados em linha efetuarem controlos periódicos aos comerciantes e aos produtos e serviços fornecidos.

3.16.

A primeira frase do artigo 12.o, n.o 1, deve ser clarificada, designadamente para especificar se a disposição abrange informações como os dados técnicos fornecidos a um fornecedor de software num acordo de software como serviço (SaaS).

3.17.

O CESE congratula-se com a regulamentação detalhada do procedimento de notificação e do sistema interno de tratamento de reclamações e com as salvaguardas constantes da proposta. No entanto, o CESE entende que só se deve excluir a salvaguarda (artigo 5.o) quando o conteúdo é claramente ilegal nos termos da legislação nacional do país de origem ou de legislação europeia diretamente aplicável ou foi considerado ilegal por decisão judicial. Caso contrário, os intermediários terão um incentivo para remover conteúdos automaticamente. A avaliação da legalidade de determinados tipos de conteúdos pode ser muito complexa, e os intermediários não devem ser responsabilizados se não tiverem removido esse conteúdo. Tal está em conformidade com a obrigação de suspensão estabelecida no artigo 20.o, que se refere a conteúdos manifestamente ilegais.

3.18.

A criação de serviços digitais assenta, essencialmente, na capacidade de gerir e aceder a dados. Neste contexto, é importante recordar o Regulamento Governação de Dados [COM(2020) 767 final], que refere a possibilidade de criar cooperativas de gestão e intercâmbio de dados, um instrumento que favorecerá as pequenas empresas, as empresas e os empresários em nome individual que não possam ter acesso ou tratar grandes quantidades de dados individualmente. Tais estruturas podem proporcionar uma governação participativa partilhada para gerir os serviços de intermediação, intercâmbio ou partilha de dados entre as empresas e entre estas e os empresários, que poderiam fornecer dados, mas também beneficiar dos mesmos e utilizá-los.

4.   Estratégia de execução — concretização

4.1.

A proposta afirma que o relatório da avaliação de impacto clarificou as interligações entre o Regulamento Serviços Digitais e o quadro regulamentar mais amplo, fornecendo descrições mais pormenorizadas das opções estratégicas e uma análise mais pormenorizada dos elementos de prova subjacentes abordados no relatório da avaliação de impacto revisto. Tal é essencial, mas não significa que a sociedade não continuará a mostrar-se inquieta face a todas as variáveis envolvidas e que não continue a agir com cautela. A importância dos serviços digitais para a nossa economia e sociedade, mas também os riscos crescentes que deles decorrem, continuarão a aumentar.

4.2.

No que respeita ao valor acrescentado da aplicação das medidas, a iniciativa permite obter importantes ganhos de eficiência a nível da cooperação entre Estados-Membros e da conjugação de alguns recursos afetados à assistência técnica a nível da UE para a inspeção e a auditoria de sistemas de moderação de conteúdos, sistemas de recomendação e publicidade em linha em plataformas em linha de muito grande dimensão. Por sua vez, tal resulta em medidas de execução e supervisão mais eficazes, tendo em conta que o sistema atual depende, em grande medida, das capacidades de supervisão limitadas num pequeno número de Estados-Membros. No entanto, a proposta deve ser melhorada para garantir que a aplicação da legislação e os recursos dos consumidores decorrem de forma eficaz e célere. O Regulamento Serviços Digitais tem de incluir medidas corretivas, incluindo indemnização por danos, para os consumidores, quando as empresas não cumprem as obrigações que lhes incumbem por força do Regulamento Serviços Digitais.

4.3.

A Comissão afirma, na proposta, que estabelecerá um quadro abrangente para o acompanhamento contínuo das realizações, dos resultados e do impacto do referido instrumento legislativo a partir da data da sua aplicação. Com base no programa de acompanhamento estabelecido, está prevista uma avaliação do instrumento no prazo de cinco anos a contar da sua entrada em vigor. O CESE considera que este não é um prazo razoável, que inspire confiança ao mercado e aos cidadãos, nem assegura coerência com a revisão da Diretiva Comércio Eletrónico. A Comissão deve prever uma avaliação periódica de dois em dois anos.

4.4.

As regras devem ser comunicadas de forma eficaz e não prejudicar a imagem da UE. A proteção dos cidadãos da UE e a defesa dos consumidores devem ser um dos principais pontos da futura comunicação e da respetiva aplicação. A UE é, e tem de continuar a ser, um espaço de acolhimento para empresas, trabalhadores e cidadãos, incluindo de países terceiros. O regulamento não deve ser encarado como um encargo ou obstáculo, mas sim como uma abordagem equilibrada para a regulamentação da Internet no século XXI, estabelecendo as normas para uma economia digital melhor e mais equitativa, um espaço em linha mais seguro e uma salvaguarda para democracias dinâmicas.

5.   Direitos fundamentais

5.1.

Os direitos dos trabalhadores, que asseguram um nível elevado de defesa dos consumidores, privacidade e proteção dos dados pessoais, e as liberdades fundamentais, como a liberdade de empresa e de prestação de serviços e a liberdade de expressão, de pensamento e de opinião, devem ser devidamente salvaguardados, nos termos da legislação e em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais. A proposta deve visar alcançar um equilíbrio justo nesse contexto.

5.2.

Um aspeto importante da proposta é a equidade processual. No entanto, tal, por si só, pode não ser suficiente para assegurar equidade efetiva e eficaz, se os incentivos não forem devidamente alinhados. Um conceito amplo de conteúdo ilegal ou, como proposto por alguns, de conteúdo nocivo pode constituir uma restrição à liberdade de expressão e de opinião.

5.3.

A dignidade humana é salvaguardada por regras sólidas e claras que protegem os cidadãos e os consumidores. Tais aspetos desempenham um papel importante na proposta e devem ser preservados.

5.4.

O quadro proposto pelo Regulamento Serviços Digitais fornece às autoridades os instrumentos adequados para evitar, acompanhar e reagir a manipulações, riscos de discriminação e outros abusos. O CESE considera que a UE e os seus Estados-Membros devem investir recursos consideráveis e assegurar que estes são utilizados em prol da sociedade em geral.

5.5.

A fim de atenuar os riscos de discriminação, o CESE insta a UE e os seus Estados-Membros a investirem recursos suficientes no controlo e na supervisão dos algoritmos utilizados pelas plataformas. O CESE congratula-se com o maior acesso aos dados e aos algoritmos e recomenda que tal acesso seja garantido às autoridades a todos os níveis, bem como a investigadores independentes habilitados, incluindo da sociedade civil independente, que trabalham em domínios do interesse público.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Consulta da Comissão Europeia sobre a melhoria das condições de trabalho no âmbito do trabalho em plataformas em linha

(2)  Parecer do CESE «Regulamento Mercados Digitais» (ver página 64 do presente Jornal Oficial).

(3)  JO L 186 de 11.7.2019, p. 57.

(4)  JO L 130 de 17.5.2019, p. 92.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/76


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho “Estratégia de cibersegurança da UE para a década digital”»

[JOIN(2020) 18 final]

(2021/C 286/14)

Relator:

Philip VON BROCKDORFF

Consulta

Comissão Europeia, 21.4.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

238/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a estratégia proposta é um passo positivo no sentido da proteção dos governos, cidadãos e empresas em toda a UE contra ciberameaças mundiais e como salvaguarda do crescimento económico.

1.2.

O CESE entende que as entidades estatais devem ter acesso a recursos adicionais de financiamento, a fim de permitir a realização de investimentos em infraestruturas de cibersegurança, de modo a responder eficazmente a situações de crise como uma pandemia.

1.3.

O CESE acolhe favoravelmente as propostas para a criação de uma rede de centros de operações de segurança em toda a UE e a colaboração da Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA) com todas as partes interessadas, a fim de limitar os riscos da tecnologia 5G.

1.4.

O CESE congratula-se também com a proposta que visa reforçar o papel da Europol enquanto centro especializado em matéria de cibercriminalidade. Considera-se igualmente importante a cooperação com a comunidade multilateral, bem como a nível internacional.

1.5.

O CESE alerta para o défice de competências no domínio da cibersegurança e recomenda a utilização de um instrumento de percursos profissionais neste domínio a nível da UE, que ajude as pessoas a identificar, construir e realizar um percurso profissional relevante.

1.6.

O CESE destaca a questão da desinformação. A propagação de desinformação pode ter consequências graves e a sua prevenção deve fazer parte de qualquer estratégia de cibersegurança.

1.7.

O CESE recomenda que qualquer investimento estrangeiro em setores estratégicos na União esteja em conformidade com a política de segurança da UE.

1.8.

O CESE adverte para o surgimento dos computadores quânticos e os riscos que estes representam. Por conseguinte, é necessária uma transição para a criptografia resistente à computação quântica ou pós-quântica.

1.9.

O CESE recomenda que a estratégia de cibersegurança da Comissão seja atualizada regularmente, pelo menos de dois em dois anos, de modo a responder eficazmente às tecnologias e aos riscos no futuro.

1.10.

Por último, o CESE salienta a importância do diálogo social na conceção de políticas de cibersegurança que protejam eficazmente as pessoas no âmbito do teletrabalho e de outras atividades mais gerais realizadas em linha.

2.   A comunicação da Comissão Europeia

2.1.

A comunicação em apreço tem como objetivo salientar o compromisso da União Europeia (UE) com a proteção de um ambiente em linha que proporcione a maior liberdade e segurança possível, em benefício dos seus cidadãos.

2.2.

A comunicação descreve a visão da UE neste domínio, definindo funções e responsabilidades, e propõe atividades específicas a nível da União para assegurar uma proteção robusta e eficaz salvaguardando, simultaneamente, os direitos dos cidadãos, tendo em vista um ambiente em linha seguro e protegido.

2.3.

As ações propostas têm os seguintes objetivos:

alcançar a ciber-resiliência aumentando as capacidades, a preparação, a cooperação, o intercâmbio de informações e o conhecimento no domínio da segurança das redes e da informação, nos setores público e privado, bem como a nível nacional e da UE;

normalizar as sequências de processos nas ações de ciberdefesa em toda a União, criando uma base de dados que contribua com informações pertinentes sobre ciberameaças para apoiar o setor ou a economia afetados;

reduzir drasticamente a cibercriminalidade reforçando os conhecimentos especializados dos responsáveis pela sua investigação e repressão, adotando uma abordagem mais coordenada entre os serviços policiais de toda a União e reforçando a cooperação com outros intervenientes;

instituir uma educação e certificação a nível da UE para os profissionais que cumprem os requisitos de peritos qualificados em matéria de cibercriminalidade, evoluindo para um nível de competências coerente a nível da União;

elaborar uma política da UE em matéria de ciberdefesa e desenvolver capacidades no quadro da política comum de segurança e defesa;

promover os recursos industriais e tecnológicos necessários para tirar proveito do mercado único digital, o que não só contribuirá para estimular o aparecimento de uma indústria e um mercado europeus de tecnologias da informação e comunicação (TIC) seguras e para o crescimento e a competitividade da economia da UE, mas também aumentará as despesas públicas e privadas em investigação e desenvolvimento no domínio da cibersegurança;

reforçar a política internacional da UE em matéria de ciberespaço, a fim de promover os valores fundamentais da União, definir normas de comportamento responsável, defender a aplicação do direito internacional vigente no ciberespaço e ajudar os países não pertencentes à UE a criar capacidades no domínio da cibersegurança; e

criar e aplicar um selo de qualidade em segurança da UE para produtos, serviços e tecnologias que cumprem as normas e os requisitos de soluções resistentes à cibercriminalidade.

2.4.

A estratégia proposta abrange a segurança de serviços essenciais, como hospitais, redes elétricas e caminhos de ferro, e de um número crescente de equipamentos conectados nas nossas casas, escritórios e fábricas, criando capacidades coletivas para responder a ciberataques graves e trabalhando com parceiros de todo o mundo para garantir a segurança e a estabilidade no ciberespaço a nível internacional.

2.5.

Tendo em conta que as ameaças à cibersegurança são quase sempre transfronteiras e que um ciberataque num país pode afetar um grupo de Estados-Membros ou a UE no seu conjunto, a Comissão propõe também a criação de uma ciberunidade conjunta para responder da forma mais eficaz às ciberameaças utilizando os recursos e os conhecimentos especializados coletivos que a UE e os Estados-Membros têm ao seu dispor.

2.6.

A estratégia, num montante de 2 mil milhões de euros, será financiada ao abrigo do Programa Europa Digital e do Horizonte Europa da UE e incluirá também investimentos dos Estados-Membros e do setor privado.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Neste momento, a cibersegurança é universalmente aceite como parte integrante do funcionamento das instituições e agências da UE, assim como de cada Estado-Membro e da respetiva economia. A cibersegurança é fundamental para apoiar a implantação das infraestruturas energéticas e da rede inteligente (1) da União, bem como a digitalização e a ecologização das economias da UE. É igualmente importante que a cibersegurança garanta a proteção e a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. A proteção dos direitos e das liberdades é particularmente importante, uma vez que os ciberataques podem afetar negativamente cidadãos e agregados familiares (bem como empresas, organizações e serviços públicos). O recente ataque informático a um centro hospitalar em Tournai, na Bélgica, que resultou no adiamento de cirurgias, é um exemplo de uma ameaça não apenas contra bens físicos, mas também contra a vida humana (2).

3.2.

Segundo a DIGITALEUROPE (3), as ciberameaças constituem um grande obstáculo à via da Europa para a prosperidade. Estima-se que, a nível mundial, as perdas económicas provocadas pela cibercriminalidade tenham atingido 2,5 biliões de euros até ao final de 2020, e é provável que 74 % das empresas de todo o mundo sejam alvo de pirataria informática em 2021. No entanto, apenas 32 % das empresas europeias têm políticas de cibersegurança. É evidente e incontornável que as ciberameaças exigem uma resposta coordenada da UE e uma estratégia para a cibersegurança capazes de responder aos desafios atuais e, simultaneamente, defender as organizações e os cidadãos contra a próxima geração de ciberameaças. Tal aplica-se em particular aos serviços públicos que gerem enormes quantidades de dados pessoais e dados sensíveis e que têm de ser protegidos. Além disso, é necessário utilizar a ciber-resiliência e a resiliência digital para reforçar a trajetória rumo à soberania europeia sobre os dados e à manutenção da confidencialidade dos dados na União e, dessa forma, aumentar a prosperidade na UE.

3.3.

Os ciberataques podem provocar enormes perdas económicas, incluindo as seguintes:

perda de propriedade intelectual e de informações comerciais confidenciais;

fraude e crimes financeiros em linha, muitas vezes na sequência do furto de elementos de identificação;

manipulação financeira, com recurso a informações comerciais sensíveis extraviadas sobre potenciais fusões ou conhecimento antecipado dos relatórios de desempenho de empresas cotadas em bolsa;

custos de oportunidade, incluindo perturbação da produção ou de serviços, e diminuição da confiança nas atividades em linha;

custos de proteção das redes, como a subscrição de ciberseguros (4), e pagamentos associados à recuperação após ciberataques; e

danos à reputação e riscos de responsabilidade civil para as empresas visadas por pirataria informática e para a respetiva marca, nomeadamente perdas temporárias no valor em bolsa.

3.4.

Importa salientar que, segundo o mais recente relatório sobre o impacto económico da cibersegurança elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, a Europa é a região onde a cibercriminalidade tem maior impacto económico, estimado em 0,84 % do produto interno bruto da UE, contra 0,78 % na América do Norte.

3.5.

Neste contexto, a estratégia proposta, apresentada no seguimento de um período de amplas consultas com partes interessadas, não poderia ter surgido em melhor altura, uma vez que, segundo as previsões de alguns peritos, o número de dispositivos conectados aumentará para 25 mil milhões, a nível mundial, até 2025. Prevê-se que um quarto destes dispositivos se encontre na Europa.

3.6.

O anúncio da estratégia coincidiu com um ciberataque que terá comprometido computadores de vários organismos do Governo federal dos Estados Unidos e que se destinava a uma empresa norte-americana que desenvolve software para ajudar as empresas a gerirem as suas redes e sistemas informáticos. Centenas de empresas norte-americanas ficaram também vulneráveis a este ataque, perpetrado por piratas informáticos que introduziram programas maliciosos numa atualização de software descarregada por milhares de clientes da empresa norte-americana afetada. Este incidente demonstra o grau de vulnerabilidade das administrações públicas, das empresas de todos os setores e de toda a sociedade em relação aos ciberataques.

3.7.

Não surpreende, por isso, que a estratégia englobe alguns setores fundamentais, que incluem os prestadores de serviços de dados e de computação em nuvem, as telecomunicações, os sistemas informáticos públicos e a indústria transformadora. As ameaças à cibersegurança podem surgir noutros domínios importantes, como, por exemplo, as aplicações de rastreio de contactos, nomeadamente as que são utilizadas na resposta à COVID-19. A proteção das aplicações de rastreio de contactos contribui, naturalmente, para aumentar a confiança do público na proteção dos dados privados no âmbito das medidas consideradas essenciais para fazer face à pandemia de COVID-19.

3.8.

A pandemia de COVID-19 acelerou uma mudança nas modalidades de trabalho, já que até 40 % dos trabalhadores da UE passaram a trabalhar à distância em 2020 (5). Contudo, estima-se que na UE, em 2020, 40 % dos utilizadores tenham enfrentado problemas relacionados com a segurança e 12 % das empresas tenham sido afetadas por ciberataques.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a estratégia proposta constitui um passo positivo no sentido de proteger os governos, os cidadãos e as empresas de toda a UE contra as ciberameaças mundiais e de criar uma liderança no ciberespaço, assegurando também que todos possam colher os benefícios da Internet e da utilização das tecnologias.

4.2.

O CESE considera que a cibersegurança é essencial para proteger a atividade económica e reforçar o crescimento económico, bem como para assegurar a confiança dos utilizadores nas atividades em linha. O Comité concorda que são necessárias medidas arrojadas para garantir aos europeus a possibilidade de beneficiar da inovação, da conectividade e da automatização de forma segura.

4.3.

O CESE reconhece que os setores económicos da UE são, cada vez mais, digitalmente dependentes e interdependentes. Verificou-se também um enorme aumento da utilização de dispositivos da Internet das coisas pelos consumidores e pelas empresas, bem como por instalações industriais, nomeadamente na indústria transformadora, enquanto a tecnologia financeira e a tecnologia regulatória se generalizaram. A implantação da tecnologia 5G ganhou ímpeto e, mais recentemente, a crise da COVID-19 acelerou a transformação digital de muitas empresas e governos, obrigando-os, quase de um dia para o outro, a exercer atividades à distância, tirando grande partido dos serviços em nuvem. Esta evolução exige uma resposta eficaz, célere e inclusiva em matéria de cibersegurança.

4.4.

Estas alterações aumentaram o nível de risco crítico para os governos e a indústria. Por conseguinte, o CESE apoia a nova estratégia de cibersegurança e o seu conjunto de propostas para melhorar a ciber-resiliência dentro e fora da UE. Embora as entidades públicas sejam elegíveis para financiamento da UE ao abrigo dos vários programas pertinentes que apoiam investimentos neste domínio, tais como o Horizonte 2020/Horizonte Europa, o CESE entende que poderão ser necessárias oportunidades de financiamento adicionais para as entidades públicas ou semipúblicas, a fim de permitir investimentos em infraestruturas de cibersegurança adequadas, de modo a assegurar a segurança do abastecimento para os cidadãos, especialmente em situações de crise como durante uma pandemia.

4.5.

A proposta da Comissão Europeia relativa à criação de uma rede de centros de operações de segurança em toda a UE, que aproveitaria a inteligência artificial e a aprendizagem automática para melhorar a deteção de ameaças e incidentes, a análise e os tempos de resposta, é importante e oportuna. O CESE reconhece que é cada vez mais difícil impedir manualmente a concretização de ciberataques, devido ao número avassalador de alertas diários tratados pelas equipas de segurança, bem como à escassez geral de trabalhadores especializados neste domínio. Por estes motivos, é inevitável automatizar os centros de operações de segurança.

4.6.

O CESE acolhe favoravelmente os objetivos e as ações em matéria de segurança das redes 5G, que serão fundamentais para ajudar a atenuar os novos riscos resultantes do aumento da superfície de ataque criado pelas infraestruturas das redes 5G. O CESE apoia, em particular, o apelo à Agência da União Europeia para a Cibersegurança e aos Estados-Membros para que colaborem com todas as partes interessadas no sentido de compreender melhor as novas tecnologias e capacidades de segurança das redes 5G, bem como as respetivas ameaças. A estratégia reconhece claramente que a utilização, nas redes 5G, de novas tecnologias como a virtualização de redes, a divisão das redes e a computação periférica é especialmente propícia a vulnerabilidades específicas que exigem medidas de segurança adicionais.

4.7.

O CESE também acolhe favoravelmente a proposta que visa reforçar o papel da Europol enquanto centro especializado em matéria de cibercriminalidade para apoiar as autoridades policiais nacionais, bem como a proposta no sentido de aumentar o financiamento e reforçar o mandato da Equipa de Resposta a Emergências Informáticas para as instituições e agências da UE (CERT-UE). Estas duas entidades são fundamentais no apoio aos esforços no domínio da cibersegurança em toda a UE. Estes esforços ajudarão seguramente a melhorar a cibersegurança das instituições e agências da UE e não só.

4.8.

O CESE congratula-se com a ênfase que a estratégia coloca na cooperação internacional da UE, nomeadamente através da ciberdiplomacia nas relações internacionais, do reforço dos diálogos bilaterais sobre cibersegurança e do reforço das cibercapacidades em países terceiros. Uma vez que as ameaças à cibersegurança são mundiais e não apenas regionais, as políticas eficazes de combate a este fenómeno também devem ter uma dimensão mundial.

4.9.

O CESE constata também que a estratégia salienta a importância do diálogo e da cooperação com a comunidade multilateral, nomeadamente através de intercâmbios regulares com os setores público e privado, os parceiros sociais e o meio académico. Esta abordagem é positiva e será essencial para aprofundar as propostas contidas na estratégia e fazer face a mudanças importantes, como os desafios que o teletrabalho coloca à segurança. Todas as partes interessadas pertinentes devem contribuir de forma contínua, à medida que aumenta o nível de sofisticação das tecnologias utilizadas na cibercriminalidade.

4.10.

O CESE congratula-se com a importância atribuída ao desenvolvimento de competências pertinentes que assegurem uma proteção contra as ciberameaças em geral. No entanto, o défice de competências crescente continua a ser um enorme problema para a maioria das empresas europeias, em especial as pequenas e médias empresas, na luta contra as ameaças à cibersegurança. O CESE considera que, para colmatar este défice de competências, será necessário um instrumento de percursos profissionais no domínio da cibersegurança a nível da UE, que ajude as pessoas a identificar, construir e realizar um possível percurso profissional na cibersegurança aumentando a compreensão dos conhecimentos, competências e aptidões necessários para o início, transição ou progressão profissionais no domínio da cibersegurança. Tal instrumento deve incluir também programas específicos que abordem a acessibilidade e a diversidade no espaço da cibersegurança. Os estabelecimentos de ensino e formação profissionais terão um papel fundamental de apoio a um instrumento de percursos profissionais no domínio da cibersegurança a nível da UE. Além disso, a UE deve procurar cada vez mais promover iniciativas de investigação conjunta (dentro e fora da UE) para formar profissionais competentes e qualificados em cibersegurança de uma forma inclusiva, tendo em conta o papel crescente da tecnologia na criação de locais de trabalho e sociedades mais integradores. Por último, importa ponderar seriamente a concessão de incentivos aos estudantes para que prossigam estudos superiores no domínio da cibersegurança, disponibilizando bolsas de estudos para cursos de licenciatura, mestrado e pós-graduação centrados na cibersegurança, em troca da prestação de serviços em instituições e agências da UE, bem como em serviços públicos de toda a União, após a conclusão dos estudos.

4.11.

O CESE observa que a estratégia de cibersegurança não aborda a ligação entre a cibersegurança e a desinformação. O CESE remete especificamente para um estudo encomendado pelo Departamento Temático dos Direitos dos Cidadãos e dos Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu (6). Na era do ciberespaço na Internet, a propagação de desinformação pode ter consequências graves. Os ataques transfronteiras podem visar centros de informações e instituições nacionais ou europeias para propagar a desinformação, bem como diminuir a confiança nos poderes públicos. Por conseguinte, qualquer estratégia de cibersegurança deve destacar a prevenção da desinformação.

4.12.

O CESE salienta também que o investimento estrangeiro em setores estratégicos, a aquisição de ativos, tecnologias e infraestruturas de importância crítica na União e o fornecimento de equipamentos essenciais podem também representar riscos para a segurança da UE. Neste contexto, e em conformidade com as regras de contratação pública em vigor, o CESE recomenda que as considerações de segurança tenham mais peso na adjudicação de contratos públicos.

4.13.

O CESE salienta também que o surgimento dos computadores quânticos, que deverão estar disponíveis ao público dentro de uma década, ou menos, põe em causa a segurança dos atuais programas e sistemas criptográficos. Por conseguinte, é necessária uma transição para a criptografia resistente à computação quântica ou pós-quântica. Esta necessidade é confirmada por iniciativas mundiais para a normalização de sistemas criptográficos pós-quânticos, como o processo de normalização da criptografia pós-quântica do Instituto Nacional de Normas e Tecnologia dos EUA, o grupo de trabalho do Instituto Europeu de Normalização das Telecomunicações sobre a criptografia à prova de computação quântica e o concurso de criptografia pós-quântica da Associação de Investigação Criptológica da China.

4.14.

O CESE recomenda a revisão das estratégias nacionais de cibersegurança para assegurar a sua coerência com a estratégia da Comissão e garantir que as decisões tomadas ao nível dos Estados-Membros convergem com as propostas contidas na estratégia da Comissão. A estratégia a nível da UE e as estratégias nacionais devem convergir para combater eficazmente as ciberameaças no presente e no futuro.

4.15.

Uma vez que os riscos futuros são, em grande medida, imprevisíveis, e tendo em conta o ponto 4.13 supra, o CESE recomenda que a estratégia de cibersegurança da Comissão seja atualizada regularmente, pelo menos de dois em dois anos, de modo a responder eficazmente às tecnologias e aos riscos no futuro. Como já referido, a participação das partes interessadas e a investigação de alto nível também serão fundamentais na atualização das estratégias de cibersegurança.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Um ciberataque a uma rede inteligente pode ter impacto no abastecimento de energia aos consumidores e às empresas.

(2)  https://www.databreaches.net/chwapi-hospital-hit-by-ransomware-operations-canceled-and-another-city-hit/

(3)  https://www.digitaleurope.org/

(4)  Estes seguros não têm, naturalmente, uma oferta ilimitada. Com efeito, a crise da COVID-19 demonstrou que a acumulação de riscos põe em causa a segurabilidade. Estudos recentes da AON confirmam a alegação de que os seguros representam apenas uma parte muito pequena (5 %) das despesas com a preparação cibernética, sendo a auditoria e a formação os determinantes de custos mais importantes.

(5)  Eurofound (2020), «Viver, trabalhar e COVID-19», série COVID-19, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo.

(6)  https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2019/608864/IPOL_STU(2019)608864_EN.pdf


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/82


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um sistema informatizado de comunicação em processos cíveis e penais transnacionais (sistema e-CODEX) e que altera o Regulamento (UE) 2018/1726»

[COM(2020) 712 final — 2020/345 (COD)]

(2021/C 286/15)

Relatora:

Ozlem YILDIRIM

Consulta

Comissão Europeia, 24.2.2021

Base jurídica

Artigo 81.o, n.o 2, e artigo 82.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

247/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a iniciativa regulamentar proposta, que deve ser complementada pelas propostas do Parlamento Europeu. O sistema e-CODEX terá um impacto positivo indireto, uma vez que simplifica e acelera os processos judiciais e a cooperação judiciária transnacionais, contribuindo também, desta forma, para melhorar o funcionamento do mercado interno.

1.2.

Importa salientar que o e-CODEX não diz respeito apenas à justiça eletrónica. Antecipando o futuro, o CESE recomenda a inclusão de uma disposição que abra a possibilidade de outras utilizações por outras administrações públicas, incluindo, por exemplo, a transferência de registos de saúde em linha.

1.3.

O CESE recomenda que a Comissão inclua o aspeto da escalabilidade no âmbito de aplicação do regulamento. Até ao momento, o e-CODEX tem sido utilizado num conjunto de Estados-Membros que são os patrocinadores iniciais deste projeto. Contudo, o atual projeto e-CODEX tem de ser expandido e continuar a funcionar harmoniosamente em todos os Estados-Membros, já que é essa a intenção do regulamento proposto.

1.4.

A digitalização da sociedade, da economia e das administrações está a acelerar e representa, globalmente, um objetivo ambicioso. Cumpre, portanto, estabelecer uma ligação clara a essa realidade. O sistema e-CODEX é um componente essencial do pacote relativo à cooperação judiciária digital e das infraestruturas de serviços digitais da justiça eletrónica, entre outras iniciativas. Uma vez que este sistema aborda a justiça e os direitos fundamentais, o CESE considera que é necessário associá-lo à estratégia digital global «Construir o futuro digital da Europa» (1), um instrumento essencial que não é explicitamente referido no regulamento.

1.5.

Tendo em conta que a Agência da União Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA) não é uma agência reguladora, o CESE considera que o capítulo 2 do regulamento proposto deve abordar a transparência do processo de decisão, a participação dos Estados-Membros e de outras partes interessadas pertinentes e a independência necessária das decisões tomadas pelos organismos envolvidos na sua governação.

1.6.

Uma vez que o e-CODEX é composto por um conjunto de produtos informáticos (software) que podem ser utilizados para criar um ponto de acesso para comunicações seguras, a garantia de um nível elevado de segurança deve ser um objetivo central do regulamento, entendido como a necessidade de criar medidas de segurança que protejam o livre exercício dos direitos individuais.

1.7.

O CESE considera que o acesso efetivo e generalizado à justiça digital merece maior atenção. Os benefícios do sistema e-CODEX devem ir além de aspetos relacionados com a melhoria das capacidades de gestão, utilização e comunicação. O CESE entende que o desenvolvimento da justiça digital deve ter como objetivo assegurar que todos os cidadãos da União Europeia (UE) têm acesso à justiça de forma segura, protegida, fiável e simples.

1.8.

O CESE salienta as preocupações atualmente suscitadas por várias partes interessadas e diversos Estados-Membros sobre a capacidade da eu-LISA para garantir devidamente o princípio da independência do poder judicial quando assegurar o funcionamento permanente e o desenvolvimento futuro do e-CODEX.

2.   Contexto e síntese da proposta da Comissão

2.1.

O sistema e-CODEX («e-Justice Communication via On-line Data Exchange») foi lançado ao abrigo do plano de ação plurianual 2009-2013 sobre justiça eletrónica europeia (2), sobretudo para promover a digitalização dos processos judiciais transnacionais e facilitar a comunicação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros.

2.2.

O e-CODEX é o principal instrumento para a criação de uma rede de comunicação interoperável e descentralizada entre os sistemas informáticos nacionais no quadro dos processos cíveis e penais transnacionais. Trata-se de um conjunto de produtos informáticos que possibilita a ligação entre sistemas nacionais e permite aos utilizadores, nomeadamente as autoridades judiciárias, os profissionais do direito e o público em geral, enviar e receber documentos, formulários jurídicos, provas e outras informações de forma rápida e segura. É composto por um conjunto de produtos informáticos (software) que podem ser utilizados para criar um ponto de acesso para comunicações seguras.

2.3.

O sistema e-CODEX é um dos componentes principais da política de justiça eletrónica da Comissão para melhorar o acesso à justiça e a sua eficiência nos Estados-Membros e está incluído no plano de ação plurianual 2019-2023 sobre justiça eletrónica europeia (3). Foi igualmente identificado na Comunicação da Comissão «Digitalização da Justiça na União Europeia — Uma panóplia de oportunidades» (4) como o principal instrumento para a comunicação digital segura nos processos judiciais transnacionais. No contexto do mercado único digital que visa fornecer infraestruturas e serviços de alta velocidade, seguros e fiáveis, foram incluídas soluções para promover a justiça eletrónica no plano de ação para a administração pública em linha de 2016 (5).

2.4.

O e-CODEX foi desenvolvido por 21 Estados-Membros da UE com a participação de outros países terceiros, territórios e organizações (6) entre 2010 e 2016.

2.5.

Atualmente, o sistema e-CODEX é gerido por um consórcio de Estados-Membros e outras organizações, sendo financiado por uma subvenção da UE.

2.6.

O sistema e-CODEX deve ser gerido de forma a não pôr em causa a independência das jurisdições nacionais.

2.7.

A Comissão apresenta uma proposta de regulamento para generalizar o sistema e-CODEX a nível da UE e confia a gestão operacional do sistema à Agência da União Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA). A garantia de uma governação estável do sistema e-CODEX permitirá defini-lo como o sistema normal para o intercâmbio de mensagens eletrónicas no domínio da cooperação judiciária a nível da UE. A eu-LISA não assumirá a gestão do sistema e-CODEX antes de julho de 2023.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE acolhe favoravelmente a iniciativa regulamentar proposta, que deve ser complementada pelas propostas do Parlamento Europeu. O e-CODEX terá um impacto positivo indireto, uma vez que simplifica e acelera os processos judiciais e a cooperação judiciária transnacionais, contribuindo também, desta forma, para melhorar o funcionamento do mercado interno.

3.2.

A Europa é uma força motriz da transformação digital. O e-CODEX é um elemento catalisador dessa transformação na Europa e nos Estados-Membros e, importa salientar, entre os mesmos. Vai além das necessidades informáticas funcionais, abordando fatores essenciais como a harmonização, a cultura, os direitos humanos e outros processos que os Estados-Membros devem ter em conta na digitalização da sociedade e da economia.

3.3.

O CESE considera que o regulamento proposto, uma vez que proporciona aos cidadãos um melhor acesso transnacional à justiça, deve também abordar especificamente a necessidade de reforçar e harmonizar as capacidades dos Estados-Membros no domínio da cooperação judiciária. O ponto de partida é o ecossistema digital subjacente ao e-CODEX, que deve permitir um ambiente interoperável e interligado. O CESE salienta que, até ao momento, a adesão do poder judicial às tecnologias da informação na Europa tem sido desigual. Por conseguinte, apela para uma cooperação reforçada entre os ministérios da Justiça nacionais e uma convergência em toda a UE, a vários níveis, respeitando plenamente as características específicas dos sistemas nacionais, incluindo as funções e as responsabilidades dos vários intervenientes. No plano técnico, é necessário assegurar que os Estados-Membros tenham níveis semelhantes de automatização e capacidades técnicas para tratar e armazenar grandes documentos eletrónicos, bem como para interligar prestadores de serviços de forma altamente segura.

3.4.

É fundamental reforçar a confiança na interação eletrónica transnacional entre cidadãos, empresas e poderes públicos. Não se pode ignorar o impacto que o regulamento relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado único europeu (eIDAS) teve na infraestrutura e no funcionamento do e-CODEX. Tendo em conta que o Regulamento eIDAS estabelece o quadro regulamentar para as assinaturas eletrónicas, as transações eletrónicas, os organismos envolvidos e os respetivos processos, o CESE observa que o e-CODEX funciona como um veículo eficaz para uma comunicação mais ampla. A sua infraestrutura tem de funcionar em conformidade com os requisitos do Regulamento eIDAS e permitir uma interoperabilidade segura.

3.5.

Importa salientar que o e-CODEX não diz respeito apenas à justiça eletrónica. Antecipando o futuro, o CESE recomenda a inclusão de uma disposição que abra a possibilidade de outras utilizações por outras administrações públicas, incluindo, por exemplo, a transferência de registos de saúde em linha. A utilização do e-CODEX para além da justiça eletrónica contribuirá para assegurar a sua utilização a longo prazo e incentivará os Estados-Membros a fazer os investimentos necessários nas suas infraestruturas. Para isso, serão necessárias propostas legislativas diferentes, uma vez que a proposta em apreço apenas regulamenta os aspetos relativos à justiça.

3.6.

O CESE acolhe favoravelmente o sistema e-CODEX enquanto instrumento que permite uma transmissão eletrónica segura de informações e documentos em processos cíveis e penais transnacionais. Conforme salientado pela Comissão, o regulamento proposto é necessário por dois motivos principais: i) para criar o sistema e-CODEX e assegurar a sua sustentabilidade a longo prazo e ii) para confiar a sua gestão, desenvolvimento e manutenção à eu-LISA. Contudo, o CESE assinala que uma governação eficaz do sistema judiciário digital exige quer uma arquitetura técnica sustentável e estável, quer uma infraestrutura de governação robusta.

3.7.

O CESE recomenda que a Comissão inclua o aspeto da escalabilidade no âmbito de aplicação do regulamento. Até ao momento, o e-CODEX tem sido utilizado num conjunto de Estados-Membros que são os patrocinadores iniciais deste projeto. Contudo, o atual projeto e-CODEX tem de ser expandido e continuar a funcionar harmoniosamente em todos os Estados-Membros, já que é essa a intenção do regulamento proposto. O CESE salienta que cada Estado-Membro é responsável por garantir o bom funcionamento e a segurança dos seus sistemas e infraestruturas informáticas e assegurar a proteção dos dados pessoais e da vida privada.

3.8.

O CESE insta a Comissão a ponderar a possibilidade de ajudar as entidades que operam fora da UE, em particular nos países associados da União Europeia, a instalar o pacote de produtos de software do sistema e-CODEX. O alargamento do âmbito do projeto, com base num modelo claro de cofinanciamento, traria benefícios a todas as partes envolvidas. Importa ter em consideração a necessidade de assegurar a escalabilidade e a operacionalidade do sistema.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Alinhamento e coerência com estratégias fundamentais europeias

4.1.1.

A digitalização da sociedade, da economia e das administrações está a acelerar e representa, globalmente, um objetivo ambicioso. Cumpre, portanto, estabelecer uma ligação clara a essa realidade. O sistema e-CODEX é um componente essencial do pacote relativo à cooperação judiciária digital e das infraestruturas de serviços digitais da justiça eletrónica, entre outras iniciativas. Uma vez que este sistema aborda a justiça e os direitos fundamentais, o CESE considera que é necessário associá-lo à estratégia digital global «Construir o futuro digital da Europa» (7), um instrumento essencial que não é explicitamente referido no regulamento.

4.1.2.

Na opinião do CESE, a futura iniciativa legislativa sobre a inteligência artificial, que a Comissão apresentará na primavera de 2021 (8), deverá incidir especificamente no contributo das soluções baseadas na inteligência artificial para as soluções da justiça eletrónica, bem como nos riscos associados à utilização pelas autoridades judiciárias de soluções baseadas na inteligência artificial. Estas possíveis utilizações incluem a «justiça preditiva» e os respetivos desafios, a utilização de plataformas de resolução de litígios em linha e o recurso a algoritmos em investigações criminais.

4.1.3.

O CESE reconhece que o e-CODEX não implica o recurso à inteligência artificial, mas assinala que esta é cada vez mais utilizada nos sistemas judiciários. Por conseguinte, devido a esta relação indireta, o CESE recomenda que a primeira revisão do Plano Coordenado para a Inteligência Artificial (9), prevista para o primeiro trimestre de 2021, aborde a ligação entre a inteligência artificial e a justiça digital e o sistema e-CODEX.

4.2.   Governação eficaz e aspetos operacionais do e-CODEX

4.2.1.

Tendo em conta que a eu-LISA não é uma agência reguladora, o CESE considera que o capítulo 2 do regulamento proposto deve abordar a transparência do processo de decisão, a participação dos Estados-Membros e de outras partes interessadas pertinentes e a independência necessária das decisões tomadas pelos organismos envolvidos na sua governação. Por exemplo, uma vez que o e-CODEX terá um grupo principal de potenciais utilizadores, poder-se-á tratar a participação dos advogados ao nível das políticas e da execução para dar resposta, nomeadamente, à necessidade de garantir que o e-CODEX apoia condições de igualdade para todas as partes em matéria de acessibilidade e satisfaz os requisitos dos advogados. Por conseguinte, os profissionais da justiça devem ser integrados de forma estrutural e não apenas consultados.

4.2.2.

A nível operacional, o CESE salienta que é necessária alguma clarificação sobre, por exemplo, a delimitação estrita dos assuntos internos e a questão do «balcão único». Importa harmonizar também os formatos para a apresentação e o intercâmbio de provas entre jurisdições.

4.2.3.

A eu-LISA, por sua vez, deve dispor de recursos humanos e financeiros suficientes. Para reforçar este ponto, o CESE reitera a sua recomendação relativa à formação necessária para o pessoal da eu-LISA (10), em especial o pessoal do serviço informático, que deve incluir uma compreensão adequada da forma como a gestão do sistema e-CODEX tem de assegurar a independência do poder judicial e o direito a um processo justo. Este aspeto pode ser aprofundado no artigo 13.o do regulamento proposto.

4.3.   Nível elevado de segurança para proteger os direitos e as liberdades

4.3.1.

Uma vez que o e-CODEX é composto por um conjunto de produtos informáticos (software) que podem ser utilizados para criar um ponto de acesso para comunicações seguras, a garantia de um nível elevado de segurança deve ser um objetivo central do regulamento, entendido como a necessidade de criar medidas de segurança que protejam o livre exercício dos direitos individuais (11). O CESE considera igualmente que o regulamento relativo ao e-CODEX deve salientar, no capítulo 2, que está em vigor um acordo de cooperação entre a eu-LISA e a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (12).

4.3.2.

As soluções digitais devem assegurar um nível elevado de privacidade e de proteção de dados. Um nível elevado de segurança também implica garantir a harmonização da proteção de dados a nível nacional. O CESE reitera que os responsáveis pelo tratamento de dados nos Estados-Membros têm de introduzir medidas técnicas e organizativas adequadas, aplicar eficazmente os princípios de proteção de dados e obter recursos financeiros suficientes para o efeito.

4.3.3.

Os riscos relacionados com a segurança são cada vez mais imprevisíveis. O CESE reconhece que a avaliação e a redução dos riscos são aspetos centrais do planeamento anual, das operações de base e do ciclo de apresentação de relatórios da eu-LISA. O CESE considera que, além das estratégias de redução dos riscos e da identificação de «grandes riscos», a eu-LISA poderá reforçar o seu quadro de ação através da identificação de possíveis riscos com resultados inesperados, aumentando assim a sua resiliência e a sua capacidade de antecipação.

5.   Conformidade com os direitos fundamentais

5.1.   O acesso universal à justiça digital como forma de assegurar a igualdade e a não discriminação

5.1.1.

O CESE considera que o acesso efetivo e generalizado à justiça digital merece maior atenção. Os benefícios do sistema e-CODEX devem ir além de aspetos relacionados com a melhoria das capacidades de gestão, utilização e comunicação. O CESE entende que o desenvolvimento da justiça digital deve ter como objetivo assegurar que todos os cidadãos da União Europeia (UE) têm acesso à justiça de forma segura, protegida, fiável e simples. A igualdade de acesso deve estar no centro do regulamento, a fim de evitar a discriminação e as desigualdades. O CESE recomenda que o regulamento relativo ao e-CODEX saliente de forma mais clara que os cidadãos devem beneficiar verdadeiramente, de forma equitativa e efetiva, de proteção jurídica e de acesso à justiça eletrónica e a serviços digitais conexos.

5.1.2.

As vantagens do sistema e-CODEX devem chegar e atender a um público mais vasto. Num contexto fronteiriço, as autoridades judiciárias e transnacionais não são as únicas partes interessadas. O ambiente em torno do e-CODEX deve integrar não apenas as autoridades judiciárias e os pontos de acesso do e-CODEX, mas também múltiplos intervenientes: cidadãos, tribunais, funcionários judiciais, outros funcionários administrativos ou das tecnologias da informação e comunicação, serviços responsáveis pela aplicação da lei, notários, peritos em informática forense, advogados e terceiros que beneficiam direta ou indiretamente do sistema.

5.1.3.

Além disso, é importante incluir também uma referência à proteção dos direitos processuais, dada a importância do sistema e-CODEX para garantir um acesso efetivo dos cidadãos e das empresas à justiça.

5.2.   Respeito pela independência do poder judicial e pelo direito a um processo justo

5.2.1.

A independência do poder judicial é uma pedra angular do princípio da separação de poderes e um dos princípios essenciais do Estado de direito. A utilização da tecnologia não pode pôr em causa a administração contínua de justiça. Por este motivo, o CESE insta a Comissão a realizar uma avaliação adequada do sistema utilizado para interligar os sistemas de justiça eletrónica nacionais, a fim de verificar se este é capaz de cumprir os princípios da imparcialidade dos tribunais e da apreciação equitativa. Estas salvaguardas aplicam-se, em particular, caso a gestão do e-CODEX passe para a eu-LISA.

5.2.2.

O CESE salienta as preocupações atualmente suscitadas por várias partes interessadas e diversos Estados-Membros sobre a capacidade da eu-LISA para garantir devidamente o princípio da independência do poder judicial quando assegurar o funcionamento permanente e o desenvolvimento futuro do e-CODEX. As disposições atuais da proposta que mencionam a independência do poder judicial não são satisfatórias. Tendo em conta a importância deste princípio, é necessária uma formulação mais firme. Além disso, o CESE solicita que se clarifique a forma como a estrutura de governação proposta para o e-CODEX assegurará efetivamente a aplicação deste princípio na prática.

5.3.   Respeito pelos direitos fundamentais e referência aos mesmos

5.3.1.

O CESE salienta que o regulamento deve respeitar os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nas constituições dos Estados-Membros, incluindo o direito à segurança, o direito à ação judicial e os princípios da legalidade e da proporcionalidade. O CESE realça que a defesa destes direitos depende, nomeadamente, das condições em que os mesmos podem ser postos em causa e de quem pode decidir sobre essa questão.

5.3.2.

A utilização de tecnologias digitais não pode pôr em causa o direito a um processo justo e à ação judicial. Este facto é particularmente importante no que respeita à igualdade de oportunidades para ambas as partes fazerem valer os seus direitos (igualdade das partes); ao direito a conhecer e comentar todas as provas e observações apresentadas (contraditório); ao direito a uma audição pública; nos processos penais, à não ingerência nos direitos da defesa.

5.3.3.

A proposta deve incluir uma referência específica à aplicabilidade do título VI (Justiça) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como ao respetivo artigo 47.o.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2020) 67 final.

(2)  JO C 75 de 31.3.2009, p. 1.

(3)  Regulamento (UE) 2018/1726.

(4)  COM(2020) 710 final.

(5)  COM(2016) 179 final.

(6)  Jérsia, Noruega, Turquia, Conselho das Ordens de Advogados da União Europeia e Conselho do Notariado da União Europeia.

(7)  COM(2020) 67 final.

(8)  https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/eu-affairs/20201208STO93329/a-ue-lidera-esforcos-de-recuperacao-face-a-pandemia-em-2021

(9)  COM(2018) 795 final, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/en/ALL/?uri=CELEX:52018DC0795

(10)  JO C 283 de 10.8.2018, p. 48.

(11)  Parecer EESC-2020-05923 adotado na reunião plenária de abril de 2021 (ver página 76 do presente Jornal Oficial).

(12)  https://www.enisa.europa.eu/publications/artificial-intelligence-cybersecurity-challenges


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Digitalização da justiça na União Europeia — Uma panóplia de oportunidades”»

[COM(2020) 710 final]

(2021/C 286/16)

Relator:

João NABAIS

Consulta

21.4.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

31.3.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

237/2/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com a comunicação e considera-a um passo essencial e eficaz para permitir a digitalização da justiça. É fundamental apoiar os Estados-Membros a nível nacional nesta transição, proporcionando-lhes não só o financiamento necessário, mas também as ferramentas. Através deste apoio, será possível alargar a digitalização da justiça a nível europeu, a fim de criar mecanismos que possibilitem uma maior cooperação transfronteiras entre as autoridades judiciárias.

1.2.

O CESE assinala que se verifica, atualmente, um cenário muito variado entre os Estados-Membros, existindo uma diversidade de ferramentas informáticas nacionais que levam a que os mesmos não utilizem determinados mecanismos, tais como o e-CODEX (1), de uma forma coerente.

1.3.

Na opinião do CESE, revela-se, assim, cada vez mais, a importância de se estabelecerem regras no sentido de uma maior homogeneização entre os vários Estados-Membros da União Europeia.

1.4.

O CESE considera que a digitalização da justiça é um instrumento fundamental para garantir uma verdadeira articulação entre as autoridades dos Estados-Membros no combate a práticas criminais que afetam de forma severa o espaço europeu.

1.5.

O CESE assinala que determinados aspetos concretos na comunicação não têm em conta a realidade multifacetada dos ambientes judiciais dos diversos Estados-Membros.

1.6.

O CESE propõe que a Comissão adote uma diretiva relativa à intervenção em diligências judiciais à distância, que preveja e aceite qualquer meio de contacto por via de videochamada, com recurso a qualquer suporte que assegure o direito da reserva à intimidade da vida privada e não coloque em risco a proteção dos dados pessoais das pessoas em concreto e também do próprio processo em curso.

1.7.

O CESE não crê que a utilização de outros meios de comunicação à distância, que já existem, possa colocar em risco a própria proteção dos dados, uma vez que qualquer pessoa pode assistir à generalidade das audiências.

1.8.

O CESE considera que, aquando da investigação de um potencial grupo terrorista num Estado-Membro, a autoridade policial tem de ter acesso instantâneo a elementos que estejam acumulados não apenas nas bases de dados da Europol, da Eurojust e da Procuradoria Europeia, mas também nas bases de dados de cada uma das autoridades policiais dos Estados-Membros.

1.9.

O CESE salienta a necessidade de tirar o máximo partido também das vantagens da digitalização, que proporciona a possibilidade de execução de sentenças judiciais em outros Estados-Membros, bem como meios de resolução alternativa de litígios e a cooperação administrativa entre os Estados-Membros e as agências da UE.

2.   A comunicação da Comissão

2.1.

A comunicação propõe um conjunto de instrumentos para a digitalização da justiça, a fim de fazer avançar o setor da justiça no espaço digital. A abordagem proposta tem em conta as diferentes circunstâncias nacionais e as competências nacionais dos Estados-Membros e respeita plenamente os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Ao mesmo tempo, é importante que todos os Estados-Membros colaborem para reduzir as lacunas existentes em matéria de digitalização e a fragmentação entre os sistemas judiciais nacionais e tirar partido das oportunidades disponíveis ao abrigo dos mecanismos de financiamento pertinentes da UE.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A crise da COVID-19 acarretou muitos problemas para o funcionamento do sistema judicial e a tutela jurisdicional efetiva. Têm-se registado atrasos nas audições presenciais e nas notificações transfronteiriças de atos judiciais, uma incapacidade temporária para obtenção de assistência jurídica pessoal e a expiração dos prazos devido a atrasos. Em paralelo, o aumento do número de casos de insolvência e despedimentos associados à pandemia torna o trabalho dos tribunais ainda mais crítico.

3.2.

Nesse sentido, surge a necessidade de implementação de novas medidas que permitam um maior e mais célere desenvolvimento da justiça no sentido da sua digitalização, sendo, para o efeito, fundamental apoiar os Estados-Membros a nível nacional, proporcionando-lhes não só o financiamento necessário, mas também as ferramentas para que todas as autoridades judiciárias e trabalhadores na área da justiça se encontrem preparados para esta nova era de mudança. É imperativo tornar a justiça mais acessível e aproximá-la dos cidadãos.

3.3.

Só com este apoio, a nível interno, se poderá alargar a digitalização da justiça a nível europeu, no sentido de serem criados mecanismos que possibilitem uma maior cooperação transfronteiras entre as autoridades judiciárias.

3.4.

Note-se que, na generalidade, verifica-se atualmente um cenário muito variado entre os Estados-Membros, existindo uma diversidade de ferramentas informáticas nacionais que levam a que os mesmos não utilizem determinados mecanismos, tais como o e-CODEX, de uma forma coerente.

3.5.

Revela-se, assim, cada vez mais, a importância de se estabelecerem regras no sentido de uma maior homogeneização entre os vários Estados-Membros da União Europeia.

3.6.

A comunicação visa, essencialmente, a prossecução na digitalização dos serviços públicos de justiça, a promoção da utilização de tecnologias de comunicação à distância seguras e de elevada qualidade (videoconferência), a simplificação na interconexão das bases de dados e dos registos nacionais e o fomento da utilização de canais de transmissão eletrónica seguros entre as autoridades competentes.

3.7.

A digitalização da justiça é um instrumento fundamental para garantir uma verdadeira articulação entre as autoridades dos Estados-Membros no combate a práticas criminais que afetam de forma severa o espaço europeu, como os crimes de terrorismo, branqueamento de capitais e corrupção, tráfico de seres humanos, ódio e incitamento ao discurso de ódio e à violência.

3.8.

Os crimes referidos têm hoje crescentemente uma natureza transversal em termos territoriais e, por isso, a transição para o digital consubstancia um passo gigantesco, e essencial, na abordagem investigatória e repressiva destas manifestações tão nefastas.

3.9.

Pese embora o enorme esforço que a Comissão tem vindo a efetuar neste âmbito, e merecendo a comunicação uma avaliação muito positiva, a verdade é que a digitalização da justiça é um processo longo e difícil.

3.10.

Existem aspetos concretos na comunicação que merecem crítica por insuficiências ou, até, por falta de compreensão relativamente a incompatibilidades das ideias apresentadas com a realidade multifacetada dos ambientes judiciais dos diversos Estados-Membros.

