ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 220

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

64.° ano
9 de junho de 2021


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

559.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 24.3.2021-25.3.2021

2021/C 220/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Desafios do teletrabalho: organização do tempo de trabalho, equilíbrio entre vida profissional e pessoal e direito a desligar-se [parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa]

1

2021/C 220/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Teletrabalho e igualdade de género — Condições para que o teletrabalho não agrave a repartição iníqua da prestação de cuidados e do trabalho doméstico não remunerados entre homens e mulheres e promova a igualdade de género[parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa]

13

2021/C 220/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Espaço ferroviário europeu único [parecer exploratório a pedido da Presidência portuguesa]

26


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

559.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 24.3.2021-25.3.2021

2021/C 220/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu Relatório sobre o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório de 2020 sobre o estado da União de Energia em conformidade com o Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática[COM(2020) 950 final] e sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Avaliação a nível da UE dos planos nacionais em matéria de energia e clima: Impulsionar a transição ecológica e promover a recuperação económica através do planeamento integrado no domínio da energia e do clima[COM(2020) 564 final]

38

2021/C 220/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa a uma estratégia da UE para redução das emissões de metano [COM(2020) 663 final]

47

2021/C 220/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga o Regulamento (UE) n.o 347/2013 [COM(2020) 824 final — 2020/0360 (COD)]

51

2021/C 220/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Fazer avançar a União Aduaneira para um novo patamar: um plano de ação [COM(2020) 581 final]

56

2021/C 220/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Ambiente de Janela Única Aduaneira da União Europeia e altera o Regulamento (UE) n.o 952/2013[COM(2020) 673 final — 2020/306 (COD)]

62

2021/C 220/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre o relatório de prospetiva estratégica 2020 Prospetiva estratégica — Definir o rumo para uma Europa mais resiliente[COM(2020) 493 final]

67

2021/C 220/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma Estratégia para os pagamentos de pequeno montante na UE[COM(2020) 592 final]

72

2021/C 220/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um novo EEI para a Investigação e a Inovação[COM(2020) 628 final]

79

2021/C 220/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à prorrogação do prazo dos direitos comunitários de proteção das variedades vegetais para as espécies de espargos e para os grupos de espécies de bolbos de flores, de pequenos frutos de vegetais lenhosos e de vegetais lenhosos ornamentais [COM(2020) 36 final — 2020/0019 (COD)]

86

2021/C 220/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva (UE) 2017/2397 no que respeita às medidas transitórias para o reconhecimento dos certificados de países terceiros [COM(2021) 71 final — 2021/0039 (COD)]

87

2021/C 220/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Reforçar o processo de adesão — Uma perspetiva credível de adesão à UE para os Balcãs Ocidentais[COM(2020) 57 final], a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Um Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais[COM(2020) 641 final] e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Comunicação de 2020 sobre a política de alargamento da UE[COM(2020) 660 final]

88

2021/C 220/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Banco Central Europeu Resolver o problema dos empréstimos não produtivos na sequência da pandemia de COVID-19[COM(2020) 822 final]

98

2021/C 220/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a salários mínimos adequados na União Europeia[COM(2020) 682 final — 2020/310 (COD)]

106

2021/C 220/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Resiliência em matérias-primas essenciais: o caminho a seguir para mais segurança e sustentabilidade[COM(2020) 474 final]

118

2021/C 220/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Requisitos de sustentabilidade para as baterias na UE[COM(2020) 798 final — 2020/353 (COD)]

128


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

559.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 24.3.2021-25.3.2021

9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Desafios do teletrabalho: organização do tempo de trabalho, equilíbrio entre vida profissional e pessoal e direito a desligar-se»

[parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa]

(2021/C 220/01)

Relator:

Carlos Manuel TRINDADE

Pedido da presidência portuguesa do Conselho

26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

11.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

221/15/20

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reconhece que, no contexto da pandemia de COVID-19, o teletrabalho tem contribuído para a continuidade do funcionamento da economia e para a defesa do emprego nos vários Estados-Membros, limitando as perdas de atividade. Muitos milhões de trabalhadores europeus passaram a trabalhar a partir de casa — cerca de 40 %, segundo estimativas do Eurofound.

1.2.

A realidade europeia de antes da pandemia evidencia um menor peso relativo do teletrabalho comparativamente com os EUA e com o Japão — menos de metade. Por outro lado, a pandemia acelerou o teletrabalho, passando este a ser insubstituível no combate sanitário. Isto significa que empresas, trabalhadores e sociedade estão confrontados com enormes desafios. Obviamente haverá muitas lições a retirar desta pandemia, permitindo potenciar as oportunidades e eliminar os riscos associados ao teletrabalho.

1.3.

Neste quadro, o CESE reconhece a clarividência dos parceiros sociais europeus com o Acordo de 2002 sobre o Teletrabalho. O CESE apela aos parceiros sociais dos Estados-Membros para continuarem com o diálogo social e a contratação coletiva e para definirem regras e processos adequados a cada Estado-Membro e a cada situação setorial.

1.4.

O CESE considera que as soluções a encontrar devem ser encaradas tendo em conta a transição da economia para a digitalização, para um desenvolvimento mais sustentável e para a diminuição das desigualdades existentes.

1.5.

O CESE insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a acompanhar a implementação dos Acordos sobre Teletrabalho de 2002 e sobre Digitalização de 2020. Com base na experiência da pandemia, a regulamentação existente na UE e nos Estados-Membros pode ser alterada e nova regulamentação ser criada a fim de promover os elementos positivos do teletrabalho e proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores. O CESE regista que a organização dos tempos de trabalho, os riscos de saúde e segurança no trabalho, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, o direito de desligar e a efetividade dos direitos laborais no teletrabalho são matérias que deverão merecer atenção especial. O ritmo das mudanças tecnológicas no mundo do trabalho e das novas maneiras de trabalhar está a acelerar-se, existindo a necessidade de assegurar que as regras e práticas são adequadas para as novas circunstâncias do futuro.

1.6.

O CESE chama a atenção para a necessidade de os Estados-Membros, com a participação dos parceiros sociais, assegurarem que existe um enquadramento nacional adequado para o teletrabalho, que defina as regras do jogo para as empresas e os trabalhadores interessados na sua adoção.

1.7.

O CESE insta os Estados-Membros a transpor e implementar adequadamente a Diretiva relativa ao equilíbrio entre a vida profissional e privada.

1.8.

O CESE sublinha que os acordos de 2002 e de 2020 entre os parceiros sociais europeus incluem os princípios fundamentais capazes de potenciar os efeitos positivos e minimizar os efeitos negativos do teletrabalho.

1.9.

O CESE é de opinião que, em termos de regulação, as questões essenciais residem em assegurar que o teletrabalho tem natureza voluntária e reversível e que os trabalhadores em teletrabalho têm os mesmos direitos, individuais e coletivos, que os trabalhadores comparáveis das empresas para as quais exercem atividade, incluindo a organização do trabalho de forma a assegurar que a carga de trabalho é comparável e que o regime de teletrabalho tem forma escrita; que sejam estabelecidas medidas específicas, quando necessário, que visem assegurar a efetividade dos direitos dos trabalhadores em teletrabalho, incluindo as condições de saúde e segurança no trabalho.

1.10.

O CESE reconhece a importância de serem definidas claramente todas as questões referentes a equipamentos, responsabilidades e custos antes de se iniciar o teletrabalho. Como regra geral, o CESE entende que as entidades empregadoras são responsáveis pela provisão, instalação e manutenção dos equipamentos necessários ao teletrabalho. O empregador deve cobrir diretamente os custos incorridos com o teletrabalho, nomeadamente os relacionados com a comunicação (consumíveis, telemóveis, Internet).

1.11.

O CESE propõe que, no âmbito do teletrabalho e no respeito pela legislação europeia e nacional e pelas convenções de contratação coletiva a nível nacional, regional, setorial ou de empresa, devem ser utilizados pelas empresas mecanismos adequados que permitam medir os tempos de trabalho normal e de trabalho extraordinário.

1.12.

O CESE defende que os métodos de controlo e registo do tempo de trabalho devem visar estritamente esse fim, ser do conhecimento dos trabalhadores e não ser intrusivos e violadores da privacidade do trabalhador, tendo em conta os princípios aplicáveis em matéria de proteção de dados.

1.13.

O CESE sublinha que os trabalhadores em regime de teletrabalho não podem ser prejudicados na sua vida profissional, em particular quanto ao desenvolvimento da sua carreira profissional, à formação contínua, ao acesso à informação interna da empresa, à participação e representação sindical, aos direitos laborais específicos de trabalho (medicina do trabalho, seguros, entre outros) e ao acesso a outros direitos específicos existentes na empresa.

1.14.

O CESE entende que, no seguimento dos estudos sobre os impactos do teletrabalho, se deve iniciar um processo conjunto da Comissão Europeia, da OIT e da OCDE tendente à elaboração de uma convenção da OIT para o teletrabalho. O CESE estima igualmente que as condições de teletrabalho dignas devem constar da Agenda do Trabalho Digno da OIT e dos programas nacionais conexos.

2.   Aspetos conceptuais e contexto do teletrabalho

2.1.

O presente parecer responde às questões colocadas pela Presidência portuguesa sobre os desafios do teletrabalho na organização do tempo de trabalho, no equilíbrio entre vida profissional e familiar e no direito à desconexão, na perspetiva de promover o modelo social europeu. Estas questões incluem uma perspetiva de género que, no entanto, será desenvolvida em parecer próprio (SOC/662), sendo ambos os pareceres complementares.

2.2.

O CESE valoriza o trabalho que tem sido desenvolvido pela OIT e a Eurofound sobre metodologias e conceitos sobre o teletrabalho que permitem a comparação de dados a nível europeu e internacional (1).

2.3.

Na linha deste trabalho, o CESE usa a expressão teletrabalho quando os trabalhadores exercem atividade profissional remotamente, fora das instalações da empresa e utilizam as TIC. O local onde o trabalho é prestado e o uso das TIC são, pois, dois dos aspetos nucleares do teletrabalho. O CESE reconhece que existem várias formas de realizar o teletrabalho, dependendo das legislações e práticas nacionais existentes. O foco deste parecer é o teletrabalho dos trabalhadores por conta de outrem, não se considerando a problemática dos trabalhadores independentes, que deverá ser tratada, no futuro, em parecer específico.

2.4.

O teletrabalho tem sido objeto de políticas que visam a sua regulação. Embora no plano europeu e internacional não existam diretivas ou normas específicas para o teletrabalho, a EU dispõe de instrumentos aplicáveis, nomeadamente a Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (2) sobre a organização do tempo de trabalho, a Diretiva 89/391/CEE da Comissão (3) sobre a segurança e saúde no trabalho, a Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho (4) sobre as condições de trabalho transparente e previsíveis na UE, a Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho (5) sobre a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. O CESE apela aos Estados-Membros para procederem à transposição eficaz destas diretivas.

2.5.

Também os parceiros sociais europeus têm estado atentos nesta área. Em 2002 foi subscrito um Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho, implementado de forma não homogénea em toda a Europa (acordo autónomo). Sublinham-se aspetos como o caráter voluntário do teletrabalho; a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores comparáveis da empresa, com remissões específicas relativas à carga de trabalho, ao acesso à formação e aos direitos coletivos; a reversibilidade; a não mudança do estatuto de trabalho pela passagem ao teletrabalho; o respeito da privacidade do teletrabalhador; a proteção de dados e o cumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho. No sentido de verificar que as normas de saúde e segurança são corretamente aplicadas, o empregador, o sindicato/representantes do trabalhador e outras autoridades relevantes têm acesso ao local de trabalho nos limites das legislações nacionais e da contratação coletiva. Se o teletrabalhador trabalha no seu domicílio, tal acesso está sujeito a notificação prévia e ao seu acordo. O teletrabalhador tem o direito de requerer visitas de inspeção.

2.6.

Em junho de 2020, foi celebrado pelos parceiros sociais europeus um acordo-quadro (autónomo) sobre a digitalização, que abrange, em particular, 4 áreas específicas: «competências digitais e segurança de emprego; as modalidades de conexão e desconexão; a inteligência artificial e a manutenção do controlo humano; o respeito pela dignidade humana e a vigilância». O CESE considera necessário proceder a uma avaliação dos resultados da aplicação das disposições deste acordo, tão cedo quanto possível. O CESE solicita à Comissão, aos Estados-Membros e aos parceiros sociais que promovam a aplicação célere e adequada deste acordo. Uma possível iniciativa legislativa europeia poderá ser lançada em conformidade com as disposições do TFUE sobre política social (artigos 151.o e seguintes), e/ou no âmbito dos Estados-Membros, para proteger e efetivar o direito de os trabalhadores se desligarem.

2.7.

Também a nível dos parceiros sociais europeus tem existido, e continua a existir, um trabalho importante num conjunto significativo de setores. A lista de acordos no âmbito do teletrabalho e da digitalização que ilustram este esforço de diálogo social, não exaustiva, consta em anexo.

2.8.

Ao nível dos Estados-Membros, a legislação do trabalho regula aspetos relevantes para o teletrabalho, como a duração e organização do tempo de trabalho, a prestação de trabalho subordinada e a saúde e segurança no trabalho, com disposições específicas incluindo a exigência de um contrato de trabalho escrito. O Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho teve influência no conteúdo das normas aprovadas.

2.9.

O teletrabalho tem sido, e continua a ser, objeto de negociação coletiva e de acordos estabelecidos a nível nacional (nalguns casos, de natureza tripartida), setorial ou de empresa, cujos conteúdos foram também influenciados pelo acordo europeu de 2002. A negociação ocorre com frequência ao nível de empresa, pelo que o conhecimento dos conteúdos acordados é menos conhecido (6).

2.10.

Os Estados-Membros do Leste europeu são uma exceção a esta realidade. O CESE apela aos parceiros sociais destes Estados-Membros que negoceiem ou atualizem as convenções sobre teletrabalho.

2.11.

De acordo com os dados do Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho de 2015, o peso do conjunto dos trabalhadores era elevado nos países nórdicos Dinamarca (37 %), Suécia (33 %) e Países Baixos (30 %), era médio em países como o Luxemburgo (26 %), a França (25 %), a Estónia (24 %), a Bélgica (24 %) e a Finlândia (24 %) e baixo em metade dos países da UE, variando entre 12-13 % (Alemanha, Espanha, Bulgária, Lituânia, Roménia) e entre 7-11 % (Itália, República Checa, Polónia, Eslováquia, Portugal e Hungria). Anote-se que, em geral, a incidência na categoria «ocasional» se concentra metade dos trabalhadores de teletrabalho e um pouco menos de 1/4 se concentra na categoria de «regular» («home based telework») (7).

2.12.

Registem-se alguns resultados da investigação recente (8):

2.12.1.

Em 2019, apenas 5,4 % do emprego na UE-27 trabalhavam normalmente a partir de casa — percentagem praticamente invariável ao longo da última década; todavia, entre 2009 e 2019, o peso dos que trabalhavam algumas vezes passou de 5,2 % em 2009 para 9 % em 2019; estudos da OIT referem que a incidência do teletrabalho (incluindo «móveis») é de 8 % no conjunto da força de trabalho na UE, contra 20 % nos EUA e 16 % no Japão (9).

2.12.2.

A prevalência do teletrabalho varia fortemente entre setores e ocupações, sendo particularmente elevada nos setores de informação e tecnologia e nos setores intensivos em conhecimento, e, por outro lado, nos profissionais altamente qualificados. A estrutura industrial nos Estados-Membros, a distribuição do emprego por dimensão da empresa, a taxa de emprego por conta própria e as competências digitais dos trabalhadores são alguns dos fatores que explicam as diferenças e variações da incidência do teletrabalho entre os Estados-Membros.

2.12.3.

As disparidades no acesso ao teletrabalho e nas proteções de que gozam os trabalhadores podem aumentar as desigualdades entre trabalhadores, incluindo a questão de género tratada no SOC/662, sendo necessário encontrar solução para este problema.

2.12.4.

O desenvolvimento das competências digitais dos trabalhadores é fundamental para enfrentar os desafios decorrentes das mudanças tecnológicas e de novas maneiras de trabalhar (em 2019, menos de 25 % das empresas na UE tinham formação em competências digitais, variando de 6 % na Roménia a 37 % na Finlândia).

2.13.

Com o surto da COVID-19, muitos milhões de trabalhadores na Europa passaram a trabalhar a partir de casa, estimando a Eurofound que cerca de 40 % começaram o teletrabalho a tempo inteiro como resultado da pandemia. Na maioria dos casos, isto é obrigatório na sequência de decisões tomadas pelas autoridades públicas por razões de controlo sanitário.

2.14.

O CESE reafirma os seus diversos pareceres (10) em matérias relacionadas com o futuro do trabalho, a digitalização, a organização do tempo de trabalho e o equilíbrio entre vida profissional e familiar.

3.   Oportunidades e riscos do teletrabalho

3.1.

Para as empresas, o teletrabalho pode levar a aumentos de produtividade, mas pode levantar dificuldades à cultura organizacional e à organização do trabalho. Na perspetiva das empresas, o recurso ao teletrabalho envolve múltiplos objetivos, entre outros (11):

ii)

organizar o trabalho com base nos resultados, com maior autonomia do trabalhador e responsabilidade pelos resultados,

iii)

trabalhar com maior produtividade e eficiência (com menos interrupções),

iv)

poupar espaço nas instalações/escritórios e nos custos associados,

v)

facilitar acesso ao trabalho a certas categorias de trabalhadores (com responsabilidades de prestação de cuidados ou portadores de deficiência motora).

3.2.

Para os trabalhadores, o teletrabalho pode facilitar a conciliação trabalho — vida privada e reduzir os custos associados à deslocação casa-trabalho. Em geral, o teletrabalho pode possibilitar maior autonomia, maior concentração e produtividade (12). No entanto, a autonomia nem sempre elimina os efeitos negativos na saúde e bem-estar, e pode mesmo aumentar a intensificação do trabalho quando combinada com cargas de trabalho excessivas e culturas organizacionais dominadas pela competição para impor desempenhos do trabalho elevados que têm como consequência cargas de trabalho excessivas (e não pagas) e insuficientes tempos de descanso (13).

3.3.

O CESE sublinha que o teletrabalho constitui um elemento positivo para o desenvolvimento sustentável e a descarbonização da economia e para a facilitação da mobilidade urbana.

3.4.

O CESE constata que, graças ao teletrabalho, o impacto negativo da pandemia de COVID-19 foi substancialmente reduzido. O seu aumento significativo tem permitido que muitas áreas da economia continuem vivas.

3.5.

O CESE nota que a confusão de fronteiras entre tempos de trabalho e de não trabalho pode gerar o prolongamento das horas efetivamente trabalhadas e maior intensidade do trabalho, dificuldades na desconexão profissional e a penalização do tempo familiar. A medição e monitorização dos tempos de trabalho constitui um desafio sério para as administrações das inspeções do trabalho nos Estados-Membros, que importa ser tratado de forma adequada.

3.6.

A investigação evidencia riscos para os trabalhadores. Não apenas os relacionados com os diferentes tipos de isolamento como o stress e a depressão, a ansiedade, mas também os riscos musculosqueléticos, as dores de cabeça, a fadiga, os distúrbios do sono e os novos fenómenos digitais como o «presentismo virtual». O efeito do presentismo sobre a vida profissional varia. Segundo a Eurofound, enquanto para alguns trabalhadores a experiência é negativa, outros há que estão satisfeitos por poderem trabalhar a partir de casa em vez de se deslocarem às instalações do seu empregador quando estão adoentados. No entanto, tal não deve interferir com o direito a licença por doença. O teletrabalho coloca também importantes dificuldades, como a organização e participação sindical, a invisibilidade, a intrusão na privacidade e a dispersão dos teletrabalhadores.

3.7.

O CESE nota que existem outros riscos para o teletrabalho, designadamente os associados à cibersegurança, que devem ser tratados de forma adequada para defender as empresas e proteger a privacidade dos teletrabalhadores. Outro risco associado ao teletrabalho pode ser o impacto negativo sobre as culturas organizacionais existentes em unidades produtivas de bens e serviços ou de índole associativa e/ou voluntária.

3.8.

O teletrabalho pressupõe competências ao nível das TIC e o acesso a equipamentos e serviços, para além de condições habitacionais e outras adequadas à prestação de trabalho, colocando-se a questão das desigualdades económicas e sociais.

3.9.

O CESE reconhece que o teletrabalho pode facilitar a inclusão no mercado de trabalho de certos grupos discriminados, particularmente pessoas com deficiência, mulheres grávidas, famílias monoparentais, que muitas vezes se deparam com barreiras estruturais no acesso ao emprego.

3.10.

O CESE é de opinião que, em termos de regulação, as questões essenciais residem em assegurar que o teletrabalho tem natureza voluntária e reversível — exceto quando, em casos excecionais como a pandemia, as autoridades públicas o impõem — e que os trabalhadores em teletrabalho têm os mesmos direitos, individuais e coletivos, que os trabalhadores comparáveis das empresas para as quais exercem atividade; que o regime de teletrabalho tem forma escrita; que sejam estabelecidas medidas específicas, quando necessário, que visem assegurar a efetividade dos direitos dos trabalhadores em teletrabalho e a igualdade de tratamento face aos restantes trabalhadores.

3.11.

O CESE considera que a regulação do teletrabalho poderá assegurar condições de trabalho dignas e contribuir para reduzir as desigualdades e a pobreza no trabalho (14).

3.12.

O CESE entende que as entidades empregadoras são responsáveis pela formação, pela provisão, instalação e manutenção dos equipamentos necessários ao teletrabalho. O empregador deve cobrir diretamente os custos incorridos com o teletrabalho, nomeadamente os relacionados com a comunicação (consumíveis, telemóveis, Internet).

3.13.

Devem ser asseguradas todas as medidas necessárias à proteção de dados relacionados com o teletrabalho, em particular os dados privativos dos teletrabalhadores.

3.14.

O CESE regista que tem havido grande crescimento de sistemas de vigilância, controlo e monitorização da atividade dos teletrabalhadores por parte da generalidade das empresas. O CESE recomenda que a utilização dessas ferramentas de controlo tenha em conta os princípios em matéria de proteção de dados e, se necessário, seja enquadrada por futura legislação europeia e/ou pela negociação coletiva a nível nacional, regional, setorial e de empresa, entre os parceiros sociais dos Estados-Membros.

4.   Os desafios do teletrabalho

4.1.   Organização do tempo de trabalho

4.1.1.

O CESE constata a unanimidade da investigação quanto aos efeitos do teletrabalho no tempo de trabalho — identificando este padrão de longas horas de trabalho — como a maior desvantagem desta forma de trabalho (15). Permite-se ao trabalhador estruturar o seu dia de trabalho e evita-se o transporte casa-trabalho, mas a contrapartida é o prolongamento do trabalho pela noite e pelo fim de semana.

4.1.2.

O CESE regista como positivo o recente entendimento dos parceiros sociais europeus quanto ao facto de a «regular troca de impressões entre gestores e trabalhadores e/ou os seus representantes sobre a carga horária e processos de trabalho» (16) ser uma das medidas a considerar como parte do processo de parceria conjunta, que está na base do acordo.

4.1.3.

De facto, a investigação do Eurofound (17) refere que:

4.1.3.1.

No teletrabalho «regular», cerca de 30 % dos trabalhadores trabalham no tempo livre diariamente ou várias vezes por semana; cerca de 50 % dos trabalhadores sofrem interrupções para assumir tarefas não previstas e cerca de 20 % trabalham mais de 48 horas semanais (cerca de 30 % se são «móveis» e 10 % se forem «ocasionais»);

4.1.3.2.

No teletrabalho «regular», descansam menos de 11 horas cerca de 40 % dos trabalhadores (cerca de 25 % no «ocasional» e cerca de 60 % no «móvel»).

4.1.4.

Os inquéritos do Eurofound mostram que a intensidade do trabalho constitui um problema comum nos países europeus (por exemplo, 37 % dos trabalhadores referem prazos apertados) e para uma maior incidência no teletrabalho, sobretudo na forma de teletrabalho móvel (18).

4.1.5.

Os impactos na saúde e no bem-estar do uso intensivo das TIC devem ser avaliados, como o trabalho com ecrãs de computador ou com telemóveis inteligentes. Os efeitos negativos, que podem ser amplificados pelo teletrabalho, respeitam à pressão psicológica («stress»), à pressão sobre a vista, à ansiedade, a dores de cabeça, a fadiga, a distúrbios do sono e a problemas musculosqueléticos (19).

4.1.6.

Ainda que existam normas europeias aplicáveis ao teletrabalho, é preciso avaliar se a Diretiva sobre Tempo de Trabalho e, bem assim, outras diretivas referidas no ponto 2.4, ou o Acordo sobre o Teletrabalho (2002) e o Acordo sobre Digitalização (2020) são suficientes para proteger estes trabalhadores (20). Nesta matéria, o CESE regista a importância da jurisprudência europeia, quando refere que «(…) os Estados-Membros devem impor às entidades patronais a obrigação de estabelecer um sistema objetivo, fiável e acessível que permita medir a duração do tempo de trabalho diário prestado por cada trabalhador» (21). O CESE nota que cabe aos Estados-Membros determinar as modalidades específicas de aplicação de um tal sistema, tendo em conta, entre outros elementos, as diferenças entre setores e atividades (22).

4.1.7.

Nesta perspetiva, o CESE propõe que, no âmbito do teletrabalho e no respeito pela legislação europeia e nacional e pelas convenções de contratação coletiva a nível, regional, setorial ou de empresa, devem ser utilizados pelas empresas mecanismos adequados que permitam medir os tempos de trabalho normal e de trabalho extraordinário.

4.1.8.

O CESE entende que igualdade de tratamento face aos trabalhadores comparáveis da mesma empresa compreende as condições de saúde e segurança no trabalho, a organização do trabalho de forma a assegurar que a carga de trabalho é comparável e o direito de os sindicatos/representantes dos trabalhadores poderem ter acesso aos locais de prestação do teletrabalho nos limites das legislações e convenções coletivas nacionais.

4.1.9.

Os teletrabalhadores não podem ser prejudicados na sua vida profissional, em particular quanto ao desenvolvimento da sua carreira profissional, à formação continua, ao acesso à informação interna da empresa, à participação e representação sindical, aos direitos laborais específicos de trabalho (medicina do trabalho, seguros, entre outros) e ao acesso a outros direitos específicos existentes na empresa.

4.2.   Equilíbrio entre vida profissional e privada

4.2.1.

Uma das forças motoras da expansão do teletrabalho é o facto de esta forma de trabalho parecer permitir maior equilíbrio entre a vida profissional e privada e maior produtividade, maior lealdade e menor rotação. No entanto, na medida em que é difícil chegar a conclusões definitivas sobre os efeitos do teletrabalho no mundo do trabalho com base na investigação atual sobre a matéria, a realidade pode ser bem mais complexa e ambígua, e talvez até contraditória, do que este potencial de reciprocidade vencedora por parte de trabalhadores e empregadores (23).

4.2.2.

O CESE nota que existe uma contradição entre a crescente flexibilidade dos horários de trabalho e o objetivo do trabalho digno, defendido pela OIT.

4.2.3.

O CESE sublinha que, quanto à conciliação vida profissional/vida privada, os efeitos negativos são amplificados no caso dos teletrabalhadores, variando também consoante as características individuais do trabalhador, da cultura e da organização do trabalho (24). O CESE considera que a transposição eficaz da diretiva que regula esta matéria certamente contribuirá para melhorar as condições dos teletrabalhadores (25). O CESE insta os Estados-Membros a transpor e implementar adequadamente esta diretiva.

4.2.4.

O CESE nota que os efeitos do teletrabalho no equilíbrio entre a vida profissional e familiar são extremamente ambíguos, ou mesmo contraditórios, precisando-se de mais investigação sobre o equilíbrio entre trabalho pago e a vida privada (26).

4.2.5.

O CESE chama a atenção para a necessidade de formação adequada, para os trabalhadores e gestores de base, sobre as boas práticas de gestão do teletrabalho e o respeito pelas normas legais e contratuais, em particular na promoção do equilíbrio entre trabalho e vida privada.

4.2.6.

O CESE apela aos Estados-Membros para realizarem investimentos adequados para a criação e/ou desenvolvimento de serviços sociais de qualidade de prestação de cuidados a idosos e a crianças, de acesso universal, que poderão contribuir para assegurar o equilíbrio entre a vida profissional e privada.

4.3.   Direito a desligar-se

4.3.1.

O CESE está consciente de que a cultura do «always on», a conectividade constante e a ausência de descanso para quem exerce o teletrabalho geram importantes riscos físicos e psicossociais (27). Devido à conexão, torna-se muito difícil respeitar os limites entre trabalho remunerado e vida privada.

4.3.2.

Para limitar esses efeitos negativos emergiram recentemente políticas dos Estados-Membros, ainda que segundo abordagens diferentes, e/ou ações por parte dos parceiros sociais e empresas — quanto ao direito a desligar-se — para proteger os trabalhadores no seu tempo livre.

4.3.3.

Existem consequências negativas da permanente conectividade. As mulheres são mais prejudicadas na medida em que carregam o fardo do trabalho doméstico não pago e dos cuidados das crianças, de idosos ou de doentes acamados (28).

4.3.4.

A legislação abrange a maioria dos temas associados ao teletrabalho, pelo que a sua aplicação efetiva continua a ser muito relevante. A nível europeu foi subscrito, em junho de 2020, um Acordo-Quadro sobre Digitalização, que inclui, designadamente, as modalidades do direito a desligar-se, o respeito pelas disposições relativas ao tempo de trabalho na legislação e nas convenções coletivas e em outras disposições contratuais, e o trabalhador não é obrigado a ser contactável pelos empregadores fora do horário de trabalho. O CESE nota que este acordo está em processo de implementação pelos parceiros sociais nos Estados-Membros. No entanto, ainda há a possibilidade de uma iniciativa legislativa em conformidade com as disposições do TFUE sobre política social (artigos 151.o e seguintes) para proteger e efetivar o direito de os trabalhadores se desligarem, prevenindo a deterioração das suas condições de trabalho.

4.3.5.

Existem diferentes posições sobre o estabelecimento de um direito à desconexão nos Estados-Membros (29). Quatro países (Bélgica, Espanha, França e Itália) aprovaram legislação específica. Em dois países, houve ou a discussão de projetos legislativos (Portugal) ou um processo de consulta (Países Baixos), mas não foi aprovada legislação específica. Noutros Estados-Membros, as posições divergem: nalguns casos, os sindicatos defendem legislação específica porque a existente não é considerada suficiente; noutros, entendem que a contratação coletiva constitui a melhor forma de regulação; noutros, ainda, defendem ser suficiente a legislação que regula o tempo de trabalho.

4.3.6.

Considerando esta situação, o CESE congratula-se com a aprovação, pelo Parlamento Europeu, em 21 de janeiro de 2021, de uma resolução, que foi tida em conta pela Comissão Europeia no Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, de 4 de março, no seu capítulo sobre o teletrabalho e o direito a desligar-se (30). Neste contexto, o CESE considera que o referido plano de ação deve abordar de forma adequada o direito a desligar-se.

4.3.7.

O CESE sublinha que, em relação ao direito de desconexão, as horas extraordinárias não constituem em si um problema, desde que respeitem as normas estabelecidas, particularmente o seu limite máximo, e seja garantido que todo o trabalho realizado é remunerado consoante o quadro jurídico de cada país.

5.   Ações da Comissão Europeia, dos Estados-Membros e dos parceiros sociais

5.1.

O CESE regista a necessidade de mais e melhor informação estatística — e mais investigação — sobre o teletrabalho, para identificar as melhores práticas e analisar os seus impactos na vida dos trabalhadores, das empresas e da sociedade. O CESE apela à Comissão Europeia para que melhore a investigação no domínio do teletrabalho e dos seus efeitos, promova o intercâmbio entre os Estados-Membros de boas práticas quanto à organização do tempo de trabalho, equilíbrio entre a vida profissional e privada e direito a desligar-se e, finalmente, apoie o desenvolvimento da necessária transição de competências, respeitando o diálogo social e a negociação coletiva entre os parceiros sociais nos diferentes níveis.

5.2.

O CESE sublinha que os acordos de 2002 e de 2020 incluem os princípios fundamentais capazes de potenciar os efeitos positivos e minimizar os efeitos negativos do teletrabalho.

5.3.

O CESE insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a acompanhar a implementação dos acordos de 2002 e de 2020 e, se for caso disso, a proceder a ajustamentos na regulamentação existente com base na experiência da pandemia — e desenvolver nova regulamentação — com vista a promover os elementos positivos do teletrabalho e proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores. O ritmo das mudanças tecnológicas no mundo do trabalho e das novas maneiras de trabalhar está a acelerar-se, existindo eventualmente a necessidade de assegurar que as regras e práticas são adequadas para as novas circunstâncias do futuro.

5.4.

O CESE chama a atenção para a necessidade de os Estados-Membros, com a participação dos parceiros sociais, assegurarem um enquadramento nacional adequado para o teletrabalho, que defina as regras do jogo para as empresas e os trabalhadores interessados na sua adoção, tendo em conta os acordos atrás referidos.

5.5.

Em particular, a organização dos tempos de trabalho, os riscos de saúde e segurança no trabalho, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, o direito de desligar e a efetividade dos direitos laborais no teletrabalho são matérias que deverão merecer atenção especial.

5.6.

O CESE está convicto de que a resolução dos problemas que afetam o teletrabalho deve ser realizada no quadro das linhas orientadoras do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

5.7.

O CESE entende que a participação e o envolvimento dos parceiros sociais, a todos os níveis, designadamente pela via da contratação coletiva, são fundamentais para encontrar soluções equilibradas, dignas e justas.

5.8.

O CESE entende que, no seguimento dos estudos sobre os impactos do teletrabalho, se deve iniciar um processo conjunto da Comissão Europeia, da OIT e da OCDE tendente à elaboração de uma convenção da OIT para o teletrabalho. O CESE estima igualmente que as condições de teletrabalho dignas devem constar da Agenda do Trabalho Digno da OIT e dos programas nacionais conexos.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Alex Soojung-Kim Pang (2017), Rest — Why you get more done when you work less (edição portuguesa: Descansar, Círculo de Leitores, 2017).

(2)  JO L 299 de 18.11.2003, p. 9.

(3)  JO L 183 de 29.6.1989, p. 1.

(4)  JO L 186 de 11.7.2019, p. 105.

(5)  JO L 188 de 12.7.2019, p. 79

(6)  Eurofound e OIT, «Working anytime, anywhere: The effects on the world of work» (2017), pp. 51-54 (a seguir designado «Eurofound e OIT 2017»).

(7)  Comissão Europeia (2020), «Telework in the EU before and after the COVID-19: where we were, where we head to». Science for Policy Briefs.

(8)  Idem.

(9)  OIT (2019), «Telework in the 21st century», p. 294.

(10)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 44, JO C 197 de 8.6.2018, p. 45, JO C 237 de 6.7.2018, p. 8, JO C 367 de 10.10.2018, p. 15, JO C 440 de 6.12.2018, p. 37, JO C 232 de 14.7.2020, p. 18.

(11)  Eurofound e OIT 2017, p. 51.

(12)  Eurofound, «Telework and ICT-based mobile work: flexible working in the digital age», 2020, (a seguir designado «Eurofound 2020») p. 53.

(13)  Eurofound e OIT 2017, p. 40.

(14)  Ver resolução aprovada recentemente pelo Parlamento Europeu

(15)  Telework in the 21st century», OIT, 2019, p. 298

(16)  Acordo-Quadro entre os parceiros sociais europeus sobre digitalização, junho de 2020, p. 10.

(17)  «Further exploring the working conditions of ICT-based mobile workers and home-based teleworkers», Working paper, 2020, p. 23.

(18)  Eurofound (2016), «6th European Working Conditions Survey, Overview report», p. 47. Ver também nota anterior.

(19)  Sobre as implicações do teletrabalho para a saúde e o bem-estar, ver: Eurofound 2020, p. 27.

(20)  Eurofound 2020, p. 54.

(21)  Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, Processo C-55/18, ECLI: EU 2019: 402, parágrafo 60. Sobre o teletrabalho, ver também outra jurisprudência: C-518/15; C-344/19; C-580/19; C-214/20; C-84/94.

(22)  Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, Processo C-55/18, ECLI: EU 2019: 402, parágrafo 63.

(23)  «Telework in the 21st century», OIT, 2019, p. 302

(24)  Usa-se, como fonte principal, Eurofound 2020, p. 13.

(25)  Eurofound 2020, p. 54.

(26)  Eurofound e OIT 2017, p. 33 e p. 40.

(27)  Eurofound e OIT 2017, p. 37.

(28)  Ver Parecer do CESE, SOC/ 662 (ver página 13 do presente Jornal Oficial).

(29)  Usa-se, como fonte principal, Eurofound 2020, p. 13.

(30)  Ver resolução aprovada recentemente pelo Parlamento Europeu


ANEXO I

EUROPEAN SECTORAL SOCIAL DIALOGUE JOINT TEXTS ON TELEWORK AND DIGITALISATION (1)

Telework

Eurocommerce and UNI, Europa, European agreement on guidelines on Telework and ICT-mobile work in commerce, 25 May 2018 (commerce)

EACB, EBF-FBE, ESBG and UNI Global Union, Declaration on Telework in the European Banking Sector, 17 November 2017 (banking)

ETNO and UNI Europa, Joint Declaration on ICT-based mobile work, 2 February 2017 (telecommunications)

ETNO and UNI Europa, Joint declaration on telework, 9 June 2016 (telecommunications)

ACME, BIPAR, CEA and UNI-Europa, Joint declaration on telework by the European social partners in the insurance sector, 10 February 2015 (insurance)

CEMR-CCRE and EPSU, CEMR-EP/EPSU joint statement on telework, 13 January 2004 (local and regional government)

Eurelectric and EPSU, EMCEF, Joint declaration on telework, 13 November 2002 (electricity)

Eurocommerce and UNI Europa, European Agreement on Guidelines on Telework in Commerce, 26 April 2001 (Commerce)

ETNO and UNI Europa, Guidelines for Telework in Europe, 7 February 2001 (telecommunications)

Joint Committee, Opinion on telework, 23 November 1998 (telecommunications)

Digitalisation

ETNO and UNI-Europa, Joint Declaration on Artificial Intelligence, 30 November 2020 (telecommunications)

CEEMET and IndustriAll, Joint opinion on the impact of digitalisation on the world of work in the met industries, 9 November 2020 (metal industry)

EFIC and EFBWW, European Social Partners joint statement on Digital Transformation in workplaces of the European Furniture Industry, 6 July 2020 (Furniture)

Federation of European Social Employers and EPSU, Joint Position Paper on Digitalisation in the Social Services Sector — Assessment of Opportunities and Challenges, 6 June 2020 (social services)

Eurelectric and EPSU, IndustriAll, Digitalisation at the heart of social partners' commitment to keep the lights on, 9 April 2020 (electricity)

Eurelectric and EPSU, IndustriAll, A Social Partners' Framework of Actions — Challenges and opportunities of the digitalisation for the workforce in the European Electricity Sector, 9 April 2020 (electricity)

PostEurop and UNI Europa, Joint Declaration on Training in the Digital Era, 6 December 2019 (postal services)

ECEG and IndustriAll, Joint recommendations on digital transformations in the workplace for the European chemicals, pharmaceuticals, rubber and plastics sectors, 8 November 2019 (chemical industry)

EFCI/FENI and UNI Europa, Joint Statement on the Impact of Digitalization on Employment in the Cleaning and Facility Services Industry, 29 October 2019 (industrial cleaning)

INTERGRAF and UNI-Europa, Print is vital for the future of reading — INTERGRAF and UNI Europa Graphical & Packaging joint statement, 21 October 2021 (graphical industry)

FEPORT, ESPO and ETF, Joint statement «Market based and technological developments in the shipping sector and technological innovation represent major challenges for the port sector», 24 June 2019 (ports)

AMICE, BIPAR, Insurance Europe and UNI Europa, Follow-up statement on the social effects of digitalization, 15 February 2019 (insurance)

IRU and ETF, Joint statement from Social partners for better regulation and digital enforcement, 7 December 2018 (road transport)

EBF-FBE and UNI Europa, Joint Declaration on the Impact of Digitalisation on Employment, 30 November 2018 (banking)

CEPI and IndustriAll, A social partner resolution addressing the ongoing digitalisation in the European pulp and paper sector and its potential impact on industry and employment, 6 July 2018 (paper industry)

CEEMET and IndustriAll, The impact of digitalisation on the world of work in the metal, engineering and technology-based industries, 8 December 2016 (metal industry)

AMICE, BIPAR, Insurance Europe and UNI Europa, Joint declaration on the social effects of digitalisation by the European social partners in the insurance sector, 12 October 2016 (Insurance)

EPSU and CEMR, Joint Declaration on the opportunities and challenges of digitalisation in local and regional administration, 11 December 2015 (local and regional administration)


(1)  Based on the European Commission EU social dialogue texts database, the European Trade Union Institute (ETUI) EU Social Dialogue texts database (not yet publicly available) and own research.


ANEXO II

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento):

Ponto 1.14 (relacionado com o ponto 5.8)

Alterar.

 

1.14.

O CESE entende que, no seguimento dos estudos sobre os impactos do teletrabalho, é importante que as boas condições de teletrabalho passem a fazer parte da Agenda do Trabalho Digno da OIT em geral e dos programas nacionais de promoção do trabalho digno em particular. Deve se deve iniciar iniciar-se um processo conjunto da Comissão Europeia, da OIT e da OCDE tendente à elaboração a fim de avaliar a necessidade de uma convenção da OIT para o teletrabalho.

Resultado da votação

Votos a favor:

109

Votos contra:

130

Abstenções:

14

Ponto 4.1.1

Alterar.

 

4.1.1.

O CESE constata que é difícil chegar a conclusões definitivas sobre os efeitos do teletrabalho no mundo do trabalho com base na investigação atual. a unanimidade da investigação quanto aos efeitos do teletrabalho no tempo de trabalho — identificando este padrão de longas horas de trabalho — como a maior desvantagem desta forma de trabalho. (15) Permite-se ao trabalhador estruturar o seu dia de trabalho e evita-se o transporte casa-trabalho, mas a contrapartida é o prolongamento do trabalho pela noite e pelo fim de semana.

Resultado da votação

Votos a favor:

111

Votos contra:

120

Abstenções:

18

Ponto 5.8 (relacionado com o ponto 1.14)

Alterar.

 

5.8

O CESE entende que, no seguimento dos estudos sobre os impactos do teletrabalho, é importante que as boas condições de teletrabalho passem a fazer parte da Agenda do Trabalho Digno da OIT em geral e dos programas nacionais de promoção do trabalho digno em particular. Deve se deve iniciar iniciar-se um processo conjunto da Comissão Europeia, da OIT e da OCDE tendente à elaboração a fim de avaliar a necessidade de uma convenção da OIT para o teletrabalho.

Resultado da votação

Votos a favor:

109

Votos contra:

130

Abstenções:

14


(15)   «Telework in the 21st century», OIT, 2019, p. 298


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/13


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Teletrabalho e igualdade de género — Condições para que o teletrabalho não agrave a repartição iníqua da prestação de cuidados e do trabalho doméstico não remunerados entre homens e mulheres e promova a igualdade de género»

[parecer exploratório a pedido da presidência portuguesa]

(2021/C 220/02)

Relatora:

Milena ANGELOVA

Correlatora:

Erika KOLLER

Consulta pela

Presidência portuguesa do Conselho

Carta de 26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

11.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

219/10/18

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Embora o teletrabalho seja uma forma de trabalho sobejamente conhecida, a sua adoção foi substancialmente impulsionada pela pandemia de COVID-19, que colocou mais de um terço das pessoas empregadas a trabalhar a partir de casa, com uma maior percentagem de mulheres do que de homens (1). Uma vez que, normalmente, as mulheres têm a cargo a maior parte das atividades de prestação de cuidados e de trabalho doméstico, o teletrabalho foi visto por estas como a única possibilidade de conjugar este trabalho não remunerado com o emprego remunerado. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) gostaria de chamar a atenção para o risco que comporta utilizar o teletrabalho como forma de poder assumir ao mesmo tempo o trabalho remunerado e o não remunerado. Por conseguinte, congratula-se com a campanha da Comissão Europeia destinada a combater os estereótipos de género (2), reitera a necessidade de uma mudança cultural e da eliminação de quaisquer entraves estruturais a fim de promover uma distribuição mais equitativa do trabalho doméstico não remunerado e insta os Estados-Membros a aplicar a Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida de forma rápida e eficiente.

1.2.

Uma vez que as condições impostas pela pandemia são excecionais, cabe avaliar as ligações entre o teletrabalho e a igualdade de género com base numa perspetiva mais geral e a mais longo prazo. Durante a pandemia, o teletrabalho tornou-se obrigatório, sempre que possível, como medida de proteção da saúde, tendo sido acompanhado de inúmeras características excecionais e restritivas. Em condições normais, o teletrabalho é geralmente voluntário, com vista a permitir uma organização do trabalho de forma mais adequada aos objetivos e às necessidades globais das empresas e organizações, pesando tanto as necessidades dos empregadores como as dos trabalhadores e respeitando o quadro jurídico e regulamentar nacional e da UE (3), bem como os resultados do diálogo social, incluindo todas as modalidades práticas estabelecidas no âmbito de convenções laborais e coletivas.

1.3.

O teletrabalho cria diversas oportunidades de contribuir para a igualdade de género, nomeadamente: o reforço da participação no mercado de trabalho; o aumento da flexibilidade na organização do tempo de trabalho e na conciliação das responsabilidades de prestação de cuidados não remunerados com o emprego remunerado, que pode reforçar a participação no mercado de trabalho; ganhos de produtividade através da melhoria do desempenho; uma melhor correspondência geográfica entre a oferta e a procura de emprego, sem necessidade de alterar o local de residência; economias de tempo e de custos associadas à eliminação ou redução das deslocações casa-trabalho, etc. Ao mesmo tempo, o teletrabalho comporta riscos, como eventuais desafios relacionados com a invisibilidade do trabalhador no mundo profissional e a perda de estruturas de apoio formais e informais, de contactos pessoais com colegas, de acesso à informação e de oportunidades de promoção e formação, ou ainda o possível agravamento das desigualdades de género e aumento do risco de violência e de assédio. Para as mulheres, tal pode exacerbar as desigualdades de género existentes. A fim de atenuar com êxito estes riscos, preconiza-se uma análise adequada das questões de género — uma vez que mesmo as políticas aparentemente neutras em matéria de género podem, na realidade, não ter devidamente em conta o género e afetar negativamente as mulheres —, pelo que devem ser envidados todos os esforços para obter um impacto positivo.

1.4.

O CESE toma nota do atual quadro jurídico e complementar no domínio do teletrabalho, que inclui a Diretiva Tempo de Trabalho, a Diretiva Segurança e Saúde no Trabalho, a Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida e os acordos-quadro autónomos sobre o teletrabalho, de 2002, e a digitalização, de 2020. Observa igualmente que não há um quadro europeu consolidado para o teletrabalho. O Parlamento Europeu defendeu que «é necessário estabelecer um quadro legislativo que regulamente as condições de teletrabalho em toda a UE a fim de assegurar condições de trabalho e de emprego dignas na economia digital, contribuindo assim para a redução das desigualdades e para a resolução do problema da pobreza no trabalho». Por conseguinte, o CESE recomenda que sejam avaliadas as regras em vigor no intuito de determinar a sua eficácia à luz da rápida expansão do teletrabalho, do conhecimento adquirido sobre novos riscos e dos ensinamentos retirados. Em particular, incentiva os parceiros sociais a rever o Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho de 2002 e a conferir-lhe um novo ímpeto.

1.5.

Os parceiros sociais podem desempenhar um papel significativo na promoção do teletrabalho de uma forma que contribua para a igualdade de género, promovendo o bem-estar no trabalho e a produtividade, por exemplo, através da negociação coletiva. Tendo em conta a grande diversidade dos locais de trabalho, as medidas específicas a cada empresa e local de trabalho permitem alcançar os melhores resultados. Embora a organização do trabalho caiba aos empregadores, o diálogo social é uma forma essencial de abordar, nos locais de trabalho, questões como os salários, o tempo de trabalho, os regimes de conexão, a saúde e segurança, a formação e o desenvolvimento de competências no contexto do teletrabalho.

1.6.

Entre as condições essenciais para um teletrabalho neutro em matéria de género figuram a acessibilidade das tecnologias, as instalações e as competências necessárias. O CESE reitera o seu apelo para o investimento nas infraestruturas e na conexão digitais para todos, incluindo espaços locais partilhados que facilitem o teletrabalho fora de casa, e para o reforço das competências digitais, com especial atenção para as mulheres, a fim de permitir a sua plena participação nos mercados de trabalho e colmatar qualquer forma de clivagem digital (4).

1.7.

A disponibilidade e a acessibilidade física e económica de infraestruturas e serviços de cuidados a crianças, a pessoas com necessidades especiais e a idosos constituem outra condição essencial para a igualdade de género no teletrabalho e no trabalho em geral. O CESE preconiza um pacto para os cuidados na Europa que assegure a prestação de serviços de maior qualidade para todos ao longo do ciclo de vida. Insta igualmente os Estados-Membros a assegurarem e a investirem em serviços de cuidados de qualidade, a preços comportáveis, acessíveis e diversificados para responder às diferentes necessidades e situações.

1.8.

O teletrabalho acarreta o risco de o trabalhador se tornar invisível na comunidade profissional, deixando de beneficiar do apoio das estruturas formais e informais, dos contactos pessoais com colegas e do acesso à informação. Esta situação pode levar a que o trabalhador seja descurado no momento da promoção e de dar formação e não disponha de informações importantes em matéria de remuneração e de direitos dos trabalhadores. Para as mulheres, pode mesmo agravar as desigualdades de género existentes, como a disparidade salarial entre homens e mulheres. A proposta de diretiva relativa à transparência salarial, publicada pela Comissão Europeia em 4 de março de 2021, pode ser um meio importante para pôr termo à escassez de informação que resulta da falta de visibilidade.

1.9.

É essencial que a UE crie condições favoráveis ao empreendedorismo e à atividade empresarial e promova a digitalização, em especial nas micro, pequenas e médias empresas, a fim de habilitar e incentivar o setor privado a inovar e a investir em novos métodos e a criar novos postos de trabalho para um emprego inclusivo. Do mesmo modo, o setor público é um empregador importante e é necessário um investimento adequado para assegurar condições de trabalho dignas e a modernização das infraestruturas, a fim de cumprir os objetivos da transformação digital. É igualmente necessária uma cooperação estreita e harmoniosa entre os setores público e privado a nível prático, nos domínios das infraestruturas digitais, da educação e formação, dos serviços de saúde e sociais e da investigação e inovação.

1.10.

O CESE apela para a realização de estudos sobre as implicações e os pré-requisitos do teletrabalho em matéria de género em condições não dominadas pela pandemia, analisando a evolução a longo prazo de diferentes setores da economia e da sociedade e recolhendo e divulgando boas práticas existentes em toda a UE. Tal permitiria uma abordagem sensível às questões de género na realização da inovação tecnológica e social necessária para assegurar que o teletrabalho contribui para a promoção da igualdade de género (5).

1.11.

Tendo em conta que as tradições das sociedades e as atitudes dos indivíduos condicionam as implicações do teletrabalho na igualdade de género, o CESE solicita ações e campanhas específicas destinadas a reduzir e desconstruir o pensamento estereotipado. O CESE incentiva os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil, a nível nacional e da UE, a participarem ativamente na promoção de papéis familiares não estereotipados e de opções não estereotipadas para mulheres e homens quanto aos estudos, às profissões e aos empregos.

1.12.

O CESE insta os decisores políticos nacionais e da UE a envidarem todos os esforços, num espírito de diálogo e cooperação com os parceiros sociais, para combater todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo no trabalho, em casa e em linha, e apela aos Estados-Membros para que ratifiquem rapidamente a Convenção n.o 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Violência e o Assédio, de 2019, e a Convenção de Istambul.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE congratula-se com a iniciativa da presidência portuguesa de solicitar dois pareceres exploratórios, que se complementarão mutuamente, com vista a uma análise mais aprofundada do teletrabalho, fazendo o balanço dos ensinamentos retirados da pandemia. Tal poderia igualmente orientar melhor a aplicação da Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida e promover boas práticas para a adoção do teletrabalho. Estes pareceres contribuirão para um futuro projeto de conclusões do Conselho no primeiro semestre de 2021.

2.2.

A rápida digitalização da economia e da sociedade, substancialmente acelerada pela pandemia de COVID-19, impulsionou a adoção do teletrabalho, de tal modo que, em julho de 2020, 34 % dos trabalhadores trabalhavam exclusivamente a partir de casa e 14 % trabalhavam parcialmente a partir de casa (6). Embora a pandemia tenha sido uma ocasião de compreender melhor a importante expansão do teletrabalho, é necessário prestar atenção às condições de trabalho normais do teletrabalho não relacionado com a pandemia.

2.3.

Embora a igualdade de género esteja dependente de muitos fatores e o teletrabalho tenha diversos impactos económicos e sociais para além dos relacionados com a igualdade de género, o presente parecer exploratório aborda especificamente as ligações entre o teletrabalho e a igualdade de género, conforme solicitado pela presidência portuguesa. O objetivo é encontrar formas de transformar o teletrabalho num dos motores da promoção da igualdade de género e evitar o agravamento da repartição iníqua das atividades de prestação de cuidados e do trabalho doméstico não remunerados entre homens e mulheres, já que o teletrabalho pode comportar benefícios e riscos no que diz respeito à igualdade de género. O CESE salienta a necessidade de integrar a perspetiva de género na elaboração das políticas, com o objetivo de ajudar a atenuar os riscos e a identificar oportunidades.

2.4.

O aproveitamento do potencial do teletrabalho e, simultaneamente, a atenuação dos seus riscos contribuem para preservar as conquistas a nível mundial em matéria de igualdade de género (7). Embora as atividades profissionais móveis fora das instalações do empregador sejam mais frequentemente desempenhadas por homens do que por mulheres, as mulheres trabalham mais regularmente a partir de casa do que os homens. Este facto pode decorrer, em certa medida, dos papéis de género e dos modelos de trabalho e de vida familiar específicos de cada país e cada cultura (8). Geralmente, as mulheres têm a cargo a maior parte das atividades de prestação de cuidados não remunerada nos agregados familiares (9), mas estas atividades, apesar de constituírem uma parte determinante da vida socioeconómica, não são reconhecidas como tal. O teletrabalho pode contribuir para um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, mas pode também impor às mulheres uma parte ainda mais significativa do trabalho doméstico não remunerado, expondo-as igualmente a outros riscos, como a violência doméstica e em linha ou o risco de perderem oportunidades profissionais.

2.5.

As empresas e a sociedade no seu conjunto não devem poupar esforços para eliminar estes estereótipos de género e reconhecer as mulheres como trabalhadores de pleno direito para além dos seus muitos outros papéis e qualidades. Estes preconceitos têm um custo económico e social muito pesado para a sociedade. Os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil de todos os setores devem poder assumir a liderança nesta questão, que é essencial para os direitos humanos e os direitos das mulheres, mas também para a economia europeia (10).

2.6.

A avaliação dos impactos do teletrabalho deve ter em conta que os efeitos do teletrabalho no contexto da pandemia poderão ser substancialmente diferentes dos seus efeitos em condições normais. É provável que as vantagens e as desvantagens do teletrabalho se acentuem durante a pandemia, período em que o teletrabalho passou a ser obrigatório e as vidas das pessoas estão sujeitas a várias restrições, incluindo a utilização do domicílio enquanto espaço comum de trabalho, estudo e vida para todos os membros da família. Por conseguinte, é necessário adotar não apenas uma visão de curto prazo, mas também, acima de tudo, uma perspetiva de longo prazo na avaliação dos efeitos do teletrabalho na igualdade de género e no mundo do trabalho, procurando igualmente proporcionar condições de trabalho normais no contexto do teletrabalho. Em tempos normais, o teletrabalho deve assentar num acordo mútuo e ser voluntário, devendo todas as modalidades práticas estar definidas num acordo contratual e/ou em convenções coletivas.

2.7.

O CESE aproveita igualmente esta oportunidade para associar alguns elementos do parecer ao contributo para executar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em particular o ODS 5 (igualdade de género) e o ODS 8 (trabalho digno e crescimento económico). As metas do ODS 5 incluem a eliminação de todas as formas de discriminação e de violência contra as mulheres e raparigas, o reconhecimento e a valorização das atividades de prestação de cuidados e de trabalho doméstico não remunerados, através da disponibilização de serviços públicos, infraestruturas e políticas de proteção social, e a promoção da responsabilidade partilhada dentro do agregado familiar e da família. Outra meta é o reforço da utilização de tecnologias facilitadoras, em especial as tecnologias da informação e comunicação (TIC), a fim de promover a capacitação das mulheres. O ODS 8 visa um crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos e prevê uma meta de reforço da produtividade, por exemplo, através da modernização tecnológica e da inovação.

3.   Ensinamentos retirados do período de pandemia: a perspetiva de género

3.1.

O período de pandemia pode fornecer ensinamentos quanto à dimensão de género do teletrabalho. A pandemia realça a importância do papel das mulheres na economia — enquanto prestadoras de cuidados essenciais, muitas vezes trabalhando na «linha da frente» (11). Os estudos revelam (12) que muitas desigualdades de género estruturais no mercado de trabalho e na sociedade foram exacerbadas pela pandemia, que afetou as mulheres de forma desproporcionada. A presente secção aborda algumas conclusões cruciais sobre o teletrabalho (principalmente a partir de casa) durante a pandemia. A sua análise numa perspetiva de género pode ser útil para promover a igualdade de género.

3.2.

Embora o teletrabalho se tenha tornado obrigatório, sempre que possível, a fim de tentar controlar a pandemia, nem todos os trabalhadores puderam beneficiar deste regime. O teletrabalho é mais comum nas cidades do que nas zonas rurais e mais frequente entre as pessoas com formação superior. Também varia consoante os setores, sendo a incidência do teletrabalho mais elevada na educação, nos serviços financeiros e na administração pública e menos elevada na saúde, nos transportes, na agricultura, no comércio e na hotelaria e restauração (13). Alguns estudos recentes fornecem dados sobre as profissões em que o teletrabalho é possível, mas é necessária uma análise mais aprofundada (14). É também evidente que alguns postos de trabalho não podem ser executados à distância e que outros apenas podem ser realizados à distância de forma muito limitada (15).

3.3.

Há mais mulheres do que homens em teletrabalho no contexto da pandemia. Durante este período, as horas de trabalho semanais dos homens diminuíram mais em relação às das mulheres, mas havia mais mulheres empregadas que tinham interrompido temporariamente toda a atividade profissional (licença sem vencimento). Uma explicação plausível para esta situação é o facto de as mulheres trabalhadoras e mães terem suportado o aumento das responsabilidades de prestação de cuidados em casa durante o período da COVID-19, devido ao encerramento de locais de trabalho, das escolas e das instalações de acolhimento de crianças. Nos agregados familiares em que os dois progenitores trabalhavam e em que existia a possibilidade de escolha, era mais provável que as mulheres aproveitassem oportunidade de licenças do que os parceiros do sexo masculino (16). Durante a pandemia, em muitos Estados-Membros, a redução da gama de serviços de cuidados a crianças e de outros tipos de cuidados, bem como a falta de flexibilidade nas instituições de acolhimento de crianças e de prestação de outros cuidados, agravaram ainda mais a situação dos progenitores, em particular das mães.

3.4.

Entre as pessoas que trabalhavam à distância, um quarto eram pais de crianças com idade inferior a 12 anos e, neste grupo, 22 % tinham muito mais dificuldade do que outros grupos em se concentrarem no trabalho e em conseguirem um equilíbrio adequado entre vida profissional e pessoal (17). Principalmente no caso das mulheres com responsabilidades na prestação de cuidados, o trabalho a partir de casa era prejudicado por vários fatores, incluindo a falta de um espaço tranquilo para poderem trabalhar sem interrupções, mas também, por um lado, a falta de tempo para dedicar ao trabalho e, por outro, a tendência para trabalharem mais tempo e, inclusive, para estarem permanentemente conectadas, não respeitando as normas de tempo de conexão e desconexão. Esta situação exige uma melhor aplicação da legislação pertinente em vigor e uma monitorização mais atenta pelas autoridades de inspeção do trabalho, bem como uma avaliação da adequação do quadro vigente. Os progenitores isolados, 85 % dos quais, na UE, são mulheres, encontravam-se especialmente vulneráveis, uma vez que a pandemia prejudicou o seu já frágil equilíbrio entre vida profissional e pessoal (18).

3.5.

Há também indicações de que as mulheres que trabalhavam em setores altamente especializados, exigentes e competitivos, como o meio académico, foram mais afetadas do que os homens (19), já que a prestação de cuidados e o trabalho doméstico não remunerados reduziram a sua capacidade de serem produtivas, comprometendo ainda mais as suas perspetivas profissionais. Do mesmo modo, as mulheres empresárias que gerem PME enfrentavam graves limitações de tempo, além de importantes problemas financeiros, nos seus esforços para manter vivas as suas empresas durante o confinamento (20).

