ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 364

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

63.° ano
28 de outubro de 2020


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

RESOLUÇÕES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

Reunião híbrida — 553.a reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020

2020/C 364/01

Resolução — Contributo do Comité Económico e Social Europeu para o programa de trabalho da Comissão Europeia para 2021 com base no trabalho do Grupo Eventual para o Contributo do CESE para o Programa de Trabalho da Comissão Europeia de 2021

1

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

Reunião híbrida — 553.a reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020

2020/C 364/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Promover uma União Bancária mais inclusiva e sustentável melhorando o contributo dos bancos comunitários para o desenvolvimento local e construindo um sistema financeiro internacional e europeu socialmente responsável (parecer de iniciativa)

14

2020/C 364/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Mecanismos fiscais para reduzir as emissões de CO2 (parecer de iniciativa)

21

2020/C 364/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforçar o crescimento económico sustentável em toda a UE (parecer de iniciativa)

29

2020/C 364/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforçar a competitividade, a inovação, o crescimento e a criação de emprego promovendo a cooperação regulamentar mundial, apoiando um sistema de comércio multilateral renovado e reduzindo os subsídios que provocam distorções do mercado (parecer de iniciativa)

37

2020/C 364/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A dimensão industrial da União da Segurança (parecer de iniciativa)

43

2020/C 364/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Introdução de medidas de salvaguarda relativas aos produtos agrícolas nos acordos comerciais (parecer de iniciativa)

49

2020/C 364/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Emergência pós-COVID-19: criação de uma nova matriz multilateral (parecer de iniciativa)

53

2020/C 364/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tributação da economia colaborativa — Obrigações em matéria de comunicação de informações (aditamento a parecer)

62

2020/C 364/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Pacto Europeu para o Clima (parecer exploratório)

67


 

III   Atos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

Reunião híbrida — 553.a reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020

2020/C 364/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Estratégia para a Igualdade de Género [COM(2020) 152 final]

77

2020/C 364/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Livro Branco sobre a inteligência artificial — Uma abordagem europeia virada para a excelência e a confiança [COM(2020) 65 final]

87

2020/C 364/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um novo Plano de Ação para a Economia Circular — Para uma Europa mais limpa e competitiva [COM(2020) 98 final]

94

2020/C 364/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Construir o futuro digital da Europa [COM(2020) 67 final]

101

2020/C 364/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma nova estratégia industrial para a Europa [COM(2020) 102 final]

108

2020/C 364/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação a Longo Prazo para Melhorar a Aplicação e o Cumprimento das Regras do Mercado Único [COM(2020) 94 final] e b) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Identificar e Superar as Barreiras ao Mercado Único [COM(2020) 93 final]

116

2020/C 364/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — A Hora da Europa: Reparar os Danos e Preparar o Futuro para a Próxima Geração [COM(2020) 456 final] — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um orçamento da UE que potencia o plano de recuperação da Europa [COM(2020) 442 final] — Proposta de regulamento do Conselho que cria um Instrumento de Recuperação da União Europeia destinado a apoiar a recuperação na sequência da pandemia de COVID-19 [COM(2020) 441 final/2 — 2020/0111 (NLE)] — Proposta alterada de regulamento do Conselho que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027 [COM(2020) 443 final — 2018/0166 (APP)] — Proposta alterada de decisão do Conselho relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia [COM(2020) 445 final — 2018/0135 (CNS)] — Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE, Euratom) n.o 1311/2013 do Conselho que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período 2014-2020 [COM(2020) 446 final — 2020/0109 (APP)] — Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte Europa — Programa-Quadro de Investigação e Inovação e que define as suas regras de participação e difusão, Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o programa específico de execução do Horizonte Europa — Programa-Quadro de Investigação e Inovação, Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional, Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define regras para o apoio aos planos estratégicos a estabelecer pelos Estados-Membros no âmbito da política agrícola comum (planos estratégicos da PAC) e financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho [COM(2020) 459 final — 2018/0224 (COD)]

124

2020/C 364/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Mecanismo de Recuperação e Resiliência [COM(2020) 408 final — 2020/0104 (COD)] — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instrumento de Assistência Técnica [COM(2020) 409 final — 2020/0103 (COD)]

132

2020/C 364/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o programa InvestEU [COM(2020) 403 final — 2020/0108 (COD)] — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2015/1017 no que diz respeito à criação de um Instrumento de Apoio à Solvabilidade [COM(2020) 404 final — 2020/0106 (COD)]

139

2020/C 364/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o quadro para alcançar a neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima) [COM(2020) 80 final — 2020/0036 (COD)]

143

2020/C 364/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu do Transporte Ferroviário (2021) [COM(2020) 78 final]

149

2020/C 364/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas para um mercado ferroviário sustentável em razão da pandemia de COVID-19 [COM(2020) 260 final — 2020/0127 (COD)]

158

2020/C 364/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Aplicação dos acordos de comércio livre — 1 de janeiro de 2018-31 de dezembro de 2018[COM(2019) 455 final]

160


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

RESOLUÇÕES

Comité Económico e Social Europeu

Reunião híbrida — 553.a reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020

28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/1


Resolução — Contributo do Comité Económico e Social Europeu para o programa de trabalho da Comissão Europeia para 2021 com base no trabalho do Grupo Eventual para o Contributo do CESE para o Programa de Trabalho da Comissão Europeia de 2021

(2020/C 364/01)

Relatores:

Petr ZAHRADNÍK

Stefano PALMIERI

Jan DIRX

Na reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020 (sessão de 16 de julho), o Comité Económico e Social Europeu adotou a presente resolução, por 140 votos a favor, 15 votos contra e 17 abstenções.

1.   Introdução

1.1

Como salientado na sua Resolução — Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19 (1), o CESE saúda vivamente e apoia sem reservas as propostas da Comissão Europeia relativas ao Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU) e ao orçamento geral da UE para 2021-2027. O Comité deseja e faz votos de que as posições assumidas pela Comissão nestas iniciativas, perante a necessidade de recuperação e reconstrução após a crise da COVID-19, sejam desenvolvidas de forma plena e concreta no programa de trabalho da Comissão para 2021.

1.2

No entender do CESE, o programa de trabalho deve centrar-se na reestruturação e na melhoria da economia e da sociedade, com base nos princípios seguintes: defesa dos direitos humanos e sociais, dos valores democráticos e do Estado de direito, libertação de todo o potencial do mercado único, consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criação de uma economia circular e consecução da neutralidade climática da UE até 2050, o mais tardar, e garantia de boa governação e responsabilização democrática.

1.3

O CESE sublinha que os seis grandes domínios prioritários selecionados pela Comissão (Pacto Ecológico Europeu, Uma Europa Preparada para a Era Digital, Uma Economia ao serviço das Pessoas, Uma Europa mais Forte no Mundo, Promoção do Modo de Vida Europeu e Um Novo Impulso para a Democracia Europeia) constituem bases sólidas para a elaboração do programa de trabalho para 2021. Porventura, poderia ser colocada uma ênfase mais explícita nos investimentos e na necessidade de os acelerar, nomeadamente graças às medidas que estão atualmente a ser adotadas. Alguns pormenores relativos ao futuro programa de trabalho podem ser consultados na comunicação da Comissão sobre o plano de relançamento da economia europeia (2), e as novas propostas refletir-se-ão no discurso da presidente Ursula von der Leyen sobre o Estado da União, em setembro, e na carta de intenções ao Parlamento Europeu e ao Conselho. O CESE congratula-se igualmente com o ajustamento do programa de trabalho para 2020, que reage à crise da COVID-19 e pode indicar a evolução no futuro próximo.

1.4

O CESE congratula-se por a Comissão ter ajustado o seu programa de trabalho para 2020 como parte da recuperação da Europa, a fim de reagir à pandemia de COVID-19, tendo recentrado o seu trabalho e dado prioridade às ações necessárias para impulsionar a recuperação e a capacidade de resistência da Europa, continuando também empenhada em concretizar as suas iniciativas emblemáticas, o Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia Digital, uma vez que são fundamentais para o relançamento da economia europeia e para a construção de uma Europa mais resistente, sustentável, justa e próspera. O CESE assinala que nove iniciativas foram adiadas para 2021.

1.5

Sobretudo agora que é patente a importância da cooperação entre países nesta altura de crise, o CESE espera que a futura Conferência sobre o Futuro da Europa permita reforçar e aprofundar a estrutura institucional da UE e conduza a uma genuína renovação do projeto europeu, capaz de enfrentar os desafios das próximas décadas. Por conseguinte, a Comissão tem todo o apoio do Comité.

1.6

O CESE está convicto de que o processo de retoma e relançamento da economia e da sociedade só será possível com a participação ativa das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais.

1.7

Nos capítulos e pontos seguintes, o Comité formula as suas propostas concretas para o programa de trabalho para 2021 de acordo com as seis ambições principais da Comissão.

2.   Pacto Ecológico Europeu

2.1   Pacto Ecológico

2.1.1

O Pacto Ecológico Europeu também pode ser encarado como um instrumento eficaz para relançar a economia de forma sustentável, através de investimentos maciços que apoiem as mudanças estruturais necessárias que a Europa está a atravessar. Deste ponto de vista, pode ser considerado uma oportunidade para apoiar uma retoma económica a mais longo prazo. Para o efeito, é necessário um novo consenso na Europa sobre a concentração de fontes de financiamento públicas e privadas suficientes, bem como a adoção de um novo modelo de governação para aplicar esse consenso com êxito na prática.

2.1.2

O CESE defende com vigor a transição para uma economia circular. O CESE tem apoiado ativamente as políticas ambiciosas no domínio até à data, através do seu compromisso com a Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular. Os seus apelos de longa data junto da Comissão em matéria de eficiência dos recursos incluem a revisão da legislação em matéria de conceção ecológica e da legislação pertinente em matéria de política de produtos, para a inclusão gradual de requisitos obrigatórios relativos à eficiência dos recursos na conceção dos produtos, e a definição de novos procedimentos de contratação pública que incentivem os produtos circulares e os novos modelos de negócio, tendo simultaneamente em conta a situação económica pós-COVID-19 e uma mudança verdadeiramente viável.

2.1.3

O CESE toma nota de que a revisão da Diretiva Divulgação de Informações Não Financeiras, que visa melhorar a qualidade e o âmbito das informações não financeiras, incluindo sobre aspetos ambientais como a biodiversidade, foi adiada para 2021. O CESE considera que as políticas fiscais, em geral, devem ser reformadas em consonância com as ambições em matéria de clima e que os sistemas fiscais e a fixação de preços devem refletir os custos ambientais, incluindo a perda de biodiversidade. Esta abordagem deverá fomentar alterações aos regimes fiscais nacionais, no sentido da transferência da carga fiscal do trabalho para a poluição, para os recursos subvalorizados e para outras externalidades ambientais. Os princípios do «utilizador-pagador» e do «poluidor-pagador» têm de ser aplicados para prevenir e retificar a degradação ambiental.

2.1.4

O CESE congratula-se por a biodiversidade vir a ser integrada em todos os domínios políticos, tal como expresso na comunicação sobre a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 (3). O CESE regozija-se com o facto de a Comissão pretender criar um novo quadro europeu de governação da biodiversidade, o que ajudará a elencar obrigações e compromissos e definirá um roteiro para orientar a sua execução. Tal também será benéfico tanto para a PAC como para o sistema alimentar europeu, podendo, assim, continuar a reforçar a sustentabilidade de ambos. No âmbito desta execução, a Comissão irá criar um mecanismo de acompanhamento e revisão com um conjunto claro de indicadores aprovados, que permitirão uma avaliação periódica dos progressos e a definição de medidas corretivas, se necessário. Este mecanismo deve fornecer informação para o reexame da aplicação da política ambiental e contribuir para o Semestre Europeu.

2.1.5

O CESE congratula-se com a Lei Europeia do Clima, que estabelece um objetivo comum juridicamente vinculativo a nível da UE de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa (GEE) até 2050 e estabelece um quadro para a consecução desse objetivo. Por conseguinte, o CESE considera que a proposta de Lei Europeia do Clima constitui um dos instrumentos que podem contribuir para o relançamento desejado e necessário da economia europeia (4). A Comissão gostaria de, até setembro de 2020, proceder à revisão do objetivo da UE para o clima até 2030, à luz do objetivo de neutralidade climática, e explorar opções para um novo objetivo de redução das emissões até 2030 situado entre 50 % e 55 % relativamente a 1990, bem como apresentar as propostas legislativas correspondentes até meados de 2021. O CESE insta a Comissão a optar por uma redução mínima de 55 % até 2030 e a apresentar as propostas legislativas correspondentes, a fim de fazer a parte que lhe compete face à necessidade premente de reduzir as emissões a nível mundial (5).

2.1.6

A participação de todos os cidadãos, através das organizações, associações e redes da sociedade civil, viabilizará verdadeiramente a reestruturação da economia e da sociedade. Os Estados-Membros e a UE devem, por conseguinte, assegurar que ninguém é esquecido neste processo complexo, em particular os mais vulneráveis.

2.1.7

Os compromissos em matéria de ação climática e sustentabilidade devem ocupar um lugar de destaque na política de retoma e reconstrução, que não pode continuar a condenar a UE a um futuro hipercarbónico.

2.1.8

O Quadro Financeiro Plurianual (QFP) terá de aumentar e atribuir financiamento suficiente para as necessidades de investimento, a fim de concretizar uma transição ecológica genuína e profunda. É igualmente importante continuar a dar prioridade a outras questões ambientais, como a proteção do solo, da terra e do mar, que não devem perder relevância após a crise da COVID-19, e apesar dela.

2.1.9

É necessário continuar a melhorar a segurança energética a todos os níveis e a tenacidade da sociedade, por exemplo através de programas de renovação de edifícios. A cooperação e as interligações energéticas transfronteiras em toda a UE mantêm-se importantes, tal como a necessidade de promover uma maior diversificação das fontes de abastecimento, por exemplo, através de uma maior escolha das energias renováveis e das soluções de armazenamento de energia disponíveis.

2.1.10

Uma possibilidade para acelerar os progressos no sentido do objetivo de neutralidade climática da UE é aumentar a utilização de eletricidade renovável e hipocarbónica através da eletrificação de setores que ainda dependem de fontes de energia fósseis. Os planos nacionais em matéria de energia e clima constituem um passo importante para assegurar a União da Energia e o Pacto Ecológico Europeu.

2.1.11

No contexto do objetivo estabelecido na Lei Europeia do Clima, nomeadamente que a UE atingirá a neutralidade climática até 2050, há que conferir uma atenção especial ao setor dos transportes. Com efeito, as emissões de CO2 provenientes deste setor continuam a aumentar, mas, até 2050, será necessária uma redução de 90 % das emissões dos transportes para alcançar o objetivo de neutralidade climática.

2.1.12

O CESE apelou à atualização da Estratégia da UE para as Florestas para além de 2020, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. A nova estratégia pode facilmente perspetivar-se num horizonte até 2050. Em todos os setores se deve reconhecer a importância das florestas, da silvicultura e do setor da madeira para o cumprimento destes objetivos, conduzindo a uma cooperação transversal otimizada.

2.1.13

O CESE entende que as medidas de adaptação poderão contribuir de forma significativa para assegurar uma realização mais justa da transição sustentável e da reconstrução após a COVID-19. As comunidades e regiões afetadas mais do que a média pelo impacto negativo das alterações climáticas devem ser apoiadas na resposta a tais impactos e aos riscos percetíveis. É o caso, em especial, das comunidades e regiões cujas emissões de GEE, agora e no passado, se encontram abaixo da média.

2.1.14

O CESE regozija-se por o programa de trabalho ajustado da Comissão para 2020 abranger, de forma suficiente e bastante uniforme, o tema do Pacto Ecológico Europeu através das suas partes principais. Sublinha, em especial, a atenção prioritária prestada ao financiamento da transição sustentável, em especial no que se refere ao Plano de Investimento do Pacto Ecológico Europeu e ao Fundo para uma Transição Justa. Além disso, os demais domínios de interesse mencionados no programa de trabalho ajustado, como, por exemplo, a mobilidade sustentável e inteligente, a produção e o consumo sustentáveis, a sustentabilidade dos sistemas alimentares ou a descarbonização da energia, são bastante importantes para serem prioridades no âmbito deste objetivo. O CESE considera que, também no que se refere ao programa de trabalho da Comissão para 2021, as suas prioridades se centrarão nestas iniciativas.

2.2   Prioridades de investimento

2.2.1

Os recursos públicos investidos em planos de recuperação devem não só ajudar a relançar a economia e a sociedade da Europa, mas também contribuir para reduzir de forma drástica o impacto de futuros choques investindo numa economia resiliente, inclusiva e respeitadora do clima (a designada «economia do bem-estar»).

2.2.2

A taxonomia da UE do investimento sustentável deve orientar os investimentos públicos e privados durante todo o processo de retoma, a fim de acelerar a transição de setores poluentes para setores ecológicos.

2.2.3

É necessário assegurar que o novo QFP atribui recursos significativos à execução dos ODS e à luta contra as alterações climáticas, reduzindo também, gradualmente, o financiamento contraproducente (por exemplo, dos combustíveis fósseis).

2.2.4

A economia europeia registou maioritariamente um défice de investimento na década pós-crise, após 2009. A recuperação do investimento é obrigatória, a fim de se estabelecer um historial suficiente. Por este motivo, o CESE congratula-se com a proposta relativa a um plano de relançamento, constituído principalmente pelo instrumento Next Generation EU e os respetivos pilares, e com o QFP 2021-2027 ajustado. O Next Generation EU pode ser considerado um passo extraordinário, mas também necessário e urgente, para melhorar o ambiente de investimento da UE. Este aspeto é desenvolvido, por exemplo, no parecer ECO/523 do CESE (6).

2.2.5

O CESE observa que os investimentos não constituem um objetivo político da Comissão para o seu mandato até 2024, e também que, nas iniciativas específicas, não estão adequadamente representados no programa de trabalho ajustado para 2020. Por conseguinte, o CESE recomenda a inclusão das iniciativas baseadas no investimento no seu programa de trabalho para 2021, incluindo os esforços para mobilizar investimentos privados em prol do futuro desenvolvimento económico sustentável da UE.

3.   Uma Europa preparada para a era digital

3.1

A crise da COVID-19 mostra que a revolução digital é um elemento importante para aumentar a resistência das nossas sociedades em situação de crise. É fundamental investir na digitalização de serviços essenciais e reforçar a capacidade dos governos, dos legisladores e das instituições públicas de prestarem os seus serviços durante uma crise. Ao mesmo tempo, temos de compreender que as tecnologias digitais são um instrumento, não são um objetivo final. Tem de haver uma apropriação pública do quadro que envolve as tecnologias digitais e uma orientação do mesmo para padrões elevados de sustentabilidade, incluindo salvaguardas tecnológicas e democráticas fortes, acompanhadas de medidas de apoio ao conhecimento e aos custos que não esquecem ninguém. Para tal, é preciso assegurar que a revolução digital garante a acessibilidade dos mais de 100 milhões de pessoas com deficiência na UE, em conformidade com o Ato Europeu da Acessibilidade.

3.2

A digitalização é simultaneamente uma oportunidade e um risco para a recuperação. O domínio da inovação pode colocar a UE na linha da frente, nomeadamente no domínio da cadeia de blocos, em que a UE detém a liderança. A cadeia de blocos enquanto tecnologia (não bitcoin) implica valores democráticos, oferecendo transparência e melhores estruturas de governação. No entanto, há que gerir os riscos inerentes à digitalização, designadamente mais desemprego, marginalização digital e exclusão social, sendo de encontrar formas de tirar partido das oportunidades e equilibrar os riscos ao mesmo tempo, num panorama em que a UE procura manter-se competitiva a nível mundial.

3.3

É importante preservar o modelo europeu de direitos, normas e políticas dos consumidores, que torna a UE única. Por exemplo, no domínio da digitalização, o código ético da UE relativo à inteligência artificial (IA) separa a visão da UE de «controlo humano» da de outras regiões. Tal abordagem, fundada nos direitos e liberdades fundamentais, faz parte do modelo da UE e deve ser preservada, apesar do atual ambiente concorrencial mais difícil.

3.4

O CESE sublinha a importância da digitalização em todos os setores da sociedade, nomeadamente através do teletrabalho e dos serviços digitais, incluindo o comércio eletrónico e a saúde em linha.

3.5

A pandemia demonstrou que a digitalização na educação não é equitativamente acessível na sociedade, o que pode conduzir a mais problemas no desempenho escolar e nas oportunidades educativas. Por conseguinte, é necessário introduzir medidas de apoio aos grupos desfavorecidos e, deste modo, ajudar a prevenir a segregação.

3.6

É necessária uma atualização contínua do quadro jurídico para a inteligência artificial e a digitalização, mantendo-se em sintonia com a evolução técnica e, em especial, com a questão da segurança das comunicações digitais, tanto em termos de redes como de conteúdos.

3.7

O CESE toma nota do facto de a Comissão ter adiado para 2021 a proposta legislativa sobre o impacto da inteligência artificial, nomeadamente na segurança, na responsabilidade, nos direitos fundamentais e nos dados. Exorta a Comissão a: i) promover a multidisciplinaridade na investigação, incluindo disciplinas como o direito, a ética, a filosofia, a psicologia, as ciências do trabalho, as ciências humanas, a economia, etc.; ii) integrar as partes interessadas pertinentes (sindicatos, organizações profissionais, empresariais e de consumidores e organizações não governamentais) no debate sobre a IA e enquanto parceiros de pleno direito na investigação financiada pela UE e noutros projetos, como a parceria público-privada no domínio da IA, os diálogos setoriais, o programa «Adoção de IA» no setor público e o centro-farol; e iii) continuar a educar e informar os cidadãos em geral sobre as oportunidades e os desafios em matéria de IA. Recomenda igualmente que a Comissão analise de forma mais aprofundada o impacto da IA em todos os direitos e liberdades fundamentais, incluindo — entre outros — o direito a um processo judicial equitativo, o direito a eleições justas e abertas, o direito de reunião e de manifestação, bem como o direito à não discriminação. O CESE continua a opor-se a qualquer forma de personalidade jurídica para a IA, o que comprometeria o efeito preventivo e corretivo da responsabilidade civil, criaria um importante risco moral no desenvolvimento e na utilização da IA e abriria a porta a utilizações abusivas (7).

3.8

Devido à crescente utilização de telemóveis inteligentes e à introdução de redes 5G, a preocupação da interoperabilidade entre as aplicações e as redes em toda a União Europeia, especialmente em situações de emergência, reveste grande importância.

3.9

Tendo em conta a evolução da digitalização e o seu impacto cada vez maior na vida privada, social e profissional e em todos os setores, a preocupação com o ensino das competências digitais e a adoção de medidas contra o fosso digital para os cidadãos são essenciais.

3.10

Muito justamente, a preparação da Europa para a era digital é uma das prioridades principais, bem visível também no programa de trabalho ajustado para 2020. O CESE congratula-se com o forte esforço da Comissão Europeia em domínios como a inteligência artificial, os serviços digitais, a cibersegurança, os dispositivos e soluções digitais para os consumidores, mas também o financiamento digital. O CESE congratula-se, em particular, com a forte vertente digital no âmbito da proposta de nova estratégia industrial para a Europa. A digitalização também é visível no Pacote Serviços de Aviação. O CESE também observa, em grande medida, que a digitalização se reflete nos domínios prioritários propostos para o Espaço Europeu da Investigação.

4.   Uma economia ao serviço das pessoas

4.1

Devemos reconstruir a nossa governação económica com base num sistema económico europeu resiliente, sustentável e inclusivo. Pretendemos não só alcançar uma retoma económica mecânica, mas também uma mudança qualitativa na gestão e governação das políticas económicas.

4.2

O impacto total da crise ainda está por determinar, e a reconstrução e a retoma exigirão um esforço considerável. É, por conseguinte, muito necessário aplicar rapidamente as propostas, de maio de 2020, no sentido de um instrumento de recuperação e um QFP reforçado. Também temos de estar preparados para novas medidas e alterações, complementares às já adotadas, se tal se justificar pela evolução da situação.

4.3

A Comissão deve continuar a recorrer ao Semestre Europeu como motor da retoma, com base nas prioridades de investimento e de reforma identificadas no quadro do referido Semestre. O Comité louva a recente ênfase numa melhor integração dos assuntos sociais e do Pacto Ecológico Europeu, tal como a aplicação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência através do Semestre. A Comissão deve apoiar, através do Semestre Europeu, os Estados-Membros da área do euro a adotar todas as medidas necessárias para assegurar mais convergência e integração no domínio económico, incluindo uma orientação orçamental positiva agregada para a área do euro no seu conjunto, a fim de conseguirem sair da crise atual.

4.4

Todas as prioridades e ações descritas noutros domínios de intervenção implicarão a necessidade de elaborar um novo quadro de governação económica que responda aos desafios da situação macroeconómica atual e permita a execução, pela União e pelos seus Estados-Membros, das políticas estratégicas industriais, de competitividade, sociais, ambientais e comerciais. No início de 2020, a Comissão lançou uma ampla consulta pública sobre este tema, que foi suspensa devido à crise da COVID-19 e à aplicação da cláusula de derrogação de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Não é possível pensar que, em 2021, podemos regressar a uma aplicação automática do pacto. A Comissão, deve, por isso, avançar com as novas iniciativas que visam promover a reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento, com vista a assegurar simultaneamente a estabilidade e o crescimento.

4.5

Neste contexto, o CESE apela para uma correção macroeconómica mais simétrica, partilhada entre os Estados-Membros que apresentam défices e aqueles que registam excedentes. Todos os Estados-Membros devem poder investir mais nos serviços públicos, pois, tal como a crise demonstrou, estes serviços desempenham um papel crucial para salvar vidas e enfrentar a pandemia. Além disso, os dirigentes europeus devem ter em conta a chamada «regra de ouro» quando da aplicação das regras orçamentais da UE, isentando determinado investimento público dos cálculos do défice e tendo em conta a sustentabilidade do nível de endividamento existente.

4.6

Por último, há muito que era necessário um mecanismo permanente de estabilização orçamental para a área do euro, uma vez que apoiaria grandemente as políticas contracíclicas da União em caso de choques futuros. Tal mecanismo contribuiria para a estabilidade e a sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas nacionais e marcaria o próximo passo necessário no aprofundamento da União Económica e Monetária europeia.

4.7

A recuperação pós-COVID-19 dependerá fundamentalmente da capacidade dos mercados financeiros europeus de assegurar liquidez suficiente. O bom funcionamento dos mercados financeiros e o reforço da capacidade de partilhar riscos financeiros são fatores necessários para reforçar a resistência da economia europeia. A maior harmonização e integração dos mercados financeiros europeus deve, por conseguinte, prosseguir sem demora, incluindo a conclusão da União Bancária e o reforço da União dos Mercados de Capitais. Aquando da revisão das regras prudenciais bancárias, a fim de aplicar os restantes acordos do quadro de Basileia, devem ser tidas em conta as especificidades do panorama bancário da UE. Além disso, é fundamental que os mercados financeiros possam apoiar a transição ecológica e digital. O CESE considera que são necessários mais esforços para integrar a sustentabilidade no setor financeiro; por conseguinte, o Comité congratula-se com o objetivo da Comissão de renovar a sua estratégia para o financiamento sustentável.

4.8

O CESE manifesta a firme convicção de que, no contexto da digitalização da economia, qualquer alteração das regras de distribuição dos direitos de tributação dos lucros entre países deve ser coordenada à escala mundial e, por conseguinte, congratula-se com a cooperação estreita entre a Comissão, os Estados-Membros e a OCDE/G20 em prol de uma solução internacional. Se tal não for possível, a UE deve ponderar avançar sozinha. A luta contra a fraude e a evasão fiscais, bem como contra o branqueamento de capitais, deve continuar a ser a prioridade mais importante da agenda.

4.9

A política de coesão desempenhará um papel fundamental na garantia de uma recuperação equilibrada, promovendo a convergência e garantindo que ninguém é esquecido. A flexibilidade financeira é realmente crucial para os programas de coesão e dará aos Estados-Membros a possibilidade de transferir os fundos de acordo com as suas necessidades para fazer face à crise. O CESE considera que deve ser definido um calendário realista para que os fundos sejam atribuídos aos Estados-Membros o mais rapidamente possível. A política de coesão da UE para o período 2021-2027 deve continuar a concentrar-se na competitividade económica através da investigação e inovação, da transição digital, bem como na agenda do Pacto Ecológico Europeu e no desenvolvimento sustentável.

4.10

A crise sanitária e económica causada pelo surto de COVID-19 exacerbou a riqueza existente e as desigualdades de rendimento e demonstrou claramente a necessidade de um novo modelo societal que contribua mais para a coesão económica e social, para a produtividade e para uma repartição mais equitativa da riqueza. A Comissão necessita agora urgentemente de dar seguimento às propostas anteriores do CESE que contribuiriam para inverter a tendência de crescente desigualdade, que provoca um fosso entre os diferentes Estados-Membros e grupos sociais e contribuiu para o aumento de movimentos e partidos extremistas. Para o efeito, é necessária uma ação decisiva da UE para complementar os esforços dos Estados-Membros no sentido de impulsionar o investimento em infraestruturas sociais (educação e aprendizagem ao longo da vida; saúde, cuidados continuados e assistência social; habitação a preços acessíveis), a fim de desenvolver ativos públicos destinados a colmatar as lacunas do sistema de mercado, deslocar gradualmente as receitas fiscais da tributação baseada no trabalho para uma tributação mais baseada no património; criar um mecanismo transparente que acompanhe e consolide os dados sobre todos os rendimentos e riqueza; estabelecer um registo das empresas acionistas ao nível europeu, etc.

4.11

No contexto da crise da COVID-19, a Comissão deve também dar seguimento a iniciativas anteriores destinadas a reforçar e promover o papel da Europa como interveniente económico de nível mundial. Deverá ainda analisar e propor formas e meios mais específicos de reforçar o papel internacional do euro, diversificar as cadeias de abastecimento e promover as regras e normas europeias em determinados setores estratégicos, assegurar uma resposta europeia mais resistente às sanções extraterritoriais de países terceiros e avançar gradualmente para uma representação europeia unificada nas instâncias financeiras internacionais.

4.12

A prosperidade económica deve ser dissociada da degradação ambiental e do esgotamento social. Modelos como a economia circular, a economia cooperativa e a economia colaborativa oferecem novas oportunidades de emprego, apropriação e inovação e transformam as relações entre os produtores, os distribuidores e os consumidores, tornando todos os intervenientes mais resistentes às crises, quando devidamente regulamentados. Para além da aplicação adequada do novo Plano de Ação para a Economia Circular e da prossecução da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular CESE-CE, as prioridades principais incluem: promover uma estratégia global em matéria de consumo sustentável, desenvolver novos indicadores para substituir a utilização inadequada do PIB e adaptar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, a fim de ter em conta a sustentabilidade e o bem-estar.

4.13

É necessário reconstruir uma sociedade com serviços de interesse geral mais robustos, tal como consagrado no artigo 14.o do TFUE, relativo aos SIEG, no Protocolo n.o 26 sobre os SIG, em anexo ao TFUE, e no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em particular, bem como com saúde e serviços sociais, comunicações eletrónicas, transportes públicos, energia, água e recolha de lixo e um programa de investimento de acompanhamento.

4.14

Os conceitos modernos de desenvolvimento económico baseiam-se não só nos critérios de prosperidade, rentabilidade e eficiência, mas também no respeito dos requisitos sociais e ambientais e na eliminação de todos os tipos de externalidades negativas e de deficiências do mercado. À luz dos ensinamentos retirados da crise mais recente da COVID-19, a economia também tem de ser resistente e suficientemente forte para enfrentar choques futuros. Para o efeito, recomenda-se vivamente a eliminação dos desequilíbrios estruturais.

4.15

A economia moderna requer também o bom funcionamento do mercado em todos os seus segmentos, incluindo os criados recentemente (economia virtual, partilhada, circular e digital). Por este motivo, é também adequado um melhor funcionamento da intermediação financeira; no contexto da UE, tal significa, em especial, o aprofundamento da União dos Mercados de Capitais e a conclusão da União Bancária. A fim de apoiar mais a transição para uma economia mais sustentável, o sistema de tributação deve também ser adaptado em consonância.

4.16   Mercado único

4.16.1

O mercado único está no âmago da construção europeia. Um mercado único operacional estimula a concorrência, melhora a eficiência, aumenta a qualidade e contribui para diminuir os preços. O mercado único europeu é certamente uma das maiores realizações da UE. Por conseguinte, é fundamental examinar de que forma o funcionamento do mercado interno pode estimular ou entravar a retoma económica após a crise sanitária.

4.16.2

A coerência e a unidade do mercado único foram fortemente postas à prova durante a recente pandemia de COVID-19. Foram revelados alguns dos domínios do mercado único que foram gravemente afetados e paralisados, especialmente a livre circulação de pessoas. A continuidade das cadeias de distribuição transfronteiras também foi influenciada negativamente. O volume do comércio transfronteiras da UE diminuiu em valores de dois dígitos, numa base anual. Mas o seu âmago manteve-se e sobreviveu. O principal desafio que se coloca agora é recuperar todos os fluxos transfronteiras naturais na UE e suprimir os obstáculos atuais ao mercado único, que foram reforçados, recentemente, com algumas estratégias e conceitos nacionalistas aplicados após a crise anterior.

4.16.3

É possível promover a inovação social como modelo para a recuperação através de processos colaborativos de criação, conceção e produção. Num contexto social complexo com enormes desafios societais, a única via é mobilizar todos os recursos da sociedade, trabalhando de forma transetorial e multidisciplinar com vista a identificar soluções. A sociedade civil organizada é um catalisador da inovação social, um movimento que tem contribuído para a conceção de sistemas de assistência social que resultam em novas políticas, estruturas, produtos, serviços e métodos de trabalho. A participação da sociedade civil é mais necessária do que nunca, pois a verdadeira inovação social só é possível quando é associada a sociedade civil organizada.

4.16.4

O mercado único está no centro do projeto europeu, permitindo a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais e proporcionando oportunidades para as empresas, os consumidores e os trabalhadores da UE. Cabe adotar medidas que permitam libertar plenamente todo o seu potencial mediante a eliminação das barreiras. Além disso, no rescaldo da crise e tendo em conta outros aspetos de um mundo em mutação, como a digitalização, o mercado único terá de adaptar-se plenamente a novas ideias e a novos modelos de negócios. Por conseguinte, o objetivo consiste em restabelecer, redinamizar e reconstruir o mercado único enquanto instrumento de recuperação. As ações a curto prazo passam pela abertura imediata das fronteiras. São ainda necessárias medidas a curto prazo em duas vertentes: resolver as tensões e relançar a economia e a produtividade.

4.16.5

As condições de concorrência «desiguais» que começam a emergir são motivo de grande preocupação. Os pacotes de estímulo dos Estados-Membros são extremamente diversos e, não obstante terem a intenção louvável de absorver parte do choque da procura, resultaram em condições de concorrência desiguais entre os Estados-Membros. Além disso, importa abordar e analisar sob o prisma setorial a questão dos auxílios estatais, examinando de que forma essas medidas distorcem, a curto e longo prazo, a concorrência e a equidade das condições de concorrência.

4.16.6

A economia real tem de ser produtiva (isto implica postos de trabalho, poder de compra e serviços e produtos de base). A produtividade pode assumir diferentes formas e ser proporcionada por diferentes modelos de negócio, mas importa agir neste domínio para evitar o agravamento das desigualdades. O relançamento implica pacotes de apoio e a criação de um ambiente propício às PME e à indústria. Como se sabe, as PME são o pilar da economia europeia e carecem de apoio específico, livre de encargos adicionais e burocracia. A recuperação das PME só será possível mediante a concessão de apoio financeiro nacional e da UE. Para o efeito, serão fundamentais medidas como subsídios, empréstimos, garantias de liquidez, incentivos fiscais, condições favoráveis à retenção e contratação de pessoal, revisão da legislação em matéria de insolvência e outros apoios. A UE deve legislar sobre o direito das falências para que as pequenas empresas que abriram falência devido à COVID-19 estejam em condições de relançar a sua atividade rapidamente. Estas medidas devem ser limitadas no tempo.

4.17   Estratégia industrial

4.17.1

Muitos dos pontos anteriores são, de um modo geral, também plenamente válidos para a estratégia industrial. Mas a indústria europeia enfrenta não só o desafio de melhorar o mercado único, mas também, em vez dos serviços, realizar mudanças estruturais fundamentais, que são sobretudo relevantes para a extração de carvão e as indústrias pesadas com elevada intensidade de carbono.

4.17.2

A substância da nova estratégia industrial para a Europa consiste em encontrar uma coexistência entre uma indústria europeia moderna e forte e os desafios decorrentes dos requisitos ambientais em matéria de clima. O CESE está convicto de que esta coexistência é possível e, se for bem-sucedida, pode trazer uma vantagem comparativa global para a Europa. Por outro lado, o CESE está plenamente consciente e respeita os custos enormes relacionados com tal transição e apoia a atenuação e a compensação dos mesmos de forma adequada, tendo em conta as possibilidades económicas.

4.18   Sistemas de saúde

4.18.1

Acima de tudo, um dos principais ensinamentos retirados da crise da COVID-19 revela que os sistemas de saúde de quase todos os países europeus necessitam de ser reforçados, colocando, sobretudo, a ênfase na prevenção. O impacto da COVID-19 está a colocar grande pressão nos sistemas de saúde de toda a Europa. Embora a responsabilidade pelos cuidados de saúde seja uma competência nacional, a propagação do vírus não conhece fronteiras e está a afetar toda a Europa, dentro e fora das nossas fronteiras, com consequências sanitárias, sociais e económicas que exigem respostas comuns a nível europeu.

4.18.2

A crise da COVID-19 revelou a dependência da UE relativamente às importações de produtos médicos provenientes de países terceiros. São necessários investimentos na proteção da saúde, nos cuidados e nos serviços de cuidados continuados, nos cuidados de saúde preventivos e nas políticas de saúde e segurança no trabalho — numa abordagem fundada no ciclo de vida –, que devem ser apoiados pelas instituições da UE.

4.18.3

A crise da COVID-19 comprova claramente que as multinacionais farmacêuticas têm bastante poder. A fim de aumentar a independência da indústria farmacêutica, deve também ser criado um vasto fundo europeu de investigação para o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas. As instituições da UE devem dispor da autoridade necessária para coordenar o fornecimento, a distribuição e os preços de equipamentos médicos e de proteção essenciais no âmbito do mercado único.

4.18.4

O CESE apela a uma estratégia sustentável em matéria de produtos químicos que assegure a proteção da saúde humana e do ambiente, minimizando ao mesmo tempo a exposição a substâncias químicas perigosas. A nova estratégia terá de ser plenamente coerente com o Pacto Ecológico Europeu.

4.18.5

É necessário restabelecer a confiança dos passageiros nos transportes, nomeadamente no que se refere aos transportes públicos. Tal implica, entre outras medidas, reforçar a segurança sanitária dos passageiros (por exemplo, sistemas de ar condicionado, deteção de doentes, medidas de limpeza e desinfeção, etc.). Neste contexto, os direitos dos passageiros têm de ser reconsiderados e mesmo reforçados (por exemplo, reembolso de viagens canceladas).

5.   Uma Europa mais forte no mundo

5.1

A UE tem de reforçar e consolidar a sua posição global para assumir um papel mais importante e estratégico na economia e na política mundiais. Ao longo da última década, esta posição perdeu força. A economia da UE pode explorar melhor as suas vantagens comparativas no comércio mundial e nos mercados de investimentos, sobretudo na produção industrial avançada e nos serviços inovadores, a par da ambição de se tornar um líder mundial. Este esforço deve ser acompanhado de uma representação melhor e mais eficaz da UE em organizações internacionais fundamentais, bem como da necessidade de a UE aí falar a uma só voz. O CESE exorta a Comissão Europeia a envidar esforços orientados para refletir mais especificamente a necessidade de reforçar a posição da UE a nível mundial no programa de trabalho para 2021.

5.2

A UE deve continuar a apoiar uma abordagem multilateral nas trocas comerciais. A integração das normas sociais, laborais e de desenvolvimento sustentável (8) nas regras da OMC e de outras agências da ONU pode contribuir substancialmente para a construção de uma nova ordem económica e comercial equitativa e de uma globalização justa e inteligente. Ao mesmo tempo, deve opor-se ao esforço para criar novas barreiras e restrições na economia mundial.

5.3

À luz dos ensinamentos concretos retirados da crise da COVID-19, a UE deve ponderar mais atentamente a proteção dos seus ativos estratégicos e dos seus investimentos e reforçar o controlo em áreas onde existe o risco de abuso político numa operação de investimento no âmbito de uma indústria estratégica.

5.4

Após o Brexit, a UE deve centrar-se não só no reforço da sua coerência e unidade, mas também, quando apropriado, na prossecução do processo de alargamento que sofreu recentemente um certo atraso, apesar de alguns progressos, especialmente na adesão de determinados países dos Balcãs Ocidentais. O alargamento poderia contribuir fortemente para eliminar as incertezas políticas e económicas e aumentar a estabilidade nesta parte da Europa.

5.5

Na última década, a situação geopolítica agravou-se, o que também afeta os territórios mais próximos das fronteiras externas da UE. A fim de apoiar a estabilidade e melhorar as relações mútuas com a UE, deverá manter-se a iniciativa de uma parceria estratégica e de uma política de vizinhança integradora. Esta deve reagir de forma flexível às novas circunstâncias e basear-se no respeito mútuo e nos benefícios que traz para ambas as partes.

5.6

A evolução da situação geopolítica e as consequências da recente crise migratória, bem como a deterioração das relações externas no mundo, com muitos novos fenómenos de risco, também afetaram o espetro da assistência e do apoio ao desenvolvimento da UE. O próximo QFP conta com um aumento enorme dos recursos financeiros para este efeito e espera a inclusão do Fundo Europeu de Desenvolvimento no quadro. O CESE apoia esta atividade e sublinha a necessidade de prestar especial atenção a África, a fim de ajudar este continente a superar uma situação política, económica, social e ambiental difícil.

5.7

É necessário relançar o papel geopolítico estratégico da UE na promoção dos processos de paz ao nível mundial, de modo a reabrir as oportunidades de desenvolvimento económico da vizinhança da UE, como os Balcãs Ocidentais, os países do Euromed e da Parceria Oriental, bem como outras zonas afetadas por conflitos.

6.   Promoção do modo de vida europeu

6.1   Medidas sociais

6.1.1

Para além das questões económicas e ambientais, o programa de trabalho da Comissão Europeia para 2021 deve nortear-se pela dimensão social. Tal significa que o seu empenho numa Europa social e sustentável deve ser uma prioridade. Às organizações da sociedade civil também cabe um papel importante neste domínio. É possível promover a inovação social como modelo para a recuperação através de processos colaborativos de criação, conceção e produção. Num contexto social complexo com enormes desafios societais, a única via é mobilizar todos os recursos da sociedade, trabalhando de forma transetorial e multidisciplinar com vista a identificar soluções. A sociedade civil organizada é um catalisador para a inovação social.

6.1.2

É necessário desenvolver uma maior compreensão da «transição justa» (além do carvão) e executar na íntegra o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, estimulando as reformas dos sistemas redistributivos, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e a igualdade de género.

6.1.3

A aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais ao nível europeu e em todos os Estados-Membros é um passo importante para lançar de forma proativa um processo ascendente de convergência social. As orientações políticas da Comissão prometem uma transição justa para todos no sentido de uma economia social de mercado ecológica. Neste contexto, a Comissão apresentou um roteiro sobre «Uma Europa social forte para transições justas», que lançou um debate com os países, as regiões e os parceiros da UE sobre compromissos concretos no sentido de aplicar o pilar, a fim de realizar progressos a nível da UE, nacional, regional e local até novembro de 2020 (9). Com base nos contributos recebidos, a Comissão apresentará, no início de 2021, um plano de ação para a aplicação do pilar social. O anexo do roteiro contém propostas suplementares para 2021, que incluem uma garantia para as crianças, um plano de ação para a economia social, uma estratégia para a deficiência e uma visão a longo prazo para as zonas rurais (10).

6.1.4

No contexto do roteiro, a Comissão lançou uma primeira fase e uma segunda fase de consulta dos parceiros sociais sobre salários mínimos justos (11). O CESE aguarda uma eventual iniciativa jurídica da Comissão sobre salários mínimos justos e dignos. O objetivo deve ser garantir salários mínimos em todos os Estados-Membros, que permitam a todos os trabalhadores desfrutar de um nível de vida digno. O CESE congratula-se por a Comissão reconhecer que há margem para a UE fomentar o papel da negociação coletiva no apoio à fixação de salários mínimos adequados e que as medidas de apoio à negociação coletiva, em especial a nível setorial, devem fazer parte da ação da UE em matéria de salários mínimos (12).

6.1.5

A complexidade da dimensão social da UE é tal que o seu reforço exige mecanismos de governação que permitam a resolução coletiva de problemas por vários intervenientes em diferentes setores. O diálogo social é fundamental. Uma forte recuperação social significa também um melhor acesso aos sindicatos e melhor proteção. Há que apoiar a negociação coletiva e a democracia no local de trabalho. A UE e os Estados-Membros devem apoiar os parceiros sociais no reforço significativo do âmbito de cobertura da negociação coletiva. É necessário reforçar a representatividade e a autonomia e as ligações entre os níveis europeu e nacional do diálogo social. Além disso, é necessário reforçar ainda mais a capacidade e a participação dos parceiros sociais na elaboração de políticas, bem como assegurar um quadro estável e equilibrado de relações laborais. O CESE considera que a Comissão Europeia deve rever o Quadro de qualidade da UE para a antecipação da mudança e de processos de reestruturação e propor uma base jurídica para as condições-quadro específicas relativas à participação dos trabalhadores, sem interferir nas competências nacionais (13), a fim de melhorar a participação dos trabalhadores na gestão dos desafios do Pacto Ecológico e do processo de transição digital.

6.1.6

O CESE exorta a Comissão a reformar a governação económica da União Europeia. O CESE está convicto de que são necessárias determinadas alterações: a) alterações na governação, ou seja, são necessários mecanismos de governação específicos para resolver mais rapidamente problemas urgentes e responder a questões complexas. O papel destes mecanismos seria estabelecer uma ligação entre a UE e os Estados-Membros, e não substituir a ação a estes níveis; b) a integração dos ODS nos processos de acompanhamento económico e social e de orçamentação da UE. Neste contexto, o Semestre Europeu poderia ser dotado de novos e melhores indicadores sociais, económicos e ambientais, mensuráveis e complementares, que lhe permitissem monitorizar e acompanhar todos os aspetos do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e os princípios que lhe estão subjacentes, bem como os 17 ODS (14).

6.1.7

O CESE acolhe favoravelmente a proposta anunciada para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas em 2021. Contudo, o Comité lamenta que a comunicação da Comissão não aborde diretamente o desafio muito mais vasto de uma transição integradora e justa (15). Insiste na necessidade de um plano de ação ambicioso para incentivar os Estados-Membros a cumprirem as suas promessas no âmbito da proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (16).

6.1.8

A redefinição do trabalho reveste uma importância crucial na fase de recuperação da crise da COVID-19. Tanto no setor privado como no setor público da saúde e dos cuidados, o aumento da produtividade contrariou a qualidade do serviço e comprometeu a experiência de trabalho, o que teve consequências dramáticas durante a crise sanitária na maior parte dos países da UE. A transição para atividades à base de serviços conduziria a uma economia com maior utilização de mão de obra, compensando a precariedade dos postos de trabalho nesses setores, apoiando níveis mais elevados de emprego e criando novamente emprego na economia real. Assim, são essenciais políticas de apoio ao trabalho de qualidade dos setores que utilizam muita mão de obra e que prestam serviços de alta qualidade.

6.1.9

O CESE continua preocupado com o facto de a pobreza em geral e a pobreza no trabalho constituírem ainda um problema significativo em muitos Estados-Membros. Para além da melhoria dos níveis salariais, é necessária uma abordagem global a nível da UE e dos Estados-Membros, incluindo ações destinadas a assegurar regimes de rendimento mínimo adequados, normas mínimas comuns no domínio do seguro de desemprego e sistemas eficazes de integração ativa, apoiadas por serviços sociais essenciais e capacitantes. São também necessários mercados de trabalho eficientes, serviços públicos de emprego e políticas ativas do mercado de trabalho (17).

6.1.10

O CESE apoia a Estratégia da Comissão para a Igualdade de Género 2020-2025 e recomenda que a Comissão adote estratégias de integração da perspetiva de género em todos os órgãos de programação e governação, bem como uma abordagem intersetorial da igualdade de género. A estratégia deve ser aplicada a par das medidas para combater o impacto da COVID-19, mediante respostas políticas adaptadas e específicas. O Comité toma nota da intenção da Comissão de propor uma iniciativa legislativa relativa a medidas vinculativas em matéria de transparência salarial. Para fazer face às disparidades salariais e a outras disparidades de género, há que conferir maior reconhecimento social e valor económico ao emprego e aos setores, que tradicionalmente empregam muitas mulheres, e são muitas vezes mal remunerados e subvalorizados.

6.1.11

É importante continuar a combater e atenuar as consequências socioeconómicas da pandemia, que são excecionalmente fortes nos domínios essenciais dos transportes, das viagens e do turismo.

6.2   A migração e a situação após a COVID-19

6.2.1

Com a chegada da pandemia de COVID-19, a enorme tragédia que se seguiu para os sistemas de saúde nacionais e o desmoronar da economia em todos os países, a questão da migração pareceu desaparecer do cenário e passar para segundo plano, acompanhada por uma certa indiferença por parte da opinião pública. Os requerentes de asilo não podem ser abandonados por causa da crise atual. Os direitos básicos de proteção estão no cerne dos valores europeus e não podem ser ignorados quando se tornam inconvenientes.

7.   Um novo impulso para a democracia europeia

7.1

A União Europeia baseia-se em valores europeus comuns que não são negociáveis em circunstância alguma: respeito pela dignidade humana e pelos direitos humanos, liberdade, democracia, igualdade e Estado de direito. Estes valores não podem ser esquecidos quando a UE e os seus Estados-Membros enfrentam uma situação de emergência e as suas consequências económicas e sociais. Embora a resposta à crise atual tenha de ser célere e justifique algumas medidas excecionais e limitadas no tempo, estas não podem ser contrárias ao Estado de direito nem pôr em perigo a democracia, a separação de poderes e os direitos fundamentais dos cidadãos europeus. O CESE insiste em que todas as medidas políticas a este respeito devem estar em plena consonância com os nossos valores comuns, consagrados no artigo 2.o do TUE.

7.2

No âmbito deste novo processo de recuperação e reconstrução, o CESE espera que a futura Conferência sobre o Futuro da Europa constitua uma oportunidade para reforçar e aprofundar a estrutura institucional da UE, bem como para proceder a uma genuína renovação do projeto europeu, para que a UE seja capaz de fazer face aos desafios das próximas décadas.

7.3

A crise da COVID-19 expôs os limites institucionais e as deficiências da atual União Europeia, demonstrando a necessidade urgente de uma União eficaz e eficiente. É necessário criar uma nova estrutura da União Europeia que vá além do mercado único da UE e conduza a uma Europa mais integrada, com uma capacidade orçamental real, sendo o seu objetivo principal melhorar as condições de vida e de trabalho dos seus cidadãos. Por estas razões, o CESE considera que o processo da conferência deve ter em conta os instrumentos de recuperação da UE existentes e a solidariedade já estabelecida, assegurando simultaneamente a sustentabilidade ecológica, o desenvolvimento económico, o progresso social, a segurança e a democracia. O CESE salienta que, apesar da pandemia, a participação direta das organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais e dos representantes eleitos deve manter-se uma prioridade da conferência e aguarda com expectativa o início da mesma, a fim de construir uma União mais democrática, mais eficaz e mais resistente, juntamente com todos os cidadãos da UE. O CESE considera que a Comissão deve manter o âmbito de aplicação da conferência aberto a todos os resultados possíveis, incluindo propostas legislativas, dando início à alteração do Tratado ou de outra forma.

7.4

O CESE considera que a desinformação representa uma ameaça direta não só à capacidade dos cidadãos de tomarem decisões políticas informadas, mas também ao projeto de integração europeia e, por conseguinte, à unidade, prosperidade e à influência global da União Europeia. O enfraquecimento da capacidade de tomada de decisões democráticas da UE é do interesse de diversas potências estrangeiras, bem como de grupos extremistas que se opõem à cooperação e ao reforço da coesão na Europa. O CESE manifesta o seu firme apoio aos atuais esforços da UE para combater a desinformação — externa e interna — e exorta a Comissão a assegurar a plena observância e medidas regulamentares de acompanhamento em relação ao Código de Conduta sobre Desinformação, a desenvolver adicionalmente o «sistema de alerta rápido» recentemente criado e as unidades de informação responsáveis pela comunicação estratégica (STRATCOM), a expandir a ação do Serviço Europeu para a Ação Externa para combater a desinformação e a reforçar, de forma simultânea e considerável, as medidas da UE contra a desinformação interna (18).

7.5

O CESE apoia firmemente a proposta da Comissão Europeia de elaborar um plano de ação para a democracia europeia, que deverá ser exaustivo e contínuo, ter capacidade para promover mudanças e beneficiar de apoio financeiro e de coordenação interinstitucional. O plano de ação para a democracia europeia e outras iniciativas futuras conexas devem redobrar de esforços para assegurar meios de comunicação social livres e plurais, bem como um jornalismo independente de qualidade, a regulamentação eficaz das redes sociais, em particular para combater a desinformação, incluindo a regulamentação da propaganda política em linha e da responsabilidade pelos conteúdos, um processo eleitoral moderno e a inclusão dos grupos excluídos do sistema político, principalmente das pessoas com deficiência, e uma educação cívica generalizada sobre a União Europeia e o seu processo democrático em todos os Estados-Membros. O CESE recorda a sua proposta relativa a uma estratégia ambiciosa da UE para a comunicação, a educação e a sensibilização do público para os direitos fundamentais, o Estado de direito e a democracia (19).

7.6

São necessárias mais medidas para assegurar meios de comunicação social livres e plurais, bem como um jornalismo independente de qualidade, a regulamentação eficaz das redes sociais, em particular para combater a desinformação, incluindo a regulamentação da propaganda política em linha e da responsabilidade pelos conteúdos.

7.7   Legislar melhor e prospetiva estratégica

7.7.1

O CESE mantém o apelo para uma revisão da iniciativa «Legislar Melhor» que integre um «controlo da sustentabilidade», de forma a assegurar que toda a legislação e políticas da UE contribuem para a aplicação dos ODS.

7.7.2

O CESE está empenhado em contribuir para o êxito da nova Plataforma Prontos para o Futuro (F4F), que substitui a Plataforma REFIT, e congratula-se com o reforço do papel do CESE na F4F em termos de participação, representação e contributo. Esta nova plataforma contará com a participação dos Estados-Membros e dos representantes da sociedade civil e com o seu trabalho em prol da simplificação e da redução da carga regulamentar desnecessária, bem como da preparação da Europa para novos desafios no futuro, como a digitalização. A crise da COVID-19 demonstrou a importância de elaborar políticas e reforçar as capacidades de modo que sejam adequadas para dar resposta às incertezas do futuro.

7.7.3

O CESE recorda que legislar melhor não pode substituir as decisões políticas e não pode, em caso algum, conduzir a uma desregulamentação, nem a uma redução do nível de proteção social, ambiental, de defesa do consumidor ou dos direitos fundamentais. O CESE insta a Comissão a rever as orientações e os critérios do conjunto de ferramentas para legislar melhor, a fim de integrar os ODS da Agenda 2030 nos processos de avaliação. Importa integrar explicitamente um «controlo da sustentabilidade» no conjunto de ferramentas para legislar melhor. O CESE reitera o seu apelo para que o ecossistema europeu em matéria de avaliação de impacto continue a evoluir, a fim de reforçar a sua qualidade e favorecer a participação ativa da sociedade civil organizada aquando da conceção e aplicação da legislação (20).

7.7.4

O CESE propõe que a Comissão conjugue consultas públicas (devido às suas limitações) com mesas-redondas eventuais de partes interessadas pertinentes, como os parceiros sociais e a sociedade civil organizada, a fim de reforçar a democracia participativa.

7.7.5

Cabe reforçar a participação das organizações da sociedade civil na avaliação de impacto e na prospetiva estratégica, a fim de assegurar que as suas competências e conhecimentos no terreno são tidos em consideração aquando da elaboração de legislação e políticas futuras no novo contexto pós-COVID-19.

7.7.6

As próprias organizações da sociedade civil também se contam entre as vítimas das desigualdades e das lacunas do sistema. A sua capacidade atual e futura para responder às necessidades é ameaçada pela escassez e pela inconstância dos recursos. É necessário dar resposta a esta situação, assegurando mecanismos de financiamento para essas organizações. O programa de trabalho da Comissão para 2021, na sequência da crise, constitui uma excelente oportunidade para rever o compromisso da UE em relação às organizações da sociedade civil em termos de apoio financeiro mais sustentável e estrutural versus o financiamento baseado em projetos.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Resolução — Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19 (JO C 311 de 18.9.2020, p. 1).

(2)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1590732521013&uri=COM:2020:456:FIN

(3)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1590574123338&uri=CELEX%3A52020DC0380

(4)  NAT/784 — Lei Europeia do Clima (ver página 143 do presente Jornal Oficial).

(5)  Ver nota de rodapé 4.

(6)  Ver página 124 do presente Jornal Oficial.

(7)  INT/894 — Livro Branco sobre a inteligência artificial (ver página 87 do presente Jornal Oficial).

(8)  Ver, por exemplo, https://www.ilo.org/global/standards/lang--en/index.htm

(9)  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/qanda_20_20

(10)  Uma Europa social forte para transições justas

(11)  https://ec.europa.eu/social/main.jsp?langId=pt&catId=1226&furtherNews=yes&newsId=9696

(12)  Parecer SOC/632 — Salários mínimos dignos em toda a Europa.

(13)  CCMI/124 — Quadro de qualidade da UE para a antecipação da mudança e de processos de reestruturação (JO C 19 de 21.1.2015, p. 50).

(14)  https://www.eesc.europa.eu/pt/documents/resolution/european-economic-and-social-committees-contribution-2020-commissions-work-programme-and-beyond

(15)  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0102&rid=1

(16)  INT/897 — Estratégia industrial (ver página 108 do presente Jornal Oficial).

(17)  Parecer SOC/632 — Salários mínimos dignos em toda a Europa (em elaboração) e Parecer do CESE (SOC/583): https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/common-minimum-standards-field-unemployment-insurance-eu-member-states-concrete-step-towards-effective-implementation (JO C 97 de 24.3.2020, p. 32), e Parecer do CESE — Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo (JO C 190 de 5.6.2019, p. 1).

(18)  SOC/630 — Os efeitos das campanhas sobre a participação na tomada de decisões políticas (JO C 311 de 18.9.2020, p. 26).

(19)  JO C 282 de 20.8.2019, p. 39 e Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União — Ponto da situação e eventuais medidas futuras, de 3 de abril de 2019.

(20)  INT/886 — Legislar melhor: fazer o ponto da situação e honrar os nossos compromissos (JO C 14 de 15.1.2020, p. 72).


PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

Reunião híbrida — 553.a reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020

28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/14


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Promover uma União Bancária mais inclusiva e sustentável melhorando o contributo dos bancos comunitários para o desenvolvimento local e construindo um sistema financeiro internacional e europeu socialmente responsável

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/02)

Relator:

Giuseppe GUERINI

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

24.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções)

205/6/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1

As regras aprovadas nos últimos anos a nível internacional e europeu nem sempre tiveram em plena consideração os diferentes modelos que contribuem para a diversidade bancária na Europa, o que tem um impacto significativo nos bancos de menor dimensão e regionais, que assumem, muitas vezes, a forma de cooperativas, especialmente em Estados-Membros como Itália e Espanha.

1.2

Os diferentes modelos que caracterizam o pluralismo e a diversidade do sistema bancário europeu não foram afetados de forma idêntica pelas intervenções regulamentares na sequência da última crise financeira. Em alguns casos, os bancos que menos contribuíram para a crise de 2008 sentiram com maior acuidade a pressão imposta pelas regras adotadas em resposta à mesma.

1.3

O CESE, embora reconhecendo os progressos realizados pela Comissão no sentido de ter em conta as instituições bancárias de menor dimensão e complexidade nas suas intervenções regulamentares mais recentes, considera útil reforçar ainda mais a proporcionalidade das regras bancárias às características dos seus destinatários, sem sacrificar a eficácia das regras prudenciais. Ao mesmo tempo, os princípios e os objetivos gerais subjacentes às medidas tomadas desde a crise financeira não devem ser postos em causa ou comprometidos, uma vez que se revelaram tanto necessários como eficazes. A segurança, a estabilidade e a resiliência do sistema financeiro são fundamentais.

1.4

O CESE acolhe favoravelmente o adiamento, recentemente acordado, da entrada em vigor do Acordo de Basileia III, incentivando, quando for oportuna, uma transposição da nova regulamentação em matéria de requisitos de capital que tenha devidamente em conta a diversidade dos modelos de negócio bancários presentes na Europa e o respetivo contributo para a diversificação e resiliência da União Bancária.

1.5

O CESE espera, em particular, ver valorizado o papel específico que os bancos regionais e comunitários, frequentemente organizados de forma cooperativa em alguns Estados-Membros, como Itália e Espanha, desenvolvem em prol das PME e das famílias à escala local, constituindo, em alguns casos, a principal, se não a única, fonte de acesso ao crédito para milhares de empresas e cidadãos europeus.

1.6

O CESE exorta também a que seja devidamente valorizado o contributo dos bancos cooperativos de maior dimensão de países como a Alemanha, a Áustria, os Países Baixos e a França para o sistema bancário europeu. Caso estes bancos contribuam para os riscos sistémicos, há que o ter devidamente em conta na regulamentação e na supervisão.

1.7

Cumpre igualmente lembrar o importante papel que desempenham no fomento da democracia económica, favorecendo a participação das respetivas partes interessadas, que não são meros acionistas ou clientes, mas sim sócios que podem participar com base em votações «por cabeça» nas orientações de governação, que efetivamente visam mais o stakeholders’ value (valor para as partes interessadas) do que o shareholders’ value (valor para os acionistas).

1.8

O CESE considera que os bancos europeus, incluindo os bancos regionais e cooperativos, desempenharão um papel fundamental na recuperação económica na sequência da emergência da COVID-19, apoiando a economia e o emprego.

1.9

Um sistema bancário diversificado, com a participação de uma pluralidade de partes interessadas e enraizado nos territórios e comunidades locais, constitui também uma importante garantia da manutenção de uma responsabilidade social que seja a expressão da partilha e participação por parte de cidadãos, PME e operadores económicos individuais com forte implicação na economia real.

2.   Observações gerais

2.1

O presente parecer de iniciativa nasce como um contributo do CESE para um projeto de União Bancária que favoreça a consecução dos objetivos de desenvolvimento sustentável e de inclusão social necessários para assegurar a futura competitividade da União Europeia face aos múltiplos desafios que se perfilam a nível mundial. Nesse contexto, o CESE pretende frisar o interesse da sociedade civil em assegurar uma União Bancária inclusiva, diversificada e sustentável.

2.2

Este contributo vem na sequência de vários outros pareceres do CESE sobre o papel dos bancos locais e cooperativos (1) e é ainda mais necessário hoje, face à nova conjuntura gerada pela crise sanitária, humana, económica, de emprego e social a nível mundial causada pelo surto de COVID-19.

2.3

Com o aumento constante das normas bancárias a nível europeu, as quais se tornam cada vez mais exigentes ao longo dos anos, nem sempre se teve em consideração os diferentes modelos que contribuem para a diversidade bancária na Europa, nem o desenvolvimento de regras proporcionais que fossem também adequadas para os bancos regionais e de menor dimensão.

2.4

Os argumentos apresentados abaixo prendem-se sobretudo com os bancos comunitários, geralmente de pequena dimensão e com uma estrutura de gestão simplificada. Referem-se igualmente aos bancos cooperativos nos diversos modelos e nas diferentes dimensões que assumem na Europa. Esses bancos são, com efeito, de pequena dimensão, estão presentes em grande número e têm um relevo apenas local em alguns Estados-Membros, como Itália e Espanha. Por outro lado, são atores importantes em Estados-Membros como a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos, embora, na medida que funcionam como cooperativas, ainda partilhem a característica distintiva dos outros bancos cooperativos, a saber, visam mais o valor para as partes interessadas do que para os acionistas. Quando estão organizados num grupo bancário cotado na bolsa, os bancos cooperativos têm de partilhar várias das características das outras empresas cotadas.

2.5

Abordar a questão da regulamentação bancária exige um duplo esforço: de memória, inclusivamente crítico, em relação aos eventos que condicionaram progressivamente o quadro regulamentar europeu, e de visão prospetiva quanto ao que pretendemos para o futuro.

2.6

No que se refere à memória, cumpre recordar que o quadro vigente é, em grande parte, uma resposta à crise de 2008. O legislador europeu pretendeu reformular as regras com vista a colmatar as lacunas expostas pela crise e, acima de tudo, dotar os bancos dos meios e da solidez necessários para fazer face a crises futuras.

2.7

Os objetivos das reformas realizadas foram e permanecem aceitáveis; no entanto, não restam dúvidas de que o impacto e os e resultados nos diversos aspetos do sistema bancário foram assimétricos, devido à abordagem até ao momento adotada pelo regulador bancário.

2.8

Os diferentes modelos que caracterizam o pluralismo e a diversidade do sistema bancário europeu não foram afetados de igual modo pelas intervenções regulamentares realizadas. Com efeito, em alguns casos, os modelos de negócios que menos contribuíram para a crise de 2008, como os bancos locais, frequentemente de pequena a média dimensão e, em alguns Estados, cooperativos, sentiram com maior acuidade a pressão imposta pelas regras.

2.9

Os bancos locais de pequena e média dimensão, também por via de normas cujo cumprimento se tornou, em diversos aspetos, mais difícil, sofreram uma pressão regulatória cada vez maior para se unirem a grupos de maior dimensão e se fundirem, sob pena de saírem do mercado, com a consequente perda de diversidade para o sistema bancário europeu.

3.   Bancos regionais e regulamentação bancária: considerações gerais

3.1

As diversas normas introduzidas nos últimos anos por via da execução de acordos internacionais e de regras europeias penalizaram os bancos de pequena e média dimensão, especialmente os que são de natureza cooperativa, regional e mutualista, por três razões:

a.

Os custos de conformidade devidos a uma regulamentação volumosa, complexa, muito pormenorizada e em constante alteração;

b.

O escasso reconhecimento da importância sistémica diferente dos bancos locais no que se refere ao risco;

c.

A vantagem em matéria de custos de financiamento de que beneficiam os grandes bancos sistémicos.

3.2

Por estas razões, o CESE considera útil que o legislador assegure rapidamente que as normas bancárias são estruturalmente proporcionais e adequadas aos destinatários. O legislador deve visar a realização de três objetivos:

a.

Reduzir distorções competitivas artificiais, induzidas por regras não proporcionadas/adequadas às diferentes características dos destinatários, incluindo as finalidades comerciais que os distinguem;

b.

Manter um setor bancário europeu diversificado e, como tal, mais resistente a futuras crises financeiras e económicas;

c.

Favorecer (e não reduzir) o recurso ao crédito para pequenas e médias empresas, um setor-chave da economia na Europa.

3.3

O CESE apoia o adiamento, recentemente acordado, da entrada em vigor do Acordo de Basileia III, incentivando, quando for oportuna, uma transposição para o direito da UE que tenha devidamente em conta a diversidade dos modelos de negócio bancários presentes na Europa.

3.4

Tendo em vista a transposição das novas reformas previstas no Acordo de Basileia, o CESE considera útil recordar e manifestar o seu apoio aos sete princípios definidos em junho de 2019 pelo Comité Científico do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), enunciados antes da aprovação definitiva da avaliação do próprio CERS (2).

a.

Adaptabilidade : a regulamentação financeira deve poder evoluir a par do sistema financeiro, e não tornar-se um obstáculo à inovação. Significa isso também não criar obstáculos materiais à entrada de novos bancos no setor e não desencorajar o aparecimento de novos modelos comerciais ou a salvaguarda de modelos bancários alternativos, historicamente consolidados, como o modelo cooperativo.

b.

Diversidade : a diversidade das instituições financeiras e das práticas comerciais deve ser preservada, uma vez que constitui uma salvaguarda eficaz contra a instabilidade sistémica. Deve evitar-se a homogeneização excessiva das empresas e das atividades sujeitas a regulamentação: a capacidade de desenvolver «anticorpos» e formas diversificadas de reação/resiliência em relação a ciclos económicos negativos, por exemplo, aumenta a estabilidade geral do setor financeiro e, mais genericamente, da economia.

c.

Proporcionalidade : o ónus da regulamentação deve ser proporcional à importância da correção das falhas do mercado e à importância sistémica dos destinatários da regulamentação.

d.

Possibilidade de resolução : a regulamentação deve permitir que as instituições não sustentáveis do ponto de vista económico saiam do sistema sem comprometer a estabilidade sistémica. No entanto, devem ser adotadas políticas que tenham em conta a estrutura e a complexidade internas das instituições em causa.

e.

Perspetiva sistémica : a regulamentação financeira deve ter como objetivo assegurar a prestação dos serviços financeiros essenciais à sociedade sem descontinuidade. Um sistema de regulamentação que favorece a concentração de atividades num número limitado de instituições financeiras pode apresentar maiores vulnerabilidades, pois depende da sobrevivência financeira dessas instituições pouco numerosas.

f.

Disponibilidade das informações : os fluxos de informação dos bancos para as autoridades reguladoras, previstos na regulamentação do setor, devem permitir a rápida identificação de canais de «contágio» e das bolsas de vulnerabilidade.

g.

Normas não regulamentares : a presença de regulamentação não deve pressupor a eliminação de soluções encontradas fora de âmbitos estritamente regulamentares.

4.   Propostas concretas para a transposição das novas regras no contexto regulamentar da União Bancária

4.1

É razoável pensar que, no decurso da legislatura europeia de 2019-2024, a Comissão Europeia reverá o seu plano de intervenção legislativa na sequência da emergência da COVID-19. Enquanto se aguarda o novo plano, os principais objetivos de adequação regulamentar do sistema bancário europeu relativamente aos quais o CESE considera importante intervir são os seguintes.

4.2

É necessário transpor o Acordo de Basileia (concluído em dezembro de 2017), aproveitando melhor as margens de interpretação e discricionariedade à disposição da UE, comparativamente ao que aconteceu com Basileia II e Basileia III. Em termos gerais, é justo reconhecer que a Comissão Europeia tomou uma série de medidas na direção certa com vista a simplificar as regras relativas às instituições bancárias de menor dimensão e complexidade em diferentes áreas, como os requisitos de comunicação de informações, a supervisão e os requisitos de capital (fator de apoio às PME). No entanto, é necessário avançar mais nessa direção, adaptando, na medida do possível, as regras aos vários modelos de negócio, sem sacrificar a eficácia da regulação prudencial.

4.3

O CESE reconhece, em particular, o papel específico que os bancos regionais e comunitários, frequentemente sob forma cooperativa em alguns Estados-Membros, como Itália e Espanha, desempenham junto das PME e das famílias. O CESE também reconhece o contributo dado pelos bancos cooperativos de maior dimensão de países como a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos ao sistema bancário europeu. Caso estes bancos contribuam para os riscos sistémicos, há que o ter devidamente em conta na regulamentação e na supervisão.

4.4

Seria positivo para o tecido económico e bancário europeu promover a supressão da disposição [prevista no artigo 40.o do Regulamento (UE) n.o 468/2014 do Banco Central Europeu (3)] segundo a qual os bancos que fazem parte de um grupo bancário «significativo» se tornam por sua vez «significativos», embora permanecendo, de facto, muito modestos em termos de dimensão, papel e exposição aos chamados riscos sistémicos, com o objetivo de reconhecer as formas de proporcionalidade introduzidas em maio de 2019 pela Diretiva Requisitos de Fundos Próprios V (DRFP V) e pelo Regulamento Requisitos Fundos Próprios II (RRFP II) (o chamado «pacote Bancário»). O artigo 84.o, n.o 4, da DRFP V e o artigo 4.o, n.o 1, ponto 145, do RRFP II, introduzem o conceito de «instituição de pequena dimensão e não complexa», alguns dos requisitos para as quais deveriam ser aligeirados, mormente no que respeita à divulgação pública de informações.

4.5

O CESE considera que a definição de «instituição de pequena dimensão e não complexa» pode agora permitir uma abordagem sistemática da questão da proporcionalidade. A simplificação dos requisitos para uma instituição de pequena dimensão e não complexa não deve limitar-se ao âmbito dos requisitos de divulgação de informações. Deverá poder estender-se a outros perfis prudenciais e de supervisão. Por exemplo, uma instituição de pequena dimensão e não complexa não tem de ser supervisionada como uma instituição «significativa» quando faça parte de um grupo «significativo» por força da imposição de uma norma da legislação nacional. Com efeito, tal situação poderia levar a uma espécie de dupla supervisão dos pequenos bancos a níveis diferentes, com um impacto negativo considerável em termos de custos de conformidade para os bancos e de encargos regulamentares para as autoridades de supervisão bancária.

4.6

O CESE espera também a revisão das regras e dos mecanismos que regem a resolução e a liquidação dos bancos, as modalidades de cálculo do requisito mínimo para os fundos próprios e os passivos elegíveis (4), as intervenções de natureza alternativa que podem ser realizadas por «fundos de garantia dos depositantes» específicos (5), constituídos por sistemas de bancos regionais ou cooperativos, conforme estabelecido no «Acórdão Tercas» do Tribunal de Justiça da UE, de 19 de março de 2019 (6).

4.7

Importa que a nova regulamentação primária, bem como as regras de supervisão em matéria de finanças sustentáveis, não agrave ainda mais os custos de conformidade, com consequentes modelos de supervisão «insustentáveis» para bancos de pequena dimensão e que assumem juridicamente a forma de cooperativa.

4.8

O CESE apoia a proposta apresentada em 2019 pela Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu quanto à pertinência de introduzir um «fator de apoio verde e social» que permita reduzir a absorção de capital para os empréstimos desembolsados concedidos pelos bancos a empresas da economia social e às que participam efetivamente em programas de desenvolvimento sustentável e inclusivo. Uma vez que o setor financeiro deve ser resiliente e estável, há que examinar e avaliar adequadamente a conveniência de elaborar um fator de apoio verde e social.

4.9

O CESE considera importante que a nova regulamentação relativa à União Bancária disponibilize ferramentas concretas que permitam reconhecer que os investimentos dos bancos em atividades com um impacto social e ambiental positivo também devem ser incentivados por meio de um tratamento favorável do ponto de vista das disposições prudenciais exigidas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA).

4.10

Essa sensibilidade a nível regulamentar encontraria também respaldo nos dados que demonstram o risco inferior dos investimentos realizados por empresas da economia social, com uma incidência praticamente insignificante de créditos não produtivos no sistema bancário europeu.

4.11

Os colegisladores chegaram a um acordo na primavera de 2019 e incumbiram a EBA [artigo 501.o do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (7)], após consulta do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), de avaliar, com base nos dados disponíveis e nas conclusões do Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Finanças Sustentáveis da Comissão, se se justificará um tratamento prudencial específico das exposições em risco relacionadas com ativos ou atividades substancialmente associados a objetivos ambientais e/ou sociais. O CESE insta a que esta avaliação seja criteriosa e positiva.

5.   Grupos de bancos e supervisão

5.1

No que diz respeito à criação de grupos de bancos cooperativos, solicitada na regulamentação europeia, através da qual os bancos regionais e comunitários se agregam, em particular em alguns Estados, como Itália e Espanha, para conferir maior massa crítica à sua atividade, os bancos regionais devem poder administrar de forma adequada a absorção de capital das participações no capital das respetivas empresas-mãe, a fim de não comprimir excessivamente o património destinado à conceção de crédito.

5.2

Atualmente, o quadro jurídico previsto na regulamentação europeia no que respeita aos grupos de bancos assenta em três artigos do RRFP:

a.

Artigo 10.o: grupos de bancos constituídos por instituições de crédito associadas de modo permanente a um organismo central, com um mecanismo de contragarantias e poderes de gestão e coordenação (Itália, Países Baixos, Finlândia, Portugal, Luxemburgo);

b.

Artigo 113.o, n.o 6: grupos com poderes de gestão e coordenação da empresa-mãe ou sistemas altamente integrados (França);

c.

Artigo 113.o, n.o 7: sistemas de proteção institucional (SPI) (Alemanha, Áustria, Espanha, província de Bolzano em Itália)

5.3

Estas três situações distintas não permitem reconhecer, na prática, determinadas especificidades que, entretanto, caracterizam e distinguem as operações dos bancos cooperativos obrigados a integrar grupos de bancos cooperativos ou sistemas de proteção institucional com a criação da União Bancária.

5.4

A obrigação imposta aos bancos cooperativos de cumprimento de requisitos mutualistas, o desenvolvimento de uma atividade circunscrita aos territórios onde estão estabelecidos, a sua governação democrática, a ausência de um fim lucrativo individual, os limites precisos para a distribuição de lucros e a indivisibilidade do património não se coadunam com o atual quadro regulamentar.

