ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 283

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

61.° ano
10 de agosto de 2018


Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

535.a reunião plenária do CESE — 60 anos do CESE, 23.5.2018-24.5.2018

2018/C 283/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As empresas da economia social como motor da integração dos migrantes (parecer de iniciativa)

1

2018/C 283/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Rumo a um acordo de associação UE-Mercosul (parecer de iniciativa)

9


 

III   Atos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

535.a reunião plenária do CESE — 60 anos do CESE, 23.5.2018-24.5.2018

2018/C 283/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre: a) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Pacote Mercadorias: reforçar a confiança no mercado único [COM(2017) 787 final]; b) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras e procedimentos para o cumprimento e a aplicação da legislação de harmonização da União respeitante aos produtos e que altera os Regulamentos (UE) n.o 305/2011, (UE) n.o 528/2012, (UE) 2016/424, (UE) 2016/425, (UE) 2016/426 e (UE) 2017/1369 do Parlamento Europeu e do Conselho, e as Diretivas 2004/42/CE, 2009/48/CE, 2010/35/UE, 2013/29/UE, 2013/53/UE, 2014/28/UE, 2014/29/UE, 2014/30/UE, 2014/31/UE, 2014/32/UE, 2014/33/UE, 2014/34/UE, 2014/35/UE, 2014/53/UE, 2014/68/UE e 2014/90/UE do Parlamento Europeu e do Conselho [COM(2017) 795 final — 2017/0353 (COD)]; c) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao reconhecimento mútuo de mercadorias comercializadas legalmente noutro Estado-Membro [COM(2017) 796 final — 2017/0354 (COD)]

19

2018/C 283/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à avaliação das tecnologias de saúde e que altera a Diretiva 2011/24/UE[COM(2018) 51 final — 2018/0018 (COD)]

28

2018/C 283/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/UE no que diz respeito às taxas do imposto sobre o valor acrescentado[COM(2018) 20 final — 2018/0005(CNS)], sobre a Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado no que respeita ao regime especial das pequenas empresas[COM(2018) 21 final — 2018/0006 (CNS)], sobre a Proposta alterada de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 904/2010 no que diz respeito às medidas destinadas a reforçar a cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado[COM(2017) 706 final — 2017/0248 (CNS)] e sobre a Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que se refere à obrigação de respeitar uma taxa normal mínima[COM(2017) 783 final — 2017/0349 (CNS)]

35

2018/C 283/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia[COM(2017) 797 final — 2017/0355 (COD)]

39

2018/C 283/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um quadro para a interoperabilidade entre os sistemas de informação da UE (fronteiras e vistos) e que altera a Decisão 2004/512/CE do Conselho, o Regulamento (CE) n.o 767/2008, a Decisão 2008/633/JAI do Conselho, o Regulamento (UE) 2016/399 e o Regulamento (UE) 2017/2226[COM(2017) 793 final — 2017/0351 (COD)] e sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um quadro para a interoperabilidade entre os sistemas de informação da UE (cooperação policial e judiciária, asilo e migração)[COM(2017) 794 final — 2017/0352 (COD)]

48

2018/C 283/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação do pacote de medidas relativas à economia circular: opções para examinar a relação entre as legislações relativas aos produtos químicos, aos produtos e aos resíduos[COM(2018) 32 final]

56

2018/C 283/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma Estratégia Europeia para os Plásticos numa Economia Circular[COM(2018) 28 final] e sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos meios portuários de receção de resíduos provenientes dos navios e que revoga a Diretiva 2000/59/CE e altera a Diretiva 2009/16/CE e a Diretiva 2010/65/UE[COM(2018) 33 final — 2018/0012 (COD)]

61

2018/C 283/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — O futuro da alimentação e da agricultura[COM(2017) 713 final]

69

2018/C 283/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Ações da UE para melhorar a conformidade e a governação em matéria de ambiente[COM(2018) 10 final]

83

2018/C 283/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho que cria a Empresa Comum Europeia para a Computação de Alto Desempenho[COM(2018) 8 final — 2018/0003 (NLE)]

89

2018/C 283/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1343/2011 relativo a regras comuns dos serviços aéreos na Comunidade[COM(2018) 143 final — 2018/0069(COD)]

95


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

535.a reunião plenária do CESE — 60 anos do CESE, 23.5.2018-24.5.2018

10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «As empresas da economia social como motor da integração dos migrantes»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 283/01)

Relator:

Giuseppe GUERINI

Decisão da Plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

27.4.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

186/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A recente evolução do fenómeno migratório pôs à prova o sistema de entrada na União Europeia, constituindo um verdadeiro teste de esforço das políticas migratórias, sociais e de segurança pública da União e dos Estados-Membros.

1.2.

O CESE considera fundamental que as instituições europeias, juntamente com os governos dos Estados-Membros, promovam políticas coordenadas para tornar mais claras, sustentáveis e eficazes as modalidades de entrada e estabelecimento na Europa, de trabalho, de aquisição de cidadania e de obtenção de proteção internacional das pessoas provenientes de países terceiros. O Comité exorta a que se preste especial atenção aos migrantes potencialmente em risco de exclusão social, como, por exemplo, as pessoas doentes ou com perturbações mentais, as pessoas com deficiência e os idosos.

1.3.

O CESE observou que as empresas da economia social souberam integrar os princípios comuns da sua ação (1) (inclusiva, subsidiária e de proteção das pessoas mais desfavorecidas) enfrentando o desafio da assistência aos migrantes de forma proativa e mobilizando as respetivas comunidades e os cidadãos.

1.4.

Dada a sua apetência para a inclusão, as empresas da economia social merecem mais reconhecimento. O CESE espera, pois, que a Comissão Europeia dê prioridade a este tipo de empresas na definição das políticas da UE e na programação dos fundos europeus, em particular no âmbito do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, como já foi aliás assinalado tanto na conferência sobre a economia social de 16 de novembro de 2017 como na cimeira europeia de 17 de novembro de 2017, ambas realizadas em Gotemburgo.

1.5.

As empresas da economia social criam postos de trabalho de qualidade em setores com grande intensidade do fator trabalho e, em especial, com elevada incidência de mão de obra não europeia. Nestas empresas da economia social, a dimensão participativa tem importância no âmbito da segurança e proteção no momento da estruturação da atividade económica, porque conduz ao aparecimento da economia informal e do trabalho irregular.

1.6.

As empresas da economia social estão a ter, assim, um papel fundamental, intervindo em quatro aspetos fundamentais para o processo de integração dos migrantes: a saúde e a assistência; a habitação; o ensino e a formação (nomeadamente acompanhando a sensibilização para os direitos e deveres decorrentes do seu estabelecimento na União Europeia); o trabalho e a inserção ativa dos migrantes nas sociedades de acolhimento.

1.7.

O CESE considera que, tendo em conta a sua tendência particular para operarem nos setores dos cuidados e da assistência e nas atividades da economia da partilha e da economia circular, as empresas da economia social podem favorecer e apoiar não só novos postos de trabalho, mas também o empreendedorismo e o acesso dos migrantes e refugiados às atividades económicas. A União Europeia deve continuar a promover as empresas da economia social, enquanto alavanca do crescimento e da inclusão laboral e social dos migrantes. Por conseguinte, o Comité solicita às instituições europeias que confiram prioridade às políticas direcionadas para as empresas da economia social, como também preconiza no seu contributo para o programa de trabalho da Comissão para 2018 (2).

1.8.

À luz dos dados que comprovam a eficácia das empresas da economia social na promoção da inclusão laboral e social dos migrantes, o Comité exorta a União, os Estados-Membros e a comunidade internacional a criarem incentivos ao emprego acessíveis às empresas da economia social que desenvolvem atividades de inserção profissional.

1.9.

Face ao relatório sobre o progresso das ações empreendidas, apresentado em novembro de 2017, o Comité confirma a necessidade de uma abordagem coordenada da União e dos Estados-Membros (3). Em particular, é evidente que, na ausência de um sistema de entrada eficaz para os migrantes, persistirá o recurso abusivo aos pedidos de proteção internacional observado nos últimos anos. O Comité reitera com convicção que os casos de utilização indevida do sistema de proteção internacional não justificam a introdução, por parte de alguns Estados-Membros, de restrições à possibilidade de os cidadãos de países terceiros apresentarem pedidos de asilo no seu território.

1.10.

O CESE encoraja a Comissão e o Conselho a reforçar a coordenação com os países de origem e de trânsito das migrações, com o intuito de desenvolver perspetivas de melhoria das condições de vida, em especial para as populações que se deslocam por razões económicas ou devido à fome ou às alterações climáticas, sendo desejável uma política externa europeia mais incisiva relativamente aos países em que são a guerra, a ditadura e a perseguição os causadores da fuga.

1.11.

O Comité solicita, em particular, que a União aborde o fenómeno migratório do ponto de vista das causas que determinam a necessidade de deslocação das pessoas: pobreza, conflitos, discriminação, alterações climáticas. Uma tal ação passa inevitavelmente por um compromisso renovado da União Europeia no âmbito da diplomacia e da cooperação internacional para o desenvolvimento, nomeadamente mediante um verdadeiro «plano extraordinário de investimento na cooperação para o desenvolvimento».

2.   Observações gerais

2.1.

As empresas da economia social são um interveniente fundamental da economia e da sociedade europeia, constituem uma riqueza da diversidade da União e contribuem para a consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020, construindo uma Europa mais inteligente, sustentável e inclusiva (4).

2.2.

As empresas da economia social têm contribuído de forma significativa para enfrentar as mudanças ocorridas na sociedade. As empresas da economia social estão presentes em muitos setores da sociedade e criaram iniciativas inovadoras para responder à necessidade crescente de assistência e de cuidados a pessoas dependentes, especialmente os idosos e as pessoas com deficiência. Em muitos casos, fizeram-no aumentando a participação das mulheres no mundo do trabalho, não só devido ao seu envolvimento direto nas empresas da economia social, mas também criando novos serviços para a infância e para a família (5). Ao mesmo tempo, as empresas da economia social promovem a criação de oportunidades de trabalho para pessoas desfavorecidas, atendendo em particular às que estão potencialmente em grave risco de exclusão social, como as pessoas com deficiência, com perturbações mentais e com problemas de alcoolismo ou de toxicodependência. As empresas da economia social assumem um papel-chave na promoção do modelo social europeu (6).

2.3.

Entre os desafios que a União teve de enfrentar nos últimos anos, assumiu particular importância a gestão do crescente fluxo migratório que fez chegar à Europa milhões de pessoas em fuga da guerra, da fome, da perseguição e de condições de vida que as alterações climáticas tornaram extremas. Este fenómeno pôs à prova o sistema de entrada dos Estados-Membros e as políticas migratórias, sociais e de segurança pública. De certo modo, as políticas migratórias da União estão a ser sujeitas a um teste de esforço: é importante aproveitar esta oportunidade para analisar atentamente as reações do sistema e os sinais que emitiu para poder promover intervenções orientadas e aumentar a eficiência e a eficácia das políticas da UE.

2.4.

A integração dos migrantes recém-chegados é um processo dinâmico, que evolui ao longo do tempo a par do contexto económico, social e cultural dos países em que as pessoas se estabelecem. Este processo obriga a interrogar a União, os Estados-Membros e a sociedade europeia acima de tudo quanto ao modo como os cidadãos não europeus poderão entrar, estabelecer-se, viver e trabalhar na União, bem como obter proteção internacional.

2.5.

As empresas da economia social, não obstante as suas diferentes articulações em função dos diferentes contextos nacionais, souberam pôr em prática os princípios comuns da sua ação — inclusiva, subsidiária e de proteção das pessoas mais desfavorecidas — enfrentando o desafio da assistência aos migrantes de forma proativa.

2.6.

Entre as características principais das intervenções efetuadas pelas empresas da economia social, destaca-se a capacidade para mobilizar e envolver as respetivas comunidades locais, ativando redes e parcerias que melhoram as relações com as administrações centrais e locais para prever possibilidades de assistência e inclusão mais bem aceites pelas populações locais.

2.7.

As empresas da economia social estão assim a ter um papel determinante, intervindo em quatro aspetos fundamentais para o processo de integração dos migrantes: a saúde e a assistência; a habitação; o ensino e a formação (em particular acompanhando a sensibilização para os direitos e os deveres decorrentes do seu estabelecimento na União Europeia); o trabalho e a inserção ativa dos migrantes nas sociedades de acolhimento. Neste processo, as empresas da economia social e as organizações da sociedade civil criam pontos de encontro entre os cidadãos europeus e os recém-chegados, favorecendo o diálogo e contribuindo assim para reduzir os preconceitos e os medos.

3.   A migração na Europa: enquadramento dos últimos anos

3.1.

O enquadramento do fenómeno migratório é uma operação complexa, uma vez que se caracteriza por uma evolução constante. A guerra, a presença de regimes ditatoriais, as alterações climáticas, as condições de extrema pobreza e a privação abriram caminho para a situação em que vivemos hoje.

3.2.

Segundo as Nações Unidas, em 2015, mais de 244 milhões de pessoas (3,3 % da população mundial) atravessaram as fronteiras do país de origem em busca de refúgio político, trabalho ou condições económicas e climáticas mais favoráveis (7).

3.3.

Nos últimos anos, assistiu-se a um aumento do número de pessoas que procuram chegar à Europa. Em termos absolutos, os dados do Eurostat relativos a 2015 mostram que 2,7 milhões de cidadãos de países terceiros imigraram para a UE-28, 56 % dos quais do sexo masculino e 44 % do sexo feminino.

3.4.

Este fluxo extraordinário é influenciado em particular pela instabilidade resultante da guerra, seja em países em situação de conflito, como a Síria, seja em países em que o processo de estabilização pós-conflito enfrenta ainda graves dificuldades, como o Iraque e o Afeganistão. Na verdade, foi destes países que provieram em 2016 cerca de 54 % dos migrantes que procuraram refúgio nos países da União (8).

3.5.

Por outro lado, continua a ser importante a migração de pessoas que no próprio país de origem enfrentam graves condições económicas ou ambientais. Trata-se, em muitos casos, de pessoas provenientes do continente africano, um fluxo para o qual contribuiu a crescente instabilidade dos países da costa meridional do Mediterrâneo.

3.6.

Neste contexto, o sistema de regras previstas da União Europeia evidenciou algumas lacunas e dificuldades, revelando a insuficiente gestão das fronteiras externas da União e a inadequação da regulação das entradas, refletindo a necessidade de uma revisão dos princípios e das modalidades de orientação das ações dos Estados-Membros.

3.7.

O Comité abordou em inúmeras ocasiões o tema das políticas migratórias (9) e acolhe com agrado a iniciativa da Comissão Europeia, que adotou a Agenda Europeia da Migração. Em particular, no relatório de novembro de 2017, a Comissão diligenciou no sentido de promover uma maior coordenação entre os países da UE e de relançar o diálogo com os países de origem e de trânsito dos fluxos migratórios (10). O Comité espera que se preveja uma revisão do mecanismo das quotas, atendendo à dificuldade da sua execução.

3.8.

É, pois, importante rever o conjunto de regras que permite aos migrantes explorar vias legais de entrada na União, seja velando pela proteção dos requerentes de asilo, seja dando a oportunidade a quem está em fuga de condições climáticas e económicas adversas de encontrar na Europa um porto de abrigo e de contribuir para o crescimento da União, garantindo os seus direitos. Semelhante ação consubstanciaria as recomendações das Nações Unidas no sentido de garantir que um fenómeno migratório que é do interesse de todos decorra em modalidades seguras e legais, de uma forma regulada e não ilegal (11).

3.9.

O Comité acolhe com agrado as conclusões da cimeira informal dos Chefes de Estado e de Governo realizada em 17 de novembro de 2017 em Gotemburgo, por cuja ocasião se abordou o tema da construção de um futuro para a Europa centrado na equidade do trabalho e no crescimento. Sublinha igualmente a importância do evento paralelo intitulado «O papel da economia social no futuro do trabalho», que marcou a abertura dos trabalhos da reunião de Gotemburgo, salientando o contributo da economia social para o acompanhamento das políticas da União.

3.10.

Além disso, é encorajador o acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu, o qual, no atinente ao orçamento da União para 2018, reconhece, entre as prioridades de intervenção, a necessidade de «promover o crescimento económico e a criação de emprego, reforçar a segurança e dar resposta aos desafios colocados pela migração» (12).

3.11.

O Comité exorta as instituições europeias a abordar os problemas detetados na aplicação do Regulamento de Dublim. Em 16 de novembro de 2017, o Parlamento Europeu adotou uma resolução que propõe linhas de trabalho para a revisão do referido regulamento, fazendo particular referência à participação de todos os Estados-Membros no mecanismo automático e permanente de colocação.

4.   Transformar os problemas em oportunidades: as empresas da economia social como motores da assistência e da inclusão

4.1.

Um dos elementos que impedem os recém-chegados de tomar o caminho da inclusão e contribuir assim para a vida económica e social das comunidades em que se estabelecem é a incerteza sobre o seu estatuto e a morosidade do exame dos pedidos de asilo.

4.2.

O confinamento dos migrantes ao sistema de assistência humanitária durante anos, sem acesso a educação, formação profissional ou oportunidades de rendimento impede o desenvolvimento do seu capital humano e limita a sua capacidade de contribuir de forma positiva para a economia e a sociedade dos países de acolhimento (13). Neste contexto, o Comité salientou recentemente o papel decisivo das empresas da economia social na prevenção da radicalização e na promoção de valores partilhados, da paz e da não violência (14).

4.3.

O Comité espera que o debate aborde a necessidade de verificar a eficácia dos atuais mecanismos que permitem a apresentação de pedidos de entrada por parte de cidadãos de países terceiros para se estabelecerem na União Europeia por motivos de trabalho.

4.4.

É igualmente fundamental que a União aborde o fenómeno migratório do ponto de vista das causas que determinam a necessidade de deslocação das pessoas: pobreza, conflitos, discriminação, alterações climáticas. Uma tal ação passa inevitavelmente por um compromisso renovado da União Europeia no âmbito da diplomacia e da cooperação internacional para o desenvolvimento.

4.5.

A revisão do sistema do Cartão Azul — não obstante a sua utilização até à data limitada — também pode responder às exigências de novas possibilidades legais de entrada no território da União. Na verdade, o Comité recordou que é necessária uma estratégia europeia para atrair mão de obra externa, a fim de garantir o crescimento e a prosperidade da União. Para o efeito, importa ter em conta as consequências da migração nos países de origem dos imigrantes, países esses que cumpre apoiar no plano do desenvolvimento e da educação (15). O Comité propõe que se pondere a possibilidade de alargar o leque dos potenciais beneficiários do Cartão Azul, atendendo em particular a quem pretenda iniciar uma atividade empresarial e promovendo também o interesse no empreendedorismo social.

4.6.

Em muitos casos, a sociedade civil mobilizou-se para promover vias legais e transparentes, colaborando com as instituições em contexto local, nacional e internacional e emitindo sinais encorajadores. Em Itália, o projeto «Corridoi umanitari» [Corredores humanitários], levado a cabo por várias organizações (Comunidade de Santo Egídio, Federação Italiana das Igrejas Evangélicas, Tavola Valdese) e pelo Governo italiano, é um importante exemplo de uma ação-piloto. Com efeito, desde fevereiro de 2016, permitiu a mais de mil pessoas requerer proteção internacional e receber assistência na gestão dos pedidos antes de partirem para um país da União (16).

4.7.

Espera-se que estas ações-piloto mereçam a consideração devida aquando da elaboração das futuras políticas de imigração. Em particular, seria oportuna uma maior coordenação entre as instituições internacionais, por um lado na ótica de uma gestão continuada destas formas de entrada e, por outro, a fim de evitar a discriminação entre o número reduzido de migrantes «privilegiados», que podem beneficiar dos corredores humanitários e usufruir de vasta proteção também na fase pós-acolhimento, e os muitos excluídos que permanecem à mercê dos traficantes e de esquemas ilegais.

4.8.

O papel das empresas da economia social é determinante para a realização de ações de inclusão social e laboral, explorando as potencialidades dos migrantes que, na maioria dos casos, decidem abandonar os respetivos países de origem em busca de melhores condições de vida e de oportunidades de trabalho.

4.9.

Já se reconheceu em inúmeras ocasiões o importante papel que os migrantes têm a desempenhar na União, além de se preconizar, por exemplo, o reforço da sua criatividade e da sua capacidade inovadora. A concretização de tal objetivo é uma condição necessária para fomentar o emprego, mas, ao mesmo tempo, reforça a internacionalização dos setores produtivos e favorece a criação de laços, inclusive comerciais, com os países de origem dos migrantes (17). Por conseguinte, é fundamental reforçar a capacidade inclusiva do tecido económico e social europeu dos migrantes, nomeadamente para melhorar a eficácia das políticas europeias em prol das PME, em particular a bem da sua capacidade para enfrentar mercados cada vez mais globalizados, conforme salientado no parecer do CESE sobre este tema (18).

4.10.

Em muitos casos, as empresas da economia social desempenharam um papel importante em prol do reconhecimento do papel económico e social positivo dos migrantes, uma vez que criam postos de trabalho de qualidade, seja em setores com grande intensidade do fator trabalho, seja em áreas de inovação tecnológica e digital. As atividades mais importantes neste domínio incluem, sem dúvida, os cuidados pessoais, a garantia do acesso a serviços sociais e à assistência à infância e, de um modo geral, a assistência às pessoas dependentes e em risco de exclusão social. Em muitos casos, estes setores são aqueles que têm um maior número de trabalhadores provenientes de países terceiros.

4.11.

Todavia, em alguns setores, como o da assistência, do trabalho agrícola sazonal, da construção e da restauração, subsistem muitos focos de emprego irregular, pelo que é importante promover a presença de empresas da economia social que se tenham revelado aptas a desempenhar uma importante função inclusiva e de regularização dos contratos de trabalho, valorizando o papel dos migrantes e garantindo os direitos dos trabalhadores nestes domínios, em consonância com as políticas europeias na matéria e combatendo o recurso abusivo ao estatuto de trabalhador independente (19).

4.12.

Nos setores da assistência ao domicílio, em que predominam as mulheres diretamente empregadas junto das famílias, geram-se amiúde condições que impedem o crescimento profissional. Um estudo recente sobre os fatores determinantes no empreendedorismo das mulheres migrantes demonstrou que a falta de reconhecimento das suas competências é um dos elementos que levam à criação da própria empresa (20). As empresas da economia social nestes setores podem desempenhar um papel importante no âmbito da regularização do trabalho e da exploração das oportunidades de crescimento dos migrantes, desde que apoiadas por políticas públicas adequadas.

4.13.

Muitas empresas da economia social que se ocupam da inserção de pessoas desfavorecidas no mercado de trabalho operam em setores que fazem parte da chamada economia circular: recolha e tratamento diferenciado de resíduos, recuperação e reutilização de materiais, agricultura social e manutenção dos espaços públicos verdes. Estes setores constituem uma importante fonte de emprego. A metodologia das empresas de inserção profissional também se afigura particularmente eficaz em relação à integração laboral dos migrantes.

4.14.

O emprego dos migrantes permite amiúde inverter processos de exclusão social e de empobrecimento cultural da União, contribuindo para revitalizar ofícios tradicionais e o artesanato em contextos de difícil renovação geracional (21). Com efeito, são muitas as pequenas empresas artesanais e do pequeno comércio que nascem por iniciativa de cidadãos migrantes.

4.15.

No âmbito de projetos de acolhimento dos migrantes, muitas organizações da economia social promoveram acordos com as instituições centrais e as administrações locais para resolver os problemas do sistema e favorecer a distribuição dos recém-chegados no território, introduzindo o conceito de «acolhimento disperso», com o objetivo de facilitar mecanismos justos de acolhimento pelas comunidades locais (22).

4.16.

Nestes projetos, priorizou-se a ativação dos processos de inclusão dos migrantes, prevendo cursos de língua, modalidades de avaliação das competências e cursos de formação profissional. Deste modo, é possível favorecer mecanismos de reconhecimento das habilitações escolares e académicas ou de experiências profissionais anteriores, que são úteis para aumentar as possibilidades de emprego dos recém-chegados.

4.17.

Algumas destas experiências de «acolhimento disperso» estão a contribuir para o repovoamento de territórios periféricos, sobretudo nas zonas de montanha, onde a presença de migrantes contribui para a manutenção das atividades económicas e dos serviços (a começar pelas escolas) que limitam o risco de despovoamento destas regiões. Em todo o caso, o êxito de tais intervenções exige que elas se façam acompanhar de políticas de emprego e de habitação.

4.18.

Em tais contextos, as empresas da economia social podem atuar em rede com o mundo das empresas tradicionais, permitindo aos migrantes entrar no mundo do trabalho através de formações e de estágios específicos (23).

4.19.

Neste sentido, o modelo criado pelas empresas cooperativas foi sem dúvida o que obteve mais atenção no âmbito da investigação, a qual examinou em profundidade o papel das cooperativas no que diz respeito aos migrantes. Nestas empresas da economia social, a dimensão participativa tem importância na segurança e proteção da estruturação da atividade económica, visto que conduz ao aparecimento da economia informal e do trabalho irregular.

4.20.

Uma análise específica realizada pela Organização Internacional do Trabalho isolou os domínios em que a intervenção das cooperativas incide positivamente na inclusão dos migrantes e refugiados: inserção no mercado de trabalho; cuidados e assistência; ensino e formação; apoio à vida quotidiana e à autonomia; acesso ao mercado; acesso ao financiamento; assistência jurídica e aconselhamento; e assistência para as necessidades básicas (24).

4.21.

Na primeira e segunda edições do Dia Europeu das Empresas da Economia Social, organizadas pelo Comité em 2016 e em 2017, os estudos de caso individuais refletiram a atenção dada ao tema dos migrantes (25), destacando a ativação de vias de formação profissional e inserção profissional, sobretudo para as mulheres migrantes.

4.22.

A Comissão Europeia também reconheceu a importância das empresas da economia social para a superação do desafio das migrações, consagrando o Concurso Europeu para a Inovação no Domínio Social de 2016 às ideias para o acolhimento e a integração dos refugiados (26). O Comité espera que a atenção da Comissão às iniciativas relativas às migrações tenha continuidade no tempo e se torne prioritária na definição das políticas da União.

4.23.

Além do importante papel desempenhado pela inserção no mercado de trabalho, pelo ensino e formação e pela assistência, muitas empresas da economia social exercem atividades também no âmbito de projetos que visam tornar a habitação acessível aos migrantes, sobretudo aos refugiados e requerentes de asilo. Este modelo de gestão de imóveis por parte das empresas da economia social adquiriu uma dimensão económica importante em países como Itália, com a disponibilização de milhares de imóveis a projetos de inclusão, que amiúde servem também para reabilitar bairros ou zonas periféricas.

4.24.

Por último, as empresas da economia social e a sociedade civil desempenham, no conjunto, uma ação decisiva no acesso à assistência e aos serviços de saúde, reduzindo significativamente as dificuldades de acesso aos cuidados de saúde. O Comité solicita que os Estados-Membros garantam aos migrantes o pleno acesso aos sistemas de saúde e aos serviços sociais, sem discriminar em função do seu estatuto.

5.   Outras considerações do Grupo de Estudo Permanente para as Empresas da Economia Social do CESE

5.1.

As empresas da economia social têm uma tendência e uma sensibilidade especiais para intervir nos setores do trabalho de assistência e cuidados e da gestão dos bens culturais e ambientais, bem como nas atividades da economia da partilha e da economia circular. Estas empresas podem ser um parceiro eficaz para promover políticas de «transição ecológica» do modelo de desenvolvimento europeu, enquanto estas áreas de atividade podem constituir uma importante fonte de novos postos de trabalho.

5.2.

As empresas da economia social apoiam e favorecem o empreendedorismo e promovem o acesso das pessoas às atividades económicas independentemente de disporem de capital inicial para iniciar uma atividade. Esse é em particular o caso das empresas do tipo cooperativo, sendo, pois, útil e importante que, nos programas de cooperação para o desenvolvimento realizados pela União Europeia nos países em desenvolvimento, se introduzam programas de promoção das empresas da economia social.

5.3.

À luz dos dados que apoiam a eficácia das empresas da economia social na promoção da inclusão laboral e social dos migrantes, os Estados-Membros devem ser convidados a criar incentivos ao emprego acessíveis às empresas da economia social que desenvolvam atividades de inserção profissional. Estes incentivos poderiam ser válidos por dois anos após o reconhecimento do estatuto de beneficiário de proteção internacional.

5.4.

Importa considerar que, nos próximos anos, o número de migrantes climáticos disparará com certeza, atendendo ao agravamento das alterações climáticas, que estão a provocar o aumento da desertificação, da fome e das catástrofes ambientais. Por outro lado, este fenómeno obrigará a uma revisão da distinção artificial e discriminatória entre refugiados, requerentes de asilo e migrantes económicos, pelo menos nos casos em que estes migrantes estejam em fuga da fome e das catástrofes ambientais.

5.5.

Por este motivo, cumpre prosseguir as ações de promoção de um desenvolvimento sustentável e de uma transição ecológica capaz de também ter incidências positivas na economia, valorizando o contributo que as empresas da economia social podem dar para a promoção do crescimento, da inclusão e do bem-estar, como sublinhado em pareceres recentes do Comité (27).

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  No que se refere ao papel das empresas da economia social, ver também JO C 117 de 26.4.2000, p. 52.

(2)  Contributo do Comité Económico e Social Europeu para o programa de trabalho da Comissão para 2018, nomeadamente o ponto 2.4.6 e seguintes.

(3)  Relatório intercalar sobre a Agenda Europeia da Migração.

(4)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 22.

(5)  Em muitos contextos, a realização destas atividades decorreria em âmbito familiar e estaria quase exclusivamente a cargo da componente feminina dos agregados, impedindo a participação das mulheres no mundo do trabalho.

(6)  JO C 24 de 28.1.2012, p. 1.

(7)  https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N17/002/18/PDF/N1700218.pdf?OpenElement.

(8)  Dados do Eurostat — no «Rapporto sulla protezione internazionale» [Relatório sobre a proteção internacional] elaborado por ANCI, Caritas italiana, Cittalia, Fondazione Migrantes, Servizio centrale dello SPRAR, em colaboração com o ACNUR; ver também http://ec.europa.eu/eurostat/web/asylum-and-managed-migration/data/main-tables.

(9)  https://www.eesc.europa.eu/pt/policies/policy-areas/migration-and-asylum/opinions.

(10)  Ver nota 2.

(11)  Report of the Special Representative on Migration of the Secretary General of UN [Relatório do Representante Especial para a Migração do Secretário-Geral das Nações Unidas], de 3 de fevereiro de 2017.

(12)  http://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2017/11/18/2018-eu-budget-agreement-reached/.

(13)  ACNUR 2003, «Framework for durable solutions for refugees and persons of concern» [Quadro de soluções duradouras para os refugiados e as pessoas em dificuldade], maio, Genebra.

(14)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 11.

(15)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 75.

(16)  http://www.santegidio.org/pageID/11676/Corridoi-umanitari.html.

(17)  JO C 351 de 15.11.2012, p. 16.

(18)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 15.

(19)  Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece uma Plataforma Europeia para reforçar a cooperação na prevenção e dissuasão do trabalho não declarado, COM(2014) 221 final; JO C 161 de 6.6.2013, p. 14; JO C 125 de 12.4.2017, p. 1.

(20)  Corsi, M., De Angelis, M., Frigeri, D., documento de trabalho, «The determinants of entrepreneurship for migrants in Italy. Do Italian migrants become entrepreneurs by “opportunity” or through “necessity”?» [Os fatores decisivos no empreendedorismo dos migrantes na Europa. Os migrantes italianos tornam-se empresários por «oportunidade» ou por «necessidade»?] Ver também Cooperatives and the world of work n. 2, «Cooperating out of isolation: domestic workers’ cooperatives» [Cooperar em resposta ao isolamento: cooperativas de trabalhadores domésticos], da OIT.

(21)  JO C 351 de 15.11.2012, p. 16.

(22)  http://www.interno.gov.it/it/notizie/carta-buona-accoglienza-nuovo-modello-integrazione.

(23)  Trabalhos internos — Consórcio «Veneto Insieme». Mais informações em: http://venetoinsieme.it/.

(24)  Literature review, «Cooperatives and Refugees» [Cooperativas e refugiados], OIT 2016 (não publicado).

(25)  Em particular, o projeto Okus Doma, na edição de 2016, e o projeto Solidarity Salt, em 2017 (ver igualmente https://www.eesc.europa.eu/en/agenda/our-events/events/2nd-european-day-social-economy-enterprises).

(26)  http://ec.europa.eu/growth/content/4-social-innovators-win-%E2%82%AC200000-2016-european-social-innovation-competition-0_pt; ver também http://eusic-2016.challenges.org/how-is-europe-supporting-the-integration-of-refugees-and-migrants/.

(27)  Parecer — Promover ações climáticas por intervenientes não estatais, JO C 227 de 28.6.2018, p. 35 e parecer — Novos modelos económicos sustentáveis, JO C 81 de 2.3.2018, p. 57.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/9


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Rumo a um acordo de associação UE-Mercosul»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 283/02)

Relator:

Josep PUXEU ROCAMORA

Correlator:

Mário SOARES

Decisão da Plenária

15.2.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

Secção Especializada de Relações Externas

Adoção em secção

26.4.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

185/3/7

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera que a conclusão das negociações, que já se prolongam há demasiado tempo, de um bom acordo de associação (AA) entre o Mercosul e a UE seria muito benéfica para as partes, a começar pela própria UE, as quais retirariam vantagens significativas da assinatura do acordo, especialmente a médio e longo prazo, nomeadamente o acesso europeu a um mercado de quase 300 milhões de habitantes. Além disso, o Mercosul poderia diversificar as suas economias e acrescentar valor às suas exportações, bem como aceder a um mercado de 500 milhões de pessoas. O AA que venha a ser alcançado terá de ser, essencialmente, produto de um diálogo participativo e transparente.

1.2.

O contexto internacional atual, a confiança cada vez mais reduzida dos cidadãos no facto de que a globalização é benéfica para todos, o aumento do protecionismo comercial, com a adoção de novas barreiras alfandegárias, e a preferência por negociações bilaterais em vez de multilaterais deveriam constituir um estímulo para a celebração de um acordo exigido por intervenientes de relevo nos dois continentes. O Brexit é um aspeto pertinente que deve ser tido em consideração na negociação.

1.3.

O CESE acolhe favoravelmente o relatório do Parlamento Europeu relativo a um novo quadro para as relações políticas da UE com a América Latina, bem como a elaboração, pelo Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), de uma comunicação que analisa as relações estratégias com a América Latina no âmbito da sua Estratégia Global para a Política Externa. Estas iniciativas, que realçam o interesse estratégico da UE na América Latina e que provam que as relações entre ambas as regiões não se devem limitar à esfera comercial, coincidem cronologicamente com outras iniciativas da sociedade civil (1), de instituições académicas ou de grupos de reflexão (2).

1.4.

O CESE considera que só será possível chegar a um acordo desta natureza se o mesmo for equilibrado, beneficiar as duas partes a médio e longo prazo e não sacrificar nenhum setor (como o agrícola ou o industrial), região ou país em particular. Em caso algum pode o AA basear-se em más negociações. Tendo em conta tudo o que se refere à cooperação e ao diálogo político (dois dos três pilares essenciais do AA), o CESE solicita às partes envolvidas na negociação que demonstrem uma maior vontade política, necessária para celebrar o acordo, e deem provas do máximo empenho para superar as diferenças que afetam atualmente a dimensão comercial, reconhecendo a sensibilidade de alguns dos setores objeto de negociação e recorrendo, para o efeito, ao reconhecimento de assimetrias, ao acompanhamento dos pontos acordados, a medidas de acompanhamento e de compensação, ao estabelecimento de exceções, a planos de desenvolvimento para apoiar os setores mais afetados, à promoção de investimentos, a políticas de inovação e a cláusulas compensatórias, transitórias e evolutivas. Além disso, seria necessário incluir todas as políticas da UE nas medidas de acompanhamento, entre outras.

1.5.

O CESE considera que as profundas transformações digitais que se verificam em ambos os lados do Atlântico poderiam funcionar como uma importante alavanca para um melhor aproveitamento da assinatura de um AA entre a UE e o Mercosul. Entre os setores que poderiam beneficiar de um impacto positivo, seria necessário ponderar o reforço das cadeias de valor mundiais, neste momento muito frágeis, entre a UE e o Mercosul. O AA seria igualmente pertinente em tudo o que diz respeito à criação de infraestruturas, especialmente de interligação, ao desenvolvimento de energias renováveis e, em especial, ao setor das telecomunicações a partir do arranque do sistema 5G tanto na UE como na América Latina.

1.6.

Em todo o caso, o CESE insta as partes envolvidas na negociação e, em particular, a UE, a terem em consideração os elevados custos políticos, económicos e de oportunidade em caso de ausência de acordo ou de um acordo desequilibrado para ambas as partes. É evidente que os custos da ausência de acordo devem ser calculados tendo em conta não apenas os países do Mercosul, mas também a América Latina no seu conjunto e, em especial, os países da Aliança do Pacífico (3), que passou a ser uma das principais questões alvo da atenção europeia no processo de integração regional latino-americana.

1.7.

O CESE considera essencial que o AA seja ambicioso e abarque todos os aspetos das relações entre a UE e o Mercosul. Os recentes acordos de comércio livre assinados com o Canadá e o Japão devem ser tidos em consideração. Neste sentido, é importante abordar os obstáculos reais com que se deparam as empresas, mediante a harmonização da regulamentação, assim como o impacto nas barreiras não comerciais.

1.8.

O AA teria de incluir uma dimensão social, laboral e ambiental transversal a todos os capítulos. Essa dimensão deverá garantir que as relações económicas correspondem aos objetivos sociais e ambientais acordados, sem prejuízo das normas e garantias que regulam o desenvolvimento sustentável (4). Importaria igualmente reiterar a importância da segurança alimentar.

1.9.

O CESE entende que as normas sanitárias e fitossanitárias devem ser salientadas e protegidas em qualquer acordo de associação, de modo que assegure a proteção dos consumidores e dos produtores no que respeita ao comércio justo.

1.10.

O CESE considera que o AA deverá ser um instrumento para promover ativamente o diálogo social e fazer respeitar as convenções fundamentais da OIT, nomeadamente as respeitantes ao trabalho digno e as referidas na Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998. Neste sentido, o CESE solicita a inclusão de um capítulo mais focado nos aspetos sociolaborais para abordar os problemas do mundo do trabalho e fomentar o diálogo entre empregadores e trabalhadores, que poderia constituir um impulso para uma maior coesão social. O referido capítulo deverá reconhecer os documentos orientadores sobre o trabalho já adotados por ambas as partes, nomeadamente, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Declaração Sociolaboral do Mercosul. Deste modo, o AA impedirá que a violação dos princípios e direitos no trabalho seja utilizada como vantagem comparativa legítima entre as partes e no comércio internacional. Neste sentido, é necessário incluir mecanismos para garantir o seu cumprimento.

1.11.

O CESE solicita que tanto o Fórum Consultivo Económico e Social do Mercosul (FCES) como o próprio CESE, enquanto organismos representativos da sociedade civil de ambas as regiões, sejam envolvidos nas negociações, nas avaliações de impacto do AA e nas propostas decorrentes destes processos (no entender do CESE, é fundamental analisar previamente o impacto de um potencial AA e definir mecanismos para uma verificação a posteriori do cumprimento e da evolução das questões acordadas), bem como na elaboração de um capítulo do acordo especificamente dedicado à dimensão social, laboral e ambiental.

1.12.

O CESE solicita ainda a criação de um Comité Misto de acompanhamento da sociedade civil, composto por membros do CESE e do FCES, o qual deverá:

exercer funções de natureza consultiva,

ter uma composição paritária e equilibrada entre os três setores de interesses representados em ambas as instituições,

expressar-se sobre todos os domínios abrangidos pelo AA (incluindo, por conseguinte, o capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável),

ver reconhecida a sua capacidade de interlocução direta com os demais órgãos conjuntos do AA, e

receber consultas dos referidos órgãos, mas também manifestar-se por iniciativa própria, elaborar o seu próprio regulamento interno e receber o financiamento adequado das respetivas autoridades políticas para o desempenho das suas funções.

1.13.

O CESE considera que a duplicação da representação da sociedade civil, uma no âmbito geral do AA e outra no capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável, é desnecessária e ineficaz. Neste sentido, o CESE considera que o AA constitui um todo que se aplica ao conjunto dos países de ambas as partes. O CESE insta as partes envolvidas na negociação a tirarem ilações das experiências de outros acordos de associação (5), no âmbito dos quais foram criados grupos consultivos internos da sociedade civil por cada uma das partes, sem que a possibilidade de interlocução fosse reconhecida nos acordos. As limitações evidentes deste modelo demonstram que não faz sentido que cada país do Mercosul tenha um grupo consultivo interno para a participação indireta da sociedade civil no AA. Tanto mais que ambas as partes dispõem de instituições consultivas independentes, equilibradas, representativas e capazes de cumprir o seu mandato no âmbito do AA.

2.   Introdução

2.1.

O Mercosul abrange uma superfície de 12 800 000 km2, tem uma população de 293 milhões de habitantes e uma densidade de 22,9 habitantes/km2. O Mercosul representa a sexta economia mundial, com um PIB que ascende a dois biliões de dólares. Além disso, tem dois membros com assento, de pleno direito, no G20: a Argentina e o Brasil. A presidência argentina do G20 em 2018 ilustra a relevância crescente da região.

2.2.

Após a assinatura de um acordo-quadro inter-regional, em dezembro de 1995, a UE e o Mercosul começaram a negociar um AA. Dadas as dificuldades entre as partes (controvérsia quanto aos modelos de produção agrícola e a sua incidência no mercado, a perceção do protecionismo industrial e no setor dos serviços na UE e no Mercosul), as negociações foram suspensas em 2004 essencialmente devido a expectativas divergentes em relação à Ronda de Doa. Na Cimeira União Europeia-América Latina e Caraíbas de 2010 decidiu-se relançar as negociações. As perspetivas de fechar o acordo no final do ano eram animadoras, porém, as negociações voltaram a esfriar devido à politização, por parte dos governos do Mercosul, da integração regional e da sua relação com a UE, ainda que, após uma alteração das posições do Governo do Brasil, tenha sido possível retomá-las em 2013.

2.3.

Perante a emergência de várias ameaças às democracias representativas e ao pleno exercício das liberdades em ambos os lados do Atlântico, o CESE defende que o AA UE-Mercosul deveria incentivar, com firmeza, os valores, princípios e quadros políticos democráticos nacionais e internacionais.

2.4.

Tendo em conta o impacto que as negociações entre o Reino Unido e a UE poderiam ter no AA, o CESE considera que estas questões devem ser abordadas de forma dinâmica, tendo em conta as repercussões futuras mais prováveis (6).

3.   Componentes estratégicas do acordo de associação UE-Mercosul

3.1.

A assinatura de um AA com o Mercosul deve inscrever-se no contexto de uma política externa europeia para a América Latina, que se baseia no caráter especial da relação entre as duas regiões, uma relação muito diferente da que a UE mantém com qualquer outra região do planeta. Apesar de existirem dificuldades significativas (fragmentação da região), a intensificação da relação com a América Latina favoreceria a UE e vice-versa.

3.2.