3.6.

O período de pandemia também conduziu a um aumento alarmante da violência doméstica contra as mulheres, fisicamente e em linha, já que as vítimas se encontram bastante mais isoladas de potenciais recursos e oportunidades de ajuda (21). A violência doméstica aumentou um terço durante a pandemia, período em que era imperativo ficar em casa e trabalhar a partir de casa, se possível, para controlar a pandemia (22). Os dados mostram igualmente que o trabalho à distância fez com que o assédio sexual em contexto de trabalho se tenha tornado mais frequente em linha.

4.   Oportunidades, riscos e pré-requisitos do teletrabalho

4.1.

A fim de utilizar o teletrabalho da melhor forma possível para promover a igualdade de género e facilitar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, é necessária uma análise completa dos seus potenciais benefícios e riscos para as mulheres e os homens. Sem uma análise adequada das questões de género, as políticas aparentemente neutras em matéria de género podem, na realidade, não ter devidamente em conta o género e afetar negativamente as mulheres.

4.2.

As oportunidades do teletrabalho incluem:

Maior flexibilidade na organização do tempo de trabalho em geral e, em certa medida, mais possibilidades de organização do tempo pelos trabalhadores para alcançar os resultados esperados;

Maior flexibilidade na conjugação das responsabilidades de prestação cuidados não remunerada com o emprego remunerado, que pode melhorar a participação no mercado de trabalho;

Possibilidade de partilhar mais equitativamente os cuidados a crianças ou a familiares dependentes quando ambos os progenitores estão em teletrabalho;

Melhor inclusão no mercado de trabalho das pessoas limitadas por obstáculos sociais ou no local de trabalho, por exemplo pessoas que enfrentam limitações devido a uma deficiência;

Aumento da produtividade devido a um melhor desempenho;

Melhor correspondência geográfica entre a oferta e a procura de emprego, sem necessidade de alterar o local de residência, o que pode resultar numa inversão da distribuição regional de postos de trabalho entre as cidades e as zonas rurais (23);

Economias de tempo e de custos devido à eliminação ou diminuição das deslocações casa-trabalho.

4.3.

De igual modo, há riscos associados ao teletrabalho, relacionados principalmente com os seguintes desafios:

Organização do espaço de trabalho à distância e concentração no trabalho, principalmente quando outros membros da família trabalham ou estudam a partir de casa e quando a dimensão da habitação não permite um espaço de trabalho separado;

Acesso a instalações de escritório adequadas, incluindo mobiliário ergonómico, e a equipamentos e programas especializados ou adaptados, bem como à formação;

Ausência de contacto pessoal e espírito de equipa entre colegas, e risco de «invisibilidade» na comunidade profissional;

Acentuação do desequilíbrio na prestação de cuidados e no trabalho doméstico devido à estereotipação dos papéis profissionais e familiares;

Aumento da violência e do assédio baseados no género, incluindo o assédio em linha, a falta de apoio social e o isolamento;

Falta de atividade física e interrupção das rotinas e dos hábitos diários, bem como a pressão de combinar o trabalho com as tarefas domésticas e evitar o esbatimento dos limites entre vida profissional e pessoal, que pode conduzir a problemas de saúde mental e física, incluindo mais casos de esgotamento profissional;

Utilização abusiva das novas possibilidades de monitorização e dos dados pessoais;

Dificuldade de monitorizar as condições de trabalho em casa — tanto para os empregadores como para os sindicatos;

Cibersegurança e questões associadas ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados;

Reforço do controlo social;

Risco de trabalhar mais horas e de períodos de repouso demasiado curtos devido ao não respeito das normas de tempo de conexão e de desconexão;

Incapacidade ou dificuldade dos sindicatos em proteger os direitos dos trabalhadores;

Incerteza quanto à responsabilidade da entidade patronal por garantir as condições de saúde e segurança no local de trabalho, as condições de trabalho e a aplicação das convenções coletivas.

4.4.

Os pré-requisitos mais concretos do teletrabalho dizem respeito à acessibilidade das infraestruturas e tecnologias necessárias. A conectividade crescente não chega a todos — alguns grupos de mulheres (por exemplo, com idade mais avançada, de estratos socioeconómicos desfavorecidos, com menos habilitações) têm um acesso desigual à conectividade e às tecnologias digitais, o que agrava a clivagem digital (24). Por conseguinte, é necessária a adoção de políticas públicas sólidas para promover o acesso a redes e a espaços locais partilhados que facilitem o teletrabalho fora de casa. O CESE salienta a necessidade de prevenir situações em que os trabalhadores que trabalham à distância suportem as despesas com equipamento necessário para executar o trabalho à distância, em conformidade com o Acordo-Quadro dos Parceiros Sociais sobre Teletrabalho e com a legislação nacional pertinente, nomeadamente no tocante a equipamento informático, mobiliário ergonómico, medidas de saúde e segurança e custos acrescidos relacionados com o espaço em que o trabalho é realizado.

4.5.

As competências e a formação no domínio digital constituem outro pré-requisito importante do teletrabalho e, neste aspeto, os homens estão frequentemente em melhor posição do que as mulheres — só em seis Estados-Membros (Finlândia, Eslovénia, Lituânia, Letónia, Chipre e Bulgária) as mulheres possuem melhores competências digitais do que os homens (25). A clivagem entre homens e mulheres no domínio das competências digitais aumenta proporcionalmente à idade. A avaliação das dimensões de género do teletrabalho também deve ter em conta estas diferenças.

4.6.

Além das competências digitais, o teletrabalho exige competências que permitam adotar técnicas de gestão e uma orientação do trabalho evolutivas e coloca, por conseguinte, desafios aos trabalhadores e aos empregadores, nomeadamente às pequenas e médias empresas (PME). A gestão de empresas e pessoal à distância exige competências de gestão específicas, flexibilidade, resiliência e formas inovadoras de organizar o trabalho, uma vez que o teletrabalho requer uma gestão baseada nos resultados e não nos processos. Deve ser ministrada formação específica para ajudar os gestores/supervisores a gerir eficazmente os trabalhadores à distância.

4.7.

Para os trabalhadores, a maior flexibilidade e liberdade para organizar o seu trabalho exige também grande responsabilidade e empenho, bem como competências de autogestão e uma relação de confiança entre os trabalhadores e os respetivos gestores. Vários estudos demonstraram que o teletrabalho podia ser, em certos setores, uma fonte de ganhos de produtividade, aspeto que os gestores poderiam compreender melhor através de formação específica. O teletrabalho pode aumentar o grau de implicação dos trabalhadores na conceção do seu próprio trabalho e reforçar o desempenho.

4.8.

Os teletrabalhadores devem beneficiar das mesmas oportunidades de acesso à formação, de desenvolvimento profissional contínuo, de promoção e de progressão profissional. Este aspeto é particularmente importante para as teletrabalhadoras, que podem ter menos tempo e oportunidades para participar em atividades de progressão na carreira fora dos horários de trabalho.

4.9.

Se todos tiverem acesso às instalações e competências necessárias, o próprio teletrabalho será uma forma de trabalho disponível e acessível tanto para os homens como para as mulheres. Por conseguinte, os serviços de assistência públicos de qualidade, a preços comportáveis, acessíveis e diversificados são fundamentais para aproveitar da melhor forma o teletrabalho. Em alguns Estados-Membros, existem apoios financeiros e incentivos fiscais específicos para promover os cuidados a crianças, incluindo em casa, por profissionais qualificados, uma prática que vale a pena avaliar de forma comparativa.

4.10.

Embora o teletrabalho possa aumentar a procura de alguns serviços, pode também deteriorar a situação de algumas PME em que o empreendedorismo feminino é predominante e cujos clientes são principalmente mulheres que realizam deslocações casa-trabalho. Tal aplica-se, por exemplo, a pequenas lojas de produtos alimentares ou outros bens, a mercados e a centros de serviços. A atenuação deste risco exigiria um afastamento relativamente às escolhas estereotipadas de profissões. O mesmo se aplica à atenuação das diferenças nas possibilidades de teletrabalho para homens e mulheres causadas pela segregação setorial e pelas diferentes possibilidades de teletrabalho em função dos setores.

5.   Formas de integrar a igualdade de género

5.1.

Embora a organização do trabalho caiba aos empregadores, os parceiros sociais, nomeadamente através da negociação coletiva, podem contribuir de forma significativa para promover o teletrabalho de uma forma que contribua para a igualdade de género, bem como para o aumento da produtividade e do bem-estar no trabalho. O Acordo-Quadro sobre Teletrabalho, celebrado em 2002 pelos parceiros sociais da UE e aplicado em 2008 por todos os Estados-Membros (26), estabelece um enquadramento jurídico geral para uma utilização do teletrabalho que responda às necessidades dos empregadores e dos trabalhadores de forma equilibrada. O diálogo social é um instrumento essencial para abordar questões como os salários, o tempo de trabalho, os regimes de conexão, a saúde e segurança e o desenvolvimento de competências no contexto do teletrabalho. O CESE solicita também a divulgação de boas práticas destinadas a permitir que as mulheres e os homens combinem a vida profissional e familiar de modo equitativo, bem como a promoção e o financiamento de ações conjuntas dos parceiros sociais.

5.2.

Tendo em conta que o teletrabalho se baseia nas infraestruturas tecnológicas e na conectividade, o CESE sublinha a importância primordial do investimento em infraestruturas digitais adequadas, assegurando o acesso a ligações digitais estáveis e a hardware e software adequados para permitir um teletrabalho eficiente a todos os grupos da sociedade e evitar problemas em quaisquer outros domínios da digitalização da economia e da sociedade.

5.3.

O CESE reitera o seu apelo para o reforço das competências digitais para todos, a fim de permitir que as pessoas abordem e moldem o desenvolvimento digital, aproveitando plenamente as oportunidades da aprendizagem eletrónica. Tal inclui a educação formal, informal e não formal e a respetiva validação, abrangendo a formação geral de base, a melhoria de competências e a requalificação, em consonância com a abordagem de aprendizagem contínua e ao longo da vida. É necessário prestar especial atenção às competências das mulheres, a fim de lhes permitir participar plenamente e em igualdade de condições nos mercados de trabalho e gerir questões digitais práticas do quotidiano.

5.4.

O CESE salienta a necessidade de um pacto para os cuidados na Europa, uma vez que investir no setor da prestação de cuidados asseguraria a prestação de serviços de maior qualidade para todos ao longo do ciclo de vida e reconheceria tanto as mulheres como os homens enquanto trabalhadores e prestadores de cuidados em pé de igualdade. O CESE insta os Estados-Membros a investirem em infraestruturas de cuidados de todos os tipos. Os planos nacionais de recuperação e resiliência no âmbito do instrumento Próxima Geração UE oferecem uma oportunidade para orientar os investimentos para o setor dos cuidados. O CESE solicita também a divulgação de boas práticas destinadas a permitir que as mulheres e os homens combinem a vida profissional e familiar de modo equitativo, bem como a promoção e o financiamento de ações conjuntas dos parceiros sociais. O CESE insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a rever as metas de Barcelona (27) para assegurar a disponibilidade de serviços de cuidados a crianças de qualidade, flexíveis, diversificados e a preços comportáveis (28). O Comité salienta também a importância da transição dos cuidados em instituições para serviços de proximidade e personalizados para as crianças vulneráveis e para os adultos com necessidades específicas, conforme explicitado nas orientações europeias comuns publicadas pela Comissão Europeia (29).

5.5.

O CESE incentiva os Estados-Membros a aplicar a Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida de forma eficiente e atempada, a fim de proporcionar às famílias opções adequadas para práticas mais equitativas, tendo também em consideração as necessidades das empresas, em especial das PME. As empresas mais pequenas, cuja atividade assenta, por definição, no trabalho de uma equipa reduzida, precisam, ainda mais do que as restantes, de continuidade e estabilidade na sua organização da produção. Com base nos ensinamentos retirados até ao momento, podem ponderar-se regimes flexíveis para combinar o trabalho presencial com as opções de teletrabalho.

5.6.

Importa dedicar especial atenção às condições de grupos de mulheres vulneráveis, como as mulheres com deficiência, progenitoras isoladas, idosas, mulheres migrantes e ciganas. Importa apoiar as organizações que representam as mulheres, bem como as que representam as famílias, nomeadamente através de medidas específicas financiadas por fundos nacionais e da UE.

5.7.

É importante disponibilizar todos os serviços de apoio em resposta a situações de violência (atendendo a que a violência doméstica aumentou consideravelmente devido às medidas de confinamento durante a pandemia (30)), bem como dar cumprimento à legislação de combate à violência. O CESE insta os Estados-Membros a desenvolverem e aplicarem medidas destinadas a prevenir qualquer tipo de violência, física ou em linha, contra as mulheres. São necessárias medidas mais fortes para combater a violência e o assédio sexual no local de trabalho, nomeadamente no contexto do teletrabalho. Se não estiver disponível um local de trabalho «seguro» (devido, por exemplo, ao teletrabalho), os sobreviventes de violência doméstica não têm qualquer controlo social e dispõem de acesso limitado ou inexistente a informações e ajuda adequadas (31). Os parceiros sociais devem ser incentivados e apoiados no desenvolvimento de políticas de prevenção da violência doméstica, incluindo através de ações conjuntas específicas e da disponibilização de sistemas adequados de monitorização e comunicação de informações, também, e sobretudo, quando o trabalho é realizado à distância (32). O CESE congratula-se com a proposta de decisão do Conselho, apresentada pela Comissão, que autoriza os Estados-Membros a ratificarem, no interesse da UE, a Convenção n.o 190 da OIT sobre Violência e Assédio, de 2019, incentivando os Estados-Membros a procederem rapidamente (33) e instando a UE a colaborar com países terceiros para o mesmo fim. O CESE observa que o Conselho já convidou os Estados-Membros que ainda o não fizeram a ratificarem a Convenção de Istambul e aplaude a intenção da Comissão, expressa no Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, de propor legislação para combater a violência de género contra as mulheres, incluindo o assédio no local de trabalho em razão do sexo.

5.8.

Embora o teletrabalho não seja uma nova forma de trabalho, continuam a existir efeitos desconhecidos que justificam uma investigação mais aprofundada. Seria útil, por exemplo, estudar os seus impactos e pré-requisitos em condições não relacionadas com a pandemia, tendo em conta a evolução a longo prazo de diferentes setores da economia e da sociedade. Considerando que as inovações sociais e tecnológicas de desenho universal são fundamentais para utilizar da melhor forma o teletrabalho e, simultaneamente, resolver os problemas relacionados com a igualdade de género, o CESE preconiza que estes temas sejam integrados nas políticas de investigação, desenvolvimento e inovação, tanto a nível nacional como a nível da UE. Importa também recolher e partilhar bons exemplos de práticas existentes em toda a UE para impulsionar soluções avançadas.

5.9.

Uma vez que o investimento em infraestruturas técnicas, sociais e de inovação de desenho universal constitui uma parte central dos orçamentos públicos, uma afetação adequada de financiamento pode ser essencial para promover a igualdade de género no teletrabalho. Os fundos da UE, incluindo os fundos estruturais e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, também devem ser utilizados para apoiar este objetivo.

5.10.

A conectividade é um fenómeno societal. É necessário desenvolver práticas a nível dos locais de trabalho, nomeadamente aplicando instrumentos como o acordo dos parceiros sociais sobre digitalização, tendo em conta também que a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho está a preparar uma campanha da UE para locais de trabalho saudáveis dedicada à digitalização, que terá início em 2023.

5.11.

O CESE chama também a atenção para o Acordo-Quadro Autónomo sobre Digitalização (34) e insta a Comissão Europeia a atribuir apoio financeiro específico a ações conjuntas orientadas dos parceiros sociais, bem como a apoiar organizações da sociedade civil que contribuem para o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. O Acordo-Quadro Autónomo sobre Digitalização descreve pormenorizadamente formas de abordar questões relacionadas com os regimes de conexão e desconexão em ambientes do mundo digitalizado, incluindo as causas profundas dos períodos de conexão excessivos e das longas horas de trabalho, e é provável que venha a existir um vasto conjunto de exemplos nacionais de aplicação deste acordo-quadro, incluindo convenções coletivas setoriais ou acordos de empresa e documentos de orientação.

5.12.

No que diz respeito às abordagens nacionais em matéria de conexão e desconexão, a França, a Bélgica, a Itália e Espanha adotaram legislação relativa ao direito a desligar, a fim de clarificar os direitos, sensibilizar para a necessidade de mudar os padrões de tempo de trabalho ou mesmo incentivar uma mudança cultural rumo a uma organização mais saudável do trabalho. Nos Países Baixos e em Portugal, foram apresentadas propostas legislativas. Na Alemanha, Finlândia, Irlanda, Luxemburgo, Lituânia, Malta, Suécia e Eslovénia, o debate prossegue e nos restantes 13 Estados-Membros esse debate ainda não se iniciou. O Parlamento Europeu aprovou recentemente uma resolução sobre o direito a desligar, na qual insta a Comissão Europeia a propor legislação que permita que quem trabalha por meios digitais desligue os aparelhos fora do horário de trabalho, bem como a definir os requisitos mínimos aplicáveis ao teletrabalho e a clarificar as condições de trabalho, os horários e os períodos de repouso (35). Existem opiniões diversas sobre a necessidade de legislação ou sobre a adequação das disposições existentes e a necessidade de adotar uma abordagem baseada apenas na negociação coletiva. Não obstante estas diferenças de opinião, existe um consenso relativamente alargado entre os parceiros sociais sobre a necessidade de determinar e aprovar os regimes de conexão e desconexão através do diálogo social a nível das empresas (e/ou dos setores) para assegurar a adaptação desses regimes às necessidades específicas dos setores, das empresas e de outras organizações, sem descurar as necessidades dos trabalhadores, nomeadamente em matéria de saúde e segurança.

5.13.

Além disso, os decisores políticos devem consultar os parceiros sociais no quadro da elaboração de políticas relacionadas com o trabalho e o emprego, incluindo as políticas que influenciam o teletrabalho e as suas implicações em matéria de género. O CESE salienta que as questões de género devem ser integradas em todos os domínios de intervenção. Uma vez que o teletrabalho também está relacionado com a vida quotidiana dos cidadãos e com as políticas ambientais e climáticas, as organizações da sociedade civil ativas em questões relacionadas, nomeadamente, com as mulheres, a família, os consumidores e o ambiente devem ter uma palavra a dizer na elaboração de políticas.

5.14.

É essencial que a UE crie condições favoráveis ao empreendedorismo e à atividade empresarial, a fim de habilitar e incentivar o setor privado a inovar e a investir em novos métodos e a criar novos postos de trabalho, de uma forma que promova os pré-requisitos da igualdade de género no teletrabalho. Uma gestão bem-sucedida do teletrabalho exige também uma cooperação estreita e harmoniosa entre os setores público e privado a nível prático. Este aspeto é importante, por exemplo, nos domínios das infraestruturas digitais, da educação e formação, dos serviços de saúde e sociais e da investigação e inovação.

5.15.

Além disso, é necessário que as pessoas e as famílias desenvolvam uma nova forma de pensar. A redução e a desconstrução do pensamento estereotipado requerem mais sensibilização e empenho. É igualmente necessário promover ativamente uma cultura organizacional que assegure a sensibilização para as questões de género, como os princípios da igualdade de remuneração, a manutenção da «visibilidade» de todos, etc., ajudando os gestores a elaborar e a aplicar práticas favoráveis ao teletrabalho. Estas medidas devem ser reforçadas, por exemplo, no contexto da aplicação da Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida, através de campanhas de sensibilização. O CESE insta os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil a assumirem um papel central neste domínio, defendendo papéis familiares não estereotipados, mas também opções não estereotipadas no que diz respeito aos estudos, às profissões e aos empregos. É também necessário integrar a igualdade de género na educação, desde a educação pré-escolar e os estudos primários até à formação profissional e às universidades.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Relatório da Eurofound intitulado «Living, working and COVID-19» [Vida, trabalho e a COVID-19]. A comparação diz respeito a 2018, ano em que menos de 5 % dos trabalhadores trabalhavam regularmente à distância e menos de 10 % de forma ocasional, como comunicado pela Comissão Europeia em 2020.

(2)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/qanda_20_357

(3)  Acordos-quadro autónomos dos parceiros sociais da UE sobre a digitalização, de 2020, e sobre o teletrabalho, de 2002; relatório da Comissão Europeia sobre a execução do Acordo-Quadro dos Parceiros Sociais Europeus sobre Teletrabalho [COM(2008) 412 final] — http://erc-online.eu/european-social-dialogue/database-european-social-dialogue-texts/

(4)  JO C 237 de 6.7.2018, p. 8.

(5)  http://erc-online.eu/european-social-dialogue/database-european-social-dialogue-texts/ e http://resourcecentre.etuc.org/

(6)  Relatório da Eurofound intitulado «Living, working and COVID-19» [Vida, trabalho e a COVID-19].

(7)  Serviço de Estudos do Parlamento Europeu: «Gender equality: a review in progress» [Igualdade de género: análise em curso] — as Nações Unidas alertam agora que a pandemia de COVID-19 poderá anular as conquistas a nível mundial em matéria de igualdade de género, precisamente numa altura em que a comunidade internacional se preparava para dar um novo impulso neste domínio.

(8)  «Gender Equality Index 2020: Digitalisation and the future of work» [Índice de Igualdade de Género de 2020: A digitalização e o futuro do trabalho], Instituto Europeu para a Igualdade de Género.

(9)  «Gender Equality Index 2020: Digitalisation and the future of work» [Índice de Igualdade de Género de 2020: A digitalização e o futuro do trabalho], Instituto Europeu para a Igualdade de Género.

(10)  Documentos da União Nacional das Profissões Liberais (UNAPL), da Federação de Pequenas e Médias Empresas da Catalunha (FEPIME Catalunya) e da Federação de Associações de Empresárias do Mediterrâneo (AFAEMME).

(11)  https://data.unwomen.org/features/covid-19-and-gender-what-do-we-know-what-do-we-need-know

(12)  Serviço de Estudos do Parlamento Europeu, «Achieving gender equality in the face of the pandemic and existing challenges» [Alcançar a igualdade de género no contexto da pandemia e dos desafios já existentes]: https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/ATAG/2021/659440/EPRS_ATA(2021)659440_EN.pdf; https://eige.europa.eu/topics/health/covid-19-and-gender-equality

(13)  Eurofound, 2020. «Living, working and COVID-19» [Vida, trabalho e a COVID-19].

(14)  Inquérito em linha, Grupo COVID-19, Inquérito sobre a Estrutura dos Rendimentos. Eurofound (2020) «Teleworkability and the COVID-19 crisis: a new digital divide?» [A possibilidade de teletrabalho e a crise da COVID-19: uma nova clivagem digital?].

(15)  Estima-se que, em geral, o teletrabalho seja possível em cerca de 37 % dos postos de trabalho na UE (ver dados da Eurofound).

(16)  Eurofound (2021), «COVID-19: Some implications for employment and working life» [COVID-19: Algumas consequências no emprego e na vida profissional], Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo — a publicar brevemente.

(17)  Eurofound, 2020. «Living, Working and COVID-19» [Vida, trabalho e a COVID-19].

(18)  «Gender Equality Index 2020: Digitalisation and the future of work» [Índice de Igualdade de Género de 2020: A digitalização e o futuro do trabalho], Instituto Europeu para a Igualdade de Género.

(19)  https://www.nature.com/articles/d41586-020-01294-9

(20)  Documentos da União Nacional das Profissões Liberais (UNAPL), da Federação de Pequenas e Médias Empresas da Catalunha (FEPIME Catalunya) e da Federação de Associações de Empresárias do Mediterrâneo (AFAEMME).

(21)  https://www.opendemocracy.net/en/5050/covid19-sexual-harassment-work-online/

(22)  https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20200406IPR76610/covid-19-stopping-the-rise-in-domestic-violence-during-lockdown

(23)  https://ec.europa.eu/commission/commissioners/2019-2024/suica/announcements/speech-vice-president-suica-demographic-change-eu-epc_en, https://horizon-magazine.eu/article/teleworking-here-stay-here-s-what-it-means-future-work.html

(24)  https://www.oecd.org/going-digital/bridging-the-digital-gender-divide-key-messages.pdf

(25)  «Gender Equality Index 2020: Digitalisation and the future of work» [Índice de Igualdade de Género de 2020: A digitalização e o futuro do trabalho], Instituto Europeu para a Igualdade de Género.

(26)  http://erc-online.eu/european-social-dialogue/database-european-social-dialogue-texts/

(27)  Em consonância com a nova Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 da UE.

(28)  «European Social Partners joint statement on childcare provisions in the EU» [Declaração conjunta dos parceiros sociais europeus sobre a prestação de cuidados a crianças na UE], 24 de novembro de 2020.

(29)  https://deinstitutionalisationdotcom.files.wordpress.com/2017/07/guidelines-final-english.pdf/

(30)  https://unric.org/en/who-warns-of-surge-of-domestic-violence-as-covid-19-cases-decrease-in-europe/; https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20200406IPR76610/covid-19-stopping-the-rise-in-domestic-violence-during-lockdown

(31)  Na sua nota n.o 3 intitulada «Domestic violence and its impact on the world of work» [Violência doméstica e o seu impacto no mundo do trabalho] de março de 2020, a OIT apresenta os elevados custos da violência doméstica para as economias nacionais. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---gender/documents/briefingnote/wcms_738117.pdf).

(32)  Um exemplo de boas práticas é o do conjunto de ferramentas da Vodafone sobre a violência doméstica no trabalho: reconhecer, reagir e reencaminhar, https://www.vodafone.com/content/dam/vodcom/files/vodafone_domestic_violence_toolkit_2020.pdf

(33)  https://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2020/PT/COM-2020-24-F1-PT-MAIN-PART-1.PDF

(34)  https://www.ceep.eu/wp-content/uploads/2020/06/Final-22-06-20_Agreement-on-Digitalisation-2020.pdf

(35)  https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20210114IPR95618/eurodeputados-pedem-para-a-ue-reconhecer-o-direito-a-desligar-como-fundamental, 472 votos a favor, 126 contra e 83 abstenções.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 59.o, n.o 3, do Regimento):

Ponto 4.3 (13.o ponto normando)

Suprimir o ponto normando.

 

4.3.

De igual modo, há riscos associados ao teletrabalho, relacionados principalmente com os seguintes desafios:

[…]

Incerteza quanto à responsabilidade da entidade patronal por garantir as condições de saúde e segurança no local de trabalho, as condições de trabalho e a aplicação das convenções coletivas.

Justificação

Há disposições exaustivas e abrangentes no acervo comunitário que garantem a saúde e a segurança no local de trabalho durante o teletrabalho, incluindo direitos e obrigações explícitos. Não se encontrou qualquer prova ou indício de tais incertezas durante a elaboração do parecer.

Resultado da votação

Votos a favor:

103

Votos contra:

112

Abstenções:

25

Ponto 1.4

Alterar.

 

1.4

O CESE toma nota do considera o atual quadro jurídico e complementar no domínio do teletrabalho pertinente e suficiente. , que Este enquadramento jurídico inclui a Diretiva Tempo de Trabalho, a Diretiva Segurança e Saúde no Trabalho, a Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida e os acordos-quadro autónomos sobre o teletrabalho, de 2002 — implementados nos Estados-Membros mediante diferentes instrumentos  —, e a digitalização, de 2020. O CESE apela para a aplicação célere e eficaz destas medidas legislativas e acordos e para que se lhes confira um novo ímpeto, nomeadamente promovendo a negociação coletiva a nível nacional, com vista a produzir um impacto positivo na igualdade de género. Observa igualmente que não há um quadro europeu consolidado para o teletrabalho. O Parlamento Europeu defendeu que «é necessário estabelecer um quadro legislativo que regulamente as condições de teletrabalho em toda a UE, a fim de assegurar condições de trabalho e de emprego dignas na economia digital, contribuindo assim para a redução das desigualdades e para a resolução do problema da pobreza no trabalho». Por conseguinte, o CESE recomenda que se avaliem as regras em vigor no intuito de determinar a sua eficácia à luz da rápida expansão do teletrabalho, do conhecimento adquirido sobre novos riscos e dos ensinamentos retirados. Em particular, incentiva os parceiros sociais a reverem o Acordo-Quadro sobre o Teletrabalho de 2002 e a conferirem-lhe um novo ímpeto.

Justificação

A alteração proposta torna o texto mais preciso e claro, e harmoniza-o com o âmbito do parecer.

Resultado da votação

Votos a favor:

109

Votos contra:

112

Abstenções:

18

Ponto 1.8

Suprimir.

 

1.8.

O teletrabalho acarreta o risco de o trabalhador se tornar invisível na comunidade profissional, deixando de beneficiar do apoio das estruturas formais e informais, dos contactos pessoais com colegas e do acesso à informação. Esta situação pode levar a que o trabalhador seja descurado no momento da promoção e de dar formação e não disponha de informações importantes em matéria de remuneração e de direitos dos trabalhadores. Para as mulheres, pode mesmo agravar as desigualdades de género existentes, como a disparidade salarial entre homens e mulheres. A proposta de diretiva relativa à transparência salarial, publicada pela Comissão Europeia em 4 de março de 2021, pode ser um meio importante para pôr termo à escassez de informação que resulta da falta de visibilidade.

Justificação

A alteração proposta torna o texto mais preciso e claro, uma vez que os elementos deste ponto já estão incluídos tanto nas conclusões e recomendações como no corpo do parecer.

Resultado da votação

Votos a favor:

113

Votos contra:

125

Abstenções:

13

Os seguintes pontos do parecer da secção foram alterados para refletir a alteração aprovada pela Assembleia, embora mais de um quarto dos votos expressos se tenham pronunciado a favor do texto na sua forma inicial (artigo 59.o, n.o 4, do Regimento):

Ponto 3.4

Alterar.

 

3.4.

Entre as pessoas que trabalhavam à distância, um quarto eram pais de crianças com idade inferior a 12 anos e, neste grupo, 22 % tinham muito mais dificuldade do que outros grupos em se concentrarem no trabalho e em conseguirem um equilíbrio adequado entre vida profissional e pessoal (17). Principalmente no caso das mulheres com responsabilidades na prestação de cuidados, o trabalho a partir de casa era prejudicado por vários fatores, incluindo a falta de um espaço tranquilo para poderem trabalhar sem interrupções, mas também a falta de tempo para dedicar ao trabalho, por um lado, e, por outro, a tendência para trabalharem mais tempo e, inclusive, para estarem permanentemente conectadas, não respeitando as normas de tempo de conexão e desconexão, situação esta que exige uma melhor aplicação da legislação pertinente em vigor e uma monitorização mais atenta pelas autoridades de inspeção do trabalho. Os progenitores isolados, 85 % dos quais, na UE, são mulheres, encontravam-se especialmente vulneráveis, uma vez que a pandemia prejudicou o seu já frágil equilíbrio entre vida profissional e pessoal (18).

Resultado da votação

Votos a favor:

120

Votos contra:

111

Abstenções:

15

Ponto 4.3 (12.o ponto normando)

Alterar.

 

4.3.

De igual modo, há riscos associados ao teletrabalho, relacionados principalmente com os seguintes desafios:

[…]

Obstáculos ao contacto com representantes sindicais;

[…].

Resultado da votação

Votos a favor:

124

Votos contra:

113

Abstenções:

11


(17)  Eurofound, 2020. «Living, Working and COVID-19» [Vida, trabalho e a COVID-19].

(18)  «Gender Equality Index 2020: Digitalisation and the future of work» [Índice de Igualdade de Género de 2020: A digitalização e o futuro do trabalho], Instituto Europeu para a Igualdade de Género.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/26


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Espaço ferroviário europeu único

[parecer exploratório a pedido da Presidência portuguesa]

(2021/C 220/03)

Relator:

Stefan BACK

Consulta

Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, 26.10.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

9.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

149/68/10

1.   Conclusões e recomendações

Relativamente às questões levantadas pela Presidência portuguesa

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que, não obstante o muito que foi feito em termos de abertura dos mercados e de harmonização técnica ao longo de 30 anos de liberalização, ainda resta muito por fazer no âmbito político, regulamentar e cultural. As medidas devem conferir mais atenção ao desenvolvimento, à adaptação e à aplicação eficaz da legislação social, para além de deverem procurar alcançar o aumento da quota de mercado previsto na estratégia de mobilidade sustentável e inteligente, da Comissão, e melhorar a sustentabilidade ambiental e social.

1.2.

São necessárias medidas para facilitar as operações transfronteiras, reduzindo a necessidade de controlos nas fronteiras e eliminando problemas administrativos e atrasos na passagem de fronteira.

1.3.

Cabe melhorar as prioridades de planeamento de tráfego, o planeamento de capacidades e a prestação de informações, de modo a permitir uma maior flexibilidade e um planeamento de capacidades o mais eficiente possível, tanto no que diz respeito à infraestrutura ferroviária como também, por exemplo, aos terminais destinados a otimizar os fluxos multimodais.

1.4.

São necessários investimentos em infraestruturas, mas também na digitalização e atualização do material circulante, por exemplo, a digitalização através da implantação do Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário (ERTMS) e de acoplamentos automáticos, incluindo o investimento na transição justa e no desenvolvimento de competências, a fim de melhorar a fluidez do tráfego, otimizar a utilização dos recursos e assegurar empregos.

1.5.

A fim de melhorar o tráfego ferroviário de mercadorias, o CESE recomenda a adoção de medidas adicionais, como a cooperação entre as empresas e os modos de transporte para alcançar melhor a sustentabilidade e a eficiência ambiental e social, o relançamento de um sistema europeu de transporte de carga em vagão completo, a ligação entre infraestruturas estratégicas (por exemplo, portos) e soluções ferroviárias, os investimentos em ramais industriais, a participação de grandes empresas de logística numa reorientação modal dos seus fluxos e medidas que visem garantir que todos os modos de transporte adotam comportamentos ambiental e socialmente exemplares.

1.6.

O CESE recomenda, no que diz respeito à dívida pública, que se preveja uma exceção aos critérios de Maastricht para os investimentos públicos em infraestruturas de transporte, também depois da crise da COVID-19. Importa redobrar de esforços para incentivar o investimento no setor ferroviário com o objetivo de promover transportes social e ambientalmente sustentáveis.

1.7.

O desenvolvimento de infraestruturas, incluindo a implementação atempada dos corredores da rede principal da RTE-T e dos corredores da rede de transporte de mercadorias, é essencial e justifica que lhe seja atribuída elevada prioridade em termos de financiamento e planeamento. Tendo em conta o desenvolvimento da rede ferroviária da UE após 2030, é particularmente importante avançar no sentido do desenvolvimento de uma rede de alta velocidade que ligue todas as capitais e principais cidades da UE.

1.8.

O CESE sublinha que a existência de trabalhadores qualificados e motivados, assim como de boas condições de trabalho, é condição essencial para uma evolução bem-sucedida do transporte ferroviário. Por conseguinte, importa adotar legislação social adequada, nomeadamente no que diz respeito ao destacamento de pessoal ferroviário. O CESE salienta que, neste contexto, o bom funcionamento do diálogo social é importante.

1.9.

A experiência adquirida com a crise da COVID-19 deve ser utilizada para desenvolver um sistema ferroviário mais resiliente e eficaz. Quando do planeamento da resiliência, há que consultar estreitamente os parceiros sociais.

1.10.

O estatuto de gestor de infraestrutura inicialmente previsto contribuiu, sem dúvida, para assegurar uma repartição independente, justa e não discriminatória da capacidade da infraestrutura, além de ter resultado numa maior confiança dos operadores num tratamento equitativo. No entanto, as alterações que foram sendo feitas ao quadro regulamentar na Diretiva 2012/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (1) preveem uma escolha mais ampla quanto ao modelo organizacional, centrando-se na independência do gestor de infraestrutura nas chamadas funções essenciais (atribuição de canais horários ferroviários, tarifação e cobrança de taxas) e na transparência assegurada pela contabilidade separada. As disposições em vigor são perfeitamente adequadas para assegurar a independência e a transparência necessárias ao funcionamento correto do mercado interno.

1.11.

O CESE salienta que os sistemas ferroviários integrados podem assegurar uma repartição equitativa, à semelhança dos sistemas não integrados. O CESE chama a atenção para o facto de muitos dos países europeus com um setor ferroviário de grande dimensão e êxito terem optado por empresas ferroviárias integradas a fim de assegurar sinergias, uma melhor coordenação, flexibilidade e um mercado de trabalho interno para salvaguardar o emprego.

1.12.

O mecanismo de coordenação entre gestores de infraestrutura e operadores, bem como a Rede Europeia de Gestores de Infraestrutura, são elementos fundamentais que contribuem para assegurar a melhor eficiência possível.

Conclusões adicionais

1.13.

É necessário que os gestores de infraestrutura se concentrem mais nos estrangulamentos, nas zonas urbanas, nas ligações e fluxos de tráfego transfronteiras e na cooperação.

1.14.

A possibilidade de uma gestão coordenada do tráfego e dos recursos, a nível dos corredores ou da UE, é interessante e deve ser explorada como componente, por exemplo, da implementação dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias ou dos corredores da rede principal da RTE-T.

1.15.

O CESE interroga-se se o transporte ferroviário não necessita de uma mudança de cultura e de uma abordagem muito mais centrada nas necessidades dos clientes, no que diz respeito tanto ao transporte de passageiros como ao transporte de mercadorias. O Ano Europeu do Transporte Ferroviário 2021 é uma oportunidade a aproveitar para promover esta mudança de comportamento e desenvolver uma cooperação mais harmoniosa entre operadores e clientes, bem como para otimizar a utilização das possibilidades oferecidas pela digitalização.

1.16.

O CESE observa que a pandemia de COVID-19 atrasou ou bloqueou projetos, pelo que é agora importante recuperar o tempo perdido.

1.17.

Parece claro que devem ser tidas em conta as necessidades atuais de medidas estratégicas e de melhoria do sistema ferroviário, a fim de alcançar os objetivos de quota modal e permitir que o setor ferroviário desempenhe plenamente o seu papel num sistema de transportes multimodal europeu sustentável. Os auxílios estatais e a intervenção estatal continuam a ser cruciais para garantir serviços essenciais também depois da crise da COVID-19.

1.18.

O impacto da COVID-19 é prejudicial para todos os tipos de tráfego ferroviário de passageiros e, em especial, para os itinerários internacionais. Tendo em conta as especificidades do setor ferroviário, a sua perda de receitas em 2020, num montante de 26 mil milhões de euros, as perdas de 2021, bem como o ritmo lento de recuperação previsto, é necessário conceder às empresas ferroviárias e aos gestores de infraestrutura apoio financeiro adequado e flexível, que deve ser aplicado de forma eficaz, a fim de apoiar o desenvolvimento do mercado do transporte ferroviário e a competitividade do setor em relação aos outros modos de transporte.

1.19.

Os contratos públicos de serviços são essenciais para assegurar aos cidadãos serviços de transporte de passageiros acessíveis, inclusivos e a preços comportáveis. O CESE considera que a adjudicação por ajuste direto de contratos públicos de serviços constitui uma das medidas mais eficazes e eficientes para promover o transporte ferroviário de passageiros.

1.20.

O Ano Europeu do Transporte Ferroviário 2021 constitui uma excelente oportunidade para fazer o balanço da evolução até à data e definir objetivos para o futuro. Por conseguinte, o CESE solicita que seja realizada uma análise imparcial da política ferroviária da UE e das suas realizações, de acordo com a orientação definida no ponto 7.2 e em consonância com os objetivos da política dos transportes estabelecidos nos artigos 90.o e 91.o do TFUE, tendo-se devidamente em conta o direito a um serviço público adequado em caso de falha do mercado, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho (2), o artigo 14.o do TFUE, o Protocolo n.o 26 do TFUE e o artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

2.   Observações gerais/Questões da Presidência portuguesa

2.1.

A Presidência solicitou que o parecer incidisse sobre as três questões seguintes:

2.2.

Que ensinamentos se podem retirar de três décadas de tentativas de liberalização do setor ferroviário nos países da UE (e no Reino Unido)?

2.3.

A separação do sistema ferroviário melhorou ou prejudicou o seu desempenho global?

2.4.

A separação entre os gestores de infraestrutura e os operadores de transporte ferroviário deve seguir um modelo único aplicável a todas as situações ou vários modelos?

3.   Espaço ferroviário europeu único

3.1.

O espaço ferroviário europeu único foi delineado no Livro Branco — Uma estratégia para a revitalização dos caminhos de ferro europeus, publicado em 1996, tendo sido implementado através de quatro pacotes legislativos adotados em 2001, 2004, 2007 e 2016. Em 2001, a quota modal do transporte ferroviário de mercadorias (nos modos de transporte terrestre) foi de 17,5 %, em 2006 de 17,0 % e, em 2018, de 17,9 %. A quota modal do transporte ferroviário de passageiros registou a seguinte evolução: 6,6 % em 2007, 6,6 % em 2010 e 6,9 % em 2018 (incluindo todos os modos de transporte). No que diz respeito apenas aos transportes terrestres: 6,9 % em 2007, 7,0 % em 2011 e 7,9 % em 2018 (3). Apesar de o quadro legislativo ser o mesmo, a evolução foi diferente em função dos Estados-Membros.

3.2.

Em suma, os pacotes viabilizaram a abertura dos mercados nacionais e internacionais de transporte de passageiros e mercadorias, a harmonização técnica, incluindo os requisitos em matéria de infraestrutura e material circulante, nomeadamente no Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário (ERTMS), a serem aplicados principalmente na rede RTE-T.

3.3.

O quadro garante a independência dos gestores de infraestrutura no que diz respeito às funções essenciais, como a atribuição de canais horários ferroviários, e disposições relativas à contabilidade separada exigida ao gestor de infraestrutura.

3.4.

O quadro legislativo também abrange a Diretiva 2007/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (4) relativa à certificação de competências e à aptidão física dos maquinistas, incluindo qualificações linguísticas no transporte internacional, e a Diretiva 2005/47/CE do Conselho (5) sobre as condições de trabalho dos trabalhadores móveis que prestam serviços de interoperabilidade transfronteiriça, ambas baseadas em acordos dos parceiros sociais europeus, em conformidade com o artigo 155.o do TFUE.

3.5.

O quadro prevê ainda um mecanismo de coordenação à escala nacional entre gestores de infraestrutura e operadores no que se refere à manutenção da infraestrutura e aos objetivos de capacidade, à intermodalidade e à interoperabilidade, ao acesso e à utilização da infraestrutura, bem como à intramodalidade e à qualidade do serviço. Uma Rede Europeia de Gestores de Infraestrutura assegura a cooperação e a troca de pontos de vista.

3.6.

As regras relativas ao transporte de passageiros abrangem disposições sobre contratos públicos de serviços e contratação pública, e preveem a possibilidade de anúncio de regras gerais relativas a preços e níveis de serviço. O transporte público de passageiros é regulado pelo Regulamento (CE) n.o 1370/2007 sobre as obrigações de serviço público [com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) 2016/2338], que obriga as entidades competentes a adjudicarem os contratos públicos de acordo com o disposto no regulamento. Estas regras incluem as responsabilidades das autoridades competentes e dos Estados-Membros para impor critérios e normas sociais e a transferência de pessoal em caso de mudança de operador.

4.   Estado atual de implementação — problemas residuais decorridos após 30 anos

4.1.

Quase três décadas de esforços no sentido de abrir os mercados de transporte ferroviário internacional e nacional de mercadorias e passageiros da UE e de harmonizar diversas regras técnicas e de segurança, criando assim um espaço ferroviário europeu único, ainda não produziram os resultados globais pretendidos.

4.2.

Importa igualmente recordar que, no que diz respeito aos itinerários internacionais do transporte ferroviário de passageiros e ao reforço das capacidades deste segmento de mercado, a estratégia da UE de mobilidade sustentável e inteligente visa alcançar, até 2050, uma rede transeuropeia de transportes (RTE-T) plenamente operacional e multimodal para transportes sustentáveis e inteligentes com conectividade de alta velocidade. Este tipo de conectividade deve permitir a ligação às principais cidades da UE através de serviços sustentáveis no âmbito do transporte ferroviário, capazes de substituir, de forma gradual e pelo menos parcialmente, as ligações aéreas intracontinentais.

4.3.

Apesar da abertura total do mercado, da adoção de medidas para assegurar o acesso livre e não discriminatório à infraestrutura, da harmonização das regras técnicas e da simplificação administrativa, o transporte ferroviário continua a apresentar falhas consideráveis no que respeita à capacidade de aumentar a sua quota modal tanto no transporte de passageiros como de mercadorias. Alguns aspetos foram considerados no documento de trabalho dos serviços da Comissão, de 2020, que acompanha a Comunicação da Comissão — Estratégia de mobilidade sustentável e inteligente (adiante «o documento de trabalho»), no qual são formuladas várias sugestões (6). No que diz respeito ao transporte de mercadorias, o Relatório Especial de 2016 do Tribunal de Contas Europeu, intitulado «O transporte ferroviário de mercadorias na UE ainda não está no rumo certo», apresenta pontos de vista semelhantes.

4.4.

O CESE considera que uma análise limitada à aplicação do quadro jurídico da UE e à medição do grau de abertura do mercado não permite um exame e compreensão completos das lacunas do espaço ferroviário europeu único. Por conseguinte, o CESE solicita a realização de uma análise ampla e abrangente dos fatores de êxito e dos problemas, que contenha uma avaliação do quadro atual, inclusive do seu impacto nas condições de trabalho, tendo em conta a obrigação prevista nos artigos 90.o e 91.o do TFUE de criar um mercado interno com regras harmonizadas para os transportes internacionais e de definir as condições de cabotagem, bem como o artigo 14.o do TFUE sobre os serviços de interesse económico geral, tendo devidamente em conta os princípios do mercado único e do direito da concorrência previstos no Regulamento (CE) n.o 1370/2007 e, também, o papel dos Estados-Membros nesta matéria, como referido no Protocolo n.o 26 do TFUE e no artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

4.5.

A abertura do mercado teve um êxito desigual mas, mesmo assim, há várias histórias de sucesso. Por exemplo, a Áustria, a Alemanha e a Suécia obtiveram resultados mais positivos no que se refere às quotas modais e aos volumes de mercadorias transportadas por ferrovia, apesar do declínio global em toda a UE (7).

4.6.

A empresa ferroviária pública austríaca ÖBB desenvolveu com sucesso uma rede de ligações ferroviárias noturnas internacionais de passageiros, tendo a sua participação no mercado nacional em 2018 registado uma queda, passando de 88,4 % para 86,5 %. Do volume de negócios total de 2019 de 2,2 mil milhões de euros relativo ao transporte de passageiros, cerca de 1,4 mil milhões de euros parecem estar relacionados com as obrigações de serviço público (OSP) (8).

4.7.

As OSP são essenciais para assegurar aos cidadãos serviços de transporte de passageiros acessíveis, inclusivos e a preços comportáveis. O acesso ao mercado está aberto aos serviços comerciais de transporte de passageiros, frequentemente de longo curso. No entanto, o tráfego de longo curso e o tráfego regional são indissociáveis. Todos os comboios de longo curso desempenham funções regionais para os passageiros, especialmente quando param em zonas suburbanas. As linhas regionais asseguram o número de passageiros necessário e o transporte ferroviário para as linhas principais. Além disso, aliviam a infraestrutura das «grandes linhas» e asseguram a distribuição na zona.

Os Estados-Membros estão a lançar iniciativas adicionais para criar ligações essenciais com os novos serviços ferroviários, incluindo os comboios noturnos, estando os operadores ferroviários históricos na vanguarda destes desenvolvimentos. De facto, estes planos já foram anunciados, por exemplo, pela Alemanha (TEE 2.0), pelos Países Baixos e pela Suécia. O CESE considera que estas iniciativas demonstram a complexidade do sistema ferroviário e que o livre acesso ao mercado — em vigor desde 2010 para o transporte internacional de passageiros — não é o instrumento adequado para fomentar o desenvolvimento do transporte de longo curso (internacional) de passageiros. É necessária vontade política e decisões políticas para dar prioridade a soluções respeitadoras do ambiente e inclusivas, acompanhadas dos investimentos necessários e de uma boa governação.

4.8.

O CESE considera que a adjudicação por ajuste direto de contratos públicos de serviços constitui uma das medidas mais eficazes e eficientes para promover o transporte ferroviário de passageiros. Trata-se da espinha dorsal de sistemas ferroviários, como o da Áustria e da Suíça, que são campeões em termos de quota de mercado. Além disso, o CESE observa que não existe qualquer correlação entre o grau de abertura do mercado e a satisfação dos clientes ou os preços dos bilhetes.

4.9.

Ainda assim, de acordo com o documento de trabalho da Comissão supracitado, subsistem alguns problemas no que respeita à abertura do acesso ao mercado e à criação de ligações ferroviárias atrativas. Os elementos fundamentais referidos são:

4.9.1.

A disponibilidade de informações adequadas que permitam aos operadores apresentarem propostas adequadas nos procedimentos de adjudicação de contratos, apesar das alterações introduzidas no quarto pacote ferroviário de 2016 com vista a assegurar a disponibilização de informações adequadas aos proponentes.

4.9.2.

O acesso ao material circulante continua a ser um grande problema para os novos operadores. A própria disponibilidade de material circulante com certificação válida em toda a UE continua a ser comparativamente escassa no que diz respeito ao material circulante tanto para o transporte de passageiros como de mercadorias.

4.9.3.

Relativamente à disponibilidade de material circulante para a obrigação de serviço público de transporte de passageiros, as disposições do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros permitem às autoridades competentes, quando necessário, optar pela adoção de medidas destinadas a facilitar esse acesso.

4.9.4.

A bilhética combinada no âmbito do transporte ferroviário continua a ser problemática, em particular no que diz respeito a informações atualizadas sobre tarifas, reservas e tráfego.

4.10.

Apesar das disposições estabelecidas no quarto pacote ferroviário que permitem aos operadores receber um certificado de segurança único para operações em toda a UE, emitido pela Agência Ferroviária da União Europeia, há uma série de regras que não estão harmonizadas, o que faz aumentar a complexidade e o custo das operações transfronteiras e, em particular, provoca atrasos nos pontos de passagem de fronteira. A harmonização destas regras pode, portanto, ser uma tarefa importante para o futuro e um pré-requisito para futuras soluções digitais e de automação comuns.

4.11.

O CESE sublinha que a harmonização técnica e a modernização das infraestruturas são fatores decisivos para o bom funcionamento de um espaço ferroviário europeu único. O investimento na modernização das infraestruturas e do material circulante é muito dispendioso. Com efeito, as inovações no setor ferroviário, como o transporte ferroviário de alta velocidade, foram desenvolvidas por operadores estatais com ajudas públicas. Existem regras específicas em matéria de auxílios estatais à investigação e à inovação.

4.12.

O CESE toma nota de que a Comissão está a trabalhar com o setor ferroviário e os Estados-Membros para, ao que parece, facilitar a passagem das fronteiras ao longo dos corredores de transporte ferroviário de mercadorias. Considera importante que a Comissão elabore um vasto inventário dos obstáculos existentes, que identifique os problemas relacionados com as várias abordagens, e apresente soluções. Neste contexto, o CESE apela para que os parceiros sociais participem nos trabalhos preparatórios da Comissão.

4.13.

Em relação ao transporte ferroviário de mercadorias, surgem várias questões específicas. Estas deram origem às seguintes observações e sugestões formuladas no documento de trabalho.

4.13.1.

A natureza do mercado do transporte ferroviário de mercadorias mudou. O aumento da proporção de mercadorias que requer tanto flexibilidade como maior fiabilidade no âmbito de cadeias de abastecimento complexas e de elevado valor coloca o transporte ferroviário frequentemente em desvantagem competitiva devido à sua falta de pontualidade, fiabilidade, previsibilidade e flexibilidade. No primeiro trimestre de 2018, por exemplo, mais de 50 % dos comboios no corredor alpino de transporte de mercadorias sofreram atrasos superiores a três horas.

4.13.2.

As informações de tráfego são escassas no que diz respeito, por exemplo, à localização dos comboios e à hora prevista de chegada. Além disso, não existe, por norma, uma coordenação da capacidade e gestão do tráfego ferroviário entre a infraestrutura e as instalações ferroviárias, como os terminais. Isto dificulta a otimização da gestão de recursos.

4.13.3.

A falta de sistemas modernos de acoplamento automático na UE, amplamente utilizados no resto do mundo, dificulta o desempenho dos vagões individuais.

4.13.4.

É dada pouca prioridade ao transporte de mercadorias no planeamento da capacidade, tanto a nível transfronteiras como nacional.

4.13.5.

O planeamento a longo prazo da capacidade e dos horários dificulta os modelos de negócio orientados para o mercado e impede que o transporte ferroviário atenda aos pedidos dos clientes emitidos a curto prazo. A prevalência concedida ao tráfego nacional e a falta de coordenação do planeamento transfronteiras causam problemas adicionais ao transporte transfronteiras de mercadorias.

4.13.6.

A baixa rentabilidade reduz os investimentos, sendo que os investimentos em infraestruturas não são adequadamente coordenados a nível internacional, nem sequer ao longo dos corredores mais importantes.

4.13.7.

O CESE faz votos para que, pelo menos, alguns dos problemas de coordenação e planeamento relativos ao transporte transfronteiras de mercadorias possam ser abordados no âmbito da avaliação em curso do regulamento que estabelece os corredores europeus de transporte ferroviário de mercadorias (9).

4.14.

Em geral, parece haver necessidade de reformular o processo de governação da capacidade ferroviária, de modo a permitir aos operadores prestarem o serviço atendendo às necessidades dos seus clientes, com a fiabilidade, pontualidade e flexibilidade adequadas. Tal requer, entre outras condições, uma visão abrangente da gestão de capacidades, incluindo passageiros e mercadorias, o que facilitaria uma utilização otimizada da capacidade.

4.15.

No que diz respeito ao transporte ferroviário de mercadorias, o Tribunal de Contas, no relatório especial sobre o transporte ferroviário de mercadorias referido, faz observações semelhantes às que constam do documento de trabalho da Comissão.

O relatório especial formula uma série de recomendações no que toca à melhoria do funcionamento do mercado de transporte ferroviário de mercadorias, nomeadamente uma supervisão mais eficaz do combate às práticas anticoncorrenciais por parte dos operadores históricos e gestores de infraestrutura, uma melhor gestão do tráfego em corredores de transporte ferroviário de mercadorias, o acompanhamento do desempenho e uma orientação mais específica para as necessidades de infraestruturas.

4.16.

O relatório especial do Tribunal de Contas levanta também a questão dos maquinistas, nomeadamente no que diz respeito ao regime linguístico nos termos da Diretiva 2007/59/CE relativa à certificação dos maquinistas, sugerindo que os requisitos linguísticos estabelecidos no anexo VI, ponto 8, devem ser substituídos por requisitos de conhecimento de uma única língua a ser utilizada para fins de transporte ferroviário internacional.

4.17.

O relatório especial conclui que as questões estratégicas e regulamentares identificadas são de tal ordem que, se não forem tratadas, os problemas não ficarão resolvidos através do financiamento adicional.

4.18.

Importa, além disso, sublinhar a Declaração Ministerial relativa aos corredores de transporte ferroviário de mercadorias, de 21 de setembro de 2020, que destaca a importância da digitalização e da implementação atempada dos corredores da rede principal da RTE-T e da implantação do ERTMS.

4.19.

Parece existir um consenso geral quanto à importância de se dispor de pessoal ferroviário qualificado e com boas condições de trabalho. Para tal, é necessário adotar medidas para evitar o dumping social no setor ferroviário, que está a evoluir com a atual abertura do mercado, tal como nos outros setores dos transportes da UE. A regulamentação em vigor — como a Diretiva Destacamento de Trabalhadores — nem sempre é adequada para abordar a situação dos trabalhadores do setor ferroviário, uma vez que não tem em conta as exigências específicas dos trabalhadores altamente móveis, por exemplo, neste setor. Além disso, dificulta o acompanhamento. Por conseguinte, o CESE considera que, tal como no caso do transporte rodoviário, poderá ser necessário adotar regras específicas para os trabalhadores do setor ferroviário.

4.20.

Neste contexto, o CESE toma nota das lacunas assinaladas pelos parceiros sociais do setor ferroviário relativamente às disposições sociais e à legislação neste setor, bem como à respetiva aplicação e execução, como a aplicação das cláusulas sociais do Regulamento OSP e a aplicação, acompanhamento e execução da Diretiva 2005/47/CE sobre as condições de trabalho dos trabalhadores móveis que prestam serviços de interoperabilidade transfronteiriça.

4.21.

O CESE está plenamente de acordo com o entendimento comum sobre a importância de um pessoal ferroviário qualificado com boas condições de trabalho, e toma nota do acordo sobre certos aspetos das condições de trabalho dos trabalhadores móveis que prestam serviços de interoperabilidade transfronteiriça no setor ferroviário, celebrado entre os parceiros sociais, em janeiro de 2004, no âmbito do diálogo social e implementado através da Diretiva 2005/47/CE.

4.22.

O CESE nota que os parceiros sociais concordaram em prosseguir os trabalhos, no âmbito do diálogo social, para melhorar o acompanhamento da aplicação do acordo. Através de uma declaração comum, assumiram o compromisso de promover operações transfronteiras e de evitar a concorrência baseada unicamente nas diferenças das condições de trabalho e manter condições concorrenciais equitativas entre as empresas que realizam operações transfronteiras (10).

No que diz respeito à Diretiva 2005/47/CE, os parceiros sociais salientaram que uma das conclusões do projeto é que o acompanhamento e a aplicação adequados do acordo à escala dos Estados-Membros são dificultados pela falta de clareza quanto às autoridades nacionais competentes. Mesmo em situações em que uma autoridade está claramente definida — geralmente a inspeção nacional do trabalho — esta parece não dispor dos recursos, capacidades e/ou sensibilização necessários relativamente ao acordo e à diretiva que o implementa para desempenhar as suas funções de forma eficaz. O CESE considera que a UE deve adotar medidas a este respeito.

4.23.

O CESE toma nota de uma declaração dos parceiros sociais sobre o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 relativo às obrigações de serviço público (OSP), segundo a qual as consequências da concorrência não devem afetar as condições de trabalho do pessoal que presta serviços, o que exige, à escala nacional, regional ou local, normas sociais vinculativas e/ou a transferência obrigatória de pessoal em caso de mudança de operador (11). Ora, como tal não é suficientemente posto em prática nem assegurado, é necessária uma intervenção da UE. O CESE solicita à Comissão que acompanhe de perto a aplicação destas disposições e adote as medidas necessárias.

4.24.

Entre os operadores parece imperar o consenso geral de que o setor necessita agora de tempo para analisar e se adaptar ao quarto pacote ferroviário.

5.   Crise pandémica de COVID-19 — um teste de resiliência

5.1.

A crise da COVID-19 constituiu um problema e um desafio para o transporte ferroviário, mas também para todos os outros setores dos transportes e, inclusivamente, para todos os trabalhadores do setor dos transportes. Uma constatação positiva, no contexto da pandemia de COVID-19, é a fiabilidade, a segurança e o papel central dos caminhos de ferro no transporte de pessoas e mercadorias, graças também aos esforços envidados pelo pessoal ferroviário em circunstâncias muito difíceis. Num período difícil, os auxílios estatais ajudaram muitas empresas ferroviárias que registaram uma queda no volume de transporte.

5.2.

De acordo com os dados recolhidos pelos gestores de infraestrutura e pela Comunidade dos Caminhos de Ferro Europeus, o impacto da COVID-19 é prejudicial para todos os tipos de tráfego ferroviário de passageiros e, em especial, para os itinerários internacionais. As perdas de receitas cifraram-se em 26 mil milhões de euros em 2020 e continuam nos primeiros meses de 2021. Além disso, prevê-se que a recuperação prossiga a um ritmo lento.

5.3.

No entanto, a crise da COVID-19 também fez compreender a necessidade de promover medidas de resiliência, de melhorar a coerência e a coordenação da rede e de dar maior prioridade ao desenvolvimento de infraestruturas transfronteiras (12). Contudo, a pandemia demonstrou também que os municípios desempenham o papel mais importante na resolução dos problemas de tráfego; os municípios não devem enfrentar sozinhos esta situação e a UE deve dedicar-lhes a máxima atenção.

5.4.

Durante a pandemia, os operadores estatais foram obrigados a continuar a prestar serviços de transporte de passageiros e de mercadorias, garantindo simultaneamente a segurança das operações. Os auxílios estatais e a intervenção estatal têm muitas vezes permitido evitar o colapso do sistema ferroviário, o que é imprescindível para assegurar serviços essenciais.

6.   As questões sobre separação levantadas pela Presidência

6.1.

As duas questões sobre separação levantadas pela Presidência parecem ser satisfatoriamente respondidas nas disposições do capítulo II, secções 1 e 2, da Diretiva 2012/34/UE, na última redação que lhe foi dada, que visam garantir a independência de gestão das empresas ferroviárias e dos gestores de infraestrutura (secção 1), bem como a separação entre a gestão da infraestrutura e as atividades de transporte e os diferentes tipos de atividades de transporte (secção 2).