5.5

Corre-se assim o risco de enfraquecer a sua tradicional eficácia como bancos de desenvolvimento regional, com uma função anticíclica comprovada.

6.   O quadro pós-COVID-19

6.1

O impacto da pandemia de COVID-19 está a fazer-se sentir de forma dramática. Teremos de nos acostumar a viver com níveis consideravelmente mais elevados de dívida pública e, para fazer chegar atempadamente os recursos aonde sejam necessários, haverá que contar com a participação de todo o sistema financeiro no quadro de um esforço global partilhado com o concurso dos poderes públicos e de intervenientes do setor privado.

6.2

Perante as consequências da COVID-19, foi observado por fontes autoritativas que os bancos europeus terão de se tornar num instrumento de política para apoiar a economia e o emprego após esta emergência sanitária. Por conseguinte, nem a regulamentação nem as disposições complementares devem impedir a criação, nos balanços bancários, da margem necessária para o efeito (8).

6.3

Não é ainda possível saber qual será a evolução da crise da COVID-19 em termos económicos nem qual será o seu impacto final nos bancos; porém, é necessária alguma reflexão à luz do quadro atual e futuro.

a.

Do ponto de vista regulamentar, o principal objetivo após a crise financeira de 2008 era a redução dos riscos nos balanços bancários. Contudo, após o surto de COVID-19, e por um tempo impossível de estimar, os balanços bancários incorporarão os riscos dos próprios Estados e da economia real.

b.

O Mecanismo Único de Supervisão, a EBA e a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados adotaram uma série de medidas no quadro da margem de flexibilidade que o atual quadro regulamentar lhes concede, a fim de suspender determinadas obrigações ou aliviar determinados requisitos prudenciais.

c.

Se os efeitos económicos e financeiros da crise ainda estiverem significativamente presentes nos balanços bancários no futuro, este impacto terá de ser tido em conta quando da aplicação na UE do Acordo de Basileia de dezembro de 2017.

d.

A decisão do Comité de Basileia de adiar a entrada em vigor do acordo de dezembro de 2017 é, sem dúvida, correta e necessária para permitir que os bancos façam face às consequências da pandemia, tanto para refletir o impacto da crise da COVID-19 na situação financeira dos bancos como para ter em conta mais devidamente a diversidade bancária na Europa.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  O CESE já emitiu vários pareceres sobre a União Bancária (O papel dos bancos cooperativos e de poupança para a coesão territorial), mas as suas recomendações não foram tidas em conta. Em 2014, a respeito da proposta de regulamento relativo às medidas estruturais destinadas a melhorar a capacidade de resistência das instituições de crédito da UE [COM(2014) 43 final — 2014/0020 (COD)],o CESE havia apresentado recomendações relativas ao apoio às economias locais e à necessidade de uma regulamentação bancária que respeitasse o princípio da proporcionalidade. Em 2018, o CESE publicou um estudo intitulado Europe's cooperative banking models [Modelos bancários cooperativos da Europa] (ISBN: 978-92-830-4024-8, número de catálogo: QE-01-18-233-EN-N), que descreve a situação e as perspetivas do sistema bancário cooperativo no contexto europeu.

(2)  Relatórios do Comité Científico Consultivo — Regulatory Complexity and the Quest for Robust Regulation [Complexidade regulamentar e a procura de uma regulamentação robusta], n.o 8, junho de 2019.

(3)  JO L 141 de 14.5.2014, p. 1.

(4)  O requisito mínimo para os fundos próprios e os passivos elegíveis («minimum requirement for own funds and eligible liabilities» — MREL) é um requisito introduzido pela Diretiva Recuperação e Resolução Bancária, cujo objetivo é garantir o bom funcionamento do mecanismo de recapitalização interna («bail-in»), aumentando a capacidade de absorção das perdas bancárias.

(5)  Um fundo deste tipo que visa a salvaguarda dos depósitos é o do consórcio de bancos de crédito cooperativos italianos (Banche Cooperative Italiane consorziate — BCC-CR), que constitui um exemplo útil da criação, de facto, de um mecanismo de proteção dos depósitos, totalmente autofinanciado pelos recursos próprios dos bancos, com um mecanismo de natureza mutualista e cooperativa. O fundo intervém: em caso de liquidação administrativa coerciva dos bancos membros do consórcio bancário e, no caso de sucursais de bancos cooperativos comunitários aderentes e em funcionamento em Itália, se houver intervenção do sistema de garantia do Estado de origem; em caso de resolução de bancos membros do consórcio; em operações de cessão de ativos, passivos, empresas, sucursais de empresas, bens e relações jurídicas identificáveis em bloco; para ultrapassar a situação de insolvência ou risco de insolvência de um membro do consórcio.

(6)  Este acórdão anula, para todos os efeitos, a decisão da Comissão segundo a qual uma intervenção de apoio a um consórcio de direito privado a favor de um dos seus membros constitui um «auxílio concedido por um Estado».

(7)  JO L 176 de 27.6.2013, p. 1.

(8)  Ver, por exemplo, os argumentos avançados pelo antigo presidente do BCE, Mario Draghi, no Financial Times, em 26 de março de 2020.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/21


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Mecanismos fiscais para reduzir as emissões de CO2

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/03)

Relator:

Krister ANDERSSON

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

24.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

209/1/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que existem razões legítimas para estabelecer normas uniformes na União Europeia (UE) com vista a combater o aquecimento global e, com base nessas normas, encetar conversações internacionais com outros blocos comerciais.

1.2

Até ao momento, os debates centraram-se no estabelecimento de regras e impostos ambientais, nomeadamente impostos que visam reduzir as emissões. O CESE considera necessário abordar o aquecimento do planeta de forma global, abrangente e simétrica, tendo em consideração o nível de dióxido de carbono (CO2) presente na atmosfera.

1.3

Nos seus esforços para reduzir as emissões de carbono, a Comissão Europeia tem privilegiado o regime de comércio de licenças de emissão (RCLE). O CESE considera que, no futuro, pode ser útil e necessário conceber também novas medidas fiscais, complementares ao atual RCLE e aos impostos nacionais sobre o carbono, a fim de alcançar um quadro estratégico eficaz e simétrico para combater o nível crescente de emissões de CO2.

1.4

O CESE enaltece a abordagem da Comissão, que parece ser um passo positivo no sentido de uma tarifação do carbono mais eficaz em toda a economia. Essa ferramenta deve ser coordenada com instrumentos adicionais, incluindo uma nova abordagem da fiscalidade no mercado interno da UE inserida num quadro estratégico coerente, bem como com outras ferramentas semelhantes aplicadas noutras jurisdições a nível mundial.

1.5

O CESE incentiva a Comissão Europeia a lançar iniciativas concretas para estabelecer o mesmo tipo de impostos sobre o carbono nos Estados-Membros, a fim de harmonizar os esforços rumo a uma redução efetiva do nível de CO2. Num cenário ideal, serão criadas condições uniformes em todo o mercado único da UE no que respeita às emissões ou reduções a tributar, bem como aos métodos e taxas específicos de tributação, para alcançar um impacto uniforme no nível de CO2 presente na atmosfera.

1.6

O CESE crê que, mesmo após a aplicação dos novos impostos e de medidas adicionais, o aquecimento global deverá persistir, a menos que o CO2 já emitido possa ser retirado da atmosfera.

1.7

O CESE incentiva o desenvolvimento, através de investimentos específicos, das tecnologias de captura e armazenamento de dióxido de carbono (CAC) e de captura e utilização de dióxido de carbono (CUC), a nível da UE e nacional, já que contribuem para o objetivo de reduzir o impacto das emissões de CO2 e, em geral, para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável promovidos pelas Nações Unidas, assim como das metas do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas.

1.8

Os Estados-Membros devem, em especial, adotar uma política fiscal ambiental abrangente e simétrica para abordar os efeitos do CO2 no aquecimento global. É necessário introduzir impostos com taxas positivas e negativas. As receitas geradas pelos impostos sobre o CO2 devem ser utilizadas para financiar incentivos a técnicas de redução do CO2 a nível local, regional e nacional.

1.9

O CESE chama a atenção para outros instrumentos políticos em matéria de redução do carbono, desde novas tecnologias a práticas de gestão do solo, que devem ser incentivados e apoiados a nível da UE e nacional. Em primeiro lugar, as florestas eliminam naturalmente o dióxido de carbono, e as árvores são particularmente eficazes no armazenamento do carbono retirado da atmosfera através da fotossíntese. A ampliação, a recuperação e a gestão correta das florestas pode impulsionar a capacidade da fotossíntese para lidar com o CO2.

1.10

A venda de produtos florestais é tributada como um rendimento dos proprietários das florestas, mas é importante reconhecer que a plantação de árvores e o crescimento das florestas reduzem o CO2 presente na atmosfera e devem, consequentemente, numa abordagem fiscal simétrica do aquecimento global, ser incentivadas através de um imposto negativo sobre o CO2. Esta medida seria importante para cumprir os objetivos em matéria de clima.

1.11

O CESE salienta a necessidade de aplicar medidas eficazes de forma socialmente aceitável para todos.

2.   Observações gerais

2.1

O aquecimento global é uma preocupação geral, e os governos procuram métodos eficientes para limitar o aumento da temperatura do planeta. Vários fatores contribuem para o aquecimento global, mas a emissão de dióxido de carbono (CO2) é particularmente importante.

2.2

O CO2 é o principal gás com efeito de estufa produzido pela atividade humana, sendo responsável por 64 % do aquecimento global antropogénico (1). A concentração deste gás com efeito de estufa na atmosfera registou um aumento substancial ao longo de várias décadas e é atualmente 40 % mais elevada do que no início da era industrial.

2.3

A temperatura média da superfície da Terra aumentou 0,9 graus Celsius desde o final do século XIX (2). Esta alteração foi induzida pelo aumento das emissões de dióxido de carbono e de outras emissões antropogénicas para a atmosfera, que, segundo muitos especialistas, são responsáveis pelo aumento geral da temperatura do planeta.

2.4

As atividades humanas estão a alterar o ciclo do carbono, uma vez que aumentam o nível de CO2 na atmosfera — influenciando a capacidade dos sumidouros naturais, como as florestas, de eliminar o CO2 da atmosfera — e afetam a capacidade dos solos para armazenar carbono. A atividade humana que mais gera CO2 é a queima de combustíveis fósseis — carvão, gás natural e petróleo — para energia e transporte, seguindo-se alguns processos industriais e práticas de uso do solo.

2.5

A Ásia é atualmente o maior emissor regional do mundo, com 53 % das emissões mundiais, sendo a China responsável por dez mil milhões de toneladas (ou seja, mais de um quarto do total mundial), e a América do Norte é o segundo maior emissor (18 % das emissões mundiais), seguida de perto pela Europa (17 %) (3).

2.6

O impacto das emissões de CO2 na temperatura da Terra e nas alterações climáticas é cada vez mais importante para a opinião pública e a sociedade civil, bem como para os partidos políticos a nível europeu e nacional.

2.7

Por seu turno, a Comissão Europeia colocou o desenvolvimento de iniciativas concretas contra as alterações climáticas entre as principais prioridades do seu programa político, nomeadamente o Pacto Ecológico (4), antes de ser obrigada a concentrar-se na emergência da COVID-19 nos primeiros meses de 2020.

2.8

O Pacto Ecológico (5) é uma pedra angular do novo programa político da Comissão Europeia. Visa dar uma resposta eficaz aos desafios ambientais atuais e constitui uma estratégia de crescimento para alcançar zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa na UE até 2050.

2.9

O Pacto Ecológico abrange grandes setores da economia europeia, incluindo os transportes, a energia, a agricultura e os edifícios, bem como setores específicos como os do aço, cimento, tecnologias da informação e comunicação, têxteis e produtos químicos. A Comissão está a preparar a primeira «Lei Europeia do Clima», assim como estratégias e investimentos adicionais específicos para incentivar um crescimento económico verde. O Fundo para uma Transição Justa é importante, mas poderá necessitar de mais recursos (6).

3.   Instrumentos políticos que poderão ser utilizados para reduzir o CO2  (7)

3.1

Há muitas atividades que podem gerar poluição prejudicial a outros agentes económicos, cujos efeitos podem não ser tidos em conta aquando da decisão para o exercício dessas atividades. Por conseguinte, a atividade é realizada sem ter em conta as externalidades que cria, ou seja, sem ponderar o verdadeiro custo social dessa mesma atividade. É importante incluir o custo social da poluição na tomada de decisões, nomeadamente aplicando impostos sobre as atividades. Assim, a externalidade será internalizada na decisão, e a poluição será reduzida de acordo com os custos que cria.

3.2

Contudo, uma atividade pode também conduzir a uma redução dos níveis globais de poluição, criando uma externalidade positiva. Essas atividades devem ser incentivadas de forma a crescerem até os benefícios serem totalmente compensados, nomeadamente através de um subsídio ou de um imposto negativo.

3.3

Uma vez que as emissões de CO2 têm uma dimensão mundial, o preço da poluição deve ser igual em todo o lado para impactos negativos equivalentes. Esta é a única forma de aplicar o imposto de forma eficiente em termos de custos. É, portanto, necessária uma abordagem mundial (8).

3.4

No entanto, é difícil avaliar de forma exata a quantidade de CO2 que cada atividade gera e não existe um mercado mundial em que possa ser aplicado um imposto uniforme sobre as atividades geradoras de CO2. Por conseguinte, os países tiveram de recorrer a medidas fragmentadas. É importante alargar as medidas adotadas a mais regiões e a atividades mais poluentes.

3.5

O CESE considera que existem razões legítimas para estabelecer normas uniformes na UE e, com base nessas normas, encetar conversações internacionais com outros blocos comerciais.

3.6

A utilização do comércio de licenças na UE e noutros locais é uma forma de responder à necessidade de impor um preço uniforme por tonelada de CO2 emitido.

3.7

No entanto, até ao momento, os debates centraram-se no estabelecimento de regras e impostos ambientais, nomeadamente impostos que visam reduzir as emissões. O CESE considera necessário abordar o aquecimento global de forma abrangente e simétrica, tendo em consideração o nível atual de CO2 presente na atmosfera.

3.8

Uma vez que a redução do nível de CO2 na atmosfera combate o aquecimento global, é igualmente benéfico reduzir uma determinada quantidade de emissões de CO2 ou eliminar essa mesma quantidade de CO2 da atmosfera. Por conseguinte, a soma ou a subtração de valores a este nível devem ser tratadas simetricamente. Por outras palavras, a emissão de CO2 para a atmosfera (poluição) deve ter um custo adicional (imposto), enquanto as atividades que reduzem o nível de CO2 devem obter um subsídio (imposto negativo).

3.9

Contudo, a tónica tem sido colocada quase exclusivamente na prevenção de mais emissões. Mesmo após a aplicação dos novos impostos e de medidas adicionais, o aquecimento global deverá persistir, a menos que o CO2 já emitido possa ser retirado da atmosfera. O CESE considera, por conseguinte, que os Estados-Membros devem introduzir medidas simétricas.

3.10

O objetivo de um imposto sobre as emissões de carbono e de um imposto negativo sobre as reduções de CO2 presente na atmosfera é influenciar o comportamento e internalizar a externalidade do aquecimento global. Contudo, o imposto ou subsídio terá impacto na produção e nas oportunidades de emprego em todos os setores da economia. A priori, não é evidente que as taxas de imposto positivo e negativo devem ser da mesma grandeza (9).

3.11

É fundamental mobilizar de forma coerente os diferentes incentivos para estimular os investimentos sustentáveis, desde que se tenham em conta as externalidades positivas que lhes estão associadas. Uma metodologia harmonizada para os índices de baixas emissões de carbono deve servir de guia para calcular outros impactos.

3.12

A fim de tornar a transição para uma economia sem carbono mais robusta economicamente e mais credível politicamente, é necessário tomar medidas, o mais rapidamente possível, para reduzir os subsídios diretos e indiretos ao setor dos combustíveis fósseis, responsável por grandes custos ambientais.

3.13

Uma vez que as necessidades financeiras do Pacto Ecológico Europeu são muito grandes e os recursos orçamentais comuns da UE são bastante limitados, o setor privado desempenha um papel proeminente. Qualquer acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual deverá ter em conta este aspeto. Contudo, os impostos sobre o CO2 são criados essencialmente para responder à necessidade de alterar o comportamento das famílias, das empresas e das entidades públicas e não como fonte de receita. O CESE salienta a necessidade de aplicar medidas eficazes de forma socialmente aceitável para todos.

4.   Regimes de comércio de licenças de emissão

4.1

Um possível instrumento político para reduzir as emissões de CO2 é o regime de comércio de licenças de emissão (RCLE) europeu (10), que se baseia no princípio de «limitação e comércio». Segundo este princípio, é fixado um limite máximo para a quantidade total de determinados gases com efeito de estufa que pode ser emitida por instalações abrangidas pelo regime. O limite máximo é reduzido ao longo do tempo, induzindo uma diminuição das emissões totais. Abaixo do limite máximo, as empresas abrangidas pelo regime recebem ou adquirem licenças de emissão, que podem ser negociadas conforme necessário (11).

4.2

Segundo a Comunicação — Pacto Ecológico Europeu [COM(2019) 640], a fim de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a Comissão irá rever vários instrumentos políticos pertinentes relacionados com o clima até junho de 2021 (12). Esta iniciativa abrangerá o atual RCLE, incluindo o seu eventual alargamento a novos setores, bem como intervenções suplementares relacionadas com: i) as metas dos Estados-Membros de redução das emissões em setores não abrangidos pelo RCLE e ii) o regulamento relativo ao uso do solo, à alteração do uso do solo e às florestas.

4.3

O CESE enaltece a abordagem da Comissão, que parece ser um passo positivo no sentido de uma tarifação do carbono mais eficaz em toda a economia. Essa ferramenta deve ser coordenada com instrumentos adicionais, incluindo uma nova abordagem da fiscalidade no mercado interno da UE inserida num quadro estratégico coerente, bem como com outras ferramentas semelhantes aplicadas noutras jurisdições a nível mundial.

4.4

No plano internacional, o número de regimes de comércio de licenças de emissão aumentou por todo o mundo. Além do RCLE da UE, estão em vigor ou em fase de elaboração sistemas nacionais ou infranacionais no Canadá, China, Japão, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Suíça e Estados Unidos.

4.5

O CESE saúda as iniciativas regionais que visam uma redução substancial do CO2 enquanto passos necessários para responder eficazmente às alterações climáticas desencadeadas pelas emissões de CO2. A este respeito, o CESE incentiva a Comissão Europeia a prosseguir e melhorar os seus esforços para transformar a Europa numa região de vanguarda neste domínio.

5.   Impostos sobre as emissões de carbono

5.1

Os impostos sobre o carbono constituem outro instrumento político, cuja aplicação é possível. Estes impostos reduzem as emissões de carbono essencialmente de duas formas: i) aumentando o custo dos combustíveis e da eletricidade de origem carbónica; ii) motivando, consequentemente, a transição das empresas para energias limpas como, por exemplo, a energia hídrica, solar ou eólica.

5.2

Se forem corretamente concebidos, os impostos sobre o carbono são coerentes com o «princípio do poluidor-pagador», segundo o qual o poluidor deve suportar o custo das medidas para reduzir a poluição em conformidade com a extensão dos danos provocados na sociedade, conforme estabelecido na Declaração do Rio (13) (1992), das Nações Unidas, e na Diretiva 2004/35/CE relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais (14).

5.3

Nos seus esforços para reduzir as emissões de carbono, a Comissão Europeia, tem privilegiado o RCLE. O CESE considera que, no futuro, pode ser útil e necessário conceber também novas medidas fiscais, complementares ao atual RCLE e aos impostos nacionais sobre o carbono, a fim de alcançar um quadro estratégico eficaz e simétrico para combater o nível crescente de emissões de CO2. A coordenação dos esforços a nível mundial é de extrema importância, como bem explicou o Fundo Monetário Internacional (15).

5.4

Na Europa, vários países introduziram impostos sobre a energia, alguns deles baseados em parte no teor carbónico. Estes países incluem a Suécia, Dinamarca, Finlândia, Países Baixos, Noruega, Eslovénia, Suíça e Reino Unido (16).

5.5

A Suécia cobra a taxa mais alta de imposto sobre o carbono, de 112,08 euros por tonelada de emissões de carbono, tendo reduzido as suas emissões em 23 % nos últimos 25 anos. O imposto sobre o carbono foi instituído na Suécia em 1991, a uma taxa correspondente a 250 coroas suecas (23 euros) por tonelada de dióxido de carbono de origem fóssil emitido, subindo este valor gradualmente até 1 190 coroas suecas (110 euros) em 2020; este imposto continua a ser um pilar da política climática sueca (17).

5.6

O imposto sobre o carbono da Suécia proporciona incentivos para reduzir o consumo de energia, melhorar a eficiência energética e aumentar a utilização de alternativas com base em energias renováveis. O aumento gradual do nível do imposto deu tempo às partes interessadas para se adaptarem, melhorando a aceitação política dos aumentos do imposto ao longo do tempo.

5.7

Globalmente, a experiência sueca demonstra que é possível reduzir as emissões, mesmo que tal exija uma transformação significativa da economia. Durante o período de 1990-2017, o produto interno bruto aumentou 78 %, enquanto as emissões internas de gases com efeito de estufa diminuíram 26 %, colocando a Suécia em oitavo lugar no índice de competitividade global.

5.8

Em 1990, a Finlândia foi o primeiro país do mundo a introduzir um imposto sobre o carbono. Inicialmente, este imposto baseava-se apenas no teor carbónico no âmbito da geração de calor e eletricidade. Foi entretanto alargado de modo a tributar o carbono e a energia e a incluir também os combustíveis dos transportes.

5.9

A Dinamarca introduziu um imposto sobre o carbono em 1992, que abrangia todas as formas de consumo de combustíveis fósseis (gás natural, petróleo bruto e carvão). Na Noruega, até 55 % de todas as emissões são abrangidas pelo imposto sobre o carbono; as restantes emissões são abrangidas pelo sistema nacional de comércio de licenças de emissão (18).

5.10

O CESE incentiva a Comissão Europeia a lançar iniciativas concretas para estabelecer o mesmo tipo de impostos sobre o carbono nos Estados-Membros, a fim de harmonizar os esforços rumo a uma redução efetiva do nível de CO2. Num cenário ideal, serão criadas condições uniformes em todo o mercado único da UE no que respeita às emissões ou reduções a tributar, bem como aos métodos e taxas específicos de tributação, para alcançar um impacto uniforme no nível de CO2 presente na atmosfera. No entanto, tal cenário pode demorar algum tempo a ser alcançado, tendo em conta as necessidades específicas de cada país.

5.11

A adoção de impostos sobre o CO2 semelhantes entre Estados-Membros deve ser utilizada para convencer os parceiros comerciais a adotar medidas similares, alargando os esforços ao palco mundial e limitando o impacto na competitividade europeia. É necessária uma solução global para evitar regras de compensação complexas.

5.12

Além disso, se forem corretamente concebidos, os impostos poderão contribuir para o crescimento económico gerando, nomeadamente, investimentos produtivos em novas tecnologias. É o caso, em especial, do desenvolvimento de tecnologias destinadas a reduzir os níveis atuais de CO2 presente na atmosfera.

6.   Tecnologias de CAC e CUC

6.1

A utilização de técnicas que reduzem os níveis atuais de CO2 presente na atmosfera é outro instrumento político a que é possível recorrer. É provável que estas técnicas sejam necessárias em complemento do RCLE e dos impostos sobre o CO2. É necessária uma abordagem simétrica. As atividades que reduzem o nível de CO2 já presente na atmosfera são tão eficazes na limitação do aquecimento global como a diminuição das atividades emissoras de CO2.

6.2

As duas principais tecnologias destinadas a reduzir os níveis de CO2 são as tecnologias de captura e armazenamento de dióxido de carbono (CAC) e de captura e utilização de dióxido de carbono (CUC) (19). Ambas extraem CO2 da atmosfera, comprimem esse CO2 e transportam-no para um local de armazenamento. Estas tecnologias têm um potencial significativo em termos de atenuação das alterações climáticas (20). Há também outras tecnologias e espera-se que venham a ser desenvolvidas muitas mais no futuro próximo.

6.3

A diferença entre a CAC e a CUC é o destino final do CO2 capturado. Na CAC, o CO2 capturado é transferido para um local adequado para armazenamento a longo prazo, enquanto, na CUC, o CO2 capturado é transformado em produtos comerciais.

6.4

A CUC diz respeito à captura e utilização de CO2 como matéria-prima na produção de minerais, componentes químicos de base, combustíveis sintéticos e materiais de construção. Pode ser utilizada para limitar as emissões de CO2 reciclando CO2 em produtos, sequestrando de forma permanente o CO2 em materiais de construção, como o betão, bem como efetuando a recirculação do CO2 com captura direta da atmosfera. Pode igualmente proporcionar opções de armazenamento de eletricidade através da produção de metano sintético.

6.5

A UE criou um enquadramento jurídico para comercializar e subvencionar esta nova tecnologia, embora o custo da captura e armazenamento continue a ser um fator adverso significativo. Neste momento, a componente da captura é a parte mais dispendiosa do processo.

6.6

As maiores unidades de CAC e CUC encontram-se atualmente nos Estados Unidos.

6.7

Na Europa, a Noruega utiliza técnicas de CAC e CUC desde 1996 (21). Todos os anos, milhões de toneladas de CO2 proveniente da produção de gás natural, em várias unidades específicas, são capturados e armazenados em locais adequados, naquela que é a mais bem-sucedida experiência europeia de utilização de CAC até à data. Nos últimos anos, foram desenvolvidas formas adicionais de CAC e CUC na Suécia, Países Baixos, Bélgica, França e Irlanda (22).

6.8

O CESE incentiva o desenvolvimento, através de investimentos específicos, das tecnologias de CAC e de CUC, a nível da UE e nacional, já que contribuem para o objetivo de reduzir o impacto das emissões de CO2 e, em geral, para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável promovidos pelas Nações Unidas, assim como das metas do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas.

6.9

A fim de reduzir o aquecimento global de forma eficiente e rentável, é necessário promover as tecnologias de CAC e CUC (23). Os orçamentos nacionais, em especial, devem desempenhar um papel crucial no reforço da utilização destas tecnologias, promovendo investimentos públicos, bem como incentivos fiscais. Neste âmbito, a Comissão Europeia pondera rever as orientações pertinentes em matéria de auxílios estatais, incluindo as orientações relativas ao ambiente e à energia, que serão alteradas até 2021 para permitir maior flexibilidade aos Estados-Membros.

6.10

Os Estados-Membros devem, em especial, adotar uma política fiscal ambiental abrangente e simétrica para abordar os efeitos do CO2 no aquecimento global. É necessário introduzir impostos com taxas positivas e negativas. As receitas geradas pelos impostos sobre o CO2 poderiam ser utilizadas preferencialmente para financiar incentivos a técnicas de redução do CO2.

6.11

Os fundos europeus dedicados à investigação no domínio da CAC e da CUC poderiam ser financeiramente reforçados e estrategicamente direcionados para proporcionar melhores resultados concretos em termos de capacidade de captura e alternativas de armazenamento de CO2.

6.12

O papel das regras de adjudicação de contratos públicos não deve ser subestimado (24). Os objetivos ecológicos e os instrumentos ambientais específicos consagrados nas Diretivas 2014/24/UE (25), 2014/25/UE (26) e 2014/23/UE (27) relativas aos contratos públicos e concessões devem ser mais bem aproveitados pelos governos nacionais e pelas administrações públicas locais. Assim, os investimentos nacionais e as despesas públicas, por um lado, poderiam funcionar em sinergia com as medidas previstas no Pacto Ecológico Europeu, por outro.

7.   Outros instrumentos para reduzir as emissões

7.1

Por último, o CESE chama a atenção para outros instrumentos políticos em matéria de redução do carbono, desde novas tecnologias a práticas de gestão do solo, que devem ser incentivados e apoiados a nível da UE e nacional. Em primeiro lugar, as florestas eliminam naturalmente o dióxido de carbono, e as árvores são particularmente eficazes no armazenamento do carbono retirado da atmosfera através da fotossíntese. A ampliação, a recuperação e a gestão correta das florestas pode impulsionar a capacidade da fotossíntese para lidar com o CO2.

7.2

A venda de produtos florestais é tributada como um rendimento dos proprietários das florestas, mas é importante reconhecer que a plantação de árvores e o crescimento das florestas reduzem o CO2 presente na atmosfera e devem, consequentemente, numa abordagem fiscal simétrica do aquecimento global, ser incentivadas através de um imposto negativo sobre o CO2. Esta medida seria importante para cumprir os objetivos em matéria de clima.

7.3

Além disso, o solo armazena naturalmente carbono. A última reforma da política agrícola comum introduziu algumas medidas de ecologização destinadas a aumentar o contributo da agricultura europeia para o crescimento verde na Europa. Essas medidas devem ser incentivadas desde que sejam compatíveis com a necessidade crescente de produção alimentar e com o cumprimento dos objetivos ambientais. A economia circular pode também gerar mais possibilidades para alcançar as metas em matéria de ambiente e clima.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Causas das alterações climáticas, Comissão Europeia (Energia, alterações climáticas, ambiente) — https://ec.europa.eu/clima/change/causes_pt.

(2)  «Global Climate Change» [Alterações climáticas mundiais], NASA — https://climate.nasa.gov/evidence/.

(3)  Global Carbon Project, «CO2 emissions» [Emissões de CO2] — http://www.globalcarbonatlas.org/en/CO2-emissions.

(4)  Ver o documento da Comissão Europeia intitulado «Pacto Ecológico Europeu — À procura de ser o primeiro continente neutro do ponto de vista climático».

(5)  Ver o Parecer do CESE — Plano de Investimento do Pacto Ecológico Europeu (em curso) e o Parecer do CESE (JO C 282 de 20.8.2019, p. 51).

(6)  Ver o Parecer do CESE — Fundo para uma Transição Justa e alterações ao Regulamento Disposições Comuns (JO C 311 de 18.9.2020, p. 55).

(7)  Ver «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões] do Programa das Nações Unidas para o Ambiente no que respeita aos esforços desenvolvidos a nível mundial.

(8)  Se não for encontrada uma solução verdadeiramente mundial, a questão do tratamento dos produtos importados de países terceiros torna-se problemática, sendo necessário aplicar um mecanismo de ajustamento fiscal na fronteira, com as consequências daí decorrentes.

(9)  Pode argumentar-se que o subsídio por tonelada de CO2 reduzido deve ser superior à taxa do imposto sobre as emissões de CO2, uma vez que a diminuição da produção nas atividades emissoras de CO2 terá efeitos no emprego suscetíveis de provocar algum desemprego persistente. Além disso, é provavelmente mais fácil obter apoio do público para uma mudança estrutural na economia que conduza ao desenvolvimento de novas tecnologias e não a cortes nos métodos de produção existentes.

(10)  Ver o Parecer do CESE — Revisão do regime de comércio de licenças de emissão da UE (JO C 71 de 24.2.2016, p. 57).

(11)  O RCLE e a fixação dos preços das licenças suscitaram muitos debates. O número de licenças e o ciclo da atividade económica tendem a influenciar fortemente o preço das licenças. A situação económica atual, na sequência da crise da COVID-19, é também suscetível de conduzir a novos debates sobre o RCLE.

(12)  Ver o Parecer do CESE — Plano de Investimento do Pacto Ecológico Europeu (JO C 311 de 18.9.2020, p. 63).

(13)  «Report of The United Nations Conference on Environment And Development» [Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento].

(14)  JO L 143 de 30.4.2004, p. 56.

(15)  FMI, Fiscal Monitor, «How to Mitigate Climate Change» [Como atenuar as alterações climáticas], 2019. Este documento afirma que os diferentes instrumentos políticos têm vantagens e desvantagens, mas que a crise climática, sendo urgente e existencial, exige dos intervenientes fundamentais a aplicação de todas as medidas políticas adequadas. Afirma ainda que os ministros das Finanças podem enfrentar esta crise adotando a tributação do carbono ou políticas semelhantes, tornando a atenuação das alterações climáticas mais aceitável através de medidas complementares do lado da tributação ou das despesas, assegurando uma orçamentação adequada para os investimentos em tecnologias limpas e coordenando estratégias a nível internacional (p. IX).

(16)  A introdução ou o aumento dos impostos sobre as emissões de carbono implica frequentemente soluções de compromisso difíceis. Os impostos são um estímulo à realização de reformas nas técnicas de produção e nos meios de transporte, o que pode levar ao desemprego em alguns setores e à necessidade de uma transição para outros tipos de trabalho. Para as pessoas afetadas, os custos sociais podem ser elevados. Os países têm diferentes possibilidades em termos de proteção social, o que deve ser tido em conta quando se pondera a aceitação social de qualquer transição.

(17)  Documento dos Gabinetes do Governo da Suécia relativo ao imposto sobre o carbono na Suécia — https://www.government.se/government-policy/taxes-and-tariffs/swedens-carbon-tax/.

(18)  «Putting a Price on Carbon with a Tax» [Definir um preço para o carbono através de um imposto], Grupo do Banco Mundial — https://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/document/SDN/ background-note_carbon-tax.pdf.

(19)  «The potential for CCS and CCU in Europe» [O potencial da CAC e da CUC na Europa], Comissão Europeia — https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/iogp_-_report_-_ccs_ccu.pdf.

(20)  Ver o Parecer do CESE (JO C 341 de 21.11.2013, p. 82).

(21)  Documento da Norwegian Petroleum sobre a CAC — https://www.norskpetroleum.no/en/environment-and-technology/carbon-capture-and-storage/.

(22)  «How European CO2 Transport and Storage Infrastructure can enable an Innovative Industrial Transition» [Formas de utilizar as infraestruturas europeias de transporte e armazenamento de CO2 para promover uma transição industrial inovadora], Parlamento Europeu — https://zeroemissionsplatform.eu/wp-content/uploads/ZEP-Conference-Presentations.pdf.

(23)  Um comité governamental sueco concluiu, em 2020, que a Suécia poderá alcançar um cenário de neutralidade carbónica até 2045, se as receitas dos impostos sobre o CO2 forem utilizadas para subvencionar a eliminação de CO2 presente na atmosfera. As taxas de imposto positivo e negativo seriam da mesma grandeza. Ver SOU 2020:4, estudos públicos do Governo sueco.

(24)  Este aspeto foi frisado no documento da Comissão Europeia intitulado «Public Procurement for a Circular Economy» [Contratos Públicos para uma Economia Circular], publicado em outubro de 2017, https://ec.europa.eu/environment/gpp/circular_procurement_en.htm. O Banco Mundial salientou também o papel das regras de adjudicação de contratos públicos nos seus próprios contratos públicos; https://www.worldbank.org/en/about/corporate-procurement/vendors.

(25)  JO L 94 de 28.3.2014, p. 65.

(26)  JO L 94 de 28.3.2014, p. 243

(27)  JO L 94 de 28.3.2014, p. 1


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforçar o crescimento económico sustentável em toda a UE

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/04)

Relator:

Philip VON BROCKDORFF

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

24.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

194/11/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A pandemia de COVID-19 atingiu a União Europeia, bem como outros países de todo o mundo. A Comissão Europeia respondeu a esta crise com um pacote abrangente de instrumentos destinados a atenuar o impacto deste choque exógeno. Este pacote inclui um novo instrumento de garantia de apoio na crise pandémica através do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), empréstimos temporários para financiar regimes nacionais de tempo de trabalho reduzido e medidas semelhantes, a fim de proteger postos de trabalho nos Estados-Membros da UE no âmbito do instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE). Por seu lado, o Banco Europeu de Investimento (BEI) concedeu apoio à liquidez das empresas. Mais recentemente, a Comissão Europeia propôs um novo instrumento de 750 mil milhões de euros, denominado Next Generation EU, destinado a ajudar os Estados-Membros a recuperar da crise económica.

1.2.

Nesta continuidade, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a crise da COVID-19 não deve afastar a UE dos seus objetivos a médio e longo prazo, tal como sublinhado no Pacto Ecológico Europeu, na Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020 e no Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Mais do que qualquer outra coisa, estes objetivos constituem um reconhecimento da necessidade de reorganizar a economia europeia para assegurar um crescimento sustentável nos próximos anos, com base nos pilares da sustentabilidade ambiental, dos ganhos de produtividade, da equidade e do progresso social, bem como da estabilidade macroeconómica.

1.3.

Para proteger as cadeias de abastecimento, que se revelaram vulneráveis durante a crise, o CESE considera que os operadores da UE devem repensar as estratégias neste domínio, incluindo a diversificação, bem como o realinhamento das cadeias de abastecimento em múltiplos setores. É igualmente importante que a UE desempenhe um papel mais proeminente no comércio mundial, que é fundamental para as empresas da União e para as suas perspetivas de negócio. O CESE entende também que deverão existir condições de concorrência equitativas numa série domínios (nomeadamente as normas laborais internacionais, a concorrência leal e o cumprimento dos objetivos em matéria de alterações climáticas) para as empresas mundiais que operam num mercado global. Não se podem excluir as empresas da UE que deslocalizam as suas fábricas (pelo menos para os produtos essenciais) dentro da própria União para evitar os problemas na cadeia de abastecimento.

1.4.

Embora a globalização, com todos os seus efeitos colaterais, tenha conduzido a investimentos transfronteiras, a verdade é que estes por vezes visam não tanto um reforço do investimento de capital, mas sobretudo os países com impostos mais reduzidos. O CESE é de opinião que os problemas económicos e as outras consequências da crise da COVID-19 sugerem que é necessário mudar o modus operandi das empresas na UE e a nível mundial. As recomendações do CESE para que os Estados-Membros acelerem o combate à elisão e evasão fiscais são agora ainda mais relevantes, e o mesmo se aplica ao debate entre os Estados-Membros sobre a passagem gradual para a votação por maioria qualificada e o processo legislativo ordinário em matéria fiscal.

1.5.

As políticas e o apoio dos governos assumiram maior importância durante a crise. A política orçamental, em particular, é decisiva não apenas para assegurar a estabilidade económica, mas também, de igual modo, para permitir que os governos apoiem as empresas através de incentivos, conforme permitido pela legislação da UE. Por conseguinte, o CESE considera que qualquer tentativa de alcançar e reforçar o crescimento sustentável exige orientação e regulação públicas em todos os domínios da atividade económica e da proteção ambiental, principalmente no que respeita à integração da proteção ambiental na atividade económica. Naturalmente, um diálogo aberto com os parceiros sociais e a sociedade civil continua a ser essencial para definir a orientação económica.

1.6.

A enorme necessidade de financiamento para prestar apoio aos rendimentos e garantias de empréstimos às empresas paralisadas pelas restrições durante a crise limitará seguramente a medida em que os governos poderão conceder incentivos para reanimar a atividade económica. Por outro lado, limitará o financiamento necessário para apoiar a proteção ambiental e o investimento produtivo. Por conseguinte, os governos terão de encontrar formas criativas de apoiar despesas orientadas para o crescimento económico sustentável, assegurando simultaneamente a sustentabilidade orçamental a longo prazo.

1.7.

A transição para um rumo económico mais sustentável deve incluir não só o desenvolvimento de setores ecológicos, mas também, tanto quanto possível, a «ecologização» de modelos de negócio e setores já existentes para além dos setores «verdes» tradicionais. Por conseguinte, segundo o CESE, o apoio concedido às empresas, ao nível nacional mas também da UE, deve depender do cumprimento dos objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu e na Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020, assim como de progressos sociais comprovados.

1.8.

Na definição das estratégias necessárias para a retoma económica, o investimento e a sustentabilidade, a ativação pela Comissão da cláusula de derrogação de âmbito geral no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento — que permite que os países da área do euro suspendam temporariamente quaisquer ajustes necessários para cumprir metas orçamentais de médio prazo — constitui um passo na direção certa. No entanto, o CESE considera que pode ser necessário rever as regras existentes à medida que entramos na fase de retoma após a COVID-19.

1.9.

O CESE entende que um dos pilares do crescimento económico sustentável na UE deve ser a criação e o desenvolvimento de uma verdadeira economia circular, que maximize e mantenha o valor em cadeias de valor completas, minimizando os resíduos e contribuindo para a eficiência dos recursos. Os modelos de negócio da economia circular têm um potencial significativo para promover a competitividade europeia, no que diz respeito não apenas à proteção do ambiente natural, mas também à criação de postos de trabalho de qualidade e ao desenvolvimento de setores complementares.

1.10.

O contributo da inovação e da digitalização, bem como do investimento contínuo no capital humano, para a agilização da transição rumo a um crescimento sustentável é inegável. No entanto, a atual pandemia também veio recordar que é importante colocar a tónica na saúde e bem-estar individuais e não apenas na produtividade e no crescimento económico. A produtividade desempenha um papel fundamental para assegurar um crescimento económico sustentável. O CESE considera que, para poderem continuar a crescer de forma sustentável no futuro, as economias têm de aumentar a sua capacidade de crescer, mas apenas enquanto o crescimento acrescentar valor à economia pelo incremento dos salários e dos superavits, reforçando assim a procura no mercado único, sem violar direitos adquiridos como, por exemplo, a proteção social e a negociação coletiva.

2.   Capacidade de resistência a choques económicos (a experiência da COVID-19)

2.1.

Nas conclusões do Parecer — Função Europeia de Estabilização do Investimento (1), o CESE salientou que a Função Europeia de Estabilização do Investimento (EISF), que pretende assegurar uma maior capacidade de estabilização das políticas orçamentais nacionais em caso de choques económicos, não seria suficientemente eficaz, devido à dimensão do fundo, numa possível crise económica com impacto em vários Estados-Membros. O CESE reconheceu que o EISF constituía um passo no sentido de uma maior integração da área do euro, mas afirmou que um regime de seguro adequadamente concebido à escala da União, que funcionasse como um estabilizador automático em situações de choque macroeconómico, seria mais eficaz do que a EISF proposta.

2.2.

Nos últimos meses, a União Europeia, juntamente com muitos outros países de todo o mundo, foi afetada negativamente pelo surto de COVID-19. Esta crise revelou fragilidades intrínsecas na UE: a sua liderança, pelo menos numa fase inicial, mostrou-se incapaz de responder de forma eficaz e coordenada às graves consequências económicas e sociais da crise da COVID-19. Os sistemas de saúde, principalmente em Itália e Espanha, tiveram dificuldades em fazer face ao número de pessoas infetadas, e a resposta geral, ironicamente, fez lembrar a receita de «cada país por si» defendida pela extrema-direita e pelos nacionalistas.

2.3.

Pode dizer-se que a recente crise constituiu o maior teste ao projeto europeu, às suas instituições e à própria arquitetura que está na base do euro. Em 2008, o setor bancário estava no centro da crise. O Banco Central Europeu (BCE) proporcionou liquidez aos mercados financeiros e apoiou os bancos. Nessa ocasião, os instrumentos monetários foram cruciais, mas a recente crise representou um desafio totalmente diferente, colocando o ónus nas medidas orçamentais para assegurar a solidez dos sistemas de saúde públicos e proporcionar, simultaneamente, um apoio ao rendimento das empresas vulneráveis e dos seus trabalhadores. O BCE, por seu lado, prestou um apoio indireto à capacidade dos governos para emitir dívida e contrair empréstimos para financiar a despesa, nomeadamente a despesa destinada a programas de desenvolvimento e proteção social.

2.4.

As repercussões económicas da COVID-19 atingiram todos os membros do bloco monetário, mas não existe qualquer mecanismo que permita aos governos da área do euro responder de forma conjunta a um choque deste tipo. Por conseguinte, as reações políticas à pandemia foram, na esmagadora maioria dos casos, nacionais, acentuando as diferenças em vez de unir a Europa em tempo de crise. Perante um choque simétrico, a área do euro respondeu assimetricamente. As diferenças entre as condições orçamentais de cada Estado-Membro resultaram em diferenças profundas nas respostas políticas. O CESE salientou em diversos pareceres a importância de uma maior convergência na política económica e social e de uma abordagem coordenada na política orçamental, incluindo a fiscalidade, mas a atual crise demonstrou mais uma vez que existe uma disparidade substancial na resposta de política orçamental devido às diferenças entre as condições orçamentais de cada país. As economias mais fortes da área do euro reagiram energicamente à COVID-19, aumentando os empréstimos para financiar pacotes de resgate. As economias mais vulneráveis não têm a mesma margem de manobra financeira e, por conseguinte, responderam com um pacote de resgate mais modesto. Isto mostra a amplitude da divergência entre as economias da área do euro. Com o prolongar da crise, estas diferenças tornaram-se mais visíveis.

2.5.

Em resposta à crise, o BCE anunciou um novo programa extraordinário de aquisição de ativos para estabilizar os mercados europeus. A reação inicial dos mercados de capitais europeus era previsível: assim que os mercados acalmaram e os diferenciais entre as obrigações dos diferentes países diminuíram, deixou de se sentir a necessidade de uma ação orçamental conjunta. Cada país voltou a centrar a sua atenção nos pacotes de resgate nacionais. No entanto, o trabalho subsequente da Comissão Europeia, do Eurogrupo e do Conselho Europeu no âmbito do plano de recuperação conferiu um muito necessário impulso aos Estados-Membros. Não obstante, há ainda muito a fazer para responder eficazmente a esta crise, nomeadamente criar um instrumento de dívida comum destinado a agrupar o investimento necessário para relançar a economia e evitar a perda de milhões de postos de trabalho em toda a UE.

2.6.

Neste contexto, importa referir o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e a sua capacidade de empréstimo de 410 mil milhões de euros. Os Estados-Membros têm demonstrado alguma resistência à utilização do MEE, já que todos os empréstimos têm condições. Por outro lado, mesmo que estas condições sejam suspensas ou ajustadas, como acordado na reunião do Eurogrupo de 9 de abril de 2020, as obrigações «artificiais» do MEE apenas perpetuarão a natureza fragmentada da área do euro. A fragmentação não é abordada pelo atual quadro para a supervisão económica e orçamental, principalmente as reformas do «pacote de seis» e do «pacote duplo», e esteve, por isso, na base de uma comunicação recente da Comissão Europeia (2). O objetivo desta revisão diz respeito essencialmente aos aspetos necessários para crescer economicamente e, ao mesmo tempo, manter finanças públicas sustentáveis e evitar desequilíbrios macroeconómicos através de uma coordenação mais próxima das políticas económicas e da convergência no desempenho económico dos Estados-Membros. Esta revisão pode ser um passo na direção certa, desde que as causas profundas dos desequilíbrios sejam identificadas no âmbito do procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos ou do Semestre Europeu, colocando a ênfase em políticas mais eficazes, nomeadamente as que se destinam a melhorar os sistemas de proteção social.

2.7.

Em 9 de abril de 2020, a Comissão Europeia anunciou um pacote abrangente de instrumentos destinados a atenuar o impacto da crise da COVID-19, num montante de 540 mil milhões de euros. Este pacote inclui um novo instrumento de garantia de apoio na crise pandémica através do MEE, até 240 mil milhões de euros, destinado a apoiar os Estados-Membros da área do euro no financiamento de despesas nacionais direta e indiretamente relacionadas com a prestação cuidados de saúde, o tratamento e a prevenção na sequência da crise da COVID-19, com um limite máximo de 2 % do produto interno bruto de cada país em 2019. O pacote inclui também 100 mil milhões de euros de empréstimos temporários para financiar regimes nacionais de tempo de trabalho reduzido e medidas semelhantes, a fim de proteger postos de trabalho nos Estados-Membros da UE no âmbito do instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE), com garantias prestadas pelos países da União. Além disso, o Banco Europeu de Investimento (BEI) prestará apoio à liquidez das empresas, principalmente pequenas e médias empresas, em toda a Europa, num montante até 200 mil milhões de euros. Por outro lado, em 27 de abril de 2020, o Conselho Europeu chegou a um acordo de princípio sobre a criação de um fundo de recuperação para a UE, num total de, pelo menos, um bilião de euros, e instou a Comissão a elaborar uma proposta sobre formas de desenvolver e utilizar o referido fundo.

2.8.

Um mês depois, em 27 de maio de 2020, a Comissão Europeia propôs um novo instrumento de 750 mil milhões de euros, denominado Next Generation EU, destinado a ajudar os Estados-Membros a recuperar da crise económica provocada pela COVID-19. O novo pacote, integrado no próximo orçamento a longo prazo da UE para 2021-2027, prevê 500 mil milhões de euros em subvenções e 250 mil milhões de euros em empréstimos, e será financiado pela contração de empréstimos nos mercados financeiros, o que implica um aumento temporário do limite máximo dos recursos próprios da Comissão para 2 % do rendimento nacional bruto da UE. O programa de recuperação inclui 560 mil milhões de euros para apoiar investimentos e reformas dos Estados-Membros no domínio da economia verde, da digitalização e da resiliência económica (310 mil milhões de euros em subvenções e 250 mil milhões de euros em empréstimos), um montante adicional de 55 mil milhões de euros para impulsionar os programas existentes no domínio da política de coesão e um reforço de 40 mil milhões de euros para o Fundo para uma Transição Justa, bem como um investimento complementar de 15 mil milhões de euros no Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural. O fundo visa também relançar o investimento privado, com um novo Instrumento de Apoio à Solvabilidade das empresas europeias, dotado de um orçamento de 31 mil milhões de euros, juntamente com um reforço de 15,3 mil milhões de euros para o InvestEU, o programa de investimento da UE, e um Mecanismo de Investimento Estratégico (parte do InvestEU) com uma dotação de 15 mil milhões de euros destinada a gerar investimento em setores estratégicos na UE, em especial no domínio do reforço da resiliência, da transformação digital e ecológica e das principais cadeias de valor.

2.9.

À luz desta evolução, a recente crise não deve afastar a UE dos seus objetivos de longo prazo definidos no Pacto Ecológico Europeu e na Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020. No mínimo, estes objetivos são curiosamente premonitórios, na medida em que reconhecem a necessidade de reorganizar a economia europeia para assegurar o crescimento sustentável nos próximos anos, com base nos pilares da sustentabilidade ambiental, dos ganhos de produtividade, da equidade e do progresso social, bem como da estabilidade macroeconómica.

3.   Interdependência mundial, a dimensão internacional da UE e o futuro da globalização

3.1.

Embora a globalização tenha gerado um aumento do investimento direto estrangeiro, a uma taxa anual média de aproximadamente 10 % a partir de 1990 (3), comparativamente a um crescimento médio de 5 % do comércio mundial (4), há também que reconhecer os seus efeitos colaterais, nomeadamente no que diz respeito às condições laborais e sociais. Embora seja verdade que a globalização fomentou a transferência de tecnologia, a reestruturação industrial e o crescimento das empresas mundiais, esta evolução foi possível muitas vezes à custa dos direitos sociais e da negociação coletiva. Ademais, se por um lado a globalização permitiu às grandes empresas obter economias de escala que resultam numa diminuição dos custos e dos preços, por outro, veio prejudicar muitas pequenas empresas da UE que competem ao nível nacional.

3.2.

No atinente ao comércio entre nações, a maior interdependência teve vários efeitos positivos, nomeadamente a perceção de que os conflitos entre países poderiam pôr fim ao mundo como o conhecemos, devido ao poderio militar de nações como a China, os EUA e a Rússia. Existem, porém, outros fatores. As consequências negativas da globalização, como a poluição excessiva e as condições de trabalho injustas, são frequentemente ignoradas. Além disso, quando uma crise atinge economias como a China e os EUA, os efeitos alastram-se a muitos outros países, criando situações de instabilidade regional e mundial. Existem outros perigos criados pela globalização, nomeadamente o facto de as empresas multinacionais ou mundiais serem muitas vezes encaradas como uma ameaça à soberania nacional devido à sua influência sobre os governos nacionais.

3.3.

O que importa perceber nesta fase é em que medida a COVID-19 mudará o modus operandi das empresas envolvidas no comércio e serviços transfronteiras com os setores — em particular os das viagens e do turismo/aviação — que mais sentem o peso da crise. As consequências financeiras desta crise são enormes, e as empresas — incluindo as do setor produtivo — enfrentam restrições da cadeia de abastecimento e das exportações, bem como a perda de transações com clientes, que origina uma espécie de efeito multiplicador invertido, ou a propagação de choques (negativos) nas redes de produção. A crise chamou de novo a atenção para a malha de acordos de fornecimento que está na base da economia globalizada.

3.4.

A expansão do comércio mundial no último quartel do século XX foi possibilitada por dois fatores que não estão interligados: o aumento do transporte intermodal de mercadorias (nomeadamente a colocação em contentores) e a renúncia generalizada aos controlos dos capitais no início da década de 1980. Os fluxos de capital, apesar de estarem hoje mais regulamentados, continuam a ser a força vital do investimento e dos fluxos comerciais em todo o mundo. Um terceiro motivo para a expansão do comércio mundial foi a liberalização do comércio e, nesse contexto, a celebração de acordos comerciais, cujo fator mais importante terá sido a adesão da China à Organização Mundial do Comércio. O comércio é extremamente importante para a UE em quaisquer esforços para reforçar o crescimento económico sustentável, existindo vantagens claras no aumento dos fluxos comerciais entre a UE e os seus parceiros comerciais, mas a crise da COVID-19 evidenciou a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento mundiais. Uma perturbação no comércio pode afetar o crescimento económico sustentável. Neste sentido, a UE deve envidar mais esforços, através dos seus acordos internacionais, para assegurar cadeias de abastecimento que minimizem as perturbações provocadas por choques económicos. Tal implicaria repensar as estratégias neste domínio, incluindo a diversificação, mas também um realinhamento das cadeias de abastecimento em múltiplos setores. Significaria também algum tipo de «desglobalização» setorial, com as empresas da UE a deslocalizarem as suas fábricas (pelo menos para os produtos essenciais) dentro da própria União para evitar problemas na cadeia de abastecimento.

3.5.

A dimensão internacional da UE e as suas relações com protagonistas globais, em especial a China, os EUA, e a Rússia, são importantes neste contexto. Tendo em conta que a diplomacia internacional é decisiva para as perspetivas económicas futuras da UE e para a sua moeda, a União deve desempenhar um papel muito mais prospetivo e destacado nos assuntos internacionais, incluindo as negociações comerciais com nações concorrentes. O CESE continua a ser favorável às negociações comerciais multilaterais, e assim se deve manter, mas é evidente que a posição da UE no comércio multilateral está a ser ignorada pela China, pelos EUA e pela Rússia. A UE, para poder desempenhar um papel mais preponderante no comércio mundial, que é fundamental para as empresas da União e para as suas perspetivas de negócio, deve envidar muito mais esforços para voltar a colocar outras nações à mesa das negociações multilaterais, uma vez que, se tal não acontecer, o comércio bilateral terá de adquirir maior importância. No futuro pós-crise, importa garantir que a globalização proporciona às empresas mundiais que operam num mercado global condições de concorrência equitativas numa série de domínios (nomeadamente a concorrência fiscal, o respeito das normas laborais e o cumprimento dos objetivos em matéria de alterações climáticas). Se assim não for, a UE poderá tornar-se cada vez mais vulnerável e dependente dos conflitos comerciais entre os EUA e a China.

3.6.

No que diz respeito aos investimentos transfronteiras, é manifesto que estes nem sempre visam não tanto um reforço do investimento de capital, mas sobretudo os países com impostos mais reduzidos (5). Poderá ser inevitável alguma forma de globalização após o final da crise, mas os problemas económicos e outras consequências criadas pela crise sugerem que é necessária uma mudança no modus operandi das empresas na UE e a nível mundial. As recomendações do CESE para que os Estados-Membros acelerem o combate à elisão e evasão fiscais são agora ainda mais relevantes, e o mesmo se aplica ao debate entre os Estados-Membros sobre a passagem gradual para a votação por maioria qualificada e o processo legislativo ordinário em matéria fiscal. Com efeito, no ano passado, o Comité apoiou plenamente o início dos debates sobre a passagem gradual para a votação por maioria qualificada e o processo legislativo ordinário em matéria fiscal, embora reconhecendo que todos os Estados-Membros devem dispor sempre de possibilidades suficientes para participar no processo de decisão.

4.   Reavaliação do papel dos governos

4.1.

A crise da COVID-19 evidenciou claramente a importância do papel dos governos no combate a crises sanitárias e económicas. Este aspeto é também particularmente pertinente para o objetivo do crescimento económico sustentável. Neste momento, ninguém questiona o papel dos governos na prestação de sistemas e programas de saúde eficazes que apoiam indiretamente a atividade económica. De igual modo, não se questiona o papel dos governos na aplicação dos regulamentos bancários e financeiros após a crise financeira de 2008. Contudo, é cada vez mais evidente que os governos ainda desempenham um papel fundamental na definição da orientação económica, principalmente durante uma crise. O mesmo deve acontecer no caso da governação a vários níveis, no âmbito da qual a participação dos órgãos de poder local e regional na política económica do governo central é essencial. A política orçamental, como explicado acima, é crucial não apenas para assegurar a estabilidade económica, mas também para permitir que os governos apoiem as empresas através de incentivos, conforme permitido pela legislação da UE. Qualquer tentativa de alcançar e reforçar o crescimento sustentável exige orientação e regulação públicas em todos os domínios da atividade económica e da proteção ambiental, principalmente no que respeita à integração da proteção ambiental na atividade económica. Naturalmente, um diálogo aberto com os parceiros sociais e a sociedade civil continua a ser essencial para definir a orientação económica.

4.2.

Num cenário pós-crise, a política orçamental adquirirá maior importância, nomeadamente devido aos enormes montantes dos empréstimos, muito para além do que era previsto antes da crise. A enorme necessidade de financiamento para prestar apoio aos rendimentos e garantias de empréstimos às empresas paralisadas pelas restrições da COVID-19 limitará seguramente a medida em que os governos poderão conceder incentivos para reanimar a atividade económica. Por outro lado, limitará o financiamento necessário para apoiar a proteção ambiental e o investimento produtivo. Por conseguinte, os governos terão de encontrar formas criativas de apoiar despesas orientadas para o crescimento económico sustentável, assegurando simultaneamente a sustentabilidade orçamental a longo prazo. O facto de a Comissão defender que a recuperação deve ser alinhada pelo Pacto Ecológico é um passo na direção certa, já que demonstra que a própria resposta à crise deve ter um caráter sustentável.

4.3.

Um exemplo de uma fonte extraorçamental de financiamento de infraestruturas são as denominadas parcerias público-privadas (PPP), em que participam instituições financeiras internacionais e empresas privadas. Partindo do princípio de que são geridas de forma transparente e sujeitas a escrutínio democrático, as PPP podem ser consideradas uma opção num cenário pós-crise para apoiar o financiamento de projetos de infraestruturas e projetos ambientais, uma vez que oferecem soluções para problemas de financiamento, conclusão de trabalhos e investimento em grandes projetos, sem pôr em causa as finanças públicas destinadas a políticas essenciais.

4.4.

A UE também deve procurar implantar mais rapidamente os instrumentos e iniciativas propostos no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, que reconhece explicitamente o papel central a desempenhar pela UE e pelos governos nacionais, em complemento do setor privado, na realização desta transição para uma Europa verdadeiramente sustentável. É o caso, por exemplo, dos diversos instrumentos de financiamento incluídos no Mecanismo para uma Transição Justa, com a tónica nas pequenas e médias empresas e nos setores vulneráveis, a fim de os ajudar na recuperação económica e melhorar a sua sustentabilidade e capacidade de resistência a choques futuros, permitindo, caso a caso, uma certa margem nos requisitos em matéria de garantias e financiamento conjunto, tendo em conta as circunstâncias atuais. Face à atual crise da COVID-19, esta ideia tem uma repercussão ainda maior e deve ser encarada como uma oportunidade para reanimar o desenvolvimento social e económico tendo bem presentes os princípios do Pacto Ecológico. No contexto atual, o conceito de solidariedade pan-europeia é mais pertinente do que nunca.

5.   Estratégias para a retoma económica, o investimento e a sustentabilidade

5.1.

Neste contexto, é importante identificar as estratégias necessárias para a retoma económica, o investimento e a sustentabilidade. Com as economias em recessão devido às restrições da COVID-19, é claramente excessivo pedir que as economias regressem aos níveis pré-COVID. Serão necessários vários meses para regressar a uma situação próxima daquela em que a área do euro e as economias da UE se encontravam antes da crise. Além disso, uma vez que os governos estão a contrair empréstimos de várias fontes para cobrir o aumento enorme e inesperado da despesa pública, é provável que reduzam as despesas e até reintroduzam medidas de austeridade, provocando uma contração do consumo e da produção. A experiência das medidas de austeridade na Grécia, por exemplo, abalou fortemente o país, pulverizando um quarto do seu produto interno bruto ao longo de oito anos e fazendo disparar o desemprego para mais de 27 % (6). Seria contraproducente voltar a adotar medidas de austeridade. O facto de a Comissão ativar a cláusula de derrogação de âmbito geral no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento — que permite que os países da área do euro suspendam temporariamente quaisquer ajustes necessários para cumprir metas orçamentais de médio prazo — constitui um passo na direção certa. No entanto, pode ser necessário rever as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento à medida que entramos na fase de retoma após a COVID-19.

5.2.

Tendo em conta que os objetivos gerais definidos pela Comissão Europeia na Comunicação — Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável (7) são considerados fundamentais para alcançar o crescimento económico sustentável, este último é incompatível com medidas de austeridade que lesem os grupos socioeconómicos mais vulneráveis das nossas comunidades.

5.3.

Ao invés, os governos da UE devem elaborar estratégias de recuperação económica que apoiem atividades económicas mais produtivas e sustentáveis. O cenário após a COVID-19 proporciona uma oportunidade para reavaliar setores económicos fundamentais que revelaram uma capacidade de resistência especialmente baixa. A economia continuará a basear-se, em grande medida, nas pequenas e médias empresas, mas talvez seja oportuno incentivar mais as empresas em fase de arranque e reavaliar o papel das empresas da economia social enquanto elemento importante da economia social. Embora o lucro não seja a principal motivação de uma empresa social, as receitas têm um papel fundamental na sua sustentabilidade. Todas as empresas da economia social podem, ainda assim, ser altamente rentáveis, sendo uma das suas prioridades reinvestir os lucros na sua atividade, em vez de distribuir dividendos aos acionistas. Uma empresa da economia social pode, acima de tudo, equilibrar a tensão entre o cumprimento da sua missão social enquanto organização e a maximização da produtividade da sua parte empresarial para garantir a sustentabilidade. Por conseguinte, estas estruturas têm as condições ideais para uma economia que procura concretizar e reforçar o crescimento económico sustentável.

5.4.

Os governos procurarão garantir uma retoma rápida após a crise e alguns setores que se têm revelado particularmente resilientes deverão recuperar. No entanto, os governos terão também a tentação de incentivar setores que, antes da crise, já eram considerados inviáveis ou cuja atividade era contrária aos objetivos em matéria de ambiente e alterações climáticas definidos no Pacto Ecológico Europeu. Em vez disso, os governos devem procurar investir mais em projetos que contribuam para uma utilização eficiente da energia e das energias alternativas através dos modelos de financiamento acima descritos, criando assim oportunidades de negócio para as grandes empresas, as pequenas e médias empresas e as empresas da economia social. A transição ecológica deve incluir não só o desenvolvimento de setores ecológicos, mas também, tanto quanto possível, a «ecologização» de modelos de negócio e setores já existentes para além dos setores «verdes» tradicionais. Por conseguinte, o apoio concedido às empresas, ao nível nacional, mas também da UE, deve depender do cumprimento dos objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu e na Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020.

5.5.

Um dos pilares do crescimento económico sustentável na UE deve ser a criação e o desenvolvimento de uma economia verdadeiramente circular, que maximize e mantenha o valor em cadeias de valor completas, minimizando os resíduos e contribuindo para a eficiência dos recursos. Os modelos de negócio da economia circular têm um potencial significativo para promover a competitividade europeia, no que diz respeito não apenas à proteção do ambiente natural, mas também à criação de postos de trabalho de qualidade e ao desenvolvimento de setores complementares. Além disso, estes modelos de negócio contribuem para o reforço da capacidade de resistência a choques na cadeia de abastecimento como os resultantes da pandemia de COVID-19, atenuando a volatilidade dos preços e da disponibilidade das matérias-primas associada à evolução ambiental e geopolítica, incluindo o impacto das alterações climáticas e dos diferendos comerciais. O contributo da inovação e da digitalização, bem como do investimento contínuo no capital humano, para a agilização desta transição é inegável e deve ser abordado com maior vigor, através do apoio à investigação e desenvolvimento e de uma maior ênfase na comercialização. No entanto, importa avaliar plenamente o impacto da digitalização no mercado de trabalho, a fim de minimizar, tanto quanto possível, a perda de postos de trabalho e ajudar as pessoas afetadas, prevendo a sua requalificação e reafetação.

5.6.

A atual pandemia veio recordar que é importante colocar a tónica na saúde e bem-estar individuais e não apenas no crescimento económico, o qual, como refere a Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020, não é um fim em si mesmo. Melhorar a qualidade e a acessibilidade dos sistemas de saúde públicos nos diferentes países deve ser uma prioridade máxima para a UE, sem esquecer o combate às desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e as avultadas despesas não reembolsadas que apenas perpetuam essas disparidades. Em consonância com outros setores, importa também investir na digitalização e na inteligência artificial para os sistemas de saúde públicos. O surgimento de choques económicos em larga escala também realça o papel essencial da boa governação no reforço da capacidade de resistência e na preparação de respostas adequadas para fazer face às repercussões. Por conseguinte, a persecução de um crescimento económico sustentável e equitativo depende da qualidade das instituições nacionais e locais em todos os Estados-Membros, cabendo à UE assegurar ativamente que os países protejam e cultivem os princípios da democracia, da tolerância e do respeito pelo Estado de direito. É positivo que o Semestre Europeu tenha começado a abordar a qualidade da administração e governação públicas de forma muito mais sistemática.

5.7.

O último ponto diz respeito ao papel da produtividade na realização de um crescimento económico sustentável. Para poderem continuar a crescer de forma sustentável no futuro, as economias têm de aumentar a sua capacidade de crescer apenas enquanto o crescimento acrescentar valor à economia e às pessoas, o que passa nomeadamente por melhorar os salários e as condições de trabalho, em particular através da negociação coletiva, e por não comprometer, em circunstância alguma, uma distribuição mais equitativa dos rendimentos. Por conseguinte, as estratégias que visam melhorar a sustentabilidade económica têm de ser construídas em torno da ideia de produtividade, mas não podem ser executadas em prejuízo dos direitos dos trabalhadores e do desenvolvimento social. O aumento da produtividade não é, portanto, um fim em si mesmo, mas antes um meio para melhorar os salários, incrementar a procura global nas economias da UE e, assim, melhorar o nível de vida. O aumento da produtividade conduzirá também ao desenvolvimento de novos e melhores produtos e serviços, permitindo que as empresas ascendam a cadeias de valor superiores de bens e serviços e que a UE tenha uma vantagem competitiva no mercado mundial. Conforme referido acima, o aumento da produtividade deve estar estritamente associado ao objetivo de um crescimento económico sustentável e não ser obtido à custa das condições de trabalho, do desenvolvimento social ou das políticas ambientais. Pelo contrário, os objetivos gerais estabelecidos no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em particular a proteção social e o reforço do processo de negociação coletiva, devem ser respeitados. O mesmo se aplica aos objetivos estabelecidos no Pacto Ecológico e às metas da UE em matéria de alterações climáticas. Além disso, uma resposta verdadeiramente europeia à atual crise da COVID-19 e quaisquer tentativas unificadas de promover o crescimento sustentável em toda a União devem evitar a mentalidade de «nivelamento por baixo» da concorrência fiscal transnacional, que apenas compromete a cooperação entre os Estados-Membros, fomentando tendências nacionalistas. Ao invés, a tónica deve ser colocada no apoio aos países para que desenvolvam o seu capital humano e impulsionem a produtividade, abordando as disparidades regionais no crescimento e nas oportunidades de emprego através de um investimento orientado e também combatendo lacunas estruturais fundamentais que criam obstáculos à atividade das empresas.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 126.

(2)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Análise da governação económica — Relatório sobre a aplicação dos Regulamentos (UE) n.os 1173/2011, 1174/2011, 1175/2011, 1176/2011, 1177/2011, 472/2013 e 473/2013 e sobre a adequação da Diretiva 2011/85/UE do Conselho.

(3)  CNUCED (2019). «World Investment Report 2019» [Relatório sobre os investimentos mundiais de 2019].

(4)  Banco Mundial (2020). «Exports of goods and services (annual % growth)» [Exportações de bens e serviço (crescimento percentual anual)]. Indicadores do desenvolvimento mundial.

(5)  Bénassy-Quéré, A., Fontagné, L., & Lahrèche-Révil, A. (2005). «How does FDI react to corporate taxation?» [Como reage o investimento direto estrangeiro à fiscalidade das empresas?], International Tax and Public Finance, 12(5), pp. 583-603.

(6)  https://www.theguardian.com/world/2018/aug/20/greece-emerges-from-eurozone-bailout-after-years-of-austerity

(7)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento — Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Reforçar a competitividade, a inovação, o crescimento e a criação de emprego promovendo a cooperação regulamentar mundial, apoiando um sistema de comércio multilateral renovado e reduzindo os subsídios que provocam distorções do mercado

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/05)

Relator:

Georgi STOEV

Correlator:

Thomas STUDENT

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

CCMI

Adoção em secção

26.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções)

211/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Perturbações como a COVID-19 (coronavírus) ameaçam paralisar a economia mundial e a vida social. O seu impacto inclui recessões nos EUA, na UE, no Japão e noutras regiões do mundo, um crescimento extremamente lento na China e enormes perdas de produção. Os governos têm de compensar os prejuízos económicos com políticas monetárias e orçamentais e fazer face às mudanças expectáveis do paradigma económico. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) frisa a necessidade de modelos de negócio eficientes e de mecanismos de defesa comercial, em especial relativamente à Ásia, e observa que 36 milhões de postos de trabalho na UE dependem do seu potencial de exportação. Observa ainda que a percentagem do emprego na UE dependente das vendas de bens e serviços ao resto do mundo aumentou de 10,1 % em 2000 para 15,3 % em 2017 relativamente ao emprego total (1). Importa dar uma resposta orçamental, económica e social à crise para prevenir o seu impacto negativo nestes e noutros setores.

1.2.

A crise da COVID-19 deve incitar a UE a promover os setores farmacêutico e do equipamento médico, enquanto elemento da reformulação geral da política industrial imposta pela sustentabilidade ambiental e pela digitalização, com vista a assegurar a soberania partilhada e a autossuficiência da UE nesses setores. A elaboração do presente parecer iniciou-se antes do aparecimento de uma crise sanitária e económica imprevisível que vai certamente alterar as nossas economias e os padrões da globalização a curto, médio e longo prazo. Embora não seja o tema central do parecer, a crise tem e terá um impacto enorme nos setores e temas debatidos nos pontos que se seguem. É já evidente que a crise está a empurrar algumas zonas do globo na direção de uma nova vaga de protecionismo e nacionalismo económico, tanto ao nível mundial como na UE. O conjunto destes fatores é tido em conta, dentro do possível até à presente data, de forma horizontal no presente parecer.

1.3.

O CESE partilha a opinião de que o comércio e as empresas internacionais têm o potencial de contribuir para o crescimento global, em resultado de um maior grau de especialização, economias de escala, cadeias de valor mundiais avançadas e a disseminação da investigação e das tecnologias. É também de referir a transição de cadeias de valor para redes de criação de valor, de uma economia linear para uma economia circular e do corpóreo para o incorpóreo, novas realidades cuja adaptação requer flexibilidade da parte da indústria.

1.4.

O CESE frisa que as políticas da UE devem garantir que os intervenientes no desenvolvimento industrial não são vítimas de dumping desleal ao nível económico, social e ambiental. No que respeita às políticas que urge adotar, a UE faz face aos seguintes desafios: o mercado dos EUA para as exportações da UE, o potencial de colaboração entre a UE e os EUA, o futuro papel da China e a necessidade de reorganizar a OMC. O setor industrial deve ser um agente catalisador de soluções para os problemas ambientais e societais, criando novo valor para a sociedade.

1.5.

O CESE concorda que a globalização sem regulação conduz a um aumento das desigualdades, assim como a uma pressão descendente sobre as empresas, os salários e as condições de trabalho e ao enfraquecimento da segurança social. Esta situação pode tornar-se numa verdadeira ameaça para os modelos sociais europeus. Além disso, a globalização sem regras tem um impacto negativo nas normas ambientais. O CESE manifesta preocupação com o facto de as empresas e os postos de trabalho europeus estarem a ser pressionados por práticas comerciais desleais não conformes com a economia de mercado, que não respeitam os acordos internacionais em matéria social e ambiental. A indústria europeia deve tirar partido da sua vantagem específica e combinar os valores europeus, as novas tecnologias e uma abordagem de prospetiva. O mercado único é crucial para a indústria europeia e para a disseminação da inovação, não só no que diz respeito às tecnologias digitais, mas também a outras tecnologias facilitadoras essenciais como a biotecnologia. É de sublinhar também o papel da coesão social e regional e do diálogo social para assegurar a aceitação pela sociedade da transformação industrial.

1.6.

A política comercial e a estratégia industrial da UE não devem prejudicar os esforços da União em matéria de assistência ao desenvolvimento de países terceiros. O CESE recomenda a adoção de uma abordagem equilibrada, uma maior coordenação e a conjugação dos esforços nacionais de ajuda ao desenvolvimento no que toca às economias mais frágeis. O CESE manifesta preocupação com o aumento pronunciado de medidas incompatíveis com a OMC e com as novas disposições não pautais discriminatórias que ameaçam criar encargos regulamentares excessivos para ambas as partes, tornando-se a nova normalidade no comércio mundial. Há que reavaliar os programas de apoio da UE existentes e o respetivo controlo, em conformidade com as regras de concorrência da UE, para apoiar os Estados-Membros, os parceiros, as empresas e os trabalhadores da UE afetados negativamente pela crise económica e pelas guerras comerciais, assim como para reduzir os encargos que pesam sobre eles.

1.7.

O CESE considera que, para fazer face aos desafios externos, o mercado interno da UE tem de passar a ser o lugar por excelência para investir. A nova estratégia industrial e todos os outros instrumentos de alavancagem devem ser analisados à luz da sua capacidade para promover e apoiar o investimento em infraestruturas industriais, energéticas, digitais e de transportes mediante uma abordagem de conectividade alargada. A revisão das regras em matéria de fusões e aquisições, assim como de auxílios estatais pode colocar a UE em maior pé de igualdade face à concorrência mundial. Todos os níveis de governação devem assegurar uma distribuição equitativa dos benefícios da globalização e a atenuação dos impactos negativos a nível mundial, regional e local.

A criação de um regime comum para o investimento direto estrangeiro ajudará a captar os benefícios de ativos estratégicos como as infraestruturas críticas, as tecnologias críticas e a segurança do abastecimento de produtos críticos. Mais do que nunca é necessário tirar partido das diretivas relativas aos contratos públicos e recorrer a instrumentos eficazes de defesa comercial e a uma rede robusta de acordos de comércio livre para combater as práticas ilícitas, aprofundar a convergência regulamentar e promover normas de sustentabilidade, reduzindo assim as distorções do mercado.

1.8.

O CESE manifesta preocupação com o recente antagonismo relativamente ao comércio internacional e à globalização, bem como com o aumento dos movimentos populistas que apelam para um maior nacionalismo. Considera que o protecionismo e o nacionalismo não são a resposta certa aos problemas económicos e sociais. São necessárias prioridades de investimento e reformas a médio prazo para voltar a colocar as economias na via do crescimento inclusivo e sustentável, que engloba a transição ecológica e a transformação digital. A UE deve adotar todas as medidas possíveis para defender a plena democracia, não obstante a situação de pandemia.

1.9.

O CESE considera que o Pacto Ecológico deve articular a nova estratégia industrial e a política comercial com as políticas económica, regulamentar e de concorrência, num esforço global para proteger o ambiente, sem pôr em risco o mercado único, nem as empresas e os postos de trabalho europeus, e fixar objetivos ambientais ambiciosos para a indústria no seu conjunto.

1.10.

O CESE partilha o ponto de vista de que uma das mensagens principais sobre a estabilidade económica é que os Estados-Membros devem dar a devida atenção à qualidade das finanças públicas, promovendo os investimentos necessários, com uma perspetiva de futuro.

2.   Observações gerais

2.1.

Com o sistema multilateral sob pressão constante, as empresas da UE que operam ao nível mundial enfrentam tensões e incertezas crescentes, a que se junta o aumento do protecionismo e das tensões atuais entre os parceiros comerciais da UE. As cadeias de valor mundiais encurtam-se e há uma tendência generalizada a nível mundial para um regresso à regionalização. A UE, a par dos EUA e da China, está no centro dessa dinâmica e alguns setores industriais fundamentais encontram-se fortemente pressionados. Importa tomar decisões de fundo que aumentem as possibilidades de evitar o risco de marginalização e que preservem o papel mundial da UE. Urge reexaminar os investimentos no território da UE e privilegiar o apoio às empresas, em especial as PME, garantindo liquidez e estabilidade no setor financeiro, salvaguardando o mercado único e assegurando o fluxo dos bens críticos. Esse objetivo só pode ser alcançado através de uma combinação de medidas, como por exemplo: aplicação dos regulamentos e das políticas da UE às empresas de países terceiros quando estas exercem a sua atividade na União, infraestruturas, investimento em bens públicos (ou seja, saúde, educação, infraestruturas digitais), reciprocidade em matéria de contratos públicos, política comercial eficaz, independência digital.