É necessária uma vontade política determinada para conceber e impulsionar o AA não só como um acordo de comércio livre, mas sobretudo como um acordo estratégico global, que vise proporcionar vantagens a longo prazo, a todos os agentes económicos e sociais de ambas as partes, em matéria de desenvolvimento, segurança, processos migratórios e desafios ambientais. Esta vontade política é também necessária para utilizar todos os mecanismos disponíveis que permitam valorizar as assimetrias existentes entre ambas as regiões, reduzir os impactos negativos da liberalização comercial em alguns setores, colmatar o desfasamento existente na integração do Mercosul e estabelecer a participação social e a transparência como elementos-chave da relação entre as duas regiões.

3.3.

O AA representa uma grande oportunidade para avançar no sentido de objetivos estratégicos globais de interesse comum. O AA proporcionaria uma presença política e económica internacional, num contexto em que a economia e a política se estão a deslocar do Atlântico para o Pacífico. Para além dos acordos no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), o Mercosul não tem acordos de comércio livre nem com os EUA, nem com as grandes potências asiáticas. Esta é uma das suas diferenças em relação à Aliança do Pacífico. Fora da América Latina, o Mercosul tem diversos tipos de acordos com a África do Sul, a Índia, o Paquistão, a Turquia e Marrocos, bem como acordos de comércio livre com o Egito, a Autoridade Palestiniana e Israel. A UE, por sua vez, tem mais de 50 acordos comerciais com diversos países do mundo, incluindo, na América Latina e nas Caraíbas, com o México, o Chile, a América Central, o Peru, a Colômbia, o Equador e o Cariforum. Resumindo, um AA entre a UE e o Mercosul formaria um bloco birregional específico de grande peso no novo panorama mundial.

3.3.1.

As políticas protecionistas, que se fazem sentir à escala global, estão a ter forte impacto na economia internacional. Um acordo de associação entre o Mercosul e a UE poderia reforçar o espaço atlântico e enviar um sinal de que há uma alternativa para as relações comerciais e para impulsionar o progresso das nações e das regiões. Esta nova geração de acordos de comércio livre, atentos às preocupações dos cidadãos sensíveis à perda de emprego, de rendimento e de segurança, constitui a melhor resposta tanto ao aumento do protecionismo como ao risco de uma política comercial que deixe os cidadãos desprotegidos.

3.3.2.

Apesar de o Mercosul não ter assinado um acordo com a China, a sua presença na região cresceu exponencialmente nos últimos anos. A Argentina e o Brasil são duas peças essenciais da ofensiva chinesa, tal como o demonstra não só o comércio, mas também o aumento do investimento estrangeiro direto (IED), assim como a ajuda financeira para impulsionar as infraestruturas.

3.3.3.

Graças à assinatura do AA, a UE poderia encontrar no Mercosul um aliado estratégico para o seu objetivo de promover a defesa do ambiente a nível mundial. O ambiente é, atualmente, uma das matérias que mais preocupa os governos, os cidadãos e o sistema multilateral. A UE está na vanguarda de políticas e tecnologias ecológicas. Para o Mercosul, os recursos naturais são um dos seus principais pontos fortes, mas a região é uma das mais ameaçadas pelas alterações climáticas. Neste contexto, é necessário prestar especial atenção à revisão e à eliminação, a médio prazo, de práticas agrícolas e pecuárias intensivas não sustentáveis.

3.3.4.

Para responder adequadamente a este último objetivo, seria necessário incluir no AA disposições sólidas em matéria de energia, ambiente, alterações climáticas, ciência, tecnologia e inovação. Estes domínios deveriam ser prioritários no que se refere à cooperação para o desenvolvimento.

3.4.

É igualmente importante tomar em consideração os ensinamentos retirados das alianças existentes com outros países da região. Tal permitirá construir bases sólidas e o ambiente adequado para que o investimento, tanto europeu como local, concretize todo o seu potencial de forma sustentável enquanto elemento gerador de riqueza, emprego e bem-estar.

4.   Aspetos sensíveis da negociação

4.1.

As vantagens de um AA entre a UE e o Mercosul não escondem as dificuldades da negociação, que podem resumir-se em cinco pontos: i) a complexidade da agenda das negociações sobre o conteúdo comercial, industrial e de serviços do acordo; ii) os desequilíbrios potenciais de ambas as partes na agricultura; iii) as fragilidades estruturais na integração do Mercosul, que limitam o comércio livre; iv) a dimensão social e ambiental do AA; e v) a vontade política díspar das partes para chegarem a acordo e a disponibilidade para explorar todas as possibilidades de utilizar mecanismos compensatórios, dentro e fora do âmbito do acordo, para o alcançar. Todos estes aspetos são analisados no presente documento de forma não exaustiva e de acordo com a documentação disponível até à data.

4.1.1.

No que diz respeito ao comércio, após um período tão longo de negociações, as dificuldades estão identificadas. Do ponto de vista europeu, estas centram-se no setor agroalimentar do Mercosul. Em particular, receiam-se impactos negativos em setores como o do açúcar, das carnes de bovino, de frango e de suíno, das frutas e dos produtos hortícolas. Receia-se também o protecionismo industrial (automóveis e produtos químicos como o etanol) e mesmo em alguns produtos agrícolas transformados (incluindo o vinho), o risco de desrespeito das regras de proteção das denominações de origem, um nível de exigência das regras de segurança alimentar e de proteção do ambiente relativamente baixo e falta de transparência nos contratos públicos.

4.1.2.

É fundamental para a UE manter os padrões de produção alcançados em benefício dos consumidores e da produção. Os aspetos da segurança alimentar, da proteção do ambiente e do bem-estar dos animais (nomeadamente as técnicas de alimentação animal) devem ser contemplados num quadro de clara reciprocidade. A utilização e o respeito das normas de utilização dos produtos fitossanitários e zoossanitários devem figurar de forma inequívoca no AA. Além disso, é necessário implementar sistemas de verificação eficazes e comparáveis nos processos de produção e, no caso dos produtos animais, no transporte e abate para todo o comércio entre as partes. Neste sentido, o capítulo respeitante às indicações geográficas protegidas assume importância vital para a defesa de um património comum europeu construído ao longo dos anos, bem como para a luta contra o plágio e a fraude.

4.1.3.

As produções sujeitas a contingentes — o açúcar, o etanol, a carne de bovino — deverão adaptar-se a um sistema de monitorização permanente e homologado, para que sejam adotadas medidas compensatórias caso se registem alterações significativas, e para evitar o abandono da produção local. No que respeita às frutas e aos produtos hortícolas, caso se renuncie à proteção do mecanismo de preços de entrada, deverá criar-se um observatório do funcionamento do mercado para proteger os interesses da produção de ambas as partes; subsequentemente, seria necessário recorrer a grupos de trabalho para o intercâmbio de previsões e ocorrências que distorçam o mercado.

4.2.

Na perspetiva do Mercosul, a tónica é colocada na agricultura. Os receios europeus poderão ser atenuados se se verificar que tanto a produção europeia como os produtos importados do Mercosul cumprem as mesmas normas — ambientais, de segurança alimentar, de bem-estar dos animais, etc. O AA não deve aumentar a dependência alimentar de nenhuma das partes e deve reunir os instrumentos necessários para evitar modelos de agricultura pouco sustentável, tendo sempre em conta os interesses dos consumidores.

4.3.

Quanto aos produtos industriais, onde os obstáculos são menores, o entendimento parece ser mais viável, como se verificou, por exemplo, no acordo da UE com a Coreia do Sul sobre a indústria automóvel. Por fim, outros temas, como a propriedade intelectual, que são particularmente delicados para alguns países do Mercosul, como o Brasil, poderiam incluir cláusulas evolutivas ou transitórias, com base no estabelecido pela OMC. Neste sentido, o CESE considera que se poderia elaborar, entre outras iniciativas, um programa sobre a propriedade industrial que impulsione a transferência tecnológica e sirva para implantar um sistema de patentes válido entre a UE e o Mercosul, suscetível de ser alargado a toda a América Latina.

4.4.

As fragilidades estruturais do Mercosul podem dificultar a concretização do AA. Destas, destacam-se as limitações originadas pela escassez de infraestruturas de interligação e o baixo nível de integração das cadeias de valor regionais num território com uma superfície três vezes maior do que a da UE. Tal inclui uma baixa percentagem de comércio intrarregional e o predomínio do comércio extrarregional, uma união aduaneira incompleta, uma coordenação escassa das políticas macroeconómicas e a fragilidade das instituições regionais. Um exemplo disso é a inexistência de um tribunal supranacional de justiça do Mercosul, com sentenças vinculativas para os governos, ou a baixa eficácia do sistema de resolução pacífica de litígios.

4.4.1.

Apesar da aprovação de um novo Código Aduaneiro Comum do Mercosul em 2010, este ainda não entrou em vigor, continuando a ser aplicável a tarifa externa comum (TEC). O Mercosul é mais uma zona de comércio livre do que uma união aduaneira.

4.5.

No entanto, a atual negociação com um Mercosul a quatro (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) constitui um dado a valorizar muito positivamente pela parte europeia. A potencial ampliação do bloco, com novas adesões pendentes, dificultaria ainda mais os termos da negociação.

4.6.

O CESE é favorável à criação de um tribunal multilateral para a resolução de litígios em matéria de investimento (7) e defende que os países do Mercosul, bem como os países associados, se devem associar a esta iniciativa, de forma a garantir uma maior segurança jurídica, tanto aos investidores latino-americanos como aos europeus. Também considera que uma eventual futura adesão à OCDE deve ser condicionada à efetiva aplicação e ao cumprimento dos seus acordos com a UE, bem como à criação de um clima de segurança jurídica e de pleno respeito da legalidade para todos os operadores económicos e sociais de ambos os lados do Atlântico.

5.   Potencialidades e oportunidades do AA

5.1.

O AA que a UE e o Mercosul estão a negociar vai muito além de um acordo de comércio livre, dado que abarca outras duas componentes que marcam a diferença — o diálogo político e a cooperação. Num cenário de ameaças ao multilateralismo, de recrudescimento do protecionismo e de prenúncios de guerras comerciais, este é o momento adequado para que a UE revele a sua aposta estratégica na América Latina em geral e no Mercosul em particular e aproveite adequadamente as oportunidades existentes.

5.2.

A celebração de um AA entre a UE e o Mercosul, tendo em conta o território, a população e as atuais trocas comerciais de mais de 84 mil milhões de EUR por ano, permitiria reforçar o papel dos dois blocos no panorama internacional e constituir um vasto espaço de integração económica com efeitos benéficos para ambas as partes, e geraria externalidades positivas, inclusivamente para o resto da América Latina. Por conseguinte, é necessário que o AA com o Mercosul seja um acordo benéfico para ambas as partes.

5.3.

A UE é a primeira economia mundial e o Mercosul está entre as seis maiores. Os países do Mercosul começaram a diversificar as suas economias, com uma forte componente agroalimentar, mas também com uma base industrial crescente, dotada de valiosos recursos energéticos e tecnológicos. Os esforços de diversificação económica, especialmente no sentido de atribuir maior valor acrescentado às exportações do Mercosul, representam uma excelente oportunidade para as empresas europeias, designadamente no domínio da tecnologia e dos serviços.

5.4.

Entre 2012 e 2016, o Paraguai foi o único a manter o seu ritmo de crescimento, de 8,4 %, enquanto a Argentina (1,4 %) e o Uruguai (2,9 %) registaram um abrandamento. O Brasil sofreu uma contração de -1,4 %. Não obstante, a recuperação já se faz sentir na Argentina e no Brasil e as previsões a médio prazo voltaram a ser encorajadoras.

5.5.

A segurança jurídica existente nos quatro países do Mercosul é um aspeto pertinente a ter em conta, embora possa e deva ser melhorado. A corrupção tornou-se um motivo de crescente preocupação social para ambas as partes.

5.6.

A importância, tanto qualitativa como quantitativa, do mercado regional difere consideravelmente em função da dimensão dos países membros do Mercosul. Em termos relativos, observa-se que os de menor dimensão têm uma maior participação no comércio com a Europa. Em 2015, a UE concentrava mais de 40 % do comércio do Paraguai, cerca de 30 % do comércio do Uruguai e quase um quarto do da Argentina, mas não chegava a 10 % no caso do Brasil. Estes valores são semelhantes para as exportações e para as importações.

5.7.

O IDE é um dos pontos fortes da presença da UE no Mercosul, e o IDE europeu supera o IDE da UE na China, na Índia e na Rússia em conjunto (8). O comércio europeu com os países do Mercosul tem um grande potencial de crescimento, apesar do aumento das exportações e importações chinesas. Não obstante, um fator a ter em conta é a excessiva dependência das exportações de matérias-primas do Mercosul para a China.

5.8.

A presença de PME europeias nos países do Mercosul aumentou nos últimos anos e algumas PME do Mercosul começam a entrar no mercado europeu. O AA entre a UE e o Mercosul constituiria uma excelente oportunidade para as PME europeias aumentarem a sua presença e atividade na região.

5.8.1.

A UE exporta essencialmente bens manufaturados, bens de equipamento, equipamentos de transporte e produtos químicos, e importa produtos alimentares e energéticos. A celebração de um AA equilibrado, caso seja benéfico para os empresários, os trabalhadores e a sociedade no seu todo, teria um enorme potencial de criação de riqueza, sobretudo se conseguisse viabilizar investimentos, nomeadamente em novas atividades baseadas no uso intensivo do conhecimento e no emprego de qualidade, estimular a criação de pequenas e médias empresas através da criação de empregos em redes e promover a inovação e a democratização das novas tecnologias, contribuindo para a sua massificação, em particular no domínio da informação e da comunicação (TIC). Tanto o investimento em tecnologia, como o aumento do comércio birregional poderiam fomentar a criação de emprego, desde que sejam criadas as condições necessárias para tal.

5.8.2.

Por outro lado, há fatores específicos que significariam não só uma oportunidade de negócio, mas também um contributo importante para um desenvolvimento sustentável: a criação de infraestruturas inclusivas e respeitadoras do ambiente, que facilitem o acesso a serviços básicos num novo quadro de desenvolvimento urbano e favoreçam a coesão territorial, o fomento de investimentos em engenharia e tecnologias que atenuem o aquecimento global, bem como a utilização de energias sustentáveis, diversificando-a com fontes renováveis não convencionais e aproveitando a experiência das empresas europeias neste âmbito para avançar para uma economia verde.

5.8.3.

Além disso, um bom AA poderia favorecer o bem-estar económico e social em ambas as regiões, se houver condições apropriadas para tal, o que influenciaria, sem dúvida, a criação de emprego, nomeadamente através:

de novas oportunidades de negócios para as empresas em domínios não tradicionais, como as novas tecnologias, a economia verde e as redes sociais,

da expansão de mercados tradicionais nos setores das telecomunicações, automóvel, da indústria farmacêutica, da eletricidade e da banca,

da abertura de novos mercados para as PME,

do abastecimento de recursos naturais e alimentos, apoiando simultaneamente a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade ambiental, e

da promoção da economia social, democrática e solidária como mecanismo de melhoria do tecido socioeconómico e de regularização da economia clandestina.

5.9.

Um AA com o Mercosul permitiria à UE estreitar os laços económicos e geopolíticos com um parceiro estratégico. Se for celebrado em breve, este acordo birregional será o primeiro grande acordo assinado pelo Mercosul, o que permitiria à UE adiantar-se face a outros concorrentes internacionais, como os Estados Unidos, a China ou mesmo a Índia, a Rússia e a Coreia do Sul. Além disso, o AA reforçaria a associação estratégica com o Brasil — que exclui o comércio —, um país de grande relevo na geopolítica internacional. Este AA reforçaria a presença europeia na América Latina, uma região com importantes reservas de energia, alimentos e água, três recursos vitais no século XXI. O AA poderia contribuir para reforçar os laços económicos e geopolíticos entre o Atlântico e o Pacífico.

5.10.

Um AA com a UE também seria vantajoso para o Mercosul do ponto de vista estratégico. Por um lado, permitir-lhe-ia fortalecer a sua posição regional e facilitar os esforços em curso para se aproximar da Aliança do Pacífico; por outro lado, melhoraria a sua capacidade de negociação internacional e poderia reequilibrar algumas assimetrias dos países do Mercosul (e da América Latina em geral) na sua relação comercial e financeira com outros concorrentes internacionais. O Mercosul beneficiaria de transferências tecnológicas, científicas e educativas e adquiriria um aliado importante no âmbito multilateral em questões que o afetam de forma muito direta, como as alterações climáticas, o desenvolvimento sustentável ou a luta contra ameaças globais.

5.11.

O CESE congratula-se com a vontade política manifestada pelas partes no âmbito da cooperação e insta-as a fazerem uso efetivo dos instrumentos financeiros existentes para aprofundar a cooperação nos seguintes domínios:

educação, formação e intercâmbios universitários: Erasmus UE-Mercosul;

colaboração em IDI entre universidades, organismos públicos de investigação e empresas; transferências tecnológicas;

projetos de desenvolvimento e empresariais sustentáveis; e

coesão social: combate à pobreza e às desigualdades.

6.   A sociedade civil e o acordo de associação (9)

6.1.

O CESE considera que o caráter birregional do conteúdo do AA constitui um elemento fundamental e específico destas negociações, bem como um ponto de referência para as relações políticas e económicas num mundo cada vez mais globalizado. Convicto do valor do diálogo com a sociedade civil dos parceiros da política externa da UE, o CESE colabora há mais de vinte anos com as organizações do Mercosul, tanto no acompanhamento das negociações como na manutenção de um diálogo permanente e estruturado que facilite o entendimento mútuo e permita um contributo, crítico mas construtivo, para as relações entre as duas regiões.

6.2.

O CESE faz um balanço inquestionavelmente positivo das relações entre a UE e o Mercosul. Esta relação de longa data, baseada em fortes laços históricos, culturais e linguísticos, visa aprofundar a integração regional, abordar em conjunto desafios comuns decorrentes da globalização e manter indissociáveis os domínios da coesão social e do desenvolvimento económico. As sociedades civis de ambos os lados desenvolveram uma rede de relações sólidas, que contribuíram, por sua vez, para uma maior coordenação dentro de cada setor (empresarial, sindical, terceiro setor).

6.3.

Nos últimos anos, este trabalho passou a ser reconhecido, o que se refletiu na aceitação generalizada pelos negociadores europeus da necessidade de introduzir disposições de participação da sociedade civil em cada acordo, vinculando-a à promoção do desenvolvimento sustentável (10). O CESE congratula-se com esta evolução, mas lamenta que os acordos em vigor tenham atribuído à sociedade civil um papel limitado. Com efeito, foram criados grupos consultivos internos por cada parte (e por cada país signatário pela parte não europeia quando se trata de uma região), sem que os acordos prevejam formalmente a possibilidade de estes grupos consultivos internos trabalharem em conjunto. Ainda mais grave é o facto de a criação dos grupos consultivos internos dos países homólogos depender exclusivamente da vontade dos respetivos governos, o que levou a uma situação de desequilíbrio entre setores, falta de representatividade, falta de independência em relação aos governos e desinteresse ou até rejeição da parte dos governos que devem estabelecê-los.

6.3.1.

O CESE não aceita que as negociações para a celebração do AA com o Mercosul voltem a resultar numa forma de participação baseada no modelo dos grupos consultivos internos.

6.4.

O CESE reitera que tanto o Mercosul como a própria UE têm uma instituição de participação e consulta da sociedade civil, ou seja, o Fórum Consultivo Económico e Social (FCES). O FCES representa de forma equitativa os setores económico, laboral e outras organizações da sociedade civil. Os seus membros reúnem-se regularmente e transmitem posições consensuais às autoridades políticas da região. O apoio do CESE ao FCES, desde a sua criação, teve sempre como objetivo salientar a importância de fortalecer esta instância como fator essencial para a integração socioeconómica da região.

6.5.

O CESE insiste nos princípios da transparência e da participação, tanto na negociação como no desenvolvimento do AA, a fim de facilitar um processo eficaz de confiança nas instituições e de apropriação pela sociedade civil de negociações que a afetam diretamente. Lamenta, portanto, a falta de transparência nestas negociações, que não reproduziram o bom modelo previamente estabelecido nas negociações para um acordo de comércio livre com os EUA, e solicita a disponibilização de informação sistemática, significativa e pertinente à sociedade civil de todas as partes envolvidas na negociação, especialmente as ligadas ao Mercosul.

6.6.

Em consonância com as posições conjuntas do CESE e do FCES — e com os pré-acordos alcançados durante as negociações anteriores a 2004 e posteriormente assinados, nos quais se estabeleceu conferir a ambas as instituições um mandato comum dentro do AA —, o CESE solicita a constituição no AA de um Comité Misto de acompanhamento da sociedade civil, o qual deveria:

ter uma composição paritária entre o CESE e o FCES;

representar de forma equitativa os setores económico, laboral e outras organizações da sociedade civil;

ter funções consultivas obrigatórias em todas as matérias do AA, incluindo o capítulo sobre comércio e o acompanhamento do capítulo sobre desenvolvimento sustentável;

receber informações atualizadas e em tempo útil das partes sobre os impactos do AA;

dispor de capacidade de interlocução com os demais órgãos conjuntos do AA (conselho de associação, comité de associação, órgão parlamentar conjunto, comissão para o comércio e o desenvolvimento sustentável);

receber consultas dos referidos órgãos e manifestar-se por iniciativa própria;

elaborar o seu regulamento interno; e

receber financiamento adequado das respetivas autoridades políticas para o desempenho das suas funções (11).

6.7.

Um Comité Misto de acompanhamento com estas características simplificaria a resolução dos conflitos que possam surgir após a assinatura do AA, bem como potenciais situações de bloqueio. Concretamente, e seguindo a abordagem adotada por organismos já existentes em acordos semelhantes, o Comité Misto de acompanhamento deve acompanhar o impacto do AA na melhoria dos direitos humanos e dos direitos laborais, sociais e ambientais (assegurando que não se verificam casos de dumping social ou ambiental para obter vantagens comerciais, por exemplo), bem como o estrito respeito pelas partes dos acordos ou convenções internacionais que tenham assinado (12). Pela sua própria natureza, as organizações da sociedade civil que constituirão o Comité Misto de acompanhamento são as mais indicadas para garantir que o AA seja vantajoso para todas as partes, bem como para mediar ou facilitar a comunicação com os setores afetados. Para o efeito, o Comité Misto de acompanhamento deve poder apresentar as informações de que dispõe sobre casos concretos, bem como as suas recomendações aos organismos conjuntos do AA, a fim de obter respostas.

6.8.

O CESE considera necessário incluir uma dimensão social no AA, que lhe permita ir mais além do comércio e ter como objetivo global o aumento da coesão social, em particular no que toca ao seu impacto no emprego, na proteção dos interesses das populações locais e dos mais desfavorecidos, na promoção e no respeito dos direitos humanos, na proteção ambiental, nos direitos dos imigrantes e dos trabalhadores em geral, na proteção dos consumidores e na promoção da economia social. Neste sentido, o acordo deveria incluir o compromisso das partes com a aplicação das convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, para que a violação dos princípios e dos direitos fundamentais no trabalho não possa ser invocada nem utilizada como vantagem comparativa no comércio internacional. Além disso, a inclusão de um capítulo sociolaboral para abordar os problemas do mundo do trabalho e fomentar o diálogo entre empregadores e trabalhadores poderia constituir um instrumento para que o acordo gere emprego de qualidade, melhore as condições sociais dos trabalhadores e contribua significativamente para uma maior distribuição da riqueza.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Parecer de iniciativa — O novo contexto das relações estratégicas UE-CELAC e o papel da sociedade civil (JO C 434 de 15.12.2017, p. 23).

(2)  Relatório intitulado «¿Por qué importa América Latina?» [Porque é importante a América Latina?], elaborado pelo Real Instituto Elcano.

(3)  A Aliança do Pacífico é uma iniciativa de integração regional, da qual são membros quatro países (Chile, Colômbia, México e Peru), tendo dois outros países apresentado oficialmente a sua candidatura (Costa Rica e Panamá).

(4)  Como recomendado pelo CESE no seu Parecer — Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre da UE (JO C 227 de 28.6.2018, p. 27).

(5)  Com a América Central, a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia.

(6)  An Assessment of the Economic Impact of Brexit on the EU27 [Avaliação do impacto económico do Brexit na UE-27], P/A/IMCO/2016 — 13 de março de 2017, PE 595.374 EN.

(7)  REX/501 — Tribunal multilateral de investimento (em elaboração).

(8)  O IDE da UE no Mercosul foi de 447 700 milhões de EUR em 2016, o que excede o volume de IDE da UE na Rússia (162 mil milhões de EUR), na China (177 700 milhões de EUR) e na Índia (72 900 milhões de EUR) em conjunto. Fonte: Eurostat.

(9)  Ver também as propostas anteriores do CESE nos seus pareceres JO C 347 de 18.12.2010, p. 48, JO C 248 de 25.8.2011, p. 55 e JO C 434 de 15.12.2017, p. 23, bem como as declarações finais dos encontros bienais da sociedade civil organizada UE-CELAC.

(10)  Disposições deste tipo, mais ou menos desenvolvidas, já figuram nos acordos com a América Central, a Colômbia/Peru/Equador, o Chile e o Cariforum, e serão igualmente introduzidas na revisão do acordo com o México.

(11)  Ver, neste âmbito, o comunicado conjunto apresentado pelo FCES e pelo CESE aos negociadores da UE e do Mercosul em 23 de fevereiro, por ocasião da ronda de negociações realizada em Assunção (Paraguai).

(12)  Os ODS e a Agenda 2030, o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, as convenções fundamentais da OIT, as declarações aplicáveis no âmbito dos direitos humanos, as convenções internacionais relativas à preservação da biodiversidade, etc., constituem exemplos do que precede.


III Atos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

535.a reunião plenária do CESE — 60 anos do CESE, 23.5.2018-24.5.2018

10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/19


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre

a) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu — Pacote «Mercadorias»: reforçar a confiança no mercado único

[COM(2017) 787 final]

b) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras e procedimentos para o cumprimento e a aplicação da legislação de harmonização da União respeitante aos produtos e que altera os Regulamentos (UE) n.o 305/2011, (UE) n.o 528/2012, (UE) 2016/424, (UE) 2016/425, (UE) 2016/426 e (UE) 2017/1369 do Parlamento Europeu e do Conselho, e as Diretivas 2004/42/CE, 2009/48/CE, 2010/35/UE, 2013/29/UE, 2013/53/UE, 2014/28/UE, 2014/29/UE, 2014/30/UE, 2014/31/UE, 2014/32/UE, 2014/33/UE, 2014/34/UE, 2014/35/UE, 2014/53/UE, 2014/68/UE e 2014/90/UE do Parlamento Europeu e do Conselho

[COM(2017) 795 final — 2017/0353 (COD)]

c) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao reconhecimento mútuo de mercadorias comercializadas legalmente noutro Estado-Membro

[COM(2017) 796 final — 2017/0354 (COD)]

(2018/C 283/03)

Relator:

Jorge PEGADO LIZ

Consulta

a)

Commissão Europeia, 12.2.2018

b)

Conselho, 31.1.2018

Parlamento Europeu, 5.2.2018

c)

Parlamento Europeu, 5.2.2018

Conselho, 6.2.2018

Base jurídica

a)

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

b)

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

c)

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

27.4.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

184/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE saúda a Comissão pelo trabalho grandioso, necessário, complexo e meritório que desenvolveu com o presente «pacote», só lamentando a demasiada «flexibilidade» que se verifica em várias das suas disposições, deixando margem de manobra excessiva aos Estados-Membros e não assumindo maior controle.

1.2.

O CESE tem por válidas as escolhas das bases jurídicas para as presentes propostas, bem como os seus juízos sobre subsidiariedade e proporcionalidade, e ainda a escolha dos instrumentos jurídicos, como os mais adequados para os fins pretendidos.

1.3.

Encara com perplexidade que a Comissão não esclareça devidamente o que sucedeu com a sua proposta de regulamento, de 2013, relativo à fiscalização dos produtos, que se sabe não estar para ser adotada, e que a presente proposta duplica em algumas disposições.

1.4.

A Comissão também não esclarece por que razão as suas propostas não foram acompanhadas de uma nova regulamentação sobre a segurança geral dos produtos, garantindo que todos os produtos, independentemente das suas características, dispõem de uma regulamentação atual e mais eficaz.

1.5.

O CESE considera ainda que a atual proposta deveria consagrar uma regra que reforçasse a obrigação de fiscalização do mercado por parte dos Estados-Membros, nomeadamente a obrigação de apresentarem à Comissão relatórios (trimestrais) das ações e controlos.

1.6.

O CESE volta a insistir no sentido de que os princípios gerais relacionados com a vigilância do mercado deveriam incluir o princípio da precaução como elemento fundamental nas suas decisões, sempre que existam fundados indícios de que os consumidores ou o ambiente carecem de proteção mas não existe uma demonstração clara, científica, de que o produto não cause qualquer risco para estes.

1.7.

Na sua falta, o CESE realça a necessidade de se clarificar que o ónus da prova recai sempre sobre os agentes económicos de modo que os mesmos não aleguem que incumbe às autoridades a demonstração da ausência de segurança ou qualquer outro risco do produto.

1.8.

O CESE considera prioritário que se preveja não só a obrigatoriedade de a Comissão Europeia apresentar relatórios periódicos sobre o RAPEX, mas também que os consumidores e as empresas, bem como as suas organizações representativas, tenham acesso a mais informação do que aquela que é disponibilizada publicamente.

1.9.

Considera, igualmente, que deverá ser este regulamento o ato jurídico a conter todas as regras relativamente ao Sistema de Troca Rápida de Informações da União, nomeadamente, a definição, os pontos de contacto, as modalidades e os procedimentos relativos ao intercâmbio de informações, as entidades externas que podem participar no sistema (abrangendo-se, inclusive, organizações de defesa dos consumidores) e as regras sobre a notificação.

1.10.

Por outro lado, o CESE salienta a necessidade de que se reforce a estratégia europeia aduaneira comum que assegure a otimização dos recursos materiais e humanos para o desenvolvimento das medidas previstas na presente proposta, e, neste sentido, recomenda a intensificação de acordos de assistência mútua com todos os parceiros comerciais, nomeadamente a OMC e os acordos de parceria recentemente negociados com o Japão e o Canadá.

1.11.

Salienta ainda a necessidade de uma política ambiciosa que permita a cooperação entre os Estados-Membros no intercâmbio de informações de modo que aja com maior celeridade face a efeitos indesejáveis graves na utilização dos produtos.

1.12.

No que toca à avaliação pela União de produtos controlados no interior da União e abrangidos pela legislação da harmonização, o CESE considera fundamental que, sem prejuízo das competências específicas das autoridades nacionais, a Comissão Europeia tenha poderes para avaliar as medidas nacionais implementadas relativamente à política de harmonização.

1.13.

Por outro lado, o CESE entende que a questão da fiscalização do mercado de vendas através de plataformas em linha, bem como a avaliação dos novos riscos para os consumidores que utilizam dispositivos ligados à Internet («Internet-connected devices») deviam ser contempladas na proposta em apreço.

1.14.

Finalmente, o CESE defende a inclusão de disposições para a criação de uma base de dados pan-europeia relativa a lesões, que abranja todos os tipos de lesão, e, nesse sentido, recomenda a inclusão de uma base jurídica para a criação de uma base de dados europeia relativa a lesões, segundo a qual a Comissão apoiaria a coordenação da recolha de dados aos Estados-Membros, bem como o funcionamento eficaz dessa base.

1.15.

Por último, o CESE recomenda à Comissão que tome em consideração as suas sugestões de alteração de certos artigos das suas propostas, tal como enunciado nas observações na especialidade.

2.   Objetivos do pacote Mercadorias

2.1.    Objetivos de caráter geral

2.1.1.

É na Comunicação (1), primeiro componente do pacote Mercadorias que a Comissão define o grande objetivo de caráter geral para esta iniciativa, ou seja, «todos os intervenientes — público em geral, trabalhadores, consumidores, empresas e autoridades — precisam de ter a certeza de poder agir e adquirir produtos seguros, num enquadramento transparente e justo, em que as regras se aplicam da mesma maneira a todos».

2.1.2.

Para o efeito, a Comissão considera que é necessário abordar rapidamente duas fragilidades estruturais persistentes no mercado único de bens para se poder atingir o seu pleno potencial e justificar a confiança dos consumidores, das empresas e das autoridades.

2.1.3.

A primeira fragilidade estrutural do mercado único de bens está relacionada com a execução das regras harmonizadas da UE em matéria de segurança dos produtos.

2.1.4.

A segunda fragilidade estrutural está relacionada com os produtos não abrangidos, ou apenas parcialmente abrangidos, pelas regras harmonizadas da UE em matéria de produtos. Esses produtos podem ser considerados seguros e coerentes com o interesse público num Estado-Membro, mas enfrentar dificuldades de acesso ao mercado noutro Estado-Membro.

2.1.5.

Para fazer face a estas duas «fragilidades» a Comissão avança com a proposta de duas iniciativas legislativas e mais algumas medidas complementares.

2.1.5.1.

A primeira iniciativa legislativa visa reforçar o respeito e a execução das regras da UE aplicáveis aos produtos; a segunda iniciativa legislativa visa reorganizar e facilitar a aplicação do reconhecimento mútuo no mercado único.

2.1.5.2.

Entre as medidas complementares destacam-se:

a)

um relatório sobre o funcionamento da Diretiva (UE) 2015/1535 relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação no período de 2014-2015 (2); e

b)

um relatório sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.o 765/2008 (3).

2.2.    Objetivos específicos

2.2.1.

Os objetivos específicos destas iniciativas podem sintetizar-se como segue:

a)

Proposta Conformidade

2.2.2.

Relativamente à primeira iniciativa legislativa — proposta de regulamento que estabelece regras e procedimentos para o cumprimento e a aplicação da legislação de harmonização da União respeitante aos produtos (4), a seguir designada por «proposta Conformidade» — o objetivo será ganhar a confiança na aplicação efetiva das regras da UE relativas aos produtos e, para tanto:

a)

assegurar de forma inteligente a execução das regras num mercado único sem fronteiras;

b)

aplicar a legislação nas fronteiras externas.

2.2.3.

Os principais objetivos específicos consistem em:

a)

consolidar o quadro existente das atividades de fiscalização do mercado;

b)

incentivar ações conjuntas das autoridades de fiscalização do mercado de vários Estados-Membros;

c)

melhorar o intercâmbio de informações e intensificar a coordenação dos programas de fiscalização do mercado;

d)

criar um quadro reforçado para o controlo dos produtos que entram no mercado da União e para a melhoria da cooperação entre as autoridades aduaneiras e as autoridades de fiscalização do mercado.

b)

Proposta Reconhecimento

2.2.4.

Relativamente à segunda iniciativa legislativa — proposta de regulamento relativo ao reconhecimento mútuo de mercadorias comercializadas legalmente noutro Estado-Membro (5), a seguir designada por «proposta Reconhecimento» — o objetivo será garantir uma aplicação eficaz e eficiente do princípio do reconhecimento mútuo e, para tanto:

a)

assegurar o funcionamento eficaz do princípio do reconhecimento mútuo;

b)

reforçar a cooperação e a confiança;

c)

garantir o funcionamento do mercado interno para produtos não harmonizados.

2.2.5.

O principal objetivo específico desta proposta consiste em melhorar o funcionamento do reconhecimento mútuo através de um conjunto de medidas destinadas a garantir o respeito dos direitos e obrigações existentes que decorrem do princípio do reconhecimento mútuo, através das seguintes medidas:

a)

clarificação do âmbito do reconhecimento mútuo, definindo claramente em que circunstâncias este é aplicável;

b)

introdução de uma autodeclaração que torne mais fácil comprovar que um produto já está a ser comercializado legalmente e de um sistema de resolução de problemas que dê resposta às decisões que impedem ou restringem o acesso ao mercado;

c)

estabelecimento de uma cooperação administrativa e implementação de uma ferramenta informática, a fim de reforçar a comunicação, a cooperação e a confiança entre as autoridades nacionais e, desse modo, facilitar o funcionamento do reconhecimento mútuo.

c)

Textos complementares

2.2.6.

Complementarmente, a Comissão apresenta dois relatórios nos quais fundamenta as suas propostas legislativas, a saber:

2.2.7.

Relatório da Comissão sobre o funcionamento da Diretiva (UE) 2015/1535 (sinteticamente denominada Diretiva Transparência) de 2014 a 2015 (6), cujas principais conclusões vão no sentido de:

a)

confirmar a sua utilidade em termos de transparência, cooperação administrativa e prevenção de obstáculos técnicos no mercado interno, demonstrada pelo grande interesse das partes interessadas no procedimento de notificação, que permite identificar as áreas em que a harmonização a nível da UE poderia ser uma opção;

b)

reconhecer, porém, que a aplicação do procedimento pode ser melhorada, nomeadamente no que diz respeito ao número de notificações de alguns Estados-Membros e ao cumprimento das obrigações de notificação;

c)

considerar que um número mais elevado de notificações e uma participação mais ativa dos Estados-Membros no procedimento favoreceriam a prevenção de novos obstáculos técnicos e a deteção de problemas sistémicos em cada Estado-Membro e em toda a União Europeia;

d)

considerar essencial continuar a promover a diretiva e reforçar a sua aplicação, através do estabelecimento de uma ligação mais sólida com a política de acompanhamento e as medidas legislativas, a fim de atingir plenamente os seus objetivos.

2.2.8.

Relatório da Comissão sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.o 765/2008 (7), que estabelece os requisitos de acreditação e fiscalização do mercado relativos à comercialização de produtos sinteticamente designado por «Regulamento Conformidade» [COM(2017) 789 final], cujas principais observações vão no sentido de que:

a)

os «organismos de avaliação da conformidade», fiáveis e pertinentes, que trabalham corretamente, a fim de verificar a conformidade dos produtos com determinadas normas antes da sua colocação à venda, são necessários;

b)

por essa razão, a UE estabeleceu um sistema de acreditação desses organismos de avaliação da conformidade;

c)

a Comissão considera que a infraestrutura de acreditação europeia criada pelo Regulamento (CE) n.o 765/2008 (8) representa um valor acrescentado não só para o mercado único mas também para o comércio internacional;

d)

o relatório confirma que a indústria da União e a comunidade de avaliação da conformidade apoiam fortemente a acreditação;

e)

o desafio é, contudo, assegurar que todo o sistema de acreditação tem em conta as evoluções recentes e que é sempre aplicado com o mesmo rigor;

f)

o relatório confirma igualmente que as empresas têm consciência do papel importante que desempenha a aposição da marcação CE nos produtos no mercado único efetuada entre 2013 e 2017.

d)

Medidas não vinculativas

2.2.9.

Por último, a Comissão reconhece, embora sem entrar em detalhes, que ainda há espaço para medidas não vinculativas destinadas a reforçar a confiança no mercado único, previstas na própria comunicação de base, tais como o recurso aos mecanismos existentes do SOLVIT ou à adoção de uma «cláusula relativa ao mercado único» clara e não ambígua, programas de formação de formadores sobre o reconhecimento mútuo, intercâmbio de funcionários, etc. (anexo da comunicação referida).

3.   Observações na generalidade

3.1.

Forçoso é constatar que a Comissão realizou um trabalho grandioso, necessário, complexo e meritório que merece ser reconhecido.

3.2.

No entanto, não esclarece devidamente em que situação se encontra a sua proposta de regulamento relativo à fiscalização dos produtos, de 2013, de que não há conhecimento de ter sido publicado e que a presente proposta parece duplicar e modificar em algumas disposições, sem no entanto assumir que a terá deixado cair.

3.2.1.

Aliás, o CESE considera necessário que exista uma ligação clara entre a Diretiva da Segurança Geral de Produtos e a presente proposta de modo que todos os produtos (e não só os que constam do anexo) estejam abrangidos pelo seu escopo.

3.2.2.

O CESE considera que teria sido fundamental que a proposta tivesse sido acompanhada de uma nova regulamentação sobre a segurança geral dos produtos, garantindo que todos os produtos, independentemente das suas características, dispõem de uma regulamentação atual e mais eficaz.

3.2.3.

De facto, o CESE continua a considerar que as disposições em matéria de fiscalização do mercado se encontram dispersas e se sobrepõem umas às outras, o que gera confusão entre as regras de fiscalização propriamente ditas e as obrigações dos agentes económicos.

3.2.4.

O CESE teme que a Comissão, mantendo em discussão, em simultâneo, duas propostas com teor semelhante, mas com elementos diferentes, não resolva este problema adequadamente.

3.3.

Tendo em conta o quadro da discussão atual da proposta de pacote da Segurança dos Produtos e Fiscalização do Mercado, o CESE considera que a atual proposta deveria consagrar uma regra que reforçasse a obrigação de fiscalização do mercado por parte dos Estados-Membros, nomeadamente, a obrigação de apresentarem relatórios (trimestrais) das ações e controlos à Comissão, designadamente, no que respeita a estatísticas e decisões.

3.4.

Por outro lado, as ações de fiscalização das autoridades devem ser publicadas, nomeadamente, através de relatórios de atividade ou nos respetivos sítios Internet.

3.5.

Em contrapartida o CESE tem por válidas as escolhas das bases jurídicas para as presentes propostas, bem como os seus juízos sobre subsidiariedade e proporcionalidade, e ainda a escolha dos instrumentos jurídicos como os mais adequados para os fins pretendidos, só lamentando a demasiada «flexibilidade» que, apesar da utilização de regulamentos, se verifica em várias das suas disposições, deixando margem de manobra excessiva aos Estados-Membros e não assumindo maior controle, como certas opções não escolhidas teriam proporcionado à UE.

3.6.

O CESE insiste no sentido de que os princípios gerais relacionados com a vigilância do mercado deveriam incluir o princípio da precaução como elemento fundamental nas suas decisões, sempre que existam indícios de que os consumidores ou o ambiente carecem de proteção mas não existe uma demonstração clara científica de que o produto não causa qualquer risco para estes.

3.6.1.

O CESE não pode deixar uma vez mais de criticar a Comissão pela total ausência de referências a este princípio e relembra que o princípio da precaução, que é sempre utilizado pelas autoridades dos Estados-Membros no âmbito da gestão do risco, é um princípio fundamental para todas as entidades que têm de proferir decisões sobre a retirada, ou não, de um produto do mercado.

3.6.2.

Inexistindo uma referência ao princípio da precaução, o CESE aconselha, mesmo assim, a tornar-se mais claro que o ónus da prova recai sempre sobre os agentes económicos de modo que os mesmos não aleguem que incumbe às autoridades a demonstração da ausência de segurança ou qualquer outro risco do produto.

3.7.

O CESE reconhece a obrigatoriedade de os Estados-Membros definirem uma estratégia geral de fiscalização do mercado com uma periodicidade mínima de 3 anos.

3.7.1.

O CESE entende, no entanto, que as medidas adotadas pelas autoridades devem ser monitorizadas regularmente pela Comissão Europeia.

3.8.

O CESE considera fundamental a existência de um mecanismo RAPEX que funcione de forma coordenada e eficaz, em termos de intercâmbio de informações entre os Estados-Membros, mas constata que nos últimos anos sempre que um produto perigoso é notificado pelo Estado-Membro à Comissão Europeia, tanto as autoridades como a própria Comissão não informam, na sua generalidade, os consumidores ou, até mesmo, as suas organizações representativas, a não ser que sejam adotadas medidas necessárias, nomeadamente, procedimentos de recolha em que se torna necessário a intervenção do consumidor, o mesmo sucedendo nas situações em que as autoridades de um Estado-Membro acordam com o agente económico a retirada do produto do mercado, sem que aquele notifique outros Estados-Membros deste acordo, colocando, até, muitas vezes, em causa o princípio da precaução.

3.8.1.

O CESE realça, inclusive, a necessidade de que este mecanismo seja coordenado com as situações em que o produto necessita de ser destruído, promovendo-se, assim uma maior integração e informação dos consumidores relativamente a estas situações.