3.11.

A Comissão parece esquecer as modalidades de realização de julgamentos e outras diligências judiciais, tanto nas áreas do processo civil, comercial e do trabalho como em processo penal (como interrogatórios de arguidos e inquirições de testemunhas no decurso de um inquérito penal), com participação dos intervenientes à distância, seja através das aplicações disponíveis no mercado, seja através de videochamada no quadro das aplicações de contacto.

3.12.

Compreende-se o respeito que deve existir face aos aspetos rituais da justiça, mas a crise da COVID-19 permitiu-nos compreender que a videoconferência não tem necessariamente de ser realizada através dos dispositivos existentes para interação dos tribunais (quer a nível nacional, quer no plano internacional), com presença dos intervenientes processuais nos tribunais da área de residência ou nos locais previamente designados e autorizados (como as instalações policiais, as instalações de organismos onde se realizam perícias forenses e outras), podendo a ligação com testemunhas ter lugar através do computador ou do telemóvel, independentemente da localização delas.

3.13.

Hoje em dia, existem já determinados meios de comunicação à distância que permitem não só assegurar o direito à reserva da intimidade da vida privada, mas também a proteção dos dados — questão fulcral e que, obviamente, deve ser acautelada.

3.14.

Veja-se que, na generalidade dos processos judiciais, vigora o princípio da publicidade da audiência. Assim, numa audiência de discussão e julgamento realizada com a porta aberta encontram-se na assistência não só familiares e amigos dos diversos intervenientes (sejam autores e réus, em processo civil, comercial e do trabalho, sejam assistentes e arguidos, em processo penal), mas também outras pessoas que não têm qualquer interesse no processo e, até mesmo, em muitos casos, jornalistas e outros trabalhadores da comunicação social.

3.15.

Assim, o CESE não crê que a utilização de outros meios de comunicação à distância, tais como plataformas informáticas e outras aplicações digitais, devidamente certificadas — que já existem —, possam colocar em risco a própria proteção dos dados, quando, na verdade qualquer pessoa pode assistir à generalidade das audiências.

3.16.

Ademais, e em particular no direito processual penal, o próprio arguido deve ter a possibilidade de poder optar por ser ouvido através de meios de comunicação à distância, ao invés de ter de se apresentar presencialmente em tribunal, salvo no caso de circunstâncias excecionais que justifiquem a sua comparência em tribunal.

3.17.

Quanto às testemunhas, é necessário garantir que uma pessoa com uma qualquer incapacidade física, residente numa localidade pequena, onde o tribunal mais próximo se localiza a muitos quilómetros de distância da sua residência, não tenha de sair do conforto da sua casa para esperar horas num tribunal até ser chamada para prestar o seu depoimento na qualidade de testemunha, porque existem hoje em dia plataformas eletrónicas fiáveis e certificadas que permitem assegurar a segurança e a confidencialidade na troca da informação e de depoimentos à distância.

3.18.

No âmbito da comunicação, a Comissão propõe-se «promover a utilização de tecnologias de comunicação à distância seguras e de elevada qualidade (videoconferência)».

3.19.

Assim, e em conformidade com os termos supraexpostos, o CESE propõe que a Comissão adote uma diretiva relativa à intervenção em diligências judiciais à distância, que preveja e aceite qualquer meio de contacto por via de videochamada, com recurso a qualquer suporte (computador fixo, laptop ou mesmo telemóvel) que assegure o direito da reserva à intimidade da vida privada e não coloque em risco a proteção dos dados pessoais da pessoa em concreto e também do próprio processo em curso.

3.20.

Isto é coerente com o que consta do Relatório de prospetiva estratégica de 2020 da Comissão, de onde decorre que a transição digital na justiça deve colocar os cidadãos em primeiro lugar e criar novas oportunidades para as diferentes partes interessadas, contribuindo para diminuir os atrasos, aumentar a segurança jurídica e tornar o acesso à justiça mais barato e simplificado.

3.21.

Esta situação deverá, no entanto, ser acautelada relativamente aos menores e a pessoas vulneráveis e, bem assim, em processos relativos a crimes de ódio ou de cariz sexual — casos em que a necessidade de garantia da privacidade e segurança jurídicas se revela de forma mais acentuada e, diríamos até, imprescindível.

3.22.

A Comissão manifesta na comunicação preocupação com a criação de um modelo de acesso à jurisprudência dos tribunais nacionais em formato legível por máquina, um Identificador Europeu de Jurisprudência.

3.23.

Esta proposta merece todo o apoio mas pode exigir, para ser completamente eficaz, um complemento legislativo no sentido da padronização formal (não de substância) das sentenças dos tribunais.

3.24.

Como se sabe, cada Estado-Membro tem, não só a sua própria legislação, mas também o seu próprio sistema a nível de formalismos. A estrutura e composição de uma sentença em Portugal não será certamente a mesma que em Itália ou em França, devendo, por isso, tais diferenças ser devidamente consideradas pela Comissão.

3.25.

A Comissão propõe ainda a criação de uma plataforma informática de colaboração de Equipas de Investigação Conjunta (agrupando investigadores e procuradores dos Estados-Membros, se necessário com o apoio da Europol, da Eurojust e da Procuradoria Europeia). O acesso aos dados e bases de dados disponíveis nos Estados-Membros deve estar reservado às autoridades competentes, em conformidade com os requisitos em matéria de proteção dos dados.

3.26.

Trata-se de uma excelente proposta que, no entanto, pode esbarrar na ausência de padronização das normas dos diversos Códigos de Processo Penal dos Estados-Membros que regulam toda a matéria relativa aos meios de obtenção de prova.

3.27.

Enquanto essa padronização não tiver lugar, há a possibilidade de certos atos de investigação gerarem nulidades de acordo com a legislação de alguns dos Estados-Membros, podendo comprometer, desse modo, a eficácia das investigações conjuntas.

3.28.

O combate ao terrorismo faz parte das preocupações da Comissão na comunicação em análise mas, para além da afirmação da necessidade de uma proposta legislativa sobre o intercâmbio de processos digitais de terrorismo transfronteiriço, torna-se imperiosa a criação e implementação de instrumentos assentes na interconexão digital para o intercâmbio não apenas de processos, mas também de informações sobre suspeitos e sobre atividades de grupos que estejam sob observação (2).

3.29.

Atenta a necessidade de travar o terrorismo, o CESE considera que, aquando da investigação de um potencial grupo terrorista num Estado-Membro, a autoridade policial tem de ter acesso instantâneo a elementos que estejam acumulados não apenas nas bases de dados da Europol, da Eurojust e da Procuradoria Europeia, mas também nas bases de dados de todas e cada uma das autoridades policiais dos Estados-Membros. Não obstante, importa acautelar que as informações não são transmitidas a pessoas não autorizadas ou não fiáveis.

3.30.

A prestação de serviços online, como a renovação do cartão de cidadão, a certidão judicial eletrónica, a certidão permanente do registo civil ou mesmo o registo criminal, ou a consulta online dos processos judiciais também devem ser asseguradas, porque, além de permitirem a redução das deslocações aos espaços físicos dos serviços, possibilitam ainda a prestação daqueles serviços mesmo quando os espaços físicos tiverem de encerrar.

3.31.

No entanto, no que concerne à interconexão de dados (nomeadamente os relativos às empresas, às insolvências, aos registos prediais e comerciais e aos elementos de registo criminal), é necessário assegurar que o acesso a estes dados não possa, em alguns casos (como nos dados do registo criminal), colocar em crise o direito à reserva da vida privada e a proteção dos dados pessoais.

3.32.

Assim, é essencial que se aprofunde especialmente o modelo informático neste domínio para que a desejada digitalização não se vire contra os cidadãos e não ponha em causa os direitos fundamentais destes.

3.33.

A Comissão apresenta na comunicação a criação do instrumento designado por «O meu espaço de justiça eletrónica», destinado a permitir o acesso eletrónico por parte das pessoas singulares aos atos judiciais (em processos nacionais ou em processos pendentes noutros Estados-Membros) que elas, ou os seus representantes legais, estejam autorizadas a consultar e/ou obter.

3.34.

A possibilidade de acesso digital a informações constantes de processos em que um cidadão seja parte é um aspeto muito importante para a criação de uma verdadeira transparência judicial, instrumento essencial para que o cidadão possa sentir que a justiça não é opaca e inacessível, promovendo o acesso à justiça de forma mais rápida e eficaz, com menos custos associados.

3.35.

O facto de as autoridades judiciárias e os próprios advogados poderem ter acesso eletrónico a processos que foram julgados noutro Estado-Membro consubstancia um passo enorme e muito importante na tão almejada digitalização da justiça.

3.36.

Contudo, tendo em consideração as diferenças entre os diversos Estados-Membros relativamente à extensão do segredo de justiça nos processos penais, afigura-se que, sem uma harmonização entre as legislações nacionais neste domínio, esta ótima proposta da Comissão certamente ficará comprometida no registo transfronteiriço.

3.37.

A desejada digitalização da justiça tem de oferecer ao cidadão da UE novas e importantes possibilidades para a resolução de problemas num quadro transfronteiriço. Só assim se cumprirá o objetivo de aprofundar o direito dos cidadãos de acesso à justiça.

3.38.

A este propósito, a Comissão assinala, por exemplo, a criação de meios (por via digital) para o desencadeamento transfronteiriço de injunções e a possibilidade de ser exigido de forma transfronteiriça o cumprimento da entrega de alimentos a menores no quadro das responsabilidades parentais.

3.39.

Todavia, na sua comunicação, a Comissão deixou de fora um assunto verdadeiramente essencial, que é o da possibilidade de execução de sentenças judiciais em outros Estados-Membros. Ora, a digitalização oferece meios para levar à prática este objetivo, que é uma velha reivindicação de muitos profissionais do foro. Importa assinalar que esta situação já está prevista em algumas áreas (direito comercial e direito da família), devendo ser alargada àquelas que ainda não são abrangidas.

3.40.

Está há muito estabelecido que as decisões judiciais são necessariamente proferidas pelos tribunais de cada Estado-Membro e, nesse capítulo, a soberania dos Estados da União deve considerar-se intocável.

3.41.

Mas a verdade é que muitas decisões judiciais têm como destinatários finais coisas, empresas ou cidadãos localizados fora do território onde a decisão foi proferida.

3.42.

Nestes casos, as fronteiras entre os Estados-Membros constituem obstáculos para a realização célere da justiça, pelo que a cooperação judiciária intracomunitária deve aproveitar as oportunidades oferecidas pela digitalização para que as execuções de sentenças tenham diretamente lugar no território onde o bem visado por elas esteja localizado.

3.43.

O mesmo sucede com os meios de resolução alternativa de litígios, devendo também, quanto a estes, ser permitida a tramitação online do processo, integrando a ação dos centros de arbitragem, julgados de paz e sistemas públicos de mediação.

3.44.

No tocante à cooperação entre as autoridades nacionais e as agências e organismos da UE no domínio da luta contra a criminalidade transfronteiras, a Comissão identifica — e bem — a necessidade de reforçar as capacidades de cooperação digital.

3.45.

Porém, quando se esperava que a Comissão definisse na sua comunicação o modelo a adotar e os investimentos que estaria disposta a suportar para alcançar este importante objetivo, o que se encontra é apenas um piedoso desejo de que a Eurojust, a Procuradoria Europeia, o OLAF (Organismo Europeu de Luta Antifraude) e a Europol «cheguem a acordo quanto a uma abordagem comum que garanta uma cooperação harmoniosa e segura com os Estados-Membros […]».

3.46.

Ora, num domínio tão importante como este, exige-se que a Comissão defina um horizonte temporal para o estabelecimento de um modelo de cooperação e, ao invés de apenas desejar que as instituições se entendam entre elas, assuma o compromisso de criar um instrumento (diretiva?) para impor, também aqui, um mecanismo assente nas potencialidades da digitalização.

3.47.

Aplaude-se a manifestação de intenções da Comissão nesta sua comunicação no que respeita ao apoio financeiro aos Estados-Membros para o desenvolvimento de sistemas informáticos adequados e para a definição de uma estratégia que vise a digitalização da justiça na UE no âmbito do novo programa «Justiça» e do programa «Europa Digital».

3.48.

Note-se que o principal entrave à digitalização não são as autoridades judiciárias nem os cidadãos, mas sim a falta de meios dos Estados-Membros para colocar em prática tais medidas de criação e implementação das plataformas digitais e dos meios eletrónicos na área da justiça.

3.49.

Assim, e principalmente perante a atual crise, que está a arrasar abruptamente a economia dos Estados-Membros, não só a curto, mas também a longo prazo, urge determinar soluções de financiamento aos mesmos para que a digitalização da justiça possa ser alcançada com a harmonia e uniformidade necessárias. Só nesse caso se conseguirá atingir a cooperação transfronteiriça a nível europeu.

3.50.

Sublinha-se, também, a preocupação manifestada pela Comissão no sentido de que este objetivo tão importante de utilizar o processo de digitalização para se alcançar um espaço de liberdade, segurança e justiça no espaço da UE aproveite os meios que serão colocados à disposição no quadro do Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

3.51.

É também reconfortante saber que a Comissão considera que o Instrumento de Assistência Técnica, resultante de uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, prestará apoio a todos os Estados-Membros na execução de reformas no setor da justiça, o que, naturalmente, envolverá os aqui já mencionados investimentos no tocante à transição digital.

3.52.

Tendo em consideração que a Comissão considera que a atual cooperação transfronteiras em suporte de papel apresenta muitas deficiências que se repercutem negativamente na eficácia e nos custos dos processos judiciais, é essencial que a transmissão eletrónica se transforme no meio por defeito para a comunicação e o intercâmbio de documentos.

3.53.

Seria viável a criação de um sistema informático descentralizado para reunir os sistemas nacionais com vista a que os documentos possam ser partilhados por via eletrónica de forma mais rápida e segura. Para o efeito, deve ter-se em consideração a proteção dos dados e da privacidade aquando da transmissão dos documentos e da recolha de provas.

3.54.

A universalização da tramitação eletrónica de processos, a desmaterialização das comunicações entre os tribunais e outras entidades e serviços e a entrega de peças processuais multimédia pelos mandatários judiciais são medidas essenciais para a efetivação da digitalização da justiça.

3.55.

Deve chamar-se ainda a atenção da Comissão para a necessidade de dotar os profissionais da área judiciária de ferramentas que lhes permitam implementar as medidas pretendidas, através de formações na área do digital e cursos de especialização para a utilização de determinadas aplicações e plataformas eletrónicas, o que necessariamente também envolverá custos.

3.56.

No entanto, há que prever uma exceção para os Estados-Membros contra os quais tenham sido instaurados processos por violação dos direitos fundamentais ou do Estado de direito:

a)

não devem beneficiar de financiamento da UE;

b)

não devem ter acesso a todas as informações, uma vez que os seus tribunais, sistemas judiciais e autoridades policiais deixaram de ser fiáveis.

3.57.

Os atuais esforços de transformação fornecem uma base sólida para uma maior mobilização das capacidades tecnológicas, através de tecnologias emergentes para a construção de um ecossistema de justiça digitalmente habilitado e centrado nas pessoas.

3.58.

O CESE aguarda com muita expectativa que a legislação seja alterada no sentido de permitir a tão desejada transição da justiça para a era digital, como é o caso da aceitação da identificação eletrónica para a transmissão digital de atos judiciais e da admissibilidade de documentos eletrónicos, ou transmitidos por via eletrónica, para prova em processos judiciais.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2020) 712 final.

(2)  Ver parecer do CESE (JO C 110 de 22.3.2019, p. 67).


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à avaliação das tecnologias de saúde e que altera a Diretiva 2011/24/UE»

[COM(2018) 51 final — 2018/0018 (COD)]

(2021/C 286/17)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Consulta

Conselho da União Europeia, 24.3.2021

Base jurídica

Artigo 168.o, n.o 4, e artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

227/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com agrado a iniciativa da presidência portuguesa do Conselho da UE destinada a obter um mandato dos Estados-Membros (1) para encetar negociações com o Parlamento Europeu sobre uma proposta legislativa relativa à avaliação das tecnologias de saúde (ATS) em benefício dos doentes.

1.2.

O CESE concorda que os processos assentes em elementos de prova, como a ATS, que constitui um motor fundamental do crescimento socioeconómico e da inovação na União, podem abranger tanto os aspetos clínicos como não clínicos das tecnologias de saúde, e que tal pode ser alcançado através da cooperação entre os Estados-Membros a nível da União, tendo em vista uma elevada proteção da saúde dos doentes e assegurando o bom funcionamento de um mercado único inclusivo.

1.3.

O CESE salienta que o regulamento relativo à avaliação das tecnologias de saúde, uma vez adotado, constituirá um importante passo em frente no domínio dos cuidados de saúde e abrirá caminho a uma União Europeia da Saúde forte, que melhorará e protegerá a saúde de todos os cidadãos.

1.4.

O CESE chama a atenção para o facto de o mandato referir a saúde como um mercado, ao passo que a saúde é um bem comum e deve ser abordada do ponto de vista do interesse geral.

1.5.

O CESE reconhece que a ATS pode desempenhar um papel fundamental na prestação de cuidados de saúde equitativos e sustentáveis.

1.6.

O CESE considera correta a decisão da Comissão de optar pelo instrumento jurídico de um regulamento em vez de outras formas jurídicas, porque desse modo se assegura uma cooperação mais direta e eficaz a nível dos Estados-Membros (2), bem como entre os mesmos, a partir de uma perspetiva europeia.

1.7.

O CESE considera provável que o envelhecimento da população europeia continue a acentuar-se nos próximos anos. Além disso, a prevalência de doenças crónicas, a ocorrência de pandemias e o aparecimento de novas tecnologias complexas aumentarão a necessidade de investimento nos sistemas de saúde, ao passo que os Estados-Membros enfrentam restrições orçamentais cada vez maiores.

1.8.

O CESE apoiaria a concessão de incentivos fiscais em alguns Estados-Membros, bem como, eventualmente, a revisão em alta do limiar de minimis aplicável aos auxílios estatais.

1.9.

O CESE estima que os Estados-Membros devem apoiar e financiar ideias sobre novas tecnologias de saúde e quaisquer iniciativas pertinentes provenientes de empresas em fase de arranque.

1.10.

O CESE concorda com a iniciativa de reforçar a coordenação em matéria de ATS mediante a apresentação de um dossiê, bem como com o calendário de aplicação progressiva, mas assinala a ausência de disposições específicas para as pequenas e médias empresas (PME).

1.11.

O CESE manifesta preocupação com o calendário previsto para a aplicação e, em particular, com o facto de se diferir a aplicação por três anos, e considera que, em benefício dos doentes e da relação custo-eficácia, este período poderia ser encurtado.

1.12.

O CESE recomenda que o regulamento mencione as medidas preventivas que terão um impacto significativo nos doentes, como as orientações dirigidas aos hospitais para o controlo, a prevenção e a redução das infeções nosocomiais, e que o seu âmbito de aplicação seja alargado ou completado de modo a incluir essas medidas nas necessidades médicas não satisfeitas.

1.13.

O CESE salienta que a participação da sociedade civil (nomeadamente das organizações da economia social e das associações de doentes) é essencial para concretizar a promessa de saúde e cuidados de saúde digitais, de que faz parte a ATS.

2.   Contexto

2.1.

A proposta de regulamento em apreço surge após mais de vinte anos de cooperação voluntária em matéria de avaliação das tecnologias de saúde (ATS). Após a adoção da diretiva relativa aos cuidados de saúde transfronteiriços (Diretiva 2011/24/UE) (3), foi criada em 2013 uma rede voluntária de ATS constituída por agências e organismos nacionais de ATS, a fim de fornecer orientações estratégicas e políticas no âmbito da cooperação científica e técnica a nível da UE.

2.2.

Esses trabalhos foram completados por três ações comuns (4) sucessivas em matéria de ATS e proporcionaram à Comissão e aos Estados-Membros a possibilidade de criarem uma base de conhecimentos sólida com informações e metodologias sobre a avaliação das tecnologias de saúde.

2.3.

O CESE reconhece que os sistemas de saúde e o processo de ATS assentam nas tradições e culturas nacionais. No entanto, enquanto cidadãos europeus, acreditamos firmemente que só uma colaboração eficaz a nível europeu nos permitirá ultrapassar os futuros desafios sanitários e tirar partido das oportunidades futuras no domínio dos cuidados de saúde.

2.4.

Importa promover o princípio da realização de uma análise prospetiva, nomeadamente através da exploração do horizonte, a fim de permitir a identificação precoce, a nível europeu e nacional, das tecnologias de saúde emergentes suscetíveis de ter um impacto significativo nos doentes, na saúde pública e nos sistemas de saúde. Esta análise prospetiva poderia ser utilizada para apoiar o grupo de coordenação no planeamento do seu trabalho.

3.   Problemas ou lacunas que a proposta pretende resolver

3.1.

O CESE concorda com a constatação, resultante de uma ampla consulta, de que até hoje tem havido entraves e distorções do acesso ao mercado de tecnologias inovadoras devido aos diferentes procedimentos burocráticos, metodologias e requisitos nacionais ou regionais em matéria de ATS existentes em toda a UE e impostos pelas diferentes legislações e práticas nacionais. Foi esse o motivo que levou a Comissão a propor um regulamento como o instrumento jurídico mais adequado (5).

3.2.

O CESE concorda igualmente com a constatação de que a situação atual contribui para a falta de previsibilidade comercial, acarreta custos mais elevados para a indústria e as PME, origina atrasos no acesso às novas tecnologias e tem efeitos negativos sobre a inovação. Como exemplo da atual situação não harmonizada cabe referir o documento elaborado pelo grupo de reflexão I-Com — Institute for Competitiveness [Instituto para a Competitividade] (6), onde, na página 49, se assinala que, segundo o Gabinete Europeu das Uniões de Consumidores (GEUC), alguns organismos de ATS disponibilizam publicamente as avaliações, diretamente ou mediante pedido, enquanto outros as consideram confidenciais. Além disso, alguns organismos de ATS aceitam os estudos observacionais para estimar o valor de um medicamento, ao passo que outros os rejeitam. Como demonstraram as várias décadas de cooperação na UE baseada em projetos de ATS, estas questões não foram resolvidas adequadamente com a abordagem puramente voluntária dos trabalhos conjuntos levados a cabo até à data.

3.3.

A iniciativa abordará eficazmente a fragmentação atual dos sistemas nacionais de ATS (divergências de procedimentos e metodologias que afetam o acesso ao mercado), tendo em conta que a fiabilidade de qualquer novo mecanismo assentará nos princípios da independência e da liberdade de expressão dos participantes, com base em critérios científicos, éticos e imparciais, e que os objetivos podem ser alcançados adequadamente através do reforço da cooperação em matéria de ATS a nível da UE, seguindo estes princípios. Ao mesmo tempo que reforçarão a cooperação a outros níveis essenciais para a ATS (por exemplo, nos Estados-Membros que se deparam com dificuldades devido à falta de registos de doentes), os planos de ação nacionais para todas as doenças terão de ser aplicados de modo a acelerar o trabalho dos ministérios da Saúde correspondentes tendo em conta as boas práticas de outros Estados-Membros. Trata-se de uma abordagem que incorpora também valores e prioridades sociais no processo de decisão científica.

3.4.

O CESE salienta a necessidade de apoiar a inovação tecnológica no setor da saúde, abrangendo também os cuidados não hospitalares a nível local. Com o envelhecimento da população (7), assiste-se a um aumento das doenças crónicas e da dependência, o que exige uma especialização e uma utilização mais eficaz das tecnologias e dos métodos de intervenção para a prestação de cuidados domiciliários. Por esse motivo, deverão ser incentivados programas específicos de ATS destinados a melhorar as estruturas de acolhimento e os cuidados domiciliários, não só através da utilização de novas tecnologias e da telemedicina, mas também através do aumento geral da qualidade nos serviços de prestação de cuidados.

4.   Qual o objetivo da proposta em apreço?

4.1.

A proposta de regulamento da UE relativo à ATS tem por objetivo, nomeadamente, assegurar que o mecanismo que permite realizar avaliações clínicas é apresentado uma única vez a nível da União, a fim de promover a disponibilidade de tecnologias de saúde inovadoras para os doentes na Europa e de utilizar os recursos disponíveis com eficiência, melhorando simultaneamente a previsibilidade comercial.

4.2.

O CESE considera correta a decisão da Comissão de optar pelo instrumento jurídico de um regulamento em vez de outras formas jurídicas, porque desse modo se assegura uma cooperação mais direta e eficaz a nível dos Estados-Membros, bem como entre os mesmos, com uma abordagem europeia.

4.3.

A proposta de regulamento procura também assegurar que as metodologias e os procedimentos aplicados nas ATS sejam mais previsíveis em toda a UE e que as avaliações clínicas conjuntas não sejam repetidas a nível nacional, evitando assim as duplicações e as divergências. Considera-se que a opção preferida oferece a melhor combinação de eficiência e eficácia na consecução dos objetivos estratégicos, respeitando simultaneamente os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. É a opção que melhor permite atingir os objetivos do mercado interno.

4.4.

O CESE concorda que a proposta proporciona aos Estados-Membros um quadro sustentável que lhes permite partilhar conhecimentos especializados e reforçar a tomada de decisões com base em elementos de prova, e os apoia nos esforços desenvolvidos para garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde nacionais. A opção preferida também é eficiente em termos de custos, na medida em que os custos são significativamente compensados pelas poupanças para os Estados-Membros, a indústria e as PME resultantes da partilha de recursos, da eliminação de duplicações e da melhoria da previsibilidade comercial. A proposta contém disposições relativas à utilização de ferramentas comuns de ATS, prevê uma aplicação progressiva do âmbito de aplicação, começando com os medicamentos contra o cancro, os medicamentos órfãos e os medicamentos de terapia avançada, e estabelece os quatro pilares para o trabalho conjunto dos Estados-Membros a nível da UE, a saber, as avaliações clínicas conjuntas, as consultas conjuntas, a identificação de tecnologias de saúde emergentes e a cooperação voluntária.

4.5.

O CESE, embora concorde com um calendário de aplicação pormenorizado, considera que o papel significativo da inteligência artificial, juntamente com a transformação digital, alterou o panorama da saúde e dos cuidados de saúde, oferecendo estratégias de tratamento rápidas. Por conseguinte, o CESE manifesta preocupação com o calendário previsto para a aplicação e, em particular, com o facto de se diferir a aplicação por três anos, como estabelecido no artigo 5.o, n.o 2, alínea b) (8), e considera que, em benefício dos doentes e da relação custo-eficácia, este período poderia ser encurtado.

4.6.

Uma abordagem centrada no doente é a única forma de assegurar que os cuidados de saúde são adequados e pertinentes. Por este motivo, a rede de partes interessadas proposta, o grupo de coordenação e quaisquer avaliações clínicas devem ter em conta o papel dos doentes, dos cuidadores, da economia social e das associações de doentes. Apoiamos o apelo do Fórum Europeu dos Pacientes à participação obrigatória e significativa da comunidade de doentes, a fim de assegurar que as ATS são levadas a cabo no interesse dos doentes (9).

5.   Que opções legislativas e não legislativas foram ponderadas? Há uma opção preferida?

5.1.

O CESE entende que a proposta de regulamento está em conformidade com os objetivos gerais da UE, incluindo o bom funcionamento do mercado interno, a sustentabilidade dos sistemas de saúde e um programa de investigação e inovação ambicioso.

5.1.1.

Além de estar em consonância com estes objetivos políticos da UE, a proposta é também coerente com os Tratados e a legislação da UE em vigor sobre medicamentos, dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e dispositivos médicos (10). A título de exemplo, embora o processo regulamentar e o processo de ATS continuem a estar claramente separados, uma vez que têm finalidades diferentes, há oportunidades para criar sinergias através da partilha de informações e de um melhor alinhamento dos calendários processuais entre as avaliações clínicas conjuntas propostas e o procedimento centralizado de autorização de introdução no mercado dos medicamentos (11).

5.2.

A base jurídica da proposta consiste nos artigos 114.o e 116.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

5.2.1.

Os artigos 114.o e 116.o do TFUE permitem a adoção de medidas de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros, desde que sejam necessárias para o estabelecimento ou o funcionamento do mercado interno, assegurando, ao mesmo tempo, um nível elevado de proteção da saúde pública.

5.2.2.

A proposta legislativa deve observar igualmente o disposto no artigo 168.o, n.o 7, do TFUE, nos termos do qual a ação da União respeita as responsabilidades dos Estados-Membros no que se refere à definição das respetivas políticas de saúde, bem como à organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos.

5.2.3.

Embora seja muito claro que os Estados-Membros da UE continuarão a ser responsáveis pela avaliação dos aspetos não clínicos (por exemplo, económicos, sociais ou éticos) das tecnologias de saúde e pela tomada de decisões em matéria de fixação de preços e reembolso, o CESE propõe que se reflita sobre uma política de preços comum na UE, e que esta seja objeto de um estudo separado — a fim de assegurar a transparência e o acesso de todos os cidadãos — para os medicamentos, os dispositivos médicos e os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e, em particular, para os que tenham sido sujeitos a ATS, com o objetivo de melhorar o acesso de todos os cidadãos europeus e evitar importações ou exportações paralelas com base apenas no preço. Tal permitiria apoiar as comissões nacionais pertinentes no que respeita ao registo nas tabelas de preços ou os observatórios (que estabelecem os preços máximos admissíveis), que existem em alguns países, especialmente para os dispositivos médicos.

5.3.

Embora o termo «tecnologia de saúde» deva «ser entendido num sentido lato, englobando os medicamentos, os dispositivos médicos» e os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro ou «os procedimentos médicos ou cirúrgicos, bem como as medidas de prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças utilizadas na prestação de cuidados de saúde», as avaliações clínicas conjuntas estão limitadas aos medicamentos submetidos ao procedimento centralizado de autorização de introdução no mercado, às novas substâncias ativas e aos medicamentos existentes cuja autorização de introdução no mercado seja alargada a uma nova indicação terapêutica, assim como a determinadas classes de dispositivos médicos e de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro para os quais os painéis de peritos relevantes estabelecidos em conformidade com os Regulamentos (UE) 2017/745 (12) e (UE) 2017/746 (13) tenham emitido os seus pareceres ou observações e que tenham sido selecionados pelo grupo de coordenação criado ao abrigo do regulamento em apreço.

5.4.

A fim de prevenir as doenças degenerativas, bem como reduzir a admissão hospitalar indevida de pessoas idosas e dependentes, devem ser adotadas medidas para aumentar a qualidade dos cuidados de saúde e da assistência social e, desse modo, melhorar a segurança e o bem-estar dos doentes.

5.4.1.

O CESE considera que importa agir e adotar medidas para apoiar os hospitais no controlo, prevenção e redução das infeções nosocomiais, e que o âmbito de aplicação do regulamento deve ser alargado de modo a incluir essas medidas, que podem ser muito úteis em caso de pandemias como a atual. O exemplo concreto refere-se às cerca de 37 000 pessoas (14) que todos os anos morrem de infeção nosocomial na Europa. É urgente melhorar a segurança dos doentes e a qualidade dos serviços de saúde prestados, colocando a ênfase na prevenção das infeções nosocomiais e na utilização racional dos antibióticos.

6.   Quais são os custos da opção preferida?

6.1.

O CESE considera que a opção preferida é eficiente em termos de custos, na medida em que os custos são significativamente compensados pelas poupanças para os Estados-Membros e a indústria (15) resultantes da partilha de recursos, da eliminação de duplicações e da melhoria da previsibilidade comercial.

6.2.

O CESE apoia a ideia de atribuir financiamento suficiente ao trabalho conjunto e à cooperação voluntária entre os Estados-Membros em matéria de ATS em domínios como o desenvolvimento e a implementação de programas de vacinação, a fim de assegurar a disponibilidade de recursos suficientes (16) para o trabalho conjunto previsto na proposta de regulamento e para o quadro de apoio a estas atividades.

6.3.

A fim de assegurar a eficiência em termos de custos e de tempo, o CESE propõe que o grupo de coordenação composto por representantes dos Estados-Membros possa examinar entre uma e três questões em paralelo, ou seja, uma questão que diga respeito aos medicamentos contra o cancro, aos medicamentos órfãos e aos medicamentos de terapia avançada, uma que diga respeito a todos os outros medicamentos e uma que diga respeito aos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e aos dispositivos médicos. As decisões destes organismos científicos devem ser tomadas mediante votação por maioria simples.

6.4.

O total das despesas com os cuidados de saúde (públicos e privados) na UE ascende a cerca de 1,3 biliões de euros por ano (17) (incluindo 220 mil milhões de euros para os produtos farmacêuticos (18) e 100 mil milhões de euros para os dispositivos médicos (19)). Logo, as despesas com os cuidados de saúde representam, em média, cerca de 10 % do PIB da UE (20).

6.5.

O CESE considera que o envelhecimento crescente da população, juntamente com a maior prevalência de doenças crónicas e ocorrência de pandemias, aumenta a necessidade de investir nos sistemas de saúde e nos cuidados de saúde, ao mesmo tempo que os Estados-Membros enfrentam restrições orçamentais cada vez maiores.

6.6.

O CESE considera ainda que, por força dessa evolução, os Estados-Membros terão de continuar a melhorar a eficiência e a eficácia dos orçamentos da saúde, centrando-se em tecnologias de saúde eficazes e, simultaneamente, mantendo os incentivos à inovação (21).

6.7.

O CESE apoiaria a concessão de incentivos fiscais em alguns Estados-Membros, bem como, eventualmente, a revisão em alta do limiar de minimis aplicável aos auxílios estatais. Uma das propostas a considerar diz respeito à possibilidade de revisão em alta dos limiares de minimis aplicáveis aos auxílios estatais, para os quais se poderia prever um aumento, dos atuais 200 000 euros para pelo menos 700 000 euros no caso das PME que operam nos setores da saúde e da assistência social, introduzindo requisitos de qualidade adicionais, como o trabalho em projetos que exijam a cooperação entre várias empresas, a realização de investimentos na investigação e na inovação ou o reinvestimento de todos os lucros na própria empresa. Essas medidas poderiam ser úteis para incentivar as PME e as empresas da economia social a investir mais na investigação, na inovação e no desenvolvimento da cooperação em rede (22).

6.8.

O CESE considera que o financiamento público é muito importante para a ATS, e este aspeto poderia certamente ser reforçado através de um trabalho conjunto de cooperação e evitando a duplicação de esforços. Estima-se que cada ATS nacional custe aproximadamente 30 000 euros aos organismos nacionais e 100 000 euros ao setor da saúde (23). Pressupondo que, por exemplo, dez Estados-Membros realizam ATS para a mesma tecnologia e que essas avaliações poderiam ser substituídas por um relatório conjunto, poderia obter-se uma poupança de até 70 %, mesmo admitindo que, devido à necessidade acrescida de coordenação, uma avaliação conjunta custe o triplo de um único relatório nacional. Esses recursos podem ser economizados ou reafetados a outras atividades relacionadas com a ATS. No entanto, tendo em conta o custo muito elevado das novas tecnologias, é necessário que a ATS utilizada por um Estado-Membro para decidir sobre o reembolso de uma tecnologia esteja ligada ao arsenal terapêutico do Estado-Membro em causa. No caso dos tratamentos oncológicos, por exemplo, que ultrapassam frequentemente os 100 000 euros por doente, o custo de uma avaliação clínica inadequada será muito superior às economias obtidas com a avaliação conjunta. Importa referir que a Coligação Europeia de Doentes com Cancro acolhe favoravelmente a proposta e observa que, ao evitarem a duplicação de esforços, as avaliações clínicas conjuntas eliminarão o risco de resultados divergentes e reduzirão assim os atrasos no acesso a novos tratamentos (24). De igual modo, a Associação Internacional do Mutualismo (AIM) constata com agrado que a Comissão propõe que se confira à cooperação no domínio da ATS a nível da UE um estatuto mais permanente (25).

6.9.

Dado que engloba interesses económicos de monta, o setor das tecnologias de saúde é propenso a conflitos de interesses, pelo que é muito importante organizar a ATS de forma objetiva, independente, rigorosa e transparente, como indicado na proposta.

7.   Como serão afetadas as PME e as microempresas?

7.1.

O CESE considera que a proposta deverá beneficiar as PME, bem como as empresas da economia social que operam no setor, uma vez que o relatório de avaliação clínica se baseará num dossiê de informações completas e atualizadas, reduzindo assim os encargos administrativos e os custos de conformidade relacionados com a necessidade de apresentar vários dossiês para cumprir os diferentes requisitos das ATS nacionais. Tal aumentará a participação das PME, pelo que o CESE lamenta a ausência de disposições específicas para estas empresas. Em particular, as avaliações clínicas conjuntas e as consultas científicas conjuntas previstas na proposta aumentarão a previsibilidade comercial para o setor. Este aspeto é particularmente relevante para as PME e para as empresas sociais, pelo facto de terem geralmente uma carteira de produtos mais reduzida e disporem de recursos próprios e capacidades de ATS limitados (26). Importa assinalar que a proposta não prevê a aplicação de taxas para as avaliações clínicas conjuntas ou as consultas científicas conjuntas, o que também é muito importante para o emprego (nomeadamente para a redução do desemprego). Espera-se que a melhor previsibilidade comercial resultante do trabalho conjunto em matéria de ATS em toda a UE venha a ter um impacto positivo na competitividade do setor das tecnologias de saúde da UE.

7.2.

Um verdadeiro incentivo socioeconómico para as PME consistiria em encorajar a sua participação em programas europeus de financiamento do desenvolvimento ao abrigo dos quadros de referências estratégicos nacionais (QREN) para além de 2020. Os programas QREN para o período 2014-2020 continham disposições específicas para os programas de investigação e desenvolvimento destinados a reduzir a pobreza e o desemprego.

7.2.1.

O CESE entende que esses programas não só devem ser mantidos como também alargados, tendo em conta o âmbito mais alargado dos princípios da proposta de regulamento, e servir de incentivo à investigação, ao desenvolvimento e à inovação.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à avaliação das tecnologias de saúde e que altera a Diretiva 2011/24/UE.

(2)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/health-technology-assessment

(3)  Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos pacientes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (JO L 88 de 4.4.2011, p. 45).

(4)  Ação Comum 1 da EUnetHTA, 2010-2012; Ação Comum 2 da EUnetHTA, 2012-2015; Ação Comum 3 da EUnetHTA, 2016-2019. Ver: http://www.eunethta.eu/

(5)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/health-technology-assessment

(6)  http://www.astrid-online.it/static/upload/7787/7787e169a7f0afc63221153a6636c63f.pdf

(7)  http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/european_economy/2015/pdf/ee3_en.pdf

(8)  Ver nota de rodapé n.o 1.

(9)  Declaração de posição do grupo de trabalho das redes europeias de defesa dos doentes com cancro (WECAN) sobre uma maior integração da ATS na UE, https://wecanadvocate.eu/wecan-position-further-eu-integration-of-hta/

(10)  A legislação pertinente inclui a Diretiva 2001/83/CE, o Regulamento (CE) n.o 726/2004, o Regulamento (UE) n.o 536/2014, o Regulamento (UE) 2017/745 e o Regulamento (UE) 2017/746.

(11)  Note-se que a necessidade de melhores sinergias foi também reconhecida pelos Estados-Membros no documento de reflexão da rede ATS «Synergies between regulatory and HTA issues on pharmaceuticals» [Sinergias entre as questões regulamentares e de ATS no domínio dos produtos farmacêuticos], bem como pela EUnetHTA e a EMA no seu relatório conjunto «Report on the implementation of the EMA-EUnetHTA three-year work plan 2012-2015» [Relatório sobre a execução do plano de trabalho trienal EMA-EUnetHTA de 2012-2015].

(12)  JO L 117 de 5.5.2017, p. 1.

(13)  JO L 117 de 5.5.2017, p. 176.

(14)  http://www.cleoresearch.org/en/

(15)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52018SC0041. A poupança de custos associada a avaliações conjuntas (avaliações da eficácia relativa) pode ascender a 2,67 milhões de euros por ano.

(16)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52018SC0041. O custo total da opção preferida foi estimado em cerca de 16 milhões de euros.

(17)  Dados do Eurostat, extraídos do documento de trabalho dos serviços da Comissão «Pharmaceutical Industry: A Strategic Sector for the European Economy» [Indústria farmacêutica: Um setor estratégico para a economia europeia], Direção-Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME (DG GROW), 2014. Eurostat, despesas das prestações de cuidados de saúde em todos os Estados-Membros, dados de 2012 ou últimos dados disponíveis. No caso da Irlanda, Itália, Malta e Reino Unido, estes dados são complementados com os dados da saúde da OMS (taxa de câmbio anual do BCE).

(18)  https://ec.europa.eu/smart-regulation/roadmaps/docs/2016_sante_144_health_technology_assessments_en.pdf

(19)  Comunicação «Dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro seguros, eficazes e inovadores a bem dos doentes, consumidores e profissionais de saúde», COM(2012) 540 final. Análises do Banco Mundial, da EDMA, da Episcom e da Eucomed.

(20)  Comissão Europeia. Ficha temática do Semestre Europeu: «Health and Health systems» [Saúde e sistemas de saúde], 2015. Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros (DG ECFIN), «Cost-containment policies in public pharmaceutical spending in the EU» [Políticas de contenção dos custos nas despesas públicas com medicamentos na UE], 2012. Ver também: http://ec.europa.eu/smart-regulation/roadmaps/docs/2016_sante_144_health_technology_assessments_en.pdf

(21)  DG ECFIN, «Cost-containment policies in public pharmaceutical spending in the EU» [Políticas de contenção dos custos nas despesas públicas com medicamentos na UE], 2012.

(22)  Atualmente, o Regulamento (UE) n.o 1407/2013 prevê um limiar de 200 000 euros durante três anos a título de auxílio estatal que pode ser concedido a uma empresa, inclusive sob a forma de redução da carga fiscal. Em 2008, ao abrigo do Plano de Relançamento da Economia Europeia, a Comissão aumentou temporariamente o limiar para 500 000 euros a fim de dar resposta à crise económica. Importa reconhecer que o impacto nos sistemas de saúde do aumento da procura dos serviços de saúde, nomeadamente no que diz respeito às pessoas dependentes, será uma das principais despesas para os sistemas de saúde dos Estados-Membros, pelo que seria útil prever um regime especial de incentivos e de apoio, em particular para as empresas que prestam serviços locais de assistência social.

(23)  DG ECFIN, «The 2015 Ageing report» [Relatório de 2015 sobre o envelhecimento], 2015. OCDE, 2015. «Pharmaceutical expenditure and policies: past trends and future challenges» [Políticas e despesas com produtos farmacêuticos: tendências passadas e desafios futuros].

(24)  http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2018/614772/EPRS_BRI(2018)614772_EN.pdf

(25)  https://www.aim-mutual.org/wp-content/uploads/2018/02/AIM-on-HTA.pdf

(26)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52018SC0041


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/102


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE no que respeita à atribuição de competências de execução à Comissão para determinar o significado dos termos utilizados em determinadas disposições dessa diretiva»

[COM(2020) 749 final — 2020/331 (CNS)]

(2021/C 286/18)

Relator:

Christophe LEFÈVRE

Consultas

Conselho da União Europeia, 7.1.2021

Base jurídica

Artigo 113.o do TFUE

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

13.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

226/2/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia o objetivo geral da proposta da Comissão, uma vez que a garantia de segurança jurídica e de previsibilidade no que diz respeito à Diretiva IVA (1) é fundamental para criar condições de concorrência equitativas entre os Estados-Membros e para consolidar o mercado único.

1.2.

As divergências existentes entre os Estados-Membros, tanto em matéria de interpretação como de aplicação da Diretiva IVA, são indubitavelmente prejudiciais para o mercado único, tal como salientado pela Comissão. Por conseguinte, o CESE solicita uma ação rápida e eficaz a este respeito.

1.3.

Uma aplicação mais uniforme das regras em matéria de IVA poderia, com efeito, reduzir os custos de conformidade e favorecer o crescimento de todas as empresas que operam na UE e, em particular, das PME com atividades transnacionais, uma vez que são mais afetadas pelas diferenças regulamentares entre os Estados-Membros.

1.4.

As disparidades na aplicação das regras em matéria de IVA podem provocar distorções consideráveis em todo o mercado interno e, por conseguinte, ter consequências sociais negativas que cabe prevenir através do reforço da coerência na aplicação das regras em vigor.

1.5.

No entanto, o CESE não pode deixar de observar que a proposta da Comissão e, em particular, as questões que tenciona abordar através do novo conjunto de regras poderão encontrar forte resistência da parte de muitos Estados-Membros, que provavelmente levantarão «objeções de princípio» à proposta da Comissão.

1.6.

Por conseguinte, o CESE apela para que se ponderem outras medidas suscetíveis de melhorar o mercado único o mais rapidamente possível. No atual contexto político, o CESE propõe que a Comissão, em primeiro lugar, pondere melhorar e reforçar o atual Comité Consultivo do IVA (doravante «Comité do IVA») e o respetivo processo de decisão, a fim de reforçar o grau atualmente insatisfatório de aplicação uniforme das regras em matéria de IVA nos Estados-Membros.

1.7.

Além disso, o CESE considera útil identificar devidamente transposições e aplicações divergentes a nível nacional das regras acordadas em matéria de IVA. É importante que as diferenças existentes sejam transparentes, claras e públicas, a fim de melhorar a aplicação uniforme das regras no âmbito do atual quadro regulamentar.

1.8.

Tal abordagem poderia resultar num sistema eficaz de «pressão interpares», tornando muito mais difícil que os Estados-Membros se afastem das interpretações consolidadas e das práticas de aplicação e, ao fazê-lo, prejudiquem o mercado interno.

1.9.

Além disso, o CESE considera importante que a Comissão realize avaliações do impacto das eventuais diferenças na aplicação ou na interpretação das regras acordadas em matéria de IVA em todos os Estados-Membros. As avaliações de impacto devem ser públicas, e o Comité do IVA deve debatê-las e acompanhá-las devidamente.

1.10.

Por último, o CESE gostaria de chamar a atenção para eventuais efeitos indesejados da nova proposta. A atribuição de competências de execução à Comissão para definir alguns dos principais conceitos da Diretiva IVA pode dificultar a distinção entre ações que se inserem no âmbito das novas competências da Comissão, por um lado, e ações que constituem efetivamente uma alteração da Diretiva IVA, por outro. Essa incerteza poderá, eventualmente, impedir um acordo por unanimidade a nível do Conselho, necessário para alterar a Diretiva IVA no futuro.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A proposta legislativa em apreço salienta que a Comissão não possui, atualmente, competências de execução em relação à Diretiva IVA. A este respeito, o único instrumento existente para aplicar as disposições da diretiva é o Comité do IVA, previsto no artigo 398.o da diretiva.

2.2.

Este comité é composto por representantes dos Estados-Membros e da Comissão e examina as questões relativas à aplicação das disposições da UE em matéria de IVA suscitadas pela Comissão ou por um Estado-Membro. Atualmente, o Comité do IVA só pode aprovar orientações não vinculativas sobre a aplicação da Diretiva IVA, devendo quaisquer medidas de execução vinculativas ser adotadas pelo Conselho com base numa proposta da Comissão.

2.3.

Segundo a Comissão, as orientações existentes nem sempre asseguram uma aplicação uniforme da legislação da UE em matéria de IVA, nomeadamente devido às dificuldades demonstradas em adotar orientações por unanimidade no Comité do IVA. Quanto ao assunto em apreço, a Comissão enumera vários exemplos de insucesso na obtenção de um acordo por unanimidade sobre regras e princípios relativos às disposições estratégicas e conceitos constantes da Diretiva IVA.

2.4.

A Comissão acrescenta ainda que tais disparidades podem ter diversos efeitos nocivos, incluindo i) o risco de dupla tributação ou de ausência de tributação; ii) incerteza jurídica e falta de previsibilidade; e iii) custos adicionais para as empresas. A este respeito, e não obstante a sua utilidade, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia não seria, segundo a Comissão, uma via ideal para resolver todas as incertezas decorrentes das disposições da Diretiva IVA.

2.5.

Por conseguinte, a fim de melhorar a segurança jurídica e a previsibilidade, a proposta legislativa prevê habilitar a Comissão a adotar atos de execução em determinados domínios abrangidos pela Diretiva IVA e criar um comité para supervisionar as novas competências da Comissão.

2.6.

As competências de execução da Comissão propostas centrar-se-ão nos domínios e conceitos específicos relacionados com as regras da UE em matéria de IVA, que exigem uma aplicação uniforme e que carecem de maior certeza e previsibilidade. Por sua vez, o Conselho manterá as suas competências de execução em domínios não abrangidos pelo novo âmbito de competências da Comissão proposto.

2.7.

Em particular, as novas regras estabelecem que a Comissão, por meio de atos de execução, determinará o significado dos termos utilizados nos domínios/conceitos seguintes da Diretiva IVA: i) sujeitos passivos para efeitos de IVA; ii) operações tributáveis para efeitos de IVA; iii) lugar da operação tributável; iv) fator gerador e exigibilidade do IVA; v) valor tributável em sede de IVA; vi) isenções de IVA; vii) deduções em sede de IVA; viii) obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos e ix) regimes especiais do imposto.

2.8.

A base jurídica da proposta em apreço é o artigo 113.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), nos termos do qual o Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial e após consulta do Parlamento Europeu e do Comité Económico e Social Europeu, adota disposições relacionadas com a harmonização das disposições dos Estados-Membros em matéria de tributação indireta.

2.9.

De acordo com a proposta, a atribuição de competências de execução à Comissão não exclui um controlo geral pelos Estados-Membros sobre o exercício dessas competências pela Comissão.

2.10.

As novas regras preveem a criação de um comité específico. As disposições relativas à composição e à presidência do comité são as estabelecidas no artigo 3.o do Regulamento Comitologia.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

O CESE acolhe favoravelmente e apoia o objetivo geral da proposta da Comissão. Garantir a segurança jurídica e a previsibilidade no que diz respeito à Diretiva IVA é da maior importância para a criação de condições de concorrência equitativas e para a consolidação do mercado único.

3.2.

As atuais disparidades entre os Estados-Membros na aplicação desta diretiva são prejudiciais para o mercado único, tal como salientado pela Comissão. Além disso, o quadro regulamentar torna-se ainda mais complicado devido às disparidades não só na aplicação, mas também, e antes de mais, na interpretação das regras e dos conceitos da Diretiva IVA.

3.3.

Uma aplicação mais uniforme das regras em matéria de IVA poderia, com efeito, reduzir os custos de conformidade e favorecer o crescimento de todas as empresas que operam na UE e, em particular, das PME com atividades transnacionais. A consolidação do próprio mercado interno poderá beneficiar consideravelmente com o reforço da coerência entre os Estados-Membros em matéria de IVA.

3.4.

Há inúmeros exemplos de disparidades prejudiciais na aplicação das regras acordadas em matéria de IVA. Por exemplo, não existe consenso nem interpretação comum para determinar se um «entreposto» é ou não um «estabelecimento estável de um sujeito passivo» ou para definir o significado da expressão «fornecedor […] que proceda por si próprio ou por um terceiro agindo por sua conta à expedição ou ao transporte dos bens», constante do artigo 36.o-A, n.o 3, da Diretiva IVA.

3.5.

O CESE assinala que as disparidades na aplicação das regras em matéria de IVA podem provocar distorções consideráveis em todo o mercado interno e, por conseguinte, ter consequências sociais negativas que são inaceitáveis e que cabe prevenir através do reforço da coerência na aplicação das regras em vigor em matéria de IVA.

3.6.

No entanto, o CESE não pode deixar de observar que a proposta da Comissão poderá enfrentar obstáculos consideráveis por parte de vários Estados-Membros quanto à determinação das questões a tratar ao abrigo do novo conjunto de regras e das questões a tratar no âmbito das regras em vigor aplicáveis à alteração das diretivas IVA. Por conseguinte, o CESE apela para que se ponderem outras medidas suscetíveis de melhorar o mercado único o mais rapidamente possível.

3.7.

No atual contexto político, o CESE propõe que a Comissão, em primeiro lugar, pondere melhorar o atual Comité do IVA. É possível reforçar esse comité e torná-lo mais eficaz, preservando assim o papel significativo dos Estados-Membros e melhorando o grau atualmente insatisfatório de aplicação uniforme.

3.8.

O CESE considera útil identificar devidamente transposições e aplicações divergentes a nível nacional das regras acordadas em matéria de IVA. É importante que as diferenças sejam transparentes, claras e públicas, a fim de melhorar a aplicação uniforme das regras no âmbito do atual quadro regulamentar. Apesar de todas as limitações e lacunas descritas pela Comissão, o Comité do IVA acumulou uma experiência significativa no tratamento de questões complexas relacionadas com a Diretiva IVA.

3.9.

O CESE propõe uma abordagem de «pressão interpares». Tal abordagem poderia ser eficaz, tornando muito mais difícil que os Estados-Membros divirjam e criem obstáculos ao bom funcionamento do mercado único. Os Estados-Membros teriam de explicar por que razão se verificou um desvio na aplicação das regras. O CESE considera que os Estados-Membros não se devem opor à transparência e à responsabilização.

3.10.

Além disso, o CESE considera importante que a Comissão realize avaliações do impacto das eventuais disparidades na aplicação ou na interpretação das regras acordadas em matéria de IVA em todos os Estados-Membros. As avaliações de impacto devem ser públicas, e o Comité do IVA deve debatê-las e acompanhá-las.