2.2.

A competitividade mundial da indústria da UE é dificultada pelo regresso ao unilateralismo e pela falta de uma governação mundial eficaz em matéria de questões económicas e comerciais, bem como pelas assimetrias e distorções do mercado causadas por concorrentes subvencionados, designadamente as empresas públicas, e pela crise. Os investimentos das empresas da UE em investigação e inovação procuram combinar competitividade e sustentabilidade, mas esses investimentos e riscos arrojados podem não singrar devido ao acesso reduzido aos mercados internacionais e à concorrência desleal. Neste contexto, as PME estão mais do que nunca vulneráveis.

2.3.

Nestas circunstâncias, as alianças forjadas pela UE podem ajudar a promover os seus interesses em organizações multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e as Nações Unidas (ONU). Por conseguinte, a estratégia industrial recentemente adotada e o relatório anual da Comissão sobre a aplicação dos acordos de comércio livre representam não só um passo para aumentar a transparência, mas também um instrumento eficaz para informar de forma objetiva a sociedade civil sobre o contexto dos acordos comerciais negociados pela UE.

Embora apresente alguns elementos positivos, o pacote global da estratégia industrial recém-adotada ainda não convenceu todos os intervenientes de que fará uma diferença palpável para as empresas, os trabalhadores e a sociedade civil, que se esforçam por reforçar a competitividade e o crescimento económico da Europa.

2.4.

A adoção de uma política industrial europeia forte e a defesa dos interesses comerciais da UE são compatíveis com o objetivo prioritário da sua política externa: reforçar o multilateralismo no âmbito das instituições do sistema das Nações Unidas. As reformas que se impõem a estas instituições deverão permitir avançar rumo a um mundo governado por regras justas e princípios democráticos.

3.   Materializar o potencial das perspetivas das empresas

3.1.

O CESE concorda com o ponto de vista da Comissão segundo o qual as empresas europeias só podem beneficiar da estratégia industrial e dos acordos comerciais da UE se tiverem informações pertinentes sobre o conteúdo dessas estratégias e acordos e compreenderem como funcionam na prática.

3.2.

O CESE observa com preocupação que a complexidade das regras de origem e dos formulários administrativos exigidos pelos parceiros comerciais da UE para a concessão de preferências às empresas da UE, bem como o esforço necessário para comprovar a origem preferencial, se afiguram desproporcionados para as PME europeias, quando comparados com a dimensão dos contratos celebrados.

3.3.

O CESE propõe que, para os países cuja concorrência, condições laborais ou normas de sustentabilidade sejam desleais, se comece a averiguar a possibilidade de elaborar, para questões fundamentais, soluções alternativas de resolução de litígios, assim como de aplicar os mecanismos de resolução de litígios em linha das Nações Unidas. O CESE congratula-se com a aprovação, anunciada recentemente pela Comissão, do mecanismo provisório multilateral em matéria de arbitragem de recursos como solução temporária para manter uma função de resolução de litígios independente e em duas fases.

3.4.

O CESE recorda que a maior parte das atividades comerciais das PME ocorre principalmente no mercado único (2) e que apenas cerca de metade das PME vende os seus produtos a países não pertencentes à UE-28 (3). Observa ainda que as atividades de exportação das PME se encontram muito concentradas em alguns Estados-Membros e regiões, com seis Estados-Membros (4) a perfazer mais de dois terços do total da atividade comercial e empresarial das PME na UE.

3.5.

O CESE congratula-se com o progresso realizado pela Comissão no desenvolvimento do portal em linha que integrará duas bases de dados — a Base de Dados de Acesso ao Mercado e o Trade Helpdesk —, o qual visa dar resposta à complexidade e incoerência das regras de origem e dos regimes aduaneiros e disponibiliza uma calculadora de regras de origem gratuita em linha para prestar apoio adicional às PME europeias.

3.6.

O CESE considera que a Comissão e o Serviço Europeu para a Ação Externa, bem como as representações diplomáticas e consulares dos Estados-Membros, podem desempenhar um papel importante na promoção da estratégia, dos serviços e do comércio da UE com os países terceiros, a fim de facilitar o investimento estrangeiro e as oportunidades de exportação para as empresas e a mão de obra europeias.

3.7.

O CESE congratula-se igualmente com as iniciativas da Comissão Europeia para promover e apoiar as PME europeias nos seus esforços de internacionalização, para que passem a ser competitivas a nível mundial, e salienta a necessidade de assegurar uma abordagem ascendente na sua aplicação. A par dessas iniciativas, o novo paradigma poderá proporcionar mais oportunidades para as PME e outros intervenientes regionais.

3.8.

O CESE manifesta preocupação com as questões pendentes a resolver com os parceiros comerciais da UE, apresentadas no relatório da Comissão, nomeadamente o facto de continuar a haver entraves ao acesso dos produtos da UE aos mercados em países parceiros. O reconhecimento mútuo e não burocrático das normas técnicas deve estar no topo das prioridades.

3.9.

O CESE frisa que, tal como sublinhado num estudo do Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (5), baseado numa análise dos fluxos comerciais em alguns Estados-Membros, os resultados da UE em termos de exportações mostram uma forte correlação positiva com o PIB, e que o comércio se encontra altamente concentrado em poucos Estados-Membros.

3.10.

O CESE recorda que a Comissão reconheceu o impacto territorial desigual da globalização no Documento de reflexão — Controlar a globalização, bem como no Documento de reflexão — O futuro das finanças da UE, tendo sublinhado que embora as vantagens da globalização se façam sentir a grande escala, os custos estão com frequência localizados.

3.11.

O CESE salienta, em particular, o papel da política de coesão no reforço da competitividade da UE mediante investimentos específicos em setores-chave como as infraestruturas de rede, a investigação e a inovação, os serviços em matéria de tecnologias da informação, a ação ambiental e climática, o emprego de qualidade e a inclusão social.

3.12.

O CESE salienta o papel que o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG) pode desempenhar no apoio às pessoas que perdem o emprego em resultado de mudanças estruturais decorrentes da globalização, da digitalização, da migração e das alterações climáticas. Tendo em conta a escala enorme da crise económica e do emprego que se avizinha, há que reforçar financeiramente o FEG, flexibilizar as respetivas regras para se adaptarem à natureza e dimensão da crise e associar o mesmo ao Fundo para uma Transição Justa.

3.13.

O CESE concorda que os regimes de trabalho flexível e o teletrabalho desempenham um papel importante para salvaguardar o emprego e a capacidade de produção, mas, apesar dos esforços para atenuar o impacto social da crise, é expectável um aumento significativo do desemprego e das desigualdades de rendimento. A revisão da política da UE no âmbito do Pacto Ecológico Europeu pode ser importante para assegurar que a globalização produz efeitos positivos a nível económico, social, territorial e ambiental para as empresas, os trabalhadores e a sociedade civil e contribui para reduzir a distorção do mercado.

3.14.

O CESE considera que se pode recorrer a um mecanismo de combate à «pegada de carbono» na indústria transformadora e envidar esforços para descarbonizar as indústrias a fim de assegurar condições de concorrência equitativas. Observa, no entanto, que essas medidas devem encontrar um equilíbrio entre as preocupações ambientais, comerciais e de equidade, para evitar distorções do mercado que desencadeiam medidas de retaliação contra os países da UE, prejudicando assim a indústria e os empregos industriais da UE.

3.15.

O CESE partilha a opinião de que é fundamental reduzir a diferença de produtividade entre as economias, regiões e empresas altamente produtivas e todas as outras. Considera também que a existência de instituições eficazes e sistemas fiscais eficientes pode apoiar a produtividade.

3.16.

É preciso adotar uma nova política industrial que se centre em estimular as atividades com um teor de inovação mais elevado e em gerar maior valor acrescentado, o que é indissociável da promoção de novos empregos de qualidade. Se for bem concebida e corretamente executada, esta nova política poderá ajudar a evitar o impacto negativo de novas quedas do PIB, da fragmentação do mercado único e da perturbação das cadeias de valor.

4.   Atenuar o impacto negativo de eventos específicos

4.1.

O CESE insta todos os intervenientes institucionais principais a reconsiderarem as ligações entre a UE-27 e o Reino Unido, que determinarão em grande medida o impacto da saída deste país nas economias respetivas. Importa conceber medidas adequadas para os setores que possam sofrer um impacto particularmente negativo.

4.2.

O CESE lamenta a decisão tomada pelos Estados Unidos de introduzir direitos aduaneiros suplementares sobre os produtos europeus, em retaliação pelos auxílios concedidos pela UE ao fabricante de aeronaves Airbus, decisão que terá impacto principalmente nos produtos agrícolas e agroalimentares produzidos nos Estados-Membros da UE. A eficácia das medidas de salvaguarda da UE no setor do aço, tradicionalmente objeto de atenção pela CCMI, deve ser reavaliada à luz da revisão em baixa das perspetivas económicas na indústria do aço, a fim de evitar prejuízos adicionais para as empresas siderúrgicas nacionais e assegurar condições de concorrência equitativas para as empresas e a mão de obra da UE.

O CESE salienta que os direitos aduaneiros dos EUA sobre o aço conduziram a importantes desvios do comércio de produtos siderúrgicos de países terceiros, que chegam em quantidades cada vez maiores ao mercado europeu para serem utilizados nomeadamente nos contratos de construção de infraestruturas públicas.

4.3.

O CESE observa que, embora nenhum país se possa isolar da globalização sem incorrer em custos enormes, o risco de colapso do sistema de comércio multilateral é real e a UE tem, por conseguinte, de refletir sobre esta questão. Neste contexto, saúda o programa de trabalho da Comissão para 2020, o qual prevê a apresentação de uma iniciativa para a reforma da OMC até ao final de 2020, assim como a proposta de plano de recuperação.

4.4.

O CESE partilha a opinião de que a UE deve passar a adotar uma abordagem mais determinada para assegurar uma verdadeira reciprocidade na prática e combater o protecionismo no acesso aos mercados de contratos públicos em países terceiros.

O mercado de contratos públicos e a proteção dos direitos de propriedade intelectual na China são conhecidos pelas suas divergências em relação às normas internacionais e, apesar da sua adesão à OMC, a China ainda continua a ser um mercado amplamente protegido. Além disso, a China ainda não aderiu ao Acordo sobre Contratos Públicos da OMC, apesar da sua promessa quando foi aceite nessa organização. O debate sobre a China tornou-se mais sensível na UE. A elaboração de programas ambiciosos como a Iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota», o Fabricado na China 2025 e as «16+1 Orientações (Budapeste 2017, Sófia 2018, Dubrovnik 2019)» (6) capturou a atenção de vários intervenientes públicos e privados, incluindo das instituições da UE. A questão do 5G trouxe para a ribalta o tema da segurança digital, proporcionando um terreno fértil para avançar na direção da independência digital da UE. O reforço dos programas de investimento da UE na investigação e inovação parece ser a abordagem mais racional e suscetível de êxito neste domínio.

4.5.

As recomendações políticas e as medidas concretas devem ter em conta dois aspetos estratégicos. O primeiro consiste no facto de o G20 ter perdido grande parte do seu peso, quando poderia ser um fórum político mundial complementar ao sistema das Nações Unidas, com vista a corrigir igualmente os desequilíbrios e desigualdades mundiais. O segundo, estreitamente ligado, é o facto de a UE não dispor de uma «política económica externa» eficaz. A política industrial e as outras políticas da UE que afetam fatores relacionados com a produção, a energia, o mercado interno, a investigação e a inovação, os transportes, etc., não são articuladas, ou então são apenas parcialmente refletidas, na projeção externa do comércio e dos serviços externos da UE. O mesmo se passa com as agências de crédito à exportação dos Estados-Membros, que deveriam unir esforços. Esta desarticulação faz com que seja difícil confrontar os principais intervenientes internacionais e fragiliza o papel da UE nas instâncias internacionais e multilaterais e na luta contra as distorções do mercado.

5.   Impacto da crise gerada pela pandemia de COVID-19 (coronavírus)

5.1.

O surto de COVID-19 teve um impacto macroeconómico e orçamental extraordinário, que ainda não é totalmente conhecido. O CESE partilha a opinião de que não havia alternativa às políticas financeiras e monetárias expansionistas recentemente anunciadas na UE e em todo o mundo. Os principais desafios prendem-se com uma retoma incompleta e desigual e um aumento do desemprego. Embora as medidas políticas devam limitar o aumento deste último, a necessidade destas medidas levará a défices públicos e a um aumento da dívida pública.

5.2.

O CESE frisa que a presente crise tem graves implicações de longo prazo para a UE. Uma vez que a resposta coordenada da UE à pandemia foi retardada por questões políticas, é provável que haja uma perda de confiança nos responsáveis políticos em geral.

5.3.

Outros riscos prendem-se com uma pandemia mais longa do que o previsto, instabilidade financeira quer a nível mundial, quer da UE, um aumento do protecionismo, a fragmentação do mercado único e divergências estruturais arreigadas.

5.4.

O CESE considera que a Europa necessita urgentemente de um novo projeto para a integração interna, uma estratégia comum em matéria económica, social (que inclua a coordenação no domínio da saúde pública), orçamental, energética e ambiental e uma política comercial coerente. A ausência de uma estratégia europeia eficaz tem sido alarmante e tem de ser invertida no sentido de uma nova abordagem coletiva europeia.

5.5.

É necessário um pacote de recuperação e reconstrução avultado para apoiar a economia da UE após a crise, o qual deve ser integrado no novo Quadro Financeiro Plurianual, para além das medidas já avançadas pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade, o Banco Europeu de Investimento e o Banco Central Europeu. O investimento necessário ao plano de recuperação seria ainda financiado por fundos da UE existentes, instrumentos financeiros e obrigações de recuperação, claramente definidas em termos de problemas resultantes da crise da COVID-19, garantidas pelo orçamento da UE. Neste contexto, o CESE considera que o plano de recuperação recentemente apresentado pela Comissão Europeia é um primeiro passo concreto neste sentido.

5.6.

O CESE frisa que o comércio assente em regras é igualmente essencial em períodos de crise e enquanto elemento da estratégia da UE para sair da crise. Os Estados-Membros devem respeitar o mercado único e assegurar que não existem obstáculos internos ao comércio da UE através de uma negociação mais abrangente de um acordo multilateral que conduza a condições de concorrência equitativas, incluindo a eventual liberalização permanente dos direitos aduaneiros sobre o equipamento médico, e ajude a garantir que as cadeias de abastecimento mundiais operam livremente neste setor crítico. A par destas medidas, a liberalização pautal e o financiamento das exportações, assentes numa boa coordenação entre as respetivas entidades competentes da UE e dos Estados-Membros, poderiam reduzir a pressão sobre as empresas e evitar distorções do mercado.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2018/november/tradoc_157516.pdf

(2)  Serviço de Estudos do Parlamento Europeu, CETA implementation: SMEs and regions in focus [Aplicação do CETA: foco nas PME e nas regiões], estudo realizado a pedido do CR, 18 de novembro de 2019, disponível em: http://www.europarl.europa.eu/thinktank/pt/document.html?reference=EPRS_IDA(2019)644179

(3)  Flash Eurobarómetro n.o 42, Internacionalização das PME, outubro de 2015.

(4)  Bélgica, Alemanha, Espanha, Itália, Países Baixos e Reino Unido.

(5)  Serviço de Estudos do Parlamento Europeu, Interactions between trade, investment and trends in EU industry: EU regions and international trade [Interações entre o comércio, o investimento e as tendências na indústria da UE: as regiões europeias e o comércio internacional], estudo realizado a pedido do CR, 27 de outubro de 2017, disponível em: http://www.europarl.europa.eu/thinktank/pt/document.html?reference=EPRS_STU(2017)608695

(6)  2017: https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/2649_665393/t1514534.shtml

2018: https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/2649_665393/t1577455.shtml

2019: https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/2649_665393/t1655224.shtml


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — A dimensão industrial da União da Segurança

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/06)

Relator:

José CUSTÓDIO LEIRIÃO

Correlator:

Jan PIE

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção na CCMI

26.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

209/3/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Congratulamo-nos com a determinação da nova Comissão Europeia em reforçar a soberania tecnológica da União e salientamos a importância do setor da segurança nesta matéria. Não há segurança sem tecnologia, e a Europa deve dominar as tecnologias que são cruciais para a sua segurança.

1.2.

Com este objetivo em mira, solicitamos à Comissão Europeia o lançamento de uma estratégia que reforce a capacidade industrial e tecnológica da Europa no domínio da segurança. Aquela é muito necessária, em especial em domínios sensíveis, em que a própria dependência de fornecedores de países terceiros se pode tornar um risco de segurança. A estratégia deve apoiar os objetivos da nova Estratégia de Segurança Interna e complementá-la com uma dimensão industrial. Deve contribuir para satisfazer as necessidades de capacidade atuais e futuras dos utilizadores finais europeus e abordar os principais desafios que o setor enfrenta na Europa: fragmentação do mercado, falta de planeamento a longo prazo das capacidades e das tecnologias e ainda incoerência das políticas e dos instrumentos de financiamento da UE.

1.3.

A estratégia industrial para a segurança deve assentar nas seguintes premissas:

a)

a existência de uma indústria da segurança inovadora é crucial para a soberania tecnológica e a autonomia estratégica da Europa;

b)

a segurança é uma questão de soberania, que não pode ser deixada exclusivamente à mercê das forças de mercado. É necessária vontade e ação política para manter a capacidade de desenvolver soluções de segurança complexas, assentes na alta tecnologia;

c)

à luz da pandemia de COVID-19, a capacidade de resistência às catástrofes naturais e de origem humana de envergadura tem de ser uma prioridade política muito importante para a União, só podendo ser concretizada com o apoio da indústria europeia de segurança.

A estratégia deve ser elaborada no âmbito da União da Segurança e tornar mais eficazes as políticas da UE relacionadas com a segurança. Deve seguir uma abordagem holística e incluir os seguintes objetivos:

avaliação dos pontos vulneráveis e da dependência essencial da Europa no contexto da segurança não militar;

análise das tecnologias emergentes, a fim de detetar potenciais implicações para a segurança;

definição de tecnologias essenciais «obrigatórias» para as quais a Europa não deve, por razões de segurança, depender de fornecedores de países terceiros;

identificação das cadeias de valor estratégicas no setor da segurança;

utilização das agências da UE como motores do planeamento das capacidades e da harmonização dos requisitos nacionais;

utilização de instrumentos da UE relacionados com a segurança (FSI — Fundo para a Segurança Interna, FGIF — Fundo de Gestão Integrada das Fronteiras, Europa Digital, Horizonte Europa, rescEU) para investimentos específicos em tecnologias e aplicações de segurança cruciais;

utilização de outros instrumentos da UE (fundos estruturais, InvestEU, etc.) para investimentos relevantes para a segurança (infraestruturas), idealmente através da criação de um mecanismo para a segurança da Europa (análogo ao Mecanismo Interligar a Europa);

utilização de contratos públicos europeus e coordenação dos contratos públicos nacionais para apoiar a base industrial pertinente;

utilização de instrumentos de financiamento orientados para as capacidades (como o FSI e o FGIF), a fim de estimular o mercado a aplicar a investigação realizada na UE no domínio da segurança para além do Horizonte Europa;

identificação de novas iniciativas legislativas possíveis, como a revisão da Diretiva Proteção das Infraestruturas Críticas ou um eventual instrumento relativo à segurança urbana;

coordenação dos programas pertinentes da UE (defesa, segurança, espaço, cibersegurança).

Introdução

1.4.

O contexto da segurança na Europa é altamente complexo. Atualmente, as ameaças à segurança são, muitas vezes, multifacetadas, transnacionais, em rápida evolução e difíceis de prever. Podem atingir uma grande variedade de alvos em toda a União (por exemplo, eventos de massas, transportes, infraestruturas críticas, instituições) e provir também de uma grande variedade de agentes que representam uma ameaça (por exemplo, autores individuais, organizações criminosas, grupos terroristas, Estados-nação), com motivações muito diferentes (como a geopolítica, o extremismo religioso ou político, os interesses económicos ou financeiros ou a perturbação mental) e utilizar todos os tipos de meios para levar a cabo as suas intenções dolosas [como armas de fogo, engenhos explosivos improvisados, materiais químicos, biológicos, radiológicos e nucleares (QBRN), ciberataques ou desinformação].

1.5.

Para além das ameaças à segurança de origem humana, há catástrofes naturais, como inundações, secas, tempestades ou pandemias, que representam um risco cada vez maior devido às alterações climáticas, à poluição ambiental e à exploração excessiva dos recursos naturais. As catástrofes naturais são, geralmente, ainda mais devastadoras do que as catástrofes de origem humana e ameaçam a segurança direta e indiretamente.

1.6.

As ameaças à segurança diferem, tal como as forças de segurança e as respetivas capacidades necessárias. Ao mesmo tempo, as forças de segurança cooperam com frequência, por exemplo sendo os primeiros a intervir em caso de catástrofe, e necessitam de equipamento interoperável capaz de responder às ameaças que enfrentam.

1.7.

Apesar da sua diversidade, as ameaças atuais à segurança têm uma coisa em comum — não podem ser combatidas sem soluções tecnológicas. A tecnologia em si não proporciona segurança, mas, nas nossas sociedades complexas e interligadas, constitui um fator indispensável em todos os setores da segurança e em todas as fases do ciclo de segurança (prevenção, preparação, resposta e recuperação). A rápida evolução e proliferação de novas tecnologias informáticas, como a inteligência artificial, a computação quântica e a cadeia de blocos, reforçarão ainda mais a importância da tecnologia para a segurança, na medida em que não só criam novas oportunidades, como também multiplicam os pontos vulneráveis e a capacidade para causar danos.

1.8.

Sem os conhecimentos técnicos de uma indústria da segurança especializada, é impossível desenvolver as tecnologias de ponta necessárias para enfrentar as ameaças atuais e futuras à segurança. A indústria da segurança é um parceiro essencial, em especial no tocante aos sistemas de segurança complexos e à proteção contra agentes sofisticados que representam uma ameaça.

1.9.

A base tecnológica e industrial da segurança na Europa é tão diversificada como as necessidades de segurança das sociedades e economias modernas. Inclui empresas de todas as dimensões em toda a União, de diferentes setores e especializações. Muitas delas são também ativas no setor informático da defesa, aeroespacial e comercial ou são filiais de grupos de maior dimensão de tais setores. Todas desenvolvem e produzem sistemas de alta tecnologia e prestam serviços necessários para proteger as nossas sociedades, empresas, instituições e cidadãos contra todos os tipos de ameaças à segurança e catástrofes. O estudo exaustivo mais recente estima que a indústria da segurança da UE gera um volume de negócios de cerca de 200 mil milhões de euros e cria emprego para 4,7 milhões de pessoas (1).

2.   Observações na generalidade

2.1.

A União tem um interesse económico, mas também estratégico, na promoção de uma base industrial europeia de segurança dinâmica. Quanto mais crucial é um determinado setor para a segurança, tanto mais a dependência de fornecedores de países terceiros pode constituir um risco de segurança. É fundamental utilizar tecnologias, serviços e equipamento desenvolvidos por fontes fiáveis, em particular quando as infraestruturas críticas e as instituições públicas têm de ser protegidas contra ameaças provenientes de agentes estatais ou apoiados pelo Estado.

2.2.

A evolução da pandemia de COVID-19 e as respetivas consequências diretas e indiretas também mostraram a necessidade de uma indústria da segurança europeia sólida. O recurso maciço a ferramentas informáticas, por exemplo, provocou um aumento drástico de ciberataques, provenientes tanto de agentes não estatais como estatais, contra empresas e prestadores de serviços essenciais. Por conseguinte, um dos principais ensinamentos a retirar da pandemia deverá ser o reforço da ciberproteção e da cibersegurança em todos os processos informáticos de empresas e instituições. Desde o início do surto do vírus, voltou-se a assistir a campanhas de desinformação, muitas vezes patrocinadas por governos estrangeiros, que não podem ser combatidas eficazmente sem o recurso a ferramentas tecnológicas sofisticadas. A COVID-19 tem também revelado lacunas enormes na capacidade de gestão de crises da UE, tais como a ausência de um conjunto comum de equipamento QBRN. Em resumo, são necessárias uma série de medidas para tornar a Europa mais resistente a catástrofes de grande envergadura. Dado o caráter sensível da maioria de tais medidas, é imperativo aplicá-las com o apoio de fornecedores fiáveis e garantir a segurança do abastecimento em tempos de crise.

2.3.

Assim, a União tem um interesse estratégico em manter na Europa as capacidades industriais necessárias para assegurar um nível adequado de autonomia e de soberania tecnológica em setores cruciais para a segurança. Ao mesmo tempo, as condições de mercado atuais não facilitam a satisfação deste interesse estratégico. Pelo contrário, as características específicas do mercado da segurança na Europa levam, muitas vezes, a que as empresas tenham dificuldade em construir modelos de negócio viáveis para as tecnologias em causa.

2.4.

Do lado comercial, a procura de produtos de segurança de última geração e dispendiosos é limitada. Uma vez que os operadores de mercado privados procuram constantemente reduzir os custos, de um modo geral, limitam os investimentos em segurança ao estritamente necessário e dão preferência ao produto mais barato imediatamente disponível (amiúde de fornecedores de países terceiros).

2.5.

Do lado da procura do setor público, existe, no mercado da segurança, uma ampla variedade de compradores e utilizadores finais, a maioria dos quais com orçamentos de aquisição limitados e encomendas de pequenas dimensões, sendo obrigados por lei a comprar ao preço mais baixo. Além disso, a grande maioria dos clientes de segurança do setor público não dispõe de um planeamento do reforço das capacidades. Compram os produtos disponíveis no momento para satisfazer as suas necessidades imediatas, sem refletir a longo prazo sobre a possível evolução das ameaças e das tecnologias no futuro, muito menos realizar investimentos para se prepararem para tal.

2.6.

O mercado disponível para as tecnologias e aplicações essenciais é diminuto, em virtude das características específicas dos dois lados da procura de segurança. As soluções de segurança complexas são, frequentemente, concebidas à medida para um único cliente, ou poucos clientes, o que limita ao mínimo os volumes de produção e as economias de escala. Na melhor das hipóteses, as tecnologias utilizadas para esses sistemas podem ser aproveitadas para outras aplicações menos sensíveis num mercado mais vasto de clientes comerciais. Assim, as condições de mercado atuais impossibilitam a manutenção na UE de uma base tecnológica e industrial capaz de reforçar as capacidades de segurança de que a Europa necessita para proteger as suas fronteiras externas, o seu território e os seus cidadãos. Esta situação compromete a credibilidade da União da Segurança e exige o reforço da ação da UE.

Ponto da situação das políticas de segurança da UE

2.7.

Desde o lançamento da Agenda Europeia para a Segurança, em abril de 2015, a UE tem envidado esforços no sentido de uma União da Segurança genuína que proporcione os instrumentos, as infraestruturas e as condições em que as autoridades nacionais e da UE podem trabalhar em conjunto para enfrentar eficazmente os desafios comuns, protegendo simultaneamente os direitos e as liberdades dos cidadãos (2). O elevado número de iniciativas neste contexto demonstra que a segurança se tornou, decididamente, numa das principais prioridades políticas da União:

Diretiva relativa à luta contra o terrorismo (3)

Regras revistas em matéria de luta contra o branqueamento de capitais (4)

Criação do Sistema de Informação de Schengen (SIS) (5)

Interoperabilidade entre os sistemas de informação da UE no domínio da segurança, das fronteiras e da migração (6)

Criação da Agência da União Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA) (7)

Regulamento Cibersegurança (8)

Reforço da Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira («Frontex») (9)

Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (ETIAS) (10)

Estas iniciativas vêm juntar-se a programas e instrumentos de financiamento já estabelecidos, como o Fundo para a Segurança Interna.

2.8.

A proposta da Comissão para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) prevê um aumento considerável das principais rubricas orçamentais pertinentes (por exemplo, 35,3 mil milhões de euros para a migração e a gestão das fronteiras, 4 mil milhões de euros para a segurança interna, 15,6 mil milhões de euros para a resiliência e resposta a situações de crise) em comparação com o QFP anterior (11). A União financiará igualmente outro programa de investigação no domínio da segurança ao abrigo do Horizonte Europa, o qual já deu um contributo importante para a conceção e o desenvolvimento das capacidades de segurança futuras no âmbito do Horizonte 2020.

2.9.

No que diz respeito às tecnologias digitais, a Comissão Europeia propõe também um aumento significativo da despesa (por exemplo, o Horizonte Europa ou o Programa Europa Digital), a fim de reforçar a soberania tecnológica da Europa em domínios de importância estratégica. A este respeito, a Comissão manifestou igualmente a sua intenção de promover as sinergias entre os setores espacial, da defesa e da segurança.

2.10.

A soberania tecnológica é igualmente um conceito fundamental na Comunicação — Uma nova estratégia industrial para a Europa, na qual a Comissão realça que «a transformação digital, a segurança e a futura soberania tecnológica […] dependem das nossas infraestruturas digitais estratégicas» e anuncia que «apoiará a elaboração de tecnologias facilitadoras essenciais que sejam estrategicamente importantes para o futuro industrial da Europa» (12).

Observações na especialidade

2.11.

A competência da UE no domínio da segurança continua a ser limitada e, muitas vezes, mais não é do que uma função de coordenação entre as autoridades nacionais. Por conseguinte, as políticas de segurança continuam fragmentadas e são, frequentemente, ineficazes. O mesmo acontece noutros setores relevantes para a segurança, como a saúde pública.

2.12.

A segurança na UE é uma prioridade política que não dispõe de uma dimensão industrial. Há um número impressionante de políticas e instrumentos de financiamento relacionados com a segurança, dotados de orçamentos consideráveis. Não existe, porém, uma coordenação das necessidades em termos de capacidades, nem uma política coerente de apoio à base industrial e tecnológica pertinente. Conceitos como a competitividade industrial, a autonomia estratégica, o planeamento das capacidades e as tecnologias essenciais têm estado ausentes do debate sobre a União da Segurança e nunca são considerados objetivos de programas de financiamento relacionados com a segurança.

2.13.

O plano de ação da Comissão para uma indústria de segurança inovadora e competitiva, de 2012, carecia de ambição e era limitado no seu âmbito, pelo que permaneceu sem grande impacto.

2.14.

O programa da UE de investigação no domínio da segurança mobiliza recursos consideráveis, mas apresenta graves deficiências. A aplicação dos resultados da investigação pelo mercado continua a representar um grande desafio, porque não há um processo comum de planeamento das capacidades para a segurança, que contribuiria para consolidar a procura pelos utilizadores finais, nem uma utilização sistemática de outros instrumentos de financiamento da UE orientados para as capacidades como forma de apoiar a implantação de soluções de segurança.

2.15.

A nova Estratégia de Segurança Interna orienta as políticas de segurança da UE e deve, por conseguinte, procurar resolver tais lacunas. Deve abordar a rápida evolução da tecnologia e as suas implicações para a segurança, promover uma definição comum das necessidades em termos de capacidades de segurança e fomentar a cooperação europeia para satisfazer tais necessidades. Tal reforçaria a União da Segurança, contribuiria consideravelmente para a criação de um verdadeiro mercado interno da segurança e ajudaria a manter competitiva a indústria da segurança da Europa.

2.16.

A indústria é indispensável para traduzir as tecnologias em soluções. Assim, uma política industrial ambiciosa para os principais domínios de soberania deve constituir uma prioridade política para a União. O desenvolvimento de tal política é particularmente urgente para o setor da segurança, afetado atualmente por graves deficiências do mercado, que dificultam sobremaneira a sustentação das capacidades industriais e tecnológicas cruciais.

2.17.

Por conseguinte, apelamos à Comissão Europeia para que elabore uma estratégia industrial específica para a segurança que apoie a nova Estratégia de Segurança Interna e torne a União da Segurança mais eficaz. Tal estratégia industrial deve ser ambiciosa e abrangente, assegurando que todas as políticas e instrumentos pertinentes contribuem para a soberania tecnológica da União em setores cruciais para a segurança. Deve assegurar igualmente que todos os instrumentos da UE relacionados com a segurança (FSI, FGIF, rescEU) incluem uma dimensão industrial e que todos os programas relacionados com a tecnologia (Europa Digital, Horizonte Europa) incluem uma dimensão de segurança. Tal contribuiria para satisfazer as necessidades de segurança dos clientes públicos, proporcionaria novas oportunidades para a indústria europeia e facilitaria a gestão atempada das implicações das tecnologias emergentes em termos de segurança.

2.18.

Para o efeito, o conceito de soberania tecnológica necessita de ser mais bem definido e colocado em prática. O destaque dado atualmente pela Comissão às tecnologias digitais é bem-vindo, mas não deve ser o único. Há que conferir prioridade a todas as tecnologias essenciais em domínios fundamentais de soberania, nomeadamente a segurança, a defesa e o espaço. O conceito deve também ser revisto à luz da pandemia de COVID-19 e incluir a capacidade de resistência como objetivo estratégico.

2.19.

A Comunicação da Comissão — Uma nova estratégia industrial para a Europa inclui elementos importantes para promover a soberania tecnológica em setores cruciais para a segurança. O conceito de cadeias de valor estratégicas, em particular, deve ser utilizado como quadro para uma abordagem global que abranja todo o ciclo industrial, desde o fornecimento de materiais fundamentais até à industrialização e à manutenção, e que coordene a utilização de todos os instrumentos estratégicos adequados, incluindo a monitorização dos investimentos diretos estrangeiros.

2.20.

O próximo Quadro Financeiro Plurianual terá de ser adaptado às necessidades da era (pós-)COVID-19, tal como as políticas por ele apoiadas e os programas por ele financiados. As prioridades e os instrumentos definidos anteriormente têm de ser revistos e ter em conta os ensinamentos retirados das dificuldades da Europa para fazer face à pandemia. O mesmo se aplica à União da Segurança e à nova Estratégia de Segurança Interna, que devem sublinhar a necessidade de maior soberania e resistência tecnológicas.

2.21.

A fim de ultrapassar a recessão desencadeada pela pandemia, durante o próximo ciclo orçamental, a UE deve centrar os investimentos em setores de alta tecnologia, uma vez que têm o maior valor acrescentado e os efeitos multiplicadores para a economia no seu conjunto (13). Uma estratégia industrial de segurança da UE que contribua para tornar a Europa mais autónoma e resistente enquadra-se perfeitamente nesta abordagem e deve, por conseguinte, ser lançada com caráter de urgência, no âmbito do plano de retoma da UE após a COVID-19.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Dada a diversidade do setor, não existe atualmente uma definição clara da indústria da segurança e apenas estimativas aproximadas da dimensão do mercado. A classificação metodológica desta indústria é dificultada por uma série de fatores: 1) a indústria da segurança não é abrangida enquanto tal pelas principais nomenclaturas estatísticas (NACE, Prodcom, etc.); 2) a produção de produtos relacionados com a segurança é ocultada por um vasto leque de rubricas, e as estatísticas relativas a estas rubricas não distinguem entre as atividades relacionadas com a segurança e as não relacionadas com a segurança, 3) não há dados estatísticos disponíveis a nível europeu sobre a própria indústria. Ver estudo sobre a compilação de dados estatísticos referentes à base industrial e tecnológica da segurança europeia, relatório final da Ecorys para a Comissão Europeia, DG Migração e Assuntos Internos, junho de 2015.

(2)  Comunicação da Comissão — Dar cumprimento à Agenda Europeia para a Segurança para combater o terrorismo e abrir caminho à criação de uma União da Segurança genuína e eficaz, Bruxelas, 20.4.2016, COM(2016) 230 final: https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9aeae420-0797-11e6-b713-01aa75ed71a1.0010.02/DOC_1&format=PDF.

(3)  Diretiva relativa à luta contra o terrorismo (JO L 88 de 31.3.2017, p. 6).

(4)  Diretiva relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (JO L 141 de 5.6.2015, p. 73).

(5)  Regulamento relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen (SIS) no domínio dos controlos de fronteira (JO L 312 de 7.12.2018, p. 14) e Regulamento relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen (SIS) no domínio da cooperação policial e da cooperação judiciária em matéria penal (JO L 312 de 7.12.2018, p. 56).

(6)  Regulamento relativo à interoperabilidade (fronteiras e vistos) (JO L 135 de 22.5.2019, p. 27) e Regulamento relativo à interoperabilidade (cooperação policial e judiciária, asilo e migração) (JO L 135 de 22.5.2019, p. 85).

(7)  Regulamento relativo à Agência da União Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA) (JO L 295 de 21.11.2018, p. 99).

(8)  Regulamento relativo à ENISA (Agência da União Europeia para a Cibersegurança) e à certificação da cibersegurança das tecnologias da informação e comunicação (JO L 151 de 7.6.2019, p. 15).

(9)  Regulamento relativo à Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira (JO L 295 de 14.11.2019, p. 1).

(10)  Regulamento que cria um Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (ETIAS) (JO L 236 de 19.9.2018, p. 1).

(11)  A preços correntes. Ver Comunicação da Comissão — Um orçamento da UE que potencia o plano de recuperação da Europa, Bruxelas, 27.5.2020, COM(2020) 442 final: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52020DC0442.

(12)  Comunicação da Comissão — Uma nova estratégia industrial para a Europa, Bruxelas, 10.3.2020, COM(2020) 102 final: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0102&from=ES.

(13)  Ver, por exemplo, «Il ruolo dell’innovazione e dell’alta tecnologia in Italia nel confronto con il contesto internazionale» [O papel da inovação e da alta tecnologia em Itália em relação ao contexto internacional], Centro de Economia Digital, Roma, outubro de 2019.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/49


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Introdução de medidas de salvaguarda relativas aos produtos agrícolas nos acordos comerciais

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/07)

Relator:

Arnold PUECH D'ALISSAC

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

29.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

204/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O reforço da cooperação internacional é uma condição prévia para a eficácia das cláusulas de salvaguarda.

1.1.1.

O CESE salienta que o abastecimento alimentar da humanidade é e continuará a ser um desafio de relevo, pelo menos até 2050. Para alimentar nove a dez mil milhões de pessoas, precisamos de todas as agriculturas do mundo. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) prevê a necessidade de aumento de 70 % da produção mundial entre 2007 e 2050. Por conseguinte, é necessário proteger as capacidades de produção de cada país, promovendo políticas agrícolas e comerciais adequadas e assegurando, em simultâneo, um comércio internacional organizado a fim de permitir gerir não só os imprevistos associados à produção, mas também situações de escassez estrutural em determinadas zonas geográficas.

1.1.2.

O CESE considera indispensável harmonizar as normas de produção, a fim de evitar distorções da concorrência e permitir que cada país assegure uma produção alimentar de base.

1.2.

Importa continuar a melhorar a transparência dos mercados.

1.2.1.

Lançado em 2011 na reunião dos ministros da Agricultura do G20, o Sistema de Informação sobre Mercados Agrícolas (SIMA), que reúne os principais produtores e importadores mundiais de cereais e oleaginosas, permite conhecer a situação real dos mercados, para além de ser igualmente uma instância de diálogo e de coordenação entre dirigentes governamentais em períodos de grande volatilidade dos mercados agrícolas. Este sistema já deu provas da sua utilidade, mas deve ser mais desenvolvido, em relação tanto ao número de países participantes como ao seu âmbito de aplicação, a fim de passar a abranger os demais produtos comercializados nos mercados mundiais.

1.3.

As cláusulas de salvaguarda agrícolas da Organização Mundial do Comércio (OMC), tanto as gerais como as constantes dos acordos bilaterais, devem ser objeto de melhorias em função de diferentes critérios elencados no presente parecer. O objetivo é assegurar a concorrência leal e a durabilidade do setor agrícola europeu, assegurando a soberania alimentar em benefício de todos os cidadãos, tanto produtores como consumidores. Esta necessidade de soberania alimentar foi amplamente destacada durante o surto de COVID-19.

1.3.1.   Uma resposta rápida

As cláusulas atuais são ineficazes devido à morosidade excessiva da sua aplicação. No entanto, graças à digitalização da economia, os dados podem estar disponíveis em apenas algumas horas. Atualmente, o seguimento dos volumes e dos preços é eficaz e permite uma resposta rápida.

1.3.2.   Uma resposta automática

Através do conhecimento pormenorizado das trocas comerciais, é possível regular facilmente os fluxos comerciais. A aplicação coordenada entre exportadores e importadores poderia ser automática sempre que se verifique um aumento de 10 % no volume de trocas comerciais ao longo de um período definido — por exemplo, um ano. Se o aumento se justificar por um imprevisto que tenha provocado uma diminuição da produção, a cláusula não será acionada. Por outro lado, se o aumento não se justificar, será aplicado um direito aduaneiro suplementar, a fim de limitar o referido aumento.

1.3.3.   Uma resposta proporcionada

Em função da natureza e da origem do aumento dos fluxos comerciais, a reação deve ser proporcionada, a fim de reduzir o aumento ou de assegurar a suspensão efetiva dos fluxos desestabilizadores para os setores em causa.

1.3.4.   Uma resposta abrangente

Todos os fluxos de importação devem ser tidos em conta, independentemente do seu estatuto e sem notificação prévia. Nos acordos de comércio livre (ACL), os contingentes com direitos reduzidos visam precisamente os chamados produtos sensíveis, que são também os setores mais rapidamente desestabilizados. Por conseguinte, devem igualmente ser abrangidos pelas cláusulas de salvaguarda.

1.3.5.   Medidas simétricas

A introdução de medidas simétricas na regulamentação europeia aplicável às importações deve, por um lado, assegurar o mesmo nível de proteção dos consumidores, independentemente da origem dos produtos, e, por outro lado, limitar as distorções económicas para os operadores europeus.

1.3.6.   Uma aplicação consentânea com o quadro de aplicação do Acordo de Paris

Os compromissos de redução das emissões de gases com efeito de estufa constituem uma questão internacional de relevo. Os países que não os respeitarem não devem beneficiar das mesmas condições de comércio. É necessário estabelecer um mecanismo de compensação do carbono nas fronteiras aplicável ao setor agroalimentar. Devido à sua complexidade, e na pendência da sua aprovação, devem ser negociadas, no âmbito da OMC, cláusulas de salvaguarda específicas ao Acordo de Paris, a incluir em todos os acordos de comércio livre negociados pela Comissão Europeia.

1.3.7.   Ter em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Tal como no caso do Acordo de Paris, as cláusulas de salvaguarda devem ser obtidas no quadro da OMC e incluídas em todos os acordos assinados pela União Europeia.

2.   Conceito e historial das cláusulas de salvaguarda

2.1.

A OMC prevê cláusulas específicas para o setor agrícola, mas limita a sua utilização.

2.1.1.

As medidas de salvaguarda são definidas como medidas «de emergência» relacionadas com o aumento das importações de determinados produtos, caso essas importações inflijam ou ameacem infligir um prejuízo grave à produção nacional do país de importação. As referidas medidas, que assumem, essencialmente, a forma de uma suspensão de concessões ou das obrigações, podem consistir na aplicação de restrições quantitativas à importação ou de direitos aduaneiros sobre as importações.

2.1.2.

No setor agrícola, a aplicação de direitos de salvaguarda mais elevados pode ser desencadeada automaticamente quando o volume das importações excede um determinado nível ou quando os preços ficam abaixo de um determinado limiar, sem que seja necessário demonstrar um prejuízo grave para a produção nacional.

2.1.3.

Contudo, a cláusula de salvaguarda especial aplicável ao setor agrícola só pode ser invocada em relação a produtos abrangidos por uma pauta aduaneira e na condição de o Governo se ter reservado o direito de aplicar essa cláusula na sua lista de compromissos relativos à agricultura. Além disso, tal cláusula não pode ser invocada para importações abrangidas por contingentes pautais.

2.2.

Os acordos de comércio livre bilaterais permitem ir mais longe.

2.2.1.

Os ACL devem abranger a maior parte dos fluxos comerciais e promover a liberalização do comércio entre os países signatários, sem criar entraves ao comércio com o resto do mundo. Perante as dificuldades do processo de negociação multilateral na OMC, foram negociados diversos ACL nos últimos anos.

2.2.2.

A União Europeia promove esta opção para impulsionar a liberalização do comércio e realizar progressos em questões não consensuais, como os capítulos sobre o desenvolvimento sustentável. No entanto, os acordos mais recentes revelaram as limitações deste sistema e a dificuldade de adotar uma abordagem comum ou de ter plenamente em conta outros acordos internacionais, como o Acordo de Paris.

2.3.

O comércio agroalimentar internacional continua a ser indispensável.

2.3.1.

O objetivo de autossuficiência alimentar enfrenta diversos obstáculos, começando pelo crescimento demográfico, que muitas vezes obrigam a que se recorra às importações. Por conseguinte, o comércio contribui de forma essencial para a segurança alimentar a nível mundial. O desafio de cada país é encontrar o equilíbrio certo entre o desenvolvimento da sua própria produção agrícola e a abertura ao comércio. Porém, é igualmente necessário assegurar que a sua produção agrícola, na medida do possível, e em condições que não distorçam indevidamente a concorrência, dê resposta à procura internacional e exporte alimentos para países que não os podem produzir em quantidade suficiente para cobrir as respetivas necessidades.

2.3.2.

Com efeito, um estudo prospetivo realizado pelo Instituto Nacional de Investigação Agronómica, Alimentar e Ambiental (INRAE) demonstra que, até 2050, a concentração das exportações agrícolas mundiais poderá acentuar-se ainda mais. Tal beneficiaria principalmente um pequeno número de países ou regiões em que as alterações climáticas teriam um impacto positivo na agricultura e poderiam, assim, aumentar a superfície cultivada, bem como o rendimento das culturas.

2.4.

O comércio agrícola é utilizado de forma abusiva na diplomacia. O setor agrícola é vítima de negociações políticas que lhe são alheias: no contexto do conflito sino-americano, do conflito entre a Boeing e a Airbus ou ainda na fase final das negociações comerciais, o setor agrícola é regularmente alvo de medidas de retaliação e utilizado para oferecer contrapartidas de negociação.

3.   Lacunas das atuais cláusulas de salvaguarda

3.1.

Os procedimentos de salvaguarda são demasiado longos e complexos.

3.1.1.

O estabelecimento de cláusulas de salvaguarda foi um processo longo e complexo que as tornou ineficazes. Embora a União Europeia faça parte dos membros da OMC que se reservaram o direito de invocar tais cláusulas em relação a diversos produtos, raramente as aciona na prática. Assim, no caso da «manobra» do frango em salmoura congelado (um produto em salmoura não necessita de ser congelado) importado do Brasil, a aplicação do direito aduaneiro reduzido permitiu aumentos muito significativos das importações de carne de aves de capoeira entre 1996 e 2001, sem aplicação das cláusulas de salvaguarda.

3.2.

Os procedimentos atuais não asseguram uma concorrência leal.

3.2.1.

A vantagem concorrencial dos produtores de países terceiros que não são obrigados a respeitar rigorosamente as normas europeias é considerável. Assim, no último acordo assinado com o Canadá, os produtores canadianos são autorizados a utilizar cerca de quarenta produtos fitofarmacêuticos proibidos na UE, como a atrazina, que reduzem significativamente os custos de produção. Os países do continente americano utilizam sementes geneticamente modificadas que podem ser comercializadas na UE, mas não utilizadas para a produção alimentar, nomeadamente no caso das proteínas vegetais, como a soja.

3.2.2.

Estas lacunas têm como consequência o aumento das importações de produtos agrícolas, incluindo produtos agrícolas brutos. Tal pode pôr em causa a soberania alimentar europeia. De acordo com o mais recente boletim estatístico da Comissão Europeia sobre o comércio agroalimentar (1), o défice da balança comercial da UE relativa aos produtos agrícolas brutos excedeu 20 mil milhões de euros em 2019.

3.3.

Estas lacunas também prejudicam os consumidores. A falta de regulação conduz a uma volatilidade excessiva dos preços que aumentou nos últimos anos. A especulação nos mercados agrícolas acentua esta volatilidade, dificultando o acesso à alimentação para muitos consumidores com baixos rendimentos. Além disso, a desestabilização do setor leva a uma redução da capacidade de produção, o que aumenta a insegurança do abastecimento aos consumidores.

3.4.

A crise da COVID-19 revelou, de forma dramática, não só a importância do comércio agrícola, mas também o caráter indispensável da soberania alimentar. Por conseguinte, em matéria de comércio internacional, a União Europeia deve dotar-se dos instrumentos necessários para aumentar a sua resiliência a choques económicos, a fim de restabelecer a confiança, a estabilidade e a prosperidade partilhada de todos os Europeus.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Comissão Europeia: Boletim estatístico sobre o comércio agroalimentar.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Emergência pós-COVID-19: criação de uma nova matriz multilateral

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/08)

Relatora:

Emmanuelle BUTAUD-STUBBS

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

16.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

213/3/3

1.   Conclusões e recomendações

COVID-19 e multilateralismo

1.1.

O profundo impacto económico, social e financeiro sem precedentes da crise sanitária da COVID-19 exige uma resposta clara, inédita e a longo prazo. É importante que a UE apoie a economia e as trocas comerciais internacionais, para que o comércio mundial não tenha de recuperar o atraso, como aconteceu em 1929, e que financie a retoma, protegendo simultaneamente as empresas, todo o tipo de trabalhadores (incluindo as pessoas com deficiência), os grupos vulneráveis e os cidadãos em geral, num espírito de solidariedade e de responsabilidade, não deixando ninguém para trás. Todas as empresas, incluindo as empresas da economia social, enquanto componentes essenciais da solução, precisam de ter pleno acesso a medidas de recuperação.

1.2.

A retoma após o «Grande Confinamento» deve assentar na sustentabilidade e no crescimento inclusivo e ecológico. Por conseguinte, as medidas previstas no Pacto Ecológico são mais pertinentes do que nunca (estratégia industrial, ajustamento do carbono nas fronteiras e neutralidade climática até 2050).

1.3.

A crise da COVID-19 infligiu um duro golpe a um multilateralismo já de si minado por fraquezas estruturais, como a sobreposição de organizações, um funcionamento ultrapassado e um processo de decisão que exige unanimidade em organismos compostos por muitos membros. Este enfraquecimento do multilateralismo é palpável no declínio do Órgão de Recurso do mecanismo de resolução de litígios da OMC e no congelamento da contribuição financeira dos Estados Unidos (EUA) à Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como na sua subsequente saída deste órgão. Além disso, as restrições nacionais à exportação de equipamento médico essencial e de equipamento de proteção individual, incluindo por parte de Estados-Membros da União Europeia (UE), o egoísmo nacional e algumas falhas na solidariedade e na cooperação internacional afetam os países mais vulneráveis de forma negativa e atrasam a retoma da economia mundial.

É necessária uma visão mais holística

1.4.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) pretende partilhar as suas reflexões sobre uma «nova matriz multilateral», tendo por base a extensa lista de propostas anteriores [nomeadamente sobre a reforma da OMC e o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT)] e apresentar novas soluções para a era pós-COVID-19 (1).

1.5.

Elaborada durante a crise, a presente reflexão visa inspirar uma nova cooperação e uma maior coerência nas decisões tomadas por organizações internacionais, supranacionais e intergovernamentais em matéria de comércio e investimento, trabalho digno, direitos humanos e sociais e alterações climáticas. Procura incentivar os países a respeitarem o princípio da cooperação leal nestas organizações e a reforçarem as sinergias, em vez de explorarem as lacunas.

1.6.

Após cada guerra mundial, as pessoas voltaram-se para organizações internacionais como garantes da paz e da prosperidade. Esta crise sanitária mundial é precisamente o momento de repensar as regras de governação mundial e integrar parte do espírito de inovação que sempre emerge quando nos encontramos face a situações sem precedentes.

Um conjunto de propostas concretas

1.7.

Várias partes interessadas, oriundas de uma multiplicidade de contextos (ver anexo), ajudaram a relatora a identificar propostas, tomando em consideração os condicionalismos jurídicos, políticos e organizacionais.

1.8.

Estas propostas visam assegurar uma melhor coordenação entre:

as normas sociais mundiais e os compromissos assumidos em matéria de alterações climáticas e de proteção do ambiente;

as regras em matéria de comércio e os tratados sobre alterações climáticas e proteção do ambiente; e

as regras em matéria de comércio e as normas sociais mundiais.

1.9.

As propostas incluem um acesso mais alargado ao estatuto de observador, o financiamento destinado à promoção de estudos, a criação de novos grupos de trabalho, o reforço da coordenação entre secretariados, políticas comuns no domínio da investigação, a interpretação de algumas disposições jurídicas em vigor e compromissos políticos.

1.10.

O CESE está ciente de que as mudanças devem ser iniciadas a nível político e está firmemente convicto de que a UE, um dos poucos intervenientes a nível mundial com um dever constitucional e um mandato para uma boa governação mundial, tem um papel crucial a desempenhar na criação de uma matriz multilateral mais eficiente a partir de dentro.

2.   Os resultados modestos do nosso apelo de longa data para mais coerência nas regras multilaterais

2.1.    Um apelo dos principais intervenientes da sociedade civil

2.1.1.

Muitas partes interessadas têm solicitado reiteradamente uma maior coerência na elaboração de políticas por parte de organizações internacionais, supranacionais e intergovernamentais.

2.1.2.

Na comunidade empresarial, a Câmara de Comércio Internacional (CCI) salientou, nomeadamente, que um dos pontos de tensão subjacentes ao atual debate sobre a globalização é a perceção de uma dissonância entre as normas comerciais, laborais e ambientais (2).

2.1.3.

A cimeira das organizações sindicais (L7) do G7, realizada em 2019, também defendeu na sua declaração (ponto 3) que a governação mundial deve ter em maior consideração os desafios sociais da atualidade, nomeadamente a necessidade de novas competências, a fim de assegurar um trabalho digno de acordo com os padrões internacionais e condições para que as empresas possam apoiar a produtividade, pagar salários mais elevados e criar bons empregos.

2.2.    Panorâmica das etapas anteriores

2.2.1.   Compreender a complexidade da globalização

2.2.1.1

As Nações Unidas (ONU) desempenham um papel importante enquanto organização internacional de cúpula capaz de definir regras e normas com maior cobertura geográfica. É por esta razão que o CESE apoia a reforma da ONU, que deve resultar de uma abordagem processual baseada nos resultados. Em setembro de 2015, a ONU adotou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que refletem os desafios mais universais da humanidade. Embora os ODS não sejam juridicamente vinculativos, espera-se que os governos e, inclusivamente, as instituições da UE, assumam a responsabilidade e estabeleçam quadros internos para a sua consecução.

2.2.1.2

Em 2017, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) assinalou que é necessário corrigir a globalização, mas que não sabe exatamente como fazê-lo (3). O documento de orientação enumera políticas conexas (política social e mercado de trabalho, educação e competências, responsabilidade social e ambiental das empresas) e refere a necessidade urgente de aumentar a consulta pública e a participação das partes interessadas da sociedade civil nas atividades de definição de normas pelas organizações internacionais.

2.2.2.   Normas sociais mundiais e regras comerciais multilaterais: a história de uma oportunidade perdida

2.2.2.1

Logo após a tentativa fracassada de inserção de uma cláusula social nas suas regras, em 1996 (4) a OMC esclareceu que a OIT era o organismo competente para definir e lidar com normas laborais fundamentais. Desde então, a OIT adotou vários instrumentos essenciais. A secção 5 da Declaração de 1998 da OIT reconheceu que as normas laborais não devem ser utilizadas para fins de protecionismo comercial e que nada na referida declaração e na documentação subsequente deve ser invocado ou utilizado para esses fins. Além disso, reconheceu que a vantagem comparativa de qualquer país não pode, de modo algum, ser posta em causa pela declaração e pela documentação subsequente.

2.2.2.2

Na sua Declaração do Centenário de 2019, a OIT assume a liderança do processo, comprometendo-se a reforçar a cooperação e a estabelecer acordos institucionais com outras organizações para promover a coerência das políticas tendo em vista a sua abordagem do futuro do trabalho centrada no ser humano, reconhecendo as ligações fortes, complexas e cruciais que existem entre as políticas sociais, comerciais, financeiras, económicas e ambientais (secção IV, ponto F).

2.2.2.3

Embora sejam independentes, a OIT e a OMC colaboram em vários domínios e, nomeadamente, produzem interessantes publicações conjuntas sobre comércio e emprego, comércio e emprego informal, tornar a globalização socialmente sustentável e a importância das políticas de desenvolvimento de competências para ajudar os trabalhadores e as empresas a tirar partido dos benefícios do comércio.

2.2.2.4

Esta cooperação nunca transpôs o limite da Declaração Ministerial de Singapura da OMC de 1996, segundo a qual a OMC rejeita a utilização das normas laborais para fins protecionistas e acorda em que as vantagens comparativas de certos países, nomeadamente dos países em desenvolvimento com baixos salários, não deve de forma alguma ser posta em causa. A esse respeito, a OMC constatou ainda que os secretariados da OMC e da OIT prosseguiriam a sua atual colaboração.

2.2.3.   Integração gradual dos compromissos em matéria de clima e ambiente no contexto multilateral

2.2.3.1

Desde 1994, quando entrou em vigor a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), os governos reúnem-se com regularidade para acompanhar os progressos através de um sistema sólido de transparência e responsabilização. Contudo, só no final de 2015, com o Acordo de Paris, foi adotado o primeiro acordo universal e juridicamente vinculativo sobre alterações climáticas, que prevê um sistema de contributos determinados a nível nacional sujeitos a monitorização.

2.2.3.2

Com o seu estatuto de observador na CQNUAC e com um mandato para promover o trabalho digno e uma transição justa, a OIT contribuiu substancialmente para o trabalho do «Improved Forum on the impacts of the implementation of response measures» [Fórum melhorado sobre os impactos da aplicação das medidas de resposta] (2015-2018). O fórum investigou, nomeadamente, os efeitos da aplicação de políticas, programas e medidas de atenuação (o impacto «dentro da jurisdição» e «fora da jurisdição», ou transfronteiriço), adotados pelas partes no âmbito da Convenção, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris para combater as alterações climáticas.

2.2.3.3

Na sequência de um memorando de entendimento de 2016, a OIT trabalhou em estreita colaboração com o pessoal da CQNUAC e com peritos para aumentar a compreensão mútua: formações sobre o papel dos intervenientes sociais, reforço das capacidades para medir o impacto das medidas relativas às alterações climáticas, seminários regionais sobre a transição justa e um fórum mundial bianual.

2.2.3.4

O principal canal de ação da OIT no domínio do ambiente consiste num consórcio conjunto entre o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e o Instituto das Nações Unidas para a Formação e a Investigação (UNITAR), denominado Parceria em prol da Economia Verde (PAGE).

2.2.3.5

Foram ainda celebrados vários acordos multilaterais no domínio do ambiente, que são utilizados principalmente pela ONU e abrangem uma vasta gama de temas ambientais no domínio da biodiversidade, dos solos, dos mares, dos produtos químicos e dos resíduos perigosos ou da atmosfera. A UE é parte em cerca de 30 acordos deste tipo.

2.2.3.6

Além da rede da ONU, o Comité do Comércio e do Ambiente da OMC proporciona um fórum para a partilha de informações, eventos e troca de pontos de vista sobre o comércio e a sustentabilidade (ou seja, economia circular, iniciativas voluntárias em matéria de normas, reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis, plástico, etc.).

2.2.3.7

De acordo com a jurisprudência da OMC, os membros podem adotar medidas para melhorar a saúde dos cidadãos, a proteção do ambiente ou a conservação da biodiversidade, desde que cumpram os critérios estabelecidos para garantir o respeito das regras e disciplinas da OMC. Estas derrogações, baseadas no artigo XX do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), são consideradas compatíveis se forem proporcionadas e não discriminatórias. A aplicação de tais medidas não deve constituir «um meio de discriminação arbitrária ou injustificada» ou uma «restrição disfarçada ao comércio internacional».

2.2.3.8

Renato Ruggiero, então diretor-geral da OMC, indicou de forma muito clara, numa conferência em Bona (9 de dezembro de 1997), os limites daquilo que um governo pode ou não fazer: os governos podem utilizar qualquer tipo de restrição ao comércio, incluindo quotas e proibições de importação e exportação, ou a cobrança de impostos ou de outros encargos nas fronteiras, para efeitos de proteção ambiental ou de conservação dos recursos dentro da sua jurisdição, desde que sejam cumpridos os requisitos básicos em termos de não discriminação e de menor restrição do comércio. Acrescentou ainda que o que um país não pode fazer ao abrigo das regras da OMC é, porém, aplicar restrições comerciais para tentar alterar os processos e os métodos de produção — ou outras políticas — dos seus parceiros comerciais. Porquê? Essencialmente porque a questão dos processos e dos métodos de produção é da competência soberana de cada país.

2.2.3.9

Esta limitação, que impede a ingerência nos processos e métodos de produção, constitui um obstáculo claro ao estabelecimento de incentivos à produção e ao comércio de bens duradouros.

2.2.4.   Soluções bilaterais para uma maior coerência entre as regras económicas, sociais e ambientais

2.2.5.   Méritos e limites dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável

2.2.5.1

A UE incluiu capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre (ACL) para assegurar que a liberalização do comércio e do investimento não conduziria a uma deterioração das condições ambientais e laborais.

2.2.5.2

Em 2017, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) reconheceu o «lugar essencial» das disposições em matéria de desenvolvimento sustentável num acordo (5).

2.2.5.3

Em 2018 (6), o CESE apelou para uma maior ambição e um reforço do cumprimento efetivo dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, aos quais deve ser dada a mesma importância que aos capítulos sobre aspetos comerciais, técnicos ou aduaneiros.

2.2.5.4

Em 2016, a OIT (7) comunicou que 63 % dos acordos com disposições laborais foram adotados após 2008, o que indica uma intensificação, e que 46,8 % dos acordos de comércio livre com disposições laborais envolveram a UE, os EUA ou o Canadá. Os textos de referência são, por ordem decrescente, a Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, a Convenção n.o 182 (Trabalho Infantil), a Agenda do Trabalho Digno e a Declaração sobre Justiça Social.

3.   Novas ideias para a criação de uma nova matriz multilateral

3.1.    Pressupostos gerais

3.1.1.

Todas as novas propostas que visem uma maior coesão devem respeitar quatro princípios:

especialização: as organizações internacionais possuem competências apenas na medida em que lhes sejam conferidas pelos Estados que as integram (8);

capacidade de decisão: as organizações dispõem de regras e processos internos claros que permitem que os organismos de governação (comités técnicos ou assembleias gerais) possam agir;

transparência: qualquer alteração funcional, como a introdução de grupos conjuntos, novos estatutos ou declarações comuns, deve ser comunicada de forma transparente, tanto a nível interno como externo;

avaliação: deve ser incentivada a criação de uma cultura de avaliação sobre o funcionamento interno.

3.1.2.

O CESE apoia, por natureza, uma comunicação e uma consulta mais abertas junto da sociedade civil sobre as políticas das organizações internacionais e defende a criação gradual de processos de diálogo permanente. Tendo em conta a sua experiência, o CESE está disposto a desempenhar um papel de facilitador na criação desses procedimentos. Tal como a CQNUAC e a OCDE, que mantêm um diálogo frutuoso com um amplo leque de parceiros, a OMC intensificou recentemente os seus contactos com a sociedade civil, para além do seu fórum público anual. Estes contactos podem dar um enorme contributo para a promoção da eficácia e da democracia no sistema de comércio multilateral. O CESE agradece à Comissão Europeia pelo seu apoio ao reforço da voz da sociedade civil a nível multilateral e acolhe favoravelmente a ação n.o 6 do recente plano de ação de 6 pontos do Grupo de Otava (9),

3.1.3.

A capacidade de negociação dos parceiros sociais também exige um maior reconhecimento. A declaração tripartida dos parceiros sociais a nível internacional e os vários acordos-quadro multinacionais contêm regras e instrumentos práticos úteis (normas sociais, relações com os fornecedores, diálogo social, luta contra o trabalho infantil e forçado).

3.2.    O conjunto de ferramentas multilaterais

Integrar a OMC no sistema da ONU de um ponto de vista funcional

3.2.1.

O sistema da ONU é o pilar da ordem internacional com a sua rede de agências especializadas, como a OIT, a UNESCO, a OMS, o FMI, o Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento regional. Embora as regras comerciais devam contribuir para a consecução dos ODS, a OMC foi criada com organização «autónoma» e permanece fora do sistema da ONU. No entanto, o diretor-geral da OMC integra o conselho de diretores executivos da ONU, juntamente com todos os diretores-gerais das agências especializadas e outros organismos-chave da ONU. O CESE propõe que a OMC mantenha o conselho de diretores executivos da ONU informado de qualquer realização do sistema de regras comerciais que ajude a concretizar os ODS.

3.2.2.

A referência explícita a «desenvolvimento sustentável» no preâmbulo do Acordo OMC, de 1994, deve ser interpretada como abrangendo os ODS, que são a nova expressão universalmente acordada da sustentabilidade no direito internacional. A OMC parece aceitar já este pressuposto, na medida em que autoproclama no seu sítio Internet o seu papel «central para a consecução dos ODS».

Uma maior interligação de diferentes conjuntos de regras

3.2.3.   Regras sociais e ambientais mais rigorosas

3.2.3.1

Em 2018, a OIT produziu vários estudos sobre o potencial impacto global do Acordo de Paris, sobre a questão da transição ecológica e das competências (10) e sobre as competências necessárias para um futuro mais ecológico e o impacto do aquecimento nas condições de trabalho (11).

3.2.3.2

O CESE solicita uma divulgação mais ampla destes relatórios e defende a organização de seminários regionais financiados pela Comissão Europeia nos países em desenvolvimento, nomeadamente nos países menos desenvolvidos e nas economias insulares e vulneráveis, que são os mais afetados a nível social pelos efeitos brutais do aquecimento global.

3.2.3.3

Em 2015, a OIT publicou o documento Guidelines for a just transition towards environmentally sustainable economies and societies for all [Orientações da OIT para uma transição justa para sociedades e economias ambientalmente sustentáveis para todos]. O CESE propõe uma maior utilização destas orientações nos serviços da Comissão nas suas atividades de definição de normas. Além disso, a atualização destas orientações deveria constar da ordem de trabalhos do Conselho de Administração da OIT.

3.2.4.   Outras relações entre as regras comerciais e as normas sociais

3.2.4.1

Por uma questão de reciprocidade, o CESE gostaria que a OMC concedesse à OIT o estatuto de observador formal nas reuniões dos seus órgãos e comités principais. Para além da participação oficial da OIT nas conferências ministeriais da OMC, tal reforçaria a participação da OIT nos órgãos internos da OMC e poderia contribuir para integrar o respeito pelas normas laborais internacionais no âmbito do Mecanismo de Exame das Políticas Comerciais (MEPC) da OMC. O CESE propõe a criação de um grupo de trabalho temporário específico composto pelos secretariados da OMC e da OIT para elaborar e apresentar orientações até junho de 2021.

3.2.4.2

Além disso, a Comissão Mundial da OIT sobre a Dimensão Social da Globalização deve ser revitalizada à luz do impacto do surto de COVID-19 nas cadeias de valor mundiais. Com base no seu parecer sobre o tratado vinculativo das Nações Unidas (12), o CESE defende que, durante a Presidência alemã da UE, se pugne pela criação de um quadro regulamentar eficaz para assegurar o respeito pelos direitos humanos e o trabalho digno nas cadeias de valor mundiais. Este quadro regulamentar deverá incluir um plano de ação europeu com instrumentos legislativos e metas concretas, bem como ações normativas ambiciosas e eficazes a nível mundial. Tanto a OIT como a OMC devem contribuir no âmbito das respetivas funções.

3.2.4.3

No processo de exame dos acordos comerciais regionais e bilaterais — cujo número e cobertura geográfica não param de aumentar —, a OMC deve desempenhar um novo papel no âmbito das disposições laborais. Uma vez que a maioria dos novos acordos de comércio livre contém disposições laborais, o secretariado da OMC deve recolher, comparar e acompanhar este novo corpus. Este trabalho de acompanhamento poderá ser partilhado com a OIT, no âmbito do seu Plano de Ação para o Trabalho Digno nas cadeias de abastecimento mundiais, e fomentar uma cooperação mais estreita entre a OIT e a OMC.

3.2.5.   Outras relações entre as regras e as políticas em matéria de comércio e clima

3.2.5.1

Uma derrogação da OMC em matéria de clima, já debatida no meio académico e empresarial, poderia definir «medidas climáticas»: características, objetivos de interesse geral e critérios de compatibilidade com as regras da OMC. Essa derrogação permitiria aos membros da OMC introduzir medidas em matéria de clima a nível nacional (regime de comércio de licenças de emissão) ou nas suas fronteiras, assegurando que essas medidas não constituem medidas protecionistas disfarçadas.

3.2.5.2

Deve ser preparada, por um grupo de trabalho informal da OMC, uma declaração ministerial da OMC sobre comércio e ambiente, que reconheça o papel do comércio, da política comercial e do sistema de comércio multilateral no apoio aos esforços da comunidade internacional para alcançar os ODS e outros compromissos ambientais, como o Acordo de Paris, a ser apresentada na 12.a Conferência Ministerial, a realizar em 2021. O CESE anima a Comissão a prosseguir os seus esforços neste sentido.

3.2.5.3

O CESE solicita à Comissão Europeia que clarifique a sua posição sobre a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis na UE e que apoie plenamente qualquer iniciativa apresentada a nível multilateral no âmbito da OMC.

3.2.5.4

O CESE apela para um relançamento célere das negociações multilaterais da OMC sobre um acordo em matéria de bens ambientais. Tal deve estar mais diretamente ligado ao Acordo de Paris, por exemplo, a proposta do Taipé Chinês, apresentada em 2019, de um acordo relativo a bens e serviços ambientais vinculado ao Acordo de Paris assente na eliminação dos direitos aduaneiros sobre bens e serviços relacionados com a redução das emissões de carbono. É defendido que o início da negociação de um novo acordo como o proposto pelo Taipé Chinês, com o objetivo de abordar questões tão importantes como as alterações climáticas e a liberalização do comércio internacional, será uma realização fundamental para o sistema de comércio multilateral (13).

3.2.5.5

Para uma maior coerência, os secretariados dos acordos multilaterais no domínio do ambiente devem ter o estatuto de observador num vasto leque de comités da OMC e não apenas no Comité do Comércio e do Ambiente (os comités que lidam com os obstáculos técnicos e as medidas sanitárias e fitossanitárias, por exemplo).

3.2.5.6

O CESE recomenda a criação de um grupo de trabalho conjunto para o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, a CQNUAC e a OMC. Trataria de questões relacionadas com as emissões de gases com efeito de estufa e com o comércio internacional e proporcionaria metodologias de medição ou sistemas de compensação no âmbito dos acordos de comércio livre (por exemplo, através da reflorestação). Os contributos determinados a nível nacional no âmbito do Acordo de Paris devem ter em conta esses sistemas de compensação acordados com países terceiros.

4.   Contributo da UE para um novo modelo de multilateralismo sustentável

4.1.

Para combater as fugas de carbono, o CESE apoia um mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras da UE compatível com as regras da OMC, criando condições de concorrência equitativas para os setores com utilização intensiva de CO2 (14). O CESE insta a Comissão Europeia a cumprir o seu calendário original, com a apresentação de uma proposta legislativa na primavera de 2021. A recente avaliação de impacto inicial (roteiro) demonstrou que há apoio a esta medida, em especial em setores como o aço, o cimento, a indústria química e a eletricidade.

4.2.

O CESE sublinha a importância de uma condicionalidade social e ambiental abrangente para os países beneficiários no próximo Sistema de Preferências Generalizadas (SPG) [Regulamento (UE) n.o 978/2012 (15)].

4.3.    Disposições em matéria de desenvolvimento sustentável mais sólidas nos acordos de comércio livre

4.3.1.

Os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais e de investimento da UE devem ser reforçados:

Tal como recomendado pelo Parlamento Europeu, os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável devem exigir que ambos os parceiros ratifiquem e apliquem os principais instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos (ou seja, a Carta Internacional dos Direitos Humanos), as convenções fundamentais da OIT, nomeadamente a Convenção sobre a Segurança e a Saúde dos Trabalhadores, e o Acordo de Paris, bem como outros acordos internacionais em matéria de ambiente.

O Comité de Acompanhamento para o Comércio Internacional do CESE considera que as avaliações de impacto sustentável devem rever o «modelo de equilíbrio geral computável (EGC) […] comparando-o com modelos alternativos, e deve incluir um conjunto mais alargado de indicadores para medir os impactos nos direitos humanos e laborais, nas alterações climáticas, na biodiversidade, nos consumidores e no IDE. […] É necessário um conjunto mais vasto de indicadores, mantendo um espírito aberto em relação aos modelos alternativos […]».

O CESE apela para uma reformulação dos mecanismos de painel, para que não só os advogados especialistas em direito comercial, mas também os peritos em matéria de trabalho, clima ou direitos humanos, possam investigar queixas nos termos dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Caso esses painéis detetem infrações, deverão desencadear um mecanismo de resolução de litígios entre Estados, com possibilidade de penalizações ou sanções financeiras, bem como vias de recurso para a parte lesada.

4.3.2.

Os futuros acordos de comércio livre da UE devem incluir uma referência ao Acordo de Paris e prever incentivos como o direito pautal nulo para bens ou serviços ambientais. O artigo 22.o, n.o 3, do CETA, no qual as partes se comprometem a promover fluxos económicos e comerciais que contribuam para promover o trabalho digno e a proteção do ambiente, deve ser utilizado com outros parceiros comerciais (Nova Zelândia, Austrália). Os futuros ACL da UE devem também alargar a função de acompanhamento dos grupos consultivos internos, não se limitando aos domínios social, do ambiente e do emprego.

4.3.3.

Qualquer tratado em matéria de investimentos negociado pela UE, nomeadamente com a China, deve conter disposições abrangentes sobre:

a utilização sustentável dos recursos naturais;

o princípio da precaução em relação à saúde humana, aos recursos naturais e aos ecossistemas;

o princípio da participação do público e do acesso à informação e à justiça; e

o princípio da integração e da inter-relação, em especial no que diz respeito aos direitos humanos e aos objetivos sociais, económicos e ambientais.

4.3.4.

A futura nomeação de um alto responsável pela aplicação dos acordos comerciais da UE contribuirá para garantir a aplicação efetiva dos acordos comerciais, incluindo os direitos laborais, os compromissos ambientais e o papel da sociedade civil.

4.4.    Um papel de liderança da UE na criação de uma nova matriz multilateral

4.4.1.

A União Europeia é um dos poucos intervenientes mundiais com um dever constitucional e um mandato para «[p]romover um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial» [artigo 21.o, n.o 2, alínea h), do Tratado da União Europeia (TUE)].

4.4.2.

No entanto, enquanto organização de integração regional, a UE não pôde participar plenamente no trabalho de muitos órgãos, organismos e organizações do sistema das Nações Unidas, uma vez que tem de recorrer aos Estados-Membros para defender as posições e os interesses da União. Mais de dez anos após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, no qual se assumia o compromisso de a UE «[promover] soluções multilaterais para os problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas» (artigo 21.o, n.o 1, do TUE), é chegada a hora de a União, juntamente com os seus Estados-Membros, desenvolver uma estratégia integrada para assumir um papel mais proeminente no sistema da ONU.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Pareceres do CESE REX/509 — Reformar a OMC para adaptá-la à evolução do comércio mundial (JO C 159 de 10.5.2019), REX/486 — Papel das políticas comercial e de investimento da UE no reforço do seu desempenho económico (JO C 47 de 11.2.2020), REX/500 — Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre (ACL) da UE (JO C 227 de 28.6.2018), NAT/760 — Documento de Reflexão — Para uma Europa sustentável até 2030 (JO C 14 de 15.1.2020).

(2)  Documento da CCI sobre a reforma da OMC: Reforming the multilateral rules-based trading system [Reformar o sistema comercial multilateral assente em regras], outubro de 2019.

(3)  http://www.oecd.org/about/sge/fixing-globalisation-time-to-make-it-work-for-all-9789264275096-en.htm, p. 9.

(4)  WTO Singapore Ministerial Declaration [Declaração Ministerial de Singapura da OMC], 1996, ponto 4.

(5)  Parecer 2/15 de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376.

(6)  Parecer do CESE REX 500 — Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre (ACL) da UE (JO C 227 de 28.6.2018) ponto 2.4.

(7)  OIT, Labour-related provisions in trade agreements: Recent trends and relevance to the ILO [Disposições laborais em acordos comerciais: tendências recentes e pertinência para a OIT], GB.328/POL/3, ponto 9.

(8)  Jan Wouters, Cedric Ryngaert, Tom Ruys e Geert De Baere, International Law: A European Perspective [Direito internacional: uma perspetiva europeia], Oxford, Hart Publishing, 2018, p. 259.

(9)  O Canadá lidera um grupo de membros da OMC, conhecido como o Grupo de Otava, a fim de enfrentar desafios específicos ao sistema de comércio multilateral. Declaração do Grupo de Otava de junho de 2020: Centrar a ação na COVID-19, junho de 2020.