6.2.

As disposições em questão preveem um leque variado de opções quanto à forma organizativa, desde que garantida a independência da entidade que assegura a gestão da infraestrutura no que diz respeito à atribuição de canais horários ferroviários e à tarifação. O mesmo parece aplicar-se à obrigação de separação de contas entre a gestão da infraestrutura e as atividades operacionais e entre as atividades de transporte de passageiros e de mercadorias e a transparência no que toca aos fundos públicos que são pagos para as missões de serviço público.

6.3.

A garantia de neutralidade no que diz respeito à atribuição de canais horários e à tarifação, bem como à transparência proporcionada pelas disposições em matéria de contabilidade, deve ser considerada um benefício, uma vez que assegura condições equitativas e a transparência.

6.4.

Importa igualmente ter em conta que países com um setor ferroviário de grande dimensão, como a Alemanha, a Polónia, a Itália e a Áustria, mantiveram uma empresa ferroviária integrada assegurando, simultaneamente, a independência do gestor de infraestrutura no que respeita às funções essenciais de atribuição de canais horários, tarifação e cobrança de taxas. A França, por exemplo, reintegrou a gestão da infraestrutura e as operações de transporte. Estes países consideram vantajoso para o sistema ferroviário explorar sinergias e garantir uma cooperação mais estreita, maior flexibilidade, etc. Há que ter também em conta as vantagens para o pessoal do setor ferroviário de dispor de um grande mercado de trabalho interno, nomeadamente para as profissões pertinentes para a segurança e sujeitas a requisitos médicos e psicológicos.

6.5.

No entanto, a liberdade de escolher a forma organizativa deve ser considerada uma vantagem e, por conseguinte, não deve ser imposta aos Estados-Membros qualquer separação.

7.   Observações finais

7.1.

Conclui-se do que precede que o espaço ferroviário europeu não é, de forma alguma, perfeito. É necessária uma análise mais aprofundada dos fatores de êxito, bem como do impacto nas condições de trabalho. As análises disponíveis avaliaram os problemas relacionados com a aplicação da legislação em vigor, nomeadamente o acesso ao mercado, a interoperabilidade e a harmonização técnica, incluindo a harmonização incompleta das regras operacionais e técnicas. Identificaram também no atual quadro problemas de custos, falta de pontualidade, falta de material circulante capaz de circular em toda a UE e a existência de problemas gerais na adaptação ao contexto do mercado aberto. Não parece ter sido efetuada qualquer análise dos possíveis efeitos da abertura do mercado sobre as condições de trabalho. Podem e devem ser introduzidas muitas melhorias para que o sistema funcione melhor, se torne mais competitivo e consiga aumentar a sua quota de mercado em toda a UE, tornando-se um interveniente de parte inteira num sistema de transportes e mobilidade multimodal eficiente e sustentável em termos ambientais e sociais, ao serviço das pessoas e do ambiente.

7.2.

O CESE considera que chegou o momento de fazer um balanço geral do sistema ferroviário da UE, pelo que solicita a realização de uma análise ampla e abrangente dos fatores de êxito e dos problemas, que contenha uma avaliação do quadro atual, inclusive do seu impacto nas condições de trabalho. Solicita ainda uma avaliação imparcial, tendo em conta a obrigação prevista nos artigos 90.o e 91.o do TFUE de criar um mercado interno com regras harmonizadas para os transportes internacionais e de definir as condições de cabotagem, tendo-se devidamente em conta as disposições relativas ao serviço de interesse económico geral previstas no artigo 14.o do TFUE, bem como o Protocolo n.o 26 do TFUE e o artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. A análise deve ter em conta os aspetos ambientais e os objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu, o papel do transporte ferroviário enquanto serviço de interesse geral e para a coesão social e económica, a competitividade do transporte ferroviário e o seu funcionamento num sistema de transportes multimodais transfronteiras, com base na cooperação, na eficiência na utilização dos recursos, nos níveis de serviço e na satisfação dos clientes/consumidores, prestando especial atenção aos efeitos sobre as condições de trabalho dos trabalhadores. O Ano Europeu do Transporte Ferroviário 2021 constitui uma excelente oportunidade para fazer o balanço da evolução até à data e definir objetivos para o futuro.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 343 de 14.12.2012, p. 32.

(2)  JO L 315 de 3.12.2007, p. 1.

(3)  Segundo os dados de diversas edições da «Statistical Pocketbook» [livro de bolso estatístico] da UE.

(4)  JO L 315 de 3.12.2007, p. 51.

(5)  JO L 195 de 27.7.2005, p. 15.

(6)  SWD(2020) 331 final.

(7)  Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu de 2016, «O transporte ferroviário de mercadorias na UE ainda não está no rumo certo», pontos 23-27.

(8)  ÖBB-Holding, relatório anual de 2019, pp. 61 e 65-66 (em alemão).

(9)  JO L 276 de 20.10.2010, p. 22.

(10)  Avaliação da execução e aplicação do acordo sobre certos aspetos das condições de trabalho dos trabalhadores móveis que prestam serviços de interoperabilidade transfronteiriça no setor ferroviário; Projeto «Trabalhadores móveis ferroviários» — Conclusões conjuntas dos parceiros sociais ferroviários europeus CER e ETF.

(11)  https://www.etf-europe.org/resource/joint-cer-etf-opinion-protection-of-staff-september-2013

(12)  Ver, por exemplo, Ministério dos Transportes e da Infraestrutura Digital da Alemanha, «Folgerungen für die zukünftige Verkehrspolitik nach den Erfahrungen und dem Umgang mit der COVID-19-Pandemie» [Impacto das experiências com a gestão da crise da COVID-19 na futura política de transportes], in: Wissenschaftlicher Beirat beim Bundesminister für Verkehr und digitale Infrastruktur, N.o 2/2020.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 1.17

Alterar.

 

Parece claro que devem ser tidas em conta as necessidades atuais de medidas estratégicas e de melhoria do sistema ferroviário, a fim de alcançar os objetivos de quota modal e permitir que o setor ferroviário desempenhe plenamente o seu papel num sistema de transportes multimodal europeu sustentável e competitivo. Os setor necessitará também de auxílios estatais e a intervenção estatal continuam durante a sua recuperação da crise da COVID-19, enquanto os auxílios estatais para o financiamento das obrigações de serviço público continuarão a ser cruciais para garantir serviços essenciais também depois da crise da COVID-19.

Resultado da votação:

Votos a favor:

94

Votos contra:

119

Abstenções:

7

Ponto 1.18

Alterar.

 

Os contratos públicos de serviços são essenciais para assegurar aos cidadãos serviços de transporte de passageiros acessíveis, inclusivos e a preços comportáveis. O CESE considera que a adjudicação por ajuste direto de contratos públicos de serviços constitui uma das medidas mais eficazes e eficientes para promover o transporte ferroviário de passageiros. O CESE toma nota da atual predominância das adjudicações por ajuste direto e da evolução do quadro regulamentar no sentido da adjudicação concorrencial. O CESE espera que a Comissão apresente uma análise dos resultados desta mudança de orientação no que diz respeito à acessibilidade dos preços e aos níveis de serviço, tal como previsto no artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, na sua versão alterada.

Resultado da votação:

Votos a favor:

97

Votos contra:

114

Abstenções:

12

Ponto 4.6

Alterar.

 

Está a generalizar-se a tendência de recorrer às OSP, com direitos de tráfego exclusivos, em linhas deficitárias, geralmente regionais, enquanto o acesso ao mercado é aberto nas linhas de longa distância. O CESE sublinha o importante papel das OSP na oferta de serviços acessíveis a preços comportáveis e na garantia da coerência global do sistema ferroviário de transporte de passageiros, a fim de garantir a acessibilidade. As OSP são essenciais para assegurar aos cidadãos serviços de transporte de passageiros acessíveis, inclusivos e a preços comportáveis. O acesso ao mercado está aberto aos serviços comerciais de transporte de passageiros, frequentemente de longo curso. No entanto, o tráfego de longo curso e o tráfego regional são indissociáveis. Todos os comboios de longo curso desempenham funções regionais para os passageiros, especialmente quando param em zonas suburbanas. As linhas regionais asseguram o número de passageiros necessário e o transporte ferroviário para as linhas principais. Além disso, aliviam a infraestrutura das «grandes linhas» e asseguram a distribuição na zona.

Os Estados-Membros estão a lançar iniciativas adicionais para criar ligações essenciais com os novos serviços ferroviários, incluindo os comboios noturnos, estando os operadores ferroviários históricos na vanguarda destes desenvolvimentos. De facto, estes planos já foram anunciados, por exemplo, pela Alemanha (TEE 2.0), pelos Países Baixos e pela Suécia. A concorrência dos operadores na rede italiana de alta velocidade resultou numa melhoria da qualidade do serviço, bem como numa redução dos preços dos bilhetes e no aumento da frequência de serviço, tendo contribuído para uma notável transferência modal do transporte aéreo para o transporte ferroviário. Estão previstas iniciativas semelhantes em Espanha. O CESE considera que estas iniciativas demonstram as possibilidades do atual quadro para criar alternativas de transporte atrativas e respeitadoras do ambiente e a necessidade de medidas para facilitar o estabelecimento de ligações transfronteiriças. O CESE considera que estas iniciativas demonstram a complexidade do sistema ferroviário e que o livre acesso ao mercado — em vigor desde 2010 para o transporte internacional de passageiros — não é o instrumento adequado para fomentar o desenvolvimento do transporte de longo curso (internacional) de passageiros. É necessária vontade política e decisões políticas para dar prioridade a soluções respeitadoras do ambiente e inclusivas, acompanhadas dos investimentos necessários e de uma boa governação.

Resultado da votação:

Votos a favor:

104

Votos contra:

112

Abstenções:

15

Ponto 4.7

Alterar.

 

O CESE toma nota da atual predominância da adjudicação por ajuste direto de contratos de serviço público e do desenvolvimento do quadro regulamentar para a adjudicação de contratos com base num concurso. O CESE espera que a Comissão apresente uma análise imparcial dos resultados desta mudança de orientação no que toca à acessibilidade dos preços e aos níveis de serviço, tal como previsto no artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, conforme alterado, e que essa análise apresente recomendações sobre um sistema de adjudicação que permita os melhores resultados em termos da relação custo-benefício para os utentes. O CESE considera que a adjudicação por ajuste direto de contratos públicos de serviços constitui uma das medidas mais eficazes e eficientes para promover o transporte ferroviário de passageiros. Trata-se da espinha dorsal de sistemas ferroviários, como o da Áustria e da Suíça, que são campeões em termos de quota de mercado. Além disso, o CESE observa que não existe qualquer correlação entre o grau de abertura do mercado e a satisfação dos clientes ou os preços dos bilhetes.

Resultado da votação:

Votos a favor:

97

Votos contra:

114

Abstenções:

12

Ponto 5.3

Alterar.

 

Durante a pandemia, os operadores estatais foram obrigados a capazes de continuar a prestar serviços de transporte de passageiros e de mercadorias seguros, enfrentando, ao mesmo tempo, perdas significativas devido à diminuição do volume de mercadorias e de passageiros , garantindo simultaneamente a segurança das operações. Os auxílios estatais e a ação da Comissão Europeia e dos Estados-Membros para apoiar financeiramente o setor ferroviário e, em especial, facilitar a continuidade dos serviços essenciais, inclusive transfronteiras, permitiram assegurar o funcionamento contínuo necessário do transporte de passageiros e das redes de abastecimento intervenção estatal têm muitas vezes permitido evitar o colapso do sistema ferroviário, o que é imprescindível para assegurar serviços essenciais.

Resultado da votação:

Votos a favor:

94

Votos contra:

119

Abstenções:

7

Ponto 6.5

Alterar.

 

No entanto, Por conseguinte, o CESE considera que a liberdade de escolher a forma organizativa é deve ser considerada uma vantagem e, por conseguinte, não deve ser imposta aos Estados-Membros qualquer separação. Considera igualmente que o diálogo aberto entre os gestores da infraestrutura e os operadores, introduzido com o quarto pacote ferroviário, traz valor acrescentado, uma vez que permite o intercâmbio de informações pertinentes a fim de melhorar o funcionamento do transporte ferroviário e a intermodalidade.

Resultado da votação:

Votos a favor:

95

Votos contra:

118

Abstenções:

12


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

559.a reunião plenária do Comité Económico e Social Europeu — por Interactio, 24.3.2021-25.3.2021

9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/38


Parecer do Comité Económico e Social Europeu Relatório sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório de 2020 sobre o estado da União de Energia em conformidade com o Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática»

[COM(2020) 950 final]

e sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Avaliação a nível da UE dos planos nacionais em matéria de energia e clima: Impulsionar a transição ecológica e promover a recuperação económica através do planeamento integrado no domínio da energia e do clima»

[COM(2020) 564 final]

(2021/C 220/04)

Relator:TBL

Lutz RIBBE

Consultas

Comissão Europeia, 11.11.2020 e 27.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

9.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

236/4/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera impressionante a minúcia e a precisão com que a Comissão documenta e avalia a evolução da União da Energia. A forma como os planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC) foram elaborados e avaliados demonstra que a governação da União da Energia funciona.

1.2.

O CESE observa com alívio que, embora alguns Estados-Membros estejam claramente aquém das metas, os objetivos em matéria de energia e clima para 2020 foram, no essencial, atingidos. No entanto, tal não é motivo para satisfação. Os objetivos para os próximos 30 anos, a contar da década de 2020, são muito mais ambiciosos. É necessário acelerar significativamente o ritmo da transformação, mas sem perder de vista a situação social e económica em cada Estado-Membro. Caso contrário, a aceitação social dos investimentos e das reformas que visam acelerar a transição energética ficaria comprometida. A transformação energética também estará ameaçada se as políticas não levarem a sério e não honrarem a promessa de uma participação alargada da sociedade.

1.3.

Assim, torna-se ainda mais importante ter em conta não só os objetivos globais (em matéria de clima), mas também os objetivos específicos estabelecidos pela própria Comissão através da Estratégia-Quadro para uma União da Energia resiliente e do pacote Energias Limpas para Todos os Europeus. A este respeito, os resultados afiguram-se muito mais negativos.

1.4.

O objetivo principal da estratégia-quadro da Comissão é colocar os cidadãos no centro da União da Energia. Na sua comunicação sobre o estado da União da Energia, a Comissão não faz qualquer referência nem ao que está a ser feito para alcançar este objetivo nem às estratégias que se devem seguir para o alcançar no futuro. Para o CESE, tal é absolutamente inaceitável.

1.5.

Na sua avaliação dos PNEC dos Estados-Membros, a Comissão considera que estes planos não prestam atenção suficiente às comunidades de energia, o que suscita preocupação. A este respeito, o facto de a Comissão se limitar a dirigir um apelo em termos muito gerais aos Estados-Membros é dececionante. A falta de empenho no cumprimento de objetivos ambiciosos, como os estabelecidos no pacote Energias Limpas para Todos os Europeus e na Estratégia-Quadro para a União da Energia, é prejudicial, não só para a União da Energia, mas também para a credibilidade da política europeia no seu conjunto.

1.6.

Por conseguinte, o CESE considera necessário que, no âmbito de relatórios futuros, a Comissão examine mais rigorosamente o grau e a qualidade de aplicação, cumprimento e execução do terceiro pacote energético nos Estados-Membros, em particular no tocante à forma como tencionam colocar os cidadãos no centro do processo. No passado, a aplicação da legislação em matéria de energia sofreu atrasos e, com frequência, não foi benéfica para os cidadãos.

1.7.

Afigura-se igualmente necessário realizar uma análise crítica de três outros objetivos da União da Energia: a diminuição da dependência energética através da redução das importações de energia, a eliminação dos subsídios às fontes de energia nocivas para o clima e o ambiente e a assunção da liderança no domínio das energias renováveis, da eficiência energética e da mobilidade elétrica. De acordo com as comunicações da Comissão, nenhum destes três objetivos foi atingido, mas não se fala das causas desse fracasso. As referidas comunicações também são omissas quanto às lições a tirar deste insucesso ou às consequências para a forma de proceder no futuro, nomeadamente no tocante ao Fundo de Recuperação.

1.8.

Na opinião do CESE, os PNEC dos Estados-Membros revelam que a política energética europeia carece de coerência. O CESE entende, além disso, que a maioria dos PNEC não é suficientemente específica, sobretudo em relação a temas de relevo como a segurança do aprovisionamento energético e a transição justa.

1.9.

Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a prestar mais atenção, no âmbito da avaliação dos PNEC, à adequação das estratégias para uma transição justa e, em particular, a avaliar a consecução dos seguintes objetivos:

Facilitar as transições no mundo do trabalho;

Apoiar os trabalhadores que perdem os seus empregos em resultado da descarbonização (substituindo, no mínimo, cada posto de trabalho perdido por outro posto de valor equivalente);

Combater a pobreza energética e compensar os efeitos distributivos degressivos;

Desenvolver o potencial económico regional decorrente das energias renováveis e das novas formas de participação e intervenção na produção de eletricidade.

2.   Observações gerais sobre os documentos da Comissão

2.1.

Em 25 de fevereiro de 2015, a Comissão apresentou a sua Comunicação — Uma estratégia-quadro para uma União da Energia resiliente dotada de uma política em matéria de alterações climáticas virada para o futuro (1). A estratégia visava os seguintes objetivos:

Segurança do aprovisionamento energético, nomeadamente através da redução da dependência das importações de energia;

Um mercado europeu da energia plenamente integrado;

Uma economia sustentável, hipocarbónica e respeitadora do clima;

Investigação, inovação e competitividade para permitir que a Europa assuma um papel de liderança mundial no domínio das energias renováveis;

A qualificação dos trabalhadores europeus para a economia da energia do futuro;

A confiança dos investidores com base em sinais de preços que assentam em necessidades a longo prazo e em objetivos políticos.

2.2.

No entanto, a Comissão visava sobretudo, tal como o afirmou, uma União da Energia «em que os cidadãos estão no centro das preocupações, onde estes se apropriam da transição energética, tiram proveito das novas tecnologias para reduzir a sua fatura energética e participam ativamente no mercado, e em que os consumidores vulneráveis estão protegidos». A Comissão considerava igualmente que a participação das partes interessadas na configuração da União da Energia era uma prioridade e que uma transição socialmente justa constituía um princípio fundamental para realizar a transição energética.

2.3.

A Comissão salientou igualmente que a União da Energia necessitava de uma governação e supervisão integradas. A UE dotou-se de uma base jurídica para o efeito através do Regulamento (UE) 2018/1999 (2) relativo à governação, o qual obriga os Estados-Membros a apresentarem regularmente planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC), incluindo uma descrição dos seus contributos para a realização dos objetivos da União da Energia.

2.4.

No seu relatório de 2020 sobre o estado da União da Energia, a Comissão apresenta agora os progressos realizados, repartidos por cinco categorias:

Descarbonização (incluindo o desenvolvimento das energias renováveis);

Eficiência energética, tendo especialmente em conta o princípio da «prioridade à eficiência energética»;

Segurança do aprovisionamento energético (incluindo a redução das importações de energia para a UE e maior flexibilidade e resiliência dos sistemas energéticos nacionais);

Mercado interno da energia;

Investigação, inovação e competitividade.

Aborda igualmente o tema da União da Energia no âmbito do Pacto Ecológico Europeu.

2.5.

Neste contexto, a Comissão apresenta uma reflexão sobre a consecução de «uma recuperação ecológica e uma economia sustentável», tratando, em primeiro lugar, as estratégias existentes para a integração do sistema energético e o desenvolvimento do hidrogénio na Europa.

2.6.

A Comissão fundamenta, além disso, a necessidade de reforçar a meta de redução das emissões de CO2 para, pelo menos, 55 % em relação aos níveis de 1990 e anuncia uma estratégia de redução das emissões de metano e uma visão para a energia marítima. Neste contexto, critica as estratégias apresentadas pelos Estados-Membros no âmbito dos PNEC por serem, amiúde, pouco claras e pouco concretas.

2.7.

De modo geral, a Comissão considera que a situação continua a não ser satisfatória, embora reconheça que os objetivos para 2020 em matéria de desenvolvimento das energias renováveis a nível da UE terão sido amplamente atingidos. No entanto, alguns Estados-Membros deveriam realizar mais progressos.

2.8.

A Comissão apela para a realização de esforços suplementares no domínio da eficiência energética, identificando importantes lacunas, em particular, no domínio da renovação dos edifícios.

2.9.

Pela primeira vez, o relatório é acompanhado de uma análise pormenorizada dos subsídios ao setor da energia (3), que indica claramente que continuam a ser necessários a) melhores dados sobre os subsídios ao setor da energia (4) e b) esforços muito mais intensos para reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis. Os instrumentos jurídicos atualmente em vigor a nível da UE são considerados insuficientes.

2.10.

A Comissão considera também que não é encorajador o facto de, nos últimos anos, se ter verificado uma diminuição constante do investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) na UE-27 neste setor e de a Europa registar um enorme atraso neste domínio em comparação com outras regiões económicas. A Comissão anuncia esforços, por exemplo, no domínio das pilhas e acumuladores e do hidrogénio, a fim de relançar a investigação e a inovação e inverter o declínio do investimento observado a nível nacional.

2.11.

Constata-se igualmente que o custo das importações de energia voltou a aumentar nos últimos anos (para mais de 330 mil milhões de euros por ano), marcando uma inversão da tendência decrescente registada anteriormente.

2.12.

Na conclusão do seu relatório, a Comissão realça que, no contexto da crise da COVID-19, a Europa tem uma oportunidade única para realizar investimentos que apoiem a recuperação da economia da UE e, simultaneamente, possam acelerar as transições ecológica e digital.

2.13.

Na sua Comunicação sobre a avaliação a nível da UE dos PNEC, a Comissão faz um balanço positivo, uma vez que os progressos na redução das emissões de gases com efeito de estufa e em matéria de energias renováveis permitiram rever muito em alta, já em 2021, as metas para 2030. Por outro lado, a Comissão reconhece que há um enorme atraso na eficiência energética, no investimento em investigação e na inovação, que é necessário recuperar. A fim de colmatar estas lacunas, é necessário que os Estados-Membros utilizem as novas oportunidades de financiamento ao abrigo do Quadro Financeiro Plurianual e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Num primeiro tempo, o CESE felicita vivamente a Comissão pela precisão com que conduz a governação da União da Energia, patente na abrangente documentação (incluindo anexos), que revela grande seriedade. Este aspeto é extremamente pertinente, uma vez que as metas climáticas fixadas até à data, que cumpre reforçar, só estão a ser, quando muito, marginalmente cumpridas. O objetivo de alcançar a neutralidade climática na União Europeia até 2050, o mais tardar, reveste-se de importância capital e exige uma coordenação e um planeamento histórico e, eventualmente, único de abordagens políticas muito diferentes, que devem ir muito além do que já foi decidido até à data.

3.2.

Neste contexto, o CESE subscreve plenamente o ponto de vista da Comissão de que os Estados-Membros devem desenvolver e executar, sem demora, estratégias mais claras, tendo mais em conta as implicações sociais e em matéria de emprego e de competências, bem como outros efeitos distributivos da transição energética, e expondo claramente a forma de superar estes desafios.

3.3.

O CESE compreende e apoia as principais conclusões da Comissão. Tal aplica-se, em especial, à conclusão de que os progressos rumo à concretização dos objetivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, ao reforço da eficiência energética e ao desenvolvimento das energias renováveis constituem um trampolim para objetivos mais ambiciosos.

3.4.

O CESE concorda igualmente com a Comissão quanto à necessidade de um novo impulso. No entanto, teria sido desejável que a Comissão especificasse em que deve consistir esse novo ímpeto.

3.5.

Além disso, afigura-se lógico que a Comissão associe o desenvolvimento da União da Energia ao Pacto Ecológico Europeu e à política de recuperação pós-pandemia, que ainda não existiam na altura em que a Estratégia-Quadro para a União da Energia e o Regulamento Governação foram elaborados. O CESE salienta que a União Europeia da Energia constitui uma base ideal para a ação no âmbito do Pacto Ecológico. Idealmente, no âmbito da revisão em curso, deveria ter-se identificado melhor as lacunas emergentes e desenvolvido estratégias para as superar. Tal não aconteceu em, pelo menos, três casos, tratados a seguir.

Realização insuficiente do objetivo de colocar os cidadãos no centro da União da Energia

3.6.

Tal como assinalado no ponto 2.2, a Comissão considerou, na Estratégia-Quadro para a União da Energia, que uma política orientada para os cidadãos e centrada neles era o principal objetivo. Por conseguinte, este objetivo deveria também ter especial destaque no relatório sobre o estado da União da Energia, em particular através de propostas concretas, como a participação ativa e transparente e a integração dos cidadãos, dos parceiros sociais e das partes interessadas nos processos de decisão, nomeadamente no âmbito dos PNEC, bem como a participação ativa e a integração no mercado. No entanto, observa-se que a questão da participação não é sequer mencionada no relatório, o qual também não pondera se as medidas propostas para o futuro contribuem explicitamente para este objetivo.

3.7.

O mesmo problema manifesta-se, por exemplo, na Estratégia para a Integração do Sistema Energético, apresentada pela Comissão, no âmbito da qual os cidadãos são vistos como meros consumidores e não como intervenientes ativos no mercado. Também no que diz respeito às prioridades definidas pela Comissão Europeia (5), nomeadamente a Estratégia do Hidrogénio e a anunciada visão para a energia marítima, é difícil imaginar que a participação dos cidadãos seja sequer possível ou considerada. Por conseguinte, é lamentável que, na comunicação relativa à avaliação dos PNEC, a Comissão revele que tenciona utilizar o mecanismo de financiamento das energias renováveis criado pela UE, em especial, para promover as tecnologias de energia marítima.

3.8.

A Comissão ignora, assim, o direito da UE em vigor, uma vez que o considerando n.o 43 da Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho (6) relativa ao mercado interno da eletricidade enuncia que «as comunidades de cidadãos para a energia [se transformaram] num modo eficaz e rentável de responder às necessidades e expectativas dos cidadãos […]. […] Ao envolverem diretamente os consumidores, as iniciativas da Comunidade da Energia têm vindo a demonstrar o seu potencial para facilitar a adoção de novas tecnologias e padrões de consumo, incluindo as redes de distribuição inteligente e a resposta da procura, de forma integrada. A Comunidade da Energia pode igualmente promover a eficiência energética a nível de consumidores domésticos e ajudar a combater a pobreza energética através da redução dos consumos e de tarifas de comercialização mais baixas. […] Nos casos em que foram bem-sucedidas, estas iniciativas trouxeram benefícios económicos, sociais e ambientais para a comunidade». Assim, na opinião do legislador europeu, as comunidades de cidadãos para a energia permitem colmatar algumas das lacunas apontadas nos documentos da Comissão. Por conseguinte, torna-se ainda mais difícil compreender que este aspeto não seja considerado nos próprios documentos da Comissão. O fosso que separa a ambição e a realidade é enorme, e o CESE continua à espera de uma verdadeira estratégia da Comissão que faça dos cidadãos parceiros ativos.

3.9.

No entanto, esta crítica deve também ser dirigida à maioria dos Estados-Membros. Por força do artigo 20.o do Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à governação, estes devem, nos seus PNEC nacionais, fornecer informações sobre a produção de energia pelos cidadãos, e a Comissão realça, na sua avaliação, que não o fizeram ou não o fizeram suficientemente. O CESE insta a Comissão Europeia a propor, na próxima revisão da Diretiva Energias Renováveis, disposições concretas destinadas a promover a produção de energia pelos cidadãos.

Realização insuficiente dos objetivos da segurança do aprovisionamento e da redução das importações de energia

3.10.

Um dos objetivos estratégicos da União da Energia consiste no aumento da segurança do aprovisionamento energético, nomeadamente através da redução das importações de energia. A Comissão observa, mais ou menos de passagem, que não se discernem progressos — pelo contrário, as despesas com as importações de energia aumentaram novamente. A importância crescente do hidrogénio poderá mesmo contribuir para aumentar ainda mais as importações no futuro, uma vez que, na sua Estratégia do Hidrogénio, a Comissão se orienta deliberadamente para a importação. O CESE espera que a Comissão forneça uma explicação clara a este respeito.

3.11.

O CESE solicita igualmente que se respeite o princípio de base da solidariedade europeia ao garantir as importações de energia inevitáveis. As iniciativas unilaterais nacionais, como o projeto de gasoduto Nord Stream 2, podem pôr em perigo não só a proteção do clima, mas também a segurança do aprovisionamento. Tais ações, que comprometem a solidariedade europeia, minam a confiança dos cidadãos na UE e a imagem da UE em países terceiros.

Realização insuficiente do objetivo de inovação, liderança mundial

3.12.

No que toca à inovação, denota-se também um cenário negativo. A grande ambição da União da Energia de assumir um papel de liderança mundial é contrariada pelo panorama, apresentado no relatório sobre o estado da União da Energia, dos investimentos em investigação e inovação e dos registos de patentes. Tendo em conta esta observação preocupante, é necessária uma análise rigorosa e aprofundada dos erros, que contribua para identificar e investigar em pormenor tal anomalia. Nesta base, devem elaborar-se contramedidas específicas.

3.13.

Perante o exposto nos pontos 3.6 a 3.11, há que afirmar com clareza: não adianta debitar sempre o mesmo discurso se este não for seguido de ações concretas. Está em causa a credibilidade da política europeia. Com efeito, nenhum dos documentos da Comissão disponíveis, incluindo a Estratégia para a Integração do Sistema Energético e a Estratégia do Hidrogénio, apresenta medidas concretas suscetíveis de contribuir para o cumprimento dos objetivos supramencionados.

Pertinência da União da Energia para as políticas social e regional

3.14.

Nos pontos 2.6 e 3.3 do seu relatório sobre o estado da União da Energia, a Comissão apresenta igualmente algumas considerações de política social, que estão corretas, e o CESE secunda, em especial, a ligação entre os apoios à recuperação da crise da COVID-19 e os objetivos das políticas de clima e energia. As medidas previstas para uma transição justa também são adequadas e constituem uma base para uma adesão eficaz da população, a fim de alcançar os objetivos em matéria de clima e energia. A concretização efetiva, por este meio, do princípio de «não deixar ninguém para trás» dependerá especificamente da operacionalização e do financiamento de cada um dos instrumentos e da respetiva aplicação concreta a nível nacional.

3.15.

O CESE recorda a sua convicção, expressa em pareceres anteriores (7): não só se impõe a utilização dos fundos da coesão social e regional e da recuperação para apoiar a ação climática e a transição energética, mas as políticas de clima e energia devem (e podem) também ser configuradas de modo a promover a coesão social e regional. Aliás, tais abordagens já existem e algumas delas são mesmo mencionadas na comunicação relativa à avaliação dos PNEC, como os projetos para a construção de parques solares em antigas minas de lenhite em Portugal e na Grécia ou o apoio estrategicamente orientado para os prossumidores na Lituânia. Não obstante, estes exemplos estão longe de ser a prática geral ou a via principal.

3.16.

Assim, existe o risco de que a transição energética aumente as disparidades sociais e regionais, por exemplo se a Comissão concretizar a integração do sistema energético, o desenvolvimento de infraestruturas para o hidrogénio e o apoio às energias produzidas no mar conforme planeado, já que, deste modo, favorece abordagens centralizadas em detrimento de abordagens descentralizadas.

3.17.

Em todo o caso, a criação paralela de infraestruturas centralizadas e descentralizadas é problemática e pode dar azo a maus investimentos. Por exemplo, há concorrências de utilização entre uma ampla rede de condutas de hidrogénio e o desenvolvimento de redes de aquecimento urbano de baixa temperatura, que a Comissão preconiza na sua comunicação relativa à avaliação dos PNEC. Por conseguinte, a bem da segurança do investimento, o CESE apelou para a adoção de decisões de princípio correspondentes (8), que assumem igualmente uma importância estratégica para o êxito da União da Energia, mas não são tidas em conta nos documentos ora em apreço.

3.18.

Tal como acontece em quase todos os documentos recentes da Comissão sobre a política energética, o relatório sobre o estado da União da Energia é omisso quanto à digitalização. Contudo, a digitalização abre conceitos interessantes, como as microrredes inteligentes e os mercados inteligentes, o microcomércio, as centrais elétricas virtuais, etc. Todos eles podem contribuir para uma maior eficiência e desempenho do mercado interno da energia, nomeadamente também porque reforçam o papel dos consumidores ativos. A Comissão abordou esta questão na Estratégia-Quadro para a União da Energia (9), ainda que de forma um pouco sucinta. É incompreensível que ignore este aspeto no relatório sobre o estado da União da Energia, especialmente tendo em conta que a utilização das tecnologias digitais tem de ser cuidadosamente analisada do ponto de vista da sua pertinência e de possíveis problemas éticos, sobretudo no que diz respeito à soberania dos dados.

3.19.

Contudo, há que acautelar, de qualquer modo, que a digitalização é concebida no interesse dos utilizadores finais. Os cidadãos ainda aguardam a prestação de serviços melhorados na sequência do aumento da digitalização, tais como a mudança de fornecedor no quotidiano, a notificação imediata de avaria no contador ou de padrões de consumo suspeitos, bem como procedimentos eficientes de ligação da sua própria produção à rede.

4.   Observações na especialidade

Relativamente ao capítulo da descarbonização no relatório sobre o estado da União da Energia

4.1.

A Comissão salienta, e bem, que a utilização de energias renováveis apresenta muitas vantagens. No entanto, para se saber quem beneficia destas vantagens é imperativo saber se a transição energética é, por princípio, descentralizada ou centralizada (10). A Comissão não menciona este aspeto no seu relatório.

Relativamente ao capítulo da segurança energética no relatório sobre o estado da União da Energia

4.2.

A Comissão dedica, acertadamente, grande atenção ao tema da «segurança do aprovisionamento» e, neste contexto, da segurança energética. Com efeito, a sua importância para a economia é inestimável. Para além da questão clássica da dependência das importações, importa ter em conta sobretudo também a resiliência a ataques externos, eventualmente através da cibercriminalidade. A este respeito, os resultados dos estudos mais recentes (11) indicam que a melhor estratégia para uma resiliência elevada consiste em reforçar as estruturas descentralizadas, que têm capacidade insular. A Comissão deveria ter mais em conta estes resultados.

4.3.

É incontestável que o hidrogénio verde contribuirá, no futuro, para a segurança do aprovisionamento do sistema energético europeu. O CESE remete para os seus pareceres sobre a Estratégia do Hidrogénio (12) e a Estratégia para a Integração do Sistema Energético (13).

4.4.

Também neste contexto não se pode refletir sobre tecnologia apenas em grande escala (incluindo no que diz respeito ao desenvolvimento de infraestruturas de importação de hidrogénio). Há uma variedade de soluções inovadoras e respeitadoras do ambiente, em particular a nível regional e local, que podem ser aplicadas diretamente no terreno (incluindo a produção regional de hidrogénio ou de combustíveis sintéticos). Tal aumentará a segurança do aprovisionamento, reduzirá a dependência em relação às importações e promoverá o emprego local, sob a forma de empregos verdes, e a criação de valor nas regiões. As micro, pequenas e médias empresas devem igualmente ter a oportunidade de participar no Pacto Ecológico e de beneficiar dele, o que reforçará a aceitação do Pacto Ecológico e da transformação energética.

Relativamente ao capítulo do mercado interno da energia no relatório sobre o estado da União da Energia e ao relatório dos progressos realizados no mercado interno da energia

4.5.

Segundo a Comissão, o pacote Energias Limpas criou condições mais favoráveis à participação dos consumidores nos mercados de energia e condições de concorrência equitativas aos recém-chegados ao mercado. Na verdade, porém, apenas as disposições da Diretiva relativa ao mercado interno da eletricidade são pertinentes a este respeito. Ainda não é possível determinar em que medida os Estados-Membros aplicaram efetivamente estas disposições. Por conseguinte, a conclusão da Comissão é prematura. O CESE apela com veemência para uma avaliação séria do importante objetivo da participação dos consumidores, nomeadamente na perspetiva das implicações da política distributiva em matéria de participação dos agregados familiares com baixos rendimentos.

4.6.

A Comissão sublinha a importância dos sinais de preços de mercado, designadamente para os investidores. Trata-se, sem dúvida, de um aspeto importante. No entanto, há que adotar aqui uma perspetiva mais diferenciada. A maioria dos mercados grossistas de eletricidade pratica preços a curto prazo. No domínio da economia da energia, a questão de saber se esta prática envia sinais aos investidores é controversa. O CESE já reconheceu esta situação em pareceres anteriores (14). Assim, não é adequado que a Comissão faça referência a um «mercado interno da energia» neste contexto, sem fazer uma distinção. Para o êxito da União da Energia, é essencial uma nova configuração do mercado, pelo menos no setor da eletricidade. A plena responsabilidade das energias renováveis em matéria de compensação não é, por si só, suficiente. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a apresentar, quanto antes, as suas ideias para uma nova configuração do mercado. Neste contexto, importa igualmente assegurar que todos os participantes no mercado usufruem das mesmas condições nos mercados de compensação e regulação de energia. Este aspeto é também imprescindível para o êxito da integração do sistema energético (15).

4.7.

Ao mesmo tempo, há que ter em conta que os objetivos da segurança do aprovisionamento e da neutralidade climática não podem ser alcançados apenas através de sinais de preço.

4.8.

No relatório intercalar sobre o mercado interno da energia, a Comissão salienta, com toda a razão, que a possibilidade de concorrência ao nível da produção e do aprovisionamento deve continuar a ser uma prioridade das políticas energéticas nacionais e da UE. Não obstante, deixa em aberto o que tal significa em concreto. Não é correto nem conforme com a legislação europeia consagrada no pacote Energias Limpas que só seja possível estimular a concorrência através do acoplamento de mercados. Ao aplicar os princípios da atribuição de capacidades e gestão dos congestionamentos, nos termos do artigo 16.o do Regulamento relativo ao mercado interno da eletricidade, importa ter em conta a localização geográfica dos Estados-Membros, que poderá também justificar uma prorrogação do prazo para a instalação das capacidades. Em todo o caso, particularmente importante para a concorrência ativa é o acesso ao mercado, especialmente para os operadores de menor dimensão. A digitalização, nomeadamente, pode prestar serviços importantes a este respeito.

4.9.

Além disso, no relatório dos progressos realizados no mercado interno da energia, a Comissão explica que, embora as centrais geotérmicas, como as centrais a gás de cogeração, possam proporcionar ao sistema um grau de flexibilidade importante, os mecanismos de capacidade mal concebidos podem distorcer gravemente o mercado interno. O CESE remete, a este respeito, para a sua posição expressa no seu parecer TEN/625. Insta a Comissão a proceder a uma avaliação crítica dos mecanismos de capacidade existentes nos Estados-Membros, inclusive do ponto de vista do cumprimento das disposições do artigo 22.o do Regulamento relativo ao mercado interno da eletricidade, que preveem, nomeadamente, um limite de 550 g de CO2 por kWh.

4.10.

No relatório dos progressos realizados no mercado interno da energia, a Comissão recorda que os operadores das redes de transporte ou distribuição foram, em geral, excluídos da propriedade e da operação de sistemas de armazenamento de eletricidade. O CESE pronunciou-se, por princípio, a favor da decisão (16) segundo a qual os operadores das redes de distribuição devem ser autorizados a deter e explorar sistemas de armazenamento de eletricidade para fins de operação da rede. Considera igualmente que tal deve andar a par do reforço dos mercados inteligentes, de modo que os operadores de sistemas de armazenamento tenham um incentivo para seguir os sinais dos operadores da rede e conceber os seus sistemas de armazenamento de forma adequada ao sistema. Os operadores de rede necessitam de incentivos adequados para enviar os sinais.

4.11.

As redes de distribuição desempenham um papel de relevo fundamental para a criação de mercados inteligentes e, de modo geral, para a consecução bem-sucedida da transição energética. No futuro, a política energética da União deve, por conseguinte, centrar-se mais na sua modernização.

4.12.

O CESE subscreve a afirmação da Comissão de que a Diretiva 2003/96/CE (17) relativa à tributação da energia já não cumpre o seu objetivo primeiro. Apoia, por conseguinte, a pretensão da Comissão e apela para uma revisão ambiciosa desta diretiva e de outros mecanismos, a fim de eliminar gradualmente as subvenções aos combustíveis fósseis e internalizar os custos externos.

4.13.

O CESE realça novamente a questão da pobreza energética e insta a Comissão a adotar medidas concretas que vão além das orientações abstratas relativas à definição e ao observatório. O CESE salientou repetidamente que uma participação ampla dos cidadãos no setor da energia é uma das várias abordagens que podem contribuir para a melhoria da situação.

4.14.

Neste contexto, o CESE recorda a sua posição de que se deve evitar a todo o custo uma sociedade da energia de duas classes. É inaceitável que apenas as famílias munidas de uma boa capacidade financeira e técnica possam beneficiar da transição energética e que todas as outras famílias sejam obrigadas a suportar os custos. Os cidadãos em situação de pobreza energética não são, em geral, os que têm maior peso político. Por isso, a Comissão deve envidar mais esforços para que os Estados-Membros procurem ativamente combater de forma eficaz a pobreza energética: tanto a vaga de renovação energética prevista para os edifícios como a participação ativa dos cidadãos na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis podem contribuir para atenuar a pobreza energética. Além disso, cabe igualmente ter em conta que o eventual alargamento do comércio de licenças de emissão aos setores do aquecimento e dos transportes pode ter um impacto na equidade da distribuição.

Relativamente ao capítulo de investigação, inovação e competitividade no relatório sobre o estado da União da Energia

4.15.

O CESE receia que uma razão para o atraso da UE em certos domínios, como as baterias solares e as baterias de iões de lítio, seja a procura demasiado baixa. Assim, insta a Comissão a adotar uma estratégia mais ampla: a UE necessita de iniciativas ativas no domínio da política industrial para contrariar a posição dominante da China no mercado. A proposta da Comissão de um regulamento relativo às baterias é exemplo de um passo na direção certa. Além disso, o futuro sistema energético deve englobar o reforço das estruturas descentralizadas, uma vez que estimula a procura, por exemplo de baterias, cria economias de escala e, deste modo, torna atrativos os preços das baterias.

Relativamente ao capítulo da União da Energia no contexto do Pacto Ecológico no relatório sobre o estado da União da Energia

4.16.

O CESE apoia a Comissão no que toca aos seus esforços para promover acordos climáticos ambiciosos a nível mundial, o que implica a introdução de um direito de compensação nas fronteiras, em conjugação com uma inclusão mais ambiciosa e concreta da ação climática (e de outros objetivos de sustentabilidade) nos acordos comerciais internacionais (18).

Relativamente à comunicação sobre a avaliação dos PNEC

4.17.

O CESE não compreende que a Comissão reduza ao setor offshore a sua crítica quanto à valorização insuficiente do potencial das energias renováveis. Insta a Comissão a abandonar a sua própria preferência unilateral pelas tecnologias de energia marítima, em detrimento da energia fotovoltaica e eólica terrestre, e a apresentar estratégias próprias para o desenvolvimento destas últimas.

4.18.

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão reconhecer o potencial das energias renováveis para a criação de emprego. Salienta, no entanto, que a exploração plena deste potencial não será automática, mas exige políticas ativas, nomeadamente no que diz respeito à qualidade do emprego. Neste contexto, é totalmente incompreensível que a Comissão preste tão pouca atenção à energia fotovoltaica, especialmente tendo em conta que, como referido na comunicação, é o setor que gera mais emprego.

4.19.

O CESE insta a Comissão a estabelecer, na próxima revisão da Diretiva Energias Renováveis, as regras para a adjudicação de contratos públicos de modo a facilitar a participação das comunidades de energias renováveis e das PME.

4.20.

O CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade urgente de investir em sistemas de aquecimento urbano de baixa temperatura, devendo ser lançada uma iniciativa correspondente.

4.21.

Os sumidouros de CO2 são um instrumento importante para a atenuação das alterações climáticas. No entanto, as preocupações expressas nos PNEC dos Estados-Membros sobre o aumento das perturbações naturais devem ser levadas a sério. Por conseguinte, os créditos do setor LULUCF devem ser sempre considerados apenas como instrumentos complementares a outras opções de ação climática.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2015) 80 final.

(2)  Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática, que altera os Regulamentos (CE) n.o 663/2009 e (CE) n.o 715/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, as Diretivas 94/22/CE, 98/70/CE, 2009/31/CE, 2009/73/CE, 2010/31/UE, 2012/27/UE e 2013/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, as Diretivas 2009/119/CE e (UE) 2015/652 do Conselho, e revoga o Regulamento (UE) n.o 525/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 328 de 21.12.2018, p. 1).

(3)  COM(2020) 950 final, anexo 2.

(4)  O que é surpreendente, visto que o debate sobre a necessidade de eliminar gradualmente os subsídios prejudiciais para o ambiente na UE já se arrasta há 30 anos.

(5)  E pela presidência alemã do Conselho.

(6)  JO L 158 de 14.6.2019. p. 125.

(7)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 30; JO C 62 de 15.2.2019, p. 269.

(8)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 85.

(9)  https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:1bd46c90-bdd4-11e4-bbe1-01aa75ed71a1.0001.03/DOC_1&format=PDF

(10)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 85.

(11)  Ver Hirschl, B., Aretz, A., Bost, M., Tapia, M. e Gößling-Reisemann, S. (2018): «Vulnerabilität und Resilienz des digitalen Stromsystems» [Vulnerabilidade e resiliência do sistema elétrico digital]. Relatório final. Berlim, Bremen. Pode ser descarregado em: www.strom-resilienz.de.

(12)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 30.

(13)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 22.

(14)  JO C 82 de 3.3.2016, p. 13.

(15)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 158.

(16)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 91.

(17)  JO L 283 de 31.10.2003, p. 51.

(18)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 44.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/47


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa a uma estratégia da UE para redução das emissões de metano

[COM(2020) 663 final]

(2021/C 220/05)

Relator:

Udo HEMMERLING

Consulta

Comissão Europeia, 27.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

9.3.2021

Data da adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

252/5/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia os objetivos e a orientação fundamental da estratégia da UE para o metano para uma nova redução significativa das emissões de metano a fim de proteger o clima.

1.2.

É compreensível que a Comissão se focalize nos setores em que se concentram as maiores emissões de metano, como a agricultura, a energia e a gestão dos resíduos.

1.3.

A estratégia para o metano deve ser coordenada com as estratégias para a bioeconomia e a economia circular.

1.4.

O Comité apoia expressamente a ênfase colocada num melhor rastreio das emissões de metano e em iniciativas internacionais de redução dessas emissões. Com efeito, as emissões de metano provêm frequentemente de fontes descentralizadas e dispersas ao longo das cadeias de produção e de abastecimento.

São propostos os seguintes aditamentos para a estratégia da UE para o metano:

1.5.

As fontes de emissões de metano, assaz dispersas, e o complexo rastreio dessas emissões dificultam muitas vezes a sua monitorização. Importa desenvolver, de forma coerente e comparável, um sistema melhorado de monitorização para os setores pertinentes, como a agricultura, a energia, os resíduos e a indústria química.

A integração direta das emissões dispersas de metano num sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa ou a fixação direta dos respetivos preços é muito difícil e, frequentemente, impossível. No entanto, deve ser esse o objetivo sempre que seja possível rastrear emissões pontuais, adotando a mesma metodologia para todos os setores emissores.

1.6.

Nos seus planos de combate às alterações climáticas, os Estados-Membros devem determinar a situação e o potencial da utilização do biogás obtido a partir do chorume e do estrume, dos biorresíduos, das águas residuais, dos aterros e das minas e adotar medidas para aumentar a sua utilização.

1.7.

A agricultura oferece um enorme potencial de redução das emissões de metano, sobretudo através da biogasificação do chorume e do estrume em instalações de produção de biogás, assim como de progressos na alimentação e na criação de animais de exploração e na aplicação de fertilizantes com baixas emissões. Importa tirar melhor partido deste potencial no âmbito da execução da estratégia da UE para o metano.

1.8.

Na gestão dos resíduos, a recolha separada e o aproveitamento dos biorresíduos devem tornar-se gradualmente a norma em toda a UE, criando assim as condições para uma maior redução das emissões de metano neste setor.

2.   Síntese da estratégia da Comissão Europeia para o metano

2.1.

O metano corresponde a 10,5 % das emissões totais de gases com efeito de estufa na UE, que ascendem a 3,76 mil milhões de toneladas de equivalente CO2 (2018). As emissões de metano diminuíram cerca de 34 % desde 1990.

2.2.

A estratégia para o metano examina as emissões de metano antropogénicas, bem como os principais setores emissores, a saber, a agricultura (53 % das emissões de metano da UE), os resíduos (26 %) e a energia (19 %), e propõe medidas de redução para cada um deles. Por conseguinte, as emissões de metano naturais, provenientes, por exemplo, dos ruminantes selvagens ou dos pântanos, não estão abrangidas pela estratégia.

2.3.

A redução das emissões de metano em todo o mundo pode representar um contributo importante para a atenuação das alterações climáticas. A redução para metade das atuais emissões de metano à escala mundial teria um efeito de arrefecimento global de 0,18 graus Celsius até 2050.

2.4.

A UE é responsável por 5 % das emissões mundiais de metano e provoca uma quantidade substancial de outras emissões de metano em países terceiros devido à importação de gás fóssil, petróleo e carvão. É por isso que a Comissão Europeia propõe atividades para reduzir estas emissões ao longo das cadeias de abastecimento internacionais.

2.5.

A Comissão propõe uma melhoria clara do rastreio e da comunicação sobre as emissões de metano.

2.6.

A estratégia para o metano não aborda especificamente o estado atual da investigação científica sobre o efeito concreto do metano enquanto gás com efeito de estufa de curta duração (ver ponto 3).

3.   Conhecimentos atuais sobre o impacto climático do metano e implicações para uma política de neutralidade climática

3.1.

Uma das características básicas do metano (CH4) enquanto gás com efeito de estufa é a sua duração de vida relativamente curta e o facto de se decompor, na atmosfera, em água (H2O) e CO2 após cerca de 12 anos. Estas características têm repercussões determinantes para o seu impacto climático e para a comparação com o CO2, que é usado como referência nos balanços climáticos.

3.2.

O CO2 é estável na atmosfera e, ao contrário do metano, não se decompõe, pelo que também é descrito como gás com efeito de estufa de longa duração («stock gas», ou «gás de acumulação»). Por este motivo, as emissões de CO2 continuam a acumular-se na atmosfera, nomeadamente devido à combustão de combustíveis fósseis (ceteris paribus), fazendo aumentar constantemente a concentração de CO2.

3.3.

Em contrapartida, as emissões de gases com efeito de estufa de curta duração («flow gases», ou «gases de circulação») como o metano são compensadas pelo seu processo de decomposição natural. Assim, a curta duração de vida faz com que as emissões se compensem a si próprias devido à decomposição, o que significa que a concentração atmosférica se mantém constante se as emissões forem estáveis.

3.4.

Para além da sua curta duração, também a origem do metano é determinante para o seu impacto no clima, uma vez que a sua decomposição produz um outro gás com efeito de estufa, o CO2. O CO2 resultante da decomposição do metano biogénico (p. ex., pela digestão dos ruminantes ou nos arrozais) costumava desaparecer da atmosfera graças à fotossíntese através do crescimento das plantas e encontra-se, por isso, essencialmente num ciclo que não altera a concentração de CO2 na atmosfera.

3.5.

Em contrapartida, a decomposição do metano fóssil (por exemplo, resultante da extração de gás natural, petróleo ou carvão) em CO2 e água constitui uma nova fonte de emissões de CO2 para a atmosfera, aumentando a sua concentração nesta.

3.6.

Estas características do metano têm uma série de implicações para o seu impacto no clima e para a elaboração da política climática, em especial no que diz respeito ao objetivo da neutralidade climática. Emissões constantes de metano (biogénico) enquanto gás com efeito de estufa de curta duração levam, a médio prazo, a uma concentração estável de metano na atmosfera, que exerce um efeito de «forçamento radiativo» sobre o sistema climático e, por conseguinte, sobre a temperatura. Se as emissões de metano diminuírem, a sua concentração na atmosfera baixa, permitindo reduzir o forçamento radiativo e, por arrastamento, a temperatura (efeito de arrefecimento).

3.7.

Já emissões constantes de CO2 conduzem a um aumento da sua concentração na atmosfera enquanto durarem as emissões. Mesmo após o fim das emissões de CO2, a concentração de CO2 na atmosfera mantém-se e continua a exercer um efeito de forçamento radiativo e, assim, também um efeito de aquecimento duradouro.

3.8.

Para alcançar a neutralidade climática, são, pois, necessárias soluções distintas para os gases com efeito de estufa de curta e de longa duração. Para contrabalançar o aumento duradouro da temperatura provocado pela continuação do efeito de forçamento radiativo do CO2 e fazer baixar a temperatura para os níveis anteriores às emissões de CO2, é necessário reduzir ativamente a concentração de CO2 através de sumidouros de carbono e, para manter estáveis as temperaturas em caso de emissões constantes de CO2 (que não possam ser evitadas), importa retirar continuamente uma quantidade de CO2 da atmosfera equivalente à que é emitida (emissões líquidas nulas). Tal reflete-se no objetivo de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. O impacto neutro no clima já é possível se as emissões de metano (biogénico) forem estáveis, ao passo que a compensação das emissões de metano convertidas em equivalentes CO2 através da remoção de gases com efeito da estufa da atmosfera tem um efeito de arrefecimento.

3.9.

O objetivo de emissões líquidas nulas expressas em equivalentes CO2 não é, pois, uma política adequada para o metano enquanto gás com efeito estufa de curta duração. Por exemplo, a Lei do Carbono Zero da Nova Zelândia contempla as emissões de metano de forma separada. O impacto climático dos gases com efeito de estufa de curta duração deve ser representado nos balanços dos gases com efeito de estufa através de medições mais adequadas. (Ver os trabalhos da Universidade de Oxford sobre a matéria em https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/ab6d7e.)

4.   Redução das emissões de metano — Observações adicionais

4.1.

A alteração do comportamento dos consumidores pode contribuir para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. O mesmo vale para a alimentação, e concretamente para a recomendação de consumir menos produtos de origem animal. A política climática deve ter em conta, porém, que se trata de mudanças voluntárias nos estilos de vida numa sociedade aberta.

4.2.

Na agricultura, são de considerar, para além das possibilidades de redução das emissões de metano da pecuária, também a relação com o uso do solo. Especificamente, os ruminantes são a principal razão para a utilização e preservação dos prados. Por sua vez, a preservação destes é extremamente importante para a proteção do clima, uma vez que capturam CO2 através do húmus presente no solo.

4.3.

No caso do metano proveniente de aterros, de estações de tratamento de águas residuais ou de minas de carvão, alguns Estados-Membros ainda não dispõem de medidas abrangentes para o capturarem e utilizarem para a produção de energia.

4.4.

No que toca à recolha dos resíduos, muitos Estados-Membros ainda não dispõem de sistemas abrangentes de recolha seletiva e reciclagem de biorresíduos, o que dificulta que as emissões de metano sejam o mais possível evitadas graças à compostagem ou à biogasificação no tratamento dos biorresíduos.

4.5.

Atualmente, a UE não impõe quaisquer requisitos específicos para a importação de combustíveis fósseis como o gás natural, o petróleo e o carvão por motivos de proteção da natureza, do ambiente e do clima. O desenvolvimento anunciado de requisitos de redução das emissões de metano deve ser um elemento de uma iniciativa mais alargada destinada a reduzir a pegada ecológica destas importações de energia no contexto do Pacto Ecológico.

4.6.

As emissões naturais de metano também devem ser identificadas a título indicativo no âmbito da monitorização das emissões antropogénicas de metano, a fim de proporcionar uma panorâmica global.

4.7.

Importa promover a investigação, o desenvolvimento e uma maior comercialização das tecnologias de redução das emissões de metano nas redes europeias, com a participação dos parceiros económicos e sociais.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/51


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga o Regulamento (UE) n.o 347/2013

[COM(2020) 824 final — 2020/0360 (COD)]

(2021/C 220/06)

Relator:

Philippe CHARRY

Consulta

Parlamento Europeu, 18.1.2021

Conselho da União Europeia, 19.1.2021

Base jurídica

Artigos 172.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

9.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

252/3/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a adaptação das regras europeias relativas às redes transeuropeias de energia (RTE-E) aos objetivos do Pacto Ecológico, com vista a fornecer «energia limpa, segura e a preços acessíveis», associando, em particular, a descarbonização do sistema energético, a transição para a neutralidade climática, o desenvolvimento das fontes de energia renováveis, a eficiência energética e o combate ao risco de pobreza energética. Neste sentido, importa ter em conta que a Europa necessita de um sistema energético que garanta a segurança do aprovisionamento a todos os Estados-Membros da União Europeia e o acesso de todos à energia a preços acessíveis, com base na eletrificação rápida e, simultaneamente, numa duplicação da quota de produção de eletricidade de origem renovável. O CESE solicita que as bases jurídicas propostas para o regulamento sejam completadas com uma referência explícita ao artigo 194.o do TFUE.

1.2.

O CESE recorda a necessidade de alcançar todos os objetivos da política energética aplicada através do Regulamento RTE-E. Uma vez que as redes energéticas desempenham um papel essencial para o equilíbrio, a resiliência e o desenvolvimento do sistema energético, solicita que o regulamento se situe mais claramente numa dinâmica de integração do sistema energético, a fim de promover todas as formas de energia descarbonizada e de impedir qualquer forma de desintegração.

1.3.

O CESE insta a Comissão, o Conselho e o Parlamento a promoverem as fontes de energia sem emissões de carbono, respeitando a neutralidade tecnológica. Solicita igualmente que se apoiem os esforços desenvolvidos no âmbito do projeto do reator termonuclear experimental internacional (ITER), a fim de alcançar, para além de 2050, uma energia limpa e a preços acessíveis para todos. O CESE defende a realização de projetos destinados a criar condições para se dar início a uma era do hidrogénio e da fusão.

1.4.

O CESE solicita que seja dada prioridade à inovação e à conceção de redes de energia com vista a reduzir as perdas de energia relacionadas com os transportes.

1.5.

No caso da energia eólica marítima, o CESE solicita que se confira prioridade aos projetos de conexão radial e que se proceda a uma avaliação ambiental global desta tecnologia.

1.6.

O CESE solicita que os projetos relativos às infraestruturas de transporte de gás natural não sejam excluídos dos critérios de elegibilidade do regulamento como projetos de interesse comum ou projetos de interesse mútuo.

1.7.

O CESE solicita que a proposta de regulamento utilize a expressão «renováveis e/ou descarbonizadas» em vez de «renováveis» nos critérios de elegibilidade para projetos de interesse comum e projetos de interesse mútuo.

1.8.

O CESE solicita que o regulamento inclua referências explícitas aos objetivos da União de fornecer energia a todas as populações a preços acessíveis e assegurar um nível elevado de qualidade e de segurança, bem como à igualdade de tratamento e à promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores.

1.9.

No que diz respeito à governação, o CESE solicita que a adoção de atos delegados pela Comissão seja limitada ao mínimo estritamente necessário e que se assegure uma governação multilateral baseada nos representantes da sociedade civil: grupos profissionais, organizações sindicais de trabalhadores, associações de utentes, etc.

1.10.

O CESE propõe que o regulamento estabeleça uma responsabilidade da União em relação ao financiamento dos projetos de interesse comum, combinando os modos de financiamento sem os hierarquizar.

1.11.

Para assegurar o acompanhamento do equilíbrio geral do sistema e da continuidade do fornecimento das redes de transporte de muito alta tensão à escala da UE, o CESE solicita à Comissão que estude a possibilidade de criar um operador transeuropeu das redes de transporte de eletricidade de muito alta tensão, simultaneamente integrado e descentralizado.

2.   Observações na generalidade

2.1.

A Comissão propõe uma revisão da legislação relativa às redes transeuropeias de energia (RTE-E).

2.2.

O Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (1), adotado em 2013, estabeleceu regras para o desenvolvimento e a interoperabilidade das redes transeuropeias de energia. Na sua proposta, a Comissão salienta que o regulamento contribuiu para a realização dos objetivos da política energética da UE, nomeadamente aumentar as interligações energéticas em toda a União.

2.3.

Contudo, a avaliação realizada pela Comissão conclui que «o quadro atual não demonstrou flexibilidade suficiente para se adaptar à evolução dos objetivos estratégicos da União ao longo do tempo» e a Comissão decidiu, por conseguinte, propor uma revisão do referido regulamento.

2.4.

Esta atualização altera, em especial, as condições de seleção dos projetos de interesse comum do ponto de vista do seu financiamento pela UE, introduzindo nomeadamente a obrigação de cumprir o critério de sustentabilidade e respeitar o princípio de «não prejudicar» consagrado no Pacto Ecológico.

2.5.

A proposta altera as categorias de infraestruturas elegíveis para assistência financeira no âmbito da política das RTE-E, suprimindo o apoio às infraestruturas de petróleo e gás natural.

2.6.

A proposta coloca especial ênfase nas redes elétricas ao largo e na sua integração nas infraestruturas terrestres, mediante a criação de um balcão único.