3.11.

Seguindo esta linha de raciocínio, as justificações para desvios em relação às regras comuns e à sua aplicação acordada poderiam ser contestadas, sem prejuízo do princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade.

3.12.

Por último, o CESE gostaria de chamar a atenção para eventuais efeitos indesejados da nova proposta. A atribuição de competências de execução à Comissão para definir alguns dos principais conceitos da Diretiva IVA pode dificultar a distinção entre ações que se inserem no âmbito destas novas competências da Comissão, por um lado, e ações que constituem efetivamente uma alteração da Diretiva IVA, por outro. Essa incerteza poderá, eventualmente, impedir um acordo por unanimidade a nível do Conselho, necessário para alterar a Diretiva IVA no futuro.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 347 de 11.12.2006, p. 1.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/106


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 389/2012 do Conselho relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo no respeitante ao conteúdo dos registos eletrónicos»

[COM(2021) 28 final — 2021/0015 (CNS)]

(2021/C 286/19)

Relator:

Szilárd PODRUZSIK

Consulta

Conselho da União Europeia, 5.2.2021

Base jurídica

Artigo 113.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

13.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

230/0/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Tal como salientado em anteriores ocasiões (1), o Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia plenamente a atualização contínua das regras que permitem um grau adequado de cooperação administrativa entre as autoridades fiscais nacionais. Além disso, o CESE apoia os esforços da Comissão e dos Estados-Membros no sentido de utilizarem da melhor forma possível as tecnologias da informação (TI) e os sistemas tecnologicamente avançados para melhorar a cobrança de impostos e combater a fraude.

1.2.

A proposta da Comissão conta com o pleno apoio do CESE, na medida em que introduz adaptações técnicas à legislação em vigor relativa aos registos nacionais dos impostos especiais de consumo, que se tornaram necessárias na sequência da recente aprovação da Diretiva (UE) 2020/262 (2).

1.3.

O CESE recorda a importância de organizar e gerir os registos nacionais dos impostos especiais de consumo, respeitando o direito à privacidade no que diz respeito às informações inseridas e tratadas nesses registos. O tratamento de tais dados não deve exceder o necessário e proporcionado para efeitos da proteção do legítimo interesse fiscal dos Estados-Membros, em conformidade com o princípio da proporcionalidade enunciado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

1.4.

Uma vez que se tornou necessário adaptar os registos nacionais na sequência da aprovação da Diretiva (UE) 2020/262, que estabelece as definições de «expedidor certificado» e de «destinatário certificado», bem como as definições adicionais de «expedidor certificado ou […] destinatário certificado que envie ou receba produtos [sujeitos a impostos especiais de consumo] apenas ocasionalmente», o CESE recomenda que a Comissão garanta um grau de harmonização suficiente na interpretação e na aplicação de tais conceitos, a fim de assegurar a homogeneidade das informações inseridas nos registos nacionais.

1.5.

O CESE convida os Estados-Membros a analisar e a controlar atentamente os custos de aplicação durante o processo de adaptação decorrente da proposta da Comissão. No entanto, caso o processo de adaptação demonstre que são necessárias despesas adicionais para proteger plenamente a privacidade das empresas e dos cidadãos europeus, haverá que realizar rapidamente investimentos suplementares adequados em TI e na cibersegurança dos registos.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A proposta da Comissão altera o Regulamento (UE) n.o 389/2012 do Conselho (3), que estabelece a base jurídica para a cooperação administrativa entre os Estados-Membros no domínio dos impostos especiais de consumo no respeitante ao conteúdo dos registos eletrónicos nacionais.

2.2.

A proposta resulta de um requisito da secção 5 da Diretiva (UE) 2020/262, aprovada recentemente. Em particular, o artigo 35.o, n.o 8, da diretiva estabelece que «[n]o caso de um expedidor certificado ou de um destinatário certificado que envie ou receba produtos apenas ocasionalmente, a certificação referida no artigo 3.o, pontos 12 e 13, limita-se a uma quantidade específica de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a um único destinatário ou expedidor e a um período de tempo especificado.»

2.3.

Tendo em conta esta disposição, a proposta da Comissão estabelece as informações a introduzir nos registos mantidos pelos Estados-Membros relativamente aos expedidores certificados e aos destinatários certificados que apenas ocasionalmente efetuem movimentos destes produtos.

2.4.

O artigo 19.o do Regulamento (UE) n.o 389/2012 do Conselho estabelece a obrigação geral de os Estados-Membros disporem de registos eletrónicos relativos às autorizações dos operadores económicos e entrepostos que efetuem movimentos de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, bem como às autorizações dos operadores económicos — expedidores certificados e destinatários certificados — que transportam produtos que já foram introduzidos no consumo.

2.5.

A fim de assegurar o bom funcionamento do sistema informatizado, assegurando o armazenamento de dados completos, atualizados e exatos, a proposta da Comissão tem por objetivo alargar o âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento (UE) n.o 389/2012 do Conselho, estabelecendo as informações a introduzir nos registos nacionais relativamente aos operadores económicos que apenas ocasionalmente efetuem movimentos de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

2.6.

Mais especificamente, estas informações dizem respeito, tanto para os expedidores certificados como para os destinatários certificados, à quantidade de produtos, à identidade do operador económico no final da circulação dos produtos e à duração da certificação temporária.

2.7.

A alteração proposta não pretende definir um novo círculo de titulares de autorizações de impostos especiais de consumo, mas relacionar os produtos em livre circulação num Estado-Membro, principalmente, com os conceitos já definidos de «entreposto fiscal», «destinatário registado» e «expedidor registado», associando-os aos novos estatutos de «expedidor certificado» e/ou «destinatário certificado». Por conseguinte, a alteração permite alargar e aperfeiçoar as informações já registadas na base de dados oficial.

2.8.

A proposta baseia-se no artigo 113.o do TFUE, nos termos do qual «o Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após consulta do Parlamento Europeu e do Comité Económico e Social, adota as disposições relacionadas com a harmonização das legislações relativas aos impostos sobre o volume de negócios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indiretos, na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno e para evitar as distorções de concorrência».

2.9.

A proposta não tem incidência no orçamento da UE e é aplicável a partir de 13 de fevereiro de 2023.

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1.

Como salientado em pareceres anteriores (4), o CESE apoia plenamente a atualização contínua das regras que permitem um grau adequado de cooperação administrativa entre as autoridades nacionais com vista a assegurar a cobrança integral dos impostos e combater eficazmente a fraude em matéria de impostos especiais de consumo.

3.2.

Além disso, o CESE apoia os esforços da Comissão e dos Estados-Membros para assegurar a melhor utilização possível das TI e dos sistemas tecnologicamente avançados no sentido de melhorar a cobrança de impostos e combater a fraude.

3.3.

A proposta em apreço conta, por conseguinte, com o pleno apoio do CESE, na medida em que introduz adaptações técnicas à legislação em vigor relativa aos registos nacionais dos impostos especiais de consumo, que se tornaram necessárias na sequência da recente aprovação da Diretiva (UE) 2020/262.

3.4.

O CESE considera útil dispor de uma base de dados exaustiva, que permita verificar as informações abrangidas pela proposta no sistema de intercâmbio de dados relativos a impostos especiais de consumo. Deste modo, é possível harmonizar o controlo das mercadorias tributadas e o cumprimento adequado da carga fiscal em termos de impostos especiais de consumo, tornando-os mais eficientes e mais transparentes.

3.5.

A proposta parece respeitar o princípio da subsidiariedade, uma vez que o conteúdo e o funcionamento dos registos nacionais relativos às informações sobre expedidores e destinatários registados que operam ocasionalmente devem ser harmonizados mediante regras europeias. Essas regras permitem atingir mais eficazmente o objetivo regulamentar da Comissão, se comparadas com a adoção de diversas abordagens nacionais. A este respeito, a escolha de um regulamento a adotar nos termos do artigo 113.o do TFUE afigura-se adequada.

3.6.

A proposta está também em conformidade com o princípio da proporcionalidade enunciado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e consagrado no Tratado. Com efeito, o conteúdo da proposta não excede o necessário para alcançar o objetivo regulamentar perseguido pela Comissão, e não afeta indevidamente o interesse das empresas privadas.

3.7.

Por outras palavras, a proposta implica, para as autoridades fiscais nacionais, um aumento aceitável dos encargos administrativos justificado pelo resultado final de tornar o sistema de controlo realizado através dos registos mais abrangente, mais eficiente e mais transparente.

3.8.

O CESE recorda a importância de organizar e gerir os registos nacionais dos impostos especiais de consumo respeitando os direitos fundamentais, em particular o direito à privacidade no que diz respeito às informações inseridas e tratadas nesses registos. O tratamento de tais dados não deve exceder o necessário e proporcionado para efeitos da proteção do legítimo interesse fiscal dos Estados-Membros, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

3.9.

Uma vez que a adaptação dos registos se tornou necessária na sequência da aprovação da Diretiva (UE) 2020/262, que estabelece as definições de «expedidor certificado» e de «destinatário certificado» (artigo 3.o), e as definições adicionais de «expedidor certificado ou […] destinatário certificado que envie ou receba produtos [sujeitos a impostos especiais de consumo] apenas ocasionalmente» (artigo 35.o), o CESE recomenda que a Comissão garanta um grau de harmonização suficiente na interpretação e na aplicação de tais conceitos, a fim de assegurar a homogeneidade das informações inseridas nos registos utilizados a nível nacional.

3.10.

O CESE observa que a proposta não terá incidência no orçamento da UE, mas, ao mesmo tempo, convida os Estados-Membros a analisarem e a controlarem atentamente os custos de aplicação durante o processo de adaptação. Contudo, se necessário, haverá que realizar investimentos suplementares adequados em TI, caso o processo de adaptação implique incorrer em despesas adicionais para proteger plenamente a privacidade das empresas e dos cidadãos europeus.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Ver Parecer do CESE «Cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo» (JO C 68 de 6.3.2012, p. 45).

(2)  JO L 58 de 27.2.2020, p. 4.

(3)  JO L 121 de 8.5.2012, p. 1.

(4)  Ver Parecer do CESE «Cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo» (JO C 68 de 6.3.2020, p. 45).


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/109


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Construir uma União Europeia da Saúde — Reforçar a resiliência da UE face a ameaças sanitárias transfronteiriças”»

[COM(2020) 724 final]

sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao reforço do papel da Agência Europeia de Medicamentos em matéria de preparação e gestão de crises no que diz respeito aos medicamentos e dispositivos médicos»

[COM(2020) 725 final — 2020/321(COD)]

sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 851/2004 que cria um Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças»

[COM(2020) 726 final — 2020/320 (COD)]

e sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde e que revoga a Decisão n.o 1082/2013/UE»

[COM(2020) 727 final — 2020/322 (COD)]

(2021/C 286/20)

Relator:

Ioannis VARDAKASTANIS (EL-III)

Consulta

Conselho, 14.12.2020

Parlamento Europeu, 14.12.2020

Comissão, 12.11.2020

Base jurídica

Artigo 168.o, n.o 5, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

232/3/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Com base no pacote legislativo para uma União Europeia da Saúde, a União Europeia (UE) e os Estados-Membros devem responder ao anseio dos residentes na UE de que a União desempenhe um papel mais ativo na proteção da sua saúde e na promoção do direito à saúde. De acordo com um inquérito recente da UE, 66 % dos seus cidadãos desejam que a UE tenha maior voz em questões relacionadas com a saúde. Além disso, 54 % dos participantes afirmaram que a saúde pública deve ser um domínio de despesa prioritário no orçamento da UE (1). É necessário melhorar, em particular, a capacidade da UE para prevenir, detetar, antever e gerir eficazmente as ameaças sanitárias transfronteiriças. Por conseguinte, assim que for possível avaliar plenamente esta pandemia e a resposta a nível nacional e da UE, deve proceder-se a um debate e, eventualmente, a uma análise da subsidiariedade e da repartição de competências, bem como das referências às ameaças sanitárias transfronteiriças e à preparação para as mesmas nos Tratados da UE. Por enquanto, devem prosseguir-se ações ambiciosas no âmbito do atual quadro dos Tratados.

1.2.

Ao longo da pandemia, os cidadãos residentes na UE viram e sentiram a falta de preparação global da UE para manter as pessoas em segurança, devido à fragmentação da sua arquitetura e da sua estratégia em matéria de cuidados de saúde, bem como a décadas de austeridade e de subinvestimento nos serviços de saúde e de assistência social. Esta situação acentuou a perda de vidas e aumentou os níveis de desigualdade e pobreza. Por outro lado, revelou que muitas pessoas ainda não estão protegidas contra a discriminação na UE ou não têm acesso a informações sobre saúde pública ou a cuidados de saúde. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reitera o seu apelo para uma convergência ascendente dos sistemas de saúde e de segurança social, bem como dos princípios gerais comuns da UE (2). As medidas de proteção da saúde devem sempre ser consentâneas com todos os direitos fundamentais e basear-se em sistemas de saúde solidários. O processo do Semestre Europeu deve avaliar o desempenho e as condições em matéria de gestão de crises e dos sistemas de saúde dos Estados-Membros.

1.3.

A pandemia de COVID-19 demonstrou o caráter essencial dos serviços de saúde e de prestação de cuidados e provou que a saúde é um bem público. Nesse sentido, a UE e os Estados-Membros devem assegurar a todos a igualdade de acesso a serviços de saúde e de assistência social de qualidade, dotados de recursos humanos e materiais adequados.

1.4.

Durante a pandemia, os profissionais da saúde, os assistentes sociais, os mediadores de saúde, os intervenientes da sociedade civil e os prestadores de serviços essenciais (alimentação, transportes) estiveram na linha da frente e demonstraram um elevado grau de solidariedade nos períodos mais difíceis. Deve conceder-se especial atenção aos trabalhadores do setor da saúde e à necessidade de melhorar as suas condições de trabalho, incluindo a remuneração, o recrutamento e a retenção destes trabalhadores, bem como a sua saúde e segurança. A pressão da pandemia levou muitos a ponderar abandonar a profissão. O pacote legislativo em apreço deve ter em conta estes elementos e o potencial contributo que todos os intervenientes mencionados podem dar no domínio da saúde. De igual modo, os órgãos de poder local, os prestadores de serviços e os trabalhadores do setor da saúde devem ser consultados de forma mais exaustiva. A melhoria da coordenação entre a UE, os Estados-Membros e o poder regional e local aumentará a eficiência, em benefício dos cidadãos na UE.

1.5.

Embora enalteça a solidariedade demonstrada pela UE no âmbito da estratégia de vacinação, o CESE assinala que há atrasos consideráveis na inoculação dos cidadãos. O CESE exorta a Comissão Europeia a assegurar que, conforme anunciou inicialmente, as vacinas continuem a ser um bem público e gratuito para todos. A disponibilidade de vacinas no futuro não deve ser prejudicada pelos direitos de propriedade intelectual nem pela legislação da UE relativa aos dados e à exclusividade de mercado. Além disso, os beneficiários de fundos da UE devem estar sujeitos a uma obrigação legal de partilhar os conhecimentos sobre tecnologias de saúde relacionados com a COVID-19.

1.6.

A pandemia expôs a relação tóxica entre doenças transmissíveis e não transmissíveis. A grande maioria das mortes por COVID-19 esteve associada a patologias subjacentes e preexistentes. Outro efeito observado foi o impacto nos doentes com doenças crónicas, cujo acesso a tratamento foi negativamente afetado pela pandemia. Por conseguinte, o mecanismo de resposta a situações de crise e a União Europeia da Saúde devem também centrar-se nas doenças não transmissíveis, nomeadamente na crise de saúde mental que já existia antes da pandemia, mas que está a atingir proporções alarmantes devido à pressão a que muitas pessoas têm sido sujeitas.

1.7.

No que diz respeito ao regulamento da UE relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde, o CESE salienta a necessidade de desenvolver medicamentos utilizáveis e a preços comportáveis para toda a população e constituir reservas dos mesmos; lançar imediatamente medidas de preparação para a proteção de grupos de alto risco, em especial das pessoas que se encontram em estruturas residenciais fechadas; desagregar melhor os dados recolhidos, a fim de proporcionar uma identificação clara das pessoas de maior risco; assegurar que as inovações e respostas da medicina estejam acessíveis a todos, independentemente dos seus rendimentos ou do Estado-Membro ou região onde residem.

1.8.

No que diz respeito ao mandato renovado do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), o CESE salienta a importância de fazer da redução das desigualdades de saúde na UE um elemento fundamental do trabalho deste organismo e de inscrever no seu mandato as doenças não transmissíveis, bem como de lhe proporcionar todas as condições para recolher dados totalmente desagregados e anonimizados e para elaborar recomendações sobre os fatores sociais e comerciais da saúde (3), conferindo-lhe igualmente um mandato para supervisionar os investimentos e elaborar recomendações sobre o financiamento dos mecanismos de vigilância, a avaliação de riscos, a preparação e a resposta no domínio da saúde, a nível nacional e da UE.

1.9.

No que se refere ao reforço do papel da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), o CESE preconiza que o Grupo Diretor dos Medicamentos e o Grupo Diretor dos Dispositivos Médicos integrem e consultem de forma significativa a sociedade civil e os parceiros sociais e que a EMA, além de assegurar um fornecimento coerente e suficiente de medicamentos e dispositivos médicos em toda a UE, colabore com todas as partes interessadas do setor da saúde para estabelecer um modelo europeu conducente a uma fixação dos preços dos medicamentos de forma justa, responsável e transparente.

1.10.

O novo pacote legislativo da UE em matéria de saúde deve conjugar-se com a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em especial com os princípios 12, 16, 17 e 18, e com o Plano de Ação para a Aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que propõe, nomeadamente, a criação de um espaço de dados de saúde na UE. Deve igualmente contribuir para a consecução do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.o 3.

1.11.

É necessário abordar a sobreposição de objetivos dos diferentes regulamentos e clarificar os mandatos das diferentes agências, a fim de aumentar a eficiência e evitar equívocos sobre a responsabilidade por cada ação. Além disso, cabe dar seguimento às observações formais recentemente formuladas pela Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD) sobre o pacote relativo à União Europeia da Saúde.

1.12.

O CESE considera que alguns elementos do pacote de regulamentos em apreço talvez sejam demasiado precoces, uma vez que ainda estamos em pleno período de pandemia de COVID-19 e a tomar conhecimento dos seus impactos. Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que é necessária uma ação urgente em determinados domínios da coordenação da UE em matéria de saúde. O CESE convida a Comissão Europeia a apresentar, até junho de 2021, um relatório sobre os ensinamentos entretanto retirados da pandemia.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE congratula-se com o pacote legislativo proposto pela Comissão Europeia com vista à construção de uma União Europeia da Saúde sólida. O pacote proposto inclui: a) a Comunicação — Construir uma União Europeia da Saúde, que visa reforçar a resiliência da UE face a ameaças sanitárias transfronteiriças; b) um novo regulamento relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde, destinado a aumentar a preparação, reforçar a vigilância e melhorar a comunicação de dados; c) o reforço das capacidades do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) para melhorar a proteção das pessoas residentes na UE e a resposta às ameaças sanitárias transfronteiriças; d) a criação de uma Autoridade de Resposta a Emergências Sanitárias da UE (HERA), a fim de apoiar eficazmente a resposta a nível da UE às ameaças sanitárias transfronteiriças; e e) a criação de uma nova Agência de Execução Europeia da Saúde e do Digital (HaDEA), encarregada de executar e gerir os programas de trabalho anuais do Programa UE pela Saúde.

2.2.

O CESE insta a UE e os Estados-Membros a cumprirem a vontade manifestada pelos cidadãos europeus de transformar a saúde numa prioridade. Como salienta a Comissão Europeia na sua comunicação, os cidadãos europeus «esperam que a UE assuma um papel mais ativo na proteção da sua saúde e, em especial, contra as ameaças para a saúde que transcendem as fronteiras nacionais».

2.3.

O pacote legislativo proposto pela Comissão Europeia é o ponto de partida para a concretização do direito a cuidados de saúde de qualidade e para o reforço de sistemas de saúde e de cuidados de saúde inclusivos para todos os cidadãos na UE, nos países vizinhos e nos países em fase de adesão à UE. Reforça igualmente a base do contributo da UE para a saúde pública mundial. Além disso, as parcerias internacionais da Comissão Europeia devem dar prioridade à proteção social na saúde.

2.4.

Embora o pacote relativo à União Europeia da Saúde constitua um passo na direção certa, é necessário ir além das medidas de coordenação. As novas medidas devem ser combinadas com uma eventual revisão dos Tratados da UE, nomeadamente do artigo 168.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a fim de alargar as competências da UE no domínio das emergências sanitárias e das ameaças transfronteiriças para a saúde e consagrar a proteção da saúde enquanto bem público. O artigo 35.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estipula o seguinte: «Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e ações da União é assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana». Para o efeito, cabe assegurar que os Estados-Membros investem adequadamente na saúde pública e na assistência social. É igualmente necessário ponderar o equilíbrio adequado entre os sistemas nacionais de saúde e de prestação de cuidados democraticamente aprovados e as necessidades comuns da Europa. Todas as fontes científicas relevantes devem contribuir para a adoção de decisões políticas responsáveis, devendo todas as iniciativas políticas da UE ser obrigatoriamente submetidas a uma avaliação do seu impacto na saúde. Por último, as medidas de proteção da saúde devem ser consentâneas com todos os direitos fundamentais. Quaisquer limitações desses direitos devem ser proporcionadas, passíveis de controlo pelos tribunais e conformes com os princípios da democracia e do Estado de direito.

2.5.

O CESE adotou previamente pareceres no domínio da saúde (4). Em junho de 2020, em reunião plenária, adotou igualmente a Resolução «Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19» (5).

2.6.

A melhoria da capacidade da UE para prevenir, antever e gerir eficazmente as ameaças sanitárias transfronteiriças de forma holística deve ser combinada com a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em especial dos princípios 12, 16, 17 e 18, e do Plano de Ação para a Aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que propõe, nomeadamente, a criação de um espaço de dados de saúde na UE. Tal espaço deve ser regulamentado como um bem público. Essa iniciativa deve também contribuir para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e ser associada a reformas financiadas pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que poderão permitir progressos no domínio da saúde em linha e da telemedicina acessíveis. O CESE aguarda com expectativa o painel de avaliação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que destacará os investimentos realizados através deste mecanismo no setor da saúde.

2.7.

Apesar dos programas de cooperação europeia entre regiões transfronteiriças e de mais de 20 anos de investimento de fundos da UE para promover a mobilidade dos doentes nestas zonas, ainda não se alcançou um modelo mais integrado de cuidados de saúde transfronteiriços. São necessários um novo ímpeto e uma visão de longo prazo para transformar os territórios transfronteiriços em catalisadores da solidariedade e da cooperação na saúde. No caso dos Estados-Membros que partilham uma fronteira terrestre, a estratégia de «prevenção, preparação e planeamento da resposta» deve incluir o conhecimento das estruturas de saúde pública e dos recursos humanos do Estado vizinho e prever a realização de exercícios transfronteiriços conjuntos.

2.8.

A pandemia aumentou drasticamente os níveis de pobreza e agravou as desigualdades já existentes, principalmente nos Estados-Membros fortemente atingidos por crises económicas na década anterior. A crise sanitária afetou gravemente a economia, o mercado de trabalho e a coesão social. Os impactos visíveis no mercado de trabalho são o aumento do desemprego, o congelamento da contratação, a escassez de novos postos de trabalho e a redução das horas de trabalho. Os dados do Eurostat revelam um claro impacto da pandemia nas taxas de desemprego na UE, sendo provável que a situação continue a agravar-se nos próximos anos. A taxa de desemprego na UE situava-se em 7,6 % em outubro de 2020, acima dos 6,6 % de novembro de 2019. A situação dos jovens é ainda mais grave, já que a taxa de desemprego disparou de 14,9 % para 17,7 % entre novembro de 2019 e novembro de 2020 (6). Importa salientar que o artigo 31.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece que «[t]odos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas». O artigo 3.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia também estabelece como meta o pleno emprego.

2.9.

Os sistemas de cuidados de saúde existentes em toda a UE — incluindo em Estados-Membros que foram afetados por políticas baseadas na austeridade, por um subinvestimento persistente e por cortes radicais na despesa pública na década anterior — não conseguiram responder eficazmente à enorme pressão provocada pela pandemia de COVID-19, que pôs em evidência as lacunas dos sistemas de saúde em toda a Europa e a necessidade de mudar a forma como concebemos os cuidados de saúde. Os cuidados de saúde não podem ser tratados como um bem de consumo. A igualdade de acesso ao tratamento, o reforço dos recursos humanos no setor da saúde e a melhoria das condições para os profissionais de saúde devem tornar-se uma prioridade.

2.10.

A estratégia coordenada da UE para a vacinação e a aquisição conjunta de vacinas revelou-se insuficiente. A UE continua a debater-se com dificuldades em matéria de capacidade de produção, o que resulta numa perda de vidas evitável. O CESE apela para uma revisão aprofundada do sistema central da UE para a aquisição de vacinas contra a COVID-19. Depois de vencida a pandemia, seria útil analisar como decorreu esta aquisição centralizada, o que funcionou e o que poderia ter sido melhor. É fundamental retirar todos os ensinamentos possíveis da situação atual e integrar esses ensinamentos no nosso planeamento futuro.

2.11.

Ao longo da pandemia, a sociedade civil e os parceiros sociais têm desempenhado um papel fundamental na proteção e na promoção dos direitos. As organizações da sociedade civil e os parceiros sociais devem estar no centro da conceção e execução de todas as ações futuras destinadas a melhorar a saúde dos europeus mais afetados pela COVID-19 — os idosos, em particular os que estão institucionalizados, os sem-abrigo, as pessoas em situação de pobreza, as pessoas com deficiência, os doentes crónicos, os migrantes, os refugiados, as minorias étnicas e as pessoas LGBTI+.

2.12.

A pandemia revelou que muitas pessoas ainda não estão protegidas contra a discriminação na UE ou não têm acesso a informações sobre saúde pública ou a cuidados de saúde essenciais. Além disso, observou-se o crescimento dos chamados «desertos médicos» (7). Segundo os Tratados da UE, as pessoas devem também poder viver sem discriminação. Atualmente, a proteção contra a discriminação a nível da UE no domínio dos cuidados de saúde não é abrangente. O facto de o Conselho não ter adotado a Diretiva Igualdade de Tratamento, publicada em 2008, significa, por exemplo, que a proteção contra a discriminação em razão da idade, da deficiência, do sexo ou da orientação sexual nos cuidados de saúde ainda não está garantida. Esta situação tornou-se evidente durante a pandemia. É necessário corrigir as lacunas nos serviços, no acesso e na proteção contra a discriminação na UE.

2.13.

O CESE está disponível para ser o ponto de contacto central para a participação das organizações da sociedade civil nos processos de criação de uma União Europeia da Saúde, reunindo os representantes das instituições da UE, dos Estados-Membros e das organizações da sociedade civil a nível nacional e da UE.

2.14.

A União Europeia da Saúde é uma novidade importante. Deve contribuir para melhorar o acesso à saúde, bem como a segurança e o bem-estar dos residentes na UE, reforçando o reconhecimento do empenho da União em servir os cidadãos e, consequentemente, protegendo também os Estados-Membros contra as ameaças crescentes do nacionalismo e do populismo. Por conseguinte, deverá ser um dos temas da Conferência sobre o Futuro da Europa. Nesse sentido, chama a atenção para as recomendações da OMS constantes do relatório da Comissão de Alto Nível sobre Emprego e Crescimento Económico no Setor da Saúde, intitulado «Working for health and growth: investing in the health workforce» [Trabalhar para a saúde e o crescimento: investir nos trabalhadores da saúde], bem como para o Plano de ação quinquenal para o emprego e o crescimento económico inclusivo no setor da saúde (2017-2021), que cabe aplicar no âmbito da melhoria da capacidade de resposta da UE a futuras emergências sanitárias.

2.15.

As medidas propostas não são suficientes para alcançar uma União Europeia da Saúde genuína e inclusiva. Esta iniciativa deve ir além da mera gestão de crises e visar, em última análise, uma Europa em que todos usufruam de um nível de saúde tão elevado quanto possível, com igualdade de acesso a tratamentos de qualidade elevada. Deve iniciar uma mudança sistémica no sentido de reforçar a capacidade de preparação, não só para pandemias futuras, mas também para outros desafios transfronteiriços em matéria de saúde, como a resistência antimicrobiana, a obesidade e as epidemias de doenças não transmissíveis que afetam todos os países europeus. Deve igualmente adotar a abordagem de «uma só saúde», explorando a relação entre o bem-estar humano, animal e ambiental, com vista a preservar a nossa saúde.

2.16.

Uma vez que, em muitos Estados-Membros, o poder local ou regional é responsável pela prevenção e pela prestação de serviços de saúde, é primordial que o pacote da UE em matéria de saúde preveja uma governação a vários níveis que integre plenamente os órgãos de poder local e regional, os organismos de resposta a emergências e os prestadores de serviços. Deve ficar claro que, em caso de ameaça grave para a saúde, os órgãos de poder local terão um papel fundamental a desempenhar na transmissão de informações e dados e na comunicação da disponibilidade de camas hospitalares, de enfermeiros e de dispositivos e medicamentos essenciais no seu território. Essas informações devem ser recolhidas centralmente a nível da UE e, no caso das regiões fronteiriças, deve existir solidariedade entre os Estados-Membros no apoio às regiões vizinhas e aos países em fase de adesão à UE que excederam a sua capacidade na prestação de cuidados de saúde de emergência. Em alguns Estados-Membros, os serviços de saúde são prestados por empresas da economia social sem fins lucrativos, tais como as mutualidades de seguros de saúde. Em todos os Estados-Membros, devem existir quadros jurídicos e financeiros adequados para estes serviços, a fim de assegurar a participação direta nas medidas da UE, a concorrência leal e a convergência ascendente em matéria de qualidade e acessibilidade, assegurando simultaneamente a observância do princípio de que a saúde é um bem público. Além disso, na mesma linha do seu Parecer «Rumo a um quadro jurídico europeu adequado às empresas da economia social», o CESE propõe a criação, na legislação da UE, de um quadro jurídico que integre melhor as empresas da economia social. Todas as partes interessadas pertinentes nos Estados-Membros devem ser integradas de forma direta, digital e célere pela equipa central de recolha de dados, a fim de maximizar a exatidão dos dados recolhidos e a qualidade de uma resposta coordenada da UE.

2.17.

A UE deve também prestar mais atenção ao recrutamento, à retenção e às condições de trabalho dos trabalhadores no setor dos cuidados de saúde e da assistência social. A segurança destes trabalhadores deve igualmente tornar-se uma prioridade, tendo em conta o número de vítimas mortais registadas neste grupo profissional durante a pandemia. Além disso, a UE deve recolher dados pertinentes e transparentes sobre o impacto da COVID-19 nos profissionais dos setores da saúde e da assistência social. Tal permitirá à UE e aos Estados-Membros avaliar com maior precisão as consequências a longo prazo da COVID-19 e elaborar medidas para assegurar que os sistemas de saúde estão mais bem preparados para situações de emergência sanitária futuras.

2.18.

Parece existir uma sobreposição dos objetivos dos diferentes regulamentos. Não é claro como funcionará na prática a repartição de responsabilidades. Falta clareza sobre qual a agência ou o organismo que assumirá a liderança em ações que se sobrepõem, o que poderá gerar equívocos e ineficiências nos esforços de coordenação da UE. Esta questão deve ser esclarecida. Nos casos em que persistam tais sobreposições, deverá assegurar-se um conjunto comum de definições para todos os termos utilizados, nomeadamente especificando o que constitui uma «crise de saúde pública».

2.19.

A crise da COVID-19 chamou a atenção para a fragmentação da arquitetura da UE em matéria de saúde e para a necessidade de reforçar o papel de todas as agências europeias competentes. Apesar do financiamento da UE, o investimento continua a ser insuficiente perante a escala dos desafios, incluindo em matéria de prevenção. O CESE lamenta também que o investimento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência na saúde tenha diminuído em comparação com a proposta da Comissão Europeia, considerando que se trata de um erro grave.

2.20.

O CESE recomenda prudência em relação a certas propostas do pacote. Embora apoie, de modo geral, o pacote legislativo em apreço, considera necessário avaliar a situação e a adequação dos regulamentos depois de vencida a pandemia e quando for possível ter uma imagem mais clara do seu impacto.

3.   Regulamento da UE relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde

3.1.

O CESE acolhe favoravelmente este regulamento, que conduzirá à criação de um quadro jurídico mais sólido e abrangente que permita à União preparar-se melhor e reagir rapidamente a ameaças transfronteiriças para a saúde.

3.2.

O CESE entende que os mecanismos de coordenação em vigor foram manifestamente insuficientes para conter a pandemia de COVID-19 e proteger as pessoas que vivem na UE, pelas seguintes razões:

3.2.1.

As disposições em vigor em matéria de segurança da saúde, baseadas no Sistema de Alerta Rápido e de Resposta e no intercâmbio de informações e na cooperação ao nível do Comité de Segurança da Saúde, não estão adequadas para desencadear atempadamente uma resposta comum a nível da UE, coordenar os aspetos cruciais da comunicação dos riscos ou assegurar a solidariedade entre os Estados-Membros.

3.2.2.

A contenção do vírus baseou-se numa abordagem fragmentada, que comprometeu a capacidade da Europa para evitar a sua propagação. Em demasiados Estados-Membros, as medidas introduzidas não seguiram o aconselhamento científico. Tal refletiu-se nas taxas de infeção em países que tardaram em adotar medidas preventivas, não impuseram confinamentos ou optaram por uma abordagem de «imunidade de grupo». Não foram suficientemente consideradas as circunstâncias geográficas específicas de alguns Estados-Membros, designadamente as fronteiras com outros países com taxas de infeção elevadas ou um fluxo significativo de migrantes e refugiados.

3.2.3.

As pessoas institucionalizadas estavam mais expostas à infeção e representaram uma percentagem desproporcionada das vítimas mortais. Por exemplo, os dados disponíveis indicam que as pessoas nesta situação apresentavam, e continuam a apresentar, as taxas mais elevadas de infeção e de mortalidade associadas à COVID-19. Na Eslovénia, por exemplo, 81 % das vítimas mortais de COVID-19 residiam em lares (8). O vírus teve um impacto devastador nestas estruturas, pelo que a ação futura da UE em matéria de segurança da saúde deve colmatar plenamente esta lacuna.

3.2.4.

Quando as unidades de cuidados primários e cuidados de emergência atingiram o ponto de saturação, as pessoas mais vulneráveis à infeção e a complicações de saúde graves foram as primeiras a ser privadas de tratamento devido aos sistemas de triagem. Os idosos e as pessoas com deficiência corriam um risco particularmente elevado de lhes ser recusado tratamento urgente.

3.2.5.

No início da pandemia, verificaram-se situações graves de escassez de equipamento de proteção individual e equipamento médico. A pandemia expôs falhas na solidariedade na UE, tendo alguns Estados-Membros impedido a exportação de equipamento de proteção individual ou de ventiladores para outros Estados-Membros que deles precisavam urgentemente. A ausência de uma avaliação centralizada da UE sobre tecnologias da saúde no domínio dos medicamentos e dos dispositivos médicos também se revelou um problema significativo. Importa que a UE previna a ocorrência de tais problemas no futuro.

3.2.6.

Verificou-se uma falta de dados desagregados sobre os grupos mais afetados pela COVID-19, o que comprometeu os esforços para identificar e proteger os grupos de maior risco.

3.2.7.

A comunicação incoerente com os cidadãos e as partes interessadas, como os profissionais dos cuidados de saúde, ao nível da UE ou entre Estados-Membros, teve um impacto negativo na eficácia da resposta numa perspetiva de saúde pública. Faltou também uma aplicação eficaz das ferramentas de saúde em linha da UE e das novas tecnologias da inteligência artificial.

3.3.

O CESE considera que o regulamento da UE relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde poderá contribuir para atenuar estes problemas durante futuras crises sanitárias à escala da UE, através das seguintes medidas:

3.3.1.

Criar um procedimento de contratação pública conjunta da UE e prever a constituição de reservas estratégicas ao abrigo do instrumento rescEU para ajudar a atenuar situações de escassez semelhantes durante futuras crises sanitárias à escala da UE. Será particularmente importante disponibilizar medicamentos que sejam utilizáveis por toda a população e, nos casos em que determinados grupos necessitem de formas de tratamento adaptadas ou alternativas devido a fatores como a idade, o sexo e o género, o estado de saúde ou a deficiência, este aspeto deve ser plenamente tido em conta.

3.3.2.

Criar um quadro legislativo abrangente para reger e aplicar eficazmente as ações a nível da União em matéria de preparação, vigilância, avaliação dos riscos, alerta precoce e resposta rápida. O desenvolvimento de capacidades para proteger grupos de alto risco deve começar imediatamente, sobretudo as pessoas que coabitam em espaços exíguos ou vivem em instituições, contextos em que se revelou muito difícil proteger adequadamente os residentes e respeitar os seus direitos, e também com vista a assegurar a saúde e a proteção dos trabalhadores no setor da saúde e da prestação de cuidados através de condições de trabalho e de um número de efetivos adequados. O regulamento em apreço deve igualmente prever um melhor seguimento da escassez de profissionais de saúde e prestadores de cuidados, a fim de ajudar os Estados-Membros, a Comissão Europeia e os parceiros sociais nacionais e europeus na procura de soluções para tornar o trabalho no setor mais atrativo e, assim, melhorar o recrutamento e a retenção de pessoal.

3.3.3.

Mobilizar os conhecimentos científicos especializados e o diálogo interdisciplinar de forma coordenada. O CESE entende que esta medida deve ser complementada pelos conhecimentos especializados da sociedade civil, em especial das organizações que representam grupos de risco elevado num contexto de pandemia, como os idosos, os sem-abrigo, as pessoas de minorias étnicas e as pessoas com deficiência. Deve igualmente incluir o setor dos cuidados de saúde, os investigadores e outros intervenientes pertinentes, incluindo as empresas da economia social.

3.3.4.

Permitir que o Comité de Segurança da Saúde da UE (CSS) forneça orientações na adoção de medidas comuns a nível da UE para enfrentar uma futura ameaça sanitária transfronteiriça. Os parceiros sociais europeus do setor da saúde (como os presentes no Comité Europeu do Diálogo Social no Setor da Saúde) devem ser consultados e incluídos na governação do CSS.

3.3.5.

Facilitar a comunicação de dados dos sistemas de saúde e outros dados pertinentes para a gestão de ameaças transfronteiriças. Esta recolha de dados deve ser desagregada, de forma a proporcionar uma compreensão mais clara, à escala da União, dos grupos de maior risco e mais afetados pelas ameaças para a saúde. Os dados devem ter em conta o género, a idade, a origem étnica, o contexto migratório, a deficiência e as doenças crónicas. Devem também abranger informações sobre a disponibilidade de profissionais de saúde e de assistência social, as reservas de medicamentos, dispositivos médicos e equipamento de proteção individual, o número de camas disponíveis e ocupadas nos cuidados intensivos e nos cuidados agudos, o número de ventiladores disponíveis e em utilização, a capacidade de realização de exames clínicos e o número de exames realizados, bem como dados sobre os recursos dos serviços de saúde públicos, com vista a assegurar um número adequado de trabalhadores, consoante as necessidades, em especial o número de profissionais médicos per capita. É igualmente importante recolher informações sobre a inclusividade dos sistemas nacionais de saúde, a fim de assegurar maior igualdade de acesso. Tais dados devem ser utilizados para adotar recomendações, nomeadamente, sobre rácios de recursos por unidade populacional, incluindo o número de profissionais no setor da saúde e da assistência social, a elaborar com base em boas práticas e avaliações de políticas.

3.3.6.

Estabelecer novas redes de laboratórios na UE. Importa analisar formas de assegurar que as inovações e as respostas da medicina estejam acessíveis a todos, independentemente do Estado-Membro ou da região de residência, e de as disponibilizar a preços comportáveis para todos.

3.3.7.

Criar programas de formação para especialistas, que devem também ter em conta as necessidades específicas dos diferentes perfis de doentes e de profissionais no domínio da saúde e da prestação de cuidados, bem como a transição para a saúde em linha e a telemedicina. A pandemia de COVID-19 demonstrou que a idade e a presença prévia de diversos problemas de saúde e de deficiências tiveram um enorme impacto no risco de desenvolver sintomas graves e no risco de morte. No que diz respeito, em particular, às pessoas com deficiência ou com doenças crónicas, é crucial que os especialistas saibam como atender adequadamente os doentes, respeitem o livre arbítrio de todos e assegurem que ninguém é coagido a receber tratamento. A formação deve ser coerente com a abordagem de «uma só saúde». Além disso, nas regiões fronteiriças, devem promover-se exercícios transfronteiriços conjuntos e o conhecimento mútuo dos sistemas de saúde pública.

4.   Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças

4.1.

O CESE congratula-se com o reforço do mandato do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (o «Centro») em matéria de vigilância, preparação, alerta precoce e resposta rápida no âmbito de um quadro reforçado de segurança da saúde da UE.

4.2.

O prolongamento e a expansão do mandato do Centro surgem num momento oportuno e, em caso de sucesso, transformarão o Centro numa das pedras angulares da resposta da União à pandemia de COVID-19. Este passo poderá também ajudar a colmatar as insuficiências, realçadas pela pandemia, na saúde pública e na resposta a crises sanitárias a nível nacional e da UE.

4.3.

Na opinião do CESE, o Centro não dispunha do mandato, dos mecanismos ou dos recursos necessários para dar resposta à pandemia de COVID-19 de forma coerente e eficaz.

4.4.

O princípio da subsidiariedade aplica-se às questões de saúde pública nacionais. Contudo, na União Europeia, em que a circulação transfronteiriça de pessoas e de mercadorias é considerável, todas as doenças transmissíveis são potenciais ameaças sanitárias transfronteiriças que exigem vigilância, preparação, avaliação dos riscos, alerta precoce e resposta rápida a nível da UE.

4.5.

A pandemia expôs a relação tóxica entre doenças transmissíveis e não transmissíveis. A grande maioria das mortes por COVID-19 esteve associada a patologias subjacentes e preexistentes, tendo o acesso dos doentes crónicos a tratamento sido negativamente afetado pela pandemia. Por conseguinte, o mecanismo de resposta a situações de crise e a União Europeia da Saúde devem também centrar-se nas doenças não transmissíveis.

4.6.

A avaliação externa do Centro publicada em setembro de 2019 salientou possíveis formas importantes de o reforçar. Realçou a necessidade de reforçar a sua pertinência para os Estados-Membros e de centrar esforços no combate às lacunas e insuficiências estruturais dos sistemas de saúde pública dos Estados-Membros, que prejudicam a capacidade destes últimos de contribuir eficazmente para as atividades do Centro e de retirar o melhor proveito dessas atividades. A avaliação sublinhou a necessidade de rever e alargar o mandato do Centro e de alterar o regulamento em vigor.

4.7.

O CESE salienta que a proteção da saúde é fundamental para a proteção dos direitos humanos. A ausência de vigilância, preparação, alertas e respostas adequadas para as ameaças sanitárias, que continua a verificar-se durante a pandemia, compromete os direitos humanos, nomeadamente o direito à saúde, e agrava as desigualdades.

4.8.

A proposta em apreço inclui melhorias importantes nas capacidades do Centro, a saber:

reforço da capacidade de monitorização da situação sanitária com base em sistemas de vigilância digitalizados;

melhoria da preparação nos Estados-Membros, mediante o desenvolvimento de planos nacionais de prevenção e resposta, e o reforço das capacidades de resposta rápida e integrada no domínio da saúde;

reforço das medidas de controlo das epidemias e dos surtos através de recomendações vinculativas para a gestão dos riscos;

reforço da capacidade de mobilização e destacamento do Grupo de Trabalho da UE para a Saúde;

monitorização e avaliação da capacidade dos sistemas de saúde no que se refere ao diagnóstico, à prevenção e ao tratamento de doenças transmissíveis e não transmissíveis específicas;

reforço da capacidade de identificar as categorias da população de maior risco e que necessitam de medidas de resposta seletivas;

ligações reforçadas entre a investigação, a preparação e a resposta, e contactos estratégicos entre as comunidades de saúde pública e os investigadores;

desenvolvimento de competências para a proteção da saúde através da coordenação de uma nova rede de laboratórios de referência da União e de uma nova rede de serviços nacionais de apoio à transfusão, aos transplantes e à reprodução medicamente assistida;

ampliação das atividades relativas às doenças transmissíveis;

contributo para o empenho e a preparação da UE no que respeita à segurança sanitária a nível mundial.

4.9.

O CESE apelou diversas vezes para o reforço do investimento em saúde pública na UE. Neste sentido, através do reforço do mandato do Centro, será importante ter em conta os seguintes aspetos:

4.9.1.

O Centro deve dispor de um mandato e de recursos suficientes para combater as desigualdades de saúde e assegurar que as respostas sanitárias da UE visam as pessoas consideradas de maior risco por grupos multidisciplinares de peritos científicos. A identificação das pessoas de maior risco deve basear-se em dados de qualidade desagregados que incluam estas populações. Tal implica integrar de forma significativa a sociedade civil, os parceiros sociais, os prestadores de serviços e os membros das comunidades mais afetadas. A coordenação entre os sistemas de saúde públicos, os profissionais médicos e a sociedade civil, incluindo as empresas da economia social ativas no domínio da saúde, é fundamental para a partilha de informações.

4.9.2.

A saúde não é uma questão isolada. Está estreitamente associada a um nível de vida digno, ao trabalho digno, a uma habitação e alimentação adequadas e a um conjunto de serviços e formas de apoio. A UE já se comprometeu a promover uma Europa social através do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. O Centro deve também ter condições para conceber e elaborar recomendações às estruturas pertinentes da UE, nomeadamente às que supervisionam o processo do Semestre Europeu e o novo painel de indicadores sociais do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Em coordenação com estas estruturas, deve poder orientar os Estados-Membros quanto aos fatores sociais da saúde e à forma de melhorar a saúde através da resposta a estes fatores.

4.9.3.

O Centro deve dispor de um mandato para monitorizar os investimentos e elaborar recomendações sobre o financiamento da vigilância, a avaliação dos riscos e a preparação de respostas no domínio da saúde, a nível nacional e da UE.

4.9.4.

O Centro e os centros nacionais de controlo de doenças devem colaborar no âmbito de uma monitorização sistemática. Em conjunto, devem monitorizar as pessoas mais afetadas pelas ameaças para a saúde, detetar casos e pontos críticos, identificar tendências e formular recomendações.

5.   Regulamento da UE relativo ao reforço do papel da Agência Europeia de Medicamentos

5.1.

O CESE congratula-se com a renovação do papel da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o reforço da sua capacidade para atenuar as situações de escassez de medicamentos e dispositivos médicos em toda a UE.

5.2.

O CESE considera que o papel atual da EMA foi insuficiente para dar resposta aos desafios criados pela pandemia de COVID-19, nomeadamente porque, sobretudo no início da pandemia, a UE enfrentou situações graves de escassez de equipamentos médicos capazes de salvar vidas, como os ventiladores. A escassez foi particularmente visível em alguns Estados-Membros, verificando-se uma coordenação insuficiente na distribuição justa de dispositivos e de equipamento de proteção individual em toda a União.

5.3.

O papel renovado e a capacidade reforçada da EMA, que serão ativados numa eventual nova crise sanitária a nível da UE, ajudarão a atenuar os problemas observados durante a pandemia de COVID-19, através das seguintes medidas:

5.3.1.

Criar um Grupo Diretor dos Medicamentos e um Grupo Diretor dos Dispositivos Médicos, que comunicariam à Comissão Europeia e aos Estados-Membros situações de escassez ou riscos futuros de escassez. Os grupos diretores, constituídos por peritos de toda a UE para permitir uma abordagem coordenada, deverão incluir profissionais especializados em tratamento médico adaptado às pessoas com maior risco de complicações de saúde numa situação de pandemia como a atual. Tal dependerá, naturalmente, do tipo de crise sanitária que a UE tiver de enfrentar, mas exigirá, em princípio, conhecimentos sobre tratamentos adaptados, em função do sexo e do género, aos idosos, às pessoas com deficiência e às pessoas com problemas de saúde graves. As organizações da sociedade civil deverão também ser integradas e consultadas de forma significativa.

5.3.2.

Reagir antes da escassez de medicamentos e detetar uma potencial escassez. Esta medida é necessária não apenas para os medicamentos mais utilizados no mercado na UE, mas também para assegurar a disponibilidade permanente de medicamentos e dispositivos médicos para doenças mais raras, a fim de garantir que estejam disponíveis em todos os Estados-Membros e em todas as localidades sempre que necessário.

5.3.3.

Coordenar estudos juntamente com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) para monitorizar a eficácia e a segurança das vacinas, e promover uma «revisão constante» através da qual um grupo de trabalho analisará os dados e os resultados de ensaios clínicos em tempo real, a fim de acelerar o processo. Esse grupo de trabalho também emitirá pareceres científicos sobre a conceção de ensaios clínicos para medicamentos e vacinas. No exercício dessa competência, o grupo de trabalho deve incentivar a fixação dos objetivos de desempenho clinicamente mais relevantes para os produtos médicos a avaliar em ensaios clínicos. A agência já emite pareceres científicos, mas passará a fazê-lo num procedimento acelerado, no prazo de 20 dias, e gratuitamente.

5.4.

A EMA enfrentará vários desafios nas suas atividades futuras. A agência deve assegurar, por um lado, que o fornecimento de medicamentos e dispositivos médicos em toda UE seja coerente e suficiente e, por outro, que estes são disponibilizados a preços comportáveis para os cidadãos.

5.5.

Neste momento, o maior desafio é a campanha de vacinação contra a COVID-19. É lamentável que a estratégia da UE para as vacinas não considere elegíveis para uma vacinação acelerada certos grupos de alto risco, como as pessoas com deficiência e as pessoas com doenças crónicas. A prioridade de tratamento deve ser definida através de uma análise científica multidisciplinar que tenha em conta a discriminação e a exposição de grupos de pessoas ao vírus. A vacina deve ser tratada como um bem público, pelo que é essencial evitar que a vacinação atempada da população seja ameaçada por restrições associadas a questões como os direitos de propriedade intelectual. Salvar vidas deve ser sempre a prioridade absoluta da UE. Por conseguinte, é fundamental que a Comissão assegure que a Europa continua a estar na vanguarda em matéria de desenvolvimento de vacinas.

5.6.

Durante a pandemia de COVID-19, a EMA partilhou proativamente dados sobre vacinas e medicamentos aprovados, bem como informações sobre a condução das atividades da Agência. A EMA também explicou aos cidadãos os processos regulamentares. Este nível de transparência é considerado altamente benéfico e deve também ser assegurado no futuro. Para o efeito, o regulamento deve incluir uma disposição segundo a qual todos os dados dos ensaios clínicos com base nos quais a Agência autoriza medicamentos ou vacinas devem ser publicados, bem como os protocolos de ensaios clínicos sobre os quais a EMA presta aconselhamento, em conformidade com o Regulamento Ensaios Clínicos.

5.7.

O CESE incentiva a EMA a colaborar com todas as partes interessadas do setor da saúde no sentido de criar um modelo europeu que permita fixar os preços dos medicamentos de forma justa, responsável e transparente e de assegurar inovações farmacêuticas acessíveis.

6.   Autoridade de Resposta a Emergências Sanitárias

6.1.

A UE prevê criar uma Autoridade de Resposta a Emergências Sanitárias (HERA). A proposta legislativa relativa à criação do organismo deverá ser publicada no quarto trimestre de 2021, mas os contornos da HERA já foram definidos na recém-publicada Estratégia Farmacêutica para a Europa.

6.2.

Pretende-se que a HERA colmate uma lacuna importante na infraestrutura da UE em matéria de preparação e resposta em situações de crise, reforçando a coordenação entre os Estados-Membros através da conceção de investimentos estratégicos para a investigação, o desenvolvimento, o fabrico, a implantação, a distribuição e a utilização de contramedidas médicas. Para o efeito, a HERA ajudará a UE a responder melhor às necessidades de saúde emergentes:

antevendo ameaças específicas e desenvolvendo tecnologias através da exploração de horizontes e da análise prospetiva. Tal exigirá uma cooperação estreita com os grupos da sociedade civil que representam as pessoas geralmente consideradas de maior risco durante emergências sanitárias, a fim de avaliar situações em que as potenciais ameaças tenham efeitos desproporcionados nessas pessoas;

identificando e colmatando as lacunas de investimento em contramedidas essenciais, como o desenvolvimento de agentes antimicrobianos inovadores;

monitorizando e agrupando a capacidade de produção, bem como os requisitos e a disponibilidade de matérias-primas, dando assim resposta às vulnerabilidades da cadeia de abastecimento;

apoiando o desenvolvimento de soluções tecnológicas transversais, como as tecnologias de plataformas de vacinas, que permitam o planeamento da preparação e da resposta para futuras ameaças à saúde pública;

desenvolvendo contramedidas específicas, nomeadamente através da investigação, de ensaios clínicos e de infraestruturas de dados.

6.3.