(10)  World employment social outlook 2018 — Greening with jobs [Perspetivas sociais do emprego a nível mundial 2018 — Ecologização com empregos], Genebra, OIT, 2018.

(11)  Working on a warmer planet: The impact of heat stress on labour productivity and decent work [Trabalhar num planeta mais quente: o impacto do calor na produtividade laboral e no trabalho digno], Genebra, OIT, 2019.

(12)  Parecer do CESE REX 518 — Tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (JO C 97 de 24.3.2020, p. 9).

(13)  Documento oficioso JOB/TE/19 de 19 de janeiro de 2018.

(14)  Parecer do CESE CCMI/167 — Reconciliação das políticas climática e energética: a perspetiva do setor da indústria (JO C 353 de 18.10.2019, p. 59).

(15)  JO L 303 de 31.10.2012, p. 1.


ANEXO

REUNIÕES PREPARATÓRIAS REALIZADAS

Nome

Organização

Função

Elina BARDRAM

CE

Chefe de unidade

Relações Internacionais (CLIMA.A.1)

Daniele BASSO

CES

Conselheiro

John BRYAN

CESE

Membro do Grupo III

Cinzia DEL RIO

CESE

Membro do Grupo II

Dumitru FORNEA

CESE

Membro do Grupo II

Alan HERVÉ

Sciences Po Rennes

Professor de Direito Internacional Público

Emmanuel JULIEN

OIT

Diretor adjunto

Departamento de Empresas

Bernd LANGE

PE

Presidente da Comissão do Comércio Internacional (INTA)

Jürgen MAIER

Fórum para o

Ambiente e Desenvolvimento

Diretor

Jean-Marie PAUGAM

Governo francês

Representante permanente de França junto da OMC

Christophe PERRIN

OIT

Diretor

Departamento de Cooperação Multilateral

Denis REDONNET

CE

Diretor

OMC, Assuntos Jurídicos e Comércio de Mercadorias (TRADE.DGA2.F)

Lutz RIBBE

CESE

Membro do Grupo III

Victor VAN VUUREN

OIT

Diretor

Departamento de Empresas

Lieve VERBOVEN

OIT

Diretora do Gabinete da OIT para a UE

Jan WOUTERS

Universidade de Lovaina

Professor de Direito Internacional e Organizações Internacionais


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/62


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tributação da economia colaborativa — Obrigações em matéria de comunicação de informações

(aditamento a parecer)

(2020/C 364/09)

Relatora:

Ester VITALE

Decisão da Mesa

18.6.2019

Base jurídica

Artigo 29.o das Disposições de Aplicação do Regimento (2010)

 

Aditamento a parecer

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

24.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

210/1/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A tributação e as políticas fiscais devem ser adaptadas à evolução contínua da economia colaborativa. Para o efeito, o CESE considera que, em vez de desenvolver regimes fiscais novos ou específicos, seria mais adequado adaptar a regulamentação e os modelos fiscais vigentes às novas condições económicas, assegurando condições de concorrência equitativas entre os diversos operadores.

1.2

O CESE solicita que os regimes fiscais nacionais tenham em conta o fenómeno da economia colaborativa e das plataformas digitais, respeitando nesse domínio os princípios de um sistema de tributação equitativo, a saber, a coerência, a previsibilidade e a neutralidade, ao mesmo tempo que defendem o interesse público ao assegurar o cumprimento das obrigações fiscais por todas as partes interessadas.

1.3

O CESE está convicto de que as políticas fiscais a aplicar à digitalização da economia e a elaboração de instrumentos e de soluções operacionais devem ser coordenadas a nível internacional. Por conseguinte, acolhe favoravelmente a estreita cooperação entre a Comissão, os Estados-Membros e a OCDE/G20, reconhecendo que as formas de cooperação iniciadas já produziram alguns resultados concretos e que outros mais determinantes poderão ser alcançados no futuro.

1.4

Importa que as instituições internacionais, europeias e nacionais atuem de forma rápida e eficaz para enfrentar os desafios colocados pela economia digital e colaborativa, seguindo uma abordagem proativa, e não de simples reação aos problemas específicos que surjam.

1.5

Uma questão fundamental no que se refere aos sistemas de tributação a aplicar no domínio da economia colaborativa tem a ver com a obrigação para as plataformas digitais de recolher, comunicar às autoridades fiscais e conservar informações relativas às transações efetuadas (obrigações em matéria de comunicação de informações). Essas obrigações não devem constituir um encargo administrativo excessivo para as plataformas.

1.6

Com efeito, uma partilha adequada das informações no quadro de um sistema funcional e proporcional de recolha e intercâmbio dos dados poderia, por um lado, facilitar a intervenção das autoridades fiscais e, por outro, facultar às empresas um sistema preciso e previsível, beneficiando o setor da economia colaborativa no seu conjunto.

1.7

O CESE preconiza que se elabore uma norma europeia de recolha dos dados e das informações sobre os utilizadores que as plataformas terão de comunicar às autoridades fiscais e conservar ao longo do tempo. As obrigações em matéria de comunicação de informações devem ser claras e harmonizadas entre os diferentes Estados-Membros. Esta norma europeia pode limitar a adoção de medidas unilaterais por parte dos Estados-Membros, suscetíveis de gerar uma falta de homogeneidade contraproducente e insegurança na aplicação no mercado interno.

1.8

Quanto aos princípios gerais que devem nortear a definição de regras em matéria de comunicação de informações, o CESE reputa necessário seguir uma abordagem que respeite o princípio da proporcionalidade tal como definido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE e permita, assim, atingir o fim que se pretende com a regulamentação, a saber, a recolha de informações claras e úteis para o trabalho das autoridades fiscais, sem sacrificar de forma excessiva e indevida o interesse privado das plataformas e dos utilizadores finais.

1.9

O CESE considera que as regras fiscais para a economia colaborativa, incluindo as regras em matéria de comunicação de informações, devem adaptar-se, caso a caso, aos diferentes setores e às diferentes atividades da economia colaborativa, amiúde dissemelhantes.

1.10

O CESE considera importante examinar se a aplicação iminente da diretiva relativa a certos requisitos aplicáveis aos prestadores de serviços de pagamento no que se refere aos pedidos de informação para a deteção da fraude no IVA também pode ser utilizada para efeitos de tributação direta no que toca às obrigações em matéria de comunicação de informações.

1.11

O intercâmbio de informações entre entidades privadas e públicas deve, naturalmente, respeitar a legislação europeia em matéria de proteção da privacidade e de tratamento dos dados pessoais, obedecendo a normas de necessidade, proporcionalidade e interpretação estrita de eventuais derrogações dos princípios gerais em matéria de privacidade por motivos de aplicação das regras fiscais.

2.   Introdução e princípios gerais

2.1

A elaboração de políticas fiscais eficazes para o setor da economia colaborativa constitui um desafio para as instituições europeias e nacionais, assim como para os operadores do setor. A este respeito, é fundamental assegurar condições de concorrência equitativas entre os diferentes operadores da economia colaborativa e entre estes e os operadores tradicionais ativos nos mesmos setores.

2.2

O CESE considera que a economia colaborativa cresceu significativamente e de forma contínua nos últimos anos, constituindo uma oportunidade para os países da União Europeia continuarem a crescer no futuro, na medida em que permite mobilizar recursos inexplorados e fomentar o espírito de iniciativa de cada cidadão. Ao mesmo tempo, reconhece a necessidade de regulamentação que assegure a proteção dos consumidores, a defesa dos direitos dos trabalhadores, o cumprimento das obrigações fiscais e uma concorrência leal.

2.3

O termo «economia colaborativa» utilizado no presente parecer refere-se aos modelos empresariais em cujo âmbito as atividades são realizadas por meio de plataformas colaborativas que permitem a utilização temporária de bens ou serviços, muitas vezes fornecidos por particulares. Nesta continuidade, nomeadamente de um ponto de vista metodológico, seria importante promover um consenso de base entre a União Europeia e os Estados-Membros sobre a noção de economia colaborativa, a fim de evitar divergências significativas entre as diferentes definições aplicadas no mercado interno.

2.4

A economia colaborativa é um fenómeno económico complexo cuja regulamentação exige uma abordagem holística, uma vez que implica diferentes setores da sociedade e uma diversidade de disposições jurídicas tradicionalmente aplicáveis a matérias diversas e diferentes. Por exemplo, a evolução contínua da economia colaborativa afeta as regras em matéria de direito dos consumidores, direito do trabalho, segurança social, direito dos contratos, direito à privacidade e direito dos serviços públicos.

2.5

O CESE sublinha que os sistemas fiscais nacionais devem coordenar-se de forma eficaz a nível europeu e ter devidamente em conta os novos modelos de atividade ligados ao fenómeno da economia colaborativa. O respeito dos princípios de um sistema fiscal equitativo (a saber, coerência, previsibilidade e neutralidade) no que toca a esses novos modelos é necessário a todos os implicados: poderes públicos, empresas e consumidores.

2.6

Contudo, é difícil adaptar as regras tradicionais no domínio fiscal à evolução contínua da tecnologia e surgem amiúde desfasamentos entre o ritmo desenfreado da economia digital e o da regulamentação em matéria fiscal. Assim, importa adaptar tempestiva e adequadamente as regras e os princípios tradicionais à evolução, coordenando a intervenção do legislador europeu e dos diversos legisladores nacionais.

2.7

É particularmente importante que as instituições internacionais, europeias e nacionais atuem de forma rápida, eficaz e coordenada para enfrentar os novos desafios colocados pela economia digital e colaborativa, seguindo uma abordagem proativa, e não de simples reação aos problemas específicos que surjam.

2.8

O CESE está convicto de que, no contexto da digitalização da economia, as políticas fiscais e a elaboração de instrumentos e de soluções concretas devem ser coordenadas a nível internacional ou mesmo mundial. Por conseguinte, acolhe favoravelmente a estreita cooperação entre a Comissão, os Estados-Membros e a OCDE/G20, reconhecendo que esta já produziu alguns resultados concretos e que outros mais determinantes poderão ser alcançados no futuro.

3.   Obrigações em matéria de comunicação de informações

3.1

Uma questão fundamental no que se refere aos sistemas de tributação da economia colaborativa tem a ver com a obrigação para as plataformas digitais de recolher, comunicar às autoridades fiscais e conservar informações relativas às transações efetuadas. Com efeito, uma partilha adequada das informações no quadro de um sistema funcional e proporcional de recolha e intercâmbio dos dados poderia, por um lado, facilitar a intervenção das autoridades fiscais, que devem obter os dados de forma célere e expedita, e, por outro, facultar às plataformas e aos seus utilizadores um sistema previsível. As obrigações em matéria de comunicação de informações não devem constituir um encargo administrativo excessivo para as plataformas e operadores do setor.

3.2

Há já vários exemplos de colaboração eficaz entre as plataformas e as autoridades fiscais no setor dos transportes, como no caso da Estónia e das disposições aí adotadas para facilitar a declaração fiscal dos condutores que utilizam as plataformas de partilha de automóveis. Ainda na Estónia, outro exemplo de solução inovadora consiste na identificação da quantidade mínima e proporcional de dados que devem ser comunicados às autoridades e na possibilidade de os operadores das plataformas utilizarem uma conta bancária específica para efeitos de cumprimento das obrigações fiscais. Essa conta corrente facilita uma relação direta e rápida entre os operadores, os seus bancos e as autoridades fiscais. Ao invés, em algumas regiões, as plataformas em linha mostram-se pouco disponíveis para cooperar com as autoridades financeiras.

3.3

Para o efeito, o CESE preconiza que se elabore uma norma europeia de recolha dos dados e das informações que as plataformas terão de comunicar às autoridades fiscais e conservar ao longo do tempo. Com efeito, a multiplicidade de medidas unilaterais tomadas pelos Estados-Membros e a coexistência de sistemas desiguais no mercado interno — como já acontece em parte — acabam por gerar dificuldades operacionais e ineficiências em todo o setor da economia colaborativa.

3.4

O desenvolvimento de um modelo europeu harmonizado de comunicação de informações deve basear-se na experiência e nos elementos operacionais recolhidos até à data na prática. Nos vários Estados-Membros estão já a ser aplicados sistemas de comunicação de informações que diferem quanto à organização e quanto à quantidade e ao tipo de dados a recolher e comunicar. Com efeito, em alguns Estados-Membros, os sistemas de comunicação de informações são muito burocráticos e obrigam as plataformas a envidar esforços consideráveis, ao passo que noutros os sistemas são mais flexíveis e têm um impacto menor nas operações correntes. A experiência de alguns Estados-Membros demonstra também que os sistemas de comunicação de informações facultativos e de base voluntária que não resultam de uma obrigação legal específica não funcionam eficazmente.

3.5

No entender do CESE, a atual fragmentação não é sustentável a longo prazo, na medida em que pode gerar custos de conformidade excessivos e ineficiências ligadas à falta de homogeneidade entre a regulamentação dos diversos setores do mercado interno. Importa, pois, encontrar um método equilibrado e proporcional para a questão da comunicação de informações, que assegure um sistema simplificado e funcional. A simplificação das obrigações em matéria de comunicação de informações pode, com efeito, constituir um incentivo concreto à conformidade por parte das plataformas digitais.

3.6

Quanto aos princípios gerais que devem nortear a definição das regras em matéria de tributação da economia colaborativa, e em especial em matéria de comunicação de informações, o CESE reputa necessário seguir uma abordagem que respeite o princípio da proporcionalidade tal como definido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE. Por conseguinte, será necessário permitir que se atinja o fim que se pretende com a regulamentação, a saber, a recolha de informações claras e úteis para o trabalho das autoridades fiscais no interesse público, sem sacrificar de forma excessiva o interesse privado das plataformas e dos utilizadores finais

3.7

Esta abordagem deve assegurar, por um lado, regras claras e previsíveis para os operadores do setor, a fim de não gerar custos de conformidade excessivos (por exemplo, devido à solicitação desnecessária e desproporcionada de dados) e, por outro, a recolha eficaz de informações pelas autoridades fiscais.

3.8

Além disso, um sistema de comunicação de informações proporcional e razoável deve identificar os dados que são absolutamente necessários do ponto de vista qualitativo e que devem ser recolhidos para assegurar o cumprimento das regras fiscais, sem criar encargos excessivos para as plataformas e os seus utilizadores profissionais ou finais. Uma abordagem proporcionada deve fazer igualmente uma distinção entre entidades profissionais no domínio da economia colaborativa e entidades não profissionais, adaptando adequadamente as obrigações em matéria de comunicação de informações para ambas as categorias.

3.9

Outros aspetos que deverão ser regulamentados de forma harmonizada ao nível europeu são: i) as condições gerais de licitude do tratamento pelo responsável pelo tratamento; ii) as pessoas envolvidas no tratamento; iii) as entidades e os fins para os quais os dados pessoais podem ser divulgados; iv) a identificação dos métodos de tratamento; v) a limitação dos fins de tratamento; vi) os períodos de conservação.

3.10

O intercâmbio de informações entre entidades privadas e públicas deve, naturalmente, respeitar a legislação europeia em matéria de proteção da privacidade e de tratamento dos dados pessoais, obedecendo a normas de necessidade, proporcionalidade e interpretação estrita de eventuais derrogações dos princípios gerais em matéria de privacidade por motivos de aplicação das regras fiscais.

3.11

A esse nível, poderia revelar-se útil melhorar e estimular também o intercâmbio de informações entre as diferentes autoridades fiscais nacionais, a fim de desenvolver formas de cooperação eficazes e capazes de evitar a fraude e formas de elisão fiscal, bem como de harmonizar as práticas operacionais das várias autoridades.

3.12

As regras fiscais aplicáveis à economia colaborativa, nomeadamente no que se refere aos sistemas de comunicação de informações, devem, em todo o caso, adaptar-se aos seus diferentes setores, uma vez que as diversas atividades desenvolvidas no âmbito da economia colaborativa têm frequentemente características distintas e peculiaridades que exigem regras específicas e assestadas.

3.13

O CESE recomenda que em qualquer das hipóteses sejam asseguradas condições equitativas do ponto de vista fiscal para as atividades realizadas no quadro da economia colaborativa e para as atividades tradicionais do mesmo tipo, segundo o princípio da neutralidade fiscal, a fim de evitar distorções no funcionamento dos mercados em que coexistem os dois tipos de atividade.

3.14

Por último, poderia ser útil para incentivar o crescimento da economia colaborativa definir limites mínimos abaixo dos quais determinadas atividades são consideradas não profissionais ou economicamente não significativas e podem, por isso, beneficiar de isenções fiscais específicas. Não obstante, é importante que esses limites sejam razoáveis e definidos após uma avaliação exaustiva do impacto regulamentar.

4.   IVA e economia colaborativa

4.1

Para efeitos de IVA é essencial determinar com precisão o conceito de «sujeito passivo», e se esse sujeito atua no quadro do exercício de uma atividade económica. Além disso, ainda é difícil determinar qual o tratamento fiscal a reservar às transações no âmbito da economia colaborativa que não impliquem um pagamento em numerário mas incluam, ainda assim, uma retribuição, ou uma compensação, por exemplo, com base na utilização dos dados pessoais do utilizador e na extração de valor desses mesmos dados.

4.2

Mais concretamente, para efeitos de IVA, importa estabelecer uma distinção entre três situações diferentes quanto à remuneração dos serviços prestados: i) situações em que os serviços são prestados contra o pagamento de uma quantia em numerário; ii) situações em que a remuneração não é feita em numerário, mas sim sob a forma de outro serviço ou de uma remuneração não monetária; e iii) situações em que o serviço é prestado a título gratuito sem qualquer retribuição (1).

4.3

No que respeita às circunstâncias concretas que poderão entrar no âmbito da segunda situação acima descrita, o CESE exorta a que se aprofunde a questão associada à sujeição das atividades das plataformas colaborativas às obrigações em matéria de IVA.

4.4

A esse respeito, o CESE considera útil o estudo preliminar realizado pelo Grupo de Peritos em matéria de IVA da Comissão Europeia, intitulado «VAT Treatment of the Sharing Economy» [Aplicação do IVA à economia colaborativa] e espera que sejam realizados estudos mais aprofundados sobre o tema.

4.5

A Comissão Europeia e as administrações fiscais nacionais deveriam promover igualmente a cooperação e a coordenação no que se refere à aplicação das regras do IVA ao setor da economia colaborativa, tanto com o objetivo de desenvolver práticas operacionais harmonizadas como com vista ao intercâmbio de informações úteis para efeitos de aplicação da lei e para evitar a fraude e a elisão fiscais.

4.6

O CESE considera importante examinar se a aplicação iminente da diretiva relativa a certos requisitos aplicáveis aos prestadores de serviços de pagamento no que se refere à deteção da fraude no IVA também pode ser utilizada para efeitos de tributação direta no que toca às obrigações em matéria de comunicação de informações, tanto no que diz respeito aos pagamentos com cartão de crédito na Internet, como aos pagamentos através de transferências bancárias diretas e a outros métodos de pagamento rápido.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Grupo de Peritos em matéria de IVA, reunião de 1 de abril de 2019, ref.a taxud.c.1(2019)2026442 — EN, VEG n.o 081, «VAT Treatment of the Sharing economy» [Aplicação do IVA à economia colaborativa].


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/67


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Pacto Europeu para o Clima

(parecer exploratório)

(2020/C 364/10)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Correlator:

Peter SCHMIDT

Consulta

Comissão Europeia, 11.3.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

29.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

206/4/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Estamos numa situação de emergência climática. Num momento de crise sanitária mundial e em que está iminente uma crise económica global, ambas causadas pela pandemia de COVID-19, é necessário reafirmar o empenho da UE na transição para uma economia do bem-estar sustentável, resiliente, com impacto neutro no clima e eficiente em termos de recursos. Precisamos agora de mudanças profundas na cultura, nas infraestruturas, nos comportamentos, na participação e nos meios de subsistência, que terão impacto nos cidadãos, mas também os capacitarão de várias formas.

1.2

As alterações climáticas representam uma ameaça para todos nós, mas, como no caso da pandemia, são as pessoas mais vulneráveis e marginalizadas que mais sofrem os seus efeitos negativos. É fundamental que a transição não deixe ninguém para trás.

1.3

O CESE salienta que é crucial a participação ativa de todas as partes da sociedade — as empresas, os trabalhadores, os investigadores, os consumidores e as comunidades, bem como os cidadãos e respetivas organizações — para impulsionar a transição para a neutralidade climática.

1.4

Por conseguinte, o CESE subscreve o apelo para que a União Europeia se comprometa a alcançar a neutralidade carbónica em 2050 e, em conformidade, ajuste a sua meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa para 2030. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), intitulado «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões], sustenta que é necessário reduzir, a partir de agora, as emissões mundiais em 7,6 % por ano, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5oC, o que, de acordo com os cálculos, significa alcançar uma meta de redução de, no mínimo, 68 % em 2030.

1.5

É necessária uma mudança para um modelo participativo a todos os níveis de escala e, no âmbito da execução do Pacto para o Clima, a Comissão tem a grande oportunidade e a obrigação de conceber uma abordagem inovadora que reflita, apoie e inspire as ações já em curso na sociedade civil, nas comunidades, nos municípios e nas regiões.

1.6

Os modelos participativos demasiado restritos, concebidos de formas que limitam a escala das alterações estudadas, ou suscetíveis de ser ignorados pela instituição que os criou, servirão apenas para distrair e desiludir aqueles que os utilizam.

1.7

A Europa deve catalisar uma mudança sistémica em prol da ação climática através da inovação (tecnológica e social), mediante a ligação da oferta de inovação com os intervenientes do lado da procura, aqueles que se deparam com os problemas e aqueles que têm uma elevada ambição de mudança. A transformação digital deve orientar-se pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para evitar riscos, nomeadamente os relacionados com os direitos dos trabalhadores (1). A aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em paralelo com o Pacto Ecológico Europeu, proporciona uma oportunidade para assegurar uma transição justa centrada no objetivo de empregos de qualidade para todos.

1.8

Os desafios globais que os intervenientes da sociedade civil mais identificaram no domínio da ação climática são a falta de acesso ao financiamento, a falta de conhecimentos especializados, a falta de pessoal e de reconhecimento, bem como a falta de uma narrativa coerente da UE e dos governos nacionais.

1.9

A realização dos objetivos da UE e internacionais em matéria de clima exigirá recursos financeiros significativos. O orçamento do Pacto Ecológico Europeu (fundos públicos e privados) e o montante de 750 mil milhões de euros do Fundo de Recuperação, incluindo a afetação de fundos para o processo do Semestre Europeu, devem centrar-se na recuperação sustentável, nomeadamente a ação climática.

1.10

A adoção de práticas sustentáveis em todos os setores enquanto condição de financiamento deve ser a norma para a elaboração de planos de recuperação pós-COVID-19 orientados para a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável e para o Acordo de Paris. A resposta em matéria de recuperação após a COVID-19 não deve ser regressar ao ponto em que estávamos, mas sim avançar para uma situação nova e melhor.

1.11

É necessário reforçar as capacidades de todas as partes interessadas e fornecer-lhes apoio técnico, para que possam fazer a transição para um futuro mais resiliente e sustentável. A criação de um fórum finança-clima da UE promoveria o acesso ao financiamento e eliminaria obstáculos.

1.12

O CESE propõe a criação de uma plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima, assente nos princípios da inclusividade e da transparência, bem como na participação e apropriação efetivas por parte dos intervenientes no domínio do clima a todos os níveis.

1.13

O Pacto para o Clima deve centrar-se na capacitação das pessoas para despoletar a mudança dos sistemas — através da exploração, da experimentação e da demonstração. As perspetivas a vários níveis, o desenvolvimento de uma visão, as narrativas e a análise retrospetiva serão cruciais. Há que promover e facilitar uma vasta gama de iniciativas em matéria de clima.

2.   Introdução

2.1

A tarefa de enfrentar os desafios climáticos e ambientais é cada vez mais urgente e exige uma revisão radical das atuais abordagens socioeconómicas, que são insustentáveis. A pandemia mundial de COVID-19 demonstrou que não será suficiente uma simples adaptação dos nossos modos de vida e dos nossos sistemas. As alterações fundamentais nos métodos de produção, que afetam as empresas, os trabalhadores e a organização do trabalho, já estavam a ocorrer antes da pandemia e podem ser aceleradas na sua sequência. A Comissão Europeia adotou o Pacto Ecológico Europeu, que representa a nova estratégia para promover modelos socioeconómicos e financeiros da UE que sejam sustentáveis, mais limpos, mais seguros e mais saudáveis.

2.2

Após a crise da COVID-19, os compromissos em matéria de ação climática e sustentabilidade devem ocupar um lugar de destaque na política de recuperação e reconstrução, e nos orçamentos correspondentes, para não continuar a condenar a UE a um futuro hipercarbónico. As medidas pós-crise devem ser concebidas de modo a criar resiliência nos sistemas, proteger e restaurar a biodiversidade, dar prioridade à saúde pública, sem deixar ninguém para trás, e abrir caminho a uma economia do bem-estar. Neste contexto, o Pacto Ecológico Europeu não deve ser abandonado ou adiado, mas sim reforçado.

2.3

O êxito do Pacto Ecológico Europeu dependerá, em grande medida, da capacidade da UE para dialogar com os seus cidadãos. Nesta perspetiva, a Comissão está a elaborar um Pacto Europeu para o Clima a fim de reunir vários intervenientes, incluindo regiões, órgãos de poder local, comunidades locais, sociedade civil, escolas, empresas e particulares.

3.   A necessidade de dialogar com a sociedade civil e os cidadãos sobre o clima

3.1

Enfrentamos uma situação de emergência climática mundial. A resposta dos governos à crise climática não foi, até agora, suficiente e o mundo não está no bom caminho para cumprir a meta do Acordo de Paris e os ODS. Os jovens grevistas que se manifestam em defesa do clima e outros intervenientes da sociedade civil têm apelado vigorosamente para uma ação climática muito mais ambiciosa e urgente. Os responsáveis políticos, que aderiram à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e ao Acordo de Paris, têm a responsabilidade de responder urgentemente a estas reivindicações, adotar decisões políticas inequívocas e ambiciosas e avançar para um novo modelo de ação climática que seja inclusivo e que conte com a participação ativa de todas as partes interessadas.

3.2

Por conseguinte, o CESE subscreve o apelo para que a União Europeia se comprometa a alcançar a neutralidade carbónica em 2050 e, em conformidade, ajuste a sua meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa para 2030 (2). O CESE espera que o novo objetivo de redução das emissões até 2030 se baseie numa análise extensiva e numa avaliação de impacto adequada. O CESE defende igualmente que há argumentos decisivos a favor da fixação de um objetivo de redução das emissões em, no mínimo, 55 % até 2030, para que a UE contribua com a sua parte dada a necessidade imperiosa de reduzir as emissões a nível mundial. Por exemplo, o relatório de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) sobre o desfasamento em termos de emissões (3) sustenta que é necessário definir uma meta ainda mais ambiciosa de redução de emissões até 2030 a nível mundial para atingir o objetivo de 1,5oC estabelecido no Acordo de Paris (4).

3.3

O Eurobarómetro de 2019 concluiu que 93 % dos cidadãos da UE consideram as alterações climáticas um problema grave; e que 79 % as consideram um problema muito grave. A grande maioria dos inquiridos considera importante que o governo do seu país estabeleça metas ambiciosas para aumentar a quantidade de energias renováveis (92 %) e melhorar a eficiência energética (89 %).

3.4

O Pacto para o Clima deve tirar partido do poder dos europeus para realizar a visão do Pacto Ecológico Europeu de uma sociedade próspera, inclusiva e resiliente às alterações climáticas, dotada de uma economia circular com neutralidade climática até 2050. O relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) refere explicitamente a necessidade de mudanças rápidas, profundas e sem precedentes em todos os aspetos da sociedade. As mudanças graduais não serão suficientes. A concentração excessiva na redução das emissões de CO2 é contraproducente ao nível do terreno, uma vez que limita a participação e a reflexão, restringindo de forma significativa as mudanças concebidas e executadas. O que é necessário agora é uma transformação fundamental dos sistemas económicos, sociais e financeiros que desencadeie uma mudança exponencial nas taxas de descarbonização e reforce a resiliência às alterações climáticas. Para tal, são necessárias narrativas inspiradoras, amplas e diversificadas, que expliquem as razões pelas quais o mundo tem de mudar.

3.5

A atual crise mundial causada pela pandemia de COVID-19 demonstrou a capacidade dos governos de tomarem medidas drásticas para atenuar uma ameaça existencial, bem como a capacidade das pessoas, pelo menos a curto prazo, de se adaptarem aos novos estilos de vida restritos que tais medidas impõem. É importante referir que as comunidades, as empresas, os parceiros sociais e outros intervenientes não estatais desempenham um papel fundamental na resposta à pandemia, e muitas vezes identificam as necessidades, concebem e aplicam medidas adequadas ao contexto de forma mais rápida, eficaz e criativa do que foi possível através de uma abordagem descendente.

3.6

A passagem à próxima fase de resposta à COVID-19 representa uma enorme oportunidade e um enorme risco. As medidas económicas e os pacotes fiscais que estão a ser concebidos para apoiar e relançar a economia europeia devem integrar a taxonomia da UE do investimento sustentável e orientar o financiamento para investimentos sustentáveis ou que tenham potencial para tal e que incluam compromissos — sujeitos a supervisão — de identificar e realizar urgentemente as alterações necessárias.

3.7

A trágica perturbação causada pela COVID-19, que conduziu à suspensão das regras orçamentais, demonstrou que é possível uma visão alternativa quando a vida das pessoas, as nossas economias e a sobrevivência do nosso planeta estão em jogo. Uma visão do progresso social que assente unicamente na procura do aumento do produto interno bruto (PIB) ignora elementos fundamentais do bem-estar social e individual e não tem devidamente em conta as considerações ambientais e sociais. Por conseguinte, é necessário transitar de uma economia baseada no PIB para a economia do bem-estar (5) (6).

3.8

Uma forma de aumentar a ambição em matéria de clima consiste em criar ambientes propícios a mais ações por parte dos intervenientes não estatais, nomeadamente vários tipos de empresas, incluindo pequenas, médias e microempresas, investidores, parceiros sociais, cooperativas, municípios e regiões, sindicatos, comunidades locais e grupos de cidadãos, agricultores, escolas, organizações confessionais, organizações de juventude e outras organizações não governamentais.

3.9

Um ambiente propício exige uma mudança fundamental, passando da consulta e da participação descendente para a conceção conjunta, a cocriação e a capacitação. O alcance dos modelos de consulta habituais raramente vai além de setores da sociedade muito restritos e bem dotados de recursos. Para que dediquem tempo e energia ao processo, os indivíduos, as organizações e as empresas que mais têm a ganhar com a mudança transformacional e para ela mais podem contribuir têm de ter oportunidades reais de participar na tomada de decisão.

3.10

Em 2018, o CESE preconizou o estabelecimento de um «diálogo europeu sobre a ação climática não estatal» (7). O objetivo do diálogo deve ser não só destacar e divulgar as ações, como também responder às necessidades dos intervenientes não estatais, fomentando a criação de novas parcerias entre estes e diferentes níveis de governo, facilitando a aprendizagem entre pares, a formação e a partilha de conselhos, e facilitando o acesso ao financiamento.

3.11

O CESE propôs (8) a criação de um diálogo permanente com os cidadãos enquanto elemento preparatório obrigatório de todas as grandes decisões políticas e de todas as iniciativas pertinentes a todos os níveis.

3.12

Até agora, a Comissão não seguiu estas recomendações (9). O Pacto para o Clima oferece às instituições a oportunidade de trabalharem em estreita colaboração para elaborar um quadro propício à participação da sociedade civil e dos cidadãos, com base nos processos de consulta existentes, mas indo mais longe.

4.   Aprender com as práticas existentes em matéria de participação da sociedade civil e dos cidadãos

4.1

Os exemplos a nível nacional, regional e municipal, das assembleias de cidadãos, dos diálogos com os cidadãos e de processos semelhantes de participação deliberativa (10) demonstram a capacidade e o empenho dos cidadãos em assumir a responsabilidade pelas soluções para a crise climática. Muitas vezes, as abordagens participativas mais amplas, quando cuidadosamente estruturadas, geram ganhos de sustentabilidade significativos mesmo não estando explicitamente centradas na crise climática. São testemunho, não só, da grande necessidade de uma democracia participativa, e da forte apetência pela mesma, mas também da capacidade dos governos para criar esses espaços e dar seguimento político às propostas que neles são formuladas.

4.1.1

Em 2019, 150 cidadãos franceses selecionados aleatoriamente começaram a deliberar sobre a seguinte questão: «Como reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 40 % até 2030, num espírito de justiça social?». As sessões desta convenção de cidadãos têm lugar no Conselho Económico e Social francês. O governo tenciona responder publicamente às propostas e publicar um calendário provisório tendo em vista a sua execução (11).

4.1.2

A Assembleia de Cidadãos da Irlanda, criada em 2016, era composta por 100 cidadãos, selecionados aleatoriamente de forma a serem representativos do eleitorado irlandês. Foram encarregados de deliberar sobre diversos temas, desde a proibição constitucional do aborto até ao objetivo de liderança da Irlanda na luta contra as alterações climáticas. A comissão parlamentar criada para dar seguimento às recomendações da assembleia em matéria de alterações climáticas moldou de forma significativa o histórico plano de ação climática da Irlanda, publicado em junho de 2019.

4.1.3

Nas duas maiores cidades espanholas, foram lançados diálogos com os cidadãos e fóruns locais para promover uma maior participação dos cidadãos e das organizações da sociedade civil no processo de decisão sobre algumas componentes do orçamento local e na reflexão sobre o futuro da cidade.

4.1.4

O Conselho da Juventude para o Clima do Ministério da Energia, do Aprovisionamento Energético e do Clima da Dinamarca tem por objetivo trazer novas ideias para a política climática e fornecer ao ministro contributos sobre soluções em matéria de clima para o futuro.

4.1.5

A cidade de Gdańsk, na Polónia, organizou três assembleias de cidadãos sobre a adaptação a fenómenos meteorológicos extremos, a redução da poluição atmosférica e o reforço da participação cívica.

4.1.6

Na Finlândia, o primeiro painel de cidadãos para o desenvolvimento sustentável reuniu cerca de 500 finlandeses para avaliar a situação no tocante ao desenvolvimento sustentável. Os resultados contribuirão para o trabalho do Governo e do Parlamento finlandês nesta matéria.

4.1.7

Em Itália, após a COP 25, os representantes da sociedade civil apresentaram uma proposta legislativa para criar uma assembleia de cidadãos à semelhança do modelo francês. O Reino Unido lançou um processo semelhante, com a «Assembleia do Reino Unido para o Clima: a via para a neutralidade carbónica».

4.1.8

Em Bolonha, Itália, o município instituiu um «Gabinete da Imaginação Cívica» no âmbito do seu trabalho mais alargado para relançar a participação dos cidadãos. Foram criados seis «laboratórios» que organizam regularmente eventos para construir uma visão, utilizando espaços abertos e outros instrumentos. Quando surgem ideias sólidas para projetos, o município celebra «pactos» com a comunidade para assegurar a sua concretização. Nos últimos cinco anos, foram celebrados mais de 500 pactos, que visam, por exemplo, a instalação de novos bancos na rua ou projetos muito mais vastos e ambiciosos. O referido gabinete tornou-se também o canal que coordena a organização da orçamentação participativa.

4.2

Muitas outras iniciativas de base comunitária mobilizam a ação local para criar um futuro mais sustentável, com êxitos notáveis e inspiradores. Entre outras, a iniciativa «bairros sustentáveis» em Bruxelas, a Rede de Ação Climática das Comunidades Escocesas, uma rede de base constituída por cerca de 120 grupos comunitários, a Coopérnico, uma cooperativa de energias renováveis portuguesa (RESCoop), o Movimento de Transição, atualmente presente em mais de 50 países, e ativo no reforço da resiliência à escala da comunidade, inspirando as pessoas a transformar as suas formas de pensar, agir e estar no mundo. O programa de ação «comunidades para o futuro», que será lançado este verão, pode ajudar a definir o quadro institucional para a participação pública.

4.3

A nível europeu, é necessária uma participação estruturada da sociedade civil e deve estabelecer-se um mandato claro para a sua participação no desenvolvimento, na execução e no acompanhamento das políticas e estratégias que visam alcançar a neutralidade climática.

4.3.1

A plataforma multilateral sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável desempenhou um papel importante, mas também deixou margem para melhorias no que diz respeito à afetação de recursos, frequência das reuniões, responsabilidade pela elaboração da ordem do dia, oportunidades de alargar o debate e a participação, e facilitação de consultas públicas mais regulares, transparentes e acessíveis.

4.3.2

A Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, gerida conjuntamente pelo CESE e pela Comissão, proporciona a um vasto grupo de partes interessadas um espaço para trocar boas práticas e ideias e criar redes úteis. A possibilidade, conferida às partes interessadas, de apropriação desta plataforma representa a principal diferença em relação à plataforma multilateral sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e é uma boa prática a seguir.

4.4

As metas do Acordo de Paris não serão atingidas sem um envolvimento forte dos parceiros sociais a todos os níveis e, em particular, nas indústrias e setores mais afetados pela descarbonização e pela digitalização. A aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em paralelo com o Pacto Ecológico Europeu, proporciona uma oportunidade para assegurar uma transição justa centrada no objetivo de empregos de qualidade para todos. O diálogo social levado a cabo pelos sindicatos e empregadores é um dos espaços mais adequados de sensibilização para a crise climática. São eles os principais protagonistas se quisermos levar a cabo a transformação socialmente justa, produtiva e comercial preconizada no Pacto Ecológico Europeu. Estes cenários abrangem as cimeiras de diálogo social a nível europeu, o diálogo transfronteiras, que é fundamental para reforçar a integração social europeia, e as convenções coletivas a nível setorial e empresarial. A participação dos trabalhadores faz parte integrante da democracia no local de trabalho e proporciona aos trabalhadores a oportunidade de desempenhar um papel ativo nas decisões relativas ao local de trabalho suscetíveis de contribuir de forma positiva para a ação climática.

4.5

A Comunidade de Conhecimento e Inovação para o Clima do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (CCI-Clima do EIT) centra-se na conceção, execução e conexão de experiências empresariais e dos efeitos de demonstrações aprofundadas sobre os fatores impulsionadores da mudança sistémica. Esta comunidade de conhecimento e inovação dispõe de um portefólio de experiências que procuram estimular novas formas de pensar, impulsionar os efeitos exponenciais das novas tecnologias, redes e forças comunitárias, e aprender mais rapidamente do que o ritmo da mudança (12).

5.   Aprender com as respostas das empresas

5.1

Por inovação entende-se a criação de fases suplementares para desenvolver novos serviços e produtos a colocar no mercado ou junto do público, que respondam a necessidades não atendidas ou resolvam problemas novos. A inovação tecnológica centra-se nos aspetos tecnológicos de um produto ou serviço. A inovação social refere-se a novas práticas sociais que visam satisfazer as necessidades sociais resultantes, por exemplo, das condições de trabalho, da educação, do desenvolvimento comunitário ou da saúde de forma mais eficaz do que as soluções existentes. A tecnologia digital desempenha um papel importante na inovação social, graças à utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC), como as redes em linha e outras ferramentas digitais.

5.2

Importa disponibilizar o processo de inovação sistémica, a um custo acessível, a todas as partes interessadas que devem participar na conceção conjunta das soluções que impulsionarão a transição necessária para a sustentabilidade. A viabilidade financeira é uma condição prévia para a coesão social e para «não deixar ninguém para trás» no processo de aplicação do Pacto Ecológico Europeu. Por esta razão, os aspetos da mudança sistémica que têm características de bens públicos devem ser financiados ou subvencionados por entidades públicas, o que permitirá mobilizar mais fundos privados para os investimentos no domínio das alterações climáticas.

5.3

As comunidades que conseguem gerar inovação sistémica distinguem-se na compreensão dos problemas, na busca de soluções e na distribuição das soluções em função das necessidades e dos recursos específicos dos diferentes locais e contextos. Devemos dotar as comunidades europeias com estas competências e criar condições propícias a uma maior intervenção dos intervenientes não estatais.

5.4

É urgente dispor de mecanismos de financiamento inovadores que permitam reconhecer o potencial e os desafios da inovação sistémica de base comunitária e responder-lhes; a sua criação e manutenção exige um apoio de base flexível, capital de risco para a fase de arranque nos projetos de maior dimensão, bem como acompanhamento e apoio profissionais. O Pacto para o Clima poderia criar um canal extremamente útil para os inovadores sociais fornecerem informações sobre os obstáculos políticos e económicos que os entravam e colocam em situação de desvantagem, e que muitas vezes inviabilizam os tão necessários projetos transformadores.

5.5

As respostas das empresas constituem uma referência muito importante, como ilustram os exemplos seguintes:

A promoção, por empresas multinacionais da indústria da moda descartável, de uma linha de vendas em segunda mão, enquanto estratégia de reciclagem;

O aconselhamento a grandes produtores de petróleo e companhias de seguros, que terão de reorientar as suas atividades.

5.6

Entre os exemplos de respostas importantes do setor financeiro cabe assinalar:

A decisão dos fundos de investimento de não investir em projetos que não tenham em conta a variável climática;

A Rede para a Ecologização do Sistema Financeiro, criada por oito bancos centrais e autoridades de supervisão, para promover o financiamento ecológico.

6.   Partilha de informações e compreensão da ação climática pelos cidadãos

6.1

É necessário estabelecer diálogos diretos com os cidadãos, a fim de os sensibilizar para a importância de uma transição para sociedades mais sustentáveis e comunidades locais mais saudáveis. Estes diálogos oferecem maior valor acrescentado quando organizados a nível local, regional ou nacional. No entanto, seria essencial dispor de orientações, coordenação e apoio a nível da UE.

6.2

Deve incumbir, em primeiro lugar, a cada país desenvolver um sistema de regulamentação ambiental baseado no seu ambiente local e nas suas necessidades e adaptado ao desenvolvimento sustentável do país em questão. A este respeito, o reconhecimento dos direitos de natureza seria um elemento importante (13).

6.3

Qualquer intervenção a nível da UE deve ser concebida em conjunto com os utilizadores, apoiando-se nos ensinamentos, nos modelos e na inspiração da abordagem participativa exigida a outros níveis de escala. Há que prever conhecimentos especializados e recursos para apoiar a conceção e facilitação de espaços de colaboração inovadores, a construção de uma narrativa convincente e a utilização de tecnologias inovadoras. Um elemento fundamental para o êxito do Pacto para o Clima será a capacidade de as comunidades envolvidas otimizarem a sua narrativa, dando vida ao futuro diferente que defendem, escutando e estabelecendo uma ligação com as necessidades e as aspirações existentes, e capacitando as pessoas para agir.

6.4

A fim de criar um ambiente de rede propício ao incentivo e apoio à ação climática, impõe-se uma plataforma em linha para o intercâmbio de práticas e ensinamentos retirados dos vários projetos e abordagens. Tal plataforma participativa poderia facilitar a aprendizagem entre pares e a partilha de conselhos entre os intervenientes, ajudando-os a ultrapassar os obstáculos regulamentares. Poderia fomentar a educação e a inovação, oferecendo cursos, seminários e ateliês em linha.

6.5

O reconhecimento e a comunicação credível das ações em curso podem dinamizar consideravelmente a ação climática. O financiamento e outros recursos, o apoio de especialistas e a possibilidade, conferida aos intervenientes, de contribuir para orientar as decisões que têm impacto no seu trabalho permitirão aplicar mais amplamente as abordagens de eficácia comprovada.

6.6

Os «embaixadores da ação climática» poderiam ter a incumbência de facilitar a cooperação entre os vários intervenientes, de definir prioridades estratégicas e temáticas, de organizar eventos e de promover novas ações climáticas.

6.7

Estes embaixadores do Pacto para o Clima poderão servir de pontos de contacto para diferentes setores da economia. Também se deve nomear embaixadores específicos para os jovens, as comunidades locais, os municípios e as regiões. Os embaixadores a nível da UE desempenhariam um papel diferente dos embaixadores a nível nacional, regional ou local. Seria necessário assegurar a coordenação entre os diversos níveis.

6.8

A nomeação de membros do CESE e do CR como embaixadores a nível da UE para os grupos e círculos que representam permitiria tirar partido das suas extensas redes entre a sociedade civil e os órgãos de poder local e regional, bem como reforçar a cooperação entre os órgãos consultivos e a Comissão.

6.9

Por exemplo, os sindicatos e as organizações empresariais oferecem a perspetiva do terreno, e representam democraticamente os trabalhadores em diversos setores. São fundamentais na elaboração das diversas medidas, a fim de ter em conta as necessidades dos trabalhadores e das empresas e identificar os desafios. A presença de embaixadores da ação climática a diferentes níveis, no contexto sindical e empresarial, permitiria tirar partido dos pontos fortes do diálogo social, promover eficazmente a partilha de informações e fomentar a ação climática. Este trabalho exige um ambiente institucional favorável aos direitos no trabalho.

6.10

A transformação digital altera a organização e as formas de produção das empresas, e muitas pequenas e médias empresas deparam-se com graves lacunas no domínio da digitalização. Muitos trabalhadores preocupam-se com o impacto da digitalização nos seus empregos, que pode levar ao aumento do desemprego e das desigualdades.

6.11

A fim de promover «o financiamento e o investimento ecológico e garantir uma transição justa» no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão criou uma taxonomia para incentivar os investimentos em oito grandes grupos económicos e 70 setores de atividade, o que permitirá transformar radicalmente a sua produção, bem como a quantidade e qualidade dos seus empregos. Esse documento, que constitui a pedra angular do Plano de Investimento do Pacto Ecológico Europeu, refere uma única vez os direitos laborais previstos nas normas fundamentais da OIT.

7.   Criar espaços reais e virtuais para o diálogo sobre o clima

7.1

O Pacto para o Clima deve centrar-se na capacitação das pessoas para despoletar a mudança dos sistemas — através da exploração, da experimentação e da demonstração. São necessários programas de educação e formação que abranjam todo o espetro da sociedade civil, e outros intervenientes não estatais. É fundamental melhorar o conhecimento e a compreensão do desafio climático, analisando a questão de forma mais aprofundada e ampla e melhorando a qualidade dos debates e dos diálogos sobre o problema entre as partes interessadas.

7.2

São necessários instrumentos de aplicação imediata para estruturar e gerir os desafios e explorar as oportunidades de inovação e transição em matéria de sustentabilidade. No âmbito do programa Horizonte 2020, a Comissão criou e aplicou muitos destes instrumentos. Em contextos multidisciplinares, a abordagem deve consistir em «aprender através da prática, mediante a aplicação dos instrumentos à situação dos utilizadores».

7.3

A gestão das partes interessadas, a perspetiva a vários níveis, o desenvolvimento de uma visão e a análise retrospetiva, bem como a gestão de nicho, serão cruciais para impulsionar o Pacto para o Clima. Esta estrutura destina-se a facilitar o processo de resolução de problemas, definindo uma via para a inovação sistémica em matéria de alterações climáticas e para a aplicação do Pacto Ecológico Europeu.

7.4

O êxito do Pacto para o Clima dependerá em parte da capacidade dos empreendedores e das empresas para atrair financiamento público, filantrópico e privado. Esse financiamento deve ter a ambição de corrigir as deficiências do mercado que conduziram às alterações climáticas, aspirar a mudanças radicais e alcançar uma escala significativa. O quadro de financiamento multilateral da UE, os fundos públicos e privados, europeus e internacionais, que se destinam a impulsionar mudanças sistémicas nos domínios da atenuação das alterações climáticas e da adaptação às mesmas, podem ser utilizados para mobilizar milhares de ações climáticas inovadoras. O objetivo geral deve ser gerar recursos, experiência e capacidades em torno de resultados pertinentes no domínio da redução das emissões e do aumento da resiliência às alterações climáticas, que possam multiplicar-se para acelerar a mudança e cultivar a esperança. O Pacto para o Clima deve acolher favoravelmente a participação do setor financeiro nacional e internacional, incluindo os fundos multilaterais e privados pertinentes. Além disso, o sistema fiscal deve refletir o princípio de maximizar e apoiar a economia do bem-estar.

7.5

Importa também considerar a possibilidade de integrar espaços físicos e virtuais para o diálogo sobre o clima nas associações da sociedade civil existentes, que interajam através da plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima.

7.5.1

No domínio laboral, seria oportuno criar observatórios de prospetiva, análise e interpretação da evolução laboral, organizacional e tecnológica com o apoio material da Comissão, abrangendo os oito grupos da taxonomia, com a participação de sindicatos, empregadores e administrações, a nível europeu e nacional.

8.   Reforço das capacidades para favorecer as iniciativas de base

8.1

O quadro geral deve ser claramente definido, a fim de evitar incoerências com o Pacto Ecológico Europeu.

8.2

Os desafios globais que os intervenientes da sociedade civil no domínio da ação climática mais identificaram são a falta de acesso ao financiamento, a falta de conhecimentos especializados, a falta de pessoal e de reconhecimento (14), bem como a inexistência de uma narrativa coerente da UE e dos governos nacionais.

8.3

Várias partes interessadas têm assinalado que a complexidade do quadro regulamentar e administrativo entrava a ação climática. As organizações da sociedade civil e as iniciativas de base comunitária poderiam beneficiar de medidas de reforço das capacidades que as ajudem a orientar-se nos ambientes regulamentares e administrativos.

8.4

O fornecimento de apoio material (assistência técnica, reforço das capacidades, financiamento, etc.) e imaterial (reconhecimento, maior visibilidade, etc.), bem como a facilitação da criação de redes e contactos em domínios de intervenção e processos específicos, devem ser elementos essenciais de uma plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima que vise estimular a ação climática no terreno.

8.5

Os intervenientes não estatais podem deparar-se com diversos desafios no acesso ao financiamento das suas iniciativas em matéria de clima, nomeadamente: requisitos proibitivos em termos de dimensão dos projetos, relutância dos investidores privados em financiar os projetos, bem como processos e requisitos complexos para solicitar financiamento e aceder ao mesmo (15). Outros obstáculos incluem a falta de sensibilização para as opções de financiamento das ações climáticas, a falta de capacidades administrativas e de conhecimentos técnicos para assegurar o financiamento, as restrições orçamentais e regulamentares, a forma de assegurar a viabilidade financeira dos potenciais investimentos, os condicionalismos políticos e as dificuldades em cumprir os critérios de elegibilidade demasiado prescritivos dos fundos da UE e internacionais (16).

8.6

O CESE propôs a criação de um fórum finança-clima, que reuniria as principais partes interessadas para abordar as questões fundamentas, identificar obstáculos, conceber soluções e determinar os mecanismos mais eficientes para melhorar a repartição do financiamento, em conformidade com o princípio da subsidiariedade. Está a ser elaborado um estudo (17) para propor um plano de ação e, em última análise, melhorar o acesso dos intervenientes não estatais ao financiamento das ações climáticas.

9.   Rumo a uma plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima

9.1

Tendo em conta as experiências positivas da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, o CESE propõe a criação de uma plataforma semelhante de partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima.

9.2

A inclusividade, a transparência e a participação e apropriação efetivas por parte dos intervenientes locais no domínio do clima devem ser os princípios orientadores da plataforma.

9.3

O CESE apelou para que a transição para uma economia sustentável, neutra em carbono e eficiente na utilização dos recursos seja justa e não deixe nenhuma família, comunidade, região, setor ou minoria para trás (18). A plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima deve incluir um observatório da transição para a neutralidade climática, que acompanhe a aplicação da política climática da UE a nível nacional e regional e recolha dados para apoiar a elaboração de políticas a todos os níveis.

9.4

O CESE apoia a organização de assembleias de cidadãos nos Estados-Membros a fim de informar, inspirar, promover a compreensão e prestar aconselhamento a todos os níveis de governação em matéria de políticas climáticas. A plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima poderia promover experiências bem-sucedidas e divulgar orientações e boas práticas em países, regiões e municípios interessados em acolher assembleias deste tipo.

9.5

Poderá incumbir-se a plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima da organização de uma assembleia de cidadãos a nível da UE, coorganizada pelo CESE, pelo CR e pelo Parlamento Europeu, com o apoio da Comissão.

9.6

Um elemento essencial da plataforma seria um polo de reforço das capacidades e financiamento, que prestaria orientação, informação e educação sobre as políticas e estratégias climáticas, e facilitaria o acesso ao financiamento para os projetos de pequena dimensão. O polo da UE e os polos nacionais poderiam ser criados em cooperação com os órgãos de poder local e regional.

9.7

A estrutura em linha da plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima serviria para criar espaços de partilha de informações e conhecimentos, facilitar a criação de redes e assumir compromissos.

9.8

A plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima exigiria a criação de um grupo de coordenação composto por representantes de diversos intervenientes. A seleção dos membros do grupo de coordenação deverá basear-se em critérios transparentes e claros, a fim de assegurar a inclusividade e a representatividade, mantendo simultaneamente uma governação eficaz da estrutura. Devem estar representadas as partes interessadas seguintes: instituições da UE, sociedade civil, nomeadamente empresas, sindicatos, órgãos de poder local e regional, comunidade científica, comunidade financeira e juventude. As partes interessadas pertencentes a instituições e setores com menos recursos devem ser dotadas de recursos suficientes para poderem participar e desempenhar um papel decisório.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU «Six Transformations to achieve the Sustainable Development Goals» [Seis transformações para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável].

(2)  A relatora do Parlamento Europeu sobre a Lei Europeia do Clima (COM(2020) 0080), Jytte Guteland, propõe «aumentar a meta climática da União para 2030 para uma redução de 65 % das emissões, em comparação com os níveis de 1990. Consequentemente, a Comissão deve, até 30 de junho de 2021, avaliar de que modo a legislação da União necessitará de ser alterada para aplicar essa meta mais elevada».

(3)  «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em matéria de emissões].

(4)  O relatório de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), intitulado «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões], sustenta que é necessário reduzir, a partir de agora, as emissões mundiais em 7,6 % por ano, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5oC, o que significa alcançar uma meta de redução de, no mínimo, 68 % até 2030.

(5)  Parecer do CESE — A economia sustentável de que necessitamos (JO C 106 de 31.03.2020, p. 1).

(6)  Economia do bem-estar — ramo de economia que procura avaliar as políticas económicas em função dos seus efeitos no bem-estar da comunidade. Tornou-se um ramo bem definido da teoria económica no século XX.

(7)  Parecer do CESE — Promover ações climáticas por intervenientes não estatais (JO C 227 de 28.6.2018, p. 35).

(8)  Parecer do CESE — Estratégia para a redução a longo prazo na UE das emissões de gases com efeito de estufa (JO C 282 de 20.8.2019, p. 51).

(9)  Já formuladas no Parecer do CESE — Criar uma coligação entre a sociedade civil e os órgãos de poder infranacionais para cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris (JO C 389 de 21.10.2016, p. 20).

(10)  https://www.thersa.org/discover/publications-and-articles/rsa-blogs/2018/07/our-call-for-action-on-deliberative-democracy

(11)  https://www.conventioncitoyennepourleclimat.fr/en/

(12)  As demonstrações aprofundadas da CCI-Clima do EIT representam um espaço potencial de crescimento económico para os intervenientes europeus mais ambiciosos que enfrentam desafios, permitindo-lhes compreender o seu «espaço problemático» e permitindo aos projetistas cartografar o sistema e criar uma carteira de posições de intervenção.

(13)  Parecer do CESE — Documento de Reflexão — Para uma Europa sustentável até 2030 (JO C 14 de 15.1.2020, p. 95); Parecer do CESE — Justiça climática (JO C 81 de 2.3.2018, p. 22).

(14)  Estudo do CESE.

(15)  Parecer do CESE — Facilitar o acesso dos intervenientes não estatais ao financiamento das ações climáticas (JO C 110 de 22.3.2019, p. 14).

(16)  Rossi, L., Gancheva, M. e O'Brien, S., 2017.

(17)  «Climate Finance Forum — modalities and first tasks» [Fórum finança-clima — modalidades e primeiras tarefas], estudo da Milieu Consulting SPRL para o CESE.

(18)  Parecer do CESE — Não deixar ninguém para trás na execução da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (JO C 47 de 11.2.2020, p. 30).


III Atos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

Reunião híbrida — 553.a reunião plenária de 15 e 16 de julho de 2020

28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/77


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Estratégia para a Igualdade de Género

[COM(2020) 152 final]

(2020/C 364/11)

Relatora:

Giulia BARBUCCI

Correlatora:

Indrė VAREIKYTĖ

Consulta

Comissão Europeia, 22.4.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

18.2.2020

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

17.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

171/38/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está ciente de que a pandemia de COVID-19 tem um impacto em termos de género, e tem destacado com firmeza a dimensão de género das desigualdades sociais e económicas. Esta questão deve ser plenamente tida em conta na nova Estratégia para a Igualdade de Género. A Comissão Europeia deve aplicar a Estratégia para a Igualdade de Género em paralelo com as medidas para combater o impacto da COVID-19, mediante respostas políticas adaptadas e específicas.

1.2

O CESE recomenda a adoção de estratégias de integração da perspetiva de género em todos os órgãos e infraestruturas de programação e governação e insta a Comissão a encorajar vivamente os Estados-Membros a adotarem a mesma abordagem. Além disso, o Comité defende a adoção de uma abordagem intersetorial da igualdade de género, também na luta contra múltiplas formas de discriminação.

1.3

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a assegurarem uma participação equilibrada em termos de género nos órgãos consultivos e técnicos criados para debater as medidas políticas destinadas a relançar a economia e evitar a marginalização social e económica, no contexto da COVID-19.

1.4

Além disso, o CESE encoraja os Estados-Membros a assegurarem que a perspetiva de género é plenamente integrada nas medidas de recuperação da COVID-19, para combater as desigualdades de género persistentes através de uma abordagem estratégica e estrutural, e para promover e melhorar a participação das mulheres em todos os níveis do mercado de trabalho.

1.5

O CESE apela a um maior empenho em prol da igualdade de género no próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027. Esta abordagem deve também ser integrada na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e nas seis prioridades da Comissão para 2019-2024, bem como nas recomendações do Semestre Europeu.

1.6

O CESE apoia a Estratégia para a Igualdade de Género elaborada pela Comissão, e convida-a a instituir um mecanismo de coordenação que envolva todos os Estados-Membros, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.

1.7

O CESE convida os Estados-Membros a adotarem medidas específicas para melhorar a orientação escolar e profissional como forma de reforçar a sensibilização para as questões de género e proporcionar recursos e instrumentos adequados, conduzindo a uma abordagem mais sensível à dimensão de género e a uma redução da segregação de género na educação e no emprego.

1.8

O CESE insta a que sejam tomadas medidas para eliminar o fosso digital entre homens e mulheres e para integrar plenamente a perspetiva de género na agenda digital e de inteligência artificial (IA), a nível da UE e dos Estados-Membros, mediante o estabelecimento de uma agenda específica em conjunto com um mecanismo de acompanhamento sensível às questões de género, apoiado por indicadores e recolha de dados desagregados por sexo.

1.9

As disparidades salariais entre homens e mulheres continuam a ser uma das principais formas de desigualdade e de discriminação em razão do género, como foi evidenciado ainda mais pela crise da COVID-19. O CESE convida a Comissão a dar seguimento, sem demora, à proposta de introdução de medidas vinculativas em matéria de transparência salarial entre homens e mulheres, e está disposto a desempenhar um papel de liderança na promoção de uma estratégia de integração da perspetiva de género para alcançar a igualdade de remuneração.

1.10

O CESE exorta a Comissão e os Estados-Membros a promoverem uma abordagem eficaz para impedir qualquer forma de violência contra as mulheres e oferecer-lhes proteção. O CESE defende medidas para apoiar e adotar iniciativas internacionais e europeias destinadas a eliminar a violência contra as mulheres. O CESE pode colaborar com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil para assegurar a rápida aplicação destas iniciativas.

1.11

O CESE desempenha um papel fundamental na sensibilização, através da recolha e da divulgação de boas práticas entre os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil, sobre instrumentos e infraestruturas organizacionais para prevenir o assédio sexual em casa e no trabalho e oferecer proteção contra o mesmo.

1.12

O CESE recomenda uma abordagem sistemática das políticas de prestação de cuidados, que incluem outras dimensões políticas (transparência salarial, serviços públicos, infraestruturas, fiscalidade, transportes, agenda digital e de IA e fundos da UE). Os Estados-Membros da UE devem prosseguir os seus esforços para aumentar a oferta, a acessibilidade dos preços e a qualidade das estruturas de educação e acolhimento na primeira infância.

1.13

O CESE insta a Comissão a ajudar os Estados-Membros a fomentar a participação das mulheres com deficiência no mercado de trabalho, aplicando assim a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD), bem como de quaisquer outros grupos vulneráveis de mulheres (em particular ciganas e migrantes).

1.14

A igualdade de oportunidades em matéria de participação é essencial para a democracia representativa a todos os níveis — europeu, nacional, regional e local. O CESE apoia a igualdade de participação e o equilíbrio entre homens e mulheres na tomada de decisão e na vida política, económica e social, nomeadamente nas estruturas de diálogo social e cívico. São necessárias ações positivas baseadas em medidas legislativas, orçamentais, voluntárias, organizacionais e culturais, a fim de fazer face ao problema da baixa representação e participação das mulheres nos órgãos de decisão.

1.15

O CESE solicita mais uma vez ao Conselho que prossiga o debate sobre a diretiva relativa à melhoria do equilíbrio entre homens e mulheres nos conselhos de administração das empresas.

1.16

O CESE incentiva o setor da comunicação social e da publicidade a apoiar uma participação mais equilibrada das mulheres em cargos de decisão e a contribuir para a eliminação dos estereótipos de género nos conteúdos mediáticos, através da adoção de códigos de conduta e de mecanismos para assegurar o equilíbrio entre homens e mulheres nos órgãos de decisão.

1.17

O CESE convida o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) a incluir no Índice de Igualdade de Género uma prioridade temática sobre a igualdade de género nos meios de comunicação social, a fim de destacar as desigualdades de género.

2.   Introdução

2.1

Além de a igualdade de género ser um valor fundamental da União Europeia (1), a União tem também um mandato vinculativo para agir neste domínio (2). A Comissão fez da igualdade entre mulheres e homens um princípio orientador, bem como um dos objetivos do seu mandato; no entanto, os dados factuais (3)(4)(5) mostram que os progressos na consecução da igualdade de género na UE são muito lentos. O presente parecer do CESE foi elaborado em resposta à Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025, lançada pela Comissão em março de 2020, antes da propagação da pandemia de COVID-19. O CESE está ciente de que a pandemia de COVID-19 tem um impacto em termos de género, que deve ser tido em conta na Estratégia para a Igualdade de Género. Importa sublinhar que a atual situação de emergência está a agravar as desigualdades relacionadas com o género que já existiam antes da crise. As mulheres estão cada vez mais expostas à violência, à pobreza, a múltiplas formas de discriminação e à dependência económica, pelo que o Comité recomenda que a Comissão aplique rapidamente a Estratégia para a Igualdade de Género, em paralelo com medidas para combater o impacto da COVID-19 nas mulheres e raparigas, mediante respostas políticas adaptadas e específicas. A estratégia define os domínios de intervenção seguintes:

2.1.1

A violência contra as mulheres representa uma das piores formas de discriminação em razão do sexo.

2.1.2

A Comissão apela a uma análise sistemática, a medidas mais firmes para eliminar os estereótipos e erradicar a violência de género, o assédio, a intimidação e o assédio moral, bem como à adoção de medidas destinadas a proteger as vítimas e a responsabilizar os autores dos crimes. Durante a crise da COVID-19, registou-se um aumento da violência doméstica, estando as mulheres mais expostas à violência cometida pelos seus parceiros no lar.

2.1.3

O emprego das mulheres. Os dados factuais mostram que as disparidades de género na economia — e o desequilíbrio persistente em matéria de responsabilidades familiares — limitam significativamente a plena capacitação social e económica das mulheres, bem como o acesso a salários, rendimentos e pensões equitativos. O risco de marginalização económica é também determinado pela persistência de estereótipos, bem como por formas intersetoriais de discriminação. A inadequação das competências no mercado de trabalho é uma consequência de vários fatores estruturais, relacionados em grande medida com as questões de género. Estes fatores não só limitam o impacto das políticas económicas, mas também privam as nossas sociedades e economias da reserva existente de competências e talentos femininos.

2.1.4

A participação equilibrada de homens e mulheres na tomada de decisão é um objetivo importante e uma falha persistente. Para fazer face à complexidade dos desafios económicos e sociais, é necessário aumentar a participação das mulheres em cargos de liderança. As medidas legislativas são uma opção para colmatar as disparidades de género a curto prazo.

2.1.5

A integração da perspetiva de género é a estratégia para alcançar a igualdade de género através da integração da dimensão de género em todas as fases da elaboração de políticas. Em todos os Estados-Membros da UE, existem estruturas específicas dedicadas à igualdade de género (6) responsáveis pela integração da perspetiva de género e pelo apoio à integração da dimensão de género na agenda política. Estes mecanismos institucionais devem estar mais bem equipados, com um mandato político mais forte e maiores capacidades para implementar os instrumentos pertinentes (análises baseadas em dados concretos, recolha sistemática de dados desagregados por sexo, orçamentação sensível ao género (7), acompanhamento e avaliação sensíveis às questões de género).

2.1.6

Os fundos da UE para 2021-2027 representam uma oportunidade para apoiar a igualdade de género. O CESE elaborou um parecer (8) no qual insta o Parlamento e o Conselho a introduzirem indicadores novos e adequados, a fim de acompanhar melhor a contribuição financeira da UE para a consecução dos objetivos em matéria de igualdade de género. O objetivo consiste em aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho (em particular as pertencentes a grupos vulneráveis (9), como as mulheres com deficiência (10) e as mulheres sujeitas a múltiplas formas de discriminação) e melhorar as medidas de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, bem como os serviços e infraestruturas de acolhimento de crianças e de cuidados continuados. A crise da COVID-19 põe em destaque a necessidade de financiar medidas em prol da conciliação entre a vida profissional e familiar, de investir em serviços públicos de assistência de qualidade e acessíveis e de manter os níveis de emprego e o apoio ao rendimento.

2.1.7

O CESE considera igualmente que o financiamento da UE deve ser atribuído de forma mais sensível às questões de género, que a igualdade de género deve ser um objetivo independente, em vez de se fundirem os objetivos de igualdade de género e de luta contra a discriminação, e que a perspetiva de género deve ser mais bem integrada entre todos os outros objetivos específicos, seguindo uma abordagem multidisciplinar e intersetorial.

3.   Observações na especialidade sobre a Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 e propostas para a sua aplicação

3.1

O CESE apoia a abordagem da Comissão de relançar a integração da perspetiva de género como estratégia para alcançar a igualdade de género, e solicita que se tenha em conta o impacto específico da pandemia de COVID-19 nas mulheres. A dupla abordagem — ações positivas e integração da perspetiva de género — deve ser plenamente incorporada na governação dos mecanismos de programação financeira. Tal abordagem deve também ser integrada na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e nas seis prioridades da Comissão para 2019-2024 (11), bem como nas recomendações do Semestre Europeu.

3.2

A infraestrutura institucional existente para a igualdade de género a nível da UE (Direção-Geral da Justiça e dos Consumidores, EIGE, Parlamento Europeu e instituições da UE, bem como os órgãos consultivos (12) e o Grupo de Trabalho para a Igualdade (13), com o apoio dos dados fornecidos pela Eurofound e pelo Eurostat) deve ser mais bem integrada no processo de governação das políticas da UE. Tal infraestrutura institucional, para além do âmbito específico da igualdade de género, deve fazer parte integrante do mecanismo político que aborda os principais dossiês atuais (Agenda Digital, Agenda de Competências, Pacto Ecológico Europeu, Objetivos para a Juventude Europeia (14), entre outros).

3.3

O CESE partilha o ponto de vista de que a igualdade de género exige uma abordagem estratégica multidisciplinar e intersetorial, visando os fatores impulsionadores sociais e económicos que conduzem à desigualdade de género e investindo em fatores que promovam a igualdade de género. O CESE (15) apela à adoção de uma abordagem estratégica para o acompanhamento da integração da perspetiva de género em todos os objetivos temáticos estabelecidos no novo quadro regulamentar financeiro 2021-2027.

3.4

O Comité chama a atenção para o facto de já se registar um abrandamento do crescimento económico na UE, devido ao vírus da COVID-19. É importante que o impacto das políticas macroeconómicas em termos de género seja plenamente avaliado e tido em conta quando da aplicação da estratégia, a fim de evitar o agravamento das desigualdades de género existentes (16).

4.   Observações na generalidade

4.1

O CESE insta a Comissão Europeia a recorrer ao mecanismo de coordenação existente em matéria de igualdade de género, a fim de acompanhar a aplicação da estratégia, tendo em vista a comunicação de informações sobre os progressos realizados do ponto de vista do género. O mecanismo de coordenação poderia também abordar considerações específicas de género na aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e nas recomendações do Semestre Europeu.

4.2

O CESE já solicitou à Comissão Europeia que recomende aos países da UE o estabelecimento de metas e indicadores nacionais para monitorizar a situação através de um painel de avaliação anual.

4.3   Acabar com a violência de género

4.3.1

Tanto em casa como no ambiente de trabalho, as mulheres continuam a denunciar com mais frequência a exposição a comportamentos sociais adversos e à violência (17). O CESE pode desempenhar um papel fundamental na promoção de conhecimentos mais amplos sobre o fenómeno para impedir qualquer forma de violência contra as mulheres. Os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil podem apoiar a prevenção da violência contra as mulheres e a promoção de uma cultura sensível às questões de género, através da sensibilização e da recolha e partilha de boas práticas.

4.3.2

O acordo-quadro europeu sobre assédio e violência no trabalho, subscrito pelos parceiros sociais em 2007, representa um instrumento para garantir um local de trabalho isento de assédio e violência, a aplicar em toda a Europa e em qualquer local de trabalho, independentemente da dimensão da empresa.

4.3.3

Há que apoiar e adotar as iniciativas internacionais e europeias destinadas a erradicar a violência contra as mulheres. O CESE pode oferecer um apoio sólido no que diz respeito à Convenção da OIT sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. A Convenção n.o 190 da OIT sobre a Violência e o Assédio, de 2019, deve ser ratificada e aplicada por todos os governos a nível internacional e europeu, bem como pela União Europeia. O CESE congratula-se igualmente com a iniciativa da Comissão de propor, em 2021, medidas para alcançar os objetivos da Convenção de Istambul.

4.3.4

A ciberintimidação (18) é um dos obstáculos que as mulheres enfrentam na participação em atividades em linha e nas redes sociais. O CESE solicitou à Comissão Europeia que reforce o anterior Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital] e assegure o seguimento da iniciativa «Digital4her» (19). A Comissão Europeia deve alinhar estas medidas voluntárias com os quadros legislativos relativos à violência contra as mulheres.

4.3.5

O CESE instou repetidamente a Comissão a atualizar a Recomendação sobre as medidas destinadas a combater eficazmente os conteúdos ilegais em linha e o Código de Conduta sobre discursos ilegais de incitação ao ódio em linha, que foi acordado pela Comissão Europeia e pelas empresas de TI a nível mundial, acrescentando o assédio em linha e o assédio moral às mulheres na definição de discursos ilegais de incitação ao ódio (20).

4.3.6

O CESE propõe a criação de um fundo jurídico de emergência a nível da UE com o objetivo de prestar apoio às organizações da sociedade civil que impugnem nos tribunais a legislação que viola os direitos das mulheres (21).

4.4   Colmatar as disparidades de género

4.4.1

Educação. As disparidades de género no domínio da educação persistem, conduzindo à segregação de género no mercado de trabalho, no emprego e no rendimento, bem como à inadequação das competências (22)(23). Há que adotar medidas específicas destinadas ao sistema de orientação escolar (24). A educação desempenha um papel importante na eliminação de estereótipos e no combate aos preconceitos, desde a escola primária.

4.4.2

As tecnologias e competências digitais e de IA devem ser acessíveis a todos, independentemente do género, da idade ou do contexto socioeconómico. É importante aumentar o número de mulheres e raparigas nos setores da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) e das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a fim de eliminar o fosso digital que está na origem da sua baixa representação e proporcionar mais exemplos de referência no setor digital para ultrapassar os estereótipos, em particular tendo em conta o impacto da emergência atual provocada pela COVID-19.

4.4.3

A promoção do aumento de número de mulheres e raparigas em funções de responsável pelo desenvolvimento de programas TIC pode ajudar a ultrapassar o preconceito de género suscetível de surgir na conceção de uma determinada tecnologia. Por conseguinte, é fundamental assegurar o acesso universal à melhoria de competências em matéria de CTEM, TIC e IA, bem como a proteção laboral das mulheres em risco de perderem o seu posto de trabalho devido ao baixo nível de proficiência nas TIC.

4.4.4

Importa também prestar atenção e adotar medidas específicas tendo em conta a perspetiva de género na educação financeira.

4.4.5

Emprego. As disparidades de género no emprego conduziram a discrepâncias a longo prazo em matéria de rendimentos, acesso ao crédito, salários e pensões, agravando igualmente o risco de as mulheres se encontrarem em situação de pobreza, exclusão social e/ou sem-abrigo. Independentemente da legislação da UE em matéria de igualdade de tratamento no emprego, as disparidades salariais entre homens e mulheres continuam a ser uma das formas mais generalizadas de desigualdade e de discriminação em razão do género.

4.4.6

A negociação coletiva poderia desempenhar um papel importante a este respeito. Todas as medidas deveriam abordar as disparidades de género, a fim de favorecer o acesso à proteção social, melhorar a qualidade do trabalho e aumentar a robustez do mercado de trabalho.

4.4.7

O CESE acolhe com agrado a iniciativa da Comissão relativa a medidas vinculativas em matéria de transparência salarial entre homens e mulheres, que devem ser introduzidas o mais rapidamente possível, e pode desempenhar um papel de liderança na promoção de uma estratégia de integração da perspetiva de género para a igualdade de remuneração. As mulheres representam 70 % de todos os trabalhadores do setor da saúde e da assistência social em 104 países (OMS) e 58,6 % dos trabalhadores do setor dos serviços em todo o mundo (OIT), o que representa um risco para a sua saúde devido à pandemia. O facto de as mulheres estarem maioritariamente presentes em setores mal remunerados e em empregos precários coloca-as na linha da frente em termos de risco de perda de emprego e de problemas de saúde.

4.4.8

Os empregos e as tarefas realizadas nos setores da prestação de cuidados, da limpeza, do comércio e da saúde proporcionam um contributo importante para a sociedade e para a economia, como foi evidenciado também durante a crise da COVID-19. Estes empregos e setores, em que trabalham tradicionalmente muitas mulheres, são muitas vezes mal remunerados, subvalorizados e caracterizados por condições de trabalho precárias. Por conseguinte, é essencial conceder a estas profissões um maior reconhecimento social e o valor económico correspondente, o que contribuiria para reduzir as disparidades salariais e outras disparidades de género, bem como para aumentar o valor económico e social atribuído a estes empregos.

4.4.9

Aumentar o investimento na digitalização do setor público permite uma maior e melhor participação das mulheres e dos homens no mercado de trabalho e pode apoiar as pessoas com responsabilidades familiares, ou que precisam de ajuda para superar os obstáculos relacionados com a burocracia e o acesso aos serviços públicos (25).

4.4.10

As mulheres empresárias continuam a representar apenas uma pequena percentagem do número total de empresários na UE. Facilitar o acesso das mulheres empresárias ao capital de investimento e promover o equilíbrio entre homens e mulheres nos cargos de decisão das instituições financeiras, onde são tomadas as decisões sobre investimentos (26), são medidas que apoiam tanto o empreendedorismo feminino como a igualdade de género.

4.4.11

Prestação de cuidados e conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. As mulheres continuam a assumir a maior parte do trabalho não remunerado, quer se trate de cuidados a crianças ou a idosos ou de tarefas domésticas (27). As medidas de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, quer através da legislação quer de negociações coletivas, podem conciliar melhor as necessidades tanto das mulheres como dos homens, bem como dos trabalhadores que também assumem o papel de cuidadores. A pandemia veio aumentar a carga de trabalho de prestação de cuidados não remunerado, sobretudo num período em que as escolas, as creches e os locais de trabalho estão encerrados devido à quarentena.

4.4.12

O CESE solicita a aplicação da Diretiva Equilíbrio Trabalho-Vida, em particular no que diz respeito às licenças remuneradas, a fim de assegurar que tanto as mulheres como os homens beneficiam do direito a assistência. Além disso, o CESE incentiva os Estados-Membros a envidar mais esforços para alcançar o objetivo atualmente não cumprido de dispor de estruturas formais de acolhimento para 33 % das crianças com menos de três anos e a acrescentar um objetivo para os serviços de acolhimento pós-escolar, a fim de permitir que os pais trabalhem a tempo inteiro se assim o desejarem. A Comissão deve trabalhar em conjunto com os Estados-Membros para assegurar que os objetivos são plenamente atingidos.

4.4.13

O CESE insta os Estados-Membros a utilizar os fundos da UE para aumentar a oferta, a acessibilidade dos preços e a qualidade dos serviços e das infraestruturas de educação e acolhimento na primeira infância.