3.8.2.

Neste sentido, e sem prejuízo da salvaguarda do princípio da confidencialidade e da proteção dos segredos comerciais, o CESE considera prioritário que se preveja, não só a obrigatoriedade de a Comissão Europeia apresentar relatórios periódicos sobre o RAPEX, mas também que os consumidores e as empresas, bem como as suas organizações representativas, tenham acesso a mais informação do que aquela que é disponibilizada publicamente, tendo, muitas vezes em conta a dificuldade dos consumidores na perceção e na adoção de comportamentos na sequência da identificação de um produto não seguro.

3.8.3.

Considera, igualmente que deverá ser este regulamento o ato jurídico que deverá conter todas as regras relativamente ao Sistema de Troca Rápida de Informações da União, nomeadamente, a definição, os pontos de contacto, as modalidades e os procedimentos relativos ao intercâmbio de informações, as entidades externas que podem participar no sistema (abrangendo-se, inclusive, organizações de defesa dos consumidores) e as regras sobre a notificação.

3.9.

Por outro lado, e à semelhança de anteriores pareceres, o CESE salienta a necessidade de que se reforce a estratégia europeia aduaneira comum que assegure a otimização dos recursos materiais e humanos para o desenvolvimento das medidas previstas na presente proposta, explorando-se, inclusive, as novas tecnologias e a inovação, no pleno respeito da privacidade dos dados pessoais dos cidadãos, com especial atenção sobre as PME e os consumidores.

3.9.1.

Neste sentido, recomenda a intensificação de acordos de assistência mútua com os parceiros comerciais, nomeadamente a OMC e os acordos de parceria recentemente negociados com o Japão e o Canadá.

3.9.2.

O CESE apela, também, para a problemática do combate à fraude, contrafação e adulteração que tem um impacto significativo sobre a segurança geral dos produtos, nomeadamente no âmbito das importações para a UE.

3.9.3.

Neste sentido, salienta a necessidade de que exista uma política ambiciosa que permita a cooperação entre os Estados-Membros no intercâmbio de informações de modo que aja com maior celeridade face a efeitos indesejáveis graves na utilização dos produtos, na medida em que o aumento do número de produtos fraudulentos e adulterados, a par dos recursos limitados nos Estados-Membros para o seu controlo, se traduz num aumento dos riscos para a saúde e segurança dos consumidores.

3.9.4.

Por fim, e à semelhança do referido em anterior parecer, o CESE considera que «os membros ou empregados dos órgãos de fiscalização e das alfândegas devem dar provas de honestidade e independência e devem estar protegidos contra pressões ou eventuais tentativas de corrupção exercidas no desempenho das suas funções» (9).

3.10.

No que toca à avaliação da União de produtos controlados no interior da União e abrangidos pela legislação da harmonização, o CESE considera fundamental que, sem prejuízo das competências específicas das autoridades nacionais, a Comissão Europeia tenha poderes para avaliar as medidas nacionais implementadas relativamente à política de harmonização, evitando, assim, insegurança jurídica que poderá colocar em causa a livre circulação de produtos seguros.

3.11.

Identicamente à semelhança do referido em anterior parecer, o CESE continua a defender a inclusão de disposições para a criação de uma base de dados pan-europeia relativa a lesões, que abranja todos os tipos de lesão e que tenha como finalidade:

a)

ajudar as autoridades fiscalizadoras do mercado a tomar decisões mais bem informadas sobre os riscos;

b)

servir de base a medidas preventivas e campanhas de sensibilização do público e permitir que os responsáveis pela normalização elaborem normas de melhor qualidade relativas aos produtos;

c)

ajudar os fabricantes a ajustar a conceção de novos produtos de modo que inclua aspetos relativos à segurança;

d)

avaliar a eficácia das medidas preventivas e definir prioridades para a conceção das políticas.

3.12.

Nesse sentido, sugere, novamente, a criação de uma base jurídica para a base de dados europeia relativa a lesões, segundo a qual a Comissão apoiaria a coordenação da recolha de dados aos Estados-Membros, bem como o funcionamento eficaz da base de dados.

4.   Observações na especialidade

4.1.    Proposta Conformidade [COM(2017) 795 final]

4.1.1.   Artigo 1.o

4.1.1.1.

O CESE saúda que, para além da proteção da saúde e segurança das pessoas, também estejam abrangidos a proteção do ambiente e o interesse público.

4.1.2.   Artigo 5.o

4.1.2.1.

O CESE critica as declarações de conformidade para a maioria dos produtos de consumo, uma vez que, na generalidade, trata-se de uma declaração unilateral por parte do produtor em que reconhece que o produto se encontra conforme com a legislação europeia de segurança dos produtos. Muitas vezes, esta declaração gera confusão aos destinatários que confundem a origem do produto com a autorização do produto.

4.1.2.2.

Recentemente, diversas organizações de consumidores demonstraram diversas preocupações com estes sistemas de conformidade, idênticas às vivenciadas com a declaração «marcação CE». Neste sentido, o CESE salienta a necessidade de que esta declaração de conformidade, mesmo no sítio Internet, seja colocada na página referente à documentação técnica do produto. Esta declaração de conformidade não deverá, pois, gerar confusão ou ser enganadora para os destinatários.

4.1.3.   Artigos 10.o e 14.o

4.1.3.1.

O CESE saúda a presente proposta, no sentido de querer estabelecer um sistema coerente de vigilância do mercado em cada Estado-Membro. No entanto, a proposta estabelece regras relativas às obrigações, poderes e organização da vigilância do mercado mas nada refere sobre a capacidade e discricionariedade dos Estados-Membros a nível dos recursos técnicos, humanos e financeiros, o que poderá determinar inconsistências a nível da fiscalização dos produtos na União Europeia.

4.1.3.2.

Sem prejuízo dos poderes atribuídos, o CESE considera que o mesmo estabelece poucas obrigações das autoridades, mencionando, sobretudo, prerrogativas, nomeadamente, o mero poder de alertar, num prazo adequado, os utilizadores nos seus territórios sobre os produtos identificados como risco.

4.1.4.   Artigo 18.o

4.1.4.1.

O CESE desconhece a razão pela qual a Comissão esvaziou, no presente artigo, a anterior norma proposta em 2013, nomeadamente, a concretização dos critérios referentes à decisão da autoridade, bem como todas as medidas posteriores, como as obrigações do operador económico e as ações posteriores por parte da autoridade. De facto, não tem sido claro, por parte dos operadores económicos se, após a notificação ao RAPEX, as mesmas são de facto monitorizadas e os operadores retiram, efetivamente, os produtos do mercado.

4.1.4.2.

No que concerne ao procedimento da recolha o CESE considera fundamental a informação prestada ao consumidor, motivo pelo qual salienta que a mesma seja identificada concretamente, obrigando as autoridades a publicar esta informação. Por outro lado, o procedimento de informação sobre a recolha deverá, também ele, ser definido tendo em vista evitar que os consumidores confundam a informação da recolha com uma comunicação comercial sobre o produto.

4.1.5.   Artigo 26.o

4.1.5.1.

O CESE considera fundamental que a proposta preveja uma norma expressa em que as autoridades dos Estados-Membros devem dispor de poderes e recursos necessários ao desempenho das suas funções, nomeadamente, em termos de controlos físicos e laboratoriais dos produtos.

4.1.6.   Artigo 27.o

4.1.6.1.

O CESE considera que, sem prejuízo das alíneas referidas, deverá existir uma cláusula geral que permita às autoridades de fiscalização do mercado requerer às autoridades de controlo nas fronteiras externas que não introduzam o produto em livre prática sempre que se verificar que o produto apresenta, de facto, um risco para a saúde, segurança, ambiente ou interesse público.

4.1.7.   Artigo 32.o

4.1.7.1.

O CESE salienta a necessidade de que as organizações da sociedade civil, nomeadamente, as associações de consumidores, sejam envolvidas nesta rede tendo em vista garantir uma maior transparência sobre os resultados alcançados pelos Estados-Membros na política de fiscalização do mercado.

4.1.8.   Artigo 61.o

4.1.8.1.

O CESE acolhe a proposta no sentido de definir uma norma específica sobre as coimas que dissuadam os agentes económicos de colocar no mercado produtos perigosos.

4.1.8.2.

O CESE congratula-se, por isso, com o n.o 3 do artigo 61.o, quando o mesmo refere que sempre que exista uma reincidência, o montante da coima poderá ser agravado.

4.2.    Proposta Reconhecimento [COM(2017) 796 final]

4.2.1.   Artigo 4.o

4.2.1.1.

O CESE manifesta as suas dúvidas sobre a eficácia deste princípio, principalmente, quando o n.o 3 do artigo 4.o estabelece que incumbe aos agentes económicos a aposição desta declaração, podendo gerar os mesmos efeitos que a marcação CE teve sobre os consumidores, a qual nunca impediu que produtos considerados perigosos circulassem no mercado interno sem prejuízo da respetiva declaração.

4.2.1.2.

O CESE considera que, caso o agente económico não forneça a respetiva declaração, e sem prejuízo do n.o 8, deve ser estabelecido um prazo razoável para as autoridades procederem à verificação das informações referentes à conformidade.

4.2.2.   Artigo 5.o

4.2.2.1.

O CESE considera, mais uma vez, que o princípio da precaução deve ser incluído nos requisitos de análise dos produtos, nomeadamente, no que concerne ao n.o 5 do presente artigo.

4.2.3.   Artigo 6.o

4.2.3.1.

Atentos os direitos dos consumidores, nomeadamente, o direito à saúde e segurança e a proteção do ambiente e do interesse público, o CESE discorda da presunção de segurança estabelecida na norma. Considera que, sempre que a análise do produto mencionada no artigo 5.o é efetuada, o mesmo não poderá ser colocado em circulação até decisão final por parte da autoridade do Estado-Membro.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=COM%3A2017%3A787%3AFIN

(2)  http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52017DC0788(01)&qid=1519385332001

(3)  http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1519385589015&uri=CELEX:52017DC0789

(4)  http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=COM%3A2017%3A0795%3AFIN

(5)  http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=COM%3A2017%3A0796%3AFIN

(6)  http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52017DC0788(01)&qid=1519385332001

(7)  JO L 218 de 13.8.2008, p. 30.

(8)  JO L 218 de 13.8.2008, p. 30.

(9)  JO C 271 de 19.9.2013, p. 86, ponto 1.6.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à avaliação das tecnologias de saúde e que altera a Diretiva 2011/24/UE»

[COM(2018) 51 final — 2018/0018 (COD)]

(2018/C 283/04)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Consulta

Parlamento Europeu, 8.2.2018

Conselho, 26.2.2018

Base jurídica

Artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Decisão da Mesa

5.12.2017

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

172/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) concorda que a cooperação em matéria de avaliação das tecnologias de saúde (ATS) numa base sustentável, a nível da UE, visa assegurar a todos os Estados-Membros da UE a possibilidade de beneficiar de uma melhoria da eficiência, maximizando o valor acrescentado.

1.2.

O CESE considera correta a decisão da Comissão de optar pelo instrumento jurídico de um regulamento em vez de outras formas jurídicas, porque desse modo se assegura uma cooperação mais direta e substantiva a nível dos Estados-Membros.

1.3.

O CESE entende que a proposta de regulamento está em total conformidade com os objetivos gerais da UE, incluindo o bom funcionamento do mercado interno, a sustentabilidade dos sistemas de saúde e um programa de investigação e inovação ambicioso.

1.4.

O CESE concorda com a opinião segundo a qual as despesas da saúde poderão aumentar durante os próximos anos, tendo em conta, entre outros fatores, o envelhecimento da população europeia, o aumento das doenças crónicas e o aparecimento de novas tecnologias complexas, ao mesmo tempo que os Estados-Membros enfrentam cada vez mais restrições orçamentais.

1.5.

O CESE apoiaria a utilização de incentivos fiscais em alguns países, bem como eventualmente a revisão em alta do limiar da regra «de minimis» aplicável aos auxílios estatais, embora essa questão fique ao critério de cada país.

1.6.

O CESE considera que o financiamento público é muito importante para a ATS, e tal poderia certamente ser reforçado através de um trabalho conjunto de cooperação e evitando a duplicação de esforços.

1.7.

O CESE estima que os Estados-Membros devem apoiar e financiar ideias e iniciativas pertinentes provenientes das empresas em fase de arranque.

1.8.

O CESE considera que a proposta deveria beneficiar as PME, bem como as empresas da economia social que operam no setor, ao reduzir os atuais encargos administrativos e os custos de conformidade relacionados com a necessidade de apresentar vários dossiês para cumprir os diferentes requisitos nacionais em matéria de ATS, mas avalia criticamente o facto de não terem sido previstas disposições específicas para essas empresas.

1.9.

O CESE propõe que se inclua no regulamento uma referência, e se alargue ou complete o seu âmbito de aplicação a medidas de prevenção como, por exemplo, o apoio dos hospitais no controlo das infeções nosocomiais, bem como na prevenção e redução das mesmas.

2.   Contexto

2.1.

A proposta de regulamento em apreço surge após mais de vinte anos de cooperação voluntária em matéria de avaliação das tecnologias de saúde (ATS). Após a adoção da diretiva relativa aos cuidados de saúde transfronteiriços (Diretiva 2011/24/UE) (1), em 2013 foi criada a nível da UE uma rede voluntária de ATS constituída por agências e organismos nacionais de ATS, a fim de fornecer orientações estratégicas e políticas no âmbito da cooperação científica e técnica a nível da UE.

2.2.

Esses trabalhos foram completados por três ações comuns sucessivas (2) em matéria de ATS e proporcionaram à Comissão e aos Estados-Membros a possibilidade de criarem uma base sólida de conhecimentos em matéria de metodologias e intercâmbio de informações sobre a avaliação das tecnologias de saúde.

2.3.

A cooperação em matéria de ATS numa base sustentável, a nível da UE, visa assegurar a todos os Estados-Membros da UE a possibilidade de beneficiar de uma melhoria da eficiência, maximizando o valor acrescentado. A cooperação reforçada a nível da UE neste domínio é amplamente apoiada pelos organismos interessados em garantir o acesso atempado dos doentes a tratamentos, medicamentos e produtos de saúde inovadores, sempre que estes ofereçam valor acrescentado, mostrando que a UE não se resume a uma união económica, mas é também uma união que se ocupa em primeiro lugar dos seres humanos. As partes interessadas e os cidadãos que responderam à consulta pública da Comissão manifestaram um enorme apoio, sendo que quase todos (98 %) reconheceram a utilidade da ATS e 87 % concordaram que a cooperação a nível da UE em matéria de ATS deve prosseguir para lá de 2020 (3).

3.   Problemas ou lacunas que são analisados pela proposta para serem colmatados

3.1.

O CESE concorda com a constatação, resultante de uma ampla consulta, de que até hoje tem havido entraves e distorções do acesso ao mercado de tecnologias inovadoras devido aos diferentes procedimentos burocráticos, metodologias e requisitos nacionais ou regionais em matéria de ATS existentes em toda a UE e impostos pelas diferentes legislações e práticas nacionais. Foi esse o motivo que levou a Comissão a propor um regulamento como o instrumento mais adequado.

3.2.

O CESE concorda igualmente com a constatação de que a situação atual também contribui para a falta de previsibilidade comercial, acarreta custos mais elevados para a indústria e as PME, origina atrasos no acesso às novas tecnologias e tem efeitos negativos sobre a inovação. Como exemplo da atual situação não harmonizada podemos remeter para o documento do grupo de reflexão I-Com — Institute for Competitiveness [Instituto para a Competitividade] (4) onde, na página 49, se assinala que o Secretariado Europeu das Uniões de Consumidores (BEUC) refere que alguns organismos de ATS disponibilizam publicamente as avaliações, diretamente ou mediante pedido, enquanto outros as consideram confidenciais. Além disso, estudos observacionais para estimar o valor de um medicamento são aceites por alguns organismos de ATS, mas são rejeitados por outros. Isto é importante porque, como refere o BEUC, a literatura existente mostra que esses dados são menos sólidos do que aqueles que são fornecidos por ensaios aleatórios e perfis de eficácia dos medicamentos. Embora não afetem diretamente o trabalho do BEUC, essas divergências podem contribuir para a duplicação do trabalho e têm um custo elevado para os Estados-Membros. Por conseguinte, é importante sensibilizar os consumidores para a importância da ATS e para o contributo dos doentes e dos utilizadores finais. Por último, mas não menos importante, o BEUC considera que, não obstante a eventual grande utilidade de uma ATS completa conjunta, esta deveria adaptar-se aos contextos nacionais dos cuidados de saúde. Como demonstraram várias décadas de cooperação na UE com base nos projetos em matéria de ATS, estas questões não foram adequadamente tratadas com a abordagem puramente voluntária dos trabalhos conjuntos desenvolvidos até hoje.

3.3.

Atualmente, a cooperação no domínio da ATS a nível da UE, que se baseia em projetos, é igualmente comprometida pela falta de sustentabilidade, devido ao facto de o financiamento ser de curto prazo e ter de ser renegociado e assegurado em cada ciclo financeiro. Embora a cooperação em curso, nomeadamente as ações comuns e a rede de ATS, tenha ilustrado os benefícios da cooperação da UE em termos de estabelecimento da rede profissional, dos instrumentos e metodologias de cooperação e de pilotagem das avaliações conjuntas, este modelo de cooperação não contribuiu para eliminar a fragmentação dos sistemas nacionais e a duplicação das atividades (5).

3.4.

Considerando que a fiabilidade de cada novo mecanismo tem de assentar nos princípios da independência e da liberdade de expressão dos participantes, exclusivamente com base em critérios científicos, deontológicos e não discriminatórios, os objetivos desta iniciativa poderão ser suficientemente realizados atarvés do reforço da cooperação no domínio da ATS a nível da UE com base nesses princípios. Essencialmente, a iniciativa combaterá a atual fragmentação dos sistemas nacionais de ATS (divergências de procedimentos e metodologias que afetam o acesso ao mercado), e ao mesmo tempo reforçará a cooperação a outros níveis essenciais para a ATS (por exemplo, nos países que se deparam com dificuldades devido à falta de registos de doentes, deverão ser postos em prática os planos de ação nacionais para todas as doenças, de modo a acelerar o trabalho dos ministérios da Saúde pertinentes tendo em conta as boas práticas de outros países europeus). Trata-se de uma abordagem que incorpora valores e prioridades sociais no processo de decisão científica.

3.5.

O CESE salienta a necessidade de reconhecer a inovação tecnológica no setor da saúde para atividades de prestação de cuidados a nível local e não hospitalar. O envelhecimento da população (6), o aumento das doenças crónicas e da dependência exigem especialização e uma utilização mais eficaz das tecnologias e dos métodos de intervenção para a prestação de cuidados domiciliários. Por esse motivo, deverão ser previstos programas específicos de ATS com vista a melhorar as estruturas de acolhimento e os cuidados domiciliários, não só através da utilização de novas tecnologias e da telemedicina, mas também através do aumento geral da qualidade profissional nos serviços de prestação de cuidados.

3.6.

A este respeito, o CESE salienta a frequência com que o setor dos cuidados de saúde dos cidadãos europeus se tem desenvolvido, e é gerido por empresas da economia social inovadoras, cuja presença no setor deverá ser mais reconhecida e mais explorada.

4.   O que se pretende obter com a presente proposta?

4.1.

A proposta de regulamento da UE relativo à ATS tem por objetivo contribuir para a disponibilidade de tecnologias de saúde inovadoras para os doentes na Europa, assegurar uma utilização eficiente dos recursos disponíveis e melhorar a previsibilidade comercial.

4.2.

O CESE considera correta a decisão da Comissão de optar pelo instrumento jurídico de um regulamento em vez de outras formas jurídicas, porque desse modo se assegura uma cooperação mais direta e substantiva a nível dos Estados-Membros. No entanto, a obrigação de utilizar a avaliação clínica conjunta, caso a tecnologia tenha sido sujeita a essa avaliação, não garante que os Estados-Membros terão à sua disposição uma ATS adequada suscetível de ser utilizada para tomar decisões. A cooperação voluntária é, por conseguinte, uma opção para determinadas categorias de avaliação de tecnologias de saúde, como afirmado no artigo 19.o. Uma vez que o desejo de produzir uma tal ATS dentro de prazos limitados corre o risco de comprometer a sua qualidade, torna-se imperativo aplicar o artigo 29.o da proposta de regulamento relativo à avaliação e ao acompanhamento.

4.3.

A proposta de regulamento procura assegurar que as metodologias e os procedimentos aplicados nas ATS sejam mais previsíveis em toda a UE e que as avaliações clínicas conjuntas não sejam repetidas a nível nacional, evitando assim as duplicações e as divergências. Tal como descrito mais pormenorizadamente no relatório de avaliação de impacto, considera-se que a opção preferida oferece a melhor combinação de eficácia e eficiência na consecução dos objetivos estratégicos, respeitando simultaneamente os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. É a opção que melhor permite atingir os objetivos do mercado interno, uma vez que promove a convergência dos procedimentos e metodologias, reduz a duplicação (por exemplo, das avaliações clínicas) e, por conseguinte, o risco de resultados divergentes, contribuindo, deste modo, para melhorar a disponibilidade de tecnologias de saúde inovadoras para os doentes. No entanto, uma vez que o acesso às tecnologias e a sua utilização não são idênticos em todos os Estados-Membros, as necessidades de ATS variam, nomeadamente no que respeita ao padrão de cuidados. A falta de comparação direta ou a não aplicação de critérios intermédios nos ensaios clínicos utilizados para as autorizações de colocação no mercado reforçam ainda mais a necessidade de estudos complementares. A utilização obrigatória da ATS conjunta pode não ser, por conseguinte, plenamente exequível, e o princípio da utilização voluntária talvez deva continuar a vigorar conforme foi referido para algumas categorias de ATS. Assim, é importante esclarecer que, nos termos do artigo 34.o, os Estados-Membros podem efetuar uma avaliação clínica através de meios que não as regras previstas no capítulo III do regulamento em apreço, a fim de assegurar que os Estados-Membros continuam a ter a possibilidade de realizar avaliações suplementares adaptadas sempre que necessário.

4.4.

O CESE concorda que a proposta de regulamento proporciona aos Estados-Membros um quadro sustentável que lhes permite partilhar conhecimentos especializados e reforçar a tomada de decisões com base em elementos de prova, e os apoia nos esforços desenvolvidos para garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde nacionais. A opção preferida também é eficiente em termos de custos, na medida em que os custos são significativamente compensados pelas poupanças para os Estados-Membros, a indústria e as PME, resultantes da partilha de recursos, da eliminação de duplicações e da melhoria da previsibilidade comercial. A proposta contém disposições relativas à utilização de ferramentas, metodologias e procedimentos comuns de ATS em toda a UE e define os quatro pilares a seguir indicados para o trabalho conjunto dos Estados-Membros a nível da UE.

4.4.1.

Avaliações clínicas conjuntas centradas nas tecnologias de saúde mais inovadoras, potencialmente vantajosas e com o maior valor acrescentado para a UE.

4.4.2.

Consultas científicas conjuntas de acordo com as quais os criadores de uma tecnologia da saúde podem solicitar o aconselhamento das autoridades de ATS sobre o tipo de dados e de elementos de prova suscetíveis de serem exigidos na apresentação para a ATS.

4.4.3.

Identificação das tecnologias de saúde emergentes para garantir que as tecnologias de saúde mais promissoras para os doentes e os sistemas de saúde são identificadas numa fase precoce e são incluídas no trabalho conjunto.

4.4.4.

Cooperação voluntária em domínios não abrangidos pela cooperação obrigatória, por exemplo, em tecnologias de saúde que não os medicamentos e os dispositivos médicos (por exemplo, intervenções cirúrgicas) ou nos aspetos económicos das tecnologias de saúde.

5.   Quais foram as opções legislativas e não legislativas consideradas? Há ou não uma opção preferida?

5.1.

O CESE entende que a proposta de regulamento está em total conformidade com os objetivos gerais da UE, incluindo o bom funcionamento do mercado interno, a sustentabilidade dos sistemas de saúde e um programa de investigação e inovação ambicioso.

5.1.1.

Além de estar em consonância com estes objetivos políticos da UE, a proposta é também coerente com a legislação da UE em vigor sobre medicamentos e dispositivos médicos (7), complementando-a. A título de exemplo, embora o processo regulamentar e o processo de ATS continuem a estar claramente separados, uma vez que têm finalidades diferentes, há oportunidades para criar sinergias através da partilha de informações e de um melhor alinhamento dos calendários processuais entre as avaliações clínicas conjuntas propostas e o procedimento centralizado de autorização de introdução no mercado dos medicamentos (8).

5.2.

A base jurídica da proposta é o artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

5.2.1.

O artigo 114.o do TFUE permite a adoção de medidas de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros, desde que sejam necessárias para o estabelecimento ou o funcionamento do mercado interno, assegurando, ao mesmo tempo, um nível elevado de proteção da saúde pública.

5.2.2.

O artigo 114.o do TFUE fornece uma base jurídica adequada tendo em conta os objetivos da proposta, nomeadamente, eliminar algumas das divergências existentes no mercado interno no que respeita às tecnologias de saúde, causadas por diferenças processuais e metodológicas nas avaliações clínicas efetuadas nos Estados-Membros, bem como a considerável duplicação dessas avaliações em toda a UE.

5.2.3.

Em conformidade com o artigo 114.o, n.o 3, do TFUE, foi tomado em consideração um elevado nível de proteção da saúde humana ao elaborar a proposta, a qual deverá melhorar a disponibilidade de tecnologias de saúde inovadoras para os doentes na UE.

5.3.

Qualquer proposta legislativa deverá observar igualmente o disposto no artigo 168.o, n.o 7, do TFUE, nos termos do qual a ação da União respeita as responsabilidades dos Estados-Membros no que se refere à definição das respetivas políticas de saúde, bem como à organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos, incluindo as decisões sobre os níveis dos preços e das indemnizações, que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta iniciativa.

5.3.1.

Embora seja claro que os Estados-Membros da UE continuarão a ser responsáveis pela avaliação dos aspetos não clínicos (por exemplo, económicos, sociais ou deontológicos) das tecnologias de saúde e pela tomada de decisões sobre a fixação de preços e reembolsos, o CESE propõe que se reflita sobre uma política de preços comum na UE, e que esta seja objeto de um estudo separado — a fim de assegurar a transparência e o acesso de todos os cidadãos — para os medicamentos, os dispositivos médicos e os dispositivos de diagnóstico in vitro em geral, e especialmente para aqueles que passaram em ATS, tendo por objetivo melhorar o acesso dos cidadãos europeus e evitar importações/exportações paralelas com base apenas no preço. Tal fornecerá um apoio eficaz ao trabalho das comissões nacionais pertinentes no que respeita ao registo ou observatório dos preços máximos admissíveis, que existem em alguns países, especialmente para os dispositivos médicos.

5.4.

De acordo com a exposição de motivos, «[o] termo “tecnologia de saúde” deve ser entendido num sentido lato, englobando os medicamentos, os dispositivos médicos ou os procedimentos médicos ou cirúrgicos, bem como as medidas de prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças utilizadas na prestação de cuidados de saúde». Porém, no âmbito de aplicação, as avaliações clínicas conjuntas estão limitadas aos medicamentos sujeitos ao procedimento centralizado de autorização de introdução no mercado, às novas substâncias ativas e aos medicamentos existentes cuja autorização de introdução no mercado seja alargada a uma nova indicação terapêutica, e a determinadas classes de dispositivos médicos e de dispositivos médicos de diagnóstico in vitro para os quais os painéis de peritos relevantes estabelecidos em conformidade com os Regulamentos (UE) 2017/745 e (UE) 2017/746 tenham emitido os seus pareceres ou observações e que tenham sido selecionados pelo Grupo de Coordenação criado ao abrigo do regulamento em apreço.

5.5.

Para a prevenção das doenças degenerativas e para a redução da admissão abusiva nos hospitais de pessoas idosas e dependentes, devem ser instituídas medidas e ações para aumentar a qualidade dos cuidados de saúde e da assistência e, desse modo, melhorar a segurança e o bem-estar dos doentes.

5.5.1.

O CESE considera que deve ser feita referência, e se deve alargar ou completar o âmbito de aplicação, a medidas de prevenção como, por exemplo, o apoio dos hospitais no controlo das infeções nosocomiais, bem como na prevenção e redução das mesmas. O exemplo concreto refere-se às cerca de 37 000 (9) pessoas que todos os anos morrem de infeção nosocomial na Europa. Embora seja urgentemente necessário melhorar a segurança dos doentes e a qualidade dos serviços de saúde prestados, colocando a ênfase na prevenção das infeções nosocomiais e na utilização racional dos antibióticos, os estudos realizados até à data limitam-se apenas ao nível nacional e apresentam todas as doenças que a proposta em apreço pretende combater.

6.   Quais são os custos da opção preferida?

6.1.

O CESE considera que a opção preferida é eficiente em termos de custos, na medida em que os custos são significativamente compensados pelas poupanças para os Estados-Membros e a indústria (10) resultantes da partilha de recursos, da eliminação de duplicações e da melhoria da previsibilidade comercial.

A fim de assegurar que estão disponíveis (11) recursos suficientes para o trabalho conjunto previsto na proposta de regulamento, o CESE apoia a ideia de disponibilizar financiamento suficiente para o trabalho conjunto e a cooperação voluntária, bem como para o quadro de apoio para estas atividades. O financiamento deve cobrir os custos da elaboração dos relatórios de avaliação clínica conjunta e de consulta científica conjunta. Os Estados-Membros devem ter igualmente a possibilidade de destacar peritos nacionais para a Comissão com o objetivo de apoiar o secretariado do Grupo de Coordenação, como se refere no artigo 3.o.

6.2.

Os custos dos controlos estão incluídos nos custos imputados ao exercício de identificação de novas tecnologias emergentes a avaliar a nível da UE e de avaliação clínica conjunta. A cooperação com os organismos relevantes responsáveis pelos medicamentos e os dispositivos médicos permitirá minimizar os riscos de erros aquando da elaboração do programa de trabalho do Grupo de Coordenação, responsável pelo acompanhamento. Tal como refere a Comissão, o Grupo de Coordenação será constituído por representantes nacionais dos organismos de ATS, e os seus subgrupos serão constituídos por peritos técnicos que realizam avaliações. Está igualmente previsto proporcionar formação aos organismos nacionais de ATS, a fim de assegurar que os Estados-Membros com menos experiência cumpram os requisitos da ATS, embora tal não seja expressamente mencionado no texto da proposta.

6.3.

O total das despesas com os cuidados de saúde (públicos e privados) na UE ascende a aproximadamente 1 300 milhares de milhões de EUR por ano (12) (incluindo 220 mil milhões de EUR para os produtos farmacêuticos (13) e 100 mil milhões de EUR para os dispositivos médicos (14)). Logo, as despesas com os cuidados de saúde representam, em média, cerca de 10 % do PIB da UE (15).

6.4.

O CESE concorda com a opinião segundo a qual as despesas da saúde poderão aumentar durante os próximos anos, tendo em conta, entre outros, o envelhecimento da população europeia, o aumento das doenças crónicas e o aparecimento de novas tecnologias complexas, ao mesmo tempo que os Estados-Membros enfrentam cada vez mais restrições orçamentais.

6.5.

De igual modo, o CESE entende que esses desenvolvimentos exigirão dos Estados-Membros mais melhorias na eficácia dos orçamentos da saúde, centrando-se nas tecnologias eficazes e mantendo ao mesmo tempo os incentivos à inovação (16).

6.6.

O CESE apoiaria a utilização de incentivos fiscais em alguns países, bem como eventualmente a revisão em alta do limiar da regra «de minimis» aplicável aos auxílios estatais. Uma das propostas a considerar diz respeito à possibilidade de rever em alta do limiar da regra «de minimis» aplicável aos auxílios estatais, para os quais poderia ser previsto um aumento, dos atuais 200 000 EUR para pelo menos 700 000 EUR no caso das PME que operam nos setores da saúde, da assistência social e dos cuidados de saúde, e introduzir requisitos de qualidade adicionais, como o trabalho em projetos que exijam a cooperação entre várias empresas, o investimento na investigação e na inovação ou o reinvestimento de todos os lucros na própria empresa. Essas medidas poderiam servir para incentivar as PME e as empresas da economia social a investir mais na investigação, na inovação e no desenvolvimento de esforços de cooperação em rede (17). O CESE estima igualmente que os Estados-Membros devem apoiar e financiar ideias e iniciativas pertinentes provenientes das empresas em fase de arranque.

6.7.

O CESE considera que o financiamento público é muito importante para a ATS, e tal poderia certamente ser reforçado através de um trabalho conjunto de cooperação e evitando a duplicação de esforços. Estima-se que cada ATS nacional custa aproximadamente 30 000 EUR aos organismos nacionais e 100 000 EUR ao setor (18). Pressupondo que dez Estados-Membros realizam ATS para a mesma tecnologia e que essas avaliações poderiam ser substituídas por um relatório conjunto, poderia obter-se uma poupança de até 70 %, mesmo admitindo que, devido à necessidade acrescida de coordenação, uma avaliação conjunta custa o triplo de um único relatório nacional. Esses fundos podem ser economizados ou reafetados a outras atividades relacionadas com a ATS. No entanto, tendo em conta o custo muito elevado que as novas tecnologias implicam, é necessário que a ATS que um Estado-Membro utiliza para decidir o pagamento de uma tecnologia esteja ligada ao arsenal terapêutico do Estado-Membro em causa. No caso dos tratamentos oncológicos, por exemplo, que ultrapassam frequentemente os 100 000 EUR por doente, o custo de uma avaliação clínica inadequada seria muito superior às economias obtidas com a avaliação conjunta. Cumpre, obviamente, salientar que a (European Cancer Patient Coallition (ECPC) [Coligação Europeia de Doentes com Cancro] saúda a proposta e observa que, ao evitarem a duplicação dos esforços, as avaliações clínicas conjuntas obrigatórias eliminarão o risco de resultados divergentes e reduzirão assim os atrasos no acesso a novos tratamentos (19). De igual modo, a Associação Internacional do Mutualismo (AIM) constata com agrado que a Comissão propõe que se confira à cooperação no domínio da ATS a nível da UE um estatuto mais permanente. No entanto, a AIM receia que, com apenas uma avaliação clínica na UE, o novo sistema venha a criar pressões para que a ATS se realize o mais rapidamente possível, o que poderá comprometer a qualidade e a segurança da prestação de cuidados (20).

6.8.

Visto que as consequências orçamentais da proposta deverão produzir efeitos a partir de 2023, a contribuição do orçamento da UE após 2020 será examinada no quadro da elaboração das propostas da Comissão para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) e terá em conta os resultados das negociações sobre o QFP após 2020.

6.9.

Dado os seus interesses económicos enormes, o setor das tecnologias de saúde é propenso a conflitos de interesses. É muito importante que as ATS sejam organizadas de forma objetiva, independente e transparente.

7.   Como serão afetadas as empresas, as PME e as microempresas?

7.1.

A proposta é relevante para as pequenas e médias empresas (PME), que são particularmente importantes no setor dos dispositivos médicos, como já foi referido no ponto 4.2. No entanto, não estão previstas disposições específicas para as microempresas, uma vez que não se espera que estas desempenhem um papel fundamental na introdução de novas tecnologias de saúde no mercado. O CESE considera que a proposta deveria beneficiar as PME, bem como as empresas da economia social que operam no setor, ao reduzir os atuais encargos administrativos e os custos de conformidade relacionados com a necessidade de apresentar vários dossiês para cumprir os diferentes requisitos nacionais em matéria de ATS, mas avalia criticamente o facto de não terem sido previstas disposições específicas para essas empresas. Em especial, as avaliações clínicas conjuntas e as consultas científicas conjuntas previstas na proposta aumentariam a previsibilidade comercial para a indústria. Este aspeto é particularmente relevante para as PME e para as empresas sociais, pelo facto de terem geralmente uma carteira de produtos mais reduzida e disporem de recursos específicos e capacidades de ATS mais limitados. Importa assinalar que a proposta não prevê a aplicação de taxas para as avaliações clínicas conjuntas ou as consultas científicas conjuntas, o que é muito importante também para o setor do emprego, nomeadamente para a redução do desemprego. Espera-se que a melhor previsibilidade comercial resultante do trabalho conjunto em matéria de ATS em toda a UE venha a ter um impacto positivo na competitividade do setor das tecnologias de saúde da UE. A infraestrutura informática prevista na proposta assenta em ferramentas informáticas padrão (por exemplo, para as bases de dados, o intercâmbio de documentos e a publicação através da Internet), aproveitando as ferramentas já desenvolvidas pelas Ações Comuns da EUnetHTA.

7.2.

Um verdadeiro incentivo económico para as PME consistiria em encorajar a sua participação em programas europeus de financiamento do desenvolvimento ao abrigo dos quadros de referências estratégicos nacionais (QREN), inclusive depois de 2020. Os atuais programas QREN para o período de 2014-2020 contêm disposições específicas para os programas de investigação e desenvolvimento que visem a redução da pobreza e do desemprego.

7.2.1.

O CESE entende que esses programas não só devem ser mantidos como devem ser alargados, tendo em conta o âmbito mais alargado dos princípios da proposta de regulamento, e servir de incentivo à investigação, desenvolvimento e inovação. Embora a proposta não faça qualquer referência aos países terceiros, o CESE considera que os países com os quais tenha sido estabelecido um acordo bilateral não devem ser excluídos da cooperação no âmbito da proposta. Em última análise, tudo depende do utilizador final e das suas opções.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (JO L 88 de 4.4.2011).

(2)  Ação Comum 1 da EUnetHTA, 2010-2012, Ação Comum 2 da EUnetHTA, 2012-2015, e Ação Comum 3 da EUnetHTA, 2016-2019. Ver: http://www.eunethta.eu/

(3)  http://europa.eu/rapid/press-release_IP-18-486_pt.htm

(4)  http://www.astrid-online.it/static/upload/7787/7787e169a7f0afc63221153a6636c63f.pdf

(5)  http://www.eunethta.eu/wp-content/uploads/2018/01/FINAL-Project-Plan-WP4-CA-TAVI-v3.pdf

(6)  http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/european_economy/2015/pdf/ee3_en.pdf

(7)  A legislação relevante inclui a Diretiva 2001/83/CE, o Regulamento (CE) n.o 726/2004, o Regulamento (UE) n.o 536/2014, o Regulamento (UE) 2017/745 e o Regulamento (UE) 2017/746.

(8)  Note-se que a necessidade de melhores sinergias foi reconhecida pelos Estados-Membros no documento de reflexão da rede ATS «Synergies between regulatory and HTA issues on pharmaceuticals» [Sinergias entre as questões regulamentares e de ATS no domínio dos produtos farmacêuticos], bem como pela EUnetHTA e a EMA no seu relatório conjunto sobre a execução do plano de trabalho trienal EMA-EUnetHTA de 2012-2015.

(9)  http://www.cleoresearch.org/en/

(10)  A redução de custos relacionados com as avaliações conjuntas (AER ou avaliações da eficácia relativa) poderá atingir 2 670 000 EUR por ano.

(11)  Os custos globais da opção preferida foram estimados em cerca de 16 milhões de EUR.

(12)  Dados do Eurostat. Documento de trabalho dos serviços da Comissão sobre a indústria farmacêutica, um setor estratégico para a economia europeia, DG GROW, 2014.

Eurostat, despesas das prestações de cuidados de saúde em todos os Estados-Membros, dados de 2012 ou últimos dados disponíveis. No caso da Irlanda, Itália, Malta e Reino Unido, estes dados são complementados com os dados da saúde da OMS (taxa de câmbio anual do BCE).

(13)  Dados do Eurostat, DG GROW, documento de trabalho dos serviços da Comissão, 2014, «Pharmaceutical Industry: A Strategic Sector for the European Economy» [Indústria farmacêutica: Um setor estratégico da economia europeia].

(14)  Comunicação — Dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro seguros, eficazes e inovadores a bem dos doentes, consumidores e profissionais de saúde, COM(2012) 540 final. Cálculos do Banco Mundial, EDMA, Episcom e Eucomed.

(15)  Comissão Europeia. Ficha temática do Semestre Europeu: «Health and Health systems» [Saúde e sistemas de saúde], 2015. DG ECFIN, «Cost-containment policies in public pharmaceutical spending in the EU» [Políticas de contenção dos custos nas despesas públicas com medicamentos na UE], 2012. E http://ec.europa.eu/smart-regulation/roadmaps/docs/2016_sante_144_health_technology_assessments_en.pdf

(16)  DG ECFIN, «Cost-containment policies in public pharmaceutical spending in the EU» [Políticas de contenção dos custos nas despesas públicas com medicamentos na UE], 2012.

(17)  Presentemente, o Regulamento (UE) n.o 1407/2013 prevê um limiar de 200 000 EUR durante três anos a título de auxílio estatal que pode ser conferido às empresas inclusive sob a forma de benefícios fiscais. Em 2008, através de uma ação designada «Plano de Relançamento», a Comissão aumentou temporariamente o limiar para 500 000 EUR a fim de dar resposta à crise económica. Importa reconhecer que o aumento da procura dos serviços de saúde, nomeadamente no que diz respeito à dependência, será uma das principais despesas para os sistemas de saúde dos Estados-Membros, pelo que seria útil prever um regime especial de incentivos e de apoio, especialmente para as empresas que prestam serviços locais de assistência social.

(18)  DG ECFIN, «The 2015 Ageing report» [Relatório de 2015 sobre o envelhecimento], 2015. OCDE, 2015. «Pharmaceutical expenditure and policies: past trends and future challenges» [Políticas e despesas com produtos farmacêuticos: tendências passadas e desafios futuros].

(19)  http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2018/614772/EPRS_BRI(2018)614772_EN.pdf

(20)  https://www.aim-mutual.org/wp-content/uploads/2018/02/AIM-on-HTA.pdf


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/UE no que diz respeito às taxas do imposto sobre o valor acrescentado»

[COM(2018) 20 final — 2018/0005(CNS)]

sobre a «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado no que respeita ao regime especial das pequenas empresas»

[COM(2018) 21 final — 2018/0006 (CNS)]

sobre a «Proposta alterada de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 904/2010 no que diz respeito às medidas destinadas a reforçar a cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado»

[COM(2017) 706 final — 2017/0248 (CNS)]

e sobre a «Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que se refere à obrigação de respeitar uma taxa normal mínima»

[COM(2017) 783 final — 2017/0349 (CNS)]

(2018/C 283/05)

Relator:

Petru Sorin DANDEA

Consulta

Conselho da União Europeia, 15.12.2017, 9.1.2018 e 5.2.2018

 

 

Base jurídica

Artigo 113.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

26.3.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

198/5/10

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a proposta da Comissão e recomenda aos Estados-Membros a sua adoção e aplicação rápidas, tendo em conta que a excessiva fragmentação do regime do IVA no mercado interno cria obstáculos injustificados ao desenvolvimento das pequenas empresas.

1.2

O CESE apoia o objetivo da Comissão de as medidas incluídas no pacote em apreço deverem beneficiar o consumidor final. No entanto, considera que as taxas reduzidas e as isenções aplicadas nos termos do artigo 98.o, n.os 1 e 2, da proposta de diretiva 2018/0005 (CNS) devem visar prioritariamente a prossecução coerente de um objetivo de interesse geral. Tal objetivo é, por vezes, como no caso dos serviços sociais e educativos, prosseguido por organismos intermédios que não são consumidores finais. Da mesma forma, o CESE considera que o regime, mediante limiares mais elevados, deve estar aberto não apenas às microempresas, mas também às pequenas e médias empresas.