O CESE questiona a sobreposição entre os objetivos previstos para a HERA e os objetivos previstos nos regulamentos relativos ao ECDC e à EMA e no regulamento relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde. As questões da preparação para situações de crise, da investigação, dos dados e da distribuição coordenada de medicamentos e dispositivos médicos parecem ser abrangidas pelos referidos regulamentos. Por conseguinte, o valor acrescentado da HERA afigura-se pouco claro, e poderá mesmo não se perceber que órgão é responsável por cada domínio no âmbito da coordenação dos cuidados de saúde. Por exemplo, não se percebe com clareza se as recomendações da HERA terão prioridade sobre as recomendações da EMA em caso de declaração de uma epidemia na UE.

6.4.

A HERA deve ser um organismo exclusivamente público, dotado de uma missão clara de saúde pública, a não confundir com domínios referentes à política industrial, e deve estar disposta a decidir de forma independente em relação à indústria farmacêutica, concebendo soluções orientadas pelas necessidades de saúde pública (por exemplo, no domínio da luta contra a resistência antimicrobiana). Deve dispor de um orçamento considerável, que permita um planeamento independente a longo prazo. Deve ponderar-se igualmente a inclusão de uma cláusula de fixação de preços razoáveis nos textos jurídicos que regem o funcionamento do HERA.

6.5.

No entanto, o valor acrescentado da HERA diz respeito ao papel de coordenação do fabrico de equipamento médico e de proteção, bem como de medicamentos. A monitorização e o agrupamento da capacidade de produção, bem como dos requisitos e da disponibilidade de matérias-primas, constituem outro domínio em que a HERA se destacará em comparação com o trabalho da EMA e do ECDC. Para ser bem-sucedida, a HERA tem de ser uma agência pública forte, independente e transparente. O interesse público deve estar no centro das suas prioridades e refletir-se na sua governação e nas suas ações. A garantia de melhores dados desagregados sobre os grupos vulneráveis é uma condição prévia para combater as desigualdades no domínio da saúde.

6.6.

O CESE considera que existem problemas não resolvidos que, logicamente, poderiam ser confiados à HERA e que não foram mencionados em nenhuma das comunicações anteriores. A HERA proporciona uma excelente oportunidade para tirar partido da excelência da ciência europeia, retirar ensinamentos da crise atual e assegurar que o setor público age como um investidor prudente que orienta uma inovação significativa e alinhada com as necessidades de saúde pública. Tendo em conta as sobreposições com o trabalho de outras autoridades, poderá ser preferível ajustar o âmbito e as responsabilidades da HERA de forma a incluir:

6.6.1.

A coordenação de um grupo de trabalho da UE centrado especificamente no impacto das emergências sanitárias nos grupos sociais de alto risco e nos trabalhadores do setor da saúde e da prestação de cuidados. Este grupo de trabalho poderá focar-se, embora não exclusivamente, nos idosos, nas pessoas com problemas de saúde e nas pessoas com deficiência.

6.6.2.

Uma ação específica em matéria de não discriminação na resposta da UE a pandemias futuras, assegurando que as medidas preventivas, os cuidados médicos de emergência e os tratamentos estejam disponíveis para todos, incluindo os sem-abrigo, as comunidades itinerantes e as pessoas indocumentadas residentes na UE, já que todos estes grupos podem ficar esquecidos na resposta pública a crises sanitárias;

6.6.3.

Campanhas de comunicação durante emergências sanitárias para assegurar que as pessoas compreendam melhor como se devem proteger, que adaptações devem introduzir nas suas atividades quotidianas para permanecerem seguras e, quando e caso existam tratamentos, como ter acesso aos mesmos. Esta comunicação deve visar diretamente os cidadãos e estar-lhes prontamente acessível, tendo em conta as necessidades específicas de grupos de alto risco, como os idosos, as pessoas com problemas de saúde e as pessoas com deficiência. Durante a atual pandemia de COVID-19, esta comunicação dependeu, em grande medida, do trabalho das organizações da sociedade civil, que devem, portanto, ser consultadas nesta atividade.

6.6.4.

A estrutura de governação da HERA deve ser transparente e equilibrada, incluindo organizações de doentes e de saúde pública, a sociedade civil, os parceiros sociais e representantes da comunidade de investigação. Embora as indústrias sejam parceiros importantes, não devem fazer parte de qualquer estrutura de governação deste novo organismo público. A definição de necessidades globais não satisfeitas será uma prerrogativa exclusiva do setor da saúde pública e o objetivo será participar no desenvolvimento de novos produtos para os colocar no mercado.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Terceiro inquérito sobre a opinião pública na UE durante a crise da COVID-19 (europa.eu)

(2)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 40; JO C 14 de 15.1.2020, p. 1.

(3)  Policy & practice: Commercial determinants of health and sport

(4)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 251; JO C 440 de 6.12.2018, p. 150; JO C 242 de 23.7.2015, p. 48; JO C 181 de 21.6.2012, p. 160; JO C 14 de 15.1.2020, p. 1; JO C 13 de 15.1.2016, p. 40.

(5)  Resolução do CESE (JO C 311 de 18.9.2020, p. 1).

(6)  https://ec.europa.eu/eurostat/en/web/products-euro-indicators/-/3-08012021-ap

(7)  https://www.aim-mutual.org/mediaroom/tackling-medical-deserts-across-the-eu/

(8)  A. Comas-Herrera et al., «Mortality associated with COVID-19 outbreaks in care homes: early international evidence» [Mortalidade associada a surtos de COVID-19 em lares: dados internacionais preliminares], maio de 2020.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/121


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma União da igualdade: plano de ação da UE contra o racismo 2020-2025»

[COM(2020) 565 final]

(2021/C 286/21)

Relator: Cristian PÎRVULESCU

Consulta

Comissão Europeia, 27.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

1.12.2020

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

192/2/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com o Plano de Ação da UE contra o Racismo 2020-2025 apresentado pela Comissão Europeia e espera que este ajude tanto as instituições da UE como as dos Estados-Membros a renovar os seus esforços para combater o racismo e outras formas de discriminação estrutural.

1.2.

O plano é pertinente e oportuno. O desenrolar da crise epidemiológica da COVID-19 criou novos desafios em relação à inclusão e à promoção da diversidade. Alguns grupos que já eram marginalizados, como os migrantes, enfrentaram grandes dificuldades médicas, sociais e económicas. Em tempos de crise, as atitudes e ações discriminatórias tornam-se mais predominantes.

1.3.

Mesmo antes da crise da COVID-19, a situação das minorias e dos grupos vulneráveis na UE estava a degradar-se. As atitudes contra os migrantes generalizaram-se, fomentadas por líderes e partidos com intuitos eleitoralistas que instigaram sentimentos contra os muçulmanos, os africanos e os asiáticos. As minorias históricas, como a etnia cigana, tornaram-se cada vez mais alvos de ódio com motivações raciais. A população judaica da Europa passou a estar cada vez menos segura, evocando memórias dolorosas do antissemitismo cruel que assolou o continente antes da Segunda Guerra Mundial.

1.4.

Neste contexto, o plano visa agilizar as ações legislativas, políticas e orçamentais e, embora reúna todos os instrumentos disponíveis, por vezes parece carecer de ambição e de profundidade histórica. A sua abordagem é demasiado prudente, enquanto a situação no terreno se deteriora rapidamente. O CESE salienta que a ação para combater a discriminação, o racismo, a xenofobia e outros tipos de intolerância a nível europeu é uma responsabilidade clara consagrada nos documentos fundadores da UE e não é opcional. Ademais, a repartição de responsabilidades entre a UE e as autoridades nacionais não deve servir de pretexto para a complacência e a inação. Na sua proposta, a Comissão manifesta-se preocupada, em particular, quanto à forma de convencer todos os Estados-Membros da UE a participarem neste esforço e a assegurarem a cooperação ativa de diversos organismos, instituições e organizações ao nível nacional.

1.5.

Neste sentido, o CESE apoia a elaboração de nova legislação para reforçar o papel dos organismos nacionais para a igualdade.

1.6.

Além disso, incentiva o Conselho a adotar a proposta da Comissão de 2008 para a aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.

1.7.

A execução da Decisão-Quadro relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia, um ato legislativo fundamental deve ser objeto de uma avaliação global.

1.8.

A Internet substitui-se cada vez mais à esfera pública tradicional. É também o espaço utilizado por alguns líderes, grupos e organizações para promover atitudes racistas e discriminatórias. Na conceção de políticas e procedimentos, deve dar-se mais ênfase à disseminação organizada de discursos de ódio e à forma de a combater adequadamente.

1.9.

Infelizmente, constata-se que, na última década, um número significativo de grupos e organizações assume abertamente ideias, símbolos e ações com origem no fascismo europeu do período entre as duas guerras, levando-os das margens do espaço público para o seu centro, nomeadamente através da mobilização pela Internet. Também foram incentivados pela evolução da situação política fora da Europa em que alguns governos de Estados de grande dimensão assumiram posições nacionalistas e conservadoras na política interna e externa. Há que enfrentar esta nova mobilização adequadamente, não só através de ações legislativas e punitivas, que poderão pecar por tardias, mas também através de ações diretas e decisivas para resolver as causas profundas da radicalização de direita.

1.10.

O CESE saúda o Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais apresentado pela Comissão e espera que este apoie inequivocamente a igualdade no mercado de trabalho, nomeadamente para as pessoas oriundas de minorias raciais ou étnicas. O CESE espera igualmente que os compromissos sociais das instituições da UE e dos Estados-Membros se mantenham nos tempos económicos difíceis suscitados pela pandemia de COVID-19.

1.11.

O CESE aguarda com expectativa a estratégia global da Comissão sobre os direitos da criança, prevista para 2021. O CESE espera que esta inclua ações para combater o racismo e a discriminação, mas que também estabeleça a ligação entre políticas e recursos que possam mitigar os efeitos negativos da pandemia e as perturbações por ela causadas.

1.12.

Há que reformular de forma abrangente a política de saúde da UE e dos Estados-Membros, com o objetivo de assegurar o acesso a serviços de elevada qualidade para todos e, especialmente, para as pessoas oriundas de grupos vulneráveis e minorias. Para tal, é necessário financiar mais adequadamente os serviços, desenvolver infraestruturas de saúde pública em todas as regiões, em especial nas zonas mais pobres, desenvolver os serviços de saúde primários e centrar a prestação de serviços nas necessidades e nos direitos dos doentes. Há que prestar especial atenção aos direitos, à dignidade e ao bem-estar dos cidadãos idosos que se veem isolados em lares durante a pandemia de COVID-19.

1.13.

As raízes históricas do racismo devem ser objeto de interesse e ação renovados, especialmente no domínio da educação. Importa elaborar novos programas curriculares e novos manuais, bem como organizar programas de formação para professores e educadores, com o apoio da UE. Importa promover uma abordagem interdisciplinar da história e do património comuns da Europa ao nível do ensino secundário e do ensino superior.

1.14.

O CESE junta-se à Comissão para exortar todos os Estados-Membros a elaborar e adotar planos de ação nacionais contra o racismo e a discriminação racial. Apenas cerca de metade dos Estados-Membros dispõem de tais planos, o que demonstra um nível variável de interesse e empenho por parte dos governos dos Estados-Membros. O CESE aguarda com expectativa a identificação de princípios orientadores comuns para os planos de ação nacionais previstos para 2021 e disponibiliza-se para contribuir para esse esforço.

1.15.

O CESE espera que as organizações de empresas e as empresas individuais reforcem os esforços para criar e manter um ambiente de trabalho inclusivo para os seus trabalhadores, independentemente do seu sexo, origem racial ou étnica, religião, idade, deficiência ou orientação sexual. Para um ambiente de trabalho inclusivo também são necessários um diálogo social efetivo e uma representação dos trabalhadores forte. O CESE aguarda com expectativa o Mês das Cartas Europeias da Diversidade, em maio de 2021, e o lançamento do conjunto de ferramentas em linha que permitirá às empresas avaliar as respetivas estratégias internas em matéria de diversidade.

1.16.

O financiamento das ações de luta contra o racismo e a discriminação afigura-se generoso. Inclui o quadro financeiro plurianual (QFP), o novo Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores, o Horizonte Europa e o novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Com base numa avaliação geral das medidas adotadas até à data, os governos dos Estados-Membros parece terem um interesse limitado em aceder aos diversos recursos e em agir para combater o racismo e a discriminação. O CESE considera que, por si só, as disposições orçamentais não bastam e que importa aplicar um sistema de incentivos.

1.17.

O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de trabalhar com os partidos políticos europeus, a rede europeia de cooperação para as eleições, a sociedade civil e o meio académico a fim de melhorar a participação no âmbito do Plano de Ação para a Democracia Europeia. O CESE disponibiliza-se para contribuir para esse trabalho com a sua perspetiva e os seus conhecimentos especializados.

1.18.

O CESE incentiva a Comissão a integrar mais adequadamente vários planos em que muitos objetivos e instrumentos se sobrepõem. Neste sentido, propõe a integração do Plano de Ação contra o Racismo, da estratégia de aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais, do Plano de Ação para a Democracia e do Relatório sobre o Estado de Direito. Atendendo a que estes planos representam domínios de ação distintos, importa também identificar os seus elementos comuns e sinergias.

1.19.

Um dos pilares de políticas eficazes nos domínios da democracia, do Estado de direito e da proteção dos direitos humanos é uma sociedade civil dinâmica, bem organizada, assertiva e ativa aos níveis local, regional, nacional e europeu. Assim, o CESE insta a Comissão a elaborar uma estratégia global da sociedade civil europeia para a ajudar a cumprir a sua missão democrática.

2.   Observações gerais

2.1.   Combater o racismo e a discriminação racial por via da legislação: revisão e ação

2.1.1.

O CESE insta a Comissão a proceder, o mais brevemente possível, a uma avaliação abrangente do quadro jurídico atual. O controlo da transposição e da aplicação da legislação da UE é fundamental para assegurar uma ação eficaz contra a discriminação. O CESE insta a Comissão a incluir na avaliação as posições das organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais e dos grupos comunitários que estão na linha da frente, bem como dos organismos nacionais para a igualdade. As organizações que trabalham diretamente com os grupos afetados também devem participar.

2.1.2.

O CESE aguarda com expectativa o relatório de acompanhamento da aplicação da diretiva relativa à igualdade racial, previsto para 2021, louvando a eventualidade de este se centrar na regulamentação da aplicação da lei. Neste contexto, incentiva igualmente a Comissão a utilizar pró-ativamente os processos por infração, sempre que necessário.

2.1.3.

O CESE apoia a elaboração de nova legislação para reforçar o papel dos organismos nacionais para a igualdade. É lamentável que essas instituições importantes, responsáveis por prestar assistência independente às vítimas de discriminação, promover a igualdade, realizar inquéritos independentes e elaborar relatórios e recomendações independentes, tenham configurações de poder e funções demasiado diversificadas. É absolutamente essencial repensar e continuar a reforçar os seus papéis.

2.1.4.

Além disso, incentiva o Conselho a adotar a proposta da Comissão de 2008 para a aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual (1).

2.1.5.

A Decisão-Quadro relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia (2), um ato legislativo fundamental, necessita de uma avaliação completa da sua aplicação. Na sua proposta, a Comissão manifesta grande preocupação sobre a medida em que os códigos penais nacionais criminalizam adequadamente o discurso de ódio e os crimes de ódio, preocupação também partilhada pelo Comité.

2.1.6.

A proliferação do discurso de ódio no espaço em linha é especialmente preocupante (3). Embora a decisão-quadro obrigue os Estados-Membros a criminalizar o incitamento à violência ou ódio em razão da cor, religião, ascendência ou origem nacional, racial ou étnica, a aplicação efetiva da regra apresenta inúmeras lacunas. As autoridades nacionais têm de ter em conta o princípio da liberdade de expressão e definir mais pormenorizadamente o que constitui comportamento ilegal em linha. Ao mesmo tempo, têm de cooperar com as plataformas de tecnologias da informação, a fim de regulamentar o acesso e definir regras mais claras para a moderação e a eliminação de conteúdos. Há progressos relativamente ao cumprimento voluntário por parte dos fornecedores de plataformas e à eliminação de conteúdos ilegais, mas são necessários esforços contínuos para acompanhar a evolução da situação no espaço em linha.

2.1.7.

A Internet substitui-se cada vez mais à esfera pública tradicional. É nesse espaço que ocorre a maioria das interações sociais para suprir inúmeras necessidades e propósitos, desde a aquisição de bens e serviços até à mobilização cívica e política, passando pelo consumo de entretenimento, informação, educação e cultura. É um espaço vasto, onde o desenvolvimento das tecnologias e dos serviços alarga os limites da sociabilidade e das interações. É igualmente o espaço preferido para a promoção dos valores e ideologias de líderes, grupos e organizações políticos, bem como para a interação destes com o público e mobilização para a ação (4). Alguns colocam os comportamentos racistas e discriminatórios no centro da sua ação e mobilização políticas. Na conceção de políticas e procedimentos, deve dar-se mais ênfase à disseminação organizada de discursos de ódio e à forma de a combater adequadamente.

2.1.8.

Infelizmente, constata-se que, na última década, um número significativo de grupos e organizações assume abertamente ideias, símbolos e ações com origem no fascismo europeu do período entre as duas guerras. Entre estes encontram-se partidos com presença nos parlamentos nacionais, partidos extraparlamentares, movimentos políticos e milícias, todos enraizados numa cultura política de ódio e discriminação. Na última década, passaram das margens do espaço público para o seu centro, nomeadamente através da mobilização pela Internet. Também foram incentivados pela evolução da situação política fora da Europa em que alguns governos de Estados de grande dimensão assumiram posições nacionalistas e conservadoras na política interna e externa. Há que enfrentar esta nova mobilização adequadamente, não só através de ações legislativas e punitivas, que poderão pecar por tardias, mas também através de ações diretas e decisivas para resolver as causas profundas da radicalização de direita.

2.1.9.

Como é referido na proposta, alguns Estados-Membros tomaram medidas para proibir grupos racistas e respetivos símbolos, amiúde ao abrigo da legislação contra crimes de ódio, discursos de ódio ou terrorismo, ou estabeleceram sanções penais associadas à negação de crimes contra a humanidade e/ou do nazismo e do fascismo, bem como à propaganda a favor de grupos terroristas. É um passo na direção certa, mas são necessárias mais medidas. Todos os países devem desenvolver respostas nacionais para fazer face ao extremismo violento. Além disso, a sua abordagem deve ser facilitada através de ações conjuntas ao nível da UE. O CESE aguarda com expectativa o relatório da Comissão sobre as respostas nacionais face ao extremismo violento. O CESE insta a Comissão a colaborar estreitamente não só com as autoridades responsáveis pela aplicação da lei, normalmente incumbidas de monitorizar o extremismo violento, mas também com os organismos nacionais para a igualdade, as instituições independentes de supervisão, as organizações da sociedade civil, (incluindo as comunidades religiosas), os parceiros sociais, os meios de comunicação social e as universidades. O CESE disponibiliza-se para contribuir com os seus próprios conhecimentos especializados para a elaboração de planos conjuntos da UE com vista a combater o extremismo violento. As ações devem visar não só os casos visíveis e em última fase de extremismo violento, mas também as causas profundas e os ambientes facilitadores que conduziram à radicalização e à sua concretização em ações.

2.1.10.

O CESE convida todos os Estados-Membros a ponderar ratificar sem demora a Convenção n.o 190 da Organização Internacional do Trabalho, adotada em 2019, o primeiro tratado internacional que condena veementemente todas as formas de violência e assédio no mundo do trabalho e que, como tal, tem influência em todas as formas de assédio e discriminação, nomeadamente no assédio e discriminação em razão da raça e do género.

2.2.   Para além da legislação da UE — fazer mais para combater o racismo no dia-a-dia

2.2.1.

O CESE congratula-se com a nova ênfase dada pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei ao combate à discriminação. As autoridades responsáveis pela aplicação da lei trabalham diariamente em todas as comunidades e podem ser intervenientes fundamentais na luta contra o racismo, a xenofobia e a discriminação. Infelizmente, a educação e formação do seu pessoal normalmente não abrange os temas da democracia, proteção dos direitos humanos e discriminação. Em certos casos, os próprios agentes responsáveis pela aplicação da lei adotam atitudes racistas, xenofóbicas e discriminatórias e, nos casos mais graves, associam-se a grupos externos que promovem estas ideias. O CESE saúda a ação da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) e pela Agência da União Europeia para a Formação Policial (CEPOL) para desenvolver recursos e ferramentas de formação, mas considera que não é suficiente. O número de potenciais beneficiários de educação e formação ronda as centenas de milhares. Por conseguinte, há que intensificar significativamente a cooperação com instituições nacionais de formação, atribuindo mais recursos à formação ao nível da UE e nacional. A FRA e a CEPOL podem igualmente incentivar os institutos de formação nacionais a cooperar com as organizações da sociedade civil e as universidades a fim de adaptar melhor os conteúdos das formações às especificidades nacionais.

2.2.2.

O CESE congratula-se com o empenho firme da Comissão em combater a discriminação e as desigualdades no acesso ao emprego, à educação, aos cuidados de saúde e à habitação através de políticas e de programas de financiamento. Por conseguinte, saúda o Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais apresentado pela Comissão e espera que este apoie inequivocamente a igualdade no mercado de trabalho, nomeadamente para as pessoas oriundas de minorias raciais ou étnicas. O CESE espera igualmente que as instituições da UE e os Estados-Membros mantenham os seus compromissos sociais nos tempos económicos difíceis resultantes da pandemia de COVID-19.

2.2.3.

O CESE congratula-se com a intenção de utilizar o instrumento Próxima Geração UE, o instrumento de assistência técnica e o orçamento geral para 2021-2027 a fim de promover a inclusão social, assegurar a igualdade de oportunidades para todos e combater a discriminação. A crise da COVID-19, que tem um impacto desproporcionado nas pessoas vulneráveis e nas minorias, criou a necessidade de desenvolver as infraestruturas e assegurar a igualdade de acesso ao mercado de trabalho, aos cuidados de saúde e sociais, à habitação e a serviços de educação e formação de elevada qualidade, não segregados e inclusivos.

2.2.4.

A crise da COVID-19 exacerbou os problemas dos grupos vulneráveis e das minorias em relação ao mercado de trabalho. As pessoas oriundas de minorias têm dificuldade em obter um emprego e, mesmo quando o têm, em serem remuneradas de acordo com o seu nível de formação e as suas competências. O efeito económico da pandemia, que levou a despedimentos em grande escala e à degradação adicional das condições de trabalho e de remuneração, atinge mais intensamente os grupos vulneráveis e as minorias. O CESE aguarda com expectativa o Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais para combater eficazmente a discriminação no domínio do emprego.

2.2.5.

A COVID-19 teve também um efeito negativo na educação. Os encerramentos de escolas em 2020 — que provavelmente continuarão em 2021 — perturbaram o processo educativo que já não era suficientemente inclusivo. Já antes da pandemia, as crianças e os jovens oriundos de grupos vulneráveis e minorias abandonavam precocemente a escola ou não participavam plenamente no processo educativo. E quando estavam inseridas no sistema de educação, as crianças oriundas de minorias eram alvo de discriminação e intimidação, o que a proposta da Comissão Europeia não reconhece plenamente. As escolas não são apenas instituições de ensino, prestando vários serviços direta ou indiretamente, desde a alimentação ao controlo e assistência na saúde, passando pela prevenção de maus-tratos por parte dos pais e da comunidade. A passagem para o ensino em linha foi uma solução de emergência. Em muitos casos, criou mais um obstáculo para as crianças vulneráveis e oriundas de minorias, pois não dispunham de material adequado nem de ligação à Internet. Assim que for possível reabrir as escolas, são necessárias medidas firmes e imediatas, para iniciar o apoio à aprendizagem e a prestação de serviços. O CESE aguarda com expectativa a estratégia global da Comissão sobre os direitos da criança, prevista para 2021. O CESE espera que a estratégia inclua ações para combater o racismo e a discriminação, mas também ligações a políticas e recursos que possam mitigar os efeitos negativos da pandemia e as perturbações que dela resultam.

2.2.6.

O CESE saúda o trabalho da Rede Europeia de Sensibilização para a Radicalização e espera que as suas atividades continuem a ser apoiadas e desenvolvidas, especialmente no que toca à educação.

2.2.7.

Em matéria de saúde, a COVID-19 teve um impacto significativo. Agravaram-se as desigualdades na saúde que afetam as pessoas oriundas de minorias raciais ou étnicas. O CESE incentiva a Plataforma para a Política de Saúde da UE a abordar plenamente a questão da redução das desigualdades em razão da origem racial ou étnica. A UE tem de fazer muito mais para assegurar que os cidadãos e residentes da UE têm acesso a serviços médicos de elevada qualidade durante e após a pandemia. Importa louvar e incentivar os esforços da UE com vista a fornecer equipamento médico e, numa fase posterior, providenciar acesso às vacinas. No entanto, só uma reformulação abrangente da política de saúde da UE e dos Estados-Membros poderá resolver o problema do acesso e da qualidade a médio e longo prazo para todos e, em especial, para as pessoas de grupos vulneráveis e minorias. Para tal, é necessário financiar mais adequadamente os serviços, desenvolver infraestruturas de saúde pública em todas as regiões, em especial nas zonas mais pobres, desenvolver os serviços de saúde primários e centrar a prestação de serviços nas necessidades e nos direitos dos doentes.

2.2.8.

São necessárias mais ações no domínio da habitação. Como é referido na proposta, a discriminação no mercado da habitação reforça a segregação, com repercussões em termos da educação e das oportunidades de emprego, tendo, no caso das famílias com filhos, um considerável impacto negativo no desenvolvimento das crianças. A pandemia de COVID-19 realçou a necessidade de tomar medidas para melhorar as condições de habitação. A prevenção das infeções e de formas graves da doença depende das condições gerais de saúde, mas também do acesso a infraestruturas de água e saneamento. A habitação segregada, especialmente em zonas mais pobres, deverá ser uma prioridade. Embora o financiamento para apoiar ações no domínio da habitação não segregada e assegurar o acesso a serviços gerais inclusivos e de elevada qualidade esteja disponível através da política de coesão, não é evidente se as autoridades nacionais e locais estão dispostas a aceder ao mesmo.

2.3.   Racismo estrutural — atacar o problema subjacente

2.3.1.

A luta contra os estereótipos e a sensibilização para a história são muito importantes para um continente sem racismo nem discriminação. As raízes históricas do racismo devem ser objeto de interesse e ação renovados, especialmente no domínio da educação. Neste contexto, o CESE saúda o trabalho do Conselho da Europa sobre a história e o ensino da história. Todavia, as ferramentas fornecidas não são utilizadas habitualmente para o ensino de história em grande escala, sendo necessárias mais medidas concertadas e decisivas nesse sentido. Importa elaborar novos programas curriculares e novos manuais, bem como organizar programas de formação para professores e educadores, com o apoio da UE. Importa promover uma abordagem interdisciplinar da história e do património comuns da Europa ao nível do ensino secundário e do ensino superior. É fundamental dedicar uma atenção especial à educação, formal e não formal para qualquer política eficaz contra o racismo e a discriminação.

2.3.2.

O papel do setor criativo também é muito importante, pois funciona como ponte entre grupos sociais. A empatia e a solidariedade são valores que sustentam uma sociedade inclusiva. Por conseguinte, o CESE congratula-se com o facto de o Programa Europa Criativa e outros programas se concentrarem em projetos que procuram eliminar obstáculos, bem como incentivar a inclusão social e a participação de grupos sub-representados e desfavorecidos.

2.3.3.

A colaboração com jornalistas é também oportuna e pertinente. O CESE apoia os esforços da Comissão para realizar uma série de seminários sobre estereótipos raciais e étnicos que reúnam jornalistas, organizações da sociedade civil e representantes de pessoas oriundas de minorias étnicas ou raciais, disponibilizando-se para eles contribuir.

2.3.4.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a elaborarem uma metodologia comum para a recolha de dados pertinentes, incluindo dados desagregados por origem étnica e racial. A metodologia deveria seguir os princípios definidos pela Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa, de 2002, e o Programa de Ação de Durban — a recolha de dados desagregados nas estatísticas da população, a obter com o consentimento explícito dos inquiridos, com base na sua autoidentificação e em conformidade com as normas em matéria de direitos humanos que protegem a privacidade; O CESE considera que o trabalho realizado pela Agência dos Direitos Fundamentais no domínio da recolha de dados não basta e que importa também envidar esforços a nível dos Estados-Membros.

2.3.5.

O CESE salienta a importância das boas práticas, em termos de interação com o nível local (municípios) e o nível comunitário e de vizinhança, onde o racismo estrutural está interligado com a vida e o trabalho quotidianos, com o objetivo de promover um contexto de tolerância intercultural.

2.4.   Um quadro de execução: tirar o máximo partido dos instrumentos da UE

2.4.1.

O CESE junta-se à Comissão para exortar todos os Estados-Membros a desenvolverem e a adotarem planos de ação nacionais contra o racismo e a discriminação racial. Apenas cerca de metade dos Estados-Membros dispõem de tais planos, o que demonstra um nível variável de interesse e empenho dos governos dos Estados-Membros (5). O CESE aguarda com expectativa a identificação de princípios orientadores comuns para os planos de ação nacionais previstos para 2021 e disponibiliza-se para contribuir para esse esforço. Os domínios de intervenção destacados no plano de ação atual (a legislação em matéria de não discriminação e o papel dos organismos para a igualdade; o discurso de ódio e os crimes de ódio; a definição ilícita de perfis por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei; os riscos resultantes das novas tecnologias; os estereótipos e a consciência histórica; a igualdade no acesso à educação, ao emprego, aos cuidados de saúde e à habitação; a integração das preocupações em matéria de igualdade a nível nacional; a participação dos níveis regional e local; o financiamento para combater o racismo; a recolha de dados e o diálogo com a sociedade civil) estão bem estruturados e são abrangentes. Na sua proposta, a Comissão manifesta-se pra preocupada, em particular, quanto à forma de convencer todos os Estados-Membros da UE a participarem no esforço e a assegurarem a cooperação ativa de diversos organismos, instituições e organizações ao nível nacional.

2.4.2.

O CESE espera que as organizações de empresas e as empresas individuais reforcem os esforços no sentido de criar e manter um ambiente de trabalho inclusivo para os seus trabalhadores, independentemente do seu sexo, origem racial ou étnica, religião, idade, deficiência ou orientação sexual (6). Para um ambiente de trabalho inclusivo também são necessários um diálogo social efetivo e uma representação dos trabalhadores forte. O CESE aguarda com expectativa o Mês das Cartas Europeias da Diversidade, em maio de 2021, e o lançamento do conjunto de ferramentas em linha que permitirá às empresas avaliar as respetivas estratégias internas em matéria de diversidade.

2.4.3.

O CESE apoia plenamente o compromisso da Comissão de assegurar que a luta contra a discriminação por motivos específicos, e a forma como estes se cruzam com outros motivos de discriminação, como o sexo, a deficiência, a idade, a religião ou a orientação sexual, são integradas em todas as políticas da UE, bem como na sua legislação e nos programas de financiamento.

2.4.4.

O financiamento para ações de luta contra o racismo e a discriminação afigura-se generoso. Inclui o quadro financeiro plurianual (QFP), o novo Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores, o Horizonte Europa e o novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Com base numa avaliação geral das medidas tomadas até à data, os governos dos Estados-Membros parecem ter um interesse limitado em aceder aos diversos recursos e em trabalhar para combater o racismo e a discriminação. O CESE considera que, por si só, as disposições orçamentais, não bastam e que importa aplicar um sistema de incentivos. Entre os motivos principais para o interesse limitado poderão contar-se a sensibilidade política das ações, bem como a mobilização política dos líderes, organizações e grupos radicais contra estas ações.

2.4.5.

O combate ao racismo e à discriminação nas políticas externas é também uma prioridade, em especial num mundo gravemente afetado pela pandemia de COVID-19. O CESE espera que os valores da luta contra o racismo, da luta contra a discriminação e da igualdade sejam plenamente apoiados através do Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional, em cooperação com os governos e as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais dos países parceiros (7).

2.5.   Ação positiva da União Europeia: escutar e agir

2.5.1.

A participação e representação democráticas de grupos suscetíveis de ser marginalizados, como as pessoas oriundas de minorias raciais ou étnicas, ainda é insuficiente na maioria da Europa. Por conseguinte, o CESE congratula-se com a intenção da Comissão de trabalhar com os partidos políticos europeus, com a rede europeia de cooperação para as eleições e com a sociedade civil a fim de melhorar a participação no âmbito do Plano de Ação para a Democracia Europeia. O CESE disponibiliza-se para contribuir para esse trabalho com a sua perspetiva e os seus conhecimentos especializados. Uma das prioridades seria eliminar diversos problemas jurídicos e administrativos, obstáculos à acessibilidade e dificuldades institucionais enfrentados pelas pessoas disponíveis para participar na política em todos os níveis. Outra prioridade seria colaborar com os partidos e incentivá-los a construírem círculos eleitorais mais diversificados e inclusivos e a promoverem líderes e candidatos oriundos de uma minoria ou de um grupo vulnerável.

2.5.2.

O CESE congratula-se com o compromisso da Comissão de se reunir regularmente com as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais ativos na luta contra o racismo a nível europeu, nacional e local, a fim de fazer o balanço dos progressos nesse domínio. O CESE disponibiliza-se para participar nesse diálogo. É importante associar os intervenientes confessionais a este processo.

2.5.3.

Congratula-se com a nomeação prevista de um coordenador da luta contra o racismo pela Comissão, a quem caberá interagir com os Estados-Membros, o Parlamento Europeu, as organizações da sociedade civil, os parceiros sociais e o meio académico para reforçar as respostas de política no domínio da luta contra o racismo.

2.5.4.

O CESE aguarda com expectativa a cimeira contra o racismo planeada pela Comissão. A cimeira será organizada de modo a coincidir com o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março de 2021, que a Comissão passará a assinalar anualmente.

2.5.5.

As atividades da Comissão com vista a promover a diversidade e assegurar um local de trabalho inclusivo e não discriminatório para todos, independentemente da origem racial ou étnica ou da cor da pele, são louváveis e elevam a fasquia para o funcionamento das outras instituições da UE.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2008) 426 final.

(2)  JO L 328 de 6.12.2008, p. 55.

(3)  O espaço em linha é também cada vez mais visado pelos Estados que seguem estratégias não convencionais para influenciar a opinião pública.

(4)  O CESE recomenda que a Comissão Europeia integre melhor este plano de ação na Estratégia Digital Europeia.

(5)  Segundo o relatório de 2020 da FRA (junho de 2020, FRA), em 2019, 15 Estados-Membros tinham planos contra o racismo, a discriminação racial/étnica e a intolerância conexa: Bélgica, Croácia, República Checa, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Lituânia, Países Baixos, Portugal, Eslováquia, Suécia e Espanha. O Reino Unido tinha um plano mas saiu da UE em 1 de janeiro de 2021.

(6)  Segundo a proposta, atualmente, há cartas da diversidade em 24 Estados-Membros com mais de 12 000 signatários (empresas, instituições públicas, organizações não governamentais, universidades, sindicatos) e globalmente mais de 16 milhões de trabalhadores.

(7)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 163.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/128


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “União da Igualdade — Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025”»

[COM(2020) 698 final]

(2021/C 286/22)

Relator:

Ionuț SIBIAN

Correlatora:

Maria del Carmen BARRERA CHAMORRO

Consulta

Comissão Europeia, 14.1.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

187/8/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente e apoia a coragem da Comissão Europeia em adotar a Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ 2020-2025, que visa reduzir a discriminação e garantir a segurança e os direitos fundamentais das pessoas LGBTIQ em toda a União Europeia, mediante a adoção de medidas legislativas a nível europeu, mas também incentivando os Estados-Membros a elaborar e a executar os planos de ação a nível nacional referidos na estratégia.

1.2.

O CESE está firmemente convicto de que, para que a estratégia tenha êxito, a Comissão deve instituir um mecanismo sólido para a sua aplicação e para o acompanhamento regular da sua execução, quer do ponto de vista horizontal, quer vertical. Neste sentido, a Comissão deve facilitar um diálogo abrangente entre instituições europeias e internacionais, Estados-Membros, organizações da sociedade civil e parceiros sociais.

1.3.

O CESE considera que, para alcançar os seus objetivos, a Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ deve estar interligada com outras estratégias europeias, a fim de obter uma perspetiva transetorial — por exemplo, a Estratégia sobre os Direitos das Vítimas, a Estratégia para a Igualdade de Género, o Plano de Ação da UE contra o Racismo, a Estratégia sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança.

1.4.

Uma das questões mais prementes no que se refere à discriminação das pessoas LGBTIQ tem a ver com a discriminação no local de trabalho e no acesso ao mercado de trabalho. Por conseguinte, a Diretiva Igualdade de Tratamento no Emprego (2000/78/CE) (1) também deve proteger as pessoas transgénero, não binárias, intersexuais e queer contra a discriminação nestes domínios. Além disso, o CESE congratula-se com a intenção da Comissão de alargar o âmbito de aplicação da diretiva a outros domínios que não o emprego, considerando-a uma medida eficaz para combater a discriminação contra as pessoas LGBTIQ.

1.5.

Por forma a melhorar a empregabilidade das pessoas LGBTIQ, são necessárias políticas de emprego ativas e a introdução de uma perspetiva LGBTIQ nos planos de emprego. É ainda essencial que as empresas introduzam planos para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ, a fim de combater a discriminação de que são alvo as pessoas LGBTIQ no trabalho, e adotem medidas concretas, protocolos e instrumentos de combate à discriminação.

1.6.

Para evitar que as pessoas LGBTIQ enfrentem carências socioeconómicas e níveis elevados de pobreza e exclusão social, os Estados-Membros devem ser incentivados a disponibilizar serviços médicos e sociais, abrigos, programas de assistência e locais seguros para pessoas LGBTIQ vítimas de violência doméstica, crimes de ódio e discurso de ódio, bem como, nomeadamente, para jovens LGBTIQ desprovidos de apoio familiar.

1.7.

O CESE defende energicamente a interdição das chamadas «práticas de conversão» em todos os Estados-Membros da UE, uma vez que violam os direitos fundamentais e foram classificadas como tortura. A Comissão Europeia deve incentivar os Estados-Membros a proibir todas as formas de práticas nocivas, incluindo intervenções médicas desnecessárias em pessoas intersexuais, e a rever as suas legislações relativas ao género a fim de assegurar que cumprem as normas de autodeterminação em matéria de direitos humanos.

1.8.

O CESE solicita à Comissão Europeia que disponibilize financiamento para a formação de profissionais que interagem com pessoas LGBTIQ, e que incentive o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros. Além disso, é necessário financiamento europeu para a formação especializada de médicos, professores e outros profissionais, para que compreendam melhor as necessidades e as circunstâncias específicas das pessoas LGBTIQ. O projeto-piloto EUHealth4LGBTIQ está igualmente a disponibilizar manuais de formação aos prestadores de cuidados de saúde, e a Comissão Europeia deveria ajudar os Estados-Membros a assegurar que estes cursos estão disponíveis ao nível nacional.

1.9.

No que se refere aos fundos do orçamento da UE destinados aos Estados-Membros, o CESE considera que a Comissão Europeia deve instituir um mecanismo sólido de supervisão para verificar se os Estados-Membros utilizam esses fundos em conformidade com o princípio europeu da não discriminação referido no artigo 2.o do Tratado da União Europeia (TUE), assim como no pleno respeito dos direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. A supervisão deve ser efetuada quer ex ante, mediante a realização de uma auditoria sobre a diversidade, quer ex post, como estabelecido no Regulamento Disposições Comuns para o período de programação 2021-2027.

1.10.

A Comissão Europeia deve assumir o papel de guardiã dos Tratados da União Europeia e intensificar os esforços no sentido de assegurar a transposição e a execução integrais da legislação da UE sobre a matéria e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia nos Estados-Membros, em especial no que se refere à Diretiva 2004/38/CE (2) e à legislação em matéria de asilo. É igualmente importante que, no contexto da livre circulação e de situações transfronteiriças, seja adotada a nível europeu regulamentação clara, inclusiva e não discriminatória sobre a noção de «família», incluindo famílias «arco-íris», bem como sobre o reconhecimento de certidões de nascimento de pessoas transgénero em todos os Estados-Membros, independentemente de outros procedimentos administrativos ou judiciais.

1.11.

A União Europeia deve assumir o seu papel de promotora dos direitos humanos a nível mundial, incluindo a liberdade e a dignidade das pessoas LGBTIQ. Para atingir esse objetivo, deve trabalhar com instituições internacionais e regionais em defesa da descriminalização universal da homossexualidade e do respeito pela dignidade e pelos direitos fundamentais das pessoas LGBTIQ em todo o mundo.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE considera essencial que as instituições europeias e nacionais implementem políticas públicas de proteção às pessoas LGBTIQ, de modo que os valores consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais e no Tratado da União Europeia (TUE), nomeadamente «dignidade humana, […] igualdade, […] respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias», sejam respeitados em toda a União (3). O CESE apoia a Resolução do Parlamento Europeu, de 11 de março de 2021, sobre a proclamação da UE como zona de liberdade para as pessoas LGBTIQ.

2.2.

Dados (4) da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) demonstram que as pessoas LGBTIQ constituem um grupo vulnerável que precisa de apoio, quer das instituições europeias, quer das autoridades nacionais dos Estados-Membros. O CESE considera que a Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ 2020-2025 é um primeiro passo no combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade/expressão de género e características sexuais, bem como na garantia de um espaço seguro para a comunidade LGBTIQ em toda a União Europeia.

2.3.

O CESE congratula-se com a utilização que o documento da Comissão faz da interseccionalidade como princípio transversal: a orientação sexual, a identidade/expressão de género e as características sexuais são consideradas em conjunto com outras características ou identidades pessoais, como o sexo, a origem racial/étnica, a religião/convicção, a deficiência e a idade. Todos estes aspetos são colocados no contexto da crise da COVID-19, que afeta de forma desproporcionada as pessoas LGBTIQ vulneráveis.

2.4.

Contudo, para que a Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025 seja aplicada de forma eficiente e eficaz em toda a União Europeia, a Comissão deve criar um mecanismo de operacionalização e de acompanhamento para supervisionar se, ou em que medida, a estratégia foi aplicada. Neste sentido, a Comissão deve verificar anualmente se e em que medida as instituições europeias e os Estados-Membros aplicaram as prioridades principais referidas na estratégia. Esta avaliação deve ser efetuada em consulta com os Estados-Membros e a sociedade civil organizada.

3.   Observações na especialidade

3.1.   Discriminação contra as pessoas LGBTIQ

3.1.1.

A discriminação afeta as pessoas LGBTIQ em todas as fases da vida. Desde muito cedo, as crianças e jovens LGBTIQ, e as crianças de famílias LGBTIQ ou arco-íris, em que um dos membros é LGBTIQ, são frequentemente estigmatizadas, tornando-se alvo de discriminação e intimidação, o que afeta os seus resultados escolares e perspetivas de emprego, a sua vida quotidiana e o seu bem-estar pessoal e familiar. Por conseguinte, são necessárias medidas mais abrangentes e mais adequadas de proteção das crianças, em especial no domínio da educação, de modo a erradicar a discriminação de que são vítimas as pessoas LGBTIQ.

3.1.2.

Uma das questões mais prementes no que se refere à discriminação das pessoas LGBTIQ tem que ver com a discriminação no local de trabalho (5) e no acesso ao mercado de trabalho. Por conseguinte, a Diretiva Igualdade de Tratamento no Emprego também deve proteger as pessoas transgénero, não binárias, intersexuais e queer contra a discriminação nestes domínios. Além disso, o CESE congratula-se com a intenção da Comissão de alargar a aplicabilidade da diretiva a outros domínios que não o emprego e a formação profissional, considerando-a uma medida eficaz para combater a discriminação contra as pessoas LGBTIQ.

3.1.3.

No que se refere à discriminação no local de trabalho, deve ser prestada atenção especial às pessoas transgénero, devido aos desafios sociais que enfrentam (por exemplo: discrepância entre a situação factual e legal devido aos processos muito complexos de alteração dos documentos de identidade na maioria dos Estados-Membros, falta de procedimentos médicos ou preconceitos de que são vítimas). Estes desafios sociais podem conduzir ao assédio no local de trabalho, ao despedimento e, de um modo geral, a inúmeros problemas desde a fase de procura de emprego às seguintes.

3.1.4.

O CESE realça a necessidade de a União Europeia criar linhas de ação em matéria de políticas de emprego, para que os Estados-Membros e as autoridades nacionais elaborem planos nacionais de emprego que incluam medidas específicas destinadas às pessoas LGBTIQ e limitem os efeitos da falta de acesso ao emprego, uma situação estrutural de que padecem.

3.1.5.

O CESE considera que é essencial expandir a regulamentação europeia em matéria de igualdade de tratamento no emprego, a fim de integrar as pessoas transgénero, bem como as não binárias, intersexuais e queer, com o objetivo de proteger todas as pessoas LGBTIQ da discriminação no emprego em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais.

3.1.6.

O CESE apoia a proposta da Comissão Europeia de alargar a Diretiva Igualdade de Tratamento a outros domínios para além do emprego e da formação profissional. A este propósito, o CESE considera que a Comissão deve ser apoiada no seu apelo ao Conselho para que adote a proposta, a fim de colmatar as lacunas da legislação da UE em matéria de proteção contra a discriminação baseada na orientação sexual, mas também na identidade/expressão de género, nas características sexuais e no agregado familiar.

3.1.7.

O CESE apoia o apelo das instituições europeias para que os Estados-Membros ratifiquem a Convenção n.o 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, que refere um conjunto de comportamentos e de práticas inaceitáveis dirigidos às pessoas devido ao seu sexo ou género e fornece orientações aos governos e aos parceiros sociais para a identificação de instrumentos de prevenção e combate a estas formas de discriminação. A negociação coletiva a todos os níveis e as convenções coletivas podem ajudar a definir medidas específicas para o local de trabalho e a aplicar o acordo autónomo firmado pelos parceiros sociais europeus contra a violência no trabalho.

3.1.8.

Tendo em conta a discriminação de que são vítimas as pessoas LGBTIQ precisamente no local onde se deveriam sentir mais seguras, nomeadamente no meio familiar, muitas pessoas da comunidade LGBTIQ, em especial jovens, acabam por se tornar sem-abrigo. Em muitos Estados-Membros, as autoridades não têm capacidade para disponibilizar serviços sociais e médicos para apoiar estas pessoas. Por conseguinte, é fundamental que as pessoas LGBTIQ possam usufruir de abrigos seguros e de serviços médicos, para que se consigam integrar na sociedade e encontrar um emprego estável e seguro.

3.1.9.

Além das propostas da Comissão para reformar o Sistema Europeu Comum de Asilo, é fundamental que a União Europeia disponibilize fundos para que juízes, procuradores, guardas de fronteira, profissionais dos serviços de imigração e intérpretes recebam formação de modo a compreenderem as necessidades específicas dos requerentes de proteção internacional vulneráveis, incluindo pessoas LGBTIQ.

3.1.10.

Neste sentido, o CESE considera essencial limitar a aplicação de políticas de regresso dos migrantes nas fronteiras da UE, tendo em conta o facto de que muitas dessas pessoas estão a fugir dos seus países de origem devido a perseguições com base na orientação sexual, identidade/expressão de género e características sexuais. Serem forçadas a regressar sem terem a oportunidade de requerer proteção internacional viola os direitos humanos mais fundamentais, os tratados internacionais e, nalguns casos, as legislações nacionais em matéria de proteção internacional.

3.1.11.

O CESE entende que a Comissão deve ponderar reconhecer o direito das pessoas transgénero à autodeterminação em matéria de género, cumprindo, desta forma, as normas internacionais mais elevadas de respeito dos direitos humanos e promovendo o seu reconhecimento nos Estados-Membros e pelas autoridades nacionais, de modo que as pessoas transgénero possam ver a sua identidade reconhecida sem precisarem que terceiros o comprovem.

3.1.12.

A Comissão Europeia deve acompanhar o acesso à cobertura dos cuidados de saúde para os tratamentos de afirmação do género para as pessoas transgénero e colaborar com os Estados-Membros para tirar pleno partido das possibilidades do quadro da UE em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços para colmatar eventuais lacunas nacionais.

3.1.13.

A Comissão deve incentivar os Estados-Membros a adotarem estratégias a nível nacional para a supervisão, controlo e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. É ainda essencial neste domínio priorizar fundos para profissionais de saúde e frequentar formação de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e com a 11.a edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (ICD-11). Além disso, é fundamental que os Estados-Membros incentivem a troca de experiências e de práticas entre profissionais de saúde especializados de diferentes Estados-Membros.

3.1.14.

Os Estados-Membros devem ser incentivados a banir a «terapia de conversão» em toda a UE, uma prática degradante com inúmeras repercussões na saúde física e mental das pessoas LGBTIQ. Os Estados-Membros devem ainda ser incentivados a adotar medidas legislativas que proíbam a «mutilação intersexual», o que garantiria às pessoas intersexuais o direito a decidirem elas próprias se pretendem ou não submeter-se a intervenções médicas para que lhes seja atribuído um sexo em particular, e apenas seria permitida a derrogação desta regra no contexto de necessidades médicas urgentes em que a pessoa intersexual estivesse em perigo de vida.

3.1.15.

Os programas de financiamento da União Europeia devem estar estreitamente ligados e condicionados aos valores promovidos no artigo 2.o do TUE. Além disso, para projetos de grandes dimensões, deve exigir-se aos Estados-Membros que realizem uma avaliação do impacto em grupos vulneráveis, incluindo nas pessoas LGBTIQ, para projetos financiados por fundos da UE. Assim, deve ser realizada uma auditoria sobre a diversidade a nível dos Estados-Membros para efeitos de financiamento da UE, realizada por uma comissão independente constituída por autoridades públicas nacionais, quer centrais ou locais (6), e organizações da sociedade civil.

3.1.16.

Para efeitos da formação dos peritos chamados a realizar esta auditoria sobre a diversidade no âmbito dos programas de financiamento da UE, deve ser elaborado um programa de formação a nível europeu de forma a desenvolver competências e incentivar os Estados-Membros a realizarem um intercâmbio de boas práticas no que se refere ao impacto dos programas de financiamento da UE em grupos vulneráveis, incluindo a comunidade LGBTIQ. Para aplicar esta medida em toda a UE, deve ser criado um mecanismo de supervisão a nível da Comissão Europeia.

3.1.17.

Há que incentivar os Estados-Membros a lançar campanhas nacionais de educação e de sensibilização e programas para reduzir e combater a discriminação das pessoas com orientações sexuais e identidades de género diferentes. Neste contexto, as autoridades nacionais devem assegurar que os programas escolares nacionais obrigatórios contêm informações sobre direitos humanos, incluindo a orientação sexual, a identidade e a expressão de género, a fim de prevenir a discriminação, os preconceitos e os estereótipos. Além disso, as escolas primárias e secundárias devem proporcionar uma educação sexual abrangente que permita às crianças e aos adolescentes adquirir os conhecimentos e as competências necessários para terem vidas mais saudáveis e participarem em relações numa base de igualdade.

3.2.   Garantir a segurança das pessoas LGBTIQ

3.2.1.

O CESE tem conhecimento de que tem havido referendos em vários Estados-Membros para alterar as constituições nacionais, com vista a restringir os direitos das pessoas LGBTIQ ou de estigmatizar este grupo de pessoas entre o público em geral. Tendo em conta que a informação flui num espaço transfronteiriço em toda a União Europeia, os Estados-Membros devem garantir a transparência do financiamento público para todas as partes envolvidas nesses referendos.

3.2.2.

O CESE apoia a iniciativa de alargar a lista de «crimes reconhecidos pela UE» ao abrigo do artigo 83.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) de modo a abranger os crimes de ódio e o discurso de ódio, nomeadamente quando dirigidos às pessoas LGBTIQ. Por conseguinte, é necessário que a Comissão adote medidas de informação e de sensibilização sobre esta matéria a nível europeu. A Comissão deve lançar uma campanha de comunicação com vista a contrariar esta tendência e os comportamentos associados, promovendo a igualdade de todos os seus cidadãos. O CESE propõe que esta campanha seja lançada a nível europeu e aborde os problemas sentidos em cada Estado-Membro a nível local. Estas iniciativas devem ser inseridas no âmbito do Plano de Ação para a Democracia Europeia. Além disso, todos os países europeus se comprometeram a recolher dados para a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) sobre crimes de ódio, que podem ser utilizados neste contexto.

3.2.3.

A Comissão Europeia, em cooperação com os Estados-Membros, deve igualmente adotar um conjunto de medidas para combater as notícias falsas e a informação errada, bem como o discurso de ódio, quer em linha, quer fora de linha. Neste sentido, a Comissão deve criar um mecanismo de acompanhamento da aplicação adequada da Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual a nível dos Estados-Membros, bem como adotar um quadro legislativo europeu para combater com maior facilidade as notícias falsas e a informação errada.

3.2.4.

A fim de combater o discurso de ódio no ambiente em linha, o CESE considera extremamente encorajadoras as medidas da Comissão destinadas a promover e a aplicar o «Código de conduta para a luta contra os discursos ilegais de incitação ao ódio em linha», assinado por Facebook, Microsoft, Twitter e Youtube. Este tipo de instrumento — um código de conduta para combater o discurso de ódio — deve ser aplicado como uma recomendação a nível dos Estados-Membros, quer em linha, quer no espaço audiovisual, para criar um espaço seguro para as pessoas LGBTIQ, bem como para outros grupos vulneráveis que poderão facilmente ser vítimas de assédio em linha ou de discurso de ódio (7).