4.4.14

Importa também aumentar a participação das mulheres com deficiência no mercado de trabalho através da aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD).

4.4.15

Devido ao envelhecimento da população, deve ser dada maior atenção à prestação de cuidados aos idosos na conceção de medidas para a conciliação das necessidades e para alcançar o equilíbrio entre a vida profissional e familiar.

4.4.16

É necessária uma abordagem sistemática das políticas de prestação de cuidados, que inclua outras dimensões políticas (infraestruturas, fiscalidade, transportes, agenda digital, saúde e competências, IA e fundos da UE) em que o diálogo social, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil podem desempenhar um papel de liderança.

4.5   Alcançar a igualdade de género na tomada de decisão

4.5.1

A igualdade de oportunidades em matéria de participação é essencial para a democracia representativa a todos os níveis — europeu, nacional, regional e local. O CESE apoia a igualdade de participação e o equilíbrio entre homens e mulheres na tomada de decisão e na vida política, económica e social, nomeadamente nas estruturas de diálogo social e cívico. São necessárias ações positivas baseadas em medidas legislativas, orçamentais, voluntárias, organizacionais e culturais, a fim de fazer face ao problema da baixa representação e participação das mulheres nos órgãos de decisão.

4.5.2

As disparidades de género no mercado de trabalho também provocam desequilíbrios de género na tomada de decisão. Na UE, os homens são duas vezes mais numerosos do que as mulheres em cargos de direção. As mulheres estão sub-representadas nos cargos de direção em quase todos os setores económicos. É no setor público que a participação nos cargos de direção é mais equilibrada em termos de género (28).

4.5.3

A legislação pode ser útil, mas, por si só, é pouco provável que influencie a cultura e os mecanismos organizacionais. O equilíbrio entre homens e mulheres na tomada de decisão, na vida política, económica e social, também pode ser prosseguido adotando uma abordagem de integração da perspetiva de género, destinada a assegurar condições favoráveis e uma maior sensibilização para as questões de género, a fim de aumentar a participação das mulheres ao nível da tomada de decisão.

4.5.4

O CESE insta o Conselho a prosseguir o debate sobre a diretiva relativa à melhoria do equilíbrio entre homens e mulheres nos conselhos de administração das empresas (29). O Comité insta igualmente as empresas a assumir um papel de liderança e a reforçar significativamente a participação das mulheres em cargos de decisão ao mais alto nível.

4.5.5

O Comité recomendou (30) que se ponderasse a adoção de estratégias e instrumentos eficazes (por exemplo, medidas jurídicas, orçamentais e voluntárias, quotas de género) para alcançar o equilíbrio entre homens e mulheres nos cargos eleitos e de direção nas principais estruturas políticas e propõe que a Comissão continue a apoiar os Estados-Membros na tomada de medidas neste domínio. O Comité reitera o seu apelo (31) para que o Conselho reveja as suas orientações para a nomeação dos membros do CESE por forma a ter em conta a evolução económica, social e demográfica na União.

4.6   Integração da perspetiva de género

4.6.1

A integração da perspetiva de género é a melhor abordagem para integrar a dimensão de género junto de todos os intervenientes e a todos os níveis, mas é necessário melhorar o seu aspeto operacional e a forma como é aplicada.

4.6.2

O CESE apela a um maior empenho em prol da igualdade de género no período de programação 2021-2027. Há que aplicar e avaliar eficazmente as condições favoráveis à igualdade de género, estabelecidas para assegurar a pertinência e a coerência dos programas, projetos e fundos.

4.6.3

O CESE apoia a Estratégia para a Igualdade de Género elaborada pela Comissão e insta-a a recorrer aos mecanismos de coordenação existentes (Comité Consultivo para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens, Grupo de Alto Nível para a Integração da Perspetiva de Género e Grupo de Trabalho para a Igualdade), a fim de acompanhar a aplicação correta da estratégia, comunicar os progressos realizados e facilitar o intercâmbio de abordagens e experiências a nível da UE.

4.7   O género nos meios de comunicação social

4.7.1

O impacto dos meios de comunicação social na igualdade de género foi subestimado durante muito tempo, embora estes contribuam de forma decisiva para moldar a sociedade. O setor dos meios de comunicação social deve assumir um papel de liderança para assegurar que a publicidade tem um impacto positivo e não negativo em termos de representação e promoção da igualdade de género na sociedade.

4.7.2

A fim de melhorar a igualdade de género no setor da comunicação social, é crucial aumentar a participação das mulheres em cargos de decisão ao mais alto nível (32) (33), adotar códigos de conduta e outras medidas (34) (35) para banir o sexismo e os estereótipos e apoiar a integração da perspetiva de género na transformação organizacional do setor da comunicação social e dos conteúdos que disponibiliza.

4.7.3

É importante reconhecer o impacto dos estereótipos de género presentes nos conteúdos mediáticos. O CESE convida o EIGE a incluir uma nova prioridade temática — comunicação social e publicidade — no próximo Índice de Igualdade de Género.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Artigo 2.o do TUE.

(2)  Artigo 8.o do TFUE: «Na realização de todas as suas ações, a União terá por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres.»

(3)  EIGE (2019) «Gender Equality Index 2019 in brief: Still far from the finish line» [Síntese do Índice de Igualdade de Género (2019): ainda longe da meta].

(4)  Comissão Europeia (2019) «New vision for Gender Equality» [Nova visão para a igualdade de género].

(5)  Eurofound (2020) «Gender equality at work» [Igualdade de género no trabalho].

(6)  EIGE (2019) «Beijing +25 policy brief: Area H — Institutional mechanisms for the advancement of women: reduced efforts from Member States» [Documento estratégico Pequim+25: Secção H — Mecanismos institucionais para o progresso das mulheres: esforços reduzidos por parte dos Estados-Membros].

(7)  https://eige.europa.eu/gender-mainstreaming/toolkits/gender-budgeting

(8)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 26, ponto 1.8.

(9)  JO C 110 de 22.3.2019, p. 26, ponto 1.6.

(10)  EIGE, 2017, «The European Pillar of Social Rights as an Opportunity for Gender Equality in the EU» [O Pilar Europeu dos Direitos Sociais como oportunidade para a igualdade de género na UE], p. 6.

(11)  https://ec.europa.eu/info/priorities_pt.

(12)  Artigo 300.o do TFUE.

(13)  A Comissão criou um Grupo de Trabalho para a Igualdade, composto por representantes de todos os serviços da Comissão e do Serviço Europeu para a Ação Externa, a fim de assegurar a aplicação concreta da integração da perspetiva de género ao nível operacional e técnico, para além das principais ações apresentadas na Estratégia para a Igualdade de Género. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/qanda_20_357.

(14)  https://youthforeurope.eu/european-youth-goals-2019-2027/

(15)  JO C 240 de 16.7.2019, p. 3.

(16)  Ver nota de rodapé 15.

(17)  Eurofound (2020), «Gender equality at work» [Igualdade de género no trabalho], Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho de 2015, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo.

(18)  EIGE, (2017) «Gender equality and youth: opportunities and risks of digitalisation — Main report» [A igualdade de género e os jovens: oportunidades e riscos da digitalização — relatório principal].

(19)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 37.

(20)  Ver nota de rodapé 15.

(21)  Ver nota de rodapé 15.

(22)  Fonte: Eurostat; Abandono precoce do ensino e formação (código: SDG_04_10); Participação dos adultos na aprendizagem (código: sdg_04_60); Conclusão do ensino superior (código: sdg_04_20).

(23)  Cedefop (2020), «2020 European Skills Index» [Índice Europeu de Competências de 2020].

(24)  Cedefop (2019), Nota informativa — Mais do que novos postos de trabalho: a inovação digital apoia as carreiras.

(25)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 37, ponto 1.12.

(26)  Eurofound (2019), «Female entrepreneurship: Public and private funding» [Empreendedorismo feminino: financiamento público e privado], Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo.

(27)  EIGE, 2017, «The European Pillar of Social Rights as an Opportunity for Gender Equality in the EU» [O Pilar Europeu dos Direitos Sociais como oportunidade para a igualdade de género na UE], p. 8.

(28)  Eurofound (2018), «Women in management: Underrepresented and overstretched?» [Mulheres em cargos de direção: sub-representadas e sobrecarregadas?], Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo.

(29)  Ver nota de rodapé 15.

(30)  JO C 240 de 16.7.2019, p. 1.

(31)  Ver nota de rodapé 30.

(32)  Índice de Igualdade de Género do EIGE (2019).

(33)  Base de dados de estatísticas de género, EIGE (2020).

(34)  https://eige.europa.eu/gender-mainstreaming/good-practices/denmark/kvinfo-expert-database

(35)  http://www.womeninnews.org/ckfinder/userfiles/files/Gender%20Balance%20Guidebook_FINAL_RGB%20(1).pdf


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 59.o, n.o 3, do Regimento):

1.   Ponto 1.9

Alterar.

1.9

As disparidades salariais entre homens e mulheres continuam a ser uma das principais formas de desigualdade e de discriminação em razão do género, como foi evidenciado ainda mais pela crise da COVID-19. O CESE convida a Comissão a ter em conta as consequências dramáticas da crise da COVID-19 para as empresas, em especial as PME, assim como a ponderar adiar a proposta de ato juridicamente vinculativo e a utilizar esse período para realizar uma consulta adequada dos parceiros sociais. dar seguimento, sem demora, à proposta de introdução de medidas vinculativas em matéria de transparência salarial entre homens e mulheres, e está disposto a O CESE está preparado para desempenhar um papel de liderança na promoção de uma estratégia de integração da perspetiva de género para alcançar a igualdade de remuneração.

Resultado da votação

Votos a favor:

70

Votos contra:

120

Abstenções:

13

2.   Ponto 4.4.7

Alterar.

4.4.7

O CESE acolhe com agrado toma nota da iniciativa da Comissão relativa a medidas vinculativas em matéria de transparência salarial entre homens e mulheres, que devem ser introduzidas o mais rapidamente possível, e podem desempenhar um papel de liderança na promoção de uma estratégia de integração da perspetiva de género para a igualdade de remuneração. O CESE convida a Comissão a ter em conta as consequências dramáticas da crise da COVID-19 para as empresas, em especial as PME, assim como a ponderar adiar a proposta de ato juridicamente vinculativo e a utilizar esse período para realizar uma consulta adequada dos parceiros sociais. As mulheres representam 70 % de todos os trabalhadores do setor da saúde e da assistência social em 104 países (OMS) e 58,6 % dos trabalhadores do setor dos serviços em todo o mundo (OIT), o que representa um risco para a sua saúde devido à pandemia. O facto de as mulheres estarem maioritariamente presentes em setores mal remunerados e em empregos precários coloca-as na linha da frente em termos de risco de perda de emprego e de problemas de saúde.

Resultado da votação

Votos a favor:

70

Votos contra:

121

Abstenções:

12

3.   Ponto 4.4.8

Alterar.

4.4.8

Os empregos e as tarefas realizadas nos setores da prestação de cuidados, da limpeza, do comércio e da saúde proporcionam um contributo importante para a sociedade e para a economia, como foi evidenciado também durante a crise da COVID-19. Nesses Estes empregos e setores, em que trabalham tradicionalmente muitas mulheres, a crise da COVID-19 pode ter eventualmente um impacto negativo nas suas condições de trabalho são muitas vezes mal remunerados, subvalorizados e caracterizados por condições de trabalho precárias. Por conseguinte, é essencial conceder a estas profissões um maior reconhecimento social e o valor económico correspondente, o que contribuiria para reduzir as disparidades salariais e outras disparidades de género, bem como para aumentar o valor económico e social atribuído a estes empregos.

Resultado da votação

Votos a favor:

68

Votos contra:

121

Abstenções:

13


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/87


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Livro Branco sobre a inteligência artificial — Uma abordagem europeia virada para a excelência e a confiança

[COM(2020) 65 final]

(2020/C 364/12)

Relatora:

Catelijne MULLER

Consulta

Comissão, 9.3.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

25.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

207/0/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) saúda a Comissão pela sua estratégia, apresentada no Livro Branco sobre a inteligência artificial, que visa incentivar a adoção de tecnologias de inteligência artificial (IA), assegurando, simultaneamente, a sua conformidade com as normas éticas, os requisitos legais e os valores sociais europeus.

1.2.

O CESE saúda igualmente o objetivo de tirar partido dos pontos fortes da Europa nos mercados industriais e profissionais e salienta a importância de reforçar o investimento, as infraestruturas, a inovação e as competências, de modo que as empresas, incluindo as PME, e a sociedade no seu conjunto possam aproveitar as oportunidades em matéria de IA. A inovação no domínio da IA deve ser fomentada no sentido de maximizar os benefícios dos sistemas de IA e, ao mesmo tempo, prevenir e minimizar os seus riscos.

1.3.

No entanto, o CESE considera que colocar a ênfase numa IA baseada apenas em dados não é suficiente para fazer da União Europeia (UE) um verdadeiro líder no contexto de uma IA inovadora, fiável e competitiva. O CESE exorta a Comissão a promover igualmente uma nova geração de sistemas de IA baseados no conhecimento e no raciocínio e que respeitem os valores e princípios humanos.

1.4.

O CESE exorta a Comissão a: i) promover a multidisciplinaridade na investigação, incluindo disciplinas como o direito, a ética, a filosofia, a psicologia, as ciências do trabalho, as ciências humanas, a economia, etc.; ii) integrar as partes interessadas pertinentes (sindicatos, organizações profissionais, empresariais e de consumidores e organizações não governamentais) no debate sobre a IA e enquanto parceiros de pleno direito na investigação financiada pela UE e noutros projetos, como a parceria público-privada no domínio da IA, os diálogos setoriais, o programa «Adoção de IA» no setor público e o centro-farol; e iii) continuar a educar e a informar os cidadãos em geral sobre as oportunidades e os desafios em matéria de IA.

1.5.

O CESE exorta a Comissão a analisar de forma mais aprofundada o impacto da IA em todos os direitos e liberdades fundamentais, incluindo — entre outros — o direito a um processo judicial equitativo, o direito a eleições justas e abertas, o direito de reunião e de manifestação, bem como o direito à não discriminação.

1.6.

O CESE continua a opor-se a qualquer forma de personalidade jurídica para a IA, o que comprometeria o efeito preventivo e corretivo da responsabilidade civil, criaria um importante risco moral no desenvolvimento e na utilização da IA e abriria a porta a utilizações abusivas.

1.7.

O CESE solicita uma abordagem sociotécnica contínua e sistemática, que analise a tecnologia de todos os pontos de vista e sob diversos prismas, em vez de se limitar a uma avaliação de conformidade prévia da IA de alto risco realizada uma única vez (ou mesmo periodicamente).

1.8.

O CESE adverte que o critério do «setor de alto risco» poderá deixar de fora muitas aplicações e utilizações de IA que são intrinsecamente de alto risco, além do reconhecimento biométrico e da IA utilizada para fins de recrutamento. O CESE recomenda que a Comissão elabore uma lista de características comuns de aplicações ou utilizações de IA consideradas como intrinsecamente de alto risco, independentemente do setor.

1.9.

O CESE recomenda vivamente que a utilização do reconhecimento biométrico apenas seja autorizada i) se existir um efeito cientificamente comprovado, ii) em ambientes controlados e iii) em condições estritas. A utilização generalizada do reconhecimento biométrico baseado na IA para efeitos de vigilância ou de seguimento, avaliação ou categorização de seres humanos ou dos seus comportamentos e emoções deve ser proibida.

1.10.

O CESE defende que os parceiros sociais devem ser associados precocemente e de perto à introdução de sistemas de IA no local de trabalho, em conformidade com a regulamentação e as práticas nacionais aplicáveis, a fim de assegurar que os sistemas são funcionais e respeitam as condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores.

1.11.

O CESE defende igualmente uma participação precoce e estreita dos trabalhadores que, em última instância, trabalharão com o sistema de IA, bem como dos trabalhadores com conhecimentos especializados em questões jurídicas, éticas e humanas, quando da introdução de sistemas de IA, a fim de assegurar que os sistemas estão em consonância com a legislação e os requisitos éticos, mas também com as necessidades dos trabalhadores, de modo que os trabalhadores conservem a autonomia no seu trabalho e que os sistemas de IA reforcem as competências e a satisfação dos trabalhadores.

1.12.

As técnicas e abordagens de IA utilizadas para combater a pandemia de COVID-19 devem ser robustas, eficazes, transparentes e explicáveis. Além disso, devem respeitar os direitos humanos, os princípios éticos e a legislação em vigor, bem como ser equitativas, inclusivas e voluntárias.

1.13.

O CESE insta a Comissão a assumir um papel de liderança, de modo a assegurar uma coordenação mais eficaz a nível europeu das soluções e abordagens de IA utilizadas para combater a pandemia de COVID-19.

2.   Livro Branco da UE sobre a IA

2.1.

O CESE observa com agrado que a Comissão Europeia adotou muitas das recomendações formuladas pelo CESE em pareceres anteriores e pelo Grupo de Peritos de Alto Nível em Inteligência Artificial, incentivando a adoção de tecnologias de IA e assegurando simultaneamente a sua conformidade com as normas éticas, os requisitos legais e os valores sociais europeus, com base no que designa por «ecossistema de excelência e de confiança».

2.2.

O CESE congratula-se com as propostas destinadas às empresas, incluindo as PME, e à sociedade no seu conjunto para que aproveitem as oportunidades ligadas ao desenvolvimento e à utilização da IA. O CESE salienta a importância de reforçar o investimento, as infraestruturas, a inovação e as competências com vista a melhorar o sucesso competitivo da UE ao nível mundial.

Abordagem de detenção do controlo por humanos

2.3.

O tom do Livro Branco é, todavia, ligeiramente «fatalista», sugerindo que a IA nos ultrapassa e não nos deixa outra alternativa a não ser regulamentar a sua utilização. O CESE manifesta plena convicção no compromisso da UE de assegurar que a Europa só aceita a IA digna de confiança, pelo que deve ousar adotar uma posição muito mais firme neste contexto. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a salvaguardar, em permanência, a opção de, a qualquer momento, recusar um determinado tipo de (utilização de) IA. Trata-se da abordagem que o CESE tem vindo a designar por «detenção do controlo por humanos» em matéria de IA, que é necessário cultivar.

Tirar partido da IA na Europa — uma definição orientada para o futuro

2.4.

O Livro Branco apresenta uma definição funcional da IA como «um conjunto de tecnologias que combinam dados, algoritmos e capacidade computacional». No mesmo documento, os dados e os algoritmos são definidos como os principais elementos da IA. Contudo, esta definição abrangeria qualquer código de software alguma vez criado, e não apenas a IA. Ainda não existe uma definição universalmente aceite de IA, que é um termo genérico que designa uma série de aplicações informáticas.

2.5.

O enfoque limitado do Livro Branco numa IA baseada em dados não é suficiente para que a UE assuma a liderança no contexto de uma IA inovadora, fiável e competitiva. O Livro Branco não abrange diversos sistemas de IA prometedores, impedindo assim a sua governação e regulamentação. O CESE insta a Comissão a promover igualmente uma nova geração de sistemas de IA que associam abordagens baseadas em dados a abordagens baseadas no conhecimento e no raciocínio — os chamados sistemas híbridos. O Livro Branco reconhece, efetivamente, a necessidade de sistemas híbridos para efeitos de explicabilidade, mas estes sistemas têm outras vantagens: podem acelerar e/ou limitar a aprendizagem, bem como validar e verificar o modelo de aprendizagem automática.

2.6.

O Livro Branco centra-se apenas na distorção relacionada com os dados, mas nem todas as distorções resultam de uma quantidade ou qualidade insuficiente dos dados. A conceção de qualquer produto é, em si mesma, o resultado de um conjunto de escolhas subjetivas, desde as fontes utilizadas aos objetivos definidos de otimização. Todas estas escolhas são, de uma forma ou de outra, motivadas pelos preconceitos inerentes das pessoas responsáveis por elas.

2.7.

No entanto, o mais importante é ter presente que os sistemas de IA não são apenas a soma dos seus componentes de software. Estes sistemas fazem igualmente parte do sistema sociotécnico que os envolve. Por conseguinte, ao analisar a governação e a regulamentação da IA, devem igualmente ter-se em conta as estruturas sociais envolventes: as organizações e as empresas, as diversas profissões e as pessoas e instituições que criam, desenvolvem, implantam, utilizam e controlam a IA, bem como as pessoas por ela afetadas, nomeadamente os cidadãos nas suas interações com o Estado, as empresas, os consumidores, os trabalhadores e a sociedade em geral.

2.8.

Importa igualmente assinalar que as definições legais (para efeitos de governação e regulamentação) diferem das definições estritamente científicas, na medida em que aplicam requisitos distintos, como a inclusão, a precisão, a permanência, a exaustividade e a aplicabilidade. Alguns destes requisitos são juridicamente vinculativos e outros são tratados como boas práticas regulamentares.

Unir todas as forças

2.9.

O CESE saúda os esforços para combater a fragmentação da IA na Europa, reunindo investigadores no domínio da IA, centrando-se nas PME e criando parcerias com os setores privado e público. Além disso, recomenda as seguintes medidas: i) promover a multidisciplinaridade na investigação, incluindo disciplinas como o direito, a ética, a filosofia, a psicologia, as ciências do trabalho, as ciências humanas, a economia, etc.; ii) integrar as partes interessadas pertinentes (sindicatos, organizações empresariais e de consumidores e organizações não governamentais) no debate sobre a IA e enquanto parceiros de pleno direito na investigação financiada pela UE e noutros projetos, como a parceria público-privada em matéria de IA, os diálogos setoriais, o programa «Adoção de IA» no setor público e o centro-farol; e iii) continuar a educar e a informar os cidadãos em geral sobre as oportunidades e os desafios em matéria de IA.

A inteligência artificial e o direito

2.10.

O Livro Branco reconhece que a IA não opera à margem da lei. O CESE saúda, em particular, a tónica colocada nas implicações da IA para os direitos fundamentais e recomenda que a Comissão analise de forma mais aprofundada o impacto da IA num amplo conjunto de direitos e liberdades fundamentais, como a liberdade de opinião e de expressão e o direito ao respeito pela vida privada (que vai muito além da proteção dos dados pessoais), o direito a um processo judicial equitativo, o direito a eleições justas e abertas e o direito de reunião e de manifestação, bem como o direito à não discriminação.

2.11.

O CESE congratula-se com a posição clara assumida no Livro Branco em relação à aplicabilidade dos atuais regimes de responsabilidade à IA e com os esforços no sentido de desenvolver esses regimes para dar resposta aos novos riscos que a IA pode criar, colmatando lacunas de execução nos casos em que é difícil determinar o operador económico efetivamente responsável e tornando os regimes adaptáveis à constante evolução dos sistemas de IA.

2.12.

A Comissão deve igualmente reconhecer que a IA não conhece fronteiras e que os esforços não podem nem devem limitar-se à Europa. Deve alcançar-se um consenso geral a nível mundial, com base em debates e na investigação realizada por peritos jurídicos, de forma a estabelecer um quadro jurídico internacional comum.

2.13.

Em todo o caso, o CESE continua a opor-se veementemente a qualquer forma de personalidade jurídica para a IA, o que comprometeria o efeito preventivo e corretivo da responsabilidade civil, criaria um importante risco moral no desenvolvimento e na utilização da IA e abriria a porta a utilizações abusivas.

Regulamentação da IA de alto risco

2.14.

O CESE congratula-se com a abordagem baseada no risco para controlar o impacto da IA. A Comissão anuncia um quadro regulamentar para a «IA de alto risco», sujeitando-a a requisitos de robustez, exatidão, reprodutibilidade, transparência, supervisão humana e governação dos dados. Segundo o Livro Branco, a IA de alto risco implica a presença de dois elementos cumulativos: i) um setor de alto risco e ii) uma utilização de alto risco de uma aplicação de IA. O Livro Branco acrescenta dois exemplos de aplicações ou utilizações de IA que podem ser consideradas como intrinsecamente de alto risco, ou seja, independentemente do setor. Além disso, qualifica o reconhecimento biométrico como uma aplicação intrinsecamente de alto risco. A lista exaustiva de setores de alto risco (embora periodicamente revista) identifica, atualmente, os seguintes setores como sendo de alto risco: cuidados de saúde, transportes, energia e partes do setor público.

2.15.

O segundo critério — a saber, uma utilização de risco de uma aplicação de IA — é mais vago, o que sugere que poderão ser considerados diferentes níveis de risco. O CESE propõe que a sociedade e o ambiente sejam acrescentados como áreas de impacto a este respeito.

2.16.

Seguindo a lógica do Livro Branco, uma aplicação de IA de alto risco utilizada num setor de baixo risco não será, em princípio, abrangida pelo quadro regulamentar. O CESE salienta que a utilização de uma IA de alto risco, com efeitos negativos indesejáveis, num setor de baixo risco pode permitir que algumas aplicações ou utilizações de IA escapem à regulamentação, criando uma lacuna que permite contornar as regras: por exemplo, a publicidade direcionada (um setor de baixo risco), que comprovadamente pode ter efeitos de segregação, discriminação e polarização, nomeadamente em períodos eleitorais ou em matéria de personalização dos preços (uma utilização ou efeito de alto risco). O CESE recomenda que se elenquem as aplicações ou utilizações de IA que devem ser consideradas como intrinsecamente de alto risco, independentemente do setor em questão.

2.17.

O CESE reconhece a necessidade de testes de conformidade da IA, mas receia que uma avaliação de conformidade prévia realizada uma única vez (ou mesmo periodicamente) não seja suficiente para garantir o desenvolvimento, a implantação e a utilização da IA de forma sustentável, fiável e centrada no ser humano. Uma IA fiável requer uma abordagem sociotécnica contínua e sistemática, que analise a tecnologia de todos os pontos de vista e sob vários prismas. No contexto da elaboração de políticas, tal exige uma abordagem multidisciplinar no âmbito da qual decisores políticos, académicos de diversas áreas, parceiros sociais, organizações profissionais, trabalhadores, empresas e organizações não governamentais cooperam de forma contínua. Em particular no caso de serviços de interesse público relacionados com a saúde, a segurança e o bem-estar das pessoas e baseados na confiança, cumpre assegurar que os sistemas de IA estão adaptados aos requisitos práticos e não podem suplantar a responsabilidade humana.

Reconhecimento biométrico

2.18.

O CESE saúda a intenção da Comissão de abrir um debate público sobre a utilização do reconhecimento biométrico baseado na IA. O reconhecimento biométrico de microexpressões, forma de caminhar, (tom de) voz, frequência cardíaca, temperatura, etc., já é utilizado para avaliar, ou mesmo prever, o comportamento, o estado mental e as emoções das pessoas, incluindo em processos de recrutamento. Deve ficar muito claro que não existem provas científicas sólidas de que seja possível «ler» com precisão as emoções ou o estado mental de uma pessoa através da expressão facial, da forma de caminhar, da frequência cardíaca, do tom de voz ou da temperatura e, muito menos, prever desta forma o seu comportamento futuro.

2.19.

Importa assinalar igualmente que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados limita apenas parcialmente o tratamento de dados biométricos. O regulamento define dados biométricos como «dados pessoais resultantes de um tratamento técnico específico relativo às características físicas, fisiológicas ou comportamentais de uma pessoa singular que permitam ou confirmem a identificação única dessa pessoa singular». Contudo, muitas tecnologias de reconhecimento biométrico não se destinam apenas à identificação das pessoas, mas também à avaliação do seu comportamento ou das suas emoções. Estas utilizações podem não se enquadrar na definição de (tratamento) de dados biométricos ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

2.20.

O reconhecimento biométrico baseado na IA também afeta o nosso direito geral ao respeito pela vida privada, à identidade, à autonomia e à integridade psicológica, criando uma situação em que somos (permanentemente) observados, seguidos e identificados. Esta situação pode ter um «efeito inibidor» a nível psicológico, que pode levar as pessoas a ajustarem o seu comportamento a uma determinada norma. Tal é contrário ao nosso direito fundamental à privacidade (integridade moral e psicológica). Além disso, o reconhecimento biométrico baseado na IA pode afetar outros direitos e liberdades fundamentais, como a liberdade de reunião e o direito à não discriminação.

2.21.

O CESE recomenda que a utilização do reconhecimento biométrico apenas seja permitida se existir um efeito cientificamente comprovado, em ambientes controlados e em condições estritas. A utilização generalizada do reconhecimento biométrico baseado na IA para efeitos de vigilância, localização, avaliação ou categorização de seres humanos ou dos seus comportamentos ou emoções não deve ser permitida.

Impacto da IA no trabalho e nas competências

2.22.

O CESE observa que o Livro Branco carece de uma estratégia para fazer face ao impacto da IA no trabalho, apesar de este elemento ser explicitamente mencionado na Estratégia Europeia para a Inteligência Artificial, de 2018.

2.23.

O CESE defende que os trabalhadores e os prestadores de serviços de todos os tipos, incluindo trabalhadores independentes, por conta própria e pontuais, devem ser associados precocemente e de perto — não apenas os que concebem ou desenvolvem IA, mas também os que adquirem, implantam e trabalham com sistemas de IA ou são afetados por tais sistemas. O diálogo social deve realizar-se previamente à introdução de tecnologias de IA no local de trabalho, em conformidade com a regulamentação e as práticas nacionais aplicáveis. No local de trabalho, o acesso aos dados dos trabalhadores e a governação desses dados devem pautar-se pelos princípios e normas negociados pelos parceiros sociais.

2.24.

O CESE chama a atenção, em particular, para a IA utilizada na contratação, no despedimento e nos processos de avaliação e notação dos trabalhadores. O Livro Branco menciona a IA utilizada no recrutamento como um exemplo de aplicação de alto risco que estaria sempre sujeita a regulamentação, independentemente do setor. O CESE recomenda o alargamento do âmbito de aplicação no sentido de incluir a IA utilizada para fins de despedimento, avaliação e notação dos trabalhadores, bem como uma análise das características comuns das aplicações de IA que impliquem uma utilização de alto risco no local de trabalho, independentemente do setor. As aplicações de IA que não têm uma base científica, como a deteção de emoções por reconhecimento biométrico, não devem ser permitidas no local de trabalho.

2.25.

A manutenção ou aprendizagem de competências em matéria de IA é necessária para permitir que as pessoas se adaptem à rápida evolução no domínio da IA. No entanto, os recursos políticos e financeiros deverão igualmente ser orientados para a educação e o desenvolvimento de competências em domínios que não são ameaçados por sistemas de IA (por exemplo, tarefas para as quais a interação humana é essencial, como serviços públicos no domínio da saúde, da segurança e do bem-estar e baseados na confiança, no âmbito dos quais seres humanos e máquinas trabalham em conjunto, ou tarefas que desejamos que sejam executadas por seres humanos).

3.   Inteligência artificial e coronavírus

3.1.

A IA pode contribuir para uma melhor compreensão do novo coronavírus e da COVID-19, bem como para a proteção das pessoas contra a exposição ao vírus, o desenvolvimento de uma vacina e a avaliação de opções terapêuticas, mas continua a ser importante manter a abertura e a clareza a respeito do que a IA pode ou não fazer.

3.2.

Robustez e eficácia: a IA baseada em dados para prever a propagação do novo coronavírus pode ser problemática, uma vez que os dados sobre o vírus são demasiado escassos para permitir que a IA produza resultados fiáveis. Além disso, os escassos dados entretanto disponibilizados são incompletos e subjetivos. A utilização destes dados em abordagens de aprendizagem automática pode conduzir a muitos falsos negativos e falsos positivos.

3.3.

A transparência dos dados e modelos utilizados, bem como a explicabilidade dos resultados, são fundamentais. Neste período, em particular, o mundo não pode correr o risco de tomar decisões baseadas em «caixas negras».

3.4.

No contexto da utilização da IA para combater esta pandemia, o respeito pelos direitos humanos, pelos princípios éticos e pela legislação existente é mais importante do que nunca. Principalmente nos casos em que as ferramentas de IA podem ser contrárias aos direitos humanos, a sua utilização deve ter um interesse legítimo e ser estritamente necessária, proporcionada e, acima de tudo, limitada no tempo.

3.5.

Por último, é necessário assegurar a equidade e a inclusão. Os sistemas de IA que estão a ser desenvolvidos para combater a pandemia não devem estar sujeitos a preconceitos nem ser discriminatórios. Além disso, devem estar disponíveis para todos e ter em consideração as diferenças sociais e culturais dos diferentes países em questão.

Aplicações de seguimento e rastreio e de vigilância da saúde

3.6.

De acordo com os virólogos e epidemiologistas, a abertura da sociedade e da economia na sequência do período de confinamento exige eficácia no seguimento, no rastreio, no controlo e na proteção da saúde das pessoas. Atualmente, estão a ser desenvolvidas diversas aplicações para fins de seguimento, rastreio e verificação do estado de saúde, atividades normalmente (e historicamente) realizadas por profissionais. Muitos governos em todo o mundo depositaram grande confiança nas aplicações de seguimento e rastreio como forma de reabrir as sociedades.

3.7.

A implantação deste tipo de aplicações constitui um passo muito radical. Por conseguinte, é importante examinar de forma crítica a utilidade, a necessidade e a eficácia das aplicações, bem como o seu impacto social e jurídico, antes de decidir utilizá-las. Deve salvaguardar-se a opção de não utilizar as aplicações e dar-se prioridade a soluções menos invasivas.

3.8.

A eficácia e fiabilidade das aplicações de seguimento e rastreio são um aspeto extremamente importante, uma vez que estas aplicações, se forem ineficazes e pouco fiáveis, podem conduzir a muitos falsos positivos e falsos negativos, a um sentimento ilusório de segurança e, consequentemente, a um maior risco de contaminação. As simulações científicas iniciais levantam sérias dúvidas quanto à capacidade de uma aplicação de seguimento ter qualquer efeito positivo na propagação do vírus, mesmo com uma utilização de 80 % ou 90 %. Além disso, uma aplicação não consegue registar circunstâncias específicas, como a presença de divisórias e janelas ou o uso de equipamentos de proteção individual.

3.9.

Acresce ainda que estas aplicações conduzem a uma suspensão (parcial) de vários direitos humanos e liberdades, uma vez que interferem com a liberdade de associação e o direito à segurança, à não discriminação e à privacidade.

3.10.

Embora sejam muito importantes, os nossos dados pessoais e o anonimato não são os únicos elementos da nossa privacidade, que também inclui o direito de não ser seguido, localizado e colocado sob vigilância. Está cientificamente provado que as pessoas se comportam de maneira diferente quando sabem que estão a ser seguidas. Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, este «efeito inibidor» constitui uma invasão da privacidade. O mesmo conceito alargado de privacidade deve ser incluído no debate sobre a IA.

3.11.

Corre-se o risco de os dados recolhidos (agora ou no futuro) serem utilizados não apenas para combater a atual pandemia, mas também para estabelecer perfis, categorias e classificações das pessoas para diferentes finalidades. Num futuro mais distante, é concebível que o «desvirtuamento da função» possa conduzir a formas indesejadas de definição de perfis para fins de supervisão e vigilância, concessão de seguros ou de prestações sociais, contratação ou despedimento, etc. Por conseguinte, os dados recolhidos por tais aplicações não poderão, em circunstância alguma, ser utilizados para fins de definição de perfis, atribuição de graus de risco, classificação ou previsão.

3.12.

Além disso, quer queiramos quer não, qualquer solução de IA implantada nestas circunstâncias extraordinárias, mesmo com a melhor das intenções, criará um precedente. Em crises anteriores ficou demonstrado que, apesar das boas intenções, as medidas deste tipo, na prática, nunca desaparecem.

3.13.

Por conseguinte, a utilização da IA durante esta pandemia deve ser sempre analisada e ponderada com base em várias considerações, nomeadamente: i) É eficaz e fiável? ii) Existem soluções menos invasivas? iii) Os seus benefícios sobrepõem-se a preocupações de ordem social e ética e em matéria de direitos fundamentais? iv) É possível alcançar um compromisso responsável em caso de conflito entre direitos e liberdades fundamentais? Além disso, estes tipos de sistemas não podem ser implantados sob qualquer forma de obrigação ou coação.

3.14.

O CESE insta os responsáveis políticos a não cederem com demasiada facilidade a soluções tecnológicas. Tendo em conta a gravidade da situação, o CESE recomenda que as aplicações ligadas a projetos que visam ajudar a controlar a pandemia se baseiem em investigação de qualidade nos domínios da epidemiologia, da sociologia, da psicologia, do direito, da ética e das ciências dos sistemas. Antes de tomar decisões sobre a utilização destes sistemas, é igualmente necessário realizar análises e simulações da sua eficácia, necessidade e sensibilidade.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/94


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um novo Plano de Ação para a Economia Circular — Para uma Europa mais limpa e competitiva

[COM(2020) 98 final]

(2020/C 364/13)

Relator:

Antonello PEZZINI

Correlator:

Cillian LOHAN

Consulta

Comissão Europeia, 22.4.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

25.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

215/2/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está convicto de que a sustentabilidade é um dos pilares do desenvolvimento da Europa do futuro, mediante uma transição inteligente e participativa, assente num modelo de economia circular.

1.2

A transição para uma abordagem circular da economia europeia não pode ser dissociada do contexto socioeconómico no qual tem de se desenvolver presentemente, mas os desafios colocados pela crise sanitária devem transformar-se numa oportunidade de renascimento, assente em novas bases e com as condições necessárias para acelerar a adoção do novo modelo circular.

1.3

A nova abordagem subjacente à economia circular constitui uma oportunidade de introduzir mais rapidamente o conceito de riqueza das entidades territoriais, assente em novos critérios, ou seja ir para além do PIB (1).

1.4

É necessário dar mais ênfase à disseminação de uma «cultura circular» através da educação, da criação de capacidades e de uma maior responsabilidade, a fim de incentivar as pessoas a adaptarem e a alterarem os seus hábitos e comportamentos quotidianos.

1.5

A Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular deve ser reforçada e poderia apoiar diversas iniciativas políticas com vista a contribuir para a promoção da transição para a circularidade.

1.6

O Comité congratula-se com as propostas do Plano de Ação para a Economia Circular e considera que as medidas de transição devem ser tidas em devida conta aquando da elaboração dos planos de reconstrução económica e social após a situação devastadora provocada pela COVID-19.

1.7

É essencial reconhecer que há uma complementaridade entre as alterações climáticas, as políticas em matéria de economia circular e a responsabilidade social das empresas. Importa também destacar a natureza circular da energia proveniente de fontes renováveis, em particular nos setores dos edifícios e dos transportes, sem esquecer o apoio aos processos agrícolas e ao sistema alimentar, a fim de reduzir os resíduos.

1.8

O CESE considera que o pacto para as competências e o emprego proposto no âmbito do Fundo Social Europeu Mais constitui uma excelente oportunidade para executar os programas previstos.

1.9

Há que continuar a generalizar a conceção ecológica, favorecendo a durabilidade dos produtos e a recuperação programada de componentes, para estimular um mercado dinâmico de matérias-primas secundárias, aliando-lhe disposições juridicamente vinculativas, que imponham um teor de materiais reciclados obrigatório e o rastreamento digital.

1.10

A Comissão deveria, em concertação com os setores visados, adotar, tal como o fez para os «produtos que consomem energia», atos delegados que determinem as características dos novos produtos suscetíveis de serem aproveitados para a fabricação de outros produtos.

1.11

O processo de normalização técnica dos produtos sustentáveis, a começar pelos setores com utilização intensiva de recursos, deve desempenhar um papel particularmente importante no âmbito do sistema de «qualidade e conformidade», recorrendo à avaliação da conformidade, bem como a uma utilização mais alargada dos contratos públicos ecológicos e da certificação de matérias-primas secundárias.

1.11.1

Os organismos nacionais de normalização, em colaboração com os organismos europeus (2), devem elaborar, quanto antes, boas práticas de referência (3) e normas harmonizadas para facilitar a transição para a nova economia da funcionalidade.

1.12

A implementação da economia circular na prática exigirá uma colaboração estreita entre as partes interessadas e o CESE solicita políticas claras e apoios financeiros, especialmente no domínio da publicidade, para que esta perca o seu pendor marcadamente consumista e passe a privilegiar, sem renunciar às regras do mercado livre, aspetos como a durabilidade dos produtos e a possibilidade de reutilização.

1.13

O CESE considera que é fundamental informar melhor os consumidores e disponibilizar-lhes dados sobre a gestão dos produtos, a rastreabilidade e a transparência, recorrendo, nomeadamente, a especificações para os produtos e às tecnologias digitais, com vista a permitir o fluxo de informações sobre a composição e as possibilidades de reparação.

1.14

O CESE entende que se deveria promover, através de programas europeus, a realização de testes concretos sobre os processos da economia circular em diversos setores de um número significativo de cidades europeias, polos agroalimentares e zonas rurais, a fim de acumular uma experiência significativa nas cadeias de produção e de consumo, sob a forma de boas práticas.

1.15

O CESE considera que os intervenientes, públicos e privados, no terreno devem dispor de grande margem de atuação, para que possam desempenhar um papel crucial no aproveitamento de novas oportunidades, estabelecendo parcerias público-privadas e elaborando exemplos em matéria de «responsabilidade social territorial» (4) e de responsabilidade social das empresas, assentes nos princípios da circularidade colaborativa.

1.16

Por último, o CESE solicita que todas as medidas propostas sejam sujeitas a avaliações de impacto adequadas, que tenham em conta as implicações ambientais, sociais e económicas.

2.   Contexto socioeconómico rumo a uma economia circular europeia

2.1

As empresas e os consumidores estão cada vez mais cientes dos danos causados ao desenvolvimento sustentável pelos modelos económicos lineares que têm sido adotados até à data. Estes modelos caracterizam-se por um elevado consumo de materiais e de recursos, pela utilização de técnicas de obsolescência programada e pelo incentivo à aquisição constante de produtos novos.

2.2

Em 2019, foram extraídos e transformados mais de 92 mil milhões de toneladas de materiais, o que contribuiu para cerca de metade das emissões globais de CO2 (5), criando grandes problemas para o ambiente e para a saúde humana.

2.2.1

A extração e a transformação dos recursos estão na origem de mais de 90 % da perda global de biodiversidade (6).

2.2.2

Cerca de 20 % das emissões de gases com efeito de estufa são causadas pela extração e transformação de metais e minerais não metálicos (7).

2.2.3

Além disso, a UE é obrigada a importar, a um custo considerável, a maior parte das suas necessidades de matérias-primas.

2.3

A economia circular, que promove:

a responsabilidade social e ambiental das empresas,

novos postos de trabalho locais de qualidade,

a eliminação dos resíduos,

a utilização contínua e segura dos recursos naturais,

a circularidade do sistema de conceção, produção, distribuição e consumo, e

a reciclagem e reutilização dos resíduos no fim do seu ciclo de vida,

pode desenvolver uma economia da funcionalidade, capaz de proporcionar benefícios significativos à sociedade.

2.4

Atualmente, apenas 8,6 % das atividades mundiais seguem uma abordagem circular. No entanto, a transição para este modelo exige uma cooperação estreita entre o setor público e o setor privado.

2.5

A transição para uma abordagem circular da economia europeia não pode ser dissociada do contexto socioeconómico no qual tem de se desenvolver presentemente, num momento em que a pandemia provocada pelo coronavírus desencadeou a pior recessão económica desde a Grande Depressão de 1929.

2.5.1

Em resultado da COVID-19, as empresas enfrentam perdas de receitas e interrompem as cadeias de abastecimento, ao mesmo tempo que o encerramento das fábricas e o desemprego se generalizam.

2.6

A conjugação dos três riscos atuais — pandemia incontrolada, medidas de política económica insuficientes e um evento geopolítico totalmente imprevisível (o «cisne negro») — pode empurrar a economia mundial para uma depressão persistente, justamente na altura em que todos os intervenientes da sociedade europeia se estão a consciencializar de que um desenvolvimento económico sustentável requer medidas que visem simultaneamente a dimensão tecnológica, um aumento da produtividade e uma utilização mais eficiente dos recursos.

2.7

Por outro lado, os desafios que o planeta enfrenta podem transformar-se numa excelente oportunidade para dar um novo impulso ao desenvolvimento sustentável, partindo de novas bases capazes de criar as condições necessárias para acelerar a adoção do novo modelo circular.

2.8

O CESE pronunciou-se em várias ocasiões sobre a necessidade de um crescimento sustentável e inclusivo. Lançou, em conjunto com a Comissão Europeia, a Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular (8), tendo salientado que «[apesar] dos êxitos alcançados até à data, a realização da economia circular enfrenta obstáculos manifestos».

2.9

Tal como reiterado pelo Grupo de Coordenação da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, a transição para uma economia inclusiva, com impacto neutro no clima e circular tem de começar agora (9).

2.10

Em 6 de abril de 2020, o CESE adotou uma declaração conjunta, sublinhando que, neste período de grande incerteza, só um plano global de relançamento da economia europeia permitirá enfrentar as consequências da pandemia de COVID-19 e reconstruir uma economia europeia mais sustentável.

3.   A proposta da Comissão Europeia

3.1

O novo Plano de Ação para a Economia Circular prevê uma série de novas iniciativas que abrangem todo o ciclo de vida dos produtos desde a conceção, para permitir que os cidadãos e as empresas participem plenamente na economia circular.

3.2

No quadro da estratégia industrial da UE, o plano propõe uma série de medidas que visam:

assegurar que os produtos sustentáveis passam a ser a norma na União, mediante um ato legislativo relativo à estratégia para os produtos sustentáveis, a fim de garantir que os produtos colocados no mercado da UE são concebidos para durar mais tempo;

capacitar os consumidores, assegurando que estes beneficiam de um acesso a informações fiáveis, bem como de um verdadeiro «direito à reparação»;

concentrar a atenção nos setores que utilizam mais recursos e que têm um elevado potencial de circularidade, tais como:

eletrónica e TIC: iniciativa para uma economia circular no domínio da eletrónica;

baterias e veículos: novo quadro regulamentar para as baterias;

embalagens: novas disposições vinculativas que definem o que é permitido no mercado da UE;

plásticos: novas disposições vinculativas quanto ao teor de materiais reciclados;

têxteis: uma nova estratégia da UE para reforçar a competitividade e a inovação no setor;

construção e edifícios: uma estratégia para a sustentabilidade do ambiente construído;

alimentos: uma nova iniciativa legislativa sobre a reutilização, tendo em vista substituir, nos serviços alimentares, as embalagens e os artefactos para serviço de mesa;

reduzir os resíduos: evitar a produção de resíduos e transformá-los em recursos secundários de qualidade;

colocar a circularidade ao serviço das pessoas, das regiões e das cidades;

reforçar o papel da normalização;

medidas transversais: circularidade como pré-requisito da neutralidade climática;

medidas a nível mundial;

acompanhamento dos progressos realizados.

O plano comporta cerca de 35 medidas a implementar ao longo de três anos, entre meados de 2020 e meados de 2023, que dizem respeito a iniciativas no domínio da eletrónica, dos resíduos e dos serviços às pessoas e ao ambiente.

4.   Observações gerais

4.1

O CESE está persuadido de que a sustentabilidade é um dos pilares do desenvolvimento da Europa do futuro e de que uma transição inteligente e participativa para a economia circular permitirá aos cidadãos, aos consumidores, às empresas e aos trabalhadores, com investimento considerável, fazer face ao desafio e contribuir não só para o respeito do ambiente, mas também para desenvolver a ideia de uma sociedade aberta e inclusiva, que preserva os recursos para as gerações futuras.

4.1.1

Em especial, os processos agrícolas e o sistema alimentar podem tirar grande partido da economia circular, reduzindo os resíduos e promovendo o bem-estar dos cidadãos.

4.1.2

Serão necessários grandes investimentos para desenvolver as tecnologias verdes, novos fertilizantes biológicos e o biometano.

4.2

O Comité congratula-se com o conjunto de medidas legislativas e políticas propostas no Plano de Ação para a Economia Circular e considera que as medidas de transição para a economia circular devem ser tidas em devida conta, sobretudo após a situação devastadora provocada pela COVID-19.

5.   Coerência a nível europeu

5.1

O CESE considera que é essencial reconhecer que há uma complementaridade entre as alterações climáticas e as políticas em matéria de economia circular. É essencial que os influxos energéticos também provenham de fontes de energia renováveis e não sejam lineares, como os combustíveis fósseis.

5.1.1

A circularidade na utilização da energia também passa por colocar o foco na poupança e na eficiência energéticas, que se torna particularmente premente no setor dos transportes.

5.2

Cabe incentivar, a todos os níveis, o reforço das capacidades necessárias para promover a economia circular. O pacto para as competências e o emprego proposto no âmbito do Fundo Social Europeu Mais constitui uma excelente oportunidade para executar os programas previstos.

5.3

Não se deve subestimar o papel dos contratos públicos na concretização desta transição. Os critérios ambientais mínimos, já constantes das diretivas relativas aos contratos públicos (10), devem passar a ser obrigatórios e incluir especificações técnicas adequadas (11). Importa disponibilizar formação específica aos contratantes, a fim de assegurar que são exploradas todas as opções circulares e evitar que eventuais obstáculos impeçam o lançamento de contratos públicos circulares.

5.4

O Comité considera essencial que as muitas iniciativas que devem ser lançadas nos próximos meses tenham expressamente em conta a forma de melhorar a circularidade e a sustentabilidade dos investimentos, sobretudo nos países estrutural e financeiramente mais vulneráveis.

5.4.1

Estas iniciativas devem ser promovidas em cooperação com os órgãos de poder local e regional e os parceiros sociais, e colocar uma ênfase particular na criação de mais e melhores empregos.

5.5

O CESE considera oportuno adotar disposições juridicamente vinculativas para impulsionar o mercado de matérias-primas secundárias, sobretudo no caso das embalagens, dos veículos, dos materiais de construção e das baterias.

5.6

A conceção ecológica dos produtos é essencial para a implementação de processos circulares, e há que continuar a generalizá-la de modo que se torne parte integrante de todas as fases de produção, favorecendo a recuperação de componentes enquanto motor de um mercado dinâmico de matérias-primas secundárias.

5.6.1

À luz do que precede, a Comissão deveria adotar, tal como o fez para os «produtos que consomem energia» (12), atos delegados que determinem as características dos diferentes produtos de uso corrente que, após utilização, sejam suscetíveis de serem aproveitados para a fabricação de outros produtos.

5.7

A normalização técnica no domínio da economia circular reveste-se de particular importância. Dada a grande transversalidade e complexidade da questão, é indispensável desenvolver um grande esforço de coordenação entre as diferentes partes interessadas, os organismos de normalização e as atividades do legislador.

5.8

O processo de normalização técnica dos produtos sustentáveis, designadamente nos setores com utilização intensiva de recursos, é particularmente importante, sobretudo no processo de adjudicação de contratos públicos ecológicos e na classificação de matérias-primas e materiais secundários.

5.9

O CESE solicita que todas as medidas propostas sejam sujeitas a avaliações de impacto adequadas, que tenham em conta as implicações ambientais, sociais e económicas.

5.10

O debate em curso sobre a importância e a necessidade de se passarem a aplicar os princípios da economia circular pode ser a ocasião de abordar de forma decisiva a questão — tantas vezes debatida — de ir além do PIB tradicional, isto é, de integrar novos elementos para além dos relativos ao desempenho económico atualmente utilizados nos três sistemas de cálculo do PIB (13), como por exemplo: criação de sistemas de solidariedade para uma sociedade inclusiva; viver dentro dos limites do nosso planeta; distribuição equitativa dos recursos.

6.   Educação e cultura

6.1

Para o CESE, é absolutamente necessário dar mais ênfase à disseminação de uma «cultura circular» através da educação, da criação de capacidades, de uma maior responsabilidade e da intensificação do diálogo com a sociedade civil, a fim de incentivar as pessoas a adaptarem e a alterarem os seus hábitos e comportamentos quotidianos. É também fundamental desenvolver uma cooperação intersetorial estreita.

6.1.1

A responsabilidade social das empresas enquanto elemento concreto de uma economia funcional é perfeitamente compatível com o modelo de economia circular, pois permite estabelecer sinergias excecionais entre os interesses dos empregadores e os interesses dos trabalhadores, unidos em torno do objetivo de desenvolvimento sustentável, visando reduzir os resíduos e o desperdício.

6.2

Importa apresentar propostas para a integração dos princípios da economia circular nos programas escolares e do ensino superior, bem como relativas ao financiamento do ensino técnico de elevada capacidade e ao apoio às capacidades criativas.

6.3

O Programa Erasmus+ teria sido extremamente útil para promover o intercâmbio de conhecimentos sobre a economia circular entre os diferentes países da Europa.

6.4

O estudo encomendado pelo CESE (14) e o respetivo Parecer NAT/764 sobre o desenvolvimento de sinergias entre os diferentes roteiros para a economia circular, a par da rede ativa na Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, proporcionam uma base sólida para a partilha de informações e a produção de conhecimentos pelas partes interessadas.

6.5

Os agentes económicos e a sociedade civil poderiam realizar testes concretos sobre os processos da economia circular em diversos setores de um número significativo de municípios europeus, nomeadamente recorrendo a fundos adequados, como os fundos para as «missões» do Programa Horizonte Europa.

6.6

Em todo o caso, a conceção ecológica dos produtos é o elemento essencial para a implementação de processos circulares.

7.   Os consumidores enquanto atores fundamentais do processo de implementação

7.1

A implementação da economia circular na prática exigirá uma rede sólida de partes interessadas interligadas, que terão necessariamente de ser associadas ao processo e mantidas informadas. Importa identificar, rever regularmente e comunicar de forma eficaz as políticas-chave e o apoio estrutural aos diferentes grupos interessados.

7.2

Cabe abordar também o papel da publicidade, que terá de perder o seu pendor marcadamente consumista e passar a privilegiar, sem renunciar às regras do mercado livre e sem recorrer a publicidade enganosa, aspetos como a durabilidade dos produtos e a possibilidade de reutilização.

7.2.1

A publicidade deve centrar-se mais na realidade, nas tendências e nas características típicas, já que os exemplos concretos, a via rumo ao desenvolvimento sustentável e as características positivas relativas à durabilidade dos produtos são elementos valorizados pelos consumidores e pela sociedade.

7.3

O direito à reparação dos produtos a preços justos e proporcionados deve ser reconhecido e incorporado na garantia do produto, nomeadamente através de medidas fiscais e de redes de serviços de reparação de proximidade e de acesso fácil (15). Para o efeito, a luta contra a obsolescência programada deve passar a fazer parte das novas características técnicas e normativas dos produtos sustentáveis do ponto de vista ambiental, que são facilmente reparáveis e recuperados.

7.4

O CESE reconhece o êxito da parceria entre si e a Comissão Europeia para o desenvolvimento de uma plataforma interinstitucional inovadora (Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular) e espera alargar o seu mandato no futuro.

7.4.1

O CESE considera que se deve equacionar uma distribuição diferente da tributação, diminuindo os impostos sobre o trabalho e aumentando-os sobre os recursos, em especial sobre os produtos menos sustentáveis e os produtos manifestamente obsolescentes.

7.4.2

Há que aplicar o princípio de uma fiscalidade mais estrita dos produtos importados na UE que parecem pouco respeitar os critérios da economia circular.

7.5

Há que reconhecer e apoiar explicitamente o papel das empresas sociais na economia circular, de modo a permitir às atividades com experiência na reutilização, na reparação e na reciclagem beneficiar de um valor social acrescido pelo facto de participarem no desenvolvimento das competências das pessoas mais vulneráveis da sociedade.

7.6

O CESE salienta que é necessário informar melhor os consumidores europeus sobre a gestão dos produtos, incluindo os benefícios da conceção e fabricação circulares, bem como sobre a rastreabilidade e a transparência, recorrendo, nomeadamente, ao passaporte para os produtos e às tecnologias digitais, como a cadeia de blocos, com vista a permitir o fluxo de informações sobre a composição, as possibilidades de reparação e o fim de vida.

7.7

A disponibilidade de informações fiáveis, comparáveis e verificáveis é um aspeto importante para permitir aos consumidores tomarem decisões mais sustentáveis e reduzir o risco de «branqueamento ecológico».

7.8

Os órgãos de poder local são intervenientes fundamentais na gestão dos recursos hídricos, dos resíduos e das plataformas secundárias de matérias-primas. Podem lançar processos de experimentação em parceria, que são essenciais para o desenvolvimento da inovação circular.

7.9

O CESE apoia o desenvolvimento dos princípios da «responsabilidade social territorial», já destacada em pareceres anteriores, a fim de assegurar a responsabilidade pública e privada da sustentabilidade circular das regiões e dos municípios.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 100 de 30.4.2009, p. 53.

(2)  O Comité Europeu de Normalização (CEN), o Comité Europeu de Normalização Eletrotécnica (Cenelec) e o Instituto Europeu de Normalização das Telecomunicações (ETSI).

(3)  Ver UNI Italia (organismo italiano de normalização) e os processos de normalização prévia, Regulamento (UE) n.o 1025/2012.

(4)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 63.

(5)  Ver «Circular Economy and Material Value Chains» [Economia circular e cadeias de valor dos materiais], Fórum Económico Mundial, 2020.

(6)  Ver «Natural Resources for the Future We Want» [Recursos naturais para o futuro a que aspiramos], Programa das Nações Unidas para o Ambiente, 2019.

(7)  Ver «Mission Possible: Reaching Net-Zero Carbon Emissions by Mid-Century» [Missão possível: alcançar a neutralidade carbónica até meados do século], Comissão para as Transições Energéticas, 2018.

(8)  EESC-2017-02666-05-00-decbur — Mandato do Grupo de Coordenação.

(9)  Declaração conjunta sobre o novo plano de ação para a economia circular pelos membros do Grupo de Coordenação da Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, março de 2020.

(10)  Diretivas 2014/23/UE (JO L 94 de 28.3.2014, p. 1), 2014/24/UE (JO L 94 de 28.3.2014, p. 65), 2014/25/UE (JO L 94 de 28.3.2014, p. 243).

(11)  Ver UNI/PdR: 2019 — Orientações para a verificação do teor de materiais reciclados e/ou recuperados e/ou de subprodutos dos produtos sujeitos a critérios ambientais mínimos.

(12)  Ver Diretiva 2005/32/CE (JO L 191 de 22.7.2005, p. 29), com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 2009/125/CE (JO L 285 de 31.10.2009, p. 10).

(13)  Ver SEC 2010 UE.

(14)  https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/publications-other-work/publications/circular-economy-strategies-and-roadmaps-europe-executive-summary

(15)  Ver a Diretiva 1999/85/CE do Conselho, de 22 de outubro de 1999, que altera a Diretiva 77/388/CEE no que diz respeito à possibilidade de aplicação a título experimental de uma taxa reduzida de IVA a serviços com grande intensidade do fator trabalho (JO L 277 de 28.10.1999, p. 34): pequenos serviços de reparação de bicicletas, de calçado e artigos em couro, de vestuário e de roupa de casa; obras de reparação e renovação em residências particulares; serviços de assistência a domicílio.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/101


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Construir o futuro digital da Europa

[COM(2020) 67 final]

(2020/C 364/14)

Relator:

Ulrich SAMM

Correlator:

Jakob Krištof POČIVAVŠEK

Consulta

Comissão, 9.3.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

25.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

216/1/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) já teve a ocasião de saudar as iniciativas da Comissão destinadas a facilitar o desenvolvimento de uma economia e sociedade digitais e congratula-se agora com o facto de esta dinâmica ser reforçada por um pacote de iniciativas novas numa vasta gama de domínios.

1.2

O CESE defende uma via europeia para a digitalização, tirando proveito das oportunidades para a economia e protegendo simultaneamente os nossos dados, a fim de assegurar a privacidade e a autodeterminação. A abordagem centrada no ser humano é vivamente aplaudida.

1.3

O CESE considera que a Europa está no caminho certo, mas ainda está longe da meta. A digitalização está a evoluir rapidamente e a legislação europeia tem de acompanhar o ritmo. Tal exige um quadro regulamentar sólido e ambicioso, que inclua normas éticas juridicamente vinculativas e regras claras em matéria de responsabilidade. O CESE está convicto de que esse desenvolvimento dinâmico também requer processos flexíveis e moduláveis que exigem um diálogo permanente entre os intervenientes — em particular, deve consagrar-se a obrigação de dar voz aos trabalhadores. O CESE, em representação das organizações da sociedade civil, está pronto para desempenhar o seu papel neste contexto.

1.4

É importante investir nas tecnologias de futuro certas, promover a formação das pessoas e fomentar a confiança dos cidadãos, incentivando-os a desempenharem um papel ativo na transformação. A transição digital deve ser justa, sustentável e socialmente aceitável.

1.5

O CESE concorda com a opinião da Comissão de que é necessário construir um verdadeiro mercado único europeu dos dados — um espaço europeu de dados baseado em regras e valores europeus. O CESE congratula-se com a iniciativa referente a uma nova estratégia industrial da UE que definirá as ações destinadas a facilitar a transição para uma indústria da UE mais digital, limpa, circular e competitiva a nível mundial composta por empresas sustentáveis, incluindo uma estratégia para as PME.

1.6

O CESE salienta que a soberania tecnológica europeia não deve ser definida por oposição aos outros e não deve anular os benefícios da cooperação à escala mundial. No entanto, as necessidades dos europeus e do modelo social europeu, que tem como referência o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, também devem ser devidamente tidas em conta.

1.7

A educação e a formação que proporcionam competências digitais são essenciais à preparação para uma vida digital. O CESE congratula-se com o facto de a Comissão se centrar nas competências e aptidões digitais, mas insta-a a estabelecer uma distinção mais clara entre competências técnicas e sociais, embora ambas sejam de importância fundamental. Devem envidar-se esforços suplementares e disponibilizar-se os meios necessários para a formação digital dos membros de grupos socialmente vulneráveis.

1.8

O futuro digital da Europa baseado numa abordagem centrada no ser humano só terá êxito se as pessoas tiverem confiança. O CESE observa que a Comissão pretende estabelecer uma distinção clara entre as aplicações de alto risco, que devem ser objeto de regulamentação rigorosa, e as aplicações de baixo risco, relativamente às quais a autorregulação e os mecanismos de mercado são suficientes. O CESE saúda esta abordagem geral, mas salienta que é necessária uma análise aprofundada e exaustiva das diferentes aplicações.

1.9

O CESE congratula-se igualmente com a abordagem centrada no ser humano no que se refere aos desafios decorrentes das plataformas em linha para os trabalhadores. Um quadro jurídico reforçado que proscreva as condições de trabalho precárias e assegure os direitos dos trabalhadores em linha, incluindo a negociação coletiva, é um dos aspetos importantes desta abordagem.

1.10

O CESE considera, porém, que o desenvolvimento dos serviços públicos digitais para o futuro digital não é abrangido, embora os serviços da administração pública em linha transfronteiras tenham potencial para reforçar o mercado único (digital) e melhorar a regulamentação e a coordenação pelos poderes públicos.

1.11

Em resultado da recente pandemia de COVID-19, que ainda está ativa, a sociedade tem sido confrontada com a realidade no que diz respeito à utilização de tecnologias digitais, situação que criou vários desafios novos. A necessidade de comunicar, estudar e trabalhar à distância demonstrou que muitas pessoas não estão adequadamente preparadas para utilizar as tecnologias digitais mais recentes de forma eficaz e que a infraestrutura digital não é capaz de assegurar a igualdade de acesso e a participação inclusiva através das tecnologias digitais.

1.12

A necessidade de mudar hábitos devido às medidas tomadas pelos governos nacionais para combater a propagação da COVID-19 pode ter efeitos duradouros nas práticas dos consumidores e nas relações laborais a longo prazo. Os efeitos positivos e negativos desta mudança devem ser tidos em conta na elaboração de novas políticas pertinentes a este respeito. A transformação digital deve ser monitorizada através de uma iniciativa de investigação abrangente, financiada pela UE e centrada no aspeto do trabalho, sobre o tema da «digitalização em prol do trabalho digno». O CESE está convicto de que uma conceção eficiente, e favorável aos trabalhadores, dos sistemas da Indústria 4.0 é indispensável ao êxito da digitalização a longo prazo (1).

2.   Introdução e síntese da proposta

2.1

Na comunicação em apreço, a nova Comissão apresenta um documento abrangente em que descreve uma série de iniciativas destinadas a ajudar a construir o futuro digital da Europa. A necessidade de a Europa liderar uma transição justa para um planeta saudável e um novo mundo digital exige que os desafios da transformação ecológica e digital sejam tidos em conta conjuntamente, de modo a permitir que as tecnologias digitais apoiem o Pacto Ecológico na ótica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

2.2

Para o efeito, a Comissão anunciou um pacote de iniciativas. As diferentes iniciativas apresentadas e anunciadas para este ano e para o próximo ano estão divididas em três pilares principais:

A tecnologia ao serviço das pessoas:

Livro Branco sobre a inteligência artificial (COM(2020) 65 final / ver INT/894);

Estratégia no domínio das tecnologias quânticas, da cadeia de blocos e da supercomputação;

Plano de ação 5G e 6G (apresentado como COM(2020) 50 final / ver TEN/704);

Plano de Ação para a Educação Digital e reforço da Agenda de Competências;

Iniciativas destinadas a melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas;

Normas no âmbito dos fluxos e serviços de dados, seguros e sem fronteiras, no setor público.

Uma economia justa e competitiva:

Estratégia europeia para os dados (apresentada como COM(2020) 66 final / ver TEN/708);

Revisão da adequação das regras da UE em matéria de concorrência;

Pacote sobre a estratégia industrial;

Comunicação sobre a fiscalidade das empresas no século XXI;

Nova Agenda do Consumidor.

Uma sociedade aberta, democrática e sustentável:

Regras novas e alteradas para aprofundar o mercado interno dos serviços digitais;

Revisão do Regulamento eIDAS;

Plano de ação para os meios de comunicação social e o setor audiovisual;

Plano de ação para a democracia europeia;

Estratégia europeia de cibersegurança;

Iniciativa para criar um modelo digital de alta precisão da Terra;

Iniciativa para uma economia circular no domínio da eletrónica;

Promoção de registos de saúde eletrónicos.

2.3

A fim de fazer valer os interesses da Europa enquanto protagonista mundial, foram igualmente anunciadas uma estratégia de cooperação digital global e uma estratégia de normalização.

3.   A via europeia — a digitalização ao serviço das pessoas

3.1

A digitalização proporciona às pessoas uma grande diversidade de escolhas que lhes permitem melhorar a sua qualidade de vida de forma inédita. No entanto, quanto maior for a influência da digitalização sobre as nossas vidas e o nosso grau de interligação, mais vulneráveis ficaremos a atividades maliciosas em linha, manipulação e tecnologias que comprometem a nossa autonomia.

3.2

O CESE defende, por conseguinte, uma via europeia para a digitalização, baseada em valores europeus, tirando proveito das oportunidades para a economia e protegendo simultaneamente os nossos dados, a fim de assegurar a privacidade e a autodeterminação. A abordagem centrada no ser humano é vivamente aplaudida.

3.3

O CESE congratula-se igualmente com a abordagem centrada no ser humano no que se refere aos desafios decorrentes das plataformas em linha para os trabalhadores. Um quadro reforçado que proscreva as condições de trabalho precárias e assegure os direitos dos trabalhadores em linha, incluindo a negociação coletiva, é um dos aspetos importantes desta abordagem. O CESE salienta que o trabalho nas plataformas é prestado tanto por trabalhadores por conta própria como por trabalhadores por conta de outrem. Os trabalhadores por conta própria estabelecem uma relação de empresa a empresa ou de empresa ao consumidor. Os códigos de conduta e as condições comerciais para as relações de empresa a empresa, elaborados a nível europeu, devem assegurar uma concorrência leal entre empresas de todas as dimensões e evitar o falso trabalho por conta própria.

3.4

O CESE salienta igualmente a importância das soluções digitais para a aplicação do Pacto Ecológico, especialmente no que diz respeito à economia circular. O consumo de energia, as matérias-primas para as TIC e a reciclabilidade dos materiais das TIC figuram, porém, entre os diversos desafios que têm de ser enfrentados ao longo do caminho.

3.5

A Europa está no caminho certo, mas ainda está longe da meta. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e as orientações em matéria de ética para a inteligência artificial, por exemplo, constituíram um passo importante. No entanto, a digitalização está a evoluir rapidamente e a legislação europeia tem de acompanhar o ritmo. Tal exige um quadro regulamentar sólido e ambicioso, que inclua normas éticas juridicamente vinculativas e regras claras em matéria de responsabilidade. O CESE está convicto de que este desenvolvimento dinâmico também necessita de processos flexíveis e moduláveis que exigem um diálogo permanente entre os intervenientes. O CESE, em representação das organizações da sociedade civil, está pronto para desempenhar o seu papel neste contexto.

3.6

O CESE considera que não se está a destacar claramente a necessidade de estruturas democráticas sustentáveis para o reforço das capacidades e a criação de confiança nas relações laborais. O CESE está convicto de que as mudanças fundamentais nas empresas através da digitalização só podem ter êxito se existir uma relação de confiança entre a direção da empresa e os representantes dos trabalhadores. No entanto, a ascensão de movimentos populistas no século XXI põe em causa os mecanismos tradicionais que visavam instaurar a confiança através da defesa de causas sociais. Por conseguinte, devem tomar-se medidas adequadas para apoiar o diálogo social a nível da UE, nomeadamente em relação à regulamentação social da empresa, ao seu desempenho económico e ao reforço da mudança democrática em geral.

4.   Uma economia justa e competitiva

4.1

Os dados tornaram-se um elemento essencial da nossa economia. O CESE concorda com a opinião da Comissão de que é necessário construir um verdadeiro mercado único europeu dos dados — um espaço europeu de dados baseado em regras e valores europeus. O CESE congratula-se com a iniciativa referente a uma nova estratégia industrial da UE que definirá as ações destinadas a facilitar a transição para uma indústria da UE mais digital, limpa, circular e competitiva a nível mundial, incluindo uma estratégia para as PME.

4.2

O CESE considera igualmente que, a fim de garantir condições de concorrência equitativas, as regras aplicáveis fora de linha — desde as regras relativas à concorrência e ao mercado único à defesa dos consumidores e aos direitos de propriedade intelectual, à fiscalidade e aos direitos dos trabalhadores — devem igualmente ser aplicáveis em linha.

4.3

O CESE está convicto de que será necessário um aumento considerável do investimento (nos Estados-Membros da UE), associado a um programa europeu de investigação e inovação robusto, com vista a manter um nível de craveira mundial no domínio da computação de alto desempenho, e de que uma abordagem industrial para o desenvolvimento da próxima geração de microcircuitos de baixo consumo energético na Europa tornará a UE menos dependente de importações.

4.4

O CESE manifesta a firme convicção de que a inovação e o investimento, especialmente pelo setor público, podem igualmente ajudar a combater as disparidades de desenvolvimento regionais, assegurando que também as zonas remotas têm acesso à infraestrutura digital e, desta forma, ao mercado digital. Trata-se de uma condição indispensável para não deixar ninguém para trás na transição digital.

4.5

O CESE salienta que a soberania tecnológica europeia não deve ser definida por oposição aos outros e não deve anular os benefícios da cooperação à escala mundial. No entanto, as necessidades dos europeus e do modelo social europeu também devem ser devidamente tidas em conta, tendo como referência as medidas da Comissão para reforçar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A integração dos valores europeus (proteção de dados, privacidade, proteção social, sustentabilidade) poderá tornar-se uma vantagem competitiva, desde que os cidadãos e as empresas estejam cada vez mais sensibilizados em relação aos métodos de utilização de dados por terceiros (EUA) e ao potencial de controlo dos sistemas de inteligência artificial (China).

4.6

A Comissão afirma acertadamente que devemos assegurar que o papel sistémico de determinadas plataformas em linha e o poder de mercado que adquirem não põem em causa a equidade e a abertura do nosso mercado. Para o efeito, e também para estimular o desenvolvimento de plataformas em linha na UE, as regras a nível da UE devem assegurar condições de concorrência equitativas e o acesso aos principais motores da inovação digital (2) (em particular aos dados) e ao ecossistema de produtos utilizados pelos consumidores.

4.7

A Comissão considera que assegurar a equidade na economia digital constitui um desafio de relevo que cumpre superar. Para o efeito, o CESE apoia a intenção de estabelecer regras adicionais, sempre que necessário, a fim de assegurar a disputabilidade, a equidade, a inovação e a possibilidade de entrada no mercado, bem como os interesses públicos que vão além da concorrência ou das considerações económicas. O CESE observa que a tributação da economia digital terá um impacto importante a este respeito. As soluções internacionais e europeias em matéria de tributação da economia digital serão importantes e a UE deve envidar esforços no sentido de assegurar uma tributação da economia digital que seja justa e evite a fragmentação e as medidas unilaterais.

4.8

O CESE acolhe favoravelmente esta iniciativa, que visa melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas digitais, nomeadamente centrando-se nas qualificações e nas habilitações, embora seja igualmente necessário tratar questões como o estatuto profissional, a representação e as medidas para reforçar a proteção social dos trabalhadores das plataformas digitais, bem como a resolução de litígios e a observância dos direitos. Este aspeto reveste-se de particular importância para os trabalhadores transfronteiriços. Na sequência de um pedido da futura Presidência alemã do Conselho, o CESE elaborará um parecer exploratório sobre o trabalho digno na economia das plataformas.

4.9

O CESE considera que a comunicação da Comissão não abrange o desenvolvimento dos serviços públicos digitais para o futuro digital, embora os serviços da administração pública em linha transfronteiras tenham potencial para reforçar o mercado único (digital) e melhorar a regulamentação e a coordenação pelos poderes públicos.

5.   Educação para a vida digital

5.1

A educação e a formação que proporcionam competências digitais são essenciais à preparação para uma vida digital. O CESE congratula-se com o facto de a Comissão se centrar nas competências e aptidões digitais, mas insta-a a estabelecer uma distinção mais clara entre competências técnicas e sociais, embora ambas sejam de importância fundamental. O desenvolvimento da «capacidade de trabalho» — em vez de simplesmente ajustar a «empregabilidade» — exige medidas de apoio contínuo à aprendizagem ao longo da vida.

5.2

No futuro, a maioria dos trabalhadores terá de possuir competências técnicas (programação a diferentes níveis). Tal constitui um desafio para os sistemas de ensino e as organizações de formação profissional nos Estados-Membros. Os profissionais necessitam de formação sobre novas ferramentas e de conhecimentos sobre as suas características, os seus limites e os seus riscos, uma vez que a responsabilidade recairá, em última instância, sobre eles. No entanto, será necessário que o maior número possível de cidadãos adquira competências técnicas de base para que possam compreender, utilizar e dominar as tecnologias e ferramentas digitais de forma produtiva, inclusiva e segura. As competências técnicas de base são necessárias para apoiar pessoas de todas as idades, especialmente os idosos, para que possam compreender e utilizar de forma segura as tecnologias e ferramentas digitais.

5.3

As competências sociais não exigem conhecimentos técnicos específicos, mas devem ser ensinadas desde a mais tenra idade. As competências sociais permitem que as crianças, os consumidores e os cidadãos compreendam o contexto dos sistemas digitais e os utilizem da melhor forma, ajudando-os a identificar eventuais ameaças decorrentes de manipulação ou atividades criminosas e a avaliar a grande quantidade de informações recebidas. O CESE recorda que o ensino geral continua a ser a melhor via de preparação para a evolução futura.

5.4

A fim de utilizar e trabalhar com a inteligência artificial, é necessário possuir competências, conhecimentos e informações especializados. Para o efeito, o CESE gostaria de tirar ensinamentos da experiência da Finlândia, que propõe dar formação ao maior número possível de pessoas no domínio da inteligência artificial através de um curso em linha.

5.5

Tal como já salientado pelo CESE, em tempos de rápida mutação na era digital, não chega ajudar as pessoas a adquirirem apenas um conjunto mínimo de competências, sendo essencial assegurar que Garantia para as Competências constitua uma via segura que capacite e incentive as pessoas no sentido de evoluir e alcançar o nível de competências mais elevado possível (3).

5.6

O CESE destaca o papel dos parceiros sociais na consecução de uma transição justa e equitativa. É essencial que a estratégia anteveja as necessidades em matéria de competências e, desta forma, apoie a requalificação e a melhoria de competências em tempo útil e de forma adequada. O papel dos parceiros sociais e a sua participação revestem-se da maior importância neste contexto, bem como no âmbito dos debates sobre a introdução de novas tecnologias.

6.   Confiança e responsabilidade — confiança na vida digital

6.1

O futuro digital da Europa baseado numa abordagem centrada no ser humano só terá êxito se as pessoas tiverem confiança. O CESE defende salvaguardas adequadas em matéria de privacidade, segurança e governação dos dados, bem como a transparência dos algoritmos de inteligência artificial, o que contribuiria para criar essa confiança.

6.2

O CESE observa que a Comissão pretende estabelecer uma distinção clara entre as aplicações de alto risco, que devem ser objeto de regulamentação rigorosa, e as aplicações de baixo risco, relativamente às quais a autorregulação e os mecanismos de mercado são suficientes. O CESE saúda esta abordagem geral, mas salienta que é necessária uma análise aprofundada e exaustiva das diferentes aplicações existentes e da evolução futura, assinalando que, em caso de dúvida, uma aplicação deve ser considerada de alto risco. O CESE apoia, em particular, a decisão de classificar como aplicações de alto risco as aplicações que têm impacto nos direitos dos trabalhadores e dos candidatos a emprego, e propõe que se proteja esta decisão, a fim de reforçar os direitos digitais dos trabalhadores.