2.7.

Visa ter mais em conta as infraestruturas que utilizam hidrogénio, incluindo os transportes e determinados tipos de eletrolisadores.

2.8.

A proposta de regulamento promove o desenvolvimento de redes elétricas inteligentes para facilitar a eletrificação rápida e aumentar a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis.

2.9.

Novas disposições visam incentivar os investimentos em redes inteligentes para integrar os gases limpos (como o biogás e o hidrogénio renovável) nas redes existentes. A proposta coloca ênfase na modernização das redes elétricas, bem como das redes de armazenamento e de transporte de carbono.

2.10.

São propostas novas disposições que visam apoiar mais adequadamente os projetos de interligação com países terceiros — por exemplo com os países dos Balcãs Ocidentais —, os projetos de interesse mútuo que demonstrem contribuir para os objetivos energéticos e climáticos gerais da União em matéria de segurança do aprovisionamento e de descarbonização.

2.11.

A proposta, que revê o quadro de governação, tem por objetivo declarado melhorar o planeamento das infraestruturas e assegurar a sua harmonização com os objetivos climáticos e os princípios de integração do sistema energético da UE. Outro dos seus objetivos é assegurar uma maior participação das partes interessadas em todo o processo, bem como reforçar o papel da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) e a supervisão por parte da Comissão.

2.12.

Propõem-se igualmente diversas medidas para simplificar os procedimentos administrativos de modo a acelerar a execução dos projetos.

3.   Observações na especialidade

3.1.

A proposta em apreço insere-se no quadro da política europeia da energia, conforme definida nos Tratados (2), no regulamento relativo à governação da União da Energia (3), no desenvolvimento das redes transeuropeias (4), bem como num vasto «pacote» que define a nova estratégia da União Europeia: «transformar a UE numa sociedade equitativa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva» (5). A UE pretende, desta forma, combinar vários objetivos da União — funcionamento do mercado da energia, segurança do aprovisionamento, eficiência energética, economia de energia, desenvolvimento das energias renováveis, luta contra as alterações climáticas ou interligação das redes — sem afetar «o direito de os Estados-Membros determinarem as condições de exploração dos seus recursos energéticos, a sua escolha entre diferentes fontes energéticas e a estrutura geral do seu aprovisionamento energético». Por conseguinte, o CESE solicita que a proposta de base jurídica do regulamento seja completada com uma referência explícita ao artigo 194.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

3.2.

O CESE apoia a adaptação das regras europeias aos objetivos do Pacto Ecológico, com vista a fornecer «energia limpa, segura e a preços acessíveis», associando, em particular, a descarbonização do sistema energético, a transição para a neutralidade climática, o desenvolvimento das fontes de energia renováveis, a eficiência energética e o combate ao risco de pobreza energética.

3.3.

O CESE apoia o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050 e atingir níveis mais elevados de redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Neste sentido, importa ter em conta que a Europa necessita de um sistema energético que garanta a segurança do aprovisionamento a todos os Estados-Membros da UE e o acesso de todos à energia a preços acessíveis, com base na eletrificação rápida e, simultaneamente, numa duplicação da quota de produção de eletricidade de origem renovável, assegurando igualmente a descarbonização do setor do gás e recorrendo em maior medida a soluções inovadoras.

3.4.

Na Comunicação «Potenciar uma Economia com Impacto Neutro no Clima: Estratégia da UE para a Integração do Sistema Energético» (6), a Comissão sublinha que a «integração do sistema energético — o planeamento e o funcionamento coordenados do sistema energético “como um todo”, envolvendo todos os diferentes vetores energéticos, infraestruturas e setores de consumo — é a via para uma descarbonização efetiva, economicamente acessível e profunda da economia europeia». Além disso, a Comissão adverte que o «sistema energético atual ainda se baseia em várias cadeias de valor da energia, paralelas e verticais, que ligam fortemente determinados recursos energéticos a certos setores de utilização final» e que este «modelo de compartimentação não permite alcançar uma economia com impacto neutro no clima».

3.5.

Entre as décadas de 1950 e 1970, existiam em todos os países europeus sistemas energéticos integrados (produção-transporte-distribuição) a nível nacional ou regional, setorial ou a um nível mais geral. A partir da década de 1980, a criação de mercados internos europeus, assentes nas quatro liberdades de circulação fundamentais, conduziu a uma série de «desintegrações» e de aberturas à concorrência, com o objetivo de promover a qualidade e a eficácia em benefício dos consumidores.

3.6.

O CESE apoia a estratégia de integração, que deve permear todas as dimensões da política europeia da energia. Tal implica reconstruir progressivamente as integrações e suspender qualquer nova iniciativa de desintegração, que conduziria a um aumento da compartimentação, quando o objetivo é assegurar o planeamento e o funcionamento coordenados do sistema energético. O CESE solicita que o regulamento se insira numa dinâmica de integração do sistema energético e que se ponha termo a qualquer forma de desintegração.

3.7.

O CESE recorda a necessidade de alcançar todos os objetivos da política energética aplicada através do Regulamento RTE-E. As redes energéticas asseguram as interligações entre produtores e utilizadores e representam, em certa medida, o «núcleo» do sistema energético. A proposta de regulamento em apreço sairia reforçada se se inserisse mais nesta dinâmica de integração, incluindo o reforço dos «produtores-consumidores» e das cooperativas, e fosse além da referência tímida à integração no considerando 13 (embora refira a «integração do sistema energético», a proposta não reposiciona as infraestruturas energéticas transeuropeias nesta dinâmica estratégica de planeamento e de funcionamento coordenados), para cumprir a sua finalidade essencial, que consiste no equilíbrio, na resiliência e no desenvolvimento do sistema energético. Com este objetivo em mente, há que clarificar o grau de desenvolvimento da capacidade de interligação entre cada Estado-Membro, que deverá centrar-se mais na eliminação dos estrangulamentos do que nas médias gerais (10 % em 2020, 15 % em 2030). O CESE considera que a ambição e os recursos da proposta que lhe foi apresentada são manifestamente insuficientes.

3.8.

O CESE insta a Comissão, o Conselho e o Parlamento a promoverem as fontes de energia sem emissões de carbono, respeitando a neutralidade tecnológica. Apoia igualmente os esforços desenvolvidos no âmbito do projeto do reator termonuclear e experimental internacional (ITER) a fim de alcançar, para além de 2050, uma energia limpa e a preços acessíveis para todos. A conceção das redes de energia deve dar prioridade à inovação e à eficácia das infraestruturas, bem como à redução dos custos elevados das perdas de energia relacionadas com os transportes.

3.9.

O CESE compreende a importância atribuída pela proposta de regulamento à energia eólica marítima. Solicita que se dê prioridade aos projetos de conexão radial e que se proceda a uma avaliação ambiental exaustiva de toda a energia eólica marítima, tendo em conta o desmantelamento e a reciclagem das turbinas eólicas. Por outro lado, a criação de um balcão único para a energia eólica marítima pode acarretar pesados encargos administrativos, sem benefícios evidentes, uma vez que o número de projetos que exigem licenças de vários Estados-Membros é muito reduzido. É de referir, também, que a intenção louvável de promover o planeamento da energia eólica marítima traduz-se num mecanismo desnecessariamente restritivo de fixação de metas de capacidade, que colidem com as metas inscritas nos planos nacionais em matéria de energia e clima e com a liberdade de escolha do cabaz energético prevista no Tratado.

3.10.

O CESE questiona a intenção da Comissão de excluir completamente o apoio às infraestruturas de gás, mesmo sabendo-se que estas são atualmente essenciais para garantir a segurança do aprovisionamento de alguns territórios da UE e que o gás natural é encarado como uma energia de transição (7) menos nociva do que o carvão ou o petróleo. O CESE já defendeu, em pareceres anteriores, que as infraestruturas destinadas ao gás natural poderão ser reutilizáveis no transporte de gases renováveis e que, por conseguinte, se justifica continuar a investir nessas infraestruturas (8). Por estes motivos, o CESE considera que o gás natural não deve ser excluído enquanto não for efetivamente substituído por outras fontes de energia com preços comparáveis. O CESE solicita que os projetos relativos às infraestruturas de transporte de gás natural sejam elegíveis, segundo os critérios do regulamento, para serem selecionados como projetos de interesse comum ou projetos de interesse mútuo.

3.11.

O CESE constata que a referência recorrente ao caráter «renovável» nos critérios de seleção dos projetos (9) suscita dúvidas quanto à elegibilidade dos projetos de transporte de energia descarbonizada, apesar de estes serem essenciais para que a UE possa cumprir a dimensão climática dos seus objetivos. Consequentemente, o CESE solicita que a proposta de regulamento dê preferência à formulação «renovável e/ou descarbonizada».

3.12.

O CESE não concorda com o «raciocínio de três etapas» subjacente ao financiamento dos investimentos dos projetos de interesse comum, conforme referido no considerando 46, que consiste em dar prioridade ao mercado, uma vez que estas infraestruturas são essenciais para cumprir os objetivos da UE e devem, portanto, ser financiadas com base em formas de solidariedade ou de perequação da União, combinando os modos de financiamento sem os hierarquizar. O CESE propõe que o regulamento estabeleça uma responsabilidade da União em relação ao financiamento de projetos de interesse comum, combinando os modos de financiamento sem os hierarquizar.

3.13.

Enquanto representante da sociedade civil organizada, o CESE está particularmente interessado nos direitos dos utilizadores, em especial as populações, bem como numa governação democrática.

3.14.

Empenhado em evitar o desenvolvimento de uma União da Energia desigual e em melhorar a situação das populações afetadas pela pobreza energética e com rendimentos baixos, o CESE reitera o que afirmou em numerosos pareceres anteriores (10) quanto à necessidade de fornecer energia a todas as populações a preços acessíveis, ou seja, em conformidade com os objetivos da União relativos a «um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores» (11), enquanto critério prioritário da seleção dos projetos de interesse comum. Por conseguinte, o CESE solicita que o regulamento refira explicitamente não só os objetivos da União de fornecer energia a todas as populações a preços acessíveis e de assegurar um nível elevado de qualidade e de segurança, mas também a acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores.

3.15.

No que diz respeito à governação, a proposta de regulamento em apreço atribui um peso excessivo ao papel da Comissão — importa reduzir ao mínimo possível o recurso a atos delegados previsto no artigo 3.o — e da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), sem, contudo, examinar as vias de redução das assimetrias existentes em matéria de informação e de competências para instituir uma governação multilateral mais baseada nos representantes da sociedade civil: grupos profissionais, organizações sindicais de trabalhadores, associações de utentes, etc., incluindo nos grupos regionais. O CESE solicita que a adoção de atos delegados pela Comissão seja limitada ao mínimo estritamente necessário e que se assegure uma verdadeira governação multilateral.

3.16.

Tendo em conta as especificidades das redes elétricas, o CESE propõe à Comissão que estude com todas as partes interessadas, mediante uma ampla consulta, um projeto de criação de um operador transeuropeu, simultaneamente integrado e descentralizado, assente numa governação a vários níveis:

integrado, para assegurar o acompanhamento do equilíbrio geral do sistema e da continuidade do fornecimento das redes de transporte de muito alta tensão à escala da UE, e incumbido de missões e obrigações de serviço público ou serviços de interesse geral europeu, mas, atendendo a que esse operador público terá de se apoiar nos operadores nacionais e infranacionais, deve ser também

descentralizado, ao nível da unidade territorial mais pertinente, tendo em conta as características de cada um dos Estados-Membros.

O CESE solicita à Comissão que estude a possibilidade de criar um operador transeuropeu das redes de transporte de eletricidade de muito alta tensão.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 115 de 25.4.2013, p. 39.

(2)  JO C 326 de 26.10.2012, p. 134.

(3)  JO L 328 de 21.12.2018, p. 1.

(4)  JO C 115 de 9.5.2008, p. 124; JO C 202 de 7.6.2016, p. 125; JO C 202 de 7.6.2016, p. 125.

(5)  COM(2019) 640 final.

(6)  COM(2020) 299 final.

(7)  Conclusões do Conselho Europeu, 10 e 11 de dezembro de 2020.

(8)  COM (2020) 301 final (JO C 123, 9.4.2021, p. 30).

(9)  Por exemplo, no artigo 4.o, n.o 3, ou no anexo IV [COM(2020) 824 final].

(10)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 77; JO C 47 de 11.2.2020, p. 98; JO C 14 de 15.1.2020, p. 105; JO C 353 de 18.10.2019, p. 96; JO C 353 de 18.10.2019, p. 79; JO C 282 de 20.8.2019, p. 51; JO C 262 de 25.7.2018, p. 86; Relatório de informação do CESE sobre «Avaliação da União Europeia da Energia — A dimensão social e societal da transição energética».

(11)  JO C 115 de 9.5.2008, p. 308.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Fazer avançar a União Aduaneira para um novo patamar: um plano de ação

[COM(2020) 581 final]

(2021/C 220/07)

Relator:

Anastasis YIAPANIS

Consulta

Comissão Europeia, 11.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

259/0/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com o plano de ação muito concreto de apoio às autoridades aduaneiras nacionais para os próximos cinco anos. Uma vez implementado e acompanhado de avaliações de impacto regulares, conduzirá a uma verdadeira modernização das alfândegas em toda a UE.

1.2.

Embora a modernização tenha começado em 2016 com a introdução do Código Aduaneiro da União (1), existem desenvolvimentos recentes, como o aumento dos fluxos comerciais, o desenvolvimento próspero do setor do comércio eletrónico, a elisão aos direitos aduaneiros e ao IVA, o tráfico ilícito e a subavaliação das mercadorias, que requerem uma resposta imediata e coordenada. A saída do Reino Unido da União Aduaneira já está a gerar uma carga de trabalho mais pesada e desafios particulares para as autoridades aduaneiras.

1.3.

Um plano tão ambicioso requer um financiamento partilhado adequado. O CESE não tem a certeza de que todos os Estados-Membros estejam prontos a adotar o calendário proposto e a avançar com a sua parte do financiamento.

1.4.

É urgentemente necessária uma maior cooperação e interoperabilidade entre as alfândegas e outras autoridades e administrações responsáveis pela aplicação da lei. A partilha de boas práticas também poderia aumentar a produtividade dos serviços aduaneiros, enquanto uma gestão adequada da grande quantidade de dados disponíveis poderia permitir uma supervisão inteligente das cadeias de abastecimento e melhorar as capacidades de previsão.

1.5.

As autoridades aduaneiras devem ser dotadas de recursos adequados para todas as responsabilidades não financeiras, e devem ser introduzidas normas mínimas em matéria de controlo e do número de pessoal necessário. O CESE considera muito importante adotar o mais rapidamente possível atos de execução relativos ao Regulamento Fiscalização do Mercado (2).

1.6.

O processo extremamente moroso de aprovação do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) e as dificuldades enfrentadas pelos líderes da UE-27 em chegar a acordo sobre determinadas ações de elevada importância estão a comprometer tanto a recuperação adequada da economia da UE como o apoio imediato necessário tanto aos cidadãos como às empresas.

1.7.

O CESE recomenda que se explore imediatamente a possibilidade de introduzir a tecnologia das cadeias de blocos no plano de ação proposto. Além disso, o progresso tecnológico e as atuais soluções inovadoras proporcionados pela robótica e pela inteligência artificial poderiam ser facilmente implementados, com resultados imediatos e relevantes.

1.8.

O CESE sugere que se preste especial atenção aos pontos de entrada e saída mais vulneráveis e entende que a força da União Aduaneira é determinada pelo seu elo mais fraco. Um sistema de gestão dos riscos conforme, mais coordenado e integrado reduziria as lacunas entre as autoridades e reforçaria os elos da cadeia mais fracos. Por conseguinte, acolhe-se com agrado a nova estratégia de gestão dos riscos anunciada para o segundo trimestre de 2021.

1.9.

Há que disponibilizar recursos financeiros específicos para interligar o sistema eletrónico de controlo das importações (ICS2) com outros sistemas eletrónicos. O CESE salienta a importância de uma rede tão complexa ser bem gerida.

1.10.

O CESE sublinha a necessidade de assegurar recursos humanos suficientes, bem como formação adequada para este pessoal no que se refere à implementação da análise de dados antes do carregamento e antes da chegada. Já apelou ao desenvolvimento de «quadros de formação comuns com base no quadro de competências para o setor aduaneiro da UE» (3).

1.11.

A criação de uma plataforma de informação fiscal da UE no âmbito da rede antifraude Eurofisc constitui uma melhoria significativa, pelo que o CESE aguarda com expectativa a avaliação da Comissão a este respeito.

1.12.

O comércio eletrónico é um setor muito importante para as PME. O CESE manifesta preocupação com o facto de a comunicação não mencionar a criação de um quadro favorável às PME por via deste ambicioso plano de ação.

1.13.

O CESE considera que as plataformas possuem importantes dados suscetíveis de serem utilizados pelas alfândegas, mas que seriam necessários investimentos específicos em suportes lógicos, tais como sistemas robóticos automatizados. Deveria ser-lhes concedido financiamento para a recolha de dados de que de outra forma não necessitariam. Não obstante, o CESE congratula-se por a Comissão estar a levar a cabo uma revisão do papel e das obrigações dos mercados em linha.

1.14.

É urgente uma análise exaustiva dos sistemas internacionais de cooperação e de assistência administrativa mútua da União em matéria aduaneira. Isto permitiria uma melhor aplicação da regulamentação.

1.15.

O CESE congratula-se com a proposta de implementação do ambiente de balcão único da UE e manifesta o seu pleno apoio a esta proposta.

1.16.

O CESE receia que, caso a controversa proposta de criação de um projeto de uma agência aduaneira da UE não tenha o apoio dos Estados-Membros, a gestão de um sistema tão complexo e interligado constitua um encargo adicional para os serviços da Comissão.

1.17.

O CESE acredita firmemente que o envolvimento dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil ajudará a implementar um plano de ação desta envergadura, assegurando ao mesmo tempo uma ampla distribuição dos benefícios proporcionados ao público e às empresas.

2.   Introdução

2.1.

A União Aduaneira da UE existe desde 1968 e diz respeito à totalidade do comércio de mercadorias entre os 27 Estados-Membros. Todos os anos, a União Aduaneira facilita o comércio de mercadorias no valor de mais de 3,5 biliões de euros, ao passo que a cada segundo, as autoridades aduaneiras da UE lidam com 27 artigos declarados.

2.2.

Em 28 de setembro de 2020, em conformidade com as políticas anunciadas pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no início do seu mandato, a Comissão Europeia publicou um ambicioso plano de ação para melhorar a União Aduaneira, tornando-a mais inteligente, mais simples e mais eficaz do ponto de vista digital até 2025. Tal teria um impacto positivo tanto nas receitas da UE como na segurança e proteção dos cidadãos europeus. Além disso, as empresas beneficiariam de obrigações de comunicação de informações mais simples e rápidas.

2.3.

O CESE já sublinhou que «uma união aduaneira eficiente constitui um elemento essencial do processo de integração europeia para garantir uma livre circulação de mercadorias eficiente, segura e transparente, assegurando a máxima proteção aos consumidores e ao ambiente, melhorando o emprego e lutando eficazmente contra a fraude e a contrafação» (4).

2.4.

Por conseguinte, o CESE congratula-se com o plano de ação muito concreto para os próximos cinco anos, com 30 ações planeadas e calendarizadas ao abrigo de quatro categorias de política estratégica para apoiar as autoridades aduaneiras nacionais: gestão dos riscos, gestão do comércio eletrónico, promoção do cumprimento e autoridades aduaneiras agindo como uma só entidade.

2.5.

O atual sistema aduaneiro tem demonstrado deficiências e ligações fracas, e a grande quantidade de dados partilhados entre as alfândegas em todos os Estados-Membros não é utilizada de forma eficiente. O Parlamento Europeu e o Tribunal de Contas Europeu já manifestaram a sua preocupação relativamente à perda de receitas devido a controlos aduaneiros ineficazes sobre mercadorias importadas.

2.6.

Os direitos aduaneiros representam uma parte importante do orçamento da UE, representando cerca de 14 % do total das receitas. O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) da Comissão relatou que a fraude aduaneira é generalizada e recomendou a recuperação de mais de 2,7 mil milhões de euros em direitos aduaneiros para o período 2017-2019. Estima-se que o valor das mercadorias de contrafação importadas de países terceiros ascenda a 121 mil milhões de euros por ano, ao passo que as violações de direitos de propriedade intelectual geram mais de 83 mil milhões de euros em vendas e provocam a perda de 15 mil milhões de euros de receitas fiscais.

2.7.

Como nota positiva, quase 100 % das declarações aduaneiras são enviadas por via eletrónica.

3.   Observações na generalidade

3.1.

A União Aduaneira necessita de investimento rápido para uma atualização coordenada tanto do suporte lógico como das capacidades humanas. Embora a modernização tenha começado em 2016 com a introdução do Código Aduaneiro da União (5), o aumento dos fluxos comerciais, o desenvolvimento próspero do setor do comércio eletrónico, a elisão aos direitos aduaneiros e ao IVA, o tráfico ilícito e a subavaliação das mercadorias requerem uma resposta imediata e coordenada. Além disso, as alfândegas são responsáveis por controlar as mercadorias para muitos fins não financeiros. O CESE entende que a força da União Aduaneira é determinada pelo seu elo mais fraco, pelo que sugere que se preste especial atenção aos pontos de entrada e saída mais vulneráveis. Os Estados-Membros devem fazer pleno uso do novo instrumento relativo aos equipamentos de controlo aduaneiro, o qual foi especialmente concebido para ajudar na aquisição, manutenção e substituição de equipamentos de controlo aduaneiro de última geração.

3.2.

A saída do Reino Unido da União Aduaneira já está a gerar uma carga de trabalho mais pesada e desafios particulares para as autoridades aduaneiras. O número de declarações aduaneiras deverá aumentar significativamente, juntamente com a reintrodução dos controlos aduaneiros.

3.3.

É urgentemente necessária uma maior cooperação e interoperabilidade entre as alfândegas e outras autoridades e administrações responsáveis pela de aplicação da lei. O CESE já alertou que «a cooperação entre as diversas autoridades e instituições dos Estados-Membros — policiais, de informação, judiciais, aduaneiras e fiscais — está longe de ser ideal» (6).

3.4.

As alfândegas estão muito envolvidas na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada. Só em 2019, as alfândegas apreenderam 400 toneladas de droga, 3 699 armas de fogo e 3,5 mil milhões de artigos de tabaco e cigarros. 11,5 % de todas as declarações de dinheiro líquido revelaram-se incorretas, equivalendo a cerca de 331 milhões de euros (7).

3.5.

A gestão de dados é de extrema importância para um setor que beneficia de grandes quantidades de declarações, informações sobre produtos, impostos, etc. O domínio da vasta quantidade de dados disponíveis representaria uma melhoria imediata e significativa em relação ao sistema aduaneiro atual e proporcionaria também uma resposta melhor e conclusiva aos desafios crescentes. Além disso, permitiria uma supervisão inteligente das cadeias de abastecimento e o reforço das capacidades de previsão.

3.6.

O CESE lamenta bastante que a Comissão tenha, na última frase da comunicação, convidado APENAS o Parlamento Europeu e o Conselho a apoiar este plano de ação, não incluindo de forma alguma o Comité Económico e Social Europeu. Estamos firmemente convictos de que o envolvimento dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil ajudará a implementar um plano de ação desta envergadura, assegurando ao mesmo tempo uma ampla disseminação dos benefícios proporcionados ao público e às empresas.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE acolhe com agrado, desde o início, o roteiro ambicioso e os prazos concretos para a execução das ações. Este é um claro passo em frente e, uma vez implementado e em conjunto com avaliações de impacto regulares, conduzirá à verdadeira modernização das alfândegas em toda a UE.

4.2.

Um plano tão ambicioso requer um financiamento adequado. Ainda que algumas das ações propostas exijam financiamento partilhado e que a UE esteja pronta para desempenhar o seu papel a este respeito, o CESE questiona-se se todos os Estados-Membros estão prontos a adotar o calendário proposto e a avançar com a sua parte do financiamento. Só um financiamento e uma implementação cuidadosamente coordenados assegurariam o êxito da proposta.

4.3.

No entanto, a UE demonstrou ter estruturas frágeis e tem apresentado respostas tardias e descoordenadas a situações críticas, incluindo à pandemia de COVID-19. O apelo do presidente francês, Emmanuel Macron, à reorganização do espaço Schengen e o seu pedido de reavaliação da livre circulação de pessoas na União são tão graves quanto preocupantes.

4.4.

Além disso, o extremamente moroso processo de aprovação do próximo QFP está a comprometer a recuperação adequada da economia da UE e o apoio imediato necessário tanto à população como às empresas. Parece cada vez mais complicado para os líderes da UE-27 chegarem a acordo sobre ações de extrema importância, ao mesmo tempo que a duração e o caráter indeciso das soluções demonstram que o sistema de governação da UE é obsoleto e ineficiente.

4.5.

Apesar de a questão já ter sido debatida e analisada em 2018, a proposta atual não inclui qualquer recurso à tecnologia das cadeias de blocos. O CESE considera que o sistema aduaneiro dispõe precisamente da estrutura adequada para integrar tais desenvolvimentos e recomenda que se explore imediatamente a possibilidade de introduzir a tecnologia das cadeias de blocos no plano de ação proposto.

4.6.

O CESE observa ainda que não existe qualquer tipo de análise sobre a possível utilização da robótica e da inteligência artificial para a atualização das operações aduaneiras. Considera que o progresso tecnológico e as atuais soluções inovadoras proporcionados pela robótica e pela inteligência artificial poderiam ser facilmente implementados num plano de ação com esse nível de complexidade, conduzindo a resultados imediatos e relevantes.

4.7.   Gestão dos riscos

4.7.1.

Desde a introdução das alterações de segurança ao Código Aduaneiro Comunitário em 2005, a UE já tem vindo a realizar atividades de gestão dos riscos com base em duas linhas de defesa: avaliar antecipadamente e controlar antes ou depois da entrada das mercadorias no território aduaneiro. O CESE considera que o maior desafio decorre da aplicação descoordenada dos procedimentos em todos os Estados-Membros e da falta de partilha de informação entre os países. Assegurar um sistema de gestão dos riscos conforme, mais coordenado e integrado reduziria as lacunas entre as autoridades e reforçaria os elos da cadeia mais fracos. Nesse sentido, a nova estratégia de gestão dos riscos anunciada para o segundo trimestre de 2021 é muito promissora.

4.7.2.

A digitalização e o crescimento do comércio eletrónico tornam mais fácil para os consumidores comprar em linha produtos de todo o mundo. No entanto, nem todos os produtos cumprem as elevadas normas europeias de segurança dos produtos e/ou de defesa do consumidor. Este facto surge frequentemente como uma surpresa para os consumidores. O CESE congratula-se com o objetivo de reforçar o processo de gestão dos riscos, a fim de melhor proteger o mercado único e, em particular, os seus cidadãos de produtos não conformes e não seguros.

4.7.3.

A proposta de lançamento de uma iniciativa designada «Capacidade Analítica Conjunta» é decididamente um passo em frente. A partilha de dados com as autoridades responsáveis pela aplicação da legislação antifraude é igualmente bem-vinda. No entanto, o CESE pergunta-se se irá estar disponível o financiamento necessário para a interligação do ICS2 com outros sistemas eletrónicos. A seguinte preocupação imediata diz respeito à gestão de uma rede tão complexa e aos recursos humanos especializados e devidamente formados necessários.

4.7.4.

Além disso, o CESE receia que, caso o novo projeto da agência aduaneira da UE não tenha o apoio dos Estados-Membros, a gestão de um sistema tão complexo e interligado constitua um encargo adicional para os serviços da Comissão.

4.7.5.

A Comissão propôs a implementação da análise de dados antes do carregamento e antes da chegada para todos os produtos e todos os meios de transporte até 2024. No entanto, não é claro que tipo de recursos humanos serão necessários em cada Estado-Membro ou o nível e a duração da formação necessária para esse pessoal. O mesmo se aplica ao processo suplementar da gestão dos riscos previsto para os procedimentos «após a chegada». O CESE já apelou ao desenvolvimento de «quadros de formação comuns com base no quadro de competências para o setor aduaneiro da UE, que visa harmonizar e melhorar os padrões de desempenho dos serviços aduaneiros em toda a UE» (8).

4.8.   Gestão do comércio eletrónico

4.8.1.

O comércio eletrónico trouxe importantes benefícios e oportunidades, tanto para a população como para as empresas. No entanto, traz também desafios significativos em termos de cumprimento fiscal e aduaneiro das mercadorias transacionadas e ainda no que respeita ao elevado número de pedidos de desalfandegamento para controlos numa vasta gama de fins não financeiros, incluindo a proteção, a segurança e a propriedade intelectual. O CESE reconhece o importante papel desempenhado pelas autoridades aduaneiras na prevenção da entrada no mercado único de produtos não conformes e/ou não seguros e conclui que estas autoridades necessitam de ser igualmente dotadas dos recursos adequados para todas as responsabilidades não financeiras.

4.8.2.

Espera-se que a implementação do pacote IVA para o comércio eletrónico (9) a partir de 2021 produza receitas significativas para os orçamentos dos Estados-Membros e gere condições equitativas para o enquadramento empresarial. A criação de uma plataforma de informação fiscal da UE no âmbito da rede antifraude Eurofisc é considerada uma melhoria significativa para proporcionar o acesso à informação por parte das autoridades aduaneiras. O CESE aguarda com expectativa a avaliação da Comissão a este respeito.

4.8.3.

O CESE considera que a melhor forma de regular e gerir o comércio eletrónico é através de uma cooperação reforçada com outros países no âmbito da OCDE e do G20. Já realçou que «as políticas fiscais a aplicar à digitalização da economia e a elaboração de instrumentos e de soluções operacionais devem ser coordenadas a nível internacional» (10).

4.8.4.

O comércio eletrónico é um setor muito importante para as PME. Contudo, o comércio transfronteiriço já se encontra fragmentado devido a várias barreiras existentes e o CESE manifesta preocupação com o facto de a comunicação não fazer qualquer referência à criação de um quadro favorável às PME através deste ambicioso plano de ação. De acordo com o inquérito Eurobarómetro de setembro, apenas 4 % das PME vendem os seus bens a consumidores de outros Estados-Membros (11).

4.8.5.

A proposta de impor obrigações de comunicação de informações aduaneiras às plataformas é um potencial encargo para as empresas legítimas. As plataformas possuem importantes dados suscetíveis de serem utilizados pelas alfândegas, mas seriam necessários investimentos específicos em suportes lógicos capazes de recolher e fornecer esses dados. Há que explorar de imediato a utilização de sistemas robóticos automatizados, uma vez que poderiam ser de valor inestimável para facilitar o processo de obrigação de comunicação de informações. Além disso, o CESE considera que estas empresas devem receber o financiamento necessário caso lhes seja pedido que recolham dados de que de outra forma não necessitariam. A gestão destes dados é de extrema importância no combate à fraude aduaneira e ao IVA, à subavaliação, às declarações de origem falsas, etc. O CESE já preconizou que «se elabore uma norma europeia de recolha dos dados e das informações sobre os utilizadores que as plataformas terão de comunicar» (12).

4.8.6.

Não obstante, o CESE congratula-se por a Comissão estar a levar a cabo uma revisão do papel e das obrigações dos mercados em linha, que deveriam ser mais responsabilizados no âmbito da verificação de que os bens vendidos nas suas plataformas são conformes e seguros.

4.9.   Promoção do cumprimento

4.9.1.

Já existe um regime de concessão de benefícios a operadores de confiança em troca do seu cumprimento dos critérios estabelecidos na legislação aduaneira da UE. O CESE apoia a proposta de acompanhar os acordos preferenciais em vigor com países terceiros; uma análise exaustiva dos sistemas internacionais de cooperação e de assistência administrativa mútua da UE em matéria aduaneira permitiria uma melhor aplicação.

4.9.2.

A proposta de implementação do ambiente de balcão único da UE é um projeto em que todos ganham, pelo que o CESE manifesta o seu pleno apoio. O setor privado beneficiaria da possibilidade de comunicar as informações através de uma única ação, enquanto as diferentes autoridades poderiam selecionar os dados necessários. Este é um claro passo em frente para todas as partes envolvidas e espera-se que gere às empresas poupanças em matéria de administração aduaneira de até 690 milhões de euros durante os primeiros sete anos de implementação.

4.9.3.

No entanto, é bastante difícil compreender como foi possível a análise do Código Aduaneiro da União proposta sugerir que os sistemas eletrónicos estão obsoletos, menos de quatro anos após a adoção da proposta.

4.9.4.

A fragmentação das sanções por incumprimento aplicadas nos Estados-Membros cria distorções competitivas do mercado único, ao mesmo tempo que permite o aparecimento de elos mais fracos dentro do sistema. A criação de uma estrutura sólida e uniforme aumentaria a força da União Aduaneira como um todo. Ainda que excelente em teoria, o CESE interroga-se sobre a forma como a Comissão pretende integrar este aspeto, uma vez que a proposta de 2013 sobre o mesmo assunto foi rejeitada.

4.9.5.

Além disso, é difícil manter o mesmo nível de controlo quando o número de funcionários aduaneiros varia de 7 a 70 por 100 000 habitantes, dependendo do Estado-Membro (13). O CESE recomenda o aditamento de normas mínimas para o controlo e o número de pessoal necessário.

4.9.6.

A crise da COVID-19 trouxe à luz as deficiências do sistema aduaneiro, com vários casos de produtos não conformes e não seguros a chegarem ao território da UE. O CESE considera muito importante adotar o mais rapidamente possível atos de execução relativos ao Regulamento Fiscalização do Mercado (14).

4.9.7.

Além disso, o CESE apoia a proposta de prestar especial atenção à aplicação das regras e procedimentos em matéria de origem preferencial aos 41 acordos de comércio livre da UE. No que respeita aos outros parceiros comerciais, especialmente a China, o crescimento exponencial do comércio eletrónico veio somar-se aos atuais desafios enfrentados pelas alfândegas. Daí a preocupação perfeitamente normal de avaliar e legislar onde for necessário.

4.10.   Alfândegas agindo como uma só entidade

4.10.1.

As análises mostram que a cooperação transfronteiriça pode ser significativamente reforçada. O CESE reconhece que a única forma de avançar é assegurar uma cooperação melhor e mais estreita entre as autoridades aduaneiras dos diferentes Estados-Membros e entre estas e outras autoridades nacionais. A partilha de boas práticas também poderia aumentar a produtividade dos serviços aduaneiros.

4.10.2.

É necessário um investimento significativo para adquirir os equipamentos de controlo aduaneiro necessários à concretização desta cooperação. O CESE observa que na proposta original (15), a Comissão concordou cobrir apenas 80 % do investimento necessário. Os restantes 20 % devem ser suportados pelos Estados-Membros; tendo em conta a situação financeira em que estes países se encontram devido à pandemia de COVID-19, o CESE não espera que todos os 27 Estados-Membros possam investir estes montantes em 2021.

4.10.3.

Por último, a Comissão está corajosamente a apresentar a controversa proposta de preparar até 2023 uma avaliação de impacto sobre a criação de uma agência aduaneira da UE. O CESE tem dúvidas de que os Estados-Membros a aceitem.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 269 de 10.10.2013, p. 1.

(2)  JO L 169 de 25.6.2019, p. 1.

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece, no âmbito do Fundo de Gestão Integrada das Fronteiras, o instrumento de apoio financeiro aos equipamentos de controlo aduaneiro (JO C 62 de 15.2.2019, p. 67).

(4)  JO C 367 de 10.10.2018, p. 39.

(5)  JO L 269 de 10.10.2013, p. 1.

(6)  JO C 246 de 28.7.2017, p. 22.

(7)  Segundo relatório bienal sobre o desenvolvimento da União Aduaneira da UE e da sua governação.

(8)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 67.

(9)  Modernising VAT for cross-border e-commerce [Modernizar o IVA no comércio transfronteiras].

(10)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 62.

(11)  Inquérito Eurobarómetro Flash 486.

(12)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 62.

(13)  Inquérito da Union of Finance Personnel in Europe [União do Pessoal das Finanças na Europa].

(14)  JO L 169 de 25.6.2019, p. 1.

(15)  COM(2018) 321 final.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/62


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Ambiente de Janela Única Aduaneira da União Europeia e altera o Regulamento (UE) n.o 952/2013»

[COM(2020) 673 final — 2020/306 (COD)]

(2021/C 220/08)

Relator:

Athanasios IOANNIDIS

Consultas

Parlamento Europeu, 11.11.2020

Conselho, 13.11.2020

Base jurídica

Artigos 3.o, 114.o e 207.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

268/0/3

1.

Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a proposta da Comissão Europeia que estabelece o Ambiente de Janela Única Aduaneira da União Europeia e altera o Regulamento (UE) n.o 952/2013. A proposta visa enfrentar a interoperabilidade fragmentada entre as autoridades aduaneiras e as autoridades competentes parceiras no processo de desalfandegamento de mercadorias.

1.2.

O CESE considera que a proposta é coerente com a visão e com os objetivos estratégicos da União, no que diz respeito tanto ao plano de ação para fazer avançar a União Aduaneira para um novo patamar como à Comunicação «Desenvolvimento da União Aduaneira da UE e da sua Governação».

1.3.

O CESE considera que a proposta apoia o plano estratégico da Direção-Geral da Fiscalidade e da União Aduaneira (DG TAXUD) para 2016-2020, bem como o plano de ação europeu (2016-2020) para a administração pública em linha previsto na Comunicação da Comissão de 19 de abril de 2016 (1), que visa aumentar a eficiência dos serviços públicos através da eliminação das barreiras digitais existentes, da redução da burocracia e da melhoria da qualidade das interações entre as administrações nacionais.

1.4.

O CESE observa que a instauração do Ambiente de Janela Única Aduaneira da União Europeia levará o comércio de bens para a era digital, simplificando-o e automatizando-o, aumentará o comércio na UE em geral, tornará a União mais competitiva, modernizará as alfândegas e terá múltiplos resultados para os intervenientes — autoridades aduaneiras dos Estados-Membros, autoridades parceiras competentes, operadores económicos, cidadãos.

1.5.

O CESE considera que a Janela Única Europeia, bem como as janelas únicas a nível nacional, não devem ser apenas um portal digital para a recolha de dados e para os procedimentos de intercâmbio de informações. O desenvolvimento de sistemas e procedimentos de informação deverá permitir no futuro, com o acordo dos Estados-Membros e do Conselho, avançar para processos computacionais automatizados mais complexos, como os que serão utilizados para as quantidades de mercadorias. Dessa forma, o comerciante poderá ter uma visão de conjunto da sua transação, a qual, por isso mesmo, deve ser descrita como inteligente.

1.6.

O CESE considera que a integração das formalidades não aduaneiras da UE no Sistema de Intercâmbio de Certificados da Janela Única Aduaneira da UE (EU CSW-CERTEX) torna necessário criar uma nova infraestrutura informática, a fim de estabelecer ligações entre os ambientes nacionais de janela única aduaneira e os sistemas não aduaneiros da UE. Importa determinar com precisão os dados a intercambiar.

1.7.

O CESE recomenda que a Comissão preste especial atenção à cibersegurança dos sistemas e das janelas, implantando sistemas de segurança com normas elevadas que protejam contra ataques suscetíveis de prejudicar o comércio de mercadorias na UE e produzir efeitos económicos devastadores.

1.8.

O CESE defende que, a fim de implantar eficazmente o Ambiente de Janela Única Aduaneira e de evitar atrasos, deve ser dada especial atenção aos Estados-Membros que não participaram no projeto-piloto de 2015 intitulado «Documento Veterinário Comum de Entrada no âmbito da janela única aduaneira da UE» (EU SW-CVED) e, por conseguinte, não desenvolveram janelas únicas aduaneiras nacionais alinhadas pela Janela Única Europeia.

1.9.

O mesmo se aplica aos vários Estados-Membros que desenvolveram as suas próprias iniciativas de janela única nacional, que permanecem isoladas e se caracterizam por diferentes regimes assentes no nível da arquitetura informática aduaneira existente, nas prioridades e na estrutura de custos.

1.10.

Por estas razões, o CESE recomenda que se estabeleça um calendário mais preciso, com objetivos e medidas a cumprir pelos Estados-Membros, a fim de alinhar os seus ambientes nacionais de janela única aduaneira pela Janela Única Europeia.

1.11.

O CESE reconhece a complexidade do sistema e a necessidade de coordenação, tanto no interior dos Estados-Membros como entre estes, para o implantar e recomenda que seja estabelecido um calendário mais específico para o acompanhamento e a apresentação de relatórios sobre o funcionamento e a evolução da janela única, com metas e medidas a cumprir pelos Estados-Membros e pelos intervenientes nacionais, a fim de assegurar a implantação do sistema.

1.12.

O CESE recomenda que o programa contribua para reforçar o respeito dos direitos fundamentais e da proteção de dados no seu âmbito de aplicação.

1.13.

O CESE reputa fundamental preparar, formar e instruir o pessoal responsável pelo funcionamento dos sistemas informáticos, dos ambientes de janela única nacionais e da Janela Única Aduaneira Europeia. Assim, o projeto atual deve prever programas de formação e de melhoria das competências dos trabalhadores, que devem ser financiados por fundos nacionais e/ou da UE.

2.   Contexto e introdução

2.1.

Em 2008, os Estados-Membros e a Comissão assumiram o compromisso de promover um ambiente aduaneiro eletrónico na UE, mediante o estabelecimento de um quadro de serviços de janela única. A Declaração de Veneza de 2014 propôs um plano de ação progressivo para criar um ambiente de balcão único aduaneiro da UE, e para desenvolver o seu quadro jurídico. Essa ideia foi reiterada na Comunicação da Comissão de 2016 intitulada «Desenvolvimento da União Aduaneira da UE e da sua Governação», que anunciou os planos da Comissão com vista a estudar uma solução viável para o desenvolvimento e a criação de um sistema de balcão único da UE para as alfândegas. A abordagem foi apoiada pelas conclusões do Conselho ECOFIN de 23 de maio de 2017.

2.2.

A Comissão lançou, em 2015, um projeto-piloto, o Documento Veterinário Comum de Entrada no âmbito da Janela Única Aduaneira da UE (EU CSW-CVED). O projeto foi gerido conjuntamente pela DG TAXUD e pela DG SANTE a fim de permitir a verificação automática, pelas alfândegas, de três formalidades regulamentares não aduaneiras apresentadas com a declaração aduaneira como prova de conformidade. Este projeto-piloto contou com a participação inicial das administrações aduaneiras de cinco Estados-Membros, numa base voluntária. O seu sucessor, o Sistema de Intercâmbio de Certificados da Janela Única Aduaneira da UE (EU CSW-CERTEX) alargou o âmbito dos requisitos regulamentares e introduziu novas funcionalidades, como a gestão das quantidades. O número de Estados-Membros participantes aumentou de cinco para nove e passaram a ser abrangidos mais domínios de intervenção.

2.3.

A pandemia de COVID-19 tornou mais importante do que nunca estabelecer um quadro mais sólido para a União Aduaneira e continuar a facilitar o cumprimento das formalidades aduaneiras e não aduaneiras da UE para apoiar a retoma económica. Para o efeito, a crescente digitalização das alfândegas e das formalidades regulamentares não aduaneiras da União aplicáveis ao comércio internacional abre novas oportunidades de os Estados-Membros melhorarem a cooperação digital.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1.

O comércio internacional da União está sujeito à legislação aduaneira e à legislação não aduaneira da União. As autoridades responsáveis pelas formalidades regulamentares não aduaneiras da União («autoridades competentes parceiras») e as autoridades aduaneiras trabalham muitas vezes de forma isolada, dando origem a obrigações de prestação de informações complexas e onerosas para os operadores, bem como a processos ineficientes de desalfandegamento de mercadorias propícios a erros e a fraudes. Para fazer face à interoperabilidade fragmentada entre as autoridades aduaneiras e as autoridades competentes parceiras na gestão dos processos de desalfandegamento das mercadorias e coordenar as ações neste domínio, a Comissão e os Estados-Membros assumiram, ao longo dos anos, uma série de compromissos com vista a desenvolver iniciativas de janela única para o desalfandegamento das mercadorias.

3.2.

A proposta da Comissão prevê o estabelecimento de um Ambiente da Janela Única Aduaneira da União Europeia que fornece um conjunto integrado de serviços eletrónicos interoperáveis, a nível da União e a nível nacional, através do Sistema de Intercâmbio de Certificados da Janela Única Aduaneira da União Europeia, a fim de apoiar a interação e o intercâmbio de informações entre os ambientes de janela única aduaneira nacional e os sistemas não aduaneiros da União referidos no anexo da proposta.

4.   Observações na generalidade

4.1.

A proposta de regulamento constitui um primeiro passo essencial para melhorar a cooperação entre as autoridades aduaneiras através de uma aplicação eletrónica única. Trata-se de uma proposta abrangente que proporciona uma análise aprofundada dos resultados, das ações e das medidas essenciais para o funcionamento da Janela Única Aduaneira da UE.

4.2.

A implantação da janela única permitirá às empresas e aos operadores enviar os dados por via eletrónica, quer se trate de comprovativos quer de formalidades não aduaneiras da União, para uma janela eletrónica (janela nacional) em cada Estado-Membro, reduzindo ao mesmo tempo o risco de duplicação e reduzindo os custos de tempo e de transação. A janela única permitirá que as autoridades aduaneiras ou outras recolham os dados de acordo com um sistema harmonizado para os procedimentos de desalfandegamento de mercadorias. Ao mesmo tempo, permitirá à UE dispor de uma visão de conjunto dos produtos que entram e saem das suas fronteiras e controlar as quantidades de mercadorias no contexto das quotas e da prevenção da fraude.

4.3.

Tal como referido na proposta de regulamento da Comissão Europeia, a execução do programa será financiada por recursos da UE e nacionais. Os custos associados ao desenvolvimento, à integração e ao funcionamento do EU CSW-CERTEX serão suportados pela União, enquanto os custos relacionados com o desenvolvimento, a integração e o funcionamento dos ambientes de janela única aduaneira nacional serão suportados pelos Estados-Membros, incluindo as suas interfaces com o EU CSW-CERTEX. Uma vez que a pandemia de COVID-19 provocou uma crise financeira em todos os Estados-Membros, o CESE pergunta-se de que forma a Comissão pode assegurar que os Estados-Membros cumprirão este requisito e disponibilizarão os recursos afetados à execução do programa nos seus orçamentos nacionais.

4.4.

Para assegurar a harmonização e a implantação da janela única, a execução pelos Estados-Membros deve ser obrigatória. O êxito da Janela Única Aduaneira depende da conformidade, da harmonização e da aplicação simultâneas por todos os Estados-Membros. O CESE chama a atenção para o risco de que alguns Estados-Membros atrasem a execução em relação ao calendário previsto por razões orçamentais (em resultado da crise económica provocada pela COVID-19) e outras prioridades políticas. Tal criaria uma série de problemas para a política aduaneira e comercial da União, mas também para os Estados-Membros. O CESE pergunta à Comissão Europeia se estão previstas sanções em caso de incumprimento por parte dos Estados-Membros ou de não observância do calendário estabelecido.

4.5.

A iniciativa da janela única deve ser acompanhada da modernização das alfândegas e das autoridades aduaneiras. Seria extremamente útil realizar antes de mais um estudo sobre a situação atual nos portais de entrada dos Estados-Membros, assim como uma avaliação dos investimentos necessários para melhorar os serviços, de modo que possam apoiar a janela única. Ao mesmo tempo, poderá também ser fixada uma data indicativa para a conclusão da parte nacional da janela única.

4.6.

Na sua proposta de regulamento, a Comissão dispõe que cada Estado-Membro nomeará uma autoridade competente como coordenador nacional para a execução e coordenação das ações. O CESE interroga-se se a nomeação do coordenador nacional será da exclusiva responsabilidade de cada Estado-Membro ou se a Comissão Europeia fará uma recomendação.

4.7.

No que diz respeito a assegurar a proteção dos dados, o CESE considera que a atividade complementar de proteção dos dados recolhidos e todas as declarações aduaneiras devem ter em conta os seguintes aspetos:

que autoridade será responsável por assegurar a confidencialidade e como determinar, a cada nível, o grau de tolerância;

as garantias a prestar aos operadores no âmbito da Janela Única e os pormenores das garantias prestadas.

5.   Observações na especialidade

5.1.

O CESE considera que a proposta de regulamento em apreço e o ponto referente à subsidiariedade poderiam chamar a atenção para o contributo da criação de uma janela única para o PIB europeu e para o aumento da competitividade.

5.2.

Além disso, o CESE considera necessário realizar, para cada Estado-Membro, uma avaliação de impacto que destaque os benefícios desta iniciativa, a fim de incentivar os Estados-Membros a aplicá-la sem demora. Ao mesmo tempo, insta a Comissão Europeia a descrever as repercussões do projeto-piloto de janela única para as alfândegas de cada Estado-Membro participante.

5.3.

Com base na avaliação de impacto analisada na proposta de regulamento, o CESE considera acertado o pacote de opções 1 + 6+8ii (2).

5.4.

O CESE salienta que a Comissão Europeia deve adotar especificações técnicas uniformes para o funcionamento dos ambientes de janela única nacionais, tal como definido no artigo 2.o da proposta de regulamento.

5.5.

O CESE observa que a Comissão Europeia deve adotar especificações técnicas uniformes para o funcionamento dos ambientes de janela única nacionais, tal como definido nas disposições do artigo 8.o da proposta de regulamento, a fim de evitar anomalias nas declarações aduaneiras. Seria útil criar um modelo único.

5.6.

No entender do CESE, para que a Janela Única Aduaneira funcione corretamente, os ambientes nacionais terão de funcionar de forma eficaz e com um pessoal devidamente formado. Uma vez que o número de funcionários aduaneiros (3) varia entre 7 e 70 por 100 000 habitantes consoante o Estado-Membro, o CESE recomenda que a proposta inclua normas mínimas para o funcionamento do sistema e o número de efetivos necessários.

5.7.

O CESE propõe que se adite o seguinte texto ao artigo 1.o da proposta de regulamento: «sem prejuízo das disposições do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e das disposições do artigo 6.o do presente regulamento».

5.8.

O CESE observa que, tanto do ponto de vista jurídico como material, o artigo 3.o deveria salientar a contradição criada pelo facto de o artigo se referir ao Ambiente de Janela Única Aduaneira da UE mas incluir também os sistemas não aduaneiros da União. Para estes poderia ser introduzido uma alínea separada (para além das necessárias adaptações das referências).

5.9.

O CESE solicita que se esclareça se o programa de trabalho da Comissão precederá o regulamento ou se seguirá à sua entrada em vigor. Se a entrada em vigor tiver lugar primeiro, qual será o prazo para a adoção do plano de ação?

5.10.

O CESE considera demasiado vaga a referência, no artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, à possibilidade de revogar a delegação de poderes e solicita que se esclareça se a revogação se aplica a uma só das categorias previstas (artigo 5.o, n.o 4, artigo 10.o, n.o 3, e artigo 13.o, n.o 4) ou a todas elas. Além disso, não é claro se a revogação se refere a um único ato delegado para estas categorias ou, de um modo geral, à possibilidade de adotar atos delegados para uma delas. O CESE salienta que deve haver uma consulta entre os colegisladores no que toca ao procedimento relativo à sua informação.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Plano de ação europeu (2016-2020) para a administração pública em linha — Acelerar a transformação digital da administração pública [COM(2016) 179 final, de 19 de abril de 2016].

(2)  A opção 1 torna o EU CSW-CERTEX obrigatório e abrange os requisitos regulamentares da UE relativamente aos quais estão disponíveis informações aduaneiras pertinentes, a nível da UE, para todos os Estados-Membros, oferecendo uma funcionalidade de gestão automatizada das quantidades. A opção 6 estabelece janelas únicas a nível nacional para proporcionar aos operadores económicos pontos de entrada simples e pontos de entrada únicos para o cumprimento das formalidades aduaneiras e não aduaneiras. A opção 8ii baseia-se na utilização alargada do sistema existente de Registo e Identificação dos Operadores Económicos (EORI), apenas para validação. COM(2020) 673 final.

(3)  https://ufe-online.eu/wp-content/uploads/2020/04/2020-04-04.pdf


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre o relatório de prospetiva estratégica 2020 «Prospetiva estratégica — Definir o rumo para uma Europa mais resiliente»

[COM(2020) 493 final]

(2021/C 220/09)

Relatora:

Sandra PARTHIE

Consulta

Carta da Comissão, 11.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

270/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com muita satisfação a proposta de inclusão da metodologia de prospetiva no futuro processo decisório da União Europeia (UE). O Comité congratula-se sobremaneira com a decisão de incluir explicitamente a «prospetiva» nas competências do vice-presidente da Comissão também responsável pelas relações interinstitucionais. Espera que tal constitua um ponto de partida para o reforço das sinergias e da participação estrutural de todas as instituições da UE, incluindo o CESE.

1.2.

O CESE acolhe com muito agrado a nova abordagem da Comissão Europeia de dar à prospetiva estratégica a forma de um processo anual, cíclico e contínuo. A resiliência da UE foi selecionada como o primeiro tema do exercício de prospetiva e, com a crise da COVID-19, tornou-se um novo ponto de referência para as políticas da UE. A resiliência é a capacidade não só de enfrentar e de gerir os desafios, mas também de efetuar transições de forma sustentável, justa e democrática.

1.3.

Na opinião do CESE, as quatro vertentes do tema da resiliência, ou seja, as vertentes «social e económica», «geopolítica», «ecológica» e «digital», foram bem escolhidas e desenvolvidas. Representam grandes temas centrais do nosso tempo, que continuarão a ser extremamente importantes na definição das políticas europeias. O CESE apoia convictamente a escolha deste tema, dada a sua grande importância para o nosso trabalho conjunto destinado a criar as condições estruturais necessárias para sair da crise pandémica e enfrentar desafios mundiais como as alterações climáticas. O Comité apresentou uma análise pormenorizada deste tema no seu parecer de iniciativa «Rumo a uma economia europeia mais resiliente e sustentável» (1), bem como através da sua resolução «Participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência — O que funciona e o que não funciona?» (2).

1.4.

A prospetiva estratégica caracteriza-se por uma perspetiva de análise e de ação orientada para o futuro. Assim, para produzirem resultados de qualidade elevada, as atividades de prospetiva devem incluir três elementos fundamentais. Em primeiro lugar, as análises devem produzir resultados adequados à situação futura que está a ser estudada. Em segundo lugar, devem basear-se em métodos e processos científicos, tendo em mente que o futuro não é observável nem empiricamente mensurável. Em terceiro lugar, devem ser eficazes, ou seja, proporcionar orientações úteis para a prática política.

1.5.

O primeiro relatório de prospetiva estratégica da Comissão, realizado em 2020, ainda não integra o ciclo de prospetiva completo previsto e não explica de que forma se articulará com o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e com o processo do Semestre Europeu. Além disso, entre as megatendências que identifica, não explica suficientemente quais as mais prováveis e as mais importantes para a UE, não permitindo, portanto, que os decisores políticos definam prioridades. É necessário melhorar este aspeto nos próximos relatórios. A prospetiva só alcançará os objetivos a que se propõe se revestir a forma de um exercício aberto e pluralista, diversificado e interdisciplinar, que integre os parceiros sociais e a sociedade civil organizada, em particular o CESE, em todas as fases do processo de prospetiva e de definição de cenários de referência e utilize um conjunto de métodos e instrumentos para orientar perspetivas diferentes para o futuro.

1.6.

Por conseguinte, embora apoie sem reservas a sua aspiração, o CESE identifica alguns aspetos a melhorar na aplicação da prospetiva no âmbito do processo de decisão:

continuam a ser pouco claras as modalidades concretas para a plena integração da prospetiva na programação plurianual e no Programa Legislar Melhor, bem como no ecossistema europeu em matéria de avaliação de impacto (3) ou na Conferência sobre o Futuro da Europa;

o relatório de 2020 não realiza a avaliação quantitativa necessária para classificar as megatendências identificadas e os temas estratégicos numa escala de probabilidade e de pertinência, o que dificulta a definição de prioridades de ação;

o processo de análise prospetiva deve proporcionar um mecanismo permanente de acompanhamento e controlo, que permita, por exemplo, a realização de avaliações ex post pela sociedade civil;

o relatório já propõe os temas dos próximos relatórios de prospetiva, mas não explica como foi utilizado, na prática, o processo de análise prospetiva para os definir, em aparente contradição com a sua própria finalidade.

1.7.

O nível de compromisso com a utilização da prospetiva para reforçar a resiliência europeia é bastante limitado. No relatório, a Comissão afirma apenas, na maior parte dos casos, que «poderá utilizar», e não que «utilizará», a prospetiva a nível da UE. Em vez de definirem formas concretas de utilização da prospetiva no processo de decisão política, os instrumentos de prospetiva são reduzidos a opções, que poderão ou não ser utilizadas pelas partes interessadas pertinentes no âmbito concreto da execução.

1.8.

No que diz respeito às vertentes da resiliência, que constituem o tema do relatório de 2020:

a dimensão futura propriamente dita não é, amiúde, abordada de forma abrangente, colocando-se uma tónica excessiva na descrição da situação atual;

falta uma visão orientada para o futuro sobre os progressos a realizar e o respetivo calendário, incluindo o desenvolvimento de novos indicadores de bem-estar, tais como os que vão «para além do PIB»;

o método para combater as vulnerabilidades identificadas não é pormenorizado e não contém soluções específicas para evitar a deterioração da situação das pessoas em risco de exclusão, como as pessoas com deficiência e os idosos.

1.9.

As quatro vertentes servem de base à definição da agenda para as atividades de prospetiva futuras. Por conseguinte, o CESE recomenda que se associem às quatro vertentes da resiliência objetivos intermédios que possam ser operacionalizados e, consequentemente, sujeitos a avaliação regular no futuro. Os próximos temas da agenda em matéria de prospetiva já foram propostos, a saber, a autonomia estratégica aberta, o futuro dos empregos e das competências e o aprofundamento da geminação das transições digital e ecológica. Estes temas resultam de três das quatro vertentes da resiliência. Contudo, não se percebe nem o que levou a Comissão a propor estes temas, nem a ordem ou a forma como estes serão tratados. Por conseguinte, não são suficientemente claros os motivos pelos quais a Comissão selecionou estes temas em detrimento de outros, como uma visão interna para o desenvolvimento da UE, o ressurgimento do nacionalismo, a cooperação futura entre os Estados-Membros ou as questões de segurança. A este respeito, a prospetiva estratégica pode contribuir para aumentar a transparência.

2.   Observações gerais

2.1.

O instrumento da prospetiva estratégica, ou seja, a antevisão de tendências e evoluções, é indispensável para elaborar políticas responsáveis. A prospetiva estratégica desempenhará um papel fundamental na elaboração de políticas da UE preparadas para o futuro, assegurando que as iniciativas a curto prazo assentam em perspetivas a mais longo prazo. Tal afigura-se essencial, visto estarmos a entrar numa nova era em que a prospetiva orientada para a ação estimulará o pensamento estratégico e moldará as políticas e iniciativas da UE, incluindo os futuros programas de trabalho da Comissão.

2.2.

Não é possível antever tudo, e continuarão a surgir situações que nos surpreenderão, mas a margem de ação é ampla. É possível, nomeadamente, identificar as probabilidades e preparar as pessoas que ocupam cargos de decisão para procurar, compreender e reconhecer sinais, principalmente de perturbações, o mais cedo possível. Tal implica simultaneamente elaborar planos de ação, criar cadeias de comando e canais de comunicação, bem como definir claramente domínios de responsabilidade e atribuições para diferentes cenários. Os analistas utilizam frequentemente as metáforas do «cisne negro» (um acontecimento completamente inesperado na categoria dos «desconhecidos absolutos») e do «rinoceronte cinzento» (um acontecimento previsível de grande escala e de grande impacto, mas que é negligenciado). A pandemia de COVID-19 foi um «rinoceronte cinzento», na medida em que existiam sinais de alerta que apontavam para um risco crescente de pandemia mundial resultante de uma combinação entre a degradação ambiental, a globalização e o aumento da conectividade. É necessário aplicar técnicas de previsão e planeamento que distingam claramente estes dois tipos diferentes de choques com grande impacto. Neste contexto, importa melhorar, nos organismos de investigação da UE, as técnicas de construção de cenários intersetoriais e não lineares, a identificação dos principais riscos emergentes e o reconhecimento das tendências numa fase precoce.

2.3.

A resiliência é a capacidade não só de enfrentar e de gerir os desafios, mas também de efetuar transições de uma forma sustentável, justa, inclusiva e democrática. Na opinião do CESE, as quatro vertentes da resiliência, ou seja, as vertentes «social e económica», «geopolítica», «ecológica» e «digital», foram bem escolhidas e desenvolvidas. O CESE sublinha, contudo, que as múltiplas interações das quatro vertentes não podem ser encaradas separadamente e devem, na verdade, ser abordadas coletivamente nas análises e nas medidas que daí resultam.