3.2.5.

A Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ 2020-2025 deve estar ligada à Estratégia sobre os Direitos das Vítimas 2020-2025, para que as pessoas que pertencem a minorias sexuais tenham a coragem de denunciar os crimes de ódio de que foram vítimas. Assim, é necessário garantir formação profissional contínua para agentes de segurança, advogados e magistrados no domínio dos crimes de ódio, preconceitos e estereótipos, além de ser essencial uma cooperação com organizações não governamentais (ONG) que prestam apoio a pessoas LGBTIQ neste domínio.

3.2.6.

A pandemia de COVID-19 demonstrou que a maioria dos Estados-Membros não está suficientemente equipada para disponibilizar abrigo de emergência e de curto-prazo a pessoas LGBTIQ que são vítimas de violência doméstica, especialmente pessoas transgénero, ou que são vítimas da sua própria família. Portanto, a construção de abrigos, de casas seguras e de centros de apoio, bem como a disponibilização de serviços de assistência integrados, exige a cooperação das autoridades nacionais e de organizações não governamentais e financiamento da UE.

3.3.   Construir sociedades inclusivas para as pessoas LGBTIQ

3.3.1.

A Comissão Europeia deve assumir o papel de guardiã do direito da União Europeia, que deriva dos atos regulamentares europeus e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para a aplicação correta e uniforme do direito europeu em todos os Estados-Membros. Deve intensificar os esforços e criar mecanismos alargados para acompanhar a aplicabilidade do direito europeu e das decisões do TJUE no quadro do direito nacional e nas práticas das autoridades nacionais.

3.3.2.

No que se refere à livre circulação, um dos pilares do direito europeu, a Comissão Europeia deve criar um mecanismo de acompanhamento para assegurar que os direitos conferidos pela Diretiva 2004/38/CE, nomeadamente o direito de circular e residir livremente, são reconhecidos a todos os cidadãos europeus e respetivas famílias, incluindo famílias arco-íris, em toda a União.

3.3.3.

Para que todas as pessoas LGBTIQ possam usufruir do direito de livre circulação em toda a União Europeia, o CESE insta a Comissão Europeia a, por um lado, elaborar um quadro regulamentar através do qual a noção de «família» seja autónoma, independentemente da legislação nacional dos Estados-Membros, em especial em situações transfronteiriças, e a, por outro lado, garantir que os documentos de nascimento alvo de intercâmbio na sequência de um procedimento administrativo ou judicial sejam reconhecidos em todos os Estados-Membros, no contexto da livre circulação. A Comissão Europeia deveria colaborar com os Estados-Membros no sentido de facilitar o registo do parentesco para os pais transgénero de acordo com a sua identidade de género legalmente reconhecida, a fim de proteger estas famílias de uma exposição pública indesejada, da discriminação e da violência.

3.4.   Liderar o movimento em prol da igualdade das pessoas LGBTIQ em todo o mundo

3.4.1.

As instituições europeias devem assumir o papel de garante e de protetor dos direitos humanos fundamentais, quer nas ações internas, quer nas externas. Para que tal se concretize, é necessário trabalhar com outras instituições regionais e internacionais, tais como o Conselho da Europa e as Nações Unidas, para garantir às pessoas LGBTIQ e aos defensores dos direitos humanos a segurança e a igualdade que merecem. É igualmente importante que, além do apoio a medidas de luta contra a violência, o ódio e a discriminação de que são vítimas as pessoas LGBTIQ concedido através do Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA) a países candidatos ou potencialmente candidatos, as instituições europeias introduzam estes critérios nas suas ações externas, no domínio da atribuição de fundos a países terceiros.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 303 de 2.12.2000, p. 16.

(2)  JO L 158 de 30.4.2004, p. 77.

(3)  Artigo 2.o do Tratado da União Europeia.

(4)  https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/fra-2020-lgbti-equality-1_en.pdf

(5)  No emprego, as pessoas LGBTIQ continuam a ser alvo de discriminação durante o recrutamento, no trabalho e no final da sua carreira, o que contraria a legislação bem clara da UE neste domínio. Muitas pessoas LGBTIQ enfrentam inúmeros obstáculos para encontrar empregos dignos e estáveis, o que resulta no aumento do risco de pobreza, de exclusão social e de se tornarem sem-abrigo.

(6)  Para a aplicação desta medida, deve ser criado um grupo de peritos para avaliar em que medida os projetos executados pelos Estados-Membros ajudam grupos vulneráveis, incluindo a comunidade LGBTIQ, bem como a análise realizada ex ante e ex post à execução dos projetos financiados por fundos europeus, com base numa grelha de avaliação criada a nível europeu.

(7)  Os códigos de conduta devem ser inspirados nos valores da UE em matéria de igualdade, direitos humanos, diversidade e também liberdade de expressão, com a criação de um grupo de peritos para acompanhar a implementação e a aplicação deste instrumento de trabalho, mas também com a participação das organizações da sociedade civil cujo domínio de atividade é a defesa dos direitos humanos e dos grupos vulneráveis.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/134


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027”»

[COM(2020) 758 final]

(2021/C 286/23)

Relator:

Paul SOETE

Consulta

Comissão Europeia, 14.1.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

205/1/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE constata com satisfação que o Plano de ação sobre a integração e a inclusão (a seguir designado «plano de ação») da Comissão faz parte da resposta global para enfrentar os desafios relacionados com a migração apresentada no Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo.

1.2.

O novo plano de ação possui um âmbito de aplicação mais amplo do que o anterior: ao contrário do seu antecessor de 2016, abrange não só os migrantes, mas também os cidadãos da UE «com antecedentes migratórios». Embora a integração também seja importante para esta categoria de cidadãos e para todos os cidadãos e residentes, pode resultar em ações menos direcionadas, uma vez que os problemas enfrentados pelos recém-chegados são diferentes dos problemas enfrentados pelos migrantes de segunda e terceira geração.

1.3.

As ferramentas de integração e inclusão estão principalmente nas mãos dos órgãos de poder nacional, regional e local. A ação a nível da UE é complementar e destina-se a promover, facilitar e coordenar a colaboração. Consequentemente, o plano de ação não contempla objetivos globais ou específicos para os Estados-Membros, mas apenas recomendações. Dada a situação atual e o impacto da pandemia, existe o risco de que essas questões de integração sejam consideradas como de menor prioridade.

1.4.

O plano de ação aborda todos os domínios de intervenção que são essenciais para a integração socioeconómica e política dos migrantes recém-chegados e apresenta uma panorâmica da lista de iniciativas europeias em diversos domínios que podem ter impacto na migração e integração. O CESE assinala que os verdadeiros desafios residem na aplicação destas políticas.

1.5.

O CESE apoia os objetivos propostos pelo plano de ação em domínios setoriais essenciais. No entanto, gostaria também de salientar que se trata de exemplos de ações possíveis e não de metas mensuráveis. Por conseguinte, a eficácia da sua execução parece depender de um processo de acompanhamento que ainda não foi aplicado. O CESE encoraja a Comissão a realizar um acompanhamento contínuo da execução do plano de ação.

1.6.

Em comparação com o Plano de Ação de 2016, este plano dá uma maior atenção à dimensão de género da integração em geral. Os aspetos de género também devem ser destacados nas diferentes secções dos domínios setoriais.

1.7.

O CESE salienta que o valor do trabalho em geral deve ser um fio condutor do plano de ação, uma vez que o trabalho nas suas diversas formas constitui um aspeto fundamental da integração e do desenvolvimento pessoal.

1.8.

O plano de ação apresenta uma panorâmica de todos os instrumentos de financiamento disponíveis em cada domínio setorial. No entanto, estes instrumentos parecem ser concebidos para peritos em matéria de subvenções, e o CESE propõe que a Comissão facilite o acesso ao financiamento, por exemplo através da criação de um instrumento específico para a integração. O CESE receia também que o financiamento da integração vá progressivamente perdendo força na lista de prioridades.

1.9.

O CESE sublinha a importância da sociedade civil em geral para a integração no modo de vida local, bem como o papel específico dos sindicatos e das organizações patronais.

2.   Contexto

2.1.

O Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027 faz parte da resposta global aos desafios relacionados com a migração apresentada no Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo. Tem como fundamento e atualiza os compromissos do Plano de Ação da UE sobre a Integração de 2016 e tem uma duração de sete anos, com uma revisão intercalar em 2024, em conformidade com o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para o mesmo período.

2.2.

A necessidade de um plano de ação decorre das diferenças marcantes entre migrantes e cidadãos nacionais no que diz respeito à educação, ao emprego, à pobreza e às condições de habitação. Para citar um valor que ilustra esta disparidade, a percentagem de jovens migrantes (com idades entre os 18 e os 24 anos) que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação (NEET) na UE é de 21 %, face aos 12,5 % no caso dos cidadãos nacionais. Verifica-se também uma disparidade de género importante, sendo a percentagem de raparigas migrantes que se enquadram nesta categoria de 25,9 % (1).

2.3.

A pandemia de COVID-19 pôs em evidência as desigualdades profundas no acesso dos migrantes aos cuidados de saúde, o que acarreta riscos para a sociedade em geral. Revelou também que os migrantes são mais propensos a trabalhar em empregos que requerem contacto interpessoal próximo, estando, por esse motivo, mais expostos à COVID-19.

2.4.

A plena integração dos migrantes no mercado de trabalho poderá resultar em ganhos económicos significativos para o serviço nacional de previdência, nomeadamente para os regimes de pensões e em termos de contribuições fiscais (2). Trata-se de um resultado vantajoso para todos, uma vez que a plena integração também beneficia os migrantes, proporcionando-lhes acesso ao sistema de segurança social do país de acolhimento.

2.5.

O plano de ação refere-se a um conjunto de princípios e valores-chave gerais comuns a todas as políticas de inclusão da UE, incluindo uma referência ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

2.6.

As ações específicas apresentadas no plano de ação dizem respeito a quatro domínios setoriais, nomeadamente Educação e Formação, Emprego e Competências, Saúde e Habitação. São identificadas lacunas de integração em cada um destes domínios. Estas ações são complementadas por ações transversais, nomeadamente a criação de parcerias sólidas, o aumento das diversas oportunidades de financiamento, a promoção de ligações com a sociedade de acolhimento, o reforço da utilização de novas tecnologias e ferramentas digitais e o acompanhamento dos progressos na integração.

2.7.

O CESE reconhece que o plano de ação se centra no processo de integração enquanto tal e não na entrada na UE. Não obstante, gostaria de salientar que a questão do reagrupamento familiar continua a ser um importante fator de integração jurídica e social.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Ao contrário do plano de 2016, o plano atual abrange não apenas os migrantes, mas também os cidadãos da UE «com antecedentes migratórios». O CESE toma nota do alargamento do âmbito de aplicação, uma vez que os aspetos de integração também são importantes para esta segunda categoria de cidadãos e para todos os cidadãos e residentes, o que promove o modo de vida europeu, segundo o qual os direitos e as necessidades de inclusão estão também associados a responsabilidades.

3.2.

Contudo, o CESE receia que o alargamento do âmbito de aplicação do plano de ação possa também resultar em ações menos direcionadas e, por conseguinte, menos eficazes. Os problemas enfrentados pelos recém-chegados são diferentes dos problemas enfrentados pelos migrantes de segunda e terceira geração. Além disso, a inclusão das necessidades sociais dos migrantes de segunda e terceira geração nas políticas de migração e integração comporta o risco de os estigmatizar e de perpetuar o racismo.

3.3.

O plano de ação da Comissão apresenta uma boa panorâmica da lista de iniciativas europeias em diversos domínios com impacto na migração e na integração. O documento aborda todos os domínios de intervenção essenciais que são necessários para a integração socioeconómica e política dos migrantes recém-chegados, discutindo também a disponibilidade de fundos e a criação de parcerias com instituições e organizações para facilitar a integração.

3.4.

O CESE sublinha que, a par destas políticas, o trabalho continua a ser um fator decisivo para a integração e, como tal, deve ser salvaguardado e promovido como elemento central de todo o plano.

3.5.

O CESE salienta que os verdadeiros desafios residem na aplicação destas políticas. Por exemplo, mesmo quando as qualificações anteriores dos migrantes são reconhecidas, os empregadores hesitam em contratá-los devido à falta de confiança no seu nível de competências, como parece ser o caso dos migrantes do Médio Oriente e Norte de África e da Ásia do Sul e Central.

3.6.

O compromisso de reforçar a participação dos órgãos de poder local e regional, da sociedade civil e dos migrantes e respetivas organizações nas políticas de integração e inclusão da UE é um aspeto positivo do novo plano de ação. O CESE assinala que a sociedade civil também deve incluir os sindicatos e as organizações patronais.

3.7.

O plano de ação reconhece, acertadamente, a importância dos órgãos de poder nacional, regional e local nas políticas de integração e promove a cooperação entre os mesmos. Na verdade, importa notar que a maioria das ferramentas de integração está nas suas mãos. A ação a nível da UE é complementar e destina-se a promover, facilitar e coordenar a colaboração, sempre que for útil. Consequentemente, o plano de ação não contempla objetivos gerais ou específicos para os Estados-Membros, mas apenas recomendações.

3.8.

Dado que o texto não é vinculativo e que os Estados-Membros são responsáveis, em última instância, pelas políticas de integração a nível nacional, o CESE salienta a necessidade de compromissos claros por parte dos Estados-Membros da UE e da criação de fóruns adequados, nomeadamente reuniões regulares, para coordenar as políticas e avaliar os progressos.

3.9.

A Comissão define claramente o que pretende alcançar em cada domínio. O CESE apoia o diagnóstico e os resultados propostos, mas constata a ausência de metas claras, tanto de caráter geral como associadas a ações específicas. A eficácia da sua execução parece depender de um processo de acompanhamento que deverá ser instaurado.

3.10.

No Parecer SOC/649 (Um Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo) (3), o CESE interrogou-se sobre a escala e o apoio das medidas de integração. As ferramentas e os incentivos que o plano de ação oferece às diferentes partes interessadas podem não ser suficientes para melhorar a integração de uma forma significativa, especialmente tendo em conta a natureza de longo prazo das medidas neste domínio. Por conseguinte, é necessário acompanhar a aplicação deste aspeto.

3.11.

O financiamento é uma parte importante do plano de ação. Os Estados-Membros e outras partes interessadas são incentivados a fazer pleno uso do financiamento da UE. O plano de ação apresenta ainda uma panorâmica de todos os instrumentos de financiamento disponíveis para cada domínio setorial.

3.12.

Embora a integração seja mencionada entre os princípios orientadores do plano de ação, este não fornece uma orientação satisfatória quanto à forma de integrar as políticas de integração nas medidas gerais de coesão social.

3.13.

O CESE acolhe favoravelmente a referência à dimensão do género da integração no novo plano de ação. Ao mesmo tempo, salienta que os desafios de integração em matéria de género merecem mais atenção e uma ação mais específica em cada um dos domínios setoriais.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Educação e formação

4.1.1.

O plano de ação afirma, acertadamente, que a educação e a formação constituem os alicerces de uma participação frutuosa na sociedade. As escolas, e outros estabelecimentos de ensino, proporcionam um ambiente importante para a construção de uma sociedade inclusiva e o combate à segregação. Além disso, a educação cívica sobre democracia e cidadania estabelece as bases para uma participação ativa na sociedade, ao mesmo tempo que evita que os jovens sejam atraídos para ideologias extremistas. Este é um domínio em que se deve incentivar a participação ativa na sociedade civil, dado que promove a confiança, a coesão social e o sentimento de pertença.

4.1.2.

No que diz respeito às ações específicas destinadas a melhorar a participação na educação e na formação, o apoio prestado pela Comissão deve ser especificado de forma mais pormenorizada, uma vez que o plano de ação contém apenas referências gerais a atividades de apoio direcionado. A ação mais específica mencionada é o manual com orientações práticas sobre a educação e o acolhimento na primeira infância, que será publicado no início de 2021.

4.1.3.

O plano de ação refere também a necessidade de facilitar o reconhecimento de qualificações obtidas em países terceiros. Apresenta vários instrumentos para melhorar o reconhecimento das qualificações: as redes ENIC-NARIC, o Programa Erasmus, o Quadro de Qualificações da UE e o portal Europass. Além de reforçar os instrumentos existentes, é também importante identificar e fazer o levantamento das barreiras existentes ao reconhecimento, nomeadamente a falta de confiança e outras barreiras sociais.

4.1.4.

A Comissão sublinha a importância da aprendizagem de línguas e propõe o desenvolvimento de programas de ensino de línguas abrangentes e acessíveis. O CESE considera que a aprendizagem de línguas deve estar no centro das ações nos domínios da educação e do emprego, desde as primeiras fases do processo de integração. Aprender a língua da comunidade de acolhimento garante o acesso a níveis adequados de educação e formação, com repercussões profundas na integração. Deste modo, os programas de ensino de línguas devem também assentar numa abordagem holística (4).

4.1.5.

Com base no próximo objetivo da Garantia para a Infância, importa recomendar que os Estados-Membros apoiem um maior acesso das crianças migrantes à educação, garantindo que os procedimentos de imigração não interfiram com a escolaridade ou com os direitos das crianças em geral. A educação deve avaliar, satisfazer e, tanto quanto possível, dar resposta às necessidades individuais das crianças migrantes com deficiência, ou outras necessidades, a fim de facilitar o desenvolvimento da sua personalidade, dos seus talentos e da sua criatividade, bem como das suas capacidades mentais e físicas, no seu potencial máximo.

4.1.6.

Todas as ações nestes domínios devem ter como objetivo alcançar sistemas de ensino inclusivos em todos os níveis e na aprendizagem ao longo da vida.

4.1.7.

O plano destaca a importância de compreender as leis, a cultura e os valores da sociedade de acolhimento o mais cedo possível através de cursos de orientação cívica. A Comissão propõe intercâmbios de boas práticas entre os Estados-Membros nestes domínios. As informações sobre esses assuntos devem ser fornecidas de forma compreensível e acessível a todos.

4.2.   Emprego e competências

4.2.1.

Nesta área, o diagnóstico de problemas e as metas globais estão bem definidos, mostrando a importância da contribuição dos migrantes para a economia, especialmente em tempos de COVID-19. O plano de ação também sublinha que não serão apenas os trabalhadores migrantes, mas também os empresários migrantes, a chave para o crescimento durante e após a pandemia.

4.2.2.

Para alcançar os objetivos referidos, o plano de ação incentiva a utilização de ferramentas existentes da UE, nomeadamente a Parceria Europeia para a Integração, para trabalhar com parceiros sociais e económicos, a iniciativa Empregadores unidos em prol da integração, o InvestEU, no que toca ao apoio ao empreendedorismo, a Rede Europeia de Integração, a Rede europeia dos serviços públicos de emprego e a plataforma Europass, para partilhar e aumentar as práticas em matéria de avaliação de competências, a ferramenta da UE para a definição de perfis de competências dos nacionais de países terceiros, para facilitar a validação de competências, e o futuro programa «Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores», para apoiar pessoas com antecedentes migratórios.

4.2.3.

Entre outros objetivos, o plano de ação também refere a superação das dificuldades de acesso aos serviços financeiros e à informação, mas não propõe nenhuma ação específica para resolver essas dificuldades. A esse respeito, o plano de ação deve promover a capacitação dos trabalhadores migrantes, garantindo o acesso a informações financeiras e jurídicas, a mecanismos de apresentação de queixas e a meios de denúncia seguros, em formatos compreensíveis e acessíveis.

4.2.4.

O plano de ação destaca, acertadamente, a importância de assegurar sistemas ou testes de avaliação de competências mais eficazes e rápidos, tendo também em conta as experiências anteriores nesta matéria.

4.2.5.

No entanto, as ferramentas de avaliação de competências não são suficientes para garantir um maior acesso ao mercado de trabalho; é necessário agir para fazer face à desconfiança e à discriminação. É importante fornecer apoio e orientações específicas às agências nacionais de emprego e partes interessadas no setor do emprego para desenvolver políticas de luta contra a discriminação e promover a participação a todos os níveis. É também fundamental recomendar políticas nacionais que assegurem aos nacionais de países terceiros um acesso maior e mais ágil a todos os setores de emprego, facilitando os procedimentos de visto.

4.2.6.

O plano de ação deve ainda sublinhar a importância de promover um maior acesso à aprendizagem, aos estágios, à formação profissional e até mesmo ao voluntariado que possa conduzir a um verdadeiro emprego a tempo inteiro. Desse modo, proporcionará aos migrantes e residentes com antecedentes migratórios uma oportunidade de trabalhar, aumentar o seu nível de qualificação e possuir rendimentos para sustento próprio e das suas famílias. Concretamente, os programas que promovem o acesso dos jovens ao mercado de trabalho (por exemplo, a Garantia para a Juventude) devem conter disposições específicas para assegurar a participação de nacionais de países terceiros.

4.2.7.

O plano de ação também deve contemplar ações direcionadas, destinadas a capacitar as mulheres migrantes e refugiadas e a melhorar o seu acesso ao mercado de trabalho, inclusive através do reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e através do apoio a necessidades específicas.

4.3.   Saúde

4.3.1.

Um aspeto importante assinalado no plano de ação é o facto de a pandemia de COVID-19 ter posto em evidência a existência de desigualdades profundas no acesso aos serviços de saúde, o que acarreta riscos para a sociedade em geral.

4.3.2.

Face à pandemia, o CESE considera que todos os migrantes, incluindo os migrantes em situação irregular, devem ter acesso a cuidados de saúde básicos, nomeadamente a testes e vacinas, em todos os Estados-Membros da UE.

4.3.3.

No que diz respeito às ações propostas, a Comissão refere-se às possibilidades de financiamento através do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI), do Fundo Social Europeu Mais (FSE+), do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e do futuro programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores. O plano de ação incentiva, acertadamente, a utilização de fundos da UE para a prestação de serviços de saúde.

4.3.4.

O CESE salienta que é fundamental recomendar aos Estados-Membros que eliminem as barreiras no acesso aos serviços de saúde e as barreiras nos serviços de saúde, nomeadamente através de campanhas de informação sobre os sistemas de saúde nacionais, avaliando e respondendo às necessidades de saúde individuais dos migrantes com deficiência.

4.3.5.

O CESE sublinha a importância de sensibilizar e promover a saúde mental da população migrante no âmbito do processo de integração, nomeadamente face à pandemia atual, assegurando também serviços de saúde mental culturalmente sensíveis.

4.3.6.

As ações destinadas a garantir um maior acesso aos serviços de saúde devem abranger também os meios de acolhimento dos requerentes de asilo, nomeadamente na elaboração do novo Programa de Saúde.

4.4.   Habitação

4.4.1.

A Comissão lançará uma iniciativa de habitação a preços acessíveis, conforme anunciado no âmbito da Iniciativa Vaga de Renovação, e promoverá a habitação digna, acessível, comportável e não segregada. Será dada especial atenção aos modelos de habitação autónoma (em vez de alojamentos coletivos) para os requerentes de asilo.

4.4.2.

Entre os objetivos enunciados nesta área, o combate à discriminação no mercado da habitação e a redução da segregação residencial devem ser prioritários.

4.4.3.

Tal deve também envolver uma maior ênfase no alargamento da habitação a preços acessíveis, inclusive a habitação social, através de soluções integradas que visem os nacionais de países terceiros, bem como todos os residentes que enfrentam necessidades de habitação (5).

4.4.4.

Os Estados-Membros devem ser incentivados a também utilizar o financiamento da UE para conceber e aplicar mecanismos de acesso à justiça em casos de exploração habitacional.

4.5.   Parcerias para um processo de integração mais eficaz

4.5.1.

A Comissão tenciona reforçar a Rede Europeia de Integração, disponibilizando financiamento específico e um programa de reforço de capacidades aos Estados-Membros.

4.5.2.

É dada especial atenção ao apoio aos órgãos de poder local e regional, incluindo o alargamento da Academia Urbana para a Integração e o reforço do diálogo inter-religioso entre as comunidades, apoiando os municípios na prevenção da radicalização ao abrigo da iniciativa Cidades da UE contra a Radicalização, lançada em 2019. O CESE sublinha a importância do diálogo inter-religioso para a integração.

4.5.3.

O plano de ação menciona também o Fórum Europeu sobre Migração, organizado anualmente em colaboração com o CESE, nomeadamente com o seu Grupo de Estudo Temático para a Imigração e Integração, como forma de apoiar a consulta da sociedade civil e das organizações da diáspora.

4.5.4.

Por fim, o plano anuncia o apoio a fundações e organizações através de um diálogo estrutural sobre a integração dos migrantes e da exploração de eventuais instrumentos para cooperar, sem especificar em que poderia consistir esse apoio.

4.6.   Maiores oportunidades de financiamento da UE

4.6.1.

Os aspetos de financiamento funcionam como um fio condutor em todas as ações propostas no plano e estão vinculados ao QFP 2021-2027. É acrescentada uma panorâmica dos principais fundos da UE que apoiaram a integração e a inclusão no período de 2014-2020, mas não são apresentados números para o futuro. Neste caso, o CESE está ciente de que é necessário aguardar a conclusão da fase de programação para saber o montante que os Estados-Membros atribuirão no âmbito de cada fundo às questões de integração.

4.6.2.

A lista de fundos que podem ser utilizados para a integração e inclusão ou que são relevantes para as ações de apoio aos migrantes é impressionante, nomeadamente o FAMI, o FSE+ e o FEDER. Ao mesmo tempo, devem ser esclarecidas as sinergias com outros fundos, por exemplo, com o Erasmus+, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e o InvestEU. Uma vez adotado, o Instrumento de Assistência Técnica passará também a poder prestar apoio aos Estados-Membros para o desenvolvimento ou a melhoria das políticas em matéria de integração e inclusão. Por último, o programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores também poderá contribuir para o financiamento de ações específicas relacionadas com a inclusão dos cidadãos da UE com antecedentes migratórios. Optou-se por dispor de um grande portfólio de fundos possíveis, mas a melhor solução poderia ter sido optar por fundos específicos para as questões de integração. O CESE propõe que a Comissão facilite o acesso ao financiamento, por exemplo através da criação de um instrumento específico para a integração dos migrantes.

4.6.3.

A Garantia Europeia para a Infância também é importante neste contexto, uma vez que o grupo de crianças mais desfavorecidas também inclui crianças com antecedentes migratórios.

4.6.4.

A complexidade do financiamento da UE exige uma atualização do manual desenvolvido em 2018 para utilizar os fundos para a integração durante o período de programação de 2021-2027.

4.6.5.

Outro aspeto interessante da política de financiamento é a intenção da Comissão de desenvolver parcerias público-privadas com fundações e doadores privados.

4.7.   Promover a participação e os encontros com a sociedade de acolhimento

4.7.1.

O CESE acolhe favoravelmente a ideia de associar o recém-criado grupo de peritos sobre os pontos de vista dos migrantes, composto por migrantes e organizações que representam os seus interesses, à conceção e aplicação das futuras políticas no domínio da migração, do asilo e da integração. Tal poderia contribuir para melhorar a participação de migrantes e cidadãos da UE com antecedentes migratórios no processo consultivo e também para garantir que as políticas refletem necessidades reais. Por estes motivos, é importante que sejam criadas oportunidades para intercâmbios bilaterais entre os nacionais de países terceiros e as comunidades de acolhimento desde as fases iniciais de acolhimento e integração.

4.7.2.

O objetivo do plano de ação é promover o diálogo e sensibilizar todos os europeus para as realidades da integração e da migração. No entanto, esse objetivo comporta o risco de ser muito vago, apesar dos claros esforços de sensibilização para os factos e números. É absolutamente necessário mudar o discurso da opinião pública sobre a migração, e o CESE interroga-se sobre o que se fará para o conseguir.

4.7.3.

O CESE apoia iniciativas como os eventos de futebol direcionados para os jovens migrantes nas cidades anfitriãs dos campeonatos de futebol da UE, o que pode ter um impacto positivo nos discursos sobre a migração. Contudo, outras medidas ad hoc desse tipo, como prémios de integração para escolas ou comunidades/organizações locais, podem reforçar as diferenças sentidas e estigmatizar certos grupos.

4.8.   Reforçar a utilização de novas tecnologias e ferramentas digitais

4.8.1.

O plano de ação da Comissão reconhece, com razão, o risco real de um fosso digital entre migrantes e cidadãos nacionais por diversas razões: 8,1 % das pessoas nascidas fora da Europa não podem comprar um computador, em comparação com 3,1 % dos cidadãos nacionais, e os pais de famílias migrantes podem ter mais dificuldade em apoiar os filhos na aprendizagem à distância.

4.8.2.

O plano de ação recomenda aumentar a literacia digital da população migrante, mas não contém propostas específicas ou metas sobre a forma como esse aumento deve ser alcançado na prática.

4.8.3.

Uma ideia interessante é a participação de migrantes na criação e prestação de serviços públicos digitais. O CESE parte do pressuposto de que tal já foi alcançado em relação às atividades administrativas da UE.

4.9.   Acompanhamento dos progressos: rumo a uma política de integração e inclusão assente em dados comprovados

4.9.1.

O CESE acolhe favoravelmente o objetivo de realizar um debate sobre a migração assente em dados comprovados. Se for possível contribuir para este objetivo através de dados e instrumentos de apresentação de melhor qualidade, estes devem ser recolhidos, desenvolvidos e divulgados. Existem indicadores da UE em matéria de integração desde 2010, mas, apesar dos inúmeros esforços, ainda se verifica uma grande lacuna de conhecimentos. A este respeito, a existência de ferramentas úteis pode constituir um novo barómetro e um painel de avaliação conjunto para apoiar a comparação entre países e ao longo do tempo.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Comissão Europeia, Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027, p. 5.

(2)  Ibid., p. 2.

(3)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 15

(4)  No respeitante aos níveis de língua para a integração, ver também o Parecer SOC/641 «Integração das mulheres, das mães e das famílias oriundas da migração nos Estados-Membros da UE e níveis de língua a atingir para a integração» [Parecer exploratório a pedido da presidência alemã] (JO C 10 de 11.1.2021, p. 1).

(5)  Para uma visão geral de soluções habitacionais inovadoras e inclusivas, ver Housing Europe Observatory, 2018. Housing & Migration. Research Briefing [Habitação e migração. Resumo de investigação]. Bruxelas: Housing Europe Observatory.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/141


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Garantir a justiça na UE — Estratégia de formação judiciária europeia para 2021-2024”»

[COM(2020) 713 final]

(2021/C 286/24)

Relatora:

Elena CALISTRU

Consulta

Comissão Europeia, 24.2.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

16.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

240/3/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A formação judiciária em matéria de direito da UE tem vindo a melhorar a aplicação correta e uniforme do direito da UE e a promover a confiança mútua nos processos judiciais transfronteiriços, ajudando assim a desenvolver o espaço de justiça da UE. A estratégia assenta no êxito de esforços anteriores e procura garantir que a formação judiciária conserva um lugar de destaque na agenda da UE, colocando a tónica na resposta a desafios emergentes, como a transição ecológica ou as novas relações laborais, e na adaptação à nova era tecnológica.

1.2.

Graças à disponibilização de recursos, apoio e formação adequados, os profissionais da justiça em todos os Estados-Membros podem atender às necessidades dos cidadãos, dos trabalhadores e das empresas de toda a UE. Os profissionais com formação adequada desempenham um papel importante no reforço da cultura do Estado de direito e na defesa do próprio Estado de direito, promovendo valores e princípios europeus como a independência do poder judicial e apoiando o respeito efetivo dos direitos fundamentais a nível da UE e nacional.

1.3.

A evolução atual do mercado de trabalho suscita cada vez mais questões sobre o estatuto e as regras aplicáveis aos trabalhadores e às novas formas de trabalho emergentes. As decisões judiciais dos Estados-Membros diferem em situações semelhantes ou idênticas nesta matéria, mesmo em processos relativos à mesma empresa. Para assegurar uma jurisprudência unitária e o bom funcionamento do mercado interno, é necessário assegurar orientações e formação para o sistema judicial.

1.4.

O CESE compreende e reconhece perfeitamente que a Comissão desempenha apenas um papel de apoio no que se refere à formação judiciária, sendo as partes interessadas nacionais as principais responsáveis na matéria. Contudo, uma integração estratégica e um apoio financeiro adequados com vista à execução da estratégia devem constituir uma preocupação comum.

1.5.

Atendendo ao desafio a nível da UE, bem como ao número crescente de problemas à escala da UE (por exemplo, a proteção dos interesses financeiros da UE no âmbito dos novos mecanismos financeiros ou a transição digital e ecológica), o estabelecimento de regras revela-se cada vez mais importante para uma abordagem mais homogénea entre os Estados-Membros no que respeita à formação judiciária.

1.6.

Do mesmo modo, o CESE reconhece a importância que a Comissão atribui ao acompanhamento regular da execução da estratégia, bem como à colaboração com as demais instituições da UE no sentido de garantir o apoio político necessário à consecução dos objetivos. O CESE recomenda vivamente à Comissão que identifique formas de incluir as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais no acompanhamento da execução da estratégia, tanto a nível da UE como dos Estados-Membros.

1.7.

A fim de proteger os interesses financeiros da UE, as questões ambientais e os direitos da União, o CESE considera que a formação dos profissionais da justiça deve abranger a proteção e os direitos dos denunciantes, que desempenham um papel fundamental na prevenção de abusos relacionados com a fraude e a corrupção e de qualquer violação dos direitos da União.

1.8.

A formação judiciária europeia deve ir além do ensino judicial e o Comité congratula-se, em particular, com a ênfase colocada na «arte de julgar» enquanto elemento central para a eficiência da justiça. O CESE apoia o desenvolvimento de competências profissionais em áreas complementares, como a ética, a investigação forense e a psicologia, bem como a necessidade de garantir que os profissionais da justiça compreendem adequadamente os principais elementos técnicos geralmente tratados no âmbito dos vários domínios da legislação da UE, como o ambiente, as infraestruturas ou os setores financeiro e bancário.

1.9.

Do mesmo modo, no contexto da digitalização e, em particular, da utilização de ferramentas de inteligência artificial no sistema judicial, o CESE recomenda formação específica. Em especial, cumpre prosseguir e recomendar com veemência a divulgação e a aplicação dos princípios da Carta Europeia de Ética sobre o Uso da Inteligência Artificial em Sistemas Judiciais.

2.   Contexto

2.1.

A avaliação da estratégia de formação judiciária europeia para 2011-2020 revelou que esta contribuiu para a melhoria da formação dos profissionais da justiça (em especial, os juízes e procuradores) em matéria de direito da UE, desenvolveu as capacidades de redes como a Rede Europeia de Formação Judiciária (REFJ) e reforçou as redes e os organismos de formação a nível da UE.

2.2.

A formação judiciária a nível da UE deve abordar os novos desenvolvimentos e desafios, nomeadamente a deterioração do Estado de direito, os ataques aos direitos fundamentais em alguns Estados-Membros, as novas áreas de regulamentação a nível da UE ou, ainda, a transição digital.

2.3.

A estratégia de formação judiciária europeia para 2021-2024 visa consolidar uma cultura judiciária europeia comum, assente no Estado de direito, nos direitos fundamentais e na confiança mútua. Propõe um quadro e um conjunto de medidas fundamentais que visam impulsionar a aplicação correta e eficaz do direito da UE. Os Estados-Membros, os organismos de formação, as organizações nacionais e europeias de profissionais da justiça e a UE são instados a, por meio de uma responsabilidade partilhada, dar resposta às seguintes prioridades:

formação judiciária para promover uma cultura comum do Estado de direito;

salvaguardar os direitos fundamentais e tornar a Carta dos Direitos Fundamentais da UE uma realidade na vida quotidiana das pessoas, colocando a tónica na proteção das vítimas e dos indivíduos vulneráveis;

expandir a digitalização da justiça;

acompanhar a evolução do direito da UE, incluindo em matéria de cooperação judiciária transfronteiriça;

dotar os profissionais para a resolução dos novos desafios, principalmente na sequência da pandemia;

ministrar formação que vá além do direito da UE, nomeadamente sobre a «arte de julgar» e sobre conhecimentos e competências não jurídicos;

criar e aplicar uma agenda de formação mais interativa, prática e adaptada para os profissionais da justiça;

assegurar uma formação reforçada, mais alargada e mais direcionada para as várias categorias de profissionais da justiça;

promover atividades de formação de elevada qualidade e eficazes, incluindo várias formas de aprendizagem, com destaque para métodos de aprendizagem em formato híbrido e/ou eletrónico, e recorrer a programas curriculares com provas dadas;

melhorar a formação judiciária para os profissionais jovens;

reforçar a responsabilidade partilhada das partes interessadas nacionais, das redes de peritos em direito da UE, da Rede Europeia de Formação Judiciária, de outros intervenientes a nível da UE e da Comissão;

abranger os profissionais da justiça de países terceiros, em particular dos Balcãs Ocidentais.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A crise de COVID-19 engendrou dificuldades consideráveis para o funcionamento do sistema judiciário, mas também vários novos desafios aos quais os profissionais da justiça devem dar resposta. O CESE saúda a atenção consagrada à necessidade de garantir quer as infraestruturas para a transição digital, quer o investimento nas competências dos profissionais que terão de integrar esta transformação digital.

3.2.

É importante ressalvar que não é possível executar a estratégia sem a participação de todas as partes interessadas, nomeadamente os ministérios da Justiça, os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, os conselhos de profissões autorreguladas, as associações europeias de profissionais da justiça, os organismos de formação a nível nacional e da UE e as instituições e órgãos da UE. O CESE junta-se à Comissão no seu apelo para que estes intervenientes se empenhem em alcançar os objetivos quantitativos e qualitativos da estratégia.

3.3.

O CESE recorda as conclusões de vários pareceres anteriores (1), que indicaram que a coerência no acesso à justiça em toda a UE constitui um dos fatores essenciais que alicerçam o mercado único e a aplicação harmonizada, em toda a União, dos direitos consagrados na legislação da UE, para além de proporcionar a clareza e segurança necessárias aos cidadãos e às empresas, visto ainda existirem diferenças significativas entre os Estados-Membros na aplicação do acervo da UE. Para o efeito, é fundamental apoiar os Estados-Membros a nível nacional, proporcionando-lhes não só o financiamento complementar necessário (nomeadamente através dos fundos de recuperação e resiliência), mas também as ferramentas para que todas as partes interessadas e trabalhadores na área da justiça estejam prontos para integrar este esforço.

3.4.

Do mesmo modo, o CESE reconhece a importância que a Comissão atribui ao acompanhamento regular da execução da estratégia, bem como à colaboração com as demais instituições da UE no sentido de garantir o apoio político necessário à consecução dos objetivos. O CESE convida a Comissão a identificar formas de incluir as organizações da sociedade civil e os parceiros sociais no acompanhamento da execução da estratégia, tanto a nível da UE como dos Estados-Membros.

3.5.

O CESE concorda que profissionais com formação adequada desempenham um papel importante no reforço da cultura do Estado de direito e na defesa do próprio Estado de direito, promovendo valores e princípios europeus como a independência do poder judicial e apoiando o respeito efetivo dos direitos fundamentais a nível da UE e nacional. No entanto, salienta a importância de fornecer recursos, apoio e formação adequados no âmbito de um esforço mais amplo destinado a garantir que os profissionais da justiça de todos os Estados-Membros são capazes de dar resposta às necessidades dos cidadãos e das empresas de toda a UE, aplicando normas e valores idênticos.

3.6.

Desde a sua criação em 2018, o Grupo para os Direitos Fundamentais e o Estado de Direito, do CESE, tem prestado atenção aos pontos de vista das partes interessadas sobre questões relacionadas com a qualidade e a independência do poder judicial. O CESE concorda que profissionais com formação adequada desempenham um papel importante no reforço da cultura do Estado de direito e na defesa do próprio Estado de direito, promovendo valores e princípios europeus como a independência do poder judicial e apoiando o respeito efetivo dos direitos fundamentais a nível da UE e nacional.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE saúda o empenho contínuo no que toca à formação fundamental para profissionais da justiça dos Estados-Membros, refletido, em especial, no respeito pelo acervo da UE no domínio do Estado de direito e no cumprimento efetivo dos compromissos dos Estados-Membros em matéria de direitos fundamentais (incluindo os direitos de grupos vulneráveis específicos, como as crianças, as pessoas com deficiência e as vítimas de violência de género, racismo e discriminação).

4.2.

A evolução atual do mercado de trabalho suscita cada vez mais questões sobre o estatuto e as regras aplicáveis aos trabalhadores e às novas formas de trabalho emergentes. As decisões judiciais dos Estados-Membros diferem em situações semelhantes ou idênticas nesta matéria, mesmo em processos relativos à mesma empresa. Para assegurar uma jurisprudência unitária e o bom funcionamento do mercado interno, é necessário assegurar orientações e formação para o sistema judicial.

4.3.

Outro dos elementos destacados é a necessidade de continuar a prestar formação em domínios considerados problemáticos no âmbito da Agenda Europeia para a Segurança (como, por exemplo, a cibercriminalidade, a criminalidade organizada e os crimes financeiros com incidência no orçamento da UE), sobretudo no novo contexto da criação da Procuradoria Europeia. O que precede deve constituir uma preocupação permanente para todas as partes interessadas, sendo que importa afetar recursos adequados para alcançar esse propósito.

4.4.

No que diz respeito à proteção dos interesses financeiros e ambientais da UE, o CESE considera que a formação dos profissionais da justiça deve abranger a proteção dos denunciantes, cujos direitos são ainda pouco conhecidos e que, através da sua denúncia, desempenham um papel fundamental na prevenção de abusos relacionados com a fraude e a corrupção e de qualquer violação dos direitos da União.

4.5.

Uma das questões mais importantes prende-se com a realização de progressos no domínio digital por parte do setor da justiça. Contudo, o CESE sublinha a existência de diferenças significativas entre os contextos nacionais, bem como o facto de os sistemas judiciais dos Estados-Membros se encontrarem em diferentes fases do processo de digitalização. A estratégia proposta tem em conta as competências nacionais e respeita o princípio da subsidiariedade. Ao mesmo tempo, importa que todos os Estados-Membros envidem esforços para reduzir os fossos atuais em matéria de digitalização, garantindo, por um lado, o investimento em infraestruturas, mas assegurando também a disponibilidade de competências por parte dos profissionais da justiça que terão de concretizar a transformação digital.

4.6.

A ausência da digitalização da justiça a nível nacional e de investimento na formação dos profissionais da justiça sobre a utilização de ferramentas e tecnologias digitais na sua atividade quotidiana dificultará a cooperação transfronteiriça mais estreita entre as autoridades judiciárias. Além disso, à falta de um investimento adequado e coeso em formação que vise não só as competências digitais mas também a sensibilização, será difícil dar resposta aos novos desafios (que incluem tanto questões relacionadas com a devida proteção dos direitos e dados pessoais das pessoas no espaço digital, como novas questões como a cibercriminalidade).

4.7.

No contexto da digitalização e, em particular, da utilização de ferramentas de inteligência artificial no sistema judicial, o CESE recomenda formação específica sobre esta matéria. O respeito dos direitos fundamentais, a prevenção da discriminação, a utilização de dados de qualidade nas decisões judiciais e o respeito pela abordagem do «controlo pelo ser humano», entre outros elementos, constam da Carta Europeia de Ética sobre o Uso da Inteligência Artificial em Sistemas Judiciais (2). É extremamente importante divulgar e fazer respeitar estes princípios através de ações de formação.

4.8.

É louvável o reconhecimento de que a formação judiciária europeia deve ir além do ensino judicial e apoiar o desenvolvimento de competências profissionais. O CESE sublinha, em especial, o destaque dado à formação sobre a «arte de julgar», enquanto elemento central para a eficiência da justiça, a relação de confiança entre os sistemas judiciais e os membros do público e a confiança entre os profissionais na cooperação transfronteiriça.

4.9.

Outro aspeto fundamental que importa abordar é o da formação dos profissionais da justiça em áreas complementares, como a ética, a investigação forense e a psicologia, bem como a necessidade de garantir que tais profissionais compreendem adequadamente os principais elementos técnicos geralmente tratados no âmbito dos vários domínios da legislação da UE, como o ambiente, as infraestruturas ou os setores financeiro e bancário.

4.10.

O CESE saúda também o foco num leque mais amplo de profissionais da justiça responsáveis pela aplicação do direito da UE, incluindo — antes de mais — os juízes, procuradores e funcionários dos tribunais, mas também outros profissionais como os advogados, os notários, os oficiais de justiça, os mediadores, os intérpretes/tradutores ajuramentados, os peritos judiciais e, em determinadas situações, os funcionários prisionais e agentes de vigilância. Todavia, deve ser dada especial atenção às fortes diferenças existentes entre Estados-Membros, sendo que este leque diversificado de circunstâncias nacionais específicas é passível de dificultar bastante a execução da estratégia.

4.11.

O CESE concorda também que a formação deve assegurar uma qualidade suficientemente elevada para alcançar os respetivos objetivos, que a avaliação das necessidades é obrigatória e que os profissionais de justiça devem ser expostos a várias modalidades de formação, incluindo a uma combinação de atividades presenciais, ferramentas de aprendizagem eletrónicas e formação em contexto profissional. À luz do que precede, o CESE manifesta-se contudo preocupado com as possíveis limitações de metodologias comuns e organismos de formação nacionais, bem como com a possibilidade de, não obstante estarem disponíveis bastantes recursos, boas práticas e guias a nível da UE, os Estados-Membros não estarem plenamente empenhados em tirar partido dos mesmos.

4.12.

Podemos colher ensinamentos da função e dos resultados ímpares da Rede Europeia de Formação Judiciária, que constitui uma experiência contínua, e o CESE congratula-se com o destaque dado ao papel a desempenhar por intervenientes a nível da UE no que respeita à promoção e organização de atividades de formação transfronteiriça, multiplicando, simultaneamente os efeitos dessa mesma formação.

4.13.

O papel da formação judiciária europeia na promoção de uma cultura comum do Estado de direito também está patente no facto de incluir os profissionais da justiça de países terceiros e de se esforçar especialmente por garantir que, no âmbito da sua formação inicial, os novos profissionais da justiça ficam a conhecer as bases da cultura e do sistema jurídicos da UE.

4.14.

São também louváveis os esforços da Comissão no sentido de incentivar a participação de profissionais da justiça de países terceiros — em particular, da região dos Balcãs Ocidentais — em formação sobre o acervo no domínio do Estado de direito ou sobre cooperação judiciária transfronteiriça. No que se refere aos países candidatos ou potenciais candidatos à adesão à UE, o CESE sublinhou repetidamente (3) a necessidade de apoiar o Estado de direito e a independência da justiça.

4.15.

O CESE chama igualmente a atenção para a necessidade de reconhecer os desafios que poderão surgir para os profissionais do sistema judicial no contexto pós-Brexit. Este aspeto é particularmente importante no âmbito do Acordo de Comércio e Cooperação celebrado entre a UE e o Reino Unido, mas também para fazer cumprir a lei e prosseguir a cooperação judiciária em matéria penal, bem como para assegurar o respeito dos direitos fundamentais.

4.16.

Por último, mas não menos importante, com vista a garantir a sustentabilidade das ações propostas, o CESE salienta a necessidade de envolver, para além das partes interessadas do sistema judicial, as organizações da sociedade civil, as associações profissionais dos profissionais da justiça e os ativistas pela justiça em determinados domínios (ambiente, contratos públicos, saúde, defesa dos consumidores, direitos dos trabalhadores e relações laborais, etc.). Uma forte participação da sociedade civil e dos parceiros sociais pode fornecer um contributo suplementar para o reforço da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Parecer do CESE «Acesso à justiça a nível nacional no âmbito de medidas de aplicação da legislação ambiental da UE» (comunicação) (JO C 129 de 11.4.2018, p. 65); Parecer do CESE «Ações da UE para melhorar a conformidade e a governação em matéria de ambiente» (JO C 283 de 10.8.2018, p. 83); Parecer do CESE «Aplicação da Convenção de Aarhus — Acesso à justiça em matéria de ambiente» (JO C 123 de 9.4.2021, p. 66).

(2)  https://rm.coe.int/carta-etica/168093b7e0.

(3)  Parecer do CESE «Reforçar o processo de adesão — Uma perspetiva credível de adesão à UE para os Balcãs Ocidentais» (JO C 220 de 9.6.2021, p. 88); Parecer do CESE «Estratégia de alargamento da UE» (JO C 133 de 14.4.2016, p. 31).


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/146


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, testes e recuperação, a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de COVID-19 (Certificado Verde Digital)»

[COM(2021) 130 final — 2021/0068 (COD)]

(2021/C 286/25)

Relator:

George VERNICOS

Consulta

Comissão Europeia, 21.4.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Data da adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

251/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A pandemia de COVID-19 causou um enorme choque não apenas nas nossas economias e sociedades, mas também nas nossas vidas, afetando o setor do turismo de um modo sem precedentes. A crise atual revelou a importância do turismo para a Europa, não só do ponto de vista económico, mas também em termos de vida em comunidade e de construção de um destino comum.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) insiste em que o Certificado Verde Digital deve ter por objetivo minimizar a complexidade para as pessoas que viajam e facilitar a sua circulação durante a pandemia de COVID-19.

1.3.

O CESE considera necessário clarificar que a posse do Certificado Verde Digital não constitui uma condição prévia para o exercício da livre circulação e que o regulamento proposto não estabelece nem uma obrigação nem um direito de vacinação. No entanto, recomenda que se assegure, sobretudo aos grupos socialmente marginalizados e desfavorecidos, o acesso a informações pertinentes e que se proceda à avaliação e à monitorização do impacto do Certificado Verde nesses grupos.

1.4.

O CESE sublinha que a posse do Certificado Verde não deve isentar as pessoas que viajam do cumprimento de outras medidas de redução dos riscos, devendo antes ser considerada como uma estratégia de transição para os países que exigem um mecanismo permanente de reavaliação constante após a sua adoção.

1.5.

O CESE salienta que todos os países europeus devem cooperar para estabelecer o mais rapidamente possível condições-quadro uniformes (ou seja, conteúdo, formato, princípios e normas técnicas do certificado), tendo em conta que não podemos dar-nos ao luxo de ter outro verão sem atividade turística.

1.6.

O CESE salienta que os protocolos de viagem devem ser claros e aplicáveis às viagens internacionais por via aérea, rodoviária e marítima.

1.7.

O CESE salienta que, devido ao facto de os dados pessoais incluírem dados médicos sensíveis, é fundamental que todos os Estados-Membros disponham de sistemas interoperáveis com disposições iguais e sólidas em matéria de proteção de dados. O Certificado Verde Digital não deve exigir a criação e manutenção de uma base de dados central a nível da UE. O CESE recomenda igualmente que o Certificado Verde Digital seja organizado de forma a que as informações sobre cada categoria a preencher para viajar só sejam visíveis para o viajante.

1.8.

O CESE gostaria igualmente de chamar a atenção para o facto de o Certificado Verde Digital servir igualmente para facilitar as viagens de negócios. Tal não deve conduzir a discriminações no local de trabalho ou a utilizações abusivas através do recrutamento de pessoas vacinadas oriundas de países terceiros para trabalhar em empregos com condições de trabalho precárias.

1.9.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a assegurar a gratuidade da emissão e da atualização do certificado.

1.10.

O CESE salienta a necessidade de acelerar o processo de vacinação, promovendo a produção de vacinas e assegurando maior transparência e previsibilidade, a fim de garantir a disponibilidade de um número adequado de vacinas em toda a UE, através de uma abordagem coordenada e unificada. Ao mesmo tempo, os países devem reforçar o investimento em campanhas de sensibilização para os benefícios da vacinação, a fim de combater a desinformação.

1.11.

Na opinião do CESE, é necessário incluir os autotestes e o teste sanguíneo para deteção de anticorpos da COVID-19 entre os métodos para obtenção de um Certificado Verde Digital.

1.12.

O CESE defende que, a fim de evitar restrições desiguais à livre circulação das pessoas que não foram vacinadas, os governos europeus devem garantir a todos os cidadãos um acesso fácil e gratuito aos testes.

1.13.

O CESE considera que o certificado deve ser reconhecido em todos os Estados-Membros da UE, a fim de restaurar a plena liberdade de circulação no espaço da UE durante a pandemia de COVID-19.

2.   Contexto

2.1.

A fim de assegurar uma abordagem bem coordenada, previsível e transparente em relação à adoção de restrições à liberdade de circulação em resposta à pandemia de COVID-19, o Conselho adotou, em 13 de outubro de 2020, a Recomendação (UE) 2020/1475 do Conselho (1).

No entanto, acontece que esta recomendação praticamente não foi aplicada, embora alguns Estados-Membros tenham aplicado diferentes restrições.

2.2.

Mais importante ainda, na declaração adotada na sequência das videoconferências informais de 25 e 26 de fevereiro de 2021, os membros do Conselho Europeu solicitaram que fossem prosseguidos os trabalhos no sentido de se adotar uma abordagem comum em relação aos certificados de vacinação. A Comissão colaborou com os Estados-Membros no âmbito da rede de saúde em linha — uma rede voluntária de autoridades nacionais de saúde em linha — na preparação da interoperabilidade destes certificados. Em 12 de março de 2021, a rede de saúde em linha chegou também a acordo sobre o conjunto de dados harmonizados comuns para o certificado de vacinação contra a COVID-19, de testes ou de recuperação de infeção anterior e o estabelecimento de um quadro de confiança.

2.3.