6.3

O CESE apelou previamente para o desenvolvimento de procedimentos de teste normalizados que avaliem o funcionamento e as limitações dos sistemas digitais (por exemplo, parcialidade, preconceito, discriminação, resiliência, robustez, segurança, etc.). Em função do nível de risco, tais testes podem ser efetuados pelos próprios programadores e pelas próprias empresas ou por organismos independentes. O CESE saúda a ideia da Comissão de prever um sistema de rotulagem voluntário, semelhante ao que o CESE propôs anteriormente em relação a um certificado europeu de inteligências artificiais fiáveis.

6.4

O CESE congratula-se com a intenção da Comissão de lançar um amplo debate sobre as exceções ao abrigo das quais se pode autorizar o reconhecimento facial para fins de identificação biométrica remota. A regulamentação deve igualmente proibir a vigilância desproporcionada no local de trabalho e a discriminação baseada em algoritmos tendenciosos.

6.5

O CESE salienta que a confiança, por si só, não chega, continuando a ser essencial o pensamento crítico com base na educação geral. Este aspeto é particularmente importante no contexto do combate à desinformação, que representa uma ameaça para a nossa democracia.

6.6

O CESE salienta que a confiança também inclui o respeito pelo direito dos trabalhadores a serem informados e consultados. Os direitos de informação e consulta em caso de alterações no local de trabalho, tal como garantido pelos Tratados da UE, transformam os «trabalhadores» em «cidadãos no trabalho».

6.7

O CESE salienta que a legislação da UE se reveste de particular importância para a proteção dos consumidores e trabalhadores que não possuem competências digitais profissionais.

7.   Impacto da crise da COVID-19 na transformação digital

7.1

Em resultado da recente pandemia de COVID-19, que ainda está ativa, a sociedade tem sido confrontada com a realidade no que diz respeito à utilização de tecnologias digitais, situação que criou diversos desafios novos. A necessidade de comunicar, estudar e trabalhar à distância demonstrou que muitas pessoas não estão adequadamente preparadas para utilizar as tecnologias digitais mais recentes de forma eficaz e que a infraestrutura digital não é capaz de assegurar a igualdade de acesso e a participação inclusiva através das tecnologias digitais. As redes digitais não foram reforçadas para suportar o aumento do tráfego e terão de ser realizados investimentos suficientes para tornar acessível a comunicação eficiente e de alta velocidade, não só para fins comerciais, mas também para necessidades pessoais, inclusive em zonas remotas.

7.2

Os grupos vulneráveis deverão receber especial atenção, em particular as pessoas de idade mais avançada que não possuem competências suficientes, experiência ou material para utilizar plataformas da Internet e que ficaram sem acesso a meios de comunicação adequados. Os contactos sociais entre familiares e outras pessoas tornaram-se mais difíceis e os serviços de assistência social, bem como outros serviços públicos, ficaram inacessíveis ou, na melhor das hipóteses, menos acessíveis. Devem envidar-se esforços suplementares e disponibilizar-se os meios necessários para a formação digital dos membros de grupos socialmente vulneráveis.

7.3

Além disso, a quarentena e o encerramento temporário das fronteiras entre os Estados-Membros revelaram outras consequências e lacunas da situação atual do mercado único digital no que se refere aos trabalhadores fronteiriços e ao teletrabalho. A crise da COVID-19 conduziu igualmente a um aumento enorme do comércio eletrónico e dos pagamentos eletrónicos, bem como a um recrudescimento das práticas desleais e fraudulentas. A necessidade de mudar hábitos devido às medidas tomadas pelos governos nacionais para combater a propagação da COVID-19 pode ter efeitos duradouros nas práticas dos consumidores e nas relações laborais a longo prazo. Os efeitos positivos e negativos desta mudança devem ser tidos em conta na elaboração de novas políticas pertinentes a este respeito.

7.4

O mundo digital foi plenamente mobilizado para disponibilizar conhecimentos especializados no domínio da luta contra a COVID-19. A questão das aplicações de rastreio digital (rastreio de contactos) para informar as pessoas de que estiveram recentemente em contacto com uma pessoa diagnosticada com COVID-19 foi objeto de intenso debate. O CESE lamenta que a iniciativa europeia para o rastreio digital de contactos, conhecida como PEPP-PT (Pan European Privacy Preserving Proximity Tracing [Rastreio de Contactos Pan-Europeu Respeitador da Privacidade]), não tenha reunido o consenso necessário para permitir a integração de aplicações normalizadas nas estratégias nacionais de saúde.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 190 de 5.6.2019, p. 17.

(2)  De Streel, A., Contribution to Growth: European Digital Single Market. Delivering improved rights for European citizens and businesses [Contributo para o crescimento: O mercado único digital europeu — Assegurar melhores direitos aos cidadãos e às empresas europeus], Parlamento Europeu, Luxemburgo, 2019.

(3)  JO C 173 de 31.5.2017, p. 45.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/108


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma nova estratégia industrial para a Europa

[COM(2020) 102 final]

(2020/C 364/15)

Relator:

Mihai IVAŞCU

Correlator:

Dirk BERGRATH

Consulta

Comissão, 22.4.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

25.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

207/4/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A União Europeia (UE) e os seus Estados-Membros devem manter-se unidos para proteger a sua soberania. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está firmemente convicto de que a Europa, para continuar a desempenhar um papel de liderança no mundo, precisa de uma base industrial forte e competitiva.

1.2

O CESE reconhece a importância crucial da transição para uma economia neutra em carbono e da inversão da curva atual de perda da biodiversidade. Sem uma estratégia industrial ecológica como pedra angular do Pacto Ecológico Europeu, a UE nunca conseguirá alcançar uma economia neutra em carbono no espaço de uma geração.

1.3

A nova estratégia industrial deve assegurar o justo equilíbrio entre apoiar as empresas europeias, respeitar o nosso objetivo de neutralidade climática até 2050 e proporcionar incentivos aos consumidores para que privilegiem o consumo de bens e serviços sustentáveis.

1.4

O CESE reconhece a importância que a Comissão Europeia atribuiu aos parceiros sociais e às organizações da sociedade civil no seu planeamento do futuro da indústria europeia. O Comité está convicto de que um diálogo social e civil construtivo a todos os níveis contribuirá para a aplicação bem-sucedida da estratégia.

1.5

A economia circular é fundamental para desenvolver o futuro modelo económico da Europa. Deve explorar alternativas viáveis e económicas aos combustíveis fósseis e valorizar as soluções de energias limpas descentralizadas e colaborativas. Além disso, a economia circular melhorará consideravelmente a eficiência em termos de recursos das atividades económicas e reduzirá a nossa dependência das importações de matérias-primas críticas.

1.6

O CESE está firmemente convicto de que a política industrial deve ser acompanhada por uma política comercial e externa firme que, por sua vez, desenvolva estratégias para garantir o acesso seguro às matérias-primas.

1.7

O CESE considera que é fundamental para a Europa ultrapassar o fosso que a separa dos EUA, da China e de outros países em determinadas tecnologias. Para poder ser um líder mundial, a Europa deve aproveitar as suas vantagens competitivas e, ao mesmo tempo, financiar a investigação e o desenvolvimento. É fundamental desenvolver um mercado europeu de capitais unificado, incluindo um mercado europeu para o capital de risco.

1.8

A indústria europeia terá de ser digitalizada, ou deixará de existir. O investimento em setores das tecnologias da informação e comunicação, como a economia dos dados, a Internet das coisas, a computação na nuvem, a inteligência artificial e a produção avançada, tem de chegar a todas as regiões e todos os Estados-Membros.

1.9

O mercado interno representa a base da nossa competitividade a nível mundial. O Regulamento que estabelece um regime de análise dos investimentos diretos estrangeiros na União deve ser aplicado por todos os Estados-Membros e, se necessário, reforçado e atualizado. Todos os interessados em fazer parte do mercado único devem cumprir as suas regras, incluindo os princípios de neutralidade climática.

1.10

A UE precisa de desenvolver o empreendedorismo para relançar o emprego, o crescimento e a confiança. A União deve promover e financiar programas de educação concebidos para impulsionar a criação de um novo ambiente económico e social sustentável.

1.11

A política industrial deve incluir uma forte dimensão social. Os empregos de qualidade, a proteção social e serviços públicos eficientes criam o ambiente adequado para a prosperidade das atividades industriais. A este respeito, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais é um importante fator impulsionador de um crescimento económico inclusivo.

1.12

O CESE insta à aplicação célere da patente europeia com efeito unitário, que poderá permitir às indústrias desenvolver, inovar e proteger o seu saber-fazer a nível europeu e internacional a um custo razoável.

1.13

O CESE considera que, para fazer face às diferenças de preço do carbono a nível internacional, são necessárias as seguintes medidas: introdução de medidas de ajustamento nas fronteiras, normas ambientais a cumprir pelos importadores, subsídios às exportações hipocarbónicas, utilização vigorosa de instrumentos de defesa comercial e iniciativas para abordar as diferenças de preço do carbono nos acordos de comércio livre. O objetivo final deve ser a fixação de um preço para o carbono a nível mundial.

1.14

O CESE considera que se deve completar a União Económica e Monetária, a fim de assegurar que todos os instrumentos económicos estejam disponíveis para combater o choque económico negativo criado pela crise sanitária da COVID-19.

1.15

O CESE salienta que os Estados-Membros apenas conseguirão superar a crise agindo de forma coordenada, sem deixar ninguém para trás, e restabelecendo a capacidade das empresas para gerar valor acrescentado, investir num futuro sustentável e manter ou criar empregos de qualidade. O Plano de Recuperação da UE, o Pacto Ecológico e a nova estratégia industrial, implementados de forma integrada, constituem um pacote estratégico audaz e ambicioso para sair da crise pandémica e preparar o nosso futuro comum.

1.16

É provável que as pequenas e médias empresas (PME) sejam as mais atingidas pela crise. O CESE apoia a intenção de ajudar as PME a expandir-se, a desenvolver novos modelos de negócio e a atrair mão de obra qualificada, por exemplo através da introdução de opções sobre ações concedidas a empregados.

1.17

As estruturas intermédias, como as redes de PME, as agências de desenvolvimento regional e os agrupamentos de empresas devem apoiar e reforçar as cadeias de valor estratégicas e reunir todas as forças dinâmicas para consolidar os ecossistemas económicos.

2.   Observações gerais

2.1

O CESE acolhe favoravelmente a Comunicação — Uma nova estratégia industrial para a Europa, mas lamenta que apresente apenas uma lista de projetos e medidas para o futuro e não uma estratégia clara, concreta e abrangente para a indústria europeia, orientada a curto, médio e longo prazo. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a elaborar um plano de ação concreto, com objetivos anuais claros e procedimentos de acompanhamento, que preveja uma cooperação estreita com todas as partes interessadas pertinentes.

2.2

Contudo, o CESE observa uma série de diferenças em relação a comunicações anteriores, já que a comunicação em apreço:

apresenta uma abordagem estratégica, colocando muito mais ênfase na dupla transição nos domínios digital e da neutralidade carbónica;

defende uma abordagem mais colaborativa para a política industrial, por exemplo s alientando a necessidade de criar ecossistemas industriais fortes ou promover alianças industriais;

tende a permitir um maior financiamento público para projetos industriais estratégicos, através da flexibilização da legislação normal da UE em matéria de subvenções ou da criação de grandes projetos de interesse europeu comum;

adota uma posição mais firme relativamente às relações externas, propondo que se utilize o poder regulamentar da UE para defender a autonomia estratégica da Europa;

centra-se na descarbonização das indústrias europeias com utilização intensiva de energia.

2.3

No atual contexto internacional conturbado, a UE e os seus Estados-Membros devem manter-se unidos para proteger a sua soberania. O CESE está firmemente convicto de que a Europa, para continuar a desempenhar um papel de liderança no mundo, precisa de uma base industrial competitiva e forte que contribua para os esforços da UE no sentido de realizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, cumprir o Acordo de Paris e regressar a uma pegada ecológica (1) inferior a um planeta por ano o mais rapidamente possível e, o mais tardar, em 2040.

2.4

O CESE reconhece a importância crucial da transição para uma economia neutra em carbono e da inversão da curva atual de perda da biodiversidade. Uma estratégia industrial comum apenas poderá ter êxito mediante a participação e a cooperação de todos os Estados-Membros e partes interessadas e um planeamento estratégico integrado, congregando os recursos dos intervenientes europeus, das instituições regionais e locais, dos agrupamentos industriais, das empresas, dos parceiros sociais, das empresas da economia social, das universidades e grupos de investigação e das organizações da sociedade civil.

2.5

A nova estratégia industrial deve assegurar o justo equilíbrio entre apoiar as empresas europeias, para que se desenvolvam de forma ecológica, respeitar o nosso objetivo de neutralidade climática até 2050 e proporcionar incentivos aos consumidores para que privilegiem o consumo de bens e serviços sustentáveis. Para o efeito, é necessário continuar a desenvolver o conjunto de instrumentos para uma política industrial sustentável, tendo em consideração as especificidades das PME.

2.6

Além disso, o CESE está convicto de que uma transição bem gerida para uma economia digital e neutra em carbono pode revitalizar a indústria europeia e criar novos empregos de qualidade em novas cadeias de valor sustentáveis. Por conseguinte, a estrutura de governação proposta deve reforçar a apropriação da estratégia industrial a todos os níveis e associar todas as partes interessadas pertinentes.

2.7

O desenvolvimento da indústria europeia exigirá a promoção de um grande programa de investimento privado e público. Uma nova estratégia industrial europeia, que responda às novas necessidades dos europeus, reforce o crescimento do produto interno bruto, promova a coesão inter-regional, diminua as disparidades dos rendimentos e melhore a qualidade de vida através do investimento e da inovação, pode ajudar a criar uma identidade comum europeia, fomentar a solidariedade, fortalecer as instituições europeias e, consequentemente, representar «valor acrescentado europeu».

2.8

O CESE reconhece a importância que a Comissão atribuiu às organizações da sociedade civil no seu planeamento do futuro da indústria europeia. O Comité considera que só através de uma cooperação conjunta entre Estados-Membros, instituições europeias, parceiros sociais e organizações representativas da sociedade civil será possível criar um ambiente propício ao crescimento da indústria europeia. Neste contexto, um diálogo social e civil construtivo a todos os níveis constitui uma garantia importante para a aplicação bem-sucedida da estratégia.

2.9

O CESE reconhece há muito que «no seio da comunidade empresarial, há líderes em matéria de integração da sustentabilidade. Na realidade, muitas empresas estão um passo à frente das políticas, que devem criar um enquadramento estável e certezas, a fim de assegurar que as boas práticas se tornam práticas comuns. Assim, as empresas passarão a ser capazes de fornecer soluções sustentáveis»; insta, pois, a Comissão a ter estes aspetos em conta na elaboração de futuras políticas (2). Há que referir que a economia social tem uma longa tradição em matéria de sustentabilidade.

2.10

Em 2019, a produção industrial regressou finalmente aos níveis anteriores à crise (pré-2007). A indústria continua a ser a espinha dorsal da nossa economia e deve fornecer soluções para os numerosos desafios que a nossa sociedade enfrenta. A indústria desempenha também um papel social importante, graças às suas atividades de alto valor acrescentado, aos empregos de qualidade que proporciona e à criação de postos de trabalho indiretos em serviços conexos. Por conseguinte, o CESE acolhe com agrado o conjunto abrangente de propostas apresentadas na comunicação e espera que estas sejam rapidamente delineadas e aplicadas. No entanto, o declínio dramático da produção industrial provocado pela crise da COVID-19 exige que as medidas de emergência adotadas pelos governos e apoiadas pela Comissão para manter as empresas viáveis em funcionamento e proteger os rendimentos dos trabalhadores sejam prosseguidas enquanto forem necessárias.

2.11

O CESE reconhece, há muito, a importância das empresas em fase de arranque e em expansão na construção de um setor industrial competitivo e inovador. Por conseguinte, reitera o apelo a «uma abordagem coordenada das políticas para as empresas em fase de arranque e em expansão, que tome em consideração a diversidade dos modelos empresariais» e o apoio a «ações específicas para as empresas da economia social» (3).

2.12

O CESE acolhe favoravelmente a proposta anunciada para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas. Contudo, o Comité lamenta que a comunicação não aborde diretamente o desafio muito mais vasto de uma transição inclusiva e justa. Insiste na necessidade de um plano de ação ambicioso para incentivar os Estados-Membros a cumprirem as suas promessas no âmbito da proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.   Europa verde

3.1

A Europa precisa de uma política industrial sustentável, que promova uma transição justa para uma economia hipocarbónica. Para tal, é necessário um Quadro Financeiro Plurianual forte, em que o Banco Europeu de Investimento desempenhe um papel fundamental no financiamento da transição. O investimento deve apoiar tanto a qualidade do ambiente como a melhoria da qualidade de vida dos europeus.

3.2

Muitos dos objetivos que a UE definiu para 2030 podem ser alargados a 2050 e à transição para um continente sem carbono. Por conseguinte, o CESE entende que a estratégia industrial, à semelhança da estratégia de desenvolvimento sustentável, deve «abranger a ação interna e externa da UE e promover uma coerência tão elevada quanto possível entre ambas […]. As pedras angulares da sua execução devem ser a inovação, a cooperação internacional orientada para a sustentabilidade e os acordos comerciais, bem como a mobilização das empresas e da sociedade civil» (4).

3.3

Os setores industriais, tanto tradicionais como emergentes, terão de desenvolver uma abordagem pró-ativa, antecipando, adaptando e gerindo a mudança através de novas tecnologias sustentáveis, empregos e requalificação profissional, à altura dos desafios do futuro, em consonância com o Painel de Indicadores Sociais do Semestre Europeu. Importa definir novas políticas em matéria de competências, com a colaboração das organizações da sociedade civil e dos parceiros sociais, a fim de acelerar a adaptação dos sistemas de ensino e de formação à procura de novos perfis profissionais.

3.4

A UE deve tornar-se líder mundial na economia circular e nas tecnologias limpas, procurando descarbonizar as indústrias com utilização intensiva de energia. A economia circular é fundamental para desenvolver o futuro modelo económico da Europa. O CESE considera que os «produtos ou serviços que obedeçam aos princípios da circularidade devem ser claramente diferenciados no preço» e que uma «taxa reduzida ou isenção de IVA nos produtos reciclados, bem como nas atividades de reutilização e reparação, pode constituir um incentivo para a participação ativa dos empreendedores neste ramo e proporcionar aos consumidores produtos a preços competitivos […]» (5).

3.5

A transição para uma economia neutra em carbono requer fontes seguras de energia limpa. A reforma da regulamentação em matéria de energia e a cooperação à escala europeia no que diz respeito aos prossumidores e ao reforço da interligação da rede elétrica são fundamentais. Além disso, devemos explorar alternativas viáveis e económicas aos combustíveis fósseis e valorizar as soluções descentralizadas e colaborativas baseadas em energias limpas, como as cooperativas de energia renovável, os prossumidores e as redes inteligentes.

3.6

O lançamento de uma União da Energia 2.0 deve ser considerado a base de um programa que invista num aumento significativo do abastecimento de energia (hipocarbónica), incluindo o hidrogénio, integre os diferentes vetores energéticos, crie uma rede elétrica à escala europeia para compensar o caráter intermitente da energia eólica e solar e desenvolva tecnologias para o armazenamento de energia.

3.7

Sem uma estratégia industrial ecológica como pedra angular do Pacto Ecológico Europeu, a UE nunca conseguirá alcançar uma economia neutra em carbono no espaço de uma geração. O Pacto Ecológico definirá e moldará a elaboração de políticas no domínio da indústria, não apenas durante o mandato da Comissão agora iniciado, mas também por muito tempo depois.

3.8

Os painéis solares, os parques eólicos e as baterias são elementos essenciais para o novo paradigma industrial. No entanto, também requerem matérias-primas que são controladas pelos nossos concorrentes na cena internacional. A política industrial deve ser acompanhada por uma política comercial e externa firme que, por sua vez, garanta o acesso seguro a estes recursos.

3.9

A fim de alcançar o nível de investimento necessário para financiar o Pacto Ecológico, deve prever-se também uma revisão das regras em matéria de auxílios estatais para o investimento em produtos e processos hipocarbónicos. Além disso, os recém-criados Fundo de Inovação e Fundo de Modernização, bem como as receitas dos leilões do regime de comércio de licenças de emissão, proporcionarão (eventualmente) recursos adicionais para apoiar uma política industrial sustentável e fazer face ao impacto social da transição.

4.   Europa digital

4.1

As novas tecnologias estão a mudar a forma como vivemos, consumimos e fazemos negócios. Estamos a debater uma estratégia para as redes 5G, enquanto outras potências económicas estão a investir em tecnologias 6G. Para poder ser um líder mundial, a Europa deve aproveitar as suas vantagens competitivas e, ao mesmo tempo, financiar a investigação e o desenvolvimento. Até agora, temos ficado atrás dos EUA, da China e de outros países em determinadas tecnologias. Esta tecnologia digital é a pedra angular de qualquer transição para a Indústria 4.0. O CESE considera que é fundamental para a Europa ultrapassar este fosso, equilibrando as preocupações de segurança com as necessidades económicas.

4.2

É essencial investir na inteligência artificial e na utilização inteligente dos dados, protegendo simultaneamente a privacidade das empresas e dos consumidores europeus, mas tal só será possível direcionando os fundos europeus destinados à inovação para as novas tecnologias digitais. As PME desempenham um papel vital neste processo, sendo por isso essencial financiá-las de forma a poderem crescer e inovar. O CESE já afirmou que «[a] Comissão deveria analisar e complementar (sem as substituir) as iniciativas privadas que visam o intercâmbio de boas práticas e experiências entre os inovadores» e que «a UE deve implementar um quadro político, fiscal e regulamentar para apoiar a implantação destes novos modelos sustentáveis em grande escala» (6).

4.3

As tecnologias desenvolvidas na Europa são, demasiadas vezes, comercializadas noutros locais. A UE não foi capaz de criar gigantes tecnológicos. Muito poucas jovens empresas inovadoras de topo evoluem para grandes empresas com elevada intensidade de investigação e desenvolvimento. Para ultrapassar a etapa final que permite a uma empresa em fase de arranque transformar-se numa empresa plenamente desenvolvida, é importante completar a criação de um mercado europeu de capitais unificado, incluindo um mercado europeu para o capital de risco.

4.4

A indústria europeia terá de ser digitalizada ou deixará de existir, ultrapassada por concorrentes mais eficientes e mais rápidos. Tal exigirá também um reforço do investimento para aumentar a capacidade de crescimento de novos setores das tecnologias da informação e comunicação, como a economia dos dados, a Internet das coisas, a computação na nuvem, a inteligência artificial e a produção avançada. O investimento em infraestruturas digitais tem de chegar a todas as regiões e todos os Estados-Membros.

4.5

É fundamental dotar a mão de obra europeia de competências digitais para a nova fase de industrialização. A adaptação à era digital exige mão de obra qualificada e devidamente preparada. O CESE já afirmou que «[o]s trabalhadores europeus devem ter acesso a programas de formação, requalificação profissional, melhoria das competências e aprendizagem ao longo da vida, a fim de beneficiarem plenamente da evolução tecnológica» (7). Para tal, são necessários instrumentos ativos do mercado de trabalho, bem como sistemas eficazes de segurança social baseados na solidariedade, a fim de preservar o modelo social europeu.

4.6

A estratégia da Comissão em matéria de dados deve ser complementada por um regulamento relativo à concorrência leal na economia digital, monitorizado por uma autoridade da concorrência no domínio digital. Neste contexto, os espaços de dados para setores estratégicos propostos pela Comissão também exigirão regulamentação sobre o acesso, a livre circulação, a proteção de dados e a utilização de algoritmos específicos, que organizem o acesso a dados industriais em condições justas, razoáveis e não discriminatórias. Além disso, os progressos na digitalização de conjuntos de dados e nas tecnologias inovadoras devem cumprir plenamente o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e a Diretiva relativa à reutilização de informações do setor público.

5.   Uma UE competitiva a nível mundial

5.1

A competitividade futura da indústria europeia é essencial para que a economia europeia progrida numa economia mundial cada vez mais multipolar, com tensões geopolíticas crescentes. O caminho a seguir é o do aprofundamento do mercado único, com condições de concorrência mais equitativas relativamente às empresas de países terceiros. Um mercado interno funcional deve ser apoiado por uma política comercial forte para combater barreiras internacionais e práticas não concorrenciais. O Regulamento que estabelece um regime de análise dos investimentos diretos estrangeiros na União (8), que entrará em vigor em outubro de 2020, é um passo importante para proteger os ativos essenciais da UE, mas o CESE salienta que deve ser permanentemente monitorizado e, se necessário, atualizado e modificado.

5.2

O mercado interno proporciona uma vantagem competitiva à Europa e está no centro da sua cooperação. Representa a base da nossa competitividade a nível mundial. Proteger e desenvolver o mercado interno devem ser objetivos centrais da nova política industrial, mediante a aplicação de medidas que melhorem o desenvolvimento e a eficácia do mercado interno e das quatro liberdades.

5.3

O CESE reafirma que «[o]s encargos administrativos e a burocracia continuam a ser um obstáculo significativo às empresas em fase de arranque e em expansão». Por conseguinte, insta a Comissão Europeia a evitar aumentar estes encargos administrativos através de sobrerregulamentação e a procurar formas de os racionalizar e reduzir (9), desde que tal não ponha em causa direitos sociais e ambientais.

5.4

No que diz respeito à investigação e ao desenvolvimento, o CESE exorta a Comissão a:

manter e cumprir a ambição de investir 3 % do produto interno bruto da UE em investigação e desenvolvimento, a fim de ultrapassar o fosso que nos separa dos nossos principais concorrentes, como os EUA e o Japão;

continuar a desenvolver um mercado europeu para o capital de risco que melhore o financiamento para projetos inovadores, de alto risco e com elevado potencial;

assegurar que a primeira aplicação industrial de uma atividade de investigação e desenvolvimento financiada por fundos públicos tenha lugar na UE;

reforçar os sistemas de inovação nas regiões periféricas ou confrontadas com mudanças estruturais.

5.5

A UE precisa de desenvolver o empreendedorismo para relançar o emprego, o crescimento e a confiança. A União deve promover e financiar programas de educação concebidos para impulsionar a criação de novas empresas no futuro. A educação é o caminho a seguir, e ensinar o empreendedorismo às gerações mais jovens poderá traduzir-se na criação de mais empresas e num ambiente económico e social muito mais sustentável.

5.6

Nos seus esforços para impulsionar a inovação, os Estados-Membros e a Comissão devem procurar recriar o ambiente de agrupamentos de inovação bem-sucedidos, como Silicon Valley. Uma regulamentação favorável, incentivos fiscais, uma mão de obra qualificada e um acesso facilitado ao financiamento permitirão aos inovadores europeus permanecer na Europa e desenvolver as suas ideias.

5.7

A UE não conseguirá manter a liderança na inovação sem políticas inteligentes em matéria de propriedade intelectual. É necessário assegurar que a inovação e as patentes europeias estão bem protegidas contra as intenções hostis e a espionagem económica. Por conseguinte, a aplicação da patente europeia com efeito unitário é indispensável.

5.8

A Europa não pode continuar a reagir ingenuamente à concorrência desleal. Proteger os consumidores, as empresas e o mercado único europeus é fundamental para que a nossa economia prospere. Todos os interessados em fazer parte do mercado único devem cumprir estas regras e respeitá-las plenamente, incluindo os princípios de neutralidade climática.

5.9

O CESE insta a Comissão a acelerar a adoção do Livro Branco sobre um instrumento para as subvenções estrangeiras, que abordará os efeitos de distorção provocados por subvenções estrangeiras no mercado único.

5.10

O CESE já apelou a uma política industrial orientada para o «valor de uso» na Europa, adaptada em termos territoriais, que promova os agrupamentos e a cooperação, através da qual a preservação da variedade conduz a benefícios de escala seguindo os princípios da simbiose industrial e da economia circular (10).

5.11

A anunciada reforma do quadro da concorrência é extremamente necessária. O CESE lamenta, contudo, que a revisão das regras da UE em matéria de concorrência tenha sido adiada para 2021. Não há espaço para manobras políticas na conceção desta reforma; a abordagem deve basear-se na evolução a nível mundial e não apenas, como tem acontecido até agora, no mercado único.

5.12

Além disso, há que aumentar a cooperação e a interação entre os vários níveis de governo local e nacional e a UE. O CESE solicitou diversas vezes maiores sinergias, afirmando que: «Importa promover plataformas de comunicação e de cooperação, com a participação de todos os Estados-Membros. O que funciona num Estado-Membro pode funcionar igualmente noutro e a investigação realizada por um Estado-Membro pode ser utilizada ou aperfeiçoada por outro. […] [N]enhum Estado-Membro conseguirá desempenhar sozinho um papel proeminente no mundo.» (11)

5.13

Para fazer face às diferenças de preço do carbono a nível internacional, devem ser ponderadas várias medidas: introdução de medidas de ajustamento nas fronteiras, normas ambientais a cumprir pelos importadores, subsídios às exportações hipocarbónicas, utilização de instrumentos de defesa comercial e iniciativas para abordar as diferenças de preço do carbono nos acordos de comércio livre. O objetivo final deve ser a fixação de um preço para o carbono a nível mundial.

5.14

É fundamental libertar o potencial dos mercados de capitais europeus. Realizar a União dos Mercados de Capitais e criar as condições de mercado certas para que as empresas se financiem através dos mercados permitirá que as empresas da UE tenham acesso aos instrumentos adequados para financiar cada fase do seu desenvolvimento.

5.15

O CESE lamenta que a dimensão regional da dupla transição tenha sido, em grande medida, ignorada na comunicação. No entanto, acolhe com agrado a proposta (no âmbito do Plano de Recuperação da UE) de aumentar consideravelmente os recursos do Fundo para uma Transição Justa, de 7,5 mil milhões de euros para 40 mil milhões de euros. O CESE espera que este aumento permita responder às necessidades de todas as regiões que enfrentam uma profunda transformação industrial.

5.16

Uma melhor integração e coordenação do conjunto de instrumentos para a política industrial, juntamente com estruturas de governação adequadas, deverão permitir que a Europa cumpra a sua ambição de se tornar uma economia verde, digital e circular, aumentando simultaneamente a sua autonomia estratégica e resiliência económica.

5.17

As estruturas intermédias, como as redes de PME, as agências de desenvolvimento regional, os agrupamentos de empresas, as alianças industriais e as parcerias público-privadas devem apoiar e reforçar as cadeias de valor estratégicas e reunir todas as forças dinâmicas (PME inovadoras, grandes empresas, institutos de investigação, empresas da economia social e poderes públicos) para consolidar os ecossistemas económicos.

6.   Coronavírus

6.1

A pandemia de COVID-19 provocou uma grave recessão económica (segundo as previsões do BCE, a contração económica atingirá 8,7 % este ano (12)) que, ao contrário de outras crises no passado, implica choques tanto na oferta como na procura. Devem ser utilizados todos os meios para evitar que a perda temporária da produção industrial se transforme numa perda permanente e/ou que um problema de liquidez se transforme numa crise de solvência.

6.2

Por conseguinte, o CESE congratula-se com a proposta da Comissão relativa a um Plano de Recuperação da UE (incluindo o fundo de recuperação Next Generation EU). Este plano:

conferirá um impulso à nova estratégia industrial através do reforço do InvestEU, da criação de um Mecanismo de Investimento Estratégico e do novo Instrumento de Apoio à Solvência;

proporciona uma resposta verdadeiramente europeia à crise pandémica que, além de ser ambiciosa, terá um impacto macroeconómico significativo. Contribuirá para evitar uma maior destruição de capital (incluindo humano), restaurar a confiança e gerar importantes efeitos multiplicadores;

contribui para evitar uma recuperação assimétrica e reforça a coesão interna e a solidariedade;

aumenta substancialmente os recursos do Fundo para uma Transição Justa;

promove as nossas prioridades sociais e económicas comuns: regresso da indústria à normalidade, promoção dos investimentos públicos e privados na dupla transição digital e ecológica, desenvolvimento de programas comuns para a reconstrução industrial, apoio ao emprego em atividades orientadas para o futuro.

6.3

O CESE exorta as instituições a chegarem rapidamente a acordo, a fim de dar início, o mais rapidamente possível, à execução do plano. A combinação do Pacto Ecológico, do Plano de Recuperação e da nova estratégia industrial proporciona um conjunto de instrumentos poderoso e coerente para combater a recessão e preparar o nosso futuro comum.

6.4

Com tantos setores industriais paralisados pelo confinamento, o CESE considera:

urgente avaliar a profundidade do impacto da crise da COVID-19 nos setores e cadeias de valor industriais, a fim de identificar e abordar as necessidades específicas de cada setor e, consequentemente, restabelecer a produção e o emprego;

necessário re(construir) cadeias de valor industriais integradas na UE, a fim de impulsionar a autonomia estratégica e a resiliência económica da Europa; a relocalização das atividades estratégicas deve ser apoiada e a segurança do aprovisionamento deve ser garantida em setores como a energia, os cuidados de saúde e os princípios ativos farmacêuticos.

6.5

É muito claro que a UE deve demonstrar a sua força e o seu poder neste período difícil. O CESE salienta que os Estados-Membros apenas conseguirão superar esta crise agindo de forma coordenada, sem deixar ninguém para trás. Não há margem para ideias populistas e planeamento nacional. A solidariedade, a cooperação e o respeito mútuo são essenciais para uma recuperação rápida, que, para ser sustentável, deve ter em conta todas as lições retiradas da forma como os ecossistemas foram desrespeitados no passado.

6.6

A flexibilização das regras orçamentais só apoiará investimentos produtivos se um dos objetivos for a convergência ascendente dos Estados-Membros com rendimentos mais baixos. Chegou o momento de propor medidas concretas para provar que a solidariedade europeia existe efetivamente em ações e não apenas em palavras.

6.7

É provável que as PME sejam as empresas mais atingidas pela crise, uma vez que, geralmente, dependem de grandes empresas e têm pouca liquidez. É fundamental encontrar o instrumento adequado para apoiar todas as PME da Europa, e o CESE saúda a intenção de ajudar as PME a expandir-se e a atrair mão de obra qualificada, por exemplo através da introdução de opções sobre ações concedidas a empregados (13).

6.8

Importa identificar e apoiar os setores e as indústrias fundamentais, desde os recursos humanos até à investigação, com vista a uma política industrial europeia que proteja esses setores estratégicos do mercado e garanta a segurança do abastecimento de equipamentos essenciais, como ventiladores, máscaras e outros produtos. Para tal, há que apoiar as empresas que relocalizam a sua capacidade de produção na Europa, o que permite à UE recuperar o controlo da produção e assegura autonomia relativamente ao mercado mundial, sempre em consonância com uma transição ecológica justa. A dependência crescente da UE das importações de medicamentos e de princípios ativos farmacêuticos pode criar problemas sistémicos, provocando escassez de medicamentos e riscos para a saúde, o que suscita sérias preocupações relativamente à autonomia estratégica da UE.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Conforme definida pela Global Footprint Network (https://www.footprintnetwork.org/).

(2)  JO C 14 de 15.1.2020, p. 95.

(3)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 20.

(4)  JO C 14 de 15.1.2020, p. 95.

(5)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 98.

(6)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 57.

(7)  JO C 228 de 5.7.2019, p. 58.

(8)  Regulamento (UE) 2019/452 (JO L 79 I de 21.3.2019, p. 1).

(9)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 20.

(10)  JO C 97 de 24.3.2020, p. 31.

(11)  JO C 228 de 5.7.2019, p. 67.

(12)  https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/economic-performance-and-forecasts/economic-forecasts/spring-2020-economic-forecast-deep-and-uneven-recession-uncertain-recovery_pt.

(13)  COM(2020)103 final.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/116


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de Ação a Longo Prazo para Melhorar a Aplicação e o Cumprimento das Regras do Mercado Único

[COM(2020) 94 final]

e b) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Identificar e Superar as Barreiras ao Mercado Único

[COM(2020) 93 final]

(2020/C 364/16)

Relator:

Gerardo LARGHI

Correlator:

Gonçalo LOBO XAVIER

Consulta

a)

Comissão Europeia, 22.4.2020

b)

Comissão Europeia, 22.4.2020

Base jurídica

a) e b) Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

25.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

212/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia a Comunicação da Comissão — Plano de Ação a Longo Prazo para Melhorar a Aplicação e o Cumprimento das Regras do Mercado Único (1).

1.2.

O CESE está disponível para apoiar a Comunicação da Comissão — Identificar e Superar as Barreiras ao Mercado Único (2), subscrevendo-a.

1.3.

O CESE considera que a aplicação insuficiente ou inadequada das regras da UE é desde há muito o calcanhar de Aquiles do direito da UE, tendo conduzido a uma inação relativamente a muitos casos de fraude e de práticas ilegais. A aplicação do direito da UE é essencial para reforçar a confiança das empresas e dos consumidores e assegurar que o mercado único cumpre todo o seu potencial para as empresas, os trabalhadores e os consumidores.

1.4.

O CESE considera que uma estratégia de aplicação eficaz deve: 1) assentar numa parceria forte que envolva todas as partes interessadas pertinentes; 2) permitir uma maior cooperação a nível europeu entre as redes de responsáveis pelo cumprimento da legislação existentes, a fim de garantir que os problemas que afetam vários setores em simultâneo são visados; 3) desenvolver estratégias e meios para combater as infrações de grande alcance ao direito da UE, sempre que seja possível adotar uma única medida de execução eficaz e transparente para proteger todas as partes interessadas e assegurar a aplicação transnacional da lei; 4) utilizar o potencial das novas tecnologias.

1.5.

O CESE exorta a Comissão a prever no plano de ação um papel claramente definido para os intervenientes da sociedade civil, nomeadamente os empregadores, os trabalhadores e os consumidores.

1.6.

O CESE apoia plenamente a ideia da Comissão Europeia de fazer da SOLVIT o instrumento por excelência para resolver de forma eficaz os problemas ligados a barreiras injustificadas ao mercado único; no entanto, é importante que a SOLVIT seja dotada de um procedimento mais estruturado para remeter os casos importantes à Comissão e intervir em todos os setores e domínios de ação.

1.7.

O CESE congratula-se com a iniciativa que visa melhorar as avaliações ex ante das disposições que impõem medidas restritivas ao abrigo da Diretiva Teste de Proporcionalidade (3). A participação das partes interessadas no processo que visa testar a proporcionalidade deve ser a norma e não a exceção.

1.8.

O Portal Digital Único proporciona uma solução digital às necessidades de informação em linha sentidas pelas empresas e pelos consumidores. Os balcões únicos serão rapidamente integrados no Portal Digital Único, pelo que as empresas e os consumidores apenas terão de se dirigir a um ponto único para obter assistência e informações.

1.9.

O CESE subscreve o apelo da Comissão para que o Parlamento Europeu e o Conselho adotem a proposta respeitante à aplicação da Diretiva 2006/123/CE relativa aos serviços no mercado interno, instituindo um procedimento de notificação para os regimes de autorização e os requisitos relativos aos serviços (4).

1.10.

O Comité salienta que a crise ligada à propagação da COVID-19 acarreta riscos graves para o mercado único, nomeadamente um eventual aumento das diferenças entre os países da UE em termos de desenvolvimento económico, garantias sociais e níveis de prosperidade quando a pandemia terminar.

1.11.

O Comité observa que apesar dos resultados positivos reais do mercado único, as empresas e os consumidores continuam a assinalar que subsistem demasiados entraves.

1.12.

O CESE concorda com o plano de ação da Comissão, segundo o qual «[p]ara superar as atuais barreiras ao mercado único, há que fomentar uma verdadeira parceria, a nível europeu e dos Estados-Membros, entre os vários intervenientes responsáveis pela aplicação e o cumprimento».

1.13.

O CESE exorta, portanto, a Comissão a recorrer à nova estratégia para o cumprimento das regras do mercado único de modo a criar um quadro colaborativo forte que envolva todas as partes interessadas ativas na aplicação do direito da UE. As organizações devem, nomeadamente, participar plenamente nos trabalhos do grupo de trabalho para o cumprimento das regras do mercado único (Single Market Enforcement Task-Force, SMET) anunciado, que deverá servir de fórum para debater questões horizontais de aplicação da legislação.

1.14.

O CESE considera que a aplicação da legislação é essencialmente um problema horizontal, pelo que não deve ser tratado de forma compartimentada. É essencial organizar e racionalizar melhor o fluxo de trabalho entre as diferentes redes de responsáveis pelo cumprimento da legislação e facilitar o intercâmbio de informações e de boas práticas entre elas.

1.15.

O Regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor contribuiu para estabelecer uma ponte entre as organizações da sociedade civil e as autoridades responsáveis pela aplicação da lei através de um maior reconhecimento da sua cooperação. No entanto, embora positivo, este quadro permanece incompleto e exige melhorias adicionais, por exemplo na rapidez da resposta aos alertas dados pelos cidadãos.

1.16.

O CESE considera que os dados e a inteligência artificial podem ser utilizados para ajudar a monitorizar os mercados. Considera, por conseguinte, que estas ferramentas digitais devem ser desenvolvidas a nível da UE e partilhadas por todas as partes interessadas.

1.17.

Hoje em dia, as autoridades responsáveis pela aplicação da lei têm de fazer face a uma proliferação de práticas desonestas no mercado único, mas a sua atividade está amiúde condicionada por restrições orçamentais rigorosas. Neste contexto, o Comité apela a uma melhor utilização dos recursos escassos, a uma maior coordenação entre as redes existentes, ao desenvolvimento de novas sinergias entre todos os intervenientes e a novos instrumentos assentes em novas tecnologias que possam contribuir para a aplicação efetiva do direito da UE.

2.   Comunicação — Plano de Ação a Longo Prazo para Melhorar a Aplicação e o Cumprimento das Regras do Mercado Único [COM(2020) 94 final] — INT/899

2.1.   Desafios para o mercado único

2.1.1.

O mercado único está no cerne do projeto europeu e facilitou a vida aos consumidores e às empresas europeias. Um mercado único que funciona bem deve permitir aos cidadãos da UE beneficiar de uma gama mais vasta de bens e serviços e de melhores oportunidades de emprego. O mercado único deve estimular as trocas comerciais e a concorrência, sendo fundamental para alcançar as transformações ecológica, industrial e digital da UE.

2.1.2.

Para o efeito, a Europa deve estabelecer criteriosamente as prioridades e avançar de acordo com critérios claramente definidos no sentido de uma orientação política clara em que dê prioridade absoluta às pessoas.

2.1.3.

Para reforçar a cooperação em matéria de aplicação das regras do mercado único, a Comissão anunciou a criação de um grupo de trabalho para o cumprimento das regras do mercado único (Single Market Enforcement Task-Force, SMET), com a missão de avaliar o estado de conformidade da legislação nacional com as regras do mercado único, dar prioridade às barreiras mais prementes, combater a «sobrerregulamentação», debater as questões horizontais de aplicação da legislação e acompanhar a execução do plano de ação proposto. A este respeito, o grupo de trabalho para o cumprimento das regras do mercado único deve estabelecer critérios claros que permitam determinar quais os obstáculos mais prementes em função do seu valor económico.

2.1.4.

A Comissão pretende ainda acionar os mecanismos preventivos para: evitar o aparecimento de novas barreiras à prestação de serviços no mercado único; melhorar a capacidade de deteção de situações de não conformidade; criar uma plataforma em linha para o cumprimento das regras (laboratório de «e-enforcement») para partilhar informações sobre produtos industriais e de consumo ilegais e não conformes; criar um ponto de acesso à informação único europeu para as autoridades, a fim de que estas possam efetuar controlos dos produtos não alimentares, e o futuro balcão único aduaneiro; tornar o Sistema de Informação do Mercado Interno (IMI) no instrumento por excelência; criar um instrumento que permita aos cidadãos e às empresas comunicar de forma anónima os obstáculos regulamentares com que se deparam no exercício dos seus direitos no mercado interno; melhorar o cumprimento da legislação agroalimentar da UE (incluindo a saúde animal e a fitossanidade); avaliar a possibilidade de integrar as estruturas existentes (rede de cooperação de defesa do consumidor, rede da União para a conformidade dos produtos ou o Observatório Europeu das Infrações aos Direitos de Propriedade Intelectual) num laboratório financiado ao abrigo do Programa a favor do Mercado Único ou do Programa Europa Digital para testar e aplicar soluções informáticas avançadas; reforçar a luta contra a contrafação e os produtos ilegais, incluindo os que são produzidos ou montados dentro da UE a partir de componentes importados, e alargar as competências atuais do OLAF; reforçar o cumprimento da legislação na cadeia agroalimentar; elaborar sistemas de rotulagem e rastreabilidade promovendo a utilização de ferramentas digitais para permitir controlos mais específicos nas fronteiras externas e no interior da UE; fazer da SOLVIT o instrumento por excelência para a resolução de litígios no âmbito do mercado único; simplificar os procedimentos de tratamento de processos, para que a avaliação preliminar das queixas seja concluída num prazo de dois meses, a fim de determinar já nesse momento as próximas etapas do processo; utilizar o EU Pilot em condições e com calendários claramente definidos, para os casos em que pareça possível encontrar rapidamente uma solução.

2.2.   Observações na generalidade

2.2.1.

O CESE considera que a conclusão do mercado único, assim como a aplicação efetiva das suas regras são fundamentais enquanto meio — e não fim — para alcançar os objetivos políticos consagrados nos Tratados fundadores da União Europeia.

2.2.2.

As principais barreiras identificadas na comunicação são as seguintes: opções regulamentares a nível nacional e da UE; transposição, aplicação e cumprimento da legislação; capacidade administrativa e prática nos Estados-Membros; enquadramento empresarial e de consumo em geral; e outras causas não relacionadas com a política pública, como a língua ou a cultura.

2.2.3.

Fazer da SOLVIT o instrumento por excelência: o CESE secunda o objetivo de utilizar, por norma, os procedimentos da SOLVIT para resolver os problemas ligados a barreiras injustificadas ao mercado único. No entanto, esta rede só se pode servir do diálogo e da sua capacidade de persuasão; além disso, não pode intervir quando já tenha sido intentada uma ação judicial. A SOLVIT necessita de um procedimento mais estruturado para remeter os casos importantes à Comissão. Ao mesmo tempo, é importante que a SOLVIT intervenha em todos os setores e domínios de ação.

2.2.4.

A melhoria das avaliações ex ante das disposições que impõem medidas restritivas ao abrigo da Diretiva Teste de Proporcionalidade (5) é uma medida muito positiva. No entanto, a Comissão deve prestar assistência estruturada e fornecer orientações aos Estados-Membros sobre a forma de efetuar avaliações ex ante da proporcionalidade das novas disposições nacionais previstas que limitem o acesso às profissões regulamentadas, em conformidade com a Diretiva Teste de Proporcionalidade. Ademais, a participação das partes interessadas no processo que visa testar a proporcionalidade deve ser a norma e não a exceção.

2.2.5.

Obtenção de informações e procedimentos administrativos: o Portal Digital Único proporciona uma solução digital às necessidades de informação em linha sentidas pelas empresas e pelos consumidores; no entanto, de acordo com a legislação em vigor relativa ao mercado único, os Estados-Membros também devem informar as empresas através de balcões únicos. Vários atos legislativos da UE preveem a centralização dos balcões únicos. Estes balcões serão rapidamente integrados no Portal Digital Único, pelo que as empresas e os consumidores apenas terão de se dirigir a um ponto único para obter assistência e informações. As empresas devem receber apenas uma única resposta coordenada.

2.2.6.

Atualmente, a UE vê-se abalada nas suas bases quer por fatores externos, como a pandemia em curso que causou muitas mortes e pânico, empurrando toda a economia da UE para uma recessão, quer por fatores internos, como a ausência do espírito de solidariedade que lhe deu origem. Questionamo-nos, portanto, sobre o que é necessário para criar um mercado único que não seja um mero exercício técnico e legislativo, repensando o modelo do projeto europeu no seu conjunto. Faz todo o sentido que nos interroguemos se uma Europa unida, tal como alguns a idealizamos, tantos empenhadamente a tentaram construir e outros se têm encarregado de a ir paulatinamente destruindo, pelo menos desde a rejeição da Constituição da UE, ainda aí estará no horizonte de 2050, como modelo de liberdade, farol de cultura, paladino da paz, apólogo da fraternidade dos povos e arauto da igualdade das gentes, num mundo sem discriminações nem barreiras.

2.2.7.

O exposto assume maior relevância no momento atual, particularmente conturbado, com a Europa sufocada por uma crise sistémica prolongada, que já não é simplesmente conjuntural, nem apenas económica e financeira, mas também de valores sociais e culturais, cuja única via de saída credível é, aos olhos de um número considerável de cidadãos, o abandono da pura visão monetária e economicista em prol de uma verdadeira União política.

2.2.8.

O CESE é da opinião de que a crise da COVID-19, a qual afetou todos os países europeus, é a ocasião de repensar todo o sistema, não apenas do ponto de vista organizativo, mas também para gerar novas ideias e conceber novos modelos de negócio.

2.2.9.

Os sistemas de proteção civil não funcionaram em todos os países para fazer face à crise. Pelo contrário, em muitos locais esses sistemas falharam: nem os governos centrais, nem os municípios, nem os cidadãos revelaram estar preparados para uma situação de emergência e as respostas foram amiúde lentas e dispendiosas e, por vezes, desconcertantes.

2.2.10.

Tornou-se evidente que em alguns setores a Europa depende de países terceiros, uma situação que implica repensar algumas das bases da União Europeia, a qual deve demonstrar capacidade para reagir e reorganizar-se. Haverá que dar especial atenção à contratação pública ao nível municipal, regional e estatal, assim como ao apoio aos fornecedores locais: os contratos públicos devem ser sinónimo de garantia de segurança económica.

2.2.11.

Importante papel tem a normalização conduzida pelo mercado segundo o modelo da «nova aproximação», aplicada não apenas a produtos mas igualmente aos serviços.

2.2.12.

Convém analisar acuradamente a necessidade, a eficácia e os efeitos das medidas a adotar, para que, na normalização da prestação de serviços, faça sentido diferenciar claramente os serviços prestados no mercado único.

2.2.13.

O CESE concorda com a Comissão quanto à importância de cada intervenção destinada a promover o desenvolvimento, a aplicação e o cumprimento do direito da UE no mercado único. Domínios como os bens e serviços, os contratos públicos, a fiscalização do mercado, o direito das sociedades, o direito dos contratos e extracontratual, a luta contra o branqueamento de capitais, a livre circulação de capitais, os serviços financeiros, a concorrência e o desenvolvimento de instrumentos de governação exigem, com urgência, a criação de um mercado único que respeite os direitos dos cidadãos, dos produtores, dos trabalhadores e dos consumidores, sem pôr em causa uma atividade económica equilibrada.

2.2.14.

O CESE apela para um mercado único justo que tenha em conta a necessidade de respeitar as regras do trabalho, dos consumidores e do ambiente, em conformidade com a nova estratégia industrial para a Europa recentemente proposta (6) e os princípios consagrados no programa da Comissão para a economia circular, com os quais o CESE já se declarou plenamente de acordo e que devem ser liderados pela Europa.

2.2.15.

O CESE apoia a decisão de criar um grupo de trabalho para o cumprimento das regras do mercado único (Single Market Enforcement Task-Force, SMET), composto pelos Estados-Membros e pela Comissão, em conformidade com as propostas e as recomendações formuladas pelo CESE em várias ocasiões (7).

2.2.16.

O CESE sublinha a importância de lutar sistematicamente contra todos os casos de «sobrerregulamentação» e de aplicação não conforme da legislação, que tantas vezes no passado prejudicaram o funcionamento normal do mercado. O CESE solicita com veemência poder participar no referido grupo de trabalho, pelo menos, na qualidade de observador.

2.2.17.

Como já referiu em vários pareceres anteriores (8), o CESE concorda com os riscos e atrasos identificados pela Comissão na conclusão do mercado único associados à fragmentação do mercado, às discrepâncias nas regras aplicáveis, à insegurança relativamente à confidencialidade dos dados, à utilização sem escrúpulos e por vezes sem controlo das redes informáticas e ao facto de estarem disponíveis em linha serviços ilegais, devido sobretudo à não aplicação da lei por falta de fiscalização e sanções pelos serviços competentes da Comissão. O CESE recomenda que as várias direções-gerais da Comissão deem uma resposta transversal a estes problemas.

2.2.18.

O CESE lamenta que a legislação da UE continue a não ser efetivamente cumprida. Para os cidadãos europeus assume neste aspeto relevância primordial a consagração, sem ambiguidades e sem novos atrasos, do direito à ação coletiva a nível europeu, como forma de ajudar a assegurar, em último recurso, a adequada responsabilização pelo incumprimento da legislação da UE e assim contribuindo para o seu voluntário acatamento (9).

2.2.19.

O CESE sublinha que, muitas vezes, são os Estados-Membros que violam as regras acordadas no mercado único ou criam e toleram barreiras no direito nacional, com o objetivo de criar uma proteção adicional no seu mercado e daí derivar vantagens para as empresas nacionais. Essas vantagens são amiúde a muito curto prazo, mas prejudicam as PME e as empresas em fase de arranque, assim como os cidadãos e os consumidores, que correm o risco de se depararem com produtos não conformes ou têm menos possibilidades de escolha.

2.2.20.

Por este motivo, o CESE apoia o apelo da Comissão para que o Parlamento Europeu e o Conselho adotem a proposta de diretiva relativa à notificação das regras nacionais no âmbito da Diretiva Serviços (10). No entanto, o acordo não deve comprometer a Diretiva Serviços em vigor prevendo derrogações da obrigação de notificação no que se refere às restrições territoriais (incluindo o ordenamento do território urbano) ou privando a Comissão dos seus atuais poderes de decisão.

2.3.   Observações na especialidade

2.3.1.

A dimensão do mercado único permite à UE influenciar a configuração de um sistema de comércio multilateral, aberto, não discriminatório e assente em regras. As empresas de países terceiros devem cumprir a legislação da UE para poderem ter acesso ao mercado único, incluindo nos domínios da saúde, ambiente, segurança dos produtos e dos alimentos e defesa do consumidor.

2.3.2.

O CESE saúda a decisão da Comissão de integrar os instrumentos já operacionais para promover o aprofundamento do mercado único com novos instrumentos (como um ponto de informação central a que os funcionários públicos dos Estados-Membros se podem dirigir sobre questões práticas com que se deparam; a criação de plataformas para o intercâmbio com os Estados-Membros, como a utilizada para as diretivas relativas à contratação pública; um acesso mais eficaz à informação sobre regras e requisitos para os utilizadores através do Portal Digital Único).

2.3.3.

O CESE recomenda que a Comissão dê mais orientações sobre os seguintes princípios:

a)

subsidiariedade e «subsidiariedade dupla»;

b)

reconhecimento mútuo;

c)

inovação e precaução;

d)

o interesse geral no que diz respeito a determinados serviços (por exemplo, banca e seguros).

2.3.4.

O CESE concorda com a decisão de colocar uma tónica especial nos contratos públicos. Há que ajudar os administradores e os beneficiários de fundos da UE a melhorar as suas práticas em matéria de contratos públicos, a fim de assegurar condições de concorrência equitativas e utilizar a contratação pública como um instrumento estratégico para alcançar objetivos políticos fundamentais, como os princípios da economia circular.

3.   Comunicação — Identificar e Superar as Barreiras ao Mercado Único [COM(2020) 93 final] — INT/908

3.1.   Barreiras ao mercado único

3.1.1.

A comunicação da Comissão que visa identificar e suprimir as barreiras ao mercado único centra-se em 13 barreiras principais, as quais não são apenas de natureza regulamentar ou administrativa, mas também de natureza prática. As empresas e os consumidores que operam na UE enfrentam frequentemente vários obstáculos ao mesmo tempo. Trata-se, em especial, das pequenas e médias empresas (PME), dos profissionais liberais e dos consumidores.

3.1.2.

Para propor eventuais soluções, tanto a nível da UE como dos Estados-Membros, a comunicação identifica cinco causas profundas: opções regulamentares a nível nacional e da UE; transposição, aplicação e cumprimento da legislação; capacidade administrativa e práticas nos Estados-Membros; enquadramento empresarial e de consumo em geral; e causas profundas não relacionadas com a política pública, como a língua e a cultura.

3.1.3.

Por vezes, parece que os Estados-Membros violam as regras acordadas no mercado único ou criam e toleram barreiras no direito nacional, com o objetivo de criar uma proteção adicional no seu mercado e daí derivar vantagens para as empresas nacionais.

3.2.   Observações na generalidade

3.2.1.

O CESE toma nota do texto da comunicação da Comissão que identifica as principais barreiras remanescentes para alcançar um verdadeiro mercado único. Essas barreiras não são apenas de natureza regulamentar ou administrativa, mas também de natureza prática, pelo que as empresas e os consumidores que operam na UE enfrentam frequentemente vários obstáculos ao mesmo tempo. Esta situação tem um impacto negativo nas PME e nos profissionais liberais em particular.

3.2.2.

O CESE considera que uma estratégia de aplicação eficaz deve: 1) assentar numa parceria forte que envolva todas as partes interessadas; 2) permitir uma maior cooperação a nível europeu entre as redes de responsáveis pelo cumprimento da legislação existentes, a fim de garantir que as infrações são visadas e os problemas complexos que afetam vários setores em simultâneo são tratados; 3) desenvolver estratégias e meios para combater eficazmente as infrações de grande alcance ao direito da UE, sempre que seja possível adotar uma única medida de execução para proteger todas as partes interessadas e assegurar a aplicação transnacional da lei; 4) utilizar o potencial das novas tecnologias para promover ações de cumprimento da lei mais eficientes e fiscalizar mais de perto o mercado.

3.2.3.

O CESE considera que a aplicação insuficiente ou inadequada das regras da UE é desde há muito o calcanhar de Aquiles do direito da UE, tendo-se traduzido por uma inação relativamente a muitos casos de fraude e de práticas ilegais. É essencial uma aplicação rigorosa do direito da UE para reforçar a confiança dos consumidores e assegurar que as empresas, os trabalhadores e os consumidores beneficiam de todo o potencial do mercado único.

3.2.4.

Os danos provocados com a saída do Reino Unido da UE serão amplificados pelos danos causados ao mercado único pela crise da COVID-19. Tal poderá significar que, quando a pandemia terminar, as diferenças entre os países da UE em termos de desenvolvimento económico, de garantias sociais e de níveis de prosperidade aumentarão, com consequências para o mercado único e o seu desenvolvimento.

3.2.5.

O CESE considera que as circunstâncias gerais atuais contribuem para a tendência de reduzir cada vez mais o mercado único a uma mera zona de comércio livre e a projetá-lo no futuro não como a consequência natural de um projeto político supranacional, mas apenas como o menor denominador comum dos interesses nacionais dos países.

3.2.6.

Por conseguinte, o CESE insta as instituições europeias e as organizações da sociedade civil pertinentes a informarem claramente os cidadãos europeus sobre os limites do mercado único, de forma que eles tenham uma noção realista do que podem esperar realmente da sua realização e aplicação efetiva. Para o efeito, importa não exigir medidas por vezes supérfluas e injustificadas que, na realidade, entravam apenas o funcionamento das empresas, em especial das PME (11), em que se enquadram também as profissões liberais, ou medidas de harmonização completa que não se justificam, porque devem prevalecer outros princípios, como os direitos dos consumidores e a defesa do consumidor. O mercado único deve garantir o lema «fortes na diversidade» que deve ser central na política europeia, em paralelo com os aspetos da harmonização.

3.2.7.

Importante papel tem a normalização ou standardização segundo o modelo da «nova aproximação», aplicada não apenas a produtos mas igualmente aos serviços.

3.2.8.

A elaboração de um plano a longo prazo, como o que foi preparado pela Comissão para eliminar as barreiras ainda existentes, é um objetivo ambicioso e louvável, mas deve ser acompanhado de um investimento forte nos processos de informação, alerta, aprendizagem, formação, integração e normalização.

3.3.   A dimensão social do mercado único

3.3.1.

O CESE reitera o seu apelo à Comissão para que tenha em conta a dimensão social da UE tendo em vista promover a criação de emprego digno e de qualidade, promover a mobilidade transfronteiras, melhorar as aptidões e competências e aumentar os investimentos em prol das PME que se consideram particularmente afetadas pelas restrições impostas pelas regras da UE e as que menos beneficiam da situação atual. Por conseguinte, o CESE congratula-se com a adoção da Estratégia para as PME com vista a uma Europa Sustentável e Digital.

3.3.2.

O CESE considera que as regras estabelecidas para o mercado único só são úteis se permitirem desenvolver uma economia social de mercado saudável, a fim de prevenir a pobreza, a desigualdade, a discriminação e a exclusão social, com especial destaque para a inclusão dos jovens na sociedade.

3.3.3.

Há uma perceção generalizada nas PME e nos trabalhadores assalariados de que são os que mais perderam com as crises económicas, a introdução do euro e agora a pandemia extremamente grave, que atirou a economia europeia para a presente recessão. Esta situação impõe uma comunicação mais simples, direta e eficaz de cada intervenção a favor do mercado único europeu, assim como uma desburocratização dos procedimentos, e regras redigidas de forma compreensível para todos os cidadãos.

3.3.4.

O CESE insta igualmente a Comissão a incluir, na perspetiva da economia verde e no próprio plano de ação para o mercado único, regras para o setor da economia social que assegurem condições de concorrência equitativas para as empresas da economia social e promovam o desenvolvimento deste setor.

3.3.5.

O apoio aos jovens empresários e aos produtos e serviços inovadores é um elemento-chave do Programa a favor do Mercado Único. O CESE acolhe favoravelmente a decisão de apoiar novos modelos comerciais, designadamente, a economia circular, as tecnologias avançadas, as soluções com baixas emissões de CO2 e eficientes em termos de recursos e outras iniciativas, que visem, por exemplo, a promoção da internacionalização das empresas, a atração de talentos e a melhoria das competências do pessoal.

3.3.6.

O CESE concorda com a ideia de apoiar as PME que investem em projetos digitais. Esses projetos devem ser concebidos para beneficiar as empresas, os consumidores e a sociedade civil no seu conjunto.

3.4.   Observações na especialidade

3.4.1.

O CESE salienta as dificuldades que as empresas europeias enfrentam quando concorrem nos mercados mundiais com oligopólios ou monopólios que, em alguns casos, são propriedade do Estado. São disso exemplo os setores ferroviário, do transporte aéreo e da energia eólica, em que as empresas europeias enfrentam uma concorrência feroz (de empresas de países terceiros, nomeadamente a China).

3.4.2.

O CESE apoia a Comissão no seu combate para assegurar a conformidade dos produtos das plataformas em linha para garantir que não são colocados no mercado produtos inseguros ou ilícitos. Sublinha a importância de todas as medidas destinadas a verificar a conformidade dos produtos vendidos nas plataformas de comércio eletrónico e a assegurar, tanto quanto possível, a segurança dos produtos na cadeia de abastecimento global em linha.

3.4.3.

No entanto, o CESE recomenda que a Comissão considere também, no âmbito deste exercício, questões como a inteligência artificial, as comunicações comerciais, a comercialização e a publicidade, as garantias jurídicas e contratuais na venda de bens e serviços, bem como disposições específicas para a implementação e a aplicação do mercado interno nos setores bancário e dos seguros.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2020) 94 final.

(2)  COM(2020) 93 final.

(3)  JO L 173 de 9.7.2018, p. 25.

(4)  COM(2016) 821 final.

(5)  JO L 173 de 9.7.2018, p. 25.

(6)  COM(2020) 102 final.

(7)  Ver JO C 43 de 15.2.2012, p. 14 e os outros pareceres acima citados.

(8)  Ver lista apensa.

(9)  O CESE já dedicou vários pareceres a esta questão, nomeadamente: JO C 309 de 16.12.2006, p. 1; JO C 324 de 30.12.2006, p. 1; JO C 162 de 25.6.2008, p. 1; JO C 228 de 22.9.2009, p. 40; JO C 128 de 18.5.2010, p. 97.

(10)  COM(2016) 821 final.

(11)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 51.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/124


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — A Hora da Europa: Reparar os Danos e Preparar o Futuro para a Próxima Geração

[COM(2020) 456 final]

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um orçamento da UE que potencia o plano de recuperação da Europa

[COM(2020) 442 final]

Proposta de regulamento do Conselho que cria um Instrumento de Recuperação da União Europeia destinado a apoiar a recuperação na sequência da pandemia de COVID-19

[COM(2020) 441 final/2 — 2020/0111 (NLE)]

Proposta alterada de regulamento do Conselho que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027

[COM(2020) 443 final — 2018/0166 (APP)]

Proposta alterada de decisão do Conselho relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia

[COM(2020) 445 final — 2018/0135 (CNS)]

Proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE, Euratom) n.o 1311/2013 do Conselho que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período 2014-2020

[COM(2020) 446 final — 2020/0109 (APP)]

Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte Europa — Programa-Quadro de Investigação e Inovação e que define as suas regras de participação e difusão, Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o programa específico de execução do Horizonte Europa — Programa-Quadro de Investigação e Inovação, Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional, Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define regras para o apoio aos planos estratégicos a estabelecer pelos Estados-Membros no âmbito da política agrícola comum (planos estratégicos da PAC) e financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho

[COM(2020) 459 final — 2018/0224 (COD)]

(2020/C 364/17)

Relator-geral:

Petru Sorin DANDEA

Relator-geral:

Tommaso DI FAZIO

Relator-geral:

Petr ZAHRADNÍK

Consultas

Parlamento Europeu, 17.6.2020 [COM(2020) 459 final — 2018/0224 (COD)]

Conselho da União Europeia, 10.6.2020 [COM(2020) 459 final — 2018/0224 (COD)]

Comissão Europeia, 17.6.2020:

COM(2020) 441 final/2 — 2020/0111 (NLE)

COM(2020) 442 final

COM(2020) 443 final — 2018/0166 (APP)

Comissão Europeia, 2.7.2020:

COM(2020) 445 final — 2018/0135(CNS)

COM(2020) 446 final — 2020/0109 (APP)

COM(2020) 456 final

Base jurídica

Artigos 43.o, n.o 2, 173.o, n.o 3, 182.o, n.o 1, 188.o e 304.o do TFUE

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Decisão da Mesa

9.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

206/4/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE está ciente das graves consequências económicas e sociais da pandemia de COVID-19 para todos os Estados-Membros e, por essa razão, apoia firmemente a proposta da Comissão — Next Generation EU — enquanto instrumento específico para uma recuperação rápida e eficaz. A Comissão teve em conta as assimetrias económicas e sociais causadas pelas medidas adotadas após a crise de 2008 e baseou as suas ações no princípio da solidariedade entre todos os países, sem esquecer nenhum, regressando, assim, aos valores fundadores da União Europeia, tal como consagrados no Tratado fundador, aplicando-os de forma resoluta.

1.2

O CESE está bem ciente da situação económica grave e extraordinária causada pela pandemia e concorda com o conjunto de medidas adotadas para atenuar o impacto negativo no desempenho económico. As consequências variaram, incluindo não só um choque sem precedentes na procura e uma redução da liquidez, mas também a suspensão das cadeias de abastecimento e problemas sérios do lado da oferta, tendo as cadeias de abastecimento sido interrompidas e muitas empresas enfrentado problemas com componentes, mão de obra, matérias-primas, etc., cessando os seus processos de produção por essa razão. Neste contexto, as medidas previstas têm também de ser excecionais, e o CESE solicita que sejam muito abrangentes.

1.3

Assim, o CESE congratula-se com a decisão de dotar a União de um instrumento financeiro substancial que permita a todos os Estados-Membros uma retoma económica e social rápida e eficaz. Além disso, o CESE acolhe favoravelmente a decisão da Comissão de dotar o fundo de recuperação extraordinário de tudo o que for necessário para revitalizar a economia da União e, também, confirmar a sua posição competitiva a nível mundial, juntamente com as realizações sociais características da União Europeia, que também se devem manter um objetivo essencial.

1.4

O CESE tem uma visão muito positiva das duas decisões principais da Comissão. A primeira requer a criação de um instrumento extraordinário de retoma financeira como parte do Quadro Financeiro Plurianual (QFP). O QFP é um instrumento cujas regras processuais são aceites por todos os Estados-Membros, que funciona bem já há muito tempo e que, por conseguinte, está plenamente operacional. A segunda decisão principal consiste em aumentar a dívida comum, que será reembolsada durante um longo período, e evitar que os encargos financeiros extraordinários recaiam diretamente, a curto prazo, sobre os Estados-Membros, que estão — todos eles, sem exceção — a sofrer os efeitos económicos e sociais negativos da pandemia em maior ou menor grau.

1.5

A segunda decisão levou a Comissão a solicitar autorização para aproveitar a elevada notação de crédito da União Europeia no mercado financeiro, a fim de obter, em parcelas sucessivas, empréstimos europeus comuns a muito longo prazo, com taxas de juro baixas para todos os Estados-Membros. O esforço financeiro deve contribuir para relançar a economia europeia o mais rapidamente possível, restabelecer a confiança e construir uma União mais sustentável e mais justa.

1.6

O CESE congratula-se com as duas decisões fundamentais adotadas, uma vez que, como afirmado repetidamente nos documentos legislativos e não legislativos que foram apresentados, as economias dos Estados-Membros já não conseguem resistir por si só aos efeitos adversos da crise, dado que são altamente interdependentes devido aos muitos anos de consolidação do mercado único, que teve o efeito positivo pretendido pelos fundadores da UE e pelos Tratados fundadores.

1.7

De um modo geral, no contexto mais amplo de todo o QFP, o instrumento Next Generation EU ilustra como se podem mobilizar e utilizar no futuro os recursos financeiros comuns da UE. Além disso, o montante total de 750 mil milhões de euros pode parecer gigantesco, mas não ultrapassa de certeza os meios económicos da UE (corresponde a apenas 4,1 % do PIB da UE em 2019) e pode ser reembolsado na íntegra até 2058.

1.8

O CESE congratula-se com a abordagem inovadora e original que a Comissão Europeia está a adotar para aumentar a base orçamental da UE, passando de 1,1 % do PIB da UE para cerca de 1,7 % em termos comparáveis, ou ainda mais, se necessário, no futuro. O CESE considera que esta resposta ilustra como se podem mobilizar e utilizar no futuro os recursos financeiros comuns da UE de forma moderna.

1.9

O CESE congratula-se vivamente com o facto de o novo instrumento proposto dever ser estreitamente coordenado com o processo do Semestre Europeu, que demonstrou a sua viabilidade, e apoia a proposta de os Estados-Membros especificarem as suas necessidades nos planos nacionais de recuperação e resiliência.

1.10

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão de um orçamento da UE que visa introduzir verdadeiros recursos próprios suplementares com base em impostos diferentes (receitas do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia, tributação dos serviços digitais, rendimentos das grandes empresas). Em particular, o CESE salienta que o enorme apoio financeiro requerido pelos Estados-Membros da UE para superar a crise económica deve ser acompanhado de um projeto de reforma orçamental mais ambicioso — uma União Orçamental — com o objetivo de estabelecer um regime fiscal harmonizado baseado nos princípios da concorrência leal e da solidariedade e evitar as distorções e as discriminações existentes nos países da UE que conduziram a comportamentos oportunistas, tanto dos Estados como dos contribuintes individuais, e que comprometeram a unidade do mercado único.

1.11

O CESE insta a Comissão Europeia a elaborar um documento de base consensual e devidamente justificado sobre os recursos financeiros próprios da UE; o CESE compreende o prazo de reembolso longo do instrumento Next Generation EU, mas a solução final relativa aos recursos próprios tem de ser adotada muito antes dessa data.

1.12

O CESE solicita vivamente que as medidas propostas pela Comissão sejam aplicadas o mais rapidamente possível, dado que o fator tempo é essencial. Insta, por conseguinte, o Conselho a chegar sem demora a um consenso, persuadindo os Estados-Membros que atualmente se opõem ao plano do valor da unidade e da coesão, neste momento difícil, e recordando-lhes que todos os países, sem exceção, são económica e socialmente interdependentes.

1.13

Por último, o CESE gostaria de salientar que a crise acentuou novamente a necessidade de acelerar as reformas empreendidas para a área do euro e de ultrapassar as limitações que ainda impedem uma verdadeira integração económica, social, orçamental e política. Trata-se de algo que o CESE já destacou durante a crise financeira anterior que eclodiu em 2008.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1

Em resposta à pandemia de COVID-19 e às suas consequências económicas e sociais imediatas, em 27 de junho de 2020, a Comissão Europeia propôs um instrumento de recuperação temporário no montante de 750 mil milhões de euros denominado Next Generation EU, a fim de reforçar a capacidade financeira do orçamento da UE.

2.2

O instrumento de recuperação está inserido no Quadro Financeiro Plurianual reforçado para 2021-2027, para canalizar rapidamente o investimento para onde é mais necessário, reforçar o mercado único, intensificar a cooperação em domínios como a saúde e a gestão de crises, e dotar a União de um orçamento de longo prazo para impulsionar as transições ecológica e digital e construir uma economia mais justa e resiliente.

2.3

O plano de recuperação consiste num elemento de subvenção de 440 mil milhões de euros, que será distribuído por todas as rubricas do orçamento. Além disso, serão disponibilizados 60 mil milhões de euros em garantias. Cerca de 250 mil milhões de euros serão disponibilizados aos Estados-Membros sob a forma de empréstimos.

2.4

A fim de financiar as medidas de recuperação propostas, a Comissão contrairá empréstimos nos mercados financeiros até ao montante de 750 mil milhões de euros em nome da União, para medidas de recuperação a executar no período de 2021-2024.

2.5

Para que tal seja possível, a Comissão utilizará a margem de manobra — a diferença entre o limite máximo dos recursos próprios do orçamento de longo prazo (o montante máximo de fundos que a União pode solicitar aos Estados-Membros para cobrir as suas obrigações financeiras) e o limite máximo das despesas efetivas (limite máximo das dotações de pagamento estabelecido no QFP).

2.6

Os limites máximos dos recursos próprios devem ser aumentados numa base temporária e excecional em 0,6 pontos percentuais. Tal aumento acresce aos limites máximos permanentes dos recursos próprios — 1,40 % do rendimento nacional bruto da UE, que é proposto devido às incertezas económicas e ao Brexit. Este aumento de 0,6 pontos percentuais cessa quando todos os fundos contraídos tiverem sido reembolsados e todos esses passivos deixarem de existir.

2.7

Com a margem orçamental da UE como garantia, a União poderá emitir dívida em condições relativamente vantajosas, em comparação com muitos Estados-Membros. Os fundos obtidos serão reembolsados por futuros orçamentos da UE após 2027 e, o mais tardar, em 2058. Tais empréstimos serão reembolsados pelos Estados-Membros mutuários.

2.8

Uma vez que o elemento de empréstimo é composto por 250 mil milhões de euros, a UE deve reembolsar coletivamente 500 mil milhões de euros através do mecanismo de recursos próprios (no entanto, a UE também será responsável pelos incumprimentos de empréstimos dos Estados-Membros relativamente aos restantes 250 mil milhões de euros).

2.9

A fim de facilitar o reembolso do financiamento de mercado obtido e de ajudar a reduzir ainda mais a pressão sobre os orçamentos nacionais, a Comissão irá propor outros recursos próprios adicionais — para além dos já propostos — numa fase posterior do período financeiro 2021-2027, os quais estarão estreitamente ligados às prioridades da UE (alterações climáticas, economia circular e tributação justa).

2.10

A utilização dos fundos do pacote de recuperação assenta em três pilares.

2.10.1

PILAR 1 — Apoiar os Estados-Membros a recuperarem, repararem danos e saírem fortalecidos da crise: tal inclui uma gama de instrumentos para apoiar o investimento e as reformas nos Estados-Membros, concentrando-se nos domínios em que o impacto da crise e as necessidades de reforço da resiliência são maiores:

um novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência dotado de 560 mil milhões de euros para apoiar investimentos e reformas em prol da recuperação e da resiliência;

a iniciativa REACT-EU disponibilizará 55 mil milhões de euros de financiamento adicional da política de coesão até 2022;

alterações ao Fundo Social Europeu Mais;

uma proposta de reforçar o Fundo para uma Transição Justa com cerca de 40 mil milhões de euros;

uma proposta de reforçar o orçamento do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural com 15 mil milhões de euros.

2.10.2

PILAR 2 — Relançar a economia e ajudar a desbloquear o investimento privado:

um novo Instrumento de Apoio à Solvabilidade utilizará a garantia do orçamento da UE para mobilizar recursos privados com vista a prestar apoio urgente aos capitais próprios de empresas europeias viáveis de todos os setores económicos;

um programa InvestEU reforçado, que é particularmente indicado para mobilizar investimento e apoiar as políticas da União no decorrer da recuperação em domínios como as infraestruturas sustentáveis, a inovação e a digitalização;

no âmbito do programa InvestEU, a Comissão propõe a criação do Mecanismo de Investimento Estratégico destinado a aumentar a resiliência da Europa através do desenvolvimento de autonomia estratégica em cadeias de abastecimento vitais a nível europeu.