1.3

O CESE subscreve a proposta da Comissão de estabelecer uma «lista negativa» de bens e serviços aos quais não são aplicáveis as reduções previstas na proposta de diretiva, mas adverte que esta lista não deverá afetar indevidamente a liberdade de os Estados-Membros fixarem taxas reduzidas aplicáveis a certos bens de interesse geral. Além disso, os Estados-Membros devem poder continuar a aplicar taxas reduzidas a bens sujeitos a taxas reduzidas em conformidade com as derrogações vigentes constantes da Diretiva 2006/112/CE em vigor.

1.4

A Comissão considera que o regime de taxas reduzidas não deve ser aplicado a bens e serviços que constituam um produto intermédio. O CESE estima que esta abordagem causa dificuldades de interpretação, como por exemplo na gestão de serviços complexos, em particular quando se trata de serviços prestados por redes de empresas, agrupamentos de empresas e consórcios. Assim, poderá haver lugar a interpretações ambíguas quando um serviço prestado por uma empresa de um grupo é pago à empresa-mãe, que, posteriormente, procede à refaturação à empresa que efetuou o serviço. A não aplicação, nestes casos, da taxa preferencial resulta num aumento dos custos que acaba por se refletir indiretamente no utilizador final.

1.5

O CESE considera que os objetivos ambiciosos definidos pela Comissão neste pacote legislativo só poderão ser alcançados se os Estados-Membros envidarem os esforços necessários para adotar o regime definitivo do IVA num prazo razoável.

1.6

O CESE subscreve a proposta da Comissão, segundo a qual os Estados-Membros podem, para além das duas taxas reduzidas de pelo menos 5 %, aplicar uma taxa reduzida inferior a 5 %, e considera que estas devem ser aplicadas a determinadas categorias de bens e serviços, como já o fazem alguns Estados-Membros. O CESE recomenda aos Estados-Membros que continuem a aplicar as reduções atuais a determinadas categorias de bens ou serviços de interesse geral. Estima igualmente que os Estados-Membros devem propor uma lista de bens e serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas, para apoiar o acesso das PME ao mercado interno. Deveria ser ponderada uma análise aprofundada da possibilidade de aplicar taxas mais elevadas de IVA aos artigos de luxo.

1.7

O Comité gostaria de chamar a atenção dos Estados-Membros para aspetos importantes do regime do IVA aplicado às organizações e associações no domínio da assistência às pessoas desfavorecidas: na maioria das vezes, elas não podem recuperar montantes significativos devido ao IVA, o que reduz consideravelmente a sua capacidade para prestar assistência às pessoas pertencentes a grupos desfavorecidos. Por isso, o Comité recomenda que as instituições da UE e os Estados-Membros isentem essas organizações do regime do IVA. O CESE considera igualmente que os advogados pro bono ou pro deo não deveriam estar sujeitos ao regime do IVA, na condição de o exercício de tal atividade gerar poucos ou nenhuns rendimentos.

1.8

O CESE recomenda que os Estados-Membros disponibilizem aos organismos responsáveis pela luta contra as infrações em matéria de IVA os recursos humanos, financeiros e logísticos necessários para assegurarem a correta aplicação das disposições do regulamento, tal como proposto pela Comissão. O CESE considera igualmente importante que os Estados-Membros estudem a possibilidade de utilizar mais eficazmente as tecnologias digitais na luta contra a fraude ao IVA, bem como no incentivo à adesão espontânea à maior transparência da legislação europeia em matéria de IVA.

2.   Proposta da Comissão Europeia

2.1

Em abril de 2016, a Comissão publicou um plano de ação (1) sobre a modernização do regime do IVA na UE. A proposta da Comissão contém três propostas de diretiva (2) e uma proposta de regulamento (3) rumo à concretização do plano.

2.2

As três propostas de diretiva visam alterar a Diretiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado. As alterações propostas dizem respeito ao regime especial para as pequenas e médias empresas, às taxas mínimas de IVA e ao respeito da taxa normal mínima.

2.3

A legislação europeia em matéria de IVA data de há mais de duas décadas e baseia-se no princípio da origem. A Comissão visa modernizá-la, a fim de definir um sistema definitivo do IVA aplicável às trocas comerciais transfronteiras de bens entre empresas, baseado na tributação no Estado-Membro de destino.

2.4

A proposta da Comissão visa assegurar a igualdade de tratamento dos Estados-Membros mediante a aplicação de uma taxa única reduzida sem sujeição a um mínimo obrigatório e de duas taxas reduzidas de pelo menos 5 %. Além disso, a Comissão propõe manter a taxa normal mínima de IVA em 15 %.

2.5

A Comissão considera que, no caso de trocas intra-UE, o regime de taxas reduzidas não deve ser aplicado a bens e serviços que constituam um produto intermédio. A Comissão assinala ainda que as medidas incluídas no pacote em apreço resultam em benefícios para o consumidor final.

2.6

A proposta de regulamento visa alterar o Regulamento (UE) n.o 904/2010, que prevê medidas destinadas a reforçar a cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado. As principais alterações propostas incluem a troca de informações sem pedido prévio, as auditorias conjuntas, os procedimentos de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-Membro de reembolso, o reforço da Eurofisc com uma capacidade conjunta de análise dos riscos e a possibilidade de coordenar inquéritos e cooperar com o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e a Europol para a divulgação à Procuradoria Europeia de casos graves de fraude ao IVA, a atualização das condições aplicáveis à troca de informações, a partilha de informações sobre os regimes aduaneiros 42 e 63 e dos dados do registo de veículos entre as autoridades fiscais (4).

3.   Observações na generalidade e na especialidade

3.1

Tendo em conta a fragmentação excessiva do regime do IVA a nível dos Estados-Membros e a sua ineficácia na luta contra eventuais fraudes, mas também os obstáculos com que as pequenas empresas se confrontam nas transações comerciais ou de investimento, o CESE saúda a proposta da Comissão e recomenda aos Estados-Membros a sua adoção e aplicação rápidas.

3.2

A Comissão considera que o regime de taxas reduzidas não deve ser aplicado a bens e serviços que constituam um produto intermédio. No entanto, esta abordagem causa dificuldades de interpretação, como por exemplo na gestão de serviços complexos, em particular quando se trata de serviços prestados por redes de empresas, agrupamentos de empresas e consórcios. Assim, poderá haver lugar a interpretações ambíguas quando um serviço prestado por uma empresa de um grupo é pago à empresa-mãe, que, posteriormente, procede à refaturação à empresa que efetuou o serviço. A não aplicação, nestes casos, da taxa preferencial resulta num aumento dos custos que acaba por se refletir indiretamente no utilizador final.

3.3

A Comissão propõe que o regime do IVA passe a assentar no princípio do país de destino. O CESE considera que tal medida seria um passo importante na passagem para um sistema definitivo do IVA na UE e encoraja a Comissão e os Estados-Membros a concluírem com celeridade este processo e a clarificarem a definição dos diferentes bens e serviços.

3.4

A Comissão propõe manter a taxa normal mínima de IVA em 15 %. O CESE chama a atenção para o facto de que, na maioria dos Estados-Membros, o IVA constitui uma das principais fontes de receitas do orçamento do Estado e, por conseguinte, apoia a proposta da Comissão.

3.5

A maioria dos Estados-Membros aplica taxas reduzidas de IVA a produtos alimentares, medicamentos, livros e alguns serviços essenciais, como os cuidados de saúde e a assistência social. O CESE subscreve a proposta da Comissão, segundo a qual os Estados-Membros podem, para além das duas taxas reduzidas de pelo menos 5 %, aplicar uma taxa reduzida inferior a 5 %, e considera que estas devem ser aplicadas a determinadas categorias de bens e serviços, como já o fazem alguns Estados-Membros. O recurso a tais taxas reduzidas acentua a necessidade de fornecer informações às PME que sejam igualmente ativas fora do seu mercado doméstico. Deveria ser ponderada uma análise aprofundada da possibilidade de aplicar taxas mais elevadas de IVA aos artigos de luxo.

3.6

A Comissão sustenta que, no âmbito do novo regime assente no princípio do país de destino, poderão ocorrer distorções da concorrência em relação a determinados serviços ou bens. Para remediar esta situação, a Comissão propõe estabelecer uma «lista negativa», estruturada de acordo com a classificação estatística dos bens e serviços, à qual é aplicada a taxa normal do IVA. O CESE subscreve a proposta da Comissão e sublinha a obrigação dos Estados-Membros de seguirem tal lista, mas adverte que é importante que, quando a dita lista for estabelecida, não afete indevidamente a liberdade de os Estados-Membros fixarem taxas reduzidas aplicáveis a certos bens de interesse geral. Além disso, os Estados-Membros devem poder continuar a aplicar taxas reduzidas a bens sujeitos a taxas reduzidas em conformidade com as derrogações vigentes constantes da Diretiva 2006/112/CE em vigor. A lista negativa proposta pela Comissão Europeia (Anexo III-A), deveria, por conseguinte, ter em consideração as regras bem estabelecidas nos Estados-Membros. Em todo o caso, deve ser claro que a taxa reduzida de IVA pode ser mantida para a prestação de serviços com grande intensidade de mão de obra, em especial pelas PME.

3.7

Tendo em conta que o novo regime de IVA proposto pela Comissão visa apoiar as pequenas empresas, permitindo-lhes beneficiar das oportunidades oferecidas pelo mercado único, o CESE considera que os limiares previstos no artigo 284.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a), deveriam ser mais bem articulados com o montante do volume de negócios fixado no artigo 280.o-A, n.o 1. Ou seja, a proposta da Comissão fixa em 85 mil euros o limiar do volume de negócios anual, até ao qual as microempresas podem beneficiar das isenções previstas na proposta de diretiva. O limiar do volume das vendas transfronteiras é de 100 mil euros, o que significa que o regime proposto se aplica sobretudo às microempresas. O CESE considera que os limiares devem ser fixados de modo que as PME possam também ser abrangidas pelo novo regime. Além disso, seria desejável que as medidas destinadas às PME pudessem também ser aplicadas às empresas da economia social, em particular, quando estas prestam serviços sociais e educativos. O CESE estima igualmente que devem ser previstas medidas suplementares para que as PME possam, também elas, beneficiar da redução dos encargos administrativos que, no regime proposto pela Comissão, se aplica apenas às microempresas.

3.8

O CESE considera que, para apoiar o acesso das PME ao mercado interno da UE, os Estados-Membros devem estabelecer uma lista de bens e serviços que beneficiem de taxas reduzidas de IVA, a qual deve ser disponibilizada aos intervenientes económicos em toda a Europa.

3.9

O CESE acolhe favoravelmente as simplificações propostas pela Comissão no que se refere às obrigações em matéria de registo e prestação de informações que incumbem às empresas, considerando que, dessa forma, será possível acelerar o desenvolvimento destas empresas e facilitar o seu acesso ao mercado único.

3.10

Embora concorde com o objetivo da Comissão de que as medidas previstas no pacote em apreço se traduzam em benefícios para o consumidor final, o CESE considera que as taxas reduzidas e as isenções aplicadas nos termos do artigo 98.o, n.os 1 e 2, da proposta de diretiva 2018/0005 (CNS) devem visar prioritariamente a prossecução coerente de um objetivo de interesse geral. Tal objetivo é, por vezes, como no caso dos serviços sociais e educativos, prosseguido por organismos intermédios que não são consumidores finais. Além disso, e a fim de facilitar a todos os cidadãos o acesso à defesa jurídica, é importante prever uma taxa de IVA reduzida para os serviços prestados por advogados às pessoas desfavorecidas no âmbito da defesa jurídica.

3.11

O CESE reconhece que as regulamentações incluídas no segundo pacote não abrangem o domínio do IVA de forma exaustiva. No entanto, o Comité gostaria de chamar a atenção dos Estados-Membros para aspetos importantes do regime do IVA aplicado às organizações e associações no domínio da assistência às pessoas desfavorecidas: na maioria das vezes, elas não podem recuperar montantes significativos devido ao IVA, o que reduz consideravelmente a sua capacidade para prestar assistência às pessoas pertencentes a grupos desfavorecidos.

3.12

A Comissão propõe o ano de 2022 como prazo de transposição da diretiva. O CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros ponderem a possibilidade de fixar um prazo de aplicação mais curto, atendendo a que o novo regime facilitará as atividades das pequenas empresas e aumentará as suas oportunidades no mercado único. Propõe ainda que a Comissão lance, em cooperação com os Estados-Membros, uma ampla campanha de informação nos meios de comunicação social para promover o novo regime do IVA e respetivos requisitos.

3.13

Tendo em conta que, em 2015, o total das perdas dos Estados-Membros no domínio da cobrança do IVA se elevou a 152 mil milhões de euros, o CESE concorda com as medidas propostas pela Comissão na proposta de regulamento relativo à cooperação administrativa. O envolvimento do Eurofisc, do OLAF e da Procuradoria Europeia na investigação de fraudes ao IVA nas transações transfronteiras reforçará a capacidade de identificar fraudes ao nível dos Estados-Membros.

3.14

O CESE recomenda que os Estados-Membros disponibilizem aos organismos responsáveis pela luta contra as infrações em matéria de IVA os recursos humanos, financeiros e logísticos necessários para assegurarem a correta aplicação das disposições do regulamento, tal como proposto pela Comissão. O CESE considera igualmente importante que os Estados-Membros estudem a possibilidade de utilizar mais eficazmente as tecnologias digitais na luta contra a fraude ao IVA e na melhoria do cumprimento espontâneo das regras em vigor.

3.15

O CESE reitera a sua proposta de criar um fórum (5) para o intercâmbio de boas práticas em matéria de cobrança das receitas e a identificação de possibilidades de reforçar a capacidade administrativa dos Estados-Membros no que respeita à luta contra a fraude ao IVA nas transações transfronteiras, e de melhorar o funcionamento do mercado interno. A Comissão deveria criar um fórum deste tipo.

3.16

O CESE assinala que os objetivos ambiciosos definidos pela Comissão neste pacote legislativo só poderão ser alcançados se os Estados-Membros envidarem os esforços necessários para adotar o regime definitivo do IVA num prazo razoável.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2016) 148 final — Plano de ação sobre o IVA — Rumo a um espaço único do IVA na UE — Chegou o momento de decidir.

(2)  COM(2017) 783 final — Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, no que se refere à obrigação de respeitar uma taxa normal mínima.

(3)  COM(2017) 706 final — Proposta alterada de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 904/2010 no que diz respeito às medidas destinadas a reforçar a cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado.

(4)  Para mais informações, consultar http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52014DC0069 e http://europa.eu/rapid/press-release_ECA-11-47_pt.htm

(5)  Ver parecer do CESE, ECO/442 — Pacote Reforma do IVA (I) (ainda não publicado no Jornal Oficial).


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia»

[COM(2017) 797 final — 2017/0355 (COD)]

(2018/C 283/06)

Relator:

Christian BÄUMLER

Correlatora:

Vladimíra DRBALOVÁ

Consulta

Conselho da União Europeia: 10.1.2018

Parlamento Europeu: 18.1.2018

Base jurídica

Artigo 153.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

25.4.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

164/22/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) apoia os esforços da Comissão para tornar as condições de trabalho de todos os trabalhadores, em particular aqueles em formas atípicas de emprego, mais transparentes e previsíveis como passo concreto para aplicar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

1.2.

O CESE lamenta que não tenha sido possível rever e atualizar a Diretiva Declaração Escrita (Diretiva 91/533/CEE) no quadro do diálogo social. Sublinha que os parceiros sociais desempenham um papel específico na regulamentação de condições de trabalho transparentes e previsíveis através do diálogo social e da negociação coletiva, respeitando a diversidade entre os Estados-Membros e as práticas nacionais.

1.3.

O CESE assinala igualmente que o relatório REFIT observa que a Diretiva 91/533/CEE em vigor ainda possui um claro valor acrescentado, alcança o seu propósito, permanece parte importante do acervo e continua a ser pertinente para todas as partes interessadas. Contudo, foram encontradas insuficiências no que respeita à eficácia, ao âmbito de aplicação pessoal da diretiva e à sua execução.

1.4.

Alguns Estados-Membros abordaram os desafios do emprego atípico e adotaram medidas de salvaguarda mediante convenções coletivas, diálogo social ou legislação, a fim de assegurar condições de trabalho justas e oportunidades de transição para carreiras diversificadas no mercado de trabalho, algo que o CESE saúda vivamente. A Comissão deve clarificar que estes tipos de proteção devem ser respeitados, na plena observância da autonomia dos parceiros sociais.

1.5.

O CESE entende os objetivos da proposta da Comissão de uma diretiva relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis, que deverá proteger melhor os trabalhadores, em especial aqueles em formas atípicas de emprego. O CESE sublinha que apenas uma proposta equilibrada, juridicamente sólida, inequívoca e suficientemente fundamentada poderá garantir a convergência necessária e assegurar uma aplicação uniforme no mercado de trabalho europeu das obrigações decorrentes da proposta de diretiva.

1.6.

O CESE reconhece a situação particular das pessoas singulares que agem na qualidade de empregadores e das micro e pequenas empresas, que podem não ter os mesmos recursos disponíveis que as médias e grandes empresas para cumprir as obrigações decorrentes da proposta de diretiva. Por conseguinte, o CESE recomenda que a Comissão Europeia e os Estados-Membros proporcionem apoio e assistência adequados a essas entidades, a fim de as ajudar a cumprir as suas obrigações. A utilização de modelos normalizados e outros modelos, como já previsto na proposta, é um bom exemplo, devendo também ser exploradas outras medidas práticas.

1.7.

A fim de garantir a eficácia dos direitos previstos pelo direito da União, há que atualizar o âmbito de aplicação pessoal da Diretiva Declaração Escrita, de molde a dar resposta à evolução do mercado de trabalho, respeitando simultaneamente as práticas nacionais. Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça da União Europeia estabeleceu na sua jurisprudência critérios para determinar o estatuto de trabalhador, que se afiguram adequados para definir o âmbito de aplicação pessoal da diretiva em apreço. A definição de «trabalhador» assenta nesses critérios, devendo a Comissão considerar emitir orientações para assistir os empregadores no cumprimento das suas obrigações e sensibilizar os trabalhadores, reduzindo, assim, o risco de litígios.

1.8.

O CESE salienta que os Estados-Membros devem poder determinar, no âmbito do diálogo social, quem se insere no âmbito da definição de «trabalhador», mas que tal deve ser interpretado à luz do objetivo da diretiva, que consiste em «promover um emprego mais seguro e previsível, assegurando, ao mesmo tempo, a adaptabilidade do mercado de trabalho e a melhoria das condições de vida e de trabalho». O CESE salienta que os trabalhadores domésticos, os marítimos e os pescadores devem, por conseguinte, ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva. As condições de trabalho dos marítimos já estão regulamentadas em grande medida pelo acordo dos parceiros sociais europeus relativo à Convenção da OIT sobre Trabalho Marítimo de 2006, anexo à Diretiva 2009/13/CE do Conselho.

1.9.

O CESE frisa que o critério de se encontrar «sob a direção de outra pessoa» constante da definição de «trabalhador» pode comprometer a integração dos trabalhadores de plataformas. Recomenda, por conseguinte, mais esclarecimentos, de forma a esses trabalhadores também serem alvo da proteção da diretiva. O CESE estima, porém, que os trabalhadores verdadeiramente por conta própria e independentes que utilizam plataformas devem estar excluídos do âmbito de aplicação da diretiva.

1.10.

O CESE recomenda que o âmbito de aplicação pessoal da diretiva, no que se refere à definição de empregador, seja clarificado, na medida em que atualmente é impreciso.

1.11.

O CESE apoia a versão reformulada da obrigação de informar os trabalhadores sobre as suas condições de trabalho quando uma relação de trabalho tem início ou é alterada, e a clarificação de que tal deve ocorrer, o mais tardar, no início de tal relação ou quando as alterações comecem a produzir efeitos. O CESE reconhece que poderá haver motivos operacionais devidamente justificados para permitir alguma flexibilidade limitada no caso das micro e pequenas empresas, garantindo ao mesmo tempo que os trabalhadores são informados sobre as respetivas condições de trabalho o mais breve possível depois do início da relação de trabalho.

1.12.

O CESE assinala que a proposta permite aos parceiros sociais celebrarem convenções coletivas que não observem os requisitos mínimos em matéria de condições de trabalho. O CESE está de acordo desde que os objetivos da diretiva sejam cumpridos e que o nível geral de proteção dos trabalhadores seja aceitável e não seja reduzido.

1.13.

O CESE considera que o trabalho ocasional não pode ser mantido como forma de emprego sem um período de referência e um aviso prévio apropriados. O CESE recomenda que os contratos de trabalho que prevejam trabalho ocasional garantam um determinado número de horas ou o pagamento correspondente.

1.14.

O CESE apoia as disposições relativas aos requisitos mínimos em matéria de condições de trabalho, nomeadamente no que se refere ao limite para a duração do período experimental, às restrições à proibição de emprego em paralelo, à previsibilidade mínima do trabalho, à transição para outra forma de emprego quando disponível e à disponibilização sem custos de formação aos trabalhadores para o desempenho das suas funções. O CESE recomenda, porém, que sejam clarificados certos aspetos e que a responsabilidade incumba ao nível nacional, de acordo com as práticas nacionais jurídicas e de diálogo social.

1.15.

O CESE considera que, para a aplicação eficaz da diretiva, é oportuno os trabalhadores serem protegidos contra o despedimento, ou outras medidas de efeito equivalente, por terem exercido os direitos estabelecidos na diretiva. Nessas circunstâncias, é aceitável que o empregador possa ser obrigado, a pedido do trabalhador, a apresentar por escrito os motivos devidamente substanciados para esse despedimento.

1.16.

A proposta fornece instrumentos para sancionar o incumprimento das obrigações de informação constantes da diretiva. O CESE chamou a atenção para esta lacuna num parecer anterior e apelou à respetiva retificação. O CESE entende que as sanções, sempre que se justifiquem, devem corresponder ao grau de prejuízos sofridos pelo trabalhador. O CESE saúda o disposto no artigo 14.o, primeiro parágrafo, que concede aos empregadores 15 dias para completarem as informações em falta.

1.17.

A proposta define normas mínimas para a convergência, sendo importante que os trabalhadores que atualmente gozam de direitos materiais melhores não temam uma diminuição dos seus direitos atuais quando a diretiva for executada. Por conseguinte, o CESE apoia a referência explícita à cláusula de não regressão na proposta. No entanto, o CESE recomenda que, além de assegurar que o nível de proteção geral não é reduzido, a diretiva deve também afirmar de forma explícita que as condições nos diferentes domínios abrangidos pela diretiva não podem piorar.

2.   Contexto da proposta

2.1.

A proposta de diretiva relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia [2017/0355 (COD)] visa substituir a atual Diretiva 91/533/CEE do Conselho, de 14 de outubro de 1991, relativa à obrigação de a entidade patronal informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho (Diretiva Declaração Escrita). Deve igualmente complementar outras diretivas da UE em vigor.

2.2.

A proposta tem como base jurídica o artigo 153.o, n.o 2, alínea b), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e assenta na avaliação REFIT do direito da UE em vigor. O relatório REFIT observa que a Diretiva Declaração Escrita representa um claro valor acrescentado, alcança o seu propósito, permanece um elemento importante do acervo e continua a ser pertinente para todas as partes interessadas. Contudo, foram encontradas insuficiências no que respeita à eficácia, ao âmbito de aplicação pessoal da diretiva e à sua execução.

2.3.

O custo da emissão de uma declaração escrita, nova ou revista, deverá ser de 18 a 153 euros para as PME e 10 a 45 euros para as empresas de maior dimensão. As empresas terão também custos pontuais relacionados com a familiarização com a nova diretiva: em média, 53 euros para as PME e 39 euros para as empresas de maior dimensão. Os custos decorrentes da obrigação de dar resposta aos pedidos de transição para uma nova forma de emprego deverão ser semelhantes aos relativos à emissão de uma nova declaração escrita.

2.4.

Os empregadores antecipam alguns custos indiretos pouco significativos (consultoria jurídica, revisão dos sistemas de programação, tempo de gestão de RH, informação do pessoal, etc.). Em termos de flexibilidade, as perdas serão mínimas (i.e., para a pequena percentagem de empregadores que fazem uso extensivo das formas mais flexíveis de emprego).

2.5.

Em 26 de abril e 21 de setembro de 2017, a Comissão lançou duas fases de uma consulta aos parceiros sociais europeus sobre a possível orientação e os conteúdos da ação da União, conforme previsto no artigo 154.o do TFUE. Os parceiros sociais manifestaram posições heterogéneas no que respeita à necessidade de medidas legislativas para rever a Diretiva 91/533/CEE. O CESE sublinha que, conforme já referido num parecer anterior, devem ser negociadas condições de trabalho transparentes e previsíveis, sobretudo pelos parceiros sociais no quadro do diálogo social (1) e lamenta que os parceiros sociais não tenham chegado a um consenso no sentido de encetar negociações diretas com vista à conclusão de um acordo a nível da União.

2.6.

A Comissão frisa que o mundo do trabalho evoluiu significativamente desde a adoção da Diretiva 91/533/CEE (a seguir designada «Diretiva Declaração Escrita») relativa à obrigação de a entidade patronal informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho. Nos últimos 25 anos, assistiu-se a uma crescente flexibilização do mercado de trabalho. Em 2016, as formas «atípicas» de emprego foram objeto de um quarto de todos os contratos de trabalho e, nos últimos dez anos, mais de metade dos postos de trabalho criados revestiu uma natureza não convencional. Também a digitalização tem facilitado a emergência de novas formas de emprego.

2.7.

A Comissão observa na proposta que a flexibilidade gerada pelas novas formas de emprego tem sido um importante motor de criação de emprego e de crescimento do mercado de trabalho. Desde 2014, foram criados mais de cinco milhões de postos de trabalho, quase 20 % dos quais em novas formas de emprego.

2.8.

Ainda assim, a Comissão também reconheceu que estas tendências provocaram instabilidade e uma crescente falta de previsibilidade em algumas relações de trabalho. É particularmente o caso dos trabalhadores mais expostos a situações precárias. Entre 4 e 6 milhões de pessoas exercem uma atividade ao abrigo de contratos de trabalho ocasional e intermitente, em muitos casos com indicações pouco claras de quando irão trabalhar e por quanto tempo. Cerca de um milhão desses trabalhadores está vinculado a cláusulas de exclusividade que os impedem de trabalhar para outro empregador. Por outro lado, o Sexto Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho (2015) concluiu que 80 % dos trabalhadores da UE-28 estão satisfeitos com as suas condições de trabalho.

2.9.

Alguns Estados-Membros abordaram os desafios do emprego atípico e adotaram medidas de salvaguarda mediante convenções coletivas, diálogo social ou legislação, a fim de assegurar condições de trabalho justas e oportunidades de transição para carreiras diversificadas no mercado de trabalho, algo que o CESE saúda vivamente. A Comissão deve definir nos considerandos que certas formas de proteção, por exemplo as previstas na Bélgica e na Suécia, devem ser respeitadas. Na Bélgica, por exemplo, o sistema de empregos complementares em vários setores baseia-se no princípio de que os trabalhadores já têm outro emprego principal.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE também encorajou os Estados-Membros e a UE, nos seus pareceres sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (2), a estabelecerem e manterem um quadro regulamentar que promova a adaptabilidade, que seja simples, transparente e previsível, que reforce e preserve os direitos dos trabalhadores e o Estado de direito, e através do qual a UE possa promover um quadro jurídico estável para a negociação coletiva e o diálogo social na aplicação da flexigurança. No seu primeiro parecer sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (3), o CESE salientou que as condições dos mercados de trabalho têm de apoiar carreiras novas e mais diversificadas. São necessárias, no âmbito da vida profissional, formas diferentes de criação de emprego e formas diferentes de trabalho. Tal requer um enquadramento legislativo adequado em matéria de proteção no emprego, que preveja condições de trabalho equitativas e estimule o recrutamento ao abrigo de todo o tipo de contratos de trabalho.

3.2.

O CESE salienta que o emprego atípico pode ter um impacto significativo nos indivíduos e na sociedade. O trabalho precário pode, por exemplo, entrar em conflito com a constituição de família, a aquisição de casa e outros projetos pessoais. Cabe recordar que os jovens, as mulheres e as pessoas com antecedentes migratórios são especialmente afetados por essas formas de trabalho. A baixa remuneração muitas vezes associada ao emprego atípico pode, em alguns casos, exigir prestações sociais adicionais e, além disso, ter um impacto negativo no direito à pensão e no respetivo montante.

3.3.

O CESE apoia a Comissão no tocante ao objetivo de assegurar que os mercados de trabalho inovadores e dinâmicos que constituem a base da competitividade da UE sejam enquadrados de forma a proporcionar uma proteção básica a todos os trabalhadores e ganhos de produtividade a mais longo prazo para os empregadores, bem como permitir a convergência no sentido de melhores condições de vida e de trabalho em toda a UE. O CESE sublinha que apenas uma proposta equilibrada e juridicamente sólida, inequívoca e suficientemente fundamentada poderá garantir a convergência necessária e assegurar uma aplicação uniforme no mercado de trabalho europeu das obrigações decorrentes do ramo do direito do trabalho atualmente em debate.

3.4.

A Comissão realça que o quadro normativo em toda a UE se tornou cada vez mais complexo, o que, de acordo com a Comissão, comporta o risco acrescido de concorrência assente numa deterioração das normas sociais, com consequências nefastas tanto para os empregadores, que ficam sujeitos a pressões concorrenciais insustentáveis, como para os Estados-Membros, que perdem receitas fiscais e contribuições para a segurança social. O CESE apoia o objetivo da Comissão de fixar requisitos mínimos para os trabalhadores atípicos, no respeito dos sistemas jurídicos e de diálogo social nacionais, protegendo em particular os trabalhadores que não estão abrangidos pelas convenções coletivas.

3.5.

O CESE considera a proposta como uma das iniciativas fundamentais da Comissão para dar seguimento ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais, proclamado conjuntamente pelo Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão na Cimeira Social para o Emprego Justo e o Crescimento, realizada em Gotemburgo em 17 de novembro de 2017. O pilar serve para orientar o processo renovado de convergência ascendente das normas sociais no contexto das realidades em mutação no mundo do trabalho. A diretiva deve ajudar a aplicar os princípios do pilar relativos ao «Emprego seguro e adaptável» e à «Informação sobre as condições de emprego e proteção em caso de despedimento». Existem perspetivas diferentes sobre o modo de aplicar estes princípios da forma mais eficaz. Alguns consideram que a proposta da Comissão constitui um passo considerável na direção certa, ao passo que outros entendem que vai além do que é necessário.

3.6.

No entanto, o CESE realça que o diálogo social e a negociação coletiva devem continuar a ser as ferramentas mais importantes para definir condições de trabalho transparentes, previsíveis e dignas, e que a Comissão Europeia deve ter o cuidado de não interferir ou impedir o diálogo social e a negociação coletiva.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Âmbito de aplicação e definições

4.1.1.

Ao abrigo do artigo 1.o, n.o 2, os direitos mínimos consagrados na diretiva aplicam-se a todos os trabalhadores da União. A fim de garantir a eficácia dos direitos previstos pelo direito da União, há que atualizar o âmbito de aplicação pessoal da Diretiva Declaração Escrita, de molde a dar resposta à evolução do mercado de trabalho, respeitando simultaneamente as práticas nacionais. Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) estabeleceu na sua jurisprudência critérios para determinar o estatuto de trabalhador, que se afiguram adequados para definir o âmbito de aplicação pessoal da diretiva em apreço. A definição de «trabalhador» constante do artigo 2.o, n.o 1, assenta nesses critérios, que asseguram uma aplicação uniforme do âmbito de aplicação pessoal da diretiva, deixando às autoridades e aos tribunais nacionais a sua aplicação a situações específicas. Desde que preencham esses critérios, os trabalhadores domésticos, os trabalhadores ocasionais, os trabalhadores intermitentes, os trabalhadores por cheque-serviço, os trabalhadores de plataformas, os estagiários e os aprendizes podem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva em apreço.

4.1.2.

O CESE frisa que o critério de se encontrar sob a direção de outra pessoa pode comprometer a integração dos trabalhadores de plataformas. Por conseguinte, deve especificar-se nos considerandos que os algoritmos podem ser vinculativos para os trabalhadores da mesma forma que o são as instruções orais ou escritas. Os trabalhadores verdadeiramente por conta própria que utilizam plataformas devem estar excluídos do âmbito de aplicação da diretiva.

4.1.3.

O CESE salienta que os Estados-Membros e os parceiros sociais devem poder determinar, no âmbito do diálogo social, quem se insere no âmbito da definição de «trabalhador», mas tal deve ser interpretado à luz do objetivo geral da diretiva, que é melhorar as condições de trabalho, promovendo um emprego mais seguro e previsível, assegurando simultaneamente a adaptabilidade do mercado de trabalho. O TJUE realçou (por exemplo, no processo C-393/10 — O’Brien) que os Estados-Membros não podem aplicar uma legislação suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos prosseguidos por uma diretiva e, por isso, privá-la do seu efeito útil.

4.1.4.

O CESE teme que a definição exata de empregador constante da proposta possa conduzir a confusão e complexidade. Ao definir empregador como «uma ou mais pessoas singulares ou coletivas que são direta ou indiretamente parte numa relação de trabalho com um trabalhador», a proposta introduz um novo conceito para definir as entidades empregadoras. Normalmente, apenas existe um empregador numa determinada relação de trabalho. Neste contexto, cabe remeter para a legislação nacional aplicável.

4.1.5.

O CESE sublinha que a exceção prevista no artigo 1.o, n.o 6, pode originar uma desigualdade de tratamento injustificada dos trabalhadores domésticos, no que respeita ao acesso a melhores formas de trabalho, mais formação e ao exercício dos seus direitos. Esta diferença de tratamento é infundada e de facto proibida, uma vez que vários países da UE já ratificaram a Convenção n.o 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as condições de trabalho dos trabalhadores domésticos e, por conseguinte, estão vinculados pela mesma.

4.1.6.

O CESE congratula-se com o facto de o artigo 1.o, n.o 7, da diretiva se aplicar aos marítimos e aos pescadores. No que diz respeito às condições de trabalho dos marítimos, regulamentadas pela Diretiva 2009/13/CE do Conselho, o CESE considera que importa analisar a compatibilidade da proposta de diretiva com as especificidades das profissões marítimas.

4.2.   Obrigação de informação

4.2.1.

O CESE apoia o facto de, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da proposta, os trabalhadores deverem ser informados das condições de trabalho importantes no início da relação de trabalho. Trata-se da única forma de assegurar que ambas as partes têm conhecimento dos seus direitos e obrigações quando iniciam uma relação de trabalho. Fornecer informações numa fase mais tardia apenas prejudica os trabalhadores e, no caso de trabalho de curta duração, estes perdem toda a proteção a que têm direito. Não obstante, o CESE reconhece que podem existir circunstâncias excecionais, que podem impedir as micro e pequenas empresas de conseguir fornecer as informações no primeiro dia. O CESE recomenda que seja concedida uma pequena prorrogação do prazo para a prestação de informação, no que se refere às micro e pequenas empresas. Reconhece também que um pacote de informações alargado pode ser oneroso para as empresas, em particular as micro e pequenas empresas. O CESE considera, por conseguinte, que se deve prestar assistência e apoio às pessoas singulares e às micro e pequenas empresas, nomeadamente por associações de PME, para as auxiliar a cumprir as suas obrigações ao abrigo da diretiva.

4.2.2.

A proposta prevê, no artigo 4.o, n.o 1, que o documento com as informações sobre a relação de trabalho pode ser transmitido por via eletrónica desde que seja facilmente acessível ao trabalhador. O CESE entende, todavia, que é importante assegurar que a notificação é efetivamente realizada. Recomenda que os empregadores e trabalhadores tenham a possibilidade de acordar as modalidades de envio do documento e que, seja como for, a notificação só seja considerada concluída quando o trabalhador acusar a receção.

4.2.3.

O CESE concorda que a informação relativa às alterações a condições de trabalho fundamentais deve ser facultada o mais rapidamente possível e, o mais tardar, quando as alterações começam a produzir efeitos. Desta forma, colmata-se a principal lacuna da Diretiva Declaração Escrita em vigor, segundo a qual as alterações apenas têm de ser notificadas por escrito um mês após produzirem efeitos (artigo 5.o, n.o 1). Para evitar o excesso de encargos administrativos, deve estipular-se que as alterações resultantes de modificações de requisitos jurídicos e administrativos vigentes ou de convenções coletivas não têm de ser notificadas individualmente pela empresa, uma vez que em muitos Estados-Membros estas alterações são comunicadas pelos legisladores e pelos parceiros sociais.

4.2.4.

O artigo 6.o, n.o 1, corresponde, em grande medida, a disposições existentes (artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Declaração Escrita). O CESE assinala as informações mais pormenorizadas [agora na alínea c)] sobre prestações em espécie e pecuniárias.

4.2.5.

O CESE acolhe favoravelmente a obrigação prevista no artigo 6.o, n.o 2, de prestar mais informações aos trabalhadores destacados. Recomenda que seja clarificado que estas disposições acrescem às já existentes — ou seja, que estas informações devem ser fornecidas além das previstas nos artigos 6.o, n.o 1, e 3.o, n.o 2. Não é claro em que momento a Diretiva 96/71/CE revista entrará em vigor; no entanto, o CESE salienta que as disposições da diretiva em apreço devem ser coerentes com o acordo final da revisão da Diretiva Destacamento de Trabalhadores.

4.2.6.

O CESE observa que remeter para o sítio Web a criar em todos os Estados-Membros (por força do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva de Execução 2014/67/UE) não respeita de forma adequada o requisito de prestação de informações. Isto porque presume que todos os Estados-Membros cumpriram cabalmente a sua obrigação prevista na diretiva de execução e que os trabalhadores destacados conseguem compreender a informação em termos de conteúdo e linguagem. Tendo em conta que muitos países, entre eles a Alemanha, não cumpriram satisfatoriamente a obrigação prevista no artigo 5.o da Diretiva 2014/67/CE, não obstante ter expirado o prazo para a execução, o remetimento não tem qualquer utilidade se os sítios Web apenas fornecerem informações muito gerais e não o fizerem nas línguas pertinentes.

4.2.7.

O CESE frisa que a mera referência às disposições em vigor, conforme consta do artigo 6.o, n.o 3, não é suficiente para satisfazer os requisitos de informação adequada aos trabalhadores estrangeiros, se as disposições em causa não estiverem acessíveis numa língua que consigam compreender. Os trabalhadores estrangeiros devem ser informados diretamente e não remetidos para disposições que não compreendem, especialmente no que respeita à remuneração prevista no estrangeiro.

4.2.8.

O artigo 6.o, n.o 4, estabelece uma exceção à obrigação de informação para os trabalhadores no estrangeiro cujo período de trabalho não exceda quatro semanas consecutivas. O CESE receia que tal possa criar uma lacuna que permita contornar as obrigações de informação e recomenda a realização oportuna de uma avaliação da referida exceção.

4.3.   Requisitos mínimos relativos às condições de trabalho

4.3.1.

O CESE concorda com o objetivo da Comissão de que o disposto no artigo 7.o, n.o 1, deve servir para introduzir normas mínimas uniformes relativas à duração do período experimental. Esta disposição, tal como a exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, existe no interesse dos empregadores e dos trabalhadores. O período experimental permite ao empregador comprovar que o trabalhador é adequado para o cargo para o qual foi contratado, proporcionando-lhe ao mesmo tempo apoio e formação. Este período pode estar associado a uma proteção inferior contra o despedimento. Qualquer entrada no mercado de trabalho ou transição para uma nova função não deve implicar um longo período de insegurança. Conforme estabelecido no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, os períodos experimentais devem, por conseguinte, ter uma duração razoável. O CESE sublinha que o artigo 7.o, n.o 2, permitiria aos Estados-Membros prever períodos experimentais mais longos, nos casos em que tal se justifique pela natureza da relação de trabalho, o que pode ser o caso, por exemplo, da administração pública de alguns Estados-Membros ou de postos de trabalho que exijam competências excecionais.

4.3.2.

O CESE concorda com o previsto no artigo 8.o, n.o 1, no sentido de que os empregadores não podem proibir os trabalhadores de aceitarem um emprego junto de outros empregadores, fora do horário de trabalho estabelecido com os primeiros, dentro dos limites definidos na Diretiva Tempo de Trabalho, que visa proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores. Todavia, o CESE salienta que um direito tão amplo relativo ao emprego paralelo deve respeitar as normas, práticas e tradições nacionais em matéria de diálogo social e de parcerias sociais nos diferentes Estados-Membros. Um direito tão amplo pode ser problemático, nomeadamente no que se refere a trabalhadores fundamentais para o empregador, pois não podem estar disponíveis para vários empregadores ao mesmo tempo. No que tange à Diretiva Tempo de Trabalho, também existem preocupações de que os empregadores possam ser responsáveis pela fiscalização do tempo de trabalho de pessoas com empregos paralelos. O CESE recomenda que se esclareça que o empregador não é responsável por fiscalizar o tempo de trabalho noutra relação de trabalho.

4.3.3.

Nos termos do artigo 8.o, n.o 2, os empregadores podem estabelecer condições de incompatibilidade quando tais restrições se justifiquem por razões legítimas, como a proteção de segredos comerciais ou a necessidade de evitar conflitos de interesses. No considerando 20, a Comissão refere-se a categorias específicas de empregadores. Os empregadores podem, em princípio, apoiar o artigo 8.o, n.o 2, mas consideram que limitar as restrições ao trabalho para categorias específicas de empregadores não parece permitir as restrições necessárias, em particular para os trabalhadores fundamentais, independentemente da categoria de empregador para a qual os mesmos gostariam de trabalhar. No entanto, os sindicatos opõem-se a esta exceção ampla, pois daria aos empregadores o direito unilateral de estabelecer os critérios de incompatibilidade que limitam o emprego paralelo. Nos casos em que o empregador possa ter razões legítimas para aplicar este tipo de restrições, este deve conseguir apresentar uma justificação objetiva e, por conseguinte, devem ser os legisladores e tribunais dos Estados-Membros os principais responsáveis por dirimir os conflitos de interesses das partes.

4.3.4.

O CESE partilha do objetivo constante da proposta de melhorar a previsibilidade do trabalho ocasional. Esta previsibilidade pode ser melhorada através de restrições aos tempos de trabalho efetivos, tendo como referência um quadro estabelecido com antecedência e mediante aviso prévio dos referidos tempos de trabalho, conforme consta do artigo 9.o. Os trabalhadores cujo horário de trabalho seja maioritariamente variável devem beneficiar de um mínimo de previsibilidade do trabalho, nos casos em que o horário de trabalho exija diretamente — por exemplo, mediante a atribuição de um trabalho específico — ou indiretamente — exigindo que o trabalhador responda a pedidos de clientes — que os trabalhadores sejam flexíveis. Ainda assim, será necessário esclarecer o que se entende por um período de aviso prévio razoável para o trabalhador relativamente ao trabalho a realizar nos dias seguintes e quem deve decidir quais os períodos de aviso prévio considerados razoáveis para os vários setores de atividade. Os regimes variam em função dos setores.

4.3.5.

O CESE frisa que a diretiva não fornece aos Estados-Membros qualquer orientação qualitativa sobre o quadro de referência e o aviso prévio. Não é impossível que períodos de referência e de aviso prévio definidos de forma abrangente possam estar em conformidade com a diretiva, apesar de não melhorarem a previsibilidade do trabalho para os trabalhadores. Além disso, os períodos de referência podem ser impostos unilateralmente pelo empregador, sem que os trabalhadores tenham o mesmo direito, o que perpetua o atual desequilíbrio.