Com base no trabalho técnico realizado até à data, a Comissão apresentou, em 17 de março de 2021, uma proposta de regulamento relativo a um Certificado Verde Digital, que constitui um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados sanitários interoperáveis sobre vacinação, testes e recuperação, a fim de facilitar a livre circulação na UE [2021/0068 (COD)], complementada por uma proposta relativa aos nacionais de países terceiros que se encontrem ou residam legalmente no território da UE [2021/0071 (COD)].

Do certificado europeu previsto constariam, no respeito pelos direitos fundamentais, nomeadamente a privacidade e a não discriminação, os seguintes dados:

prova de que o titular foi vacinado contra a COVID-19, e/ou

resultados de testes recentes para deteção da infeção por SARS-CoV-2, e/ou

informações sobre a recuperação de uma infeção por SARS-CoV-2.

2.4.

O certificado será disponibilizado aos cidadãos da UE e aos seus familiares, aos nacionais de países terceiros que residam na UE e aos visitantes que tenham o direito de viajar para outros Estados-Membros. Será válido em todos os Estados-Membros da UE e na Islândia, no Listenstaine e na Noruega, mediante integração no Acordo EEE. A Suíça pode também decidir introduzi-lo.

2.5.

As autoridades dos Estados-Membros da UE (hospitais, centros de testes ou autoridades de saúde) serão responsáveis pela sua emissão. O certificado incluirá o nome do titular, a data de nascimento, a data de emissão, bem como informações sobre o estatuto de vacinação, testes ou recuperação, e um identificador único. Será elaborado um código de barras bidimensional (código QR) para autenticar o certificado, garantir a segurança dos dados e prevenir falsificações.

2.6.

A proposta não obriga os Estados-Membros a renunciar à introdução de restrições aplicáveis à livre circulação (na medida em que sejam necessárias para proteger a saúde pública) de viajantes titulares de um Certificado Verde, podendo os Estados-Membros, que assim o decidirem, emitir documentos fiáveis, autênticos e harmonizados. Por conseguinte, continuará obviamente a existir uma margem discricionária, embora o quadro proposto recomende que as restrições sejam limitadas ao estritamente necessário e estabeleça a presunção de que as restrições serão levantadas para os titulares de um certificado, exigindo que os Estados-Membros informem os outros Estados-Membros e a Comissão caso continuem a aplicá-las.

2.7.

O sistema proposto prevê a possibilidade de atualizações fundamentadas em novas provas científicas sobre a eficácia das vacinas para conter a transmissão do SARS-CoV2 e sobre a duração da imunidade protetora pós-infeção. Atualmente, o quadro fixa 180 dias como período máximo de validade do certificado de recuperação de uma infeção anterior por SARS-CoV2. De acordo com a proposta, o Certificado Verde Digital será suspenso logo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declare o fim da emergência de saúde pública de âmbito internacional provocada pela COVID-19, mas a sua aplicação poderá ser retomada em caso de pandemias no futuro.

3.   Observações na generalidade sobre a atual crise do setor do turismo

3.1.

O setor do turismo, um setor extremamente dinâmico e interligado, constitui um dos motores económicos da Europa, que representa 50 % (2) do turismo mundial. Independentemente do nível de desenvolvimento dos países, muitos milhões de postos de trabalho e de empresas dependem de um setor do turismo forte e próspero. O setor do turismo contribui, direta e indiretamente, para aproximadamente 10 % do PIB da UE.

3.2.

A pandemia de COVID-19 causou um enorme choque não apenas nas nossas economias e sociedades, mas também nas nossas vidas. A fim de conter a propagação do vírus além-fronteiras, os países têm vindo a adotar um conjunto de medidas, algumas das quais tiveram impacto negativo nas viagens para outros Estados-Membros ou dentro do próprio território nacional.

O turismo está a ser afetado de um modo sem precedentes, sendo 2020 o pior ano turístico de sempre. Em 2020 e em janeiro de 2021, a Europa registou uma queda no número de chegadas de 69 % e 85 %, respetivamente (3).

3.3.

A situação é particularmente difícil em vários Estados-Membros da UE que são grandes destinos turísticos, nomeadamente Itália, Grécia, Portugal, Malta, Chipre, Espanha e França. Calcula-se que a indústria do turismo da UE, que emprega cerca de 13 milhões de pessoas (4), esteja a perder cerca de mil milhões de euros em receitas por mês, em consequência da pandemia de COVID-19.

3.4.

O facto de mais de um terço do valor acrescentado do turismo gerado na economia nacional provir de impactos indiretos revela a existência de amplas e profundas ligações entre o turismo e outros setores (5). Consequentemente, a redução dos fluxos turísticos está a afetar gravemente a economia em geral (6).

3.5.

Importa igualmente sublinhar o impacto social do setor do turismo, que contribui para o desenvolvimento das comunidades rurais, proporcionando fontes de rendimento adicionais e promovendo, desta forma, um desenvolvimento territorial equilibrado das nossas sociedades. O turismo tem sido também um fator impulsionador da proteção do património natural e cultural, preservando-o para as gerações futuras.

3.6.

Numa análise prospetiva, a Organização Mundial do Turismo considera que existe a possibilidade de retomada das viagens internacionais no segundo semestre do ano corrente. Esta perspetiva tem em conta vários fatores, nomeadamente o alívio das restrições de viagem, o êxito dos programas de vacinação e a introdução de protocolos harmonizados, como o Certificado Verde Digital previsto pela Comissão Europeia.

4.   Observações na especialidade sobre a proposta de regulamento relativo ao Certificado Verde Digital

4.1.

O CESE apoia a iniciativa da Comissão de colaborar com os Estados-Membros, no âmbito da rede de saúde em linha, na preparação da interoperabilidade dos certificados de vacinação a fim de estabelecer uma solução comum praticável, eliminar a complexidade, limitar ao estritamente indispensável os dados constantes dos certificados de vacinação com vista à proteção dos dados sensíveis dos titulares e desenvolver um identificador único. A inação da UE provavelmente levaria os Estados-Membros a adotarem sistemas diferentes, descoordenados e complexos.

4.2.

O CESE salienta que o Certificado Verde, embora seja uma forma excelente de estabelecer uma norma comum para simplificar as formalidades administrativas, não pode ser considerado o «acelerador principal da livre circulação». A livre circulação continuará sujeita a restrições nacionais, que são definidas pelas capacidades de cada Estado e do respetivo sistema de saúde. Consequentemente, a aplicação de medidas aos viajantes transfronteiras (por exemplo, um período de quarentena ou autoisolamento, a realização de testes adicionais e a repetição de testes, antes e/ou após a chegada) fica sujeita ao critério dos Estados-Membros, embora o quadro proposto recomende aos Estados que limitem as restrições ao estritamente necessário.

4.3.

O CESE sublinha que a posse do Certificado Verde não deve isentar os viajantes do cumprimento de outras medidas de redução dos riscos, devendo ser considerada como uma estratégia de transição, a adotar por países cuja situação epidemiológica permita flexibilizar as restrições de viagem, mas exija ainda medidas de salvaguarda para tornar as viagens mais seguras. Atualmente, não há dados fidedignos sobre a eficácia das vacinas na redução da transmissão ou contra determinadas mutações, nem sobre a extensão e a duração da imunidade mediada por anticorpos contra a SARS-CoV-2. Além disso, subsistem algumas questões em aberto sobre a validade dos testes. Por conseguinte, o CESE recomenda vivamente a adoção de medidas de acompanhamento para proteger a saúde dos viajantes e dos trabalhadores, especialmente em espaços fechados e sobrelotados.

4.4.

O CESE salienta que são necessárias medidas eficazes e urgentes, tais como uma maior coordenação dos protocolos de viagem entre os países, a fim de garantir o relançamento do turismo de forma segura, tendo em conta que não podemos dar-nos ao luxo de ter outro verão sem atividade turística. A pandemia é um problema mundial e, como tal, requer uma abordagem global e um quadro de confiança — soluções adotadas individualmente por cada país não funcionam.

4.5.

O CESE sublinha que, para ser eficaz, o Certificado Verde deve ser plenamente interoperável, seguro e verificável. Por esta razão, todos os países europeus devem cooperar para alcançar o mais rapidamente possível condições-quadro uniformes (ou seja, conteúdo, formato, princípios e normas técnicas do certificado). Tal inclui normas comuns sobre os testes e as vacinas, incluindo a sua duração e validade, e sobre os elementos que permitem certificar uma pessoa como «recuperada».

O CESE salienta que os protocolos de viagem devem ser claros e aplicáveis às viagens internacionais por via aérea, rodoviária e marítima. Cabe assinalar que a aplicação do Certificado Verde é uma responsabilidade conjunta das autoridades responsáveis pelas fronteiras e das transportadoras.

4.6.

Na opinião do CESE, o Certificado Verde, que deve ser concebido da forma mais simples possível, como um pacote, e assentar na confiança entre os países envolvidos, necessitará também de um mecanismo de reavaliação constante após a sua adoção.

4.7.

O CESE considera que o sistema deve assentar nos princípios seguintes: a) o Certificado Verde deve ter como objetivo reduzir o impacto do risco para um nível residual considerado aceitável pelas autoridades nacionais e em consonância com a OMS; b) as restrições às viagens internacionais devem ser proporcionais à situação epidemiológica no país de origem e no país de destino; c) a quarentena pode continuar a ser um instrumento à disposição das autoridades quando adequado; d) os países participantes no sistema aceitarão os resultados de testes que tenham sido aprovados pelas autoridades nacionais de outros países participantes; e) a complexidade dos processos e a quantidade de informações recolhidas e transferidas devem ser reduzidas ao mínimo; f) o sistema deve ser interoperável e a transferência de informações deve basear-se numa nomenclatura e formato comuns; g) o sistema deve respeitar o «princípio da privacidade desde a conceção», devendo deixar claros para o titular os conteúdos, o modo de recolha, a finalidade da recolha e a duração do armazenamento de todos os dados recolhidos.

4.8.

A campanha de vacinação e as regras em matéria de vacinas e certificação permanecem da exclusiva competência e responsabilidade dos governos nacionais. Nenhum Estado-Membro optou por tornar obrigatória a vacinação (exceto em situações especiais, como o caso do pessoal de enfermagem em Itália) e parece muito pouco provável que o façam nos próximos meses.

No entanto, o acesso universal e equitativo a uma vacina contra a COVID-19 segura e eficaz é essencial para salvar vidas, salvaguardar o sistema de saúde pública e permitir a retoma das economias. O CESE salienta a necessidade de acelerar o processo de vacinação, promovendo a produção de vacinas e assegurando maior transparência e previsibilidade, a fim de garantir a disponibilidade de um número adequado de vacinas em toda a UE, através de uma abordagem coordenada e unificada. Esta é também uma condição importante para o funcionamento do Certificado Verde Digital e para a igualdade de tratamento dos cidadãos.

4.9.

Os governos europeus devem utilizar os fundos destinados à recuperação pós-pandemia para financiar programas de vacinação de parcelas da população que, de outro modo, seriam mais difíceis de alcançar, como as pessoas que vivem em zonas rurais ou menos prósperas, longe de hospitais e clínicas. Além disso, há que evitar todo o tipo de discriminação em relação às minorias étnicas.

A UE deve também reforçar o investimento em campanhas de sensibilização para os benefícios da vacina. Tal contribuiria para combater a desinformação que torna as pessoas relutantes em tomar a vacina.

4.10.

O CESE defende que, a fim de evitar restrições desiguais à livre circulação das pessoas que não foram vacinadas, os governos europeus devem garantir a todos os cidadãos um acesso fácil e gratuito aos testes (e uma rápida obtenção dos respetivos resultados), sobretudo tendo em conta uma eventual disparidade entre zonas rurais e urbanas.

4.11.

O CESE considera necessário clarificar que a posse do Certificado Verde Digital não constitui uma condição prévia para o exercício da livre circulação e que o regulamento proposto não estabelece nem uma obrigação nem um direito de vacinação. O CESE salienta que todos os tipos de certificação da imunidade suscitam questões éticas em matéria de respeito, direitos e interesses individuais, responsabilidade na saúde pública e justiça social. Importa avaliar e monitorizar adequadamente este impacto, especialmente nos grupos socialmente marginalizados e desfavorecidos.

4.12.

O CESE salienta que o Certificado Verde Digital apoia a tão necessária recuperação do setor das viagens e do turismo. Trata-se também de um certificado muito importante para as viagens de negócios e os encontros sociais, que estimularão a economia e os eventos culturais e sociais, além de terem um efeito positivo na saúde (mental ou física) das pessoas em geral. A Comissão e os Estados-Membros devem assegurar que a emissão do certificado, bem como a sua atualização são gratuitos, tal como indicado no artigo 3.o, n.o 3, da proposta de regulamento em apreço. O certificado deve integrar um código QR para garantir a sua segurança e autenticidade na(s) língua(s) oficial(ais) do Estado-Membro emissor, bem como em inglês. O certificado deve ser reconhecido em todos os Estados-Membros da UE, a fim restaurar a plena liberdade de circulação no espaço da UE durante a pandemia de COVID-19.

4.13.

O CESE chama a atenção para o facto de que o Certificado Verde Digital não será utilizado apenas para fins de turismo. Servirá igualmente para facilitar as viagens para fins profissionais na Europa, mas poderá revelar-se desvantajoso para trabalhadores individuais. O CESE recomenda aos Estados-Membros que providenciem para que essa eventualidade não conduza a discriminações no local de trabalho e não afete a empregabilidade. Além disso, o CESE indica que o regulamento não deve ser utilizado de forma abusiva para facilitar a entrada de pessoas vacinadas oriundas de países terceiros para trabalhar em empregos com condições de trabalho precárias.

4.14.

O CESE assinala ainda que a Comissão e os Estados-Membros devem criar uma infraestrutura digital para um quadro de confiança que permita a emissão e a verificação seguras dos certificados e apoie os Estados-Membros na implementação técnica, garantindo, na medida do possível, a interoperabilidade com sistemas tecnológicos estabelecidos internacionalmente.

4.15.

O CESE salienta que, devido ao facto de os dados pessoais incluírem dados médicos sensíveis, há que assegurar um nível de proteção de dados muito elevado e salvaguardar o princípio da minimização dos dados.

Em especial, o quadro do Certificado Verde Digital não deve exigir a criação e manutenção de uma base de dados a nível da UE, mas, antes, assegurar a possibilidade de verificação descentralizada dos certificados interoperáveis assinados digitalmente. Os governos devem igualmente assegurar que os dados pessoais são mantidos em segurança e não são partilhados ou utilizados de forma abusiva para outros fins. Além disso, os respetivos dados só devem ser tratados para efeitos do Certificado Verde Digital, devendo as autoridades competentes assegurar que são apagados posteriormente. Se o Certificado Verde for exigido para viajar entre países, é fundamental que todos os Estados-Membros disponham de sistemas interoperáveis com disposições iguais e sólidas em matéria de proteção de dados e prevejam a obrigação de os responsáveis pelo tratamento de dados consultarem as autoridades nacionais de supervisão da proteção de dados antes de procederem ao tratamento de quaisquer dados. O CESE recomenda a participação de peritos em proteção de dados a nível europeu e nacional, a fim de assegurar uma aplicação adequada.

4.16.

O CESE também alerta para o facto de o Certificado Verde Digital conter dados médicos sensíveis sobre o estatuto dos viajantes no que diz respeito à vacinação, aos anticorpos ou aos testes. Por conseguinte, recomenda que o Certificado Verde Digital seja organizado de forma a que esta informação seja apenas visível para o viajante, permitindo a terceiros verificar meramente que se encontram preenchidas as condições necessárias.

4.17.

Na opinião do CESE, é necessário incluir os autotestes e o teste sanguíneo para deteção de anticorpos da COVID-19 entre os métodos para obtenção de um Certificado Verde Digital. A prática demonstrou que o teste sanguíneo para determinação de anticorpos da COVID-19 tem a mesma relevância que o certificado de recuperação da COVID-19.

4.18.

No entender do CESE, importa clarificar o procedimento a adotar para as vacinas que estão a ser continuamente escrutinadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Trata-se de um problema específico para os Estados-Membros da UE que utilizam essas vacinas.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 337 de 14.10.2020, p. 3.

(2)  No período de 2014 a 2018, a Europa registou o maior volume de chegadas, o que representa, em todos os anos, mais de 50 % das viagens ao estrangeiro a nível mundial. As viagens para destinos europeus no período de 2014 a 2018 aumentaram 24,3 %.

(3)  Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas (OMT), março de 2021.

(4)  Eurostat.

(5)  A importância das perdas indiretas devido às ligações do setor do turismo com outros setores da economia é igualmente frisada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), calculando-se que as perdas em termos de PIB sejam cerca de duas a três vezes superiores à perda imediata de receitas turísticas internacionais. O relatório da CNUCED estimou que as perdas diretas e indiretas para o turismo mundial causadas pela COVID-19 poderiam ascender a cerca de 4 % do PIB mundial, mas com impacto diferente nos países consoante a sua exposição às viagens e ao turismo.

(6)  Base de dados da OCDE, Perspetivas Económicas, dezembro de 2020, e base de dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/152


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Estratégia da UE para aproveitar o potencial de energia de fontes renováveis ao largo com vista a um futuro climaticamente neutro”»

[COM(2020) 741 final]

(2021/C 286/26)

Relator:

Marcin Wiesław NOWACKI

Consulta

Comissão Europeia, 24.2.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

14.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

239/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico Social e Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a estratégia em apreço, que visa aproveitar o potencial de energia de fontes renováveis ao largo com vista a um futuro climaticamente neutro.

1.2.

O CESE congratula-se com as propostas de inclusão de objetivos de desenvolvimento das energias renováveis marítimas na elaboração dos planos nacionais e regionais de gestão do espaço marítimo.

1.3.

O CESE estima que a estratégia deve incluir cálculos do contributo da energia eólica para reduzir a zero as emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2050.

1.4.

O CESE acolhe favoravelmente a ideia de que um mercado da energia bem regulamentado deve fornecer os sinais adequados para o investimento. O Comité considera que um ambiente regulamentar previsível e estável desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da energia eólica marítima.

1.5.

Tendo em conta certas características, como a profundidade e a proximidade de outros países, o CESE constata que a instalação de projetos híbridos apenas é possível no mar do Norte e no mar Báltico. Além disso, dado o ritmo de desenvolvimento previsto, o CESE considera que, em primeiro lugar, a ação ao nível nacional e da UE deve centrar-se em explorar o potencial dos projetos mais avançados e que se destinam a ser ligados ao sistema elétrico nacional de forma radial.

1.6.

O CESE lamenta a forma superficial como a estratégia aborda a questão da reciclagem de turbinas eólicas usadas, e recomenda que a Comissão preste a devida atenção aos custos de desmantelamento. O CESE gostaria de sublinhar que as energias limpas melhorariam não só a qualidade do ar no ambiente local, mas também o ambiente e o clima no seu todo.

1.7.

O CESE congratula-se com o facto de a estratégia identificar as potencialidades do mar do Norte, do mar Báltico, do mar Mediterrâneo, do mar Negro, do oceano Atlântico da UE e das ilhas da UE. É compreensível que se dê prioridade à criação de novos projetos na bacia do mar do Norte, dadas as oportunidades oferecidas pelas infraestruturas existentes. No entanto, a fim de garantir a segurança do abastecimento de energia e a coesão social e económica da UE, o Comité sublinha a necessidade de investimentos proporcionais em parques eólicos marítimos em todas as bacias da UE.

1.8.

O CESE apoia a proposta de alteração do Regulamento RTE-E de modo a incluir o princípio do «balcão único» em projetos de energia ao largo.

1.9.

O CESE manifesta a sua preocupação face à falta de pormenores relativos a medidas específicas e instrumentos de apoio, o que pode pôr em causa o financiamento das energias renováveis. O Comité considera que, no âmbito dos programas existentes, deverá ser criado um instrumento único dedicado ao financiamento de projetos de energia eólica marítima. De resto, tal abordagem deverá estender-se a outros tipos de fontes renováveis de energia como, por exemplo, a energia eólica e fotovoltaica terrestre, a fim de satisfazer os objetivos da União Europeia da Energia e da Diretiva Energias Renováveis II, que consideram precisamente que as instalações de produção mais descentralizadas e regionais contribuem para aumentar o potencial de criação de valor regional suplementar, criar postos de trabalho e colocar os cidadãos no centro da política, tornando-os produtores e prossumidores ativos. Neste contexto, o CESE observa com alguma preocupação que a Comissão se ocupa atualmente «apenas» de tecnologias marítimas e do hidrogénio, mas negligencia estas abordagens descentralizadas.

1.10.

O Comité recorda que qualquer investimento em parques eólicos marítimos deve contribuir, tanto quanto possível, para o desenvolvimento socioeconómico das regiões na proximidade imediata do local do investimento, promovendo a participação no projeto («fator de conteúdo local»).

1.11.

O CESE congratula-se com o facto de a estratégia ser complementada por um plano de desenvolvimento de competências e de sistemas de ensino no domínio da energia eólica marítima.

1.12.

O CESE reconhece o desejo de liderança da UE no domínio da energia eólica marítima e apoia com agrado a expansão deste setor, não só no mar, mas também em terra. Espera, por conseguinte, que a Comissão complemente, assim que possível, a estratégia para a energia de fontes renováveis ao largo com uma estratégia para a energia de fontes renováveis em terra.

2.   Introdução

2.1.

O objeto do presente parecer é a Comunicação «Estratégia da UE para aproveitar o potencial de energia de fontes renováveis ao largo com vista a um futuro climaticamente neutro», publicada em 18 de novembro de 2020. A estratégia em análise é parte integrante do Pacto Ecológico Europeu.

2.2.

A avaliação do impacto que acompanha o plano para atingir a meta climática em 2030 prevê que, nesse ano, mais de 80 % da eletricidade seja produzida a partir de fontes renováveis de energia e que o cumprimento da meta climática de 2050 requer a utilização de energia eólica marítima com uma potência estimada de 300 GW, que terá de ser complementada por aproximadamente 40 GW de energia oceânica. A estratégia analisada no presente parecer mostra de que forma a UE pode alcançar este objetivo.

3.   Observações gerais

3.1.

A estratégia visa acelerar a transição para as energias limpas, não perdendo de vista, ao mesmo tempo, os importantes objetivos de crescimento económico e criação de emprego. As principais razões para a introdução da estratégia são:

Cumprir os compromissos do primeiro acordo mundial sobre a atenuação das alterações climáticas (Paris 2015);

Restaurar a competitividade da economia europeia através do aumento da eficiência energética;

Criar novos postos de trabalho através do aumento do volume de investimento, o que ajudará a atenuar o impacto socioeconómico da pandemia de COVID-19 e contribuirá para o desenvolvimento da economia europeia.

3.2.

De acordo com a estratégia, a potência eólica marítima aumentará do nível atual de 12 GW para pelo menos 60 GW até 2030 e para 300 GW até 2050. Além disso, a Comissão tenciona acrescentar 40 GW de energia oceânica e outras tecnologias emergentes, como instalações de energia eólica com turbinas flutuantes e instalações fotovoltaicas flutuantes, até 2050.

3.3.

Para alcançar estes objetivos, são necessários investimentos no valor estimado de 800 mil milhões de euros. É necessário um maior envolvimento da UE e dos governos dos Estados-Membros, dado que, com as políticas atuais, a potência das instalações atuais e previstas será de apenas cerca de 90 GW em 2050.

3.4.

O CESE acolhe favoravelmente a apresentação da estratégia, que inclui propostas e medidas regulamentares que permitem privilegiar o desenvolvimento, o reforço e o aprofundamento da cooperação no domínio da energia eólica marítima.

3.5.

O Comité observa que os dados e informações supramencionados ilustram a dimensão dos desafios enfrentados pelos investidores, a indústria da UE e os operadores de redes de transporte e distribuição. A estratégia apresenta perspetivas otimistas, como oportunidades para reforçar o investimento privado ou criar novos postos de trabalho. No entanto, o Comité observa que a estratégia recorre apenas a informações vagas sobre as previsões para o desenvolvimento da energia eólica marítima no contexto da criação de postos de emprego. Além disso, é importante assinalar que serão criados mais postos de trabalho não só no setor da energia, mas também no das atividades em terra, como o desenvolvimento portuário e o transporte marítimo. Do mesmo modo, a estratégia aborda o impacto do desenvolvimento da indústria no PIB da UE.

3.6.

O CESE assinala que a estratégia assenta num ambiente interligado, em que o setor das energias renováveis ao largo tem de coexistir com uma série de «outras atividades no mar» (turismo, pesca, aquicultura, etc.), os projetos híbridos interagem com interligações transfronteiras, o desenvolvimento é orientado por metas estabelecidas em vários países, e os países sem litoral podem financiar projetos ao largo. Na medida em que os projetos ao largo são cofinanciados pela UE, o CESE recomenda que se assegure a transparência na questão da partilha dos encargos e dos benefícios.

3.7.

O CESE lamenta o facto de a estratégia não incluir cálculos do contributo da energia eólica para reduzir a zero as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 2050. Privilegiar apenas a potência instalada significa que este fator-chave para alcançar os objetivos do Pacto Ecológico é descurado.

4.   Panorama das tecnologias associadas às fontes de energia renováveis ao largo

4.1.

As instalações ao largo da UE geram 12 GW, o que equivale a 42 % da potência eólica marítima a nível mundial. A maioria dos projetos consiste em turbinas situadas em fundos marinhos. O Comité considera que esta tecnologia atingiu um certo grau de maturidade, como ilustra a diminuição, em 10 anos, de 44 % dos custos normalizados de produção de energia (LCOE) no respeitante à energia eólica marítima.

4.2.

O Comité tem dúvidas de que a estratégia de desenvolvimento da energia eólica marítima deva assentar em tecnologias não consolidadas, como os projetos híbridos, e chama a atenção para a necessidade de gerar energia a preços competitivos de modo a reconstruir a economia da UE após a crise da COVID-19.

5.   Bacias marítimas da UE: um potencial vasto e variado para a implantação de energia de fontes renováveis ao largo

5.1.

O CESE congratula-se com o facto de a estratégia identificar as potencialidades do mar do Norte, do mar Báltico, do mar Mediterrâneo, do mar Negro, do oceano Atlântico da UE e das ilhas da UE. O facto de se especificar o potencial de cada bacia marítima permitirá planear devidamente as ações regulamentares e atingir os objetivos visados.

5.2.

É compreensível que se dê prioridade à criação de novos projetos na bacia do mar do Norte, dadas as oportunidades oferecidas pelas infraestruturas existentes. No entanto, a fim de garantir a segurança do abastecimento de energia e a coesão social e económica da UE, o Comité sublinha a necessidade de um cabaz energético que não dependa excessivamente de uma fonte única de energia, bem como de investimentos proporcionais em parques eólicos marítimos em todas as bacias da UE.

5.3.

Ao mesmo tempo, o Comité observa que a estratégia de desenvolvimento da energia eólica marítima caminha para a regionalização.

6.   Ordenamento do espaço marítimo para a gestão sustentável do espaço e dos recursos

6.1.

Para acelerar o desenvolvimento da energia eólica, é necessário assegurar uma coexistência razoável entre as instalações ao largo e outras utilizações do espaço marítimo, protegendo simultaneamente a biodiversidade. O CESE congratula-se com as propostas de incluir objetivos de desenvolvimento das energias renováveis marítimas na elaboração dos planos nacionais e regionais de gestão do espaço marítimo, convidando, ao mesmo tempo, a Comissão a indicar explicitamente que a estimativa de 3 % do espaço marítimo europeu necessário para a expansão do setor da energia de fontes renováveis ao largo é um valor médio e que devem ser tidos em conta fatores específicos, tais como a natureza do vento e os vários tipos de ambiente.

6.2.

O CESE concorda que a elaboração e a publicação de planos de gestão indicariam às empresas e aos investidores as intenções dos governos no que respeita ao desenvolvimento futuro do setor da energia de fontes renováveis ao largo, facilitando o planeamento dos setores público e privado.

6.3.

O impacto ambiental das instalações está atualmente sujeito a uma longa e exaustiva avaliação durante o processo de obtenção de todas as autorizações administrativas necessárias. Por conseguinte, o CESE apoia a proposta de alteração do Regulamento RTE-E de modo a incluir o princípio do «balcão único» em projetos de energia ao largo.

7.   Uma nova abordagem para a energia de fontes renováveis ao largo e infraestruturas de rede

7.1.

A maior parte dos parques eólicos marítimos existentes foi instalada como projetos nacionais ligados diretamente à costa, através de ligações radiais. No entanto, a fim de acelerar o desenvolvimento da energia eólica marítima, reduzir custos e reduzir a área marinha utilizada, propõe-se direcionar a atenção para projetos híbridos. Tal sistema constitui um estado intermédio entre os projetos tradicionais ligados radialmente ao sistema elétrico nacional e o modelo de rede completamente em malha. A estratégia também apresenta o pressuposto bastante otimista de que os Estados-Membros vizinhos devem definir conjuntamente objetivos de longo alcance no que diz respeito à energia eólica ao largo.

7.2.

Tendo em conta certas características, como a profundidade e a proximidade de outros países, o CESE constata que a instalação de projetos híbridos apenas é possível no mar do Norte e no mar Báltico. Além disso, dado o ritmo de desenvolvimento previsto, o CESE considera que, em primeiro lugar, a ação ao nível nacional e da UE deve centrar-se em explorar o potencial dos projetos mais avançados e que se destinam a ser ligados ao sistema elétrico nacional de forma radial.

8.   Um quadro regulamentar mais claro da UE para a energia de fontes renováveis ao largo

8.1.

O CESE acolhe favoravelmente a afirmação de que um mercado da energia bem regulamentado deve fornecer os sinais adequados para o investimento. O Comité considera que um ambiente regulamentar previsível e estável desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da energia eólica marítima.

8.2.

O aumento previsto da importância dos projetos de energia transfronteiriços significa que é necessária uma clarificação das regras do mercado da eletricidade, a qual foi fornecida no documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha a estratégia em apreço.

8.3.

O atual quadro jurídico não prevê tecnologias inovadoras, como ilhas de energias híbridas ou a produção de hidrogénio ao largo. A Comissão defende que o melhor modelo para regulamentar os projetos híbridos passaria por criar uma área do mercado marítimo à parte, prevendo a possibilidade de reatribuição de parte das receitas do congestionamento aos produtores. O CESE apoia o objetivo de criar zonas de ofertas ao largo no pressuposto de que simplificarão a regulamentação do mercado da energia.

8.4.

O CESE congratula-se com os esforços no sentido de assegurar aos investidores a estabilidade do lado das receitas. O Comité solicita que se adote uma postura flexível quanto à possibilidade de promover o desenvolvimento da energia eólica ao largo nos Estados-Membros em que esta tecnologia se encontra numa fase inicial de desenvolvimento, nomeadamente através da concessão de apoios diretos sem necessidade de concurso, nos termos do disposto na Diretiva Energias Renováveis.

9.   Mobilização do investimento do setor privado em energia de fontes renováveis ao largo: o papel dos fundos da UE

9.1.

Estima-se que as necessidades de investimento para a execução da estratégia sejam de quase 800 mil milhões de euros, cerca de dois terços para financiar a infraestrutura de rede associada e um terço para a produção no mar. Entre 2010 e 2020, o investimento em redes terrestres e ao largo para distribuição de energias renováveis na Europa ascendeu a cerca de 30 mil milhões de euros. A estratégia prevê um aumento para mais de 60 mil milhões de euros na próxima década e ainda mais após 2030. Além disso, a estratégia antevê que a maior parte desse investimento provenha de capital privado. No entanto, segundo a comunicação, a Comissão, o Banco Europeu de Investimento e outras instituições financeiras trabalharão em conjunto para apoiar os investimentos estratégicos em energia eólica marítima.

9.2.

O CESE manifesta a sua preocupação face à ausência de dados pormenorizados relativos a medidas específicas e instrumentos de apoio, o que pode pôr em causa uma maior promoção das energias renováveis. De acordo com a estratégia em apreço, os investidores disporão de oito fundos da UE diferentes. A proporção prevista neste domínio não é indicada, designadamente, não é conhecida a extensão da parte dos fundos da UE. O Comité considera que é essencial criar, no âmbito dos programas existentes, um instrumento único dedicado ao financiamento de projetos de energia eólica marítima, a fim de assegurar que os projetos são financiados e desenvolvidos rapidamente. De resto, tal abordagem deverá estender-se a outros tipos de fontes renováveis de energia.

9.3.

O CESE recorda que qualquer investimento em parques eólicos marítimos deve contribuir, tanto quanto possível, para o desenvolvimento socioeconómico das regiões na proximidade imediata do local do investimento, promovendo a participação no projeto («fator de conteúdo local»).

9.4.

A estratégia prevê a possibilidade de um mecanismo de financiamento da energia de fontes renováveis que pode oferecer formas de partilha dos benefícios dos projetos de energia ao largo com os Estados-Membros sem litoral. O Comité considera demasiadamente otimista o pressuposto de que os Estados-Membros sem litoral pretendem financiar a energia eólica com os seus próprios recursos em troca de benefícios estatísticos.

10.   Investigação e inovação orientadas para o apoio a projetos ao largo

10.1.

O CESE lamenta profundamente a forma superficial como a estratégia aborda a questão da reciclagem de turbinas eólicas usadas. A estratégia declara que é necessário integrar o princípio da «circularidade desde a conceção» na investigação e inovação em energias renováveis de forma mais sistemática. No entanto, não fornece informações pormenorizadas sobre a possível aplicação deste princípio. O Comité constata que o tratamento das pás eólicas usadas em terra é um problema crescente em locais como a Alemanha, onde se pondera a possibilidade de as enterrar no solo. Importa notar que as turbinas eólicas marítimas são muito maiores, o que se reflete diretamente na dimensão do problema.

10.2.

O CESE gostaria de sublinhar que as energias limpas melhorariam não só a qualidade do ar no ambiente local, mas também o ambiente e o clima no seu todo. O CESE opõe-se ao rápido desenvolvimento da energia eólica marítima sem ter em conta o seu impacto potencial no ambiente, e recomenda que a Comissão preste a devida atenção aos custos de desmantelamento. Na realidade, nos casos em que os projetos são financiados por fundos da UE, importa avaliar tais custos antecipadamente e respeitar um regime de responsabilidade conexa.

10.3.

O CESE congratula-se com o facto de a nova estratégia ser complementada por um plano de desenvolvimento de competências e de sistemas de ensino no domínio da energia eólica marítima, elaborado pela DG EMPL e pela DG MARE. A expansão de competências é um elemento fundamental no desenvolvimento deste setor. O desenvolvimento rápido e sustentável deste setor exige a execução de programas de formação nos Estados-Membros onde esta tecnologia ainda se encontra numa fase inicial de desenvolvimento. A estratégia mostra que os instrumentos e fundos da UE existentes podem ser utilizados para esse efeito. O Comité considera que a importância de desenvolver competências no domínio da energia eólica marítima exige a criação de instrumentos e fundos específicos ao nível da UE.

11.   Uma cadeia de valor e de abastecimento mais forte em toda a Europa

11.1.

Para reforçar a cadeia de abastecimento, é necessário um investimento global de cerca de 500 milhões de euros a mil milhões de euros. O CESE lamenta que não existam indicações claras sobre a forma de mobilização destes fundos ou um horizonte temporal.

11.2.

O CESE acolhe favoravelmente o plano de reforçar o Fórum Industrial das Energias Limpas e de, no âmbito do mesmo, criar um grupo dedicado às energias renováveis marítimas em 2021.

11.3.

O Comité tem sérias reservas em relação aos planos da Comissão e da Rede Europeia dos Operadores das Redes de Transporte de Eletricidade para promover a normalização e a interoperabilidade entre conversores de diferentes fabricantes até 2028. O prazo é demasiadamente longínquo, especialmente tendo em conta que serão instalados 60 GW em parques eólicos marítimos até 2030. O Comité congratular-se-ia com um prazo que permitisse um calendário realista para o desenvolvimento de normas aplicáveis ao equipamento.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/158


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Estratégia de mobilidade sustentável e inteligente — pôr os transportes europeus na senda do futuro”»

[COM(2020) 789 final]

(2021/C 286/27)

Relator:

Stefan BACK

Correlatora:

Tanja BUZEK

Consulta

Comissão Europeia, 26.3.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

14.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

230/1/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com o facto de a nova estratégia no domínio dos transportes colocar a tónica na mobilidade sustentável e inteligente, realçando o papel fundamental e os benefícios dos transportes para as pessoas e a economia da UE, mas abordando também os custos para a sociedade.

1.2

A estratégia reconhece o papel fundamental do mercado único e das questões sociais na facilitação da transição para uma mobilidade mais sustentável e inteligente, mas não faz jus a esse reconhecimento. Com efeito, as lacunas identificadas no documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha a comunicação não são satisfatoriamente visadas por medidas nem abordadas em capítulos específicos da estratégia.

1.3

O CESE apoia a abordagem geral adotada de integrar a estratégia no Pacto Ecológico Europeu e de privilegiar ações que visam a realização dos objetivos climáticos. Contudo, põe em dúvida que o equilíbrio entre as medidas técnicas e as medidas de política de transportes seja adequado para alcançar esses objetivos. Salienta, em especial, que muitas das ações propostas em matéria de sustentabilidade e digitalização terão repercussões significativas para o mercado único e os trabalhadores dos transportes. Uma atenção insuficiente a esta questão é suscetível de comprometer o êxito da execução.

1.4

Para ter êxito, a estratégia de mobilidade tem igualmente de ir de par com o reforço da competitividade do setor dos transportes no seu conjunto e da base industrial da UE com ele relacionada.

1.5

A pandemia de COVID-19, sem precedentes, demonstrou a importância crítica do bom funcionamento do mercado único dos transportes e de cadeias de abastecimento sustentáveis, bem como dos transportes públicos para a mobilidade de trabalhadores essenciais. Expôs também o setor dos transportes a uma luta sem tréguas pela sobrevivência, atendendo ao declínio dos volumes de utentes causado pela pandemia.

1.6

A pandemia pôs dramaticamente em evidência a situação de milhares de trabalhadores do setor dos transportes em toda a Europa e em todo o mundo impossibilitados de se deslocar e confrontados, ao mesmo tempo, com contratos de trabalho precários. Chamou igualmente a atenção para a crise social dos transportes, dado que as políticas de transportes das últimas décadas, focalizadas no mercado único, não lograram evitar o agravamento das condições de trabalho em todos os modos de transporte. A este respeito, o CESE considera que se impõe urgentemente aplicar o mesmo nível de ambição a um sistema de transportes socialmente sustentável. Além disso, um plano de contingência para crises no futuro próximo deve procurar evitar efeitos negativos para os trabalhadores dos transportes.

1.7

O CESE saúda o destaque dado na estratégia à participação das mulheres no setor dos transportes, mas, mais uma vez, lamenta a ausência de pontos de ação que traduzam essa ambição.

1.8

O CESE concorda com as prioridades estabelecidas quanto à necessidade de concluir o espaço único europeu dos transportes e reforçar o mercado único, também à luz da experiência da COVID-19, bem como de preparar um plano de emergência de combate à crise. Defende, contudo, que tal plano de emergência deve ser estabelecido com base num diálogo social e com a sociedade civil sério e organizado, e em concertação com os parceiros sociais.

1.9

O CESE considera altamente inadequado limitar os marcos para uma mobilidade resiliente à implementação atempada da RTE-T e à redução do número de mortes causadas pelos transportes, atendendo ao vasto conjunto de tópicos abrangidos nesta secção da estratégia.

1.10

O CESE apoia a intenção de tornar todos os modos de transporte mais sustentáveis e de promover um sistema de transportes multimodal sustentável, com base na cooperação entre os diferentes modos de transporte, bem como em características otimizadas do ponto de vista ambiental e na sustentabilidade social de cada modo. Considera que as emissões dos veículos devem ser medidas ao longo de todo o ciclo de vida do veículo, assim como através do método «do poço à roda».

1.11

O marco 1, que visa que haja em circulação, até 2030, pelo menos 30 milhões de automóveis sem emissões e 80 000 camiões também sem emissões, afigura-se demasiado otimista e deveria ter sido objeto de uma análise mais exaustiva, dado que não existe uma perspetiva clara sobre o número de pontos de carregamento que serão necessários para a quantidade de veículos visada. O CESE adverte contra o estabelecimento de objetivos demasiado ambiciosos, que poderão comprometer a credibilidade da estratégia.

1.12

O CESE tem dúvidas sobre se a nova estratégia é coerente com uma abordagem em que os diferentes modos são encarados como um recurso combinado e em que, no contexto de um sistema de transportes multimodal, é promovida a cooperação entre os modos com base em soluções com a melhor pegada ambiental — e social — e máxima eficiência.

1.13

O dumping social e as práticas desleais num setor geram distorções noutros setores. As condições de trabalho precárias e a falta de fiscalização do cumprimento da legislação social distorcem os sinais para a fixação de preços e as escolhas relativas aos serviços de transporte. O CESE considera que é necessário levar a cabo uma iniciativa tendente a integrar os custos laborais como componente de uma política justa de fixação dos preços de serviços de transportes sustentáveis, além da internalização de todos os custos externos. Uma fixação de preços justa, no mercado livre, para serviços de transporte tem de incluir um salário digno, uma remuneração igual por trabalho igual realizado no mesmo local, bem como cobertura em matéria de cuidados de saúde e de segurança social. Existe, no que se refere à fixação de preços para os transportes públicos, uma compensação para obrigações de serviço.

1.14

A estratégia prevê que em 2030 os transportes marítimo e ferroviário sejam capazes de concorrer em pé de igualdade com o transporte rodoviário, mas não explica de que forma isso será conseguido. Com efeito, falta uma estratégia mais abrangente para impulsionar o transporte ferroviário de mercadorias e o transporte marítimo de curta distância.

1.15

Os auxílios estatais são importantes para promover objetivos políticos, tais como a ecologização e a promoção da dimensão social dos transportes. O CESE considera que é urgente rever as orientações relativas aos auxílios estatais, em particular as orientações relativas aos auxílios estatais no domínio do transporte marítimo, a fim de assegurar condições sociais e económicas justas no setor portuário e o emprego dos marítimos europeus.

1.16

Além disso, a estratégia carece de uma análise aprofundada da ligação crucial entre o mercado único e a política de concorrência e o CESE partilha das reservas em torno da prorrogação da vigência do regulamento de isenção por categoria relativo aos consórcios.

1.17

A estratégia também não tem devidamente em conta os anseios das zonas rurais. O CESE solicita que a futura Comunicação sobre uma visão a longo prazo para as zonas rurais examine o aspeto crucial da mobilidade e assegure alternativas viáveis adequadas e acessíveis a todos.

1.18

Para evitar a pobreza nos transportes, o acesso a transportes públicos de qualidade a preços acessíveis é fundamental, enquanto alternativa sustentável aos modos de transporte individuais, e assume especial relevância nas zonas rurais. No processo de transição para uma mobilidade urbana sustentável, deve ser dada mais ênfase ao transporte público enquanto espinha dorsal dessa transição e fonte importante de inclusão social e de emprego local de qualidade.

1.19

O CESE considera que cumpre realizar os projetos-piloto em matéria de mobilidade cooperativa, conectada e automatizada no âmbito do tráfego urbano. Esses projetos devem ter por base uma avaliação de impacto na segurança, bem como o diálogo social e com a sociedade civil. Destaca a necessidade de financiamento adequado para permitir o reforço das competências sempre que necessário.

1.20

No que respeita à mobilidade urbana, as plataformas da mobilidade enquanto serviço («Mobility as a Service» — MaaS) devem estar sob responsabilidade pública a fim de garantir a execução dos planos de mobilidade urbana sustentável (PMUS). Apenas os fornecedores de serviços de mobilidade socialmente responsáveis que proporcionam condições de trabalho justas e dignas devem ter acesso às plataformas MaaS, tendo em conta, nomeadamente, a legislação prevista em matéria de trabalhadores das plataformas.

1.21

O CESE aplaude os objetivos de digitalização e de automatização estabelecidos na estratégia, como meio de alcançar os objetivos de sustentabilidade, e apela para um diálogo alargado sobre os impactos mais vastos na sociedade e no meio ambiente. Salienta a necessidade de adotar uma abordagem centrada nas pessoas, que incorpore aspetos sociais e ambientais.

1.22

O CESE constata com preocupação que o capítulo sobre mobilidade inteligente não propõe quaisquer medidas relativamente aos trabalhadores dos transportes. A consideração do fator humano na investigação, conceção e implantação de tecnologias digitais e de automatização é fundamental para a utilização com êxito de tais inovações e deve assentar num diálogo social inclusivo para assegurar uma transição justa.

1.23

A transição digital já está em curso. O CESE lamenta que até 2023 não sejam formuladas recomendações sobre o impacto da transição na força de trabalho do setor dos transportes. Solicita a adoção imediata de medidas, em concertação com os parceiros sociais, com base nas boas práticas existentes.

1.24

O êxito dos investimentos nas tecnologias digitais passa por um diálogo social participativo desde uma fase inicial que inclua um debate sobre a finalidade da digitalização e da automatização (por exemplo, aumento da eficiência versus sobrecapacidade) e o objetivo das medidas correspondentes para promover locais de trabalho mais seguros e saudáveis, para salvaguardar o emprego e para assegurar que os trabalhadores recebem uma parcela justa dos ganhos de produtividade.

1.25

O CESE congratula-se com o maior reconhecimento do papel dos trabalhadores dos transportes, mas considera que são necessárias iniciativas legislativas concretas para erradicar o dumping social em todos os modos de transporte. Defende a urgência de criar um grupo de trabalho para as questões sociais no setor dos transportes, incluindo todas as Direções-Gerais (DG) pertinentes, tais como a DG MOVE, a DG EMPL e outras.

1.26

O CESE apoia o objetivo de zero vítimas mortais resultantes da mobilidade em todos os modos de transporte até 2050, mas a estratégia não oferece respostas para os problemas do transporte rodoviário, nomeadamente para o problema da fadiga dos motoristas como «doença crónica» e como fator importante na origem dos acidentes. No caso concreto dos condutores de autocarros, chama a atenção para o relatório que a Comissão Europeia apresentará ao Conselho e ao Parlamento, e espera que as instituições da UE ajam em conformidade com os objetivos políticos estabelecidos no Regulamento relativo aos tempos de condução e de repouso.

1.27

O CESE sublinha a importância da obtenção de um amplo apoio das partes interessadas da sociedade civil, incluindo dos parceiros sociais, para uma transição ecológica, social e digital, e manifesta a sua disponibilidade para contribuir para um diálogo com a sociedade civil tendo em vista a definição e a execução da estratégia. A Comissão afirma acertadamente na estratégia que a transição para uma mobilidade sustentável, inteligente e resiliente deve ser justa, porque senão pode não ser exequível.

2.   Contexto

2.1

A Estratégia de mobilidade sustentável e inteligente — pôr os transportes europeus na senda do futuro realça o papel vital e os benefícios dos transportes para as pessoas e a economia da UE, mas também aborda os custos para a sociedade. Na comunicação, a Comissão propõe uma nova estratégia para alcançar os objetivos, acordados no Pacto Ecológico Europeu, de redução das emissões de gases com efeito de estufa provenientes dos transportes em 55 % até 2030 e em 90 % até 2050. Além disso, estabelece um roteiro para a digitalização e o desenvolvimento da automatização e da inteligência artificial (IA) no setor dos transportes.

2.2

À luz da experiência da crise da COVID-19, a estratégia privilegia a resiliência face a crises futuras como objetivo fundamental da política de transportes da UE, a par da conclusão do espaço único europeu dos transportes, em conformidade com o Livro Branco de 2011 sobre a política de transportes.

2.3

Na estratégia, que introduz dez domínios de ação (iniciativas emblemáticas) e 14 marcos concretos, a Comissão defende também que a mobilidade a preços acessíveis deve estar disponível para todos e que o setor tem de oferecer boas condições sociais, oportunidades de requalificação e emprego atrativo. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais deve ser o garante de uma transição ecológica e digital justa.

2.4

O plano de ação anexo à comunicação estabelece 82 ações a executar entre 2021 e 2023. É fornecida uma análise mais aprofundada num documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha a comunicação.

3.   Observações gerais: A visão da estratégia

3.1

Uma década após o último livro branco sobre a política de transportes, em 2011, a nova estratégia global visa alcançar os objetivos fundamentais da mobilidade sustentável, inteligente e resiliente. Os livros brancos anteriores (1992, 2001 e 2011) colocaram, todos eles, uma forte ênfase no estabelecimento do espaço único europeu dos transportes e na realização do mercado único.

3.2

Já em 2001 e 2011, os livros brancos abordavam o problema da dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis e o problema das alterações climáticas, bem como da crescente contribuição do setor dos transportes da UE para as emissões de gases com efeito de estufa, não tendo, contudo, atingido os respetivos objetivos em matéria de clima. Devido à crise climática, o CESE saúda vivamente a abordagem adotada de integrar a nova estratégia da UE para a mobilidade no Pacto Ecológico Europeu e de privilegiar medidas tendentes a alcançar os objetivos climáticos.

3.3

Para ser coroada de êxito, a estratégia de mobilidade deve ir de par com o reforço da base industrial da UE, a fim de assegurar que as cadeias de valor industriais europeias conexas constituirão a espinha dorsal de uma transformação sustentável e digital dos transportes europeus. A estratégia deve assentar firmemente no reforço da competitividade do setor dos transportes no seu conjunto.

3.4

A pandemia de COVID-19, sem precedentes, demonstrou a importância crítica do bom funcionamento do mercado único dos transportes e de cadeias de abastecimento sustentáveis, tendo também exposto o setor dos transportes a uma luta sem tréguas pela sobrevivência, atendendo ao declínio dos volumes de utentes causado pela pandemia. Pôs dramaticamente em evidência a situação de milhares de trabalhadores do setor dos transportes em toda a Europa e em todo o mundo impossibilitados de se deslocar e confrontados, ao mesmo tempo, com contratos de trabalho precários, uma proteção social e uma cobertura para cuidados de saúde insuficientes, e a perda do emprego sem direito a proteção social. Esta situação chama igualmente a atenção para a crise social no setor dos transportes, que revela omissões nas políticas de transportes da UE passadas e demonstra a necessidade de aplicar o mesmo nível de ambição ao desenvolvimento de um sistema de transportes socialmente sustentável. O CESE considera fundamental não desperdiçar a oportunidade de definir um Espaço Único Europeu dos Transportes verdadeiramente sustentável para o futuro que necessita agora de correções de fundo para avançar. Além disso, um futuro plano de emergência deve procurar evitar efeitos negativos para os trabalhadores dos transportes.

3.5

Apesar das iniciativas tomadas até à data, o Espaço Único Europeu dos Transportes, incluindo as dimensões do mercado único, social e ambiental, não foi concretizado e requer a adoção urgente de mais medidas. O CESE lamenta que a estratégia, embora desenvolva com grande pormenor os objetivos climáticos e de digitalização e os meios para os alcançar, seja menos exaustiva no que respeita ao mercado único e às questões sociais. Esse facto é tanto mais lamentável quanto muitas das ações propostas relacionadas com a sustentabilidade e a digitalização têm amplos efeitos sobre o mercado único e a situação dos trabalhadores do setor dos transportes, e essa correlação é constantemente referida ao longo do parecer. A este respeito, o CESE solicita uma abordagem mais holística e transversal para evitar que a estratégia conduza a uma vitória pírrica.

3.6

O CESE congratula-se com o facto de a estratégia destacar a importância da participação das mulheres no setor dos transportes e com o compromisso da Comissão de aplicar «devidamente a integração da igualdade nas suas iniciativas políticas relacionadas com os transportes», mas lamenta a ausência de pontos de ação à altura dessa ambição. O «intercâmbio de boas práticas» e a criação de uma rede de embaixadores para a diversidade não são suficientes para promover a integração da abordagem sensível ao género nas políticas da UE para os transportes. O guia de tópicos dos planos de mobilidade urbana sustentável (PMUS) intitulado «Addressing Gender Equity and Vulnerable Groups in SUMPs» [Abordar a igualdade entre os géneros e os grupos vulneráveis nos PMUS] contém bons exemplos de pontos de ação.

3.7

A maioria das ações previstas nas secções 1 a 3 da estratégia (visão, mobilidade sustentável e mobilidade inteligente) tem um âmbito restrito limitado a questões essencialmente técnicas relacionadas com as características ambientais dos veículos, navios e aeronaves, a implantação de infraestruturas para combustíveis alternativos, projetos de desenvolvimento industrial e digital, a tributação da energia e a internalização dos custos externos com o objetivo de aplicar os princípios do «poluidor-pagador» e do «utilizador-pagador». As iniciativas emblemáticas 3 e 4 dizem respeito a medidas políticas legislativas e não legislativas para promover o transporte sustentável de passageiros e de mercadorias.

3.8

Embora as medidas e os marcos propostos se afigurem bastante coerentes, em termos recíprocos, no que se refere às questões essencialmente técnicas tratadas nas secções 1 a 3, o CESE tem dúvidas sobre se o equilíbrio entre medidas técnicas e medidas de política de transportes é adequado para alcançar os objetivos climáticos.

3.9

O CESE também questiona a abordagem, que torna necessário um documento de trabalho dos serviços da Comissão de quase 300 páginas para a plena compreensão dos objetivos da estratégia. Esta forma de apresentação e de explicação não a torna acessível ou suscetível de ganhar facilmente um amplo apoio.