2.10.3

PILAR 3 — Colher ensinamentos da crise e dar resposta aos desafios estratégicos da Europa:

o novo Programa UE pela Saúde, dotado de 9,4 mil milhões de euros, que assegurará que a União dispõe de capacidades críticas para reagir rapidamente a futuras crises sanitárias;

o reforço em 2 mil milhões de euros do Mecanismo de Proteção Civil da União — rescEU;

o reforço do Horizonte Europa, que totalizará 94,4 mil milhões de euros;

o aumento do Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional para 86 mil milhões de euros, através de uma nova Garantia para a Ação Externa, e do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável em mil milhões de euros suplementares;

um montante adicional de 5 mil milhões de euros para o Instrumento de Ajuda Humanitária.

2.11

Para além dos reforços no âmbito do instrumento Next Generation EU, a Comissão propõe reforçar outros programas para que possam desempenhar plenamente o seu papel no que toca a tornar a União mais resiliente e a enfrentar desafios gerados pela pandemia e pelas suas consequências:

o Programa Europa Digital, o Mecanismo Interligar a Europa, o programa do mercado único e os programas que apoiam a cooperação fiscal e aduaneira, o Programa Erasmus +, o Programa Europa Criativa, a política agrícola comum, o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, o Fundo para o Asilo e a Migração, o Fundo de Gestão Integrada das Fronteiras, o Fundo para a Segurança Interna e a assistência de pré-adesão da União.

2.12

O fundo de recuperação está integrado na estrutura do orçamento da UE. Em consequência, a afetação exigirá programação e está associada ao Semestre Europeu (e, por conseguinte, à condicionalidade macroeconómica), bem como aos sistemas de gestão orçamental e de controlo da Comissão Europeia, sendo aplicável o controlo orçamental do Parlamento Europeu.

2.13

A fim de atravessar o período de transição até à ratificação da Decisão Recursos Próprios alterada e de disponibilizar os fundos necessários aos trabalhadores, às empresas e aos Estados-Membros já em 2020, a Comissão propõe igualmente ajustar o atual orçamento de longo prazo para 2014-2020, de forma a permitir um aumento das despesas ainda em 2020.

2.14

A estratégia de crescimento da UE, o Pacto Ecológico Europeu — incluindo o Mecanismo para uma Transição Justa proposto em janeiro — e as estratégias digital e industrial da União são essenciais para a recuperação sustentável da UE e continuam a estar no centro das propostas da Comissão, uma vez que são fundamentais para relançar a nossa economia e preparar o futuro para a próxima geração. Assim, todos os planos nacionais de recuperação e resiliência devem incluir investimentos e reformas para os fazer avançar.

2.15

Apesar de, em maio de 2018, ter proposto a eliminação de todas as correções do lado das receitas, atendendo ao impacto económico da pandemia de COVID-19, a Comissão defende agora que a eliminação progressiva das correções e o plano de recuperação poderão implicar aumentos desproporcionados das contribuições de determinados Estados-Membros no próximo orçamento de longo prazo. Para o evitar, a Comissão propõe eliminar progressivamente as correções atuais ao longo de um período muito mais alargado.

2.16

Outro elemento essencial que se mantém no pacote de recuperação é a proposta da Comissão de um regulamento sobre a proteção do orçamento da UE em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito.

3.   Observações na generalidade

3.1

No que diz respeito ao plano de recuperação que a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, apresentou ao Parlamento Europeu, em 27 de maio de 2020, o CESE aprecia particularmente e partilha as motivações profundas e significativas que conduziram ao Next Generation EU. Este instrumento constitui um pacto justo entre gerações que criará uma União Europeia mais sólida e orientada para o futuro e disporá dos meios adequados para a tornar mais forte e mais coesa, de modo que as gerações futuras dela venham a beneficiar amplamente, em vez de suportarem apenas o ónus da dívida contraída hoje a muito longo prazo.

3.2

O CESE refere, em particular, as razões pelas quais considera a proposta extraordinária, mesmo revolucionária:

pela primeira vez, os recursos orçamentais da UE devem funcionar com uma dívida implícita, que será reembolsável nos trinta anos seguintes;

pela primeira vez, os recursos serão tomados de empréstimo nos mercados financeiros, e a solução será testada no mercado; durante esse período, o montante total será garantido pela UE no seu conjunto;

a solução pode conduzir a um aumento futuro dos recursos próprios da UE e à redução correspondente da sua dependência direta das contribuições dos Estados-Membros;

reforçará igualmente a base financeira da União, passando de 1,1 % do PIB da UE, como atualmente, para cerca de 1,7 % em termos comparáveis;

a solução é muito favorável, não só para os países diretamente afetados pela pandemia, mas também para os que necessitam de assistência no âmbito das suas reformas estruturais;

a proposta assenta essencialmente na utilização de instrumentos financeiros, que garantirão uma repartição mais eficiente dos recursos.

3.3

Nesta fase, há que evitar as repercussões negativas recíprocas, demonstrando solidariedade em relação aos países mais afetados pela pandemia e/ou às economias menos sólidas, devido aos desequilíbrios e limitações atuais da área do euro.

3.4

O CESE toma nota do anúncio do instrumento Next Generation EU, bem como da proposta, apresentada na proposta alterada de QFP 2021-2027, de aumentar a base orçamental da UE e adaptá-la às atuais necessidades urgentes. As medidas orçamentais propostas complementam igualmente as medidas já tomadas no âmbito das políticas monetária e estrutural, bem como dos quadros regulamentares.

3.5

Em vários pareceres anteriores, nomeadamente no seu parecer de 2018 sobre o QFP 2021-2027, o CESE apelou a um orçamento da UE sólido e a que a UE se dotasse dos recursos financeiros para concretizar de forma credível a sua agenda política (1).

3.6

Em termos de financiamento do orçamento da UE, o CESE e o Parlamento Europeu solicitam, desde há muito, um montante suficientemente elevado de recursos próprios autónomos, transparentes e equitativos, bem como uma mudança da posição dominante das contribuições baseadas no RNB. O CESE apoia as conclusões do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios, presidido por Mario Monti (2). Os métodos para aumentar as receitas devem complementar e reforçar os objetivos estratégicos da UE. Por conseguinte, o CESE acolhe com agrado a proposta da Comissão que prevê verdadeiros recursos próprios suplementares (3).

3.7

O CESE insta a Comissão Europeia a elaborar um documento estratégico de base e um teste de viabilidade para os recursos financeiros próprios. O CESE entende que levará algum tempo até à adoção de uma solução final, mas estima que seria muito útil poder eliminar a atual incerteza quanto à forma de financiamento do orçamento da UE. Sem uma solução, todo este conceito será muito vulnerável.

3.8

O CESE toma nota da proposta da Comissão, no contexto do plano de recuperação, no sentido de eliminar progressivamente as correções atuais referentes a determinados Estados-Membros que são contribuintes líquidos durante um período de tempo mais longo do que o previsto em 2018. No entanto, o CESE mantém a posição expressa nos seus pareceres recentes, onde apela ao fim de todas as correções (4).

3.9

Uma vez que o Next Generation EU foi integrado no orçamento da UE, tal implicará uma associação ao Semestre Europeu — em termos de condicionalidade — e ao sistema de gestão e controlo da Comissão, que está também sob o controlo do Parlamento Europeu. O CESE chama a atenção para o facto de os potenciais conflitos entre os Estados-Membros e a Comissão ou entre a Comissão e o Parlamento Europeu poderem conduzir a atrasos significativos na repartição dos fundos.

3.10

O CESE considera que os Estados-Membros devem melhorar significativamente a sua capacidade de programação para, nos primeiros três anos do novo quadro financeiro, se proceder à repartição de fundos adicionais no valor de 165 mil milhões de euros e os utilizar eficazmente. O Comité recomenda igualmente que a Comissão considere a possibilidade de flexibilizar as regras, a fim de apoiar os Estados-Membros na programação adicional necessária.

3.11

O CESE congratula-se com a carta enviada pelos presidentes dos principais grupos políticos do Parlamento Europeu, em que incentivam o Conselho Europeu e o Conselho a chegarem rapidamente a um acordo assente na proposta da Comissão. O CESE concorda igualmente com a resolução do Parlamento, de 15 de maio de 2020, na qual este preconiza um pacote de medidas de recuperação no montante de 2 biliões de euros para fazer face às consequências da COVID-19 (5).

3.12

O CESE reconhece que o pacote destinado a criar um instrumento de recuperação e a adaptar o QFP para 2021-2027 às necessidades do período pós-COVID-19 é considerado um passo extraordinário no financiamento da UE, que é também necessário e urgente. A política orçamental da UE, nas circunstâncias atuais, não teria simplesmente sido suficientemente flexível e capaz de apoiar as ações que pudessem contribuir, de forma visível, para resolver a situação de crise.

3.13

O CESE entende igualmente que a proposta é a melhor que poderia ser feita nas circunstâncias políticas atuais.

4.   Observações na especialidade

4.1

No que diz respeito ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o CESE congratula-se com a associação proposta ao processo do Semestre Europeu, bem como aos planos de recuperação e resiliência, que podem constituir a base e a referência para o financiamento.

4.2

No que diz respeito à iniciativa REACT-EU, o CESE congratula-se não só com o aumento bastante robusto da base da política de coesão, mas também com as regras de flexibilidade excecionais concebidas para dar um apoio significativo aos domínios com necessidades e às prioridades urgentes.

4.3

O CESE também apoia firmemente o forte aumento da dotação do Fundo para uma Transição Justa e as medidas propostas nos demais pilares do Mecanismo para uma Transição Justa. O sistema concebido pode agora, com mais facilidade e maior rigor, apoiar a transição estrutural para atividades económicas novas e mais diversificadas, o que constitui uma parte crucial do Pacto Ecológico da UE.

4.4

A fim de regressar à situação económica anterior à crise, é muito importante criar condições favoráveis para os investimentos privados. O CESE congratula-se com a proposta de criar um Instrumento de Apoio à Solvabilidade, que deverá ajudar as empresas saudáveis afetadas pela pandemia.

4.5

O CESE congratula-se com o conteúdo do segundo pilar do instrumento Next Generation EU, que se centra na retoma da atividade de investimento, a ser apoiada por instrumentos financeiros inovadores.

4.6

O CESE congratula-se com o conteúdo do terceiro pilar do instrumento Next Generation EU, que aborda questões que, até à data, têm sido principalmente da responsabilidade dos Estados-Membros.

4.7

O CESE considera que a estrutura do Next Generation EU é bem equilibrada e responde às necessidades que têm de ser satisfeitas pelos recursos comuns da UE, respeitando simultaneamente o princípio da subsidiariedade.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 106; JO C 81 de 2.3.2018, p. 131; JO C 75 de 10.3.2017, p. 63 e JO C 34 de 2.2.2017, p. 1.

(2)  Financiamento futuro — Relatório final e recomendações do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios, dezembro de 2016, https://ec.europa.eu/budget/mff/hlgor/library/reports-communication/hlgor-report_20170104.pdf.

(3)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 106 e JO C 81 de 2.3.2018, p. 131.

(4)  JO C 440 de 6.12.2018, p. 106.

(5)  https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2020-0124_PT.html


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/132


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Mecanismo de Recuperação e Resiliência

[COM(2020) 408 final — 2020/0104 (COD)]

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instrumento de Assistência Técnica

[COM(2020) 409 final — 2020/0103 (COD)]

(2020/C 364/18)

Relator-geral:

Dimitris DIMITRIADIS

Consulta

Conselho da União Europeia, 10.6.2020

Parlamento Europeu, 17.6.2020

Base jurídica

Artigo 175.o, terceiro parágrafo, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

 

 

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

208/4/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe com agrado a proposta de Mecanismo de Recuperação e Resiliência (a seguir designado «mecanismo») (1).

1.2.

Para além da sua dimensão económica, a proposta da Comissão Europeia visa também essencialmente promover o fortalecimento e a unificação da família europeia, uma vez que reforça a solidariedade e a colaboração entre os Estados-Membros.

1.3.

A proposta da Comissão Europeia prova, entre outros aspetos, que a União Europeia, desde que exista vontade política para tal, pode enfrentar eficazmente as crises graves, fornecer soluções sérias e credíveis e assumir os compromissos necessários e realistas, contribuindo, em última análise, para a ampla promoção do ideal europeu.

1.4.

O CESE considera que o mecanismo deve apoiar a transição para a neutralidade climática e a economia digital recorrendo a fundos do Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU (2)) para ajudar a atenuar o impacto socioeconómico da transição nas regiões mais afetadas.

1.5.

À luz da crise provocada pela COVID-19, a necessidade de uma recuperação sustentável, ecológica e digital tornou-se ainda mais premente, a par da necessidade de prestar apoio às regiões mais vulneráveis.

1.6.

O CESE já deixou claro que defende «uma ligação sólida entre o Programa de Apoio às Reformas (3) e o Semestre Europeu» (4). Por conseguinte, os planos apresentados pelos Estados-Membros devem abordar os principais desafios identificados no Semestre Europeu e ser harmonizados com os princípios do Pacto Ecológico Europeu e da Agenda Digital.

1.7.

É necessária uma coordenação rápida e eficaz das ações entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu, a fim de evitar atrasos que possam comprometer a realização dos objetivos do mecanismo.

1.8.

Tendo em conta o curto prazo em que os vários planos de projeto devem ser elaborados e concluídos, é necessária uma resposta imediata e integral dos Estados-Membros.

1.9.

O CESE considera importante que os Estados-Membros colaborem estreitamente com a Comissão Europeia na aprovação, no acompanhamento e na boa conclusão dos planos de projeto apresentados ao abrigo do mecanismo.

1.10.

Os planos devem prever um apoio financeiro direto às pequenas e médias empresas.

1.11.

O CESE considera muito importante que todas as medidas anunciadas, em especial as que prestam apoio financeiro sejam acompanhadas de informações claras destinadas às empresas sobre o tipo de apoio prestado, a forma como uma PME pode aceder efetivamente aos diferentes instrumentos financeiros da UE existentes, o ponto de contacto ao nível da UE para esclarecimento de eventuais dúvidas, quais são os organismos nacionais envolvidos na distribuição dos fundos, quais são os intervenientes nacionais aos quais as PME podem recorrer, qual o papel dos bancos nacionais e quais as suas obrigações.

1.12.

É possível acelerar a apresentação, a aprovação, o acompanhamento e a conclusão dos projetos mediante a participação ativa de empresas de consultoria do setor privado com experiência global nos domínios pertinentes.

1.13.

O CESE salienta, uma vez mais, a necessidade de partilhar as boas práticas na UE e de agilizar os processos burocráticos relativos à atribuição e ao desembolso dos fundos disponíveis, devendo a Comissão Europeia prestar o apoio técnico necessário (5).

1.14.

O papel e os pontos de vista dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil devem ser integrados nos planos apresentados pelos Estados-Membros. Em particular, o CESE já apelou para um papel mais ativo da sociedade civil organizada «para se chegar a um acordo entre a visão da Comissão Europeia e a dos Estados-Membros relativamente ao conteúdo dos programas de reformas» (6).

1.15.

O Instrumento de Assistência Técnica pode funcionar como um complemento eficaz dos pacotes de medidas propostos pela Comissão para fazer face às consequências económicas da pandemia de COVID-19.

2.   Introdução e observações gerais

2.1.

O objetivo do mecanismo proposto é promover a coesão económica, social e territorial da União, através da melhoria da resiliência e da capacidade de ajustamento dos Estados-Membros, da atenuação do impacto social e económico da crise e do apoio às transições ecológica e digital com vista a alcançar a neutralidade climática da Europa até 2050, contribuindo assim para restaurar o potencial de crescimento das economias dos Estados-Membros no rescaldo da crise da COVID-19, favorecendo a criação de emprego e promovendo o crescimento sustentável.

2.2.

O mecanismo será articulado em torno da concessão de apoio financeiro não reembolsável e empréstimos para ajudar os países — em particular aqueles com um rendimento per capita mais baixo e uma elevada taxa de desemprego — a enfrentar adequadamente os graves efeitos económicos da pandemia.

2.3.

Os empréstimos desempenharão um papel complementar ao apoio não reembolsável e beneficiarão dos longos prazos de vencimento e das taxas de juro favoráveis de que a União dispõe.

2.4.

A pandemia de COVID-19, que em 12 de junho de 2020 já tinha custado a vida a mais de 420 000 pessoas (7), é a crise sanitária mundial que marca a nossa época. A COVID-19 é muito mais do que uma crise sanitária: teve um enorme impacto socioeconómico em todo o mundo, cuja dimensão continua a ser difícil de avaliar. De acordo com o último relatório do Banco Mundial sobre a economia mundial, intitulado «Global Economic Prospects» [Perspetivas económicas mundiais] (junho de 2020), o choque do coronavírus causará a mais profunda recessão mundial desde a Segunda Guerra Mundial.

2.5.

A economia mundial deverá registar uma contração de 5,2 % em 2020, o que corresponde a cerca do triplo da dimensão da crise financeira mundial de 2008-2009. Entre as economias avançadas, as taxas de crescimento do PIB real para 2020 deverão ser de -6,1 % nos EUA e de -9,1 % na área do euro, respetivamente. Como indicado explicitamente no relatório do Banco Mundial de junho de 2020 (8), dado que se prevê que mais de 90 % dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento registem uma contração dos rendimentos per capita este ano, muitos milhões de pessoas poderão voltar a uma situação de pobreza.

O choque provocado pela COVID-19 tem as seguintes consequências económicas (9):

1)

um agravamento da incerteza, que provoca um aumento das poupanças de precaução;

2)

uma diminuição do consumo;

3)

uma redução do interesse em investimentos produtivos;

4)

um aumento do desemprego, parte do qual é suscetível de ser permanente;

5)

uma diminuição do volume do comércio mundial, bem como perturbações significativas nas cadeias de abastecimento mundiais;

6)

uma diminuição dos preços dos produtos de base (em particular do preço do petróleo), tornando particularmente difícil o financiamento da balança corrente dos exportadores tradicionais de produtos de base;

7)

um forte aumento dos prémios de risco necessários para a detenção de ativos de risco.

2.6.

Como é agora do conhecimento geral, as medidas que podem ajudar a resolver a crise sanitária podem agravar a crise económica e vice-versa. O achatamento da curva da pandemia acentua inevitavelmente a curva da recessão macroeconómica e põe em perigo todas as cadeias de abastecimento, incluindo as essenciais para a sobrevivência humana (produtos alimentares e medicamentos). Caso o impacto da pandemia continue a aumentar, poderão seguir-se crises financeiras, conduzindo a um colapso nos empréstimos, uma recessão mundial prolongada e uma recuperação mais lenta. Como referido no relatório do Banco Mundial sobre as perspetivas económicas mundiais, publicado em junho de 2020, o aumento dos níveis de dívida tornou o sistema financeiro mundial mais vulnerável à pressão sobre os mercados financeiros.

2.7.

Por conseguinte, é necessária uma intervenção financeira urgente e em larga escala, a fim de limitar as consequências económicas da crise recente e tornar as economias dos Estados-Membros mais resilientes e mais bem preparadas para o futuro.

2.8.

As prioridades económicas devem ser as seguintes:

1)

é importante assegurar que a mão de obra permanece ativa, mesmo em situação de quarentena ou de confinamento em casa;

2)

os governos devem canalizar o apoio financeiro para as instituições públicas e privadas que apoiam os grupos de cidadãos vulneráveis;

3)

as PME devem ser protegidas de situações de insolvência (a necessidade de utilizar dinheiro dos contribuintes para apoiar as grandes sociedades não financeiras é muito menos evidente);

4)

serão necessárias políticas para apoiar o sistema financeiro à medida que os créditos não produtivos aumentem;

5)

devem ser adotados pacotes de medidas orçamentais comparáveis à perda do PIB devida à crise.

2.9.

A Comissão propõe agora a mobilização de um orçamento reforçado da UE para ajudar a reparar os danos económicos e sociais imediatos causados pela pandemia de COVID-19, lançar a recuperação e preparar um futuro melhor para a próxima geração. A fim de assegurar que a recuperação seja sustentável, equilibrada, inclusiva e equitativa para todos os Estados-Membros, a Comissão Europeia propõe a criação de um novo instrumento de recuperação denominado Next Generation EU, que se inscreve num orçamento da UE a longo prazo forte, moderno e renovado. A iniciativa emblemática do Next Generation EU é o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (10).

3.   Princípios gerais do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e do Instrumento de Assistência Técnica

3.1.

O CESE acolhe muito favoravelmente e apoia as propostas de criação de um Mecanismo de Recuperação e Resiliência (a seguir designado «mecanismo») e de um Instrumento de Assistência Técnica (a seguir designado «instrumento»), cujo objetivo consiste em proporcionar apoio financeiro em larga escala para os investimentos públicos e as reformas, em especial no domínio das transições ecológica e digital, que devem não só tornar as economias dos Estados-Membros mais resilientes e mais bem preparadas para o futuro, mas também as ajudar a superar as consequências da pandemia de forma mais rápida e eficaz.

3.2.

O CESE está profundamente preocupado com as consequências económicas da pandemia nos Estados-Membros, em particular no que se refere ao aumento das taxas de desemprego, que em alguns Estados-Membros do sul chegou mesmo a atingir 33 % entre os jovens, bem como ao aumento das taxas de pobreza.

3.3.

O CESE concorda que a pandemia parece ser o pior choque económico desde a Grande Depressão, com consequências devastadoras para milhões de cidadãos e empresas e, obviamente, suscetível de agravar as disparidades económicas e sociais, acarretando o risco de uma grande fragmentação (11).

3.4.

O CESE já salientou que a evolução económica recente «não se deu de modo uniforme em todo o território da União e da área do euro e […] os avanços em matéria de convergência permanecem insatisfatórios. A questão da sustentabilidade é também um desafio cada vez mais complexo para a UE» (12).

3.5.

No entender do CESE, «[a] integração europeia encontra-se numa encruzilhada. Um ensinamento retirado da longa crise económica recente, e das marcas profundas que deixou [a nível social] em vários Estados-Membros, é que a ausência de convergência económica e social entre os Estados-Membros e as regiões constitui uma ameaça à sustentabilidade política do projeto europeu e a todos os benefícios que este proporcionou aos cidadãos europeus» (13).

3.6.

O CESE considera que «[p]aralelamente a estas iniciativas, deve reforçar-se a competitividade da economia europeia, ou seja, a sua capacidade de aumentar a produtividade e os níveis de vida de uma forma sustentável, transformando-se ao mesmo tempo numa economia com impacto neutro no clima, nomeadamente através da investigação, do desenvolvimento e de mais e melhores competências para a mão de obra» (14).

3.7.

O CESE entende que «[d]esenvolver a resiliência da economia e do mercado de trabalho com sustentabilidade económica, social, ambiental e institucional deve ser o princípio orientador das políticas que estimularão a convergência ascendente e a equidade na transição para uma economia com impacto neutro no clima (ou seja, em que haja um equilíbrio entre as emissões e as absorções de gases com efeito de estufa), gerindo, ao mesmo tempo, os desafios colocados pela digitalização e pelas alterações demográficas» (15). Além disso, o CESE subscreve, por conseguinte, o apelo para que a União Europeia se comprometa a alcançar a neutralidade carbónica em 2050 e, em conformidade, ajuste a sua meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa para 2030. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), intitulado «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões], sustenta que é necessário reduzir, a partir de agora, as emissões mundiais em 7,6 % por ano, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5oC, o que equivale a uma meta de redução global de, pelo menos, 68 % em 2030.

3.8.

Por conseguinte, o CESE concorda que o objetivo principal do mecanismo deve ser:

1)

promover a coesão económica, social e territorial da União,

2)

atenuar o impacto social e económico da crise e

3)

apoiar as transições ecológica e digital com vista a alcançar a neutralidade climática da Europa até 2050, contribuindo assim para restaurar o potencial de crescimento das economias dos Estados-Membros no rescaldo da crise da COVID-19, favorecendo a criação de emprego e promovendo o crescimento sustentável.

3.9.

O CESE salienta que esses investimentos e reformas devem centrar-se nos desafios e nas necessidades de investimento relacionados com as transições ecológica e digital, garantindo assim uma recuperação sustentável.

3.10.

É hoje amplamente reconhecido que as políticas de estímulo ecológico têm vantagens em relação aos estímulos financeiros tradicionais e que as políticas favoráveis ao clima também apresentam vantagens económicas superiores. Os projetos de construção ecológica, como as renovações para efeitos de isolamento ou as infraestruturas de energias renováveis, podem produzir efeitos multiplicadores mais elevados, visto que reduzem os custos da energia a longo prazo, o que tem repercussões indiretas na economia em geral.

3.11.

O CESE concorda que, para além de orientarem os fundos para o controlo da epidemia e para investigação biomédica relevante e de investirem na segurança das fronteiras, nas viagens seguras e no comércio seguro, é chegado o momento de as instituições financeiras e os governos aderirem à taxonomia da UE do investimento sustentável (2019), eliminarem progressivamente os combustíveis fósseis através da implantação de tecnologias de energias renováveis já existentes, reorientarem as subvenções dos combustíveis fósseis para projetos de infraestruturas ecológicas e inteligentes de atenuação e adaptação às alterações climáticas, investirem em economias circulares e com baixas emissões de carbono, transitarem da agricultura industrial para a agricultura regenerativa e investirem na segurança alimentar, promoverem as cadeias de abastecimento europeias, reduzirem as necessidades de transporte e explorarem os limites da revolução digital, assegurando simultaneamente a segurança das redes das TIC (16).

3.12.

O CESE concorda com a Agência Internacional de Energia quando esta afirma que as transições energéticas limpas podem ajudar a relançar a economia europeia, com uma agenda ambiciosa de criação de emprego e objetivos ambiciosos em matéria de alterações climáticas, através da modernização dos sistemas energéticos. Dado que os governos impulsionam, direta ou indiretamente, mais de 70 % do investimento em energia ao nível mundial, neste período de crise, as suas ações são mais importantes do que nunca. As estratégias políticas podem orientar ativamente os investimentos relacionados com a energia para uma via mais sustentável, colocando simultaneamente a eficiência energética, as energias renováveis e o armazenamento em baterias no centro da recuperação económica. Os programas de estímulo às indústrias da energia devem ser considerados prioritários, a fim de apoiar a mão de obra existente, criar novos postos de trabalho e induzir a redução das emissões. A Agência Internacional de Energia (17) recomenda «aproveitar o que já existe e pensar em grande escala». As políticas que já dispõem de estruturas jurídicas e institucionais são as mais fáceis de desenvolver.

3.13.

O CESE concorda firmemente que o mecanismo criado pelo regulamento em apreço contribuirá para generalizar as ações climáticas e a sustentabilidade ambiental, bem como para atingir uma meta global em que 25 % das despesas do orçamento da UE contribuem para apoiar os objetivos climáticos.

3.14.

O CESE está convicto de que o mecanismo deve ser concebido principalmente em torno da prestação de apoio financeiro não reembolsável para ajudar os países — especialmente os que apresentam um rendimento per capita mais baixo e elevada taxa de desemprego — a enfrentarem adequadamente os efeitos económicos graves da pandemia, ao passo que os empréstimos devem desempenhar apenas um papel complementar ao apoio não reembolsável e devem beneficiar dos prazos de vencimento longos e das taxas de juro favoráveis de que a União dispõe.

3.15.

O CESE apoia a intenção da Comissão de aproveitar todo o potencial do orçamento da UE para mobilizar o investimento e antecipar o apoio financeiro nos primeiros anos cruciais da recuperação, através da adoção combinada de um Instrumento Europeu de Recuperação de emergência, no montante de 808 984,090 milhões de euros (a preços correntes) e de um Quadro Financeiro Plurianual (QFP) reforçado para 2021-2027.

3.16.

O CESE defende «a realização de reformas estruturais eficazes, acompanhadas de estratégias de investimento bem orientadas» (18).

3.17.

O CESE concorda com a criação de um Instrumento de Assistência Técnica autónomo, disponível para todos os Estados-Membros, enquanto sucessor do Programa de Apoio às Reformas Estruturais (PARE) (19).

4.   Elaboração dos planos nacionais de recuperação e resiliência, apresentação, avaliação e prazos

4.1.

O CESE considera que os fundos do mecanismo devem ser transferidos o mais rapidamente possível para os Estados-Membros, os quais, por sua vez, os devem utilizar de forma eficiente, a fim de maximizar os benefícios do mecanismo.

4.2.

Os Estados-Membros devem elaborar planos nacionais de recuperação e resiliência que definam a agenda de reformas e de investimento para os próximos quatro anos.

4.3.

O CESE considera que estes planos devem abordar os principais desafios que os Estados-Membros enfrentam, identificados no Semestre Europeu, em domínios como a competitividade, a produtividade, a educação e as competências, a saúde, o emprego e a coesão económica, social e territorial. Devem também assegurar que esses investimentos e reformas se centram de forma adequada nos desafios relacionados com as transições ecológica e digital, de modo a contribuir para a criação de emprego e o crescimento sustentável, assim como para tornar a União mais resiliente.

4.4.

O CESE entende que é necessário reforçar o atual quadro para a prestação de apoio às pequenas e médias empresas e proporcionar apoio financeiro direto às mesmas, através de um instrumento inovador, de forma a protegê-las de uma situação de insolvência.

4.5.

Todas as medidas anunciadas, em especial as que prestam apoio financeiro, devem ser acompanhadas de informação clara destinada às empresas sobre o tipo de apoio prestado, a forma como uma PME pode efetivamente aceder aos diferentes instrumentos financeiros da UE existentes, o ponto de contacto ao nível da UE para esclarecimento de eventuais dúvidas, quais são os organismos nacionais envolvidos na distribuição dos fundos, quais são os intervenientes nacionais aos quais as PME podem recorrer, qual o papel dos bancos nacionais e quais as suas obrigações, etc.

4.6.

O CESE considera que, durante este processo, há que ter seriamente em conta a missão e os pontos de vista dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil.

4.7.

O CESE já propôs «a introdução de uma regra segundo a qual o financiamento concedido a um Estado-Membro dependerá de este ter adotado plenamente o princípio da parceria e de ter associado verdadeiramente os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil aquando da decisão sobre os pacotes de compromisso de reforma plurianuais (20). A aplicação do princípio da parceria é de importância primordial para assegurar a realização de reformas assentes em elementos concretos e na situação atual das economias de cada Estado-Membro» (21).

4.8.

O CESE concorda que os planos sejam avaliados pela Comissão com base em critérios transparentes, nomeadamente: se o plano é suscetível de responder, de forma eficaz, aos desafios identificados no processo do Semestre Europeu, de contribuir para reforçar o potencial de crescimento e a resiliência económica e social do Estado-Membro e de contribuir para reforçar a coesão económica, social e territorial; se o plano inclui medidas que sejam pertinentes para as transições ecológica e digital; e se a estimativa de custos fornecida pelo Estado-Membro é razoável e plausível e é proporcional ao impacto esperado na economia.

4.9.

O CESE considera que a atribuição dos fundos deve ter igualmente em conta os critérios de convergência (22).

4.10.

O CESE considera razoável que:

1)

o apoio financeiro e as ações pertinentes empreendidas pelos Estados-Membros no âmbito do mecanismo sejam antecipados até ao final de 2024 e, no que diz respeito ao apoio financeiro não reembolsável, pelo menos 60 % do total seja autorizado até ao final de 2022;

2)

os Estados-Membros apresentem planos de recuperação e resiliência até 30 de abril, sob a forma de um anexo separado dos respetivos programas nacionais de reformas;

3)

os Estados-Membros possam apresentar um projeto de plano, juntamente com o projeto de orçamento do ano seguinte, em 15 de outubro do ano anterior;

4)

os restantes anos após 2024 e até ao final do QFP (2027) sejam utilizados pela Comissão e pelos Estados-Membros para favorecer a execução das ações pertinentes no terreno e alcançar a recuperação esperada nos setores económicos e sociais relevantes, bem como para promover a resiliência e a convergência.

4.11.

O CESE sublinha a necessidade de se dispor de tempo suficiente para concretizar e alcançar eficazmente os objetivos da proposta de mecanismo. Além disso, chama a atenção para o risco de esse mecanismo, no caso de prevalecerem as opiniões a favor de um período curto de aplicação do plano, não lograr realizar os objetivos que fixou.

4.12.

O CESE destaca a necessidade de uma coordenação rápida e eficaz das ações entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu, a fim de evitar atrasos que possam comprometer a realização dos objetivos do mecanismo. É também necessária uma resposta imediata e integral dos Estados-Membros, tendo em conta o curto prazo em que os vários planos de projeto devem ser elaborados e concluídos. Os Estados-Membros devem colaborar estreitamente com a Comissão Europeia na aprovação, no acompanhamento e na boa conclusão dos planos de projeto apresentados ao abrigo do mecanismo. É possível acelerar a apresentação, a aprovação, o acompanhamento e a conclusão dos projetos mediante a participação ativa de empresas de consultoria do setor privado com experiência global nos domínios pertinentes.

4.13.

O CESE salienta, uma vez mais, a necessidade de partilhar as boas práticas na UE e de agilizar os processos burocráticos relativos à atribuição e ao desembolso dos fundos disponíveis, devendo a Comissão Europeia prestar o apoio técnico necessário (23).

5.   Instrumento de Assistência Técnica

5.1.

O CESE defende as reformas estruturais sólidas orientadas para o desenvolvimento económico e social, incluindo o reforço das capacidades institucionais para melhorar a qualidade administrativa. Há que evitar uma abordagem única para todos os Estados-Membros, pelo que estas reformas devem ser específicas a cada país e ter por base um apoio democrático (24).

5.2.

O CESE concorda que o Instrumento de Assistência Técnica deve ter como objetivo acompanhar as autoridades nacionais dos Estados-Membros requerentes nas várias fases ou em fases específicas do processo de reforma.

5.3.

O CESE salienta a necessidade de o Instrumento de Assistência Técnica apoiar as autoridades dos Estados-Membros nos seus esforços para conceber reformas de acordo com as suas próprias prioridades e reforçar a sua capacidade de desenvolver e aplicar políticas e estratégias de reforma, bem como beneficiar de boas práticas e exemplos de pares.

5.4.

O CESE concorda que o Instrumento de Assistência Técnica pode funcionar como um complemento eficaz dos pacotes de medidas propostos pela Comissão para fazer face às consequências económicas da pandemia de COVID-19.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Mecanismo de Recuperação e Resiliência COM(2020) 408 final de 28.5.2020.

(2)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Um orçamento da UE que potencia o plano de recuperação da Europa, COM(2020) 442 final.

(3)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de uma Função Europeia de Estabilização do Investimento, COM(2018) 387 final.

(4)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 121.

(5)  JO C 237 de 6.7.2018, p. 53.

(6)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 121.

(7)  https://ourworldindata.org/grapher/total-deaths-covid-19

(8)  Banco Mundial, «Global Economic Prospects» [Perspetivas económicas mundiais], junho de 2020.

(9)  Koundouri, P., Documento de trabalho da Universidade de Economia e Gestão de Atenas, 2020.

(10)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Mecanismo de Recuperação e Resiliência, COM(2020) 408 final, de 28.5.2020.

(11)  Observações do comissário Paolo Gentiloni na conferência de imprensa sobre o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, comunicado de imprensa da Comissão Europeia, 28 de maio de 2020.

(12)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 106.

(13)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 23.

(14)  Idem.

(15)  Idem.

(16)  Koundouri, P., «Never Waste a Good Crisis: For a Sustainable Recovery from COVID-19» [Nunca se deve desperdiçar uma boa crise: por uma recuperação sustentável da crise da COVID-19], abril de 2020.

(17)  Agência Internacional de Energia: https://www.iea.org/

(18)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 106.

(19)  Regulamento (UE) 2017/825 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, relativo à criação do Programa de Apoio às Reformas Estruturais para o período 2017-2020 e que altera os Regulamentos (UE) n.o 1303/2013 e (UE) n.o 1305/2013, JO L 129 de 19.5.2017, p. 1.

(20)  Regulamento Delegado (UE) n.o 240/2014 da Comissão, de 7 de janeiro de 2014, relativo ao código de conduta europeu sobre parcerias no âmbito dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (JO L 74 de 14.3.2014, p. 1).

(21)  JO C 237 de 6.7.2018, p. 53.

(22)  Idem.

(23)  Idem.

(24)  Idem.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/139


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o programa InvestEU

[COM(2020) 403 final — 2020/0108 (COD)]

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) 2015/1017 no que diz respeito à criação de um Instrumento de Apoio à Solvabilidade

[COM(2020) 404 final — 2020/0106 (COD)]

(2020/C 364/19)

Relator-geral:

Ronny LANNOO

Consulta

Conselho, 11.6.2020

Parlamento, 17.6.2020

Base jurídica

Artigos 172.o, 173.o, 175.o, n.o 3, 182.o, n.o 1, e 304.o do TFUE

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Decisão da Mesa

9.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

208/0/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Desde o início da crise provocada pela COVID-19, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) manifestou, em várias declarações, a sua convicção de que, nestes tempos de grande incerteza, só um plano abrangente de relançamento da economia europeia nos permitiria fazer face às consequências da pandemia e reconstruir uma economia europeia mais sustentável e mais resiliente.

1.2.

Por conseguinte, o CESE congratula-se com o ambicioso pacote de medidas de recuperação apresentado pela Comissão Europeia e salienta que a recuperação, para ser bem-sucedida, necessita de uma liderança política forte e unânime. O CESE insiste em que a introdução destas medidas reflita a urgência da situação socioeconómica, que é preocupante.

1.3.

A fim de assegurar uma retoma rápida e sustentável da economia europeia, é fundamental disponibilizar os recursos financeiros necessários. Neste sentido, o CESE apoia firmemente o reforço do orçamento da UE e apela aos decisores europeus para que cheguem rapidamente a acordo sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2021-2027 e sobre o novo Instrumento de Recuperação da União Europeia (designado «Next Generation EU»).

1.4.

O CESE congratula-se com o reforço do programa InvestEU e o Instrumento de Apoio à Solvabilidade complementar, apelando para que se chegue rapidamente a acordo sobre estas propostas, com vista a assegurar que ambos os programas se tornem operacionais rapidamente e que um número suficiente de projetos elegíveis seja desenvolvido com o apoio destes programas.

1.5.

Dado que a quase totalidade do programa InvestEU será afetada ao abrigo do Instrumento de Recuperação da União Europeia (designado «Next Generation EU») e não ao abrigo do QFP para 2021-2027, o que significa que terá de ser executado até ao final de 2026, o CESE solicita aos legisladores que adotem disposições para assegurar que não haverá um hiato de financiamento após 2026, antes do início do QFP pós-2027.

1.6.

O CESE reitera o seu apoio (1) ao objetivo da Comissão de reforçar a atividade de investimento na UE no âmbito do próximo orçamento de longo prazo da UE. Este aspeto reveste-se de importância ainda maior à luz da recessão económica resultante da pandemia de COVID-19.

1.7.

O CESE apoia continuamente o destaque dado aos projetos de investimento a longo prazo que se revestem de elevado interesse público e respeitam, simultaneamente, os critérios de desenvolvimento sustentável. É fundamental que a crise provocada pela COVID-19 não afaste a UE dos seus objetivos a médio e longo prazo, tal como estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu, na Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020 e no Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

1.8.

O CESE considera que o programa InvestEU é especialmente adequado para proporcionar financiamento a longo prazo e apoiar as políticas da União em prol da recuperação na sequência de uma crise económica e social profunda. O CESE salienta a importância de definir claramente que projetos são elegíveis ao abrigo da nova quinta vertente, visto que tal é crucial para estabelecer complementaridade com as restantes quatro vertentes estratégicas. O CESE preconiza igualmente uma definição mais ampla de inovação, que não se limite às tecnologias da informação e à digitalização. As pequenas e médias empresas (PME), em especial as pequenas e microempresas, estão a ser fortemente afetadas pela crise atual, pelo que devem ser explicitamente elegíveis para apoio ao abrigo da nova quinta vertente. Para o efeito, é essencial uma cooperação estruturada entre os parceiros de execução e as autoridades a nível europeu, nacional e regional.

1.9.

O CESE solicita orientações específicas e claras destinadas a identificar projetos elegíveis ao abrigo do programa InvestEU e as possibilidades de sinergias entre os inúmeros programas da UE, assegurando, desta forma, a sua aplicação adequada e eficiente.

1.10.

A crise provocada pela COVID-19 afetou todos os Estados-Membros, mas alguns mais do que outros. O CESE salienta que a recuperação após a crise provocada pela COVID-19 não deve resultar numa maior divergência entre os Estados-Membros.

1.11.

Neste contexto, o CESE congratula-se com o novo Instrumento de Apoio à Solvabilidade e frisa a importância de assegurar que este beneficie efetivamente os Estados-Membros cujas economias foram mais afetadas pelos efeitos da pandemia de COVID-19. Embora seja vital assegurar uma recuperação rápida, é igualmente importante atribuir os fundos disponíveis a empresas com modelos de negócio viáveis. Tal contribuiria para a criação de uma economia europeia sustentável e resiliente.

1.12.

O CESE destaca o papel que cabe aos mercados financeiros europeus para assegurar que os referidos instrumentos conseguem mobilizar os montantes de investimento previstos, bem como o papel de liderança do Grupo do Banco Europeu de Investimento [BEI e Fundo Europeu de Investimento (FEI)] e a necessidade urgente de uma estrutura adequada para os parceiros de execução, especialmente ao nível nacional. É importante que o fluxo de fundos através do Grupo do BEI e dos bancos e instituições de fomento seja transparente, claro e facilmente acessível.

2.   Contexto

2.1.

A crise provocada pela COVID-19, que representa, em primeiro lugar, uma emergência em matéria de saúde humana, provocou um choque económico e social profundo, acompanhado de um declínio acentuado da produção económica, de um aumento rápido do desemprego, da deterioração das condições de vida (redução do rendimento real, incerteza no emprego, mobilidade reduzida) e de uma redução drástica do volume de negócios do comércio externo na UE e com países terceiros. A crise provocou igualmente uma deterioração acentuada dos indicadores das finanças públicas e uma diminuição dos investimentos.

2.2.

Em 27 de maio de 2020, a Comissão Europeia anunciou um Instrumento de Recuperação da União Europeia (designado «Next Generation EU») e uma proposta revista para o orçamento global da UE para 2021-2027 (2).

2.3.

No âmbito do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2021-2027, a Comissão tenciona pôr à disposição da economia da UE um programa de investimento que sirva os objetivos transversais em matéria de simplificação, flexibilidade, sinergias e coerência das políticas pertinentes da UE. A necessidade de um programa de investimento deste tipo foi reforçada devido à pandemia de COVID-19.

2.4.

Por este motivo, a Comissão retirou a sua proposta anterior relativa ao programa InvestEU, apresentada em maio de 2018, e submeteu uma nova proposta (3), que reflete o acordo parcial alcançado entre o Parlamento Europeu e o Conselho em abril de 2019.

2.5.

A fim de melhorar a capacidade de resposta do programa InvestEU à crise económica e social causada pela pandemia de COVID-19, a Comissão propõe aumentar a dotação financeira inicialmente prevista para o programa, a fim de refletir as necessidades globais de investimento mais elevadas e o ambiente de risco acrescido.

2.6.

Além disso, a nova proposta alarga o âmbito de aplicação do programa InvestEU, através da criação de uma quinta vertente — o Mecanismo de Investimento Estratégico —, que apoiará as necessidades futuras da economia europeia e assegurará ou preservará a autonomia estratégica em setores fundamentais.

2.7.

O programa InvestEU reforçado poderia apoiar as empresas na fase de recuperação e assegurar, simultaneamente, em consonância com os seus objetivos iniciais, que os investidores colocam uma forte tónica nas prioridades a médio e longo prazo da União, como as transformações ecológica e digital.

2.8.

A Comissão Europeia apresentou igualmente uma proposta (4) relativa a um instrumento temporário de capital próprio — o Instrumento de Apoio à Solvabilidade.

2.9.

O Instrumento de Apoio à Solvabilidade apoiaria as empresas que, apesar de terem modelos de negócio viáveis, enfrentam problemas de solvabilidade devido à crise provocada pela COVID-19. O objetivo é ajudá-las a atravessar este período difícil, para que estejam em condições de recuperar no momento certo. Outro objetivo da proposta consiste em atenuar as distorções que se prevê que ocorram no mercado único, dado que alguns Estados-Membros podem não dispor de meios orçamentais suficientes para prestar um apoio adequado às empresas necessitadas.

2.10.

O Instrumento de Apoio à Solvabilidade deve ser implantado o mais rapidamente possível em 2020, até ao início de outubro de 2020, de modo a poder ficar já operacional em 2021.

3.   Observações gerais

3.1.

O CESE reitera (5) o seu apoio ao programa InvestEU, bem como à manutenção e à prorrogação de um instrumento financeiro baseado no princípio da garantia, que considera essencial, nomeadamente, para o desenvolvimento e a gestão a longo prazo do orçamento da UE.

3.2.

O CESE congratula-se com o reforço do programa InvestEU, que elevará o montante da garantia da UE a 75,2 mil milhões de euros (a preços correntes e incluindo a nova vertente de investimento estratégico), gerando um bilião de euros de investimento suplementar. O CESE apela para uma repartição equilibrada dos fundos entre os objetivos estratégicos.

3.3.

O CESE congratula-se com a criação de uma quinta vertente — a vertente de investimento estratégico europeu —, com uma dotação prevista de 31,2 mil milhões de euros da garantia da UE de apoio ao investimento em setores estratégicos e cadeias de valor essenciais, incluindo os que são cruciais para a transformação digital e ecológica.

3.4.

O CESE salienta a importância de definir claramente que projetos são elegíveis ao abrigo da quinta vertente, a fim de criar complementaridade com as restantes quatro vertentes. O CESE preconiza igualmente uma definição mais ampla de inovação, que não se limite às tecnologias da informação e à digitalização. Deve indicar-se explicitamente que as PME, em especial as pequenas e microempresas, também são elegíveis ao abrigo desta vertente. Este aspeto adquire ainda maior relevo à luz da diminuição da garantia da UE afetada à vertente para as PME — de 11,25 mil milhões de euros para 10,17 mil milhões de euros (a preços correntes) — em relação à proposta inicial da Comissão Europeia. Neste contexto, é essencial uma cooperação estruturada entre os parceiros de execução, os intermediários financeiros e as autoridades a nível europeu, nacional e regional.

3.5.

O CESE sublinha que os investimentos nas competências são cruciais para a transição para uma economia mais ecológica e justa, pelo que é importante, no quadro do programa InvestEU, não negligenciar os investimentos sociais.

3.6.

Muitas PME, em especial as pequenas e microempresas, estão a sofrer consideravelmente com a crise provocada pela COVID-19 e com as medidas de confinamento adotadas pela maioria dos Estados-Membros. Afigura-se, portanto, fundamental assegurar a disponibilização de financiamento suficiente para que possam recuperar da crise. Este apoio deve ser orientado pela procura, o que significa que devem estar disponíveis tanto produtos de dívida como produtos de capital próprio. Tendo em conta a redução da capacidade de garantia da vertente para as PME, esta diminuição deve ser compensada tornando elegíveis para a vertente de investimento estratégico as carteiras das PME e, em especial, as das pequenas e microempresas. Tal deve ser acompanhado de requisitos de comunicação de informações proporcionados, a fim de evitar encargos administrativos excessivos para as empresas mais pequenas com recursos escassos, uma vez que isso as desencorajaria de recorrer ao apoio do programa InvestEU. O papel dos parceiros de execução e dos intermediários financeiros é crucial para assegurar que os fundos chegam a estas empresas.

3.7.

Durante a atual crise, as políticas e os apoios públicos adquiriram especial relevo. No entanto, a capacidade dos governos dos Estados-Membros para apoiar os setores e as empresas mais duramente atingidos pela crise varia consideravelmente na UE.

3.8.

Por conseguinte, o CESE acolhe favoravelmente o novo Instrumento de Apoio à Solvabilidade e o facto de que se centrará nos países cujas economias foram mais afetadas pelos efeitos da pandemia de COVID-19 e/ou nos quais a disponibilidade de apoio à solvabilidade pelo Estado é mais limitada, embora esteja aberto a todos os Estados-Membros. O CESE concorda que o apoio deve ser concedido exclusivamente a empresas com modelos de negócio viáveis que não estivessem em dificuldades antes da crise provocada pela COVID-19. Congratula-se, além disso, com a integração deste instrumento no Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE). A fim de assegurar uma utilização eficiente dos fundos, é aconselhável prever flexibilidade nas transferências de e para outras vertentes estratégicas do FEIE. Por último, deve prever-se uma repartição de fundos equilibrada, orientada pelo mercado, entre produtos de capital próprio e produtos de quase-capital, como os empréstimos subordinados.

3.9.

A dupla transição (ecológica e digital) é encorajada no âmbito do Instrumento de Apoio à Solvabilidade. Estas condições devem igualmente ser realistas e exequíveis para as pequenas e microempresas e os setores tradicionais.

3.10.

A crise provocada pela COVID-19 afetou todos os Estados-Membros, mas alguns mais do que outros. O CESE salienta que a recuperação após a crise provocada pela COVID-19 não deve resultar numa maior divergência entre os Estados-Membros. Embora não sejam fixados contingentes geográficos no âmbito do InvestEU ou do Instrumento de Apoio à Solvabilidade, o CESE congratula-se com o facto de o Conselho Diretivo definir limites específicos de concentração geográfica.

3.11.

A simplificação, o reforço da transparência e o maior potencial de sinergias proporcionados pela criação do InvestEU enquanto instrumento financeiro abrangente adquiriram uma importância ainda maior face à criação do Plano de Investimento do Pacto Ecológico Europeu e às demais componentes do Plano de Recuperação da União Europeia. O CESE solicita orientações específicas e claras destinadas a identificar projetos elegíveis e possibilidades de sinergias entre os inúmeros programas da UE, assegurando, assim, a sua aplicação adequada e eficiente.

3.12.

A crise provocada pela COVID-19 não deve afastar a UE dos seus objetivos a médio e longo prazo, tal como estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu, na Estratégia Anual para o Crescimento Sustentável 2020 e no Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Numa resolução recente (6), o CESE declarou que a Europa deve financiar as atividades que preencham dois critérios: relocalizar a produção estratégica para assegurar a independência da Europa, em especial no domínio da resposta e da proteção sanitárias, e criar emprego, assim como dar prioridade aos investimentos sustentáveis que obedecem aos critérios da responsabilidade social e ambiental. As pequenas e médias empresas, tal como as grandes empresas e as empresas sociais, podem desempenhar um papel crucial na reestruturação do sistema de produção europeu.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Parecer do CESE — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o programa InvestEU (JO C 62 de 15.2.2019, p. 131).

(2)  Comunicação sobre o Instrumento de Recuperação — A Hora da Europa: Reparar os Danos e Preparar o Futuro para a Próxima Geração.

(3)  Proposta de regulamento que cria o programa InvestEU.

(4)  Proposta de regulamento no que diz respeito à criação de um Instrumento de Apoio à Solvabilidade.

(5)  Parecer do CESE — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o programa InvestEU (JO C 62 de 15.2.2019, p. 131).

(6)  Propostas do CESE para a reconstrução e a recuperação na sequência da crise da COVID-19.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/143


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o quadro para alcançar a neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima)

[COM(2020) 80 final — 2020/0036 (COD)]

(2020/C 364/20)

Relator:

Jan DIRX

Correlatora:

Tellervo KYLÄ-HARAKKA-RUONALA

Consulta

Parlamento Europeu, 10.3.2020

Conselho, 13.3.2020

Base jurídica

Artigo 192.o, n.o 1, e artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

29.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

210/2/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Tal como muitas instituições e individualidades importantes da União Europeia (UE), o Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta que a ação climática e a reconstrução e retoma económicas na sequência da crise da COVID-19 podem e devem estar estreitamente ligadas. Tal poderá ser concretizado relançando a economia europeia com um pacote eficaz e plenamente sustentável de investimentos públicos e privados. Por conseguinte, o CESE considera que a proposta de Lei Europeia do Clima constitui um dos instrumentos que podem contribuir para a reconstrução desejada e necessária da economia europeia.

1.2

O CESE apoia a abordagem de efetuar a transição para a neutralidade climática a nível de toda a UE, e não de cada um dos Estados-Membros, na medida em que aquela permite uma distribuição otimizada dos esforços por toda a União, tomando em consideração as diferenças pertinentes entre Estados-Membros. O CESE está igualmente convicto de que a política em matéria de clima será firmemente apoiada se o objetivo global for alcançar uma redução de emissões de gases com efeito de estufa tão acentuada quanto possível com os menores custos socioeconómicos possíveis.

1.3

O CESE insta a Comissão a ter plenamente em consideração o impacto da crise da COVID-19 ao avaliar o objetivo das emissões até 2030 e a optar por uma redução mínima de 55 % até 2030 com as respetivas propostas legislativas. O CESE chama a atenção para o Relatório do PNUA de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões, que indica a necessidade de fixar uma meta ainda mais ambiciosa de redução das emissões até 2030 a nível mundial, a fim de atingir o objetivo de 1,5oC fixado no Acordo de Paris.

1.4

O CESE reconhece que todos terão de tomar medidas extraordinárias para alcançar o objetivo estabelecido de neutralidade climática em 2050. Uma sondagem Eurobarómetro recente (antes da crise da COVID-19) constatou que 92 % dos cidadãos europeus apoiam o objetivo de neutralidade climática da UE. Para manter este apoio será necessário acelerar a ação climática, conjugando-a com a reconstrução e a retoma económicas.

1.5

O CESE insta a UE a desempenhar um papel precursor e inspirador na cimeira sobre o clima, de novembro de 2020, em Glasgow, que foi adiada, e nas cimeiras subsequentes, a fim de assegurar que, pelo menos, todos os principais intervenientes a nível mundial se empenham com determinação na neutralidade climática.

1.6

A consecução do objetivo de neutralidade climática na União até 2050 a nível europeu apenas será possível se todos os países derem o seu contributo para a atenuação e a adaptação plenas e atempadas. Por conseguinte, o CESE concorda que a Comissão possa emitir recomendações a um Estado-Membro se as medidas por ele tomadas forem incoerentes com o objetivo de atenuação ou inadequadas para assegurar os progressos em matéria de adaptação, tendo por base critérios de avaliação claros e transparentes.

1.7

O CESE propõe que o documento integral da avaliação de projetos de medida ou proposta legislativa relativos ao objetivo de neutralidade climática seja disponibilizado ao público logo que a avaliação esteja concluída.

1.8

A proposta da Comissão abrange, como devido, a atenuação e a adaptação, «em conformidade com o artigo 7.o do Acordo de Paris».

1.9

O CESE propõe a criação de uma plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima, conforme defendido no Parecer do CESE — Pacto Europeu para o Clima, a fim de organizar e facilitar a participação ativa de «todas as partes da sociedade».

2.   Introdução

2.1

A atual crise mundial da COVID-19 torna mais uma vez evidente quanto a vida no nosso planeta é vulnerável. Embora seja necessário combater plenamente a crise da COVID-19 e os consequentes impactos económicos, sociais e ecológicos, é igualmente preciso continuar a dar ênfase à prevenção e, sempre que necessário, ao combate a outros acontecimentos que ameaçam a qualidade de vida, como as alterações climáticas e a perda de biodiversidade (1). Ou, como alertou a secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), Patricia Espinosa, aquando do anúncio do adiamento da cimeira sobre o clima de novembro de 2020 (COP26) em Glasgow, a COVID-19 é hoje a ameaça mais premente à humanidade, mas não nos podemos esquecer de que as alterações climáticas são a maior ameaça a longo prazo.

2.2

Para o CESE, tal significa que a ação climática e a reconstrução e a retoma económicas na sequência da crise da COVID-19 podem e devem estar estreitamente ligadas. As medidas de reconstrução e retoma devem estar em sintonia com o objetivo para o clima, e a ação climática deve ser realizada de forma a minimizar os custos e a gerar benefícios económicos.

2.3

É dentro deste espírito que o CESE regista também as seguintes declarações por parte de instituições e individualidades da UE:

Por esmagadora maioria, o Parlamento Europeu aprovou, em 16 de abril, que o próximo pacote de medidas de recuperação e reconstrução da UE deve ter no seu cerne o Pacto Ecológico Europeu «por forma a dar um impulso inicial à economia, melhorar a sua resiliência e criar emprego, contribuindo ao mesmo tempo para a transição ecológica e para a promoção do desenvolvimento económico e social sustentável».

No mesmo dia, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também afirmou que a Europa tem de reforçar o investimento no Pacto Ecológico Europeu. Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, veiculou a mesma mensagem numa carta aberta publicada em sete boletins informativos europeus. E o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, também defende que se aproveite esta oportunidade para tornar a UE mais ecológica, ao afirmar que a União Europeia deve tornar-se melhor do que era antes e que devemos aproveitar esta crise.

2.4

Tudo isto pode ser feito relançando a economia europeia com um pacote plenamente sustentável de investimentos públicos e privados eficazes, que abranjam, por exemplo, aspetos como a redução do consumo de energia, a energia sustentável, investimentos na rede, processos de produção limpos ou a reciclagem, associados a um aumento do consumo sustentável. Além disso, cumpre potenciar os sumidouros e o armazenamento de dióxido de carbono através, por exemplo, da gestão sustentável das florestas e dos solos, a fim de alcançar a neutralidade climática. A Lei Europeia do Clima constitui um dos instrumentos que podem contribuir para a reconstrução desejada e necessária da economia europeia.

2.5

Por conseguinte, o CESE congratula-se com a proposta de Lei Europeia do Clima (2), apresentada pela Comissão Europeia em 4 de março de 2020, que estabelece um quadro jurídico para a consecução do objetivo de neutralidade climática na União até 2050. O CESE aprova a oportunidade e a necessidade do objetivo de neutralidade climática até 2050, e, se possível, antes dessa data, a fim de contribuir para a consecução do objetivo do Acordo de Paris, segundo o qual o aquecimento global deve manter-se bem abaixo dos 2oC e devem ser prosseguidos esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5oC.

2.6

Para o CESE, é evidente que, para concretizar os objetivos do Acordo de Paris, é imperativo que, pelo menos, todos os principais intervenientes a nível mundial também se empenhem com determinação na neutralidade climática. Isto exige, por um lado, uma diplomacia ativa em matéria de clima por parte da UE e, por outro, medidas — como a tarifação do carbono — para proporcionar aos produtos e serviços da UE condições equitativas face aos concorrentes de países terceiros no que toca à sua pegada de gases com efeito de estufa.

2.7

A proposta de Lei Europeia do Clima é um elemento fundamental do Pacto Ecológico Europeu (3), que a Comissão publicou em 11 de dezembro de 2019. O Pacto Ecológico Europeu indica o caminho para tornar a Europa o primeiro continente a alcançar a neutralidade climática até 2050, estimulando a economia, melhorando a saúde e a qualidade de vida das pessoas, preocupando-se com a natureza e não esquecendo ninguém.

2.8

O CESE verificou com satisfação que, a nível político, este objetivo de neutralidade climática líquida até 2050 já foi aprovado pelo Parlamento Europeu, na sua resolução de 14 de março de 2019, e pelo Conselho Europeu, nas suas conclusões de 12 de dezembro de 2019. Além disso, em 5 de março de 2020, o Conselho (Ambiente) da UE comunicou à CQNUAC, em nome da União Europeia e dos seus Estados-Membros, a estratégia de desenvolvimento a longo prazo com baixas emissões de gases com efeito de estufa da União Europeia e dos seus Estados-Membros (com o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050) (4).

2.9

O CESE reconhece que alcançar o objetivo da neutralidade climática em 2050 exigirá grandes esforços aos governos, aos municípios, às empresas, aos sindicatos, às organizações da sociedade civil e aos cidadãos. Isto que significa que todos terão de tomar medidas adicionais para atingir esse objetivo em 2050 ou, como afirma a Comissão, «é necessário tomar medidas adicionais e todos os setores terão de contribuir, dado que se prevê que as atuais políticas apenas reduzam as emissões de gases com efeito de estufa em 60 % até 2050, pelo que há ainda muito por fazer para alcançar a neutralidade climática» (5).

2.10

O CESE salienta a importância de ter em conta as questões da «[e]volução internacional e [dos] esforços empreendidos» e da «[c]ompetitividade da economia da União», referidas no artigo 3.o, n.o 3, da proposta. Chama especialmente a atenção para a «[n]ecessidade de assegurar uma transição justa e socialmente equitativa» (artigo 3.o, n.o 3, alínea h)). O CESE gostaria de frisar que cumpre prevenir, em particular, a pobreza energética e recomenda que esta questão faça parte da avaliação das medidas nacionais, em conformidade com o disposto no artigo 6.o da proposta.

2.11

A Comissão planeia, até setembro de 2020, proceder à revisão do objetivo da União para o clima até 2030, à luz do objetivo de neutralidade climática, e explorar opções para um novo objetivo de redução das emissões até 2030 situado entre 50 % e 55 % relativamente a 1990, bem como apresentar as propostas legislativas correspondentes até meados de 2021. O CESE espera que o novo objetivo de redução das emissões até 2030 assente numa análise abrangente e numa avaliação de impacto adequada. O CESE defende igualmente que existem argumentos decisivos para o objetivo de redução mínima de 55 % até 2030, a fim de a UE fazer a parte que lhe compete face à necessidade premente de reduzir as emissões a nível mundial. Por exemplo, o Relatório do PNUA de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões (6) indica a necessidade de fixar uma meta ainda mais ambiciosa de redução das emissões até 2030 a nível mundial, a fim de atingir o objetivo de 1,5oC fixado no Acordo de Paris (7).

2.12

Ao realizar avaliações de impacto, importa reconhecer que a crise da COVID-19 tem consequências económicas, sociais e ambientais sem precedentes, que, por sua vez, interferem no impacto das medidas a tomar para atenuar as alterações climáticas.

2.13

O CESE considera que o impacto potencial da crise da COVID-19 não pode, nem deve, resultar numa flexibilização do objetivo de redução até 2030.

2.14

O CESE defende que este processo seja conduzido de forma a permitir à UE desempenhar um papel precursor e inspirador na cimeira sobre o clima, de novembro de 2020, em Glasgow, que foi adiada, e nas cimeiras subsequentes, a fim de assegurar que, pelo menos, todos os principais intervenientes a nível mundial se empenham com determinação na neutralidade climática.

2.15

Além disso, o CESE recomenda que a Comissão comece a preparar um objetivo intercalar para o clima de redução das emissões até 2040, a fim de alcançar a neutralidade climática até 2050, ou antes se possível, sob a forma de uma proposta legislativa ao Parlamento Europeu e ao Conselho relativa ao estabelecimento de novas obrigações em matéria de redução das emissões para o período entre 2031 e 2040, a adotar até 2028. É necessário estabelecer um objetivo atempadamente, para garantir a maior previsibilidade e transparência possível para a sociedade e para todos os setores económicos.

2.16

Uma sondagem Eurobarómetro recente (antes da crise da COVID-19) constatou que 93 % dos cidadãos europeus consideram as alterações climáticas um problema grave e que 92 % apoiam o objetivo de neutralidade climática da UE (8). Para manter este apoio será necessário acelerar a ação climática, conjugando-a com a reconstrução e a retoma económicas.

3.   Delegação de poderes

3.1

A proposta de Lei Europeia do Clima (artigo 3.o) habilita a Comissão a «completar» essa lei, «definindo uma trajetória a nível da União para alcançar, até 2050, o objetivo de neutralidade climática definido no artigo 2.o, n.o 1». Além disso, o mais tardar seis meses após cada balanço mundial referido no artigo 14.o do Acordo de Paris, a Comissão revê a trajetória.

O CESE considera que, em vez de adotar atos delegados, a Comissão deve apresentar uma proposta legislativa para estabelecer e ajustar a trajetória, se considerar que tal é necessário na sequência dessa revisão.

3.2

Em qualquer circunstância, é necessário continuar a salvaguardar as regras democráticas do nosso sistema institucional, o que inclui o direito de os intervenientes da sociedade civil e as respetivas organizações, tais como o CESE, contribuírem para o processo de decisão democrático. Neste ponto, o CESE gostaria de remeter para o que é afirmado pela Comissão no artigo 8.o do projeto de Lei Europeia do Clima: «Compete à Comissão colaborar com todas as partes da sociedade […]».

4.   Avaliação dos progressos e das medidas

4.1

De acordo com o artigo 5.o, a Comissão avalia os progressos e as medidas da União. Avaliará, «antes da adoção, todos os projetos de medidas ou propostas legislativas à luz do objetivo de neutralidade climática» e incluirá «esta análise na avaliação do impacto dessas medidas ou propostas».

Tal significa, na prática, que a Comissão tem em conta o impacto na neutralidade climática no âmbito das avaliações de impacto que acompanham as suas propostas. O CESE aconselha a Comissão a examinar se tal pode ser realizado de acordo com o quadro em vigor em matéria de «legislar melhor», sem alterar a legislação.

4.2

O artigo 5.o determina que será publicado, no momento da adoção, o resultado da referida avaliação. Contudo, o Tribunal de Justiça (no processo C-57/16 P, ClientEarth contra Comissão, decidido em 4 de setembro de 2018) foi muito claro quanto ao facto de até os projetos de relatório de avaliação de impacto terem de ser «diretamente acessíveis», em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 (9). Por conseguinte, o CESE propõe que se altere a redação de modo que o documento de avaliação fique acessível ao público na íntegra logo que a avaliação esteja concluída.

4.3

O CESE considera que apenas será possível alcançar, a nível europeu, o objetivo de neutralidade climática na União até 2050 se todos os países contribuírem plena e atempadamente para a atenuação e a adaptação.

Por conseguinte, o CESE apoia a intenção da Comissão de poder emitir recomendações dirigidas a um Estado-Membro se as medidas por ele tomadas forem incoerentes com o objetivo de atenuação ou inadequadas para assegurar os progressos em matéria de adaptação definidos nos planos nacionais. O CESE apoia a Comissão neste domínio e aconselha a que, nas suas recomendações, a Comissão opte por um cabaz eficaz de medidas adequadas às circunstâncias. Contudo, o CESE defende que os objetivos e critérios utilizados para avaliar os progressos em cada Estado-Membro devem ficar bem claros.

4.4

A proposta da Comissão visa alcançar a neutralidade climática na União Europeia até 2050. Isto significa que nem todos os Estados-Membros têm de alcançar a neutralidade climática individualmente. O CESE apoia esta abordagem, que, na verdade, é a continuação da abordagem atualmente seguida na legislação da UE em matéria de clima, na medida em que permite a distribuição otimizada dos esforços por toda a União, tomando em consideração as diferenças pertinentes entre os Estados-Membros. No entanto, o CESE reputa necessário que cada Estado-Membro seja obrigado a indicar no seu plano nacional em matéria de energia e clima, a apresentar até 1 de janeiro de 2029 [em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática (10)], se, e quando, pretende alcançar a neutralidade climática e que tipo de medidas pretende tomar para otimizar os resultados a nível da UE, incluindo as medidas que contribuam para os esforços de outros Estados-Membros ou sejam concretizadas num ou vários outros Estados-Membros, de modo a garantir que esses acordos são concluídos a tempo e têm caráter vinculativo.

4.5

O CESE está igualmente convicto de que a política em matéria de clima será firmemente apoiada se o objetivo global for alcançar uma redução de emissões de gases com efeito de estufa tão acentuada quanto possível com os menores custos socioeconómicos possíveis. Desta forma, será possível adotar um sistema de contrapartidas/compensações entre Estados-Membros, se estas forem regidas por um quadro regulamentar sólido, acompanhado de mecanismos de aplicação efetiva. Importa igualmente reconhecer que, no sistema atual, os setores do regime de comércio de licenças de emissão (RCLE) são regulados por um sistema que abrange toda a UE, enquanto outros setores estão integrados na partilha de esforços de limites máximos de emissões nacionais. Com o tempo, o quadro de comércio de emissões abrangerá, obviamente, um número crescente de setores.

4.6

Para além do RCLE, há uma série de atos legislativos a nível da UE, como os requisitos técnicos, que controlam as emissões dos diferentes setores e, por conseguinte, concorrem para a consecução do objetivo global. A regulamentação a nível da UE é particularmente importante nos domínios relacionados com o bom funcionamento do mercado único.

4.7

O CESE propõe igualmente um acompanhamento adequado das possíveis implicações das medidas da UE no contexto mundial, como, por exemplo, os efeitos no investimento estrangeiro e no comércio internacional e os consequentes impactos diretos e indiretos nas emissões.

4.8

A proposta da Comissão afirma que «a ação a nível da UE deve visar uma consecução eficaz em termos de custos dos objetivos climáticos a longo prazo, garantindo equidade e integridade ambiental». O CESE reconhece que persistem muitas dúvidas, quer processuais (qual é a melhor abordagem quanto ao processo de decisão?) ou substanciais (o que são critérios de distribuição equitativos e economicamente sólidos que garantem um nível elevado de proteção ambiental?), sobre o modo de o conseguir. Portanto, o elemento processual (o debate que decorre horizontalmente, entre instituições da UE, incluindo o CESE e o Comité das Regiões, e verticalmente, com os Estados-Membros) é importante. Ainda mais crucial é a pergunta seguinte: o que fazer se os Estados-Membros pretenderem alcançar a neutralidade climática no seu próprio país antes de 2050, mas não for essa a opção mais eficaz de um ponto de vista dos custos e/ou do clima para a UE como um todo? O CESE insta a Comissão Europeia e o Conselho a fornecerem clarificações e orientações sobre esta matéria com a maior brevidade possível.

5.   Adaptação

5.1

A proposta da Comissão abrange, como devido, a atenuação e a adaptação, «em conformidade com o artigo 7.o do Acordo de Paris». No que se refere especificamente à adaptação, a Comissão propõe alargar a ação da UE a medidas de adaptação nacionais.

De um modo geral, a adaptação é entendida como estando mais ligada a medidas de governação local do que a atenuação. Por conseguinte, o CESE considera que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, a Comissão deve clarificar a medida em que devem ser atribuídas competências a nível da UE e as obrigações a impor aos Estados-Membros.

5.2

Além disso, é ainda necessário analisar o que esta obrigação implica para as «instituições competentes da União». A proposta especifica que os Estados-Membros têm de adotar estratégias e planos de adaptação nacionais. Porém, não é exigida nenhuma medida específica, como um plano, às instituições da UE.

5.3

A Comissão propõe que lhe sejam atribuídas competências para avaliar, não só, as medidas de atenuação, mas também as medidas de adaptação dos Estados-Membros (artigo 6.o, n.o 1, alínea b)). Se considerar que as medidas tomadas por um Estado-Membro «não são adequadas para assegurar os progressos na adaptação a que se refere o artigo 4.o, a Comissão pode formular recomendações ao Estado-Membro». Esta disposição é muito abrangente. O CESE entende que a Comissão deve definir critérios para essa avaliação.

6.   Participação do público

6.1

O CESE dá por adquirida a participação do público, pelo que se congratula com o artigo 8.o da Lei Europeia do Clima. A participação ativa de «todas as partes da sociedade» é uma condição necessária para que a política em matéria de clima tenha êxito na UE, tendo em conta que são os intervenientes da sociedade civil (empresas, trabalhadores, consumidores e cidadãos, bem como as respetivas organizações) que concretizam os objetivos climáticos na prática.

Por conseguinte, o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a convidar ativamente todos os intervenientes da sociedade civil a participarem e apresentarem as suas propostas concretas em matéria de política e ação climática.

6.2

O CESE congratula-se, por conseguinte, com o facto de a Comissão Europeia ter dado início recentemente a uma consulta pública para recolher opiniões sobre formas de envolver o público na ação climática (11). Tal servirá de base para o lançamento, pela Comissão, do Pacto Europeu para o Clima no terceiro trimestre de 2020. Com o Pacto Europeu para o Clima, a Comissão pretende reunir partes interessadas, incluindo regiões, órgãos de poder local, comunidades locais, sociedade civil, escolas, empresas e particulares.

6.3

Atendendo às experiências positivas com a Plataforma Europeia das Partes Interessadas para a Economia Circular, criada pela Comissão Europeia e o Comité Económico e Social Europeu, e em consonância com as propostas apresentadas no Parecer do CESE — Pacto Europeu para o Clima (NAT/785) (12), o CESE propõe a criação de uma plataforma das partes interessadas do Pacto Europeu para o Clima, assente nos princípios da inclusividade e da transparência, bem como na participação e apropriação efetivas por parte dos intervenientes locais no domínio do clima.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Alguns especialistas afirmam que a biodiversidade é uma barreira natural à transmissão de vírus e de doenças dos animais selvagens para os humanos (zoonose). Por conseguinte, a perda de biodiversidade poderá conduzir a mais pandemias no futuro. Este é um argumento adicional de grande atualidade.

(2)  Lei Europeia do Clima.

(3)  Pacto Ecológico Europeu.

(4)  Comunicação à CQNUAC.

(5)  Lei Europeia do Clima, ver, por exemplo, a página 2.

(6)  «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em matéria de emissões].

(7)  O «Emissions Gap Report 2019» [Relatório de 2019 sobre o desfasamento em termos de emissões] do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) sustenta que é necessário reduzir, a partir de agora, as emissões mundiais em 7,6 % por ano, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5oC. Segundo os cálculos, tal implicaria adotar um objetivo de redução de, no mínimo, 68 % até 2030.

(8)  Adesão do público à luta contra as alterações climáticas.

(9)  JO L 145 de 31.5.2001, p. 43.

(10)  JO L 328 de 21.12.2018, p. 1.

(11)  Consulta sobre o Pacto Europeu para o Clima.

(12)  EESC opinion: European Climate Pact (ver página 67 do presente Jornal Oficial).


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/149


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o Ano Europeu do Transporte Ferroviário (2021)

[COM(2020) 78 final]

(2020/C 364/21)

Relator:

Alberto MAZZOLA

Consulta

Parlamento Europeu, 10.3.2020

Conselho, 13.3.2020

Conselho da União Europeia, 13.3.2020

Base jurídica

Artigo 91.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

24.4.2020

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

23.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

209/1/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) saúda a proposta da Comissão e apoia os seus objetivos, em especial o de incentivar e apoiar a União Europeia, os Estados-Membros, os órgãos de poder local e regional, os parceiros sociais e as forças de mercado no sentido de aumentar a percentagem do transporte ferroviário na mobilidade de passageiros e mercadorias.

1.2

O CESE considera que o Ano Europeu do Transporte Ferroviário terá de aproximar um público mais vasto, nomeadamente os cidadãos, os trabalhadores do setor ferroviário, os parceiros sociais, as empresas e, em especial, os jovens, do debate público das instituições da União Europeia (UE) sobre as políticas de sustentabilidade e mobilidade e sobre o futuro da mobilidade europeia, a fim de promover o transporte ferroviário como modo de transporte sustentável, inovador e seguro.

1.3

Na opinião do CESE, o Ano do Transporte Ferroviário deve constituir uma oportunidade para dar a conhecer as credenciais dos caminhos de ferro em matéria de sustentabilidade, inclusive, e se disponível, como alternativa a voos de curta distância, a estratégia para uma mobilidade sustentável e inteligente, bem como as políticas de investimento da UE no setor ferroviário.

1.4

O CESE recomenda que, durante o Ano Europeu do Transporte Ferroviário, se avalie a qualidade dos serviços ferroviários, adaptando-os, se for caso disso, às necessidades dos utilizadores de modo a cumprir os critérios estabelecidos no Protocolo n.o 26, relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), se desenvolvam projetos que promovam uma abordagem holística da acessibilidade, se reforce a ligação entre digitalização e sustentabilidade e se troquem pontos de vista com a comunidade de investidores sobre possíveis iniciativas no contexto do plano de ação sobre o financiamento sustentável da Comissão.

1.5

O CESE apela para que sejam lançadas iniciativas no âmbito do Ano Europeu do Transporte Ferroviário destinadas a recuperar a confiança dos clientes nos transportes públicos, em especial no transporte ferroviário, e a comunicar melhor, principalmente aos jovens europeus, a atratividade de uma carreira nos caminhos de ferro, apoiando iniciativas conjuntas com parceiros sociais, universidades, a comunidade académica em geral e as organizações de juventude europeias.

1.6

O CESE está firmemente convicto de que o Ano do Transporte Ferroviário deve constituir uma oportunidade para sensibilizar o público em geral para o turismo sustentável e dar novo ímpeto à iniciativa DiscoverEU. O CESE apoia convictamente a iniciativa do Parlamento Europeu de conceder a cada cidadão europeu, quando perfaz 18 anos, o direito a um passe DiscoverEU como um símbolo da identidade da UE.

1.7

O CESE salienta que o Ano do Transporte Ferroviário deverá ser utilizado para prestar mais informações sobre o calendário de iniciativas da Europália, bem como para partilhar com um público mais vasto os conteúdos criados em eventos culturais já existentes, como festivais de cinema (Cannes, Veneza, Berlim) e exposições de arte. No mesmo contexto, as estações e museus ferroviários poderão ser, ao longo de 2021, o cenário de grandes iniciativas que liguem o futuro e o passado dos caminhos de ferro a setores importantes como a arquitetura e construção, o design, o setor eletromecânico, a alimentação e o turismo. Neste contexto, o CESE poderia incluir no seu programa cultural para 2021 uma exposição sobre os caminhos de ferro.