2.4.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de criação de «quadros de indicadores de resiliência», com indicadores pertinentes para acompanhar a situação atual e as vertentes social e económica, geopolítica, ecológica e digital na UE e nos Estados-Membros. No entanto, um quadro de indicadores que apenas retrata a situação atual e descreve o presente não é, em si mesmo, prospetivo, e só o será se incluir metas orientadas para o futuro. O CESE está disponível para apoiar a Comissão neste processo exigente e complexo, nomeadamente com base nos conhecimentos especializados e no trabalho do Comité.

2.5.

É claramente necessário aprofundar os quadros de indicadores. Neste momento, apenas retratam o presente e a situação atual. Para que se tornem instrumentos úteis no processo de análise prospetiva, devem ser associados a uma perspetiva de futuro. Os quadros de indicadores só serão úteis para o processo de análise prospetiva se incluírem metas, preferencialmente definidas para cada Estado-Membro. Nesse caso, será possível utilizar esses quadros de indicadores para avaliar os progressos à luz de um determinado objetivo, fazendo deles um instrumento de monitorização. Além disso, o CESE recomenda vivamente que se estabeleça uma ligação entre tais quadros de indicadores e os indicadores de competitividade atualmente utilizados no processo do Semestre Europeu e para a governação económica europeia, bem como o quadro de indicadores do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e dos planos nacionais de recuperação e resiliência.

2.6.

O CESE concorda totalmente com a Comissão quanto ao papel fundamental desempenhado pelas empresas da economia social durante a pandemia e à sua importância na construção de uma Europa resiliente e orientada para o futuro. Neste sentido, o CESE aguarda com expectativa o futuro plano de ação para a promoção da economia social e insta a Comissão a ser ambiciosa e arrojada nas suas propostas.

2.7.

Embora a aspiração de uma governação antecipatória, através dos instrumentos disponibilizados pela prospetiva estratégica, seja positiva e inclua muitos elementos adequados, como a participação, a interdisciplinaridade e a sua modulação enquanto processo contínuo, afigura-se menos eficaz e até mesmo frágil no que respeita à operacionalização e aplicação concretas desta abordagem em rede ou interligada. Neste momento, o relatório contém várias declarações de intenções relativas à inclusão de métodos de prospetiva no processo de decisão política. Na opinião do CESE, para assegurar às partes interessadas que os contributos do processo de prospetiva serão, de facto, aplicados e utilizados de forma eficaz, este processo deve disponibilizar um mecanismo de verificação e controlo que permita, nomeadamente, a realização de avaliações ex post pela sociedade civil. Desta forma, ajudará a reforçar a confiança, tanto no processo como nas intenções, e a limitar os riscos de lacunas.

2.8.

Esta necessidade de mecanismos de controlo e verificação também se aplica ao controlo da qualidade, ou seja, da adequação da abordagem escolhida para alcançar os objetivos estabelecidos. Este mecanismo de controlo deve ser compreensível e incluir critérios que permitam avaliar se as normas mais recentes e de maior qualidade em matéria de prospetiva são adequadas.

2.9.

No que se refere ao conteúdo dos temas selecionados, seria preferível uma separação clara entre a análise da situação atual e a projeção esperada ou preferencial para o futuro. Tal permitiria que questões diversas e altamente complexas se tornassem mais transparentes e compreensíveis. Os conhecimentos adquiridos sobre a evolução futura poderiam, assim, ser integrados nos processos de elaboração de políticas de forma orientada, principalmente atendendo às incertezas e aos riscos inerentes a quaisquer análises no presente sobre o futuro.

2.10.

Antes de o processo dar origem, potencialmente, a apelos concretos ou mesmo a propostas legislativas, o Comité solicita que, mediante uma abordagem qualitativa baseada em múltiplos critérios, se realize uma avaliação equilibrada que contemple os benefícios esperados, os potenciais encargos suplementares e os efeitos para as empresas, os trabalhadores e as partes interessadas em causa, tendo em conta, de forma realista, os respetivos níveis de capacidades (4).

2.11.

O CESE acolhe com muita satisfação a nova opção da Comissão Europeia de dar à prospetiva estratégica a forma de um processo anual, cíclico e contínuo. No entanto, a UE não é o primeiro interveniente neste domínio e deve, portanto, retirar ensinamentos dos exemplos e das boas e más práticas existentes. Em vez de se concentrar num único método, como a exploração de horizontes, a UE deve aplicar várias metodologias existentes, como o método Delphi, a avaliação de impacto das tendências, a prospetiva normativa ou exploratória, a prospetiva qualitativa e quantitativa ou a abordagem baseada em eventos improváveis (wild card), individualmente ou de forma combinada. As capacidades no domínio dos megadados e da inteligência artificial também devem ser utilizadas de forma muito mais importante na identificação de padrões e na construção de cenários.

2.12.

No entanto, a abordagem atualmente definida em matéria de prospetiva estratégica pela Comissão Europeia é demasiadamente «descendente». Não promove o necessário sentimento de consciencialização e apropriação pelos intervenientes em questão. Cumpre resolver este problema, por exemplo, incluindo estruturalmente os parceiros sociais e outros intervenientes no processo, tanto a nível europeu como nacional, designadamente com base no processo do Semestre Europeu. A participação de partes interessadas pertinentes, os domínios de aplicação diversos e transversais e a ponderação contínua de questões importantes para o futuro constituem critérios fundamentais para a consecução de um programa eficaz de prospetiva estratégica.

2.13.

Os programas de prospetiva só terão êxito se estabelecerem também ligações claras entre os temas da análise prospetiva e a agenda política atual, assegurando que quem contribui para o processo tem consciência de que os seus contributos são aproveitados e fazem a diferença. Deste modo, é possível desenvolver uma visão conjunta dos riscos e dos desafios, tornando-se claro quais as medidas a tomar, e organizar a necessária transferência de competências e responsabilidades. Uma identificação conjunta dos riscos pelos decisores políticos na UE, com mecanismos de retorno de informação e ajustamentos à medida que os acontecimentos se desenrolam, conferirá significado e impacto a este processo. O CESE insta, pois, a Comissão a assegurar que os resultados da prospetiva sejam transparentes, compreensíveis e verificáveis.

2.14.

Atualmente, nem todos os Estados-Membros utilizam a prospetiva na elaboração das suas políticas nacionais. Por conseguinte, é essencial que a Comissão Europeia tire o máximo partido dos recursos à sua disposição. Neste contexto, o CESE pode prestar contributos e informações importantes para o processo de prospetiva, com base nos conhecimentos dos seus membros, que representam um conjunto muito diversificado de opiniões e vozes de todos os Estados-Membros. Através dos seus pareceres, o CESE é capaz de detetar e alertar para riscos sistémicos. Os membros do CESE estão igualmente bem posicionados para divulgar as atividades de prospetiva junto das suas comunidades e contribuir para a comunicação dos resultados aos cidadãos. Consequentemente, o CESE pode também dar um contributo significativo para o Programa Legislar Melhor.

2.15.

O CESE insta a Comissão a dar seguimento às suas próprias propostas e observações, bem como a permitir que as partes interessadas se tornem utilizadores da abordagem prospetiva, convertendo-a num elemento obrigatório da elaboração de políticas para uma Europa resiliente.

2.16.

No contexto institucional da UE, o Sistema de Análise da Estratégia e Política Europeias (ESPAS) tornou-se uma referência e um elemento de base para a cooperação no domínio da prospetiva. O CESE já tem estatuto de observador no ESPAS, prática que deve continuar e ser complementada pela participação ativa de um ou mais representantes de alto nível do CESE na conferência anual do ESPAS.

2.17.

A fim de permitir que os membros do CESE contribuam de forma mais significativa para as atividades de prospetiva da Comissão Europeia, o CESE solicita a disponibilização atempada de informações sobre o processo de prospetiva, o respetivo calendário e o plano de trabalho específico, bem como a sua participação em todo o processo.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 23, bem como a audição pública do CESE sobre o tema «Rumo a uma economia europeia mais resiliente e sustentável, com uma visão para completar a UEM», de 12 de abril de 2019.

(2)  Ver a resolução «Participação da sociedade civil organizada nos planos nacionais de recuperação e resiliência — O que funciona e o que não funciona?» (JO C 155 de 30.4.2021, p. 1).

(3)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 11.

(4)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 11.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma Estratégia para os pagamentos de pequeno montante na UE»

[COM(2020) 592 final]

(2021/C 220/10)

Relator:

Antonio GARCÍA DEL RIEGO

Correlator:

Kęstutis KUPŠYS

Consulta

Comissão Europeia, 11.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

268/2/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Os pagamentos estão na vanguarda da digitalização dos serviços financeiros e, para os empreendedores e os comerciantes, os métodos de pagamento expeditos são imprescindíveis, permitindo-lhes lançar e expandir os seus negócios com sucesso. A COVID-19 veio acelerar a tendência para os pagamentos eletrónicos e o comércio eletrónico e aumentar a necessidade de os retalhistas adotarem ferramentas omnicanal para aceitarem pagamentos fora de linha, em linha e móveis. A adoção dessas ferramentas, que exige um investimento em sistemas informáticos e hardware, tem representado um encargo acrescido, em especial para os pequenos e médios retalhistas.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) partilha do ponto de vista da Comissão no que toca à importância estratégica dos pagamentos e à necessidade de continuar a envidar esforços para permitir operações de pagamento no mercado único, utilizando as novas soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu. O CESE concorda que a Comissão deve atuar como um catalisador político, cabendo ao setor privado conceber soluções inovadoras de pagamento digital.

1.3.

O CESE sublinha que o numerário continua a ser o meio de pagamento preferencial dos consumidores nos pontos de venda e nas transações diretas entre pessoas no comércio retalhista. O numerário é vital para a inclusão social e o acesso a serviços de base.

1.4.

O CESE secunda a ideia de que o euro digital deve ser complementar às atuais responsabilidades do banco central, que não deve procurar excluir o setor privado, que o setor privado deve intervir na distribuição de soluções relacionadas com o euro digital e que os direitos e obrigações dos utilizadores devem ser claramente definidos. A privacidade das transações deve ser considerada um direito importante do utilizador, a par de outras características semelhantes às do numerário.

1.5.

O CESE insta a Comissão a:

1.5.1.

Estabelecer prioridades quanto às ações e aos esforços a desenvolver, tendo em conta o elevado número de ações-chave identificadas na estratégia.

1.5.2.

Reduzir as incertezas atuais quanto a um modelo de negócios sustentável para pagamentos imediatos.

1.5.3.

Considerar prematura qualquer iniciativa legislativa no domínio dos instrumentos de pagamento. O CESE prefere que se permita aos intervenientes no mercado desenvolver produtos adequados para os clientes e que só se pondere a adoção de medidas legislativas caso não sejam encontradas soluções adequadas.

1.5.4.

Assegurar o pleno cumprimento do Regulamento SEPA pelos Estados-Membros, especialmente no que toca ao desrespeito do artigo 9.o pelos ordenantes e beneficiários (a chamada «discriminação relativa ao IBAN»), devendo os consumidores da UE poder utilizar uma conta de pagamento única para transferências em euros e efetuar transferências bancárias transfronteiras em euros no SEPA com a mesma facilidade que no seu país de origem.

1.5.5.

Centrar os seus esforços na interoperabilidade entre soluções de identificação eletrónica existentes e emergentes; o setor privado, em conjunto com as autoridades, deve dispor de melhores condições para criar soluções de identificação eletrónica, a serem utilizadas parcialmente para realizar a autenticação forte do cliente (SCA) em transações de pagamento. É necessário um sistema de identificação eletrónica pública universalmente aceite, com base na escolha do consumidor, no seu consentimento e na garantia de que a sua privacidade é totalmente respeitada.

1.5.6.

Harmonizar a aceitação de numerário a nível da UE, uma vez que, atualmente, difere significativamente entre países.

1.5.7.

Alargar a partilha de dados entre diferentes setores com disposições que abranjam todos os prestadores de serviços financeiros, de acordo com os princípios do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (1), para gerar ainda mais benefícios para os consumidores europeus, uma vez que tal pode promover um setor financeiro inovador e competitivo.

1.5.8.

Propor atos legislativos que visem garantir o direito de acesso, em condições justas, razoáveis e não discriminatórias, às tecnologias de infraestrutura consideradas necessárias para apoiar a prestação de serviços de pagamento.

1.6.

O CESE considera que os intervenientes no mercado pertinentes devem estar sujeitos a legislação, supervisão e fiscalização adequadas, garantindo condições equitativas para aqueles que oferecem os mesmos serviços e atividades.

1.7.

O CESE compreende a necessidade de garantir um ecossistema de pagamentos aberto e acessível e de avaliar a inclusão das instituições de pagamento e de moeda eletrónica no âmbito da Diretiva Caráter Definitivo da Liquidação (SFD).

1.8.

O CESE acolhe favoravelmente as ações propostas que visam garantir o compromisso de reduzir o custo médio global das remessas para menos de 3 % até 2030 e incentiva a Comissão a desempenhar um papel ativo no acompanhamento e na garantia de apoio às ações pertinentes definidas no Roteiro do Conselho de Estabilidade Financeira para melhorar os pagamentos transfronteiras.

2.   A estratégia da Comissão

2.1.

Na sua comunicação de dezembro de 2018, a Comissão apoiou «um sistema de pagamentos imediatos totalmente integrado na UE, a fim de reduzir os riscos e as vulnerabilidades dos sistemas de pagamento de pequenos montantes e para reforçar a autonomia das soluções de pagamento existentes» (2).

2.2.

A inovação digital está a transformar radicalmente a prestação de serviços financeiros. A digitalização e a evolução das preferências dos consumidores estão a levar a um aumento rápido das transações eletrónicas (3). A pandemia de COVID-19 veio impulsionar ainda mais a transição para os pagamentos digitais e confirmar a importância vital de realizar pagamentos seguros, acessíveis e cómodos (incluindo sem contacto) nas transações à distância e presenciais.

2.3.

Verificaram-se melhorias substanciais nos últimos anos, graças sobretudo ao desenvolvimento do espaço único de pagamentos em euros (SEPA) e à harmonização da legislação em matéria de pagamentos de pequeno montante. No entanto, o mercado de pagamentos da UE permanece, em grande medida, fragmentado pelas fronteiras nacionais, uma vez que a maioria das soluções de pagamento nacionais baseadas em cartões ou pagamentos imediatos não funciona além-fronteiras. No entanto, o dinamismo do setor europeu dos pagamentos mostra que existe um risco de incoerências, o que requer um quadro de «governação» claro que sustente a estratégia de pagamentos de pequeno montante da UE.

2.4.

A Comissão pretende criar um mercado de pagamentos altamente competitivo que beneficie todos os Estados-Membros, independentemente da moeda utilizada, e em que todos os participantes do mercado possam competir em condições justas e equitativas para oferecer soluções de pagamento inovadoras e avançadas, no pleno respeito pelos compromissos internacionais da UE.

2.5.

Uma vez que o setor dos pagamentos está na vanguarda da inovação digital no que diz respeito aos serviços financeiros, a execução da estratégia em apreço contribuirá para concretizar a visão mais ampla da Comissão relativamente ao financiamento digital e para os seus objetivos de eliminar a fragmentação do mercado, promover a inovação impulsionada pelo mercado no setor financeiro e responder aos novos desafios e riscos associados ao financiamento digital, assegurando simultaneamente a neutralidade tecnológica.

2.6.

A estratégia para os pagamentos de pequeno montante é, por conseguinte, apresentada paralelamente à Estratégia em matéria de Financiamento Digital para a UE (4) e às duas propostas legislativas sobre um novo quadro regulamentar da UE para o reforço da resiliência operacional digital (5) e sobre os criptoativos (6). Complementa ainda a versão atualizada da estratégia de pagamentos de pequeno montante, apresentada pelo BCE/Eurosistema em novembro de 2019 (7).

3.   Observações na generalidade

3.1.

Os serviços financeiros digitais são cada vez mais importantes para as empresas e os consumidores europeus. A pandemia de COVID-19 veio apenas aumentar a importância da digitalização nas sociedades, inclusivamente nos serviços financeiros. Os pagamentos estão na vanguarda da digitalização dos serviços financeiros e, para os empreendedores e comerciantes, os métodos de pagamento expeditos são imprescindíveis, permitindo-lhes lançar e expandir os seus negócios com sucesso. A COVID-19 veio acelerar a tendência para os pagamentos eletrónicos e o comércio eletrónico e aumentar a necessidade de os retalhistas adotarem ferramentas omnicanal para aceitarem pagamentos fora de linha, em linha e móveis. Essa adoção exige um investimento em sistemas informáticos e hardware, o que representa um encargo acrescido, em especial para os pequenos e médios retalhistas.

3.2.

O CESE congratula-se com o apoio da Comissão à modernização e simplificação dos equipamentos de aceitação de pagamentos dos comerciantes da UE, através de opções de financiamento e formação. É importante sublinhar o papel fundamental que as pequenas e médias empresas (PME) desempenham na economia europeia. Trata-se de um setor crítico, uma vez que cerca de 90 % das empresas europeias são PME e representam mais de 50 % dos postos de trabalho. As pequenas e médias empresas podem contribuir para uma forte recuperação económica.

3.3.

O CESE partilha do ponto de vista da Comissão sobre a importância estratégica dos pagamentos e de que a constante falta de soluções de pagamento digital pan-europeias que possam ser utilizadas em toda a Europa acarreta o risco de uma maior fragmentação do mercado, com os operadores mundiais a captarem todo o mercado europeu de pagamentos transfronteiras. Por conseguinte, mesmo que as empresas e os consumidores europeus já tenham acesso a soluções de pagamento e instrumentos de pagamento eficientes, competitivos e inovadores, é necessário continuar a envidar esforços para permitir as operações de pagamento no mercado único através de novas soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu. O CESE concorda que a Comissão deve atuar como um catalisador político, cabendo ao setor privado conceber soluções inovadoras de pagamento digital.

3.4.

O CESE está firmemente convicto de que as soluções de pagamento imediato são fundamentais. No entanto, insta a Comissão a estabelecer prioridades claras quanto às ações e esforços a desenvolver, tendo em conta o elevado número de ações-chave identificadas na estratégia. A concretização de algumas das ações-chave e dos objetivos gerais da estratégia para os pagamentos de pequeno montante, nomeadamente o objetivo de soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu, exigirá esforços consideráveis por parte do setor. O CESE considera que quaisquer requisitos e projetos regulamentares adicionais devem ser cuidadosamente avaliados.

3.5.

O CESE insta a Comissão a prestar especial atenção aos níveis de fraude nos pagamentos imediatos e a tomar as medidas adequadas, se necessário.

3.6.

O CESE insiste na necessidade urgente de melhorar as competências e a literacia digitais através da educação e da formação. Tal deve ser alcançado, em parte, com base no Quadro de Competências Digitais e incentivando os Estados-Membros a melhorar a educação ao longo da vida no que diz respeito às competências que serão mais procuradas, em todos os níveis de ensino. O objetivo é assegurar que as pessoas passem a ser atores com conhecimentos no domínio dos dados, sensibilizando-as e capacitando-as para que possam controlar os seus dados, as aplicações de megadados e a governação de dados, e compreender o ambiente digital e os riscos inerentes à sua utilização (por exemplo, a personalização).

3.7.

O CESE pretende impedir que os consumidores fiquem «desligados» e sujeitos à exclusão financeira devido à falta de competências ou ferramentas digitais, o que constitui um risco evidente para o número crescente de idosos na Europa.

4.   Observações na especialidade

Primeiro pilar: soluções de pagamentos cada vez mais digitais e imediatas com alcance pan-europeu

4.1.

O CESE apoia firmemente os esforços para dotar o mercado de pagamentos europeu de diversas soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu. Tais esforços devem representar um valor acrescentado para os consumidores e empresas enquanto utilizadores finais, devem permitir aos intervenientes no mercado europeu competir melhor com os intervenientes no mercado atualmente dominantes e os intervenientes nos mercados emergentes e possivelmente dominantes, como as grandes empresas de tecnologia («BigTechs»), e reforçarão o papel internacional do euro. Dada a situação atual do mercado e a posição bem estabelecida dos operadores históricos no mercado de cartões, a criação de tais soluções de pagamento pan-europeias seria um projeto de monta para o setor de pagamentos europeu.

4.2.

O CESE apoia a ideia de analisar a possibilidade de utilizar débitos diretos em toda a Europa para realizar pagamentos em lojas. O modelo de débito direto eletrónico, amplamente utilizado na Alemanha, poderia ser alargado. Os sistemas de cartões com uma posição dominante no mercado ficariam assim expostas à concorrência com base no débito direto (débito direto SEPA).

4.3.

Para permitir o desenvolvimento de soluções de pagamentos pan-europeias baseadas em pagamentos imediatos, é essencial que os intervenientes no mercado sejam claros quanto ao modelo de negócios. Sem essa clareza, não são de esperar decisões de investimento. O CESE insta a Comissão a reduzir as incertezas atuais quanto a um modelo de negócios sustentável para pagamentos imediatos.

4.4.

No que diz respeito ao número de prestadores de serviços de pagamento (PSP) que oferecem pagamentos imediatos denominados em euros e que aderiram ao modelo de transferência a crédito imediata SEPA (o «modelo SCT Inst.»), já existe uma boa cobertura de PSP, em especial na área do euro. No entanto, ainda não é suficiente para alcançar a cobertura total dos pagamentos imediatos. O mercado está a procurar aumentar os níveis de adesão dos PSP e ter uma cobertura e oferta de transferências imediatas em euros mais alargadas. O CESE apoia as medidas que visem gerir, entre outros, a adesão, a interoperabilidade e outras questões decorrentes da utilização generalizada do modelo SCT Inst., nomeadamente as questões relacionadas com a proteção dos consumidores.

4.5.

O CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de as soluções para utilizadores finais serem interoperáveis e acessíveis, acrescentarem valor e satisfazerem as necessidades de uma ampla gama de utilizadores e possuírem características equivalentes às de outros instrumentos de pagamento correspondentes. O CESE considera que é prematuro ponderar qualquer iniciativa legislativa neste domínio e que é preferível permitir que os intervenientes no mercado, estimulados pela concorrência existente, desenvolvam produtos adequados para os clientes, só equacionando a adoção de medidas legislativas caso não sejam encontradas soluções adequadas.

4.6.

O CESE concorda inteiramente com a Comissão quanto à necessidade de garantir o pleno cumprimento do Regulamento SEPA pelos Estados-Membros, especialmente no que toca ao desrespeito do artigo 9.o por parte dos ordenantes e beneficiários (a chamada «discriminação relativa ao IBAN»). Conforme estabelecido no artigo 9.o, os consumidores da UE devem poder utilizar uma conta de pagamento única para transferências em euros e efetuar transferências bancárias transfronteiras em euros no SEPA com a mesma facilidade que no seu país de origem. No entanto, muitos operadores ainda hoje recusam pedidos de débito direto transfronteiras de clientes com IBAN estrangeiros ou mesmo transferências a crédito SEPA para IBAN estrangeiros. Este facto constitui um enorme obstáculo ao mercado único e limita a possibilidade de os clientes acederem a serviços transfronteiras. Os Estados-Membros devem ser chamados a tomar uma posição mais rigorosa para fazer cumprir o regulamento, que está em vigor desde 2014.

4.7.

As soluções de identificação eletrónica (eID) são uma parte essencial dos serviços digitais, inclusivamente dos serviços financeiros. O eIDAS foi um primeiro passo para permitir o reconhecimento e a utilização transfronteiras de sistemas de identificação eletrónica reconhecidos a nível nacional. No entanto, é evidente que o atual quadro do eIDAS não é suficiente, nem pode alcançar os resultados necessários. É necessária um sistema de identificação eletrónica pública, com base na escolha do consumidor, no seu consentimento e na garantia de que a sua privacidade é totalmente respeitada. O CESE exorta a Comissão a centrar os seus esforços na interoperabilidade entre soluções existentes e emergentes e acredita que o setor privado, em conjunto com as autoridades, tal como sucede nos países nórdicos, deve dispor de melhores condições para criar soluções de identificação eletrónica, a serem utilizadas parcialmente para realizar a autenticação forte do cliente (SCA) em operações de pagamento.

4.8.

A aceitação generalizada de pagamentos digitais é uma parte essencial de um mercado de pagamentos moderno. O CESE apoia as medidas destinadas a avaliar o nível de aceitação dos meios de pagamento digitais por parte dos comerciantes e a definir formas de aumentar e facilitar essa aceitação, especialmente por parte das PME e dos pequenos comerciantes. Para a sociedade em geral, é fundamental preservar o acesso e garantir a aceitação de numerário. O mesmo se aplica, no entanto, aos meios de pagamento digitais, uma vez que os consumidores devem poder escolher.

4.9.

O CESE salienta que o numerário continua a ser o instrumento de pagamento preferido pelos consumidores para os pagamentos de pequeno montante nos pontos de venda e nas transações diretas entre pessoas, conforme demonstrado pelo estudo SPACE, recentemente publicado pelo Banco Central Europeu (8). O numerário possui características muito diferentes das dos pagamentos digitais. O numerário é o único instrumento de pagamento que protege a privacidade e é dinheiro público pelo qual o banco central é responsável. No caso de todos os aparelhos elétricos e eletrónicos deixarem de funcionar (um «coronavírus digital»), será a única solução remanescente em termos de meios de pagamento na economia. Além disso, o numerário é vital para a inclusão social e o acesso a determinados serviços de base. A Comissão e o BCE devem analisar atentamente as questões do acesso e da aceitação de numerário e tomar as medidas adequadas, se necessário.

4.10.

Uma das consequências da crise da COVID-19 foi que muitos retalhistas decidiram (temporariamente) não aceitar dinheiro. Conforme indicado pela Comissão, os Tratados conferem ao numerário o estatuto de curso legal. A evolução da utilização de numerário deve ser ditada pela procura. As regras de aceitação de numerário variam de país para país, sendo necessária uma harmonização a nível da UE.

4.11.

Tendo em conta as mudanças em curso, é compreensível que o BCE esteja a estudar a possível emissão de um euro digital e que a Comissão esteja a apoiar esses esforços. A introdução de um euro digital pode ter um impacto sem precedentes e deve ser avaliado com muito cuidado. O CESE apoia os princípios propostos pelo BCE, nomeadamente de que o euro digital deve ser complementar às atuais responsabilidades do banco central, não deve procurar excluir o setor privado, o setor privado deve ter um papel na distribuição de soluções relacionadas com o euro digital e os direitos e obrigações dos utilizadores devem ser claramente definidos. A privacidade das transações deve ser considerada como um direito importante do utilizador, a par de outras características semelhantes às do numerário. A mesma abordagem deve ser válida para quaisquer iniciativas de moeda digital do banco central (CBDC) nos Estados-Membros da UE, fora da área do euro.

Segundo pilar: mercados de pagamentos de pequeno montante inovadores e competitivos

4.12.

A aplicação da Diretiva Serviços de Pagamento 2 (PSD2) (9) foi um projeto muito importante para o setor dos serviços de pagamento e ainda se encontra parcialmente em curso. A PSD2 introduziu duas grandes mudanças: a autenticação forte do cliente (SCA) e o acesso de prestadores de serviços terceiros a contas de pagamento. Em alguns casos, em especial no que diz respeito à SCA para transações de comércio eletrónico, o prazo de aplicação era o final de 2020. O CESE insta a Comissão a examinar em pormenor o impacto da PSD2 antes de propor uma revisão.

4.13.

O CESE apoia a criação de um quadro de «financiamento aberto» para a Europa. O financiamento aberto tem o potencial de trazer ainda mais benefícios para os consumidores europeus, uma vez que pode promover um setor financeiro inovador e competitivo. O CESE considera que não se pode estabelecer um quadro de financiamento aberto abrangente com base nos mesmos princípios da PSD2, uma vez que a diretiva se refere apenas às contas de pagamento e aos prestadores de serviços de pagamento e prevê a partilha unilateral de dados por parte do mercado. É necessário um texto específico que abranja todos os prestadores de serviços financeiros, de acordo com os princípios do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (10), e explorar o potencial de alargar a partilha de dados entre diferentes setores. A Comunicação sobre uma Estratégia em matéria de Financiamento Digital (11) indica que a Comissão apresentará esta proposta em meados de 2022.

4.14.

Os pagamentos sem contacto têm vindo a generalizar-se e são importantes no atual contexto de pandemia de COVID-19. Na maioria dos países, o(s) montante(s) máximo(s) para pagamentos sem contacto aumentou/aumentaram durante as primeiras fases da pandemia, em muitos casos até ao máximo permitido ao abrigo da PSD2 (50 euros por transação e 150 euros de forma cumulativa), especialmente em reação a pedidos de comunidades de comerciantes. Qualquer alteração desses valores máximos legais no âmbito de uma revisão da PSD2 deve ser criteriosamente avaliada para alcançar um equilíbrio entre a facilidade de utilização e as considerações em matéria de segurança e responsabilidade.

4.15.

O CESE subscreve a opinião da Comissão de que, no âmbito da revisão da PSD2, os riscos decorrentes dos serviços não regulamentados atualmente devem ser incluídos no âmbito de aplicação dos atos legislativos. Esses prestadores, que auxiliam a prestação de serviços de pagamento ou serviços de moeda eletrónica regulados, permanecem fora do perímetro regulamentar, embora sejam importantes intervenientes no mercado. O CESE entende que, sempre que sejam muito importantes para a dinâmica do mercado e que os clientes os considerem prestadores de serviços de pagamento, devem também ser regulamentados e supervisionados enquanto prestadores de serviços de pagamento. É importante que todos os intervenientes no mercado pertinentes estejam sujeitos a uma legislação, supervisão e fiscalização adequadas, garantindo condições equitativas para aqueles que oferecem os mesmos serviços e atividades.

Terceiro pilar: sistemas de pagamentos de pequeno montante e outras infraestruturas de apoio eficientes e interoperáveis

4.16.

O CESE compreende a necessidade de garantir um ecossistema de pagamentos aberto e acessível e de avaliar, no âmbito da revisão da Diretiva Caráter Definitivo da Liquidação (SFD) (12), se seria benéfico alargar o âmbito de aplicação da diretiva para incluir instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, a fim de lhes permitir o acesso direto a sistemas e infraestruturas de pagamento como o TARGET2 e o serviço de liquidação de pagamentos imediatos através do TARGET (TIPS). O CESE sublinha a necessidade de salvaguardar a segurança e a integridade dos principais sistemas de pagamento. Tal será ainda mais importante se, no contexto da revisão da PSD2, o âmbito de aplicação da diretiva for alargado aos intervenientes no mercado atualmente não abrangidos pela legislação, como os prestadores de serviços técnicos. Mais uma vez, tal realça a necessidade de garantir que todas as partes têm acesso nas mesmas condições e com equidade.

4.17.

O CESE apoia inteiramente o objetivo da Comissão de propor atos legislativos que visem garantir o direito de acesso, em condições justas, razoáveis e não discriminatórias, às tecnologias de infraestrutura consideradas necessárias para apoiar a prestação de serviços de pagamento. Atualmente, algumas tecnologias importantes de apoio à prestação de serviços de pagamento, como a antena de comunicação de campo próximo (NFC) em alguns dispositivos móveis, têm acesso restrito, o que limita a concorrência no domínio dos pagamentos móveis sem contacto, obrigando os bancos a pagar uma taxa a um terceiro apenas por permitir que um consumidor utilize uma tecnologia (como a NFC) para os seus pagamentos quotidianos. Em alguns casos, as taxas pagas pelos bancos podem ser posteriormente cobradas ao consumidor. Embora esta questão já tenha sido resolvida em alguns Estados-Membros, é importante abordá-la a nível europeu, a fim de permitir que todos os cidadãos da UE beneficiem de uma maior concorrência neste domínio, proporcionar condições de concorrência equitativas aos PSP e generalizar a adoção de pagamentos móveis sem contacto. A legislação deve garantir que todos os participantes possuem os mesmos direitos e obrigações e estão sujeitos ao mesmo licenciamento e a outros requisitos regulamentares.

Quarto pilar: pagamentos internacionais eficientes, incluindo remessas

4.18.

O CESE concorda com a importância de melhorar os pagamentos transfronteiras a nível mundial e as ações identificadas pela Comissão, como a promoção da adoção de normas mundiais para os pagamentos, por exemplo a Iniciativa Global de Pagamentos da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT) e a norma ISO20022, que melhora os pagamentos transfronteiras na rede bancária correspondente.

4.19.

As remessas continuam a ser o tipo de pagamento mais caro. O CESE acolhe favoravelmente as ações propostas que visam garantir o compromisso de reduzir o custo médio global das remessas para menos de 3 % até 2030 e incentiva a Comissão a desempenhar um papel ativo no acompanhamento e na garantia de apoio às ações pertinentes definidas no Roteiro do Conselho de Estabilidade Financeira para melhorar os pagamentos transfronteiras. As taxas podem prejudicar desproporcionadamente as pessoas financeiramente desfavorecidas. A concorrência e os avanços da tecnologia já ajudaram a melhorar o acesso a meios mais rápidos e menos dispendiosos de remessas internacionais, mas há ainda muito a fazer. Para os operadores de remessas que trabalham de/para países vizinhos da UE, um melhor acesso à infraestrutura de pagamento sediada na UE pode proporcionar uma base para a redução de custos.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 1.

(2)  COM(2018) 796 final.

(3)  De acordo com o BCE, em 2018, os pagamentos eletrónicos representaram 91 mil milhões de transações na área do euro e 112 mil milhões na UE, contra 103 mil milhões de transações registadas em 2017.

(4)  COM(2020) 591 final.

(5)  COM(2020) 595 final.

(6)  COM(2020) 593 final.

(7)  https://www.ecb.europa.eu/press/key/date/2019/html/ecb.sp191126~5230672c11.en.html.

(8)  «Study on the payment attitudes of consumers in the euro area (SPACE)» [Estudo sobre as atitudes de pagamento dos consumidores na área do euro (SPACE)], dezembro de 2020.

(9)  JO L 337 de 23.12.2015, p. 35.

(10)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 1.

(11)  COM(2020) 591 final.

(12)  JO L 166 de 11.6.1998, p. 45.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/79


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um novo EEI para a Investigação e a Inovação»

[COM(2020) 628 final]

(2021/C 220/11)

Relator:

Paul RÜBIG

Consulta

Comissão Europeia, 11.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

254/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a nova visão para a agenda do Espaço Europeu da Investigação (EEI) e a respetiva renovação. O novo EEI não é apenas a continuação do anterior, e sim um verdadeiro «novo pacto» para a investigação, tecnologia e inovação (ITI) na UE.

1.2.

O CESE congratula-se vivamente com a ênfase na rápida transposição dos resultados da investigação e inovação (I&I) para atividades empresariais sustentáveis, como referido no documento em apreço. Salvaguardar um processo de transição justa é um dos elementos mais importantes para assegurar que a I&I apoie a economia e o emprego na UE.

1.3.

O CESE defende que é necessária uma nova governação no domínio da investigação, a fim de suprimir os entraves administrativos e regulamentares à inovação.

1.4.

O CESE congratula-se com o facto de o novo documento relativo ao EEI estar globalmente em harmonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e apoiar a sua consecução. Na promoção da transição para uma economia europeia mais resiliente, é essencial que a evolução rumo a uma economia europeia sustentável assegure uma recuperação integradora que não deixa ninguém para trás (1).

1.5.

O CESE destaca a importância de uma combinação inteligente de instrumentos de investigação e desenvolvimento (I&D) a todos os níveis (regional, nacional, mundial e da UE). A I&D e a inovação devem ser promovidas também com recurso aos grandes fundos estruturais da UE, bem como através de medidas diretas e indiretas (p. ex. incentivos fiscais) para a I&D.

1.6.

O CESE considera que os seguintes setores e tecnologias essenciais são vitais para a prosperidade da UE:

modelos de negócio digitais,

tecnologias de fabrico de bens e alimentos,

investigação clínica, setores farmacêutico e biotecnológico,

tecnologias espaciais,

água limpa e saneamento.

1.7.

O CESE observa que a investigação no domínio das ciências sociais e humanas é muito importante para a complexa renovação da agenda do EEI.

1.8.

O CESE salienta que a investigação da UE está atrasada no que diz respeito ao registo de patentes. A Ásia aumentou a sua quota-parte de pedidos de patentes a nível mundial. Em 2019, a Ásia apresentou 65 % dos pedidos de patentes a nível mundial. A quota-parte de patentes da Europa diminuiu e representa agora apenas 11,3 % dos pedidos a nível mundial.

1.9.

Numerosos estudos demonstram que a UE está atrasada em relação aos EUA e à Ásia no que toca à cultura empresarial. A cultura empresarial tem de ser abordada no âmbito da educação, nomeadamente ao nível do ensino superior. Deve, por conseguinte, ser pertinente ao longo de todo o processo, desde a inovação na investigação de base e na investigação aplicada até à comercialização de uma nova tecnologia.

1.10.

O Conselho Europeu da Inovação (CEI) e o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), com as suas Comunidades de Conhecimento e Inovação (CCI), são considerados parceiros e instrumentos valiosos nesta «aceleração da transposição da I&I» e na reorientação da atenção da I&I na UE para a geração de inovações revolucionárias que satisfaçam as necessidades concretas dos cidadãos e das empresas, sobretudo no que diz respeito aos principais desafios sociais. A aceleração promovida pelo CEI proporciona um financiamento substancial da UE às empresas em fase de arranque com elevado potencial de crescimento, ao passo que o EIT, por definição, promove a excelência da investigação para inovações impulsionadas pela tecnologia nas CCI; assim, tanto o CEI como o EIT são parceiros importantes da aceleração da transposição da I&I.

1.11.

O CESE realça a necessidade de incorporar o princípio da integridade científica e ética, a fim de evitar perdas em termos de saúde humana, dinheiro e fracasso científico.

1.12.

A Europa está especialmente atrasada aos EUA e à Ásia no que toca à rapidez da transferência de resultados de I&D para produtos e serviços inovadores. Nessa continuidade, o CESE insta a Comissão a procurar, na sua política de ITI, simultaneamente a «excelência» e a «rapidez».

1.13.

O CESE anima a Comissão Europeia, na sua estratégia de I&I, a promover carteiras equilibradas de:

produção industrial de alta tecnologia, bem como de I&D/I&I para a indústria dos serviços,

inovações orientadas para o mercado (impulsionadas pela procura), bem como inovações promovidas pela tecnologia.

2.   Observações gerais

2.1.

O CESE congratula-se com o facto de uma nova visão para a agenda do EEI e a respetiva renovação serem elementos fundamentais do documento. O documento comprova, assim, que o novo EEI não é apenas a continuação do anterior, mas sim um verdadeiro «novo pacto» para a ITI na UE. Um aspeto fundamental desse novo pacto é o objetivo de aumentar maciçamente o impacto da inovação na economia e na sociedade. Graças ao novo pacto, a UE-27 está decididamente empenhada em recuperar o terreno que tem vindo a perder para a China e a Coreia do Sul no domínio da investigação de base e da investigação aplicada, dos pedidos de patentes e dos produtos e serviços de alta tecnologia. O novo pacto visa educar e formar ainda melhor os cidadãos europeus em todos os tipos de I&D, inovação e empreendedorismo, para libertar assim todo o potencial de inovação da sociedade europeia.

2.2.

O CESE congratula-se com a abordagem da Comissão Europeia para aumentar o impacto da inovação na economia e na sociedade. O CESE realça que a sociedade civil organizada é um catalisador da inovação social. Mais do que nunca é necessária a participação da sociedade civil — e a verdadeira inovação social só se concretiza quando a sociedade civil está envolvida (2).

2.3.

A Ásia, sobretudo a China e a Coreia, melhoraram enormemente o seu desempenho no domínio da ITI nos últimos 20 anos. A China não só aumentou a sua proporção de despesas com a I&D de 0,55 % (1995) para 2,2 % (2018) como ultrapassou a UE no volume total de despesas com a I&D, investindo 496 mil milhões de dólares em 2017, contra 430 mil milhões de dólares na UE. Segundo o Painel Europeu sobre o Investimento na I&D Industrial de 2020, entre 2018 e 2019 as empresas da UE investiram mais 5,6 % em I&D, as empresas dos EUA, 10,8 %, e as empresas chinesas, 21,0 %.

2.4.

Os relatórios do Painel de Avaliação da OCDE para a Ciência, Tecnologia e Indústria revelam, nomeadamente, que a UE está particularmente atrasada no setor das empresas de serviços digitais e nas inovações ditas «revolucionárias» impulsionadas pela tecnologia. O CESE defende uma via europeia para a digitalização, aproveitando as oportunidades que se abrem à economia sem descurar os valores sociais e os direitos fundamentais. A abordagem centrada no ser humano em todas as iniciativas da Comissão é vivamente aplaudida tendo em vista o desenvolvimento de uma abordagem europeia do progresso (3).

2.5.

A promoção do desenvolvimento de inovações «revolucionárias» (4), sem prejuízo de um processo de transição justa, é um dos principais desafios para o futuro próximo.

2.6.

O CESE apoia plenamente uma concentração clara na «dupla transição», ou seja, na transição digital e no Pacto Ecológico.

2.7.

O CESE acolhe favoravelmente os esforços no sentido de assegurar que os resultados da I&I sejam rapidamente transpostos para atividades empresariais sustentáveis. Salvaguardar um processo de transição justa, ou seja, rumo a uma Europa mais verde e respeitadora do clima e a um futuro digital equitativo, que respeite os direitos e as posições dos trabalhadores, como referido no documento, é um dos elementos mais importantes para assegurar que a I&I apoie a economia e o emprego na UE.

2.8.

O CESE congratula-se com o facto de o novo documento relativo ao EEI estar globalmente em harmonia com os ODS e apoiar a sua consecução. Na promoção da transição para uma economia europeia mais resiliente, é essencial que a evolução rumo a uma economia europeia sustentável assegure uma recuperação integradora que não deixa ninguém para trás (5).

2.9.

O CESE destaca a importância de uma combinação inteligente de instrumentos de I&D a todos os níveis (regional, nacional e da UE). A I&D e a inovação devem ser promovidas também com recurso aos grandes fundos estruturais da UE, bem como através de medidas diretas e indiretas (p. ex., incentivos fiscais) para a I&D.

3.   O Espaço Europeu da Investigação num novo contexto

3.1.

Como salientado nas observações gerais, o CESE considera claramente que, se se limitar a ser uma continuação da anterior, a estratégia de ITI da UE continuará a perder terreno na concorrência mundial no domínio da ITI, sobretudo contra a China, a Coreia e os EUA.

3.2.

O CESE realça a necessidade de incorporar o princípio da integridade científica e ética, a fim de evitar perdas em termos de saúde humana, dinheiro e fracasso científico.

3.3.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a elaborar uma agenda de ITI para a UE no âmbito de um «novo pacto».

3.4.

As infraestruturas de I&I de ponta geridas de forma eficiente são uma questão fundamental para esta «aceleração da transposição da I&I».

3.5.

Na opinião do CESE, a gestão quotidiana destas infraestruturas de I&I poderia ser profissionalizada. A utilização de algumas destas infraestruturas de I&I dispendiosas é relativamente baixa: algumas têm uma utilização inferior a 25 % das horas de trabalho anuais.

3.6.

O CESE acolhe com agrado a Nuvem Europeia para a Ciência Aberta (EOSC).

3.7.

O CESE concorda que as tecnologias referidas no documento são tecnologias essenciais muito importantes e estratégicas para a UE e propõe que sejam acrescentados os seguintes setores e tecnologias essenciais:

modelos de negócio digitais,

tecnologias de fabrico de bens e alimentos,

investigação clínica, setores farmacêutico e biotecnológico,

tecnologias espaciais,

água limpa e saneamento.

3.8.

Os modelos de negócio digitais são atualmente os tipos de negócio em mais rápido crescimento do mundo e continuarão a sê-lo nos próximos anos. Basta pensar no comércio eletrónico (p. ex. Amazon), na Indústria 4.0, na banca eletrónica, nos jogos em linha, nas redes sociais (p. ex. Facebook), na segurança eletrónica, etc.

3.9.

O CESE observa que a investigação no domínio das ciências sociais e humanas é muito importante para a complexa renovação da agenda do EEI.

3.10.

O CESE observa que a investigação da UE está atrasada no que diz respeito ao registo de patentes. A Ásia aumentou a sua quota-parte de pedidos de patentes a nível mundial. Em 2019, a Ásia apresentou 65 % dos pedidos de patentes a nível mundial. A quota-parte de patentes da Europa diminuiu e representa agora 11,3 % dos pedidos a nível mundial.

3.11.

Outros temas importantes no domínio da I&I incluem, nomeadamente, o fabrico de bens (que sempre foi e continua a ser um bastião da UE), as tecnologias da informação, o software e a inteligência artificial (IA), bem como a média tecnologia.

3.12.

A maioria dos empregos na UE ainda se encontra no setor da média tecnologia (que também foi sempre um bastião da UE). A alta tecnologia é, evidentemente, importante, mas existe um grande potencial de crescimento e de emprego também na média tecnologia.

3.13.

A crise do coronavírus constitui um grave desafio para a humanidade e devem ser tomadas todas as medidas possíveis para desenvolver vacinas e tratamentos para a COVID-19. A crise expôs vários problemas que terão de ser resolvidos para prevenir pandemias semelhantes no futuro, nomeadamente no que diz respeito à nossa relação com a natureza e os animais. A investigação e a inovação europeias devem assumir um papel destacado na identificação, na investigação e na resolução desses problemas. Por outro lado, a crise não deve ser o único ponto de referência para a estratégia de I&I da UE a longo prazo.

3.14.

Numerosos estudos demonstram que a UE está atrasada em relação aos EUA e à Ásia no que toca à cultura empresarial. A cultura empresarial tem de ser abordada no âmbito da educação, nomeadamente ao nível do ensino superior. Deve, por conseguinte, ser pertinente ao longo de todo o processo, desde a inovação na investigação de base e na investigação aplicada até à comercialização de uma nova tecnologia. A cultura empresarial tem de ser uma competência essencial em toda a ITI da UE e, por conseguinte, também no novo EEI.

4.   A visão: um Espaço Europeu da Investigação mais forte para o futuro

4.1.

A comunicação dedica vários parágrafos aos novos roteiros tecnológicos comuns, à nova estratégia industrial e às futuras tecnologias essenciais para a Comissão. O CESE reitera que todos estes temas devem ser encarados em estreita ligação com os ODS. Por outras palavras, a I&D tem de ser promovida especialmente no âmbito do novo EEI e dos roteiros tecnológicos comuns, em que é possível apoiar qualquer dos 17 domínios dos ODS. O CESE está convicto de que um diálogo social e civil construtivo a todos os níveis contribuirá para a aplicação bem-sucedida da estratégia.

4.2.

O CESE aplaude o reforço da cooperação em matéria de ITI na UE. Os Estados-Membros da UE são pura e simplesmente demasiado pequenos para competirem isoladamente com os grandes países que mais investem na investigação, como os EUA ou a China. Individualmente, os Estados-Membros não podem realizar «economias de escala», que são muito importantes, sobretudo no caso das grandes inovações revolucionárias. As realizações europeias no domínio da ciência e da tecnologia têm sido significativas e os esforços de desenvolvimento são parte integrante da economia europeia. Alguns dos mais consagrados investigadores em vários domínios científicos como a física, a matemática, a química e a engenharia residem na Europa. A investigação científica na Europa é apoiada pela indústria, pelas universidades europeias e por diversas instituições científicas. Os resultados da investigação científica europeia contam-se regularmente entre os melhores do mundo. Embora a cooperação seja um elemento fundamental da inovação eficiente para gerar novos produtos e serviços, a concorrência é a principal força motriz da inovação na economia mundial. Por conseguinte, o CESE recomenda um equilíbrio adequado entre a cooperação e a concorrência entre Estados-Membros no novo pacto da UE para a ITI.

4.3.

O CEI e o EIT, com as suas CCI, são considerados parceiros e instrumentos valiosos nesta «aceleração da transposição da I&I» e na reorientação da atenção da I&I na UE para a geração de inovações revolucionárias que satisfaçam as necessidades concretas dos cidadãos e das empresas, sobretudo no que diz respeito aos principais desafios sociais.

5.   Transpor os resultados da I&I para a economia

5.1.

A comunicação afirma que «[a] UE fica atrás dos seus principais concorrentes mundiais em matéria de intensidade de I&D das empresas (em especial nos setores de alta tecnologia) e de expansão das PME inovadoras, o que diminui a sua produtividade e competitividade. […] Desbloquear o investimento na inovação em empresas, serviços e no setor público é fundamental para inverter esta tendência, bem como para reforçar a soberania industrial e tecnológica da Europa. A UE precisa de tirar o máximo partido dos seus excelentes resultados em matéria de investigação e inovação para apoiar a transição ecológica e digital da economia da UE». O CESE partilha deste ponto de vista, mas salienta que em especial a transição digital requer uma abordagem responsável da ITI. O CESE reitera o seu pleno apoio à estratégia da UE de promover uma IA fiável e centrada no ser humano e defende uma vez mais uma abordagem da IA em que os seres humanos mantenham o controlo, como sustentou no seu primeiro parecer sobre a IA, de 2017 (6).

5.2.

A Europa está especialmente atrasada aos EUA e à Ásia no que toca à rapidez da transferência de resultados de I&D para produtos e serviços inovadores. Nessa continuidade, o CESE insta a Comissão a procurar, na sua política de ITI, simultaneamente a «excelência» e a «rapidez».

5.3.

O CESE está ciente de que a comunicação reconhece que importa prestar atenção à transposição da I&I para produtos viáveis e à cadeia de inovação. No entanto, a maioria das ações e medidas propostas no documento ainda se concentra a montante da cadeia de inovação (ensino superior, carreiras de investigação para pessoas talentosas, mais verbas para a investigação pública e de base, etc.).

5.4.

O CESE incentiva a Comissão a procurar um equilíbrio adequado entre a concentração a montante da cadeia de inovação e a jusante da mesma.

5.5.

O CESE incentiva a Comissão a estimular mais as inovações orientadas para o mercado, por exemplo:

promovendo os conceitos de lead user (utilizador principal),

investindo em estudos sistemáticos de inovação social para prever precocemente a apreciação e a aceitação de novos produtos e serviços pela sociedade.

6.   Indústrias de serviços

6.1.

Os processos de produção industrial podem ser altamente automatizados de modo a poderem produzir lotes de muito grande dimensão com uma pequena percentagem de custos laborais e custos de produção competitivos a nível mundial, mesmo com os elevados salários da Europa. Esta situação torna-se mais complicada nas indústrias dos serviços. Também é possível automatizar em grande medida os modelos de negócio digitais, mas os serviços prestados a indivíduos, como o corte de cabelo, as massagens, etc., não podem ser automatizados. Por todas estas razões, a UE deveria procurar alcançar, na sua nova estratégia no domínio da I&I, uma carteira equilibrada de produção industrial de alta tecnologia e indústrias de serviços.

7.   Aprofundar o Quadro Europeu das Carreiras de Investigação

7.1.

O CESE congratula-se com as medidas propostas na comunicação para reforçar a excelência tecnológica e científica e a mobilidade dos jovens investigadores, mas incentiva a Comissão a intensificar também as medidas relativas ao reforço do empreendedorismo dos jovens investigadores e inovadores, que devem incluir melhores perspetivas de carreira para os investigadores e salários mais elevados, sobretudo para os investigadores em início da carreira. Além disso, a ligação das universidades a entidades económicas para assegurar a transformação da inovação em produtos comercializáveis afigura-se profícua. O CESE propõe a criação de um registo único de investigadores e inovadores da UE com dados básicos de investigação profissional para ligar os investigadores e inovadores da UE de forma mais estreita.

7.2.

Competências e culturas inovadoras essenciais, novas tecnologias de aprendizagem e ensino, formação personalizada.

7.2.1.

O CESE gostaria, uma vez mais, de salientar que não são apenas as tecnologias essenciais estratégicas que são fundamentais, mas que as competências essenciais dos trabalhadores e as culturas inovadoras essenciais em todas as empresas da UE também são muito importantes para a prosperidade da UE.

7.2.2.

O elemento seguinte é particularmente importante para a nova agenda do EEI, a nova agenda da I&I e o novo «Pacto para a Investigação e Inovação na Europa»: promover uma cultura inovadora e uma cultura do empreendedorismo entre as empresas da UE, tanto junto da administração como de todos os trabalhadores, por exemplo, oferecendo cursos de formação adequados aos trabalhadores,

8.   Participação dos cidadãos

8.1.

O CESE concorda com a afirmação contida na comunicação de que «[a] participação dos cidadãos, das comunidades locais e da sociedade civil estará no centro do novo EEI, com vista a alcançar um maior impacto societal e reforçar a confiança na ciência». O CESE manifesta o seu apoio à abordagem da Comissão Europeia, assente na ideia de que «as organizações de investigação e a indústria devem envolver os cidadãos nas escolhas tecnológicas».

8.2.

Os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil, como as organizações de consumidores, as ONG, etc., devem ser associados aos processos e projetos de I&I europeus enquanto parceiros ativos, em especial quando a investigação afeta ou tem repercussões para as pessoas ou as causas que representam. A participação destes parceiros desde uma fase precoce promoverá o empenho, a compreensão, a apropriação e a aceitação da inovação e apoiará os processos de transição justa necessários, sobretudo para a inovação revolucionária. Também ajudará os investigadores a compreender o impacto das suas inovações na sociedade em geral e a corrigir eventuais repercussões negativas numa fase precoce do processo. É por isso que o CESE também tem defendido uma abordagem multidisciplinar em determinados domínios de investigação, quando haja um impacto em vários domínios. Um destes domínios é, mais uma vez, a IA: o CESE tem vindo a defender que aspetos como as humanidades, o direito, a economia, a ética, a psicologia, etc., sejam tidos em conta na I&D da IA, para além dos aspetos meramente técnicos (7).

8.3.

A economia da UE depende fortemente das exportações dos seus bens e serviços.

8.4.

As escolhas tecnológicas devem, por isso, basear-se nas preferências dos cidadãos da UE por bens e serviços, mas também nas dos restantes 7,8 mil milhões de pessoas do mundo. O CESE exorta a Comissão a promover particularmente a I&I para concretizar os ODS das Nações Unidas.

8.5.

Como salientado nas observações gerais, é necessário comunicar melhor a importância da ITI aos políticos, aos meios de comunicação social e à sociedade.

8.6.

É, pois, igualmente importante desenvolver meios e estratégias inteligentes para comunicar a importância da ITI, mas também os seus resultados, no contexto da comunicação e da nova estratégia de ITI da UE.

9.   Governação do novo EEI

9.1.

O CESE concorda que será fundamental implementar um sistema de acompanhamento transparente (Painel de Avaliação do EEI) para acompanhar o desempenho da UE na concorrência mundial no domínio da ITI. O CESE defende que é necessária uma nova governação no domínio da investigação, a fim de suprimir os entraves administrativos e regulamentares à inovação.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19: «A UE deve orientar-se pelo princípio segundo o qual é considerada uma comunidade com um destino comum» (OJ C 311, 18.9.2020, p. 1), ponto 5.3.1.

(2)  Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19: «A UE deve orientar-se pelo princípio segundo o qual é considerada uma comunidade com um destino comum» (OJ C 311, 18.9.2020, p. 1), ponto 6.8.

(3)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 101.

(4)  Clayton M. Christensen, The Innovator's Dilemma — When New Technologies Cause Great Firms to Fail [O dilema do inovador — Quando as novas tecnologias provocam o fracasso das grandes empresas], 2016.

(5)  Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19: «A UE deve orientar-se pelo princípio segundo o qual é considerada uma comunidade com um destino comum» (OJ C 311, 18.9.2020, p. 1), ponto 5.3.1.

(6)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 1.

(7)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 1.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/86


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à prorrogação do prazo dos direitos comunitários de proteção das variedades vegetais para as espécies de espargos e para os grupos de espécies de bolbos de flores, de pequenos frutos de vegetais lenhosos e de vegetais lenhosos ornamentais

[COM(2020) 36 final — 2020/0019 (COD)]

(2021/C 220/12)

Consulta

Parlamento Europeu, 11.2.2021

Base jurídica

Artigos 118.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

262/0/14

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 559.a reunião plenária de 24 e 25 de março de 2021 (sessão de 24 de março), decidiu, por 262 votos a favor e 14 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/87


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva (UE) 2017/2397 no que respeita às medidas transitórias para o reconhecimento dos certificados de países terceiros

[COM(2021) 71 final — 2021/0039 (COD)]

(2021/C 220/13)

Consultas

Conselho da União Europeia, 26.2.2021

Parlamento Europeu, 8.3.2021

Base jurídica

Artigo 91.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

262/0/14

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 559.a reunião plenária de 24 e 25 de março de 2021 (sessão de 24 de março), decidiu, por 262 votos a favor e 14 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Reforçar o processo de adesão — Uma perspetiva credível de adesão à UE para os Balcãs Ocidentais»

[COM(2020) 57 final]

a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Um Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais»

[COM(2020) 641 final]

e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Comunicação de 2020 sobre a política de alargamento da UE»

[COM(2020) 660 final]

(2021/C 220/14)

Relator:

Andrej ZORKO

Correlator:

Ionuț SIBIAN

Consulta

Comissão Europeia, 11.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

3.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

243/1/10

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com as comunicações da Comissão adotadas em 2020 no contexto do alargamento da União Europeia (UE) aos Balcãs Ocidentais (1) e concorda que a integração dos parceiros dos Balcãs Ocidentais na UE representa um investimento geoestratégico na paz, na estabilidade, na segurança e no crescimento económico de todo o continente.

1.2.

O CESE concorda com as conclusões da Cimeira de Zagrebe (2), na qual os líderes da UE reafirmaram a determinação da UE em reforçar a sua cooperação com a região e saudaram o compromisso assumido pelos parceiros dos Balcãs Ocidentais de executar as reformas necessárias de forma rigorosa e decisiva. Os Balcãs Ocidentais são parte integrante da Europa e constituem uma prioridade geoestratégica para a UE.

1.3.

O CESE está convicto de que, ao abordar problemas e desafios comuns — não só políticos, mas também económicos e sociais —, os parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil (3) devem desempenhar um papel mais importante e participar mais ativamente em todo o processo de alargamento. A Comissão deve definir de forma mais clara o conceito de «principais partes interessadas», uma vez que a sociedade civil organizada é a ponte entre a política e as pessoas, contribuindo para avaliar se princípios fundamentais como a liberdade de expressão, o Estado de direito, a independência dos meios de comunicação social, a igualdade de tratamento e a luta contra a corrupção são efetivamente aplicados na prática.

1.4.

O CESE congratula-se com a revisão da metodologia do alargamento adotada pela Comissão em 2020 (4). Uma vez que o seu objetivo consistia em tornar o processo mais credível, previsível e político, a Comissão deve aplicá-la em relação à Albânia e à Macedónia do Norte, assim que o Conselho da UE adotar os seus quadros de negociação, e deve esclarecer rapidamente o modo como a metodologia será igualmente adaptada ao Montenegro e à Sérvia, que já manifestaram vontade de a adotar.

1.5.

O CESE congratula-se com o facto de os capítulos de negociação estarem organizados em grupos temáticos e de as negociações sobre cada grupo serem abertas no seu conjunto. A ideia de aplicar um conjunto de condições rigorosas de modo concreto facilitará aos países candidatos à UE a realização de progressos em matéria de reformas. O CESE está igualmente assaz satisfeito com a ênfase colocada na importância do grupo de capítulos relativos aos princípios fundamentais e com o facto de que os progressos neste domínio determinarão o ritmo global das negociações.

1.6.

O CESE congratula-se com as propostas da Comissão para reforçar o processo de adesão e com a «luz verde» do Conselho para a abertura de negociações de adesão com a Albânia e a Macedónia do Norte (5), mas lamenta que o processo tenha sido bloqueado uma vez mais e exorta a UE a agir como parceiro credível e a eliminar os obstáculos que impedem o início das negociações o mais rapidamente possível.

1.7.

O CESE aprecia a forma como a Comissão destaca a importância de reforçar a confiança entre todas as partes interessadas e assegura que o processo de adesão se baseia na confiança mútua e em compromissos claros e conjuntos, a fim de recuperar a credibilidade deste processo junto de ambas as partes e realizar todo o seu potencial.

1.8.

Tendo em conta as dificuldades sentidas pelos Estados-Membros em definir uma posição unânime sobre a questão do alargamento, o CESE entende que o Conselho deve reconsiderar a possibilidade de introduzir a votação por maioria qualificada, pelo menos para todas as fases intermédias do processo de adesão à UE (6). Tal conferiria aos Estados-Membros um papel político forte, como é intenção da nova metodologia, mas também os impediria de bloquear o processo enquanto decorre, que é precisamente o que está a minar a confiança no alargamento e no poder transformador desta política.

1.9.

A fim de restabelecer a confiança no alargamento e reforçar as formas como a UE comunica com os seus aliados naturais na região, o CESE está convencido de que a UE deve permitir que os líderes políticos e os cidadãos dos Balcãs Ocidentais participem nas atividades e nos debates realizados no contexto da Conferência sobre o Futuro da Europa, numa base consultiva. Ao fazê-lo, a UE basear-se-ia no precedente da Convenção Europeia do início dos anos 2000 (7).