3.10

Na estratégia, a Comissão afirma, com razão, que «o ativo mais valioso do setor é, de longe, constituído pelas pessoas que o compõem, e a transição sustentável e inteligente não será possível sem o apoio e a adesão dos trabalhadores dos transportes».

3.11

O CESE chama a atenção para a preocupação específica das zonas rurais europeias de que as metas de mobilidade sustentável só possam ser alcançadas mediante enormes concessões em termos de estilo de vida. Apela desde já à Comissão para que examine, na sua futura Comunicação sobre uma visão a longo prazo para as zonas rurais, o aspeto crucial da mobilidade e assegure alternativas viáveis adequadas e acessíveis a todos.

3.12

O CESE sublinha a importância da obtenção de um apoio alargado entre as partes interessadas da sociedade civil, incluindo os parceiros sociais, para a transição ecológica e digital visada. Isto significa também que a dimensão social, incluindo um diálogo sobre a melhor forma de gerir a transição e torná-la socialmente aceitável, assume uma importância capital.

3.13

O CESE está disposto a contribuir para o diálogo com a sociedade civil para efeitos da definição e da execução da estratégia e o presente parecer visa contribuir com propostas concretas para o debate.

4.   Mobilidade sustentável

4.1

O CESE concorda que para alcançar a mudança sistémica visada são necessários três pilares de ações, a saber: «1) tornar todos os modos de transporte mais sustentáveis, 2) tornar amplamente disponíveis alternativas sustentáveis num sistema de transportes multimodal e 3) criar os incentivos adequados para impulsionar a transição».

4.2

Para tornar todos os transportes mais sustentáveis, o marco 1 visa o objetivo, a atingir até 2030, de 30 milhões de automóveis sem emissões e 80 000 camiões sem emissões em circulação, face a valores atuais de cerca de um milhão de automóveis e 30 000 camiões sem emissões (1). O CESE toma nota da convicção de que as decisões de investimento relativas aos veículos em utilização até 2030 serão tomadas agora ou a breve prazo. Atendendo à diferença de preços, ao facto de a infraestrutura de carregamento/reabastecimento de combustíveis alternativos estar ainda pouco desenvolvida, e ao tempo de vida dos veículos, esse cenário afigura-se excessivamente otimista. Acresce que parece não haver ainda uma ideia clara do número de pontos de carregamento/reabastecimento de combustível que serão necessários para dar suporte ao número de veículos visado. O CESE adverte contra o estabelecimento de objetivos demasiado ambiciosos, que poderão comprometer a credibilidade da estratégia.

4.3

A estratégia define claramente a eletricidade e o hidrogénio como opção prioritária para descarbonizar a mobilidade. Uma abordagem rigorosa da mobilidade com emissões nulas deve ter em conta a pegada de carbono dos veículos ao longo de todo o seu ciclo de vida (em 2018, apenas 33 % da eletricidade na UE foi produzida a partir de energias renováveis) e ser medida através do método «do poço à roda».

4.4

O CESE apoia firmemente a transição para soluções de transporte mais sustentáveis e incentiva a Comissão a desenvolver esta abordagem com linhas de ação concretas que apoiem também os transportes não motorizados.

4.5

O Pacto Ecológico dá prioridade à eficiência na utilização dos recursos, mediante a transição para uma economia limpa e circular e restaurando a biodiversidade, pondo termo à degradação dos espaços públicos e reduzindo a poluição. Tendo em conta o que precede, o CESE reitera que uma estratégia de transporte sustentável tem de dar prioridade ao uso do solo para poupar infraestruturas e assegurar uma parcela de espaço justa nas cidades e aglomerados e uma utilização eficiente dos recursos, nomeadamente de recursos críticos. Os direitos fundamentais têm de ser respeitados.

4.6

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia continuar a dialogar com os órgãos de poder local e os Estados-Membros para garantir que todas as cidades de grande e média dimensão implementem os seus próprios planos de mobilidade urbana sustentável (PMUS) até 2030. A situação atual parece indicar que o aumento desejado do número de PMUS elaborados não se verificará sem o estabelecimento dos quadros nacionais e dos instrumentos financeiros necessários ao desenvolvimento e execução dos PMUS.

4.7

A estratégia refere-se apenas sucintamente à gestão e às políticas de estacionamento. O CESE recomenda que se continue a desenvolver este aspeto com linhas de ação claras, tendo em conta o impacto negativo das áreas de estacionamento na impermeabilização dos solos nas cidades. Uma boa gestão do estacionamento pode contribuir para libertar espaço público valioso, tornar as cidades mais atrativas, apoiar a economia local, reduzir o tráfego automóvel e melhorar o congestionamento, a segurança rodoviária e a poluição atmosférica.

4.8

O segundo pilar do transporte sustentável diz respeito à disponibilidade de modos de transporte alternativos e oferece para esse fim uma escolha modal no âmbito de uma abordagem multimodal. Os marcos 4 e 8 fixam objetivos a atingir até 2030 e 2050, para um aumento maciço do transporte ferroviário de passageiros (duplicando o tráfego ferroviário de alta velocidade até 2030 e triplicando-o até 2050) e do transporte ferroviário de mercadorias (aumento de 50 % até 2030 e duplicação até 2050). Além disso, são estabelecidas metas em relação às viagens coletivas programadas, ao transporte por vias navegáveis interiores e ao transporte marítimo de curta distância, bem como o objetivo de que haja, até 2030, pelo menos 100 cidades com um impacto neutro no clima na Europa.

4.9

O CESE tem dúvidas sobre se a estratégia é coerente com uma abordagem em que os diferentes modos são encarados como um recurso combinado e, no contexto de um sistema de transportes multimodal, é promovida a cooperação entre os modos, em vez da concorrência entre estes, com base em soluções com o menor impacto ambiental — e social — e a maior eficiência possíveis.

4.10

Neste contexto, o CESE apela para a realização de uma avaliação da sustentabilidade mais abrangente a fim de incorporar plenamente a sustentabilidade social. Propõe complementar a pegada ambiental prevista na estratégia com a introdução de uma «pegada laboral europeia do transporte» equiparável, com condições de trabalho justas, incluindo todos os elementos para prevenir a contínua deterioração, assegurar a concorrência leal entre os operadores de cada modo de transporte e entre os diferentes modos de transporte e evitar uma concorrência destrutiva com a criação de incentivos indevidos. A fim de assegurar condições de concorrência equitativas entre os modos de transporte, a fixação de preços justa no mercado livre tem de incluir custos laborais justos, como é sublinhado no capítulo 6.

4.11

O CESE lamenta que o desenvolvimento de modelos multimodais de transporte de mercadorias, com base na cooperação entre os modos, em características ambientais otimizadas e na sustentabilidade social de cada modo, otimizando os recursos através de plataformas digitais no pleno respeito da legislação social, não seja um dos marcos a alcançar no âmbito do pilar da mobilidade inteligente da estratégia.

4.12

O marco 9 antecipa que os transportes marítimo e ferroviário possam competir em igualdade de circunstâncias com o transporte rodoviário em 2030, sem explicar de que forma se alcançará esse objetivo, exceto, possivelmente, através da internalização dos custos externos e da tributação dos combustíveis. Falta, com efeito, uma estratégia mais abrangente para impulsionar o transporte ferroviário de mercadorias e o transporte marítimo de curta distância, que tenha em conta, entre outros aspetos, o custo mais elevado e os problemas de pontualidade do transporte ferroviário descritos no documento de trabalho dos serviços da Comissão.

4.13

O objetivo do marco 4 é que, até 2030, todas as viagens programadas de menos de 500 km dentro da UE sejam neutras em termos de carbono. O impacto no transporte de passageiros por autocarro e os possíveis efeitos negativos sobre a sustentabilidade têm de ser discutidos.

4.14

Os auxílios estatais são importantes para promover objetivos políticos, tais como a ecologização e a promoção da dimensão social dos transportes. O CESE considera que é urgente rever as orientações relativas aos auxílios estatais. Os aspetos territoriais, por exemplo em relação às regiões remotas, são um dos elementos que necessitam de ser revistos. Além disso, chama a atenção para o facto de que a revisão das orientações relativas aos auxílios estatais para o transporte marítimo a fim de assegurar condições sociais e económicas justas no setor portuário e o emprego dos marítimos europeus é um pedido que não é de agora e que urge satisfazer para tornar o setor do transporte marítimo socialmente sustentável, tal como o apelo a uma ação mais célere, antes de 2023.

4.15

O CESE critica a ausência, na estratégia, de uma análise exaustiva da ligação crucial entre o mercado único e a política de concorrência. Concorda com a necessidade de um debate sólido sobre os auxílios estatais e os subsídios ao transporte marítimo, e os seus efeitos no setor portuário. Os parceiros sociais europeus expressaram em conjunto a sua preocupação em relação à prorrogação do regulamento de isenção por categoria aplicável aos consórcios que, segundo eles, irá agravar a desigualdade de tratamento entre os armadores e as partes interessadas dos portos e terá efeitos negativos no setor portuário da UE (2).

5.   Mobilidade inteligente

5.1

O CESE concorda que com a inovação a moldar «a mobilidade dos passageiros e da carga no futuro, devem ser implantados o quadro e os facilitadores adequados, a fim de facilitar esta transição, que pode tornar o sistema de transportes muito mais eficiente e sustentável». Considera imperativo seguir um princípio orientador fundamental: a digitalização e a automatização são instrumentos e não um objetivo em si mesmas.

5.2

Neste contexto, o CESE aplaude os objetivos em matéria de digitalização e de automatização estabelecidos na estratégia, enquanto meio de alcançar os objetivos de sustentabilidade. A abordagem do impacto da IA na sociedade e no meio ambiente, e de questões como o princípio do controlo humano sobre a máquina, bem como a recolha de dados pessoais e o uso dado a esses dados, reveste-se da máxima importância e requer um diálogo alargado. A inclusão do fator humano na investigação, conceção e implantação de tecnologias digitais e de automatização é essencial para a utilização com êxito de tais inovações e deve basear-se num diálogo social inclusivo com vista a assegurar uma transição justa. É necessária uma abordagem centrada nas pessoas, que incorpore aspetos sociais e ambientais, bem como uma garantia de que as tecnologias não serão utilizadas de forma abusiva.

5.3

O CESE chama a atenção para o facto de a estratégia não fazer qualquer referência às iniciativas horizontais relativas a aspetos de segurança, responsabilidade, direitos fundamentais e dados da IA e ao pacote legislativo sobre dados relativo ao controlo e às condições da partilha de dados.

5.4

Para que a UE se torne líder mundial no desenvolvimento de serviços e sistemas de mobilidade cooperativa, conectada e automatizada, importa facilitar os testes de serviços-piloto nos sistemas de tráfego urbano, com base numa avaliação de impacto na segurança, bem como no diálogo social e com a sociedade civil. Os atuais projetos-piloto são testados principalmente em sistemas de transporte fechados (campus, complexos industriais, etc.).

5.5

O CESE congratula-se com o facto de a estratégia abordar a transformação digital na mobilidade urbana, incluindo a MaaS, os serviços partilhados, os serviços a pedido e a emergência de plataformas intermediárias, e as oportunidades de desenvolvimento de conceitos de transporte eficiente e sustentável, bem como os riscos associados, que tal transformação proporciona. Além disso, aplaude o facto de a Comissão, no ponto 38, procurar, acertadamente, dar resposta a preocupações sociais e relacionadas com a segurança, dado que vários serviços de mobilidade e plataformas intermediárias novas oferecem formas de emprego precárias e salários baixos, o que pode levantar problemas de concorrência. No entanto, a ação 23, que consiste em «avaliar a necessidade de medidas para garantir condições de concorrência equitativas para as plataformas de transporte de passageiros e de veículos de aluguer com condutor locais e a pedido», só está prevista para 2022.

5.6

As plataformas MaaS deverão estar sob controlo público a fim de garantir a execução dos PMUS. Apenas os fornecedores de serviços de mobilidade socialmente responsáveis que proporcionam condições de trabalho justas e dignas devem ter acesso às plataformas MaaS, tendo em conta, nomeadamente, a legislação prevista em matéria de trabalhadores das plataformas.

5.7

O CESE acolhe com satisfação a iniciativa da Comissão relativa à adoção de legislação para regulamentar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas e espera que a proposta assegure a presunção de um vínculo laboral e condições de trabalho justas para os trabalhadores das plataformas no setor dos transportes, nomeadamente dos serviços de veículos de aluguer com condutor ou de entrega.

5.8

O CESE tem presente que o custo das soluções de mobilidade inteligente, o desenvolvimento da IA e a automatização podem potencialmente agravar as disparidades, dado que o cenário de base para esse desenvolvimento varia de Estado-Membro para Estado-Membro, e está muito atento ao problema. Por conseguinte, considera fundamental para o êxito de qualquer estratégia que a UE combata estas disparidades de investimento, reforçando as soluções de mobilidade inteligente nos Estados-Membros mais pobres, mas também impondo o diálogo social, condições sociais e uma abordagem centrada no ser humano.

6.   Mobilidade resiliente

6.1

A secção 4 sobre a mobilidade resiliente enuncia três iniciativas emblemáticas — reforçar o mercado único, tornar a mobilidade justa e equitativa para todos e aumentar a segurança intrínseca e extrínseca dos transportes, acompanhadas dos marcos 13 e 14.

Relevância do mercado único

6.2

O CESE concorda com as prioridades estabelecidas no que respeita à necessidade de concluir o Espaço Único Europeu dos Transportes e de reforçar o mercado único, nomeadamente à luz da experiência da crise da COVID-19, bem como à necessidade de preparar um plano de emergência de combate à crise. Entende, contudo, que tal plano de emergência deve ser estabelecido com base num diálogo social e com a sociedade civil sério e organizado, e em concertação com os parceiros sociais.

6.3

O CESE lamenta, no entanto, que, designadamente, a conclusão do espaço único europeu dos transportes e o reforço do mercado único, a importância da implementação atempada da RTE-T e o desenvolvimento de cadeias de valor estratégicas, em relação, por exemplo, às baterias e ao hidrogénio e as necessidades financeiras associadas para realizar os objetivos do Pacto Ecológico e a transição digital nos transportes sejam agrupadas com temas importantes como os direitos dos passageiros, as obrigações de serviço público (OSP), as condições sociais dos trabalhadores dos transportes e a segurança intrínseca e extrínseca dos transportes. Causa estranheza que as questões globais do mercado único e as questões sociais e de segurança relacionadas surjam em último lugar na estratégia.

6.4

O CESE entende que limitar os marcos desta secção à implementação atempada da RTE-T e à redução do número de mortes causadas pelos transportes é altamente inadequado, uma vez que a secção trata do reforço do mercado único e da conclusão do espaço único europeu dos transportes, incluindo o aumento da eficiência através da facilitação de uma utilização ótima das capacidades, o financiamento da modernização das frotas, questões relativas aos auxílios estatais, a melhoria da conectividade e a proteção dos passageiros e dos seus direitos.

6.5

O CESE regista a visão defendida na estratégia de que um mercado único que funcione bem e seja resiliente às crises deve constituir igualmente um objetivo fundamental da política de transportes da UE e que «tornar a mobilidade mais ecológica deve constituir a nova viabilidade que permita ao setor dos transportes crescer». Por exemplo, o CESE considera que a conclusão do mercado único dos transportes com novos modelos de negócio sustentáveis e digitais deveria figurar entre os marcos.

6.6

Lamenta também que a estratégia não descreva os obstáculos à plena realização do mercado único no setor dos transportes que ainda subsistem. Nomeadamente na secção 4.3.3 do documento de trabalho dos serviços da Comissão são referidos vários problemas relativos ao funcionamento do mercado único que não são abordados na secção 4. O mesmo acontece com as várias lacunas sociais descritas na secção 4.3.4, que não são contempladas na estratégia.

6.7

Os processos no âmbito do programa Legislar Melhor necessitam de ser melhorados. O CESE insiste em que para cada uma das ações, quer sejam mencionadas no plano de ação ou noutros documentos, deve ser realizada uma avaliação de impacto exaustiva (do ponto de vista social, ambiental, económico, com integração da perspetiva de género) com consulta privilegiada dos parceiros sociais reconhecidos, tais como as organizações representativas aprovadas pela Comissão.

6.8

Do mesmo modo, várias das ações previstas em secções anteriores da estratégia têm claras repercussões no mercado interno, nomeadamente as alterações à Diretiva relativa aos pesos e dimensões dos veículos de mercadorias e as alterações à legislação no setor da aviação ou no que se refere às plataformas digitais.

Dimensão social e condições de trabalho

6.9

A crise sem precedentes causada pela pandemia de COVID-19 demonstrou que o transporte é um serviço essencial. Além disso, realçou a importância dos trabalhadores dos transportes como trabalhadores fundamentais e a sua relevância para a resiliência do sistema de transportes. O CESE congratula-se com o maior reconhecimento dado na estratégia aos trabalhadores dos transportes em comparação com documentos de política de transportes anteriores, nomeadamente reconhecendo que são «o ativo mais valioso do setor» e que alguns sofrem condições de trabalho difíceis e precárias. No entanto, tendo em conta a importância atribuída ao pilar social na presente aplicação das políticas da UE, é surpreendente que a dimensão social dos transportes não seja abordada numa secção específica.

6.10

A estratégia reconhece também os problemas demográficos do setor e as dificuldades em atrair os trabalhadores de que este necessita. Constata que «assegurar padrões sociais mais elevados contribuiria diretamente para inverter a atual falta geral de atratividade do setor». Lamentavelmente, nem a estratégia nem o documento de trabalho dos serviços da Comissão analisam de forma adequada as causas subjacentes às dificuldades sentidas pelo setor dos transportes na captação de trabalhadores. Estes documentos não têm em conta o facto de que as políticas de transportes das últimas décadas com enfoque no mercado único não lograram evitar o agravamento das condições de trabalho em todos os modos de transporte.

6.11

As afirmações da Comissão de que irá «ponderar a adoção de medidas nos diferentes modos de transporte para reforçar o quadro legislativo em matéria de condições para os trabalhadores» e lançar iniciativas para aumentar a atratividade do setor no período 2021-2023 são demasiado vagas. Com efeito, o CESE não compreende por que razão aspetos como a promoção de condições de trabalho justas e o aumento da atratividade da profissão, incluindo para os jovens e para as mulheres, não foram considerados merecedores do estabelecimento de marcos.

6.12

São necessárias iniciativas legislativas concretas para erradicar o dumping social em todos os modos de transporte. O princípio da igualdade de remuneração por trabalho igual no mesmo local deve aplicar-se a todos os modos de transporte (destacamento de trabalhadores com elevada mobilidade) ou ser garantida a proteção do emprego e dos direitos adquiridos para trabalhadores sujeitos a uma mudança de operadores em virtude da adjudicação de contratos relativamente aos diferentes modos de transporte. Por conseguinte, o CESE defende que é urgente criar um grupo de trabalho para as questões sociais no setor dos transportes, que inclua todas as DG pertinentes, tais como a DG MOVE, a DG EMPL e a DG Concorrência.

Custos sociais e sustentabilidade

6.13

O dumping social e as práticas desleais num setor geram distorções noutros setores. As condições de trabalho precárias e a falta de fiscalização do cumprimento da legislação social distorcem os sinais para a fixação de preços e as escolhas relativas aos modos de transporte. O CESE considera que é necessário levar a cabo uma iniciativa tendente a integrar os custos laborais como componente de uma política justa de fixação dos preços de serviços de transportes sustentáveis, além da internalização de todos os custos externos. Uma fixação de preços justa, no mercado livre, para serviços de transporte tem de incluir um salário digno, uma remuneração igual por trabalho igual realizado no mesmo local, bem como cobertura em matéria de cuidados de saúde e segurança social e investimentos num local de trabalho saudável e nas qualificações e formação. O aditamento de uma «pegada laboral» às recomendações relativas à pegada de carbono nas ações 28 e 34, conforme referido no ponto 4.6, é uma medida a ponderar, embora esteja longe de ser suficiente. Existe, no que se refere à fixação de preços para os transportes públicos, uma compensação para obrigações de serviço.

6.14

O CESE sublinha a importância da negociação coletiva e o papel da mesma na fixação dos níveis salariais e insiste, por isso, na importância do reforço da negociação coletiva, em particular no setor dos transportes, fortemente fragmentado, e em todos os Estados-Membros.

Transição digital justa

6.15

O CESE congratula-se com o facto de a estratégia contemplar de forma adequada os riscos e as oportunidades da transformação digital para o emprego e a necessidade de uma transição justa para os trabalhadores dos transportes. No entanto, a ação 69, ou seja, a «formulação de recomendações para a transição para a automatização e a digitalização e seu impacto na força laboral do setor», só está prevista para 2023. Tal não tem em conta o facto de que a digitalização e a automatização já estão em curso e é necessária uma ação urgente. O marco 13, por exemplo, estabelece o objetivo de implantação da mobilidade automatizada em larga escala até 2030.

6.16

O êxito dos investimentos nas tecnologias digitais assenta num diálogo social participativo desde o início. Existem exemplos de boas práticas, como a convenção coletiva de trabalho CBA Future — Shaping automation socially and in a co-determined way [CCT Futuro — Definir a automatização numa base social e de forma codeterminada] do operador de terminais de contentores EUROGATE, na Alemanha, que abrange os três terminais da empresa em Hamburgo, Bremerhaven e Wilhelmshaven (3). Este diálogo deve incluir também um debate sobre a finalidade da digitalização e da automatização (por exemplo, aumento da eficiência versus sobrecapacidade), o objetivo das medidas correspondentes para promover locais de trabalho mais seguros e saudáveis, para salvaguardar o emprego e para assegurar que os trabalhadores recebem uma parcela justa dos ganhos de produtividade.

6.17

A nível europeu, os parceiros sociais europeus no domínio dos transportes públicos urbanos subscreveram recentemente recomendações conjuntas sobre a transformação digital nos transportes públicos urbanos (4). Essas recomendações promovem uma abordagem inclusiva e participativa da transformação digital, com vista a garantir a segurança do emprego e assegurar as competências no âmbito da transformação digital, utilizando essa mesma transformação para melhorar as condições de trabalho e o equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada e garantindo a proteção dos dados, da vida privada e a dignidade. As estratégias devem garantir que tanto as empresas como os trabalhadores beneficiam da implementação das tecnologias digitais, nomeadamente através da repartição dos ganhos de produtividade.

6.18

A Comissão, em concertação com os parceiros sociais, deve adotar imediatamente medidas para garantir uma transição justa para a automatização e a digitalização «que não deixe ninguém para trás».

Segurança intrínseca e extrínseca dos transportes

6.19

Quanto ao tema da segurança dos transportes, o marco 14 visa uma taxa de mortalidade de quase zero para todos os modos de transporte até 2050, sendo que a mortalidade no transporte rodoviário constitui a principal preocupação. A estratégia de segurança rodoviária da UE de 2018, contudo, não contempla o transporte rodoviário profissional e, em particular, o problema da fadiga dos motoristas como «doença crónica» e como um importante fator na origem dos acidentes.

6.20

Neste contexto, o CESE exprime sérias reservas quanto à nova iniciativa da Comissão relativa às regras em matéria de tempos de condução e repouso para condutores de autocarros, chamando a atenção para o relatório que a Comissão apresentará ao Conselho e ao Parlamento. Um eventual prolongamento das horas de trabalho e de condução no setor seria contrário aos objetivos políticos do Regulamento (CE) n.o 561/2006 (5) e conduziria a uma deterioração acrescida das condições de segurança rodoviária para passageiros e outros utentes rodoviários, bem como das condições de trabalho dos condutores de autocarros.

6.21

O CESE apoia as medidas previstas para melhorar a segurança, aprovando, em particular, o facto de serem previstas medidas para lidar com as ciberameaças.

7.   Importância de um serviço público forte

7.1

O CESE reitera que é uma tarefa de política pública garantir a existência de um sistema de transportes urbano sustentável que assegure o cumprimento dos objetivos climáticos mas também a saúde pública, a segurança rodoviária intrínseca e extrínseca e a utilização do espaço urbano na justa proporção.

7.2

Na sua visão, a Comissão Europeia salienta, acertadamente, que é «crucial que a mobilidade esteja disponível e a preços acessíveis a todos, que as regiões rurais e periféricas estejam conectadas». O CESE insiste em que a disponibilidade de serviços públicos, apoiada pelo quadro jurídico, é a espinha dorsal de uma mobilidade sustentável e a custos acessíveis. Tal requer a compensação do cumprimento de obrigações de serviço público adicionais e mais positivas em termos ambientais e sociais através da concessão de apoio financeiro e da introdução de instrumentos financeiros pelos governos e órgãos de poder regional e local nacionais.

7.3

Para evitar a pobreza nos transportes, o acesso a transportes públicos de qualidade a preços acessíveis, como alternativa sustentável aos meios de transporte individual, é fundamental. Isto assume especial importância nas zonas rurais e, em particular nessas zonas, os serviços de transporte partilhado e a pedido podem complementar a oferta de transportes públicos, desde que proporcionem boas condições de trabalho. Além disso, há que dar mais atenção ao transporte ativo não motorizado e às deslocações a pé e de bicicleta, e investir mais em infraestruturas seguras de qualidade.

7.4

O transporte público é importante para a inclusão social e para o emprego de qualidade a nível local. A estratégia centra-se demasiado nos aspetos tecnológicos da digitalização, na micromobilidade e nos novos serviços de mobilidade. A nova visão não deve perder de vista o facto de que a mobilidade inteligente deve ser um instrumento e não um objetivo.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Documento de trabalho dos serviços da Comissão, SWD(2020) 331, secção 4.1.1, p. 81 e ss.

(2)  Este apelo foi expresso pelos parceiros sociais europeus aos comissários Adina Vălean e Nicolas Schmit.

(3)  A convenção coletiva de trabalho (CCT) celebrada em 2019 entre a EUROGATE e o sindicato dos serviços alemão (ver.di) abrange todas as filiais alemãs do grupo, incluindo os terminais de contentores, a empresa de manutenção e ferroviária e outras unidades de negócio na Alemanha. Uma comissão de automatização estabelecida é informada sobre quaisquer projetos de hardware ou de software da empresa mesmo que estes não tenham impacto direto nos postos de trabalho. A exclusão de uma reestruturação laboral relacionada com este aspeto até 2025 é uma das cláusulas da CCT celebrada com a EUROGATE.

(4)  «Digital Transformation and Social Dialogue in Urban Public Transport (UPT) in Europe — Joint Recommendations of the European Social Partners in UPT (ETF and UITP)» [A transformação digital e o diálogo social nos transportes públicos urbanos na Europa — Recomendações conjuntas dos parceiros sociais europeus envolvidos nos transportes públicos urbanos (Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes — ETF e União Internacional dos Transportes Públicos — UITP)], documento assinado em março de 2021.

(5)  JO L 102 de 11.4.2006, p. 1.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 4.14 (em relação com a supressão do ponto 1.15)

Suprimir.

 

Os auxílios estatais são importantes para promover objetivos políticos, tais como a ecologização e a promoção da dimensão social dos transportes. O CESE considera que é urgente rever as orientações relativas aos auxílios estatais. Os aspetos territoriais, por exemplo em relação às regiões remotas, são um dos elementos que necessitam de ser revistos. Além disso, chama a atenção para o facto de que a revisão das orientações relativas aos auxílios estatais para o transporte marítimo a fim de assegurar condições sociais e económicas justas no setor portuário e o emprego dos marítimos europeus é um pedido que não é de agora e que urge satisfazer para tornar o setor do transporte marítimo socialmente sustentável, tal como o apelo a uma ação mais célere, antes de 2023.

Resultado da votação

Votos a favor:

77

Votos contra:

123

Abstenções:

27

Ponto 1.15 (em relação com a supressão do ponto 4.14)

Suprimir.

 

Os auxílios estatais são importantes para promover objetivos políticos, tais como a ecologização e a promoção da dimensão social dos transportes. O CESE considera que é urgente rever as orientações relativas aos auxílios estatais, em particular as orientações relativas aos auxílios estatais no domínio do transporte marítimo, a fim de assegurar condições sociais e económicas justas no setor portuário e o emprego dos marítimos europeus.

Resultado da votação

A alteração foi rejeitada em virtude da votação do ponto 4.14, a que estava associada.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/170


Parecer do Comité Económico e Social Europeu Proposta sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União e que revoga a Diretiva (UE) 2016/1148 e a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à resiliência das entidades críticas»

[COM(2020) 823 final — 2020/0359(COD) e COM(2020) 829 final — 2020/0365(COD)]

(2021/C 286/28)

Relator:

Maurizio MENSI

Consulta

Parlamento Europeu, 21.1.2021-11.2.2021

Conselho, 26.1.2021-19.2.2021

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

14.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

243/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com os esforços envidados pela Comissão para tornar as entidades públicas e privadas mais resilientes às ameaças dos incidentes, dos ciberataques e dos ataques físicos e concorda com a necessidade de reforçar a indústria e a capacidade de inovação da UE de forma abrangente, mediante uma estratégia assente em quatro pilares, a saber, a proteção dos dados, os direitos fundamentais, a segurança e a cibersegurança.

1.2.

No entanto, dada a importância e a sensibilidade dos objetivos perseguidos por ambas as propostas, o CESE assinala que teria sido preferível optar pelo instrumento do regulamento em vez da diretiva. Além disso, não é claro por que razão a Comissão nem sequer equacionou essa hipótese nas várias opções consideradas.

1.3.

O CESE observa que algumas disposições das duas propostas de diretiva se sobrepõem, uma vez que ambas estão estreitamente ligadas e são complementares — uma aborda principalmente a cibersegurança e a outra a segurança física. Solicita, por conseguinte, que se pondere fundir as duas propostas num texto único, no interesse da simplificação e da concentração funcional.

1.4.

O CESE concorda com a abordagem proposta de acabar com a distinção entre operadores de serviços essenciais e prestadores de serviços digitais inicialmente estabelecida na Diretiva Segurança das Redes e da Informação (Diretiva SRI), mas salienta que, no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação, cabe indicar de forma mais precisa e clara as entidades que estão obrigadas a cumprir a diretiva. Em especial, cumpre clarificar a distinção entre entidades «essenciais» e «importantes», bem como os requisitos que cada uma delas deve preencher, a fim de evitar abordagens divergentes a nível nacional que criem obstáculos à concorrência e à livre circulação de bens e serviços, o que pode prejudicar as empresas e pôr em causa as trocas comerciais.

1.5.

Dada a complexidade objetiva do sistema delineado nas duas propostas, o CESE reputa importante que a Comissão clarifique com precisão o âmbito de aplicação dos dois atos legislativos, especialmente quando há disposições diferentes que regem a mesma situação ou a mesma entidade.

1.6.

O CESE observa que a clareza legislativa é um objetivo primordial, a par da redução da burocracia e da fragmentação através da simplificação dos procedimentos, dos requisitos de segurança e das obrigações em matéria de notificação de incidentes. Para o efeito, poderia ser oportuno e benéfico para os cidadãos e as empresas fundir as duas propostas de diretiva num texto único, evitando um exercício de interpretação e de aplicação, por vezes, complexo.

1.7.

O CESE reconhece o papel essencial, salientado na proposta de diretiva, dos órgãos de direção das entidades «essenciais» e «importantes», cujos membros têm de frequentar regularmente ações de formação específicas, a fim de adquirirem os conhecimentos e as competências necessárias para compreender, gerir e avaliar o impacto dos vários riscos cibernéticos. A este respeito, considera que a proposta deve indicar requisitos mínimos em matéria de conhecimentos e competências, a fim de fornecer orientações a nível europeu sobre as competências de formação consideradas adequadas e evitar que o conteúdo das várias ações de formação difira de um país para outro.

1.8.

O CESE concorda que a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA) desempenha um papel importante em todo o quadro institucional e operacional da cibersegurança europeia. A este respeito, considera que, para além do relatório bienal sobre o estado da cibersegurança na União, esta agência deve publicar regularmente em linha informações atualizadas sobre os incidentes de cibersegurança, bem como alertas setoriais, a fim de proporcionar mais um instrumento de informação útil que permita às entidades abrangidas pela Diretiva SRI 2 proteger melhor as suas empresas.

1.9.

O CESE concorda com a proposta de incumbir a ENISA da criação de um registo europeu de vulnerabilidades e entende que a comunicação de vulnerabilidades e incidentes mais graves deve ser obrigatória e não voluntária, a fim de também se converter num instrumento útil para as entidades adjudicantes no âmbito dos procedimentos de adjudicação de contratos a nível europeu, inclusivamente de produtos e tecnologias 5G.

2.   Observações gerais

2.1.

Em 16 de dezembro de 2020, a nova Estratégia de Cibersegurança da UE foi apresentada juntamente com duas propostas legislativas: a revisão da Diretiva (UE) 2016/1148 (1) relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de segurança das redes e da informação em toda a União (Diretiva SRI 2) e uma nova Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas. A estratégia, que é um elemento fundamental da Comunicação «Construir o futuro digital da Europa» (2), do Plano de Recuperação da Europa e da Estratégia para a União da Segurança, visa reforçar a resiliência coletiva da Europa contra as ciberameaças e garantir que todos os cidadãos e todas as empresas possam beneficiar de serviços e ferramentas digitais fiáveis e seguros.

2.2.

Cumpre atualizar as medidas em vigor a nível da UE para proteger os serviços e as infraestruturas críticos contra os riscos cibernéticos e físicos. Os riscos ligados à cibersegurança continuam a evoluir à medida que avança a digitalização e a interconexão. Daí a necessidade de rever o quadro regulamentar em vigor, seguindo a lógica da estratégia da UE para a segurança e superando a dicotomia entre em linha e fora de linha e a abordagem assente em compartimentações rígidas.

2.3.

As duas propostas de diretiva abrangem uma vasta gama de domínios e abordam os riscos atuais e futuros, em linha e fora de linha, que decorrem dos ciberataques e ataques criminosos, das catástrofes naturais e de outros incidentes, nomeadamente tirando partido dos ensinamentos da pandemia em curso, que veio pôr em evidência a forma como economias e sociedades cada vez mais dependentes de soluções digitais se encontram vulneráveis e expostas a ciberameaças cada vez mais recorrentes e em rápida evolução, em especial no que toca aos grupos em risco de exclusão social, como as pessoas com deficiência. Esta situação levou a UE a propor medidas para salvaguardar um ciberespaço global e aberto, mas assente em garantias sólidas de segurança, soberania tecnológica e liderança, desenvolvendo capacidades operacionais para prevenir, dissuadir e responder através da cooperação acrescida a eventuais ameaças, no respeito das prerrogativas de segurança nacional dos Estados-Membros.

3.   Proposta de revisão da Diretiva relativa à segurança das redes e da informação

3.1.

A Diretiva (UE) 2016/1148 (Diretiva SRI) foi o primeiro instrumento regulamentar «horizontal» da UE em matéria de cibersegurança e tinha como objetivo reforçar a resiliência das redes e da informação na União contra os riscos cibernéticos. No entanto, apesar dos bons resultados alcançados, a Diretiva SRI evidenciou algumas limitações num momento em que a transformação digital da sociedade, acelerada pela crise da COVID-19, amplificou as ameaças, aumentando a vulnerabilidade das nossas sociedades, que se encontram cada vez mais interdependentes face a riscos graves e imprevistos. Surgiram novos desafios que exigem respostas adequadas e inovadoras. Os resultados da ampla consulta às partes interessadas salientaram um nível de cibersegurança deficiente nas empresas europeias, uma aplicação incoerente das regras pelos Estados nos diferentes setores e uma escassa compreensão das principais ameaças e desafios.

3.2.

A proposta de Diretiva SRI 2 está intrinsecamente ligada a duas outras iniciativas, a saber, a proposta de regulamento relativo ao setor financeiro digital (ato relativo à resiliência operacional digital — DORA, na sigla em inglês) e a proposta de diretiva relativa à resiliência das entidades críticas, que alarga o âmbito de aplicação da Diretiva 2008/114/CE (3), relativa à energia e aos transportes, a novos setores, centrando-se, por exemplo, no setor da saúde e nas entidades envolvidas na investigação e no desenvolvimento de medicamentos. A proposta de diretiva relativa à resiliência das entidades críticas, cujo âmbito de aplicação setorial é idêntico ao da Diretiva SRI 2 para as entidades essenciais (anexo 1 da Diretiva SRI 2), transfere a sua ênfase da proteção dos ativos físicos para a resiliência das entidades que os gerem e abandona a identificação de infraestruturas críticas europeias com uma dimensão transfronteiras a favor da identificação de infraestruturas críticas a nível nacional. A Diretiva SRI 2 é também coerente com outros instrumentos jurídicos vigentes, complementando-os, como é o caso do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e o Regulamento eIDAS relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança.

3.3.

Em conformidade com o programa para a adequação e a eficácia da regulamentação (REFIT), a proposta de Diretiva SRI 2 visa reduzir os encargos regulamentares que recaem sobre as autoridades competentes e os custos de conformidade suportados por entidades públicas e privadas e moderniza o quadro jurídico vigente. Reforça igualmente os requisitos de segurança impostos às empresas, aborda a segurança das cadeias de abastecimento, simplifica as obrigações de notificação, introduz medidas de supervisão mais rigorosas para as autoridades nacionais e procura harmonizar os regimes de sanções nos Estados-Membros.

3.4.

A Diretiva SRI 2 contribui igualmente para uma maior partilha de informações e para o reforço da cooperação em matéria de gestão de cibercrises a nível nacional e europeu. A distinção entre operadores de serviços essenciais e prestadores de serviços digitais prevista na Diretiva SRI deixa de existir. O seu âmbito de aplicação inclui as empresas de média e grande dimensão em setores identificados com base na sua importância económica e societal. Estas entidades, públicas ou privadas, dividem-se em entidades «essenciais» e «importantes», estando sujeitas a regimes de supervisão distintos. No entanto, é deixada aos Estados-Membros a possibilidade de abranger também entidades de menor dimensão com perfis de risco elevado.

3.5.

Prevê-se a criação de uma nova rede de centros de operações de segurança à escala da UE, assentes na inteligência artificial (IA), que constituirão um verdadeiro «escudo de cibersegurança» capaz de detetar sinais de ciberataques com a antecedência suficiente para poder intervir antes de ocorrerem danos. A importância da IA para a cibersegurança é também salientada no relatório sobre inteligência artificial da Comissão de Segurança Nacional para a Inteligência Artificial (NSCAI) dos EUA, apresentado em 1 de março de 2021. Consequentemente, os Estados-Membros e os operadores de infraestruturas críticas terão acesso direto a informações sobre as ameaças («Threat Intelligence») no âmbito de uma rede europeia de segurança.

3.6.

A Comissão aborda igualmente a questão da segurança das cadeias de abastecimento e das relações com os fornecedores: os Estados-Membros, em cooperação com a Comissão e a ENISA, podem levar a cabo avaliações coordenadas dos riscos das cadeias de abastecimento críticas, seguindo a abordagem bem-sucedida utilizada para as redes 5G prevista na Recomendação da Comissão, de 26 de março de 2019, «Cibersegurança das redes 5G» (4).

3.7.

A proposta reforça e racionaliza as obrigações em matéria de segurança e de comunicação de informações a respeitar pelas empresas, impondo uma abordagem comum da gestão dos riscos e estabelecendo uma lista mínima dos elementos essenciais de segurança a aplicar. Preveem-se disposições mais precisas sobre o processo de notificação de incidentes, o conteúdo dos relatórios e os prazos. A este respeito, a proposta define uma abordagem em duas etapas: as empresas dispõem de 24 horas para apresentar um primeiro relatório de síntese, seguido de um relatório final pormenorizado no prazo de um mês.

3.8.

A proposta prevê que os Estados-Membros designem as autoridades nacionais responsáveis pela gestão de crises e adotem planos específicos e cria uma nova rede de cooperação operacional, a Rede de Organizações de Coordenação de Cibercrises (UE-CyCLONe). Reforça o papel do grupo de cooperação na definição das decisões estratégicas e cria um registo das vulnerabilidades detetadas na UE, gerido pela ENISA. Prevê também uma intensificação da partilha de informações e da cooperação entre as autoridades dos Estados-Membros, incluindo a cooperação operacional em matéria de gestão de cibercrises.

3.9.

A proposta introduz medidas de supervisão mais rigorosas para as autoridades nacionais e requisitos de execução mais exigentes e procura harmonizar os regimes de sanções em todos os Estados-Membros.

3.10.

A este respeito, a proposta de diretiva estabelece uma lista de sanções administrativas em caso de violação das obrigações em matéria de gestão dos riscos de cibersegurança e de comunicação. A proposta prevê disposições sobre a responsabilidade das pessoas singulares com cargos de representação ou de gestão em sociedades abrangidas pela diretiva. Neste sentido, melhora a forma como a UE previne, gere e responde a incidentes e a crises de cibersegurança em grande escala, estabelecendo responsabilidades claras, um planeamento adequado e a cooperação reforçada a nível da UE.

3.11.

Os Estados-Membros passam a poder supervisionar conjuntamente a aplicação das regras da UE e a prestar assistência mútua em caso de problemas transfronteiras, a encetar um diálogo mais estruturado com o setor privado, a coordenar a divulgação de vulnerabilidades detetadas em software e hardware comercializados no mercado interno e a avaliar de forma coordenada os riscos para a segurança e as ameaças relacionadas com as novas tecnologias, como aconteceu com a tecnologia 5G.

4.   Proposta de diretiva relativa à resiliência das entidades críticas

4.1.

Em 2006, a UE estabeleceu o Programa Europeu para a Proteção das Infraestruturas Críticas (PEPIC) e, em 2008, adotou a Diretiva Infraestruturas Críticas Europeias (Diretiva ICE), aplicável aos setores da energia e dos transportes. Tanto a Estratégia para a União da Segurança 2020-2025 (5) adotada pela Comissão Europeia, como a Agenda da UE em matéria de Luta contra o Terrorismo adotada recentemente sublinham a importância de garantir a resiliência das infraestruturas críticas face aos riscos físicos e digitais. No entanto, a avaliação realizada em 2019 sobre a aplicação da Diretiva ICE, tal como as conclusões da avaliação de impacto da proposta em apreço demonstraram que as medidas europeias e nacionais em vigor não são suficientes para garantir que os operadores são capazes de fazer face aos riscos atuais, o que levou o Conselho e o Parlamento a solicitar à Comissão uma revisão da atual abordagem em matéria de proteção das infraestruturas críticas.

4.2.

Na Estratégia da UE para a União da Segurança, adotada pela Comissão em 24 de julho de 2020, reconhece-se a crescente interligação e interdependência entre as infraestruturas físicas e digitais e salienta-se a necessidade de uma abordagem mais coerente e consistente entre a Diretiva ICE e a Diretiva SRI. Neste sentido, a proposta de diretiva relativa à resiliência das entidades essenciais, cujo âmbito de aplicação é objetivamente idêntico ao da Diretiva SRI 2 no que toca às entidades essenciais, amplia o âmbito de aplicação inicial da Diretiva 2008/114/CE — limitado à energia e aos transportes — aos seguintes domínios: bancos, infraestrutura dos mercados financeiros, saúde, água potável, águas residuais, infraestrutura digital, administração pública e espaço, e estabelece também responsabilidades claras, um planeamento adequado e a cooperação reforçada. A este respeito, cumpre criar um quadro de referência para todos os riscos, sendo necessário apoiar os Estados-Membros nos esforços que desenvolvem para assegurar que as entidades críticas são capazes de prevenir, resistir e absorver as consequências dos incidentes, independentemente de os riscos resultarem de perigos naturais, acidentes, atos terroristas, ameaças internas ou emergências de saúde pública, como a atual.

4.3.

Cada Estado-Membro deve adotar uma estratégia nacional para a resiliência das entidades críticas, realizar avaliações de risco regulares e, nessa base, identificar as entidades críticas. Por seu turno, as entidades críticas devem avaliar os riscos, adotar as medidas técnicas e organizativas adequadas para reforçar a resiliência e notificar os incidentes às autoridades nacionais. As entidades que prestam serviços a pelo menos um terço dos Estados-Membros, ou em pelo menos um terço dos Estados-Membros, são objeto de supervisão particular, o que inclui missões específicas de assistência a essas entidades organizadas pela Comissão.

4.4.

A proposta de diretiva relativa à resiliência das entidades críticas prevê diferentes formas de apoio aos Estados-Membros e às entidades críticas e apresenta uma panorâmica dos riscos a nível da UE, boas práticas e metodologias, bem como atividades de formação e exercícios para testar a resiliência das entidades críticas. O sistema de cooperação transfronteiras prevê igualmente a constituição de um grupo de peritos específico, o Grupo para a Resiliência das Entidades Críticas, enquanto fórum para a cooperação estratégica e o intercâmbio de informações entre os Estados-Membros.

5.   Propostas de alteração da proposta legislativa em apreço

5.1.

O CESE congratula-se com os esforços envidados pela Comissão para reforçar a resiliência das entidades públicas e privadas contra as ciberameaças e as ameaças físicas. Trata-se de um aspeto particularmente significativo e pertinente, em especial à luz da rápida transformação digital provocada pelo surto de COVID-19. Concorda igualmente que, tal como referido na Comunicação «Construir o futuro digital da Europa», a Europa deve tirar partido da era digital e reforçar a sua indústria — mormente as pequenas e médias empresas — e a sua capacidade de inovação de forma abrangente, mediante uma estratégia assente em quatro pilares, a saber, a proteção dos dados, os direitos fundamentais, a segurança e a cibersegurança, que são pré-requisitos essenciais para uma sociedade fundada no poder dos dados.

5.2.

No entanto, à luz dos resultados da avaliação de impacto e da consulta que precedeu a proposta de Diretiva SRI 2 e tendo em conta o objetivo várias vezes salientado de evitar a fragmentação das regras adotadas a nível nacional, como também pretendido na comunicação de 4 de outubro de 2017 sobre a aplicação da Diretiva SRI (6), o CESE observa que não é claro por que razão a Comissão não propôs a adoção de um regulamento em vez de uma diretiva, o qual nem sequer consta das opções consideradas.

5.3.

O CESE observa que algumas disposições das duas propostas de diretiva se sobrepõem, uma vez que ambas estão estreitamente ligadas e são complementares — uma aborda principalmente a cibersegurança e a outra a segurança física. Assinala igualmente que as entidades críticas referidas na Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas abrangem os mesmos setores e coincidem com as entidades «essenciais» referidas na Diretiva SRI 2 (7). Além disso, todas as entidades críticas abrangidas pela Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas estão sujeitas às obrigações em matéria de cibersegurança previstas na Diretiva SRI 2. Ademais, ambas as propostas preveem uma série de cláusulas-ponte para assegurar a articulação — disposições relativas ao reforço da cooperação entre as autoridades, ao intercâmbio de informações sobre as atividades de supervisão, à notificação às autoridades designadas nos termos da Diretiva SRI 2 da identidade das entidades críticas previstas na Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas —, bem como reuniões regulares (pelo menos uma vez por ano) dos respetivos grupos de cooperação. As duas propostas partilham igualmente a mesma base jurídica, o artigo 114.o do TFUE, que visa o funcionamento do mercado interno mediante a aproximação das regras nacionais, tal como interpretado ex multis pelo Tribunal de Justiça da UE no seu acórdão relativo ao processo C-58/08, Vodafone e outros. Solicita-se, por conseguinte, que se pondere fundir as duas propostas num texto único, no interesse da simplificação e da concentração funcional.

5.4.

O CESE concorda com a abordagem proposta de acabar com a distinção entre operadores de serviços essenciais e prestadores de serviços digitais inicialmente estabelecida na Diretiva SRI, mas salienta que, no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação, cabe indicar de forma mais precisa e clara as entidades que estão obrigadas a cumprir a diretiva. Com efeito, para além das referências constantes dos anexos 1 e 2, a Diretiva SRI 2 elenca uma série de critérios heterogéneos que pressupõem avaliações qualitativas e quantitativas sensíveis suscetíveis de serem efetuadas de forma diferente em cada Estado-Membro, o que pode culminar na situação fragmentada que se pretende evitar com a proposta legislativa em apreço. É importante evitar abordagens divergentes a nível nacional que resultem em obstáculos à concorrência e à livre circulação de bens e serviços, o que pode prejudicar as empresas e pôr em causa as trocas comerciais.

5.5.

A Diretiva SRI 2 prevê que as entidades críticas em domínios considerados «essenciais» pela proposta em apreço estejam igualmente sujeitas a obrigações gerais de reforço da resiliência, com especial destaque para os riscos não relacionados com a cibersegurança previstos na Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas. No entanto, esta última indica expressamente que não se aplica às questões abrangidas pela Diretiva SRI 2. Com efeito, a Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas prevê que, uma vez que a cibersegurança é suficientemente abordada na Diretiva SRI 2, as questões abrangidas por esta última devem ser excluídas do seu âmbito de aplicação, com a exceção do regime especial aplicável às entidades do setor das infraestruturas digitais. A Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas explica, em seguida, que as entidades do setor das infraestruturas digitais dependem essencialmente da segurança das redes e da informação, sendo abrangidas pela Diretiva SRI 2, que também aborda a segurança física desses sistemas como parte das obrigações de gestão dos riscos de cibersegurança e de notificação que incumbem a essas entidades. Ao mesmo tempo, a Diretiva relativa à resiliência das entidades críticas não exclui a possibilidade de algumas das suas disposições específicas serem aplicáveis a essas entidades.

5.6.

Por conseguinte, neste quadro complexo, o CESE reputa indispensável que a Comissão clarifique com precisão o âmbito de aplicação dos dois atos legislativos, especialmente quando há disposições diferentes que regem a mesma situação ou a mesma entidade.

5.7.

A clareza legislativa, nomeadamente em textos tão longos e complexos como os aqui em apreço, deve constituir um objetivo primordial a todos os níveis, a par da redução da burocracia e da fragmentação através da simplificação dos procedimentos, dos requisitos de segurança e das obrigações em matéria de notificação de incidentes. Importa igualmente assegurar que a multiplicação de organismos encarregados de tarefas específicas não impede uma identificação clara das suas competências, que ponha em causa os objetivos perseguidos. Por conseguinte, poderia ser oportuno e benéfico para os cidadãos e as empresas fundir as duas propostas de diretiva num texto único, evitando um exercício de interpretação e de aplicação, por vezes, complexo.

5.8.

Por várias ocasiões, as disposições de outros instrumentos jurídicos são referidas na Diretiva (UE) 2018/1972 (8) que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, cuja aplicação se rege pelo princípio da especialidade. Algumas das disposições dessa diretiva são expressamente revogadas (artigos 40.o e 41.o), ao passo que outras devem ser aplicadas em consonância com este princípio, sem qualquer precisão a esse respeito. O CESE espera que sejam dissipadas quaisquer dúvidas sobre esta questão, a fim de evitar problemas de interpretação. Subscreve igualmente o objetivo da Comissão de harmonizar os regimes de sanções em caso de incumprimento na gestão dos riscos, no contexto do reforço da partilha de informações e da cooperação a nível da UE.

5.9.

O CESE reconhece o papel essencial, salientado na proposta de diretiva, desempenhado pelos órgãos de direção das entidades «essenciais» e «importantes» na estratégia de cibersegurança e na gestão dos riscos, aos quais incumbe aprovar as medidas de gestão dos riscos, supervisionar a sua aplicação e agir em caso de eventual incumprimento. A este respeito, prevê-se que os membros destes órgãos frequentem regularmente ações de formação específicas, a fim de adquirirem os conhecimentos e as competências necessárias para compreender, gerir e avaliar o impacto dos vários riscos cibernéticos. No entanto, considera-se que a proposta deve indicar os requisitos em matéria de conhecimentos e competências, a fim de fornecer orientações a nível europeu sobre as competências de formação consideradas adequadas para responder às exigências indicadas na proposta e evitar que os requisitos e o conteúdo das várias ações de formação difiram de um país para outro.

5.10.

O CESE concorda que a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA) desempenha um papel importante em todo o quadro institucional e operacional da cibersegurança europeia. A este respeito, considera que, para além do relatório sobre o estado da cibersegurança na União, esta agência deve publicar em linha informações atualizadas sobre os incidentes de cibersegurança e alertas setoriais, a fim de proporcionar um instrumento de informação útil que permita às entidades abrangidas pela Diretiva SRI 2 proteger melhor as suas empresas.

5.11.

O CESE concorda que o acesso em tempo útil a informações fidedignas sobre as vulnerabilidades dos produtos e serviços de TIC contribui para melhorar a gestão dos riscos de cibersegurança. Nesse contexto, as fontes de informação públicas sobre as vulnerabilidades constituem um instrumento importante para as autoridades nacionais competentes, a rede de equipas de resposta a incidentes de segurança informática (CSIRT), as empresas e os utilizadores. Por este motivo, o CESE concorda com a proposta de incumbir a ENISA da criação de um registo europeu de vulnerabilidades ao qual as entidades essenciais e importantes e os respetivos fornecedores poderão comunicar as informações, de forma a permitir aos utilizadores adotar as medidas de atenuação adequadas. Considera, além disso, que esta comunicação de vulnerabilidades e incidentes mais graves deve ser obrigatória e não voluntária, a fim de também se converter num instrumento útil para as entidades adjudicantes no âmbito dos procedimentos de adjudicação de contratos a nível europeu, inclusivamente de produtos e tecnologias 5G. Esse registo conteria então elementos que poderiam ser utilizados na avaliação das propostas, a fim de verificar a qualidade das mesmas e a fiabilidade dos contratantes europeus e de países terceiros, do ponto de vista da segurança dos produtos e serviços objeto do concurso, em conformidade com a Recomendação da Comissão, de 26 de março de 2019, «Cibersegurança das redes 5G». O registo deve igualmente assegurar que as informações nele contidas são disponibilizadas de forma a evitar qualquer tipo de discriminação.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 194 de 19.7.2016, p. 1.