1.8

É necessário que o Ano do Transporte Ferroviário incentive a participação de todos os museus ferroviários europeus, convide os cidadãos a descobrir as suas coleções através da digitalização e promova os intercâmbios entre museus e um circuito europeu de museus ferroviários.

1.9

O CESE está firmemente convencido de que o Ano Europeu do Transporte Ferroviário deve ser também uma oportunidade para promover objetivos muito ambiciosos com valor acrescentado europeu em termos socioeconómicos e também simbólicos — e inclusivamente como forma de reagir à dramática crise da COVID-19 — como o relançamento dos esforços para realizar a rede ferroviária de alta velocidade, prevista no Livro Branco sobre os Transportes (2011), a fim de ligar todas as capitais e cidades europeias com mais de 500 000 habitantes.

1.10

O CESE destaca a importância do Ano Europeu do Transporte Ferroviário como oportunidade única para comunicar sobre o sistema de registos de segurança ferroviária, que é único entre os modos de transporte por via terrestre. Neste contexto, o CESE lembra que, todos os anos, o dia 11 de junho é comemorado como Dia Internacional para a Segurança em Passagens de Nível (ILCAD, na sigla em inglês) e que, em 2020, se celebrou o 12.o aniversário deste Dia. Deve dedicar-se especial atenção a este Dia no âmbito do Ano Europeu do Transporte Ferroviário.

2.   Proposta da Comissão

2.1

A proposta de declarar 2021 «Ano Europeu do Transporte Ferroviário» visa promover o transporte ferroviário em conformidade com os objetivos estabelecidos na Comunicação da Comissão sobre o Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente no que se refere à mobilidade sustentável e inteligente. Através de projetos, debates, eventos, exposições e iniciativas em toda a Europa, o Ano Europeu do Transporte Ferroviário promoverá o transporte ferroviário, como forma atrativa e sustentável de circulação na Europa, junto dos cidadãos, empresas e autoridades, realçando a sua dimensão europeia e inovadora. A sensibilização dos cidadãos, para além do setor ferroviário, através de eventos específicos e de campanhas de comunicação, permitirá convencer mais pessoas e empresas a utilizarem os caminhos de ferro (1).

2.2

O objetivo do Ano Europeu do Transporte Ferroviário é incentivar e apoiar os esforços desenvolvidos pela União, pelos Estados-Membros, pelos órgãos de poder local e regional e por outras organizações no sentido de aumentar o número de passageiros e mercadorias que circulam por caminho de ferro. Em particular, o Ano Europeu deverá promover o transporte ferroviário como modo de transporte sustentável, inovador e seguro, junto de um público mais alargado, especialmente os jovens. Deverá também realçar a dimensão europeia e transfronteiriça do transporte ferroviário, aproximando os cidadãos e permitindo-lhes explorar a União em toda a sua diversidade, fomentando a coesão e contribuindo para a integração do mercado interno da União. Visa ainda reforçar o contributo do transporte ferroviário para a economia da União, a sua indústria e a sociedade em geral, e promover este modo de transporte enquanto elemento significativo das relações entre a União e países terceiros (2).

3.   O transporte ferroviário e a pandemia de COVID-19

3.1

O setor ferroviário foi e continua a ser afetado pelas medidas de contenção tomadas pelos Estados-Membros para combater a propagação da pandemia de COVID-19 e pela enorme redução na mobilidade.

3.2

Segundo as primeiras estimativas aproximadas, calculadas por associações do setor como a Comunidade dos Caminhos de Ferro Europeus (CCFE), as receitas perdidas por todos os operadores de transporte de passageiros em consequência da pandemia ascendem a 900 milhões de euros por semana desde o início da crise. O impacto do surto de COVID-19 provocou uma redução média aproximada de 25 % nas receitas do transporte de mercadorias em toda a União Europeia (UE-27) em março e abril de 2020, com uma perda de receitas de aproximadamente 78 milhões de euros por semana. Apesar da forte resiliência demonstrada, o transporte ferroviário de mercadorias poderia ter conseguido resultados ainda melhores se as medidas relativas aos «corredores verdes» se aplicassem integralmente ao transporte ferroviário, se as taxas de acesso às vias fossem reduzidas para zero e se a Suíça tivesse suspendido a proibição introduzida em 1 de janeiro de 2020. Os gestores das infraestruturas ferroviárias sentem cada vez mais o impacto do surto de COVID-19.

3.3

Apesar da queda muito acentuada da procura, os operadores e trabalhadores ferroviários continuaram a prestar serviços sempre que possível, permitindo que o pessoal médico e os trabalhadores essenciais se deslocassem para o local de trabalho. Além disso, os operadores têm disponibilizado «comboios médicos» destinados a transportar pessoas portadoras do vírus, deslocando-as das regiões mais afetadas para os hospitais menos lotados.

3.4

O relançamento da Europa após a COVID-19 será também uma oportunidade para relançar e melhorar o transporte ferroviário de passageiros e mercadorias. O Plano de Recuperação para a União Europeia, orientado para o Pacto Ecológico Europeu e a Agenda Digital para a Europa, apoiará a curto prazo os serviços ferroviários, centrando-se em investimentos a curto e longo prazo, eventualmente com auxílios estatais, para relançar o transporte ferroviário após a enorme perda de receitas provocada pela crise do vírus.

3.5

Se, na sequência da crise provocada pela COVID-19, se esperar que o comboio substitua determinadas rotas aéreas, os caminhos de ferro devem beneficiar do auxílio estatal previsto para essas rotas, tendo em vista, nomeadamente, a preservação dos postos de trabalho e a reconversão profissional dos trabalhadores em causa.

3.6

Os trabalhadores dos transportes estiveram e continuam a estar em contacto direto com passageiros na linha da frente, correndo o risco de contrair o vírus no desempenho das suas funções diárias. São também afetados pelas consequências económicas desastrosas do vírus, quer profissionalmente, enquanto trabalhadores do setor ferroviário, quer como cidadãos. Os trabalhadores ferroviários mantêm a Europa em movimento neste período conturbado, assegurando que os cuidados médicos e os bens essenciais chegam aos locais onde são necessários.

3.7

O ressurgimento da Europa após a COVID-19 será também um ressurgimento do transporte ferroviário de passageiros e uma confirmação do transporte ferroviário de mercadorias. Os recursos disponibilizados pelo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 revisto, que serão geridos a nível da UE e nacional, terão de chegar também aos caminhos de ferro para não deixar cair as ambições do Pacto Ecológico Europeu e da Agenda Digital para a Europa.

3.8

Há um leque muito variado de projetos ferroviários capazes de absorver os recursos adicionais do Quadro Financeiro Plurianual e do Instrumento de Recuperação da União Europeia: projetos de infraestruturas ferroviárias — para passageiros e mercadorias, nacionais e transfronteiras, com linhas convencionais ou de alta velocidade –, projetos relativos ao material circulante, bem como todos os projetos relacionados com a automatização e a digitalização do sistema ferroviário, que incluem as tecnologias de acoplamento automático digital, uma maior eletrificação da rede europeia, a implantação do Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário (ERTMS), a atualização dos vagões com a tecnologia de cepo de freio para todas as condições climáticas e programas de desmantelamento para a renovação do material circulante. A modernização das estações ferroviárias (em especial as plataformas, incluindo o acesso para pessoas com mobilidade reduzida) é outra atividade que necessita de fundos e produzirá efeitos económicos positivos a curto prazo. O reforço dos investimentos na RTE-T e a manutenção e renovação das linhas existentes poderia contribuir de forma rápida e significativa para a recuperação económica da UE.

3.9

Os objetivos globais de melhorar a capacidade e a eficiência do transporte ferroviário de mercadorias e passageiros no âmbito de um sistema de transporte multimodal inteligente, conforme descrito na comunicação sobre o Pacto Ecológico, poderão ao longo do tempo dar um contributo significativo para a recuperação económica, reduzindo a quota de mercado do transporte rodoviário de mercadorias e a pegada ambiental dos transportes.

3.10

As iniciativas no âmbito do Ano Europeu do Transporte Ferroviário devem procurar, em especial, recuperar a confiança dos clientes nos transportes públicos e, nomeadamente, no transporte ferroviário. Importa realizar iniciativas destinadas a sensibilizar o público para as medidas de higiene suplementares tomadas pelas empresas ferroviárias e para as políticas relativas às máscaras e ao distanciamento social. No que diz respeito aos direitos dos passageiros, deve proporcionar-se clareza quanto aos reembolsos e aos vales voluntários. Estas medidas devem ser acompanhadas de uma aplicação rigorosa dos direitos dos passageiros em todos os serviços ferroviários, protegendo esses direitos na totalidade dos percursos, explicando-os adequadamente ao público e assegurando a sua aplicação efetiva através de regimes de resolução alternativa de litígios e organismos nacionais de controlo.

4.   Observações gerais

Antecedentes

4.1

A longa história dos caminhos de ferro e da tecnologia ferroviária celebrará muitos aniversários em 2021. Como destacou a Europália no catálogo do seu festival de arte de 2021, os Caminhos de Ferro belgas e franceses celebrarão em 2021 o 175.o aniversário da ligação ferroviária entre Paris e Bruxelas. Em 1846, estas cidades tornaram-se as primeiras capitais do mundo ligadas por uma linha ferroviária. No mesmo ano, Bruxelas e Londres foram também ligadas pela ferrovia através do eixo Ostend-Dover. Em 2021 celebrar-se-á também o 25.o aniversário da rede Thalys e o 170.o aniversário do primeiro serviço da ligação ferroviária entre a Saxónia e a Boémia, nomeadamente entre Praga e Dresden. Ainda no domínio ferroviário, celebrar-se-ão em 2021 o 50.o aniversário do Museu Ferroviário de Mulhouse e o 75.o aniversário dos Caminhos de Ferro do Luxemburgo. Importa salientar que em 2021 se assinalará também o 45.o aniversário do primeiro Pendolino em Itália, o 40.o aniversário do TGV em França e o 30.o aniversário do ICE na Alemanha, bem como o 20.o aniversário da publicação do primeiro Livro Branco sobre os caminhos de ferro na Europa.

4.2

O Ano do Transporte Ferroviário será uma oportunidade para celebrar a história dos caminhos de ferro, a história da sua evolução tecnológica, bem como a história da aproximação gradual do continente europeu através das ligações ferroviárias. Simultaneamente, é uma oportunidade para avaliar os progressos realizados até ao momento.

O Pacto Ecológico Europeu

4.3

Em 2019, a Comissão apresentou a sua comunicação sobre o Pacto Ecológico Europeu. A comunicação incita a UE a descarbonizar progressivamente a sua economia, de forma a alcançar a neutralidade climática até 2050, e define uma estratégia política para cumprir esse objetivo. O Pacto Ecológico Europeu apoia a estratégia da Comissão para aplicar a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas.

4.4

Entre outras iniciativas, o Pacto Ecológico Europeu apela para a aceleração da transição para uma mobilidade sustentável e inteligente, uma vez que os transportes representam um quarto das emissões de gases com efeito de estufa da União Europeia, que continuam a aumentar. Todos os modos de transporte terão de contribuir para esta redução. Entre outras ações, o Pacto Ecológico Europeu prevê que uma parte substancial dos 75 % de transportes rodoviários internos de mercadorias hoje efetuados passe a ser assegurada pelos caminhos de ferro e vias navegáveis interiores. É necessário agir rapidamente para aplicar este plano ambicioso e assegurar o aumento da quota modal do transporte ferroviário, oferecendo incentivos mais fortes à promoção do transporte ferroviário de mercadorias.

4.5

Para implementar os objetivos gerais definidos no Pacto Ecológico, a Comissão apresentará uma estratégia para uma mobilidade sustentável e inteligente durante o último trimestre de 2020. Esta estratégia centrar-se-á, nomeadamente, em iniciativas destinadas a aumentar a capacidade e melhorar o tráfego de cargas nas ferrovias e vias de navegação interiores e a criar um sistema de transporte multimodal inteligente, harmonioso e atrativo para os utilizadores, a fim de reduzir a quota de mercado do transporte rodoviário e melhorar a atratividade da multimodalidade, incluindo o transporte ferroviário. Na verdade, já estão previstas iniciativas neste sentido para 2021.

4.6

O Ano do Transporte Ferroviário constituirá uma oportunidade para realçar e dar a conhecer as credenciais dos caminhos de ferro em matéria de sustentabilidade, a estratégia para uma mobilidade sustentável e inteligente, bem como as políticas de investimento da UE no setor ferroviário. Os investimentos em infraestruturas ferroviárias podem impulsionar a economia, criar postos de trabalho de qualidade que sejam social e ambientalmente sustentáveis e tornar os serviços ferroviários mais atrativos para os clientes. A sensibilização do público para este tema ajudará a influenciar os comportamentos e as escolhas modais dos consumidores no que diz respeito aos transportes públicos e à mobilidade com baixas emissões.

4.7

O Ano Europeu do Transporte Ferroviário será também uma oportunidade para avaliar a qualidade dos serviços ferroviários, adaptando-os, se for caso disso, às necessidades dos utilizadores de modo a cumprir os critérios estabelecidos no Protocolo n.o 26, relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE.

Uma Agenda Digital para a Europa

4.8

A Agenda Digital para a Europa deve desenvolver esforços significativos para incluir o setor ferroviário na revolução digital e em todas as medidas de apoio concebidas para concretizar essa revolução. Deve igualmente contribuir para impulsionar a aplicação da ERTMS, o desenvolvimento de soluções de mobilidade enquanto serviço e de novas soluções de bilhética, bem como a implantação do 5G na rede principal e na rede global RTE-T. Assim, os caminhos de ferro conseguirão responder às exigências dos seus atuais e futuros clientes.

4.9

No processo de digitalização em curso, os trabalhadores devem obter apoio adequado e os seus postos de trabalho devem ser protegidos. Os requisitos em matéria de género devem merecer especial atenção, a fim de garantir a igualdade de género. As preocupações dos trabalhadores neste processo de transformação devem ser devidamente acauteladas, o que implica a participação de representantes dos trabalhadores e de sindicatos. Os trabalhadores devem ter acesso a formação e a educação contínua para permanecerem em postos de trabalho de alta qualidade e sustentáveis.

4.10

Uma vez que o 5G elevará as tecnologias móveis e da Internet à condição de tecnologias de aplicação geral, o CESE insta as instituições da UE a concluírem o mercado único digital, nomeadamente desenvolvendo capacidades para integrar e utilizar os serviços 5G na proteção e melhoria da competitividade de setores europeus como o dos transportes, em especial o transporte ferroviário. O CESE insta também a Comissão a solicitar uma avaliação de impacto biológico das radiações 5G e do risco de interferências com outras gamas de frequência (3).

4.11

As tendências demográficas, económicas e políticas criarão novas formas de circulação em zonas urbanas e não urbanas, e os operadores ferroviários compreendem que terão de se adaptar às circunstâncias para se conseguirem integrar numa cadeia de transportes multimodal e cada vez mais digitalizada. Em especial, será possível incentivar um número crescente de idosos e jovens a utilizar mais frequentemente o comboio em zonas urbanas e viagens de longo curso se os operadores ferroviários estiverem ainda mais atentos às novas necessidades em termos de conforto e acessibilidade. Simultaneamente, uma geração de clientes mais aptos no domínio tecnológico utilizará bastante menos o transporte privado, privilegiando a mobilidade partilhada e as soluções de transporte público desde que exista um nível adequado de qualidade do serviço.

4.12

Será particularmente decisivo para os caminhos de ferro melhorar as tecnologias de bilhética, facilitando a aquisição de bilhetes com a possibilidade de combinar diferentes zonas de viagem num só bilhete, bem como contemplar a possibilidade de introduzir no futuro a bilhética multimodal. O CESE insta a Comissão Europeia a apoiar iniciativas que visem alcançar este objetivo, por exemplo através de orientações especializadas, partilha de boas práticas, concessão de subvenções, etc.

4.13

Sendo a multimodalidade essencial, em particular, para o transporte ferroviário de mercadorias, é importante utilizar o Ano Europeu do Transporte Ferroviário para promover o diálogo entre os clientes dos transportes, os caminhos de ferro e outros setores dos transportes, a nível nacional e da UE, para definir problemas práticos que prejudicam o desenvolvimento do transporte ferroviário de mercadorias e procurar soluções que tornem estes serviços atrativos para os clientes. O CESE sublinha que é importante envolver todos os setores dos transportes neste diálogo. A procura de paradigmas de cooperação entre empresas que não sejam contrários à legislação em matéria de concorrência poderá ser um aspeto importante deste diálogo.

4.14

A digitalização dos caminhos de ferro permitirá aos operadores ferroviários continuar a adaptar os seus serviços às necessidades dos transportadores, de forma cada vez mais eficiente, por exemplo maximizando a utilização da capacidade disponível dos comboios e combinando diferentes tipos de serviços de transporte de mercadorias. Tendo em conta a atual tendência decrescente da quota de mercado do transporte ferroviário de mercadorias, é importante salientar as possibilidades de melhorar a eficiência e a flexibilidade nos serviços prestados.

4.15

Os gestores das infraestruturas ferroviárias deverão utilizar cada vez mais as ferramentas digitais, a fim de melhorar o seu desempenho operacional em termos de pontualidade e de aumento da capacidade. A aplicação do sistema ERTMS de controlo automático de comboios dará um forte impulso nesse sentido. Mais concretamente, o CESE considera que a implantação do ERTMS deve ser radicalmente acelerada. O investimento necessário (mais de 100 mil milhões de euros, incluindo interligações digitais) deve ser contemplado no Plano de Recuperação, e o CESE incentiva o setor ferroviário a elaborar um quadro abrangente e interoperável da mobilidade enquanto serviço, em conjunto com outros modos de transporte.

4.16

A livre circulação de dados é essencial para permitir a transformação digital dos caminhos de ferro. Por conseguinte, o CESE solicita que sejam encontradas soluções eficazes para eliminar os problemas associados à acessibilidade, à interoperabilidade e à transferência de dados, garantindo simultaneamente uma proteção de dados e confidencialidade adequadas, concorrência leal e uma maior escolha para os consumidores, e disponibilizando informação estática e dinâmica aos passageiros. As mesmas condições devem aplicar-se às empresas públicas e privadas com reciprocidade no tocante ao intercâmbio de dados e à compensação dos custos (4).

4.17

Pelos motivos acima referidos, o tema da digitalização dos caminhos de ferro deve ser um dos pontos centrais do Ano do Transporte Ferroviário. Em especial, a ligação entre a digitalização e a sustentabilidade deve ser realçada através de iniciativas de comunicação adequadas.

Trabalhadores ferroviários

4.18

Os caminhos de ferro europeus empregam diretamente cerca de 1,3 milhões de cidadãos europeus, e indiretamente mais 1 milhão, figurando por isso entre os maiores empregadores na União Europeia. As empresas ferroviárias são um fator essencial na formação de jovens, contribuindo assim para combater o desemprego dos jovens na Europa, principalmente em períodos de dificuldade económica.

4.19

O Ano Europeu do Transporte Ferroviário é também o ano dos trabalhadores ferroviários. É necessário garantir postos de trabalho de elevada qualidade para os trabalhadores dos transportes e um serviço seguro e fiável para os clientes. No espírito de uma Europa social, as condições de trabalho dos trabalhadores devem estar no centro das atenções. O dumping salarial e social não tem lugar no setor ferroviário e deve ser eliminado.

4.20

Os trabalhadores ferroviários merecem reconhecimento público. Para isso, é importante dar visibilidade às suas conquistas e reconhecer os seus desafios. Ações à escala europeia devem ajudar a reconhecer as conquistas dos trabalhadores e realçar a exigência de postos de trabalho de qualidade. Todos os trabalhadores ferroviários devem ser protegidos contra o dumping salarial e social, a fim de manter operações ferroviárias seguras na Europa. Tal apenas será possível através de uma parceria social ativa no setor.

4.21

A digitalização representa, naturalmente, uma oportunidade para os caminhos de ferro, bem como um imperativo do ponto de vista empresarial. Os caminhos de ferro apenas conseguirão responder aos desafios atuais se digitalizarem os seus processos internos, bem como a forma como prestam serviços. Contudo, a digitalização deve ser realizada com a máxima prudência, a fim de evitar transições destabilizadoras e discórdia social. É absolutamente indispensável que os parceiros sociais europeus se reúnam, no âmbito da sua participação no diálogo social setorial da UE sobre os caminhos de ferro, para decidir projetos conjuntos, a fim de identificar e antecipar com maior exatidão o impacto da automatização e da digitalização para manter um nível elevado de emprego e de garantias sociais no contexto de uma transição socialmente justa (5).

4.22

A solução para enfrentar este desafio consiste em colocar a tónica nas transições profissionais, apoiadas pela aprendizagem ao longo da vida e por investimentos na empregabilidade do pessoal, a fim de evitar o despedimento de trabalhadores. No que respeita ao setor ferroviário, o desequilíbrio da pirâmide etária da sua mão de obra e as dificuldades de recrutamento, especialmente entre os jovens e as mulheres, são dois desafios importantes (6).

4.23

O Ano do Transporte Ferroviário deve constituir uma oportunidade para comunicar mais eficazmente, principalmente aos jovens europeus, a atratividade de uma carreira nos caminhos de ferro, apoiando iniciativas conjuntas com parceiros sociais, universidades, a comunidade académica em geral e as organizações de juventude europeias.

Infraestruturas

4.24

O quadro da RTE-T contribuiu de forma significativa para identificar os avultados recursos financeiros necessários para as novas infraestruturas ferroviárias (aproximadamente 500 mil milhões de euros só para a rede principal até 2030), apesar de os recursos disponíveis ainda não serem suficientes para satisfazer todas as necessidades. A conclusão da rede principal deve conduzir a uma rede europeia de alta velocidade que sirva quase todas as capitais e grandes cidades europeias (com mais de 500 000 habitantes). Além disso, a manutenção das infraestruturas da RTE-T foi uma questão amplamente subestimada em vários países, nos quais emerge atualmente de forma bastante acentuada, enquanto noutros foi devidamente realizada.

4.25

O CESE aprova a promoção de ligações ferroviárias entre grandes cidades através de comboios de alta velocidade e da RTE-T, mas recorda a importância de manter níveis adequados de financiamento para linhas nacionais e regionais.

4.26

O CESE solicita que se impulsione o investimento para concluir a rede, incluindo zonas rurais e regionais, e cobrir os fundos para a manutenção corrente e extraordinária em toda a RTE-T através do Plano de Recuperação da União Europeia. São necessários mais fundos para o desenvolvimento das ferrovias, investimentos em infraestruturas e uma rede mais densa de transporte de passageiros e mercadorias. Cada euro investido no setor ferroviário cria e mantém postos de trabalho, incluindo na indústria e nas regiões que abastecem esse setor.

Financiamento sustentável

4.27

O Plano de Ação para financiar um crescimento sustentável [COM(2018) 97 final], da Comissão Europeia, visa reorientar os fluxos de capitais para investimentos sustentáveis, a fim de assegurar um crescimento sustentável e inclusivo, gerir os riscos financeiros decorrentes das alterações climáticas, do esgotamento dos recursos, da degradação do ambiente e das questões sociais, e promover a transparência e uma reflexão a longo prazo sobre as atividades económicas e financeiras.

4.28

O sistema de classificação (taxonomia) comum da UE, que proporcionará clareza quanto às atividades que podem ser consideradas sustentáveis, é particularmente importante.

4.29

Com base na elaboração da taxonomia de sustentabilidade da UE e nos resultados obtidos até ao momento pelo Plano de Ação, a Comissão anunciou uma revisão do plano de ação no âmbito do Pacto Ecológico Europeu.

4.30

O CESE acolheu favoravelmente as propostas relativas à taxonomia, que constituem uma primeira fase na execução do Plano de Ação para financiar um crescimento sustentável (7). Acolheu também favoravelmente a proposta relativa à criação de novos índices de referência hipocarbónicos e de índices de referência de impacto carbónico positivo. Além disso, esta base tem de estar em consonância com as elevadas ambições mencionadas no Plano de Ação, segundo o qual a «Europa está bem colocada para assumir o papel de líder mundial». Importa agora agir em conformidade com essa ambição e definir uma taxonomia que vá ao seu encontro.

4.31

Devido às suas credenciais em matéria de sustentabilidade, os caminhos de ferro deverão conseguir encontrar oportunidades em todas as iniciativas de financiamento sustentável. Continua a ser inquestionável que o financiamento para manutenção e expansão das infraestruturas ferroviárias é uma missão pública e deve depender do orçamento público, mas importa dedicar atenção às necessidades de financiamento do sistema ferroviário do futuro, em especial o material circulante e as estações ferroviárias, bem como estudar a possibilidade de participação de investidores privados em projetos ferroviários.

4.32

Para assegurar a viabilidade do quadro estratégico criado pelas iniciativas da Comissão em matéria de financiamento sustentável, é importante que os Estados-Membros concluam o mais rapidamente possível o processo de ratificação do Protocolo sobre Questões Específicas relativas a Material Circulante Ferroviário, de 2007, anexo à Convenção da Cidade do Cabo, relativa a garantias internacionais sobre materiais de equipamento móvel, de 2001 (Protocolo Ferroviário do Luxemburgo).

4.33

É necessário que os caminhos de ferro e a comunidade de investidores privados dialoguem e troquem ideias sobre possíveis sinergias, nomeadamente no contexto das iniciativas da Comissão em matéria de financiamento sustentável. O Ano Europeu do Transporte Ferroviário deve programar atividades que permitam estes intercâmbios, envolvendo a comunidade ferroviária e a comunidade de investidores privados, em especial investidores a longo prazo oriundos, por exemplo, dos seguros, dos investimentos e dos fundos de pensões.

Acessibilidade

4.34

A promoção do acesso universal conforme previsto no Protocolo n.o 26, relativo aos serviços de interesse geral, e as suas referências a serviços de interesse económico geral implicam o acesso de todos os utilizadores em todo o território (acessibilidade territorial), com a reserva de que as condições de acesso (tempos de espera, densidade de pontos de acesso, infraestruturas, etc.) podem variar consoante as necessidades dos utilizadores. A igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal também implicam o combate a todas as formas de discriminação.

4.35

A fim de tornar as viagens de comboio mais atrativas para as deslocações diárias, bem como para as deslocações de longo curso e transfronteiras, será importante reforçar os direitos dos passageiros, sensibilizar os passageiros para essas formas de proteção, bem como manter e, eventualmente, melhorar a acessibilidade dos preços e a qualidade do serviço do transporte ferroviário.

4.36

As empresas ferroviárias, os gestores de estações e os gestores de infraestruturas europeus melhoram continuamente a experiência de viagem das pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência. A acessibilidade dos serviços ferroviários melhorou bastante em relação ao passado, e muitos passageiros com deficiência conseguem entrar em comboios sem ajuda. Os operadores ferroviários contribuem de forma significativa para reforçar a inclusão social das pessoas com deficiência e estão determinados a cumprir os seus compromissos neste domínio juntamente com os poderes públicos e as associações de passageiros.

4.37

Foram realizados investimentos para continuar a remover obstáculos nas estações e nos comboios durante a próxima década, a fim de facilitar a experiência de viagem dos passageiros com mobilidade reduzida ou com deficiência.

4.38

Por conseguinte, será necessário um financiamento permanente de terceiros, concedido pelos governos nacionais ou diretamente pela UE, para que a acessibilidade da rede ferroviária seja continuamente melhorada em conformidade com a atual legislação da UE em matéria de acessibilidade no transporte ferroviário.

4.39

O Ano Europeu do Transporte Ferroviário deve constituir também uma oportunidade para desenvolver projetos que promovam uma abordagem holística da acessibilidade, abrangendo não apenas as iniciativas empreendidas pelo setor ferroviário, tanto nas estações como nos comboios, para melhorar a assistência e a acessibilidade, mas também todas as medidas necessárias para assegurar que todos os passageiros possam chegar aos nós de transportes.

Turismo sustentável

4.40

A União Europeia é uma das regiões turísticas mais desenvolvidas e mais visitadas do mundo. A nível mundial, a UE representa 40 % das chegadas de turistas internacionais e 31 % das receitas do turismo internacional. Encontram-se na UE alguns dos maiores mercados emissores de turistas do mundo e alguns dos destinos mais visitados a nível mundial. Em 2016, quase 270 milhões de residentes na UE (dois terços da população residente à altura) fizeram pelo menos uma viagem de lazer, mais de metade das quais para destinos internacionais. Os transportes representam normalmente 27 % das despesas numa viagem de lazer.

4.41

A tomada em conta do impacto ambiental dos transportes ligados ao turismo é um dos principais desafios identificados na Comunicação da Comissão — Agenda para um Turismo Europeu Sustentável e Competitivo [COM(2007) 621].

4.42

A dinâmica do movimento Fridays for Future, bem como os fenómenos meteorológicos e climáticos extremos, levam os cidadãos a repensar os seus planos de viagem habituais e a ponderar os caminhos de ferro como modo de transporte para chegar ao destino pretendido. As pessoas que viajam por lazer ou em férias representam a maior categoria de viajantes isolados nos caminhos de ferro.

4.43

O turismo atravessa atualmente uma fase de transição, em que destinos consolidados desenvolvem novas visões para reforçar um turismo mais respeitador dos princípios de sustentabilidade económica, social e ambiental. São necessários novos modelos de desenvolvimento do turismo para abordar o impacto ambiental desta atividade e o excesso de turismo.

4.44

Em muitos Estados-Membros e muitas regiões e cidades europeias, o turismo é um contributo fundamental para o tecido económico e social, proporcionando postos de trabalho e rendimentos. Contudo, a pandemia de COVID-19 atingiu duramente este ecossistema.

4.45

Neste contexto, é necessário tomar medidas para ajudar o turismo internacional, continental e nacional a retomar a atividade, de forma a proteger também amplos setores da economia da UE. Os caminhos de ferro podem ajudar a desenvolver destinos turísticos que não têm serviços aéreos adequados, a abrir novas rotas e a fomentar novas cadeias de valor. Para os caminhos de ferro europeus, esta é uma oportunidade de satisfazer as exigências crescentes de um mercado de turistas preocupados com o clima.

4.46

O Ano do Transporte Ferroviário deve ser uma oportunidade para sensibilizar o público para o turismo sustentável e as novas rotas turísticas que os cidadãos europeus podem descobrir devido às ligações ferroviárias. A transferência modal no turismo deve ser um conceito desenvolvido e divulgado através de iniciativas de comunicação adequadas, com o apoio conjunto da comunidade ferroviária, das indústrias culturais europeias e de representantes nacionais e europeus do setor do turismo.

4.47

Neste contexto, o Ano Europeu do Transporte Ferroviário deve também constituir uma oportunidade para sensibilizar o público e dar uma maior projeção às rotas históricas e panorâmicas de toda a Europa, como o comboio Expresso do Oriente entre Paris e Veneza, a linha férrea Creusot, que atravessa o leste e o sul da França, a linha férrea de Munique para o castelo de Neuschwanstein na Alemanha, o itinerário ferroviário do Vale de Orcia em Itália, as rotas ferroviárias Malopolska na Polónia e muitas outras em todo o continente.

DiscoverEU

4.48

Por vários motivos, um número substancial de jovens europeus nunca viajou dentro da Europa ou apenas o fez em raras ocasiões. Embora existam programas de intercâmbio escolar, a UE lançou recentemente um instrumento que oferece a qualquer europeu uma experiência de viagem capaz de ligar melhor os jovens à identidade europeia, aumentando a sensibilização para os valores fundamentais da União Europeia, e de os familiarizar com um modo de transporte sustentável e não poluente. A DiscoverEU é uma iniciativa da União Europeia que proporciona às pessoas a oportunidade de descobrir a Europa através de experiências de aprendizagem. Viajando principalmente de comboio (há exceções, a fim de permitir a participação de quem vive em ilhas ou regiões remotas), os jovens europeus podem descobrir a Europa e as suas cidades.

4.49

O papel das viagens na criação de uma identidade europeia foi reconhecido logo nos trabalhos preparatórios com vista à inclusão deste setor no Tratado de Lisboa. O professor Richard Jobs demonstrou recentemente o papel mais específico desempenhado pelo Passe Interrail na definição de valores comuns europeus (8).

4.50

O Ano do Transporte Ferroviário deve constituir uma oportunidade para dar novo ímpeto à iniciativa DiscoverEU, apoiando os seus objetivos e chegando a jovens europeus que ainda não participaram no projeto. O CESE apoia a iniciativa do Parlamento Europeu de conceder a cada cidadão europeu, quando perfaz 18 anos, o direito a um passe DiscoverEU como um símbolo da identidade da UE.

A Europália e outros museus ferroviários europeus

4.51

De dois em dois anos, a Europália apresenta ao público, na Bélgica e países vizinhos, um programa de eventos e exposições sobre temas com uma forte dimensão e perspetiva europeia. Normalmente, a Europália atrai um grande número de visitantes, muitos dos quais do estrangeiro.

4.52

O tema da próxima edição (que se iniciará em outubro de 2021) será os caminhos de ferro e a influência que estes tiveram e continuam a ter na forma como viajamos, trabalhamos, comunicamos e vivemos na Europa. A ênfase será colocada nos caminhos de ferro como «precursores» dos esforços da UE para unir nações e cidadãos, bem como nos comboios como agentes da mudança para a mobilidade verde, com base nas ideias que constam do Pacto Ecológico Europeu e na influência dos caminhos de ferro nas artes, salientando o papel das ferrovias como fortes promotores de mudança social, económica e industrial.

4.53

Neste contexto, seria útil aproveitar o Ano do Transporte Ferroviário para prestar mais informações sobre o calendário de iniciativas da Europália, bem como partilhar com um público mais vasto os conteúdos criados em eventos culturais já existentes, como festivais de cinema (Cannes, Veneza, Berlim) e exposições de arte. No mesmo contexto, as estações e museus ferroviários poderão ser, ao longo de 2021, o cenário de grandes iniciativas que liguem o futuro e o passado dos caminhos de ferro a setores importantes como a arquitetura e construção, o design, o turismo, o setor eletromecânico e a alimentação.

4.54

É igualmente necessário que o Ano do Transporte Ferroviário incentive a participação de todos os museus ferroviários europeus, convide os cidadãos a descobrir as suas coleções através da digitalização e promova os intercâmbios entre museus e um circuito europeu de museus ferroviários.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2020) 78 final.

(2)  COM(2020) 78 final.

(3)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 79.

(4)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 79.

(5)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 23.

(6)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 23.

(7)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 103.

(8)  Ver Jobs, R.I. (2017). «Backpack Ambassador — How Youth Travel Integrated Europe» [Embaixador de mochila — Como as viagens dos jovens integraram a Europa], University of Chicago Press, p. 249.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/158


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas para um mercado ferroviário sustentável em razão da pandemia de COVID-19

[COM(2020) 260 final — 2020/0127 (COD)]

(2020/C 364/22)

Relator-geral:

Alberto MAZZOLA

Consulta

Parlamento Europeu, 8.7.2020

Conselho, 30.6.2020

Base jurídica

Artigo 91.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Aprovação do presidente do CESE

25.6.2020 (processo de urgência, artigo 62.o do Regimento)

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

211/2/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão Europeia e considera que está em conformidade com o ponto 3.2 do seu Parecer — Ano Europeu do Transporte Ferroviário (2021) (TEN/710) (1), no qual, a par das observações relativas à resiliência demonstrada pelo setor ferroviário mesmo durante o pico do surto de COVID-19, argumenta que «[a]pesar da forte resiliência demonstrada, o transporte ferroviário de mercadorias poderia ter conseguido resultados ainda melhores […] se as taxas de acesso às vias fossem reduzidas para zero […].»

1.2

O CESE sublinha que é importante que os Estados-Membros e os gestores de infraestrutura apliquem, o mais rapidamente possível, as derrogações previstas na proposta da Comissão Europeia durante todo o período de referência. O CESE considera que as medidas propostas serão úteis a curto prazo e ao longo de todo o período de aplicação.

1.3

O CESE propõe, contudo, que, antes do final do período de validade das derrogações propostas, a Comissão Europeia e os legisladores considerem a possibilidade de prorrogar a validade destas medidas, especialmente no caso de a recuperação económica do setor ser mais lenta do que o previsto.

1.4

O CESE salienta a importância das disposições que visam garantir que os Estados-Membros compensam os gestores de infraestruturas por perdas económicas causadas pela aplicação das derrogações da Diretiva 2012/34/UE (2) propostas pela Comissão.

2.   Proposta da Comissão

2.1

A proposta da Comissão prevê, tal como outras propostas recentes, a adoção de uma série de medidas de apoio económico ao setor ferroviário europeu, nomeadamente, a renúncia, a redução ou o diferimento das taxas de acesso às vias, assim como a renúncia aos encargos de reserva. Estas medidas abrangem um período de referência compreendido entre 1 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020, a respeito do qual as taxas podem ser alteradas, em derrogação do disposto no artigo 27.o Diretiva 2012/34/UE. O diretório da rede, com menção de todas as taxas aplicáveis, deve, assim, ser publicado não menos de quatro meses antes do prazo aplicável aos pedidos de capacidade de infraestrutura.

2.2

Em concreto, propõe-se uma derrogação do princípio estabelecido no artigo 31.o, n.o 3, da diretiva, que requer que as taxas do pacote mínimo de acesso sejam definidas ao nível do custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário. Em derrogação de certas disposições da Diretiva 2012/34/UE, os Estados-Membros estão autorizados a efetuar ajustamentos em baixa na aplicação de sobretaxas no decurso do atual horário de serviço. Em derrogação do artigo 36.o da Diretiva 2012/34/UE, os gestores de infraestrutura são autorizados a renunciar à aplicação de taxas de reserva de capacidade pelos canais horários cancelados, devido à perturbação causada pela pandemia.

2.3

A Comissão propõe igualmente que os Estados-Membros sejam autorizados a compensar os gestores de infraestrutura pelas perdas económicas causadas por cada uma das derrogações da Diretiva 2012/34/UE acima referidas (taxas baseadas nos custos diretos, sobretaxas e taxas de reserva de capacidade). Em derrogação da Diretiva 2012/24/UE, os gestores de infraestrutura podem ser reembolsados dentro de um prazo mais curto do que o estabelecido no artigo 8.o, n.o 4, da diretiva, ou seja, até 31 de dezembro do ano seguinte ao ano em que a perda ocorreu.

2.4

O diretório da rede define em pormenor as regras gerais, os prazos, os procedimentos e os critérios relativos aos regimes de tarifação e de repartição da capacidade, incluindo todas as outras informações necessárias para viabilizar os pedidos de capacidade de infraestrutura. Propõe-se que os diretórios de rede sejam mantidos atualizados e alterados sem demora.

3.   Considerações gerais

3.1

O transporte ferroviário sofreu perturbações significativas e inesperadas devido ao surto pandémico de COVID-19, que provocou uma enorme quebra na mobilidade. Durante o pico da crise, o número de passageiros do transporte ferroviário diminuiu mais de 90 % em vários países, sendo que mesmo depois de terminado o confinamento, estes valores ainda não atingiram 50 % do nível anterior à crise.

3.2

Segundo as primeiras estimativas aproximadas, calculadas por associações do setor como a Comunidade dos Caminhos de Ferro Europeus (CCFE), as receitas perdidas por todos os operadores de transporte de passageiros em consequência da pandemia ascendem a 900 milhões de euros por semana desde o início da crise. O impacto do surto de COVID-19 provocou uma redução média aproximada de 25 % nas receitas do transporte de mercadorias em toda a União Europeia (UE-27) em março e abril de 2020, com uma perda de receitas de aproximadamente 78 milhões de euros por semana. Os gestores das infraestruturas ferroviárias sofrem cada vez mais o impacto do surto de COVID-19 por força da redução do tráfego e das receitas que este gera.

3.3

A redução das taxas de acesso à via para um nível inferior ao previsto na Diretiva 2012/34/UE e o facto de os gestores de infraestrutura gozarem de maior flexibilidade na atribuição de canais horários atenuarão, parcialmente, o impacto da crise nos operadores ferroviários.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Ver página 149 do presente Jornal Oficial.

(2)  JO L 343 de 14.12.2012, p. 32.


28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/160


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Aplicação dos acordos de comércio livre — 1 de janeiro de 2018-31 de dezembro de 2018

[COM(2019) 455 final]

(2020/C 364/23)

Relatora:

Tanja BUZEK

Correlator:

Alberto MAZZOLA

Consulta

Comissão, 19.12.2019

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

16.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

203/0/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A COVID-19 teve um impacto profundo e sem precedentes no nosso mundo globalizado e nas suas populações, bem como no comércio e no investimento. A Organização Mundial do Comércio (OMC) estima que o comércio mundial diminuirá entre 13 % e 32 % em 2020 (1). Enquanto motor importante do crescimento, da criação de emprego e do desenvolvimento sustentável, o comércio terá um papel fundamental na promoção de uma retoma económica sustentável depois da crise e na reconstituição e reorganização pelas empresas das suas cadeias de valor afetadas. A Europa necessita urgentemente de um plano de relançamento da UE sólido, social, sustentável e integrador que contribua para que as empresas e os cidadãos superem esta crise e que preserve o emprego digno, nomeadamente através do fomento do comércio internacional. Tal plano deve ser financiado através da emissão de euro-obrigações ou de outra dívida europeia comum a longo prazo.

1.2.

A crise atual sublinha a importância da cooperação a nível mundial e do processo de reforma da OMC para assegurar uma organização forte e eficaz que aja contra o protecionismo e o unilateralismo. É chegado o momento de a OMC desempenhar o papel que lhe compete na promoção ativa das normas laborais fundamentais e do Acordo de Paris (2).

1.3.

A revisão antecipada anunciada da estratégia comercial da UE deve retirar ensinamentos importantes da crise atual. A UE não é autossuficiente e depende do acesso aos mercados internacionais. As cadeias de abastecimento mundiais têm de se tornar mais resistentes, diversificadas e responsáveis. É necessário que instrumentos mais fortes resultem numa estratégia comercial e de investimento sustentável em todas as suas dimensões, que deve ser coerente com o Pacto Ecológico e mostrar a mesma ambição na aplicação efetiva e no cumprimento das disposições laborais. As recomendações do Comité Económico e Social Europeu (CESE) formuladas numa série de pareceres fundamentais recentes e em curso sobre a política comercial devem contribuir para tal revisão (3). A nova estratégia comercial da UE deve ir além dos antigos modelos comerciais, criar um novo modelo que seja resistente em termos económicos, mais ecológico, socialmente sustentável e responsável.

1.4.

A sociedade civil tem desempenhado um papel importante na sensibilização para a aplicação da política comercial da UE, contribuindo para comunicar os seus benefícios, e é crucial para assinalar as preocupações e as lacunas. Por conseguinte, o CESE lamenta, em particular, que o trabalho e a voz dos grupos consultivos internos (GCI) continuem, em grande medida, ausentes do relatório sobre a aplicação. O contributo dos programas de trabalho dos GCI e das declarações conjuntas com os GCI nos países parceiros deve ser mais bem integrado nos relatórios futuros.

1.5.

Em futuros acordos, o âmbito de monitorização dos GCI abrangerá a totalidade do acordo, devendo, ao mesmo tempo, prestar especial atenção ao impacto no comércio e no desenvolvimento sustentável. Há que reforçar consideravelmente o impacto das recomendações dos GCI, em particular, mas não exclusivamente, na investigação das infrações em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável. O grupo de peritos sobre comércio e desenvolvimento sustentável com os Estados-Membros, o novo alto responsável pela aplicação dos acordos comerciais e as instituições pertinentes da UE devem estabelecer um intercâmbio estruturado de acompanhamento com os GCI e prever a realização de reuniões conjuntas entre GCI no âmbito das negociações sobre os acordos.

1.6.

Os acordos de comércio livre (ACL) criam um quadro para as empresas desenvolverem relações a longo prazo com novos clientes e fornecedores, aproveitarem as oportunidades em novos países e reforçarem as capacidades locais de forma a satisfazerem os seus requisitos. Uma estratégia comercial bilateral e multilateral ambiciosa que reflita os ensinamentos supramencionados e a plena aplicação dos ACL da UE em vigor devem lançar as bases para tal.

1.7.

O relatório anual sobre a aplicação dos ACL apresenta um panorama global e claro da rede comercial da UE, aferindo os progressos e o desempenho dos diversos ACL e assinalando deficiências a nível da aplicação. No entanto, deve reforçar o seu potencial informativo e melhorar a interligação aos relatórios anteriores e ao ciclo de vida global da política de avaliação do comércio. As avaliações do impacto sustentável devem, nomeadamente, ser utilizadas como fontes de informação. Aquando da elaboração de relatórios futuros, a Comissão Europeia (CE) deverá dar prioridade à consulta da sociedade civil.

1.8.

Garantir e analisar os dados parece ser o maior desafio. O relatório deve utilizar os dados nacionais de forma mais coerente, mostrando as diferentes realidades por Estado-Membro ou região da UE e, se necessário, investir na recolha ativa de dados. A definição de critérios torna as comparações mais concretas. Outras fontes, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que se refere a violações do direito do trabalho, devem complementar o panorama.

1.9.

Os relatórios futuros devem analisar de forma mais sistemática o comércio de serviços e a sua evolução. É necessário dispor de dados mais pormenorizados, por setor e modo de fornecimento, para avaliar em que medida as empresas de todas as dimensões tiram partido das oportunidades oferecidas pelos ACL da UE. A fim de ajudar os exportadores de serviços, a base de dados revista de acesso ao mercado deve abranger os serviços de forma coerente e ser complementada por um guia da UE relativo aos exportadores e investidores de serviços europeus.

1.10.

Com vista a trazer valor acrescentado a todas as partes interessadas, o relatório anual deve prestar mais atenção a domínios e grupos específicos. Os consumidores teriam de ver de que forma os aumentos dos fluxos comerciais se podem traduzir em benefícios concretos. Os dados devem mostrar uma maior simetria entre objetivos de negociação ambiciosos para os consumidores e a sua aplicação posterior.

1.11.

A taxa de utilização das preferências (PUR) é um indicador importante no âmbito da aplicação dos ACL. O relatório mostra que a PUR é geralmente inferior no contexto das exportações da UE para países parceiros do que das importações para a UE. A CE e os Estados-Membros devem tomar medidas conjuntas para melhorar a utilização das preferências comerciais e reforçar a sensibilização para os benefícios comerciais, em especial junto das pequenas e médias empresas (PME). Em cooperação com a comunidade empresarial da UE, devem promover os ACL na sua língua nacional e elaborar planos de ação e aplicação nacionais para cada ACL. As atividades de sensibilização devem igualmente ter em conta os importadores nos países parceiros.

1.12.

A transparência é crucial para melhorar o acesso ao mercado dos contratos públicos pelas empresas europeias nos países parceiros dos ACL. A publicação de concursos públicos de países terceiros numa secção específica da base de dados do Diário Eletrónico de Concursos da UE aumentaria consideravelmente a capacidade de as empresas europeias de todas as dimensões beneficiarem do capítulo relativo aos contratos públicos. Além disso, a UE deve promover as boas práticas relativas à forma de incluir critérios ambientais e sociais nos contratos públicos.

1.13.

Os ACL oferecem um potencial considerável para as exportações da UE em produtos agrícolas, enquanto as indicações geográficas (IG) reforçam a competitividade dos produtores agroalimentares da UE, tanto dentro como fora da União. No entanto, a aplicação das disposições agroalimentares parece estar aquém dos seus objetivos ambiciosos. A rastreabilidade dos produtos e a capacidade para aplicar o princípio da precaução são essenciais para garantir alimentos de boa qualidade e a segurança do seu abastecimento. A monitorização eficiente das normas sanitárias e fitossanitárias (SFS) requer a realização de inspeções com recursos adequados.

1.14.

Anos após a celebração dos acordos de comércio livre, continuamos a testemunhar a falta de progressos no cumprimento dos compromissos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável em alguns países parceiros. Embora apoie plenamente a CE, que finalmente intentou uma ação judicial no âmbito do diferendo com a Coreia em relação à questão dos direitos dos trabalhadores, o CESE manifesta, porém, a sua preocupação com o impacto real do relatório do painel, dado que os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável não dispõem atualmente de instrumentos vinculativos de aplicação da legislação. A este respeito, o CESE apela à realização de progressos concretos no que respeita à revisão do Acordo Económico e Comercial Global (CETA), com vista à aplicabilidade efetiva das respetivas disposições laborais e ambientais (4). O processo de revisão deve envolver estreitamente e consultar os GCI das duas partes.

1.15.

O CESE saúda vivamente as recentes iniciativas da CE e dos Estados-Membros para intensificar os esforços em matéria de comércio e sustentabilidade. Nas negociações com o Reino Unido, a UE está a enveredar por uma nova via, assegurando condições de concorrência equitativas e aplicando o capítulo geral relativo a litígios com acesso a vias de recurso, o que reflete a relação única entre as partes. A Comunicação — Pacto Ecológico Europeu apela a que o Acordo de Paris se torne um elemento essencial de todos os futuros acordos comerciais abrangentes — um passo positivo que deve ser alargado de forma a abranger as convenções fundamentais e atualizadas da OIT, ratificadas por todos os Estados-Membros da UE. Enquanto organismo reconhecido a nível internacional, a OIT deve participar no acompanhamento da aplicação das suas convenções nos acordos de comércio livre. O CESE aguarda com expectativa um novo debate entre os Estados-Membros sobre a forma de reforçar os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, a fim de cumprir plenamente os seus compromissos juridicamente vinculativos (5). Tal debate deve manter as normas ambientais e laborais igualmente no topo da estratégia de aplicação e cumprimento.

2.   Contexto

2.1.

Na sua comunicação de 2015, «Comércio para Todos», a Comissão comprometeu-se a apresentar um relatório anual sobre a aplicação dos acordos comerciais mais significativos da União Europeia (UE). Este é agora o terceiro relatório sobre esta matéria, e a primeira vez que o CESE formula recomendações.

2.2.

Os ACL constituem uma parte crescente do comércio da UE. Em 2018, 31 % das trocas comerciais de mercadorias da UE com o resto do mundo estavam abrangidos por acordos comerciais preferenciais, e prevê-se que este valor ultrapasse os 40 % tendo em conta os acordos comerciais celebrados desde então.

2.3.

Atualmente, a UE possui a maior rede comercial do mundo, com 44 acordos comerciais preferenciais que abrangem 76 países. O relatório anual sobre a aplicação abrange diferentes tipos de acordos comerciais da UE:

os «acordos comerciais de primeira geração», celebrados antes de 2006, que tendem a centrar-se na liberalização pautal;

os «acordos de nova geração» que abrangem novos domínios, incluindo serviços, investimentos, contratos públicos, concorrência, subvenções, questões regulamentares e desenvolvimento sustentável;

as «zonas de comércio livre abrangente e aprofundado» (ZCLAA), que visam aprofundar as relações económicas entre os respetivos países vizinhos e a UE;

os Acordos de Parceria Económica (APE), que se centram nas necessidades de desenvolvimento das regiões de África, das Caraíbas e do Pacífico.

2.4.

Desde 2015, a UE concluiu avaliações ex post relativas aos seus acordos comerciais com o México, o Chile e a Coreia do Sul. Estão atualmente em curso avaliações ex post dos acordos com o CARIFORUM e seis países mediterrânicos, dos acordos UE-Moldávia e UE-Geórgia, do acordo UE-Colômbia, Equador e Peru e do acordo UE-América Central.

2.5.

O relatório de 2019 fornece informações atualizadas sobre a aplicação dos 35 principais acordos comerciais com 62 parceiros, incluindo o primeiro relatório completo sobre o CETA. O relatório descreve ainda os trabalhos realizados antes da entrada em vigor do Acordo de Parceria Económica UE-Japão e inclui capítulos específicos sobre as PME, os serviços e o comércio agroalimentar.

2.6.

O relatório analisa o impacto das disposições incluídas nos capítulos dedicados ao comércio e desenvolvimento sustentável, que fazem parte de todos os acordos comerciais de nova geração da UE e informa sobre as medidas coercivas adotadas no âmbito dos acordos comerciais da UE. O respetivo documento de trabalho exaustivo apresenta fichas de informação pormenorizadas para cada acordo individual.

3.   A pandemia de COVID-19 e o comércio mundial e da UE

3.1.

A COVID-19 terá um impacto profundo e sem precedentes no nosso mundo e comércio globalizados. Até à data, as estimativas da CE apontam para uma diminuição recorde de 9,7 % do comércio mundial, uma redução eventual de 9,2 % das exportações de bens e serviços para fora da UE-27, e uma diminuição de 8,8 % das importações de fora da UE-27, em 2020 (6). Assistimos a perturbações enormes das cadeias de abastecimento, a restrições ad hoc às exportações de bens relacionados com a crise, tal como equipamento médico, a controlos alfandegários e das fronteiras mais rigorosos e a restrições à livre circulação de trabalhadores e prestadores de serviços. A crise atual revelou uma fragilidade e riscos preocupantes relacionados com cadeias de abastecimento muito fragmentadas e pouco diversificadas. Sublinha igualmente a importância de as economias serem apoiadas por serviços públicos operacionais e financeiramente sólidos, em particular serviços públicos de saúde, a fim de manter o comércio em boa forma e em evolução.

3.2.

A crise atual sublinha a importância da cooperação ao nível mundial e mostra que as soluções nacionais e unilaterais não são a resposta, nem ao nível europeu nem mundial. Assim, o processo de reforma da OMC deve prosseguir, a fim de assegurar uma organização forte e eficaz que aja contra o protecionismo e o unilateralismo. É chegado o momento de a OMC desempenhar o papel que lhe compete na promoção ativa das normas laborais fundamentais e do Acordo de Paris (7).

3.3.

O CESE reconhece que o comércio, com o quadro político adequado, pode ser um motor eficaz do crescimento, da criação de emprego e do desenvolvimento sustentável. Em 2017, um em cada sete postos de trabalho na UE dependia das exportações, o equivalente a 36 milhões de postos de trabalho e 15,3 % do emprego na UE. Além disso, a importância do mercado único para o comércio da UE e do respetivo «efeito indireto» é comprovada pelo facto de um quinto dos postos de trabalho apoiados pelas exportações se situar num Estado-Membro diferente (8).

3.4.

O comércio terá um papel fundamental na promoção de uma retoma económica sustentável e na reconstituição e reorganização pelas empresas das suas cadeias de valor afetadas. O plano de relançamento da UE tem de ser sólido, social, sustentável e integrador, proporcionar oportunidades para as empresas reforçarem a sua posição no comércio internacional e preservar o emprego digno. Tal plano deve ser financiado através da emissão de euro-obrigações ou de outra dívida europeia comum a longo prazo.

3.5.

Os próximos relatórios de 2020 e 2021 devem realizar uma avaliação estratégica abrangente do enquadramento comercial pós-COVID e da forma de assegurar benefícios para todos. A CE deve dar prioridade à consulta da sociedade civil quando da elaboração dos futuros relatórios sobre a aplicação dos ACL, e o CESE está disposto a contribuir com a sua experiência no terreno. A nova estratégia comercial, que visa a retoma após a COVID-19 e o reforço do comércio mundial, deve ter em conta os fatores que estão na origem da crise, mas também o empenho da UE numa economia neutra em termos de carbono. A política industrial europeia deve reforçar a soberania industrial em setores fundamentais, como os produtos farmacêuticos e o equipamento médico. Tal deve ser efetuado a nível da UE.

3.6.

As recomendações do CESE formuladas numa série de pareceres fundamentais recentes e em curso sobre a política comercial da UE (9) devem contribuir para a revisão antecipada da estratégia comercial. As negociações bilaterais e da OMC em curso devem fazer um balanço urgente do impacto da COVID-19, a fim de resolver os desafios conexos, em especial as restrições à exportação e a sustentabilidade das cadeias de abastecimento, e de rever os mandatos em matéria comercial em geral.

3.7.

Embora a grande rede da UE de regras comerciais preferenciais proporcione previsibilidade e segurança importantes às empresas da UE, a crise atual demonstra a necessidade urgente de instrumentos mais sólidos que abranjam a sustentabilidade do comércio em todas as suas dimensões, nomeadamente económica, social e ambiental. Neste contexto, o CESE gostaria de referir os trabalhos em curso no âmbito de um parecer específico sobre as cadeias de abastecimento sustentáveis (10), cuja adoção está prevista para setembro de 2020.

3.8.

As cadeias de abastecimento mundiais têm de se tornar mais resistentes e responsáveis. As relações comerciais diversificadas constituem um elemento importante da sustentabilidade económica, na medida em que proporcionam garantias contra perturbações em determinados países e regiões. A política comercial da UE tem um papel importante a desempenhar neste contexto. Os ACL criam um quadro para as empresas desenvolverem relações a longo prazo com novos fornecedores, começarem a operar em novos países e reforçarem as capacidades locais de forma a satisfazerem os seus requisitos.

3.9.

A revitalização dos fluxos comerciais deve basear-se em compromissos firmes com normas sociais e laborais e no seu cumprimento efetivo. A perturbação dos processos de fornecimento e de produção demonstrou a importância de adotar medidas de saúde e segurança no trabalho e de as fazer cumprir efetivamente, bem como de manter a segurança e a boa saúde dos trabalhadores para abastecer o mundo de bens e serviços. A ratificação, a aplicação e a garantia do cumprimento das convenções fundamentais da OIT sobre a liberdade de associação e a negociação coletiva constituem uma via essencial para garantir condições de trabalho seguras e dignas, juntamente com todas as convenções fundamentais atualizadas da OIT.

3.10.

Tendo em conta as medidas de retoma financeira em grande escala a empreender na UE e a nível mundial, o Pacto Ecológico não deve ser descartado, mas antes tornar-se uma prioridade crescente nas relações comerciais atuais e futuras da UE, a fim de se concretizar uma transição justa a nível social e ambiental. As medidas do Pacto Ecológico devem ser integradas em todos os elementos dos ACL, nomeadamente promovendo-se as boas práticas relativas à forma de incluir critérios ambientais e sociais nos contratos públicos.

4.   Observações na generalidade sobre o relatório anual

4.1.

O CESE congratula-se, de um modo geral, com o relatório anual sobre a aplicação dos ACL, que a Comissão Europeia lançou pela primeira vez em 2017, uma vez que proporciona uma visão global e clara da rede comercial da UE. Permite aferir os progressos e o desempenho dos diversos ACL. Como tal, deve assinalar as lacunas na aplicação, designadamente as que, como os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, não são mensuráveis através de estatísticas económicas. Por conseguinte, os relatórios futuros devem basear-se mais claramente nas conclusões de relatórios anteriores e adotar medidas de seguimento rastreáveis.

4.2.

O tempo é um fator pertinente na aplicação e na aferição do desempenho dos ACL. A este respeito, os relatórios anuais são apenas uma ilustração de tendências sustentadas, que poderão materializar-se com o tempo ou que necessitam de investigação adicional e que devem ser tratadas no âmbito de uma política de avaliação mais interligada. Cada acordo comercial está sujeito a uma avaliação considerável em vários momentos do seu ciclo de vida. Assim, o CESE propõe uma abordagem mais holística dos relatórios futuros, que retome os resultados de avaliações de impacto anteriores, realizadas antes e durante as negociações. As avaliações do impacto sustentável devem, nomeadamente, ser utilizadas como fonte de informação e confrontadas com o processo de aplicação.

4.3.

A informação é fundamental para aperfeiçoar a política comercial e de investimento da UE e maximizar os seus benefícios. Garantir e analisar os dados parece ser o maior desafio. A UE deve, pois, utilizar os dados nacionais de forma mais coerente, mostrando as diferentes realidades por Estado-Membro ou região da UE e, se necessário, investir na recolha ativa de dados. A definição de critérios pode tornar as conclusões mais concretas para efeitos de comparação. No que diz respeito ao comércio e ao desenvolvimento sustentável e, em especial, à situação das normas laborais a nível nacional, é necessário complementar com outras fontes de dados, como a OIT.

4.4.

A PUR é um indicador de aplicação importante. No entanto, analisa apenas o comércio de mercadorias, sendo que nem todos os benefícios, como o acesso ao mercado dos contratos públicos, são efetivamente expressos através de preferências pautais. A PUR média das importações para a UE provenientes de países parceiros comerciais preferenciais da UE foi de 87 % em 2018; de um modo geral, foi inferior para as exportações da UE para países parceiros. Contudo, não está disponível um cálculo exato da PUR média, uma vez que a UE depende dos dados recolhidos pelo país importador, e estas estatísticas não estão harmonizadas. A fim de obter uma imagem mais abrangente, é necessário desenvolver outros indicadores para avaliar em que medida as empresas de todas as dimensões tiram partido das oportunidades oferecidas pelos ACL da UE.

4.5.

Em 2018, as exportações de serviços representaram 32 % do valor total das exportações da UE e quase 59 % se consideradas como comércio em valor acrescentado (11). Infelizmente, a parte do relatório dedicada ao comércio de serviços não reflete adequadamente o valor elevado do comércio de serviços para a UE (25,2 % do seu PIB) e carece de pormenores. Os relatórios futuros devem analisar de forma mais sistemática o comércio de serviços e a sua evolução, não só como um agregado, mas também por setor e por modo de fornecimento. Por exemplo, cada vez mais serviços profissionais estão abrangidos por acordos comerciais. Os profissionais liberais, como advogados, engenheiros ou arquitetos, prestam serviços altamente especializados, muitas vezes relacionados com outros serviços conexos e com contratos públicos, mas não estão incluídos no relatório.

4.6.

O CESE solicita que, nos relatórios futuros, se dê mais atenção a domínios e grupos específicos que não constam, em grande medida, do relatório. Já se destacam bem os benefícios dos acordos comerciais da UE para as PME e para o comércio agroalimentar. No que se refere à agricultura, é importante analisar o impacto cumulativo dos ACL em setores específicos, devendo ser alvo de reflexões antes do início de novas negociações. Em especial para os consumidores, é necessário que o aumento dos fluxos comerciais se traduza em benefícios concretos. Por esta razão, o CESE apelou para «um capítulo específico sobre “o comércio e os consumidores” no quadro das disposições relativas ao comércio e desenvolvimento sustentável, integrando as normas internacionais pertinentes em matéria de defesa do consumidor e reforçando a cooperação no que respeita à aplicação dos direitos dos consumidores» (12).

4.7.

O CESE apoia firmemente a inclusão no relatório de um capítulo específico sobre a aplicação das disposições em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável. Nesse caso, importa ir além das atividades empreendidas e examinar a fundo os seus resultados, os pontos de vista e pareceres emitidos, bem como medidas de seguimento. O CESE lamenta, em particular, que o trabalho e a voz dos GCI no acompanhamento do impacto dos acordos sobre os compromissos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável estejam, em grande medida, ausentes do relatório, apesar do seu contributo institucional no âmbito de todos os acordos de nova geração. O contributo dos programas de trabalho dos GCI e das declarações conjuntas com os GCI nos países parceiros deve ser mais bem integrado nos relatórios futuros.

5.   Observações na especialidade sobre a aplicação dos ACL

5.1.

A sociedade civil tem desempenhado um papel importante na sensibilização para a aplicação da política comercial da UE, contribuindo para comunicar os seus benefícios, e é crucial para assinalar as preocupações e as lacunas. O CESE desempenha um papel ativo em tudo isto, através dos seus pareceres e enquanto membro dos GCI. Alargar o âmbito de ação dos futuros GCI para monitorizarem todos os aspetos dos acordos, prestando especial atenção ao comércio e ao desenvolvimento sustentável, poderá complementar os esforços da Comissão Europeia para promover uma melhor aplicação dos futuros ACL da UE. O CESE apoia, portanto, um alargamento desse tipo (13).

5.2.

Os GCI são uma concretização fulcral dos ACL de nova geração, mas têm de ser reforçados para cumprirem com êxito as suas tarefas de monitorização, nomeadamente no que diz respeito ao comércio e ao desenvolvimento sustentável e, nos futuros ACL da UE, irem mais além. O grupo de peritos sobre comércio e desenvolvimento sustentável com os Estados-Membros e o novo alto responsável pela aplicação dos acordos comerciais devem estar estreitamente ligados ao trabalho dos GCI, inclusive através da elaboração de relatórios e estruturas de intercâmbio. Tal deve ser complementado pelo intercâmbio de informações com a OIT sobre a aplicação das medidas laborais associadas ao comércio e ao desenvolvimento sustentável. Para maior visibilidade e acompanhamento interinstitucional, é necessário um diálogo estrutural entre os GCI da UE, a Comissão Europeia, o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), o Parlamento Europeu e os Estados-Membros. Para tirar o máximo partido do diálogo com a sociedade civil nos países parceiros, as reuniões conjuntas entre GCI são imperativas e devem ser realizadas no âmbito das negociações do texto do acordo. Os GCI podem efetivamente contribuir de forma útil através de projetos conjuntos e de recomendações conjuntas. Dado o número crescente de ACL e, consequentemente, de GCI, é urgente aplicar soluções sistémicas com recursos adequados, tanto humanos como financeiros. Não há uma solução única para todos os casos. Qualquer nova abordagem potencial, como a regionalização dos GCI, terá de garantir o seu funcionamento eficaz para fazer face aos desafios na aplicação dos acordos específicos e associar os próprios GCI na sua configuração.

5.3.

O CESE congratula-se vivamente com uma série de esforços recentes para melhorar a aplicação e o cumprimento efetivo dos ACL. A nomeação de um alto responsável pela aplicação dos acordos comerciais assinala claramente um compromisso e uma estratégia a nível político. Deve levar a uma maior eficácia na aplicação e na garantia do cumprimento de todos os elementos dos ACL, bem como ao reforço do papel da sociedade civil na aplicação dos acordos, nomeadamente através da apresentação de reclamações. O documento informal dos ministros do Comércio de França e dos Países Baixos (14) é uma iniciativa bem-vinda para lançar um novo debate sobre a forma de assegurar que os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável cumprem plenamente os seus compromissos juridicamente vinculativos. Tal debate deve manter as normas ambientais e laborais igualmente no topo da estratégia de aplicação e cumprimento. Como reflexo da sua relação única, o projeto de texto da UE para um futuro acordo comercial com o Reino Unido abre um novo caminho ao colocar em primeiro lugar as condições de concorrência equitativas e a sustentabilidade, e refira-se que, para qualquer infração, é aplicável o mecanismo geral de resolução de litígios com acesso a vias de recurso (15). Tornar o respeito do Acordo de Paris um elemento essencial de todos os futuros acordos comerciais abrangentes, tal como anunciado na comunicação relativa ao Pacto Ecológico (16), é um passo positivo, que deve ser alargado de modo a incluir também o respeito e a aplicação das convenções fundamentais atualizadas da OIT, ratificadas por todos os Estados-Membros da UE. Em conformidade com a sua nova iniciativa, a OIT deve participar na monitorização da aplicação das suas convenções nos ACL, na medida em que é uma organização reconhecida a nível internacional com capacidade para acompanhar, auxiliar, investigar as infrações e propor soluções.

5.4.

Anos após a celebração dos acordos de comércio livre, continuamos a testemunhar a falta de progressos no cumprimento dos compromissos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável em alguns países parceiros. Em dezembro de 2018, a UE solicitou a constituição de um painel de peritos para realizar um inquérito sobre o conflito entre a UE e a Coreia em matéria de direitos laborais, nomeadamente a não ratificação de convenções fundamentais atualizadas da OIT. O CESE congratula-se com esta utilização — a primeira de sempre — dos procedimentos de resolução de litígios relacionados com o comércio e o desenvolvimento sustentável (17), lamentando somente a morosidade do processo, visto que o acordo foi ratificado há oito anos. Assim, o CESE recomendou o reforço dos mecanismos de acompanhamento da sociedade civil, permitindo-lhes «dar início, de forma independente, a inquéritos sobre o incumprimento dos compromissos claramente assumidos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável» (18). Lamentavelmente, o âmbito de ação do painel não abrangeu várias disposições legislativas adicionais e violações do direito à liberdade de associação, que a OIT solicitou à Coreia que retificasse (19). A apresentação oral dos intervenientes da sociedade civil, para além das observações amicus curiae redigidas, deve fazer parte integrante da audição do painel. Os resultados do relatório do painel e o seu impacto vinculativo ainda não são visíveis, uma vez que os atuais capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável carecem de instrumentos de garantia do cumprimento de maior alcance. A este respeito, o CESE apela à realização de progressos concretos no que respeita à revisão do Acordo CETA, com vista à aplicabilidade efetiva das respetivas disposições laborais e ambientais (20). O processo de revisão deve envolver estreitamente e consultar os GCI das duas partes (21).

5.5.

Os ACL oferecem um potencial considerável para as exportações da UE em produtos agrícolas, enquanto as indicações geográficas reforçam a competitividade dos produtores agroalimentares da UE, tanto dentro como fora da União. Com as importações e exportações a atingirem um valor combinado de 254 mil milhões de euros em 2018, a UE mantém-se a maior potência comercial mundial no que respeita aos produtos agroalimentares (22). Embora o comércio agroalimentar seja frequentemente objeto de escrutínio rigoroso durante as negociações, a aplicação das disposições parece estar aquém dos seus objetivos ambiciosos. A rastreabilidade dos produtos e a capacidade para aplicar o princípio da precaução são essenciais para garantir alimentos de boa qualidade e a segurança do seu abastecimento. A monitorização eficiente das normas sanitárias e fitossanitárias (SFS) requer a realização de inspeções com recursos adequados.

5.6.

Apesar das oportunidades significativas para as empresas, continua a haver falta de consciencialização dos benefícios dos ACL, em especial nos primeiros anos da sua aplicação. A Comissão Europeia e os Estados-Membros devem promover os acordos, em cooperação com a comunidade empresarial da UE nas respetivas línguas nacionais, junto dos potenciais exportadores para colmatar as lacunas de conhecimento, em especial entre as PME. Tal poderia ser concretizado, nomeadamente, através da elaboração de planos nacionais de aplicação para cada ACL antes da sua entrada em vigor.

5.7.

Enquanto beneficiários diretos das poupanças de direitos aduaneiros, os importadores de países parceiros comerciais são intervenientes fundamentais na utilização das preferências pautais ao abrigo de um ACL. Devem ser tidos em conta em todos os esforços da UE para aumentar a PUR das suas exportações. Como atividades de sensibilização, poderiam organizar-se seminários sobre as oportunidades oferecidas pelo respetivo ACL e sobre a forma de solicitar preferências pautais. As ações de sensibilização da UE nos países parceiros do ACL devem ser realizadas em estreita cooperação entre as delegações da UE, as representações nacionais e os representantes empresariais, incluindo as câmaras de comércio.

5.8.

Embora os serviços constituam uma grande parte das disposições dos ACL atuais, as suas vantagens são menos visíveis do que as reduções pautais. Neste contexto, a transparência dos requisitos regulamentares em mercados terceiros é fundamental para facilitar o comércio. A futura fusão da base de dados de acesso ao mercado da UE com o Trade Helpdesk constitui uma oportunidade para abranger não só as mercadorias, mas também os serviços de forma coerente. Um novo portal deveria fornecer informações sobre o acesso ao mercado e respetivas restrições, por modo de fornecimento, para cada código CPC (23), bem como informações sobre a documentação, a certificação, as licenças, os testes e outros requisitos por setor. Além disso, poderia ser útil a elaboração de um guia dos exportadores e investidores de serviços europeus, destinado aos parceiros comerciais preferenciais mais importantes da UE no domínio dos serviços, como o Japão ou o Canadá.

5.9.

A UE é o mercado de contratos públicos mais aberto do mundo, e os ACL proporcionam regras abrangentes e oportunidades significativas de acesso ao mercado dos contratos públicos para as empresas europeias nos países parceiros. No entanto, verifica-se falta de transparência e de medidas coerentes para integrar as cláusulas laborais nos contratos públicos, nas políticas e nas práticas (24), o que deve ser tido em conta nos ACL. A publicação de concursos públicos de países terceiros numa secção específica da base de dados do Diário Eletrónico de Concursos da UE aumentaria consideravelmente a capacidade de as empresas europeias de todas as dimensões beneficiarem do capítulo relativo aos contratos públicos. Além disso, uma ferramenta de tradução automática especializada, em todas as línguas da UE, para as propostas publicadas poderia ajudar a ultrapassar a barreira linguística.

5.10.

Para beneficiar de direitos preferenciais ao abrigo de um ACL, os produtos têm de cumprir as regras de origem. A redução dos custos administrativos do pedido de tarifas preferenciais deve ser considerada um fator essencial no aumento da PUR, nomeadamente para transações de baixo valor. Neste contexto, seria crucial simplificar e harmonizar as regras de origem dos diversos ACL. Além disso, a nova abordagem de verificação da origem acordada nos ACL com o Canadá e o Japão, segundo a qual a autoridade de importação determina se os produtos cumprem os requisitos de origem, pode de facto exigir que o exportador transfira dados sensíveis do ponto de vista comercial.

5.11.

Os capítulos dos ACL relativos ao investimento proporcionam segurança jurídica ao investimento direto estrangeiro, interno e externo, e eliminam os obstáculos ao investimento. As empresas europeias estão na vanguarda no que diz respeito à realização de investimentos sustentáveis e a longo prazo a nível mundial. No entanto, atrair estes investimentos continua a ser um desafio. O Plano de Investimento Externo da UE (PIE), centrado no desenvolvimento sustentável, no emprego e no crescimento, é um passo promissor neste domínio, mas é demasiado limitado do ponto de vista geográfico, temático e em termos do financiamento disponível. A UE poderia apoiar esta estratégia colocando no topo da agenda política questões pertinentes relacionadas com o investimento sustentável durante as visitas oficiais, as reuniões de alto nível e as missões a esses países, em coordenação com os seus Estados-Membros e com a comunidade empresarial da UE.

5.12.

As empresas europeias que operam em países terceiros são os principais impulsionadores e agentes da conduta empresarial responsável. O CESE observa que as disposições relativas às responsabilidades das empresas nos acordos comerciais e de investimento estão a aumentar e a tomar direções diferentes (25). Sendo as empresas europeias líderes mundiais nesta questão, a UE ocupa uma posição única para assumir a liderança no que toca ao dever de diligência. Por conseguinte, o CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia estar a seguir a sua recomendação de propor legislação da UE neste domínio (26).

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Previsões sobre o comércio da OMC, abril de 2020.

(2)  JO C 159 de 10.5.2019, p. 15.

(3)  Pareceres recentes constantes do JO C 47 de 11.2.2020. REX/529 — Emergência pós-COVID-19: criação de uma nova matriz multilateral (ver página xx do presente Jornal Oficial), em curso, NAT/791 — Compatibilidade da política comercial da UE com o Pacto Ecológico Europeu, e REX/532 — Cadeias de abastecimento sustentáveis e trabalho digno no comércio internacional.

(4)  Instrumento Comum Interpretativo sobre o Acordo Económico e Comercial Global (CETA), outubro de 2016.

(5)  Non-paper from the Netherlands and France on trade, social economic effects and sustainable development [Documento informal dos Países Baixos e de França sobre o comércio, as consequências sociais e económicas e o desenvolvimento sustentável], maio de 2020.

(6)  «The impact of the COVID-19 pandemic on global and EU trade» [O impacto da pandemia de COVID-19 no comércio mundial e da UE], equipa do economista principal da DG Comércio, abril de 2020.

(7)  JO C 159 de 10.5.2019.

(8)  JO C 47 de 11.2.2020.

(9)  Ver nota de rodapé n.o 3.

(10)  Parecer REX/532 — Cadeias de abastecimento sustentáveis e trabalho digno no comércio internacional (previsto para setembro de 2020).

(11)  Os serviços também representam uma parte significativa das exportações de produtos acabados (34 %). Todos os dados provêm da base de dados relativa ao comércio em valor acrescentado (Trade in Added Value — TiVA), 2016.

(12)  JO C 227 de 28.6.2018, p. 27.

(13)  JO C 159 de 10.5.2019, p. 28.

(14)  Ver nota de rodapé n.o 5.

(15)  Projeto de texto do acordo sobre a nova parceria com o Reino Unido, 18 de março de 2020.

(16)  COM(2019) 640 final.

(17)  Toma-se nota de duas resoluções de litígios lançadas em 2019, nomeadamente com a Ucrânia e a União Aduaneira da África do Sul, no âmbito do mecanismo geral de resolução de litígios dos ACL.

(18)  JO C 227 de 28.6.2018, p. 27.

(19)  Amicus curiae à atenção do painel de peritos que avalia a adesão da República da Coreia ao capítulo de sustentabilidade, de janeiro de 2020.

(20)  Ver nota de rodapé n.o 4.

(21)  Declaração conjunta dos GCI UE-Canadá, novembro de 2019.

(22)  Comércio agroalimentar em 2018, DG Agricultura e Desenvolvimento Rural, 2019.

(23)  Código de Classificação Central dos Produtos de acordo com a lista de classificação setorial dos serviços da OMC.

(24)  Relatório Geral da OIT, de 2008,Labour clauses in public contracts.Integrating the social dimension into procurement policies and practices [Cláusulas laborais nos contratos públicos. Integração da dimensão social nas políticas e práticas de aquisição].

(25)  Business Responsibilities and Investment Treaties [Responsabilidades das empresas e acordos de investimento], documento de consulta do Secretariado da OCDE, janeiro de 2020.

(26)  JO C 47 de 11.2.2020, p. 38.