4.3.6.

O CESE reconhece que o trabalho ocasional implica uma flexibilidade que limita a previsibilidade da vida quotidiana do trabalhador. A instabilidade e a incerteza do rendimento do trabalho ocasional podem causar problemas graves aos trabalhadores. O CESE considera que o trabalho ocasional não pode ser mantido como forma de emprego sem que se estabeleça um período de referência e um aviso prévio adequados para o trabalhador. O CESE recomenda que os contratos de trabalho que prevejam trabalho ocasional garantam um determinado número de horas ou o pagamento correspondente.

4.3.7.

Em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, após um período de trabalho de seis meses, os trabalhadores devem poder solicitar ao empregador a transição para uma forma de emprego com condições de trabalho mais previsíveis e seguras. O CESE congratula-se com o facto de esta disposição abranger todas as categorias de trabalhadores em formas de trabalho atípicas ou precárias. Manifesta preocupação pela ausência de uma disposição que preveja um direito de cumprimento obrigatório no que se refere à transição para outras formas de emprego, nos casos em que houver disponibilidade para tal. Por conseguinte, o direito a apresentar um pedido não representa em si mesmo uma melhoria significativa na situação jurídica dos trabalhadores, uma vez que já podiam manifestar a sua vontade de serem promovidos, de terem um contrato sem termo, etc. No entanto, as medidas políticas de apoio a esse objetivo devem ser eficientes e proporcionadas e não devem constituir encargos administrativos desnecessários para as empresas.

4.3.8.

O CESE considera que os requisitos previstos no artigo 10.o, n.o 2, relativamente à resposta por escrito do empregador, devem ser ampliados. Os empregadores devem apresentar razões comerciais objetivas para a recusa do pedido, a fim de que, nos casos em que o trabalhador entenda existirem outros motivos, a recusa possa ser objeto de análise independente pelos tribunais ou de acordo com as práticas nacionais. Trata-se da única forma de garantir que os empregadores analisam seriamente os pedidos dos trabalhadores, em vez de darem apenas uma resposta arbitrária para cumprir uma formalidade.

4.3.9.

O CESE observa que a Comissão reconhece a situação específica das pessoas singulares que agem na qualidade de empregadores e das micro e pequenas empresas na derrogação aos requisitos de justificação por escrito, previstos no artigo 10.o, n.o 2. Contudo, chama a atenção para o facto de a redação atual abranger todas as empresas com 249 trabalhadores ou menos e com um volume de negócios anual de até 50 milhões de euros, o que perfaz quase 99 % de todas as empresas da UE. O âmbito desta derrogação deve, por conseguinte, ser reconsiderado.

4.3.10.

O CESE considera que a diretiva deve criar oportunidades reais para os trabalhadores em empregos atípicos mudarem para formas de emprego mais convencionais apropriadas às suas qualificações. Tal requer direitos mínimos para os trabalhadores temporários mudarem para contratos de trabalho sem termo ou passarem de trabalho a tempo parcial para trabalho a tempo inteiro, se existirem vagas na empresa e se o trabalhador possuir as competências ou qualificações necessárias.

4.3.11.

O CESE congratula-se com a disposição constante do artigo 11.o, segundo a qual nos casos em que os empregadores sejam obrigados pela legislação da União, pela legislação nacional ou por convenções coletivas relevantes a facultar formação aos trabalhadores para o desempenho das funções para as quais foram contratados, essa formação deve ser disponibilizada sem custos para o trabalhador. No que se refere a eventuais «cláusulas de reembolso» no caso de o trabalhador se demitir pouco tempo após ter seguido uma formação que ultrapasse os requisitos legais e conduza a um nível de qualificação mais elevado, o CESE considera que tais cláusulas devem ser devidamente fundamentadas caso a caso e, se oportuno, negociadas com os parceiros sociais, e que devem, em qualquer caso, respeitar o princípio da proporcionalidade e ser aplicadas de forma regressiva (ou seja, com um risco de reembolso decrescente em função da duração do emprego).

4.3.12.

O CESE acolhe favoravelmente o facto de o artigo 12.o prever que as normas mínimas estabelecidas nos artigos 7.o a 11.o possam ser alteradas por convenções coletivas, contanto que os direitos dos trabalhadores se mantenham num nível adequado nas referidas convenções e que a proteção geral dos trabalhadores seja mantida. É de salientar que devem ser negociadas condições de trabalho transparentes e previsíveis, sobretudo pelos parceiros sociais no quadro do diálogo social.

4.4.   Outras disposições

4.4.1.

O CESE sublinha que o artigo 13.o exige que os Estados-Membros assegurem o respeito pela diretiva e declarem nulas e sem efeito ou alterem as disposições a ela contrárias que constem de acordos individuais ou coletivos, a fim de as tornar conformes com as disposições da diretiva. As consequências da introdução da disposição relativa à anulação e à correspondente conformidade com a diretiva nos Estados-Membros devem ser analisadas cuidadosamente, nomeadamente à luz do artigo 12.o. O papel dos parceiros sociais na garantia do cumprimento deve ser incentivado e respeitado.

4.4.2.

O artigo 14.o da proposta fornece instrumentos para sancionar as violações às obrigações de informação constantes da diretiva. O CESE chamou a atenção para esta lacuna num parecer anterior e apelou à respetiva retificação (4). O CESE entende que as sanções, sempre que se justifiquem, devem corresponder ao grau de prejuízos sofridos por um trabalhador. Tal poderia evitar litígios até mesmo por pequenas violações técnicas da diretiva. O CESE saúda o disposto no artigo 14.o, alínea b), que concede aos empregadores 15 dias para completarem as informações em falta.

4.4.3.

O CESE considera positiva a exigência imposta aos Estados-Membros no artigo 15.o, de garantirem que os trabalhadores têm acesso a mecanismos eficazes e imparciais de resolução de litígios e direito a vias de recurso, incluindo indemnizações adequadas, em caso de violação dos direitos decorrentes da diretiva em apreço.

4.4.4.

O CESE apoia os mecanismos previstos no artigo 16.o, que dão uma forma concreta à proibição geral de tratamento desfavorável. Tais mecanismos que os Estados-Membros aplicariam, além de constituírem uma proibição expressa de discriminação, são um sinal para os profissionais da justiça e, como tal, funcionam como medida preventiva.

4.4.5.

O CESE regista a proteção contra o despedimento prevista no artigo 17.o e o respetivo ónus da prova. O artigo 17.o, n.o 1, estipula que os Estados-Membros devem proibir o despedimento ou medida equivalente, bem como qualquer ação preparatória de despedimento, pelo facto de os trabalhadores terem exercido os direitos que a diretiva lhes confere. Em combinação com o artigo 17.o, n.o 2, ao abrigo do qual os trabalhadores que considerem ter sido despedidos por terem exercido os direitos conferidos pela diretiva podem exigir ao empregador que apresente motivos devidamente substanciados, trata-se de uma ferramenta útil para o exercício dos direitos decorrentes da diretiva em apreço. A abordagem prevista no artigo 17.o, n.o 3 — segundo a qual incumbe ao empregador provar que o despedimento teve por base outros motivos que não a discriminação do trabalhador — vai na direção certa, mas há algumas questões no que se refere à base jurídica que devem ser esclarecidas. Importa deixar claro que despedimentos ou medidas equivalentes não são válidos por os trabalhadores terem exercido os direitos estabelecidos na diretiva.

4.4.6.

O CESE subscreve as obrigações dos Estados-Membros, previstas no artigo 18.o, no sentido de estabelecer sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas pelas infrações às disposições nacionais de execução.

4.4.7.

O CESE acolhe com satisfação as disposições expressas do artigo 19.o que proíbem a redução do nível geral de proteção previsto na legislação existente, que já constam da Diretiva Declaração Escrita (artigo 7.o), o que é indispensável sempre que as normas em matéria de direitos substantivos sejam mais favoráveis. No entanto, o n.o 1 deve ser clarificado para assegurar que, aquando da execução, não só o nível geral de proteção não pode ser reduzido, como também não é permitida qualquer degradação dos domínios regidos pela diretiva (especialmente no que se refere aos domínios específicos por ela abrangidos).

4.4.8.

O CESE congratula-se com o facto de, ao abrigo do artigo 21.o, os direitos e obrigações decorrentes da diretiva também se aplicarem às condições de trabalho existentes. Esta situação é justa e necessária, tendo em conta a melhoria da situação jurídica que a diretiva visa concretizar. Reconhece, no entanto, que pode comportar custos e alguns encargos adicionais para as empresas. Devem ser tomadas medidas para apoiar as pessoas singulares que agem na qualidade de empregadores e as empresas, especialmente as micro e pequenas empresas, no cumprimento das suas obrigações decorrentes da diretiva.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 30.

(2)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10; JO C 81 de 2.3.2018, p. 145.

(3)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10.

(4)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/48


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um quadro para a interoperabilidade entre os sistemas de informação da UE (fronteiras e vistos) e que altera a Decisão 2004/512/CE do Conselho, o Regulamento (CE) n.o 767/2008, a Decisão 2008/633/JAI do Conselho, o Regulamento (UE) 2016/399 e o Regulamento (UE) 2017/2226»

[COM(2017) 793 final — 2017/0351 (COD)]

e sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um quadro para a interoperabilidade entre os sistemas de informação da UE (cooperação policial e judiciária, asilo e migração)»

[COM(2017) 794 final — 2017/0352 (COD)]

(2018/C 283/07)

Relatora:

Laure BATUT

Consulta

Comissão Europeia, 18.1.2018

Parlamento Europeu, 28.2.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

25.4.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

160/3/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera útil e positiva a proposta da Comissão Europeia de melhorar a interoperabilidade dos sistemas de informação da UE, tanto no que respeita a fronteiras e vistos como à cooperação policial e judiciária, asilo e migração.

1.2.

O CESE considera que esta interoperabilidade deve ser um objetivo estratégico da UE para que esta continue a ser um espaço aberto e de salvaguarda dos direitos fundamentais e da mobilidade. A UE e os Estados-Membros têm a obrigação de proteger a vida e a segurança de todos os seres humanos; o princípio da não repulsão deve ser plenamente respeitado.

1.3.

As medidas que visam a interoperabilidade serão mais bem entendidas se:

garantirem, no quadro da estratégia da UE para a migração, as condições de equilíbrio entre liberdade e segurança no respeito da separação de poderes;

garantirem os direitos fundamentais das pessoas em causa, em especial a segurança dos seus dados pessoais e da sua vida privada, e o direito de acesso, de retificação e de apagamento dos seus dados, num prazo razoável e através de procedimentos acessíveis;

reafirmarem, nomeadamente em todos os atos de execução, o requisito de integração dos princípios da proteção de dados desde a conceção;

não criarem novos obstáculos à circulação normal de passageiros e de mercadorias.

1.4.

O CESE solicita procedimentos e garantias no que se refere à utilização dos dados para efeitos de aplicação da lei, que:

prevejam a aplicação da lei europeia que oferece maior proteção (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados — RGPD);

permitam acelerar o processo de identificação do Estado-Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional;

garantam às pessoas em causa o direito a um duplo grau de jurisdição;

garantam aos menores, em particular os não acompanhados, independentemente de se encontrarem em situação irregular, de serem alvo de perseguição ou de terem cometido uma infração criminal, o direito de obter um visto e de serem protegidos e integrados, bem como o direito a «serem esquecidos» num prazo mais curto do que o aplicável aos adultos.

1.5.

O CESE considera que a atual base jurídica dos sistemas de informação deve ser reforçada e ter em conta a evolução dos sistemas de recolha de dados. Nesse sentido, preconiza:

o reforço da segurança das bases de dados existentes e dos respetivos canais de comunicação;

a avaliação do impacto do reforço do controlo a priori na gestão dos riscos;

um controlo e uma avaliação permanente da arquitetura pelas autoridades de proteção de dados (Autoridade Europeia para a Proteção de Dados — AEPD), exigindo que as entidades responsáveis apresentem às autoridades de decisão e à Comissão relatórios anuais sobre a segurança dos componentes de interoperabilidade, bem como relatórios bianuais sobre o impacto das medidas nos direitos fundamentais.

1.6.

O CESE considera que o projeto se deve apoiar em pessoal competente, sendo, para tanto, necessário haver:

programas de formação sólidos para as autoridades em causa e os agentes da Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA);

um controlo rigoroso das competências dos agentes e candidatos a agentes desta agência.

1.7.

O CESE manifesta-se apreensivo quanto ao financiamento do novo sistema. O acompanhamento da planificação será crucial para evitar a derrapagem dos orçamentos e concluir o projeto até 2029.

1.8.

O CESE recomenda que os cidadãos sejam informados sobre as várias etapas do projeto até à sua conclusão e que as pessoas recebam informação pedagógica sobre os controlos a que são submetidas. Considera que se deve prever a possibilidade de interromper o processo caso a liberdade e os direitos fundamentais sejam prejudicados por uma utilização abusiva do sistema.

2.   Introdução

2.1.

No contexto internacional de 2017, que foi um ano considerado instável tanto a nível geopolítico, como a nível da segurança interna dos Estados-Membros, o Conselho instou por diversas vezes a Comissão a providenciar os meios necessários para o rastreamento de pessoas consideradas «em risco» que já tenham sido objeto de registo num dos Estados-Membros. A identificação das suas passagens nas fronteiras, das suas viagens e dos seus itinerários na Europa poderá ser crucial para a segurança no território da União.

2.2.

Na sua resolução de 6 de julho de 2016, o Parlamento Europeu instou a Comissão Europeia a fornecer as salvaguardas necessárias em matéria de proteção de dados.

2.3.

As propostas em apreço inscrevem-se no objetivo de preservar e reforçar Schengen (1). A União já se muniu de diversos instrumentos regulamentares e serviços digitalizados de informação nos domínios relacionados com o controlo da passagem de pessoas e de mercadorias nas fronteiras.

2.4.

Importa recordá-los:

SIS: Sistema de informação Schengen — é um dos mecanismos mais antigos, tendo já sido revisto, que gera uma grande diversidade de alertas sobre pessoas e mercadorias;

Sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais de requerentes de asilo e nacionais de países terceiros em situação irregular nas fronteiras e nos Estados-Membros e de determinação do Estado-Membro responsável pela análise dos pedidos (parecer do CESE 2016-02981, relator: José Antonio Moreno Díaz (2));

VIS: Sistema de Informação sobre Vistos (Código de Vistos) que gere os vistos para as estadas de curta duração (parecer do CESE 2014-02932, relatores: Antonello Pezzini e Luis Miguel Pariza Castaños (3));

SES: Sistema de Entrada/Saída (decisão em curso) que deverá gerir de forma eletrónica os dados dos passaportes e as datas de entrada e de saída dos nacionais de países terceiros que visitam o espaço Schengen (parecer do CESE 2016-03098, SOC/544, relator: Cristian Pîrvulescu (4));

ETIAS: Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (decisão em curso) que deverá ser um vasto sistema automatizado de armazenamento e verificação ex ante de dados dos nacionais de países terceiros isentos da obrigação de visto para circular no espaço Schengen (parecer do CESE 2016-06889, SOC/556, relator: Jan Simons (5));

ECRIS-TCN: Sistema Europeu de Informação sobre Registos Criminais dos nacionais de países terceiros, proposto pela Comissão, é um sistema digital de troca de informações sobre decisões judiciais proferidas pelos tribunais nacionais.

2.5.

Pode estabelecer-se uma analogia entre os meios atualmente à disposição de uma autoridade habilitada e um telemóvel inteligente com diferentes aplicações, que são todas independentes e fornecem informações específicas.

2.6.

Com exceção do SIS, estes sistemas centram-se na gestão dos nacionais de países terceiros. Existem seis sistemas, que são complementares e descentralizados. As informações recolhidas são a soma das diferentes respostas obtidas de diversas bases de dados pelos serviços de investigação, em função das respetivas autorizações de acesso.

2.7.

A Comissão pretende responder à seguinte questão:

qual o método que permite, sem alterar as estruturas já adquiridas e conservando a sua complementaridade, colocar todas as bases de dados em sintonia, no mesmo momento, para que, num ponto de entrada no território europeu e através de uma única consulta do sistema, todas as informações já recolhidas nas bases de dados existentes estejam disponíveis para a autoridade de controlo autorizada a consultá-las, respeitando sempre a regulamentação em matéria de proteção dos dados e dos direitos fundamentais.

2.8.

Nas propostas em análise, a Comissão Europeia pretende:

2.8.1.

proporcionar mais possibilidades de acesso às bases de dados da Europol e da Interpol, as quais cooperam já com as autoridades de controlo europeias;

2.8.2.

«sincronizar» as pesquisas de informação para reduzir os tempos de resposta no que diz respeito aos dossiês de migrantes e acelerar a reação em termos de segurança em caso de necessidade. Para tal, propõe a criação de novas entidades que permitiriam que as bases atuais funcionassem em simbiose.

2.9.

A Comissão tem por objetivos colmatar tanto quanto possível as lacunas dos diferentes sistemas; melhorar a gestão das fronteiras externas do espaço Schengen; contribuir para a segurança interna da União; gerir as fraudes de identidade e resolver os casos de identidades múltiplas; localizar as pessoas suspeitas ou já condenadas e verificar a sua identidade dentro do espaço Schengen.

2.10.

Retomando a imagem do telemóvel inteligente, a autoridade habilitada não só teria diversas aplicações à sua disposição, como poderia também recolher em simultâneo e numa mesma pesquisa, utilizando os seus códigos de acesso, os dados armazenados em todos os seus suportes — computador de mesa, computador portátil, telemóvel, táblete, notebook, etc.

3.   Funcionamento do sistema

3.1.

A Comissão realizou consultas e reuniu um grupo de peritos de alto nível em matéria de sistemas de informação e interoperabilidade (6), nomeados pelos Estados-Membros, pelos países do espaço Schengen e por agências europeias como a eu-LISA (7) e a FRA (8), sob a coordenação da Direção-Geral da Migração e dos Assuntos Internos da Comissão (DG HOME).

O método: interconectividade ou interoperabilidade?

3.1.1.

A interconectividade dos sistemas de informação é a possibilidade de serem ligados entre si de modo que os dados registados num sistema possam ser automaticamente consultados por outro sistema.

3.1.2.

A interoperabilidade (9) é a capacidade de diferentes sistemas para comunicarem, trocarem dados e utilizarem a informação partilhada, respeitando os direitos de acesso aos sistemas.

3.2.   A opção pela interoperabilidade

3.2.1.

A Comissão considera que a opção pela interoperabilidade não afeta o acervo nem as competências atuais das estruturas e que os dados permanecerão em silos isolados. Não obstante o aumento da comunicabilidade, esta opção apresentaria uma vantagem em termos de segurança para os sistemas e os dados, que, como é evidente, não serão acessíveis através da Internet. As propostas em apreço apresentam semelhanças substanciais, mas

uma incide na interoperabilidade dos sistemas de informação relativos às fronteiras e aos vistos [COM(2017) 793],

a outra é relativa à cooperação entre a polícia e a justiça, ao asilo e à migração [COM(2017) 794].

3.3.   Os novos instrumentos

3.3.1.

Para funcionar na interoperabilidade, uma nova arquitetura de quatro novos instrumentos deverá complementar as seis bases de dados para trabalhar com celeridade consultando apenas uma vez o sistema e mantendo as pessoas habilitadas na origem dos pedidos de acesso.

3.4.   O ESP (European Search Portal), um portal europeu de pesquisa

3.4.1.

A autoridade de controlo habilitada (o utilizador final) deverá poder aceder a todo o sistema através de um único acesso. Em vez de efetuar seis pesquisas, lançaria apenas uma para interrogar várias bases de dados simultaneamente (polícias, alfândegas, etc.), mas sem armazenar nenhum dos dados pesquisados. Se os dados existirem, o sistema encontrá-los-á. Em caso de suspeita de crime ou de atividade terrorista, uma primeira pesquisa com um dado de uma pessoa alvo de consulta poderá ser neutra («no-hit» ou resposta negativa), mas se o dado corresponder a uma segunda informação («hit» ou resposta positiva) existente nas bases de dados, como o SIS, o SES e o ETIAS, poderá dar azo a pesquisas aprofundadas e a uma investigação.

3.5.   O BMS (Shared Biometric Matching Service), um serviço partilhado de correspondências biométricas

3.5.1.

Esta plataforma partilhada de correspondências permitirá a pesquisa e comparação simultâneas de dados matematizados, biométricos, impressões digitais e fotografias de identidade, a partir das diferentes bases de dados, como o SIS, o Eurodac, o VIS, o SES (10), o ECRIS, mas não o ETIAS; os seus dados deverão ser compatíveis.

3.5.2.

Os dados matematizados não serão conservados na sua forma original.

3.6.   O CIR (Common Identity Repository), um repositório comum de dados de identificação

3.6.1.

Um repositório comum de dados de identificação reunirá os dados relativos à identidade biográfica e biométrica dos nacionais de países terceiros controlados, quer se encontrem na fronteira ou no interior dos Estados-Membros (de Schengen). Um indicador de respostas positivas das diferentes bases de dados acelerará as pesquisas. Sob a responsabilidade e com os meios de segurança da agência eu-LISA, estes dados serão salvaguardados de modo que ninguém possa aceder a mais do que uma linha alfanumérica de cada vez. Desenvolvido a partir do SES e do ETIAS, o CIR não deverá conduzir à duplicação dos dados. O repositório poderá também ser utilizado para investigações civis.

3.7.   O MID (Multiple-Identity Detector), um detetor de identidades múltiplas

3.7.1.

A função deste instrumento será a de verificar a identidade correta das pessoas de boa-fé e combater as fraudes de identidade, através de uma pesquisa simultânea em todas as bases de dados. Até à data, nenhuma administração utilizou um tal instrumento, que permitirá evitar usurpações de identidade.

3.8.   O papel da agência eu-LISA (11)

3.8.1.

A agência, criada em 2011, tem por missão facilitar as políticas da UE nos domínios da justiça, da segurança e da liberdade. Sediada em Taline, na Estónia, assegura já o intercâmbio de informações entre as diferentes autoridades responsáveis pela aplicação da lei dos Estados-Membros, o funcionamento sem descontinuidades dos sistemas informáticos de grande escala e a liberdade de circulação das pessoas no espaço Schengen.

3.8.2.

A agência está a trabalhar no projeto «Fronteiras Inteligentes» e, no âmbito da nova arquitetura de intercâmbio de dados, desempenhará um papel de conservação dos elementos relacionados com as pessoas, como os relativos às autoridades, às investigações e aos investigadores. Controlará os direitos de acesso dos requerentes e garantirá a segurança dos dados, nomeadamente em caso de «incidente» [artigo 44.o das propostas COM(2017) 793 e 794].

3.8.3.

A utilização do formato de mensagem universal (UMF — Universal Message Format), que ainda está por criar, deverá facilitar o trabalho com os novos sistemas, que serão obrigatórios, impondo a criação de interfaces nos Estados-Membros que ainda não as possuírem e de um sistema temporário de tradução de uma linguagem para outra.

3.9.   A proteção de dados pessoais (artigos 7.o e 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia):

3.9.1.

A proposta de regulamento reconhece a possibilidade de ocorrerem incidentes de segurança. Os Estados-Membros e os respetivos sistemas de dados devem ser os primeiros a respeitar os princípios em matéria de proteção de dados previstos pelos textos em apreço, pelo Tratado, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e pelo RGPD (12), que entrará em vigor em 25 de maio de 2018.

4.   Observações gerais

4.1.   Valor acrescentado da interoperabilidade em democracia

4.1.1.

A UE necessita de regulação e de meios de investigação que a protejam contra a criminalidade. A interoperabilidade dos sistemas de informação é uma oportunidade para fazer valer o primado do direito e a defesa dos direitos humanos.

4.1.2.

O SES e o ETIAS, conjugados com o BMS e o CIR, permitirão controlar as passagens nas fronteiras de pessoas suspeitas, bem como conservar os respetivos dados. No entanto, a possibilidade de as autoridades de aplicação da lei acederem através do BMS aos sistemas de informação com finalidades não coercivas a nível da UE [artigo 17.o«Repositório comum de dados de identificação» das propostas de regulamento COM(2017) 794 e 793] não pode ser compatível com os fins enunciados como bases das propostas em apreço. A este respeito, o Comité (artigo 300.o, n.o 4, do TFUE) não pode deixar de evocar o princípio da proporcionalidade e exorta a Comissão a abster-se de criar um regime de tipo «Big Brother» (13) e de colocar obstáculos à liberdade de circulação dos cidadãos europeus (artigo 3.o do TUE).

4.1.3.

O modelo proposto para a recolha e utilização dos dados pessoais obtidos na fronteira e no território da União aquando de controlos da circulação e de documentos é apresentado como estanque, aberto apenas a pessoas autorizadas e para fins de segurança e gestão, permitindo uma maior fluidez dos procedimentos.

4.1.4.

O Comité interroga-se sobre a estanquidade: continuam a subsistir lacunas, a construção faseada em nove anos assenta em «fundações» que ainda não existem, como as bases de dados SES ou ETIAS ou as interfaces nacionais. O contexto tecnológico está em constante evolução; o projeto assenta necessariamente no estado da técnica, mas não prevê dotações orçamentais para a gestão da obsolescência que possa surgir em alguns setores digitais.

4.1.5.

Além disso, o rápido aumento da utilização de algoritmos ditos de inteligência artificial (IA) poderia ter sido considerado no projeto, quer como instrumento de controlo dos sistemas, quer como chave de segurança a confiar às autoridades de decisão para garantir a utilização democrática da arquitetura.

4.1.6.

A proposta desenvolve um sistema para as pessoas de boa-fé, que respeitam a lei. O facto de serem seres humanos a estar aos comandos é tranquilizador, mas eles podem também ser os «elos fracos». O Comité propõe o aditamento de um artigo que preveja «disjuntores diferenciais» a aplicar em caso de crise política e/ou de «gestão», uma vez que qualquer problema numa base de dados poderá representar um risco para a arquitetura no seu conjunto (14). A utilização de um formato de mensagem universal (UMF) que poderia vir a tornar-se internacional, embora sendo muito positiva, acarretará riscos significativos no tocante à proteção de dados e depositará nas autoridades habilitadas uma enorme responsabilidade. Estes aspetos não são abordados nas propostas em análise.

4.2.   Proteção dos direitos fundamentais

4.2.1.

Os direitos fundamentais são absolutos e qualquer restrição ao seu exercício deve limitar-se ao estritamente necessário, corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União e respeitar o conteúdo essencial desses direitos (artigos 8.o e 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia). O Comité interroga-se sobre o modo como a proporcionalidade das medidas de controlo pode ser avaliada no caso dos migrantes que fogem de perseguições e requerem asilo quando desembarcam na União. [COM(2017) 794 final, Exposição de motivos — Direitos fundamentais]. A localização de suspeitos com vista a prevenir atos criminosos, nomeadamente de terrorismo, não deve aproximar as democracias europeias do conceito de «delito por antecipação»; deve continuar a existir uma diferença entre «atividades» que perturbam a ordem pública e «opiniões».

4.2.2.

O respeito, relativamente a todas as pessoas, dos direitos enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve assegurar o equilíbrio entre a segurança e a liberdade, sem o qual a democracia perece. O Comité considera que este equilíbrio é fundamental e deve ser um objetivo permanente para todas as autoridades, incluindo as de controlo, tanto a nível nacional como a nível europeu.

4.2.3.

A cadeia de autoridades associadas a uma pesquisa, bem como os metadados conexos serão conservados no sistema. Os direitos fundamentais das próprias autoridades habilitadas devem ser respeitados relativamente aos dados gerados, nomeadamente no que se refere à sua segurança e à sua vida privada, em caso de intrusão maliciosa na estrutura e de utilização abusiva dos dados entre o momento da sua introdução e o do seu apagamento.

4.3.   Proteção dos dados

4.3.1.

As propostas em análise reconhecem o princípio da proteção de dados pessoais desde a conceção e por defeito, embora as suas exposições de motivos recordem que, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o direito à proteção de dados pessoais não é um direito absoluto. O Comité reconhece as vantagens das medidas preventivas para salvaguardar a segurança, do combate às falsas identidades e da garantia do direito de asilo. No entanto, faz questão de sublinhar os limites da matematização e da anonimização dos dados: as pessoas em causa podem vir a precisar mais tarde dos seus dados.

4.3.2.

O Comité sublinha igualmente que o tipo de dados conservados, designadamente biométricos e biológicos, reveste-se de especial interesse para algumas empresas e para pessoas com intenções criminosas. A cibersegurança é aqui tão importante quanto a segurança física, mas não é suficientemente evocada nas propostas. Os dados conservados serão armazenados num único local físico que, mesmo que seja religiosamente protegido, poderá ficar exposto.

4.3.3.

O CESE lembra que, no respeitante à proteção de dados e ao direito ao apagamento dos dados (direito «a ser esquecido»), as instituições e organismos da União estão sujeitos à observância do Regulamento (CE) n.o 45/2001, que proporciona menos proteção do que o RGPD (15) de 2016 (que entrará em vigor em maio de 2018), que deve ser respeitado pelos Estados-Membros. O Comité sublinha a complexidade do exercício deste direito e receia que os viajantes, migrantes e requerentes de asilo não estejam em condições de o fazer respeitar:

1)

a proteção de dados pessoais deve ser válida para todas as bases de dados existentes, tanto nacionais como europeias, para que a arquitetura global seja protegida;

2)

a proteção de dados pessoais é fundamental para que os cidadãos aceitem a imensa rede de vigilância a que estão sujeitos.

4.3.4.

O período de conservação dos dados recolhidos pelas autoridades habilitadas não é claramente especificado no texto das propostas, as quais definem o procedimento do direito à retificação e/ou apagamento dos dados, que é partilhado entre o Estado ao qual foi apresentado o pedido e o Estado responsável, mas não definem um prazo de conservação dos dados (artigo 47.o das propostas de regulamento). O Comité recomenda que esse prazo seja fixado e que seja estabelecido um prazo mais curto para os menores (artigo 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), salvo em caso de terrorismo, para que estes possam ter oportunidades de integração.

4.4.   Governação e prestação de contas

4.4.1.

As bases de dados internacionais não estão sujeitas às mesmas regras que os sistemas informatizados europeus. A criação de um formato universal de acesso, que poderá vir a tornar-se internacional, será apenas um elemento técnico que não unificará as regulamentações, ainda que a Interpol tenha certamente de respeitar o artigo 17.o do Pacto das Nações Unidas (16). Além disso, a concessão dos direitos de acesso continuará a ser da competência dos Estados-Membros. O CESE considera que este ponto deveria ser abordado nas propostas.

4.4.2.

Uma única consulta, e a simbiose das bases de dados europeias emitirá o seu veredito. O Comité sublinha que a burocracia gerada será mais do que proporcional à rapidez ganha. A governação será assegurada pela Comissão no âmbito de um procedimento de controlo em conjunto com os Estados-Membros. O eixo central será a agência eu-LISA, que será responsável, nomeadamente, por criar os procedimentos de recolha de informações sobre o funcionamento da interoperabilidade; receberá as informações dos Estados-Membros e da Europol e apresentará ao Conselho, ao Parlamento Europeu e à Comissão, de quatro em quatro anos, um relatório de avaliação técnica, devendo a própria Comissão elaborar um relatório global um ano após cada relatório da eu-LISA (artigo 68.o das propostas). Para o Comité, estes períodos são excessivamente longos. A avaliação da segurança dos componentes de interoperabilidade [artigo 68.o, n.o 5, alínea d)] deveria ter lugar, pelo menos, anualmente, e a avaliação do impacto nos direitos fundamentais [artigo 68.o, n.o 5, alínea b)] deveria ter lugar, pelo menos, de dois em dois anos.

4.4.3.

O Comité lamenta que questões tão fundamentais como as abordadas pelas propostas em apreço sejam deixadas a cargo de agências europeias, cujos processos de recrutamento e funcionamento são obscuros para muitos cidadãos. Considera que é necessário proceder ao cruzamento das boas práticas e associar, para emissão de parecer, todas as autoridades independentes de controlo da utilização de dados (AEPD) e outras agências como a FRA e a Agência da União Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (ENISA).

4.4.4.

Todas estas novas estruturas e procedimentos serão estabelecidos por meio de atos delegados e atos de execução da Comissão. O Comité gostaria que o objetivo de respeito dos direitos fundamentais e de proteção dos dados pessoais permanecesse inscrito em todos esses atos ao longo do tempo, numa abordagem de melhoria do acolhimento das pessoas nas fronteiras. O CESE recomenda que os cidadãos europeus sejam informados sobre as várias etapas do projeto até à sua conclusão e que as pessoas recebam informação pedagógica sobre os controlos a que são submetidas.

5.   Formação necessária das autoridades de controlo em toda a União

5.1.

O Comité considera que serão necessárias numerosas ações de formação no primeiro período (após 2021), contrariamente ao que avança a Comissão na sua síntese da avaliação de impacto. A Comissão refere um orçamento de 76 milhões de euros por ano. A transição para novos procedimentos exige sempre uma atualização. Neste caso, estão em causa todas as fronteiras da União e os sistemas nacionais. Alguns Estados-Membros, que ainda não possuem sistemas compatíveis, terão de desenvolver um esforço importante e criar interfaces que lhes permitam participar. Para que a interoperabilidade funcione, há que atenuar as disparidades entre Estados-Membros.

5.2.

A formação sobre a utilização de dados de qualidade e do UMF será fundamental. O Comité propõe a organização, em conjunto com a CEPOL (17), a Frontex, a Europol, etc., de um polo de formação comum para as autoridades habilitadas, incluindo a agência eu-LISA, cujos membros deverão ser objeto de uma rigorosa verificação de competências.

5.3.

O sistema MID é único no mundo e, se for bem-sucedido, será um instrumento poderoso. A nova arquitetura exigirá dados da mais alta qualidade. Para que a arquitetura global corresponda às expectativas do projeto, todos os Estados-Membros devem participar ao mesmo nível, sob pena de agravamento das atuais lacunas. Nesse caso, o direito de asilo e o direito de acesso a proteção internacional (artigos 18.o e 19.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) seriam fragilizados.

6.   Financiamento

6.1.

A arquitetura global proposta assenta ainda em algumas hipóteses: a adoção pelas autoridades de decisão dos sistemas SES e ETIAS, o UMF, o bom funcionamento do MID e a segurança do CIR. O Comité pergunta-se se dois organismos, designadamente a AEPD e a agência eu-LISA, e eventualmente também a agência ENISA, disporão de recursos humanos e financeiros suficientes. A Comissão propõe um cofinanciamento pela UE e pelos Estados-Membros. O Comité observa que a gestão do Semestre Europeu ainda é efetuada com orçamentos de austeridade e que, além disso, a utilização atual das bases de dados existentes (SIS, VIS, Prüm, SES) precisa de ser otimizada em conformidade com os requisitos legais (relatório do grupo de peritos).

6.2.

O CESE interroga-se sobre o impacto orçamental do Brexit, embora o Reino Unido não faça parte dos países do espaço Schengen, e, de modo mais geral, sobre a futura complexidade da gestão da interoperabilidade nos países europeus que não utilizam o SIS mas que participam noutros sistemas, como o Eurodac.

6.3.

O fundo previsto é o Fundo para a Segurança Interna (FSI) — Fronteiras. A entrada em funcionamento está prevista para 2023. O Comité interroga-se se cinco anos serão suficientes para reduzir as disparidades europeias e reunir as condições necessárias para o êxito. O orçamento previsto é de 424,7 milhões de euros num período de nove anos (2019-2027). A União (através do FSI) e os Estados-Membros deverão assumir o encargo. Os Estados deverão tomar as medidas necessárias para que os sistemas atuais funcionem corretamente com a nova arquitetura informática. O Comité considera que a retoma do crescimento deverá ser favorável à realização desses investimentos.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2017) 570 final.

(2)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 144.

(3)  JO C 458 de 19.12.2014, p. 36.

(4)  JO C 487 de 28.12.2016, p. 66.

(5)  JO C 246 de 28.7.2017, p. 28.

(6)  DG HOME, unidade B/3, Decisão C/2016/3780 da Comissão, de 17 de junho de 2016, http://ec.europa.eu/transparency/regexpert/index.cfm?Lang=PThttp://ec.europa.eu/transparency/regexpert/index.cfm?Lang=PT

(7)  Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça.

(8)  FRA — Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

(9)  Comunicação da Comissão — Sistemas de informação mais sólidos e mais inteligentes para controlar as fronteiras e garantir a segurança [COM(2016) 205 final].

(10)  O itálico assinala que os textos relativos a estes organismos ainda não foram adotados.

(11)  Regulamento (UE) n.o 1077/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, que cria uma Agência europeia para a gestão operacional de sistemas informáticos de grande escala no espaço de liberdade, segurança e justiça (JO L 286 de 1.11.2011, p. 1).

(12)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados). Pareceres do CESE: JO C 229 de 31.7.2012, p. 90, e JO C 345 de 13.10.2017, p. 138.

(13)  George Orwell, 1984.

(14)  AEPD, anexo do relatório final do grupo de peritos de alto nível, maio de 2017.

(15)  Regulamento (UE) 2016/679 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados).

(16)  Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Organização das Nações Unidas (ONU), artigo 17.o: «1. Ninguém será objeto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação. 2. Toda e qualquer pessoa tem direito à proteção da lei contra tais intervenções ou tais atentados».

(17)  CEPOL — Agência da União Europeia para a Formação Policial, com sede em Budapeste, na Hungria.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação do pacote de medidas relativas à economia circular: opções para examinar a relação entre as legislações relativas aos produtos químicos, aos produtos e aos resíduos»

[COM(2018) 32 final]

(2018/C 283/08)

Relator:

Brian CURTIS

Consulta pela Comissão Europeia

12.2.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Decisão da Mesa

19.9.2017 (na previsão de consulta)

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.5.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

185.1.1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com a abordagem adotada pela Comissão de análise sistemática do leque pertinente de opções que poderiam contribuir para resolver uma série de problemas identificados na relação entre as legislações relativas aos produtos químicos, aos produtos e aos resíduos.

1.2.

Uma visão proativa e de longo prazo como a adotada pela Comissão nesta matéria é louvável. O processo de transição será inevitavelmente longo, mas exigirá um incentivo constante para avançar, bem como a tomada em consideração da evolução em curso nas tecnologias de identificação e tratamento.

1.3.

Garantir a saúde pública em geral e a dos consumidores finais de produtos é fundamental para reforçar a confiança nos princípios da economia circular.

1.4.

A saúde e a segurança dos trabalhadores das unidades de reciclagem estão também em risco se não forem adotadas medidas globais, nomeadamente no que diz respeito à questão das substâncias com histórico. Por conseguinte, é fundamental fornecer informações completas aos sindicatos.

1.5.

Há que dar prioridade à plena aplicação do Regulamento REACH e da restante legislação já em vigor em matéria de produtos químicos. A legislação existente para impedir a entrada inicial de produtos químicos perigosos no ciclo de materiais ainda não é plenamente aplicada, nomeadamente no que diz respeito à entrada na UE de produtos de países terceiros.

1.6.

O CESE reconhece e apoia o maior investimento das empresas de reciclagem em equipamento de triagem adaptado, preconizando que se considere a adoção de medidas de apoio económico e técnico neste domínio.

1.7.

O Comité apoia firmemente o ponto de vista segundo o qual uma melhor informação sobre a presença, localização e concentração de produtos químicos perigosos nos produtos e materiais recuperados a partir de resíduos pode reduzir os problemas com que deparam os operadores na cadeia de valorização.

1.8.

A identificação das potenciais fontes de valor ou das medidas de proteção necessárias relativas a produtos químicos perigosos no fluxo de resíduos servirá de base à análise custo-benefício que deverá ser realizada para justificar as medidas legislativas e as intervenções concretas.

1.9.

É fundamental melhorar e reforçar, se necessário, os requisitos em matéria de identificação e rastreabilidade dos produtos importados que possam conter substâncias que suscitam elevada preocupação, a fim de aplicar tanto a proibição, se for caso disso, como mecanismos de rastreio adequados ao longo do ciclo de vida do produto.

1.10.

O enquadramento jurídico deve oferecer uma proteção idêntica independentemente de um produto ser fabricado a partir de materiais virgens ou de materiais recuperados.

2.   Introdução

2.1.

No seu parecer sobre o pacote de medidas relativas à economia circular (1)(2), o CESE identificou a necessidade de facilitar mais a valorização de materiais a partir do fluxo de resíduos e observou que era necessário dar resposta a uma série de obstáculos de natureza jurídica, técnica e financeira. A presença de substâncias perigosas nos resíduos é um desses obstáculos, e a comunicação em apreço inscreve-se num processo de identificação de objetivos, desafios e soluções no âmbito da política para aumentar a circularidade da economia. Alguns domínios deverão ser abordados por via não legislativa, mas o objetivo global consiste em exercer influência sobre a política futura.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1.

A comunicação expõe uma série de objetivos políticos e questões conexas e convida as partes interessadas a tomar posição sobre os desafios identificados, a fim de ajudar a definir um caminho a seguir para uma economia verdadeiramente circular. As questões estão divididas em quatro grandes categorias, sendo a sua abordagem exploratória e não prescritiva. O presente parecer, que tem em conta o documento de trabalho dos serviços da Comissão e os contributos dos membros do CESE e de organizações de partes interessadas da sociedade civil, responde ao pedido de identificação das opções preferenciais para fazer face aos principais desafios. Por este motivo, o conteúdo principal do parecer é apresentado na secção final relativa às observações na especialidade.

3.2.

A Comissão está agora a lançar uma consulta pública e a incentivar o debate com o Parlamento Europeu, o Conselho e as partes interessadas a fim de escolher opções e definir ações específicas de âmbito geral ou setorial para o desenvolvimento de mercados para matérias-primas secundárias sustentáveis. As ações subsequentes serão levadas a cabo em consonância com os princípios do Programa Legislar Melhor e serão realizadas avaliações de impacto antes da apresentação de quaisquer propostas concretas suscetíveis de ter um impacto significativo.

4.   Observações na generalidade

4.1.

A legislação da UE pertinente sobre a matéria abrange os domínios dos produtos químicos, dos produtos e dos resíduos (3). Em particular, o enquadramento jurídico atual apresenta fragilidades por não conseguir assegurar que as informações sobre os produtos químicos perigosos sejam transmitidas ao longo de todo o ciclo de materiais e eventuais ciclos de vida subsequentes.

4.2.

A nossa sociedade, cada vez mais complexa, depende de forma crescente da utilização de produtos químicos (4). Os pilares da legislação da UE em matéria de produtos químicos são o Regulamento CRE (5), o Regulamento REACH (6) e o Regulamento POP (7), que se complementam e são aplicáveis independentemente do setor de utilização.

4.3.

A legislação em matéria de produtos pode concentrar-se na segurança dos produtos e também na sua sustentabilidade. A DSGP (8) estabelece obrigações gerais de segurança para os bens de consumo não alimentares. Há um leque de atos legislativos específicos sobre os produtos, como a Diretiva Brinquedos, o Regulamento Embalagens dos Alimentos, a Diretiva RSP (9) e a Diretiva Conceção Ecológica, que são igualmente relevantes. No seu parecer sobre esta matéria (10), o CESE apoia uma «abordagem integrada» da conceção ecológica, defendendo o alargamento do seu âmbito de aplicação. Uma abordagem integrada deste tipo teria em consideração tanto a eficiência energética e o desempenho dos produtos como a eficiência e o desempenho em termos da utilização de recursos e de materiais.

4.4.