(2)  COM(2020) 67 final.

(3)  JO L 345 de 23.12.2008, p. 75.

(4)  JO L 88 de 29.3.2019, p. 42.

(5)  COM(2020) 605 final.

(6)  COM(2017) 476 final.

(7)  Anexo 1 (JO L 194 de 19.7.2016, p. 1).

(8)  JO L 321 de 17.12.2018, p. 36.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/176


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Os meios de comunicação social da Europa na Década Digital — plano de ação para apoiar a recuperação e a transformação”»

[COM(2020) 784 final]

(2021/C 286/29)

Relatora:

Elena-Alexandra CALISTRU

Consulta

Comissão Europeia, 24.2.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

14.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

241/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente o plano de ação da Comissão Europeia e os esforços desenvolvidos através de vários instrumentos para criar um ambiente livre, diversificado e dinâmico no mercado dos meios de comunicação social, e congratula-se com o reconhecimento deste mercado como fundamental para reforçar sociedades abertas e democráticas e estimular a diversidade cultural na Europa.

1.2.

O CESE saúda o reconhecimento de que a cultura e o ecossistema criativo, que incluem os setores audiovisual e dos meios de informação, foram afetados pela pandemia e, por esse motivo, necessitam de intervenção imediata. A recuperação económica e a competitividade desta indústria são condições essenciais para meios de comunicação social saudáveis, independentes e pluralistas que, por sua vez, são fundamentais para a nossa democracia. O CESE apoia a ênfase colocada no facto de as empresas de comunicação social serem simultaneamente um setor económico e um bem público, essencial para prestar uma informação rigorosa às pessoas e permitir o bom funcionamento da democracia.

1.3.

A combinação das tendências subjacentes com a crise da COVID-19 poderá, sem uma resposta forte baseada nas políticas e no apoio financeiro, comprometer a resiliência do setor dos meios de comunicação social na Europa e o seu papel democrático. O CESE receia, tal como a Comissão, que esta situação enfraqueça a diversidade cultural e o pluralismo dos meios de comunicação social da Europa e saúda o empenho da Comissão em adotar medidas que devem ser aplicadas em estreita cooperação com os Estados-Membros, o Parlamento Europeu, a indústria dos meios de comunicação social e todas as partes interessadas. Contudo, o CESE salienta que é fundamental que os Estados-Membros façam tudo o que estiver ao seu alcance para concretizar o potencial destas medidas, trabalhando em conjunto para reforçar os meios de comunicação social e a democracia.

1.4.

O CESE considera positivo que a comunicação tenha um triplo objetivo: acelerar quer a recuperação, quer a transformação da indústria dos meios de comunicação social e aumentar a sua resiliência. É necessário tomar medidas para fazer face aos desafios estruturais enfrentados pelas indústrias audiovisual e dos meios de informação, bem como para promover condições favoráveis à participação dos meios de comunicação social e da sociedade civil num debate aberto e sem interferências mal-intencionadas ou desinformação.

1.5.

O CESE gostaria que o plano estivesse mais estreitamente ligado às realidades sociais e às características específicas desta indústria. Em particular, as intervenções devem ter em conta que existem discrepâncias entre os Estados-Membros no que respeita à indústria audiovisual e dos meios de comunicação social e discrepâncias nos Estados-Membros entre a capacidade e as necessidades dos meios de comunicação social locais e nacionais. Os instrumentos financeiros devem ser transparentes, acessíveis e inclusivos para todos os intervenientes que asseguram a diversidade da indústria europeia audiovisual e dos meios de comunicação social, assim como assegurar mais apoio aos meios de comunicação social locais e às empresas em fase de arranque de comunicação social.

1.6.

O CESE solicita que os parceiros sociais e a sociedade civil sejam integrados na execução das ações que visam capacitar os cidadãos, reconhecendo o seu papel na promoção dos valores da democracia, no reforço da liberdade dos meios de comunicação social e no combate à desinformação através da literacia mediática. Para ser bem-sucedido, o plano deve conseguir associar todas as partes interessadas pertinentes num esforço para reconhecer a importância dos meios de comunicação social no contexto dos valores democráticos da Europa, bem como para dotar os seus cidadãos de competências que lhes permitam reconhecer e consumir a informação e a cultura audiovisual que promovem esses valores. O recurso à elaboração de relatórios periódicos semelhantes aos elaborados para as campanhas de luta contra a desinformação pode apoiar os esforços em prol da literacia mediática.

2.   Síntese da comunicação da Comissão

2.1.

A comunicação da Comissão incide no setor dos meios de informação (nomeadamente a imprensa escrita e em linha, a rádio e os serviços audiovisuais) e na indústria cultural audiovisual, em particular o cinema, a televisão, a rádio e a transferência de vídeo em contínuo, bem como os jogos de vídeo e formatos inovadores, como as experiências de realidade virtual.

2.2.

Nesta comunicação, a Comissão apresenta um documento-quadro e plano de ação que estabelece uma série de iniciativas destinadas a contribuir para a recuperação e a transformação dos setores audiovisual e dos meios de informação da Europa. Estes setores, gravemente afetados pela crise da COVID-19, são fundamentais para a democracia, para a diversidade cultural e para a autonomia digital da Europa.

2.3.

Simultaneamente, os setores audiovisual e dos meios de informação da Europa têm desempenhado um papel fundamental, tendo proporcionado às pessoas informação e entretenimento durante a pandemia de COVID-19. A procura de notícias e informações assentes em factos verificados aumentou substancialmente, ao passo que os filmes, as séries ou os jogos de vídeo constituíram a principal fonte de cultura durante os meses de confinamento.

2.4.

A comunicação articula-se em torno de três temas:

a)

Recuperar: aquilo que a Comissão planeia fazer para ajudar as empresas audiovisuais e de comunicação social a enfrentar a atual crise e para lhes fornecer liquidez e prestar apoio financeiro;

b)

Transformar: abordar questões estruturais, ajudando a indústria a enfrentar a dupla transição das alterações climáticas e da digitalização, no contexto de uma concorrência mundial feroz;

c)

Habilitar e capacitar: estabelecer condições que permitam uma maior inovação no setor, assegurando simultaneamente condições de concorrência verdadeiramente equitativas, e capacitar as pessoas para acederem mais facilmente aos conteúdos e tomarem decisões informadas.

2.5.

O plano de ação insere-se nos esforços mais amplos da Comissão para conceber uma série de iniciativas que ajudarão a moldar o futuro digital da Europa e é uma das iniciativas que constituem o pilar relativo a uma sociedade aberta, democrática e sustentável.

2.6.

A comunicação também complementa o Plano de Ação para a Democracia Europeia e baseia-se no quadro estabelecido pela Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual, revista recentemente, e pela reforma dos direitos de autor. Deve também ser entendida no âmbito das disposições estabelecidas conjuntamente pelo Regulamento Serviços Digitais e pelo Regulamento Mercados Digitais.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE congratula-se com a abordagem global adotada relativamente às medidas necessárias para assegurar um ambiente melhor para os jornalistas e promover a literacia mediática. Por conseguinte, deveria explicar-se com maior clareza a forma como a comunicação complementa o Plano de Ação para a Democracia Europeia, nomeadamente no que respeita à atribuição de apoio financeiro.

3.2.

Importa interligar os documentos pertinentes de forma criteriosa e exaustiva, nomeadamente identificando mais em pormenor as medidas estabelecidas nas propostas da Comissão relativas ao Regulamento Serviços Digitais, ao Regulamento Mercados Digitais e à Agenda do Consumidor Europeu, já que o roteiro para os meios de comunicação social salienta o impacto da transformação digital, em particular no aumento da competitividade dos meios de comunicação social europeus (1).

3.3.

O CESE congratula-se com a estrutura e os instrumentos concretos e considera que estes podem proporcionar quer uma resposta imediata à necessidade de recuperação após a crise, facilitando e alargando o acesso a financiamento, quer uma resposta mais a longo prazo, devido à tónica colocada na transformação estimulada pelo investimento na dupla transição das alterações climáticas e da digitalização. Contudo, é necessário proporcionar um ambiente que permita aos meios de comunicação social experimentar novos modelos de financiamento. A inovação neste domínio enfrentará dificuldades se não dispuser de fundos que permitam uma abordagem baseada em tentativas e erros. Neste momento, não há modelos normalizados que possam ser implantados, existindo apenas casos de sucesso isolados de determinadas empresas de comunicação social que conseguiram tornar-se sustentáveis.

3.4.

No que diz respeito ao setor dos meios de informação, o CESE observa que o plano de ação abrange medidas para gerir os desafios criados por um mercado digital em que a parte maior das receitas publicitárias se destina às plataformas digitais mundiais. Os mecanismos financeiros propostos são mais diversificados do que nunca, mas existe o risco de aplicar uma abordagem única suscetível de criar discrepâncias entre os Estados-Membros e, sobretudo, no seu interior (ou seja, entre os níveis nacional e local). É necessário ter em conta a menor capacidade de acesso dos meios de informação locais a instrumentos financeiros complexos.

3.5.

O CESE salienta a necessidade de tomar medidas para enfrentar o risco da fragmentação (2). As principais medidas para o setor audiovisual visam responder a este desafio, criado não apenas pela pressão das plataformas em linha, mas também pelo facto de o setor se centrar quase exclusivamente no público nacional. É necessário tomar medidas ambiciosas para permitir que os intervenientes europeus invistam em conteúdos, no talento, na promoção, na distribuição, na inovação e na tecnologia em toda a União Europeia (UE).

3.6.

O CESE, enquanto fórum representativo da sociedade civil, salientou em diversas ocasiões (3) que o futuro digital da Europa se baseia numa abordagem centrada nas pessoas, mas também que o pensamento crítico e a literacia mediática são essenciais (4). O CESE sublinha uma vez mais que a transformação digital dos meios de comunicação social apenas será possível se o público estiver preparado e que, por conseguinte, as medidas que promovem a literacia mediática e a educação cívica são essenciais.

3.7.

O CESE salienta igualmente que a inclusão e a acessibilidade são fatores essenciais que devem ser tidos em conta em todos os aspetos da estratégia: desde as disposições relativas à obtenção de fundos, as soluções técnicas para os solicitar e o espaço de dados dos meios de comunicação social, até às plataformas para a disponibilidade de conteúdos audiovisuais, à educação e à capacitação, passando pelo funcionamento do mercado europeu dos meios de comunicação social.

4.   Observações na especialidade

4.1.

As ações que apoiam a recuperação incluem programas de financiamento com impacto direto nos meios de comunicação social. No entanto, apenas alguns desses mecanismos de financiamento são estáveis, previsíveis e acessíveis ao longo de todo o período do plano de ação. As medidas propostas devem ser adaptadas de modo a garantir um financiamento essencial para as prioridades, para além dos fundos disponíveis temporariamente ou sujeitos ao critério dos Estados-Membros. Por exemplo, o Programa Europa Criativa, que estará acessível durante todo o período do Quadro Financeiro Plurianual, incluirá, pela primeira vez, medidas centradas na liberdade e no pluralismo dos meios de comunicação social, no jornalismo e na literacia mediática. No entanto, as outras fontes de financiamento propostas são temporárias (por exemplo, o instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência) ou podem não ser utilizadas se os Estados-Membros assim o decidirem (fundos estruturais).

4.2.

A ação 1 propõe um acesso facilitado ao apoio da UE através de um instrumento interativo que proporcionará orientações sobre a forma de solicitar o devido apoio da UE no contexto do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e através dos planos nacionais de recuperação e resiliência. Trata-se de uma excelente ideia, que facilitará a pesquisa de informações e otimizará os processos de financiamento dos meios de comunicação social. Contudo, esta ação deve ser acompanhada de um mecanismo que permita aos Estados-Membros enviar informações em tempo real, para que o portal contenha as informações necessárias em tempo útil.

4.3.

A ação 2 diz respeito à iniciativa MEDIA INVEST, destinada a impulsionar o investimento na indústria audiovisual. Trata-se de uma plataforma específica de investimento em capitais próprios para promover produções audiovisuais e estratégias de distribuição europeias. O CESE considera que, para alcançar também o objetivo de tornar as empresas audiovisuais europeias mais competitivas num mercado mundial cada vez mais agressivo, será necessário aumentar substancialmente o investimento e, ao mesmo tempo, dedicar mais atenção à inovação. Além disso, no contexto da crise da COVID-19, o CESE recomenda a criação de um fundo de seguro europeu para a produção audiovisual.

4.4.

A ação 3 diz respeito à iniciativa NEWS, que visa agregar ações e apoio para o setor dos meios de informação. A variedade de instrumentos também é significativa. Contudo, é importante ter em conta a necessidade de direcionar estes mecanismos de apoio para os elementos específicos desta indústria, proporcionando oportunidades quer às empresas em fase de arranque de comunicação social (independentemente da sua forma jurídica), quer aos jornalistas freelance.

4.5.

É necessário prestar mais apoio aos meios de comunicação social locais e às empresas em fase de arranque de comunicação social que não têm capacidade para solicitar este tipo de financiamento, através de instrumentos de fácil acesso para os pequenos meios de comunicação social independentes que têm mais dificuldade em obter recursos financeiros. A canalização do financiamento através de associações profissionais poderá ajudar os meios de comunicação social de pequena dimensão a aceder ao apoio necessário. Em alguns Estados-Membros, o mercado dos meios de comunicação social, principalmente o mercado local, é frágil e vulnerável e pode não ser encarado como uma oportunidade pelos investidores. Por conseguinte, é necessário procurar soluções que permitam às empresas de comunicação social locais diversificar os seus fluxos de rendimentos e reforçar a sua posição no mercado, evitando que fiquem dependentes de investidores externos suscetíveis de subestimar a rentabilidade potencial dos investimentos nestes mercados de baixo valor.

4.6.

Os mecanismos de apoio financeiro devem ser acompanhados pelas medidas estabelecidas no Plano de Ação para a Democracia Europeia, a fim de assegurar a sua coerência na promoção dos valores da democracia, no reforço da liberdade dos meios de comunicação social e no combate à desinformação. De igual forma, embora se congratule com a diversidade e a inovação dos instrumentos financeiros, o CESE realça a necessidade de assegurar a transparência dos investimentos públicos e privados, dos fundos, das fundações e de outras estruturas de propriedade dos meios de comunicação social e de assegurar que estes instrumentos não contribuem para um fenómeno de hiperconcentração nem estão subordinados a exigências políticas ou ideológicas específicas.

4.7.

A ação 4 introduz ações que visam transformar a indústria, impulsionando a inovação através de um espaço europeu de dados dos meios de comunicação social e incentivando a adoção de novos modelos de negócios. Como referido noutros pareceres (5), o CESE concorda que é necessário construir um verdadeiro mercado único europeu dos dados — um espaço europeu de dados baseado em normas e valores europeus —, incluindo na indústria dos meios de comunicação social. As medidas devem ter em conta a necessidade de impulsionar a capacidade desta indústria para evoluir rumo a um modelo dos meios de comunicação social baseado cada vez mais nos dados, uma vez que existem grandes disparidades neste aspeto em toda a indústria. Contudo, o CESE manifesta preocupação com a necessidade de garantir os direitos dos utilizadores que fornecem dados a este mercado europeu e salienta, em consonância com as afirmações de diferentes organizações representativas dos consumidores a nível europeu, a necessidade de obter uma compensação justa pela utilização dos seus dados.

4.8.

As restantes medidas propostas neste contexto são coerentes com os esforços para promover a transformação digital e económica e devem ser encaradas no contexto alargado das ações nestes domínios. A ação 5 visa promover uma coligação industrial europeia de realidade virtual e aumentada, enquanto a ação 6 promove a transição para um setor audiovisual com impacto neutro no clima através de um intercâmbio estruturado de boas práticas. O CESE chama a atenção para a necessidade de investir na formação profissional (6) e reforçar a indústria, a fim de assegurar a adaptação das competências a estas questões fundamentais.

4.9.

As medidas destinadas a habilitar e capacitar salientam a necessidade de colocar os europeus no centro da Década Digital. A ação 7 visa alcançar uma maior disponibilidade de conteúdos audiovisuais em toda a UE lançando um diálogo com a indústria audiovisual e a sociedade civil a fim de chegar a acordo sobre medidas para melhorar o acesso e a disponibilidade de conteúdos audiovisuais transfronteiras na UE e eliminar as restrições geográficas ao acesso a conteúdos digitais baseadas no bloqueio geográfico. O CESE congratula-se com a abertura deste diálogo, que deverá ter em conta a necessidade de proteger devidamente os direitos de autor e abordar as dificuldades de financiamento da indústria audiovisual.

4.10.

O CESE acolhe favoravelmente a ação 8, que visa promover os talentos europeus dos meios de comunicação social através da formação, da orientação e do apoio à inovação, mas chama a atenção para as diversas formas de organização das partes interessadas desta indústria (trabalhadores por conta própria, instituições sem fins lucrativos) e para a necessidade de assegurar que todas elas têm acesso aos mecanismos.

4.11.

A ação 9 incide na capacitação das pessoas. Dada a importância da literacia mediática tanto para as pessoas como para a democracia, esta questão deve ser prioritária. É necessário, em particular, desenvolver instrumentos para combater a proliferação e a disseminação da desinformação e das notícias falsas, que têm aumentado de forma preocupante. É igualmente essencial assegurar a coerência das medidas estabelecidas nos documentos e planos (7) pertinentes, nomeadamente porque estes setores são novos e comportam uma enorme quantidade de informação e porque os Estados-Membros necessitam de orientações claras e de procedimentos coerentes.

4.12.

A ação 10 lança o debate sobre as formas de garantir o funcionamento do mercado europeu dos meios de comunicação social reforçando o quadro de cooperação entre os reguladores europeus dos meios de comunicação social no âmbito do Grupo de Reguladores Europeus dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual. O CESE congratula-se com a importância atribuída à integração dos decisores políticos a nível dos Estados-Membros, principalmente no contexto da aplicação da Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual, e incentiva uma abordagem semelhante para todas as ações enumeradas no plano, a fim de as transformar num verdadeiro roteiro neste domínio.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52018AE3902&from=PT

(2)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52016AE4519&from=PT

(3)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52020AE1188&from=PT

(4)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52018AE6302&from=PT

(5)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52020AE1188&from=PT

(6)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52017AE1813&from=PT.

(7)  Incluindo o Plano de Ação para a Democracia Europeia, o Plano de Ação contra a Desinformação e o Plano de Ação para a Educação Digital.


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/181


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões “Estratégia para a sustentabilidade dos produtos químicos — Rumo a um ambiente sem substâncias tóxicas”»

[COM(2020) 667 final]

(2021/C 286/30)

Relatora:

Maria NIKOLOP OULOU

Correlator:

John COMER

Consulta

Comissão Europeia, 28.10.2020

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

15.4.2021

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

242/1/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE apoia o objetivo da Comissão de promover a transição para um ambiente sem substâncias tóxicas e assegurar que os produtos químicos sejam produzidos de forma a maximizar o seu contributo positivo para a sociedade e reduzir o seu impacto ambiental.

1.2.

É necessário definir que utilizações de produtos químicos são «essenciais», bem como delinear claramente uma metodologia para a produção de produtos químicos «concebidos para serem seguros e sustentáveis». Neste contexto, frisamos que cumpre identificar, avaliar e classificar, do modo mais abrangente, inequívoco e simplificado, as «substâncias que suscitam preocupação» para permitir a adaptação da indústria.

1.3.

O CESE felicita a Comissão pela sua visão de que a UE deve ser pioneira a nível mundial na produção e utilização de produtos químicos seguros e sustentáveis e salienta a importância de assegurar condições de concorrência equitativas nos acordos de comércio internacionais para as empresas, e de adotar medidas a favor de uma transição justa para todos os cidadãos da UE.

1.4.

Para que a estratégia seja executada com êxito, é necessário o envolvimento das pessoas e da indústria, formas de pensar inovadoras, bem como transparência e participação na tomada de decisões.

1.5.

A estratégia visa alargar a abordagem genérica da gestão dos riscos aos produtos de consumo que contêm produtos químicos perigosos, como substâncias cancerígenas e mutagénicas ou desreguladores endócrinos. No entanto, para facilitar a adaptação da indústria, é necessário assegurar o equilíbrio entre as avaliações de risco genéricas e específicas.

1.6.

O CESE apela para que seja obrigatória uma rotulagem adequada e coerente, com aplicação efetiva a toda a cadeia de abastecimento, nomeadamente os produtos que contêm nanomateriais.

1.7.

O CESE congratula-se com os esforços realizados no sentido de reforçar a autonomia estratégica da UE, especialmente em termos de produtos químicos utilizados nas aplicações no domínio da saúde, espera que sejam envidados esforços semelhantes noutros setores e solicita que seja ponderada uma revisão da política industrial da UE com o objetivo de relocalizar parte da produção de produtos químicos essenciais para os países da UE.

1.8.

O CESE sublinha a importância de combater a falta de dados disponíveis sobre os produtos químicos, a fim de fomentar a inovação e a confiança dos consumidores e permitir a realização de avaliações de impacto adequadas. É fundamental dispor de bases de dados acessíveis e fiáveis, a fim de obter resultados de investigação que permitam rever os direitos de propriedade intelectual e industrial e as patentes que restringem o acesso aos dados, e reforçar o princípio de «ausência de dados, ausência de mercado».

1.9.

O CESE considera que abordar a questão das misturas químicas constitui um passo importante na avaliação dos riscos dos produtos químicos. No entanto, é crucial intensificar a investigação e o desenvolvimento para colmatar as lacunas de conhecimentos atuais e avançar na avaliação e na gestão das misturas químicas.

2.   Proposta da Comissão

2.1.

A estratégia em apreço é uma oportunidade para conciliar o valor dos produtos químicos para a sociedade com a saúde humana e os limites do planeta, respondendo às aspirações legítimas dos cidadãos da UE a um nível elevado de proteção contra produtos químicos perigosos, bem como para promover a indústria da UE como pioneira a nível mundial na produção e utilização de produtos químicos seguros e sustentáveis.

2.2.

Para a luta por um ambiente sem substâncias tóxicas, é estabelecida uma nova hierarquia na gestão dos produtos químicos, que passa, designadamente, pela utilização de produtos químicos seguros e sustentáveis, a minimização ou substituição das substâncias que suscitam preocupação, com efeitos crónicos na saúde humana e no ambiente, e a eliminação progressiva das mais nocivas cuja utilidade não seja essencial para a sociedade, em especial as presentes em produtos de consumo.

Figura

A hierarquia sem substâncias tóxicas — uma nova hierarquia na gestão dos produtos químicos

Image 1

2.3.   A estratégia centra-se em cinco objetivos principais:

2.3.1.

Inovação direcionada para produtos químicos seguros e sustentáveis na UE. As medidas propostas incluem, entre outras, a definição de critérios europeus para produtos químicos seguros e sustentáveis desde a conceção; a introdução de requisitos legais relativos à presença de substâncias que suscitam preocupação nos produtos, através da iniciativa sobre produtos sustentáveis, e a introdução de alterações na legislação da UE em matéria de emissões industriais para promover a utilização de produtos químicos mais seguros pela indústria europeia.

2.3.2.

Reforço do quadro jurídico da UE para fazer face às preocupações prementes em matéria de ambiente e de saúde. As ações propostas neste sentido visam a proteção dos consumidores e dos trabalhadores, evitando a presença de produtos químicos mais nocivos em todos os produtos de consumo, como, por exemplo, os materiais em contacto com os alimentos, brinquedos, artigos de puericultura, cosméticos, detergentes, mobiliário e têxteis. Será dedicada uma atenção especial aos produtos químicos que podem causar cancro ou mutações genéticas, afetar os sistemas reprodutivo e endócrino ou ser persistentes e bioacumuláveis. Tal abordagem aplicar-se-á também aos produtos químicos que afetam os sistemas imunitário, neurológico ou respiratório e os que são tóxicos para um órgão específico. Enquanto não for aplicada a abordagem genérica da gestão dos riscos, será dada prioridade às substâncias com todos os perigos acima enunciados no estabelecimento de restrições para todas as utilizações e por agrupamento, em vez de as regulamentar uma a uma.

2.3.3.

Simplificação e consolidação das medidas para melhorar o quadro jurídico. A proposta inclui o estabelecimento de um processo do tipo «uma avaliação por substância» para coordenar a avaliação dos perigos ou riscos dos produtos químicos em toda a legislação aplicável a esses produtos e o reforço da governação da Agência Europeia dos Produtos Químicos, bem como da sustentabilidade do seu modelo de financiamento. Além disso, a estratégia propõe alterações específicas ao Regulamento relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) e ao Regulamento relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias perigosas (CRE), que devem ser realizadas em conformidade com os princípios da iniciativa «Legislar Melhor» e sujeitas a avaliações, incluindo avaliações de impacto, conforme apropriado.

2.3.4.

Criação de uma base de conhecimentos abrangente sobre produtos químicos. Está prevista a criação de um sistema de alerta rápido e ação em matéria de produtos químicos, a fim de assegurar que as políticas da UE abordam os riscos químicos emergentes assim que estes são identificados pela monitorização e investigação; além disso, será criado um quadro de indicadores para monitorizar os fatores e os impactos da poluição química e medir a eficácia da legislação no domínio dos produtos químicos.

2.3.5.

Dar o exemplo para uma boa gestão dos produtos químicos a nível mundial. As ações propostas visam apoiar o reforço das capacidades de países terceiros em matéria de avaliação e gestão dos produtos químicos e assegurar que os produtos químicos perigosos proibidos na UE não são produzidos para exportação.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Nos últimos cinquenta anos, os produtos químicos tornaram-se elementos centrais da nossa forma de vida, dando um contributo positivo para a nossa cultura e para o progresso da sociedade em geral, com a sua população crescente. Paralelamente, os produtos químicos — tanto sintéticos como naturais — podem ter propriedades perigosas que representam um risco para a saúde humana e o ambiente.

Apesar disso, a humanidade está cada vez mais dependente destes produtos. De acordo com a ONU, a produção de produtos químicos crescerá a um ritmo sete vezes mais rápido do que a população mundial entre 1990 e 2030.

3.2.

O objetivo louvável de um ambiente sem substâncias tóxicas deve reunir o consenso de todos e, não obstante a dificuldade da sua concretização, ser prosseguido sem desculpas. O CESE aplaude a intenção da Comissão de criar, para esse efeito, uma mesa-redonda de alto nível com a participação de todas as partes interessadas.

3.3.

Continuam a verificar-se fugas de grandes quantidades de produtos químicos perigosos para o ambiente, de várias fontes, tais como as descargas de águas residuais domésticas e industriais tratadas e não tratadas, os aterros, a incineração e os processos de fabrico, etc., e tais fugas podem disseminar-se no ar, no solo e na água, onde causam danos graves (1).

3.4.

Existem muitos problemas persistentes decorrentes da contaminação química. Por exemplo, os éteres difenílicos polibromados (PBDE) e outros retardadores de chama migram facilmente dos produtos a que são adicionados, como a espuma de poliuretano, e contaminam o ar e as poeiras. Embora muitos PBDE nocivos tenham sido proibidos, estes permanecem no ambiente devido à sua persistência e utilização extensiva.

3.5.

Quando substituímos estes produtos químicos perigosos, temos de ter a certeza de que o impacto da substituição representa uma melhoria significativa. Por exemplo, o biodiesel de óleo de palma, que contribui para a desflorestação, pode ter um impacto mais negativo no ambiente do que a utilização de combustíveis fósseis.

3.6.

Além disso, os reguladores devem estar sensibilizados para o problema e evitar as tentativas de substituição de um produto químico perigoso por produtos químicos que tenham propriedades perigosas semelhantes. Por exemplo, as substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas (PFAS) devem ser tratadas como um grupo, e não numa base individual. Estudos recentes sugerem que algumas alternativas às PFAS utilizadas no passado podem não ser mais seguras do que estas (2).

3.7.

O CESE está preocupado com o facto de as ações de descontaminação tendentes ao restabelecimento da saúde humana e do ambiente não serem suficientes, em especial no que se refere a produtos químicos essenciais para os quais ainda não existem alternativas sem substâncias tóxicas ou as alternativas que existem requerem um processo de desenvolvimento a longo prazo, bem como no que respeita aos produtos químicos que têm sido progressivamente eliminados e que continuam a suscitar grande preocupação devido à sua persistência no ambiente. Uma vez que ainda existem grandes esforços para adotar estratégias de descontaminação, o CESE aguarda com expectativa o próximo plano de ação para a poluição zero.

3.8.

O CESE solicita que a utilização de rotulagem adequada e coerente seja obrigatória para toda a cadeia de abastecimento em relação aos produtos que contenham nanomateriais (brinquedos, biocidas, vestuário, pesticidas, medicamentos, tintas, artigos de puericultura, etc.) e que o cumprimento dessa obrigação seja controlado.

3.9.

O CESE também se questiona sobre se o calendário proposto para a realização das várias ações em paralelo será realista e viável, tendo em conta a necessidade da indústria de se adaptar à transição de forma gradual, evitando consequências graves do ponto de vista social e económico. Além disso, impõe-se um reforço das capacidades das autoridades, fator essencial para o êxito da aplicação das políticas revistas planeadas.

3.10.

Alguns aspetos não são contemplados ou não estão suficientemente explicados na estratégia, tais como o balanço energético estimado da transição química proposta e as consequências para os trabalhadores e para as grandes e pequenas empresas na Europa. Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento devem consagrar recursos financeiros para assegurar uma execução eficaz da estratégia.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Inovação direcionada para produtos químicos seguros e sustentáveis na UE

4.1.1.

Existe um consenso de que a transição para a aplicação de critérios para produtos químicos seguros e sustentáveis desde a conceção é um imperativo social e económico, com vista a facilitar a transição ecológica e digital da indústria europeia. Constituirá um desafio enorme, e a investigação necessária representa potencialmente um grande encargo financeiro e proporcionará algumas vantagens competitivas. No entanto, o processo poderá provocar perdas económicas e de postos de trabalho, uma vez que nem todas as empresas poderão ter capacidade para se adaptar nem todos os trabalhadores para se requalificar ou melhorar as suas competências. Por conseguinte, são necessárias medidas financeiras e de incentivo para assegurar uma transição justa, especialmente para os trabalhadores manterem o seu emprego ou terem uma alternativa viável, bem como para apoiar investimentos e modelos de negócio inovadores.

4.1.2.

Não são especificadas medidas para garantir a plena adaptação dos trabalhadores, tais como incentivos e financiamento para a realização de formação com vista à requalificação e à especialização, a fim de evitar perdas de postos de trabalho. A forma como a distribuição geográfica dos setores da indústria determinará o impacto da estratégia é outra questão que suscita preocupação. As indústrias localizadas em zonas periféricas devem ser tidas em consideração, bem como a elevada percentagem de PME que participam no setor.

4.1.3.

O conceito de produtos químicos «seguros e sustentáveis desde a conceção» que será desenvolvido suscita reservas entre as partes interessadas. Por este motivo, a sua definição e as competências adequadas para impulsionar a sua produção devem envolver os critérios de todos os atores pertinentes.

4.1.4.

O processo de registo, avaliação e autorização de produtos químicos é complexo e exige especialização, o que, por vezes, constitui um desafio para as PME e implica normalmente elevados custos administrativos e de conformidade. A fim de facilitar o cumprimento dos processos de registo e de gestão regulamentar dos riscos no âmbito do Regulamento REACH e do Regulamento CRE, o processo deve ser simplificado ou a formação para não especialistas pode ser incentivada.

4.1.5.

A adoção de processos e tecnologias industriais novos e mais limpos reduzirá a pegada ambiental do fabrico de produtos químicos, melhorará a preparação para o mercado e contribuirá para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a aplicação do Pacto Ecológico Europeu. A adoção de orientações de avaliação e a partilha de boas práticas em matéria de conceção e aplicação de tecnologias e processos industriais mais limpos tornariam essa transição possível. Há que ter em conta as melhores tecnologias disponíveis.

4.1.6.

A Comissão visa minimizar a presença de substâncias que suscitam preocupação nos materiais reciclados, introduzindo requisitos e informações sobre a composição química e a utilização segura no âmbito da iniciativa para uma politica de sustentabilidade dos produtos. No que concerne aos materiais recicláveis, não deveria ser possível a utilização prolongada de produtos químicos perigosos em concentrações mais elevadas (3). Cumpre identificar, avaliar e classificar, do modo mais abrangente, inequívoco mas também simplificado, as «substâncias que suscitam preocupação» para permitir a adaptação da indústria.

4.1.7.

As medidas propostas aumentarão a confiança dos consumidores e produtores nos produtos reciclados. A falta de informações adequadas sobre a composição química dos produtos fabricados a partir de materiais reciclados constitui um problema, e as restrições relacionadas com a proteção de dados podem criar dificuldades neste domínio.

4.1.8.

A estratégia anuncia um aumento do investimento em tecnologias inovadoras. Trata-se de uma excelente oportunidade para promover a investigação no domínio da valorização dos resíduos industriais, nomeadamente dos resíduos da indústria agroalimentar, cujo forte potencial foi travado por investimento insuficiente.

Contudo, a questão dos requisitos legais aplicáveis aos produtos resultantes da valorização de resíduos da produção agroalimentar é praticamente negligenciada tanto na Estratégia do Prado ao Prato como na Estratégia para a Sustentabilidade os Produtos Químicos. Por exemplo, a presença de resíduos farmacêuticos em estrume animal tratado para fertilização, a reutilização de águas residuais tratadas para a irrigação de plantações e a presença de resíduos de produtos farmacêuticos e de pesticidas, herbicidas e inseticidas em resíduos alimentares otimizados são questões que suscitam especial preocupação, uma vez que estas substâncias bioativas podem disseminar-se no ambiente, desencadeando efeitos adversos nos ecossistemas. Por conseguinte, é fundamental identificar, avaliar e regulamentar essas substâncias. As populações humanas podem ser afetadas não só através da exposição mas também do consumo, dado que estas substâncias apresentam uma capacidade de bioacumulação e de bioamplificação ao longo da cadeia alimentar.

4.1.9.

As substâncias consideradas como preocupantes geram confusão entre as partes interessadas. Para compreender o impacto desta medida nos ciclos de matérias atuais, seria útil esclarecer que tipo de requisitos serão introduzidos e especificar o calendário da execução.

4.1.10.

O balanço energético estimado da transição proposta no domínio dos produtos químicos é motivo de preocupação. Tendo em conta que as principais transformações exigidas para a obtenção de ciclos de matérias ecológicos são processos fortemente endotérmicos (por exemplo, separação, reciclagem, descontaminação, conversão química), é expectável que se verifique um aumento da procura energética. Além disso, a pegada de carbono do fabrico de produtos químicos tem de ser reduzida, uma vez que este processo consome normalmente muita energia.

4.1.11.

O hidrogénio apresenta um forte potencial para a concretização desse objetivo, não só como fonte de energia mas também como redutor químico em processos específicos (por exemplo, para substituir o carbono como redutor). No entanto, as pilhas de hidrogénio continuam a basear-se na platina, que tem custos elevados e um forte impacto ambiental. É necessário que a investigação fundamental no campo da química encontre alternativas para a platina.

4.1.12.

A Comissão prevê aumentar a resistência da oferta e da sustentabilidade dos produtos químicos utilizados em aplicações essenciais para os cidadãos da União, diminuindo a dependência da UE e reforçando a prospetiva estratégica em matéria de produtos químicos. O aumento da resistência dos produtos químicos utilizados nas aplicações no domínio da saúde representará um avanço considerável para o mercado e o setor europeus dos produtos químicos utilizados na saúde. Cumpre saber de que forma estas medidas se aplicariam a outros produtos químicos de utilização essencial.

4.1.13.

Os produtos fabricados com matérias-primas importadas de países terceiros, por exemplo, o ETR, obtidos através de atividades de exploração de minérios que representam riscos para o ambiente e para a saúde, tornaram-se essenciais para várias tecnologias modernas, desde sistemas de defesa, telemóveis e televisões a lâmpadas LED e turbinas eólicas. Por conseguinte, coloca-se a questão de saber que estratégias serão adotadas para combater a dependência de outras substâncias essenciais, cujos processos de produção dependem de fornecimentos de países terceiros.

4.1.14.

Além disso, o CESE tem dúvidas de que a abordagem em matéria de «segurança e sustentabilidade desde a conceção» possa aplicar-se aos fornecedores de países terceiros, que têm a sua própria legislação em matéria de produtos químicos. Dado que os limites destes critérios aplicáveis à produção dos produtos químicos ainda não foram estabelecidos, não é claro se o princípio e as medidas de avaliação se aplicarão às fontes de matérias-primas, independentemente da sua origem. A Comissão não esclarece de que forma as medidas propostas se ligarão entre si e se articularão com as diferentes políticas em vigor nos países terceiros envolvidos nas cadeias de valor dos produtos químicos da UE.

4.1.15.

O CESE propõe, por conseguinte, que a estratégia industrial da UE seja revista e que seja ponderada a criação de incentivos para o regresso da produção de produtos químicos aos países da UE. Esta medida, além de promover a autonomia estratégica da UE, permitirá criar emprego de qualidade e facilitará a execução da estratégia para os produtos químicos.

4.2.   Reforço do quadro jurídico da UE para fazer face às preocupações em matéria de ambiente e de saúde

4.2.1.

O CESE acolhe favoravelmente o objetivo da Comissão de alargar a abordagem genérica à gestão dos riscos. No entanto, dado que alguns produtos serão restringidos, é necessário assegurar a coerência entre as avaliações de riscos genéricas e específicas em todos os produtos químicos, de modo a permitir que a indústria se adapte gradualmente.

4.2.2.

O CESE congratula-se igualmente com o recurso ao agrupamento para abordar a regulamentação relativa às PFAS e concorda que poderá ser necessário intensificar a adoção de estratégias de agrupamento para aumentar a eficiência e a eficácia da legislação (4).

4.2.3.

A estratégia proporá novas classes e critérios de perigo no âmbito do Regulamento CRE, a fim de abordar plenamente a toxicidade, a persistência, a mobilidade e a bioacumulação no ambiente. É importante que a avaliação dos efeitos adversos dos produtos químicos no ambiente e a atribuição de diferentes classes de perigo aos produtos químicos sejam efetuadas de forma abrangente e transparente. Os critérios de classificação devem ser definidos de forma pormenorizada, a fim de antecipar potenciais reservas relativamente a outros produtos em desenvolvimento.

4.2.4.

A introdução dos desreguladores endócrinos, das substâncias persistentes, móveis e tóxicas e das substâncias muito persistentes e muito móveis como categorias de substâncias que suscitam elevada preocupação (SVHC) exige uma apreciação e avaliação abrangentes e transparentes. Além disso, é necessária uma maior coerência entre as SVHC identificadas no Regulamento REACH e noutros atos legislativos da UE (por exemplo, a Diretiva-Quadro Água).

4.2.5.

A estratégia centra-se principalmente nos desreguladores endócrinos e nas substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas, mas também aborda certos pesticidas, biocidas, produtos farmacêuticos, metais pesados, plastificantes e retardadores de chama como sendo substâncias perigosas. No entanto, quase não é feita referência a outros produtos químicos que suscitam preocupação, tais como os nanomateriais. Embora estejam incluídas no Regulamento REACH, a revisão da definição está pendente e a sua regulamentação continua a ser insuficiente (por exemplo, a falta de regulamentação relativa à libertação de nanomateriais para o ambiente, a ausência de restrições à sua colocação no mercado, a transparência e a criação de um registo da UE para garantir a sua rastreabilidade desde o fabrico até aos consumidores).

4.2.6.

Tendo em conta as evidências amplamente documentadas dos riscos associados a certas famílias de substâncias, a UE não só deve restringir mas até mesmo proibir a utilização de desreguladores endócrinos já identificados, como o bisfenol e os ftalatos; o mesmo aplica-se aos produtos químicos sem utilidade nutricional presentes em produtos alimentares, como os nanomateriais.

4.2.7.

As medidas tendentes a promover e a facilitar a substituição das SVHC e de outros compostos perigosos poderiam ser aplicadas com recurso a um mecanismo financeiro (bónus/málus).

4.2.8.

A atenção especial dada às misturas representa um importante passo em frente na avaliação de riscos das substâncias químicas que suscitam preocupação, e o CESE congratula-se com o facto de a estratégia abordar tanto as misturas voluntárias como as involuntárias. No entanto, as lacunas ainda existentes em matéria de conhecimentos sobre a toxicidade e a exposição a misturas e o elevado número de produtos químicos em utilização conduzem a propostas como a utilização sistemática do fator de avaliação da mistura para produtos químicos isolados, a fim de abordar misturas involuntárias. A fiabilidade do fator de avaliação da mistura na avaliação dos riscos químicos suscita preocupação, uma vez que não se trata de um fator específico de cada cenário. Por conseguinte, o CESE subscreve convictamente as prioridades e recomendações em matéria de investigação e desenvolvimento enunciadas no relatório [SWD (2020) 250 (5)], a fim de avaliar e gerir eficazmente as misturas de produtos químicos.

4.3.   Simplificação e consolidação do quadro jurídico

4.3.1.

O CESE apoia fortemente que se considere a abordagem «uma avaliação por substância» enquanto método eficiente de avaliação da segurança dos produtos químicos.

4.3.2.

A adoção de tal abordagem simplificará e acelerará o processo de aprovação, beneficiando os produtores e facilitando a investigação e o desenvolvimento de substâncias alternativas sem toxinas. No entanto, os diferentes efeitos da mesma substância em diferentes circunstâncias e também em misturas não devem ser ignorados.

4.3.3.

Cerca de 30 % dos alertas emitidos sobre produtos perigosos presentes no mercado estão relacionados com riscos devidos a produtos químicos e apenas um terço dos processos de registo das substâncias químicas registadas pela indústria ao abrigo do Regulamento REACH estão plenamente conformes com os requisitos de informação.

4.3.4.

O CESE aplaude a abordagem de tolerância zero em relação ao incumprimento e as medidas propostas para reforçar a aplicação e o cumprimento da legislação em matéria de produtos químicos. O CESE recomenda vivamente que o princípio da «ausência de dados, ausência de mercado» seja devidamente aplicado, a fim de evitar a existência de produtos e substâncias químicas não regulamentados nos mercados.

4.3.5.

Além disso, os dados sobre produtos químicos aprovados no mercado devem ser atualizados a intervalos regulares pelos registantes desses produtos, uma vez que o Regulamento REACH é insuficiente em determinados aspetos. De acordo com o relatório sobre a avaliação de substâncias químicas (6), 64 % das substâncias avaliadas (126 de 196) não dispunham de informações que demonstrassem a segurança dos produtos químicos comercializados na Europa.

4.3.6.

Quase 90 % dos produtos considerados perigosos são importados de países terceiros. Prevê-se que a produção mundial de produtos químicos continue a aumentar. É provável que a UE e os países da OCDE se concentrem no desenvolvimento e fabrico de produtos químicos tecnologicamente avançados, como produtos químicos especializados e associados às ciências da vida. A África, o Médio Oriente e a Ásia produzirão provavelmente grandes volumes de produtos químicos de base. Esta situação suscitará enormes problemas na UE em termos de controlos nas fronteiras e de competitividade económica. Os acordos de comércio livre deverão prever medidas para garantir condições de concorrência equitativas para as empresas da UE.

4.3.7.

O CESE congratula-se com as medidas destinadas a reforçar os controlos fronteiriços da UE e a cooperação com as plataformas de venda direta em linha.

4.4.   Uma base de conhecimentos abrangente sobre produtos químicos

4.4.1.

Tendo em conta que a UE ainda não dispõe de uma base de informações abrangente sobre todas as substâncias, as propostas de medidas tendentes a melhorar a disponibilidade de dados sobre produtos químicos são bem-vindas, desde que sejam eficazes.

4.4.2.

Do ponto de vista da indústria, o questionável sistema de patentes impossibilita a revelação de todos os aspetos dos produtos patenteados presentes no mercado.

4.4.3.

Do ponto de vista científico, a limitada prática de uma ciência aberta e gratuita constitui um entrave ao livre intercâmbio dos conhecimentos e à conjugação de esforços e de investimentos. A disponibilidade de todas as informações relevantes sobre os produtos químicos, e, consequentemente, a inovação, é limitada atualmente por regras relativas à proteção de dados científicos e direitos de propriedade intelectual e industrial insuficientemente fundamentados.

4.4.4.

Os conflitos em matéria de acessibilidade de dados devem ser abordados e solucionados com a inclusão de medidas tendentes a alargar a base de dados disponíveis e a melhorar a sua qualidade. Por exemplo, poderia ser criado um mecanismo para incentivar as indústrias que importam nanomateriais para a produção a financiarem investigação independente sobre o risco dos nanomateriais, domínio em que falta conhecimento científico.

4.4.5.

A Comissão tem por objetivo continuar a fomentar a investigação e a (bio)monitorização para compreender e prevenir os riscos inerentes aos produtos químicos e impulsionar a inovação no domínio da avaliação de riscos dos produtos químicos e da ciência regulatória.

4.4.6.

Cabe também assegurar a participação dos trabalhadores e o apoio financeiro à otimização das boas práticas, tanto na transferência de conhecimentos industriais como científicos, a fim de facilitar a inovação através da investigação e tornar as bases de dados fiáveis, livres e facilmente acessíveis. Além disso, importa assegurar que o acesso à inovação esteja disponível para todos as partes interessadas na indústria química da UE.

4.4.7.

O CESE acolhe com agrado as medidas para fomentar a inovação no domínio dos ensaios de segurança e da avaliação de risco dos produtos químicos visando a redução dos ensaios em animais, em especial tendo em conta os avanços na investigação e os novos métodos de vanguarda desenvolvidos (por exemplo, ensaios in vitro) que melhorarão a qualidade, a eficiência e a rapidez das avaliações de risco dos produtos químicos.

4.4.8.

É essencial assegurar uma maior transparência na tomada de decisões. Vários assuntos importantes são debatidos em reuniões à porta fechada, o que suscita confusão entre os cidadãos europeus sobre as medidas adotadas pela UE para limitar a sua exposição a produtos químicos perigosos. Além disso, os dados em bruto que servem de base às avaliações e à tomada de decisões (ECHA e EFSA) (7) devem estar disponíveis. É necessário assegurar uma maior transparência das decisões e posições dos Estados-Membros em relação às substâncias químicas no mercado.

4.5.   Dar o exemplo para uma boa gestão dos produtos químicos a nível mundial

4.5.1.

Tendo em conta o impacto global da estratégia, o CESE constata com satisfação que, entre as medidas propostas pela Comissão para promover normas de segurança e sustentabilidade fora da UE, figura o compromisso de assegurar que os produtos químicos perigosos proibidos na UE não sejam produzidos para exportação. No entanto, continua a não ser claro como poderão os restantes textos legislativos que se prevê elaborar e harmonizar aplicar-se a nível mundial. A proibição de produtos para exportação pode afetar a indústria de outros países aos quais não se aplica a ambição da estratégia para os produtos químicos. Não é claro como serão tratados os efeitos sobre as indústrias de países terceiros, enquanto antigos produtores e exportadores de um produto específico.

4.6.   Utilização excessiva de produtos químicos nos cuidados de saúde

O CESE considera que deveria haver muito mais investigação no domínio do desenvolvimento de políticas de prevenção de doenças com uma ênfase especial no sistema imunitário. O objetivo deve ser a promoção de uma atitude positiva, favorável a um estilo de vida saudável que permita às pessoas utilizarem menos tratamentos baseados em produtos químicos, quando apropriado. Todos os tratamentos com produtos químicos devem destinar-se às pessoas para as quais são essenciais, evitando o uso excessivo.

4.7.   Produtos químicos na agricultura

4.7.1.

É necessário reduzir os impactos negativos, no ambiente, dos pesticidas utilizados na agricultura sem causar um declínio na qualidade da produção alimentar nem comprometer a segurança alimentar na UE.

4.7.2.

A atual Aliança Europeia de Investigação, que tem por missão pesquisar e testar alternativas orgânicas para produtos químicos sintéticos utilizados na agricultura, tem de ser financiada de forma adequada. O investimento deve centrar-se na investigação sobre pesticidas orgânicos biológicos. O reforço do apoio financeiro deve visar igualmente a promoção da investigação e da inovação no domínio dos promotores de crescimento das plantas e dos produtos fitofarmacêuticos de base natural. Por exemplo, a bioatividade inerente a certos compostos naturais metabolizados por rizóbios pode ser utilizada como agente de proteção das plantas contra organismos patogénicos externos.

4.7.3.

Uma utilização muito mais precisa dos fertilizantes químicos é desejável, prática essa que deverá contribuir para uma menor utilização destes produtos. É necessária mais investigação com vista a desenvolver alternativas que permitam manter uma produção agrícola adequada e assegurar um rendimento condigno para os agricultores.

4.7.4.

É necessário efetuar mais avaliações dos riscos para o ambiente e para a saúde, a fim de avaliar se a biotecnologia e a engenharia genética poderão dar um contributo positivo para o desenvolvimento de alternativas para os fertilizantes químicos e pesticidas.

4.7.5.

Se não forem apresentadas alternativas viáveis, uma redução significativa do uso de pesticidas implicará um aumento dos custos de produção e/ou conduzirá a rendimentos mais baixos. Por conseguinte, as questões dos encargos económicos a suportar pelos produtores e pelos consumidores e da importação de alimentos de países terceiros têm de ser analisadas.

4.7.6.

A nova Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 é muito ambiciosa, pois prevê a transformação de, pelo menos, 30 % do território europeu numa rede de áreas ativamente geridas e protegidas. Deverá contribuir de forma significativa para a biodiversidade e a recuperação da natureza, bem como para a aplicação da Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos no setor agrícola.

4.7.7.

Neste sentido, devem ser envidados esforços especiais para reforçar a proteção da biodiversidade e, em especial, dos insetos polinizadores dos pesticidas. Por exemplo, o documento de orientação da EFSA sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas apresenta grandes lacunas. Deveria integrar os dados sobre toxidade crónica, os efeitos dos pesticidas nas larvas e os dados sobre a toxicidade aguda para as abelhas e outros insetos polinizadores.

4.7.8.

Para que a estratégia para os produtos químicos seja executada com êxito, é necessário um apoio significativo do público em geral, bem como uma verdadeira mudança cultural na abordagem dos cidadãos europeus à utilização dos produtos químicos, às alterações climáticas e à poluição ambiental.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Joyce Msuya, diretora-adjunta do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.

(2)  Alerta de notícias da UE 517, 22/11/18.

(3)  Parecer do CESE «Aplicação da legislação ambiental da UE: qualidade do ar, água e resíduos» (JO C 110 de 22.3.2019, p. 33).

(4)  «EC Study for the strategy for a non-toxic environment of the 7th Environment Action Programme» [Estudo da Comissão para a estratégia para um ambiente sem substâncias tóxicas do Sétimo Programa de Ação em matéria de Ambiente].

(5)  «Commission Progress report on the assessment and management of combined exposures to multiple chemicals (chemical mixtures) and associated risks» [Relatório da Comissão sobre os progressos realizados na avaliação e gestão das exposições combinadas a vários produtos químicos (misturas) e riscos associados].

(6)  Gabinete Europeu do Ambiente: https://eeb.org/chemical-evaluation-report-achievements-challenges-and-recommendations-after-a-decade-of-reach/

(7)  Acrónimos: ECHA (Agência Europeia dos Produtos Químicos) & EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos).


16.7.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 286/190


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativamente a isenções aplicáveis a importações e a determinados produtos, no que diz respeito a medidas de interesse público adotadas pela União»

[COM(2021) 181 final — 2021/0097 (CNS)]

(2021/C 286/31)

Consulta

Conselho da União Europeia, 16.4.2021

Base jurídica

Artigo 113.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em plenária

27.4.2021

Reunião plenária n.o

560

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

220/0/7

Considerando que o Comité anunciou o seu apoio a regras fiscais temporárias, devido à crise provocada pela pandemia de COVID-19, no Parecer «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2011/16/UE a fim de fazer face à necessidade urgente de diferir certos prazos para a apresentação e a troca de informações no domínio da fiscalidade devido à pandemia de COVID-19» [COM(2020) 197 final — 2020/0081 (CNS)]; na «Proposta de decisão do Conselho que altera as Diretivas (UE) 2017/2455 e (UE) 2019/1995 no que diz respeito às datas de transposição e de aplicação devido à crise provocada pela pandemia de COVID-19» [COM(2020) 198 final — 2020/0082 (CNS)] e na «Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2017/2454 no que diz respeito às datas de aplicação devido à crise provocada pela pandemia de COVID-19» [COM(2020) 201 final — 2020/0084 (CNS)] (1), adotado em 10 de junho de 2020, e que a alteração em apreço da Diretiva 2006/112/CE (2) não contém conteúdo adicional que requeira quaisquer observações por parte do Comité, o Comité, na 560.a reunião plenária de 27 e 28 de abril de 2021 (sessão de 27 de abril de 2021), decidiu, por 220 votos a favor e com sete abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto, remetendo para a posição defendida no documento mencionado.

Bruxelas, 27 de abril de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 311 de 18.9.2020, p. 76.

(2)  JO L 347 de 11.12.2006, p. 1.