1.10.

O CESE manifesta a firme convicção de que a UE deve igualmente investir no desenvolvimento de estruturas horizontais da sociedade civil, proporcionando aos parceiros sociais e a outras organizações da sociedade civil dos Balcãs Ocidentais conhecimentos especializados, apoio técnico e oportunidades regionais e internacionais de ligação em rede, nomeadamente com o objetivo de assegurar que desempenham um papel mais ativo no processo de alargamento. No intuito de verificar a transparência e a responsabilização das elites políticas dos Balcãs Ocidentais, a UE deve solicitar às organizações da sociedade civil da região que realizem regularmente relatórios-sombra sobre o estado da democracia (8).

1.11.

O CESE salienta que o reforço da capacidade das organizações da sociedade civil a nível nacional e a facilitação da cooperação regional, bem como o intercâmbio de conhecimentos especializados, devem continuar a figurar entre as prioridades da UE e do financiamento nacional. Além disso, o reconhecimento recíproco e a colaboração entre os parceiros sociais e outras organizações da sociedade civil é essencial para estar à altura dos desafios suscitados pelo programa de reformas na região e fazer avançar o processo de alargamento da UE.

1.12.

O CESE está consciente de que, para ajudar os parceiros dos Balcãs Ocidentais a amortecer o impacto da pandemia e relançar a convergência económica e social com a UE, o apoio da UE deve ser generoso e incluir muito mais do que apenas o acesso aos programas da UE. A abertura gradual dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento aos parceiros dos Balcãs Ocidentais (por exemplo, para apoiar projetos de infraestruturas), o alargamento da utilização dos mecanismos de estabilidade financeira da UE, a possibilidade de a região participar na política agrícola comum ou a viabilização da migração circular, por exemplo, são ideias que merecem aturada ponderação (9).

1.13.

O CESE congratula-se com o Pacto Ecológico Europeu (10), que inclui objetivos específicos para os Balcãs Ocidentais, e com as orientações para a execução da Agenda Verde para os Balcãs Ocidentais que acompanha o Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais (11), apelando aos parceiros da região para que cooperem com a UE no sentido de adotar políticas ecológicas até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050.

1.14.

O CESE espera que os próximos relatórios por país sigam uma estrutura clara que permita acompanhar a forma como a sociedade civil é tratada pelos governos dos Balcãs Ocidentais. Este acompanhamento deve constituir a base para responder mediante ações políticas, sancionando os retrocessos e recompensando com vantagens concretas os progressos. Em última análise, tal reforçará a credibilidade e o poder transformador da política de alargamento em relação aos Balcãs Ocidentais.

1.15.

O CESE reitera o seu apelo às instituições da UE e aos governos dos Balcãs Ocidentais para que assegurem o reforço das capacidades globais dos parceiros sociais, preservando ao mesmo tempo a sua independência total. Um diálogo social funcional deve constituir um elemento importante das negociações de adesão à UE. O CESE salienta que os parceiros sociais devem ser consultados, de forma mais sistemática e atempada, sobre todas as propostas legislativas pertinentes e em todas as fases da elaboração de documentos estratégicos (12).

1.16.

O CESE apela para a organização de fóruns ou conferências de alto nível da sociedade civil, imediatamente antes das cimeiras periódicas entre a UE e os Balcãs Ocidentais, ou paralelamente a elas, a fim de permitir que a voz da sociedade civil seja ouvida sobre os temas tratados nas cimeiras (13). Tais consultas são vitais para assegurar um acompanhamento objetivo e ascendente dos progressos realizados no processo de negociação. O CESE poderia desempenhar um papel nestes eventos.

1.17.

O CESE reitera as recomendações constantes do contributo da Secção das Relações Externas (REX) do CESE para a Cimeira UE-Balcãs Ocidentais de 6 de maio de 2020, (14) bem como do seu recente Parecer «Contributo da sociedade civil para a agenda verde e o desenvolvimento sustentável dos Balcãs Ocidentais no âmbito do processo de adesão à UE», adotado em 18 de setembro de 2020 (15) (16).

1.18.

O CESE apela à atual presidência portuguesa do Conselho da UE e, em particular, à futura presidência eslovena para que mantenham a política de alargamento aos Balcãs Ocidentais no topo da agenda da UE em 2021.

2.   Alargamento da UE aos Balcãs Ocidentais

2.1.

Uma perspetiva de adesão credível é o principal incentivo e motor da transformação na região — ironicamente já um enclave geográfico entre territórios da UE, pois está rodeada de Estados-Membros —, reforçando, assim, a nossa segurança e prosperidade coletivas. Trata-se de um instrumento fundamental para promover a democracia, o Estado de direito e o respeito pelos direitos fundamentais, que são também os principais motores da integração económica e um pilar fundamental para promover a reconciliação e a estabilidade regionais.

2.2.

A manutenção e o reforço desta política são, pois, indispensáveis para a credibilidade, o sucesso e a influência da UE na região e fora dela, especialmente em tempos de intensa concorrência geopolítica. Relegar o alargamento para uma posição inferior na lista de prioridades da UE ou abrandar o processo poderia facilitar a intromissão de outros intervenientes, que frequentemente não partilham das ambições democráticas da UE — sobretudo a Rússia e a China —, nos Balcãs e a sua aproximação a países como a Sérvia, o Montenegro e a Bósnia-Herzegovina, conforme também se demonstrou durante a pandemia em curso. Estas potências estrangeiras podem comprometer os esforços envidados pela UE para garantir a segurança do continente.

2.3.

Os desafios atuais, como a globalização, o envelhecimento das sociedades, a migração, as alterações climáticas, as disparidades sociais, o terrorismo, a radicalização, a criminalidade organizada, os ciberataques e a COVID-19 provam que a UE e a região dos Balcãs Ocidentais partilham não só interesses semelhantes, mas também, e cada vez mais, os mesmos problemas. Do ponto de vista estratégico, político e económico, a UE e os Balcãs Ocidentais estão no mesmo barco. Esta interdependência exige uma ação conjunta para que possam singrar no mundo complexo e imprevisível de hoje (17).

3.   O poder de influência da UE reside na sua credibilidade

3.1.

Uma sondagem Ipsos realizada em 2020 (18) indica que a opinião pública na região continua a ser esmagadoramente a favor da adesão à UE (82,5 % em média). É provável que os cidadãos dos países dos Balcãs Ocidentais continuem a apoiar a integração na UE por considerarem que é uma oportunidade para mudanças deveras necessárias na qualidade da governação e no desempenho económico dos seus países. As pessoas avaliam positivamente o papel da UE nas reformas políticas (39,7 %) e económicas (40,3 %) nacionais. Além disso, é possível que os cidadãos dos Balcãs Ocidentais associem a UE à liberdade de circulação de trabalhadores e de pessoas, mas também à paz e à segurança.

3.2.

O CESE manifesta satisfação com a solidariedade sem precedentes que a UE demonstrou para com os Balcãs Ocidentais durante a pandemia de COVID-19, nomeadamente facultando acesso e permitindo a sua participação no âmbito de instrumentos e plataformas da UE habitualmente reservados aos Estados-Membros da UE [como o Comité de Segurança da Saúde (CSS), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o acordo de contratação pública conjunta]. Manifesta igualmente a esperança de que essa inclusão nas políticas e nos instrumentos da UE continue também no período pós-pandemia. Por outro lado, o CESE está preocupado com a possibilidade de os atrasos na capacidade da UE para fornecer aos Balcãs Ocidentais as vacinas contra a COVID-19 urgentemente necessárias terem um impacto negativo na imagem da UE junto da opinião pública da região.

3.3.

No entanto, de acordo com a mesma sondagem Ipsos (2020), 52,1 % dos inquiridos em toda a região estão insatisfeitos com os progressos do seu país rumo à adesão à UE e, em particular, com o ritmo lento do processo. Um número crescente de cidadãos dos Balcãs Ocidentais considera que os seus países nunca farão parte da UE e está preocupado com o facto de «a UE não os querer». Mais de 44,9 % dos inquiridos na Bósnia-Herzegovina, 42 % na Sérvia, 40,5 % na Macedónia do Norte e 36,8 % na Albânia pensam que o seu país só se tornará membro da UE depois de 2040, ou talvez nunca (19). Tal parece indicar que o nível atualmente elevado de apoio popular à UE na região provavelmente só se manterá enquanto as perspetivas de adesão forem credíveis. Por conseguinte, a UE não poderá dar como adquirido o sentimento pró-europeu dos parceiros dos Balcãs Ocidentais durante muito mais tempo.

3.4.

O CESE salienta que as inúmeras posições tomadas pelos partidos políticos do Parlamento Europeu pelos governos dos Estados-Membros da UE e pelas instituições da UE nem sempre estão alinhadas entre si, o que pode enviar sinais incoerentes e confusos para a região. O CESE está convencido de que é necessária maior coerência interna entre os diferentes intervenientes na formulação da política de alargamento nos Estados-Membros, para que possam falar a uma só voz.

3.5.

As instituições da UE, como a Comissão e o Parlamento Europeu (PE), devem comunicar melhor e trabalhar mais estreitamente com os Estados-Membros no processo de avaliação dos progressos e na conceção de estratégias de assistência e de resposta aos parceiros dos Balcãs Ocidentais. A Comissão deve desenvolver contactos bilaterais mais estreitos com os Estados-Membros, nomeadamente organizando reuniões com os ministérios dos negócios estrangeiros e os parlamentos nacionais para debater o alargamento, e deve coordenar-se melhor com outros intervenientes a nível regional e da UE (como o Serviço Europeu para a Ação Externa, o Conselho, o PE, o CESE ou o Comité das Regiões e o Conselho de Cooperação Regional) e com a sociedade civil. O PE deve ainda incentivar uma cooperação reforçada com os parlamentos nacionais e entre os mesmos na UE, de modo a promover a sua europeização (20).

3.6.

O CESE concorda com a conclusão (21) da Comissão de que é necessário colocar maior ênfase na dimensão política do processo e assegurar uma orientação mais forte e uma cooperação de alto nível dos Estados-Membros da UE. O CESE salienta igualmente que é essencial que essa orientação política e cooperação mais fortes sejam construtivas e benéficas, e que uma assistência eficaz é extremamente importante.

3.7.

O CESE está convencido de que o apoio e o empenho da UE no processo de alargamento nos Balcãs Ocidentais têm de ser fortes e visíveis. Acima de tudo, é necessário assegurar que os resultados das reformas executadas sejam devidamente apresentados e que o impacto dessas reformas se traduza num aumento da qualidade de vida das pessoas.

3.8.

A Comissão deve intensificar e diversificar os seus esforços de comunicação no terreno sobre o alargamento, nos Estados-Membros da UE e na região, através dos seus gabinetes locais e das delegações, mas também através de iniciativas que envolvam as partes interessadas locais e os parceiros sociais. Uma comunicação fiável sobre o apoio maciço da UE pelos parceiros dos Balcãs Ocidentais, bem como sobre os custos e benefícios da integração europeia em geral, depende igualmente da existência de meios de comunicação social livres e viáveis na região. Por esta razão, a Comissão deve insistir no respeito pela liberdade dos meios de comunicação social por parte dos parceiros dos Balcãs Ocidentais e deve investir no desenvolvimento e na sustentabilidade do setor.

4.   A consolidação democrática da região não é negociável

4.1.

A sondagem Ipsos (2020) revela que a principal fonte de insatisfação das pessoas são os seus políticos e instituições nacionais. Os inquiridos de toda a região duvidam de que os seus líderes estejam verdadeiramente empenhados na agenda de integração na UE e denunciam as suas instituições públicas corruptas e disfuncionais (22).

4.2.

Com efeito, nem a adoção de constituições democráticas nem a rigorosa condicionalidade democrática da UE parece terem conseguido suplantar as estruturas informais de poder, a captura do Estado e o compadrio nos Balcãs Ocidentais, tendo, em vez disso, resultado na sua consolidação (23). A fragilidade das instituições democráticas e a ascensão de governantes autocráticos nos Balcãs Ocidentais podem enfraquecer as normas do Estado de direito, a independência do poder judicial e a liberdade dos meios de comunicação social nestes países.

4.3.

A UE não deve fazer concessões aos políticos da região que se furtam claramente ao seu compromisso com a democracia. O impacto da denúncia da «captura do Estado» na estratégia de 2018 da Comissão para a região (24) ou da avaliação crítica dos diferentes países em relatórios anuais diminui muito se as mesmas conclusões não forem reiteradas por responsáveis da UE ou políticos dos Estados-Membros quando se deslocam aos Balcãs Ocidentais (25). Sem um acervo democrático que incida sobre os monopólios de poder, a organização e a concorrência partidárias ou as práticas informais, é pouco provável que os políticos dos Balcãs Ocidentais cumpram as normas democráticas europeias, visto que ignorá-las é precisamente o que os mantém no poder.

4.4.

Os esforços envidados pelas instituições da UE para melhorar a qualidade da democracia nos Balcãs Ocidentais através do processo de adesão seriam reforçados de modo considerável se as reformas democráticas nos atuais Estados-Membros fossem debatidas e analisadas em conjunto com os países candidatos à UE. Os muitos anos de rigorosa condicionalidade democrática aplicada aos países dos Balcãs Ocidentais que ambicionam aderir à UE proporcionaram uma riqueza de conhecimentos e de experiência prática sobre o que contribui e não contribui para induzir reformas internas em matéria de governação. Os parceiros dos Balcãs Ocidentais poderiam, assim, contribuir para os debates da UE sobre a proteção do Estado de direito, da liberdade dos meios de comunicação social e da sociedade civil, nomeadamente no contexto da Conferência sobre o Futuro da Europa (26).

4.5.

A UE deve igualmente reconhecer que a prática cada vez mais comum no Conselho de reter as recompensas prometidas, apesar dos progressos concretos realizados na região, desmotiva os políticos da região de executarem a agenda de reformas da UE, correndo o risco de alienar mesmo os líderes políticos mais favoráveis a reformas e a consensos nos Balcãs Ocidentais.

5.   Uma situação socioeconómica frágil

5.1.

O CESE congratula-se igualmente com a adoção do Plano Económico e de Investimento (27), que visa incentivar a recuperação a longo prazo, impulsionar o crescimento económico e apoiar as reformas necessárias para avançar na via da adesão à UE, incluindo a aproximação dos Balcãs Ocidentais ao mercado único da UE. Visa igualmente aproveitar o potencial económico inexplorado da região, bem como a considerável margem para reforçar a cooperação e o comércio a nível intrarregional.

5.2.

O CESE está convencido de que todas estas medidas da Comissão são muito positivas e deverão dar um grande impulso à política de alargamento. No entanto, a situação real continua a ser problemática (a última comunicação da Comissão sobre a política de alargamento da UE e os seus relatórios anuais por país refletem bem os problemas que subsistem (28)).

5.3.

A pandemia de COVID-19 provocou, sem dúvida, choques importantes em matéria de oferta e procura de bens e serviços, o declínio da produção, o aumento do desemprego e o agravamento dos problemas sociais. No entanto, os problemas económicos da região são anteriores à crise da COVID-19. Desde a crise financeira, económica e social de 2008, o processo de convergência económica e social com a UE na perspetiva do PIB per capita tem sido muito lento ou inexistente. Devido à incapacidade de acelerar o desenvolvimento económico através da correção de problemas estruturais, como a falta de investimento público e privado ou o rápido envelhecimento da população, os cidadãos dos Balcãs Ocidentais têm assistido impotentes à emergência de um futuro de privação inelutável. A pandemia veio apenas exacerbar estes problemas socioeconómicos, correndo o risco de criar um verdadeiro enclave de subdesenvolvimento em plena Europa (29).

5.4.

O CESE salienta que a cooperação económica reforçada e o comércio intrarregional têm de contribuir para criar empregos dignos, seguros e de qualidade e para reduzir as disparidades sociais, não devendo basear-se na concorrência desleal e no dumping social. Neste sentido, a UE deve reforçar o apoio financeiro e técnico ao Espaço Económico Regional e à Agenda «Conectividade» para os Balcãs Ocidentais, a fim de incentivar a liberalização do comércio e a integração na região (30) e de evitar que a região se torne dependente de potências externas à UE.

5.5.

Os Balcãs Ocidentais possuem um potencial económico significativo por explorar e uma margem substancial de reforço da cooperação económica e do comércio a nível intrarregional. Embora nos últimos anos se tenha verificado uma certa aceleração do crescimento, da criação de emprego e da subida dos rendimentos, estes países ainda registam atrasos no que respeita à reforma das suas estruturas económicas e ao reforço da sua competitividade. Debatem-se ainda com taxas de desemprego elevadas, em especial entre os jovens, um elevado grau de inadequação de competências, a persistência da economia informal, a fuga de cérebros, a participação reduzida das mulheres no mercado de trabalho e índices de inovação pouco elevados (31). O CESE propõe que se pondere a possibilidade de aplicar os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais aquando da avaliação do cumprimento das condições de adesão à UE (32).

5.6.

O CESE considera que é muito importante melhorar a qualidade e a pertinência dos sistemas de ensino e de formação na região, e que é essencial reforçar a articulação entre os empregadores e os estabelecimentos ensino.

5.7.

O clima de investimento mantém-se fundamentalmente inalterado, caracterizando-se por um Estado de direito pouco consolidado, uma aplicação inadequada das regras relativas aos auxílios estatais, uma economia paralela bem enraizada, um acesso insuficiente das empresas a financiamento e níveis baixos de integração regional e de conectividade. A ingerência do Estado na economia continua. É absolutamente necessário melhorar as infraestruturas, devendo os investimentos ser canalizados através de reservas de projetos únicas e ser coerentes com as prioridades acordadas com a UE.

5.8.

O CESE recorda que os Balcãs Ocidentais são altamente sensíveis ao impacto das alterações climáticas, que provocam danos na saúde em geral e na economia, pelo que devem agir com caráter de urgência para melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos, em especial das crianças e dos jovens, com base numa transição justa para um modelo mais ecológico, tendo em mente o princípio de «não deixar ninguém para trás» (33). Existem numerosas tendências preocupantes no que diz respeito às alterações climáticas nos Balcãs Ocidentais, como a elevada dependência de combustíveis fósseis sólidos. Contudo, existem igualmente diversas oportunidades, como o potencial das energias renováveis e o elevado grau de biodiversidade. A importância e a necessidade de incluir os Balcãs Ocidentais no Pacto Ecológico não se devem apenas ao facto de as alterações climáticas não conhecerem fronteiras nacionais ou físicas, mas também ao facto de tal ser importante para o bem-estar e a saúde das pessoas e proporcionar um benefício tangível da UE para os cidadãos dos Balcãs Ocidentais (34).

5.9.

A UE deve identificar os setores fundamentais que impulsionam as economias dos parceiros dos Balcãs Ocidentais e investir neles, nomeadamente nas PME e no setor agroalimentar. A UE deve igualmente assegurar que as normas impostas à região não entravam o desenvolvimento destes setores com medidas que são atualmente demasiado restritivas para os Balcãs Ocidentais. Em vez disso, a fasquia tem de ser ajustada em função dos progressos realizados nestes países e de forma a permitir o crescimento.

5.10.

Embora o CESE se congratule com o pacote financeiro de 3,3 mil milhões de euros mobilizado pela UE em benefício dos cidadãos e das empresas dos Balcãs Ocidentais, é necessário assegurar que este montante é devidamente canalizado e que os benefícios do investimento chegam às pessoas, de acordo com a lógica que lhe está subjacente. O CESE entende que a recuperação na sequência da crise da COVID-19 deve promover a coesão económica e social da região, bem como as políticas ecológicas, e que a transição ecológica tem de ser parte integrante de um plano de recuperação abrangente e voltado para o futuro nos Balcãs Ocidentais.

5.11.

O CESE entende que a participação ativa dos parceiros sociais, nomeadamente incentivando a negociação coletiva, e de outras organizações da sociedade civil no planeamento e na execução de reformas económicas, sociais e de outra natureza pode contribuir significativamente para aumentar a convergência económica e social, especialmente na sequência da pandemia de COVID-19.

5.12.

O apelo da Comissão no sentido de maior transparência na utilização dos fundos e na execução de reformas é bem-vindo, mas não é claro se a Comissão considera que a sociedade civil faz parte das «principais partes interessadas». Com efeito, a sociedade civil é, infelizmente, pouco mencionada nas comunicações de 2020 da Comissão sobre os Balcãs Ocidentais.

6.   Cooperação regional

6.1.

O CESE considera que a cooperação regional é um fator essencial para melhorar o nível de vida nos Balcãs Ocidentais.

6.2.

Tanto a Cimeira dos Balcãs Ocidentais realizada em Poznań, em 2019, como a Cimeira entre a UE e os Balcãs Ocidentais realizada em Zagrebe, em maio de 2020, constituíram oportunidades para os dirigentes da região decidirem prosseguir uma transição ecológica e digital ambiciosa e continuarem a reforçar a conectividade em todas as suas dimensões: transportes, energia, setor digital e contactos entre povos.

6.3.

O CESE concorda que a Agenda Verde, o Plano Económico e de Investimento, os esforços de reestruturação económica, o investimento no turismo e na energia e a transformação digital são extremamente importantes para o desenvolvimento e a estabilidade da região. Salienta, contudo, que é necessário proporcionar empregos de qualidade e dignos que permitam aos trabalhadores trabalhar em segurança, garantam a segurança económica e social dos trabalhadores e tragam benefícios à população.

6.4.

O CESE considera que se deve prestar especial atenção à competitividade, ao crescimento inclusivo, ao nível de vida, ao desenvolvimento sustentável, à conectividade e à transição digital nos Balcãs Ocidentais. O empreendedorismo e a inovação são igualmente essenciais para a recuperação da região e as economias locais. Por conseguinte, o CESE recomenda o reforço da utilização dos fundos de pré-adesão da UE para apoiar as empresas em fase de arranque, facilitar a formação para o empreendedorismo e reforçar as estratégias económicas inteligentes na região, bem como para investir nas infraestruturas necessárias.

6.5.

No domínio da política ambiental, a UE centra-se na eliminação progressiva das fontes de energia fósseis e na sua substituição por energias renováveis. No entanto, os parceiros dos Balcãs Ocidentais, especialmente a Sérvia, têm aceitado empréstimos chineses para a construção de novas centrais térmicas que funcionam a carvão barato e ineficiente, sem quaisquer avaliações de impacto ambiental (35). Em resultado, Belgrado, Escópia e Saraievo disputam constantemente o título de cidade mais poluída do mundo durante os meses frios de inverno, quando o consumo de energia aumenta (36). Parece lógico que uma eventual integração da região no esforço da UE, nomeadamente durante o processo da Conferência sobre o Futuro da Europa, para conceber uma transição ecológica seja incompatível com tais projetos (37).

6.6.

O CESE congratula-se com o facto de a declaração sobre o reconhecimento das qualificações do ensino superior ter sido aprovada na Cimeira dos Balcãs Ocidentais realizada em Poznań, estabelecendo um modelo de reconhecimento automático das qualificações do ensino superior e dos períodos de estudo no estrangeiro, mas considera necessário intensificar os esforços com vista ao reconhecimento mútuo das qualificações profissionais, a fim de criar um mercado de trabalho mais integrado e proporcionar aos jovens da região oportunidades essenciais.

6.7.

O CESE salienta a importância de promover o reforço da cooperação e da parceria transfronteiras entre os Estados-Membros da UE e os parceiros dos Balcãs Ocidentais, não só ao nível central, mas também ao nível regional e local, bem como ao nível da sociedade civil organizada (38).

7.   O papel fundamental da sociedade civil no processo legislativo e de adesão

7.1.

O CESE apela para um maior reconhecimento da sociedade civil organizada no contexto da metodologia revista. Embora o CESE se congratule com o facto de o financiamento das organizações da sociedade civil não diminuir caso não sejam realizados progressos num determinado país, observa, com pesar, que a sociedade civil não é suficientemente reconhecida na comunicação (39), em especial tendo em conta os contextos políticos, económicos e sociais específicos dos Balcãs Ocidentais, em que é necessário reforçar o papel das organizações da sociedade civil nas reformas democráticas.

7.2.

O CESE apoia especialmente a abordagem dos grupos de capítulos na nova metodologia e salienta a importância vital do papel das organizações da sociedade civil em todos os eles, com especial destaque para os grupos relativos aos direitos fundamentais, à Agenda Verde e à conectividade sustentável.

7.3.

A sociedade civil continua a ser avaliada separadamente, no âmbito dos critérios políticos, como um dos quatro pilares da democracia. Contudo, à semelhança de relatórios anteriores, a profundidade da avaliação varia de país para país, não havendo uma referência coerente e sistemática às orientações para o apoio da UE à sociedade civil nos países do alargamento (2014-2020) (40), embora este seja um instrumento de acompanhamento pormenorizado. Na ausência de coerência estratégica, de um quadro de acompanhamento claro e de um compromisso político de reforçar o apoio à sociedade civil organizada nos países do alargamento, a UE não consegue prestar o apoio político de que as organizações da sociedade civil tanto necessitam, e ainda menos uma orientação clara para os governos nacionais (41).

7.4.

O CESE considera que o mérito, no âmbito de uma abordagem baseada no mérito, não pode ser determinado ou considerado pleno sem uma participação acrescida das organizações da sociedade civil e sem o seu acompanhamento objetivo dos contextos políticos específicos de cada um dos parceiros da região.

7.5.

O CESE subscreve a proposta da Comissão de que os mecanismos de execução do financiamento da UE devem proporcionar uma base clara para defender o espaço cívico e para responder a ameaças imediatas ao mesmo. O investimento na educação cívica, um ambiente mais propício, infraestruturas da sociedade civil e ações conjuntas seriam cruciais para alcançar este objetivo. Uma resposta eficaz à diminuição do espaço cívico poderia passar pela aplicação do princípio do desempenho, recentemente introduzido, ao apoio à ação da sociedade civil. Em vez de simplesmente retirar dotações a um país cujo desenvolvimento democrático recua, os fundos poderiam ser reafetados enquanto apoio à sociedade civil, com vista a combater o retrocesso democrático no mesmo país (42).

7.6.

As instituições da UE podem aproveitar os recursos da sociedade civil local e recorrer à ajuda das delegações da UE na região para mobilizar os cidadãos dos parceiros dos Balcãs Ocidentais, dando-lhes a oportunidade de aderirem às plataformas em que os cidadãos da UE debaterão durante a Conferência sobre o Futuro da Europa. Permitir a participação dos jovens e/ou dos cidadãos dos Balcãs Ocidentais nos eventos à escala europeia da Conferência sobre o Futuro da Europa destinados aos cidadãos seria um investimento significativo no capital social da região, aumentando a sensibilização no terreno nos Balcãs Ocidentais para os assuntos da UE e para a sua pertinência para os respetivos países. Estabeleceria igualmente contactos interpessoais entre a UE e a região e melhoraria a capacidade destes cidadãos mais bem informados para controlar as suas elites políticas em questões associadas ao processo de integração na UE (43).

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2020) 57 final (5.2.2020), Reforçar o processo de adesão — Uma perspetiva credível de adesão à UE para os Balcãs Ocidentais; COM(2020) 641 final (6.10.2020), Um Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais; COM(2020) 660 final {SWD(2020) 350 final} — {SWD(2020) 351 final} — {SWD(2020) 352 final} — {SWD(2020) 353 final} — {SWD(2020) 354 final} — {SWD(2020) 355 final} — {SWD(2020) 356 final} (6.10.2020), Comunicação de 2020 sobre a política de alargamento da UE.

(2)  Declaração de Zagrebe, 6 de maio de 2020.

(3)  No presente parecer, em conformidade com a terminologia utilizada no CESE, os conceitos de «sociedade civil» e «organizações da sociedade civil» incluem os parceiros sociais (ou seja, empregadores e sindicatos) e os demais intervenientes não estatais (ver Parecer do Comité Económico e Social Europeu «A coesão económica e social e a integração europeia dos Balcãs Ocidentais — desafios e prioridades» (JO C 262 de 25.7.2018, p. 15).

(4)  COM(2020) 57 final (5.2.2020).

(5)  Conclusões do Conselho sobre o alargamento e o Processo de Estabilização e de Associação — República da Macedónia do Norte e República da Albânia, 25.3.2020.

(6)  Cvijic, Srdjan, Kirchner, Marie Jelenka, Kirova, Iskra e Nechev, Zoran, «From enlargement to the unification of Europe: Why the European Union needs a Directorate General Europe for future Members and Association Countries» [Do alargamento à unificação da Europa: em defesa de uma Direção-Geral da Europa para os futuros membros e países associados na União Europeia], Open Society Foundations, 2019.

(7)  Stratulat, Corina e Lazarević, Milena, «The Conference on the Future of Europe: Is the EU still serious about the Balkans?» [A Conferência sobre o Futuro da Europa: Quais são as intenções da UE em relação aos Balcãs?], documento de reflexão do Centro de Política Europeia (CPE), Bruxelas, 2020.

(8)  Stratulat et al.,op. cit., 2019, p. 113.

(9)  Stratulat e Lazarević, op. cit., 2019.

(10)  COM(2019) 640 final (11.12.2019), Pacto Ecológico Europeu

(11)  SWD(2020) 223 final {COM(2020) 641 final} (6.10.2020), «Guidelines for the Implementation of the Green Agenda for the Western Balkans accompanying the Economic and Investment Plan for the Western Balkans» [Orientações para a execução da Agenda Verde para os Balcãs Ocidentais que acompanha o Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais].

(12)  Declaração final do 7.o Fórum da Sociedade Civil dos Balcãs Ocidentais — 16 e 17 de abril de 2019, Tirana, Albânia.

(13)  «Conclusions of the High Level Conference on Economic and social cohesion in the Western Balkans» [Conclusões da Conferência de Alto Nível sobre a Coesão Económica e Social nos Balcãs Ocidentais] — 15 de maio de 2018, Sófia, Bulgária.

(14)  Contributo do CESE para a Cimeira UE-Balcãs Ocidentais, de 6 de maio de 2020 (publicado em 28.4.2020).

(15)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 114.

(16)  Ver também o Parecer do Comité Económico e Social Europeu «A coesão económica e social e a integração europeia dos Balcãs Ocidentais — desafios e prioridades» (JO C 262 de 25.7.2018, p. 15), e o Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA III)» (JO C 110 de 22.3.2019, p. 156).

(17)  Stratulat et al.,op. cit., 2019.

(18)  Sondagem encomendada pelo Fundo Europeu para os Balcãs em outubro de 2020, enquanto recurso para o Grupo Consultivo sobre a Política de Integração dos Balcãs na Europa (BiEPAG), e realizado nos seis países da região, com base numa amostra representativa a nível nacional composta, no mínimo, por 1 000 inquiridos com idade superior a 18 anos, através de entrevistas telefónicas e em linha.

(19)  Stratulat, Corina, Kmezić, Marko, Tzifakis, Nikolaos, Bonomi, Matteo, e Nechev, Zoran, «Between a rock and a hard place: Public opinion on integration in the Western Balkans» [Entre a espada e a parede: A opinião pública sobre a integração dos Balcãs Ocidentais], Grupo Consultivo da Política dos Balcãs na Europa (BiEPAG), 2020.

(20)  Balfour, Rosa e Stratulat, Corina (ed.), «EU member states and enlargement towards the Balkans» [Os Estados-Membros da UE e o alargamento aos Balcãs], documento de análise n.o 79 do CPE, Centro de Política Europeia, Bruxelas, 2015, p. 234.

(21)  COM(2018) 65 final (6.2.2018), Uma perspetiva de alargamento credível e um maior empenhamento da UE nos Balcãs Ocidentais.

(22)  Stratulat et al., op. cit., 2020, p. 5.

(23)  Richter, Solveig e Wunsch, Natasha, «Money, power, glory: the linkages between EU conditionality and state capture in the Western Balkans» [Dinheiro, poder, glória: as ligações entre a condicionalidade da UE e a captura do Estado nos Balcãs Ocidentais], Journal of European Public Policy 27(1), 2020, p. 41-62.

(24)  COM(2018) 65 final (6.2.2018).

(25)  Stratulat et al., op. cit., 2020, p. 7.

(26)  Stratulat e Lazarević, op. cit., 2019.

(27)  COM(2020) 641 final (6.10.2020), Um Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais

(28)  COM(2020) 660 final {SWD(2020) 350 final} — {SWD(2020) 351 final} — {SWD(2020) 352 final} — {SWD(2020) 353 final} — {SWD(2020) 354 final} — {SWD(2020) 355 final} — {SWD(2020) 356 final} (6.10.2020), Comunicação de 2020 sobre a política de alargamento da UE

(29)  Bonomi, Matteo e Reljić, Dušan, «The EU and the Western Balkans: so near and yet so far» [A UE e os Balcãs Ocidentais: tão perto e, todavia, tão longe], comentário da Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP), SWP, 2017.

(30)  Stratulat et al., op. cit., 2019, p. 113, e Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Contributo da sociedade civil para a agenda verde e o desenvolvimento sustentável dos Balcãs Ocidentais no âmbito do processo de adesão à UE» (parecer de iniciativa) (JO C 429 de 11.12.2020, p. 114).

(31)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu «A coesão económica e social e a integração europeia dos Balcãs Ocidentais — desafios e prioridades» (JO C 262 de 25.7.2018, p. 15).

(32)  Idem.

(33)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 114.

(34)  Idem.

(35)  Matkovic Puljic, Vlatka, Jones, Dave, Moore, Charles, Myllyvirta, Lauri, Gierens, Rosa, Kalaba, Igor, Ciuta, Ioana, Gallop, Pippa, e Risteska, Sonja, «Chronic coal pollution EU action on the Western Balkans will improve health and economies across Europe» [Poluição crónica por carvão — A ação da UE nos Balcãs Ocidentais melhorará a saúde e as economias em toda a Europa], Bruxelas, Aliança para a Saúde e o Ambiente, 2019, p. 18.

(36)  Ver, por exemplo: European Western Balkans, «Sarajevo and Belgrade among the most polluted world capitals» [Saraievo e Belgrado entre as capitais mais poluídas do mundo], 13 de janeiro de 2020; Bateman, Jessica, «The young people fighting the worst smog in Europe» [Os jovens que lutam contra o pior smog da Europa], BBC, 2 de julho de 2020.

(37)  Straulat e Lazarević, op. cit., 2019.

(38)  Entre muitos outros, alguns bons exemplos dessa cooperação podem ser observados na Estratégia da UE para a Região Adriática e Jónica (EUSAIR), na Estratégia da UE para a Região do Danúbio (EUERD), na rede de cidades da Eslovénia, da Croácia e do Sudeste da Europa CIVINET Slo-Cro-SEE, na rede de desenvolvimento rural dos Balcãs (RDRB), no Fórum de Investimento das Câmaras de Comércio e Indústria dos seis países dos Balcãs Ocidentais (WB6 CIF) e no conselho sindical regional Solidarnost

(39)  COM(2020) 57 final (5.2.2020), Reforçar o processo de adesão — Uma perspetiva credível de adesão à UE para os Balcãs Ocidentais

(40)  Orientações para o apoio da UE à sociedade civil nos países do alargamento (2014-2020)

(41)  BCSDN [Rede para o Desenvolvimento da Sociedade Civil dos Balcãs], «Background Analysis of the Enlargement Package 2020: Should Civil Society Be Satisfied with Just Being Acknowledged?» [Análise contextual do Pacote Alargamento 2020: Deve a sociedade civil contentar-se com um simples reconhecimento?], outubro de 2020.

(42)  BCSDN [Rede para o Desenvolvimento da Sociedade Civil dos Balcãs], «Feedback on the Consultation of CSOs in the Preparation of IPA III» [Informações sobre a consulta das organizações da sociedade civil para a elaboração do IPA III], 22 de abril de 2020.

(43)  Stratulat e Lazarević, op.cit., 2020, p. 7.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/98


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Banco Central Europeu «Resolver o problema dos empréstimos não produtivos na sequência da pandemia de COVID-19»

[COM(2020) 822 final]

(2021/C 220/15)

Relator:

Kęstutis KUPŠYS

Consulta

Comissão Europeia, 24.2.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do TFUE

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

10.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

246/2/11

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a apresentação do novo plano de ação da Comissão (comunicação) sobre os empréstimos não produtivos (NPL, na sigla em inglês), mas lamenta a ausência, no essencial, de novas propostas adaptadas à realidade da pandemia de COVID-19, deixando a Europa enfrentar um período extraordinário com regras pensadas para tempos normais. Como tal, o CESE recomenda que se abordem, prioritariamente, as causas profundas dos empréstimos não produtivos, a fim de evitar a sua acumulação no futuro, e propõe igualmente uma revisão cuidadosa e uma adaptação temporária da definição de incumprimento, assegurando uma «aterragem suave» para os agregados familiares e as empresas europeus. O CESE observa que, na atual crise da COVID-19, a política monetária e orçamental e a regulamentação do setor financeiro devem ser coerentes com os tempos em que vivemos.

1.2.

É primordial tratar as causas profundas dos NPL. O CESE salienta que as medidas mais eficazes para evitar a acumulação de elevados volumes de NPL pelos agregados familiares e pelas PME passam por esforços permanentes de reforço da competitividade, por focar a atenção na continuidade das atividades e na recuperação económica, pela construção de sistemas de segurança social sólidos, pelo combate à pobreza, ao sobreendividamento e ao desemprego, pela garantia de salários adequados e pela aplicação de medidas de política económica anticíclicas em tempos de crise. Através destas medidas, é possível preservar e reforçar a estabilidade do mercado financeiro e a resiliência económica, combatendo simultaneamente a pobreza e as desigualdades abismais.

1.3.

O CESE defende que os NPL «pré-COVID-19» devem ser tratados de forma muito diferente em relação aos NPL «pós-COVID-19» (provocados pela crise da COVID-19), devido às circunstâncias completamente diferentes antes e depois de março de 2020. Por conseguinte, o CESE propõe que se proceda a uma revisão cuidadosa, orientada e estritamente temporária das orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA) sobre a definição de incumprimento. O CESE recomenda igualmente que as orientações da EBA em matéria de empréstimos em moratória permaneçam em vigor pelo tempo necessário.

1.4.

O CESE apela para que as medidas de apoio às instituições de crédito sejam acompanhadas de medidas de apoio dos governos aos mutuários que só ficaram em situação de dificuldade devido à pandemia. Entre as medidas que importa aplicar nesta situação incluem-se os diferimentos de pagamentos com prazos de vencimento de um a três anos, as bonificações de juros, a reestruturação da dívida para formas de crédito menos onerosas e as moratórias sobre reembolsos de empréstimos, sempre que possível. O CESE é favorável a este processo de resolução interna.

1.5.

O CESE não vê necessidade de criação de um mercado de NPL transfronteiras à escala da UE. Por conseguinte, manifesta-se preocupado com os planos relativos à concessão de um «passaporte» operacional à escala da UE aos agentes de cobrança de dívidas sem que haja uma supervisão adequada nos países «de origem» e «de acolhimento». Tal medida só seria justificada se existisse, em contrapartida, um conjunto de medidas que ajudassem a proteger os mutuários em situação de dificuldade — uma norma de proteção dos consumidores à escala da UE aplicável aos agentes de cobrança de dívidas.

1.6.

Outro dos pilares do plano de ação está relacionado com a proposta de um mecanismo acelerado de execução extrajudicial das garantias reais, que está estritamente limitado aos empréstimos a empresas e só é aplicável se as partes tiverem alcançado previamente um acordo voluntário aquando da celebração do contrato de empréstimo. O CESE observa que esse mecanismo pode constituir uma solução equilibrada para os devedores, mas solicita que não se torne uma opção de base nos contratos de empréstimo.

1.7.

O CESE desaconselha vivamente a fusão da questão dos NPL, que reflete um fenómeno generalizado na economia, com questões relacionadas com a preservação da estabilidade financeira. A fim de manter a integridade moral e operacional do setor bancário, estas duas questões devem ser tratadas separadamente.

1.8.

O CESE defende que a opção de vender NPL às sociedades de gestão de ativos (SGA, coloquialmente designadas «bancos maus») deve continuar a ser uma exceção e que se deve privilegiar acordos de resolução bilaterais entre a instituição de crédito e o mutuário, devendo a solução, neste caso, centrar-se na continuidade das atividades empresariais e na recuperação económica. O CESE salienta a probabilidade de qualquer recurso à «recapitalização cautelar» financiada através de fundos públicos desviar fundos públicos destinados a outros objetivos sociais e económicos mais úteis. O CESE salienta igualmente a necessidade de que qualquer utilização de medidas cautelares se faça de forma altamente responsável, a fim de evitar riscos morais e os resgates de bancos à custa da sociedade através da utilização de dinheiros públicos.

1.9.

À luz da situação atual, em que as empresas potencialmente viáveis podem enfrentar dificuldades de pagamento, apesar da sua solvabilidade «pré-COVID-19», o CESE propõe uma revisão cuidadosa das orientações da EBA sobre a definição de incumprimento, que poderia dar aos devedores que ficaram em situação de dificuldade devido à pandemia de COVID-19 a oportunidade de recuperarem, antes de os seus empréstimos serem considerados não produtivos. No entanto, o CESE salienta que tais alterações devem ser estritamente temporárias, não devem interferir com a identificação e a comunicação de informações pormenorizadas e precisas dos riscos de crédito pelos bancos e devem ser efetuadas à luz da necessidade fundamental de assegurar a estabilidade e a solvabilidade do setor bancário.

1.10.

O CESE recomenda, de modo geral, que os requisitos de fundos próprios — incluindo o regulamento relativo ao mecanismo de salvaguarda para empréstimos não produtivos — sejam mantidos firmemente em vigor. Deste modo, os bancos terão plena capacidade de suportar perdas e diminuirão a probabilidade de futuras intervenções públicas (como a «recapitalização cautelar») e de resgates bancários à custa do contribuinte. No entanto, poderia ponderar-se aplicar uma flexibilidade temporária na definição de incumprimento e no mecanismo de salvaguarda para empréstimos não produtivos, a fim de atenuar os efeitos da crise da COVID-19.

2.   Contexto

2.1.

O plano de ação da Comissão Europeia sobre empréstimos não produtivos (NPL), anunciado em dezembro de 2020 (1), visa evitar uma futura acumulação de NPL em toda a União Europeia resultante da crise da COVID-19. Um empréstimo torna-se não produtivo quando é improvável que seja reembolsado, ou quando o mutuário atinge um atraso de pagamento de 90 dias. Devido à pandemia, o Banco Central Europeu (BCE) prevê que, num cenário grave de uma recuperação muito mais fraca e lenta, o montante dos NPL detidos pelos bancos da área do euro poderá atingir «1,4 biliões de euros» (2).

2.2.

Em julho de 2017, publicou-se o Plano de ação para combater os créditos não produtivos na Europa (3), que nos anos seguintes contribuiu para travar e inverter a acumulação de NPL nos bancos. Seguiu-se uma comunicação sobre a realização da União Bancária (4).

2.3.

Em março de 2018, a Comissão Europeia apresentou uma proposta legislativa (5) destinada a impulsionar o desenvolvimento do mercado secundário de NPL na UE. A proposta de diretiva deverá ajudar os bancos a vender facilmente as suas carteiras de NPL a investidores terceiros em qualquer parte do território da UE. A proposta introduz igualmente um procedimento de execução extrajudicial denominado «mecanismo acelerado de execução extrajudicial das garantias reais». A proposta de diretiva está sujeita a evoluções, embora ambas as questões tenham sido tratadas separadamente em atos legislativos distintos.

2.4.

A Comissão reagiu rapidamente ao surto de COVID-19, adotando medidas destinadas a ajudar o setor bancário a fazer face à acumulação esperada e iminente de NPL. O pacote bancário adotado em abril de 2020 já permitiu prestar um apoio substancial a curto prazo (6) ao setor bancário, nomeadamente prevendo regras sobre a forma como os bancos avaliam o risco de um mutuário não ter capacidade de reembolsar o empréstimo, ou regras prudenciais para a classificação dos NPL e o tratamento contabilístico dos atrasos nos reembolsos. Os bancos também têm vindo a beneficiar de importantes medidas de apoio à liquidez (o programa de compras de emergência por pandemia do BCE (7) e a flexibilização das condições para operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas, TLTRO III, em março de 2020). Agora, é hora de refletir sobre os níveis de solvabilidade das empresas europeias.

2.5.

O pacote paralelo de recuperação dos mercados de capitais reforçou o apoio ao setor bancário, eliminando os obstáculos regulamentares à titularização (8) dos NPL.

2.6.

Nos últimos meses, o setor bancário europeu beneficiou de medidas de desagravamento regulamentar e de apoio à liquidez destinadas a salvaguardar a estabilidade financeira e económica e a apoiar os agregados familiares e as empresas europeus. Consequentemente, o setor bancário continuou a conceder empréstimos aos seus clientes, não se tendo verificado qualquer contração do crédito.

2.7.

Os Estados-Membros adotaram igualmente medidas decisivas, com regimes de apoio para atenuar as dificuldades de liquidez que afetam os agregados familiares e as empresas. Esses regimes envolvem, normalmente, regimes de garantia pública e/ou diferimentos de pagamento («moratórias»). Tais medidas ajudam os mutuários com problemas de liquidez temporários e previnem um aumento imediato dos NPL. A Comissão adotou igualmente um quadro temporário para permitir que os Estados-Membros utilizem toda a flexibilidade prevista nas regras em matéria de auxílios estatais para apoiar a economia no contexto do surto de COVID-19.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE constata que o atual plano de ação da Comissão (comunicação) segue e reitera medidas idênticas às já contidas no plano de 2017, carecendo, no essencial, de novas propostas adequadas aos tempos de COVID-19, deixando a Europa enfrentar um período extraordinário com regras pensadas para tempos normais. O CESE defende que os NPL «pré-COVID-19» devem ser tratados de forma muito diferente em relação aos NPL «pós-COVID-19» (provocados pela crise da COVID-19) devido às circunstâncias completamente diferentes existentes antes e depois de março de 2020. Como tal, o CESE recomenda que se proceda a uma revisão cuidadosa e a uma adaptação estritamente temporária da definição de incumprimento da EBA, a fim de evitar a classificação automática dos devedores como estando em situação de incumprimento, de atenuar os efeitos pró-cíclicos do regulamento em vigor e de assegurar uma «aterragem suave» para os agregados familiares e as empresas europeus.

3.2.

A pandemia fez diminuir a procura e o consumo, gerando preocupação nas PME quanto à possibilidade de encontrar clientes. Embora as PME não identifiquem atualmente, nos inquéritos do BCE (9), o acesso a financiamento como o seu problema mais urgente, todas as dificuldades que as PME enfrentam devem ser tidas em conta no combate aos NPL.

3.3.

O CESE defende sistematicamente (10) uma redução socialmente sustentável dos NPL, preservando simultaneamente a estabilidade financeira (11). Em tempos de COVID-19, este objetivo é agora mais importante do que nunca. Ao contrário do que aconteceu há uma década durante a crise financeira de 2008-2009, o atual aumento esperado de NPL não terá sido causado pelo setor financeiro ou por qualquer outra categoria específica de intervenientes no sistema económico, mas também não é imputável à «economia real», nem aos governos nem aos cidadãos europeus. A intervenção dos reguladores a nível da UE e dos governos dos Estados-Membros através de instrumentos adequados é extremamente importante.

3.4.

Embora reconheça que o desenvolvimento de mercados secundários para os NPL apresenta certas vantagens, o CESE manifesta preferência por acordos de resolução bilaterais entre a instituição de crédito e os mutuários viáveis. Embora seja possível reduzir os volumes de NPL nos balanços dos bancos através de vendas a compradores de créditos, isto não significa que as vendas de NPL sejam a melhor solução do ponto de vista do mutuário ou da sociedade no seu conjunto. As vendas de NPL devem ser uma solução de último recurso.

3.5.

É primordial tratar as causas profundas dos NPL. O CESE salienta que as medidas mais eficazes para evitar a acumulação de elevados volumes de NPL pelos agregados familiares e pelas PME passam por sistemas de segurança social sólidos, pelo combate à pobreza, ao sobreendividamento e ao desemprego, pela garantia de salários adequados e pela aplicação de medidas de política económica anticíclicas em tempos de crise, reforçando simultaneamente a produtividade e a competitividade da economia europeia e focando a atenção na continuidade da atividade empresarial e na recuperação económica, com base num quadro regulamentar claro e atualizado que dê visibilidade aos investimentos a longo prazo. Através destas medidas, é possível preservar e reforçar a estabilidade do mercado financeiro e a resiliência económica, combatendo simultaneamente a pobreza e as desigualdades. A este respeito, o CESE recomenda que as orientações da Autoridade Bancária Europeia em matéria de empréstimos em moratória continuem a ser seguidas enquanto se revelarem necessárias e preconiza uma revisão cautelosa, específica e estritamente limitada no tempo da definição de incumprimento.

3.6.

Na opinião do CESE, o plano de ação reflete a lógica subjacente de que, atualmente, os bancos funcionam como uma infraestrutura essencial de uma economia europeia baseada nos fluxos monetários e de que a saúde e a estabilidade do setor bancário são condições prévias indispensáveis para a recuperação económica. Como referido na sua comunicação a este respeito (12), «uma das principais prioridades da Comissão é garantir que os bancos continuam a providenciar apoio aos cidadãos e às empresas da Europa». Neste contexto, o CESE salienta o papel decisivo do BCE na salvaguarda da estabilidade dos bancos e da disponibilidade de crédito, observando que a economia europeia está a beneficiar de medidas que visam assegurar uma resposta à procura solvente de empréstimos.

3.7.

O CESE observa que faltam, em parte, dados fiáveis sobre os NPL e que continua a haver muita incerteza quanto ao futuro da vacinação contra a COVID-19, quanto às mutações do vírus SARS-CoV-2 (variantes da COVID-19), às medidas de confinamento e à recuperação económica. O CESE salienta a importância da qualidade dos dados para avaliar adequadamente a dimensão do problema e identificar as empresas viáveis. O CESE recomenda, por conseguinte, prudência e a adoção de medidas capazes de reerguer rapidamente a economia europeia, como as que visem apoiar as pequenas empresas e assegurar salários adequados e sistemas de segurança social sólidos. O CESE salienta que os depósitos do setor bancário aumentaram consideravelmente (13), o que revela o grande potencial de procura dos consumidores nos meses seguintes ao levantamento das restrições de confinamento.

3.8.

Resta saber de que forma as empresas e as famílias «sujeitas a uma pressão financeira significativa devido à pandemia» (14) podem ser ajudadas pelos bancos («os bancos continuam a providenciar apoio aos cidadãos e às empresas» (15)) no âmbito da resposta ao problema do aumento dos NPL. As alterações propostas ou a flexibilização regulamentar não estão atualmente subordinadas à concessão de empréstimos bancários às PME solventes ou aos agregados familiares. O CESE lamenta que, com exceção do setor bancário, o plano de ação da Comissão preveja poucas medidas novas para ajudar os agentes económicos em dificuldade. Face ao choque económico externo que torna muitos trabalhadores e empresas ainda mais dependentes dos empréstimos, as medidas de apoio e atenuação destinadas aos bancos devem visar o reforço da concessão de empréstimos a PME e agregados familiares solventes. Ao mesmo tempo, as autoridades devem estabelecer salvaguardas adequadas para prevenir a concessão irresponsável de empréstimos e o subsequente sobreendividamento.

3.9.

O CESE recomenda que se reconheça a sociedade civil no seu conjunto como parte interessada no domínio da regulamentação dos mercados financeiros. No que diz respeito ao combate aos NPL na sequência da pandemia, em particular, os NPL têm vários impactos, afetando também, por exemplo, os interesses dos trabalhadores na respetiva qualidade de devedores, trabalhadores em empresas endividadas ou trabalhadores do setor financeiro ou contribuintes (particularmente pertinente em caso de utilização de fundos públicos no combate aos NPL).

3.10.

O CESE não vê necessidade de criação de um mercado de NPL transfronteiras à escala da UE, apesar de o setor bancário estar a evoluir progressivamente rumo a uma União Bancária à escala da UE. É extremamente questionável que as operações transfronteiriças dos compradores de crédito produzam vantagens económicas tangíveis também para o sistema económico em geral e não apenas para os bancos, os compradores e os gestores de créditos (embora seja certo que estes últimos podem, indubitavelmente, beneficiar de economias de escala).

3.11.

Neste contexto, o CESE sublinha igualmente que a repartição do risco pode não conduzir a uma redução do risco. Pelo contrário, a crise dos mercados financeiros de 2008-2009 ensinou-nos que tal pode resultar numa acumulação de riscos não transparente na economia. O CESE preconiza que o objetivo de todas as medidas de incentivo ao setor financeiro seja desencorajar os intervenientes no mercado de assumir demasiados riscos.

3.12.

Ao mesmo tempo, o CESE salienta que as empresas, os agregados familiares, os trabalhadores e a sociedade civil da Europa necessitam de recursos e de todo o apoio para fazer face à crise, pelo que a UE deve propor tais medidas de apoio. Essa assistência deve estar disponível durante um período de até três anos (de acordo com o pacote de medidas de estímulo do Instrumento Próxima Geração UE) para apoiar as empresas e os mutuários considerados saudáveis e solventes antes da pandemia. Praticamente toda a população da Europa foi afetada pela crescente insegurança socioeconómica. As empresas enfrentam perturbações nas cadeias de abastecimento devido aos encerramentos forçados e à contração da procura, enquanto as famílias são confrontadas com situações de desemprego e de quebra de rendimentos. O CESE entende que os cidadãos e as empresas europeus necessitam de medidas de uma natureza completamente diferente, e não claramente de uma aplicação acelerada do quadro relativo aos NPL que a Comissão propõe.

4.   Observações na especialidade

4.1.

A Comissão está convicta de que o acordo sobre a proposta de diretiva relativa aos gestores de créditos e aos compradores de créditos, que visa essencialmente criar um mercado secundário comum para os NPL, é uma prioridade absoluta. O CESE manifesta-se preocupado com os planos relativos à concessão de um «passaporte» operacional à escala da UE aos agentes de cobrança de dívidas sem uma supervisão adequada nos seus países «de origem» e «de acolhimento». Tal medida só seria justificada se existisse, em contrapartida, um conjunto de medidas que ajudassem a proteger os mutuários em situação de dificuldade — uma norma de proteção dos consumidores à escala da UE aplicável aos agentes de cobrança de dívidas. O CESE manifesta igualmente preocupação com o facto de a proposta de diretiva relativa aos gestores de créditos e aos compradores de créditos (16) impedir os Estados-Membros de adotar quaisquer requisitos diferentes ou adicionais aplicáveis aos gestores e compradores de créditos, mesmo que tais requisitos se destinem a proteger os devedores. Se a supervisão nos países de «origem» e de «acolhimento» for assegurada, se as regras de proteção dos consumidores forem respeitadas, se a EBA emitir orientações sobre boas práticas e se estiver prevista uma abordagem uniforme dessas atividades, a maior parte das questões aqui suscitadas terá sido resolvida. Tendo em conta estes argumentos, a fim de pôr em prática o passaporte operacional à escala da UE, as regras de proteção dos mutuários devem ser reforçadas para evitar os riscos acima referidos.

4.2.

O CESE observa que alguns compradores de créditos e agentes de cobrança têm má reputação — razão por que alguns compradores de créditos são designados «fundos abutres» — e sublinha que a criação de um «passaporte» operacional à escala da UE para os agentes de cobrança de dívidas sem uma supervisão adequada, tanto nos seus países de «origem» como nos países de «acolhimento», e sem uma aplicação oportuna e eficaz na UE de orientações adequadas sobre boas práticas pode levar a um comportamento empresarial inadequado desses compradores de créditos ou gestores de créditos, em detrimento dos mutuários em dificuldade. O CESE salienta igualmente a necessidade de assegurar que a proposta de diretiva relativa aos gestores e compradores de créditos não impeça os Estados-Membros de adotarem requisitos jurídicos adicionais para os gestores e compradores de créditos, assegurando assim que o princípio da sobrerregulação é devidamente respeitado neste caso.

4.3.

Além disso, sabe-se que alguns compradores de créditos estão implicados em casos de elisão fiscal. Por exemplo, na Irlanda, alguns deles estão registados como organizações de beneficência e quase não pagam impostos. O CESE insta a Comissão Europeia a intensificar os seus esforços para resolver o problema da elisão fiscal.

4.4.

Outro dos pilares do plano de ação está relacionado com a proposta de um mecanismo acelerado de execução extrajudicial das garantias reais, que está estritamente limitado aos empréstimos a empresas e só é aplicável se as partes tiverem alcançado previamente um acordo voluntário aquando da celebração do contrato de empréstimo. O CESE reconhece que os agregados familiares (os consumidores privados) estão excluídos deste procedimento e assinala a necessidade de um equilíbrio adequado entre o mecanismo acelerado de execução extrajudicial das garantias reais, a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho (17) e os processos de insolvência. O CESE observa que esse mecanismo pode constituir uma solução equilibrada para os devedores, mas solicita que não se torne uma opção de base nos contratos de empréstimo. Cabe assegurar que as empresas em dificuldade não ficam desamparadas e não perdem o acesso ao sistema judicial ordinário, assente no equilíbrio de poderes e resultante de uma longa tradição. Na opinião do CESE, os problemas de atraso sistemático na recuperação de garantias devem ser tratados país por país, mediante a realização de reformas bem elaboradas e através de intervenções direcionadas dos Estados-Membros quando persistam pontos de estrangulamento.

4.5.

O CESE aprova a declaração da Comissão segundo a qual «[…] os bancos devem ser incentivados, tanto quanto possível, a aplicar uma abordagem proativa para dialogar com os seus devedores numa fase precoce e construtivamente», pois tal evitará prejudicar as empresas viáveis e assegurará a continuidade das atividades empresariais. No entanto, o CESE insta a Comissão a apresentar medidas concretas para realizar este objetivo vital.

4.6.

O CESE congratula-se com a iniciativa que visa uma maior convergência dos diferentes quadros em matéria de insolvência na UE e observa que essa convergência é benéfica, não só para a atividade bancária, mas para todo o panorama empresarial na Europa em geral. Tal convergência não deve necessariamente estar ligada à questão dos NPL. Porém, cabe assinalar que esta medida não ajudará a curto prazo e não será de grande utilidade na sequência da crise da COVID-19. A certeza quanto às regras relativas aos direitos dos credores e dos devedores e uma maior harmonização dos procedimentos de retirada de garantias em todos os Estados-Membros permitirá reduzir os riscos e dar um novo impulso aos investimentos transfronteiriços e ao comércio interno. O CESE salienta que, aquando da reforma dos quadros em matéria de insolvência, deverá prestar-se a devida atenção aos mutuários.

4.7.

O CESE salienta que o mercado secundário para os NPL não ajuda em nada as empresas a prosperar, nem tão-pouco apoia o emprego ou permite a reabertura de empresas que fecharam. Para que as empresas retomem a atividade, as medidas específicas financiadas pelo Estado revestem-se de importância fundamental. O CESE considera que a concessão de crédito a uma economia que sofre de uma perda de produção sem precedentes devido a confinamentos provocados pela pandemia de COVID-19 é fundamental, mas que, sendo excessiva pode revelar-se insustentável.

4.8.

No entanto, a proposta que a Comissão apresenta — o mercado secundário pan-europeu e, em menor medida, o mecanismo acelerado de execução extrajudicial das garantias reais — suscita receios de que um mercado secundário único para os NPL na Europa abra caminho a abusos e deixe os clientes dos bancos à mercê dos «fundos abutres», a maioria dos quais não são originários da UE. O CESE recomenda mais transparência e a adoção de regras adequadas para assegurar a proteção dos consumidores contra abusos de gestores de créditos, de compradores de créditos ou de «fundos abutres».

4.9.

O CESE recomenda que não se conceda aos investidores em créditos e aos agentes de cobrança de dívidas um «passaporte» operacional a nível da UE se comprarem NPL de consumidores (clientes privados). Poder-se-ia igualmente estudar a possibilidade de uma eventual isenção das dívidas das microempresas.

4.10.

A ênfase na normalização dos dados sobre os NPL no conjunto da UE é bem-vinda, mas não é suficiente tendo em conta a envergadura da tarefa e, em princípio, não é muito pertinente. O CESE observa igualmente que não devem ser as instituições e os contribuintes da UE a suportar os custos da criação de mercados eficientes e da melhoria da normalização dos NPL com vista a facilitar a sua comercialização; estes custos devem ser suportados pelos próprios participantes no mercado como principais beneficiários da comercialização dos NPL. A transparência dos dados é necessária para assegurar que as vendas externas e internas (dentro dos grupos bancários) de NPL cumprem todas as normas internacionais de relato financeiro (NIRF) e são realizadas corretamente.

4.11.

As sociedades de gestão de ativos (SGA) a nível nacional, amplamente promovidas no documento da Comissão, também designadas coloquialmente por «bancos maus», poderão necessitar, e muito provavelmente necessitarão, de fundos públicos. Por conseguinte, o CESE exorta cada Estado-Membro a proceder a uma análise aprofundada da utilização de dinheiros públicos para a criação de tais SGA, em função da situação específica em cada Estado-Membro, respeitando simultaneamente as regras em matéria de auxílios estatais.