Há vários atos legislativos em matéria de resíduos que são igualmente pertinentes. A Diretiva-Quadro Resíduos foi tema de diversos pareceres do CESE, tendo o Comité apoiado continuamente a obrigação de os Estados-Membros adotarem uma ordem de prioridades para os resíduos, começando pela prevenção dos resíduos, passando pela sua preparação para reutilização, reciclagem ou outro tipo de valorização, e terminando, em último recurso, na sua eliminação por incineração ou deposição em aterro. O CESE apelou igualmente à obrigatoriedade da adoção dos regimes de responsabilidade alargada do produtor nos Estados-Membros. Além disso, preconizou também o reforço da disposição que exige a recolha seletiva (11).

4.5.

É possível tecer algumas considerações gerais que devem orientar as ações futuras:

Uma melhor informação sobre a presença, localização e concentração de produtos químicos perigosos nos produtos e materiais recuperados a partir de resíduos pode reduzir os problemas com que deparam os operadores na cadeia de valorização e promover a proteção do ambiente e da saúde humana.

É essencial impedir a entrada inicial dos produtos químicos perigosos no ciclo de materiais. A legislação existente sobre a matéria ainda não é plenamente aplicada.

O enquadramento jurídico deve oferecer uma proteção idêntica independentemente de um produto ser fabricado a partir de materiais virgens ou de materiais recuperados.

4.6.

Cabe assinalar que estão em curso trabalhos de apoio nesta matéria. Por exemplo, a questão das substâncias perigosas em equipamentos elétricos e eletrónicos está a ser abordada pela Diretiva RSP que, ao promover a substituição de determinadas substâncias perigosas nos equipamentos elétricos e eletrónicos, aumenta a possibilidade e a rentabilidade económica da reciclagem dos resíduos provenientes desses equipamentos. Além disso, o Parlamento Europeu e o Conselho também estão a debater quatro propostas legislativas conexas (12)(13)(14)(15). O CESE assinala o recente acordo político sobre esta matéria (16).

4.7.

Algumas das questões levantadas na comunicação em apreço são conceptualmente complexas, nomeadamente as que dizem respeito aos problemas criados pela falta de harmonização e alinhamento das regras. Na perspetiva do Comité, importa dar prioridade às questões mais concretas relativas à informação e às substâncias com histórico.

4.8.

No entanto, o resumo das questões apresentadas na comunicação e o vasto leque de iniciativas em curso ou em desenvolvimento para obter uma economia verdadeiramente circular demonstram que o processo de transição necessário para eliminar as substâncias perigosas dos resíduos e durante a sua valorização ou reciclagem não vai ser completado rapidamente. Por conseguinte, uma visão proativa e de longo prazo como a adotada pela Comissão é adequada.

5.   Observações na especialidade

Necessidade de informação

5.1.

O objetivo consiste em garantir a disponibilidade de informações adequadas sobre substâncias que suscitam preocupação presentes em produtos a todos os intervenientes na cadeia de abastecimento e, em última instância, também aos operadores de resíduos. A melhor forma de proteger a saúde humana e o ambiente é, claramente, limitar, desde o início, a entrada de produtos químicos perigosos no ciclo económico. Tal pode igualmente permitir a valorização de materiais a partir de resíduos e reforçar a economia circular.

5.2.

O fornecimento de informações completas aos sindicatos pode desempenhar um papel crucial na proteção da saúde dos trabalhadores e é, por conseguinte, fundamental.

5.3.

O Regulamento REACH rege o fabrico, a utilização e a colocação de produtos químicos no mercado da UE. O seu principal objetivo é assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente. De acordo com algumas associações de consumidores e com a Comissão, as poucas obrigações de comunicação nas cadeias de abastecimento impostas pelo Regulamento REACH não estão a ser devidamente aplicadas.

5.4.

A Comissão está a lançar um estudo de viabilidade sobre a utilização de diferentes sistemas de informação, assim como de tecnologias e estratégias de rastreabilidade inovadoras que facilitem a circulação da informação relevante ao longo das cadeias de abastecimento dos produtos, permitindo-lhe chegar aos operadores de reciclagem. É colocada a seguinte questão: será que um sistema de informação obrigatório oferece valor acrescentado, e de que forma se devem gerir os produtos importados para a UE suscetíveis de conter substâncias não autorizadas?

5.5.

O CESE considera que, em grande medida, já existem instrumentos jurídicos que podem limitar a entrada de substâncias que suscitam elevada preocupação no ciclo de materiais. Em especial, destacam-se as disposições jurídicas que privilegiam e incentivam a sua substituição por produtos químicos não perigosos. O Comité defende a plena aplicação do Regulamento REACH e a sua atualização de acordo com a evolução dos conhecimentos científicos sobre as propriedades perigosas dos produtos químicos, nomeadamente das matérias-primas secundárias. Tal assegurará a proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, assim como da saúde pública dos consumidores finais, além de reforçar a credibilidade da economia circular.

5.6.

No que se refere aos produtos importados, os importadores já são obrigados a identificar as substâncias que suscitam elevada preocupação. Poder-se-ia reforçar o cumprimento da obrigação dos fabricantes e importadores, ao abrigo do Regulamento REACH, de descreverem pormenorizadamente, nos respetivos dossiês de registo e fichas de dados de segurança, os cenários de exposição que abranjam o estádio de resíduo. Além disso, poder-se-ia exigir informações mais pormenorizadas, nomeadamente uma descrição dos diferentes cenários de fim de vida útil para a reciclagem, preparação para reutilização ou eliminação. Tal deve ser feito em conjunto com a aplicação da obrigação de os fabricantes e importadores de produtos informarem os operadores económicos da cadeia de abastecimento sobre a presença de substâncias que suscitam elevada preocupação nos produtos, e com o requisito de identificação da localização da substância no produto.

5.7.

É fundamental melhorar e reforçar, se necessário, os requisitos em matéria de identificação e rastreabilidade dos produtos importados que possam conter substâncias que suscitam elevada preocupação, a fim de aplicar tanto a proibição, se for caso disso, como mecanismos de rastreio adequados ao longo do ciclo de vida do produto.

5.8.

O Comité receia que possa surgir um problema particular na plena identificação das substâncias que suscitam elevada preocupação no âmbito de acordos de comércio livre e acordos de parceria económica.

5.9.

De uma forma geral, será necessário um maior investimento das empresas de reciclagem em equipamento de triagem adaptado, devendo ser ponderadas medidas de apoio económico e técnico.

Resíduos que contêm substâncias que já não são permitidas em novos produtos

5.10.

Desde o século XIX que os Estados-Membros dispõem de legislação restritiva sobre as substâncias químicas perigosas, sendo os novos produtos químicos sujeitos a um rigoroso exame da perigosidade. Todavia, o processo contínuo de avaliação de riscos significa que os produtos que foram fabricados no respeito das normas no passado contêm substâncias que suscitam elevada preocupação e os produtos que são fabricados atualmente podem conter substâncias que venham a ser proibidas no futuro. Na fase de tratamento e valorização de resíduos, tal pode traduzir-se em «substâncias com histórico» perigosas.

5.11.

O objetivo consiste em facilitar a reciclagem e aumentar a utilização de matérias-primas secundárias, promovendo ciclos de materiais não tóxicos. Além disso, ao ponderar eventuais restrições de produtos químicos e isenções a essas restrições, importa dar mais atenção ao seu impacto na reciclagem e reutilização futuras.

5.12.

A Comissão afirma que a questão das substâncias com histórico continua a constituir um obstáculo à economia circular e que se deve desenvolver uma metodologia de tomada de decisões específica para apoiar as decisões relativas à reciclabilidade dos resíduos que contêm substâncias que suscitam preocupação. Este trabalho está em curso, prevendo-se a sua conclusão em meados de 2019. Em conjugação com este trabalho, é necessário preparar orientações, a fim de garantir que a presença de substâncias que suscitam elevada preocupação em materiais recuperados seja mais bem abordada nas fases iniciais da preparação de propostas para a gestão dos riscos dessas substâncias, estando ainda a ser ponderada a aprovação de legislação de execução de modo que se permita um controlo eficaz do recurso à atual isenção do registo REACH para as substâncias recuperadas.

5.13.

A realidade das substâncias com histórico levanta a questão de saber se será possível conciliar a ideia de que os resíduos são um recurso que devemos reciclar assegurando, ao mesmo tempo, que os resíduos que contêm substâncias que suscitam elevada preocupação só serão recuperados em materiais que podem ser utilizados de forma segura. Devemos permitir que os materiais reciclados contenham produtos químicos que já não são permitidos em materiais primários? Em caso afirmativo, em que condições?

5.14.

O objetivo para os materiais reciclados é que o seu desempenho e a sua composição química sejam o mais próximos possível dos de materiais primários comparáveis. Os fatores económicos e técnicos desempenham um papel importante na determinação da viabilidade da remoção de substâncias que suscitam preocupação e variam consideravelmente de caso para caso. As opções políticas consistem em exigir que todas as matérias-primas primárias e secundárias cumpram as mesmas regras ou permitir que os materiais secundários sejam objeto de derrogações específicas e limitadas no tempo.

5.15.

O CESE defende que qualquer critério aplicado neste contexto deve evitar que os produtos químicos perigosos estejam presentes nos materiais recuperados em concentrações que ultrapassem o nível permitido para os materiais virgens.

Falta de alinhamento das regras que determinam quais os resíduos e produtos químicos que são perigosos

5.16.

Esta questão está estreitamente relacionada com as observações relativas à harmonização acima referidas, sendo ambas as questões conceptualmente complexas. Como indicado acima, a produção e a utilização de produtos (químicos) perigosos estão sujeitas a regras rigorosas da UE, adotadas para proteger os trabalhadores, os cidadãos e o ambiente. A gestão dos resíduos é regulada igualmente por regras da UE concebidas para alcançar o mesmo objetivo. Todavia, a investigação mostrou que os dois conjuntos de regras não estão totalmente alinhados (17).

5.17.

Há que garantir uma abordagem mais coerente entre as regras de classificação dos produtos químicos e dos resíduos. Por exemplo, mediante a adoção de regras, semelhantes às da Diretiva REEE (18), para outros grupos de produtos ou fluxos de materiais específicos (como mobiliário ou têxteis), prevendo um tratamento adequado dos resíduos que contêm produtos químicos perigosos antes de poderem ser recuperados e utilizados em novos produtos. A Comissão pretende publicar um documento de orientação sobre a classificação de resíduos para ajudar os operadores de resíduos e as autoridades competentes a seguirem uma abordagem comum da caracterização e classificação de resíduos. Também se realizarão intercâmbios de boas práticas relativas a métodos de ensaio. Convidam-se as partes interessadas a ponderar se as regras sobre a classificação de perigo devem ser alinhadas para que os resíduos sejam considerados perigosos de acordo com as mesmas regras dos produtos.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Parecer — Pacote de medidas relativas à economia circular (JO C 264 de 20.7.2016, p. 98).

(2)  Pacote de medidas relativas à economia circular, adotado pela Comissão em 2 de dezembro de 2015.

(3)  As definições de resíduos perigosos podem ser consultadas em: «Guidance document on the definition and classification of hazardous waste» [Documento de orientação sobre a definição e a classificação de resíduos perigosos], junho de 2015.

(4)  Relatório n.o 2/2016 da AEA, p. 33-34.

(5)  Regulamento (CE) n.o 1272/2008 relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas.

(6)  Regulamento (CE) n.o 1907/2006 relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH).

(7)  Regulamento relativo a poluentes orgânicos persistentes — ver http://ec.europa.eu/environment/chemicals/international_conventions/index_en.htm.

(8)  Diretiva 2001/95/CE relativa à segurança geral dos produtos (DSGP).

(9)  Diretiva 2011/65/UE relativa à restrição do uso de determinadas substâncias perigosas em equipamentos elétricos e eletrónicos.

(10)  Parecer — Plano de trabalho em matéria de conceção ecológica para 2016-2019 (JO C 345 de 13.10.2017, p. 97).

(11)  Parecer — Pacote de medidas relativas à economia circular (JO C 264 de 20.7.2016, p. 98).

(12)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 94/62/CE relativa a embalagens e resíduos de embalagens.

(13)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 2000/53/CE, relativa aos veículos em fim de vida, 2006/66/CE, relativa às pilhas e acumuladores e respetivos resíduos, e 2012/19/UE, relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos.

(14)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos.

(15)  Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 1999/31/CE relativa à deposição de resíduos em aterros.

(16)  Declaração do comissário Karmenu Vella sobre o acordo político alcançado para modernizar as regras em matéria de resíduos.

(17)  Por exemplo: «Keeping it Clean: How to protect the circular economy from hazardous substances» [Manter o ciclo limpo: como proteger a economia circular das substâncias perigosas]. Gabinete Europeu do Ambiente.

(18)  Diretiva 2012/19/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/61


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Uma Estratégia Europeia para os Plásticos numa Economia Circular»

[COM(2018) 28 final]

e sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos meios portuários de receção de resíduos provenientes dos navios e que revoga a Diretiva 2000/59/CE e altera a Diretiva 2009/16/CE e a Diretiva 2010/65/UE»

[COM(2018) 33 final — 2018/0012 (COD)]

(2018/C 283/09)

Relator:

Antonello PEZZINI

Consulta

Parlamento Europeu, 5.2.2018

Conselho, 9.2.2018

Comissão Europeia, 12.2.2018

Base jurídica

Artigos 100.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Decisão da Plenária

19.9.2017

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.5.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

193/00/01

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE, que desde o início vem apoiando a política da Comissão relativa à economia circular, considera, no entanto, que a mesma deve ser conduzida em estreita colaboração com os atores sociais e as organizações da sociedade civil, através de exercícios de prospetiva e com a participação do mundo académico e dos vários centros de formação.

1.1.1

Ao mesmo tempo, não se pode prescindir de medidas adequadas no domínio da educação e da formação, de incentivos ao nível da conceção e dos comportamentos, de normas técnico-regulamentares comuns de qualidade, de sistemas que tornem atraentes e recompensem determinadas práticas (incluindo no plano fiscal e financeiro), de uma abordagem sistémica e intersetorial e de um uso inteligente e generalizado das aplicações digitais.

1.2

O respeito e a proteção dos bens subjacentes ao equilíbrio dinâmico da biosfera não nascem por geração espontânea, antes devem-se a uma sensibilidade que se alimenta da cultura e da consciência de que a criação não existe para ser explorada e destruída, com o fito do lucro económico, mas sim para ser utilizada com inteligência, melhorada e preservada «na génese do antropomorfismo universal» (1).

1.3

As novas descobertas, como os materiais poliméricos, vieram facilitar o trabalho e o bem-estar do Homem, mas devem ser geridas ao longo de todo o seu ciclo de vida de forma a não prejudicarem os processos naturais.

1.3.1

O Comité considera essencial desenvolver uma cultura de conceção ecológica dos materiais poliméricos, a fim de facilitar, após a primeira utilização, posteriores aplicações de materiais poliméricos secundários.

1.3.2

É necessária uma revolução cultural nos comportamentos e nas estruturas de produção, de distribuição e de consumo, que transforme os resíduos em recursos preciosos a valorizar, sem descurar a sociedade civil nem a educação escolar, de todo o tipo e a todos os níveis.

1.3.3

Na opinião do CESE, cabe elaborar, especialmente no setor das embalagens, atualmente muito desenvolvido por razões económicas e sanitárias, uma estratégia setorial que vise a reutilização, com a participação das empresas com experiência em processos de reciclagem. O objetivo é harmonizar e estruturar as competências, tanto a montante quanto a jusante do processo.

1.3.4

Os organismos nacionais de normalização, em estreita colaboração com os organismos europeus e internacionais, devem intensificar os processos de reconhecimento das matérias-primas secundárias através de um rótulo, a fim de aumentar a segurança dos consumidores em relação aos novos produtos graças a uma harmonização europeia.

1.3.5

Para o CESE, a investigação e a inovação devem desempenhar um papel importante, em particular as ITC (Iniciativas Tecnológicas Conjuntas) — Parcerias institucionais público-privadas ao abrigo do Programa-Quadro Horizonte 2020, que visa o desenvolvimento de bioprodutos (2) e outras iniciativas de sustentabilidade circular do futuro Nono Programa-Quadro (PQ9).

1.3.6

Há que dar prioridade ao processo de aplicação de marcações digitais dos vários tipos de plástico, a fim de permitir a identificação, a triagem e a eventual eliminação segundo metodologias comuns. Em particular, estas matérias-primas secundárias não devem conter quaisquer substâncias tóxicas que estejam presentes nas matérias-primas não destinadas a alimentos e brinquedos.

1.4

O CESE considera que cumpre intervir no quadro do REACH, com base em análises químicas, para limitar a poluição por microplásticos, que constitui uma das principais ameaças para o ambiente e para a saúde humana.

1.5

O CESE apoia veementemente as propostas da Comissão no sentido de equipar os portos de instalações de receção de resíduos, bem como as obrigações impostas aos responsáveis pelos navios de respeitarem procedimentos de descarga de resíduos.

1.5.1

Na opinião do CESE, importa aplicar uma política semelhante à gestão dos rios, que são um importante recetáculo da poluição marinha.

1.5.2

As associações de pescadores e os intervenientes sociais devem, segundo o CESE, participar, quer culturalmente quer através de financiamento nacional e/ou europeu, num exercício destinado a eliminar da água os resíduos poliméricos, promovendo também ações de sensibilização relativamente aos resíduos marinhos e fluviais. Para além disso, poderiam, mediante formação adequada, intervir na parte da cadeia que tem lugar no porto ou ao longo dos rios, nas fases iniciais da reciclagem, especialmente durante os períodos de defeso.

1.6

Segundo o CESE, o aparecimento e o desenvolvimento de novas atividades complementares, resultantes da economia circular, exigem a revisão da atual legislação em matéria de resíduos decorrente da Diretiva 2008/98/CE, que responsabiliza o detentor dos resíduos, muitas vezes sem criar os instrumentos para a sua reutilização.

1.7

O CESE considera que a conceção ecológica (3), até agora aplicada à poupança de energia, deve ser alargada à economia circular, em especial aos plásticos.

1.8

O CESE reputa necessário estabelecer acordos regionais adequados em matéria de poluição marinha, alargando-os às políticas de proximidade, bem como aos acordos Euromed e com os países bálticos.

1.9

Cumpre apoiar e incentivar a celebração de acordos voluntários setoriais e intersetoriais ao nível das indústrias e das administrações públicas territoriais, promovendo a certificação das empresas (EMAS, CSR) e os navios ecológicos (4).

2.   Introdução

2.1

O plástico, entendido como o nome genérico de um grupo de materiais poliméricos, é um material importante e omnipresente na nossa economia e na nossa vida quotidiana. Contribui para promover o crescimento sustentável e competitivo, um emprego duradouro e múltiplas inovações tecnológicas e conceptuais.

2.2

A descoberta do plástico — do monómero ao polímero — deu-se em meados da década de 1950, por obra de dois cientistas, Giulio Natta e Karl Ziegler. O químico alemão Karl Ziegler conseguiu obter, em 1953, um tipo de plástico a partir do petróleo, o polietileno, cuja molécula é um polímero (5). O químico italiano Giulio Natta obteve um polímero diferente, o polipropileno, patenteado com a designação de Moplen. Essa descoberta contribuiu em grande medida para a crise da indústria mineira, que até então fornecera, em toda a história da humanidade, os materiais (6) para a construção dos objetos necessários à vida diária e ao trabalho.

2.3

O plástico é um derivado do petróleo; dois quilos de petróleo produzem, em média, um quilo de plástico.

2.3.1

Estes novos materiais (7) permitiram criar os mais variados objetos: não enferrujam, são leves e não se destroem. Em 1973, foi produzida a primeira garrafa em PET (8).

2.4

O CESE salientou já (9) que «a transição para uma economia circular pode abrir perspetivas positivas para a realização dos objetivos da Estratégia Europa 2020».

2.5

O Comité considera, com efeito, que a transição para uma economia circular europeia pode abrir perspetivas positivas para a competitividade sistémica da UE, «contanto que se baseie numa visão estratégica europeia comum em que participem ativamente o mundo do trabalho, os governos, os empregadores e os trabalhadores, os consumidores e as autoridades legislativas e regulamentares a todos os níveis» (10).

2.6

O CESE recorda o lançamento do pacote de 2014 (11), posteriormente retirado, e o de dezembro de 2015, com a adoção do Plano de Ação da UE para a Economia Circular, que identificou os plásticos como a principal prioridade.

2.7

Na opinião do CESE, «[p]oderão conseguir-se mudanças comportamentais de forma mais eficaz através de sinais claros em matéria de preços, ou seja, oferecendo aos consumidores comodidade e preços competitivos. […] Esta diferenciação poderá ser inicialmente alcançada mediante regimes de responsabilidade alargada do produtor (RAP) e/ou tributação ecológica» (12).

2.8

Em 2016, a indústria europeia de plásticos atingiu um volume de negócios de praticamente 350 mil milhões de euros, abrangendo cerca de 62 mil empresas, garantindo emprego a mais de 1,5 milhões de trabalhadores e com uma produção de 60 milhões de toneladas (13).

2.9

Os plásticos estão atualmente presentes em todos os aspetos da vida quotidiana: dos transportes à construção, das telecomunicações aos bens de grande consumo, dos alimentos à saúde.

2.10

As PME, que empregam menos de 20 trabalhadores, representam cerca de 80 % das empresas do setor dos plásticos da UE, ao passo que as médias/grandes empresas representam cerca de 20 % (14).

2.11

Todos os anos, os europeus geram 25 milhões de toneladas de resíduos plásticos, dos quais menos de 30 % são reciclados (15).

2.12

De acordo com um estudo recente efetuado à escala europeia (nota de rodapé 15), a substituição do plástico por outros materiais nas suas aplicações principais implicaria que o peso das embalagens quase quadruplicaria; um aumento de 60 % no volume dos resíduos produzidos, e um aumento no consumo anual de energia de 57 % durante todo o ciclo de vida.

2.12.1

Por outro lado, 95 % do valor da embalagem são perdidos após uma única utilização. Dos 78 milhões de toneladas decorrentes do consumo, 72 % não são recuperados. Destes, 40 % acabam em aterros e 32 % escapam aos sistemas legais de recolha.

2.13

Daí a necessidade de desenvolver a conceção ecológica do plástico, para o tornar mais reciclável e, por conseguinte, aumentar a procura de plástico reciclado por parte dos diversos setores industriais e redes de distribuição, dos consumidores e dos cidadãos europeus.

2.13.1

É importante intensificar o diálogo com a indústria da reciclagem, para entender os seus processos de produção, necessidades e tecnologias.

2.14

O plástico reciclado deve ser objeto de uma requalificação e revalorização adequadas mediante um processo de normalização e de certificação através de um rótulo.

2.15

Numa economia circular, o plástico deve ser encarado como um património material comum valioso, enquanto elemento essencial do desenvolvimento económico sustentável e competitivo ao serviço dos cidadãos, da saúde e do ambiente, desde que os objetos fabricados com base nesta matéria-prima deixem de ser vistos como um «resíduo a eliminar» e passem a ser considerados «objetos a recuperar».

3.   Os mares e o plástico

3.1

A superfície do planeta é composta a 70 % por mares e oceanos, e as águas marinhas representam 97 % dos seus recursos hídricos. Os oceanos são os nossos maiores aliados contra as alterações climáticas e foram incluídos no Acordo de Paris, dando origem a um relatório especial do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PAIC) dedicado aos oceanos.

3.2

O lixo marinho, e especialmente o plástico e o microplástico, é outra grande ameaça para os oceanos, constituindo, por conseguinte, uma preocupação global que se estende a todos os oceanos do mundo. Todos os anos, são despejados milhões e milhões de toneladas de resíduos nos oceanos em todo o mundo, gerando problemas ambientais, económicos, estéticos e sanitários. O lixo marinho pode provocar graves prejuízos económicos, como sejam perdas para as comunidades costeiras, limitações do turismo, barreiras ao transporte marítimo e à pesca.

3.3

O custo potencial, em toda a UE, da limpeza das costas e das praias foi estimado em cerca de 630 milhões de euros por ano.

3.4

Devido à sua acumulação e à sua utilização generalizada, o lixo marinho representa uma séria ameaça para a saúde dos oceanos em todo o mundo, especialmente devido ao rápido aumento da sua quantidade. A este respeito, são necessárias medidas equilibradas e eficazes de promoção da economia circular, a nível internacional e europeu, com objetivos de redução do lixo marinho da UE de 30 % e 50 % até 2025 e 2030, respetivamente.

3.4.1

Para alcançar esses objetivos impõe-se, antes de mais, alterar a legislação em vigor, que atribui a propriedade dos resíduos àqueles que os recolhem, o que desincentiva essa recolha.

3.4.2

É imperioso prever incentivos adequados a favor daqueles, especialmente os pescadores, que podem colaborar no trabalho de limpeza do mar e dos rios, inclusive mediante uma utilização adequada do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP).

3.5

Em 18 de dezembro de 2017, o Conselho adotou conclusões sobre a ecoinovação e sublinhou «a necessidade de coerência entre as políticas de apoio à inovação e outras políticas, nomeadamente com o objetivo de proteger a saúde humana, o ambiente e a transição para a economia circular» (16).

3.6

O Parlamento Europeu, por seu lado, adotou vários documentos sobre o assunto, incluindo a Resolução de 9 de julho de 2015 sobre a eficiência de recursos: transição para uma economia circular, as resoluções aprovadas em fevereiro de 2017 sobre o Pacote Resíduos e o Relatório de 18 de dezembro de 2017 sobre a governação internacional dos oceanos.

3.7

A ação para a limpeza do mar Mediterrâneo poderá encontrar sinergias com a Parceria (PPP) PRIMA, que prevê ações ecológicas para fins ambientais (17).

4.   As propostas da Comissão Europeia

4.1

A estratégia proposta pela Comissão visa proteger o ambiente da poluição pelo plástico e, ao mesmo tempo, promover o crescimento e a inovação, procurando assim transformar o desafio económico do paradigma linear (produção-distribuição-consumo-comportamento) num modelo circular, que seja autossustentável através de uma utilização eficiente de recursos em que os «resíduos» sejam vistos como «recursos a regenerar».

4.2

«Reutilização», «reciclagem» e «recuperação» tornar-se-ão palavras-chave em torno das quais será construído um novo paradigma que permita promover novas conceções, a sustentabilidade, a inovação e a competitividade, em todo o mercado interno e a nível internacional.

A estratégia proposta prevê 40 ações, 15 recomendações dirigidas às autoridades nacionais e aos órgãos de poder regional e oito recomendações dirigidas à indústria.

4.3

A proposta de diretiva relativa aos meios portuários de receção de resíduos provenientes dos navios introduz novas regras para combater o lixo marinho, com medidas destinadas a garantir que os resíduos gerados nos navios ou acumulados no mar não sejam deixados para trás, mas devolvidos à terra e aí adequadamente geridos. Estão previstas igualmente medidas destinadas a reduzir os encargos administrativos sobre os portos, navios e autoridades competentes.

5.   Observações e recomendações gerais

5.1

De acordo com o Comité, uma estratégia para os plásticos bem-sucedida não pode prescindir de medidas adequadas no domínio da educação e da formação, de incentivos ao nível da conceção e dos comportamentos, de normas técnico-regulamentares comuns de qualidade, de sistemas que tornem atraentes e recompensem determinadas práticas (incluindo no plano fiscal e financeiro), de uma abordagem sistémica e intersetorial, de um uso inteligente e generalizado das aplicações digitais e de um exercício de prospetiva generalizado e participativo, destinado a acompanhar o processo com uma verdadeira cultura europeia da circularidade dos plásticos baseada na análise de todo o ciclo de vida dos produtos.

5.2

A poluição por microplásticos representa uma forte ameaça para o ambiente e a saúde humana. Estas substâncias são frequentemente utilizadas em produtos cosméticos, detergentes, móveis e tintas. Na opinião do CESE, esta poluição deve ser combatida na fonte, através de ações a nível da UE, no âmbito do REACH.

5.3

Na UE, cerca de 40 % do plástico são descartáveis, constituindo a principal causa de poluição. O facto de se fazer pagar uma pequena quantia por cada saco de plástico reduz consideravelmente o seu consumo. O CESE recomenda a extensão desta medida a todos os tipos de plástico descartável.

5.4

O CESE considera prioritária a marcação digital dos vários tipos de plásticos, tendo em vista a identificação, a triagem e a eventual exclusão de elementos nocivos. Os plásticos contêm, frequentemente, substâncias tóxicas proibidas em materiais destinados a entrar em contacto com os alimentos e em brinquedos. A reciclagem dos plásticos pode trazer essas substâncias para os novos produtos. Daí a necessidade de garantir e certificar que os «materiais plásticos secundários» não contêm substâncias tóxicas.

5.5

As legislações nacionais diferem entre si no que respeita às quantidades e às autorizações. Seria útil dispor de uma única legislação harmonizada, mais estrita e em benefício dos consumidores.

5.6

Segundo o CESE, impõe-se reforçar ações destinadas a assegurar as prioridades seguintes:

métodos de deteção comuns;

digitalização dos produtos, dos processos e dos componentes, com vista à marcação digital das várias tipologias;

excelência das infraestruturas de recolha e triagem, equipadas com leitores óticos;

normas e certificação de produtos, processos e instalações;

profissionalização e monitorização da reciclagem;

sistemas de responsabilidade alargada que recompensem o produtor e o consumidor;

lançamento de uma ação-piloto da UE para a organização, a criação e o desenvolvimento comercial de um verdadeiro mercado europeu competitivo de plásticos secundários de qualidade, promovendo a contratação pública ecológica.

5.7

A recolha seletiva e, sobretudo, a reciclagem do PET (18) podem gerar benefícios económicos na UE, com novas atividades de produção e laborais.

5.8

Até à data, privilegiou-se a reciclagem da matéria orgânica por via da compostagem (19), da deposição em aterros e da recuperação de energia por incineração (20), especialmente nos setores do aço e do cimento, com filtros adequados dos gases de escape.

5.9

É cada vez mais importante reciclar os plásticos sob a forma de novos objetos, ou do mesmo tipo (garrafa/garrafa), ou de um tipo diferente (plástico/tecido). Contudo, tal implica um processo de incentivo aos consumidores (21), bem como uma facilidade de identificação através de leitores digitais nos centros de recolha.

5.10

O PET reciclado pode ser usado como fibra para a produção de tecidos de verão e de inverno, fatos-macaco de trabalho, uniformes militares, reforços de pneus, tubos, correias transportadoras, películas de embalagem ou produtos impressos.

5.11

Mediante uma forte ação de normalização técnico-regulamentar e de certificação, se os processos forem corretamente realizados e certificados (22) o PET continua a ser inerte do ponto de vista químico mesmo após a reciclagem e, por conseguinte, adequado para aplicações que implicam um contacto seguro com alimentos (23).

5.12

No que diz respeito ao lixo marinho, o CESE apoia o alinhamento da diretiva pela Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (Convenção MARPOL) e considera que o tratamento da questão dos resíduos provenientes dos navios de pesca e de embarcações de recreio pode fornecer soluções para o problema da poluição marinha, desde que sejam definidas isenções adequadas para as pequenas embarcações e para os portos de tráfego limitado.

5.13

A fim de organizar a recolha de resíduos no mar, seria aconselhável associar, através do FEAMP, as organizações de pescadores, os quais, mediante uma formação adequada, poderiam complementar os rendimentos, nem sempre seguros, da pesca com os da recolha e lançamento na cadeia de reciclagem.

5.14

O mesmo pode aplicar-se à limpeza dos rios, recorrendo a cooperativas de trabalho, mediante a alteração da legislação em vigor (24).

5.15

O CESE considera prioritário concluir acordos regionais em matéria de poluição marinha, especialmente nas zonas marinhas e fluviais.

6.   Observações específicas

6.1

Do PET ao fio de fibras. O PET é reciclado através de um processo mecânico/químico inovador, não poluente, que preserva a pureza da fibra, com menor consumo de água e energia e reduzindo as emissões de CO2 em cerca de 30 %, sem produzir desperdícios ou resíduos.

6.1.1

Em primeiro lugar, é recuperada a matéria-prima, graças a uma recolha seletiva. Após as fases de trituração, lavagem, moagem, trefilagem, secagem e granulação, o PET é transformado num novo polímero, através de um processo não poluente, que recorre principalmente a variações da temperatura. No final, o polímero fundido que é obtido é enviado para uma extrusora. É cortado no comprimento desejado, numa variedade de fios de poliéster sintéticos, reciclados e de alta qualidade com elevado desempenho.

6.2

A transformação do PET (25) (politereftalato de etileno) em tecido é sinónimo de inovação, respeito pelo ambiente e qualidade: desde as técnicas de produção até à conceção.

6.2.1

Dados técnicos (26):

2 kg de petróleo (C9H18) produzem 1 kg de PET (C10H8O4)N;

1 garrafa de 1,5 litros tem uma massa de 38 gramas;

1 garrafa de 0,5 litros tem uma massa de 25 gramas;

para fazer uma camisola polar (330 gr/m2) são precisas cerca de 27 garrafas de litro e meio;

27 garrafas correspondem a 1 026 gramas de PET, o que equivale a cerca de 2 052 gramas de petróleo;

a redução de CO2 para 2 052 gramas de petróleo (24,2136 kWh) (27) é de 6,39239 kg/CO2 .

6.2.2

Outro exemplo: 53 900 garrafas de plástico de 1,5 litros, recicladas, podem ser transformadas num excelente poliéster, suficiente para confecionar 7 mil mochilas, permitindo poupar 3,34 toneladas de CO2 (28).

7.   Questões a ponderar

7.1

Compromissos dos Estados:

educação, desde a fase escolar, sobre a reciclagem seletiva (incluindo plástico), sobretudo a nível do núcleo familiar;

criação de cooperativas/consórcios que recolham plásticos, em colaboração com os municípios e as empresas, e os entreguem em centros adequados para o tratamento e a certificação como «matéria plástica secundária»;

adaptação das normas em vigor relativas aos resíduos às necessidades relacionadas com a recolha de plásticos.

7.2

O CESE apoia o diálogo entre as partes com vista à constituição de um fundo destinado a investir nas tecnologias de reciclagem do plástico e criar um mercado europeu de plástico secundário de qualidade.

7.3

Apoio, através do Programa Horizonte 2020 — e do novo PQ9, incluindo também estudos sobre as bactérias (29) —, à iniciativa Parcerias Institucionais Público-Privadas (uma das sete ITC — Iniciativas Tecnológicas Conjuntas) no domínio das Bioindústrias.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Benedetto Croce; na história de tudo o que possui forma humana, no universo.

(2)  A Iniciativa Bioindústrias é uma parceria público-privada entre a Comissão Europeia e o Consórcio de Bioindústrias (BIC). O consórcio congrega atualmente mais de 60 empresas de grandes e pequenas dimensões, agrupamentos de empresas e organizações nos setores da tecnologia, da indústria, da agricultura e da silvicultura. Todos se comprometeram a investir e a colaborar na investigação, no desenvolvimento e na demonstração de tecnologias biológicas no âmbito da parceria. Estão previstos investimentos de 3,8 mil milhões de euros na inovação biológica de 2014 a 2020 (Programa Horizonte 2020): mil milhões de euros de fundos da UE e 2,8 mil milhões de euros de investimentos privados.

(3)  Diretiva 2005/32/UE e alterações posteriores.

(4)  Ver COM(2018) 33, artigo 8.o, n.o 5.

(5)  Karl Ziegler descobriu, em conjunto com Giulio Natta, a síntese estereoespecífica do polipropileno, utilizando catalisadores que contêm titânio; estes tipos de catalisador são comummente designados por catalisadores Ziegler-Natta. Em 1963, estes cientistas ganharam o Prémio Nobel da Química.

(6)  Zinco, blenda, calamina, baritina, baquelite.

(7)  PE (Polietileno); PP (Polipropileno); PS (polistireno); PET (Polietileno tereftalato); PVC (policloreto de vinilo).

(8)  Patenteado por N. Convers Wyrth, engenheiro americano.

(9)  Parecer do CESE (JO C 230 de 14.7.2015, p. 91).

(10)  Parecer do CESE (JO C 230 de 14.7.2015, p. 91).

(11)  Ver SWD(2014) 208 e SWD(2015) 259 final.

(12)  Parecer do CESE (JO C 230 de 14.7.2015, p. 91).

(13)  Ver o Relatório — «L'eccellenza della filiera della plastica per il rilancio industriale dell'ITALIA e dell'EUROPA 2017» [A excelência do setor dos plásticos com vista ao renascimento industrial de Itália e da Europa 2017], https://www.ambrosetti.eu/wp-content/uploads/parte-2.pdf

(14)  Ambrosetti, Relatório — «L'eccellenza della filiera della plastica nell'UE 2015» [A excelência do setor dos plásticos na UE 2015].

(15)  Comissão Europeia, comunicado de imprensa de 16 de janeiro de 2018.

(16)  http://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15811-2017-INIT/pt/pdf, conclusões do Conselho de 18.12.2017, «Ecoinovação: permitir a transição para uma economia circular Conclusões do Conselho».

(17)  COM(2016) 662 final e parecer do CESE (JO C 125 de 21.4.2017, p. 80).

(18)  PET: Poli(tereftalato de etileno), composição: (C10H8O4)n. Deriva do petróleo bruto (C9H18). É uma resina termoplástica, adequada para o contacto com alimentos.

(19)  A compostagem é o que resta após o processo de decomposição e humificação de resíduos de substâncias orgânicas.

(20)  Combustível sólido derivado de resíduos. Durante a combustão, a quebra das ligações entre os átomos de hidrogénio e de carbono do plástico emitem grandes quantidades de calor.

(21)  Por exemplo, o depósito obrigatório na Alemanha, a obrigação de recolha dos recipientes vazios por parte dos vendedores na Suíça, etc.

(22)  Impedir a geração de acetaldeído, otimizando a temperatura de fusão e o tempo de permanência. Excluir a descontaminação.

(23)  Por lei, em alguns Estados os recipientes para alimentos não podem incluir na sua composição mais de 50 % de materiais plásticos secundários. Além disso, não devem entrar em contacto com os alimentos, pelo que o plástico reciclado deve ser associado a plástico «virgem» na parte que fica em contacto com os alimentos.

(24)  Estima-se que entre 1,15 e 2,41 milhões de toneladas de resíduos plásticos desaguam no oceano todos os anos transportados pelos rios, e mais de 74 % desse volume concentram-se entre maio e outubro. Os 20 rios mais poluidores do mundo, situados sobretudo na Ásia, são responsáveis por 67 % do total dos resíduos plásticos descarregados nos oceanos.

(25)  Os poliésteres vêm do PET e estão disponíveis como um tufo de fibras ou como um fio liso ou volumoso, ou ainda como uma microfibra.

(26)  Fonte: Pielleitalia S.r.l Grassobbio Bergamo.

(27)  Fonte: CCI Ispra: Fator de Conversão de Petróleo Bruto:

11,8 MWh/t

0,264 tCO2/MWh

(28)  Ver nota 28, CCI Ispra.

(29)  Em conjunto com outros institutos de investigação japoneses, o Instituto de Tecnologia de Quioto e a Universidade Keio isolaram uma espécie de bactéria (Ideonella sakaiensis) capaz de «devorar» o plástico, utilizando-o como fonte de subsistência e crescimento através da ação química de apenas duas enzimas. Ver (em inglês) science.sciencemag.org/content/351/6278/1196 — Yoshida et alia. John McGeehan, biólogo e professor da Universidade de Portsmouth, e colegas criaram acidentalmente uma versão superpotente da enzima comedora de plástico. O seu trabalho foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences em 2018.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/69


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — O futuro da alimentação e da agricultura»

[COM(2017) 713 final]

(2018/C 283/10)

Relatora:

Jarmila DUBRAVSKÁ

Correlator:

John BRYAN

Consulta

Comissão Europeia, 18.1.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

5.12.2017

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.5.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

195.7.18

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com a Comunicação da Comissão — O futuro da alimentação e da agricultura, e considera que uma política agrícola comum (PAC) forte e devidamente financiada é essencial para uma agricultura sustentável e viável da União Europeia (UE).

1.2.

A futura PAC deve concretizar os objetivos originais estabelecidos no Tratado de Roma, bem como os novos objetivos relacionados com o ambiente, as alterações climáticas e a biodiversidade, assegurando ao mesmo tempo que o modelo europeu de agricultura é conservado e permanece competitivo e viável para satisfazer as necessidades dos cidadãos europeus. A nova PAC também deve adotar e realizar as metas definidas no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e da COP 21.

1.3.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a direção tomada pelas reformas e com as novas propostas sobre a subsidiariedade e o novo modelo de prestação, e salienta a necessidade de assegurar que são aplicadas a fim de proteger a política comum e o mercado único e são congruentes com os compromissos assumidos em matéria de simplificação. No entanto, o CESE é da opinião de que a comunicação devia ser mais detalhada. O Comité esperava que a Comissão tivesse em conta os pontos de vista da sociedade civil constantes do presente parecer nas futuras propostas legislativas. O calendário para o parecer do CESE e para as propostas legislativas da Comissão era demasiado apertado.

1.4.

O CESE apoia o modelo da PAC assente em dois pilares, em que o primeiro pilar concede pagamentos diretos, que deverão ter uma nova orientação e que terão de garantir um rendimento justo aos agricultores e incentivos pelo fornecimento de bens públicos, bem como apoio ao mercado, e o segundo pilar apoia zonas rurais e combate o despovoamento, em consonância com a Declaração de Cork 2.0. O CESE opõe-se ao cofinanciamento do primeiro pilar e solicita a definição de um nível razoável para o cofinanciamento do segundo pilar para todos os Estados-Membros. O CESE não tem dúvidas de que os pagamentos diretos só devem ser atribuídos aos agricultores ativos, com base em critérios objetivos relativos à atividade agrícola e ao fornecimento de bens públicos.

1.5.

O CESE apoia uma PAC forte e devidamente financiada, bem como o aumento do orçamento da UE para 1,3 % do RNB em consonância com o crescimento da economia da UE. Há que proporcionar um financiamento adequado no âmbito da PAC para enfrentar os baixos rendimentos dos agricultores e dos trabalhadores agrícolas, a inflação e eventuais insuficiências derivadas do Brexit, requisitos adicionais em matéria de ambiente e alterações climáticas, bem como para fazer face à necessidade de aproximação dos pagamentos diretos entre Estados-Membros, tendo em conta as condições divergentes.

1.6.

O CESE considera que a PAC deve apoiar as explorações agrícolas de pequena e grande dimensão, os agricultores jovens e idosos, novos e consagrados, os agricultores independentes e os seus trabalhadores, do sexo masculino e feminino, a fim de tornar a vida nas zonas rurais viável para agricultores ativos envolvidos na produção agrícola, no fornecimento de bens públicos, na proteção do ambiente e no contributo para a criação de emprego.

1.7.

Embora acolha com agrado as novas propostas sobre a subsidiariedade e a atribuição de maiores responsabilidades aos Estados-Membros, o CESE está convicto de que é necessário manter uma PAC forte, sem renacionalizações que coloquem o mercado único em risco. A subsidiariedade deve aplicar-se apenas aos planos dos Estados-Membros para a realização dos objetivos da PAC, ao mesmo tempo que proporciona aos Estados-Membros a flexibilidade necessária para adotar as opções de pagamento dos primeiro e segundo pilares que se adaptarem melhor aos tipos, estruturas e condições de agricultura em cada país, tendo em conta as suas condições naturais e o seu ambiente.

1.8.