4.12.

O CESE desaconselha vivamente misturar a questão dos NPL, que reflete um fenómeno generalizado na economia, com questões relacionadas com a preservação da estabilidade financeira. A fim de manter a integridade ética e operacional do setor bancário, essas duas questões devem ser tratadas separadamente. O CESE considera que, mesmo que os problemas específicos de instituições financeiras se devam a uma sobrecarga de NPL no seu balanço, nada deve justificar o resgate de bancos não viáveis com fundos públicos, utilizando o modelo das SGA sob o pretexto de «limpar» os NPL duvidosos, e defende que a questão da gestão das crises bancárias deve ser gerida de modo global. O CESE solicita que a venda de NPL às SGA continue a ser uma exceção e que se dê preferência à retirada de tais empréstimos dos balanços dos bancos.

4.13.

Além disso, é fundamental que a Comissão impeça que os dinheiros públicos sejam utilizados para salvar repetidamente os interesses da banca privada. Resgatar um banco não deve ser visto como tendo valor intrínseco, e não deve ser esse o objetivo último das políticas económicas. A longo prazo, as repetidas campanhas de resgate dos bancos, que envolvem enormes quantidades de dinheiro público, podem criar um risco moral e perturbar o sistema de incentivos integrado na atividade bancária. Por conseguinte, o CESE desaconselha qualquer política que tenha como resultado «a privatização dos lucros e a socialização das perdas». Ao invés, os bancos deviam ser incentivados a resolver internamente os seus problemas ligados aos NPL e a gerir melhor as suas carteiras de empréstimos; qualquer tipo de apoio governamental implícito ou explícito não ajudará a resolver os problemas de balanço subjacentes. O CESE reconhece a existência do Fundo Único de Resolução, que é financiado através das contribuições das instituições de crédito. Conferir ao Fundo Único de Resolução uma dimensão correspondente a uma capacidade adequada impediria a utilização de fundos públicos para salvar os interesses da banca privada, dando assim resposta às preocupações relacionadas com «a privatização dos lucros e a socialização das perdas».

4.14.

O CESE apela vivamente para que se envidem esforços rumo à consecução da União Bancária, caracterizada por um setor bancário resiliente, suficientemente capitalizado e, sobretudo, autossuficiente. Há que encontrar um equilíbrio entre a partilha e a redução dos riscos. Deve ser evitado um impacto significativo nos orçamentos públicos e nos contribuintes em caso de crise, seja a nível nacional ou da UE. É necessário, portanto, aplicar requisitos mínimos sólidos para os fundos próprios e os passivos elegíveis (MREL) e medidas eficazes contra o branqueamento de capitais. Além disso, deve consagrar-se maior atenção à regulamentação do setor bancário paralelo. É necessário assegurar que o risco não seja transferido de operadores de mercados financeiros devidamente regulamentados para operadores menos regulamentados. Além disso, deve prestar-se atenção à regulamentação de qualquer atividade financeira não exercida por uma entidade regulamentada, seguindo o princípio de «mesmos riscos, mesma atividade, mesma regulamentação e mesma supervisão».

4.15.

Do ponto de vista da proteção dos consumidores, o objetivo das SGA é claramente maximizar a rendibilidade e a eficiência através da venda de empréstimos a investidores terceiros ou da execução das garantias, o que não parece compatível com a garantia da proteção adequada dos agregados familiares com empréstimos e a garantia de planos de reembolso viáveis e de um nível de vida mínimo. O CESE recomenda que as SGA integrem nas suas políticas objetivos sociais.

4.16.

O CESE manifesta preocupação com a probabilidade de qualquer recurso à «recapitalização cautelar» desviar fundos públicos destinados a objetivos sociais e económicos mais úteis. Como tal, a utilização da «recapitalização cautelar» deve continuar a ser uma exceção no contexto da pandemia de COVID-19. O CESE salienta igualmente a necessidade de que quaisquer medidas cautelares sejam utilizadas de forma altamente responsável, a fim de evitar os riscos morais e os resgates de bancos à custa da sociedade através da utilização de dinheiros públicos. Vale a pena mencionar que a estabilidade financeira é também um bem público e, por conseguinte, os reguladores e supervisores financeiros devem assegurar a existência de regras prudenciais sólidas para evitar pôr em perigo o bem público que é a estabilidade financeira.

4.17.

O CESE assinala a afirmação da comunicação segundo a qual o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) pode fornecer um apoio «a reformas destinadas a melhorar os quadros judicial, administrativo e de insolvência e necessárias à resolução eficiente do problema dos empréstimos não produtivos». Os fundos do MRR, como o afirma o Conselho Europeu, devem ser utilizados para «estimular o potencial de crescimento, a criação de emprego e a resiliência económica e social» (18). São necessárias mais explicações a fim de clarificar as intenções da Comissão no que se refere à relação entre o MRR e os empréstimos não produtivos e assegurar que o MRR não se desvie do seu objetivo inicial, designadamente, promover a transição ecológica e digital.

4.18.

Apesar dos objetivos do MRR aprovados pelos colegisladores, nenhuma medida do plano de ação da Comissão se destina às empresas em dificuldade na Europa — pequenas e grandes empresas, sociedades e empresas familiares. Além disso, o CESE assinala que a Comissão, na comunicação em apreço, não prevê quaisquer instrumentos que permitam aos consumidores com dificuldades de pagamento fazer face às despesas, sobreviver aos efeitos da pandemia e escapar à armadilha da pobreza. O CESE assinala ainda outros aspetos que necessitam de planos de ação específicos, como as pequenas e grandes empresas e as empresas familiares afetadas pela pandemia.

4.19.

O CESE recomenda a revisão dos seguintes regulamentos específicos:

4.19.1.

À luz da situação atual, em que muitas empresas potencialmente viáveis podem enfrentar dificuldades de pagamento, apesar da sua solvabilidade «pré-COVID-19», o CESE propõe uma revisão cuidadosa das orientações da Autoridade Bancária Europeia sobre a definição de incumprimento (p. ex., número de dias de atraso de pagamento antes de considerar um empréstimo como não produtivo; o valor atual líquido a partir do qual uma dívida restruturada tem probabilidade reduzida de ser paga; etc.), o que poderia dar a essas empresas a oportunidade de recuperarem antes de os seus empréstimos serem considerados não produtivos. No entanto, o CESE salienta que tais alterações devem ser estritamente temporárias e estar exclusivamente relacionadas com a pandemia de COVID-19 e não devem interferir com a identificação e a comunicação de informações pormenorizadas e precisas dos riscos de crédito pelos bancos, devendo os reguladores e as autoridades de supervisão ponderar qualquer alteração temporária à luz da necessidade fundamental de assegurar a estabilidade e a solvabilidade do setor bancário.

4.19.2.

O CESE recomenda que as orientações da EBA em matéria de empréstimos em moratória permaneçam em vigor pelo tempo necessário.

4.19.3.

Tendo em conta que os NPL são assim classificados sem consideração das razões subjacentes às dificuldades de pagamento, e atendendo a que é extremamente difícil determinar quais os mutuários em dificuldade que poderão realmente recuperar de forma célere quando a pandemia estiver sob controlo, o CESE recomenda que os requisitos de fundos próprios — incluindo o regulamento relativo ao mecanismo de salvaguarda para os créditos não produtivos, cujo calendário de provisionamento já prevê aumentos de capital muito graduais — sejam mantidos firmemente em vigor. Tal permitirá que os bancos sejam capazes de suportar perdas, quer relacionadas com a pandemia quer com outros fatores, e será um fator fundamental para reduzir a probabilidade de intervenções públicas e de resgates de bancos à custa dos contribuintes. No entanto, poderia ponderar-se aplicar uma flexibilidade temporária na definição de incumprimento e no mecanismo de salvaguarda para empréstimos não produtivos, a fim de atenuar os efeitos da crise da COVID-19. Além disso, tal poderia ajudar a evitar vendas precipitadas de NPL pelos bancos. Neste contexto, o CESE assinala as interrupções de funcionamento nos tribunais cíveis e outros atrasos nos processos cíveis registados em toda a Europa, e propõe que se tenha em conta esta situação.

4.19.4.

Para os bancos capazes de fornecer provas de uma forte ligação à economia real (uma parte significativa dos seus ativos associados a empresas não financeiras e aos agregados familiares), o CESE preconiza a possibilidade de conceder maior flexibilidade. Por outro lado, impõe-se a maior prudência no que toca às instituições financeiras sistémicas a nível mundial, que estão altamente interligadas com outros intervenientes nos mercados financeiros.

4.20.

O CESE defende que a Comissão proponha métodos fiáveis para garantir regras estritas que protejam os mutuários em dificuldade contra tratamentos injustos:

4.20.1.

O CESE apela para que as medidas de apoio às instituições de crédito sejam acompanhadas de medidas de apoio aos mutuários que só ficaram em situação de dificuldade devido à pandemia. Entre as medidas que importa aplicar nesta situação incluem-se os diferimentos de pagamentos com prazos de vencimento de um a três anos, as bonificações de juros, a reestruturação da dívida para formas de crédito menos onerosas e as moratórias sobre reembolsos de empréstimos, sempre que possível.

4.20.2.

No que diz respeito às vendas internas de NPL, em alguns casos, os veículos de finalidade especial podem obter lucros com a dívida do cliente no âmbito de um processo de cobrança de dívidas, mas o cliente permanece endividado. O CESE recomenda que a Comissão Europeia pondere ainda elaborar regras para assegurar que os direitos dos mutuários são protegidos e que o seu endividamento não aumenta na sequência de tais transações.

4.21.

O CESE mantém a opinião de que é necessário prever medidas globais para preservar um clima empresarial justo e seguro, velando, em especial, por dar resposta às necessidades dos mais vulneráveis. A competitividade das empresas europeias assenta, antes de mais, num mercado interno forte, na inovação permanente e num conjunto de regras previsíveis e socialmente responsáveis, baseadas na confiança entre os agentes económicos. O CESE manifesta-se contra qualquer iniciativa legislativa que trate os créditos não produtivos da mesma forma que qualquer outro produto. O CESE observa que tal não melhoraria o clima de confiança — pelo contrário, causaria mais danos. É imperativo salvaguardar um equilíbrio justo entre os direitos dos mutuários e dos credores.

4.22.

A pandemia de COVID-19 é apenas um de muitos choques externos. Muitos mais se seguirão ainda. As medidas estratégicas destinadas a conter os extensos danos causados por tais choques maciços devem assentar em princípios universais e que resistam ao teste do tempo. A UE esforça-se por se manter orientada para a economia social de mercado e reitera a sua promessa de não deixar ninguém para trás, reforçando simultaneamente a competitividade da economia europeia. O CESE apela vivamente para que os planos de ação e as iniciativas legislativas da Comissão tenham devidamente em conta estes princípios subjacentes.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  COM(2020) 822 final.

(2)  Discurso de Andrea Enria, presidente do Conselho de Supervisão do BCE, em 1 de outubro de 2020. Os NPL ascendiam a perto de 1 bilião de euros no final de 2016, o equivalente a 5,1 % do total dos empréstimos bancários. Com base nos dados de referência de 2019, a carteira de NPL, no valor de 1,4 biliões de euros, representaria cerca de 12 % do PIB da área do euro.

(3)  Conselho ECOFIN, Plano de ação para combater os créditos não produtivos na Europa, julho de 2017. https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2017/07/11/conclusions-non-performing-loans/

(4)  COM(2017) 592 final.

(5)  Diretiva relativa aos gestores de créditos, aos compradores de créditos e à recuperação de garantias reais [COM/2018/0135 final — 2018/063 (COD)].

(6)  COM/2020/169 final.

(7)  https://www.ecb.europa.eu/mopo/implement/pepp/html/index.en.html

(8)  COM(2020) 822 final e COM(2020) 283 final.

(9)  https://www.ecb.europa.eu/stats/ecb_surveys/safe/html/ecb.safe202011~e3858add29.pt.html

(10)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 32

(11)  As instituições financeiras deverão continuar a identificar e a comunicar a deterioração da qualidade dos ativos e a acumulação de NPL de acordo com as regras em vigor, de modo a manter uma imagem clara e precisa dos riscos no setor bancário, tal como indicado numa carta do BCE de 4 de dezembro de 2020. Além disso, o BCE alerta para o facto de que, de um ponto de vista prudencial, a existência de políticas e procedimentos sólidos em matéria de categorização e constituição de reservas é fundamental para assegurar uma gestão e uma cobertura adequadas do risco de crédito, incluindo a identificação e a gestão atempadas dos devedores em dificuldade.

(12)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_2375. Valdis Dombrovskis, vice-presidente-executivo de Uma Economia ao Serviço das Pessoas, confia em que a estratégia «contribuirá para a recuperação […] da Europa, ajudando os bancos a retirar estes empréstimos [NPL] dos seus balanços e a manter os fluxos de crédito».

(13)  O total dos depósitos das sociedades não financeiras na área do euro aumentou, apesar da pandemia, de 2,73 biliões de euros (março de 2020) para 3,12 biliões de euros (outubro de 2020). Os depósitos das famílias aumentaram de 7,85 biliões de euros para 8,21 biliões de euros durante o mesmo período (https://sdw.ecb.europa.eu).

(14)  Comissária da Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capitais, Mairead McGuinness, https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_2375

(15)  Ibid.

(16)  Ver o artigo 5.o, o artigo 11.o, nomeadamente o artigo 11.o, n.o 5, e o artigo 15.o, n.o 2, da proposta de diretiva.

(17)  JO L 172 de 26.6.2019, p. 18

(18)  https://www.consilium.europa.eu/pt/infographics/20201006-recovery-resilience-rrf/. Além disso, os fundos do MRR podem ser despendidos «em conformidade com as recomendações específicas por país do Semestre Europeu», devendo, pelo menos, 37 % dos recursos ser afetados à ação climática e à sustentabilidade ambiental e, pelo menos, 20 % à transição digital da UE.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/106


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a salários mínimos adequados na União Europeia»

[COM(2020) 682 final — 2020/310 (COD)]

(2021/C 220/16)

Relatoras:

Milena ANGELOVA e Cinzia DEL RIO

Consulta

Parlamento Europeu, 11.11.2020

Conselho, 10.11.2020

Base jurídica

Artigo 153.o, n.o 2, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

11.3.2021

Adoção em plenária

25.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

155/100/20

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia firmemente o objetivo salientado de a Europa assumir a liderança na transição de uma situação de fragilidade para um novo dinamismo, através da criação de oportunidades e de prosperidade, promovendo a inovação, o crescimento sustentável e a concorrência leal (1), a fim de estimular a convergência económica e social ascendente. O CESE concorda com os objetivos gerais de alcançar salários mínimos adequados e de reforçar os sistemas de negociação coletiva em toda a União Europeia (UE), tornar o trabalho compensador, combater a pobreza e reforçar o papel dos parceiros sociais e do diálogo social, em consonância com os sistemas nacionais de relações laborais.

1.2.

O CESE observa que a diretiva proposta contribuirá para os objetivos da União de promover o bem-estar dos seus povos, desenvolver uma economia social de mercado altamente competitiva (artigo 3.o do TUE) e promover melhores condições de vida e de trabalho (artigo 151.o do TFUE). Aborda igualmente os direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, como o direito dos trabalhadores a condições de trabalho justas e equitativas (artigo 31.o), e está em consonância com o princípio 6 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A Comissão Europeia salienta que a proposta não contém quaisquer medidas com impacto direto em matéria de remuneração e que, por conseguinte, o disposto no artigo 153.o, n.o 5, do TFUE é plenamente respeitado.

1.3.

O CESE concorda com os objetivos gerais da proposta e espera que a diretiva seja cuidadosamente elaborada, de forma consentânea com as tradições, a legislação e as práticas a nível nacional, e que as obrigações impostas deixem margem de manobra para adaptações ao contexto nacional. No CESE, as opiniões divergem quanto a determinados elementos da base jurídica da proposta. Apesar destas divergências de opinião, o CESE decidiu pronunciar-se sobre certos aspetos da proposta da Comissão.

1.4.

O papel do Estado na criação de condições favoráveis — tanto políticas como jurídicas —, apoiando e respeitando o papel dos sindicatos e das organizações de empregadores no diálogo social e na negociação coletiva, é reconhecido por diversas instituições internacionais e também salientado em vários pareceres do CESE. Os parceiros sociais devem ser autónomos, e as organizações de empregadores e os sindicatos devem ser protegidos de qualquer forma de restrição dos seus direitos de organização, de representação ou de ação coletiva. Ao mesmo tempo, o CESE reitera novamente a importância de ações conjuntas e de programas de desenvolvimento de capacidades a nível europeu e nacional, geridos diretamente pelos parceiros sociais europeus e nacionais.

1.5.

O CESE apoia o objetivo de aumentar a cobertura da negociação coletiva, de acordo com a legislação e as práticas nacionais e no pleno respeito, e cumprimento, da repartição de competências e da autonomia dos parceiros sociais. O CESE concorda com o objetivo de 70 % e considera que os planos de ação nacionais (artigo 4.o) poderiam desempenhar um papel fundamental na convergência ascendente dos salários e no estabelecimento de medidas e mecanismos mais adequados de fixação de salários, bem como no aumento da cobertura a nível nacional, visando nomeadamente reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres e ligada à idade e diminuir as desigualdades e a discriminação, nomeadamente no que toca aos jovens trabalhadores. O CESE recomenda que qualquer plano de ação nacional seja concebido pelos parceiros sociais e aprovado por meio de um processo tripartido.

1.6.

O CESE reconhece que, em países onde existe um sistema de negociação coletiva autorregulador, que assegura limiares salariais justos e adequados, juntamente com outras condições de trabalho acordadas, deve ser evitada qualquer intervenção do Estado, a fim de salvaguardar/preservar o bom funcionamento do sistema de relações laborais, que pode, por si só, assegurar a concretização dos objetivos fixados na diretiva proposta.

1.7.

O CESE considera que a representatividade dos parceiros sociais é um fator importante, pois assegura o seu mandato democrático. Existem diversos critérios que podem constituir boas práticas a considerar na elaboração dos planos de ação, em conformidade com a legislação e as práticas nacionais. Há vários fatores e critérios complexos que podem ser ponderados aquando da avaliação da representatividade dos parceiros sociais a nível nacional, tendo presente que variam consoante o Estado-Membro.

1.8.

O CESE apoia sistemas de fixação de salários bem desenvolvidos e sistemas de proteção social eficazes que proporcionem redes de segurança para as pessoas necessitadas, bem como outras medidas de prevenção da pobreza no trabalho. O CESE considera que a proposta de diretiva apenas estabelece o princípio geral de adequação dos salários, com base em valores de referência não vinculativos, calculados em função do salário mediano ou médio ilíquido ou líquido, e não prevê quaisquer medidas ou disposições específicas sobre a forma de fixar salários a nível nacional, uma vez que tal continua a ser uma competência exclusiva dos Estados-Membros. O CESE apoia a definição de indicadores vinculativos para orientar os Estados-Membros e os parceiros sociais na sua avaliação da adequação dos salários mínimos legais e na identificação e introdução de medidas pertinentes nos planos de ação nacionais.

1.9.

O CESE observa que o artigo 9.o da proposta de diretiva em apreço inclui disposições aplicáveis aos trabalhadores empregados no âmbito de contratos públicos e da subcontratação, instando os Estados-Membros a respeitarem os salários mínimos em todos os projetos adjudicados por contrato público. O CESE reitera o seu apelo para que os contratos públicos respeitem integralmente as convenções coletivas e para que se suspendam os acordos comerciais em caso de incumprimento das convenções fundamentais e atualizadas da OIT.

1.10.

O CESE recomenda que os relatórios apresentados pelos Estados-Membros sejam examinados e avaliados com a devida participação dos parceiros sociais no Comité do Emprego (COEM), podendo ser criado um subgrupo específico para o efeito, constituído por representantes dos governos nacionais, sindicatos e organizações de empregadores nacionais e europeus, bem como especialistas nomeados pela Comissão.

2.   Observações na generalidade

2.1.

O CESE concorda com os objetivos gerais de alcançar salários mínimos adequados e de reforçar os sistemas de negociação coletiva em toda a União Europeia (UE), tornar o trabalho compensador, combater a pobreza e reforçar o papel dos parceiros sociais e do diálogo social, em consonância com os sistemas nacionais de relações laborais. Um nível adequado de salário mínimo contribui para estimular a procura interna e o crescimento económico e desenvolver uma economia social de mercado altamente competitiva. Existem vários instrumentos de governação através dos quais a União Europeia (UE) e os Estados-Membros trabalham em conjunto para atingir esses objetivos, nomeadamente o Semestre Europeu. É essencial que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil participem de forma plena, estruturada e efetiva em todo o processo do Semestre Europeu, tanto a nível europeu como a nível nacional, a fim de aplicar as políticas económicas e sociais.

2.2.

O CESE observa que a diretiva proposta contribuirá para os objetivos da União de promover o bem-estar dos seus povos, desenvolver uma economia social de mercado altamente competitiva (artigo 3.o do TUE) e promover melhores condições de vida e de trabalho (artigo 151.o do TFUE). Aborda igualmente os direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, como o direito dos trabalhadores a condições de trabalho justas e equitativas (artigo 31.o), e está em consonância com o princípio 6 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A Comissão Europeia salienta que a proposta não contém quaisquer medidas com impacto direto em matéria de remuneração e que, por conseguinte, o disposto no artigo 153.o, n.o 5, do TFUE é plenamente respeitado.

2.3.

Há preocupações e opiniões divergentes no CESE no que diz respeito a determinados elementos da base jurídica da proposta (2). Apesar destas diferenças, o CESE pronuncia-se, no presente parecer, sobre diversos elementos incluídos na proposta da Comissão.

2.4.

O CESE manifesta preocupação com o facto de a proporção de trabalhadores em situação de pobreza ter aumentado de 8,3 % do total da população ativa da UE em 2007 para 9,4 % em 2018, com um impacto significativo nos jovens (28,1 % dos trabalhadores na faixa etária dos 16 aos 24 anos estão em risco de pobreza ou de exclusão social), nas mulheres, nas pessoas com antecedentes migratórios, nas pessoas com deficiências e nas pessoas à margem do mercado de trabalho. Estes grupos têm empregos mais precários e atípicos, com salários baixos e menor proteção social, o que terá impacto na sustentabilidade dos sistemas de proteção social a médio e longo prazo. Devem aplicar-se medidas e reformas direcionadas, a fim de proteger da pobreza os grupos marginalizados (3).

2.5.

O CESE recomenda a adoção de medidas para prevenir o risco de incumprimento, nomeadamente um aumento indesejável do número de trabalhadores não declarados que conduza à concorrência desleal, devendo estes aspetos ser acompanhados de perto e tratados na fase de execução da proposta.

3.   Observações na especialidade relativamente à proposta

3.1.   Vias e condições favoráveis para a promoção da negociação coletiva na fixação de salários

3.1.1.

A proposta de diretiva visa assegurar que os trabalhadores na UE são protegidos através de salários mínimos adequados que permitam uma vida digna onde quer que trabalhem e promover a negociação coletiva na fixação de salários e, em geral, na definição das condições de trabalho em todos os Estados-Membros (4). O CESE espera que a proposta de diretiva seja cuidadosamente elaborada de forma a respeitar as tradições nacionais estabelecidas neste domínio e a deixar margem de manobra para adaptações aos contextos nacionais no cumprimento das suas obrigações.

3.1.2.

Os parceiros sociais europeus apelaram várias vezes às instituições para que promovam ou criem, sempre que necessário, condições favoráveis e propícias para tornar o diálogo social e a negociação coletiva eficazes e capazes de responder aos desafios reais. A declaração quadripartida (5)«Um novo começo para o diálogo social» e as conclusões do Conselho de 16 de junho de 2016 instam os Estados-Membros a «apoiar a melhoria do funcionamento e da eficácia do diálogo social a nível nacional, que conduza à negociação coletiva e crie um espaço adequado para as negociações entre os parceiros sociais».

3.1.3.

O papel do Estado na criação de condições favoráveis, tanto políticas como jurídicas, é reconhecido por várias instituições internacionais. «O CESE reconhece que, para ser eficaz, o diálogo social tem de incluir: parceiros sociais representativos e legítimos com os conhecimentos, a capacidade técnica e um acesso atempado às informações pertinentes para que possam participar; a vontade política e o empenho em participar no diálogo social; o respeito pelos direitos fundamentais de autonomia dos parceiros sociais, de liberdade de associação e de negociação coletiva, que permanecem no centro das relações laborais, bem como um quadro jurídico e institucional facilitador que apoie os processos de diálogo social com instituições funcionais» (6). Alguns estudos indicam que, nos países em que o papel da negociação coletiva é bem reconhecido e totalmente apoiado e respeitado pelo Estado, as taxas de desemprego são mais baixas, a produtividade é maior e a convergência salarial é promovida (7). É também importante que os resultados dos processos de diálogo social proporcionem resultados tangíveis, tanto para os trabalhadores como para as empresas.

3.1.4.

As ações conjuntas e os programas de desenvolvimento de capacidades a nível europeu e nacional geridos diretamente pelos parceiros sociais europeus e nacionais são um instrumento eficaz para reforçar as capacidades no domínio do diálogo social e da negociação coletiva para sindicatos e organizações de empregadores sempre que necessário (8). O CESE recomenda que os programas e ações de desenvolvimento de capacidades sejam adequadamente apoiados e que os seus resultados sejam avaliados a fim de alcançar eficazmente os objetivos visados.

3.1.5.

O CESE recomenda que algumas disposições e alguns conceitos da proposta (9) sejam formulados com maior precisão, de modo a não deixar margem para incerteza e interpretações por parte do Tribunal de Justiça da UE (TJUE). O objeto e o âmbito de aplicação dos artigos 1.o e 2.o são válidos para todos os Estados-Membros, incluindo os países em que existe um sistema de negociação coletiva autorregulador.

3.1.6.

O CESE recomenda que qualquer plano de ação nacional que vise permitir a promoção da cobertura da negociação coletiva seja concebido pelos parceiros sociais e aprovado por meio de um processo tripartido. Tais planos devem também ser elaborados em plena conformidade com os princípios amplamente reconhecidos de liberdade de associação e da natureza voluntária da negociação coletiva, consagrados nas convenções da OIT. O CESE congratula-se com a abordagem equilibrada dos artigos 1.o e 3.o da Convenção n.o 131 da OIT sobre a fixação de salários mínimos (10). O CESE recomenda que as disposições da proposta de diretiva respeitem os princípios das Convenções n.os 87, 98 e 154 da OIT, a fim de salvaguardar a autonomia dos parceiros sociais, a possibilidade de recrutarem membros e os incentivos e direitos à negociação e celebração de convenções coletivas.

3.1.7.

O CESE apoia o objetivo de aumentar a cobertura da negociação coletiva, de acordo com a legislação e as práticas nacionais e no pleno respeito, e cumprimento, da repartição de competências e da autonomia dos parceiros sociais. A este respeito, o CESE apoia a promoção das capacidades dos parceiros sociais e promove as suas ações conjuntas para participar na negociação coletiva sobre a fixação dos salários e incentivar negociações construtivas, pertinentes e informadas nesta matéria (11). O artigo 4.o estabelece requisitos para a intervenção governamental na elaboração de quadros e planos de ação, e o CESE insiste que tal seja feito através de uma abordagem tripartida, em conformidade com a autonomia dos parceiros sociais e em cooperação com estes. Em alguns Estados-Membros, a cobertura das convenções coletivas é decidida pelos parceiros sociais, enquanto noutros Estados-Membros é a legislação ou a prática comum que prevê mecanismos para alargar as convenções coletivas, devendo tais diferenças ser respeitadas.

O CESE concorda com o objetivo proposto de 70 % e considera que os planos de ação nacionais, acordados e concebidos com os parceiros sociais, podem desempenhar um papel crucial na convergência salarial ascendente e no estabelecimento de mecanismos justos de fixação de salários a nível nacional, nomeadamente a fim de reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres e em função da idade. Também permitirão levar em consideração as práticas nacionais e melhorar os sistemas, se for caso disso. Esses planos de ação devem ser devidamente executados, avaliados, revistos e adaptados, com vista a aumentar gradualmente a cobertura da negociação coletiva a médio prazo. Em alguns países, estão em vigor mecanismos de alargamento de convenções coletivas destinados a aumentar a cobertura da negociação coletiva. No entanto, a utilização de mecanismos de alargamento é apenas uma das formas de promover a negociação coletiva e aumentar a cobertura, juntamente com ações conjuntas e ações de desenvolvimento de capacidades, medidas de combate a ações antissindicais, a proteção dos direitos das organizações sindicais e patronais de negociar coletivamente, a definição de critérios de representatividade acordados e o combate a todas as formas de discriminação, por exemplo. Estes elementos e propostas específicas devem ser tidos em consideração nos planos de ação nacionais, a par de outras iniciativas.

3.1.8.

No entanto, em países onde existe um sistema de negociação coletiva autorregulador, que assegura limiares salariais justos e adequados, juntamente com outras condições de trabalho acordadas, deve evitar-se qualquer intervenção do Estado, a fim de salvaguardar/preservar o bom funcionamento do sistema de relações laborais, que pode, por si só, assegurar a consecução dos objetivos fixados na diretiva proposta. Nestes países, no caso de a cobertura da negociação coletiva se situar abaixo de um determinado limiar, os planos de ação nacionais devem partir, em primeira instância, dos parceiros sociais e ser aprovados por estes.

3.2.

A proposta estabelece uma abordagem diferenciada que distingue entre os Estados-Membros com fixação de salário mínimo nacional e os Estados-Membros com fixação de salários por convenção coletiva. Tal distinção, ainda que amplamente utilizada pela OCDE, a Eurofound e outras instituições para fins académicos e de investigação, pode ser questionável quando utilizada no âmbito de qualquer exercício relacionado com a fixação de salários — por diversos motivos, sendo um deles o facto de, nalguns Estados-Membros em que a intervenção do governo se limita à oficialização das convenções negociadas pelos parceiros sociais, o salário mínimo não ser imposto pela legislação, mas sim por convenções.

3.3.   Negociação coletiva — definições e cobertura

3.3.1.

O CESE sublinha que a negociação coletiva é o instrumento mais eficaz para fixar salários — incluindo salários mínimos — adequados e bem adaptados, que são uma componente essencial da economia social de mercado. O artigo 3.o da proposta inclui algumas definições aplicáveis para efeitos da diretiva.

3.3.2.

O CESE considera que a representatividade dos parceiros sociais é um fator importante, pois assegura o seu mandato democrático. Existem diversos critérios que podem representar boas práticas a considerar a nível nacional, de acordo com as leis e práticas nacionais. Ao avaliar a representatividade dos parceiros sociais a nível nacional, podem ser tidos em consideração diversos fatores/critérios complexos, tendo em conta que variam consoante o Estado-Membro: o número de membros e a importância da presença no território a nível nacional; a capacidade de mobilizar os seus membros e de agir; o número de convenções coletivas celebradas a diversos níveis (setor/empresa, etc.); o número de representantes sindicais ou patronais eleitos; a afiliação a uma organização europeia de parceiros sociais (reconhecida pela Comissão); o reconhecimento pelo governo e a presença em estruturas ou órgãos nacionais/setoriais bipartidos/tripartidos de diálogo social, etc. O CESE apela para que o termo «organizações de trabalhadores» seja substituído pelo termo «sindicatos», já que o primeiro pode levar a interpretações erróneas e abrir a participação em negociações a outras formas não reconhecidas de grupos de interesses de trabalhadores ou mesmo a sindicatos «amarelos» dominados ou influenciados pelos empregadores.

3.3.3.

O CESE afirmou várias vezes que o diálogo social é parte integrante do modelo social europeu. Os parceiros sociais devem ser autónomos e as organizações de empregadores e os sindicatos devem ser protegidos de qualquer forma de restrição do seu direito de organização, de representação ou de ação coletiva. Essa circunstância é igualmente importante para os empregadores e sindicatos.

3.3.4.

O artigo 7.o da diretiva estabelece disposições sobre a participação e a consulta dos parceiros sociais no que diz respeito à determinação e atualização dos salários mínimos nacionais. Nos últimos anos, no contexto do Semestre Europeu, foram emitidas várias recomendações específicas por país em que se apela aos Estados-Membros para que assegurem a devida participação dos parceiros sociais neste processo. No Semestre Europeu de 2020-2021, doze Estados-Membros receberam recomendações específicas por país em que se aponta a necessidade de aumentar a participação e a apropriação dos parceiros sociais nos processos de decisão (12).

4.   Adequação

4.1.

Em resultado das crises económicas e da pandemia em curso, os dados indicam que houve uma estagnação geral dos salários e, em alguns países, até mesmo uma deterioração nos últimos anos. O CESE salienta que a negociação coletiva desempenha um papel fundamental na proteção de um salário mínimo adequado. Os países em que a cobertura da negociação coletiva é elevada tendem a registar, em comparação com outros países, uma menor proporção de trabalhadores com salários baixos, salários mínimos mais elevados em relação ao salário mediano, menos desigualdade salarial e salários mais elevados (13).

4.2.

O CESE apoia sistemas de fixação de salários bem desenvolvidos e sistemas de proteção social eficazes que proporcionem redes de segurança para as pessoas necessitadas, bem como outras medidas de prevenção da pobreza no trabalho. O CESE considera que a proposta de diretiva apenas estabelece o princípio geral de adequação dos salários, com base em valores de referência não vinculativos, calculados em função do salário mediano ou médio ilíquido ou líquido, e não prevê quaisquer medidas ou disposições específicas sobre a forma de fixar salários a nível nacional, uma vez que tal continua a ser uma competência exclusiva dos Estados-Membros. O CESE apoia a definição de indicadores vinculativos para orientar os Estados-Membros e os parceiros sociais na sua avaliação da adequação dos salários mínimos legais e na identificação e introdução de medidas pertinentes nos planos de ação nacionais. Com efeito, os salários são fixados por leis nacionais que preveem um salário mínimo nacional, nos casos em que estes existem, ou por negociação coletiva. Ao mesmo tempo, retirar mais pessoas da pobreza reduzirá os gastos públicos com regimes de proteção social. Os limiares de pobreza e os indicadores de exclusão social são usados a nível da UE para análises e recolhas de dados comuns, mas não existe atualmente nenhum indicador acordado a nível da UE para medir em termos absolutos a justiça e a adequação dos salários mínimos, conceitos cuja definição a proposta deixa ao critério dos Estados-Membros aquando da elaboração dos respetivos planos nacionais.

4.3.

Na fixação de salários por negociação coletiva de acordo com a legislação e as práticas nacionais, os parceiros sociais devem ter em conta elementos importantes como a competitividade, a produtividade, o desenvolvimento económico por setor, a gestão de competências, os novos processos de produção devido à introdução de novas tecnologias, a digitalização e a organização do trabalho diferente e mais flexível em determinados setores produtivos. Sublinhando a necessidade de convergência salarial ascendente, o CESE assinala que salários mais elevados significam também um aumento do consumo e, por conseguinte, da procura interna, com um impacto económico positivo, e que o aumento dos salários também conduz a receitas mais elevadas para os sistemas fiscais e de segurança social. Esses efeitos devem ser criteriosamente analisados.

4.4.

No entanto, a proposta de diretiva visa fixar um limiar indicativo a nível da UE como referência para os salários mínimos nacionais nos países em que estes existam. Tendo em conta que os salários são uma remuneração pelo trabalho efetuado, também podem ser considerados outros fatores, como o limiar de pobreza, um nível de vida minimamente digno e o custo de vida de cada país. Estes elementos são os principais fatores de base na fixação de salários mínimos nacionais e de salários acordados por convenção coletiva nos países da UE. Deve fazer-se uma distinção clara entre fixação do salário mínimo e aumentos salariais.

4.5.

Os critérios apresentados para a adequação dos salários mínimos, com exceção do poder de compra, dizem respeito à distribuição dos salários e à sua evolução e prendem-se com aspetos mais gerais sobre as desigualdades e não com a proteção dos trabalhadores mais vulneráveis. «Os salários mínimos devem ser justos em relação à distribuição dos salários nos diferentes países e o seu nível também deve ser adequado em termos de preços reais, de modo a permitir um nível de vida digno e, simultaneamente, salvaguardar a sustentabilidade das empresas que criam emprego de qualidade» (14).

5.   Contratação pública

5.1.

O artigo 9.o da proposta de diretiva em apreço inclui disposições aplicáveis aos trabalhadores empregados no âmbito de contratos públicos e da subcontratação, convidando os Estados-Membros a respeitarem os salários mínimos em todos os projetos adjudicados por contrato público. Em consonância com as Diretivas 2014/23/UE (15), 2014/24/UE (16) e 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (17), a disposição obriga todos os contratantes a cumprirem o nível de salário mínimo aplicável, seja ele nacional ou celebrado em convenções coletivas. Esta disposição está também em conformidade com algumas decisões do Tribunal de Justiça da UE, nomeadamente com o acórdão «Regiopost» de 2015 (Processo C-115/14) (18). No âmbito da contratação pública, os Estados-Membros têm a possibilidade de rejeitar propostas de contratantes que não se comprometam a pagar aos trabalhadores taxas de remuneração mínimas reguladas localmente ou acordadas coletivamente, conforme estabelecido no artigo 70.o da Diretiva 2014/24/UE e no artigo 3.o da Diretiva Destacamento de Trabalhadores (19). O CESE já apelou para que os contratos públicos respeitem integralmente as convenções coletivas e para que se suspendam os acordos comerciais em caso de incumprimento das convenções fundamentais e atualizadas da OIT. O CESE apelou também para a aplicação de sanções, incluindo a inelegibilidade para contratos públicos e financiamento público, contra as empresas que não respeitem as obrigações em matéria de dever de diligência decorrentes do instrumento obrigatório proposto sobre o dever de diligência (20).

6.   Acompanhamento e recolha de dados

6.1.

Já existe um número significativo de bases de dados e análises sobre salários mínimos e processos de negociação coletiva. A disponibilização de dados fiáveis e atualizados às instituições e aos parceiros sociais poderia ajudar a avaliar e a compreender melhor as tendências reais no momento de tomar decisões neste domínio. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a continuar a ajudar os Estados-Membros, em cooperação com os parceiros sociais, a melhorar continuamente a recolha de dados e a acompanhar a evolução dos salários mínimos nacionais (21).

6.2.

Em alguns Estados-Membros, as convenções coletivas são acessíveis e públicas e, nalguns casos, podem ser consultadas gratuitamente em sítios Web públicos, enquanto noutros Estados-Membros as convenções coletivas e a adequação dos níveis salariais são controladas e avaliadas pelos parceiros sociais e não pelas autoridades, e não são públicas. Embora apoie o delicado desenvolvimento da acessibilidade dos dados (que pode ser sensível no que toca à observância da autonomia dos parceiros sociais e das convenções e negociações coletivas, à proteção de dados, à concorrência leal e a outros domínios), o CESE manifesta preocupação com o possível aumento dos encargos administrativos, especialmente para as PME e para as empresas da economia social sem fins lucrativos, e apela para um equilíbrio entre o valor acrescentado decorrente da obrigação de informação anual muito pormenorizada e a necessidade de reduzir esses encargos tanto quanto possível, aquando da aplicação desta disposição a nível nacional, em particular no tocante à necessidade de partilhar informações sobre os trabalhadores abrangidos e não abrangidos, repartidos por género, idade, deficiência, dimensão da empresa e setor. É também necessária maior clareza sobre a necessidade de proporcionar uma distribuição, em decis, dos salários mínimos nos países que possuem uma abordagem baseada em convenções.

6.3.

O CESE recomenda que os relatórios apresentados pelos Estados-Membros sejam examinados e avaliados com a devida participação dos parceiros sociais no COEM, podendo ser criado um subgrupo específico para o efeito, constituído por representantes dos governos nacionais, sindicatos e organizações de empregadores nacionais e europeus, bem como especialistas nomeados pela Comissão.

6.4.

O CESE assinala a introdução, na diretiva, de cláusulas de não regressão fortes e insta o Parlamento a reforçar ainda mais alguns pontos fundamentais a este respeito, nomeadamente:

Excluir a possibilidade de, no futuro, interpretar a diretiva no sentido de pôr em causa o bom funcionamento dos sistemas de fixação de salários mínimos ou de convenções coletivas;

Excluir qualquer utilização de disposições da diretiva em detrimento da liberdade de associação ou da autonomia dos parceiros sociais;

Excluir a introdução de salários mínimos legais nos casos em que não existam, exceto mediante o acordo dos parceiros sociais;

Os mecanismos de fixação dos salários são uma prerrogativa nacional e nenhuma decisão das instituições da União Europeia deve ter por objetivo interferir diretamente com os mecanismos de fixação dos salários a nível nacional e das empresas, que continuam a ser uma prerrogativa dos parceiros sociais.

O CESE insta igualmente o Parlamento Europeu a vincar que nenhuma disposição da diretiva deve ser interpretada como restringindo ou prejudicando os direitos e princípios reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União ou pelo direito internacional e pelos acordos internacionais em que a União ou os Estados-Membros são partes, incluindo a Carta Social Europeia e as convenções e recomendações pertinentes da Organização Internacional do Trabalho.

A disposição também prevê que os Estados-Membros e os parceiros sociais possam introduzir disposições legislativas/regulamentares/administrativas ou aplicar convenções coletivas que sejam mais favoráveis para os trabalhadores. O CESE salienta também a necessidade de assegurar o cumprimento das convenções coletivas aplicáveis e uma aplicação eficaz, essenciais para garantir o acesso à proteção do salário mínimo e evitar a concorrência desleal para as empresas.

Bruxelas, 25 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Discurso sobre o estado da União proferido pela presidente Ursula von der Leyen na sessão plenária do Parlamento Europeu

(2)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159.

(3)  Salários mínimos adequados: perguntas e respostas.

(4)  COM(2020) 682 final, artigo 4.o, p. 26.

(5)  Declaração quadripartida.

(6)  JO C 10 de 11.1.2021, p. 14, ponto 1.3. Ver «OECD Job Strategy» [Estratégia para o Emprego da OCDE]; o estudo da Eurofound «Capacity building: towards effective social dialogue» [Reforço das capacidades: rumo a um diálogo social eficaz], 2019; e as Resoluções da OIT de 2013 e 2018 relativas ao debate recorrente em matéria de diálogo social

(7)  O papel dos sistemas de negociação coletiva no desempenho do mercado de trabalho

(8)  Recentemente, os parceiros sociais europeus declararam conjuntamente que serão desenvolvidos mais esforços no domínio do desenvolvimento das capacidades. No seu programa comum para 2019-2021, afirmaram que as atividades de desenvolvimento de capacidades continuam a ser uma prioridade para os parceiros sociais europeus. Reconhecem que, para que o diálogo social europeu tenha um impacto positivo, há ainda muito a fazer para reforçar e apoiar o diálogo social a todos os níveis. Ver também JO C 10 de 11.1.2021, p. 14, pontos 3.23 e 3.24.

(9)  Em especial no que toca ao respeito pelas competências dos parceiros sociais.

(10)  Ratificado por dez Estados-Membros, que possuem todos um sistema de salário mínimo nacional.

(11)  OCDE, «Job strategy 2018» [Estratégia para o Emprego 2018], p. 143 («Achieving higher convergence» [Alcançar uma maior convergência]).

(12)  Ver JO C 10 de 11.1.2021, p. 14, ponto 6.13, e panorâmica das recomendações específicas por país no domínio social relativas ao período 2021-2021

(13)  Base de dados AMECO em linha

(14)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.5.

(15)  JO L 94 de 28.3.2014, p. 1.

(16)  JO L 94 de 28.3.2014, p. 65.

(17)  JO L 94 de 28.3.2014, p. 243.

(18)  Processo C-115/14

(19)  Ver Convenção n.o 94 da OIT, JO C 429 de 11.12.2020, p. 197, e JO C 429 de 11.12.2020, p. 136

(20)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 197, ponto 6.4, e JO C 429 de 11.12.2020, p. 136, ponto 4.10.

(21)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 6.4.1.


ANEXO

O seguinte contraparecer foi rejeitado durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento):

1.   Conclusões

1.1

O CESE reconheceu, no seu recente Parecer SOC/632 «Salários mínimos dignos em toda a Europa», que a situação jurídica relativa a uma iniciativa da UE no domínio dos salários mínimos é altamente complexa. A UE pode adotar instrumentos jurídicos em matéria de condições de trabalho com base no artigo 151.o e no artigo 153.o, n.o 1, alínea b), do TFUE. O Tratado estabelece que as disposições do artigo 153.o não se aplicam à «remuneração». Por outro lado, a questão da remuneração como condição de trabalho fundamental já foi objeto de jurisprudência e de diretivas da UE em vigor. Existem opiniões claramente divergentes sobre esta matéria, e o CESE reconhece que a Comissão deverá adotar uma abordagem equilibrada e cautelosa (1), quando um número crescente de vozes insta a Comissão Europeia a utilizar uma recomendação do Conselho em vez de uma diretiva (2).

1.2

O CESE também afirmou que (3) é importante que qualquer ação da UE seja precedida de uma análise precisa e compreensão da situação, que tenha em consideração os pontos críticos em cada um dos Estados-Membros e respeite plenamente o papel e a autonomia dos parceiros sociais, bem como os diferentes modelos de relações laborais. Além disso, é essencial que qualquer iniciativa da UE proteja os modelos naqueles Estados-Membros cujos parceiros sociais entendam ser desnecessário fixar salários mínimos nacionais.

1.3

O CESE descreve em seguida as razões pelas quais a proposta da Comissão (4) relativa a salários mínimos adequados na União Europeia não segue a abordagem equilibrada e cautelosa e por que razão não pode ser considerada baseada numa análise rigorosa e no pleno respeito da autonomia dos parceiros sociais e dos diferentes modelos de relações laborais, tal como solicitado pelo CESE.

2.   Observações na generalidade

2.1

Os salários, incluindo os salários mínimos, são um aspeto importante do modelo de economia social de mercado da União Europeia. Garantir salários mínimos dignos em todos os Estados-Membros contribuiria para realizar uma série de objetivos da UE, nomeadamente uma maior convergência salarial, o fomento da coesão social e económica, a eliminação das disparidades salariais entre homens e mulheres, a melhoria das condições de vida e de trabalho em geral e a garantia de condições equitativas no mercado único. Os salários representam a remuneração por trabalho efetuado e constituem um dos fatores que garantem benefícios mútuos para empresas e trabalhadores. Os salários estão relacionados com a situação económica de um país, região ou setor. As mudanças podem ter impacto no emprego, na competitividade e na procura macroeconómica (5).

2.2

O CESE recorda o que já indicou (6) em anteriores trabalhos sobre o salário mínimo: as opiniões no CESE divergem. Alguns membros do CESE defendem que todos os trabalhadores na UE devem estar protegidos por um salário mínimo justo, que lhes permita um nível de vida digno onde quer que trabalhem. Outros membros do CESE consideram que a fixação de salários mínimos é uma questão de competência nacional, em conformidade com as especificidades dos respetivos sistemas nacionais.

2.3

O CESE afirmou anteriormente (7) que são necessários mais esforços em relação à convergência dos salários e à fixação de salários mínimos nos Estados-Membros, além de enfatizar que importa respeitar plenamente a competência e a autonomia dos parceiros sociais nacionais em relação aos processos de fixação de salários, em conformidade com as práticas nacionais (8). Estes esforços devem também visar o reforço da negociação coletiva, o que também contribuiria para salários mais justos em geral.

2.4

O CESE salienta que o nível do salário mínimo é um instrumento fundamental da política económica, que deve continuar a ser uma questão de decisão ao nível dos Estados-Membros, a fim de ter em conta de forma flexível a sua evolução política, económica e social.

2.5

Tal como a Comissão declarou no seu memorando explicativo das medidas propostas, os Estados-Membros onde a cobertura da negociação coletiva é extensa obtêm melhores resultados do que outros em termos de salários mais elevados e de menos trabalhadores com salários baixos. O CESE considera que o êxito de tais modelos de negociação coletiva pode ser explicado pelo facto de o Estado não estar envolvido na definição dos critérios de negociação coletiva nem na sua aplicação, e de os parceiros sociais terem plena responsabilidade e autonomia em relação a ambos.

Pandemia de COVID-19

2.6

Já no seu Parecer SOC/632, o CESE afirmou que a pandemia de COVID-19 atingiu duramente a Europa. A União Europeia e os seus Estados-Membros enfrentam uma recessão económica de proporções históricas, com consequências dramáticas para as pessoas e as empresas (9). Desde então, a situação agravou-se em vez de melhorar. O investimento das empresas continua a ser baixo.

2.7

Ainda não vimos toda a magnitude do impacto da crise da COVID-19 no emprego, mas é evidente que se espera que a crise atual leve a um aumento significativo do desemprego no próximo ano. A crise da COVID-19 enfraqueceu a situação financeira de muitas PME, tornando-as mais vulneráveis ao aumento dos custos. A situação é idêntica em toda a Europa.

Efeitos no emprego

2.8

O CESE já afirmou (10) que outro motivo de preocupação é o facto de uma política europeia em matéria de salário mínimo legal poder eventualmente ter efeitos negativos no emprego (11), especialmente no caso dos jovens e dos trabalhadores pouco qualificados, e agravar o incumprimento, o que também pode levar um grande número de trabalhadores que auferem salários baixos a passar para um regime de informalidade (12). O trabalho não declarado conduz a uma concorrência desleal, prejudica os sistemas sociais e fiscais e viola os direitos dos trabalhadores, nomeadamente o direito a condições de trabalho dignas e a salários mínimos. O CESE lamenta que a Comissão Europeia não tenha procedido a uma avaliação completa do impacto da sua proposta no emprego e na economia no seu conjunto. Atualmente, uma diretiva sobre salários mínimos é particularmente prejudicial, uma vez que as nossas economias e sociedades se veem confrontadas com o desafio sem precedentes da COVID-19.

3.   Observações sobre a proposta da Comissão

3.1    Base jurídica

3.1.1

De acordo com a proposta da Comissão (13), a base jurídica da proposta de diretiva é o artigo 153.o, n.o 1, alínea b), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

3.1.2

O CESE observa que o artigo 153.o, n.o 5, do TFUE exclui expressamente as remunerações, o direito sindical, o direito de greve e o direito de lock-out da competência legislativa da UE no domínio da política social. Por conseguinte, estas questões são inteiramente da competência nacional.

3.1.3

No CESE, houve opiniões divergentes quanto à legitimidade de uma iniciativa jurídica da UE, nos termos do artigo 153.o, especialmente uma diretiva (14). O CESE já afirmou (15) que as principais preocupações residem no facto de a UE não ter competência em matéria de «remuneração», nem em matéria de níveis salariais, e na circunstância de a sua ação poder interferir com a autonomia dos parceiros sociais e minar os sistemas de negociação coletiva, sobretudo nos Estados-Membros onde os limites mínimos salariais são estabelecidos pela via da negociação coletiva. Além disso, as opiniões divergem quanto ao valor acrescentado da ação da UE, incluindo no próprio Comité: embora a maioria dos membros do CESE considere que daí possa resultar um valor acrescentado, outros não concordam. Em todas as circunstâncias, e tendo em conta que a fixação de salários mínimos é uma competência nacional, a UE deve exercer os seus poderes legislativos com precaução em qualquer iniciativa legislativa, a fim de respeitar plenamente o princípio da subsidiariedade.

3.1.4

Além disso, no que diz respeito à base jurídica, outras disposições da proposta fazem referência aos direitos coletivos, como a promoção de convenções coletivas de diversas formas (artigo 4.o). O CESE observa que o artigo 153.o, n.o 1, alínea f), do TFUE cria uma base jurídica específica, sendo que abrange a representação e defesa coletiva dos interesses dos trabalhadores e das entidades patronais, incluindo a cogestão, sem prejuízo do disposto no n.o 5. A UE tem competência para legislar nesta base apenas com uma decisão unânime. O CESE considera que este artigo deveria ter sido utilizado para as disposições relativas à promoção da negociação coletiva.

3.1.5

Com base nas preocupações acima expostas, reforçadas pelo facto de, em muitos casos, a linguagem utilizada no título da proposta, no título de alguns artigos e no seu texto e preâmbulo não ser coerente com o verdadeiro âmbito de aplicação da proposta, a Comissão deve considerar a possibilidade de publicar uma recomendação em vez de uma diretiva. Tal proporcionaria aos Estados-Membros a flexibilidade necessária para alcançarem os objetivos da proposta, respeitando simultaneamente os seus sistemas de determinação dos salários e a autonomia dos parceiros sociais.

3.2    Objeto e âmbito de aplicação

3.2.1

O artigo 1.o estabelece que os trabalhadores devem ter «acesso à proteção salarial mínima», quer por lei quer por convenções coletivas. Nos termos do artigo 2.o, a diretiva seria aplicável aos trabalhadores que têm um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho conforme definido pela legislação, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor.

3.2.2

Nenhum Estado-Membro nem nenhum trabalhador está excluído do âmbito de aplicação da diretiva. Nos países que se baseiam exclusivamente na negociação coletiva e onde nem todos os trabalhadores são abrangidos por salários mínimos e, por conseguinte, não têm acesso garantido à proteção do salário mínimo, tal significa uma incerteza jurídica significativa e inaceitável. O CESE receia que a diretiva possa ser interpretada, também no que diz respeito aos países que recorrem exclusivamente à negociação coletiva, no sentido de garantir direitos a todos os trabalhadores, a fim de serem abrangidos pela proteção do salário mínimo. Na prática, apesar das garantias previstas no artigo 1.o, n.o 3, tal interpretação interferiria diretamente com a cobertura do salário mínimo nos Estados-Membros e incentivaria estes países a avançar no sentido de uma aplicação geral das convenções coletivas, o que comprometeria — e, a mais longo prazo, os obrigaria a mudar — os seus modelos de mercado de trabalho.

3.2.3

O CESE recomenda que algumas disposições e alguns conceitos da proposta (16) sejam formulados com maior precisão, de modo a não deixar margem para incerteza e interpretações por parte do Tribunal de Justiça da UE (TJUE). O objeto e o âmbito de aplicação dos artigos 1.o e 2.o são válidos para todos os Estados-Membros, incluindo os países em que existe um sistema de negociação coletiva autorregulador. Conforme acima referido, nos países que dependem exclusivamente da negociação coletiva, tal deixa margem para incerteza jurídica. Além disso, devem ser incluídos ajustamentos para alguns casos específicos, que devem ser excluídos do âmbito de aplicação da proposta — por exemplo, os marítimos — cuja fixação de salários está prevista em convenções internacionais (17).

3.3    Definições

3.3.1

O artigo 3.o da proposta não estabelece qualquer distinção entre salários mínimos nacionais e salários mínimos, ou antes patamares salariais mínimos, estipulados em convenções coletivas.

3.3.2

Embora compreenda que, nos sistemas de salários mínimos nacionais, são necessários critérios de adequação, definidos a nível nacional com a participação dos parceiros sociais, o CESE questiona o tratamento idêntico dado aos dois tipos de salários mínimos na proposta de diretiva. No caso dos sistemas baseados unicamente na negociação coletiva, a regulação da adequação dos salários mínimos viola a autonomia dos parceiros sociais.

3.3.3

O CESE recorda que os salários mínimos nos modelos baseados em convenções coletivas são determinados nas negociações entre empregadores e trabalhadores que abrangem também, de um modo mais geral, os salários e as condições de trabalho. Isto significa, por exemplo, que, nestas situações, a «adequação» é intrinsecamente equilibrada com outros interesses e outras partes da convenção coletiva, ao passo que os salários mínimos nacionais são exógenos.

3.4    Promoção da negociação coletiva na fixação dos salários

3.4.1

O artigo 4.o exige que os Estados-Membros tomem medidas para reforçar a capacidade dos parceiros sociais para participarem na negociação coletiva sobre a fixação de salários a nível setorial ou intersetorial. Propõe-se um limiar de 70 % para a cobertura da negociação coletiva.

3.4.2

O CESE salientou no seu parecer anterior (18) que o bom funcionamento dos sistemas de negociação coletiva, nomeadamente a negociação coletiva setorial, desempenha um papel crucial para garantir salários justos e adequados em toda a estrutura salarial, incluindo os salários mínimos nacionais, quando existam.

3.4.3

O CESE sublinha que é necessário garantir que cabe a cada Estado-Membro decidir, tendo em conta as condições nacionais, em conformidade com o respetivo sistema de relações laborais, em primeiro lugar, qual é o objetivo de cobertura adequado e, em segundo lugar, quais as medidas a tomar a nível nacional caso o nível desça abaixo do objetivo definido a nível nacional.

3.4.4

O CESE receia igualmente que o objetivo vinculativo proposto (cobertura de 70 %) enfraqueça os parceiros sociais a longo prazo, uma vez que, em alguns países, uma forma de alcançar esse objetivo seria introduzir um sistema de alargamento automático das convenções coletivas a todas as empresas e trabalhadores, reduzindo assim o papel dos parceiros sociais e enfraquecendo a negociação coletiva.

3.5    Adequação

3.5.1

O artigo 5.o, n.o 2, refere os critérios nacionais que os Estados-Membros devem utilizar na fixação dos salários mínimos nacionais. Estes critérios incluem, por exemplo, o poder de compra, a taxa de crescimento dos salários brutos e a evolução da produtividade do trabalho. O considerando 21 refere que os indicadores de 60 % do salário mediano bruto e 50 % do salário médio bruto, cumulativamente, servem de orientação para a avaliação da adequação dos salários mínimos em relação ao nível dos salários brutos. No entanto, esses indicadores prendem-se com aspetos mais gerais sobre as desigualdades e não com a proteção dos trabalhadores mais vulneráveis.

3.5.2

O CESE receia que, apesar das garantias dadas pela Comissão na exposição de motivos em contrário, a proposta tenha um impacto no nível do salário mínimo e, consequentemente, no nível da remuneração. Além disso, as declarações constantes da exposição de motivos clarificam que a diretiva deve permitir uma vida digna, reduzir a pobreza no trabalho e criar condições de concorrência mais equitativas. O CESE considera que estas disposições abordam o nível dos salários mínimos, o que agrava as suas preocupações quanto à validade da base jurídica e à escolha do instrumento jurídico.

3.6

O CESE observa que a proposta vai além do disposto no artigo 18.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24/UE relativa aos contratos públicos. Este artigo estabelece que os Estados-Membros devem assegurar que os operadores económicos cumprem as obrigações do direito laboral aplicáveis estabelecidas, nomeadamente, em convenções coletivas. No artigo 9.o da proposta, falta o termo «aplicáveis», o que dá a impressão de que, segundo este artigo, os salários acordados em convenções coletivas devem ser sempre exigidos nos contratos públicos. Tal suscita a questão de saber se a intenção da Comissão é ir além da Diretiva 2014/24/UE, estabelecendo sempre um salário consentâneo com uma convenção coletiva em todos os contratos públicos.

3.7    Monitorização e recolha de dados

3.7.1

O artigo 10.o exige que os Estados-Membros comuniquem, entre outros, dados sobre a cobertura da negociação coletiva e o nível dos salários mínimos. Os Estados-Membros devem igualmente assegurar que os acordos coletivos sejam transparentes e acessíveis ao público, tanto no que diz respeito aos salários como a outras disposições. Os salários mínimos serão então avaliados pela Comissão e pelo Comité do Emprego do Conselho, o COEM.

3.7.2

Nos modelos do mercado de trabalho baseadas exclusivamente na negociação coletiva, a adequação dos salários não é examinada pelo Estado ou por uma agência governamental. Estes acordos são geridos e interpretados exclusivamente pelos parceiros sociais. Seria inaceitável sujeitar a revisão os níveis salariais nas convenções coletivas. É igualmente questionável, no que diz respeito à autonomia dos parceiros sociais, obrigá-los a tornar os acordos acessíveis e transparentes de uma forma geral, tanto mais que os acordos só podem ser interpretados e revistos pelos parceiros sociais. O CESE recorda igualmente que as convenções coletivas nem sempre contêm níveis mínimos de salários ou patamares salariais mínimos. Além disso, as obrigações de comunicação são muito intensivas em termos de mão de obra e, em algumas partes, os requisitos em matéria de dados não são exequíveis.

Resultado da votação

Votos a favor:

106

Votos contra:

147

Abstenções:

17


(1)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, «Salários mínimos dignos em toda a Europa», https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/decent-minimum-wages-across-europe, ver ponto 6.1.2.

(2)  Nove Estados-Membros dirigiram uma carta às presidências alemã e portuguesa do Conselho da União Europeia sobre a necessidade da referida análise jurídica indicando que uma recomendação do Conselho seria um instrumento jurídico mais adequado e que a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais deve respeitar os limites dos Tratados da UE.

(3)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.11.

(4)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a salários mínimos adequados na União Europeia {SEC(2020) 362 final} — {SWD(2020) 245 final} — {SWD(2020) 246 final}.

(5)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, «Salários mínimos dignos em toda a Europa», https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/decent-minimum-wages-across-europe, ver ponto 1.4.

(6)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.2.

(7)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.3, e JO C 125 de 21.4.2017, p. 10

(8)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.3.

(9)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.1.

(10)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 3.4.8.

(11)  Com base no gráfico A12.9, p. 197, da avaliação do impacto da Comissão

(12)  Eurofound (2019) «Upward convergence in employment and socioeconomic factors» [Convergência ascendente no emprego e nos fatores socioeconómicos].

(13)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a salários mínimos adequados na União Europeia {SEC(2020) 362 final} — {SWD(2020) 245 final} — {SWD(2020) 246 final}.

(14)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.8.

(15)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 1.9.

(16)  Em especial no que toca ao respeito pelas competências dos parceiros sociais.

(17)  A Convenção do Trabalho Marítimo da OIT (OIT, CTM, 2006).

(18)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 159, ponto 3.3.10.


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/118


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Resiliência em matérias-primas essenciais: o caminho a seguir para mais segurança e sustentabilidade»

[COM(2020) 474 final]

(2021/C 220/17)

Relator:

Dumitru FORNEA

Correlator:

Michal PINTÉR

Consulta

Comissão Europeia, 23.9.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Plenária

28.10.2020

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

5.3.2021

Adoção em plenária

25.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

258/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A comunicação da Comissão Europeia representa um passo em frente, proporcionando um roteiro claro com iniciativas e ações a empreender a nível da UE, pelo que o CESE recomenda que o Parlamento Europeu e o Conselho apoiem esta abordagem para melhorar a resiliência da UE em matérias-primas essenciais.

1.2.

O CESE está convencido de que as medidas propostas pela Comissão podem contribuir para a segurança do aprovisionamento de matérias-primas essenciais, mantendo e desenvolvendo, assim, uma base industrial e tecnológica na UE. Podem igualmente promover capacidades fundamentais de investigação e desenvolvimento que nos permitam aplicar os ambiciosos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, assegurando, em simultâneo, novos empregos permanentes e dignos e uma transição justa nas comunidades afetadas pelas mutações industriais.

1.3.

O CESE apoia plenamente a transição ecológica do setor da energia e considera que a extração das matérias-primas necessárias à implantação de tecnologias ecológicas é um passo fundamental. Estas matérias-primas, que incluem, por exemplo, os metais e os minerais, são os elementos básicos da criação de infraestruturas sólidas para o fornecimento de hidrogénio ou de eletricidade ecológica. A geração de energias verdes e de vetores de energia verde permitirá a descarbonização da indústria extrativa e de transformação, criando, assim, uma situação vantajosa para todos.

1.4.

A exploração é uma atividade de alto risco, que aumenta significativamente os custos de capital. A redução do risco através de garantias de empréstimos e de regimes de amortização pode contribuir em grande medida para os investimentos. Outros incentivos financeiros são os créditos fiscais e os auxílios estatais. Estes mecanismos são amplamente utilizados na extração mineira e na transformação a nível mundial, mas não de forma generalizada na UE. Ainda assim, existe na Europa uma exceção (a Finlândia), que estabeleceu um apoio nacional sob a forma de fundos de risco. Há que dar início a iniciativas semelhantes a nível europeu.

1.5.

O CESE propõe que a UE parta das boas práticas, técnicas e tecnologias atuais para desenvolver um processo de autorização simplificado para as atividades mineiras. Existem, por exemplo, outras infraestruturas essenciais, tais como redes de energias renováveis e outras infraestruturas essenciais, que abriram caminho ao aumento da confiança em processos racionalizados. Um processo racionalizado não prejudica o resultado de nenhum processo de decisão, visando, antes, melhorar a oportunidade, previsibilidade e transparência dos processos de avaliação e autorização ambiental para os projetos de infraestruturas aplicados através deste método.

1.6.

O CESE considera fundamental a existência de instrumentos de financiamento adequados que facilitem a transição ecológica aos setores de extração e transformação de minério. Ao mesmo tempo, é fundamental investir (por exemplo, através do Horizonte 2020) na reciclagem de matérias-primas essenciais e estratégicas.

1.7.

O CESE já reconheceu a importância da circularidade para a economia da UE. É fundamental que a economia circular feche o ciclo dos materiais na Europa. Por conseguinte, a exportação de resíduos que contenham materiais valiosos e cuja transformação na UE poderia ajudar a reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa deve ser alvo de uma avaliação cuidadosa e ocorrer apenas quando se revelar útil em termos de sustentabilidade. Assim sendo, o CESE apoia uma revisão rápida e eficaz dos instrumentos existentes, tais como o Regulamento relativo a transferências de resíduos.

1.8.

O CESE considera que a proposta de cartografar o potencial aprovisionamento de matérias-primas essenciais secundárias a partir das existências e dos resíduos da UE constitui uma ação fundamental para melhorar a resiliência da UE em matérias-primas. Por conseguinte, solicita à Comissão que dê prioridade a tal exercício de cartografia, que deve ser realizado até final de 2021, e não até 2022, como previsto atualmente.

1.9.

O CESE considera necessário remover os obstáculos na legislação e nos regulamentos referentes à utilização interna e à exportação de matérias-primas secundárias. No entanto, há que acompanhar atentamente e aplicar as questões ambientais e de saúde e segurança no âmbito do comércio destes materiais em fluxos perigosos. É necessário encontrar um equilíbrio entre o rigor e a rapidez nos procedimentos, de modo a não dificultar a expedição, reciclagem e reutilização interna de matérias-primas secundárias. São muitos os exemplos em que as oportunidades de reciclagem são travadas por formalidades (1).

1.10.

O CESE salienta a importância de integrar novas dimensões na metodologia utilizada para a avaliação periódica da lista de minerais essenciais. Há que definir critérios adequados para verificar se as cadeias de abastecimento mundiais destes tipos de matéria-prima cumprem os princípios éticos, a fim de avaliar a «dimensão ética». Tais princípios devem contemplar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (2), os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (3), incluindo os direitos laborais fundamentais da OIT, a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que inclui as normas laborais fundamentais, e a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social (4), bem como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (5). Além disso, é necessário ter em conta a situação do comércio e do mercado mundial das matérias-primas, melhorando a avaliação das condições comerciais associadas a cada matéria-prima. A abordagem metodológica efetivamente aplicada à avaliação de barreiras comerciais é um indicador muito vago. Há que ter em melhor conta a existência de barreiras comerciais e oligopólios.

1.11.

O CESE salienta a necessidade de coordenação entre os sistemas nacionais de educação, formação, requalificação e certificação, com vista a reservar e atribuir capacidade suficiente para formar especialistas nos domínios que contribuem para reforçar a resiliência em matérias-primas essenciais e estratégicas. A UE deve melhorar a formação em linha de especialistas, em harmonia com a evolução acelerada da revolução digital, e proporcionar oportunidades profissionais aos que estão envolvidos na garantia do aprovisionamento e no tratamento de tais minerais, essenciais para o funcionamento das economias avançadas.

1.12.

No contexto das políticas destinadas a reforçar a resiliência em matérias-primas essenciais e estratégicas, o CESE assinala a importância da existência de capacidades tecnológicas e industriais na UE para substituir tais minerais em caso de escassez persistente. É necessário reforçar o papel das instituições europeias pertinentes no planeamento de investimentos significativos e constantes em programas de I&D, a fim de descobrir novos materiais e processos que assegurem uma substituição justificada.

1.13.

O CESE solicita à Comissão Europeia que tenha em conta, de forma convincente e respeitadora, as necessidades e ambições dos países em desenvolvimento fornecedores de matérias-primas, encorajando e apoiando as empresas que claramente operam com base no respeito dos interesses económicos, sociais e ecológicos de tais países e da respetiva população. A Comissão deve elaborar uma fórmula de «condições de concorrência em parceria» que promova a confiança, a perenidade, a segurança, a fiabilidade e o respeito mútuo, no interesse comum dos parceiros comerciais.

1.14.

O CESE salienta a importância de alargar a definição e o paradigma das matérias-primas essenciais. Convencionalmente, as matérias-primas essenciais têm sido entendidas como materiais provenientes principalmente do setor mineiro. Este âmbito é demasiado restrito e limita o crescimento das energias verdes. Atualmente, os materiais de madeira podem ser utilizados de forma eficiente em muito mais aplicações do que antes. Dos têxteis até às novas tecnologias de pilhas mais leves e mais ecológicas, este é um domínio em muito rápida evolução. A bioeconomia tem possibilidades únicas de reforçar a resiliência da economia da UE e a estabilidade geopolítica do nosso continente. A utilização de materiais renováveis contribuiria também para atenuar as alterações climáticas, na medida em que permite manter as emissões de origem fóssil no solo, criando resiliência ecológica aos setores fósseis.

2.   Contexto

2.1.

O setor das matérias-primas assegura cerca de 350 000 empregos na UE, mas existem mais de 30 milhões de empregos nas indústrias transformadoras a jusante que dependem de um acesso fiável e sem entraves às matérias-primas minerais. Em 2018, a dependência da UE das importações de metais variou entre 75 % e 100 %, dependendo do metal, sendo mais de metade das necessidades energéticas da UE satisfeitas por importações líquidas. Os preços das matérias-primas são extremamente voláteis e os recursos constituem a maior parcela dos custos de produção da indústria (6). Ainda assim, as indústrias da UE dependentes de matérias-primas geraram 206 mil milhões de euros de valor acrescentado (7).

2.2.

O Banco Mundial prevê que a procura de metais e minerais venha a aumentar proporcionalmente à ambição climática. A OCDE estima que a utilização global de matérias-primas duplicará até 2060. Calcula-se um aumento de 150 % da utilização de metais, dos 8 mil milhões de toneladas atuais para 20 mil milhões de toneladas em 2060. Além disso, a OCDE prevê que o aumento da utilização de matérias-primas e respetivos processos de extração e transformação irá muito provavelmente agravar a pressão sobre os recursos do planeta e comprometer os ganhos em termos de bem-estar, o que poderá causar problemas ambientais e sociais, poluição, perdas de biodiversidade e de solos, etc.

2.3.

A UE é responsável por menos de 5 % da produção mundial de matérias-primas minerais. A China produz, por si só, 66 % das baterias de iões de lítio, ao passo que a UE fornece menos de 1 %. A UE produz menos de 1 % das pilhas de combustível a nível mundial e apenas 1 % das matérias-primas destinadas à energia eólica (8). No que se refere às componentes fotovoltaicas, a China detém uma posição de quase monopólio. A UE fornece 1 % dos módulos fotovoltaicos à base de silício. Existem 44 materiais relevantes para a indústria robótica, dos quais a UE produz apenas 2 % e a China 52 %.

2.4.

O sucesso na transformação da economia da UE e a consecução dos objetivos climáticos da UE até 2030 e 2050 dependem da garantia de um aprovisionamento sustentável de matérias-primas essenciais e estratégicas. Os minerais, metais e materiais avançados são fundamentais para a energia limpa, as tecnologias ecológicas e a mobilidade. Sem eles, haverá um atraso na aplicação e na evolução das tecnologias limpas e digitais, bem como na execução da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. A UE deve agir no sentido de reduzir a dependência externa, de diversificar as cadeias de abastecimento e de investir em instalações de reciclagem. Se não for bem-sucedida, será posta em risco a sobrevivência dos empregos e das indústrias europeias.

3.   As ações da Comissão em matéria de matérias-primas

3.1.

Em 3 de setembro de 2020, a Comissão apresentou na sua Comunicação — Resiliência em matérias-primas essenciais: o caminho a seguir para mais segurança e sustentabilidade dez ações de apoio a um aprovisionamento seguro e sustentável de matérias-primas. A comunicação sublinha a importância de conseguir uma autonomia estratégica aberta na UE, através dos seguintes elementos: diversificação dos fornecedores extra-UE; redução da dependência extrema através da circularidade e eficiência dos recursos e da extração e transformação internas; aumento da capacidade de aprovisionamento interno; estabelecimento de cadeias de abastecimento resilientes para os ecossistemas industriais da UE; reforço do aprovisionamento sustentável e responsável; criação de uma Aliança Europeia das Matérias-Primas e de programas de I&D; aumento das oportunidades de financiamento; promoção das competências no domínio da mineração; reforço da capacidade de exploração; avaliação dos impactos ambientais; promoção do comércio internacional e das parcerias.

3.2.

Em 11 de março de 2020, a publicação da Comunicação da Comissão — Um novo Plano de Ação para a Economia Circular — Para uma Europa mais limpa e competitiva veio sublinhar a importância de criar um mercado para matérias-primas secundárias e de ter em conta o aprovisionamento responsável e a segurança do aprovisionamento de matérias-primas.

3.3.

Em 10 de março de 2020, a Comunicação da Comissão «Uma nova estratégia industrial para a Europa» sublinhou a importância de todas as cadeias de valor industriais na UE. O aprovisionamento seguro de energia limpa e acessível e de matérias-primas é um passo fundamental para a redução da pegada de carbono da indústria, acelerando, assim, a transição.

3.4.

Em 11 de dezembro de 2019, a Comissão divulgou a sua Comunicação — Pacto Ecológico Europeu, que constitui a nova estratégia de crescimento da UE para transformar a economia atual numa economia eficiente em termos de recursos, competitiva e climaticamente neutra. A comunicação realça a importância de uma segurança estratégica de acesso aos recursos, a fim de aplicar o Pacto Ecológico. A transição necessitará de um aprovisionamento sustentável de todas as matérias-primas necessárias às tecnologias limpas e digitais.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O CESE saúda e apoia os esforços e ações da Comissão Europeia no sentido de reforçar a segurança do aprovisionamento de matérias-primas. Os pareceres adotados nos últimos 15 anos pela Comissão Consultiva das Mutações Industriais do CESE, bem como o trabalho desenvolvido em conjunto com a Comissão sobre esta questão, confirmam o interesse e empenho da sociedade civil organizada da UE no desenvolvimento contínuo da Parceria Europeia para as Matérias-Primas.

4.2.

Neste contexto, cabe elaborar propostas e ações mais concretas para garantir a via para mais segurança e sustentabilidade prevista na comunicação da Comissão Europeia relativa às matérias-primas essenciais. Além disso, o CESE insta a Comissão a considerar adotar medidas apropriadas para todas as matérias-primas relevantes para a indústria e a economia da UE, a fim de evitar maiores dependências.

4.3.

A Iniciativa Matérias-Primas, lançada pela Comissão Europeia em 2008, abriu caminho a uma ação estruturada e coordenada a nível das instituições europeias relevantes, tanto para sensibilizar os cidadãos europeus para a necessidade de garantir a segurança do aprovisionamento de matérias-primas essenciais e estratégicas para as indústrias europeias, como para ações concretas a este respeito a nível da UE e dos Estados-Membros.

4.4.

A Plataforma Tecnológica Europeia sobre Recursos Minerais Sustentáveis (oficialmente reconhecida em 2008), a Parceria Europeia de Inovação no domínio das Matérias-Primas (2012), o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia — Matérias-Primas (2015), a Aliança Europeia para as Baterias (2017), a Aliança Europeia das Matérias-Primas (setembro de 2020) ou as atividades anuais no âmbito da Semana Europeia das Matérias-Primas constituem iniciativas bem-sucedidas da Comissão e instrumentos importantes da União Europeia no âmbito dos seus esforços sustentados para identificar as soluções tecnológicas, legislativas e administrativas necessárias à adoção de um plano de ação da UE sobre matérias-primas que seja coerente. No entanto, tais iniciativas poderiam ter sido intensificadas, e o CESE insta a Comissão a realizar avaliações rigorosas do trabalho, dos resultados e da eficácia das referidas plataformas e alianças e a apresentar-lhe os resultados de forma periódica (anual). Enquanto representante da sociedade civil, o CESE tem de saber se tal abordagem produz efetivamente resultados concretos rumo à consecução do objetivo da resiliência em matérias-primas.

4.5.

A comunicação da Comissão possui essencialmente uma perspetiva europeia, o que é muito compreensível, na medida em que a questão central é o aprovisionamento de matérias-primas para a economia europeia. No entanto, o CESE considera que a Comissão deve ter em conta as necessidades e os interesses dos cidadãos e das economias dos países de onde serão exportadas as matérias-primas para a Europa, especialmente quando da sua comunicação frequente sobre os «valores europeus», a «responsabilidade global» e os «Objetivos de Desenvolvimento Sustentável» a nível mundial. É igualmente importante considerar que os países terceiros do Espaço Económico Europeu são ricos em recursos minerais e que as estratégias para as matérias-primas, as parcerias estratégicas e o acesso a instrumentos financeiros para a transição ecológica do setor mineiro devem também ser disponibilizados a esses países.

4.6.

O objetivo de reforçar a resiliência da UE em matérias-primas essenciais e estratégicas está indissociavelmente ligado aos esforços da UE para manter uma base industrial e tecnológica sólida que acompanhe a revolução digital e os desafios mundiais das alterações climáticas e da proteção do ambiente. É fundamental que a UE seja bem-sucedida neste processo. O CESE já salientou que «[o]s painéis solares, os parques eólicos e as baterias são elementos essenciais para o novo paradigma industrial. No entanto, também requerem matérias-primas que são controladas pelos nossos concorrentes na cena internacional. A política industrial deve ser acompanhada de uma política comercial e externa firme que, por sua vez, garanta o acesso seguro a estes recursos» (9).

4.7.

As políticas no domínio das matérias-primas devem, a par de outras políticas, contribuir favoravelmente para assegurar o aprovisionamento das indústrias europeias, para satisfazer a procura de produtos e serviços da UE, para respeitar o ambiente, para limitar o impacto das atividades humanas no clima e para criar empregos dignos. Tais benefícios, económicos, ambientais e sociais, devem ser distribuídos uniformemente por toda a UE. É importante não se concentrar apenas nas matérias-primas classificadas «essenciais», segundo a metodologia proposta pela Comissão Europeia. Há que reconhecer a importância estratégica das matérias-primas que constituem parte essencial de muitas cadeias de valor de aprovisionamento e cujas exploração mineira e extração fornecem também matérias-primas essenciais.

4.8.

A procura constante e previsível de matérias-primas essenciais e estratégicas na UE é uma condição básica para o reforço das relações comerciais internas e mundiais e das cadeias de abastecimento. Uma vez que a procura de matérias-primas está a aumentar de forma constante, a UE deve também continuar a reforçar a sua capacidade de aprovisionamento a nível interno e internacional. A fiabilidade e a previsibilidade das cadeias de abastecimento são fundamentais para manter a produção industrial e as infraestruturas conexas nos Estados-Membros, sendo também uma condição prévia necessária para reforçar a resiliência da UE no que diz respeito às matérias-primas essenciais.

4.9.

A carência de matérias-primas essenciais e estratégicas é um dos indicadores que nos permite avaliar e estabelecer o tipo de capacidade de produção industrial da UE, bem como as necessidades de educação, formação, requalificação, aprendizagem ao longo da vida e certificação, que devemos manter na UE para enfrentar a concorrência a nível mundial e para evitar não só a dependência de certas matérias-primas, mas também a subordinação no campo da inovação, da investigação e do desenvolvimento tecnológico.

4.10.

A capacidade tecnológica e industrial para substituir matérias-primas essenciais é considerada fundamental para reforçar a resiliência, mas não é possível alcançá-la num curto período de tempo e sem um investimento significativo e constante em investigação e desenvolvimento para descobrir novos materiais. Em comparação com a evolução dinâmica na China, poderia afirmar-se que a resiliência da UE no que diz respeito às matérias-primas essenciais pode ser reforçada através da realização de projetos ambiciosos para interligar e modernizar as infraestruturas transeuropeias de transportes, energia e TIC. Tudo isto pode ser levado a cabo no contexto do Pacto Ecológico Europeu, o que permitiria manter a procura de tais matérias-primas na UE suficientemente elevada e, assim, estabilizar as cadeias de abastecimento a nível mundial, levando a um influxo de novos investimentos, não só nas indústrias que transformam estes materiais, mas também em programas de I&D para a substituição de matérias-primas essenciais.

5.   Observações na especialidade

5.1.

A comunicação da Comissão representa um passo em frente, proporcionando um roteiro claro com iniciativas e ações a empreender a nível da UE, pelo que o CESE recomenda que o Parlamento Europeu e o Conselho apoiem esta abordagem para melhorar a resiliência da UE em matérias-primas essenciais.

5.2.

Embora o investimento na extração mineira sustentável crie oferta, emprego e progresso económico, deve assegurar igualmente melhorias socioeconómicas e ambientais assentes na responsabilidade social das empresas. A preocupação principal é como alcançar um equilíbrio entre a promoção da extração mineira sustentável na Europa e a salvaguarda da aceitação pública. É fundamental sensibilizar os cidadãos.

O Pacto Ecológico Europeu, os objetivos climáticos para 2030 e 2050 e a procura de matérias-primas

5.3.

Uma economia limpa e circular promete reduzir a nossa dependência de materiais e energia importados, diminuir o impacto negativo da UE na saúde e no ambiente, desenvolver futuros modelos económicos e criar mais empregos locais. Ajudará também a melhorar a autossuficiência e a resolver os problemas de resiliência expostos pela pandemia de COVID-19 em relação às cadeias de abastecimento a nível mundial. O CESE já defendeu a adoção de uma estratégia clara para que a UE se torne «líder mundial na economia circular e nas tecnologias limpas, procurando descarbonizar as indústrias com utilização intensiva de energia» (10).

5.4.

A comunicação da Comissão não refere nem aborda a extração mineira marítima (11), nem contribui para mudar a perceção de que as indústrias extrativas não são ecológicas. Existem casos em que são ecológicas, graças a práticas mineiras sustentáveis.

5.5.

A Comissão indica que os resíduos mineiros são ricos em matérias-primas essenciais, podendo dar origem a novas atividades económicas. O que permanece por esclarecer é, no entanto, o nível de investimento necessário, bem como o nível de aceitação pública para essa ação. As oportunidades económicas decorrentes das matérias-primas essenciais presentes nos resíduos mineiros estão associadas não só aos locais de extração de carvão, mas também a outros minérios como o ferro, o zinco ou o níquel.

5.6.

O aumento da capacidade de reciclagem, extração e transformação de metais é fundamental para o desenvolvimento das tecnologias limpas e ecológicas necessárias à transição para a energia verde e, em maior medida, à transição para a indústria ecológica. A recuperação de materiais estratégicos e essenciais é fundamental, pelo que é necessário implantar tecnologias inovadoras para a triagem e o tratamento de resíduos. Há que promover e apoiar financeiramente ambas as vias de aprovisionamento interno da UE, nomeadamente a extração e a reutilização.

Lista de matérias-primas essenciais da UE — metodologia de avaliação

5.7.

Com base nos novos desenvolvimentos tecnológicos, deverá realizar-se uma revisão bienal da lista de matérias-primas essenciais na UE. A Comissão Europeia refere o acompanhamento das ações apresentadas na atual proposta. São necessárias avaliações de impacto intercalares, com a possibilidade de alterar/regulamentar.

5.8.

A Comissão realça na comunicação que a lista de matérias-primas essenciais periodicamente avaliada é também relevante na promoção de um aprovisionamento sustentável e responsável. Por conseguinte, os princípios éticos utilizados para a avaliação periódica desta lista devem ser reavaliados quanto ao cumprimento da DUDH (12), dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (13), incluindo os direitos laborais fundamentais da OIT, a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que inclui as normas laborais fundamentais, e a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social (14), bem como os ODS das Nações Unidas (15).

5.9.

É necessário ter efetivamente em conta, na metodologia para a avaliação periódica da lista de matérias-primas essenciais, os riscos de violação dos direitos humanos — incluindo as violações dos direitos humanos relacionadas com empresas em cadeias de valor mundiais (16) — ou de destruição ambiental nos potenciais países produtores. Por conseguinte, há que encontrar critérios apropriados e incluí-los na metodologia de avaliação. Este é um aspeto primordial, visto o comissário europeu da Justiça estar a elaborar uma diretiva vinculativa sobre o dever de diligência, a apresentar no primeiro semestre de 2021.

5.10.

As matérias-primas essenciais têm sido geralmente entendidas como materiais provenientes do setor mineiro, embora se trate de um conceito muito mais amplo. Por exemplo, os materiais de madeira podem ser utilizados de forma eficiente em muito mais aplicações do que antes: dos têxteis às novas tecnologias de pilhas mais leves e mais ecológicas, este é um domínio que tem evoluído muito rapidamente. Além disso, a bioeconomia oferece possibilidades únicas de reforçar a resiliência da economia da UE e a estabilidade geopolítica do nosso continente. A utilização de materiais renováveis contribuiria simultaneamente para atenuar as alterações climáticas e permitirá manter as emissões de origem fóssil no solo, criando resiliência ecológica aos setores fósseis.

Cartografia das matérias-primas da UE

5.11.

A proposta de cartografar o potencial aprovisionamento de matérias-primas essenciais secundárias a partir das existências e dos resíduos da UE constitui uma ação fundamental para melhorar a resiliência da UE em matérias-primas. Por conseguinte, a Comissão deve dar prioridade a tal exercício de cartografia, que deve ser realizado até final de 2021, e não até 2022, como previsto atualmente, dando a conhecer os dados existentes às partes interessadas e aos cidadãos.

5.12.

Dada a ausência de uma perspetiva geral e de informações sobre a disponibilidade de matérias-primas secundárias na UE, o seguimento dos materiais estratégicos e essenciais, setoriais e intersetoriais, deve ser realizado de forma prioritária, recorrendo também aos instrumentos digitais e de megadados.

Extração mineira, competências conexas e licença social de exploração

5.13.

As atividades de mineração e extração de matérias-primas são essenciais para a atenuação do risco de aprovisionamento, nomeadamente pelo fornecimento de materiais para a implantação de tecnologias e práticas agrícolas com baixa pegada carbónica, e para o aumento da resiliência das cadeias de valor da indústria transformadora. O setor dos minerais europeu pode assegurar a disponibilidade dos materiais essenciais necessários às tecnologias atuais e futuras no sentido de criar uma economia que seja climaticamente neutra, orientada para os serviços e para o bem-estar, circular e eficiente em termos de recursos, ao mesmo tempo que fornece matérias-primas de uma forma sustentável e responsável.

5.14.

Além disso, a extração mineira na Europa está a funcionar com as mais elevadas normas ambientais e sociais em comparação com países terceiros. A indústria europeia está empenhada em contribuir substancialmente para a atenuação das alterações climáticas, não só explorando continuamente métodos de descarbonização para satisfazer de forma eficiente e eficaz a procura crescente de recursos, mas permitindo igualmente que outras atividades económicas melhorem o seu desempenho ambiental.

5.15.

O facto é que há muito poucos exemplos de exportações de matérias-primas nos países em desenvolvimento que desencadeiem desenvolvimento económico e social sustentável, em benefício de amplas camadas da população. Pelo contrário, a situação está muitas vezes associada à exploração social e à poluição do ambiente, regra geral, em benefício de um punhado exclusivo de empresas.

5.16.

As matérias-primas devem não só servir para garantir a prosperidade económica da Europa, mas também constituir a base para um desenvolvimento económico sustentável, ou seja, compatível em termos sociais e ambientais, nos países de origem. Neste sentido, a UE deve ser mais proativa e apoiar claramente todos os esforços envidados pelas empresas que transitam da política anterior de garantia unilateral das matérias-primas mais baratas para uma nova abordagem de «parceria estratégica». Tal parceria estratégica deve ter em conta, de forma equitativa, as necessidades e interesses económicos, sociais e ecológicos tanto dos países fornecedores como dos países recetores das matérias-primas e apoiar e promover o desenvolvimento socioeconómico autónomo nos países de origem. Ao criar «condições equitativas de parceria», é possível alcançar um elevado nível de confiança, perenidade, segurança e fiabilidade nas relações comerciais assente no interesse comum e no respeito mútuo.

5.17.

É sempre necessário ponderar os problemas ambientais locais face aos benefícios que tais projetos poderiam trazer à resolução de problemas europeus e mundiais mais vastos em matéria de CO2, como, por exemplo, a procura crescente de cobre. A prioridade conferida a projetos de extração mineira na Europa deve ter em conta este equilíbrio, bem como as considerações económicas regionais.

5.18.

Não basta ter acesso às matérias-primas se a UE não dispuser de instalações de transformação de alta tecnologia. Segundo o comissário Thierry Breton, o objetivo para as matérias-primas essenciais é ter a capacidade de extração mineira e de refinação europeia operacional até ao início da próxima década, o que não é suficientemente ambicioso. Por conseguinte, o CESE recomenda que a UE promova o investimento imediato e incentivos comuns regulamentados para os investidores. Para acelerar a «autonomia estratégica» da Europa no que diz respeito às matérias-primas essenciais, deve ponderar-se a criação de uma parceria europeia (Horizonte Europa) ou um projeto importante de interesse europeu comum, que deve abranger toda a cadeia de abastecimento das matérias-primas essenciais: avaliação das fontes minerais domésticas, exploração mineira, fundição, transformação, reciclagem, reutilização para outros fins. Quanto às pilhas, o estabelecimento de uma cadeia de valor interna plenamente integrada das terras raras será fundamental para a consecução da dupla transição ecológica e digital.

5.19.

Estão a ser desenvolvidos na Europa quatro grandes projetos industriais de extração mineira e transformação sustentável, envolvendo quase 2 mil milhões de euros. Estima-se que cubram 80 % das nossas necessidades de lítio no setor das baterias até 2025. Estes projetos poderiam servir de inspiração em termos de cobertura de outras matérias-primas essenciais para as cadeias de valor europeias em muitos outros setores estratégicos.

5.20.

A indústria já está a recorrer à automação, à digitalização, à tecnologia das cadeias de blocos e à inteligência artificial, mas é necessário explorar a utilização do programa europeu Copernicus para identificar novos locais de matérias-primas essenciais e monitorizar a pegada ambiental. Além disso, o CESE já recomendou «a elaboração de um roteiro regulamentar da UE que aborde os desafios suscitados pela transformação digital do setor das matérias-primas e incida sobre temas como a cibersegurança, a inteligência artificial, a automatização, a governação a vários níveis e a mineração marítima e espacial» (17).

5.21.

É necessário desenvolver novos métodos de extração, recuperação e produção, que devem satisfazer as mais elevadas normas ambientais e sociais. A exploração dos recursos dentro dos aterros e das entulheiras da UE representa uma potencial fonte de matérias-primas essenciais. Entretanto, os peritos em matéria de ambiente estão a apelar para que as comunidades locais sejam envolvidas no processo de decisão sobre os futuros locais de extração mineira.

5.22.

As competências no domínio da mineração podem ser transferidas para a exploração de metais e minerais, possivelmente nas mesmas regiões. O Mecanismo para uma Transição Justa ajudará as regiões com utilização intensiva de carvão e carbono através do financiamento de infraestruturas sustentáveis, disponível no âmbito do Programa InvestEU. Ainda assim, é necessário haver tempo e incentivos para os investidores, bem como legislação para procedimentos de autorização mais rápidos (a solução poderia passar por um regulamento da UE). As normas sociais, ambientais e de sustentabilidade são requisitos fundamentais para todos os futuros projetos da UE.

5.23.

Uma das condições prévias fulcrais para a existência de políticas em matéria de incorporação de conteúdos locais eficazes para a criação de empregos em maior número, mais ecológicos e mais bem remunerados nos países ricos em minerais é a disponibilidade das competências e capacidades necessárias para satisfazer as exigências da indústria ao longo do ciclo de vida de uma mina. É também essencial desenvolver novos conjuntos de competências e adaptar os existentes para responder rapidamente às mudanças tecnológicas. Estudos recentes confirmaram o provável impacto das novas tecnologias na natureza dos empregos, salientando como, no setor mineiro, serão necessários novos conjuntos de competências não só para as profissões novas, mas também para as já existentes, uma vez que haverá, muito provavelmente, a necessidade de adaptar os atuais postos de trabalho operacionais à automatização. Há que evitar os despedimentos através do diálogo social, requalificando os trabalhadores e garantindo o seu acesso aos novos postos e empregos gerados pelas novas tecnologias e processos de reciclagem.

5.24.

A educação, formação, requalificação e certificação, que devem resultar de um diálogo social, são extremamente importantes para o futuro da indústria, e a aquisição das competências necessárias requer tempo e financiamento. Poderia ensinar-se determinadas disciplinas específicas, tais como geologia, metalurgia e mineração, incluindo no nível pós-secundário.

Investimentos

5.25.

A exploração é uma atividade de alto risco, que aumenta significativamente os custos de capital. A redução do risco através de garantias de empréstimos e de regimes de amortização pode contribuir em grande medida para os investimentos. Outros incentivos financeiros são os créditos fiscais e os auxílios estatais. Estes mecanismos são amplamente utilizados para a extração mineira e transformação a nível mundial, mas não na UE.

5.26.

Há que desenvolver e conceber um sistema eficiente de incentivos financeiros, a fim de apoiar as transições ecológicas na indústria dos resíduos. Além disso, cabe aplicar sanções à utilização abusiva de recursos valiosos presentes nos resíduos.

5.27.

O reforço das capacidades da UE para combater eficazmente as barreiras pautais e não pautais ao comércio, nomeadamente no domínio do dumping e da contratação pública, instauradas pelos nossos parceiros internacionais é essencial para assegurar condições de concorrência equitativas no domínio do comércio de matérias-primas.

5.28.

É necessário um investimento significativo em I&D na Europa, a fim de manter a liderança nas cadeias de valor mundiais. É importante acompanhar as demais potências económicas, o que exige uma coordenação estreita dos instrumentos no âmbito de diferentes políticas, incluindo a nova estratégia industrial e a política comercial da UE. A aplicação do Regulamento que estabelece um regime de análise dos investimentos diretos estrangeiros na União está a tornar-se cada vez mais importante para proteger as cadeias de valor estratégicas da UE.

5.29.

A UE deve prestar especial atenção à monitorização dos mercados mundiais de matérias-primas, bem como da evolução das cadeias de abastecimento estratégicas. É necessário todos os Estados-Membros e partes interessadas fornecerem informações fiáveis e completas através de formatos de comunicação de dados normalizados.

5.30.

É necessário que os investimentos relacionados com a transição ecológica realizados por empresas da UE no setor da extração, transformação e reciclagem contribuam para os esforços industriais de participação na transição e na evolução rumo aos objetivos de neutralidade climática (18). O setor deve beneficiar de um acesso fácil ao financiamento sustentável, mas apenas quando os seus investimentos, planos de I&D e projetos de transformação industrial previstos demonstrarem uma adesão clara aos objetivos em matéria de clima, emprego pleno e produtivo, crescimento económico sustentável e trabalho digno para todos. O CESE já mencionou num parecer anterior que «o crescimento sustentável deve ter em conta as dimensões ambiental, económica, social e de governação numa abordagem equilibrada, global e abrangente, alinhada com todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e com o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, estabelecendo condições transversais mínimas que não podem ser substituídas» (19).

5.31.

Além disso, os projetos de exploração mineira que apresentem os mesmos compromissos devem também ser apoiados e incentivados enquanto projetos importantes de interesse europeu comum e projetos de interesse comum. A avaliação do contributo de tais investimentos e projetos centrar-se-á também na identificação de qualquer atividade de «branqueamento ecológico» ou de informações enganosas.

Comércio e a dimensão internacional

5.32.

A China é atualmente responsável por 98 % do aprovisionamento da UE em elementos de terras raras. Estamos a entrar numa era de grande concorrência geopolítica, pelo que se impõe desenvolver uma diplomacia económica eficaz ao nível da UE para assegurar o acesso a diferentes fornecedores, ao mesmo tempo que se investe nas capacidades de reutilização e reciclagem. A este respeito, o CESE insiste na criação de parcerias estratégicas com nações que partilham das mesmas ideias num quadro plurilateral, como forma de evitar que as perturbações do aprovisionamento (por vezes de inspiração política) criem bloqueios em cadeias de valor industriais sofisticadas na UE.

5.33.

É essencial reforçar o papel do euro enquanto moeda de referência e internacional para prevenir a volatilidade dos preços e reduzir a dependência das partes interessadas da UE face ao dólar americano. A Comissão deve procurar formas de negociar as matérias-primas essenciais em euros, recorrendo à diplomacia económica e aos instrumentos de política comercial disponíveis. Neste contexto, o CESE congratula-se com a Comunicação da Comissão «O sistema económico e financeiro europeu: promover a abertura, a solidez e a resiliência» (20).

5.34.

A exportação de matérias-primas secundárias só deve ser permitida quando faça sentido do ponto de vista da sustentabilidade. No entanto, a UE deve trabalhar no sentido de alterar as regras do jogo e de permitir a exportação de resíduos que contenham materiais valiosos apenas quando tal for útil em termos de sustentabilidade. Mais concretamente, a exportação deste tipo de resíduos só deve ocorrer quando as normas ambientais e sociais e as medidas para atenuar os efeitos climáticos aplicadas no destino forem equivalentes às da UE.

5.35.

Há que reforçar a cooperação internacional no âmbito da OCDE, das Nações Unidas, da OMC e do G20 com vista à sustentabilidade futura da indústria e ao interesse da UE em garantir o acesso a matérias-primas essenciais. É fundamental para as partes interessadas europeias assegurar condições equitativas com as outras partes do mundo. A UE deve utilizar todos os instrumentos à sua disposição, incluindo acordos comerciais e parcerias estratégicas, a fim de criar as condições necessárias para promover empreendimentos conjuntos da UE em países terceiros ricos em recursos, nomeadamente de África e da América do Sul, tendo sempre em conta o aprovisionamento responsável e as boas práticas de conduta empresarial. É igualmente essencial integrar os países dos Balcãs Ocidentais na cadeia de abastecimento da UE.

Bruxelas, 25 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  Os diferentes Estados-Membros aplicam, por exemplo, diferentes métodos de classificação para avaliar se as propriedades dos resíduos são ou não perigosas. Tal cria uma burocracia desnecessária, como o excesso de documentos, processos morosos e um desfasamento entre as autoridades, para além dos encargos desnecessários resultantes da garantia financeira associada à transferência de resíduos, a qual depende da sua classificação.

(2)  Declaração Universal dos Direitos Humanos.

(3)  Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.

(4)  Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social.

(5)  Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

(6)  Painel de Avaliação das Matérias-Primas, 2018, UE.

(7)  Euromines.

(8)  Painel Internacional de Recursos do PNUA.

(9)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 108.

(10)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 108.

(11)  A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos tem a tarefa de possibilitar, em termos jurídicos e práticos, a exploração do solo marinho.

(12)  Ver nota de rodapé n.o 2.

(13)  https://www.ohchr.org/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf.

(14)  Ver nota de rodapé n.o 4.

(15)  Ver nota de rodapé n.o 5.

(16)  Cadeias de valor mundiais.

(17)  JO C 429 de 11.12.2020, p. 37.

(18)  Segundo o relatório da McKinsey, «How the European Union could achieve net-zero emissions at net-zero cost» [«Como pode a União Europeia alcançar a neutralidade climática a custo líquido zero»], de 3 de dezembro de 2020, alcançar a neutralidade climática requereria um investimento na ordem dos 28 biliões de euros em tecnologias e técnicas ecológicas ao longo dos próximos 30 anos. De um montante de 5,4 biliões de euros, cerca de 1,5 biliões de euros seriam investidos no setor dos edifícios (29 %), 1,8 biliões de euros seriam utilizados no setor da energia (33 %), 410 mil milhões de euros na indústria (8 %), 76 mil milhões de euros na agricultura (cerca de 1 %), e 32 mil milhões de euros nos transportes (menos de 1 %). Cerca de 1,5 biliões de euros (28 %) financiariam infraestruturas destinadas a melhorar o transporte e a distribuição da energia em todos os setores.

(19)  Plano de Ação sobre Financiamento Sustentável (JO C 62 de 15.2.2019, p. 73).

(20)  COM(2021) 32 final, de 19 de janeiro de 2021, Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52021DC0032).


9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/128


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Requisitos de sustentabilidade para as baterias na UE»

[COM(2020) 798 final — 2020/353 (COD)]

(2021/C 220/18)

Relator:

Bruno CHOIX

Correlator:

Franck UHLIG

Consulta

Parlamento Europeu, 18.1.2021

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

Decisão da plenária

1.12.2020

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção em secção

5.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

256/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia as medidas estabelecidas na proposta de regulamento [COM(2020) 798 final — 2020/0353 (COD)] apresentada pela Comissão Europeia.

1.2.

O CESE considera que evitar uma fragmentação do mercado interno provocada por eventuais abordagens divergentes dos Estados-Membros é uma questão fundamental que diz respeito a todas as partes interessadas.

1.3.

O CESE solicita que se definam mecanismos e instrumentos de governação e execução mais precisos e operacionais para aplicar o novo regulamento, com a participação de todas as partes interessadas.

1.4.

O CESE propõe que se responda a estes desafios reforçando o papel e os meios da Agência Europeia dos Produtos Químicos.

1.5.

Para as questões relacionadas com a saúde, a segurança e as condições de trabalho na produção, bem como com a reciclagem e a reorientação das baterias, o CESE propõe reforçar o papel da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho.

1.6.

No que diz respeito à aplicação de um dever de diligência razoável tendo em vista o acompanhamento da cadeia de aprovisionamento de baterias, o CESE defende total transparência na aplicação deste sistema de fiscalização.

1.7.

A reciclagem, a renovação e a reutilização permitem proteger a cadeia de valor a montante. É indispensável apoiar a investigação e o desenvolvimento no domínio da conceção ecológica. O CESE propõe que este apoio revista a forma de um projeto importante de interesse europeu comum.

1.8.

No que diz respeito às questões relacionadas com os empregos e as competências destinados a promover o desenvolvimento de um setor industrial europeu das baterias sustentáveis, o CESE propõe o alargamento e o reforço do papel do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional, bem como do papel dos comités europeus de diálogo social setorial pertinentes no processo de transição justa previsto no Pacto Ecológico Europeu.

1.9.

No âmbito da iniciativa da Comissão do Pacto para as Competências e dos projetos europeus ALBATTS, DRIVES e COSME, o CESE considera prioritário, nomeadamente, definir e executar projetos de formação sobre a conceção ecológica e a reciclagem das baterias, dotados de recursos financeiros adequados para assegurar o seu êxito, com a participação ativa dos parceiros sociais e em cooperação com eventuais mecanismos nacionais ou certas zonas de emprego diretamente envolvidas.

1.10.

O CESE propõe, em consonância com os compromissos assumidos pela UE em matéria de neutralidade carbónica, que sejam introduzidos rapidamente limites máximos para a pegada de carbono associada ao fabrico das baterias, bem como à logística de aprovisionamento de materiais a montante, e que se reforcem os recursos afetados pela Comissão para elaborar e aplicar rapidamente os instrumentos de avaliação e de controlo da pegada de carbono do setor das baterias.

1.11.

O CESE considera que é necessário instituir uma responsabilidade do produtor que seja compatível com a promoção da conceção ecológica. Neste contexto, afigura-se necessário dissociar o fim de vida das baterias do fim de vida das baterias do fim de vida dos aparelhos que as utilizam.

1.12.

O CESE propõe a introdução do conceito de «fim de utilização» em complemento do conceito de «fim de vida», de modo a favorecer a reutilização, a renovação ou a segunda vida útil e a reciclagem das baterias.

1.13.

O projeto de regulamento deve incluir disposições em matéria de rotulagem sobre a obrigação de informar melhor as pessoas sobre os riscos potenciais das substâncias perigosas para além do cádmio, do chumbo e do mercúrio, assim como sobre outros riscos para a segurança, por forma a permitir uma escolha informada e uma utilização mais eficaz das baterias.

2.   Introdução

2.1.

A Comissão Europeia apresentou, em 10 de dezembro de 2020, uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho [COM(2020) 798 final — 2020/0353 (COD)] relativo às baterias e respetivos resíduos, que revoga a Diretiva 2006/66/CE, de 6 de setembro de 2006, relativa a pilhas e acumuladores e respetivos resíduos, e altera o Regulamento (UE) 2019/1020, de 20 de junho de 2019, relativo à fiscalização do mercado e à conformidade dos produtos.

2.2.

O regulamento proposto visa desenvolver um quadro da UE que abranja todo o ciclo de vida das baterias, incluindo regras harmonizadas e mais ambiciosas para as baterias, os componentes, os resíduos de baterias e os materiais reciclados.

2.3.

Este regulamento tem como principais objetivos reforçar a sustentabilidade das baterias ao longo do seu ciclo de vida, assegurando requisitos mínimos de sustentabilidade para as baterias colocadas no mercado interno da UE, aumentar a resiliência da cadeia de aprovisionamento de baterias da UE, favorecendo a economia circular, e reduzir os impactos ambientais e sociais ao longo de todas as fases do ciclo de vida das baterias.

2.4.

O regulamento visa especificamente fomentar a produção e a colocação no mercado da UE de baterias de elevado desempenho e qualidade, desenvolver e utilizar o potencial das matérias-primas de baterias da UE, quer matérias-primas primárias, quer secundárias, assegurando que são produzidas de forma eficiente e sustentável, e garantir o bom funcionamento dos mercados de matérias-primas secundárias e dos processos industriais relacionados.

2.5.

A Comissão pretende, através deste regulamento, promover a inovação, bem como o desenvolvimento e a aplicação dos conhecimentos tecnológicos especializados da UE.

2.6.

Tal deverá permitir, numa lógica de economia circular, reduzir a dependência da UE em relação às importações de matérias-primas e terras raras de importância estratégica e introduzir formas de recolha e de reciclagem adequadas de todos os resíduos de baterias.

2.7.

Com o objetivo de reduzir os impactos ambientais e sociais, o regulamento deverá contribuir para um aprovisionamento responsável, promover uma utilização eficiente das matérias-primas e dos materiais reciclados, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida das baterias, reduzir os riscos para a saúde humana e para a qualidade do ambiente e melhorar as condições sociais das populações em causa.

3.   Observações na generalidade

3.1.

Na Europa, durante a próxima década, a tecnologia das baterias será um dos principais motores da transição para a energia verde. A utilização de baterias possibilitará a eletrificação dos transportes, se for caso disso, e o recurso a energias renováveis como fontes de energia fiáveis, o que deverá ajudar a cumprir os objetivos europeus do Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas.

3.2.

Segundo Maros Šefčovič, vice-presidente da Comissão, os progressos realizados no âmbito da Aliança Europeia para as Baterias, criada pela Comissão em 2017, permitirão à UE suprir até 80 % das suas necessidades dentro de cinco anos.

3.3.

Esta autonomia estratégica será construída conjuntamente com a aliança, a fim de proporcionar instrumentos jurídicos destinados a agrupar, entre Estados-Membros, as indústrias automóvel, das matérias-primas e dos produtos químicos para conceber e aplicar cadeias de valor totalmente europeias, devendo as primeiras unidades de produção de baterias europeias arrancar em 2021 ou 2022.

3.4.

O CESE apoia as medidas estabelecidas no regulamento proposto pela Comissão, uma vez que conseguem responder aos múltiplos desafios criados pela expansão da produção e do consumo mundiais de baterias.

3.5.

Contudo, tendo em consideração a autonomia estratégica da UE, o CESE adverte que essas medidas devem ser reforçadas e aplicadas rapidamente, a fim de evitar não apenas o agravamento da dependência tecnológica, industrial e energética dos utilizadores de baterias na UE em relação a produtores asiáticos ou americanos, mas também a deslocalização das fábricas de automóveis europeias em benefício de países terceiros, para regiões que se situam próximo de unidades de produção de células de baterias, com consequências económicas, sociais e ambientais negativas, conforme referido num parecer anterior do CESE (1). Além disso, importa proteger também os interesses das empresas europeias, utilizando plenamente todos os instrumentos pertinentes da UE. Neste contexto, o CESE manifesta igualmente preocupação quanto à forma como a Comissão tenciona verificar e aplicar as normas relativas à pegada de carbono, aos níveis de conteúdo reciclado e ao dever de diligência na cadeia de aprovisionamento. A este respeito, o CESE insiste em que se realizem verificações rigorosas da conformidade dos produtos importados, a fim de evitar a concorrência desleal do estrangeiro.

3.6.

Os painéis solares, os parques eólicos e as baterias são elementos essenciais do novo paradigma industrial (2). Baseiam-se em matérias-primas, materiais, saber-fazer e valor acrescentado provenientes principalmente de países terceiros. Atualmente, apenas cerca de 1 % da produção mundial de pilhas de lítio está situado na Europa (3). Para além do desenvolvimento de um setor europeu de baterias estacionárias, com vista a uma aplicação eficaz e segura dos planos de redes elétricas atuais e futuras, o CESE recomenda que se enquadre a nível europeu a abordagem complementar do veículo para a rede (vehicle-to-grid, V2G).

3.7.

O CESE apoia as propostas para uma maior sustentabilidade dos transportes e o plano de ação estratégico para as baterias que visa reduzir o défice energético da Europa e criar uma cadeia de valor das baterias. A descarbonização dos transportes e a transição para uma energia limpa são um dos aspetos fundamentais do terceiro pacote de mobilidade, do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente. Esta iniciativa insere-se no âmbito mais alargado do Plano de Ação para a Economia Circular (4).

3.8.

A Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular pode contribuir para a comunicação sobre estes temas (5).

3.9.

É igualmente necessário um sistema adequado para informar os utilizadores finais sobre a qualidade das baterias disponíveis no mercado e aumentar a compreensão por parte dos consumidores do seu papel na recolha dos resíduos de baterias.

3.10.

A melhor forma de assegurar que as baterias produzidas são «limpas» consiste em respeitar as normas e regras ambientais da UE, conforme promovido, por exemplo, pela abordagem da economia circular, desde a mineração até ao fim de vida das baterias. É essencial um investimento em larga escala da indústria para concretizar este objetivo, ao passo que o papel da Comissão é estabelecer condições-limite adequadas, como normas técnicas (6).

3.11.

O CESE apoia a proposta de regulamento da Comissão no sentido de considerar os desafios relacionados com as matérias-primas críticas utilizadas nas baterias, tal como descritos na Comunicação da Comissão «Resiliência em matérias-primas essenciais: o caminho a seguir para mais segurança e sustentabilidade», apresentada em 3 de setembro de 2020. As matérias-primas críticas contidas nas baterias são o lítio, o cobalto, a grafite natural e o antimónio. Os dois parâmetros principais tidos em conta para determinar se uma matéria-prima é crítica são a importância económica e a segurança do aprovisionamento.

3.12.

O CESE já considerou ser oportuno adotar disposições juridicamente vinculativas para impulsionar o mercado de matérias-primas secundárias, sobretudo no caso das embalagens, dos veículos, dos materiais de construção e das baterias (7).

3.13.

As energias renováveis e a sua implantação representam um verdadeiro desafio em matéria de armazenamento, devido ao seu caráter intermitente. O armazenamento é uma questão estratégica para a União Europeia, com vista a garantir de forma permanente a segurança do aprovisionamento da União e um mercado da energia viável, tanto do ponto de vista técnico como orçamental. O CESE lembra que, a par das vantagens que proporciona, o armazenamento de energia pode ter um custo importante, não só financeiro, mas também ambiental e sanitário. Por isso, preconiza a realização sistemática de estudos de impacto para avaliar a competitividade das tecnologias e as suas consequências para o ambiente e a saúde. O CESE considera igualmente importante que se avaliem os efeitos destas tecnologias na criação de atividades e de emprego. O CESE apoia a ideia de uma maior harmonização regulamentar entre os Estados-Membros em matéria de armazenamento de energia. O CESE preconiza também um diálogo público em toda a Europa sobre a questão da energia (o diálogo europeu sobre a energia), para que os cidadãos e a sociedade civil no seu conjunto se apropriem da transição energética e possam influenciar as escolhas futuras no domínio das tecnologias de armazenamento de energia (8). A qualidade da rotulagem das baterias deve contribuir para este objetivo.

3.14.

O desafio económico é considerável: a Comissão estima que a procura mundial de baterias se multiplicará por 14 até 2030 relativamente ao nível de 2018 e prevê que a UE será responsável por 17 % desta procura. O número de baterias de lítio deverá multiplicar-se por 700 entre 2020 e 2040.

3.15.

O regulamento baseia-se em dois estudos de referência publicados pelo Centro de Estudos de Política Europeia (CEPE) (9) e pela organização RREUSE (10), assim como em trabalhos realizados pela Aliança Europeia para as Baterias, para avaliar o impacto da aplicação da nova legislação nos empregos e nas necessidades de competências.

3.16.

O estudo do CEPE estima que o desenvolvimento de atividades de recolha e reciclagem de baterias terá um impacto na criação de postos de trabalho diretos e indiretos: cerca de 850 empregos com uma taxa de eficiência de reciclagem de 55 % e 5 500 empregos com uma taxa de 75 %.

3.17.

Em contrapartida, segundo o estudo da organização RREUSE, a atividade de reparação e de reutilização das baterias cria cinco a dez vez mais empregos «equivalentes a tempo completo» do que a atividade de recolha e reciclagem, o que suscita a questão do interesse político na adoção de medidas que promovem o setor da recolha e da reciclagem em relação a medidas de promoção do setor da reparação e da reutilização das baterias.

3.18.

Quanto ao défice de competências, diz respeito essencialmente à atividade de conceção ecológica das baterias para otimizar a sua sustentabilidade e a sua utilização.

3.19.

Para melhorar o investimento na capacidade de produção de baterias sustentáveis tendo em conta os riscos sociais e ambientais, é necessário alinhar os projetos associados às baterias pela taxonomia (11) da UE para as atividades sustentáveis e ter em conta o Programa InvestEU.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE solicita a definição de mecanismos e instrumentos de governação e execução mais precisos e operacionais, a fim de permitir a aplicação real e eficaz de todas as medidas estabelecidas no novo regulamento.

4.2.

Por conseguinte, o CESE propõe que se responda a estes desafios revendo o papel da Agência Europeia dos Produtos Químicos, sediada em Helsínquia, que é responsável pela aplicação do Regulamento REACH (de 2005, revisto em 2018) da UE sobre os produtos químicos, de forma a integrar nas suas competências o registo, a avaliação, o acompanhamento e o controlo das novas normas e regras definidas pelo novo regulamento relativo à sustentabilidade das baterias.

4.3.

O desenvolvimento de um setor das baterias sustentáveis deve dar resposta ao problema do cumprimento das normas da UE em matéria de saúde e segurança no trabalho para proteger os trabalhadores que estão em contacto com as baterias e com as matérias-primas recicláveis que fazem parte das baterias industriais ou de veículos. A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, sediada em Bilbau, realizou avaliações sobre este tema, que devem ser tidas em conta para que o regulamento inclua as disposições adequadas. Por conseguinte, o CESE propõe também reforçar o papel da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho.

4.4.

No que diz respeito à aplicação de um dever de diligência razoável tendo em vista o acompanhamento da cadeia de aprovisionamento de baterias e um sistema independente de auditoria, de fiscalização e de controlo sob a égide da Comissão Europeia, em coerência com as regras definidas nas orientações da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) sobre este tema (12), o CESE defende total transparência na aplicação do referido sistema de fiscalização.

4.5.

No que diz respeito às questões relacionadas com os empregos e as competências no âmbito da aplicação das medidas do regulamento destinadas a promover o desenvolvimento de um setor industrial europeu das baterias sustentáveis, o CESE propõe o alargamento e o reforço do papel do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional neste domínio, bem como do papel dos comités europeus de diálogo social setorial pertinentes (eletricidade, metalurgia, indústria química, indústria extrativa, etc.) na ótica da transição justa previsto no Pacto Ecológico Europeu. Os estabelecimentos de ensino profissional dos Estados-Membros devem introduzir projetos de formação semelhantes nos programas curriculares destinados aos formandos, a fim de assegurar a disponibilidade de trabalhadores qualificados para uma indústria europeia sustentável das baterias.

4.6.

No âmbito da iniciativa da Comissão Europeia do Pacto para as Competências, foram lançados vários projetos, como a ALBATTS (aliança para a qualificação e formação nas tecnologias relacionadas com as baterias), o DRIVES (desenvolvimento e investigação sobre as competências educativas profissionais inovadoras) e o COSME (Programa para a Competitividade das Empresas e PME). O CESE considera prioritário, nomeadamente, definir e executar projetos de formação sobre as novas competências associadas à conceção ecológica, mas também ao diagnóstico de baterias com vista à sua reparação, recondicionamento e reciclagem, com a participação ativa dos parceiros sociais e em cooperação com eventuais mecanismos nacionais ou certas zonas de emprego diretamente envolvidas.

A investigação e a inovação são necessárias para melhorar a sustentabilidade, a qualidade e a segurança dos produtos e dos processos e para reduzir os custos. É importante dar prioridade imediata à investigação e ao desenvolvimento relacionados com as baterias, mediante uma abordagem holística de toda a cadeia de valor da bateria e investimentos importantes e contínuos ao longo do tempo, abrangendo simultaneamente as prioridades de investigação a curto e a longo prazo.

4.7.

No domínio do armazenamento de energia, as baterias e o hidrogénio terão funções complementares. Importará, por isso, maximizar as sinergias entre estas duas soluções tecnológicas.

4.8.

As novas tecnologias digitais deverão contribuir para acelerar a evolução no setor das baterias: desde a descoberta acelerada de materiais até à otimização da utilização intersetorial de sistemas de baterias para apoiar a rede energética.

4.9.

A reciclagem, a renovação e a reutilização permitem proteger a cadeia de valor a montante. É indispensável apoiar a investigação e o desenvolvimento no domínio da conceção ecológica. O CESE propõe que este apoio revista a forma de um projeto importante de interesse europeu comum. O objetivo é desenvolver conhecimentos especializados que permitem otimizar a valorização das baterias através da sua reorientação, se possível, para a renovação, uma segunda vida útil ou uma melhor valorização dos seus componentes e introduzir processos otimizados do ponto de vista ambiental, garantindo a segurança dos trabalhadores e criando um modelo económico que contribua para manter esta atividade no território europeu. É importante, em particular, conseguir estabelecer processos industriais competitivos que permitam produzir materiais de qualidade suficiente para as baterias através da reciclagem, com um apoio mais significativo às empresas que funcionam de forma integrada, em circuito fechado.

4.10.

O CESE propõe, em consonância com os compromissos assumidos pela UE em matéria de neutralidade carbónica no horizonte de 2050 (com o objetivo intermédio de redução de 55 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2030), que se introduzam rapidamente limites máximos (julho de 2027 é uma data demasiado tardia face aos objetivos definidos pelo Conselho Europeu em 11 de dezembro de 2020) para a pegada de carbono associada ao fabrico das baterias, bem como à logística de aprovisionamento de materiais a montante, e que se reforcem os recursos afetados pela Comissão para elaborar e aplicar rapidamente os instrumentos de avaliação e de controlo da pegada de carbono do setor das baterias. Deve privilegiar-se o acesso aos materiais estratégicos das baterias a partir de minas (urbanas ou naturais) situadas no mercado em que as baterias são fabricadas e recicladas. Estas medidas contribuirão para simplificar e minimizar os fluxos logísticos. No que diz respeito ao fabrico das baterias, que constitui uma etapa fundamental para a sua pegada de carbono, o regulamento deverá promover processos com baixo consumo de eletricidade e privilegiar o recurso a fontes de eletricidade descarbonizadas.

4.11.

O CESE considera que é necessário instituir uma responsabilidade do produtor que seja compatível com a promoção da conceção ecológica e, em especial, com a promoção de uma conceção de baterias suscetível de facilitar a reconversão, a remanufatura e a reutilização das baterias. Esta necessidade está associada à segunda vida útil das baterias, que é importante incentivar. Neste contexto, afigura-se necessário dissociar o fim de vida das baterias do fim de vida dos aparelhos, sem atribuir automaticamente o estatuto de resíduo às baterias quando o aparelho que as contém atinge o seu fim de vida. Quando a bateria ou o aparelho que a contém atingir o fim de vida teórico, caberá ao produtor demonstrar que a bateria deve ter efetivamente o estatuto de resíduo. O produtor deverá prová-lo através de uma avaliação ou de ensaios que incidam na bateria, estabelecendo documentalmente que, tendo em conta as tecnologias existentes e os possíveis setores de escoamento, é tecnicamente impossível reutilizar a bateria através de operações de reconversão ou de remanufatura compatíveis com as condições dos mercados em causa. Além disso, deve introduzir-se o conceito de «fim de utilização» em complemento do conceito de «fim de vida», de modo a favorecer a reutilização, a renovação ou a segunda vida útil e a reciclagem das baterias. Para o efeito, o novo regulamento deve integrar estes novos intervenientes e estas atividades novas.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 102.

(2)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 108.

(3)  JO C 282 de 20.8.2019, p. 51.

(4)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 254.

(5)  https://circulareconomy.europa.eu/platform/en

(6)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 75.

(7)  JO C 364 de 28.10.2020, p. 94.

(8)  JO C 383 de 17.11.2015, p. 19.

(9)  CEPE: Drabik E. e Rizos V., «Prospects for electric vehicle batteries in a circular economy» [Perspetivas para as baterias de veículos elétricos numa economia circular], 2018.

(10)  RREUSE: «Briefing on job creation potential in the re-use sector» [Brifingue sobre o potencial de criação de emprego no setor da reutilização], 2015.

(11)  Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2020, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável, e que altera o Regulamento (UE) 2019/2088 (JO L 198 de 22.6.2020, p. 13).

(12)  OCDE (2018), «Orientações da OCDE sobre o dever de diligência para uma conduta empresarial responsável».