O novo modelo de prestação proposto para os objetivos ambientais e relacionados com as alterações climáticas deve ser predominantemente aplicado no âmbito dos Estados-Membros. De acordo com o compromisso em matéria de simplificação, este modelo deve ser de compreensão simples e fácil para os agricultores, sem impor custos adicionais. Os planos estratégicos nacionais devem ser convertidos, no âmbito das explorações agrícolas, em planos simples com indicadores de fácil compreensão e medição.

1.9.

A simplificação tem constituído, há muito, um elemento essencial da comunicação sobre a PAC, devendo o compromisso de obter resultados neste domínio ser respeitado nesta reforma. O CESE considera que a referida reforma constitui uma oportunidade real para a simplificação e propôs uma lista de questões muito específicas para a aplicação. A condicionalidade deve ser consolidada com recurso aos avanços tecnológicos, a forma e as taxas de inspeção nas explorações agrícolas devem ser reexaminadas e otimizadas, as tolerâncias, eventualmente, aumentadas, a fim de evitar falsas precisões. Os agricultores devem ter a possibilidade de retificar os incumprimentos através de um processo de compensação, antes de serem sancionados, e o pagamento deve ser efetuado dentro do prazo. O princípio da anualidade deve ser de aplicação neste caso, a fim de evitar a necessidade de controlos e sanções com efeitos retroativos.

1.10.

O CESE apoia plenamente as medidas melhoradas destinadas aos jovens agricultores e propôs seis medidas específicas, nomeadamente uma definição clara de jovens agricultores, a fim de responder à questão fundamental da renovação geracional na agricultura.

1.11.

De uma perspetiva ambiental positiva, e a fim de aumentar a superfície ocupada por prados em toda a UE, o CESE recomenda um maior apoio direto aos agricultores ativos para os prados permanentes com um nível mais elevado de pagamento.

1.12.

A PAC após 2020 deve reforçar a posição dos agricultores na cadeia de abastecimento para que obtenham um rendimento justo e não sejam o elo mais fraco da cadeia (1). A PAC deve proteger o funcionamento do mercado único, com a rotulagem obrigatória da origem dos produtos agrícolas, o que não impedirá a livre circulação de mercadorias na UE.

1.13.

O CESE estima que a PAC deve ser complementar a uma política alimentar global (2).

1.14.

A UE carece de um consumo sustentável de alimentos que respeite os requisitos relativos às emissões hipocarbónicas (3), bem como as elevadas normas ambientais e relativas às alterações climáticas, em consonância com a economia circular e a agricultura biológica.

1.15.

A agricultura não envolve apenas a produção alimentar, mas também a gestão dos terrenos agrícolas, a utilização de recursos hídricos e a proteção do ambiente. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a impedir que os solos da UE sejam irreversivelmente apropriados de forma ilegal e desviados para outros usos — bem como a protegê-los da degradação, da desertificação, do abandono, da poluição e da erosão (4). Importa também reconhecer a estreita ligação existente entre a agricultura e a silvicultura.

1.16.

O CESE entende que a UE deve prosseguir uma estratégia muito mais coerente entre a PAC e a política comercial internacional. O CESE reconhece que a política comercial é fundamental para o êxito da PAC e, assim, considera que os eventuais novos acordos comerciais devem insistir no pleno respeito das normas europeias sobre as questões essenciais de segurança alimentar, impacto no ambiente, fitossanidade, saúde e bem-estar dos animais e condições laborais.

2.   A importância da agricultura e o futuro da alimentação e da agricultura

2.1.

A agricultura sustentável e viável é o único setor que pode suprir a necessidade mais básica da população humana no âmbito da produção alimentar e, através da gestão e manutenção das terras, fornece igualmente bens públicos essenciais, relacionados com a proteção ambiental dos nossos recursos hídricos e aéreos, bem como dos solos e da biodiversidade.

2.2.

A par do fornecimento de bens públicos, a agricultura, a silvicultura e as pescas, com mais de 11 milhões de agricultores, criam 22 milhões de postos de trabalho diretamente nas explorações agrícolas e 22 milhões de postos de trabalho adicionais em toda a Europa em domínios conexos como a transformação, o comércio e o transporte e até a ciência, a investigação e a educação. A agricultura poderia contribuir de forma mais eficaz para a produção económica, o crescimento e o emprego nas zonas rurais, se as condições de base fossem alteradas nesse sentido.

2.3.

O cultivo e a agricultura desempenham um papel crucial no futuro da Europa e na concretização das metas estabelecidas nos ODS da ONU e dos compromissos assumidos na 21.a Conferência das Partes (COP 21). No âmbito do futuro da alimentação e da agricultura, a agricultura europeia pode proporcionar benefícios importantes à sociedade, através de uma melhor cadeia alimentar, na oferta abundante de alimentos e matérias-primas seguros e a preços acessíveis de uma forma sustentável que proteja os nossos principais recursos, solos, água, ar e biodiversidade, além de proporcionar um rendimento justo aos agricultores através de preços viáveis.

2.4.

O CESE considera que, a par de concretizar os principais objetivos estabelecidos no Tratado de Roma, a saber, 1) incrementar a produtividade agrícola, 2) assegurar um nível de vida equitativo aos agricultores, 3) estabilizar os mercados, 4) garantir a segurança dos abastecimentos e 5) assegurar preços razoáveis aos consumidores, no futuro, a PAC também deve pugnar por outros resultados, especialmente no que respeita ao ambiente, às alterações climáticas e à biodiversidade, bem como às questões sociais e ao emprego nas zonas rurais.

2.5.

O CESE reconhece que os objetivos da PAC estabelecidos no Tratado de Roma evoluíram ao longo do tempo e foram alcançados apenas de forma limitada. Um dos objetivos visados consistia — e consiste ainda — em gerar rendimento suficiente, através do aumento da produtividade agrícola. Se é verdade que as explorações agrícolas são hoje mais produtivas do que nunca, em muitos casos o nível dos rendimentos é insuficiente, e os pagamentos diretos substituíram-se muitas vezes aos preços «justos e equitativos», que podem ser obtidos no mercado. Os agricultores ativos requerem pagamentos únicos da PAC por exploração, além dos retornos proporcionados pelos mercados.

2.6.

O CESE considera que os seguintes princípios fundamentais devem constituir a base para os objetivos futuros da PAC:

proteger o modelo europeu de agricultura, com os seus papéis multifuncionais e explorações agrícolas familiares, PME, cooperativas e outros sistemas de exploração agrícola viáveis numa base histórica na UE. A PAC deve possibilitar uma produção agrícola sustentável em todas as regiões da UE;

pagamentos diretos sólidos para apoiar rendimentos agrícolas viáveis;

medidas para um desenvolvimento rural forte;

bom funcionamento do mercado único;

posição mais forte do produtor primário na cadeia de valor;

utilização e gestão sustentáveis dos recursos naturais dos solos, água, ar e biodiversidade;

proteção ambiental e atenuação das alterações climáticas;

conservação da natureza e das paisagens;

apoio à renovação geracional e à atração de jovens agricultores;

promoção do emprego;

proteção dos postos de trabalho e da integração social;

apoio ao crescimento e ao reforço da competitividade;

acesso dos cidadãos a uma grande variedade de alimentos produzidos de forma sustentável, incluindo produtos regionais, produtos com indicações geográficas e alimentos biológicos;

adoção de uma política comercial coerente e em consonância com os objetivos da PAC;

indicação obrigatória da origem como valor acrescentado para os consumidores;

priorização das ações de formação centradas na melhoria da produção e na qualidade dos alimentos;

permitir que os fluxos de migração circular respondam às necessidades de produção com trabalhadores sazonais oriundos de países terceiros;

fomento da digitalização das zonas rurais, da atividade agrícola e da cadeia de abastecimento alimentar.

2.7.

O CESE considera que as novas propostas constantes da comunicação da Comissão relativas à subsidiariedade e ao novo modelo de prestação são positivas e, se aplicadas de forma correta, podem ter um grande impacto positivo na PAC, no quadro das explorações agrícolas, na simplificação e redução da burocracia, bem como numa melhor adaptação das medidas às condições variáveis nos Estados-Membros e de maior ênfase da política no ambiente e nas alterações climáticas. O CESE considera ainda que, para tal, são necessárias algumas alterações fundamentais à PAC, que já estão em parte previstas nas propostas da Comissão. Se forem transpostas corretamente poderão ter um impacto positivo na agricultura e na concretização efetiva dos objetivos da PAC.

2.8.

A PAC deve refletir os principais objetivos e metas definidos no âmbito dos ODS da ONU e da COP 21, que incluem a erradicação da pobreza, o que implica melhorar os rendimentos agrícolas, a luta contra a fome, a saúde e o bem-estar, uma boa educação, água potável e saneamento, energia limpa e comportável, o trabalho digno e o crescimento económico, a redução das desigualdades, a produção e o consumo responsáveis, ações em matéria de clima, e a proteção da água e da vida na terra. O CESE considera que a PAC deve respeitar estes objetivos fundamentais e que tal se deve refletir na condicionalidade dos pagamentos diretos, em especial no que se refere às questões fundiárias e às normas ambientais e laborais.

2.9.

Tendo em conta a calendarização da progressão das propostas, o CESE propõe a implantação de modalidades de transição claras, simplesmente porque os processos políticos necessários e a execução administrativa subsequente não estarão provavelmente concluídos antes do final de 2022. É necessário tempo suficiente para a transição da política em vigor para a nova política sem quaisquer problemas. Os agricultores e o setor agrícola requerem clareza, estabilidade e segurança do planeamento. A UE deve evitar as dificuldades que surgiram com a última reforma.

3.   Orçamento

3.1.

Os pagamentos diretos terão de continuar a desempenhar um papel na salvaguarda dos rendimentos, pois as atuais condições não permitem aos agricultores gerar um rendimento suficiente através da venda dos seus produtos. Uma vez que se deve criar simultaneamente para os agricultores um mercado de «bens públicos», que não só compense as suas despesas adicionais e uma eventual diminuição das receitas, mas que tenha também um impacto positivo nos rendimentos, uma ideia que o CESE apoia vigorosamente, os decisores devem assegurar financiamento suficiente para conseguir efetivamente honrar estes compromissos. O CESE critica o facto de a comunicação não incluir qualquer análise das necessidades financeiras reais da nova PAC «mais equitativa e mais ecológica» (5).

3.2.

O CESE exorta, por conseguinte, ao estabelecimento de um orçamento sólido para a PAC, mas considera que tal está em risco. A fim de responder às novas exigências da PAC relativas ao cumprimento dos requisitos adicionais em matéria de ambiente e alterações climáticas no âmbito das explorações agrícolas, bem como para enfrentar a necessidade de aproximação dos pagamentos diretos entre Estados-Membros, tendo em conta as condições divergentes, para poder continuar a reagir contra as pressões dos baixos rendimentos agrícolas e para colmatar as diferenças de rendimento com outros setores da sociedade e resolver a questão da inflação, é provavelmente necessário aumentar de forma considerável o orçamento da PAC.

3.3.

Desde a década de 1980 que as despesas efetuadas no âmbito da PAC diminuíram de cerca de 70 % do orçamento da UE para 38 %. O orçamento da PAC não aumentou quando a UE assistiu ao acréscimo acentuado de 18 Estados-Membros e os terrenos agrícolas da UE aumentaram significativamente.

3.4.

O CESE toma nota das propostas do PE de aumento do orçamento da UE de 1,0 % do RNB para, no mínimo, 1,3 %; fica por esclarecer que percentagem dos fundos adicionais será atribuída à agricultura e se esse montante será suficiente para apoiar um orçamento da PAC suficiente e adequado e satisfazer todas as metas e requisitos ambiciosos. Tanto a sociedade civil como o Parlamento Europeu apoiam um orçamento sólido, bem como a estabilidade que lhe está associada. As propostas de reforma da PAC não serão bem-sucedidas sem um orçamento da PAC adequado.

3.5.

As insuficiências do orçamento da UE e, em especial, do orçamento da PAC resultantes do Brexit devem ser compensadas por contribuições suplementares dos Estados-Membros. Além disso, as propostas de financiamento das novas medidas da UE devem implicar um novo financiamento.

4.   Subsidiariedade

4.1.

O CESE congratula-se com a proposta de introdução de um maior nível de subsidiariedade na PAC, mas salienta a importância de manter uma política agrícola comum e um mercado único da UE fortes. Não se pode permitir que a subsidiariedade prejudique a PAC nem o mercado único de forma alguma. Além disso, os membros do CESE sublinham a importância de ser impossível a renacionalização da PAC, através da subsidiariedade, em qualquer Estado-Membro.

4.2.

A subsidiariedade só deve ser aplicável aos planos desenvolvidos pelos Estados-Membros para a concretização das prioridades da PAC, mantendo simultaneamente o modelo da PAC assente em dois pilares. O CESE congratula-se com a iniciativa de desenvolver a agricultura das regiões de origem dos migrantes. Há que respeitar as normas de trabalho para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores sazonais.

4.3.

O papel da Comissão na aprovação e no controlo dos planos nacionais de execução e, em caso de incumprimento, na eventual aplicação de sanções é fundamental para assegurar que a PAC continua a ser uma política comum.

4.4.

O elemento fundamental da subsidiariedade positiva deve consistir em permitir que os Estados-Membros concebam os mecanismos e as operações no âmbito dos pagamentos do primeiro e segundo pilares que se adequem melhor aos tipos, estruturas e condições de agricultura de cada país, garantindo ao mesmo tempo uma maior concretização dos objetivos em matéria de alterações climáticas e ambiente.

4.5.

A subsidiariedade deve ainda proporcionar uma flexibilidade que permita aos Estados-Membros adotar as regras, as condições e a conceção da condicionalidade que se adequem melhor às circunstâncias do seu país e, por sua vez, conseguir uma simplificação real e significativa ao nível das explorações agrícolas, mantendo ao mesmo tempo um controlo adequado.

5.   Novo modelo de prestação

5.1.

A comunicação relativa à PAC propõe um novo modelo de prestação que, através da subsidiariedade, permitirá aos Estados-Membros conceber uma combinação de medidas obrigatórias e facultativas no âmbito dos dois pilares, para satisfazer os objetivos ambientais e climáticos definidos no quadro da UE. Propõe que os Estados-Membros definam metas quantificadas nos planos estratégicos tendo como finalidade a prestação. Além disso, propõe que todos os pagamentos diretos efetuados aos agricultores estejam condicionados à adoção (ou manutenção, caso já o façam) de práticas favoráveis ao ambiente e ao clima. Propõe igualmente compensar os agricultores com práticas mais ambiciosas a título voluntário, o que exigirá fortes pagamentos de incentivo.

5.2.

O CESE não tem dúvidas de que é necessário aplicar metas quantificadas e indicadores de resultados em matéria de ambiente e alterações climáticas, sobretudo, no âmbito dos Estados-Membros.

5.3.

Relativamente às explorações agrícolas, o novo modelo de prestação poderia incluir um plano simples com os aspetos principais das medidas relativas ao ambiente e às alterações climáticas, que abranja a proteção das características dos solos, da água, do ar, da biodiversidade e da paisagem, bem como a gestão dos nutrientes.

5.4.

Efetuar-se-iam pagamentos adicionais e mais elevados no âmbito do segundo pilar, quando fossem aplicadas, a título voluntário, condições reforçadas em matéria social, laboral, ambiental e das alterações climáticas.

5.5.

O CESE considera muito importante que o novo modelo de prestação seja congruente com os objetivos de simplificação e seja de fácil compreensão e aplicação no âmbito das explorações agrícolas.

5.6.

A aplicação do novo modelo de prestação não deve implicar custos adicionais no contexto das explorações agrícolas relativas aos serviços de aconselhamento ou custos de cumprimento que diminuam os pagamentos diretos. Os eventuais custos incorridos no âmbito das explorações agrícolas para dar resposta aos novos desafios ambientais e climáticos devem traduzir-se em pagamentos e dotações orçamentais mais elevados no âmbito dos Estados-Membros.

5.7.

O CESE congratula-se com as propostas da Comissão para abarcar o conceito de «agricultura inteligente», que contribui para melhorar os rendimentos agrícolas, ao mesmo tempo que se obtêm benefícios ambientais. Trata-se de utilizar a formação, a transferência de conhecimentos e a tecnologia com o objetivo de aumentar a eficiência na utilização de água, energia, adubos e outros insumos, como os pesticidas (6), bem como de promover os métodos ecológicos de produção, como a gestão ecológica dos solos, a agricultura biológica e a agroecologia.

6.   Simplificação

6.1.

O CESE apoia plenamente uma simplificação substancial da PAC e a concretização dos compromissos políticos assumidos neste domínio, tendo em vista obter benefícios concretos, nomeadamente uma redução dos encargos administrativos suportados pelos agricultores. Esta simplificação foi prometida em muitas reformas anteriores da PAC, com poucos ou nenhuns resultados.

6.2.

É extremamente importante que as propostas legislativas impliquem uma verdadeira simplificação dos elementos mais burocráticos da PAC, nomeadamente no atinente às verificações no local ligadas aos pedidos de ajuda efetuados ao abrigo dos regimes de ajuda superfícies, bem como aos inúmeros e complicados requisitos de condicionalidade que os agricultores têm de observar à luz do requisito legal de gestão (RLG) e das BCAA. Ao mesmo tempo, é importante introduzir um sistema de controlo eficaz e eficiente, baseado no risco, que, no entanto, esteja ligado a um regime de aconselhamento a montante e de incentivos para os agricultores.

6.3.

Embora se saúde o facto de o Regulamento «Omnibus» ter dado alguns passos modestos no sentido da simplificação, é necessário proceder a alterações adicionais para concretizar esse objetivo.

6.4.

O CESE propõe que, graças ao novo modelo de prestação, à subsidiariedade e a uma melhor utilização das tecnologias modernas, tirando partido dos recursos e instrumentos do Centro Comum de Investigação (JRC), se proceda a uma simplificação nos seguintes domínios:

revisão completa e remodelação do sistema de controlo nas explorações agrícolas, a fim de o tornar mais eficiente e menos burocrático, baseado num princípio da anualidade (sem controlos retroativos) e centrado, na primeira fase, na orientação e correção em vez de em penas e sanções;

melhor utilização das novas tecnologias: as inspeções por satélite e a teledeteção poderiam substituir algumas das verificações no local da condicionalidade;

otimização dos atuais RLG e BCAA, sem comprometer os controlos ou as normas;

mais tolerância para tomar em consideração as especificidades do funcionamento real das explorações agrícolas, que podem, em muitos casos, ser geridas apenas por uma pessoa, prevendo-se um período de tempo apropriado para corrigir e retificar as situações de incumprimento;

impossibilidade de as inspeções atrasarem os pagamentos; recurso a uma política que passe pela aplicação das sanções apenas no ano subsequente em tudo o que diga respeito aos critérios de elegibilidade e condicionalidade/RLG (7).

6.5.

A subsidiariedade possibilita aos Estados-Membros proceder a uma maior simplificação das questões ligadas às explorações agrícolas, o que permite uma maior adequação às circunstâncias específicas, mantendo simultaneamente o fornecimento de bens públicos.

7.   Pagamentos diretos, desenvolvimento rural e OCM

7.1.

Um relatório recente do Tribunal de Contas Europeu (TCE) salientou que o regime de pagamento de base para os agricultores se encontra no bom caminho, mas que o seu impacto na simplificação, na orientação e na convergência dos níveis de ajuda é limitado. Além disso, o TCE afirma que este regime é uma importante fonte de rendimento para muitos agricultores, embora tenha limitações inerentes. Não tem em conta as condições de mercado, a utilização dos terrenos agrícolas ou as circunstâncias individuais da exploração e não assenta numa análise global da situação do rendimento dos agricultores.

7.2.

Os pagamentos diretos tornaram-se, assim, para muitos agricultores, no instrumento mais importante da PAC (8) e são fundamentais para a agricultura europeia, apoiando o rendimento dos agricultores, contribuindo para preservar o modelo agrícola da UE e fomentando as mais exigentes normas ambientais e alimentares, porque os agricultores já não conseguem obter, com frequência, rendimentos suficientes com a produção e a venda dos seus produtos no mercado. Em média, os pagamentos diretos representam 46 % do rendimento agrícola de cerca de 7 milhões de agricultores, abrangendo 90 % das terras cultivadas na UE (9). Em alguns setores e regiões, os pagamentos diretos são ainda mais importantes e absolutamente essenciais para a sobrevivência da agricultura.

7.3.

O CESE lamenta esta evolução que torna o setor agrícola cada vez mais dependente de decisões orçamentais. Na opinião do CESE, a PAC deve, em primeiro lugar, assegurar-se de que a estabilização dos mercados (e acordos comerciais justos) contribuem para rendimentos justos provenientes da venda de produtos produzidos de forma sustentável. Ao mesmo tempo, o CESE congratula-se com o facto de os responsáveis políticos pretenderem desenvolver um mercado de «bens públicos» com um impacto positivo nos rendimentos.

7.4.

Como resulta claro da comunicação da Comissão, isto requererá alterações na orientação dos pagamentos diretos. O CESE congratula-se com o facto de a Comissão estar a analisar se a atual dotação financeira pode ser mantida na sua forma atual. Qualquer mudança, porém, deve preservar um dos trunfos principais da política, a saber, a proteção do bom funcionamento do mercado interno que a PAC criou ao longo dos anos.

7.5.

O CESE está preocupado com a falta de apoio aos agricultores que recebem poucos, ou nenhuns, pagamentos diretos, como os produtores de fruta e de produtos hortícolas em pequenas superfícies ou, por exemplo, os pastores nos Estados-Membros que não dispõem de pagamentos não dissociados para estas prestações.

7.6.

O CESE apoia a preservação do modelo da PAC assente em dois pilares, com pagamentos diretos e medidas de mercado destinadas a apoiar os rendimentos agrícolas, no âmbito do primeiro pilar, e intervenções orientadas para os aspetos económicos, ambientais, laborais e sociais da agricultura e das zonas rurais, em conformidade com a Declaração de Cork 2.0, no âmbito do segundo pilar (10).

7.7.

O CESE apoia as propostas no sentido de uma maior ambição e de uma maior ênfase na proteção ambiental e na ação climática em ambos os pilares, a fim de tornar a PAC mais ecológica, uma vez que as políticas atuais se revelaram demasiado burocráticas, cabendo torná-las mais eficientes.

7.8.

Os pagamentos diretos só devem ser atribuídos aos agricultores ativos, com base em critérios objetivos e claros, bem como em práticas regionais, centrados nas atividades agrícolas e no fornecimento de bens públicos. Os pagamentos diretos não devem ser disponibilizados a quem seja apenas proprietário de terrenos e não participe ativamente na produção agrícola nem forneça bens públicos.

7.9.

Se necessário, os Estados-Membros devem poder aumentar o nível de pagamentos associados para apoiar vigorosamente os setores e regiões vulneráveis, sem provocar distorções do mercado. Esta medida contribuirá para proteger a biodiversidade, a pastorícia e outros setores em declínio, bem como para evitar o abandono das terras, especialmente em zonas rurais remotas, nas quais não seja possível adotar ou mudar para explorações agrícolas diferentes. Além disso, os Estados-Membros devem dispor de maior flexibilidade para direcionar os pagamentos no âmbito do segundo pilar, a fim de melhorar a situação de setores e regiões vulneráveis em declínio, para os quais os pagamentos associados não são necessariamente os mais adequados.

7.10.

O CESE considera que a agricultura familiar deve receber um apoio mais específico. A fim de reforçar a viabilidade económica das explorações agrícolas de pequena dimensão, devem ser utilizadas as medidas voluntárias mais adequadas do primeiro e do segundo pilares da PAC. Uma eventual redistribuição dos pagamentos entre os requerentes não deve conduzir a um aumento dos preços dos terrenos e do seu arrendamento nem a uma queda dos rendimentos e da rentabilidade dos agricultores ativos.

7.11.

Cada Estado-Membro adotará um plano estratégico e tomará medidas para conceder pagamentos à atividade agrícola com base nesse plano. Os pagamentos diretos ao abrigo do primeiro pilar devem ser plafonados a um nível justo e razoável para os agricultores individuais, com ajustamentos. Deve ser possível efetuar ajustes, e devem ser tidas em conta as parcerias, as cooperativas, as empresas e o número de trabalhadores que precisam de seguro. O plafonamento não se deve aplicar às medidas ambientais a título voluntário nem a quem forneça bens públicos. Os fundos recuperados do plafonamento podem ser utilizados para pagamentos redistributivos. Os Estados-Membros poderão ter em conta o emprego, a produção animal e os setores sensíveis.

7.12.

No modelo de pagamentos de base, é proposto que os países que tenham adotado um modelo diferente do sistema de pagamentos de base fixos, como o modelo híbrido ou o modelo de aproximação, o possam manter após 2020, caso se adeque melhor às circunstâncias destes países (11). Os Estados-Membros com um pagamento único por superfície devem ter a possibilidade de abolir o sistema de direitos ao pagamento. Um pagamento fixo por hectare pode, em alguns casos, beneficiar mais os produtores de culturas arvenses do que os setores de trabalho intensivo, como os criadores de gado e os produtores de fruta e produtos hortícolas.

7.13.

Para assegurar que a PAC continua a ser uma política comum forte da UE, o CESE considera que não deve haver qualquer cofinanciamento no âmbito do primeiro pilar. O CESE não é favorável a que se permita aos Estados-Membros transferir fundos do segundo para o primeiro pilar, instando a um nível razoável de cofinanciamento do segundo pilar para todos os Estados-Membros.

7.14.

O montante dos pagamentos diretos aos agricultores nos diferentes Estados-Membros deve ser objeto de uma maior aproximação, a fim de ter em conta os diferentes condicionalismos e, assim, criar condições de concorrência equitativas para os agricultores em todos os Estados-Membros e assegurar um desenvolvimento equilibrado das zonas rurais em toda a UE (12).

7.15.

É fundamental dispor de uma política de desenvolvimento rural forte no âmbito do segundo pilar da PAC, com maior margem de manobra, para apoiar os requisitos agrícolas, económicos, ambientais e sociais nas zonas rurais, nomeadamente as regiões mais vulneráveis, em consonância com a Declaração de Cork 2.0. As medidas devem centrar-se no combate ao despovoamento, em sinergia com outras políticas estruturais. O CESE destaca igualmente a estreita ligação existente entre a agricultura e a silvicultura, e o papel das florestas nas economias rurais.

7.16.

O apoio financeiro às zonas com condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas são uma das medidas de particular interesse para restaurar, preservar e melhorar os ecossistemas dependentes da agricultura e das florestas (13). O apoio aos agricultores com explorações agrícolas em zonas com condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas é fundamental para manter a agricultura nestas zonas, prevenindo o abandono das terras e, em última análise, o despovoamento rural. Os Estados-Membros devem dispor de dotações financeiras suficientes do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) para apoiar as zonas com condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas.

7.17.

O CESE continua a apoiar o reforço da ajuda prestada nas zonas com condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas. Esta ajuda deve variar em função do grau de desvantagem, que se deve basear nos critérios biofísicos existentes para determinar as zonas com condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas.

7.18.

O CESE propõe que a atual organização comum dos mercados agrícolas (OCM) seja melhorada e reforçada, com o intuito de proporcionar uma rede de segurança eficaz e apoiar o mercado, nomeadamente em tempos difíceis ou de crise, tais como o embargo russo ou o Brexit, a fim de proteger os produtores primários, os transformadores, os consumidores, os mercados e os postos de trabalho. O CESE considera que as propostas legislativas da Comissão devem incidir mais nos «mercados» e no «comércio» e conter medidas significativas e concretas.

7.19.

A PAC deve reforçar a posição dos agricultores para que não sejam o elo mais fraco da cadeia de abastecimento (14). O CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão de elaborar medidas legislativas para combater práticas comerciais desleais. Estas devem ser apresentadas logo que possível para que o apoio prestado pelo orçamento da UE não seja perdido para a agricultura, criando, em vez disso, valor e ajudando os agricultores a colocarem os seus produtos no mercado a preços justos. Além disso, o CESE recomenda a execução das propostas do Grupo de Missão para os Mercados Agrícolas.

7.20.

O bom funcionamento do mercado único deve ser um elemento essencial da PAC. As tendências recentes de renacionalização no mercado único causam grande preocupação, provocando uma maior discrepância nos preços e no mercado. É essencial estabelecer regras, onde estas não existam, sobre a rotulagem obrigatória com a indicação da origem dos produtos agrícolas e alimentares, algo que é necessário para prevenir a fraude e permitir aos consumidores fazer escolhas informadas, precisamente para que essas regras não ponham em causa ou impeçam a liberdade de circulação de mercadorias no mercado único da UE (15). A concorrência desleal através do incumprimento das normas laborais (contratos, segurança social, saúde e segurança no trabalho) põe gravemente em risco o mercado único.

7.21.

A incerteza política, as alterações climáticas e outros fatores significam que os agricultores deparam cada vez mais com catástrofes naturais decorrentes do clima e com grandes flutuações dos preços nos mercados. Os rendimentos agrícolas podem ser gravemente afetados pelos preços voláteis dos produtos de base. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a disponibilizar instrumentos que contribuam para que os agricultores ultrapassem os riscos de forma eficaz e assegurem um rendimento estável. Importa rever o atual mecanismo de reserva de crise, a fim de acumular os recursos financeiros que permitam uma resposta eficaz a situações de crise. O CESE está convicto de que assegurar pagamentos diretos sólidos é a melhor forma de garantir o rendimento dos agricultores.

8.   Jovens agricultores, renovação geracional, novos agricultores e mulheres na agricultura

8.1.

O número de jovens agricultores está a diminuir de forma constante, bem como o número de agricultores em geral. No entanto, a quebra acentuada registada no número de agricultores, de 14,5 milhões para 10,7 milhões (16) no último período orçamental abrange todas as faixas etárias (17). Não obstante as mesmas oportunidades de apoio através da PAC, o número de jovens agricultores e a percentagem que representam em cada Estado-Membro variam significativamente (18). Em 2016, apenas 31,8 % dos trabalhadores agrícolas da UE tinham idade inferior a 40 anos, em comparação com 42,4 % da população ativa no seu conjunto (19).

8.2.

O CESE propõe um reforço do apoio da PAC aos jovens agricultores e à renovação geracional. Além disso, os Estados-Membros devem ter margem de manobra para introduzir medidas que permitam aos jovens agricultores e aos jovens trabalhadores agrícolas gozar de rendimentos estáveis, benefícios fiscais ou outros regimes de incentivos. Devem também adotar medidas com vista a integrar novos agricultores (com mais de 40 anos), a fim de ter em conta a crescente mobilidade profissional nas zonas rurais, à imagem do que sucede nas cidades.

8.3.

O CESE propõe que se clarifique a definição de jovem agricultor, que deve ser entendido como uma pessoa com idade inferior a 40 anos, que disponha das qualificações necessárias e cumpra os requisitos estabelecidos para ser considerado agricultor ativo.

8.4.

Os jovens agricultores correm riscos significativos, suportam custos elevados e o rendimento que retiram da sua atividade é incerto. O CESE apresenta as seguintes propostas específicas, a fim de apoiar e prestar assistência aos jovens agricultores e à renovação geracional:

melhorar os rendimentos e o apoio ao investimento mediante um aumento dos pagamentos destinados aos jovens agricultores qualificados no âmbito do primeiro e segundo pilares;

aumentar o pagamento suplementar de 25 % aos jovens agricultores no âmbito do primeiro pilar;

criar, no segundo pilar, um regime de reforma para os agricultores que tencionem reformar-se e transferir as suas explorações para jovens agricultores qualificados, incluindo um mecanismo de mobilidade fundiária;

criar um programa de instalação e prever outras medidas específicas para ajudar os jovens agricultores a estabelecerem-se no âmbito do segundo pilar;

conceder um complemento ao rendimento sob a forma de pagamento durante cinco anos aos jovens que criam pequenas explorações agrícolas com produtos destinados aos mercados locais, a fim de permitir uma instalação progressiva;

desenvolver instrumentos financeiros que ajudem na concessão de empréstimos ou de capital de arranque a baixo custo;

apoiar uma transferência de inovação e de conhecimentos adaptada às necessidades dos jovens agricultores.

8.5.

A percentagem de mulheres que trabalham na agricultura na UE (35,1 %) é inferior à das mulheres empregadas em geral (45,9 %) e varia significativamente entre os Estados-Membros. No entanto, o papel desempenhado pelas mulheres na força de trabalho é muito significativo. Por conseguinte, é importante que a PAC inclua medidas destinadas a atrair mais mulheres para a agricultura e a motivá-las.

9.   Elementos de elevado valor acrescentado ambiental

9.1.

O CESE congratula-se com a grande ênfase colocada no ambiente e nas alterações climáticas na comunicação relativa à PAC e, em especial, na proteção e na sustentabilidade dos solos, da água, do ar e da biodiversidade nas explorações agrícolas.

9.2.

Além das suas funções produtivas, os prados permanentes, que representam mais de 20 % da superfície da UE, têm muitas outras funções. Têm evidentes benefícios ambientais, designadamente o sequestro de carbono e de estabilidade ecológica enquanto grande fonte de biodiversidade nas zonas rurais.

9.3.

Por este motivo, e a fim de incrementar a área de prado da UE, o CESE recomenda que a PAC permita aos Estados-Membros: a) reforçar o apoio direto atribuído aos agricultores ativos pelos prados permanentes, prevendo um novo pagamento para esse fim, de valor mais elevado, e b) apoie as iniciativas de comercialização de produtos provenientes do pastoreio. Como condição para o pagamento de ajudas de valor superior, o requerente deve cumprir os requisitos exigidos de uma densidade mínima de pastoreio e de um período mínimo de pastagem. No entanto, assinala igualmente uma série de problemas na elegibilidade dos prados permanentes no sistema de identificação das parcelas agrícolas (SIPA) (20), devido a deficiências registadas no acompanhamento ou a fontes de informação incompletas, o que resulta no pagamento de ajudas para zonas inelegíveis.

9.4.

O CESE chama ainda a atenção para as lacunas terminológicas de longa data na descrição dos prados permanentes. Propõe a utilização do conceito unificador de «prados permanentes», que eliminaria a divergência terminológica herdada de períodos anteriores (21). O regulamento também deveria definir melhor e ter em conta a pastagem não herbácea que utiliza a produção animal, como é recorrente em muitas partes da UE, uma vez que desempenha um papel essencial na proteção do ambiente.

9.5.

Os solos são um fator limitativo, em primeiro lugar, para a agricultura e, em segundo, para outros setores. Encontram-se em vigor na UE várias medidas, legislativas e não legislativas, para proteger os solos. No entanto, um quadro europeu comum asseguraria o uso sustentável e a proteção dos terrenos agrícolas e dos solos (22). Proteger a saúde e a fertilidade do solo deve ser um dos objetivos estabelecidos no âmbito da UE, enquanto parte integrante do novo modelo de prestação da PAC. O CESE defende a elaboração e a execução de uma estratégia europeia em matéria de proteínas para aumentar o grau de autossuficiência em alimentos proteicos.

10.   Comércio e questões internacionais

10.1.

Atendendo a que a Europa é o maior exportador líquido de produtos agrícolas no contexto mundial, o sucesso da agricultura europeia assenta em considerável medida no comércio com países terceiros. Há que explorar as potencialidades de futuros acordos de comércio livre justos e mutuamente benéficos para garantir o contributo sustentado para a criação de emprego e os rendimentos dos agricultores.

10.2.

O CESE entende que a UE deve prosseguir uma estratégia muito mais coerente entre a PAC e a política comercial. A PAC está a prosseguir com sucesso uma política de apoio às explorações agrícolas familiares e a outras estruturas agrícolas da UE, apostando também em normas mais restritas nos domínios fundamentais da segurança dos alimentos, do ambiente e do trabalho. No entanto, nas negociações comerciais que decorrem com o Mercosul, por exemplo, a UE está a aceitar a importação de alimentos que não cumpram as normas de segurança alimentar da UE, que sejam produzidos com normas ambientais menos exigentes e no quadro de normas laborais totalmente inaceitáveis.

10.3.

Qualquer acordo comercial da UE deve respeitar o princípio da soberania alimentar e da preferência comunitária, o que passa por disponibilizar aos cidadãos da UE alimentos da UE e por uma pauta exterior comum. É necessário preservar e proteger um elevado grau de exigência das normas em matéria de condições sanitárias, fitossanitárias, ambientais e laborais, a fim de prevenir a fuga de carbono e a perda de postos de trabalho.

10.4.

O acordo entre a UE e o Japão constitui um exemplo recente de comércio positivo, no qual se mantêm normas equivalentes, sem um grande nível de fuga de carbono ou perda de postos de trabalho. Pelo contrário, a proposta de acordo entre a UE e o Mercosul implica uma grande fuga de carbono em virtude da destruição permanente das florestas tropicais da Amazónia, de emissões adicionais de gases com efeito de estufa (GEE) e da perda de postos de trabalho. Estima-se que as emissões de GEE que resultam da carne de bovino brasileira sejam de 80 kg CO2-eq/kg em comparação com a produção da UE de 19 kg CO2-eq/kg. Os acordos de parceria económica com países em desenvolvimento devem ter em conta os efeitos sobre o emprego e as normas sociais nos respetivos países de destino.

11.   Alimentação e saúde

11.1.

Os agricultores da UE e a PAC garantem que os cidadãos da UE dispõem de quantidades suficientes (23) de alimentos de elevada qualidade a preços razoáveis, seguros e produzidos em conformidade com as normas ambientais. A PAC é o mecanismo que viabiliza a agricultura, que constitui a base da indústria alimentar da UE (24).

11.2.

O CESE salienta que os atuais instrumentos políticos da UE têm de ser realinhados e harmonizados para garantirem sistemas alimentares sustentáveis do ponto de vista ambiental, económico e sociocultural. Reitera igualmente que uma política alimentar global deverá complementar — e não substituir — a PAC reformulada (25).

11.3.

O CESE insta a Comissão a, com vista a proteger os consumidores, assegurar que os requisitos de produção em vigor no mercado interno, em matéria de ambiente e animais de criação, e as normas sanitárias e fitossanitárias e sociais se aplicam igualmente às importações provenientes de países terceiros.

Bruxelas, 24 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Parecer do CESE — Principais fatores que influenciam a política agrícola comum pós-2020 (JO C 75 de 10.3.2017, p. 21).

(2)  Parecer do CESE — Contributo da sociedade civil para o desenvolvimento de uma política alimentar global na UE (JO C 129 de 11.4.2018, p. 18).

(3)  Parecer do CESE — Justiça climática (JO C 81 de 2.3.2018, p. 22).

(4)  Parecer do CESE — Utilização dos solos para a produção sustentável de alimentos e serviços ecossistémicos (JO C 81 de 2.3.2018, p. 72).

(5)  No seu parecer JO C 354, 28.12.2010, p. 35, o CESE assinalou que o modelo agrícola europeu não pode ser comprado aos preços do mercado mundial.

(6)  Parecer do CESE — Eventual reformulação da política agrícola comum (JO C 288 de 31.8.2017, p. 10).

(7)  Parecer do CESE — Eventual reformulação da política agrícola comum (JO C 288 de 31.8.2017, p. 10, ponto 4.24).

(8)  «Farmers need direct support» [Os agricultores precisam de apoio direto], síntese dos resultados da consulta pública sobre a modernização e simplificação da política agrícola comum (ECORYS) — quadro 6.1, p. 95.

(9)  O futuro da alimentação e da agricultura, COM(2017) 713 final.

(10)  Parecer do CESE — Da Declaração de Cork 2.0 a ações concretas (JO C 345 de 13.10.2017, p. 37).

(11)  Parecer do CESE — Eventual reformulação da política agrícola comum (JO C 288 de 31.8.2017).

(12)  Parecer do CESE — Eventual reformulação da política agrícola comum (JO C 288 de 31.8.2017, p. 10, ponto 1.12).

(13)  Anexo VI do Regulamento (UE) n.o 1305/2013.

(14)  Parecer do CESE — Principais fatores que influenciam a política agrícola comum pós-2020 (JO C 75 de 10.3.2017, p. 21).

(15)  Parecer do CESE — Eventual reformulação da política agrícola comum (JO C 288 de 31.8.2017, p. 10).

(16)  Dez milhões na UE-28 em 2015 (Eurostat 2017).

(17)  Número de agricultores na UE-27: 14,5 milhões em 2005 e 10,7 milhões em 2013.

(18)  Entre 2007 e 2013, a Polónia, a Alemanha e Itália registaram a maior quebra, ao passo que na Roménia e na Eslovénia se assistiu a um aumento do número de jovens agricultores (Eurostat).

(19)  Inquérito à força de trabalho 2016.

(20)  Tribunal de Contas Europeu, Relatório Especial n.o 25/2016.

(21)  http://www.consilium.europa.eu/media/32072/pe00056en17.pdf;

http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Glossary:Permanent_grassland.

(22)  Parecer do CESE — Utilização dos solos para a produção sustentável de alimentos e serviços ecossistémicos (JO C 81 de 2.3.2018, p. 72).

(23)  Artigo 39.o, n.o 1, alínea e), do Tratado de Lisboa (TFUE).

(24)  JRC, «Evaluation of the livestock sector’s contribution to the EU greenhouse gas emissions» [Avaliação do contributo do setor pecuário para as emissões de gases com efeito de estufa da UE], 2010.

(25)  Parecer do CESE — Eventual reformulação da política agrícola comum (JO C 288 de 31.8.2017, p. 10).


ANEXO I

O seguinte ponto do parecer foi substituído por uma alteração de compromisso adotada pela Assembleia, embora tenha recolhido pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 7.11

Os pagamentos diretos ao abrigo do primeiro pilar devem ser plafonados a um nível justo e razoável para os agricultores ativos individuais, com ajustamentos (equivalente, por exemplo, ao rendimento de um trabalhador comparável). Deve ser possível efetuar ajustes, e devem ser tidas em conta as parcerias, as cooperativas, as empresas e o número de trabalhadores com segurança social. O plafonamento não se deve aplicar às medidas ambientais a título voluntário nem a quem forneça bens públicos. Os fundos recuperados do plafonamento podem ser utilizados para pagamentos redistributivos.

Resultado da votação

Votos a favor:

92

Votos contra:

85

Abstenções:

30


ANEXO II

A seguinte proposta de alteração de compromisso foi rejeitada, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 7.13

Para assegurar que a PAC continua a ser uma política comum forte da UE, o CESE considera que não deve haver qualquer cofinanciamento no âmbito do primeiro pilar. É essencial que a nova PAC reformulada tenha um primeiro e um segundo pilar sólidos com programas de desenvolvimento rural flexíveis, disponibilizados em todos os Estados-Membros, incluindo nas zonas com condicionantes naturais, focados em setores e regiões vulneráveis. O CESE não é favorável a que se permita aos Estados-Membros transferir fundos do segundo para o primeiro pilar, instando insta a um nível razoável de cofinanciamento do segundo pilar — tanto limites mínimos como máximos  — para todos os Estados-Membros.

Resultado da votação

Votos a favor:

73

Votos contra:

98

Abstenções:

37


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/83


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Ações da UE para melhorar a conformidade e a governação em matéria de ambiente»

[COM(2018) 10 final]

(2018/C 283/11)

Relator:

Arnaud SCHWARTZ

Consulta

Comissão Europeia, 12.2.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Decisão da plenária

16.1.2018

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.5.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

192/2/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com algumas reservas a comunicação em apreço, na medida em que, face ao atual nível de degradação do ambiente, o plano de ação apresentado pela Comissão Europeia com o fito de melhorar o cumprimento da legislação ambiental e a governação neste domínio peca flagrantemente por falta de ambição e de meios.

1.2.

O CESE mostra-se tanto mais circunspecto a este respeito quanto, à semelhança da Comissão, reconhece que o respeito insuficiente dos mecanismos destinados a garantir a aplicação da legislação e da governação em matéria de ambiente é um fator lamentável de concorrência desleal e de prejuízo económico.

1.3.

O CESE associa-se, além disso, à Comissão para salientar que as lacunas atuais minam a confiança dos cidadãos na eficácia da legislação da UE e insta os Estados-Membros e a Comissão a canalizarem fundos significativos para a contratação de pessoal suplementar, a fim de controlar a implementação da governação e da legislação ambientais.

1.4.

Conforme se afirma na Comunicação — Direito da União: Melhores resultados através de uma melhor aplicação (1), «as infrações à legislação da UE não são meras questões de rotina» nem devem ser tratadas como tal. O CESE reputa necessário abordar o problema do incumprimento da legislação da UE ao nível adequado e em tempo útil, não sendo esse o caso na comunicação em apreço (2).

1.5.

A comunicação limita-se a abordar as questões da criação de capacidades e do apoio ao nível dos Estados-Membros. Nenhuma dessas medidas se prende com o controlo e a aplicação ao nível da UE por parte da Comissão, na sua qualidade de «guardiã do Tratado». O plano de ação não aborda as razões da falta de conformidade para além dos equívocos e da ausência de capacidades, como o oportunismo e a falta de vontade política. Embora o apoio aos Estados-Membros seja necessário, a estratégia para melhorar a conformidade e a governação em matéria de ambiente não se pode restringir às medidas não vinculativas deste plano de ação.

1.6.

Além disso, o CESE, remetendo para o seu parecer (3), exorta em particular a Comissão a completar o seu plano de ação sobre a vertente essencial do acesso à justiça, bem como a abordar a questão do custo a ele associado para a sociedade civil.

1.7.

O CESE salienta também que é preciso envidar mais esforços no sentido de, antes de mais, prevenir a ocorrência dos danos ambientais e que uma estratégia profilática é sempre preferível a uma cura. Para o efeito, é essencial uma aplicação coerente e rigorosa da legislação ambiental por parte dos Estados-Membros e da Comissão, na medida em que constitui um forte fator de dissuasão de danos futuros. Além disso, caberia realizar campanhas de comunicação dirigidas às partes interessadas e ao grande público, com vista a sensibilizá-los e a melhorar assim a forma como os cidadãos exercem a sua função de vigilância. Para as pessoas poderem assumir esta função, é indispensável disporem de um acesso efetivo à justiça no domínio ambiental.

1.8.

Por último, o CESE regozija-se com a possibilidade de nomeação de representantes do CESE no âmbito do Fórum de Conformidade e Governação Ambiental. Para o efeito, recomenda que três dos seus membros (um por grupo) tenham assento no fórum com direito de voto e não com estatuto de observadores.

1.9.

O CESE insta a Comissão a instaurar um diálogo significativo e efetivo com as organizações da sociedade civil no Fórum de Conformidade e Governação Ambiental para que a sua voz se faça ouvir. No contexto da conformidade em matéria ambiental, o Comité sublinha o papel essencial das organizações da sociedade civil neste domínio, em particular na sua qualidade de guardiãs do Estado de direito, do bem comum e da defesa do cidadão.

2.   Observações na generalidade

2.1.

Nos seus pareceres Reexame da aplicação da política ambiental da UE (4) e Acesso à justiça a nível nacional no âmbito de medidas de aplicação da legislação ambiental da UE (5), o Comité assinala que a aplicação deficiente, fragmentada e díspar da legislação ambiental da UE constitui um grave problema em muitos Estados-Membros.

2.2.

A Comunicação da Comissão COM(2018) 10 final contém um plano de ação destinado a aumentar a conformidade com a legislação ambiental da UE e a melhorar a qualidade da governação ambiental.

2.3.

O plano prevê uma cooperação estreita entre a Comissão, os Estados-Membros e os profissionais pertinentes (de organismos de inspeção e auditoria, agentes de polícia e autoridades judiciais), com o propósito de criar uma cultura inteligente e de colaboração, tendo em vista a conformidade com as normas ambientais da UE. Todavia, esta é apenas uma fração mínima do que é necessário para assegurar o cumprimento da legislação ambiental.

2.4.

A implementação desta legislação tem enfrentado desafios significativos, relacionados com problemas persistentes (por exemplo: formas difusas de poluição da água, má qualidade do ar, insuficiência no tratamento de resíduos e declínio de espécies e habitats).

2.5.

Segundo a Comissão, os custos da não aplicação ascendem a 50 mil milhões de euros por ano.

2.6.

Além dos ganhos económicos já referidos, há muitos outros benefícios (incluindo para a saúde pública e para os recursos de que a sociedade carece a longo prazo) que se poderão obter por meio de uma aplicação mais eficaz desta legislação.

2.7.

Aliás, a debilidade dos mecanismos de garantia do cumprimento da legislação e de uma governação eficaz aos níveis europeu, nacional, regional e local (incluindo a falta de controlos) é uma das causas do insucesso na implementação das normas da UE.

2.8.

Esta debilidade é ainda um fator de concorrência desleal para as empresas e de prejuízos económicos (por exemplo, perda de receitas fiscais), o que mina a confiança do público na eficácia da legislação da UE.

2.9.

É por essa razão que a Comissão propõe um plano de ação com nove pontos, acompanhado da criação de um grupo de peritos (6): o Fórum de Conformidade e Governação Ambiental.

2.10.

Os nove tipos de medidas propostos no plano de ação são expostos no anexo 1 do documento de trabalho dos serviços da Comissão (7).

3.   Observações na especialidade

3.1.   Construir uma Europa modelar e proteger os cidadãos

3.1.1.

No contexto global, a UE deve empenhar-se em ser pioneira na proteção eficaz do ambiente e dos seus cidadãos e insistir na priorização desta questão. Atendendo a que já há legislação em vigor e se realizaram grandes progressos, o fracasso na garantia do seu cumprimento representa para a UE uma oportunidade perdida de honrar os seus valores e marcar de facto a diferença.

3.1.2.

O CESE adverte a Comissão de que a situação em matéria de proteção dos cidadãos é muito precária em determinados contextos. O cumprimento da legislação da UE em todos os Estados-Membros assume grande importância, visto que a legislação nacional incorreta sistematicamente coarcta a capacidade das pessoas para afirmarem os seus direitos e tirarem pleno partido dos benefícios derivados da legislação da UE. Tal reveste-se de particular importância no plano da legislação ambiental, dado que a violação das normas de qualidade do ar, por exemplo, afeta consideravelmente a saúde humana.

3.1.3.

O CESE chama a atenção da Comissão para o seu parecer (8) e faz votos de que o plano de ação da Comissão o tome em conta. Espera, ainda, que o plano de ação aborde também, por exemplo, a questão da regulamentação, controlo e gestão dos nanomateriais e dos desreguladores endócrinos, além da criminalidade relacionada com os resíduos e a vida selvagem.

3.1.4.

O CESE gostaria, porém, de observar que aprecia a disponibilidade da Comissão para promover, por exemplo, o recurso a veículos pilotados por controlo remoto e a aplicações para telefones inteligentes para comunicação e deteção de danos ambientais, bem como para incentivar os Estados-Membros e os órgãos de poder local e regional (como sucede na Irlanda, nomeadamente) a utilizá-los ou a apoiar iniciativas públicas capazes de melhorar a implementação das normas ambientais mediante a utilização desse tipo de ferramentas.

3.2.   O mercado único e os aspetos de natureza económica

3.2.1.

A coerência na aplicação da legislação ambiental é uma base essencial do mercado único. Uma aplicação incoerente da legislação ambiental proporciona vantagens indevidas às empresas dos Estados-Membros onde há situações de incumprimento, gerando condições de mercado não equitativas e criando os incentivos errados para as empresas da UE.

3.2.2.

A aplicação tem de se pautar pela coerência e pela certeza em todos os Estados-Membros para garantir que a falta de conformidade é sancionada da mesma forma em toda a UE. Assim se salvaguarda o Estado de direito e conquista a confiança das empresas na legislação da UE, proporcionando simultaneamente condições de concorrência equitativas às empresas de todos os Estados-Membros.

3.2.3.

Na comunicação, a Comissão afirma que os custos da não conformidade são estimados em 50 mil milhões de euros por ano. O estudo da Comissão «Study to assess the benefits delivered through the enforcement of EU environmental legislation» [Estudo de avaliação dos benefícios obtidos com a aplicação efetiva da legislação ambiental da UE] (9) também expõe os amplos benefícios económicos que se podem obter da conformidade em matéria de ambiente. Além dos interesses no domínio do ambiente, da saúde e do Estado de direito, também deve haver um interesse económico claro na prevenção de novos danos mediante controlos eficazes e uma execução apropriada da legislação ambiental vigente.

3.2.4.

O CESE recorda à Comissão que são necessários mais recursos humanos e financeiros para controlar a execução das normas ambientais e de governação ambiental, conforme já teve ocasião de explicar no seu parecer Um plano de ação para a natureza, as pessoas e a economia (10). Acima de tudo, escasseiam os meios de financiamento necessários para atingir os objetivos acordados, por exemplo, na área da biodiversidade.

3.2.5.

O CESE espera, além disso, que a UE obtenha sistematicamente, no contexto de negociações comerciais bilaterais ou multilaterais, a equivalência da sua legislação em matéria social e ambiental para os produtos importados.

3.3.   Processos de execução da Comissão

3.3.1.

Enquanto os Estados-Membros são os primeiros responsáveis pela implementação e aplicação corretas da legislação da UE, a Comissão é a guardiã do Tratado (11). Compete-lhe, portanto, assegurar o respeito dos instrumentos ambientais e garantir que os Estados-Membros se abstêm de tomar medidas suscetíveis de comprometer a consecução dos objetivos da política ambiental da União (12). Para o efeito, tem poderes para instaurar processos de aplicação coerciva da lei ao abrigo do disposto no artigo 258.o do TFUE.

3.3.2.

Por força do impacto transnacional dos danos ambientais, a conformidade num Estado-Membro interessa sobremaneira a todos os Estados-Membros que procuram proteger os respetivos cidadãos e prevenir danos ambientais no seu próprio território. A Comissão tem, por conseguinte, um papel determinante na defesa deste interesse comum da UE e na disponibilização do acesso à justiça em conflitos transfronteiras.

3.3.3.

O Parlamento Europeu e o Conselho declararam em 2013 que «uma melhor aplicação do acervo ambiental da União a nível dos Estados-Membros terá […] prioridade máxima nos próximos anos» (13). A Comunicação sobre Melhores resultados através de uma melhor aplicação (14) destacava a importância de uma utilização estratégica do poder de execução da Comissão para centrar os seus esforços de controlo nas infrações mais importantes ao direito da UE que afetam os interesses dos cidadãos e das empresas. O cumprimento das normas ambientais reveste-se de uma importância vital para a UE, afetando diretamente o mercado único e a saúde dos cidadãos, e deve constituir uma prioridade clara nos processos de execução da Comissão.

3.3.4.

O CESE chama a atenção para os benefícios dos processos de infração para lá do âmbito da sua aplicação imediata a um caso concreto (15). Os processos de infração eficazes transmitem aos Estados-Membros um sinal claro de que a UE dá grande prioridade à proteção dos cidadãos e do ambiente em que estes vivem.

3.3.5.

A perseguição sistemática da não conformidade também constitui um forte fator de dissuasão, permitindo reduzir mais amplamente o incumprimento das normas. Esta abordagem reforçaria a confiança no direito da União para lá do campo da proteção ambiental, com incidências positivas noutros domínios da legislação da UE.

3.4.   Eficácia da lei

3.4.1.

Em numerosos países, há organizações representantes da sociedade civil que têm assinalado o desmantelamento generalizado do direito penal no domínio do ambiente e a existência de entraves ao acesso do público à justiça e governação ambientais. Tal poderá ser fruto de uma má interpretação de determinadas orientações políticas (por exemplo, da estratégia Legislar Melhor, que promove a simplificação e a experimentação, propiciando a violação das normas).

3.4.2.

Além disso, em relação a uma série de políticas ambientais da União, os Estados-Membros deveriam colmatar as lacunas na implementação adequada da legislação em vez de a sujeitarem a sobrerregulamentação (o chamado «goldplating»). Esta suposta prática a nível nacional pode gerar a perceção errónea de que os Estados-Membros são altamente ambiciosos, quando, na verdade, estão a falhar no essencial ao não transporem suficientemente a legislação ambiental da UE, ficando assim em situação de não conformidade.

3.4.3.

Embora enumere três categorias de intervenção para garantir a conformidade, a comunicação não propõe medidas a elas associadas. Todas as ações propostas são medidas de promoção da conformidade e de criação de capacidades ao nível de Estados-Membros. Nenhuma das ações sugeridas tem relação com o seguimento e a execução pela própria Comissão, o que torna o plano de ação muito pouco vinculativo e dificilmente conducente a melhorias significativas no que toca à conformidade em matéria de ambiente.

3.4.4.

A Comissão não aborda, portanto, medidas de controlo e execução ao nível da UE no seu plano de ação. O próprio quadro de mecanismos de apoio proposto constitui uma oportunidade perdida para associar metas claras a cada ação a fim de medir a sua eficácia. A concessão de apoio financeiro não é condicionada a mudanças de práticas nos Estados-Membros, o que torna o resultado esperado pouco claro e suscita dúvidas quanto à eficácia e adequação das medidas sugeridas.

3.4.5.

O CESE está ainda dececionado com o facto de não se abordarem as questões do tratamento a dar às queixas e das inspeções em matéria de transposição nacional da legislação da UE. Preocupa-o seriamente a possibilidade de a ausência de vontade política no seio da Comissão se traduzir num indeferimento das queixas apresentadas. O caráter não vinculativo das medidas propostas agrava essa preocupação.

3.4.6.

No entender do CESE, além da correta aplicação da legislação ambiental e da boa governação neste domínio, também cabe ter em conta o princípio da não regressão no direito ambiental, a fim de assegurar o desenvolvimento sustentável.

3.4.7.

A comunicação reconhece haver razões de ordem vária para a não conformidade, incluindo equívocos, má compreensão ou não aceitação das regras, falta de investimento, oportunismo e criminalidade. Infelizmente, a Comissão não aborda todas essas razões da forma devida, limitando-se a sugerir medidas para superar os equívocos e a má compreensão. Embora necessária, a prestação de apoio aos Estados-Membros não pode ser a única estratégia para melhorar a conformidade em matéria de ambiente, visto que não dá resposta à maioria dos fatores não relacionados com os equívocos e as capacidades limitadas.

3.5.   Acesso à justiça aos níveis nacional e europeu

3.5.1.

O CESE recorda à Comissão que a não conformidade sistémica nos Estados-Membros e a ausência de execução adequada pelos tribunais nacionais coloca um problema evidente de aplicação da justiça a nível nacional.

3.5.2.

O CESE insta a Comissão a seguir a recomendação constante do seu parecer Acesso à justiça (16) no que toca ao seguimento dos reenvios prejudiciais. Frisa a relevância dos reenvios prejudiciais para assegurar a coerência da legislação da UE e insta a Comissão a elaborar um relatório sobre a utilização e a observância deste instrumento pelos tribunais nacionais.

3.5.3.

O CESE reitera (17) que o livre acesso a informação ambiental é essencial para que os cidadãos e as organizações da sociedade civil possam desempenhar o seu papel de vigilância e controlo público.

3.5.4.

Embora reconhecendo as diferenças entre os sistemas judiciais dos diversos Estados-Membros, o CESE está desiludido com o facto de não se ter abordado a questão da legitimidade processual nem dos custos inerentes à interposição de uma ação a nível nacional. Para as associações de cidadãos e consumidores e as organizações de índole social e ambiental que desejem imputar responsabilidades aos seus governos e a grandes empresas nos tribunais nacionais, a legitimidade e os custos constituem barreiras de peso.

3.5.5.

Mesmo quando a sua legitimidade é reconhecida, o CESE reitera que, conforme assinalou já no seu parecer (18), os recursos financeiros da maior parte das organizações da sociedade civil são assaz limitados, o que leva amiúde a que os indivíduos afetados se vejam confrontados com situações de denegação de justiça. Acresce que estes obstáculos impedem as organizações da sociedade civil de desenvolverem a sua ação em prol da correta implementação da legislação em vigor, a qual é essencial à defesa do Estado de direito.

3.5.6.

O CESE alerta igualmente para a importância de dispor de mecanismos que permitam prevenir abusos do sistema judicial, algo que importa ter presente quando se concede às organizações da sociedade civil livre acesso à justiça. Não obstante, o CESE destaca os benefícios para toda a sociedade que advêm do acesso à justiça por essas organizações no plano da proteção dos consumidores, da saúde e do ambiente. Por conseguinte, as disposições em matéria de abuso devem ser específicas e bem assestadas para não entravarem o contributo essencial das organizações da sociedade civil para a implementação da legislação.

3.5.7.

O insucesso da Comissão e dos tribunais europeus em matéria de execução da legislação da UE põe em causa o Estado de direito e abala a confiança dos cidadãos, dos Estados-Membros e das empresas no direito da União. Contribui para aumentar as dificuldades no acesso à justiça por parte dos cidadãos, das organizações da sociedade civil e das empresas, fomentando a descrença cada vez maior na eficácia da Comissão e dos tribunais e minando a confiança na UE no seu todo.

3.5.8.

Além disso, a comunicação ignora dois pontos sensíveis a nível europeu, ambos relacionados com o acesso aos tribunais europeus:

o acesso à justiça da UE, que foi destacado na reunião das partes na Convenção de Aarhus e se prende com o modo de funcionamento interno das instituições da UE (por exemplo, o processo demasiado rápido de indeferimento das queixas por parte da Comissão);

os hábitos de certos tribunais nacionais, que se recusam a submeter questões prejudiciais e, ao invés, se arrogam a competência de interpretar a legislação da União, em violação dos Tratados, proferindo por vezes decisões bizarras (por exemplo, em França um «rapporteur public», ou representante do Governo, no Conselho de Estado declarou aos juízes que não fazia sentido submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, visto que este nunca tinha apreciado a matéria em questão).

3.5.9.

O CESE apela, assim, à Comissão para que contemple explicitamente as questões referidas de acesso à justiça aos níveis nacional e da UE, a fim de assegurar uma abordagem integrada que sirva o público, protegendo a saúde das pessoas e o meio ambiente atual e futuro.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 18 de 19.1.2017, p. 10.

(2)  COM(2018) 10.

(3)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 65.

(4)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 114.

(5)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 65.

(6)  JO C 19 de 19.1.2018, p. 3.

(7)  SWD(2018) 10.

(8)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 114.

(9)  https://publications.europa.eu/pt/publication-detail/-/publication/219e8506-9adf-11e6-868c-01aa75ed71a1.

(10)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 90.

(11)  Artigo 17.o do Tratado da União Europeia (TUE).

(12)  Artigo 4.o, n.o 3, do TUE.

(13)  Decisão n. o 1386/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, relativa a um programa geral de ação da União para 2020 em matéria de ambiente «Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta» (JO L 354 de 28.12.2013, p. 171).

(14)  JO C 18 de 19.1.2017, p. 10.

(15)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 88.

(16)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 65.

(17)  JO C 345 de 13.10.2017, p. 114.

(18)  JO C 129 de 11.4.2018, p. 65.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/89


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho que cria a Empresa Comum Europeia para a Computação de Alto Desempenho»

[COM(2018) 8 final — 2018/0003 (NLE)]

(2018/C 283/12)

Relator:

Ulrich SAMM

Correlator:

Antonio LONGO

Consulta

Conselho da União Europeia, 21.2.2018

Base jurídica

Artigos 187.o e 188.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

4.5.2018

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

196/2/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE apoia a iniciativa em apreço, relativa a uma Empresa Comum EuroHPC, enquanto medida concreta consentânea com a Estratégia Europeia para a Computação em Nuvem, bem como no âmbito de uma estratégia da UE mais ampla (que inclui a cibersegurança, o mercado único digital, a sociedade europeia a gigabits, a ciência aberta, etc.). A iniciativa proporciona um claro valor acrescentado da UE com uma tecnologia fundamental que ajudará a enfrentar as questões mais complexas da nossa sociedade moderna e, em última análise, nos beneficiará em termos de bem-estar, competitividade e emprego.

1.2.

O CESE considera que o investimento inicial de mil milhões de euros na aquisição e operação de máquinas de supercomputação de craveira mundial é significativo, mas não particularmente ambicioso quando comparado com o investimento dos seus concorrentes EUA e China. No entanto, o CESE está convicto de que um aumento substancial dos investimentos (nos Estados-Membros da UE), aliado a um sólido programa europeu de investigação e inovação, será necessário para manter um nível de classe mundial nas aplicações de computação de alto desempenho (HPC). Uma vez que a corrida prosseguirá, não restam dúvidas de que serão necessários esforços semelhantes no âmbito do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), em consonância com os envidados pelos nossos concorrentes mundiais.

1.3.

O CESE concorda com a abordagem industrial para o desenvolvimento da próxima geração de microcircuitos de baixo consumo energético na Europa. Tal tornaria a UE menos dependente das importações e garantiria o acesso a tecnologias de HPC de ponta. O CESE salienta que o desenvolvimento destes microcircuitos também tem impacto na computação de pequena escala, uma vez que os circuitos integrados de topo de gama podem ser adaptados (por redução de escala) a dispositivos do mercado de massas (computadores pessoais, telemóveis inteligentes, setor automóvel).

1.4.

O CESE incentiva a Comissão a dar maior realce à forte posição inicial da iniciativa em apreço e ao facto de esta ser essencial para dar continuidade à história de sucesso europeia baseada nos pilares existentes das parcerias PRACE e GÉANT, que há muitos anos prestam serviços de HPC de ponta à ciência e à indústria, no primeiro caso, e interligam investigação, ensino e redes nacionais de investigação e centros de HPC com redes seguras e de elevada capacidade, no segundo caso.

1.5.

Por conseguinte, o CESE realça a importância crucial de integrar a nova Empresa Comum EuroHPC nas estruturas e programas já existentes, por ser esta a melhor forma de utilizar conjuntamente os recursos europeus. Por exemplo, a avaliação entre pares organizada pela PRACE deve ser preservada para manter o nível de referência mundial.

1.6.

O CESE encoraja mais Estados-Membros a juntarem-se à Empresa Comum EuroHPC e a utilizá-la como uma oportunidade para beneficiar de uma capacidade computacional de nível internacional. Tendo em conta a complexidade de uma empresa comum, o CESE solicita à Comissão que envide esforços adequados para explicar e promover as vantagens e oportunidades deste instrumento jurídico, em particular no caso dos países mais pequenos e no que respeita à possibilidade de realizar contribuições em espécie.

1.7.

O CESE congratula-se com o facto de dois dos parceiros da Comissão na parceria público-privada contratual poderem vir a tornar-se os primeiros membros privados, o que é fundamental para a participação das indústrias, incluindo PME. O CESE acolhe favoravelmente a possibilidade de adesão de mais parceiros, mas sublinha também que a entrada de qualquer novo parceiro, especialmente de fora da UE, tem de cumprir o requisito da reciprocidade. A UE deve poder beneficiar da oportunidade representada pelo desenvolvimento de tecnologia de HPC para consolidar o setor industrial europeu, a fim de abranger toda a cadeia de produção (conceção, produção, aplicação, execução). A União Europeia deve estabelecer como objetivo intercalar a realização da capacidade de planear e executar a HPC com tecnologia europeia.

1.8.

O CESE recomenda a divulgação de informações aos cidadãos e às empresas sobre esta nova e importante iniciativa para recuperar a confiança dos cidadãos no processo de integração europeia e ajudar as empresas europeias, em especial as PME, a conhecerem os seus benefícios. As universidades e os centros de investigação também devem participar neste processo mediante uma atividade de comunicação específica destinada a aumentar o interesse e a incentivar projetos no domínio da HPC.

1.9.

O CESE recomenda reforçar o mais possível a dimensão social do processo de digitalização enquanto parte fundamental do Pilar Social Europeu. A aplicação e a utilização de máquinas de alto nível devem ter um impacto positivo evidente e mensurável na vida quotidiana de todos os cidadãos.

2.   Introdução

2.1.

Inicialmente aplicada na investigação do clima, na previsão meteorológica numérica, na astrofísica, na física de partículas e na química, a computação de alto desempenho (HPC) é agora igualmente utilizada na maior parte dos outros domínios científicos, desde a biologia, as ciências da vida e a saúde, passando pelas simulações de combustão de alta fidelidade e as ciências dos materiais até às ciências sociais e às humanidades. Na indústria, a HPC tem sido amplamente utilizada na exploração de petróleo e gás, na aeronáutica, no setor automóvel e no setor financeiro e está a tornar-se fundamental para assegurar uma medicina personalizada, desenvolver as nanotecnologias e permitir o desenvolvimento e a implantação das energias renováveis. Por último, a HPC é uma ferramenta cada vez mais importante no apoio às decisões das entidades públicas, simulando cenários relacionados com situações de risco natural, riscos industriais, riscos biológicos e riscos em matéria de (ciber)terrorismo, sendo, portanto, essencial para a segurança e defesa nacionais.

2.2.

Na computação, as operações de vírgula flutuante por segundo (FLOPS) constituem uma unidade de medida do desempenho dos computadores. A HPC representa o mais alto desempenho tecnologicamente possível. Este desempenho de topo de gama está a aumentar de forma constante, devido aos circuitos integrados cada vez mais pequenos (lei de Moore) e à transição do processamento de vetores para o paralelo. A cada 10 a 12 anos, tem ocorrido um aumento da velocidade da computação por um fator de 1 000: passou-se, assim, da gigaescala (1985) para a teraescala (1997) e, mais tarde, para a petaescala (2008). Espera-se que a transição da petaescala para a exaescala (giga = 109, tera = 1012, peta = 1015, exa = 1018) ocorra entre 2020 e 2023.

2.3.

Até agora, cada Estado-Membro na UE tem investido isoladamente na HPC. Em comparação com os seus concorrentes dos EUA, da China e do Japão, a Europa está claramente a investir pouco na HPC, com um défice de financiamento de 500 milhões a 700 milhões de euros por ano. Por conseguinte, a UE não tem os supercomputadores mais rápidos e, além disso, as máquinas de HPC existentes na União dependem de tecnologia não europeia. A melhor forma de dar os próximos passos no domínio da tecnologia de HPC é através de esforços conjuntos a nível europeu, com investimentos a uma escala que ultrapassa as possibilidades de cada Estado-Membro.

2.4.

O desenvolvimento da próxima geração de microcircuitos na Europa ajudaria a alcançar a independência da UE em termos de acesso a tecnologia de HPC de ponta. No entanto, a cadeia de abastecimento europeia deste tipo de tecnologia só pode ser melhorada com perspetivas claras de um mercado-piloto e de desenvolvimento de um ecossistema de máquinas dimensionadas até à exaescala. O setor público tem de assumir um papel fundamental neste objetivo, uma vez que, se assim não for, os fornecedores europeus não assumirão o risco de desenvolver as máquinas autonomamente.

2.5.

Por conseguinte, a Comissão Europeia prevê investir inicialmente mil milhões de euros, em conjunto com os Estados-Membros, na construção de uma infraestrutura europeia de supercomputação de craveira mundial. Esta infraestrutura comum e a partilha das capacidades existentes visam criar benefícios para todos, nomeadamente para a indústria, as PME, a ciência, o setor público e, especialmente, os Estados-Membros (mais pequenos) sem infraestruturas nacionais de HPC autossuficientes.

2.6.

A importância da HPC foi claramente definida pela Comissão Europeia em 2012 na sua estratégia sobre «Computação de alto desempenho: a posição da Europa na corrida mundial» (1). Em abril de 2016, a Comissão Europeia lançou a Iniciativa Europeia para a Nuvem (2). Esta iniciativa compreende dois elementos essenciais: a Infraestrutura de Dados Europeia, com uma capacidade de supercomputação de craveira mundial e conectividade de alta velocidade, e a Nuvem Europeia para a Ciência Aberta, com armazenamento e gestão de dados de ponta e interfaces para a prestação de serviços baseados na nuvem. O primeiro elemento deverá agora ser concretizado com a Proposta de regulamento do Conselho que cria a Empresa Comum Europeia para a Computação de Alto Desempenho (3).

2.7.

A proposta dá seguimento à declaração EuroHPC, assinada em 23 de março de 2017, por ocasião da Jornada Digital, realizada em Roma, por sete Estados-Membros: Alemanha, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal. Durante 2017 juntaram-se-lhes a Bélgica, a Eslovénia, a Bulgária, a Suíça, a Grécia e a Croácia. Estes países acordaram em construir uma infraestrutura pan-europeia integrada de supercomputação à exaescala. Outros Estados-Membros e países associados são encorajados a assinarem também a declaração EuroHPC.

2.8.

Após uma avaliação de impacto, a Comissão (4) concluiu que a melhor opção para implementar a EuroHPC era uma empresa comum, que permitiria combinar de modo eficiente a aquisição por contratação pública, a propriedade e a operação conjuntas dos supercomputadores.

3.   Síntese da proposta

3.1.

A Comissão Europeia propõe um regulamento do Conselho que cria a Empresa Comum Europeia para a Computação de Alto Desempenho (EuroHPC). Esta nova entidade jurídica irá:

proporcionar uma estrutura de financiamento para adquirir, construir e implantar à escala europeia uma infraestrutura de computação de alto desempenho (HPC) de craveira mundial;

apoiar um programa de investigação e inovação para desenvolver as tecnologias e as máquinas (hardware), bem como as aplicações (software) a executar nestes supercomputadores;

prestar apoio financeiro sob a forma de adjudicação de contratos ou de subvenções de apoio à investigação e inovação para os participantes na sequência de convites ou concursos abertos e concorrenciais; disponibilizar à indústria europeia e, em particular, às pequenas e médias empresas (PME) um melhor acesso a supercomputadores.

3.2.

A contribuição da UE para a EuroHPC será de aproximadamente 486 milhões de euros ao abrigo do atual Quadro Financeiro Plurianual, a que acrescerá um montante similar proveniente dos Estados-Membros e dos países associados. Os membros privados da iniciativa também podem realizar contribuições em espécie. Globalmente, seriam investidos cerca de mil milhões de euros de fundos públicos até 2020.

3.3.

As atividades da Empresa Comum EuroHPC, que funcionará entre 2019 e 2026, consistirão no seguinte:

aquisição e operação de duas máquinas de supercomputação à pré-exaescala de craveira mundial e, pelo menos, duas máquinas de supercomputação de nível intermédio (petaescala), facultando e gerindo o acesso a estes supercomputadores por um vasto leque de utilizadores públicos e privados a partir de 2020;

um programa de investigação e inovação no domínio da HPC: para apoiar o desenvolvimento de tecnologia de supercomputação europeia, incluindo a primeira geração de tecnologia europeia de microprocessadores de baixo consumo energético e a conceção colaborativa de máquinas à exaescala europeias, e para promover o desenvolvimento de aplicações e competências e uma utilização mais ampla da computação de alto desempenho.

3.4.

A proposta visa atingir o desempenho à exaescala até 2022-2023. Deve ser alcançado um objetivo intermédio (50 % do desempenho à exaescala) até 2019. A infraestrutura planeada será propriedade conjunta dos seus membros e operada por estes, que inicialmente serão os países que assinaram a declaração EuroHPC e os membros privados do mundo académico e da indústria. Os outros membros podem aderir a esta cooperação em qualquer momento, desde que disponibilizem uma contribuição financeira (que pode ser uma contribuição em espécie).

3.5.

A proposta prevê a criação e implementação de duas infraestruturas em paralelo. Estas infraestruturas serão acolhidas por dois países da UE, sob reserva do cumprimento de critérios específicos.

3.6.

A Empresa Comum será gerida por um Conselho de Administração, composto por representantes dos membros públicos da Empresa Comum. Este conselho será responsável pela definição das políticas estratégicas e pelas decisões de financiamento relativas aos contratos públicos e às atividades de I&I da Empresa Comum. Os direitos de voto dos membros e os procedimentos serão proporcionais à respetiva contribuição financeira. O modelo da Empresa Comum baseia-se nos ensinamentos retirados de outras empresas comuns em funcionamento, como a ECSEL. As duas empresas comuns são semelhantes em termos de objetivos e estrutura. A principal diferença reside nas atividades de contratação em grande escala da EuroHPC, que não têm paralelo na ECSEL. É esta diferença que explica a atribuição de direitos de voto proporcionais à contribuição dos participantes.

3.7.

O Conselho de Administração será apoiado por um Conselho Consultivo Industrial e Científico, composto por representantes dos membros privados da Empresa Comum. A fim de evitar conflitos de interesses, o conselho consultivo terá apenas um papel de aconselhamento.

4.   Observações específicas

4.1.

O CESE apoia a iniciativa em apreço enquanto medida concreta consentânea com a Estratégia Europeia para a Computação em Nuvem: a escolha estratégica de uma nuvem de computação europeia aberta e concebida para o mundo científico e a indústria, no contexto de um forte empenho político e económico na inovação digital (5). A iniciativa proporciona um claro valor acrescentado da UE com uma tecnologia fundamental que ajudará a enfrentar as questões mais complexas da nossa sociedade moderna e, em última análise, nos beneficiará em termos de bem-estar, competitividade e emprego.

4.2.

De um modo mais geral, a iniciativa HPC é parte essencial de uma estratégia mais ampla da UE [que inclui o Regulamento Cibersegurança (6), a Estratégia para o Mercado Único Digital (revisão) (7), a sociedade europeia a gigabits (8), a ciência aberta, etc.] destinada a recuperar a soberania e independência digital da Europa, a fim de transformar a UE num interveniente crucial no desenvolvimento digital, produzindo um impacto direto na competitividade e na qualidade de vida dos cidadãos.

4.3.

O CESE considera que o investimento inicial de mil milhões de euros na aquisição e operação de duas máquinas de supercomputação à pré-exaescala de craveira mundial e de, pelo menos, duas máquinas de supercomputação de nível intermédio é significativo, mas não particularmente ambicioso quando comparado com o investimento dos seus concorrentes. No entanto, o CESE está convicto de que um aumento substancial dos investimentos (nos Estados-Membros da UE), aliado a um sólido programa europeu de investigação e inovação serão necessários para manter um nível de classe mundial nas aplicações de computação de alto desempenho (HPC). Uma vez que a corrida prosseguirá, não restam dúvidas de que são necessários esforços semelhantes no âmbito do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), em consonância com os envidados pelos nossos concorrentes mundiais.

4.4.

O CESE salienta que um computador rápido, só por si, não é suficiente para ter êxito. Para que haja progressos reais, são igualmente indispensáveis desenvolvimentos e aplicações de software de vanguarda baseados num sólido programa de investigação e desenvolvimento. Neste domínio, a UE não está de modo algum atrasada em relação aos seus concorrentes, e o CESE incentiva a Comissão a dar maior realce à forte posição inicial da iniciativa em apreço e ao facto de esta ser essencial para dar continuidade à história de sucesso europeia baseada nos pilares existentes das parcerias PRACE e GÉANT, que há mais de uma década assumiram a responsabilidade de juntar e congregar as áreas da HPC e da ligação em rede, respetivamente.

4.5.

A Parceria para a Computação Avançada na Europa (PRACE), cofinanciada pela UE, foi criada em 2010, abrange 25 Estados-Membros e presta serviços de HPC de ponta à ciência e à indústria, implantando os maiores sistemas nacionais de supercomputação na Europa. Em 2017, a PRACE disponibilizava acesso a uma rede de sete sistemas de vanguarda, fornecidos por cinco membros de acolhimento (Alemanha, Espanha, França, Itália e Suíça), que investiram mais de 400 milhões de euros na PRACE desde a sua criação. A PRACE afeta recursos de HPC com base em convites à apresentação de propostas avaliados entre pares, assentes na excelência científica, a projetos de investigação oriundos do mundo académico e da indústria, incluindo pequenas e médias empresas.

4.6.

A rede pan-europeia GÉANT, lançada em 2000, interliga investigação, ensino e redes nacionais de investigação e centros HPC com redes seguras e de alta capacidade. Esta rede é essencial para apoiar a ciência aberta com serviços que permitem um acesso de confiança. A rede GÉANT é a maior e mais avançada rede de I&D do mundo, ligando mais de 50 milhões de utilizadores em 10 000 instituições de toda a Europa e apoiando todas as disciplinas científicas. A rede de base opera a velocidades de até 500 Gbps (2017). A GÉANT criou o bem-sucedido serviço «eduroam» para permitir que os utilizadores de I&D estabeleçam ligação a qualquer rede local sem fios em que o SSID «eduroam» esteja presente — um sistema proposto pelo CESE como modelo para o acesso a redes locais sem fios de todos os europeus no contexto da estratégia Conectividade para um Mercado Único Digital Concorrencial — Rumo a uma Sociedade Europeia a Gigabits (9).

4.7.

Por conseguinte, o CESE realça a importância crucial de integrar a nova Empresa Comum EuroHPC nas estruturas e programas já existentes. Por exemplo, a avaliação entre pares organizada pela PRACE deve ser preservada para manter o nível de referência mundial. Devem ser integradas ou adaptadas outras boas práticas. A melhor forma de utilizar conjuntamente os recursos europeus é através de uma abordagem integrada que abarque a EuroHPC, o Programa Horizonte 2020 ou o programa-quadro seu sucessor e as atividades nacionais correspondentes. Neste contexto, o CESE saúda a ideia da Comissão de utilizar a Empresa Comum EuroHPC para coordenar o instrumento de financiamento do Programa Horizonte 2020 (e do respetivo sucessor) no domínio da HPC. O CESE observa que a construção de infraestruturas exige um sistema descendente, ao passo que a ciência de qualidade, tal como promovida pela PRACE, necessita de uma abordagem ascendente orientada pelos cientistas.

4.8.

O CESE encoraja mais Estados-Membros a juntarem-se à Empresa Comum EuroHPC e a aproveitá-la como oportunidade para beneficiar de uma capacidade computacional de nível internacional. O trabalho em rede é fundamental para a utilização científica da HPC. Tendo em conta a complexidade de uma empresa comum, o CESE solicita à Comissão que envide esforços adequados para explicar e promover as vantagens e oportunidades deste instrumento jurídico, em particular no caso dos países mais pequenos e no que respeita à possibilidade de realizar contribuições em espécie.

4.9.

O CESE congratula-se com o facto de dois dos parceiros da Comissão na parceria público-privada contratual terem subscrito cartas de apoio à implementação da Empresa Comum EuroHPC: a Plataforma Tecnológica Europeia para a Computação de Alto Desempenho (ETP4HPC) e a Big Data Value Association (BDVA). Estes parceiros podem tornar-se os primeiros membros privados, o que é essencial para a participação das indústrias, incluindo PME. O CESE acolhe favoravelmente a possibilidade de adesão de mais parceiros, mas sublinha também que a entrada de qualquer novo parceiro, especialmente de fora da UE, tem de cumprir o requisito da reciprocidade. A UE deve poder beneficiar da oportunidade representada pelo desenvolvimento de tecnologia de HPC para consolidar o setor industrial europeu, a fim de abranger toda a cadeia de produção (conceção, produção, aplicação, execução).

4.10.

Um supercomputador com uma unidade central de processamento de 12 petaflops tem um consumo de energia de aproximadamente 1,5 MW. Com uma extrapolação linear à exaescala, a HPC baseada em tecnologia existente atualmente conduziria a um consumo energético da ordem dos 150 MW, o que é inaceitável; por conseguinte, o desenvolvimento de microcircuitos de baixo consumo energético é um objetivo importante da EuroHPC. O CESE sublinha que os microcircuitos de baixo consumo energético terão, deste modo, um papel importante nos objetivos da estratégia da UE para a energia, independentemente do objetivo de tornar a UE independente em relação às importações. Em conformidade com os objetivos supramencionados, a Iniciativa do Processador Europeu, lançada pela Comissão Europeia em 2018, apoiada por um consórcio de 23 parceiros de 10 Estados-Membros e financiada com 120 milhões de euros, desempenhará um papel importante na realização da iniciativa de HPC.

4.11.

O CESE salienta que o desenvolvimento destes microcircuitos avançados de baixo consumo energético também tem impacto na computação de pequena escala (computadores pessoais, telemóveis inteligentes, setor automóvel), uma vez que os circuitos integrados de topo de gama também podem ser adaptados (por redução de escala) a dispositivos do mercado de massas. Esta evolução beneficiará diretamente todos os cidadãos e poderá abrir novos mercados para a indústria da UE. Por conseguinte, a HPC é, em muitos aspetos, uma tecnologia fundamental para uma sociedade moderna.

4.12.

O CESE recomenda a divulgação de informações aos cidadãos e às empresas sobre esta nova e importante iniciativa empreendida pela UE. Por um lado, será útil para recuperar a confiança dos cidadãos no processo de integração europeia. A sociedade civil organizada pode ser um recurso útil para divulgar esta informação. Por outro lado, uma campanha direcionada ajudará as empresas europeias, em particular as PME, a terem conhecimento das iniciativas em curso. Por este motivo, é importante apoiar, através de um percurso específico, as PME com produção de elevado valor acrescentado no acesso e na utilização das novas infraestruturas.

4.13.

As universidades e os centros de investigação devem participar neste processo mediante uma atividade de comunicação específica destinada a aumentar o interesse e a incentivar projetos no domínio da HPC. Este processo pode ainda promover a criação de novos programas curriculares nas escolas, na formação profissional e no ensino universitário para colmatar o défice de competências europeu em relação aos seus principais concorrentes mundiais (10).

4.14.

O CESE recomenda reforçar o mais possível a dimensão social do processo de digitalização enquanto parte fundamental do Pilar Social Europeu (11). Por este motivo, o Comité propõe a definição de um conjunto de desafios societais a ultrapassar utilizando a nova infraestrutura digital. A aplicação e a utilização de máquinas de alto nível devem ter um impacto positivo evidente e mensurável na vida quotidiana de todos os cidadãos.

4.15.

O CESE considera que a HPC e a tecnologia quântica constituem dois objetivos estratégicos para o crescimento e a competitividade da Europa. Por conseguinte, o Comité recomenda o desenvolvimento das duas tecnologias em paralelo, a fim de assegurar que a UE beneficia do melhor desempenho e de melhores oportunidades a médio e longo prazo.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  COM(2012) 45 final (JO C 299 de 4.10.2012, p. 148).

(2)  COM(2016) 178 final (JO C 487 de 28.12.2016, p. 86).

(3)  COM(2018) 8 final e respetivo anexo 1.

(4)  SWD(2018) 6 final.

(5)  JO C 487 de 28.12.2016, p. 86.

(6)  JO C 227 de 28.6.2018, p. 86.

(7)  JO C 81 de 2.3.2018, p. 102.

(8)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 51.

(9)  COM(2016 587 final e JO C 125 de 21.4.2017, p. 51; JO C 125 de 21.4.2017, p. 69.

(10)  JO C 434 de 15.12.2017, p. 30; JO C 173 de 31.5.2017, p. 45.

(11)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10.


10.8.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 283/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1343/2011 relativo a regras comuns dos serviços aéreos na Comunidade»

[COM(2018) 143 final — 2018/0069(COD)]

(2018/C 283/13)

Consulta

Parlamento Europeu, 16.4.2018

Conselho da União Europeia, 12.4.2018

Base jurídica

Artigo 43.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em plenária

23.5.2018

Reunião plenária n.o

535

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

187/3/10

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 535.a reunião plenária de 23 e 24 de maio de 2018 (sessão de 23 de maio) decidiu, por 187 votos a favor, três votos contra e 10 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 23 de maio de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER