ISSN 1977-1010

doi:10.3000/19771010.C_2012.068.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 68

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

55.o ano
6 de Março de 2012


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

477.a sessão plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012

2012/C 068/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema O ensino e a formação profissionais de nível pós-secundário como uma alternativa atrativa ao ensino superior (parecer de iniciativa)

1

2012/C 068/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Emprego juvenil, competências técnicas e mobilidade (parecer de iniciativa)

11

2012/C 068/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Envolvimento da sociedade civil na criação de uma futura Comunidade Europeia da Energia (parecer de iniciativa)

15

2012/C 068/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o O papel da União Europeia na consolidação da paz nas relações externas: boas práticas e perspetivas

21

 

III   Atos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

477.a sessão plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012

2012/C 068/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Um Mercado Único para os Direitos de Propriedade Intelectual: Encorajar a criatividade e a inovação de modo a garantir o crescimento económico, postos de trabalho de elevada qualidade e produtos e serviços de primeira classe na EuropaCOM(2011) 287 final

28

2012/C 068/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu – Uma visão estratégica para a normalização europeia: reforçar e acelerar o crescimento sustentável da economia europeia até 2020COM(2011) 311 final

35

2012/C 068/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimentoCOM(2011) 452 final — 2011/0202 (COD)

39

2012/C 068/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Conselho – Cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumoCOM(2011) 730 final — 2011/0330 (CNS)

45

2012/C 068/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de salmão do mar Báltico e às pescarias que exploram essa unidade populacionalCOM(2011) 470 final — 2011/0206 COD

47

2012/C 068/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – O Sexto Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente – Avaliação FinalCOM(2011) 531 final

52

2012/C 068/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Os OGM na UE (aditamento a parecer)

56

2012/C 068/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energiaCOM(2011) 540 final — 2011/0238 (COD)

65

2012/C 068/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 1999/32/CE no que respeita ao teor de enxofre dos combustíveis navaisCOM(2011) 439 final — 2011/0190 (COD)

70

2012/C 068/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1300/2008 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de arenque presente a oeste da Escócia e às pescarias que exploram essa unidade populacionalCOM(2011) 760 final — 2011/0345 COD

74

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

477.a sessão plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012

6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «O ensino e a formação profissionais de nível pós-secundário como uma alternativa atrativa ao ensino superior» (parecer de iniciativa)

2012/C 68/01

Relatora: Vladimíra DRBALOVÁ

Em 20 de janeiro de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

O ensino e a formação profissionais de nível pós-secundário como uma alternativa atrativa ao ensino superior.

Foi incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que adotou parecer em 16 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 19 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 208 votos a favor, 7 votos contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

Recomendações para a Comissão Europeia

1.1   O Comité apela à Comissão Europeia que incentive os Estados-Membros a atingir os objetivos a longo e a curto prazo definidos no Comunicado de Bruges e a melhorar a qualidade e a eficiência do ensino e formação profissionais (EFP) a fim de aumentar a sua capacidade de atração e pertinência. Os parceiros sociais a todos os níveis devem continuar a desempenhar um papel ativo no processo de Copenhaga e ajudar a alcançar os objetivos de curto prazo.

1.2   O Comité exorta a Comissão a reunir ambos os processos – Bolonha e Copenhaga – numa abordagem integrada. Esta sinergia contribuirá para dotar os indivíduos das competências necessárias para explorar o seu potencial de desenvolvimento e de empregabilidade.

1.3   O Comité considera que a Comissão tem de ser uma plataforma para dados estatísticos que acompanhe a situação nos diferentes Estados-Membros e deverá criar uma plataforma que permita o intercâmbio de boas práticas.

1.4   O Comité congratula-se com os esforços envidados pela Comissão para implementar novos instrumentos e lançar novas iniciativas. No entanto, é urgente, acima de tudo, avaliar o que já foi desenvolvido, a fim de evitar a duplicação de ferramentas e assegurar que os programas e políticas já existentes são devida e plenamente implementados.

Recomendações para aos Estados-Membros

1.5   Estabelecer o número de jovens que entram na universidade como o único indicador quando se elabora uma política educativa induz em erro dado que é apenas parcialmente pertinente para as necessidades dos mercados de trabalho em termos de competências. É necessário estabelecer um equilíbrio entre sistemas de ensino e de formação.

1.6   Executar com eficácia o Comunicado de Bruges e o Processo de Copenhaga e contribuir para a consecução do grande objetivo da UE de aumentar para 40 % a percentagem de adultos que concluíram o ensino superior ou equivalente, o que implica um nível mais elevado de ensino e formação profissionais (EFP).

1.7   Desenvolver incentivos financeiros e não financeiros para empresas, em especial PME, microempresas e empresas de artesanato, a fim de aumentar a capacidade de atração do sistema de EFP, não só inicial mas também contínuo, e de mobilizar as empresas. Esses instrumentos devem servir igualmente para que as instituições de ensino cooperem com o mundo empresarial.

1.8   Empreender ações globais de promoção com vista a aumentar de forma sistemática o grau de reconhecimento social da formação profissional de nível pós-secundário.

1.9   Prestar serviços de aconselhamento mais eficazes e adaptados às necessidades do mercado de trabalho e dos jovens, prevendo aconselhamento individual para as pessoas com deficiência. É preciso abrir a mentalidade dos jovens, das respetivas famílias e dos orientadores, que tendem a considerar que frequentar a universidade é a chave para o emprego.

Recomendações para organizações empresariais

1.10   As organizações empresariais, em cooperação com outros parceiros sociais, devem participar ativamente nos sistemas de aconselhamento e orientação visto serem estruturas aptas para prestar informações sobre oportunidades no âmbito do EFP. Devem apoiar os prestadores de serviços de ensino e formação no desenvolvimento da aprendizagem integrada no trabalho e de novos métodos.

1.11   Os setores industriais e as empresas têm de disponibilizar mais lugares de estágio e oportunidades de aprendizagem no local de trabalho e encorajar os seus trabalhadores a transmitir os conhecimentos e experiências aos estagiários e aprendentes no local de trabalho ou aos formadores temporários no âmbito do EFP.

Recomendação para as instituições de ensino

1.12   Reforçar a sua confiança no estabelecimento de vínculos com empresas e reconhecer a necessidade de uma cooperação construtiva e o valor da experiência obtida em ambientes externos.

1.13   Estabelecer uma cooperação mais estreita com setores industriais e continuar a desenvolver um leque mais alargado de métodos de aprendizagem integrada no trabalho, sendo necessária uma atitude mais flexível relativamente ao EFP.

1.14   Há que garantir a qualidade dos professores e formadores, os quais devem conhecer bem a evolução das necessidades do local de trabalho e encorajar estágios para professores e formadores em empresas.

Recomendações para os parceiros sociais

1.15   O Comité solicita às organizações dos parceiros sociais que assumam as suas responsabilidades e que sejam proativas no processo, fazendo uso de todos os métodos e instrumentos para melhorar a capacidade de atração do ensino e da formação profissionais de nível pós-secundário (conselhos setoriais para o emprego e as competências, etc.).

1.16   Os parceiros sociais a todos os níveis devem pôr devidamente em prática os compromissos resultantes dos seus programas de trabalho conjuntos e contribuir para o processo de criação e implementação de todos os instrumentos da UE relacionados com o EFP a nível nacional.

Recomendações para os cidadãos e a sociedade civil organizada

1.17   Os cidadãos devem ser sensibilizados para o facto de que o ensino superior não constitui necessariamente uma garantia de emprego e de que há que considerar alternativas eficazes. Têm, por isso, de reconhecer a sua responsabilidade ao fazerem escolhas informadas em matéria de estudo e formação. Em última análise, devem sentir-se suficientemente confiantes para enveredarem pela via do ensino profissional de nível pós-secundário.

1.18   As preferências dos estudantes e as expectativas das famílias devem ser confrontadas com as necessidades dos empregadores. No futuro, poderão utilizar o Panorama de Competências na UE, recentemente elaborado, e a respetiva previsão em termos de oferta de competências e de necessidades do mercado de trabalho.

2.   Quadro político europeu

2.1   Em junho de 2010, a Cimeira da primavera da UE adotou a sua nova estratégia para o crescimento e o emprego, intitulada Europa 2020, sustentada por sete iniciativas emblemáticas e documentos estratégicos para reforçar o mercado interno da UE (Ato para o Mercado Único).

2.2   A iniciativa emblemática «Agenda para novas competências e novos empregos», cujo objetivo central é dotar as pessoas das competências certas para o emprego e estabelecer uma correspondência entre a oferta de competências e as necessidades do mercado de trabalho, cria uma forte sinergia com outras iniciativas (política industrial, Agenda Digital, União da Inovação, Juventude em Movimento, Plataforma Europeia contra a Pobreza, etc.).

2.3   Os objetivos da Estratégia Europa 2020 serão sustentados pelo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) (1) proposto. O orçamento para a Estratégia Europa 2020 investirá nos cérebros europeus, aumentando os montantes afetados ao ensino, à formação, à investigação e à inovação.

3.   Ensino e formação profissionais – Desenvolvimentos atuais e desafios

3.1   Atualmente, a evolução dos mercados de trabalho europeus é ditada pelas crises financeiras e económicas, pela globalização, pelas pressões demográficas, pelas novas tecnologias e por muitos outros fatores.

3.2   Entre os cinco objetivos horizontais definidos pela Estratégia Europa 2020 figuram:

um objetivo de uma taxa de emprego de 75 % para os indivíduos com idades compreendidas entre os 20 e os 64 anos;

uma meta relativa ao nível de escolaridade destinada a abordar a questão do abandono escolar precoce, reduzindo a taxa de abandono escolar dos atuais 15 % para 10 %;

a vontade de aumentar a percentagem da população entre os 30 e os 34 anos que tenha concluído o ensino superior ou equivalente de 31 % para, pelo menos, 40 % em 2020.

3.3   A Declaração de Copenhaga, de 29 e 30 de novembro de 2002, lançou a estratégia europeia para uma cooperação reforçada em matéria de ensino e formação profissionais, geralmente conhecida por «Processo de Copenhaga».

3.4   Em 12 de maio de 2009, o Conselho adotou um quadro estratégico para a cooperação europeia no domínio da educação e da formação (EFP 2020).

3.5   A Comunicação da CE intitulada «Dar um novo impulso à cooperação europeia no domínio do ensino e da formação profissionais para apoiar a Estratégia Europa 2020» (2) identifica os principais elementos a ter em conta no relançamento do Processo de Copenhaga e destaca o papel fundamental do EFP na aprendizagem ao longo da vida e na mobilidade.

3.6   No Comunicado de Bruges, adotado em dezembro de 2010, os ministros do Ensino e da Formação Profissionais da UE e os parceiros sociais europeus assumiram um forte compromisso. O comunicado passa em revista e define as seguintes prioridades para a cooperação da UE no domínio do EFP até 2020:

desenvolvimento do ensino e da formação profissionais de nível pós-secundário e de níveis mais elevados do Quadro Europeu de Qualificações (QEQ);

permeabilidade e articulação efetiva entre o EFP e o ensino superior;

documento de estratégia sobre o contributo da excelência profissional para o crescimento inteligente e sustentável.

3.7   A fim de aprofundar o Compromisso de Bruges, a Comissão está a elaborar uma agenda para a excelência no ensino e na formação profissionais, colocando a tónica tanto no EFP inicial como contínuo. O processo deverá ser finalizado com as conclusões do Conselho (final de 2012).

4.   Dados factuais que servem de base ao processo de cooperação reforçada no EFP

4.1   As previsões do Cedefop no que respeita às necessidades futuras em matéria de competências revelam um aumento da procura de qualificações de nível médio e superior até 2020 e um decréscimo da procura de trabalhadores com baixo nível de qualificações. No entanto, a população europeia em idade ativa conta ainda atualmente 78 milhões de pessoas com baixo nível de competências.

4.2   O quarto relatório do Cedefop sobre investigação na Europa no domínio do ensino e da formação profissionais, intitulado «Modernizar o ensino e a formação profissionais», fornece dados factuais que servem de base para o processo de cooperação reforçada nesta área e estabelece igualmente prioridades para reformar o EFP com o objetivo de contribuir para a estratégia da UE para o crescimento e o emprego.

4.3   A modernização do EFP é urgente tendo em conta o aumento da concorrência a nível global, o envelhecimento da população, as pressões sobre o mercado de trabalho e o objetivo de melhorar a coesão social na Europa.

4.4   O Cedefop também se debruça sobre a questão de como melhorar a imagem e a atratividade do EFP. A impressão geral resultante da análise de indicadores relacionados com essa atratividade na UE é negativa. Alguma investigação efetuada permitiu identificar os principais fatores que influenciam a atratividade dos percursos do ensino:

a)

Conteúdo e contexto do ensino: seletividade dos percursos, reputação das instituições, das vias ou dos programas;

b)

Perspetivas dos estudantes no domínio da educação e do mercado de trabalho: acesso a estudos de nível mais elevado (nomeadamente a nível universitário), perspetivas de emprego;

c)

Fatores económicos: ajuda financeira, incentivos fiscais ou propinas.

4.5   Na sua publicação A bridge to the future («Uma ponte para o futuro»), o Cedefop também foca os progressos alcançados no desenvolvimento e na aplicação de princípios europeus comuns (orientação e aconselhamento, identificação e validação da aprendizagem não formal e informal) e de instrumentos (3) europeus comuns (QEQ, ECVET, EQAVET, Europass). Esses princípios e instrumentos visam contribuir para reforçar a mobilidade de trabalhadores, aprendentes e formadores entre os diversos sistemas de ensino e formação e entre países. O seu desenvolvimento e aplicação favorecem a evolução dos resultados da aprendizagem em todos os tipos e níveis de ensino e formação em apoio da aprendizagem ao longo da vida.

4.6   Segundo o novo estudo do Cedefop (4) sobre o ensino e a formação profissionais nos níveis de qualificação superior, abrangendo 13 países e 6 setores, os pontos de vista e a conceção do EFP e do QEQ dos níveis 6 a 8 são influenciados pelos contextos nacionais.

4.7   A Fundação Europeia para a Formação (FEF) põe em destaque uma forte necessidade de prestação de informações sobre os diversos setores profissionais e de políticas assentes em dados factuais que liguem o setor educativo aos setores profissionais. Para melhorar a capacidade de atração do EFP de nível pós-secundário, a FEF recomenda que:

os graus sejam reconhecidos através de uma estreita parceria com o mundo empresarial;

o EFP de nível pós-secundário (ou ensino profissional superior) seja integrado no sistema de ensino superior;

sejam criadas opções de ensino e trampolins de progressão na via da aprendizagem ao longo da vida;

sejam criadas parcerias internacionais para o ensino profissional de nível superior;

os currículos combinem 20 % de aulas teóricas, 40 % de aulas práticas e 40 % de workshops;

o pessoal docente inclua tanto pessoal académico como peritos do mundo empresarial.

4.8   Um estudo encomendado pela Comissão Europeia, que incide na identificação e análise de necessidades futuras em matéria de competências em microempresas e empresas de artesanato (5), recomenda que os programas de formação integrem as futuras tendências e evoluções no domínio das necessidades de competências mais do que acontece atualmente. É necessário elaborar, inclusive a nível europeu, mais programas de aprendizagem baseados no trabalho e definir métodos para reconhecer os conhecimentos práticos obtidos de modo informal.

4.9   A reunião ministerial informal da OCDE sobre o ensino e formação profissionais, que se realizou em Copenhaga, em janeiro de 2007, reconheceu que o EFP assume cada vez mais importância e encetou um trabalho analítico que conduziu, em 2010, a um relatório final intitulado Learning for Jobs  (6) («Aprendizagem para o emprego»). No seguimento desse estudo foi lançada, no final de 2010, uma análise de políticas que incide sobre o ensino e a formação profissionais de nível pós secundário, intitulada Skills beyond School («Competências para além da escola»).

5.   O ensino e a formação profissionais do ponto de vista do mercado de trabalho

5.1   As alterações demográficas, conjugadas com uma previsão da necessidade de mais trabalhadores qualificados, significam que, não obstante a crise económica, a Europa está confrontada com diminuição da mão-de-obra e escassez de trabalhadores em alguns setores.

5.2   A escassez estrutural de mão-de-obra qualificada na UE é um facto. Para as empresas europeias, esta escassez tem como consequência imediata a perda de oportunidades de crescimento e de aumento da produtividade. A falta de mão-de-obra qualificada será um dos principais obstáculos ao crescimento económico nos próximos anos.

5.3   A ecologização dos empregos e a evolução da «economia grisalha», incluindo os serviços sociais e os cuidados de saúde, criam oportunidades de novos empregos para todas as faixas etárias da população ativa e de melhoria da competitividade e do potencial de crescimento de toda a economia europeia. Implicam também uma maior procura de novas profissões e de competências atualizadas e aperfeiçoadas.

5.4   O ensino e a formação profissionais podem contribuir para a consecução do principal objetivo da Estratégia Europa 2020 acima referido de várias formas: 1) oferecendo possibilidades de progredir do ensino e formação profissionais para a formação especializada e o ensino superior, 2) desenvolvendo o EFP a níveis superiores do Quadro Europeu de Qualificações com base em sistemas sólidos do EFP de nível secundário, 3) contribuindo para a oferta de mecanismos adequados para a validação e acreditação dos resultados da aprendizagem não formal a todos os níveis e 4) desenvolvendo formação em alternância que envolva os adultos para garantir o êxito dos jovens.

5.5   Para aumentar a competitividade das empresas e firmas europeias, é crucial que a Europa disponha de uma mão-de-obra móvel dotada de competências e capacidades correspondentes às atuais exigências do mercado de trabalho. As empresas necessitam de qualificações transparentes e comparáveis, independentemente do modo como essas competências tenham sido adquiridas.

5.6   A criação de sistemas de créditos e de qualificações com base nos resultados reais da aprendizagem facilitará a avaliação das capacidades de cada indivíduo, o que contribuirá para o estabelecimento de uma melhor correspondência entre a oferta e a procura nos mercados de trabalho europeus. Os empregadores não recompensam qualificações, recompensam desempenhos. De igual modo, o sistema educativo deveria recompensar cada vez mais os resultados reais dos estudos, e não, por exemplo, o número de semanas que um curso dura.

5.7   As oportunidades de progredir do EFP para o ensino superior são importantes e poderão ser facilitadas por uma melhor transparência no que respeita aos resultados. O QEQ pode revelar-se útil para aumentar a permeabilidade entre o EFP e o sistema de créditos do ensino superior, visto funcionar como conversor dos resultados da aprendizagem em unidades ao nível da qualificação correspondente.

5.8   O EFP de nível pós-secundário não pode ser colocado numa zona cinzenta entre o EFP de nível secundário e o ensino superior. O EFP de nível pós-secundário é estrategicamente importante no âmbito da Estratégia Europa 2020 como modo de tornar este tipo de ensino uma opção de carreira mais atraente para os jovens e de apoiar a melhoria das competências e do nível de instrução. Do ponto de vista das pequenas e médias empresas na Europa, registou-se algum progresso no sentido de tornar o EFP e o EFP de nível superior mais importante e atraente. Contudo, é necessário fazer mais a todos os níveis – europeu, nacional, regional, local e setorial – para diversificar a oferta de ensino e formação profissionais a níveis mais elevados, melhorar a permeabilidade, reformar os sistemas de EFP e criar incentivos financeiros, a fim de estimular tanto as empresas como os indivíduos a organizarem e frequentarem o ensino e a formação profissionais de nível superior.

5.9   A qualidade e a excelência do EFP são decisivas para o tornar mais atraente. No entanto, o ensino e a formação profissionais de elevada qualidade não é barato e as PME enfrentam desafios específicos, pois são as principais fornecedoras de EFP inicial e necessitam de atualizar as competências de todos os seus trabalhadores, não apenas dos melhores. Por conseguinte, «a formação em exercício» é crucial para melhorar as competências nas PME.

5.10   A mobilidade transfronteiras para fins de aprendizagem é uma área fundamental que as empresas há muito apoiam, nomeadamente para jovens integrados no ensino e formação profissionais e em sistemas de estágios profissionais. Neste momento, a Europa ainda não tem um nível de mobilidade suficiente no que respeita a trabalhadores, aprendentes e professores no setor do EFP. A sua mobilidade só pode melhorar com um bom conhecimento de pelo menos uma língua estrangeira.

6.   Quais são as razões para a falta de capacidade de atração do EFP e, em particular, de nível pós-secundário?

6.1   O termo «ensino superior» é frequentemente utilizado como sinónimo de ensino universitário com orientação académica. O ensino superior é frequentemente usado em oposição à formação profissional, sendo esta última considerada de nível inferior.

6.2   As políticas destinadas a desenvolver e alargar o ensino superior não têm prestado atenção suficiente ao EFP. O ensino e a formação de natureza profissional (ou orientados para o mercado de trabalho) constituem já uma parte importante, se bem que «invisível», do ensino superior.

6.3   O EFP está muito diversificado em toda a Europa e esta diversidade de soluções institucionais gera confusão. Em alguns países faz pouco sentido referir-se-lhe como sendo um sistema.

6.4   Os próprios sistemas nacionais de ensino e formação são um tanto ou quanto opacos e é baixo o nível de permeabilidade entre os diferentes percursos de aprendizagem. O ensino e a formação de nível pós-secundário são ministrados por uma grande variedade de prestadores: universidades, institutos superiores de EFP, escolas secundárias, institutos de educação de adultos, parceiros sociais, empresas privadas.

6.5   As qualificações no domínio do EFP são por vezes difíceis de compreender e não são facilmente reconhecidas noutros países. Os programas não se enquadram nos modelos de três ciclos de Bolonha (licenciatura, mestrado e doutoramento). Ainda não há uma visão clara do modo de melhorar as qualificações profissionais nos QNQ (Quadros Nacionais de Qualificações) ou no QEQ.

6.6   Não há uma articulação entre as qualificações e as competências obtidas através da formação e os sistemas nacionais de classificação profissional.

6.7   A imagem do próprio setor industrial é prejudicada pela visão que os meios de comunicação social frequentemente transmitem e pela crise atual, o que leva a uma desconfiança crescente nas empresas europeias.

6.8   A estigmatização e o fraco reconhecimento social das pessoas que têm um diploma de ensino e formação profissionais dissuadem um número considerável de jovens de seguir esta via.

6.9   Um baixo nível de literacia numérica no ensino básico faz com que os jovens tenham relutância em orientar os planos de carreira para disciplinas tradicionalmente ligadas às ciências (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) ou para estudos orientados para a atividade prática.

6.10   Há uma fraca capacidade de resposta às necessidades de competências, cuja constante mutação se deve às rápidas mudanças impulsionadas pelas TIC e pela transição gradual para uma economia hipocarbónica.

6.11   Há uma aparente falta de perspetivas a nível educacional e do mercado de trabalho em áreas como o acesso à continuação dos estudos, nomeadamente de nível superior, perspetivas de emprego, salários, realização profissional e adequação entre a atividade profissional e a formação.

6.12   Há falta de informação e de ajuda aos indivíduos e respetivas famílias quando se discute pela primeira vez a carreira futura dos jovens. As experiências de vida e as carreiras seguidas pelos pais são frequentemente os principais motores da decisão final sobre a escolha da escola e da futura profissão. A orientação da carreira é frequentemente fragmentada, não ponderada e muito desfasada da prática.

6.13   Em alguns Estados-Membros, há falta de incentivos financeiros e não financeiros dos governos aos empregadores para investirem e se empenharem no EFP.

6.14   O quadro de cooperação entre representantes de empresas e instituições de ensino é insuficiente para conceber programas que estabeleçam o equilíbrio entre a aprendizagem teórica e as competências profissionais. Ainda persiste uma falta de confiança das escolas e das universidades para estabelecerem ligações com empresas. Entre as instituições ligadas ao ensino é baixo o nível de reconhecimento do valor da experiência obtida em ambientes externos.

6.15   A mão-de-obra atual está a envelhecer. Muitos países veem-se confrontados com escassez de professores e formadores em estabelecimentos de ensino e formação profissionais. Alguns professores e formadores também têm falta de experiência recente em locais de trabalho.

6.16   O papel do EFP na luta contra as desvantagens sociais é subestimado. É maior a probabilidade de os desfavorecidos abandonarem a escola mais cedo.

6.17   O EFP, e em particular o EFP de nível pós-secundário, enferma de estereótipos de género que afetam o desenvolvimento das carreiras.

6.18   A mobilidade transfronteiras para fins de aprendizagem é um grande problema no domínio do EFP e dos estágios profissionais. A mobilidade dos aprendentes e formadores do EFP é ainda fraca na Europa.

6.19   Serão necessárias melhores competências no domínio das línguas para possibilitar a mobilidade e conferir-lhe valor.

6.20   O ensino superior não é suficientemente visto como um desafio global, em especial o EFP de nível pós-secundário. A participação na circulação global de conhecimentos deveria ser apoiada.

7.   Como é possível tornar o ensino e a formação de nível pós-secundário mais atrativos

7.1   A percentagem de estudantes universitários já não pode ser vista como o único indicador de modernidade e progresso. As universidades, por si só, não podem assegurar o crescimento económico e o progresso social. É necessário identificar e promover todos os percursos alternativos.

7.2   O Processo de Copenhaga, que visa assegurar a transparência e a qualidade das qualificações profissionais, precisa de estar intimamente ligado à reforma do ensino superior. Agregar ambos os processos – Bolonha e Copenhaga – numa abordagem integrada é crucial para a integração bem sucedida e sustentável dos jovens no mercado de trabalho.

7.3   Há que melhorar a reputação da indústria na Europa. É necessária uma nova abordagem da política industrial, devido ao seu importante contributo para o crescimento e a criação de emprego, e bem assim para o desenvolvimento da inovação. Tal abordagem apoiará a indústria, colocando a ênfase na sustentabilidade, na inovação e nas competências humanas necessárias para manter a competitividade da indústria da UE nos mercados mundiais.

7.4   Os serviços são fundamentais para a economia da Europa. Representam 70 % do PIB da UE e cerca de dois terços da totalidade dos empregos. Nove em cada dez empregos são criados no setor dos serviços, os quais proporcionam novas oportunidades do ponto de vista do EFP de nível pós-secundário.

7.5   Uma Europa que se debate com escassez de mão-de-obra em muitas profissões deve concentrar-se mais em estabelecer o equilíbrio entre sistemas de ensino e de formação e em encontrar a combinação certa de ensino geral, profissional e académico. O EFP de nível pós-secundário é a demonstração do desafio existente a este respeito. O seu objetivo é aproveitar ao máximo o local de trabalho como um ambiente de aprendizagem valioso.

7.6   Os quadros de qualificações podem ser muito úteis para os sistemas do EFP, uma vez que permitem unificar o sistema, aumentar a transparência para que o valor de diferentes qualificações possa ser reconhecido de forma mais clara por estudantes, empregadores e outras entidades interessadas, promover a aprendizagem ao longo da vida e melhorar o acesso ao ensino superior para todos. O trabalho realizado em matéria de quadros de qualificações resultou num debate renovado sobre o perfil e o estatuto do ensino e da formação profissionais e sobre como definir e entender o EFP.

7.7   Há que desenvolver um verdadeiro sentido de cooperação entre instituições de ensino, representantes do mundo empresarial e PME, com base na confiança e compreensão mútuas. O CESE acredita na «aliança de conhecimento» (7) recentemente proposta, que congrega o setor empresarial e o setor do ensino/formação, com o propósito de desenvolver novos programas de estudo que reduzam o fosso existente em termos de competências inovadoras e deem resposta às necessidades do mercado de trabalho. A este respeito, a proposta da Comissão de criar o primeiro Fórum EFP-Empresas em 2012 constitui uma nova iniciativa promissora.

7.8   Os setores industriais e as próprias empresas devem investir em formação interna, proporcionar oportunidades para estágios profissionais e aprendizagens no local de trabalho, permitir que os trabalhadores interessados e adequados ao exercício dessa função se tornem tutores dos estagiários na empresa e dos aprendentes no local de trabalho, fomentar o interesse dos trabalhadores aptos para tal em trabalhar como formadores temporários no domínio do EFP, permitir que os trabalhadores frequentem cursos de EFP durante o horário de trabalho e colaborar com os prestadores de serviços de ensino na elaboração de cursos correspondentes à procura de determinadas competências pelo mercado.

7.9   Os prestadores de serviços de ensino devem continuar a desenvolver métodos de aprendizagem integrada no trabalho (ou seja, a maior parte da aprendizagem, e não apenas durante os estágios, deve ter lugar no local de trabalho), ter uma atitude mais flexível para com o EFP (métodos de aprendizagem mais flexíveis), bem como recorrer às TIC em todo o EFP e desenvolver uma estreita cooperação com setores industriais, a fim de identificar novas necessidades em matéria de aprendizagem.

7.10   À medida que as carreiras se vão diversificando, a orientação eficaz neste domínio vai-se tornando cada vez mais complexa, essencial e exigente. As pessoas, em especial os jovens, precisam de ter uma imagem clara dos seus estudos e das suas perspetivas. A velha ideia de que a formação profissional inicial prepara os estudantes para uma única profissão ao longo de toda a vida ativa deixou de ser válida. É necessário que a orientação da carreira seja coerente, disponha de recursos suficientes, seja proativa, objetiva e bem apoiada por dados factuais. Há que dedicar particular atenção ao aconselhamento prestado às pessoas com deficiência, pois ele deve ser personalizado e ter em conta os diferentes tipos de deficiência, as eventuais restrições à mobilidade daí resultantes e os obstáculos à obtenção de determinadas qualificações.

7.11   Não se pode subestimar o papel da família. A informação, o aconselhamento e a orientação também devem centrar-se na família, visto que os pais e os familiares desempenham frequentemente um papel decisivo na opção que um indivíduo faz relativamente a planos de estudo e carreira. São necessárias mais políticas de informação e de sensibilização baseadas em factos, para mostrar as oportunidades associadas ao EFP de nível superior que o mercado de trabalho oferece.

7.12   Todavia, é necessário que o EFP estabeleça um equilíbrio entre as preferências dos estudantes e as exigências dos empregadores. As preferências dos estudantes são importantes, mas não são, em geral, suficientes por si só. As necessidades dos empregadores são importantes, mas nem sempre é fácil defini-las exatamente. O equilíbrio depende também do financiamento concedido pelos governos, pelos estudantes e pelos empregadores.

7.13   Há que garantir igualdade de tratamento para todos os estudantes em todos os percursos de aprendizagem, e o mesmo se aplica à igualdade de acesso a subsídios financeiros para alojamento, transportes, cuidados de saúde e regimes de segurança social.

7.14   A qualidade dos professores e formadores é importante e estes têm de conhecer bem o local de trabalho. Para tal, devem ser incentivadas vias de recrutamento flexíveis que facilitem a entrada para os quadros do pessoal efetivo das instituições de EFP de quem tenha competências no setor industrial. Há que desenvolver programas para aumentar a mobilidade dos professores.

7.15   O papel dos parceiros sociais é vital para que o EFP seja mais pertinente e flexível. A fim de promover a excelência no EFP, os parceiros sociais devem participar mais na conceção e execução de políticas de EFP, nomeadamente currículos, para assegurar que as competências ensinadas são pertinentes para o mercado de trabalho. Os factos comprovam que nos países em que há coordenação entre as escolas e o mercado de trabalho e envolvimento do mercado de trabalho no acompanhamento, na supervisão e na certificação das competências e qualificações profissionais os resultados são geralmente bons. O CESE já realçou, muitas vezes, o papel dos conselhos setoriais e transversais para o emprego e as competências (8) na realização de análises quantitativas e qualitativas das necessidades do mercado de trabalho, e manifestou o seu apreço pelos esforços conjuntos dos parceiros sociais europeus para que os seus programas de trabalho conjuntos (9) coloquem a tónica no ensino e na formação.

7.16   Na sequência da crise, as empresas desenvolveram muitas soluções inteligentes e eficazes para manter os empregos e lançar diversos programas de ensino e formação. O parecer do CESE sobre Estratégias da UE para superar a crise (10) contém uma série de boas práticas a este respeito.

7.17   A mobilidade para fins de aprendizagem contribui para aumentar a empregabilidade, sobretudo a dos jovens, através da aquisição de competências essenciais. O CESE saúda, por isso, o valor de referência, ambicioso mas politicamente necessário, proposto pela Comissão no domínio da mobilidade para fins de aprendizagem, segundo o qual pelo menos 10 % dos que concluíram um ciclo inicial de EFP na UE deverão ter um período de estudo ou de formação no estrangeiro. Isso melhoraria a mobilidade deste tipo de ensino em termos quantitativos e qualitativos, colocando o EFP e o ensino superior em pé de igualdade.

7.18   O recente Livro Verde sobre o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais (11) lançou um debate público sobre a forma de reduzir e simplificar as normas restritivas que regem as qualificações profissionais, a fim de melhorar o funcionamento do mercado interno e reforçar a mobilidade transfronteiras e a atividade empresarial. O êxito da carteira profissional europeia, recentemente proposta, dependerá, em primeiro lugar, da confiança mútua e da cooperação entre os Estados-Membros.

7.19   O CESE está convicto de que é essencial que todos os professores e formadores, em especial em ensino e formação profissionais, tenham elevadas competências linguísticas, necessárias para promover a aprendizagem integrada de línguas e conteúdos (EF 2020). O CESE apoia as atividades oferecidas neste domínio pela Plataforma das Empresas para o Multilinguismo (12) e pela Plataforma da Sociedade Civil sobre o Multilinguismo, que visam assegurar a todos oportunidades de aprendizagem de línguas ao longo da vida (13).

7.20   No século XXI é absolutamente crucial eliminar os estereótipos que já existem no ensino básico e promover a igualdade de oportunidades para homens e mulheres a todos os níveis do ensino e da formação, apoiando medidas de caráter cultural que orientem mais as jovens para estudos científicos e tecnológicos, tal como referido no Pacto Europeu para a Igualdade de Género (14).

7.21   Na última década, têm sido desenvolvidas e adotadas várias abordagens de repartição dos custos a nível nacional, o que alterou o equilíbrio das contribuições feitas pelos governos, empregadores e indivíduos. Entre as medidas financeiras, contam-se fundos para formação, incentivos fiscais, vales, contas individuais de aprendizagem, empréstimos e planos de poupança. O objetivo é aumentar o investimento privado e a participação no ECVET.

7.22   A maior contribuição financeira do orçamento da UE neste domínio provém do Fundo Social Europeu. A fim de melhorar as competências e ajudar a combater os elevados níveis de desemprego dos jovens em muitos Estados-Membros, as ações atualmente apoiadas pelo Programa Leonardo serão reforçadas no próximo período do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) (15).

8.   Implementação adequada de instrumentos e princípios europeus a nível nacional

8.1   Com o lançamento de instrumentos que visam aumentar a cooperação europeia no domínio do EFP, tornou-se claro que é necessária uma maior cooperação entre as diferentes estruturas para melhorar o seu próprio funcionamento.

8.2   Os Processos de Copenhaga e de Bolonha não podem continuar a desenvolver-se independentemente um do outro. Há que aumentar a interoperabilidade e a comparabilidade entre os respetivos instrumentos e reconhecer que o Processo de Copenhaga se encontra numa fase menos avançada, pois faltam ainda vários anos para que o ECVET (16) e o QEQ funcionem normalmente.

8.3   O QEQ, o ECVET e o EQAVET devem contribuir para promover a aprendizagem a todos os níveis e em todos os tipos de ensino e formação. O QEQ deve ser classificado aos níveis 6-8 nos QNQ, em igualdade com o ensino superior. Relativamente ao ECVET – o sistema europeu de créditos do ensino e formação profissionais – é necessária uma implementação coerente e convergente com o Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos (ECTS) (17), visto que o ECVET ainda não está operacional.

8.4   Os instrumentos europeus podem ser complementados por instrumentos nacionais (por exemplo, Quadros Nacionais de Qualificações) ou adotados nas regulamentações nacionais (por exemplo, nos sistemas nacionais de créditos), quando tal se revelar necessário no âmbito de reformas nacionais. É necessária uma maior interação entre os diferentes níveis (da UE, nacional e regional).

8.5   Há que avançar na implementação de um «Erasmus para Aprendizes». Este programa permitirá que o EFP seja considerado em pé de igualdade com iniciativas do ensino superior, contribuindo desse modo para a sua promoção. Dará ao EFP uma dimensão internacional, superará a falta de mobilidade e reforçará a visibilidade e a capacidade de atração do ensino profissional de nível pós-secundário.

8.6   No entanto, a Comissão deverá ter o cuidado de não criar novos instrumentos antes de ter sido avaliado o potencial valor acrescentado dos que já existem. É necessário melhorar a comunicação e a cooperação no âmbito dos instrumentos já existentes e entre eles, para que os seus objetivos se concretizem na prática.

8.7   O CESE elaborou diversos pareceres de qualidade sobre os instrumentos pertinentes – sobre o ECVET (18), o EQAVET (19) – e sobre a correspondência de qualificações de formação profissional entre os Estados-Membros (20).

Bruxelas, 19 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Um Orçamento para a Europa 2020 – COM(2011) 500 final, Partes I e II, a partir de 29.6.2011.

(2)  Comunicação da Comissão COM(2010) 296 final.

(3)  QEQ (Quadro Europeu de Qualificações), ECVET (Sistema Europeu de Créditos para o Ensino e a Formação Profissionais), EQAVET (Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e a Formação Profissionais), EUROPASS (um dossiê conjunto de documentos de apoio à mobilidade laboral e geográfica).

(4)  Documento de investigação do Cedefop n.o 15 intitulado «Vocational education and training at higher qualification levels» [Ensino e formação profissionais nos níveis de qualificação superior].

(5)  Relatório final para a identificação de necessidades futuras de competências em microempresas e empresas de artesanato até 2020, FBH (Forschungsinstitut fúr Berufsbildung in Handwerk an der Universität zu Köln – Instituto de investigação da formação profissional no artesanato, Universidade de Colónia), janeiro de 2011.

(6)  Análise da OECD sobre o projeto Learning for Jobs (centrado no EFP), http://www.oecd.org/dataoecd/41/63/43897561.pdf.

(7)  Iniciativa emblemática «Agenda para novas qualificações e novos empregos».

(8)  Parecer exploratório do CESE JO C 347 de 18.12.2010, p. 1.

(9)  Quadro de ações para o desenvolvimento das competências e das qualificações ao longo da vida 2002) e Acordo autónomo sobre mercados de trabalho inclusivos (2010).

(10)  Parecer de iniciativa do CESE, JO C 318 de 29.10.2011, p. 43.

(11)  COM(2011) 367 Final. Livro Verde – Modernizar a diretiva relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, de 22.6.2011.

(12)  http://ec.europa.eu/languages/pdf/business_en.pdf.

(13)  http://ec.europa.eu/languages/pdf/doc5080_en.pdf.

(14)  3073.a reunião do Conselho «Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores», 7 de março de 2011.

(15)  Um orçamento para a Europa 2020, COM(2011) 500 final de 29.6.2011.

(16)  Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais – contribui para validar, reconhecer e acumular competências e conhecimentos relacionados com o trabalho.

(17)  Sistema Europeu de Transferência de Créditos.

(18)  Ver parecer do CESE, JO C 100 de 30.4.2009, p. 140.

(19)  Ver parecer do CESE, JO C 100 de 30.4.2009, p. 136.

(20)  Ver parecer do CESE, JO C 162 de 25.6.2008, p. 90.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 54.o, n.o 3, do Regimento):

Ponto 1.10

Alterar.

«As organizações empresariais devem participar ativamente nos sistemas de aconselhamento e orientação, visto serem elas para prestar informações sobre oportunidades no âmbito do EFP. Devem apoiar os prestadores de serviços de ensino e formação no desenvolvimento da aprendizagem integrada no trabalho e de novos métodos.»

Resultado da votação

Votos a favor

:

81

Votos contra

:

100

Abstenções

:

20

Ponto 1.18

Alterar.

« preferências dos estudantes e as expectativas das suas famílias com as necessidades dos empregadores. No futuro, poderão utilizar o Panorama de Competências na UE, recentemente elaborado, e a respetiva previsão em termos de oferta de competências e de necessidades do mercado de trabalho.»

Resultado da votação

Votos a favor

:

75

Votos contra

:

127

Abstenções

:

18


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/11


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Emprego juvenil, competências técnicas e mobilidade» (parecer de iniciativa)

2012/C 68/02

Relatora: Dorthe ANDERSEN

Em 14 de julho de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o

Emprego juvenil, competências técnicas e mobilidade.

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 16 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), o Comité Económico e Social adotou, por 173 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A evolução demográfica coloca grandes desafios ao mercado de trabalho. As consequências da crise económica evidenciam bem os problemas estruturais com que se debatem os mercados de trabalho. E são sobretudo os jovens que têm dificuldade em arranjar um primeiro emprego digno, mesmo possuindo qualificações adequadas. Daí que os Estados-Membros tenham de realizar uma série de reformas no âmbito da Estratégia Europa 2020 e dos Programas Nacionais de Reformas, com o fito de relançar o crescimento.

1.2   O desemprego juvenil gera grandes problemas económicos e sociais para a sociedade e os próprios jovens e reduz as possibilidades de crescimento. A competitividade europeia depende em larga medida da existência de trabalhadores qualificados, porque de outro modo há o risco de a Europa ficar para trás na concorrência pela mão-de-obra especializada e altamente qualificada.

1.3   Ninguém sabe realmente como serão os empregos do futuro, mas a formação deveria tomar como ponto de partida as necessidades do mercado de trabalho e os verdadeiros problemas a resolver. Convém reforçar o reconhecimento das competências obtidas fora dos sistemas de formação e dedicar mais atenção, nos currículos escolares, às competências gerais e inovadoras.

1.4   É essencial remover as barreiras entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho, evitando atribuir demasiada importância a considerações financeiras. Importa, por outro lado, aprofundar a parceria entre as empresas e o setor educativo na elaboração dos currículos escolares, a fim de antecipar as necessidades futuras. A formação deve levar ao emprego.

1.5   Convém generalizar mais a formação em alternância e os estágios na área da educação, inclusivamente nos percursos de aprendizagem pertinentes do ensino superior e da formação profissional. As sinergias entre a atividade prática, a formação no local de trabalho e o ensino teórico reforçam a empregabilidade dos jovens e facilitam a sua transição da escola para a vida profissional, além de imprimirem uma nova dinâmica ao desenvolvimento da educação.

1.6   O Fundo Social Europeu deverá ajudar a subvencionar os custos iniciais a suportar pelos países que pretendam estabelecer um sistema de formação em alternância.

1.7   Um mercado de trabalho aberto e dinâmico poderá estimular à mobilidade e criar postos de trabalho, sobretudo para os jovens. Conforme ficou acordado na Estratégia Europa 2020 e nos Programas Nacionais de Reformas, os Estados-Membros terão de modernizar os seus mercados de trabalho de modo a aumentar a sua capacidade de absorção e melhorar o seu funcionamento.

1.8   Uma política do mercado laboral ativa capaz de motivar tanto quem procura emprego como quem já está empregado a formar-se continuamente contribuirá para estimular a mobilidade geográfica e profissional e, deste modo, a criação de postos de trabalho.

2.   Objetivos e introdução

2.1   A juventude europeia é o futuro da Europa. Mas apesar disso há muitos jovens sem emprego ou sem as competências requeridas. Além disso, muitos deles têm dificuldades em arranjar um primeiro emprego não obstante possuírem as qualificações adequadas.

2.2   O presente parecer versa sobre as possibilidades de emprego dos jovens, tendo igualmente em conta a futura necessidade de técnicos e de trabalhadores qualificados, e ainda sobre o acesso dos jovens ao mercado de trabalho e a mobilidade profissional. Isso significa que a mão-de-obra essencial com formação profissional ou técnica ou qualificações de nível médio representará, segundo o CEDEFOP, uma percentagem de 50 % do total, em 2020.

2.3   O objetivo do parecer é apresentar propostas concretas para melhorar as possibilidades de emprego dos jovens e permitir às empresas o acesso às competências de que necessitam.

2.4   O conceito de «competências» abrange muitos aspetos. Por exemplo, as competências sociais e gerais, as competências técnicas e especializadas, bem como as competências adquiridas tanto através da aprendizagem formal como da formação fora do quadro laboral ou das atividades sociais ou familiares.

2.5   O presente parecer procura responder a duas questões estreitamente interligadas: em primeiro lugar, quais as competências de que necessitará futuramente o mercado de trabalho e, em segundo lugar, de que forma se poderá garantir a integração dos jovens no mercado de trabalho e quais as possibilidades de mobilidade profissional?

2.6   A Comissão Europeia lançou várias iniciativas emblemáticas neste domínio, sendo as mais recentes «Juventude em Movimento» e «Agenda para Novas Competências e Empregos». Estas iniciativas emblemáticas são fundamentais e abarcam diversas iniciativas destinadas a aumentar as possibilidades de emprego dos jovens. Faz-se-lhes referência nos pareceres do CESE sobre a matéria (1).

3.   A situação atual na Europa

3.1   Na União Europeia a mão-de-obra está a diminuir em consequência da evolução demográfica: a geração do baby boom está a retirar-se do mercado de trabalho para ser substituída por pessoas mais jovens, nascidas num período com uma taxa de natalidade mais baixa. Sendo a existência de uma oferta de mão-de-obra vasta e altamente qualificada uma premissa fundamental para o crescimento da Europa, o mercado de trabalho tem diante de si grandes desafios para resolver.

3.2   Segundo o último número da revista trimestral Quarterly Employment and social situation review, publicada pela Comissão Europeia, o relançamento do mercado de trabalho europeu decorre lentamente e de forma desigual. É certo que foram criados empregos, mas o seu número ainda é insuficiente. Sobretudo o desemprego entre os jovens (20,3 %) evidencia bem o imperativo de agir imediata e eficazmente.

3.3   O desemprego afeta todos os grupos de jovens, também os mais vulneráveis, independentemente do seu nível de qualificações. No entanto, o risco de não encontrar emprego é maior no caso dos jovens pouco qualificados ou sem experiência profissional. Além disso, o desemprego de longa duração tem aumentado e chegou aos 9,5 % em março de 2011, havendo muitos jovens na iminência de se converterem em desempregados de longa duração.

3.4   Tanto o desemprego como o subemprego juvenil trazem grandes problemas económicos e sociais à sociedade e aos próprios jovens e reduzem as possibilidades de crescimento.

3.5   Antes da crise, a Europa conheceu um período bastante intenso de criação de emprego. A crer nos dados da Comissão Europeia, foram criados 20 milhões de postos de trabalho entre 1995 e 2006.

3.6   Em contrapartida, a crise levou à perda de cerca de 5 milhões de postos de trabalho. De acordo com o Eurofound, tratou-se principalmente de empregos mal remunerados, ocupados por trabalhadores não qualificados, por exemplo, do setor da construção civil. No entanto, a situação varia enormemente de um Estado-Membro para outro.

3.7   O CEDEFOP prevê que serão criados aproximadamente 7 milhões de novos empregos no período de 2010-2020 e que ficarão vagos 73 milhões de postos de trabalho em consequência da evolução demográfica. Mas os novos empregos destinar-se-ão, na sua grande maioria, a pessoas altamente qualificadas.

3.8   Paradoxalmente, certos países e certos setores veem-se a braços com falta de mão-de-obra, ao mesmo tempo que há muitos postos de trabalho por preencher, o que demonstra que o mercado de trabalho enfrenta cada vez mais problemas estruturais. Havia, por exemplo, nos Países Baixos, em finais de 2009, 118 000 postos de trabalho vagos. Na Alemanha e na Polónia, há, respetivamente, 87 800 e 18 300 lugares vagos no setor das tecnologias da informação.

3.9   O setor privado será tanto mais competitivo quanto mais qualificados forem os seus trabalhadores. Se as empresas privadas não conseguirem encontrar na Europa mão-de-obra com as competências adequadas, poderão ser compelidas a procurar pessoal em países terceiros. Com a evolução demográfica, é igualmente necessário reforçar o setor dos cuidados a pessoas idosas e o setor da saúde, o que fará aumentar a procura de mão-de-obra.

4.   As futuras necessidades de mão-de-obra

4.1   A contração do emprego e a necessidade de relançar urgentemente o crescimento exigem que as futuras gerações de jovens que entrarem no mercado laboral disponham de um nível elevado de educação e de formação, correspondente às necessidades presentes e futuras. Tal significa igualmente que se terá de reduzir o abandono escolar precoce e fazer tudo para motivar os jovens a concluírem a sua formação profissional. É, além disso, essencial que a estrutura do mercado permita aos jovens encontrarem um primeiro emprego. Os últimos anos demonstraram quão difícil é a transição entre formação e emprego. Por outro lado, os entraves colocados pela formação ou pela legislação laboral tornam ainda mais difícil mudar de emprego.

4.2   A UE e os Estados-Membros comprometeram-se já a realizar uma série de reformas no âmbito da Estratégia Europa 2020 e dos Programas Nacionais de Reformas. Neste contexto, foram propostas em certos Estados-Membros reformas destinadas a aproximar os sistemas de educação das necessidades por parte do mercado de trabalho.

4.3   A Estratégia Europa 2020 estabelece dois objetivos essenciais no âmbito da educação e da formação. Mas estes têm um caráter meramente quantitativo. Também interessante é a questão da capacidade dos sistemas de educação e de formação de ministrar aos jovens as competências adequadas, ou seja, as que são objeto de procura no mercado de trabalho e que lhes poderão ser úteis na prática.

4.4   Os prognósticos apontam para um aumento do nível de educação e de competências na Europa, mas há o risco de polarização. Alguns deles revelam que o objetivo segundo o qual pelo menos 40 % dos jovens entre 30 e 34 anos terá de ter um curso superior será realizado em 2017.

4.5   Em contrapartida, as previsões estão muito longe de ser tão encorajadoras no que se refere ao objetivo de fazer baixar, até 2020, a percentagem de abandono escolar dos jovens para além dos 10 %. O CEDEFOP, por exemplo, calcula que, até 2020, pelo menos 83 % dos jovens entre 22 e 24 anos (relativamente aos 78 % de 2010) terão terminado o ensino secundário, nas modalidades de preparação para a universidade ou de cursos profissionais. Será muito difícil garantir uma oferta de mão-de-obra altamente qualificada com um número tão elevado de jovens sem qualificações, sobretudo porque os empregos do futuro exigirão principalmente trabalhadores altamente qualificados ou especializados. O mais importante é, por conseguinte, assegurar que o maior número possível de jovens conclua uma formação que lhes proporcione competências adequadas, inclusivamente profissionais.

4.6   A globalização e as novas tecnologias transformarão o mercado de trabalho, encurtando, por exemplo, cada vez mais os ciclos de vida dos produtos. As deslocações entre os vários setores e as novas formas de organização do trabalho criarão novos empregos, mas exigirão igualmente novas competências.

4.7   Serão, portanto, colocadas mais exigências à educação permanente, à educação de adultos e à capacidade de adaptação, aspetos estes que passarão a fazer parte da vida profissional. Cabe aqui uma responsabilidade comum aos parceiros sociais e aos estabelecimentos de ensino que, juntos, poderão encontrar soluções inovadoras.

4.8   Segundo o CEDEFOP, até 2020, a procura de trabalhadores altamente qualificados na UE sofrerá um aumento de quase 16 milhões, ao passo que o aumento da procura de trabalhadores obra com formação média não passará dos 3,5 milhões. Em contrapartida, prevê-se uma redução de 12 milhões na procura de trabalhadores pouco qualificados.

4.9   Espera-se, para o período de 2010 a 2020, uma nítida redução de empregos nas indústrias primárias, mas também na produção e na transformação. O maior crescimento verificar-se-á no setor dos serviços, especialmente dos serviços a empresas. Mas também a distribuição, a restauração, os cuidados de saúde e os transportes são setores em expansão. Haverá igualmente crescimento nos setores com forte intensidade de conhecimento, mas também naqueles em que esta intensidade é menor, como o comércio a retalho. Continuará a transição para uma economia baseada no conhecimento e para um mundo em rápida mudança e voltado para a inovação. É, por isso, fundamental que as novas competências especializadas se traduzam em conhecimentos que, por seu turno, darão lugar a inovações e a novos produtos e serviços. A capacidade de adaptação continua a ser um parâmetro essencial tanto para os indivíduos como para o sistema de educação, que devem estar à altura de responder às necessidades do mercado de trabalho.

4.10   A inovação é um elemento fundamental de qualquer análise dos modelos de emprego e das futuras necessidades em termos de competências. Por inovação entende-se a capacidade de melhorar os processos e os métodos, mas neste contexto são também cruciais as competências gerais, como a criatividade, a capacidade de resolver problemas, de colaborar e de dirigir, sem esquecer o empreendedorismo. Por exemplo, setores industriais com maior intensidade de conhecimento empregam trabalhadores que não são necessariamente altamente qualificados, mas possuem uma capacidade inovadora, nomeadamente para melhorar os processos de produção ou a organização do trabalho.

4.11   Alguns estudos demonstram que a inovação, que está na base do crescimento, tem lugar quase sempre nas empresas, que se desenvolvem graças aos contributos e às exigências dos clientes, dos fornecedores e dos trabalhadores.

4.12   A inovação não deverá, contudo, ser encarada como uma disciplina. A capacidade de inovação impõe novas exigências aos sistemas de educação. É necessário, designadamente, descobrir uma forma de estimulá-la nos jovens que poderão assim, na sua vida profissional, contribuir diretamente para criar riqueza para a nossa sociedade.

5.   A mão-de-obra essencial e os sistemas de ensino do futuro

5.1   Ninguém sabe realmente como serão os empregos do futuro. A UE lançará em breve um Panorama de Competências e serão constituídos na UE conselhos setoriais para as competências (SSC – setor skills councils), o que melhorará a capacidade de prognóstico das necessidades e das dificuldades futuras. Com a concorrência mundial, o desenvolvimento tecnológico e as migrações é fundamental dispor de sistemas de educação flexíveis e facilmente adaptáveis.

5.2   É igualmente necessária uma cooperação muito mais estreita entre os estabelecimentos de ensino, os governos e as empresas, por exemplo, na elaboração de programas curriculares. As competências são adquiridas e aperfeiçoadas durante toda a vida através do ensino e do trabalho, mas também fora do mercado laboral, o que deve ser mais expressamente reconhecido.

5.3   A formação da mão-de-obra essencial do futuro começa na escola primária, onde é preciso melhorar a qualidade do ensino, mas onde haverá também que ensinar a aprender e a adquirir novos conhecimentos. Tanto o ensino básico como o secundário deverão prever sem falta ações de orientação profissional. Os professores deverão ter as competências necessárias para esse efeito.

5.4   Embora o sistema de formação profissional seja tratado num outro parecer do CESE (2), convém sublinhar que este tipo de formação é fundamental para garantir as competências necessárias para o futuro.

5.5   A formação profissional está perante grandes desafios, que dizem respeito, por exemplo, à imagem e à qualidade dos cursos, à capacidade de cobrir as competências requeridas pela vida profissional e à preparação para a entrada no mercado de trabalho. Em muitos casos, há percentagens consideráveis de abandono escolar, devido aos escassos conhecimentos básicos dos jovens, como, por exemplo, a falta de capacidade de leitura. Também é muitas vezes difícil transitar do sistema de formação profissional para o sistema de ensino superior. Por último, continua a registar uma diferenciação entre homens e mulheres na educação.

5.6   No contexto da formação profissional, há países que introduziram um sistema «em alternância», o que significa que a formação é ministrada em aulas tradicionais de teoria, por um lado, e em atividades práticas e de estágios em empresas, por outro. Graças aos contactos estreitos com as empresas, criam-se possibilidades de acesso ao mundo laboral e garante-se que a maioria daqueles que concluem a sua formação profissional encontram rapidamente um emprego. Contrariamente a este modelo, nos sistemas de formação profissional como o sueco, o belga e o espanhol há tradicionalmente poucos contactos com as empresas, uma vez que os cursos de formação profissional são ministrados essencialmente nas escolas. Por isso mesmo, muitos jovens destes países deparam-se com dificuldades em aceder ao mercado de trabalho.

5.7   Como há vários quadrantes (a Comissão, a OCDE, o Parlamento, etc.) que advogam a combinação de trabalho, experiência prática e formação escolar como uma forma válida de acesso ao mercado de trabalho, o CESE proporá iniciativas concretas destinadas a disseminar em toda a União Europeia o sistema de formação «em alternância».

6.   Transição da fase formativa para a fase laboral e a mobilidade profissional

6.1   A transição da formação para o emprego, e, por conseguinte, do sistema educativo para o mercado de trabalho, é frequentemente marcada por considerações financeiras. Embora a necessidade de uma maior coadunação entre o sistema de formação profissional e o mercado de trabalho e a promoção do acesso a este mercado por parte dos jovens sejam prioridades da UE, ficou provado nos últimos anos que neste campo há ainda muitos e importantes desafios por resolver.

6.2   A mobilidade geográfica e profissional na Europa é, contudo, limitada e vê-se, amiúde, entravada por barreiras nos sistemas de qualificações, por problemas de reconhecimento de diplomas ou por orientação insuficiente. Convém reforçar, pela sua relevância, os programas de intercâmbio e mobilidade da UE. Tem-se concentrado até aqui toda a atenção na formação universitária, mas doravante será necessário dirigi-la igualmente para a formação técnica e profissional, por exemplo, mediante estágios em empresas além-fronteiras. Os estágios no estrangeiro podem contribuir para melhorar a situação em certas zonas fronteiriças onde é possível que num país haja falta de vagas e no outro demasiadas.

6.3   O sistema de formação em alternância permitiria abrir aos jovens o caminho para o mercado de trabalho com certa segurança e garantir às empresas que o pessoal que contratam possui as competências adequadas. Um inquérito do Eurobarómetro revelou que 87 % dos empregadores consideram a experiência prática, nomeadamente em forma de estágios nas empresas, um fator decisivo na candidatura a um emprego.

6.4   Importa generalizar a alternância entre o ensino teórico e a aprendizagem no local de trabalho. Será, contudo, necessário assegurar uma relação contratual que exija a participação da empresa na formação dos jovens e defina concretamente as responsabilidades do estagiário. Todas as partes envolvidas ganharão com isso. As empresas terão acesso a uma grande base de dados para o recrutamento, para além de novos conhecimentos e inspiração. Os estabelecimentos de ensino verão, por sua vez, facilitado o acesso ao conhecimento e a cooperação com as empresas. E a nível individual será garantida a experiência prática no mundo laboral.

6.5   Uma vez que criar e desenvolver um sistema de formação em alternância implica custos iniciais, os fundos e os programas da UE, como o Fundo Social Europeu, poderão apoiar os países ou as regiões que desejem implantar esse sistema.

6.6   Seja como for, haverá que cumprir certos requisitos indispensáveis para assegurar uma boa transição para a vida laboral e possibilidades de mobilidade e desenvolvimento profissional. Importa estimular a criação de emprego e de criar mercados de trabalho abertos e dinâmicos que favoreçam a mobilidade e garantam aos jovens um arranque profissional seguro. Um mercado de trabalho que ofereça amplas possibilidades de emprego e de mobilidade profissional voluntária contribuirá para facilitar aos jovens o acesso ao mundo laboral.

6.7   No âmbito da Estratégia Europa 2020, são muitos os Estados-Membros que estão a modernizar os seus mercados de trabalho de modo a aumentar a sua capacidade de absorção e melhorar o seu funcionamento. Para facilitar o acesso dos jovens ao emprego, haverá que remover as barreiras que desmotivam os empregadores a contratar jovens em condições normais. À partida, não deveria haver nem vantagens nem desvantagens para a empresa nem para o trabalhador e deveria ser unicamente a natureza do emprego a determinar a escolha da relação contratual no momento da admissão ao serviço.

6.8   É essencial, por isso, conceber uma política do mercado laboral ativa que seja capaz de motivar tanto quem procura emprego como quem já está empregado a formar-se continuamente e a melhorar as suas competências. Uma política do mercado laboral ativa aumentará a mobilidade, gerando novos postos de trabalho, sobretudo para os jovens.

6.9   Refira-se, por último, que vários tipos de direitos individuais que não estão ligados a uma determinada empresa ou a um emprego específico mas que acompanham os indivíduos ao longo de toda a vida profissional, mesmo quando mudam de posto de trabalho (como, por exemplo, os direitos de pensão e as ações de formação financiadas por fundos) favorecem a mobilidade no mercado de trabalho.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Pareceres do CESE sobre os temas «Juventude em Movimento», in JO C 132 de 3.5.2011, p. 55, e «Agenda para Novas Competências e Empregos», in JO C 318, de 29.10.2011, p. 142.

(2)  Parecer do CESE sobre o tema «Tornar o ensino e a formação profissionais de nível pós-secundário mais atractivos» (Ver página 1 do presente Jornal Oficial).


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Envolvimento da sociedade civil na criação de uma futura Comunidade Europeia da Energia» (parecer de iniciativa)

2012/C 68/03

Relator: Pierre-Jean COULON

Em 14 de junho, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o

Envolvimento da sociedade civil na criação de uma futura comunidade europeia da energia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 20 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 183 votos a favor, 2 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE aprova as recentes iniciativas da Comissão Europeia que têm em vista desenvolver as interligações e finalizar o mercado interno da energia. Apoia igualmente os esforços – nomeadamente do Conselho – no sentido de reforçar a posição da UE e dos seus Estados-Membros na cena internacional. Regista, em particular, o Roteiro para a Energia 2050, publicado pela Comissão Europeia em 15 de dezembro de 2011, que visa, nomeadamente, «realizar uma abordagem europeia, em que todos os Estados-Membros partilhem uma interpretação comum (…)».

1.2   O CESE apoia o princípio de criar uma comunidade europeia da energia (CEE) e aprova as etapas intermédias que se impõem, designadamente, redes energéticas europeias regionais, um fundo para o desenvolvimento das energias renováveis e um agrupamento para aquisição de gás.

1.3   O CESE recomenda que se vá mais longe e se integrem os mercados europeus, visando a convergência e a redução dos preços da energia. Relativamente ao cabaz energético, preconiza igualmente que se efetuem as escolhas mais coerentes e eficazes à escala da UE. Seria útil que grupos de Estados formalizassem uma maior cooperação a partir de projetos prioritários de infraestruturas, de interligações e de complementaridade ao nível da produção e do abastecimento de energia.

1.4   O CESE propõe que os investimentos, inclusivamente os nacionais, se concentrem na investigação na área das tecnologias energéticas com baixa dependência do carbono. Haverá que dar ênfase às energias renováveis e aos projetos de envergadura que possam contribuir para reindustrializar a Europa e criar postos de trabalho.

1.5   O CESE defende que o acesso universal à energia faça parte dos objetivos da política energética comum da UE. Preconiza que as autoridades competentes ou os distribuidores de energia informem sistematicamente os consumidores finais acerca dos seus direitos e, se necessário, reforcem os mecanismos de defesa do consumidor. Recomenda uma reação pronta ao problema da precariedade energética, mormente através de um «pacto europeu de solidariedade energética».

1.6   O CESE pugna pela criação de uma estrutura comum de abastecimento de energias fósseis. Apela ao reforço das competências da UE em matéria de negociação e de fiscalização dos acordos internacionais de fornecimento de energia.

1.7   O CESE recomenda que se intensifique a cooperação no domínio da energia com os países em desenvolvimento e os vizinhos da UE num espírito de desenvolvimento e de parceria.

1.8   Dada a importância dos desafios ambientais, os valores dos investimentos a realizar, as repercussões sociais das decisões políticas, as consequências para os modos de vida e a necessidade de aceitação por parte da opinião pública, é indispensável informar e associar os cidadãos ao debate sobre as questões energéticas. O CESE apela à criação de um fórum europeu da sociedade civil responsável pelo acompanhamento das questões energéticas, permitindo que as organizações membros exprimam os seus pontos de vista junto dos decisores políticos.

1.9   O CESE deve ser um lugar de debates estruturados periódicos com a sociedade civil europeia sobre a evolução da comunidade europeia da energia.

1.10   O CESE recomenda que até 2014 se avaliem os progressos realizados, socorrendo-se para tal do artigo 194.o do TFUE, e se examine se é necessário operar mudanças, à luz das propostas constantes deste parecer.

2.   A política energética da UE – Desafios, progressos e limites

2.1   A situação energética da UE caracteriza-se por um desequilíbrio cada vez maior entre produção e consumo domésticos e por uma dependência forte e persistente relativamente às fontes de energia à base de carbono. A União Europeia tem, pois, pela frente três desafios maiores que são, à partida, dificilmente conciliáveis:

a luta contra as alterações climáticas e a transição para uma sociedade hipocarbónica;

a integração, um mercado interno da energia eficaz e preços da energia acessíveis; e

a segurança dos abastecimentos.

2.2   O objetivo de criar um mercado interno da eletricidade e do gás data de 1996 (primeiro pacote sobre «liberalização»). Ora, volvidos 15 anos, o mercado interno da energia permanece fundamentalmente uma estrutura vazia: apenas 10 % da eletricidade transita de um país para outro, os consumidores nem sempre podem escolher um fornecedor estabelecido noutro Estado-Membro, o desenvolvimento das energias renováveis – que deverão tornar-se na principal fonte de produção de eletricidade – continua a basear-se em mecanismos de apoio nacionais, a planificação das redes ainda é em larga medida uma competência nacional (a ACER apenas é responsável pelas capacidades transfronteiras, ao passo que um verdadeiro mercado integrado também requer uma ação conjunta em relação às redes nacionais), a UE nem sempre fala a uma só voz com os países fornecedores, etc. As políticas de fundo no domínio do gás e da eletricidade continuam a ser decididas essencialmente a nível nacional.

2.3   Face à vastidão das questões e à elevada interdependência política, económica e técnica entre os Estados-Membros da UE, é absolutamente necessário adotar uma ação comum em que o interesse coletivo da União prevaleça sobre os interesses entendidos como nacionais.

2.4   O objetivo neste momento é finalizar a construção do mercado interno da energia em 2014. A constituição de um sistema energético europeu corresponde aos anseios dos cidadãos europeus. Inquéritos do Eurobarómetro recentemente efetuados pelo Parlamento Europeu (EB Standard «Energie» 14.3 de 31.1.2011 e EB Spécial 75.1 de 19.4.2011) revelam (i) que os europeus acreditam no valor acrescentado europeu e privilegiam a abordagem europeia; e (ii) que as suas preocupações correspondem aos grandes desafios supramencionados, pela seguinte ordem: estabilidade dos preços, energias renováveis e garantia de abastecimento. 60 % dos europeus consideram que no tocante à segurança do aprovisionamento estariam mais bem protegidos se houvesse uma maior coordenação entre os países da UE. Por último, 78 % dos europeus concordam com a proposta de uma comunidade europeia da energia.

2.5   O CESE considera que, se responder eficazmente a estas preocupações fundamentais dos cidadãos, a UE será capaz de dar nova legitimidade à sua ação. A criação faseada de uma Comunidade Europeia da Energia é a melhor forma de atenuar o impacto económico e social dos desafios energéticos nos cidadãos europeus. A interdependência energética, de facto, entre os Estados-Membros constitui uma perigosa ameaça para a coesão da UE se ela não for concomitante com dispositivos de governação democráticos que permitam tomar decisões comuns em benefício do bem comum.

3.   Para uma comunidade europeia da energia

3.1   Neste contexto, Jacques Delors avançou a ideia de criar uma verdadeira «comunidade europeia da energia» (CEE), projeto que obteve o apoio de Jerzy Buzek. Este projeto político, que é objeto de um relatório detalhado elaborado pelo centro de reflexão Notre Europe (ver http://www.notre-europe.eu/uploads/tx_publication/Etud_Energie_fr.pdf), poderia, no entender do CESE, responder aos desafios e, ao mesmo tempo, dar nova legitimidade à construção europeia e relançá-la.

3.2   São propostos vários caminhos, que vão desde o statu quo (artigo 194.o do TFUE) à conclusão de um novo tratado europeu da energia.

3.3   Também são avançadas fases intermédias, a saber:

uma cooperação reforçada em torno de redes energéticas regionais europeias;

um fundo comum da energia para o desenvolvimento de novas tecnologias;

a criação de um agrupamento europeu de aquisição de gás.

3.4   O CESE, que já adotou pareceres em que preconiza um serviço europeu da energia (1), entende que é conveniente capitalizar a dinâmica criada com o relatório do centro de reflexão Notre Europe e ir mais longe, associando a sociedade civil ao debate e aplicando medidas com vista à consecução dos objetivos de integração e de cooperação.

4.   A União Europeia caminha para uma política energética mais integrada

4.1   O CESE regista com satisfação as iniciativas da Comissão Europeia que têm por objetivo responder aos desafios energéticos, em particular as suas mais recentes propostas em matéria de prevenção das crises, de redes e infraestruturas e de segurança do aprovisionamento em relação a países terceiros. Estas propostas contribuem para reforçar a solidariedade, a cooperação e a eficácia, convergindo para uma visão comum.

4.2   O CESE acolhe favoravelmente a recente proposta de regulamento relativo a orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias (COM(2011) 658 final) e que decorre da matriz para uma rede europeia integrada proposta em 2010 (COM(2010) 677 final). Pronunciar-se-á sobre este tema num parecer separado (parecer TEN/470).

4.3   O CESE apoia as iniciativas da Comissão que visam conferir à política energética da UE uma dimensão externa integrada e coerente, apta a assegurar o aprovisionamento proveniente de países terceiros (COM(2011) 539 final). Apoia igualmente o reforço da posição da UE em relação aos seus parceiros externos, questão que analisa no parecer TEN/464.

4.4   Apoia igualmente o mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energia (COM(2011) 540 final). Esta proposta da Comissão Europeia é importante para afirmar a primazia do interesse coletivo europeu sobre os interesses nacionais (parecer TEN/464).

5.   Necessidade de uma dinâmica mais ambiciosa e participativa para responder aos desafios do futuro

5.1   Mau grado estes progressos consideráveis, o CESE considera que é preciso ir mais longe na gestão em comum dos assuntos energéticos, em especial tendo em vista o objetivo de lograr um sistema energético com baixa dependência do carbono até 2050.

Para um mercado da energia integrado a nível europeu

5.2   É preciso que a legislação europeia em matéria de energia promova ainda mais uma abordagem comum no que diz respeito à produção de energia, o que é particularmente válido para as energias renováveis em conjunção com objetivos nacionais. Importa privilegiar os investimentos mais rentáveis relativamente ao custo-benefício de produção no território da UE. Também é necessária uma maior solidariedade em situações pontuais de fraca produção ao nível europeu, o que poderá exigir uma adaptação da legislação europeia.

5.3   O CESE recorda, por conseguinte, a importância de planificar em conjunto as redes e de as interligar, a fim de desbloquear os congestionamentos, nomeadamente nas fronteiras. A Comissão Europeia deveria desempenhar um papel crucial neste domínio. Importa igualmente fornecer aos operadores privados uma perspetiva de longo prazo quanto à rentabilidade do investimento, sendo de considerar, neste contexto, as parcerias público-privadas.

5.4   Embora a escolha do cabaz energético seja uma competência nacional, os Estados-Membros devem atuar de modo responsável nas decisões que tomam em matéria de produção de energia. As decisões tomadas unilateralmente por certos Estados-Membros – como as decorrentes do acidente de Fukushima, que tornaram mais difícil o equilíbrio entre a procura e a produção de energia a nível regional – têm de passar a ser objeto de concertação à escala europeia, dado o forte grau de interdependência. A longo prazo, o incremento da produção de energias renováveis exigirá uma ação comum para garantir uma reserva de produção de energia «tampão» suficiente para enfrentar situações de fraca produção a partir de fontes renováveis.

5.5   A ausência de coordenação prejudica a fiabilidade do aprovisionamento energético dos Estados-Membros, deitando por terra os esforços realizados em paralelo para reforçar a interligação das redes e a solidariedade na UE. Concomitantemente, a rejeição da energia nuclear – uma fonte de energia com baixa dependência do carbono – a curto prazo não deve traduzir-se no recurso maciço a fontes de energia poluentes, o que entraria em contradição com o objetivo da UE. Este processo tem que ser feito com toda a transparência e em concertação com os representantes da sociedade civil organizada.

5.6   O CESE entende que, dada a interdependência energética entre os Estados-Membros, a perspetiva de independência energética terá de ser forçosamente europeia e não nacional.

5.7   O Comité propõe que se ponderem abordagens comuns entre subgrupos de Estados-Membros ou de operadores a partir dos respetivos cabazes energéticos e das suas práticas de intercâmbio energético transfronteiras. Esta coordenação regional daria maior coerência às opções energéticas dos Estados-Membros e levaria a uma maior segurança dos aprovisionamentos. Estes grupos poderiam, aliás, tirar mais proveito dos recursos energéticos de cada um, tanto das energias renováveis como da produção de eletricidade de base a partir de outras fontes de energia.

5.8   O CESE propõe que esses grupos sejam responsáveis pela escolha do seu cabaz energético e pela sua rede de infraestruturas, permitindo criar, deste modo, comunidades energéticas regionais coerentes e interligadas, que teriam a vantagem de instaurar entre esses Estados-Membros condições de mercado semelhantes (preço da energia, subvenções para as energias renováveis, relações com os clientes, etc.).

5.9   Uma das políticas harmonizadas com êxito em certas regiões da Europa demonstra bem que a harmonização das políticas tem um claro impacto na integração dos mercados, nomeadamente o agrupamento de mercados para a reserva da capacidade de transporte. O agrupamento por preço entre diferentes países permite criar uma zona de intercâmbio única – e, por conseguinte, zonas de preços únicas – quando as capacidades de interconexão não limitam os intercâmbios transfronteiras, contribuindo para a criação do mercado europeu único da eletricidade. A Nord Pool Spot introduziu um sistema de «price splitting» em 1993 e, em 2006, aplicou-se pela primeira vez um agrupamento por preço entre a França, a Bélgica e os Países Baixos. Com o tempo, estas condições de mercado tenderão a proporcionar aos consumidores um leque de escolhas transeuropeias.

5.10   O CESE chama a atenção para as oportunidades económicas que tais grupos macrorregionais podem constituir para os Estados-Membros em razão das economias de escala que geram e do desenvolvimento industrial ligado às fontes de energias renováveis.

5.11   O CESE recorda que é favorável a um cabaz energético diversificado e sustentável. As opções nacionais devem ser feitas em conformidade com a legislação e os objetivos da UE. Entende que tais escolhas não podem ter consequências que lesem a economia, o ambiente e a sociedade de modo desproporcionado. Neste sentido, a UE deveria lançar mão de novas fontes de energia como, por exemplo, o gás de xisto, após larga consulta efetuada com toda a transparência aos representantes da sociedade civil organizada, a fim de evitar que os governos nacionais adotem posições divergentes na matéria.

Promover a competitividade da UE – Mutualizar e desenvolver os recursos financeiros

5.12   Haveria que encorajar os esforços conjuntos em investigação dos Estados-Membros e dos operadores e criar redes e centros de investigação, especialmente no domínio das energias renováveis e das tecnologias hipocarbónicas, através, por exemplo, de plataformas de investigação tecnológicas.

5.13   Atendendo aos investimentos consideráveis que é necessário realizar e às atuais dificuldades orçamentais, os recursos disponíveis têm que ser canalizados para os aspetos essenciais. É importante reforçar a ligação entre os financiamentos nacionais e europeus, o que pressupõe que os Estados-Membros canalizem os apoios nacionais à investigação para projetos ligados a objetivos europeus.

5.14   É conveniente avaliar se, consolidando os recursos financeiros disponíveis para as infraestruturas e a investigação, os financiamentos ganhariam em eficácia. Essa consolidação poderia requerer a afetação de verbas fixas aos projetos energéticos no âmbito dos programas de financiamento europeus e nacionais.

5.15   Se tal avaliação for positiva, a utilização de obrigações para o financiamento de projetos poderia ser um modo eficaz de aumentar os recursos para promover a investigação e o emprego de fontes de energia renováveis e de infraestruturas.

5.16   É preciso definir com mais rigor as prioridades dos empréstimos concedidos pelo BEI à luz dos projetos de infraestruturas prioritários da UE. Os investimentos dos grupos macrorregionais dos Estados-Membros deveriam ser elegíveis para os empréstimos do Banco Europeu de Investimento.

5.17   Um esforço global e coordenado em prol das energias renováveis poderia ajudar a UE a sair da atual crise económica. A disponibilidade de energia a preços acessíveis é essencial para a competitividade económica. Os efeitos positivos seriam inúmeros: criação de postos de trabalho, conhecimentos técnicos especializados, reindustrialização da UE, etc. Certos projetos, como o Supergrid ou o desenvolvimento e a implantação das redes inteligentes, poderiam prestar-se à cooperação reforçada à escala europeia no âmbito da indústria e da inovação.

Uma política energética para todos

5.18   O acesso universal à energia deve fazer parte dos objetivos da política energética comum da UE, indo além da mera integração do mercado.

5.19   Um preço da energia justo e transparente permite às empresas crescer e investir. Preços da energia acessíveis pressupõem escolhas eficazes, um mercado interno da energia integrado e transparente e poderes de controlo dos reguladores nacionais e europeus acrescidos.

5.20   A legislação europeia concede direitos aos consumidores, mas eles conhecem-nos mal e usufruem pouco deles. O CESE preconiza que as autoridades competentes ou os distribuidores de energia informem sistematicamente os consumidores finais acerca dos seus direitos. Solicita que sejam publicados a nível nacional relatórios periódicos sobre a aplicação dos direitos dos consumidores. Sendo necessário, poderiam ser tomadas medidas adicionais para garantir a aplicação dos direitos dos consumidores.

5.21   No inverno de 2010/2011, a precariedade energética afetou entre 50 e 125 milhões de europeus (dependendo da definição utilizada). Esta situação atinge os mais carenciados do ponto de vista dos rendimentos e do alojamento, que vivem muitas vezes em habitações mal isoladas e nem sequer podem pagar as tarifas sociais praticadas nos Estados-Membros. A par de um esforço europeu, que é necessário empreender, em matéria de eficiência energética e de redução da procura, o CESE sugere que se reflita sobre o reforço dos mecanismos de solidariedade à escala da UE para lutar contra a pobreza energética, começando por uma definição comum (2).

5.22   Um «pacto europeu de solidariedade energética» poderia assim consagrar a dimensão estratégica e vital da energia (acessibilidade, tarifas e preços abordáveis, regularidade, fiabilidade, proveniência). Este «escudo» social energético europeu seria a prova de que a Europa está próxima das preocupações dos cidadãos e faria parte integrante dos esforços tendentes a uma maior harmonização social, que é desejável para reforçar e dar novamente sentido ao projeto europeu. Deverá traduzir-se em medidas concretas ao nível adequado.

Reforçar a dimensão externa da política energética da União Europeia

5.23   O CESE aprova a proposta do centro de reflexão Notre Europe relativa à criação de um agrupamento europeu para a aquisição de gás se os Estados e as empresas participantes puderem beneficiar de um poder de negociação acrescido, reforçar a segurança dos seus abastecimentos e reduzir a volatilidade dos preços, no respeito das regras da concorrência, com a possibilidade de uma etapa posterior através da criação de uma estrutura comum de abastecimento de gás e, eventualmente, de outras energias fósseis.

5.24   Nos casos que dizem respeito a vários Estados-Membros, o Conselho deveria dar à Comissão Europeia um mandato que a autorize a negociar, em nome da UE, acordos de fornecimento de energia com países terceiros. O CESE regista com satisfação a decisão do Conselho de confiar à Comissão Europeia a negociação, em nome dos Estados-Membros, dos acordos com o Azerbaijão e o Turquemenistão com vista ao fornecimento por estes países de gás através do gasoduto transcaspiano. O CESE exorta o Conselho e a Comissão a generalizarem esta prática em situações idênticas.

5.25   O CESE recomenda à Comissão que acompanhe de perto todos os acordos nacionais de abastecimento energético celebrados com países terceiros. A Comissão Europeia deveria poder aprovar estes acordos em função das suas consequências – positivas ou negativas – para toda a UE (parecer TEN/464).

5.26   O CESE recomenda uma abordagem de desenvolvimento e de parceria com os países Euromed e os vizinhos orientais da UE que permita diversificar e garantir o abastecimento energético da UE (designadamente de energias renováveis através da iniciativa Desertec, do Anel do Mediterrâneo, do Plano Solar para o Mediterrâneo e do projeto Medgrid) e que ajude os seus parceiros a explorar as suas potencialidades. A UE poderia prestar apoio técnico e contribuir com o seu saber especializado em matéria de formação e de condução de projetos (parecer REX/329).

5.27   O CESE entende que a comunidade europeia da energia e os dispositivos intermediários deverão ter uma forte dimensão externa que facilite o acesso dos países em desenvolvimento à energia. Esses países devem ser ajudados a produzir a energia de que necessitam, mas devem também estar em condições de a exportar para a Europa para financiarem os seus próprios investimentos.

5.28   O CESE toma nota das conclusões do Conselho (Transportes, Telecomunicações e Energia) de 24 de novembro de 2011, preconizando um reforço da dimensão externa da política energética. Regista igualmente as prioridades do Conselho e reitera o seu apelo a uma melhor integração das políticas energéticas, incluindo, no mínimo, concertações sistemáticas antes da tomada de decisões. Em termos de método, advoga uma abordagem comunitária em estreita ligação com os Estados-Membros, sempre que tal possa trazer valor acrescentado.

Associação da sociedade civil

5.29   Dada a importância dos desafios ambientais, os valores dos investimentos a realizar, as repercussões sociais das decisões políticas, as consequências para os modos de vida e a necessidade de aceitação por parte da opinião pública, é indispensável informar e associar os cidadãos ao debate sobre as questões energéticas. Os europeus têm direito a uma informação clara e transparente sobre as escolhas energéticas efetuadas a nível europeu, nacional e regional (3). Os CES nacionais têm um papel crucial a desempenhar neste domínio. É indispensável organizar campanhas de informação e de consulta sobre os grandes desafios energéticos da Europa, bem como pôr a tónica na eficiência energética.

5.30   Os cidadãos deveriam poder exprimir o seu ponto de vista sobre as grandes opções políticas, para o que seria útil organizar consultas ao nível adequado. O CESE realiza já há muitos anos este tipo de consultas na UE (sobretudo sobre energia nuclear, captura e armazenagem de CO2 – CAC). As administrações nacionais, regionais e locais são incentivadas a organizar uma ampla consulta da sociedade civil.

5.31   O CES propõe criar um fórum europeu da sociedade civil para acompanhar as questões energéticas. O fórum trabalharia em estreita ligação com as instituições da UE e reunir-se-ia regularmente para contribuir para um programa plurianual de integração do mercado da energia, podendo reunir as organizações europeias e nacionais ativas no domínio da energia. Também poderia ser consultado sobre a conceção da rede energética da UE, a transição para um sistema energético com baixa dependência do carbono até 2050 e as questões económicas e sociais dele decorrentes. Os seus membros também deveriam ser mantidos devidamente informados, a fim de poderem transmitir as informações a organizações similares nos Estados-Membros.

5.32   A aceitação das escolhas energéticas por parte dos cidadãos é mais um desafio (nuclear, CAC, parques eólicos, linhas de alta tensão, etc.). A participação e a responsabilidade andam de mãos dadas. O CESE, que preside ao Grupo de Trabalho sobre Transparência do Fórum Europeu da Energia Nuclear, poderia contribuir para a informação transparente dos cidadãos e com eles trocar informações através do seu sítio Internet (difusão de boas práticas, acompanhamento das iniciativas e dos projetos de cooperação, desenvolvimento do setor, auscultação da sociedade civil na perspetiva de debates a realizar no fórum da sociedade civil sobre a energia e sua difusão junto dos responsáveis pelas decisões). O CESE exorta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a prestarem informações pertinentes aos cidadãos através de canais neutros e objetivos. As organizações da sociedade civil e os fóruns de consulta desempenham, a este propósito, um papel essencial.

Antever possíveis desenvolvimentos institucionais a mais longo prazo

5.33   Instituir uma comunidade europeia da energia continua a ser o objetivo final. Todavia, atendendo à eventual dificuldade em ver 27 Estados-Membros tomarem todos e, ao mesmo tempo, a mesma direção, a cooperação reforçada entre Estados-Membros, designadamente a nível regional, poderia ser a via ideal para avançar mais depressa. É claro que estas ações não deverão colidir com a legislação ou com outras medidas da UE, o que será possível mercê da consulta permanente e da participação das instituições da UE. Sendo necessário, poderia recorrer-se a mecanismos mais formais.

5.34   O CESE recomenda que até 2014 se avaliem os progressos realizados, socorrendo-se para tal do artigo 194.o do TFUE, e se examine se é necessário operar mudanças, à luz das propostas mais ambiciosas deste documento. Um eventual novo quadro institucional poderia basear-se no Tratado CECA. Deveria ser possível integrar na estrutura da UE qualquer novo dispositivo institucional, bem como o seu acervo, se os Estados-Membros assim o decidirem.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 43-49.

JO C 306 de 16.12.2009, p. 51-55.

(2)  Parecer do CESE sobre «A pobreza energética no contexto da liberalização e da crise económica», JO C 44 de 11.2.2011, p. 53-56.

(3)  Ver, por exemplo, em França para a energia nuclear a ANCCLI: a Association nationale des comités et des commissions locales d'information, criada por decreto do Conselho de Estado.


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/21


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «O papel da União Europeia na consolidação da paz nas relações externas: boas práticas e perspetivas»

2012/C 68/04

Relatora: Jane MORRICE

Na reunião plenária de 19 e 20 de janeiro de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

O papel da União Europeia na consolidação da paz nas relações externas: boas práticas e perspetivas.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 15 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 19 de janeiro de 2012), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 190 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A consolidação da paz está no ADN da União Europeia. A sua criação, o seu alargamento e a sua sobrevivência em tempos de crise atestam a sua mestria neste domínio. Na qualidade de comunidade de nações que promovem a democracia, os direitos humanos, a igualdade e a tolerância, a UE tem a obrigação moral de apoiar a consolidação da paz a nível mundial e tem agora o mandato para tal que o Tratado lhe confere. Enquanto principal doador de ajuda no mundo, com anos de experiência em zonas de conflito e um grande leque de instrumentos à sua disposição, a União deveria liderar os esforços de consolidação da paz a nível internacional. Não tira, todavia, suficientemente partido do seu potencial neste campo e o impacto do seu apoio a mudanças positivas não é tão grande quanto seria de desejar ou esperar. Apesar dos esforços para melhorar a coerência através da criação do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), ainda não se conseguiu alcançar uma «abordagem de toda a UE» integrada. Sem uma estratégia de consolidação da paz claramente definida, sem uma maior partilha de experiências entre todas as ações de consolidação da paz da UE e na ausência de uma verdadeira cooperação com os Estados-Membros, os doadores de ajuda internacionais, as organizações não-governamentais (ONG) e as organizações da sociedade civil que constroem a paz no terreno, o potencial da UE para fazer verdadeiramente a diferença de forma perene nas regiões do mundo mais conturbadas nunca será plenamente realizado. O desafio pode ser grande, mas a recompensa é maior. Uma Europa pacífica enquadra-se melhor num mundo pacífico.

1.2   Com base nestas conclusões, o CESE recomenda o seguinte:

Quanto à estratégia e à política

1.2.1   O SEAE deve elaborar uma estratégia de consolidação da paz que inclua ações civis, militares, diplomáticas, políticas, de resposta rápida e humanitárias, ajuda ao desenvolvimento a longo prazo, ajuda a curto prazo, política para as alterações climáticas, política comercial e de investimento, bem como todas as outras medidas da UE que tenham impacto em zonas frágeis.

1.2.2   Este serviço deve criar uma Task Force, que inclua representantes do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia, do Comité das Regiões, do Comité Económico e Social Europeu, do Banco Europeu de Investimento e de organizações não-governamentais envolvidas na consolidação da paz, a fim de elaborar a estratégia.

1.2.3   As políticas e os programas da UE, particularmente os que se aplicam a zonas de conflito, devem poder ser objeto de uma avaliação de impacto que tenha em conta as situações de conflito, a fim de garantir que estão em consonância com as normas e os valores da UE e que podem assegurar a utilização mais eficiente da ajuda da UE.

Quanto às questões operacionais

1.2.4   Deve ser estabelecido um código de princípios para todas as operações da UE em zonas de conflito ou propensas a conflitos.

1.2.5   Todos os projetos de consolidação da paz devem incluir a promoção da boa governação e de princípios democráticos (direitos humanos, liberdade de expressão, igualdade, liberdades políticas e sindicais), bem como normas de defesa do ambiente.

1.2.6   Há que estabelecer parâmetros de referência destinados a monitorizar a evolução das reformas, e os sistemas de acompanhamento devem ser reforçados de modo a incluir representantes da sociedade civil, assegurar o equilíbrio entre os participantes de ambos os sexos nos organismos de acompanhamento e garantir o empenhamento em levar por diante as reformas. Há que prestar maior atenção à prevenção de conflitos, com especial destaque para o papel da educação e dos meios de comunicação social, incluindo as redes sociais, em zonas frágeis, bem como encorajar e impulsionar ativamente medidas que promovam a reconciliação, incluindo o diálogo intercultural e a mediação.

1.2.7   Deve ser reforçado o compromisso da UE com a sociedade civil organizada das zonas frágeis através de um maior apoio às organizações que partilham os valores da UE que promovem a tolerância, o pluralismo e outras ações de consolidação da paz e deve ser facilitado o trabalho do CESE neste domínio.

1.2.8   Deve promover-se o cumprimento da Resolução 1325 das Nações Unidas sobre mulheres e paz, deve conceder-se maior apoio aos grupos de mulheres que operam no terreno, assim como à promoção da igualdade de género.

1.2.9   As vítimas de conflitos, sobretudo as crianças, devem ser alvo de uma atenção mais concreta, bem como de um maior reconhecimento e apoio da UE.

1.2.10   Devem ser promovidos, facilitados e apoiados os programas de apoio a jovens vulneráveis, sobretudo a rapazes, a fim de permitir que eles desempenhem um papel pleno e construtivo na sociedade.

1.2.11   O recrutamento e a formação de pessoal civil para utilização em missões devem ser ampliados e melhorados, e as missões devem passar a focalizar-se não na gestão militar de crises, mas na sua gestão civil.

1.2.12   Deve ser criada uma base de dados de peritos europeus em consolidação da paz e de candidatos a missões civis oriundos do sistema judicial, advogados, agentes de polícia, ONG ativas na consolidação da paz, mediadores, administradores e políticos com experiência neste domínio.

Quanto às boas práticas e ao intercâmbio de experiências

1.2.13   As instituições da UE, os Estados-Membros e os organismos internacionais devem proceder a uma partilha de ensinamentos essenciais, facilitada por uma compilação de boas práticas de consolidação da paz e pelo estudo da utilização da «caixa de ferramentas» do CESE para a resolução de conflitos (1).

1.2.14   Há que dar maior atenção ao intercâmbio de experiências entre os esforços internos da UE na consolidação da paz, como o programa PEACE da UE na Irlanda do Norte, e as suas ações externas.

1.2.15   Deve considerar-se seriamente a criação de um centro de excelência/instituto europeu de consolidação da paz, que desenvolva e se integre nas estruturas existentes e dê seguimento às ideias e recomendações de outras instituições e peritos.

1.2.16   Há que realizar uma grande conferência sobre a consolidação da paz, destinada a reunir todas as vertentes de uma nova estratégia para consolidar a paz e a consubstanciar recomendações sobre as melhores formas de partilhar conhecimentos.

2.   Contexto

2.1   O presente parecer dá seguimento ao parecer de iniciativa sobre «O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte», adotado pelo CESE em outubro de 2008 (2), que exorta a UE a colocar a consolidação da paz no centro da sua futura orientação estratégica. Amplia o âmbito de investigação para além das fronteiras da UE, passa em revista os instrumentos disponíveis para a consolidação da paz, em particular desde a criação do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), examina até que ponto tem havido intercâmbio de experiências e avança recomendações para o trabalho futuro neste domínio.

3.   Introdução

3.1   Frequentemente descrita como o empreendimento supranacional de consolidação da paz mais bem-sucedido do mundo, a UE pode ser considerada como um modelo a seguir neste domínio. A sua própria experiência de reunir inimigos declarados após a Segunda Guerra Mundial é provavelmente o seu maior sucesso. Mantê-los juntos numa união de nações, aumentando o seu número e alargando a sua influência na esfera mundial é outro triunfo de consolidação da paz. Manter esse ímpeto durante uma crise financeira será outro desafio importante a vencer.

3.2   Contudo, a UE não tem tido os meios adequados para suportar o peso da sua obrigação moral enquanto modelo a seguir ou líder para a consolidação da paz no mundo. Nas suas intervenções em zonas de conflito, a UE recorre a vários instrumentos diferentes, que estão à sua disposição, desde a gestão de crises até à ajuda humanitária, passando pela assistência militar e o apoio ao desenvolvimento. Todavia, falta a esta abordagem coerência, coordenação e uma ligação credível com a sociedade civil no terreno.

3.3   Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a UE possui um novo mandato de consolidação da paz (artigo 21.o), uma nova estrutura para o apoiar (o SEAE) e um novo líder (a Alta Representante Catherine Ashton) para o concretizar. Já não existem, por conseguinte, motivos que impeçam a UE de assumir a liderança e ter um verdadeiro impacto na consolidação da paz a nível mundial.

3.4   Mais do que nunca é este o momento certo para a UE mostrar a sua capacidade de liderança. Os seus vizinhos mais próximos vivem um momento de instabilidade política, económica e social. Carecem de apoio robusto neste momento crucial da sua história. Ao lançar a sua «nova e ambiciosa» política de vizinhança, a UE mostrou que está pronta e disponível para assumir o seu papel de liderança dando o exemplo. Contudo, neste processo, como na consolidação da paz em qualquer parte do mundo, os gestos valem mais do que as palavras.

3.5   A UE dispõe de um «potencial formidável» para ligar todas as facetas da sua influência e gerar uma abordagem coerente e abrangente à consolidação da paz e possui os recursos necessários para o conseguir. Todavia, em última análise, o sucesso depende da vontade política dos Estados-Membros da UE, da sua capacidade de falarem a uma só voz e do desejo de apoiarem plenamente uma estratégia comum de consolidação da paz ambiciosa, que dará não só maior credibilidade à UE na cena internacional, como servirá também para promover uma mudança positiva no mundo.

4.   Antecedentes

4.1   A expressão «consolidação da paz» é relativamente nova no léxico da diplomacia internacional. O conceito foi descrito pela primeira vez por Boutros-Ghali, secretário-geral das Nações Unidas, na sua Agenda para a Paz, em 1992, como «uma ação destinada a identificar e apoiar estruturas que tenderão a reforçar e consolidar a paz, a fim de evitar uma reincidência do conflito». Em 2006, a ONU criou uma Comissão de Consolidação da Paz para apoiar os esforços de paz em países que recuperam de conflitos e, em 2009, a OCDE estabeleceu uma Rede Internacional sobre Conflitos e Fragilidade (INCAF).

4.2   No contexto europeu, a primeira referência específica à consolidação da paz nas relações externas da UE ocorreu no Programa para a Prevenção de Conflitos Violentos de Gotemburgo, adotado em 2001. A referência mais recente surge no artigo 21.o do Tratado de Lisboa, que enumera entre os objetivos principais da ação externa da UE o princípio dos direitos humanos e da democracia, a prevenção de conflitos e a manutenção da paz.

4.3   O Tratado de Lisboa estabelece igualmente um quadro novo para a UE em matéria de relações externas. A Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança reúne as competências anteriormente partilhadas pelo Conselho e pela Comissão Europeia. A Alta Representante, Catherine Ashton, é apoiada pelo SEAE, cujo mandato abrange os «3Ds» – Diplomacia, Desenvolvimento e Defesa – três domínios que podem ser aplicados na consolidação da paz.

4.4   A UE dispõe, no SEAE e nas pertinentes direções da Comissão Europeia, de uma panóplia de instrumentos que podem ser utilizados para a consolidação da paz, nomeadamente:

Missões civis e militares da política comum de segurança e defesa (PCSD) – centradas nas forças policiais, no Estado de direito, na administração e na proteção civil – frequentemente limitadas devido à falta de pessoal qualificado. A vertente de segurança e logística é considerada um pré-requisito para um ambiente estável e seguro de consolidação da paz;

Instrumento de Estabilidade (IE) – a principal fonte de financiamento da UE para a consolidação da paz. Mais de 70 % dos fundos disponíveis (2 mil milhões de euros para 2007-2013) são utilizados como resposta à crise para «preencher o vazio» entre a assistência humanitária de curto prazo e a ajuda ao desenvolvimento a longo prazo;

Parceria para a Consolidação da Paz, criada no âmbito do IE, para melhorar a comunicação com os principais parceiros na resposta a crises. Apoia o trabalho desenvolvido com as organizações da sociedade civil, presta assistência na divulgação de boas práticas e no acesso a apoio logístico e técnico.

4.5   Existem muitos outros instrumentos da UE que não são específicos à consolidação da paz, mas que podem ser utilizados para apoiar a União nesse papel, designadamente, o Serviço de Ajuda Humanitária (ECHO), o Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos, a ajuda ao desenvolvimento através do Fundo Europeu de Desenvolvimento (ACP/Países e Territórios Ultramarinos) e o Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento (América Latina, Ásia, Golfo e África do Sul).

4.6   As políticas da UE relacionadas com, por exemplo, o comércio, o investimento do BEI, o ambiente, a energia e a agricultura, também podem ser utilizadas no contexto da consolidação da paz, e a política de alargamento da UE possui também um elemento de consolidação da paz, na medida em que exige aos países candidatos que adiram aos valores fundamentais da União (3). Além disso, a política europeia de vizinhança, que abrange 16 dos países vizinhos mais próximos da UE, foi redinamizada após a «Primavera Árabe» de modo a incluir uma vertente de consolidação da paz que contribua para a criação de uma «democracia sólida e sustentável». Também a nova Agenda para a Mudança da UE propõe reforçar o papel da União na consolidação da paz de variadíssimas formas.

4.7   Apesar de a maior parte da consolidação da paz se realizar no âmbito da política de relações externas, a UE tem vindo a desenvolver uma iniciativa única de promoção da paz dentro das suas próprias fronteiras. O Programa Especial de Apoio à Paz e à Reconciliação na Irlanda do Norte e nos Condados Fronteiriços da República da Irlanda foi criado em 1996 e encontra-se atualmente na sua terceira fase de financiamento (4).

5.   Consolidação da paz – Desafios

5.1   Procura de uma definição e de uma estratégia

5.1.1   Embora atualmente a consolidação da paz seja amplamente aceite como uma nova abordagem valiosa para a intervenção em zonas de conflito, o termo não tem uma definição concreta. Há quem a reconheça unicamente em situações de pós-conflito para esforços de estabilização e reconstrução. Outros consideram-na como algo que colmata a lacuna entre as políticas de defesa e de desenvolvimento e outros ainda como «catalisador utilizado em todo o processo, da prevenção de conflitos à estabilização pós-conflito, passando pela gestão de crises, a construção da paz e a manutenção da paz».

5.1.2   Considerando as várias vertentes, a «manutenção da paz» refere-se à segurança e defesa, a «construção da paz» diz respeito à utilização da diplomacia para obter um acordo político, enquanto a «consolidação da paz» abrange ambas e mais ainda. Idealmente, constitui uma ação que tem início antes da chegada das forças de manutenção ou de construção da paz e, quando bem-sucedida e continuada, pode dispensar a utilização dessas forças. Na sua abrangência, sendo um processo plenamente consultivo e de longo prazo, a melhor descrição da consolidação da paz será provavelmente «um processo aberto que serve para conciliar pontos de vista diferentes, abrindo portas e mentalidades».

5.2   Necessidade de uma reflexão conjunta

5.2.1   Independentemente da definição, os peritos concordam que a consolidação da paz é um «processo extremamente complexo que envolve um grande número de agentes nos domínios da intervenção civil e militar, da diplomacia e do apoio técnico e financeiro a curto e longo prazo, ao nível local, nacional e internacional». O principal desafio é encontrar um meio para estabelecer «coerência, coordenação e complementaridade» entre o vasto leque de políticas, intervenientes e instrumentos dentro e fora da UE que trabalham no mesmo domínio. A principal dificuldade é que diferentes Estados-Membros e diferentes doadores externos têm prioridades diversas, podendo surgir tensões quando as necessidades e os interesses de cada um os empurram para caminhos diferentes.

5.2.2   Na UE, a complexidade das estruturas das suas instituições e direções significa que a coordenação prática entre responsáveis constitui outro desafio significativo. Do mesmo modo, impõe-se a necessidade de assegurar a coerência entre as políticas que visam especificamente zonas frágeis, como a ajuda ao desenvolvimento, e as que podem ter aí um impacto importante, nomeadamente o comércio, o investimento, as alterações climáticas e a política energética. A criação do SEAE é vista como uma verdadeira oportunidade para se estabelecer uma ligação entre as políticas e a prática das diferentes instituições comunitárias e entre a UE, os seus Estados-Membros, e outros importantes doadores, tais como as Nações Unidas, os EUA, a China, e demais partes interessadas.

5.2.3   Apesar de a «busca de uma abordagem abrangente» continuar a ser ilusória, foram desenvolvidos esforços para utilizar os instrumentos da UE de uma forma mais coerente. Um exemplo recente foi o Conselho dos Negócios Estrangeiros de junho de 2011, em que foi decidida uma abordagem inclusiva para o Sudão e o Sudão do Sul, englobando o diálogo político e o reforço de capacidades civis, assim como a ajuda ao desenvolvimento e a cooperação comercial. A recente Agenda para a Mudança da UE, que redefine as prioridades da sua política de desenvolvimento, constitui mais um exemplo de uma nova abordagem de consolidação da paz. As propostas centram-se especialmente na ênfase nos direitos humanos, na democracia, na igualdade, na boa governação e nas ligações com a sociedade civil. Há quem veja nisto uma importante nova forma de abordagem, mas há também quem entenda que não se foi suficientemente longe.

5.3   Papel reforçado da sociedade civil na transformação de conflitos

5.3.1   O processo de transformação de conflitos requer algumas alterações fundamentais de atitude e comportamento. A inclusão, o envolvimento e o diálogo são armas que desafiam o medo, o ódio, a intolerância e a injustiça e constituem os elementos de base para criar um ambiente de prevenção dos conflitos e consolidação da paz. Este trabalho tem de ser efetuado junto da população, nas ruas, onde a consolidação da paz tem maior importância. Aí, o envolvimento das organizações da sociedade civil, que partilham os valores da UE de igualdade, direitos humanos, inclusão e tolerância, já não pode ser deixado ao acaso e deve ser dada prioridade ao apoio aos elementos vulneráveis, em risco, ou que simplesmente não conseguem fazer ouvir as suas opiniões.

5.3.2   É amplamente reconhecido que as organizações da sociedade civil desempenham um papel essencial na garantia da eficácia e da sustentabilidade a longo prazo de qualquer estratégia de consolidação da paz. A cooperação e a consulta dos «intervenientes não estatais» locais não só dão à UE a possibilidade de compreender melhor a situação de conflito a partir da base, mas também asseguram a «apropriação» do processo pelas bases. Contribuem também para a promoção de uma consolidação da paz mais «sensível aos conflitos» e constituem um reforço positivo dos esforços a favor da consolidação da paz.

5.3.3   Até à data, o foco da consolidação da paz, ao nível político ou operacional, tendeu a descurar grupos com uma possível influência essencial no processo. É comum as mulheres manterem coeso o tecido social em situações de conflito, mas raramente estão representadas na tomada de decisões. O retomar dos negócios pelos comerciantes locais nas zonas de conflito constitui uma demonstração importante de resiliência que merece ser apoiada. As atividades sindicais, tais como as manifestações a favor da paz e da solidariedade que, tantas vezes, são vistas nas ruas que agora pertencem à UE, representam outro recurso efetivo de apoio à consolidação da paz. Os jovens necessitam de apoio para canalizarem as suas energias de forma construtiva, devendo os grupos vulneráveis, sobretudos as vítimas, ser alvo de atenção específica.

5.3.3.1   Cada vez mais se reconhece que a prevenção de conflitos e a reconciliação de grupos divididos merecem maior atenção nos esforços de consolidação da paz. Neste contexto, a educação assume um papel de extrema importância, ensinando aos jovens não só a aceitar mas também a respeitar a diferença. Os meios de comunicação social são um outro ator relevante a considerar, em especial o modo como as redes sociais podem contribuir para uma mudança positiva. Promover estratégias específicas para reunir os grupos, tais como o diálogo intercultural e a mediação, é outra parte importante deste trabalho.

5.3.4   O diálogo estruturado entre a UE e as organizações da sociedade civil nas zonas de conflito pode criar relações duradouras e compreensão ao nível das bases. Devido às suas ligações próximas com a sociedade civil organizada, o CESE está em boa posição para desempenhar um maior papel no empenhamento da UE com as organizações no terreno nestas regiões. O CESE já coopera com empresas, sindicatos e outros órgãos em zonas como a China, o Tibete, o Líbano, o Norte de África e os países ACP e está disposto a aumentar esta partilha de experiências para «desenvolver e reforçar» os esforços das organizações da sociedade civil e o trabalho com a UE no âmbito de projetos de consolidação da paz.

5.4   Maior reconhecimento do valor da partilha de experiências

5.4.1   Enquanto comunidade de 27 nações unidas pelo bem comum, a UE encontra-se em posição de partilhar a sua experiência singular com outros intervenientes. Do seu processo de tomada de decisões até à sua estratégia de alargamento, a UE apresenta exemplos de uma prática que poderia ser retomada pelas associações regionais em outras partes do mundo. A União Africana é uma das organizações que estão a adotar a abordagem da UE, e outros organismos estão dispostos a seguir o exemplo. Há outros exemplos bem-sucedidos de países e regiões que conseguiram mudar sem conflitos, que merecem ser realçados relativamente à política e à implementação da consolidação da paz.

5.4.2   Tendo começado a desenvolver esforços de consolidação da paz nas relações externas logo desde a sua fundação, a UE possui igualmente uma grande experiência que pode partilhar em regiões como o Sudeste Asiático, o Médio Oriente, a América Central, os Balcãs e a África Subsariana. Algumas destas ações foram extremamente bem-sucedidas, outras nem tanto. De facto, o historial da UE em certas zonas de conflito foi objeto de severas críticas, mas até essas experiências poderão servir para aconselhamento político se os «ensinamentos retirados» forem devidamente transmitidos.

5.4.3   Ao nível da «partilha de experiências positivas», existem muitas lições a tirar. O processo de paz do Achém na Indonésia, o restabelecimento da rede de esgotos na cidade dividida de Nicósia (5) e o apoio da UE à paz na Irlanda do Norte são exemplos que poderiam ser utilizados mais amplamente na «caixa de ferramentas» da UE relativa à experiência na consolidação da paz. Apesar de não haver uma experiência aplicável a todos os casos, existem princípios essenciais comuns a muitas zonas de conflito que não podem ser ignorados.

5.4.4   Porém, os estudos realizados demonstram que esta partilha de experiências não está bem estabelecida na política da UE, sobretudo se engloba ação interna e externa. No caso do programa PEACE da Irlanda do Norte, há uma falta de abordagem sistemática a uma aprendizagem partilhada com outras zonas de conflito. Tendo em conta que se reconhece que a UE contribuiu para a paz na região, que a Task Force do Presidente Barroso para a Irlanda do Norte recomendou a partilha de experiências com outras zonas de conflito e que foi criada uma Rede da Paz para esse mesmo efeito, a aparente falta de articulação desta ação com a ação externa é uma oportunidade perdida e um grande erro político.

5.5   Criação de um centro para a consolidação da paz

5.5.1   Por conseguinte, são necessários muitos esforços para que a UE estabeleça o seu estatuto de líder mundial em matéria de estratégia de consolidação da paz e assegure que os seus esforços tenham maior alcance e impacto. Uma proposta em discussão é a criação de um instituto europeu para a paz, apresentada pelo ex-presidente da Finlândia e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros sueco, a fim de garantir maior «coerência, coordenação e complementaridade» nos esforços de consolidação da paz da UE. Por sua vez, os líderes da Irlanda do Norte propuseram um centro internacional de excelência consagrado à consolidação da paz nos arredores de Belfast, para o que solicitaram financiamento do programa PEACE da UE, tendo o Parlamento Europeu participado no debate e apresentado um documento político intitulado «A Blue Print for an Institute for Peace» (Plano para um Instituto para a Paz).

5.5.2   A possibilidade de criação de um novo instituto/centro associado a outras instituições envolvidas neste domínio, nomeadamente o Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (IESUE) ou a Agência dos Direitos Fundamentais, merece ser tida seriamente em conta. Se esse organismo puder constituir um centro de aconselhamento por peritos independentes, de diálogo, de formação, de estudos e de partilha de experiências entre pessoas envolvidas neste domínio, poderá revelar-se um recurso valioso para o apoio aos esforços do SEAE neste domínio essencial de ação da UE.

5.6   Oportunidade a não desperdiçar

5.6.1   O presente parecer centra-se na melhor forma de a UE se organizar a fim de desempenhar um papel mais construtivo no maior desafio mundial da atualidade: a resolução de conflitos. O facto de não existir uma definição de consolidação da paz e de a UE ainda não ter formulado uma estratégia de consolidação da paz significa praticamente que o trabalho vai ser feito a partir de uma folha em branco. Trata-se de uma oportunidade rara para a UE no domínio das relações internacionais, que poderá não se repetir.

5.6.2   A criação do SEAE deverá permitir à UE aproveitar esta oportunidade e assumir a liderança em matéria de consolidação da paz a nível internacional. Neste momento, o desafio é a elaboração de uma estratégia de consolidação da paz específica que estabeleça uma coerência não só entre os programas e políticas da UE, mas também entre os valores e interesses da União e dos seus Estados-Membros. Isto pode revelar-se difícil se não houver uma política externa comum que estabeleça princípios aceites para uma intervenção ou não intervenção em áreas de conflito, embora haja quem acredite que uma «abordagem abrangente da UE» é a única forma de assegurar que a consolidação da paz tenha um verdadeiro impacto no terreno.

5.6.3   Com a história, a UE aprendeu a prevalência da democracia sobre a ditadura, a importância da justiça, da igualdade e dos direitos humanos, e os perigos da intolerância, da xenofobia, da discriminação e dos preconceitos. Desde a guerra mundial até à queda do Muro de Berlim, a UE está constantemente a seguir a via da consolidação da paz, consolidando os seus sucessos e abrindo caminho a outros. A União Europeia enfrentou muitos períodos difíceis, sobretudo a atual crise financeira, mas os seus valores fundamentais norteiam a sua ação externa e interna, dos quais nunca se deve desviar.

5.6.4   Neste período de crise interna e de introspeção, a UE não deve perder de vista a perspetiva global e as suas responsabilidades à escala mundial. Não deve abandonar as políticas e compromissos externos e tem de criar um papel distinto para si mesma, que nenhuma outra nação ou grupo possa igualar. Enquanto agente de consolidação da paz, a UE traz a sua história, a sua ética e a sua forma única de intervenção a partir das bases para um cenário em que a reputação, a compreensão, a experiência, a generosidade e a confiança são os elementos mais valorizados. Na sua qualidade de líder mundial em matéria de consolidação da paz, a UE necessita igualmente de confiança, de convicção e de coragem para avançar.

Bruxelas, 19 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Ver parecer SC/029 sobre «O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte» (relatora Jane Morrice, 2009), JO C 100 de 30.4.2009, pp. 100-108.

(2)  Ibid.

(3)  Ver ponto 2 das conclusões do Conselho sobre o alargamento e o processo de estabilização e associação – 3132.a reunião do Conselho Assuntos Gerais de 5 de Dezembro de 2011: «O processo de alargamento continua a reforçar a paz, a democracia e a estabilidade na Europa e permite que a UE esteja em melhores condições para abordar os grandes desafios mundiais. O poder de transformação do processo de alargamento dá origem a profundas reformas políticas e económicas nos países do alargamento, o que também beneficia a UE no seu todo. O sucesso da conclusão das negociações de adesão com a Croácia é um forte testemunho desse facto e envia um sinal positivo à região em geral».

(4)  Ver o parecer do CESE, sobre «Projeto de Comunicação aos Estados-Membros que estabelece as diretrizes para uma iniciativa no âmbito do programa especial de apoio à paz e à reconciliação na Irlanda do Norte e nos counties fronteiriços da República da Irlanda» - SEC(95) 279 final, JO C 236 de 11.9.1995, p. 29, e o parecer do CESE, sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às contribuições financeiras da União Europeia para o Fundo Internacional para a Irlanda (2007-2010)» – COM(2010) 12 – 2010/0004 (COD), JO C 18 de 19.1.2011, p. 114.

(5)  Ver parecer do Comité das Regiões sobre a «Diplomacia das cidades», de 12 de fevereiro de 2009 (JO C 120 de 28.5.2009, p. 1).


ANEXO

Pessoas que intervieram na elaboração do presente parecer:

1.

Gerrard Quille (assessor para a política de segurança e defesa, Departamento de Política, DG Políticas Externas, Parlamento Europeu).

2.

Franziska Katharina Brantner (deputada do PE) – membro do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia; membro da Comissão dos Assuntos Externos; relatora para a proposta de regulamento que institui um Instrumento de Estabilidade e membro da Delegação para as Relações com Israel.

3.

Marc Van Bellinghen, chefe de unidade em exercício, e Andrew Byrne, administrador: Conselho de Política para os Assuntos Globais e Multilaterais, Direção C, Prevenção de Conflitos e Política de Segurança, Divisão para a Consolidação da Paz, Prevenção de Conflitos e Mediação, Serviço Europeu de Ação Externa.

4.

Kyriacos Charalambous, responsável pelos programas – Políticas da UE, DG REGIO D1, Unidade de coordenação dos programas, relações com outras instituições e ONG, simplificação, fundo de solidariedade, e Tamara Pavlin, gestora dos programas – Políticas da UE, DG REGIO D4, Unidade «Irlanda e Reino Unido».

5.

Catherine Woollard, diretora adjunta, Gabinete Europeu de Ligação para a Consolidação da Paz (EPLO).

6.

Olga Baus Gibert (responsável pelas relações internacionais – consolidação da paz – planeamento de resposta a crises, Serviço de Instrumentos de Política Externa, Unidade de Operações do Instrumento de Estabilidade.

7.

David O'Sullivan, diretor de operações, Serviço Europeu de Ação Externa.

8.

Joachim Koops, diretor académico, Estudos Europeus sobre Paz e Segurança, Vesalius College, Bruxelas, e Diretor do Instituto de Governação Global.

9.

Danuta Hübner (deputada do PE) – membro do Grupo do Partido Popular Europeu – presidente da Comissão do Desenvolvimento Regional, Membro da Comissão Especial para a Crise Financeira, Económica e Social, membro da Delegação para as Relações com os Estados Unidos e membro suplente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários.

10.

Luc Van den Brande, presidente da Comissão CIVEX, Comité das Regiões.

11.

Mireia Villar Forner, conselheira principal, Prevenção de Crises e Recuperação, NU/PNUD.


III Atos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

477.a sessão plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012

6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Um Mercado Único para os Direitos de Propriedade Intelectual: Encorajar a criatividade e a inovação de modo a garantir o crescimento económico, postos de trabalho de elevada qualidade e produtos e serviços de primeira classe na Europa»

COM(2011) 287 final

2012/C 68/05

Relator: Denis MEYNENT

Em 24 de maio de 2011, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Um Mercado Único para os Direitos de Propriedade Intelectual: Encorajar a criatividade e a inovação de modo a garantir o crescimento económico, postos de trabalho de elevada qualidade e produtos e serviços de primeira classe na Europa

COM(2011) 287 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 19 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 160 votos a favor, 3 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Os direitos de «propriedade intelectual» devem persistir no seu papel tradicional de incentivo à inovação e ao crescimento. O sistema de proteção que a Comissão pretende melhorar deve conservar esse aspeto clássico sem deslizar inteiramente para uma abordagem puramente financeira e patrimonial, embora não possamos ignorar que a capitalização bolsista das maiores empresas multinacionais se baseia, a partir de agora, em grande medida, na sua «carteira» de direitos imateriais e de licenças, cujo valor se deve inscrever no balanço, em aplicação das normas internacionais de informação financeira (IFRS).

1.2   A estratégia delineada pela Comissão para os direitos de propriedade intelectual no mercado único é um elemento simultaneamente essencial e complementar da Estratégia Europa 2020, do Ato para o Mercado Único e da Agenda Digital para a Europa. É fundamental uma estratégia neste domínio, dada a vertente imaterial crescente e a «financeirização» da economia, mas convém não esquecer que os desenvolvimentos atuais assentam na formação e nas competências cada vez mais importantes das pessoas e dos seus conhecimentos sobre o crescimento da nova economia. A dimensão humana e o interesse público devem fazer parte integrante da estratégia, e o Comité considera que isso não ressalta muito claramente das propostas e análises formuladas.

1.3   Além disso, conforme sublinhado pelo Comité nos seus pareceres anteriores, deve ser dada prioridade à possibilidade de as PME protegerem as suas invenções e criações e, ao mesmo tempo, terem acesso ao potencial de conhecimentos representado pelos pedidos de patentes e pelas estratégias comerciais e publicitárias cada vez mais diversificadas na sociedade do conhecimento e da informação.

1.4   A patente unitária europeia e a possibilidade de unificar as jurisprudências dos tribunais nacionais à escala do mercado único são há muito aguardadas pelo Comité, que espera que estes desenvolvimentos sejam agora efetivamente levados a cabo, no interesse das empresas e da economia europeias, que se encontram numa posição de desvantagem em relação à concorrência externa. O Comité espera que as iniciativas da Comissão reduzam drasticamente os custos de transação, especialmente as das patentes de invenção.

1.5   Em 2012, a Comissão apresentará uma proposta legislativa sobre a cobrança dos direitos de autor relativos à difusão da música em linha. O Comité insiste na consulta prévia informal das organizações representativas dos direitos e interesses em causa, incluindo os dos utilizadores e dos trabalhadores. Insiste também na transparência e no controlo dos organismos de gestão dos direitos de autor e direitos conexos que devem prevalecer no sistema de cobrança que será proposto. No que diz respeito à taxa sobre cópia privada, o Comité considera que ela não é justa, pois faz parte integrante do uso legítimo (fair use). Em qualquer caso, essa taxa não deve ser aplicada aos discos duros utilizados pelas empresas nas suas atividades industriais e comerciais.

1.6   Além disso, não basta tratar os direitos de propriedade intelectual como valores mobiliários eventualmente negociáveis numa bolsa europeia especializada, pois as possibilidades de acesso não serão as mesmas para as PMI-PME europeias e para os grandes grupos transnacionais, o que poderia acelerar a fuga de inovações europeias para outros continentes. O Comité aguarda com interesse propostas concretas da Comissão a este respeito.

1.7   A futura política harmonizada dos direitos de propriedade intelectual deve igualmente tomar em consideração o interesse geral e os direitos dos consumidores, bem como a participação efetiva de todas as componentes da sociedade na reflexão e no processo de elaboração de uma estratégia global e equilibrada sobre a matéria. Com efeito, trata-se aqui de introduzir a inovação e a criação, assim protegidas, na reserva comum de conhecimentos da sociedade, fazendo-as contribuir para a promoção da cultura, da informação, da educação e da formação e, de uma forma mais geral, dos direitos coletivos fundamentais nos Estados-Membros.

1.8   É necessária, no mercado único, uma aproximação das legislações nacionais relativas à proteção dos direitos imateriais e ao combate à contrafação, a fim de facilitar a cooperação administrativa e aduaneira e, eventualmente, policial e judiciária ao nível das investigações e da repressão dos atentados mais graves aos direitos protegidos, quando as violações são de natureza comercial e, em particular, quando a saúde e a segurança dos consumidores estão em risco.

1.9   De facto, a contrafação em grande escala e as cópias fraudulentas para fins comerciais estão muitas vezes diretamente relacionadas com o crime organizado, pois a probabilidade de ser apanhado e as penas aplicáveis a este tipo de banditismo não são suficientemente dissuasoras.

1.10   É por esse motivo que o Comité apoia a estratégia da Comissão, a fim de promover políticas e ações concertadas e uma verdadeira cooperação administrativa, que constituem um pilar essencial, tanto no interesse das empresas como no interesse geral.

1.11   Hoje, os exemplos de serviços pagos de difusão em linha, desenvolvidos, por exemplo, pela Apple, pela Amazon, pelo Google ou pelo Deezer, mostram que a valorização dos direitos de autor não implica a criminalização da juventude. Desde que os preços sejam razoáveis e acessíveis, as cópias ilegais privadas perdem muitos dos seus atrativos.

1.12   Os tribunais civis são competentes na maioria dos casos de violação dos direitos imateriais em questão, mas, além da lentidão habitual dos processos, o ónus da prova que pesa sobre as PME é muitas vezes excessivo, sobretudo para os casos de violação fora do seu país, e seria conveniente criar processos específicos no quadro do mercado único em matéria de investigação, apreensão, reconhecimento recíproco dos atos administrativos e judiciais e inversão do ónus da prova.

1.13   A indemnização dos queixosos também pode revelar-se difícil num contexto internacional e deveria ser objeto de uma cooperação entre os países envolvidos, para assegurar uma indemnização dos titulares dos direitos que corresponda, tanto quanto possível, à realidade do prejuízo real sofrido, independentemente das multas penais e outras sanções que possam ser proferidas pelos tribunais.

1.14   É necessário criar um quadro legislativo claro para as «soluções» privadas (códigos, etc.) e, sobretudo, em vez dessas iniciativas, instaurar um controlo judicial e garantir o respeito pelos procedimentos e pelos direitos individuais, que devem prevalecer: o direito à informação, ao respeito pela privacidade e à liberdade de expressão e comunicação, e garantias da neutralidade da Internet.

1.15   Ao mesmo tempo, deveria ser efetivamente aplicado o princípio geral de proporcionalidade entre os delitos e as sanções. Certas legislações nacionais muito intrusivas e repressivas para com as cópias ilícitas de produtos audiovisuais, efetuadas em pequena escala por particulares através da Internet sem intuitos comerciais, deveriam ser revistas neste sentido. Convém não dar a impressão de que a legislação é elaborada em resposta às pressões de grupos de interesses e não a um princípio fundamental do direito penal.

1.16   O Comité aguarda igualmente com interesse o momento de conhecer as propostas da Comissão relativas à renovação do direito das marcas e à sua harmonização e renovação no quadro do mercado único. Com efeito, considera que essa renovação e uma melhoria da proteção são necessárias, tendo em conta o lugar que ocupam na valorização das sociedades.

2.   Propostas da Comissão

2.1   Quando se pensa no imaterial, o que muitas vezes nos vem à mente, em primeiro lugar, é a investigação, as patentes e, em termos mais gerais, a inovação tecnológica. Ora, se é certo que estes elementos são trunfos fundamentais para a competitividade, há também uma outra categoria de ativos imateriais: todo o campo de imateriais associados à imaginação. Esta abrange uma série de atividades, conceitos e setores, que incluem a criação cultural e artística no sentido mais amplo, o design, a publicidade, as marcas, etc. Todos estes elementos têm uma característica comum: baseiam-se nos conceitos de criação e criatividade.

2.2   As ratificações dos Tratados sobre Internet da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), designadamente o Tratado sobre os direitos de autor (TDA) e o Tratado sobre as interpretações e execuções e fonogramas (TPF), pela União e pelos Estados-Membros são factos recentes que não puderam ser considerados nas propostas da Comissão em 2009. Hoje, a comunicação leva em conta essa nova realidade, bem como a do ACTA (Acordo Comercial de Combate à Contrafação).

2.3   Existem duas formas de propriedade imaterial (ou «intelectual»): a propriedade industrial e a propriedade literária e artística.

2.4   A proteção dos inventores e dos criadores faz-se tradicionalmente de dois modos: as patentes, no que respeita a invenções suscetíveis de aplicação industrial, e os direitos de autor (ou à sua versão mais restritiva do direito de reprodução (copyright) previsto na Common Law) para as publicações e outras criações literárias, audiovisuais ou artísticas, consideradas num sentido muito lato.

2.5   A comunicação em apreço pretende apresentar a estratégia global concebida pela Comissão para criar o verdadeiro mercado único da «propriedade intelectual», que falta atualmente na Europa, e estabelecer, assim, um regime europeu dos direitos de propriedade intelectual que seja adaptado à economia de amanhã, recompense os esforços de inovação e criatividade, gira os incentivos necessários para encorajar a inovação na União Europeia e permita o desenvolvimento da diversidade cultural graças a novos mercados de conteúdos abertos e competitivos.

2.6   Trata-se de um conjunto de propostas, algumas das quais desenvolvidas há muito tempo, mas que importa agora harmonizar e adaptar, e outras, novas, que favorecem a incorporação e a integração dos direitos de propriedade intelectual no mercado único europeu.

2.7   Algumas propostas não são concretamente formuladas e é preciso aguardar os próximos meses para dispor de propostas objetivas sobre a organização de um mercado europeu dos direitos de propriedade intelectual e sobre uma revisão que tenha em vista a harmonização da proteção das marcas. Em 2012, a Comissão apresentará propostas sobre a gestão dos direitos relativos à música em linha.

2.8   As restantes propostas já foram avançadas há muito tempo, como a patente unitária, cuja conclusão parece estar próxima após três décadas de esforços, ou a harmonização da legislação e das medidas concretas de luta contra a contrafação e a pirataria de produtos, ou o parasitismo de marcas. Mas, a partir de agora, estas propostas são formuladas num quadro harmonizado e coerente que pretende contribuir com outras medidas para a eficácia da estratégia proposta.

3.   Observações na generalidade

3.1   Para o Comité, um regime europeu dos direitos de propriedade intelectual moderno e integrado daria um importante contributo para o crescimento, a criação de empregos sustentáveis e a competitividade da economia europeia, os principais objetivos da Estratégia Europa 2020. O Comité pronunciou-se no passado regularmente sobre esta matéria e fez sugestões sobre a propriedade industrial e a propriedade literária e artística no mercado único (1).

3.2   Os direitos de propriedade intelectual incluem os direitos de exploração industrial e comercial, tais como patentes e modelos de utilidade, marcas, variedades vegetais, direitos sobre as bases de dados ou esquemas eletrónicos, desenhos e modelos, indicações geográficas, direitos de autor e direitos conexos, segredos de fabrico, etc.

3.3   As indústrias do conhecimento representam, por si só, 1,4 milhões das PME na Europa e 8,5 milhões de postos de trabalho e estão a registar um crescimento rápido e contínuo relativamente aos outros setores económicos, participando assim na recuperação económica.

3.4   A Comissão afirma que «os direitos de propriedade intelectual são direitos de propriedade». Eles são equiparados a um direito de propriedade mas, na realidade, são direitos incorpóreos que protegem os titulares contra a cópia e a concorrência. Constituem exceções à livre concorrência, sob a forma de monopólios temporários protegidos por um título ou um certificado, emitidos por uma autoridade estatal competente (patentes …) ou reconhecidos por uma legislação governamental (direitos de autor e direitos conexos).

3.5   Os titulares desses direitos podem cedê-los ou vender apenas o direito de reprodução sob a forma de licenças, o que os aproxima de um direito de propriedade incorpóreo, mas cuja proteção é mais aleatória na prática do que a da propriedade dos bens materiais, uma vez que a sua base é diferente. Com efeito, os monopólios temporários só são reconhecidos e protegidos a bem do interesse geral, para aumentar o potencial dos conhecimentos e das tecnologias a fim de impulsionar o desenvolvimento industrial ou cultural.

3.6   Esta dimensão de interesse geral já não está presente no domínio dos programas informáticos, que não está obrigado a publicar as fontes quando as patentes são concedidas para sua proteção. Por seu turno, o direito europeu exclui a proteção dos programas informáticos por patentes (Convenção de Munique) e protege, por via de um direito derivado dos direitos de autor, não as fontes, mas apenas os efeitos produzidos pelos chamados programas informáticos proprietários. No entanto, isso representa um problema, dado que os mesmos efeitos podem ser obtidos por diferentes programas. Além disso, há obrigações específicas ligadas à proteção dos direitos de autor de programas informáticos, com vista à interoperabilidade dos diferentes programas, o que pode permitir a descompilação. No entanto, a proteção, em princípio por um período de 50 anos, parece excessiva num domínio em que a renovação e a inovação são extremamente rápidas e em que «o vencedor fica com tudo» (winner takes all) num mercado onde tecnologias e programas estão em constante evolução ou transformação.

3.7   Pelo contrário, há movimentos que se opõem às formas tradicionais de proteção através do estabelecimento de licenças públicas livres, como a Licença Pública Geral (General Public License) para os programas informáticos e a Licença Creative Commons para o domínio literário ou artístico. Estes movimentos contestam as proteções tradicionais, encarando-as como barreiras para a sociedade do conhecimento e da informação. Estas licenças livres, que representam uma parte importante do mercado global, deveriam ser reconhecidas e protegidas da mesma maneira que as restantes licenças representativas de títulos proprietários.

3.8   As derrogações podem afetar as proteções temporárias por motivos de interesse geral (licenças obrigatórias, quando os titulares dos direitos recusam conceder licenças em determinados países, ou em matéria de medicamentos, em caso de epidemia ou de epizootia). No passado, antes de o Acordo TRIPS (direitos de propriedade intelectual ligados ao comércio) e de os tratados recentes da OMPI terem conferido uma dimensão mais ampla, se não universal, aos direitos incorpóreos ligados ao comércio internacional, muitos países não concediam proteções reais ou suficientes ou toleravam violações da propriedade industrial e literária, com o objetivo de construir a sua base industrial e desenvolver os seus conhecimentos (Japão, determinados países europeus, etc.). Tais práticas estão a deixar de ser utilizadas, mas os Estados podem, na realidade, ser mais ou menos repressivos ou tolerantes relativamente às contrafações (China, Índia, etc.).

3.9   O desenvolvimento de ativos imateriais (marcas) permite que uma empresa se distinga dos seus concorrentes, coloque no mercado produtos e conceitos novos e, de forma mais geral, ganhe em competitividade não associada aos preços que pratica, o que acaba por gerar mais clientes e lucros suplementares, bem como novos postos de trabalho. A contrafação e as práticas parasitárias crescem e ameaçam tanto os postos de trabalho, como os investimentos. Mas ameaçam também a saúde e a segurança dos consumidores, bem como a sua confiança nas marcas contrafeitas ou copiadas, reduzindo as oportunidades de concessão de licenças, bem como os rendimentos e os impostos esperados.

3.10   Ora, o valor gerado por esses ativos é cada vez mais tido em conta na determinação do valor bolsista das grandes empresas numa economia do imaterial, no contexto de «financeirização» dessa economia. 90 % das principais capitalizações bolsistas de empresas como a Microsoft, a Apple, a IBM (carteira de 40 000 patentes), o Google e o Facebook, são compostos pelos seus ativos imateriais. Esta percentagem varia segundo os setores da economia, mas continua a ser significativa, situando-se entre 90 % e 40 % da capitalização bolsista das empresas do mercado. As novas normas contabilísticas exigem o registo dos valores imateriais no balanço, mas colocam graves problemas de avaliação.

3.11   Uma tal alteração de escala tem consequências diretas na noção de «propriedade intelectual», que, na realidade, sofreu uma transformação substancial em comparação com as utilizações clássicas das patentes e dos direitos de autor, como transparece das convenções mais recentes da OMPI. A Comissão solicitou à OMPI que incluísse a proteção das bases de dados numa próxima conferência a realizar com vista à elaboração de um tratado internacional.

3.12   Isto explica também o ACTA e as condições da sua adoção (sem, todavia, as justificar). Este acordo visa a implementação transfronteiriça das medidas de proteção da propriedade das patentes e dos direitos de autor inscritos no Acordo TRIPS da OMC. Com efeito, alguns países como a China e a Índia bloqueiam, em Genebra, a aprovação de medidas para a implementação dos TRIPS, impedindo assim qualquer proteção efetiva dos direitos imateriais no comércio internacional.

3.13   Em princípio, o ACTA não deveria modificar o acervo comunitário. No entanto, a sua orientação exclusiva para o reforço da proteção dos direitos dos titulares, através de medidas aduaneiras, policiais e de cooperação administrativa, continua a privilegiar uma visão específica da propriedade dos direitos. Os restantes direitos humanos, sem dúvida os mais fundamentais, como os direitos à informação, à saúde, a uma alimentação suficiente, à seleção de sementes pelos agricultores e à cultura, não são suficientemente tomados em conta, o que terá consequências sobre as futuras legislações europeias que serão adotadas com vista à harmonização das legislações dos Estados-Membros. Por conseguinte, a conceção proprietária individualizada e exclusiva das exceções temporárias à livre concorrência não podem deixar de ter consequências para o futuro da sociedade do conhecimento e da informação e para os direitos humanos de terceira geração incluídos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

3.14   Note-se que as invenções admitidas como patenteáveis estão sujeitas a variações consideráveis segundo os países, particularmente no que diz respeito às novas tecnologias. Os programas informáticos apresentam especificidades e estão protegidos por patentes em determinados países – EUA – e, noutros, por direitos de autor específicos – Europa –, mas estes regimes contraditórios criam, ambos, fortes obstáculos à inovação e são responsáveis, por exemplo nos EUA, pelos custos desproporcionados de defesa jurídica. A concessão de patentes triviais cria uma grande insegurança jurídica. Os EUA acabam de reformar o seu gabinete responsável pelas patentes e marcas (USPTO – United States Patent and Trademark Office) e de rever o seu sistema de proteção das novas tecnologias, particularmente dos programas informáticos, para conceder patentes de boa qualidade, a fim de promover a inovação e a segurança jurídica.

3.15   O procedimento de análise das reivindicações é essencial e deve ter uma qualidade irrepreensível e reconhecida para a futura patente unitária, a fim de consagrar o seu valor e, tanto quanto possível, evitar contestações e processos judiciais. O IEP (Instituto Europeu de Patentes) dispõe de pessoal qualificado, mas precisará de tempo de estudo suficiente para cada processo, de modo a garantir essa qualidade, que deveria ser a marca distintiva da inovação europeia. A qualidade das traduções das línguas nacionais para as línguas veiculares selecionadas pela Convenção de Londres deverá ser igualmente objeto dos mesmos cuidados, com especialistas em tradução técnica. O Comité considera que o nível atual dos programas informáticos de tradução automática ainda é demasiado baixo para traduzir com a qualidade requerida a linguagem técnico-jurídica especializada e de alto nível utilizada na redação das patentes (2).

4.   Observações na especialidade

4.1   Proteção das invenções por patentes

4.1.1   Segundo a Convenção de Munique, as invenções que apresentam um caráter de novidade e que são suscetíveis de aplicações industriais podem ser sujeitas a um pedido de proteção por uma patente. Os programas informáticos, os métodos comerciais, os algoritmos e as equações, bem como as descobertas científicas não são patenteáveis. A tentativa de pôr em causa estes princípios relativamente aos programas informáticos (que são algoritmos) e às descobertas genéticas (genoma humano, papel dos genes) tem gerado aceso debate devido a uma forte oposição. Os EUA concedem patentes em âmbitos que correspondem a exceções europeias (seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal), que hoje em dia suscitam sérios problemas e criam custos de proteção desproporcionados em caso de litígios.

4.2   Proteção dos programas informáticos

4.2.1   «A Diretiva 91/250/CEE do Conselho dá aos programas de computador proteção de direitos de autor, como se fossem obras literárias na aceção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (Ato de Paris, 1971). A questão da autoria é, em grande medida, deixada ao critério dos Estados-Membros da UE. Os empregadores podem exercer os direitos económicos relativos aos programas criados pelos seus empregados. Os direitos morais estão excluídos do âmbito da diretiva  (3)». Esta diretiva não regulamenta o problema dos direitos dos criadores assalariados, tanto em termos de direitos de autor como de patentes.

4.2.2   O Comité sugere que a Comissão avalie a possibilidade de uma proteção específica, de duração muito reduzida, para os programas informáticos. A Diretiva 91/250/CEE (4) poderia ser revista a fim de reduzir significativamente a duração da proteção, por exemplo para cinco anos, e obrigar em seguida à publicação das fontes, dado o ritmo rápido da inovação e das renovações dos programas dos grandes editores.

4.3   Proteção das bases de dados

4.3.1   Trata-se de uma proteção sui generis, inspirada na propriedade literária e artística, mas por um período de 15 anos, enquanto as obras de referência ou citadas por algumas bases de dados estão sujeitas a direitos de autor. A legislação europeia é uma das raras legislações que oferecem uma proteção aos criadores de bases de dados, que são em grande medida ignorados no resto do mundo.

4.4   Proteção dos esquemas de computadores

4.4.1   Os cartões eletrónicos e os processadores dos computadores estão sujeitos à proteção ad hoc universal contra a cópia, inscrita nos Acordos de Marraquexe (1994) que criaram a OMC.

4.5   Proteção da propriedade literária e artística

4.5.1   Os direitos de autor (esquematicamente, o direito de reprodução (copyright) mais os direitos morais do autor) e os direitos de sequência dos artistas são também objeto de uma proteção universal na Europa.

4.5.2   A proteção das obras, em particular do livro, do cinema e da música, é afetada pelos meios modernos de reprodução digital e de transmissão pela Internet. Estes meios podem facilitar a execução de cópias com a mesma qualidade que o original, assim como a sua comercialização. Estas práticas são ilegais na Europa, mas as legislações nacionais são divergentes, e o Comité apoia uma verdadeira harmonização das legislações numa perspetiva de proporcionalidade e de equilíbrio dos controlos e das sanções.

4.5.3   Desenvolveu-se particularmente neste domínio um direito europeu muito protetor dos titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos. É também o que se passa nos EUA, o que explica em boa parte o ACTA, o seu processo de elaboração «secreto» limitado apenas a determinados países e, especialmente, os seus objetivos de aplicação (enforcement) perante a impossibilidade de levar a OMC a aceitar procedimentos práticos e obrigações, em virtude da unanimidade exigida e do bloqueio de determinados países, como a China ou a Índia.

4.5.4   No entanto, segundo o Comité, a abordagem do ACTA visa o fortalecimento contínuo da posição dos titulares de direitos perante um «público» que vê alguns dos seus direitos fundamentais (privacidade, liberdade de informação, sigilo da correspondência, presunção de inocência) cada vez mais enfraquecidos por uma legislação muito orientada para os distribuidores de conteúdos.

4.5.5   Os infratores «profissionais» sabem perfeitamente como escapar a qualquer forma de controlo dos fluxos de dados na Internet e as sanções «exemplares» contra alguns adolescentes não conseguem ocultar o facto de os produtores audiovisuais terem um atraso de dez anos na criação um «modelo de negócio» adaptado às novas tecnologias da informação e da comunicação. A fim de reduzir os encargos processuais e o tempo de regulamentação, foram estabelecidos nalguns casos códigos de conduta, por vezes incentivados pelo governo, que obrigam os fornecedores de acesso à Internet a prestar aos fornecedores de conteúdos audiovisuais e musicais – setor com um grau elevado de concentração – os nomes e os endereços dos presumíveis «copiadores» de conteúdos adquiridos ilegalmente na Internet. O risco de erro é real. Este tipo de denúncia pode ser agravado por cortes de acesso à Internet dos presumíveis contrafatores. Embora aliviando o trabalho de tribunais sobrecarregados e evitando ao legislador ter de atuar e propor instituições oficiais de combate à contrafação num contexto de restrições orçamentais, tais práticas privadas podem ser desvirtuadas, tal como, aliás, as legislações adotadas sob pressão dos grupos de interesses da distribuição de filmes e de música que reinam em diversos países, com resultados geralmente muito pouco convincentes e à custa da violação dos direitos dos consumidores, em geral totalmente ignorados e considerados em bloco como infratores potenciais.

4.5.6   Se, já por si, é necessário fazer cumprir a legislação contra a contrafação, que, na maioria dos casos, protege os consumidores contra os riscos relativos à saúde e à segurança e protege igualmente empregos qualificados que respeitam os direitos dos trabalhadores, seria preferível explicitar a conceção geral da propriedade literária e artística, a fim de reequilibrar as legislações a harmonizar, tendo também em conta os direitos dos consumidores e utilizadores, bem como os direitos dos trabalhadores, associando as suas organizações representativas à elaboração das normas nestes domínios.

4.5.7   A retransmissão das obras por cabo e a sua radiodifusão por satélite são regulamentadas por uma diretiva (5). Existem outras normas europeias:

uma diretiva relativa a obras órfãs (em fase de avaliação pelos legisladores) (6),

uma diretiva relativa ao direito de aluguer e de comodato (7),

e uma diretiva que estabelece as exceções ao direito de autor (8).

Estas legislações são objeto de relatórios periódicos. As «exceções» ou «tolerâncias» deveriam ser reconsideradas no âmbito de legislação que, numa afirmação clara dos direitos dos utilizadores, proteja os seus direitos fundamentais e imponha exceções, designadamente em caso de deficiência (9).

4.6   Proposta da Comissão sobre o mercado único dos direitos de propriedade intelectual e observações do Comité

4.6.1   Tem-se vindo a desenhar e a consolidar a tendência para equiparar os direitos temporários adquiridos mediante a proteção por patente, os direitos de autor e outros sistemas sui generis (esquemas eletrónicos, desenhos e modelos, variedades vegetais, etc.) a direitos de propriedade semelhantes ao direito de propriedade dos bens móveis e imóveis. Esta tendência, que não se sabe se será duradoura, é retomada pela Comissão e imprime uma marca profunda na estratégia proposta.

4.6.2   Uma tal confusão de exceções temporárias com uma propriedade que imana do direito romano não tem só vantagens, a não ser para os seus titulares. Ora, a suspensão do direito da concorrência e a sua sujeição ao regime de autorização pelos titulares através de licenças não cria um verdadeiro direito de propriedade que inclua todos os seus atributos. Existem limitações por razões de interesse público (licenças obrigatórias), a territorialidade das patentes constitui um limite à proteção e há discrepâncias entre as legislações nacionais, inclusivamente na Europa, etc.

4.6.3   No entanto, a orientação atual consiste em considerar as patentes e licenças como valores e garantias de investimento e assiste-se mesmo à sua titularização com vista a especulações financeiras. Isso resulta da «financeirização» da economia, em paralelo com o desenvolvimento de uma economia do imaterial ligada às novas tecnologias da informação e comunicação, bem como às novas normas contabilísticas IFRS. A Comissão aplicará em breve a sua estratégia no mercado de patentes sob a forma de «instrumento de valorização dos direitos de propriedade intelectual» (uma bolsa de valores europeia?). O grande problema das novas empresas inovadoras na Europa reside na falta de laços entre investigação fundamental e aplicada e a investigação realizada por universidades e empresas e também na insuficiência gritante de capital de risco nas empresas inovadoras. O Comité chama igualmente a atenção para as práticas das multinacionais dos setores de alta tecnologia, que consistem na aquisição de PME e engenheiros com carteiras de patentes das empresas inovadoras, em vez de licenças que poderiam também ser atribuídas à concorrência. Tais práticas têm como objetivo utilizar as patentes e os outros títulos de propriedade industrial para estratégias monopolistas e anticoncorrenciais.

4.6.4   Um outro pilar da estratégia reafirma o lugar fundamental da patente unitária europeia e de uma jurisdição superior europeia destinada a unificar a jurisprudência, com vista a sanar as graves dificuldades das empresas, em particular as que impedem em grande medida o acesso das PME à proteção da sua propriedade industrial, e a promover um melhor conhecimento da evolução tecnológica no mercado único.

4.6.5   O Comité sempre apoiou vigorosamente a iniciativa da Comissão com vista à instauração de uma patente unitária, embora emitindo reservas sobre certas práticas do IEP que não respeitam totalmente as cláusulas da Convenção de Munique no que toca à exclusão expressa dos programas informáticos numa altura em que todas as patentes relacionadas com programas informáticos ou procedimentos comerciais foram anuladas pelas jurisdições nacionais que tiveram de se pronunciar na sequência de queixas. Tais práticas prejudicam a segurança jurídica que deve estar associada à obtenção de uma patente, que representa um procedimento dispendioso para os requerentes (despesas com o exame e a tradução do pedido, taxa anual, recurso a intermediários em patentes). Esses desvios não devem afetar a futura patente.

4.6.6   No que toca às propostas da Comissão de criar um Código Europeu dos Direitos de Autor e de estudar a viabilidade de estabelecer direitos de autor «unitários» facultativos, o Comité considera que se trata de propostas muito ambiciosas no quadro da harmonização e da realização do mercado único, mas estima ser ainda demasiado prematuro para se pronunciar sobre meras hipóteses, convidando a Comissão a prosseguir as suas investigações e a apresentar medidas concretas que tenham em conta a evolução desta matéria nos diferentes Estados-Membros.

4.6.7   O Comité considera que a taxa sobre os suportes eletrónicos e magnéticos de qualquer espécie, a título de financiamento da cópia privada, assenta numa presunção de culpa. O Comité entende, pelo contrário, que a cópia privada constitui uma prática legítima que permite a mudança de suporte ou de material e que devia ser reconhecida como um direito do titular legal da licença de utilização como elemento de uma utilização justa (fair use) (10).

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 18 de 19.1.2011. p. 105.

JO C 116 de 28.4.1999. p. 35.

JO C 32 de 5.2.2004. p. 15.

JO C 77 de 31.3.2009. p. 63.

(2)  O Instituto Europeu de Patentes (IEP) oferece ferramentas de tradução, mas limitadas às três línguas oficiais.

(3)  Ver COM(2000) 199 final.

(4)  JO L 122 de 17.5.1991, p. 42.

(5)  Diretiva 93/83/CEE (JO L 248 de 6.10.1993, p. 15).

(6)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 66.

(7)  Diretiva 2006/115/CE, (JO L 376 de 27.12.2006, p. 28).

(8)  Diretiva 2001/29/CE (JO L 167 de 22.6.2001, p. 10).

(9)  Parecer do CESE: JO C 228 de 22.9.2009, p. 52.

(10)  Esta análise é partilhada pelo TJUE no seu acórdão Padawan.


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu – Uma visão estratégica para a normalização europeia: reforçar e acelerar o crescimento sustentável da economia europeia até 2020»

COM(2011) 311 final

2012/C 68/06

Relator: Edgardo Maria IOZIA

Em 1 de junho de 2011, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu – Uma visão estratégica para a normalização europeia: reforçar e acelerar o crescimento sustentável da economia europeia até 2020

COM(2011) 311 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 19 de dezembro de 2011

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 19 de janeiro de 2012), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 158 votos a favor, 6 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) é um fervoroso defensor da Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, pelo que se congratula com a iniciativa da Comissão. Em particular, a adoção de normas comuns a nível da UE contribui para o desenvolvimento de um mercado único competitivo, com produtos e serviços interoperáveis e inovadores baseados em normas.

1.2   As normas podem ser vistas como o património da nossa civilização: representam o conhecimento atual e passado e têm de ser progressivas, de modo a evoluírem adequadamente. O tempo necessário para elaborar normas deve ser abreviado, para poderem evoluir em função das necessidades da sociedade. O CESE apoia os esforços da Comissão para reduzir o período de elaboração em 50 % até 2020, mas considera que tal não deve ser feito uniformemente nem pôr em causa as consultas indispensáveis e por vezes longas às partes interessadas. As consultas são mais eficazes se forem realizadas a nível nacional e completadas pela ação direta das organizações europeias pertinentes.

1.3   A participação no processo de normalização deve ser tão importante como a participação no processo legislativo. É necessária uma maior participação dos consumidores, das PME e de outras partes interessadas, o que se pode conseguir com apoio financeiro. Uma avaliação interpares das normas nacionais realizada pelas partes interessadas permitiria assegurar a representação dos interesses da sociedade a todos os níveis.

1.4   No âmbito dos contratos públicos, as normas são fundamentais para a realização correta do mercado único.

1.5   O CESE confirma o seu ponto de vista anterior: «as especificações adotadas por fóruns e/ou consórcios industriais internacionais no setor das TIC só após um processo de certificação deveriam ser aceites pelos organismos de normalização europeus, com a participação dos representantes das PME, dos consumidores, dos responsáveis pelo ambiente, dos trabalhadores e dos organismos com fortes interesses sociais.» (1)

1.6   A Comissão propõe várias ações em diferentes campos. Uma vez que a normalização é uma ferramenta muito importante para apoiar a política industrial e a inovação e competitividade, o CESE apoia as ações propostas, especialmente as que estão ligadas ao papel do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, que tem como objetivo verificar que as normas científicas se ajustam aos requisitos das economias europeia e nacionais em termos de competitividade, necessidades sociais, questões de segurança/proteção e impacto ambiental (ações 1-5 da comunicação).

1.7   No atinente aos interesses da sociedade, a Comissão prevê conceder uma atenção específica aos problemas de segurança e proteção, solicitando aos Estados-Membros que assegurem a participação real dos consumidores, das associações ambientais e das pessoas idosas e com deficiência. O CESE considera que estas propostas têm um grande valor (ações 6-9).

1.8   O CESE sempre defendeu o envolvimento efetivo e o papel das organizações da sociedade civil e concorda plenamente com a Comissão e a sua iniciativa de ampliar e assegurar um processo de trabalho mais inclusivo, tanto a nível nacional, como europeu, com base em critérios reconhecidos, tais como os princípios do Acordo da OMC sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio. É preciso proporcionar ajuda financeira às organizações das PME, aos consumidores, aos sindicatos e a outras partes interessadas pertinentes (ações 10-15).

1.9   O capítulo 5 da comunicação é dedicado à elaboração de normas no setor dos serviços: o CESE é a favor da opinião expressa neste capítulo e considera que a ideia de atribuir a responsabilidade ao Grupo de Alto Nível para os Serviços às Empresas, tal como proposto na Comunicação «Um Ato para o Mercado Único», é muito útil para todos os setores económicos, incluindo para setores que não o dos serviços.

1.10   O CESE reconhece a particularidade do mercado das TIC e a necessidade de definir normas rapidamente, o que caberia na prática a fóruns e consórcios. Como já foi dito, estas normas deviam ser validadas por um processo genuinamente inclusivo. O CESE congratula-se com a criação de um fórum multilateral e recomenda que este fórum se realize de forma periódica e não apenas como uma iniciativa pontual. O CESE gostaria de participar neste fórum.

A normalização no âmbito das TIC é essencial para a contratação pública em linha e a administração pública em linha. Importa, por conseguinte, garantir a interoperabilidade das TIC (ações 19-23).

1.11   As propostas finais sublinham o papel da Europa na normalização internacional e a iniciativa anunciada pela Comissão. O CESE é a favor das ações propostas e considera vital para os interesses da UE poder participar muito ativamente nas atividades internacionais, secundando as decisões da Comissão no sentido de apoiar o trabalho dos organismos de normalização europeus numa base bilateral e multilateral (ações 24-28).

1.12   A revisão independente, que deverá ser lançada o mais tardar até 2013, baseia-se no interesse da Comissão em avaliar os progressos e o cumprimento dos objetivos nas seguintes áreas: política industrial, inovação e desenvolvimento tecnológico, do ponto de vista das necessidades do mercado, da inclusividade e da representatividade. O CESE concorda plenamente com esta proposta (ação 29).

2.   Observações na generalidade

2.1   Um sistema de normalização europeu eficiente permitirá, essencialmente, a criação de produtos e serviços interoperáveis, que podem ser disponibilizados continuamente em toda a UE, não apenas em situações transfronteiriças, mas também a nível local, regional ou nacional.

2.2   O CESE concorda que as normas são instrumentos políticos eficazes e que podem contribuir para o bom funcionamento do mercado único, nomeadamente nos domínios das TIC e dos serviços, onde estão a ser elaboradas normas de produção e transformação.

2.3   O CESE apoia firmemente a utilização de normas nos contratos públicos, pois isso redundará numa oferta de produtos e serviços normalizados. Os adquirentes públicos da UE devem utilizar normas mundiais ou europeias, se as houver, em todos os contratos públicos de fornecimento de produtos ou serviços, devendo ser fortemente desencorajada a utilização de normas exclusivas e de produtos ou serviços não interoperáveis.

2.4   Ciente da importância de eliminar definitivamente os obstáculos ao comércio, o CESE congratula-se com o empenho de todos os organismos de normalização nacionais dos Estados-Membros em aplicar as normas europeias em pé de igualdade com as normas nacionais equivalentes, em suprimir as normas nacionais existentes que colidam com as normas europeias e não adotar no futuro medidas que coloquem em risco esta harmonização.

2.5   O CESE concorda que é necessário acelerar, simplificar, modernizar e tornar o processo de normalização europeia mais inclusivo. Os pedidos de normalização e de financiamento da Comissão Europeia deviam incluir a fixação de prazos específicos estritos, o recurso a peritos e a participação efetiva de todas as partes interessadas (especialmente das PME, dos consumidores e de outros agentes da sociedade civil, frequentemente ausentes ou sub-representados a nível nacional).

2.5.1   A participação a nível nacional é também muito importante. As propostas dos organismos de normalização nacionais formam a base das normas europeias. É mais fácil para os consumidores e as PME contribuírem a nível nacional.

2.6   Uma vez que a normalização é um processo voluntário dirigido pelo mercado e que o seu êxito depende, fundamentalmente, da sua aceitação pelo mesmo, o CESE salienta a importância de uma maior participação das PME, também através das suas associações, em todas as fases da normalização: consultas sobre novos projetos, incluindo mandatos, elaboração de normas e votação final, tanto a nível nacional como europeu.

3.   Observações na especialidade

3.1   Considerações sobre os organismos de normalização europeus  (2)

3.2   O CESE reconhece que houve nos últimos anos uma redução considerável do tempo médio de elaboração das normas europeias. São, todavia, necessárias novas reduções, mas não à custa da capacidade de inclusão ou da qualidade. Insta-se igualmente a Comissão a melhorar e a acelerar os procedimentos de adoção de mandatos de normalização e de publicação das normas harmonizadas no Jornal Oficial da UE. O CESE congratula-se com a intenção manifestada pelo comissário responsável de, até 2020, reduzir a duração do processo em 50 %.

3.2.1   A composição dos grupos de trabalho e dos comités técnicos dos organismos de normalização europeus deve ser mais equilibrada e representativa de todas as componentes do mercado relacionadas com a normalização em causa. Haverá que disponibilizar alguns recursos financeiros para garantir a participação das microempresas, dos consumidores e de outros agentes da sociedade civil nos workshops. O CESE apoia a decisão de rever e racionalizar o atual sistema de incentivos e apoios financeiros para alargar as oportunidades de participação a todas as partes interessadas. Será muito bem acolhida uma regulamentação unificada dos instrumentos existentes.

3.2.2   É necessária uma supervisão adequada para evitar a duplicação de atividades ou dos resultados dos vários grupos de trabalho a nível da UE (financiados pela Comissão Europeia).

3.2.3   Os organismos de normalização nacionais necessitam do pleno envolvimento dos Estados-Membros, em particular de apoio político, bem como de recursos técnicos e financeiros para permitir a participação de todas as partes interessadas.

3.2.4   Apesar de um dos principais benefícios da normalização ser a possibilidade de oferecer produtos e serviços interoperáveis, é necessário criar um mecanismo claro e ferramentas para testar e validar as normas da UE, de modo a acelerar os ciclos de desenvolvimento dos produtos.

3.2.5   Em reação a uma «Europa em envelhecimento», a normalização europeia é também fundamental para garantir a oferta de produtos e serviços seguros e acessíveis a consumidores de todas as idades e possibilidades. Este aspeto é especialmente importante se considerarmos a relevância das normas europeias enquanto base para a adjudicação de contratos públicos.

3.3   Orientações de aplicação – Certos organismos de normalização internacionais não dão orientações para a aplicação das normas elaboradas. Os organismos de normalização europeus deveriam ter em conta esta necessidade e fornecer orientações claras e precisas para facilitar essa aplicação.

As PME acederão mais facilmente aos mercados com normas comuns, diminuirão a complexidade e os custos para estas empresas e aumentará a concorrência.

Deve-se incentivar a utilização das normas da UE na ausência de normas nacionais e assegurar a sua convergência com as normas da UE, através da definição de roteiros claros.

3.4   Sensibilização e representação das PME – Deviam ser realizados, a nível regional e nacional, workshops e atividades de formação e sensibilização específicos, visto ser mais fácil chegar às PME através das indústrias locais ou das associações de PME e das administrações públicas.

3.4.1   Muitas vezes as PME desconhecem o mecanismo de elaboração das normas, limitando-se a aceitar produtos com normas predefinidas incorporadas. As associações de PME a nível nacional e da UE não dispõem, em muitos casos, dos recursos necessários para darem o seu contributo para o processo de normalização, o que reduz ainda mais a sua influência.

3.4.2   O CESE concorda com a ideia de reforçar a posição das associações europeias que representam as PME e os agentes da sociedade civil. É importante prestar atenção especial aos direitos de voto das associações de PME e dos agentes da sociedade civil da UE nos organismos de normalização europeus. O CESE está interessado em participar neste debate que no momento é controverso pelo facto de esses organismos de normalização serem entidades privadas.

3.4.3   O CESE aplaude o trabalho realizado, com o apoio financeiro da Comissão Europeia, pela NORMAPME, enquanto associação europeia representante do setor do artesanato e das PME no processo de normalização, e pela ANEC, em representação dos consumidores.

3.4.4   Para aumentar a sensibilização para as normas e a sua utilização, o CESE sugere que os organismos de normalização europeus e nacionais simplifiquem o acesso dos seus potenciais utilizadores às normas fornecendo uma síntese do seu conteúdo. Nos casos em que um ato estabeleça a utilização obrigatória de determinadas normas, o legislador deverá garantir que aquelas são tão acessíveis como o próprio ato.

3.5   Educação – Os conceitos de normalização devem ser incluídos nos programas curriculares das escolas secundárias e universidades europeias. Convém prever incentivos específicos para levar estudantes e investigadores a desenvolverem soluções e aplicações interoperáveis baseadas em normas. Por exemplo, deve-se facilitar ao máximo a concessão de financiamento da UE a estudantes e investigadores, a título individual ou integrados em grupos transfronteiriços.

3.5.1   A Comissão deve acompanhar as tendências da inovação, colaborando estreitamente com o setor das TIC, os centros de investigação e as universidades, para assegurar que as normas sejam elaboradas em sintonia com a inovação dos produtos ou serviços. O programa de trabalho para a normalização deveria encarregar-se disso, dando prioridade às ações baseadas nos comportamentos e nas necessidades do mercado.

3.6   As normas são o fruto de um processo voluntário de avaliação das necessidades, requisitos e regras a cumprir para facilitar a aceitação dos produtos e serviços que lhes estão associados. No entanto, estas regras só se transformam em normas quando, depois de amplamente adotadas pelos utilizadores, conquistam a aceitação do mercado. Por conseguinte, qualquer atividade de normalização deve-se basear numa relação equilibrada entre os vários requisitos das partes interessadas e no consenso. No entanto, como são principalmente as grandes empresas públicas e privadas que participam no processo de elaboração das normas é desequilibrada a representação das partes interessadas.

3.7   A normalização é um instrumento essencial para a competitividade. O CESE exorta os Estados-Membros a providenciarem um quadro de normalização nacional eficaz, capaz de contribuir para a elaboração de normas europeias e internacionais e de encontrar soluções de normalização para as necessidades exclusivamente nacionais.

3.8   Os organismos de normalização nacionais devem ser reforçados. No entanto, como isso depende em grande medida da política industrial nacional, o nível de empenho nacional varia de país para país. Podiam ser criados incentivos específicos, associados a uma campanha de divulgação das melhores práticas dos Estados-Membros da UE que encaram as normas como um trunfo estratégico para a sua competitividade.

3.9   O CESE concorda com o papel crucial da elaboração de normas para os serviços, mas é fundamental garantir que estas sejam orientadas para o mercado e baseadas no consenso.

3.9.1   As normas nacionais podem criar obstáculos à realização de um mercado único. É, por conseguinte, fundamental que as normas sejam elaboradas a nível da UE antes de os Estados-Membros começarem a elaborar normas específicas nacionais, que se revelam muitas vezes não interoperáveis.

3.10   O CESE apoia firmemente as ações da Comissão Europeia em matéria de normas das TIC e de interoperabilidade. Este aspeto prende-se, em particular, com a possibilidade de utilizar normas das TIC amplamente aceites nos contratos públicos para estimular a procura de serviços interoperáveis liderada pelo setor público, o que funcionará como um motor essencial da normalização.

3.10.1   Tal como proposto no parecer do CESE já mencionado: «o Comité reputa indispensável que os organismos de normalização europeus e a Comissão assegurem um controlo preventivo, asseverando que as especificações adotadas por fóruns e/ou consórcios industriais internacionais, a utilizar como termo de referência nos contratos públicos, tenham sido elaboradas com neutralidade, equidade e transparência e com uma representação adequada das PME, dos consumidores, das organizações ambientais, dos trabalhadores e dos organismos que defendem importantes interesses sociais.».

3.11   O CESE tem igualmente dúvidas quanto à proposta para melhorar a competitividade mundial. A legislação deve apoiar as políticas e as normas, e não o contrário. A normalização não deve entravar a inovação e o desenvolvimento.

3.12   Os produtos e/ou serviços baseados em normas resultantes de iniciativas bem sucedidas financiadas pela UE devem ser incorporados nas iniciativas posteriores da UE na matéria, a fim de eliminar a duplicação de esforços e promover uma maior expansão e adoção dessas normas.

Bruxelas, 19 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 58.

(2)  Os três organismos de normalização europeus oficiais são o CEN, o CENELEC e o ETSI.


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento»

COM(2011) 452 final — 2011/0202 (COD)

2012/C 68/07

Relator: Peter MORGAN

Em 30 de novembro de 2011 e em 17 de novembro de 2011, respetivamente, o Conselho e o Parlamento Europeu decidiram, nos termos do artigo 114.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento

COM(2011) 452 final — 2011/0202 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 19 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro) o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 179 votos a favor, 2 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE congratula-se com as linhas gerais da Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV (1) e com o Acordo Basileia III no qual esta se baseia. Salienta, no entanto, que a Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV provocará um aumento dos custos bancários, o que tem grande relevância para as empresas da UE, especialmente as PME. O quadro de Basileia está concebido para os bancos com atividades à escala internacional, todos os quais devem aderir ao quadro.

1.2   As Diretivas Requisitos de Fundos Próprios da UE foram sempre aplicadas a todos os bancos; este dado é importante, dado o apoio prestado à economia pelos bancos regionais e pelos bancos que não são constituídos como sociedades por ações. As PME dependem em grande medida dos financiamentos bancários, pelo que se deverá evitar penalizar as PME da UE a nível dos custos em relação aos seus concorrentes internacionais. Neste contexto, o CESE apela à Comissão para que facilite um maior desenvolvimento do financiamento participativo e ético (2).

1.3   A avaliação do impacto realizada pela Comissão indica que os novos requisitos de fundos próprios não colocarão as PME numa posição especialmente desvantajosa. Porém, o Comité tem reservas e solicita à Comissão que monitorize o modo como evolui a concessão de empréstimos e a imposição de encargos bancários às PME. Além disso, o CESE apoia a avaliação a realizar pela Comissão sobre o sistema de classificação dos riscos decorrentes dos empréstimos às PME.

1.4   O novo quadro integra elementos microprudenciais e macroprudenciais. Na vertente microprudencial, há mais capital de melhor qualidade, melhor cobertura de riscos, introdução de um rácio de alavancagem enquanto proteção contra regimes baseados no risco e uma nova abordagem no que respeita à liquidez. Na vertente macroprudencial, a Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV requer a criação de amortecedores de capital em períodos favoráveis que possam ser utilizados nos períodos de crise, bem como outras medidas para lidar com os riscos sistémicos e com a estreita interligação dos sistemas financeiros. As propostas abordam, pelo menos do ponto de vista conceptual, todos os problemas revelados pela crise bancária e identificados no parecer anterior do CESE sobre a Diretiva Requisitos de Fundos Próprios III (3).

1.5   Em última análise, o efeito da legislação dependerá da forma como for aplicada e dos intervenientes envolvidos. A crise bancária não se deve a um único fator. Na verdade, todos os intervenientes têm a sua quota-parte de responsabilidade. Os diretores responsáveis pela governação de vários bancos estiveram claramente em falta, tal como os revisores oficiais de contas, as agências de notação, os investidores e analistas institucionais, os reguladores e as autoridades de supervisão dos Estados-Membros, os governadores dos bancos centrais, os ministérios das Finanças e os políticos, mas também os especialistas universitários em economia e os comentadores dos meios de comunicação social, que também não souberam identificar o que estava a acontecer. O CESE gostaria de acreditar que os intervenientes tiraram ensinamentos desta última crise, mas a forma como a crise da dívida soberana tem sido conduzida sugere o contrário. Em alguns casos, a questão da recapitalização dos bancos não foi resolvida, os testes de esforço não foram convincentes (como no caso do Dexia), os revisores de contas não exigiram a adoção de disposições rigorosas contra a redução contabilística da dívida soberana e os políticos, ao tentarem resolver problemas económicos com soluções políticas, não permitiram que a crise fosse controlada.

1.6   Em contrapeso ao novo regulamento devem ser aplicados regimes de recuperação e resolução de crises com base em instrumentos como os planos de contingência para eventuais dificuldades de uma empresa («living wills»). Se, por um lado, o Estado deve continuar a prestar garantias para pequenos depósitos, por outro, há que remover o risco moral que representa o apoio ilimitado do Estado a bancos em dificuldades. Se a situação for suficientemente clara, os investidores, os credores e os administradores terão de assumir diretamente a responsabilidade pelo futuro saudável de cada instituição de crédito.

1.7   Para restabelecer a estabilidade e a confiança nos mercados, os chefes de Estado e de governo da UE, no seu plano de resolução da crise de 26 de outubro de 2011, concordaram em requerer a um determinado número de bancos que, até junho de 2012, atingissem o rácio de 9 % de fundos próprios de muito elevada qualidade, incluindo margens de reserva de capital temporárias e excecionais contra as exposições à dívida soberana. Isto foi necessário dado que a proposta de regulamento previa que a transição para os novos requisitos de fundos próprios se prolongasse por vários anos Em consequência desta decisão, alguns bancos terão grande dificuldade em obter novo capital, nomeadamente porque terão de renegociar a dívida já existente, o que é, por si só, um ponto crítico, uma vez que o financiamento já estava esgotado no segundo semestre de 2011. O Comité reconhece o caráter excecional destas medidas, mas recorda que o seu impacto é imediato, independentemente da ajuda que seja disponibilizada no final.

1.7.1   Se aplicados, estes requisitos de fundos próprios poderão ter um impacto tremendo nos bancos mais pequenos e nos bancos locais, que são geralmente mais favoráveis às PME e às microempresas do que os bancos internacionais. Se os bancos mais pequenos tiverem dificuldade em obter o capital exigido, o acesso das PME a financiamento será dificultado.

1.8   A decisão suscita duas grandes preocupações caso a atual crise de financiamento se prolongue. Por um lado, para os bancos que não conseguem ou não querem obter novos fundos próprios de base a curto prazo (já que isso poderia diluir os acionistas existentes), a alternativa será encurtar o seu balanço, reduzindo as suas carteiras de empréstimos, a fim de as alinhar pelas suas reservas de capital. Numa altura em que todos os Estados-Membros tentam revitalizar as respetivas economias, retirar os créditos bancários teria efeitos desastrosos. Para evitar este desenlace, as autoridades nacionais e da UE devem procurar trabalhar em conjunto com o setor bancário, em vez de o confrontarem continuamente. Além disso, devem procurar tomar medidas abrangentes que incentivem a concessão de financiamento alternativo, como o método do financiamento participativo já proposto pelo CESE num parecer anterior (4).

1.9   A segunda preocupação tem a ver com os bancos que obtêm fundos próprios suplementares nos mercados. A maior parte do capital disponível encontra-se em fundos soberanos e em bancos asiáticos e do Médio Oriente. Há um perigo real de o sistema bancário da UE passar a ser propriedade de instâncias que estão fora do controlo dos seus Estados-Membros.

1.10   Um problema particular que surgiu durante a crise da dívida soberana é prova evidente de que, contrariamente às orientações do Acordo e das várias Diretivas Requisitos de Fundos Próprios, a dívida soberana não está claramente isenta de riscos. Este é um importante ponto fraco das disposições do regulamento relativas à qualidade dos fundos próprios. Tem implicações profundas para os bancos que, ao aplicarem os regulamentos, praticamente não tiveram outra opção além da de acumular títulos de dívida soberana. A aplicação automática da classificação «isento de risco» tem de ser reavaliada pelas autoridades reguladoras e os bancos terão de rever as suas metodologias internas de avaliação dos riscos.

1.11   O efeito cumulativo das Diretivas Requisitos de Fundos Próprios II, III e IV ao nível dos fundos próprios, da liquidez e da alavancagem, os regimes vindouros de resolução de crises, o interesse crescente nas propostas do tipo «regra de Volcker» para limitar as transações por conta própria dos bancos e no conceito de separação entre os bancos comerciais e os bancos de investimento poderão significar que o modelo empresarial aplicado de forma muito lucrativa pelos grandes bancos na última década deverá ser redefinido tendo em conta a conjuntura de austeridade e de escassez de fundos próprios da década atual. É do interesse de todas as partes interessadas – mutuários e mutuantes, trabalhadores e investidores – e da sociedade em geral que os bancos estabeleçam um novo modelo empresarial, certamente menos lucrativo, mas, espera-se, mais sustentável no futuro.

1.12   No entender do CESE, os novos modelos empresariais têm de ser éticos e sustentáveis. Há que melhorar a relação com o consumidor e as práticas empresariais têm de ser rigorosamente éticas, além de ser necessário rever radicalmente os mecanismos de recompensa. O avanço da crise acabou por revelar que todos os intervenientes acarretam parte da responsabilidade. É chegado o momento de estes intervenientes se unirem para construírem instituições de créditos capazes de apoiar a economia da UE durante a difícil década que se avizinha.

2.   Introdução

2.1   As Diretivas Requisitos de Fundos Próprios visam estabelecer o quadro do mercado interno bancário, transpondo assim os Acordos de Basileia para o direito da UE. O Comité de Basileia foi criado em 1975. Em 1988, decidiu criar um sistema comum de cálculo de fundos próprios apelidado Acordo de Basileia sobre os fundos próprios. Este sistema possibilitou a aplicação de um quadro de gestão do risco de crédito. A UE transpôs o acordo para a sua primeira Diretiva Requisitos de Fundos Próprios (5) relativa à adequação dos fundos próprios das empresas de investimento e das instituições de crédito, em março de 1993.

2.2   O segundo Acordo de Basileia (Basileia II) foi publicado em 2004. A UE transpôs este acordo para uma nova Diretiva Requisitos de Fundos Próprios adotada em junho de 2006, que entrou em vigor em dezembro de 2006. O CESE aprovou o seu parecer (6) sobre esta proposta de diretiva na reunião plenária de março de 2005.

2.3   A Comissão propôs alterar uma série de elementos fundamentais da Diretiva Requisitos de Fundos Próprios em outubro de 2008 (Diretiva Requisitos de Fundos Próprios II). Esta revisão visava, em parte, dar resposta às recomendações do Fórum de Estabilidade Financeira do G7 e à crise dos mercados. O texto foi publicado em julho de 2009 para aplicação em dezembro de 2010.

2.4   Em consonância com o trabalho desenvolvido em paralelo pelo Comité de Basileia, a Comissão realizou consultas e apresentou propostas (em julho de 2009) para alterar a carteira de negociação, as retitularizações e a remuneração do pessoal do setor bancário no âmbito do pacote previsto na Diretiva Requisitos de Fundos Próprios III. O CESE aprovou o seu parecer (7) na plenária de janeiro de 2010.

2.5   Em resposta à crise financeira, o Acordo Basileia III foi publicado em dezembro de 2010. Os amortecedores de capital e liquidez propostos eram agora muito maiores do que antes. O acordo exige que os bancos mantenham 4,5 % de capitais acionistas ordinários (em vez dos 2 % previstos no Acordo Basileia II) e 6 % de capitais de base (em comparação aos 4 % do Acordo Basileia II) dos ativos ponderados pelo risco. O Acordo Basileia III também introduz amortecedores de capital adicionais: i) um amortecedor obrigatório por conservação de fundos próprios de 2,5 % e ii) um amortecedor anticíclico discricionário, que permite aos reguladores nacionais utilizarem até mais 2,5 % de fundos próprios em períodos de acentuado crescimento do crédito. Além disso, o Acordo Basileia III estabelece um rácio de alavancagem mínimo de 3 % e dois rácios de liquidez. O rácio de cobertura de liquidez exige que os bancos mantenham uma quantidade suficiente de ativos líquidos de elevada qualidade para cobrir o seu total de fluxos de caixa líquidos durante um período de 30 dias. O rácio líquido de estabilidade dos financiamentos exige que o montante disponível de financiamento estável exceda o montante exigido de financiamentos estáveis durante um período de esforço de um ano. As propostas que visam a transposição do Acordo Basileia III para a Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV foram publicadas em julho de 2011 e formam a base do presente parecer.

3.   Síntese das propostas

3.1   A Comissão Europeia apresentou propostas para alterar o comportamento de 8 mil bancos que desenvolvem atividades na Europa. O objetivo global destas propostas consiste em reforçar a capacidade de resistência do setor bancário da UE, assegurando que os bancos continuam a financiar a atividade económica e o crescimento. As propostas da Comissão têm três objetivos concretos:

A proposta requer que os bancos mantenham mais e melhores fundos próprios para resistirem, de forma autónoma, a choques futuros. As instituições enfrentaram a última crise com fundos próprios insuficientes, tanto em termos de quantidade como em termos de qualidade, obrigando as autoridades nacionais a prestar um apoio sem precedentes. Com a sua proposta, a Comissão transpõe, para a Europa, as normas internacionais sobre fundos próprios dos bancos acordadas ao nível do G20 (geralmente conhecidas por Acordo Basileia III). A Europa comandará este processo, aplicando estas normas a mais de 8 mil bancos, que representam 53 % dos ativos mundiais.

A Comissão também pretende criar um novo quadro de governação, conferindo novas competências às autoridades de supervisão, que lhes permitam monitorizar as atividades dos bancos mais atentamente e agir sempre que detetem riscos, por exemplo, reduzindo o crédito quando se afigurar que este está a formar uma bolha.

Ao reunir a legislação aplicável nesta matéria, a Comissão propõe um corpus regulamentar único para a regulamentação bancária, o que melhorará a transparência e o controlo da aplicação da mesma.

3.2   A proposta contém duas partes: uma diretiva sobre o acesso a atividades de aceitação de depósitos e um regulamento que estabelece a forma como as instituições de crédito e as empresas de investimento devem realizar as suas atividades. Os dois instrumentos jurídicos formam um pacote e devem ser considerados em conjunto. A proposta é acompanhada de uma avaliação do impacto que demonstra que esta reforma reduzirá significativamente a probabilidade de uma crise bancária sistémica.

3.3   O regulamento apresenta os requisitos prudenciais detalhados aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento, e abrange as seguintes questões:

Fundos próprios: a proposta da Comissão reforça a quantidade e a qualidade de fundos próprios que os bancos devem deter. Além disso, harmoniza as deduções dos fundos próprios com vista a determinar o montante líquido de capital regulamentar que é prudente reconhecer para fins de regulamentação.

Liquidez: a fim de melhorar a capacidade de resistência, a curto prazo, do perfil de risco de liquidez das instituições financeiras, a Comissão propõe a introdução de um rácio de cobertura de liquidez – cuja composição e calibração exatas serão determinadas em 2015, após um período de observação e avaliação.

Rácio de alavancagem: a fim de limitar uma acumulação excessiva do efeito de alavancagem sobre os balanços das instituições de crédito e das empresas de investimento, a Comissão propõe que o rácio de alavancagem seja revisto pelas autoridades de supervisão. As consequências de um rácio de alavancagem serão analisadas em profundidade antes da eventual passagem desta medida a requisito obrigatório em 1 de janeiro de 2018.

Risco de crédito de contraparte: na linha da política da Comissão relativa aos derivados comercializados no mercado de balcão, são introduzidas alterações destinadas a encorajar os bancos a compensar contratos de derivados dos mercados de balcão através de contrapartes centrais.

Conjunto único de regras: a crise financeira chamou a atenção para o perigo das disparidades ao nível das normas nacionais. Um mercado único precisa de um conjunto de regras único. O regulamento é diretamente aplicável, sem necessidade de transposição para o acervo nacional. Desse modo, é eliminada uma das fontes das disparidades atuais. Além disso, cria um conjunto único de regras relativas aos fundos próprios.

3.4   A diretiva abrange alguns domínios da atual Diretiva Requisitos de Fundos Próprios, cujas disposições definidas pela UE têm de ser transpostas pelos Estados-Membros de forma adequada às respetivas circunstâncias. Entre essas disposições contam-se os requisitos relativos ao acesso à atividade bancária e ao seu exercício, às condições relativas ao exercício da liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços e à definição de autoridades competentes, bem como dos princípios que regem a supervisão prudencial. Os novos elementos da diretiva são:

Governação reforçada: a proposta reforça os requisitos em matéria de disposições e processos de governo das sociedades e introduz novas regras destinadas a tornar mais eficaz o controlo do risco pelos conselhos de administração, melhorando o estatuto da função de gestão de riscos e garantindo um controlo efetivo por parte das autoridades de supervisão competentes na matéria.

Sanções: se as instituições não cumprirem os requisitos da UE, a proposta assegurará a possibilidade de todas as autoridades de supervisão aplicarem sanções efetivamente dissuasoras mas também eficazes e proporcionadas – por exemplo, coimas até 10 % do volume de negócios anual de uma instituição, ou imposição de interdições temporárias a membros do órgão de gestão da instituição.

Amortecedores de capital: a proposta estabelece dois amortecedores de capital para além dos requisitos mínimos de fundos próprios: uma reserva de manutenção de fundos próprios idêntica para todos os bancos na UE e um amortecedor de capital anticíclico, que será definido a nível nacional.

Supervisão reforçada: a Comissão propõe reforçar o regime de supervisão, de modo a exigir a elaboração de um programa de supervisão anual para cada instituição abrangida pela supervisão, com base numa avaliação do risco, numa utilização mais alargada e mais sistemática da fiscalização nas próprias entidades sujeitas a supervisão e em normas mais robustas e avaliações da supervisão mais exigentes e prospetivas.

3.5   Por fim, pretende-se reduzir de duas formas, tanto quanto possível, a dependência das instituições de crédito em relação a notações de risco de crédito externas: a) exigindo que todas as decisões dos bancos em matéria de investimentos se baseiem não só nas notações mas também nas suas próprias opiniões relativas ao crédito, e b) estabelecendo que os bancos com um número de exposições consideráveis em risco numa determinada carteira desenvolvam notações internas para essa carteira, em vez de dependerem de notações externas para o cálculo dos seus requisitos de fundos próprios.

3.6   A Comissão prevê que:

a proposta aumentará em 24,5 % a quantidade de ativos ponderados em função do risco das grandes instituições de crédito, e em 4,1 % os das pequenas instituições;

a necessidade de gerar fundos próprios devido ao novo requisito e à reserva de manutenção venha a gerar 84 mil milhões de euros até 2015 e 460 mil milhões até 2019.

4.   Pontos de vista do CESE

4.1   A diretiva não foi objeto de consulta do CESE. Por esse motivo, o parecer do Comité cinge-se ao regulamento, com duas exceções.

4.2   A Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV é um grande avanço em matéria de regulamentação sobre os fundos próprios, na medida em que aumentará consideravelmente o nível dos requisitos prudenciais, garantirá a capacidade do capital regulamentar de absorver verdadeiramente as perdas e desencorajará algumas das atividades de maior risco que, nos termos do regime anterior à crise, requeriam níveis demasiado baixos de fundos próprios. De forma geral, tanto a crise atual como as anteriores demonstraram que a escassez de fundos próprios e de liquidez de elevada qualidade acarretam custos económicos avultados para a sociedade, quando os bancos se deparam com problemas. É importante corrigir essa situação. O CESE apoia o caráter geral do regulamento, mas tem uma série de reservas, que apresenta neste parecer.

4.3   Os bancos devem dispor de ativos líquidos em quantidade suficiente para dar resposta a eventuais problemas de liquidez, sem que, para tal, necessitem de ajuda sob a forma de fundos públicos. Só em circunstâncias extremas é que o banco central deverá ponderar a hipótese de intervir como credor de último recurso. Assim sendo, o rácio de cobertura de liquidez desempenha uma função útil. Além disso, os bancos têm de limitar o desfasamento entre prazos de vencimento nos balanços. O financiamento de ativos a muito longo prazo com passivos a muito curto prazo gera riscos não só para o próprio banco como também para a economia em geral. Por isso, o CESE apoia a proposta de desenvolver e introduzir, em tempo útil, o rácio de liquidez a longo prazo (Net Stable Funding ratio).

4.4   Ainda assim, será necessário calibrar cuidadosamente os requisitos de liquidez, para que eles não deem origem a uma grave deslocalização da atividade bancária. O CESE congratula-se por as propostas conferirem suficiente flexibilidade para permitir alterações ao rácio de liquidez a longo prazo e ao rácio de cobertura de liquidez, à medida que as autoridades de supervisão forem conhecendo melhor o impacto destas medidas. A principal atividade dos bancos é a «transformação dos prazos de vencimento» (maturity transformation), ou seja, contrair empréstimos a curto prazo e conceder empréstimos a longo prazo. A imposição de restrições excessivas a esta atividade poderá prejudicar a economia. O CESE tem reservas quanto à ideia de prazos de vencimento nos balanços dos bancos totalmente alinhados.

4.5   O funcionamento do sistema financeiro tem um elemento inerentemente pró-cíclico. Há tendência para subestimar os riscos durante as fases de expansão económica e para exagerar a sua potencial gravidade em tempo de crise. No entanto, a crise que se seguiu à falência da Lehman Brothers demonstrou até que ponto as flutuações se podem tornar extremas. Além dos requisitos do regulamento em matéria de fundos próprios e de liquidez, a diretiva introduzirá também uma reserva de manutenção de fundos próprios e um amortecedor de capital anticíclico. O CESE considera positiva essa medida, que deverá contribuir para melhorar a estabilidade financeira a longo prazo, o que, por sua vez, deverá facilitar o crescimento económico.

4.5.1   Ainda assim, a aplicação das normas de Basileia a todos os bancos, quer tenham importância sistémica ou não, pode exercer particular pressão sobre os bancos comunitários mais pequenos. O Comité apela à Comissão, à Autoridade Bancária Europeia e às autoridades de supervisão dos Estados-Membros para que assegurem a adaptação dos amortecedores de capital dos bancos mais pequenos aos respetivos modelos empresariais.

4.6   O cálculo dos requisitos relativos aos fundos próprios depende das regras de contabilidade utilizadas. Ao investigar o papel dos revisores oficiais de contas durante a crise financeira, a Câmara dos Lordes do Reino Unido concluiu que a aplicação das Normas Internacionais de Informação Financeira constituía um obstáculo efetivo à veracidade dos balanços dos bancos. Nos últimos meses, tornou-se evidente que alguns bancos, em um ou vários Estados-Membros, não marcaram a dívida soberana a preços de mercado nos seus relatórios aos acionistas, o que resultou numa aplicação inconsistente das referidas Normas Internacionais Tendo em conta que as Normas Internacionais de Informação Financeira são um sistema baseado em princípios, o CESE apela à Comissão para que colabore com as autoridades responsáveis pelas normas de contabilidade, com os profissionais do ramo e com as autoridades de supervisão dos Estados-Membros, com vista a assegurar que os regulamentos harmonizados relativos à adequação dos fundos próprios sejam acompanhados de práticas de contabilidade harmonizadas e corretas. A Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (AEVMM) devia desempenhar um papel de coordenação importante neste processo. Esta é uma condição essencial para uma aplicação harmonizada do novo quadro prudencial.

4.7   A Comissão espera, naturalmente, que o êxito da Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV seja medido pelo modo como os novos sistemas de fundos próprios e de liquidez reagem a futuras crises financeiras. Consciente da gravidade da crise económica que atualmente afeta a UE, o CESE está preocupado por não haver nenhuma disposição no novo regime que limite o crédito à economia ou o fluxo de créditos à exportação ou de financiamento do comércio. Se a única forma de os bancos cumprirem os requisitos de fundos próprios e de liquidez for a redução dos balanços e a limitação da concessão de crédito o regulamento terá falhado. Ora, esta falha seria inaceitável. O Comité considera que a avaliação do impacto realizada não é convincente e apela a uma avaliação mais minuciosa. Propõe que a disponibilização do crédito seja monitorizada continuamente (eventualmente, por um observatório envolvendo o Comité) até que o prazo de aplicação da Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV seja alcançado (em 2019) e que a Estratégia Europa 2020 (que deve contar com o apoio ao setor bancário) esteja concluída.

4.8   Nesse sentido, ainda que se compreenda claramente os motivos para proceder a uma harmonização máxima, a crise económica e o fluxo de crédito poderão exigir uma afinação cuidadosa de ambos os rácios, bem como dos calendários, de forma a otimizar o desempenho e a recuperação da economia de cada Estado-Membro nos próximos anos.

4.9   O total obrigatório de fundos próprios previsto no regulamento é 8 %, dos quais 4,5 % correspondem ao rácio obrigatório de fundos próprios, 1,5 % a fundos próprios de base (Tier 1) e 2 % a fundos próprios complementares (Tier 2). Além disso, a reserva de manutenção de fundos próprios é de 2,5 %. Quando todas as mudanças tiverem sido gradualmente introduzidas, até 2019, o total obrigatório de fundos próprios e de reserva de manutenção será 10,5 %. O regulamento exige um nível máximo de harmonização, ou seja, requisitos prudenciais em matéria de fundos próprios homogéneos em toda a União Europeia e conseguidos através de um único conjunto de regras. A fundamentação desta medida é a ideia de que a existência, nos Estados-Membros, de requisitos mais exigentes, mas inadequados e descoordenados, poderá resultar na transferência de exposições subjacentes e de riscos para o sistema bancário paralelo, ou do setor bancário de um Estado-Membro para o de outro. É possível que alguns Estados-Membros, que tencionam propor níveis mais elevados, contestem esta ideia antes que a regulamentação seja finalizada. O CESE protestará contra essa atitude, se o seu impacto for negativo para os bancos mais pequenos ou para o acesso ao crédito pelas PME.

4.10   O quadro de Basileia está concebido para os bancos com atividades à escala internacional. A UE tornou a sua Diretiva Requisitos de Fundos Próprios aplicável a todas as instituições de crédito da União. O quadro de Basileia limita mais ou menos a definição de fundos próprios de base às ações (Tier 1) e aos lucros não distribuídos. Esse facto poderá ser problemático para as sociedades que não são sociedades constituídas como sociedades por ações na Europa, como as cooperativas, as mútuas e as caixas económicas. Na verdade, o artigo 25.o da Diretiva Requisitos de Fundos Próprios III reconhece que estas instituições necessitam de uma abordagem diferente para os fundos próprios de base. É essencial que as disposições finais do regulamento se adequem aos diferentes modelos empresariais destas instituições.

4.11   Apesar de este parecer não incidir sobre a diretiva, o CESE considera necessário tecer observações sobre a proposta de reduzir a dependência das instituições de crédito face às notações de risco de crédito (ponto 3.5 supra). No seu parecer de maio de 2009 (8) sobre o regulamento relativo às agências de notação de risco, o CESE instou os reguladores da UE a não se apoiarem em demasia nas notações, especialmente dada a experiência com os títulos garantidos por créditos hipotecários, em que as notações se revelaram totalmente inúteis. Assim, o CESE acolhe favoravelmente a presente proposta, uma vez que continua a permitir o recurso a notações de risco de crédito externas mas exige que os Estados-Membros garantam que as instituições que regulam não se baseiam unicamente, ou de forma automática, em notações externas, e que empregam metodologias internas para avaliar a qualidade do crédito. Desta medida resulta também que, se a metodologia interna de uma instituição determinar que é necessário um nível de fundos próprios mais elevado do que o sugerido por uma notação externa, deverá aplicar-se a metodologia interna.

4.12   Um problema particular que surgiu durante a crise da dívida soberana é prova evidente de que, contrariamente às orientações do Acordo e das várias Diretivas Requisitos de Fundos Próprios, a dívida soberana não está claramente isenta de riscos. Este é um importante ponto fraco das disposições do regulamento relativas à qualidade dos fundos próprios. Tem implicações profundas para os bancos que, ao aplicarem os regulamentos, praticamente não tiveram outra opção além da de acumular títulos de dívida soberana. A aplicação mecânica da classificação «isento de risco» tem de ser reavaliada pelas autoridades reguladoras e os bancos terão de rever as suas metodologias internas de avaliação dos riscos.

4.13   O CESE aceita que os requisitos de fundos próprios para a concessão de empréstimos às PME se mantenha, nos termos do regulamento, em 75 % da norma, mas duvida que esta medida seja suficiente à luz do contexto atual. No entender do Comité, a principal questão para as PME é a apetência dos bancos para o risco. Historicamente, os bancos têm funcionado como parceiros de PME promissoras e apoiado o seu crescimento. No entanto, os casos de incumprimento resultantes da crise financeira e a debilidade geral dos balanços dos bancos tornaram o setor cada vez mais avesso ao risco. Assim, para mitigar esta aversão ao risco, o CESE recomenda a redução do rácio para 50 % para as PME. O Comité toma nota de que a Comissão planeia examinar esta questão mais a fundo.

4.14   Neste contexto, o CESE insta a Comissão para que facilite um maior desenvolvimento do financiamento participativo e ético. Esta forma de financiamento bancário sobreviveu à crise financeira e, apesar de não ser imune às suas repercussões, deu seguramente provas de resiliência e valor. Tidas em conta as pressões existentes no sistema bancário, esta forma de financiamento pode oferecer uma valiosa fonte adicional de crédito para as PME. O Comité exorta, por conseguinte, a Comissão a apresentar uma diretiva relativa ao financiamento participativo e ético, conforme sugerido pelo CESE num parecer anterior (9).

4.15   No seu conjunto, as Diretivas Requisitos de Fundos Próprios II, III e IV representam um enorme encargo sobre as transações bancárias, aumentam a carga regulamentar e os custos de cumprimento e reduzem os rendimentos do capital e os lucros a longo prazo. Dado o papel que os banqueiros desempenharam nesta crise, bem como o contexto dos seus incompreensíveis mecanismos de recompensas, a maioria dos cidadãos europeus sente que os banqueiros terão agora o que merecem. No entanto, o CESE não pode deixar de manifestar uma certa reserva. Para que a UE prospere, os bancos têm de prosperar. O setor bancário não concederá crédito se não for lucrativo. Infelizmente, os bancos da UE não estão atualmente numa boa situação e é difícil prever os danos que a crise da dívida soberana poderá ainda criar nos seus balanços e na sua rentabilidade a longo prazo.

4.16   Nestas circunstâncias, a redação final e subsequente aplicação do pacote da Diretiva Requisitos de Fundos Próprios IV será essencial para o êxito do projeto, especialmente para a capacidade dos bancos de procederem às mudanças necessárias e de recuperarem a boa forma. Na sequência da crise da dívida soberana, é possível que os bancos de diferentes regiões da UE não consigam progredir ao mesmo ritmo. Os legisladores e as autoridades de supervisão devem estar preparados para essa eventualidade, mesmo que o calendário de aplicação das medidas se prolongue até 2019.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO L 329 de 14.12.2010, pp. 3-35; Parecer do CESE: JO C 339 de 14.12.2010, pp. 24-28.

(2)  JO C 48 de 15.2.2011, p. 33.

(3)  JO C 228 de 22.9.2009, pp. 62-65.

(4)  JO C 48 de 15.2.2011, p. 33.

(5)  JO L 141 de 11.6.1993, pp. 1-26.

(6)  JO C 234 de 22.9.2005, pp. 8-13.

(7)  JO C 339 de 14.12.2010, pp. 24-28.

(8)  JO C 54 de 19.2.2011, pp. 37-41.

(9)  JO C 48 de 15.2.2011, p. 33.


6.3.2012   

PT

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C 68/45


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho – Cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo»

COM(2011) 730 final — 2011/0330 (CNS)

2012/C 68/08

Relatora-geral: Heidi LOUGHEED

Em 28 de novembro de 2011, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 113.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de regulamento do Conselho – Cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo

COM(2011) 730 final – 2011/0330 (CNS).

Em 6 de dezembro de 2011, a Mesa do Comité incumbiu a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu designou, na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), Heidi LOUGHEED relatora-geral e adotou, por 138 votos a favor, sem votos contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE apoia e aprova a proposta de um novo regulamento relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo, na medida em que se trata de uma atualização necessária e útil das normas vigentes para reforçar a cooperação entre as administrações nacionais no sentido de assegurar uma cobrança de impostos eficaz e lutar contra a fraude no domínio dos impostos especiais de consumo.

2.   Justificação

2.1   Há três categorias de produtos na UE sujeitos a impostos especiais de consumo: o álcool e as bebidas alcoólicas, os tabacos manufaturados e os produtos energéticos. Estes impostos especiais de consumo são muito importantes para tentar influenciar o comportamento dos cidadãos e contribuir para as finanças públicas dos Estados-Membros e da UE (1).

2.2   Por diversas razões, nomeadamente a possibilidade de obter lucros significativos a partir de níveis de atividade relativamente baixos, o nível de fraude (particularmente nos setores do tabaco e do álcool) tem sido muito elevado na UE, de tal modo que se decidiu criar o Grupo de Alto Nível sobre a Fraude nos Setores do Tabaco e do Álcool (2), cujas recomendações para combater a fraude foram aprovadas pelo Conselho (ECOFIN) em maio de 1998. Das várias recomendações apresentadas, a mais substantiva e de longo prazo recomendava à UE que estabelecesse um sistema informatizado de movimento e de controlo.

2.3   Consequentemente, a União Europeia consagrou vários anos de trabalho ao desenvolvimento gradual e ao lançamento de um novo sistema moderno de monitorização da circulação de mercadorias em regime de suspensão do imposto especial de consumo no mercado interno, designadamente o sistema de informatização dos movimentos e dos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (EMCS – Excise Movement and Control System).

3.   EMCS (Excise Movement and Control System)

3.1   O sistema de informatização dos movimentos e dos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (EMCS) foi criado pela Decisão 1152/2003/CE. A sua implantação tem sido uma tarefa árdua, envolvendo a Comissão Europeia, as autoridades dos Estados-Membros competentes em matéria de impostos especiais de consumo e os operadores que, em conjunto, têm trabalhado nas várias fases de desenvolvimento visando a substituição de um sistema assente, em grande medida, no suporte de papel e relativamente dispendioso para todas as partes por um sistema informatizado e eletrónico que dispensa quase totalmente o papel. Acima de tudo, o novo sistema deve permitir às autoridades competentes acompanhar o movimento dos produtos em tempo real e possibilitar a atualização imediata das bases de dados que contribuirão para uma análise mais fácil e aprofundada, bem como para a automatização das análises dos riscos.

3.1.1   Para os operadores envolvidos, a nova automatização acelera os processos administrativos necessários (todos os movimentos são já acompanhados de um documento administrativo eletrónico que substitui os documentos em papel). Além disso, normalizou muitos dos documentos exigidos e inclui um suporte em linha para verificar as credenciais de potenciais parceiros comerciais.

3.1.2   O CESE estima que o EMCS facilita o comércio legítimo no mercado interno, ao mesmo tempo que disponibiliza aos Estados-Membros ferramentas de combate à fraude no domínio dos impostos especiais de consumo.

4.   Proposta de regulamento do Conselho relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo

4.1   Esta proposta é uma das peças em falta para se poder utilizar a capacidade máxima do sistema. Vem substituir o atual Regulamento (CE) n.o 2073/2004 relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo, reconhecendo a modernização do sistema, que está praticamente concluída, e permitindo às administrações dos Estados-Membros tirar partido dessa modernização na cooperação entre si, aumentando efetivamente a sua capacidade de coordenação com vista à otimização dos resultados.

4.2   O CESE reconhece e aprova o alargamento do âmbito de aplicação da proposta a fim de incluir a cooperação no respeito da legislação relativa aos impostos especiais de consumo e já não apenas no cálculo dos impostos devidos, uma vez que constitui um desenvolvimento útil na luta contra a fraude, assim como no reforço do mercado interno e da confiança que os cidadãos nele depositam.

4.3   Por motivos de necessidade, grande parte da proposta estipula as normas jurídicas que estabelecem a forma como a cooperação administrativa deve ocorrer no quadro do novo sistema. O CESE considera que a proposta representa uma abordagem equilibrada que permitirá aos Estados-Membros tirar partido das vantagens inerentes ao novo sistema sem aumentar os encargos administrativos que recaem sobre eles ou sobre os operadores.

4.3.1   O CESE estima igualmente que a proposta fornece uma descrição clara dos direitos e responsabilidades de todas as partes, principalmente das administrações nacionais, e apresenta processos e prazos suficientemente ambiciosos para assegurar respostas em tempo relativamente útil, sendo também facilmente exequíveis por todas as partes. Neste contexto, o CESE manifesta-se interessado no conteúdo do ato de execução, em fase de elaboração, que determinará as categorias de informação suscetíveis de serem objeto de intercâmbio obrigatório ou facultativo ao abrigo do quadro de intercâmbio automático.

4.4   A maior parte das novidades propostas prendem-se diretamente com a modernização do sistema e com as novas possibilidades de melhorar a cooperação entre administrações. O CESE insta firmemente a Comissão Europeia e os Estados-Membros a tirarem máximo partido do sistema reforçado para melhorarem o cálculo e a cobrança eficaz de impostos e detetarem e combaterem a fraude, em particular através da melhoria da cooperação administrativa entre os Estados-Membros para esse efeito.

4.4.1   A este respeito, o Comité espera que o novo sistema melhore a qualidade da comunicação automática, permitindo aos Estados-Membros centrarem de forma mais rápida a sua ação nas atividades problemáticas. A proposta introduz um sistema de «seguimento» que é particularmente útil e deverá contribuir para avaliar e melhorar, numa base contínua, a qualidade e utilidade da informação trocada.

4.5   O CESE subscreve a necessidade expressa na proposta de se estabelecer uma base jurídica permitindo a recolha de dados a partir dos registos de movimento individuais e a sua utilização nas análises dos Estados-Membros, mas recomenda prudência nesta utilização, aconselhando as autoridades a usarem esta informação de forma adequada e proporcionada.

4.6   O CESE considera que a proposta define com exatidão a partilha equilibrada de responsabilidades relativamente aos impostos especiais de consumo e ao EMCS, designando a Comissão Europeia responsável pelo mecanismo e pela manutenção do sistema e os Estados-Membros pela informação contida no sistema, pela partilha dessa informação e, evidentemente, pela deteção da fraude e luta contra a mesma.

4.7   O CESE considera útil o facto de a proposta alinhar as regras relativas aos impostos especiais de consumo com as mudanças introduzidas nas normas da UE sobre cooperação administrativa nos domínios do IVA e dos impostos diretos. Apoia todos estes esforços no sentido de melhorar a comunicação e a cooperação entre os serviços responsáveis pela tributação nacional, pelas receitas fiscais, pelos impostos especiais de consumo e pela atividade aduaneira, considerando que contribuirão para melhorar o mercado interno.

4.8   O CESE aprova, em particular, a base jurídica proposta para o serviço SEED-on-Europa, considerando que este serviço é uma ferramenta útil para os operadores autorizados avaliarem rapidamente a credibilidade dos potenciais parceiros comerciais.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Estima-se que sejam cobrados anualmente cerca de 307 mil milhões de euros (valores de 2010) em impostos especiais de consumo e outros encargos equivalentes na UE, repartidos da seguinte forma: 22 mil milhões em álcool e bebidas alcoólicas, 207 mil milhões em produtos energéticos e 77 mil milhões em tabacos manufaturados. Estes valores resultam da soma dos totais apresentados nas tabelas de impostos especiais de consumo («Excise Duty Tables») que a Comissão Europeia publicou separadamente para as bebidas alcoólicas, os produtos energéticos e eletricidade e os tabacos manufaturados, as quais podem ser consultadas no sítio Web da DG TAXUD: http://ec.europa.eu/taxation_customs/index_en.htm.

(2)  Na altura, para o ano de 1996, o grupo de alto nível estimava que as perdas decorrentes da fraude fiscal eram na ordem de 3,3 mil milhões de ecus no setor do tabaco e de 1,5 mil milhões de ecus no setor do álcool.


6.3.2012   

PT

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C 68/47


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de salmão do mar Báltico e às pescarias que exploram essa unidade populacional»

COM(2011) 470 final — 2011/0206 COD

2012/C 68/09

Relator: Seppo KALLIO

Em 13 de setembro de 2011, o Parlamento Europeu decidiu, nos termos do artigo 43.o, n.o 2, do TFUE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de salmão do mar Báltico e às pescarias que exploram essa unidade populacional

COM(2011) 470 final — 2011/0206(COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 21 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro) o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 169 votos a favor, 4 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu saúda e apoia os objetivos do plano plurianual para assegurar a exploração sustentável da unidade populacional de salmão do mar Báltico e salvaguardar a sua integridade e diversidade genéticas. Contudo, segundo a informação disponível, o calendário para as unidades populacionais vulneráveis do sul do Báltico não é realista.

1.2   O CESE julga essencial aplicar restrições de pesca a todo o ciclo de vida do salmão e a todos os tipos de pesca. A recuperação das unidades populacionais de salmão mais vulneráveis exige não só restrições de pesca como também medidas destinadas a restaurar as zonas de reprodução do salmão. Em seu entender, não faz sentido definir totais admissíveis de captura (TAC) para as zonas fluviais, dado que imporiam encargos administrativos consideráveis e que o controlo da sua aplicação envolveria custos adicionais. A responsabilidade pela regulação e pelo controlo da pesca nas águas interiores deve caber antes de mais ao Estado-Membro em causa. A Comissão Europeia deve verificar a aplicação dos programas de controlo nacionais com base nos relatórios dos Estados-Membros.

1.3   O CESE concorda com a inclusão de navios de serviço no âmbito do regulamento. Contudo, a pesca recreativa, não abrangida pelo plano, representa uma proporção elevada das capturas totais de salmão. A pesca recreativa também deveria ser regulada e controlada a nível nacional, e os dados que lhe dizem respeito deveriam constar dos relatórios apresentados à Comissão pelos Estados-Membros.

1.4   No que diz respeito à viabilidade da pesca, o CESE considera importante que as quotas e as restrições à atividade pesqueira sejam gradualmente adaptadas às metas em matéria de taxa de mortalidade por pesca. No futuro, a regulação da pesca do salmão no mar deverá basear-se não em TAC para uma série de unidades populacionais de salmão e sim em medidas técnicas relativas aos períodos e às artes de pesca, a fim de proteger as unidades populacionais vulneráveis.

1.5   O CESE não concorda com a interdição do repovoamento compensatório até que haja provas científicas de que esse repovoamento é prejudicial. A qualidade dos juvenis para libertação deve ser controlada. O CESE recomenda que o risco genético do repovoamento seja mitigado através da obtenção de juvenis a partir do salmão selvagem capturado cada ano.

1.6   O Comité Económico e Social Europeu julga fundamental controlar de forma adequada e eficaz a pesca do salmão e exorta a que sejam urgentemente afetados recursos a esse fim. Contudo, entende que em vez de novas obrigações permanentes de controlo os Estados-Membros deveriam empenhar-se sobretudo em aplicar efetivamente as medidas de controlo desenvolvidas de forma intensiva ao longo dos últimos anos. O CESE reclama uma maior clarificação da avaliação pelo Conselho Internacional de Exploração do Mar (CIEM) de declarações incorretas generalizadas das capturas de salmão.

1.7   O CESE destaca a importância da investigação de ponta sobre o salmão para assegurar o êxito da aplicação do plano plurianual. Só uma informação suficientemente fiável poderá garantir que sejam tomadas as medidas adequadas para proteger e restabelecer as unidades populacionais de salmão e que seja possível continuar a explorar essas unidades de forma sustentável. São necessários dados mais completos sobre as causas da mortalidade no mar, assim como estatísticas fiáveis sobre as capturas.

1.8   No entender do CESE, a proposta de regulamento pode afetar negativamente o emprego nos setores da pesca industrial, da transformação e do comércio de peixe, do equipamento, do turismo de pesca e da aquicultura. Esse impacto negativo variará de um Estado-Membro para outro e entre as regiões de um mesmo Estado-Membro. O CESE apela a que esse impacto seja minimizado na fase de execução das medidas previstas no regulamento e a que os respetivos efeitos sejam tidos em conta na alocação dos fundos estruturais da UE e na futura revisão da política comum das pescas. Melhorar o acesso aos fundos estruturais e reforçar a sua eficácia permitirá aumentar a unidade populacional de salmão de forma sustentável e criará mais postos de trabalho na indústria pesqueira báltica.

2.   Introdução

2.1   Anteriormente, a regulação das unidades populacionais de salmão do Báltico previa restrições de pesca definidas pelos governos nacionais, bem como disposições técnicas para a pesca definidas por regulamento do Conselho e quotas de pesca (TAC) determinadas anualmente. Até 2006, as quotas eram fixadas pela Comissão Internacional das Pescarias do Mar Báltico (CIPMB). Todas as medidas relativas ao salmão até 2010 foram coordenadas pelo Plano de Ação para o Salmão da CIPMB.

2.2   Desde 2006 que as quotas de pesca no mar Báltico acessíveis aos Estados-Membros são definidas anualmente por regulamento do Conselho. A proposta de regulamento da Comissão Europeia foi elaborada com base em pareceres do Conselho Internacional de Exploração do Mar (CIEM) e do Comité Científico, Técnico e Económico das Pescas (CCTEP).

2.3   A UE continua a atribuir quotas previamente acordadas aos Estados-Membros segundo o princípio da «estabilidade relativa», isto é, a parte relativa da quota de cada Estado-Membro mantém-se inalterada de um ano para o outro, embora o valor da quota possa variar.

2.4   O único país não membro da UE a pescar no mar Báltico é a Rússia. A UE e a Rússia discutem as oportunidades de exploração das unidades populacionais de peixe do Báltico em negociações bilaterais específicas. Atualmente, não há qualquer procedimento de negociação formal equiparável à Comissão Internacional das Pescarias do Mar Báltico para a repartição das quotas de pesca entre a UE e a Rússia.

2.5   A quota de exploração comercial do salmão do mar Báltico divide-se em duas partes: a quota da bacia principal e do golfo de Bótnia (CIEM 22-31) e a quota do golfo da Finlândia (CIEM 32). Na prática, há vários anos que a quota não restringe a pesca de salmão. Da quota total de captura do salmão do Báltico para 2010 (309 665), só 48,5 % (150 092) foram capturados. A percentagem da quota que foi utilizada variou de um país para outro, entre 2,8 % e 84,9 %. O salmão é capturado por pescadores comerciais e recreativos no mar, em estuários e em zonas fluviais. A pesca recreativa representa 20-30 % das capturas totais de salmão da região do mar Báltico, e cerca de metade das capturas costeiras ou fluviais. As capturas recreativas não são incluídas no cálculo da quota de pesca.

2.6   O estado dos principais rios de salmão do Norte melhorou significativamente a partir de meados dos anos 90 graças a restrições temporais nacionais da pesca costeira impostas pela Suécia e pela Finlândia. De então para cá, a produção de juvenis de salmão nestes rios tem-se mantido a um nível substancialmente superior, próximo da sua capacidade de produção potencial e do rendimento máximo sustentável definido como meta pelo plano plurianual. A pesca de salmão no mar Báltico baseia-se em grande medida na produção destes rios de salmão setentrionais saudáveis.

2.7   Apesar das medidas tomadas até à data, a produção de juvenis nos rios de salmão das zonas centrais e meridionais do mar Báltico tem sido reduzida. A pesca mista de salmão na bacia principal do Báltico tem diminuído significativamente devido à interdição das redes de deriva em 2008. A intensificação da pesca com palangre derivante tem levado a que as capturas de salmão na bacia principal aumentem novamente.

2.8   Não obstante o aumento considerável na produção de juvenis, o tamanho da unidade populacional de salmão capturável não aumentou na mesma proporção. São precisos mais dados de investigação sobre os fatores da mortalidade do salmão no mar.

2.9   No seu parecer sobre as possibilidades de pesca para 2012, o CIEM assinala que na pesca com palangre derivante no mar Báltico, as capturas de salmão são, com muita frequência, declaradas incorretamente como truta marisca.

2.10   O CIEM expressou a sua preocupação quanto ao estado da unidade populacional de salmão do Báltico e à diversidade genética. A Comissão para a Proteção do Meio Marinho do Báltico (HELCOM) também chamou a atenção para o estado da unidade populacional de salmão no mar Báltico.

2.11   A pesca de salmão é importante do ponto vista social e económico para as comunidades de pesca costeiras. A estimativa mais recente do número total de pescadores de salmão no Báltico data de 2007, ano em que a Comissão Europeia calculou em cerca de 400 o número total de pescadores comerciais de salmão, dos quais 340 pescam ao longo da costa. Em 2010, um grupo de trabalho do CIEM sobre o salmão calculou em 141 o número total de embarcações utilizadas na pesca do salmão, um número muito superior à estimativa de 2007. O salmão emprega não só pescadores comerciais mas também um número pelo menos igualmente elevado no setor do turismo de pesca. A importância da pesca de salmão comercial e recreativa no golfo de Bótnia para o emprego é considerada igualmente substancial. A pesca de salmão também gera um elevado número de empregos indiretos na transformação e no comércio de peixe e na indústria de equipamento de pesca. A produção de juvenis para manter a pesca e as unidades populacionais de salmão também constitui uma importante fonte de emprego a nível local.

3.   A proposta da Comissão

3.1   Em 12 de agosto de 2011, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de regulamento (COM(2011) 470) do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de salmão do Báltico e às pescarias que exploram essa unidade populacional.

3.2   O plano de gestão da unidade populacional de salmão do mar Báltico aplica-se à pesca comercial no mar Báltico e aos rios que nele desaguam. Também se destina às empresas que oferecem excursões de pesca guiadas e aos respetivos serviços de pesca recreativa no mar Báltico. A proposta prevê a possibilidade de a pesca fluvial ser regulamentada, em certas condições, por disposições da UE e abrange a libertação de salmão.

3.3   O principal objetivo da proposta é garantir que a unidade populacional de salmão do mar Báltico seja explorada de forma sustentável, de harmonia com o princípio do rendimento máximo sustentável, e salvaguardar a sua integridade e diversidade genéticas.

3.4   É definida uma meta de 75 % da capacidade potencial de produção de juvenis em cada rio de salmão selvagem do Báltico. Em função do estado atual do rio de salmão, a meta deverá ser alcançada num prazo de cinco a dez anos a contar da data da entrada em vigor do regulamento.

3.5   São propostos TAC para as unidades populacionais de salmão nos rios de salmão selvagem. A fixação desses TAC será da responsabilidade dos Estados-Membros, que deverão determinar, com base em dados científicos, a taxa de mortalidade por pesca admissível e o TAC correspondente por rio.

3.6   A Comissão avaliará, de três em três anos, as medidas acima referidas a adotar pelos Estados-Membros e a sua compatibilidade com o cumprimento dos objetivos. Se os Estados-Membros não publicarem os seus dados, ou se as medidas que adotarem forem incompatíveis com os objetivos, a Comissão pode alterar a taxa de mortalidade por pesca e/ou o TAC em rios de salmão selvagem nesses Estados-Membros ou encerrar a pesca de salmão em todos esses rios.

3.7   É proposta uma taxa de mortalidade por pesca única de 0,1 para todas as unidades populacionais de salmão do Báltico. Esta taxa de mortalidade equivaleria a uma captura anual de salmão de aproximadamente 10 %. Ao definir o TAC anual, o legislador deve garantir que não seja ultrapassada uma taxa de mortalidade por pesca de 0,1. A Comissão pode alterar as taxas de mortalidade por pesca no mar se as condições se alterarem de tal forma que o cumprimento dos objetivos possa ser comprometido.

3.8   As capturas de salmão realizadas no mar por navios de serviço devem ser imputadas às quotas nacionais.

3.9   Os Estados-Membros deverão estabelecer medidas técnicas de conservação em função das exigências específicas de cada rio para as unidades populacionais de salmão selvagem vulneráveis que não tenham alcançado 50 % da capacidade potencial de produção de juvenis. Estas medidas deverão ser elaboradas no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do regulamento. As medidas técnicas a adotar ficarão ao critério dos Estados-Membros (p. ex., restrições de artes de pesca ou períodos ou zonas de defeso).

3.10   A Comissão avaliará, de três em três anos, as medidas técnicas adotadas pelos Estados-Membros e pode estabelecer ela própria medidas técnicas de conservação em função das exigências específicas de cada rio no caso de os Estados-Membros não adotarem ou publicarem as suas medidas dentro do prazo estipulado ou se essas medidas forem inadequadas para o cumprimento das metas para os rios de salmão selvagem.

3.11   As libertações de salmão são limitadas ao povoamento e ao repovoamento direto. O povoamento diz respeito à libertação de salmão de cultura em rios de salmão selvagem e o repovoamento direto refere-se à libertação de salmão de cultura em potenciais rios de salmão a fim de estabelecer unidades populacionais de salmão selvagem autossuficientes.

3.12   É proposto um período de transição de sete anos para as libertações, findo o qual só serão permitidos os tipos de libertação acima descritos.

3.13   A proposta prevê novas medidas de controlo em complemento das medidas já em vigor. As novas obrigações de controlo aplicam-se aos navios de pesca comercial de salmão, independentemente do seu comprimento, e aos navios usados em viagens de pesca recreativa.

3.14   As capturas devem ser inspecionadas no momento de desembarque. As inspeções de desembarque devem incidir, no mínimo, em 10 % do número total de desembarques.

3.15   Caso necessário, a Comissão propõe que lhe sejam conferidos poderes para adotar atos delegados durante um prazo indeterminado para a regulação da pesca de salmão no mar e em rios.

4.   Observações na especialidade

4.1   O Comité Económico e Social Europeu saúda e apoia os objetivos do plano plurianual. A meta de que a produção alcance pelo menos 75 % da potencial produção de juvenis num prazo de dez anos é extremamente ambiciosa. De acordo com os pareceres do CIEM, esse objetivo está a ser cumprido nos principais rios de salmão do Báltico, mas para as unidades populacionais vulneráveis do sul do Báltico, o calendário é pouco realista, não obstante as restrições de pesca adotadas.

4.2   O regulamento abrange os navios de pesca comercial e de serviço. O impacto destes últimos nas capturas totais é reduzido, mas as capturas combinadas de salmão costeiro e de rio da pesca recreativa, que não está abrangida pelo regulamento, é comparável às capturas comerciais numa área de dimensão equivalente. No entender do CESE, adotar um TAC apenas para a pesca comercial numa zona fluvial não faria sentido, uma vez que praticamente toda a pesca de rio é recreativa. O CESE considera que as restrições de pesca devem aplicar-se a todo o ciclo de vida do salmão e a todos os tipos de pesca. A responsabilidade pela regulação da pesca comercial e recreativa nas águas interiores deve caber antes de mais ao Estado-Membro em causa.

4.3   Nos planos de gestão e recuperação já adotados para as unidades populacionais na UE, a taxa de mortalidade por pesca definida para cada unidade populacional é a mais adequada para a exploração sustentável dessa unidade. No mar Báltico são exploradas muitas unidades populacionais de salmão diferentes, com estados biológicos variáveis. O regulamento e a respetiva exposição de motivos não deixam claro por que motivo a proposta define uma única taxa de mortalidade por pesca para todas as unidades populacionais de salmão do Báltico no mar e como essa taxa foi definida.

4.4   As unidades populacionais de salmão do norte do Báltico já estão muito próximas da meta do rendimento máximo sustentável. Reduzir a quota de salmão na bacia principal do mar Báltico e no golfo de Bótnia para um nível em que a taxa de mortalidade do salmão meridional também estaria perto do seu rendimento máximo sustentável obrigaria a impor restrições desnecessárias à pesca das unidades populacionais de salmão setentrional. Assim, a futura regulação da pesca de salmão no mar deverá basear-se não no TAC para uma série de unidades populacionais de salmão mas nas normas técnicas que regem os períodos e as artes de pesca, que podem ser especificamente adaptados à proteção das unidades populacionais vulneráveis de salmão. Se a regulação da pesca do salmão continuar a basear-se na definição anual do TAC, a redução progressiva da mortalidade por pesca até um nível aplicável aos planos de gestão para outras espécies de peixe também deveria ser possível para as quotas da pesca de salmão no mar. Alterações súbitas e radicais da regulamentação sem uma real necessidade são altamente problemáticas para a indústria pesqueira.

4.5   Na bacia principal do mar Báltico, a pesca do salmão consiste exclusivamente na chamada pesca mista, que abrange diferentes tipos de salmão. Quanto mais perto de um rio de salmão tiver lugar a pesca, mais facilmente se pode concentrar na unidade populacional de salmão desse rio. As regras e o controlo da pesca com palangre derivante na bacia principal do Báltico serão, no futuro, importantes para a recuperação das unidades vulneráveis no Sul. Constatou-se que no outono é capturado mais salmão de tamanho inferior ao regulamentar pela pesca com palangre derivante do que por outros tipos de pesca; assim, as restrições temporais da pesca com palangre derivante também poderiam ser usadas para reduzir a quantidade de peixe que tem de ser devolvido. Importa, contudo, salientar que as unidades populacionais meridionais de salmão do Báltico não recuperaram, apesar de uma redução drástica da pesca na bacia principal. Isso quer dizer que a recuperação das unidades populacionais vulneráveis requer não só limites da pesca no mar mas também limites rigorosos à pesca nos estuários e nas zonas fluviais, assim como medidas para restaurar as zonas de reprodução do salmão e assegurar, dessa forma, a reprodução natural.

4.6   O Comité Económico e Social Europeu está preocupado com as estimativas de declarações incorretas das capturas de salmão; apela a que a questão seja esclarecida e julga importante acompanhar de forma adequada e eficaz a pesca do salmão. A proposta da Comissão levaria a um aumento permanente das obrigações de controlo pelo setor público, com um aumento dos custos. Os custos adicionais dever-se-iam antes de mais à adaptação e à manutenção dos sistemas informáticos, bem como à necessidade de aumentar os recursos humanos e outros para verificar e estudar o cumprimento da regulamentação. O CESE reclama que os meios de controlo sejam o mais possível reforçados e concentrados no controlo da pesca de salmão até que o plano plurianual para o salmão tenha sido aprovado e que os problemas com as declarações estejam resolvidos. No que toca às regras em matéria de controlo da pesca do salmão, o CESE considera prioritária a aplicação efetiva em todos os Estados-Membros da regulamentação de controlo desenvolvida de forma intensiva ao longo dos últimos anos. A Comissão Europeia deve verificar a aplicação dos programas de controlo nacionais com base nos relatórios dos Estados-Membros.

4.7   O salmão é libertado para povoamento ou repovoamento direto ou para repovoamento compensatório imposto por decisão judicial, a fim de contrabalançar a redução das capturas provocada pela construção de centrais hidroelétricas. A proposta poria termo a todas as formas de libertação que não para povoamento ou repovoamento direto em potenciais rios de salmão sete anos após a entrada em vigor do regulamento. O prazo de sete anos para substituir o repovoamento compensatório por outras soluções é demasiado breve, porque é provável que seja preciso tempo para planear e aplicar disposições alternativas em paralelo ao processo de transição, que envolverá audições judiciais a três níveis.

4.8   A interdição do repovoamento compensatório justifica-se pelo risco que ele acarreta para a diversidade genética das unidades populacionais de salmão. Contudo, não há dados científicos que sustentem esta conclusão. As capturas do repovoamento compensatório são de uma importância inquestionável para a pesca em estuários e costeira nas zonas de povoamento de salmão e contribuem para o emprego de dezenas de pessoas todos os anos em empresas de aquicultura implantadas na costa. Assim, o repovoamento compensatório só deve ser proibido quando houver provas científicas de que esse repovoamento é prejudicial. O CESE também considera que a qualidade dos juvenis a libertar deve ser controlada e que deve ser feito um corte nas barbatanas adiposas de todos os juvenis libertados para que, nas capturas, se possam distinguir do salmão que se reproduziu no estado selvagem. O risco da libertação para a diversidade genética pode ser mitigado através do uso nos viveiros, sempre que possível, de salmão reprodutor capturado precocemente na natureza e que tenha sobrevivido à seleção natural, em vez de unidades populacionais de salmão que tenham de ser conservadas.

4.9   A situação no golfo da Finlândia ilustra bem a importância da libertação de salmão. Se ela fosse proibida no estuário urbanizado do rio Kymi, por exemplo, isso significaria na prática o fim da pesca do salmão no golfo da Finlândia e da importante pesca recreativa a jusante da central elétrica do rio Kymi. Esta pesca é extremamente importante para o turismo de pesca, e a mesma situação vale para muitos rios da região.

4.10   Ao reduzir a quota, por exemplo, a proposta teria um impacto económico considerável na pesca comercial, nos setores que dependem da produção primária, como a transformação e o comércio de peixe, e nos produtores de equipamento de pesca. As longas rotas de migração do salmão, os vários métodos de pesca e as diferentes necessidades de regulação em cada fase da migração significam que o impacto económico variará de um Estado-Membro para outro e no interior de cada Estado-Membro. Dado que a época de pesca de salmão é curta, a maior parte dos pescadores também captura outras espécies de peixe, mas o salmão é, ainda assim, a espécie mais importante em termos económicos para a maioria dos pescadores, e mesmo pequenas mudanças na regulamentação podem afetar consideravelmente a sustentabilidade da indústria pesqueira. Do ponto de vista dos pescadores que poderão ter de abandonar a sua profissão, a proposta reduzirá o aprovisionamento de salmão e de outras espécies capturadas ao mesmo tempo para consumo, transformação e venda, aumentando assim a dependência em relação ao peixe produzido fora da UE. Também o turismo de pesca nas zonas fluviais pode ser prejudicado financeiramente devido a regras mais severas em matéria de pesca nos rios e à obrigação de respeitar o TAC para a pesca de rio. A longo prazo, porém, a proposta poderá levar a um incremento do emprego no turismo de pesca à medida que as unidades populacionais de salmão recuperem.

4.11   A proposta também tem implicações financeiras para as empresas do setor da aquicultura. As empresas da aquicultura que produzem juvenis para o repovoamento compensatório empregam dezenas de pessoas em regiões com poucas alternativas profissionais. A situação do emprego nessas regiões deteriorar-se-á se essas empresas tiverem de abandonar a sua atividade em caso de interrupção do repovoamento compensatório. Encerrar essas atividades também significaria desperdiçar a longa experiência e os conhecimentos especializados do setor.

4.12   O impacto negativo da proposta de regulamento no emprego deve ser tido em conta na aplicação da regulamentação em vigor sobre os fundos estruturais da UE e na reforma da política comum das pescas. Medidas de apoio possíveis seriam, por exemplo, subsídios para a interrupção da atividade pesqueira ou investimentos e formação para a reconversão das operações de pesca. No entanto, no entender do CESE esse apoio deve ser uma medida meramente complementar. Ao planear medidas concretas, convirá, antes de mais, prestar a devida atenção ao emprego nas indústrias de pesca do salmão e conexas, a fim de reduzir ao mínimo o impacto negativo no emprego.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/52


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – O Sexto Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente – Avaliação Final»

COM(2011) 531 final

2012/C 68/10

Relator: Franco CHIRIACO

Em 31 de agosto de 2011, a Comissão Europeia decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – O Sexto Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente – Avaliação Final

COM(2011) 531 final.

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, responsável pela preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, adotou o seu parecer em 21 de dezembro de 2011

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 174 votos a favor, 4 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão de realizar uma avaliação do 6.o Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente (PAA). A Comissão considera que o programa foi útil, na medida em que forneceu um contexto global para a política ambiental europeia – uma conclusão que o Comité só parcialmente subscreve. O 6.o PAA, constituindo embora um importante contributo para o desenvolvimento das políticas, teve um impacto limitado na adoção de instrumentos específicos. Não obstante a dificuldade de recolha de informações para uma análise da aplicação das ações constantes do programa, são de assinalar atrasos consideráveis na adoção dos instrumentos legislativos, dificuldades na identificação de objetivos concretos e mecanismos de controlo e de acompanhamento insuficientes.

1.2   Por conseguinte, o CESE convida a Comissão a melhorar os instrumentos disponíveis, incluindo os mecanismos de acompanhamento e de avaliação, a fim de assegurar uma aplicação eficaz da legislação existente. Ao mesmo tempo, recomenda uma maior coerência entre as várias iniciativas legislativas e programáticas em matéria de ambiente, e uma maior integração da dimensão ambiental no âmbito de políticas setoriais interligadas. Como já afirmou num parecer recente (1), o CESE insta a Comissão a adotar uma abordagem mais clara e concreta aos desafios ambientais. Importa esclarecer, nomeadamente, o que se entende por «eficiência na utilização dos recursos» e «economia ecológica», especificando quais são, na prática, as mudanças exigidas tanto aos produtores como aos consumidores quer em termos quantitativos quer qualitativos.

1.3   Ademais, o CESE entende que se deveria prestar mais atenção à dimensão internacional. Com efeito, os desafios ambientais têm repercussões à escala mundial, o que requer uma abordagem assente no reforço da cooperação multilateral e em instrumentos mais adequados de governação mundial.

1.4   Por último, a comunicação da Comissão carece de uma visão de longo prazo, não se aventando a possibilidade de um novo programa de ação nem indicando qual deveria ser o valor acrescentado do 7.o PAA. O CESE considera que um futuro programa deveria ser coerente e complementar com a Estratégia Europa 2020 e com as iniciativas emblemáticas, conter objetivos e prioridades definidos de modo realista e com base num consenso político alargado, para além de prever instrumentos capazes de assegurar a eficácia das medidas propostas.

2.   Síntese da comunicação

2.1   O contexto político

2.1.1   Os programas de ação em matéria de ambiente têm guiado o desenvolvimento da política de ambiente da União Europeia desde o início da década de 1970 e o 6.o Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente (PAA) deve ser visto como fazendo parte de um processo contínuo e em permanente evolução.

2.1.2   O 6.o PAA salienta a importância dos conceitos de crescimento ecológico e de economia hipocarbónica e eficiente em termos de recursos, corroborada na Estratégia Europa 2020 (2) – que constitui o contexto adequado para garantir a integração dos objetivos ambientais na agenda socioeconómica geral da UE –, na nova estratégia para travar, até 2020, a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE (3), nos preparativos para a Conferência do Rio+ 20 (4), no roteiro de transição para uma economia hipocarbónica competitiva em 2050 (5), no Livro Branco sobre os Transportes (6), na comunicação sobre a Energia 2020 (7), e no Plano de Eficiência Energética de 2011 (8).

2.2   Constatações gerais

2.2.1   A conclusão geral da Comissão é que o 6.o PAA foi útil, na medida em que forneceu um contexto global para a política ambiental, quando já se finalizou ou está em vias de se finalizar grande parte das ações estabelecidas no programa.

2.2.2   Uma vez que foi aprovado no âmbito do procedimento de codecisão, as partes interessadas consideram-no como tendo uma maior legitimidade do que programas anteriores. Tal contribuiu para criar uma mais ampla sensação de apropriação quanto às propostas políticas subsequentes.

2.2.3   As sete Estratégias Temáticas (9) do 6.o PAA – ar, pesticidas, prevenção e reciclagem de resíduos, recursos naturais, solo, ambiente marinho e ambiente urbano – foram desenvolvidas com vista a reforçar a integração das políticas e a melhorar a base de conhecimentos. Embora os progressos tenham variado nos diferentes domínios, em alguns casos a elaboração das estratégias contribuiu para reforçar a vontade política para a adoção de objetivos e calendários efetivos, e para a sua subsequente implementação. No entanto, as provas da capacidade do 6.o PAA para exercer um efeito de alavanca na adoção de instrumentos ambientais específicos não são conclusivas.

2.3   Domínios prioritários

2.3.1   Natureza e biodiversidade: O 6.o PAA incentivou o desenvolvimento das Estratégias Temáticas sobre Proteção do Solo e Proteção e Conservação do Ambiente Marinho. Apontou a necessidade de criar uma base de conhecimentos mais sólida, de melhorar o financiamento e de intensificar as atividades em curso. Todavia, poder-se-iam ter verificado maiores progressos no sentido de atingir o objetivo – não alcançado – de suster o declínio da biodiversidade até 2010, se este tivesse sido alvo da necessária atenção política e de compromissos financeiros tanto da UE como dos Estados-Membros.

2.3.2   Ambiente e saúde: O 6.o PAA proporcionou um útil exercício de levantamento dos compromissos existentes e das ações previstas e deu uma maior ênfase às ligações entre os fatores ambientais e a saúde humana. Em particular, contribuiu para promover ações que, de outra forma, poderiam não se ter realizado, por exemplo, em matéria de ambiente urbano, ou que poderiam ter demorado mais tempo ou ter sido menos abrangentes sem o impulso do programa, como, por exemplo, em relação aos pesticidas. Persistem, no entanto, algumas lacunas na legislação, havendo que integrar os resultados da investigação e as informações sobre os impactos da qualidade do ambiente na saúde no objetivo político mais vasto de melhoria da saúde pública.

2.3.3   Recursos naturais e resíduos: O 6.o PAA intensificou a ligação entre a política de resíduos e a política de recursos e contribuiu para reforçar a gestão de resíduos e avançar para uma política baseada num consumo e produção sustentáveis. A utilização dos recursos já não está a aumentar ao mesmo ritmo que o crescimento económico. Contudo, em termos absolutos, a utilização de recursos continua a aumentar, o que não é compatível com o objetivo de respeitar a capacidade de carga do ambiente a longo prazo. Ademais, continuam a verificar-se diferenças substanciais na produtividade dos recursos entre os Estados-Membros, enquanto, de um modo geral, está a aumentar a dependência das importações.

2.3.4   Alterações climáticas: O 6.o PAA deu um contributo significativo no domínio das alterações climáticas. Embora não se tenham concretizado as prioridades estabelecidas no que diz respeito à ação da comunidade internacional e, em particular, os objetivos quantificáveis tivessem um caráter mais utópico e dificilmente concretizável, o 6.o PAA permitiu alcançar objetivos políticos fundamentais.

2.3.5   Questões internacionais: O 6.o PAA reiterou os compromissos europeus em matéria de integração das considerações ambientais em todas as relações externas da UE e no atinente à dimensão externa da Estratégia de Desenvolvimento Sustentável da UE. Apesar dos esforços da UE para reforçar a cooperação multilateral e demonstrar o seu empenhamento no cumprimento das convenções e acordos internacionais, verificaram-se poucos progressos no sentido de melhorar a governação global no domínio do ambiente. Os desafios ambientais, que cada vez mais adquirem uma dimensão mundial, exigem um esforço mais coeso e centrado da UE, a fim de que esta possa desempenhar o seu papel de forma mais eficaz na modelação da política internacional e na defesa de uma melhor governação em matéria de ambiente.

2.4   Eficácia das abordagens e instrumentos estratégicos

2.4.1   O 6.o PAA incentivou e promoveu fortemente princípios e instrumentos que visam uma melhor definição de políticas, em especial avaliações de impacto integradas e uma maior utilização dos instrumentos de mercado. Sublinhou igualmente a importância de bases científicas sólidas para a elaboração de políticas. Apesar da recente evolução positiva, as informações ambientais, em especial os dados e estatísticas oficiais, estão ainda incompletos e nem sempre estão disponíveis atempadamente.

2.4.2   A natureza em constante mudança dos desafios ambientais exige uma melhor coerência entre i) a fase da formulação das políticas e a da sua realização; ii) o nível europeu, nacional e regional; iii) os domínios de intervenção prioritários.

2.4.3   Uma aplicação incorreta da legislação ambiental prejudica a realização dos objetivos e a credibilidade da política de ambiente e não contribui para garantir o empenhamento de outros setores no sentido de um melhor desempenho. Além disso, deve ser dada prioridade a políticas com um claro valor acrescentado na criação de uma economia ecológica e que possam ser realizadas a curto/médio prazo.

2.5   Desafios para o futuro

2.5.1   Os principais pilares da política e da legislação em matéria de ambiente, com exceção da relativa ao solo, estão agora em vigor, embora o seu pleno potencial de melhoria ainda não se tenha devidamente concretizado em virtude de deficiências na aplicação. A política tradicional de ambiente tem ainda um papel muito importante a desempenhar na proteção do ambiente, mas a alteração nas circunstâncias e a natureza cada vez mais interligada dos desafios ambientais implicam a necessidade de uma maior flexibilidade e adaptação.

2.5.2   O desafio-chave subjacente para a futura política do ambiente consiste, mediante a adoção de uma visão de mais longo prazo, em evoluir da perspetiva de reparação para a de prevenção da degradação e em contribuir para uma maior integração do ambiente em todas as políticas relevantes.

2.5.3   A fim de atingir o objetivo da Estratégia Europa 2020 de uma economia ecológica, eficiente em termos de recursos, competitiva e hipocarbónica, é também essencial a integração de considerações ambientais e hipocarbónicas nos modelos empresariais de outros setores e a garantia da coerência na formulação de políticas até à sua implementação. Além disso, os obstáculos a uma aplicação adequada da legislação em vigor têm de ser devidamente tratados, em especial as questões de governação a todos os níveis nos Estados-Membros, a fim de proteger o ambiente e limitar as consequências negativas na saúde pública.

2.5.4   As pressões sobre o ambiente são de natureza cada vez mais global e sistémica. Devido a inter-relações complexas, é necessária uma base de conhecimentos mais ampla, havendo também que analisar em profundidade o potencial de mudança do comportamento dos consumidores.

3.   Observações na generalidade

3.1   O 6.o PAA representa formalmente a assunção de um compromisso político por parte do Parlamento, do Conselho e da Comissão, e fornece um indicador importante para a avaliação do desenvolvimento da política ambiental europeia. Após a adoção do 6.o PAA, a UE realizou com êxito numerosas iniciativas, obteve resultados ambiciosos e desenvolveu diversas estratégias e planos multissetoriais. Porém, é difícil determinar até que ponto o quadro geral constituído pelo programa teve algum impacto no desenvolvimento das políticas. Conviria refletir sobre este aspeto através de uma análise da aplicação das ações constantes do programa e das interações e influências recíprocas com a Estratégia Europeia para o Desenvolvimento Sustentável e a Estratégia de Lisboa (10).

3.2   O debate que, nos últimos anos, envolveu as instituições europeias e a sociedade civil para avaliar o que se havia conseguido e as perspetivas para o futuro da política de ambiente europeia (11) incidiu sobre duas questões-chave: identificar as novas prioridades e reforçar os instrumentos disponíveis para assegurar a eficácia das medidas propostas.

3.3   Em particular, não se pode circunscrever esta questão apenas à pertinência ou não de instituir um novo programa. Com efeito, o debate deverá incidir sobretudo em questões de formato, no seu objetivo, conteúdo e calendário. Antes de mais, caberia refletir sobre modos de velar por que as próximas ações em matéria de ambiente se tornem um instrumento estratégico mais visível, importante e eficaz, aprendendo com as experiências passadas e evitando cair nas ciladas que comprometeram a eficiência do 6.o PAA.

3.4   Tendo em conta a experiência adquirida noutros contextos (FEDER, FSE e FEADER, por exemplo), conviria considerar a possibilidade de experimentar reforçar, também no âmbito do programa em matéria de ambiente, os instrumentos de acompanhamento e de avaliação nas suas várias vertentes (ex ante, in itinere e ex post).

4.   Observações na especialidade

4.1   As estratégias temáticas

4.1.1   A introdução das estratégias temáticas proporcionou uma abordagem mais estratégica, permitindo superar algumas deficiências do 5.o PAA, nomeadamente, a falta de competência do programa em alguns domínios. Todavia, o processo de desenvolvimento das estratégias temáticas teve, na realidade, o efeito de abrandar o processo de decisão no seu conjunto e a adoção das medidas necessárias.

4.1.2   Muitos dos instrumentos legislativos que acompanham as estratégias temáticas encontram-se ainda na primeira fase de aplicação. Atrasos na sua adoção, falta de identificação de objetivos concretos, delegação da responsabilidade nos Estados-Membros (não só para a sua aplicação mas também para a introdução posterior de especificações relativas a muitas das medidas previstas), e mecanismos de controlo e de acompanhamento insuficientes – em alguns casos, estes fatores comprometeram seriamente a possibilidade de alcançar os objetivos do programa antes de chegar ao seu termo.

4.2   Coerência e integração

4.2.1   É evidente que, atualmente, não se pode enfrentar os desafios ambientais apenas por meio de políticas de ambiente específicas, havendo que implicar toda a economia e toda a sociedade neste processo. Impõe-se, por isso, uma maior coerência entre os temas diretamente interligados (como as alterações climáticas, a energia e a proteção da saúde) e entre as diferentes políticas setoriais (alimentação, transportes, construção, inovação). Em particular, no processo de reforma da PAC atualmente em curso – como, aliás, salientado pelo CESE (12) –, este princípio concretizou-se com a introdução do instrumento da ecologização (greening) do pagamento único.

4.2.2   Ademais, é essencial apoiar e desenvolver a integração da política ambiental no âmbito das «meta-estratégias» (Europa 2020) e no quadro dos instrumentos financeiros. Em relação ao Roteiro para uma Europa Eficiente na Utilização dos Recursos (13), destaque-se que, num seminário temático recente em Bruxelas (14), se reconheceu a importância capital do programa para favorecer a transição para a economia ecológica e da complementaridade das duas iniciativas, particularmente no que respeita à aplicação das medidas, aos recursos naturais e à gestão dos ecossistemas.

4.3   Objetivos prioritários

4.3.1   Cumpre identificar os objetivos prioritários levando expressamente em conta questões ambientais como a escassez de recursos naturais, a poluição atmosférica, a biodiversidade e o ambiente urbano.

4.3.2   Importa, nomeadamente, investigar e promover novos comportamentos em termos de consumo, de comércio e de produção. Com efeito, as mudanças tecnológicas deverão ser seguidas a par e passo por uma mudança de hábitos.

4.4   Instrumentos mais eficazes

4.4.1   Para haver instrumentos mais eficazes em matéria de política ambiental europeia, é necessário, acima de tudo, melhorar a regulamentação mediante a adoção de medidas legislativas e a escolha de regras inequívocas e não facultativas, inclusive no tocante aos aspetos económicos. Por outro lado, como o CESE já afirmara no seu parecer de 2001, assegurar uma aplicação eficaz da legislação existente é um fator essencial para evitar distorções de mercado e salvaguardar a competitividade das empresas europeias (15). No atinente ao programa de assistência às PME (Programa de Assistência à Conformidade Ambiental para as PME – ECAP), o CESE sublinhou, nomeadamente, a importância de as avaliações de impacto ambiental serem objeto de uma gestão integrada e transversal por parte das empresas (16).

4.4.2   Em segundo lugar, há que aperfeiçoar os instrumentos de avaliação do estado do ambiente, da aplicação das políticas e da sua eficácia (17) mediante avaliações de impacto independentes, abertas e oportunas.

4.4.3   Por último, é essencial melhorar a fase de aplicação mediante o estabelecimento de mecanismos internacionais de assistência, controlo e sanção. Tal implica, por outras palavras, formular, transpor para os regulamentos, executar, controlar e sancionar (18).

4.5   Papel dos protagonistas

4.5.1   A participação das coletividades territoriais deveria ocorrer já na fase da elaboração das políticas. Num parecer recente (19), o Comité das Regiões defendeu a necessidade de uma participação proativa das coletividades territoriais e propôs o desenvolvimento de métodos inovadores de governação a vários níveis que incluam a mobilização das plataformas e das redes existentes.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 97.

(2)  COM(2010) 2020 final, de 3.3.2010.

(3)  COM(2011) 244 de 3.5.2011.

(4)  COM(2011) 363 de 20.6.2011.

(5)  COM(2011) 112 final, de 8.3.2011.

(6)  COM(2011) 144 final, de 28.3.2011.

(7)  COM(2010) 639 final.

(8)  COM(2011) 109 final, de 8.3.2011.

(9)  COM(2005) 446 final (Poluição Atmosférica); COM(2006) 372 final (Utilização Sustentável dos Pesticidas); COM(2005) 666 final (Prevenção e Reciclagem de Resíduos); COM(2005) 670 final (Utilização Sustentável dos Recursos Naturais); COM(2006) 231 final (Proteção do Solo); COM(2005) 504 final (Proteção e Conservação do Meio Marinho) e COM(2055) 718 final (Ambiente Urbano).

(10)  Strategic Orientations of EU Environmental Policy under the Sixth Environment Action Programme and Implications for the Future, Final Report [Orientações estratégicas para a política de ambiente da UE no âmbito do 6.o Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente e consequências para o futuro – Relatório final], IEEP, maio de 2010.

(11)  Todos os contributos relativos aos eventos e aos estudos preparatórios estão disponíveis em www.eapdebate.org.

(12)  JO C 132 de 3.5.2011, pp. 63-70.

(13)  COM(2011) 571 final.

(14)  Seminário de peritos sobre o tema «The future of European Environmental Policy: what role for the Resource Efficiency Roadmap and what role for the Environment Action Programme?» [O futuro da política de ambiente europeia – Qual o papel do Roteiro para uma Europa Eficiente na Utilização dos Recursos e do Programa Comunitário de Ação em matéria de Ambiente?], Bruxelas, 13.09.2011.

(15)  JO C 221 de 7.8.2001, p. 80-85.

(16)  JO C 211 de 19.8.2008, p. 37.

(17)  The issue of Evaluation in the Framework of European Environmental Policy [A questão da avaliação no quadro da política europeia do ambiente], Brussels Environment, 11.6.2010.

(18)  «Better instruments for European Environmental Policy» [Melhores instrumentos para a política ambiental europeia] – Seminário organizado pelo ministério espanhol para o Ambiente em colaboração com Bruxelles Environment, Madrid, 20.5.2010.

(19)  Parecer do Comité das Regiões de 5 e 6 de outubro de 2010.


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Os OGM na UE» (aditamento a parecer)

(2012/000/)

Relator: Martin SIECKER

Em 16 de março de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o-A das Disposições de Aplicação do Regimento, elaborar um aditamento a parecer sobre:

Os OGM na UE

(Aditamento a parecer).

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 21 de dezembro de 2011.

Na 447.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 160 votos a favor, 52 votos contra e 25 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Organismos geneticamente modificados na UE – Orientações para debate futuro

1.1   Os organismos geneticamente modificados (OGM) constituem um tema de debate bastante sensível. A modificação genética suscita, simultaneamente, grande interesse e grande preocupação. O debate é frequentemente emotivo e polarizado e, quando a razão se impõe, tanto os seus defensores como opositores tendem a abordar a realidade de forma seletiva e deixam pouca ou nenhuma margem à flexibilidade. Além disso, a par das divergências de opinião quanto às vantagens e desvantagens dos OGM, mesmo dentro do CESE, parece haver muitas incertezas e suposições sobre, nomeadamente, o tipo e o alcance da regulamentação jurídica dos OGM na UE. Isso é lamentável, dado que um tema tão importante e politicamente sensível merece um debate de melhor qualidade.

1.2   O atual quadro jurídico da UE para os OGM encontra-se em fase de alteração. Nesse contexto, o CESE tenciona emitir com mais frequência, nos próximos tempos, o seu parecer sobre a política e a legislação em matéria de OGM. Como orientação e preparação para esse debate futuro, o presente parecer apresenta em linhas gerais uma sinopse da situação atual e do debate sobre os OGM, bem como da sua regulamentação na UE. Há vários aspetos a ter em conta, designadamente questões de ordem ética, ecológica, tecnológica, (socio)económica, jurídica e política. Todas estas questões, suscitadas pelas possibilidades praticamente ilimitadas da modificação genética e pelo rápido desenvolvimento das aplicações de OGM, devem ser vistas num contexto social alargado. O presente parecer visa oferecer um roteiro para um debate político equilibrado e pertinente sobre estas questões tão fundamentais.

1.3   O presente parecer foca unicamente os aspetos principais do debate e menciona apenas alguns dos principais dilemas relacionados com os OGM e a sua regulamentação na UE. O CESE será chamado a elaborar pareceres (exploratórios) mais pormenorizados sobre muitos destes assuntos e tenciona levar a cabo, num futuro próximo, trabalhos de exploração nesse sentido. Considera-se prioritário avaliar a atual legislação da UE em matéria de OGM, proceder à sua revisão e preencher as lacunas regulamentares identificadas no presente parecer. O CESE compromete-se a emitir aditamentos a pareceres sobre estes importantes dossiês num futuro próximo.

2.   História da modificação genética

2.1   Até na história dos OGM as opiniões divergem. Enquanto os mais críticos falam de uma tecnologia fundamentalmente nova que acarreta riscos desconhecidos e que é suscetível de objeções de caráter ético, os seus defensores contextualizam os OGM numa tradição centenária contínua de culturas e de processos biológicos de produção através de fermentação, bactérias e fungos. No entanto, com base em fatores objetivos, é possível concluir que os OGM são um elemento fundamentalmente novo e diferente dessas aplicações históricas. A distinção definitiva entre a biotecnologia «antiga» e a «moderna» deu-se com a introdução da engenharia genética. Com a descoberta da estrutura de dupla hélice do ADN, por Watson e Crick, em 1953, ficou a descoberto o código genético dos seres humanos e de toda a flora e fauna à nossa volta, dando aos cientistas a possibilidade de realizar manipulações revolucionárias ao nível genético, nos elementos mais básicos da vida.

2.2   A modificação genética viu a luz do dia em 1973, quando investigadores americanos realizaram as primeiras experiências bem-sucedidas de ADN recombinante (rADN) em bactérias. Com a possibilidade de identificar, isolar e multiplicar genes específicos e de os transferir para um outro organismo vivo, os cientistas conseguiram, pela primeira vez, executar modificações específicas nas propriedades genéticas hereditárias de organismos vivos de uma maneira que não é possível na natureza através da reprodução e/ou recombinação natural. No melhoramento ou cruzamento tradicional, era possível combinar genomas inteiros (de plantas e de animais da mesma espécie) para, de seguida, através de uma seleção invertida, tentar preservar as características favoráveis. Assim, embora a modificação genética permita manipulações mais precisas, a introdução de genes num outro organismo (ou noutra espécie) é um processo instável e incerto, em que é difícil prever os efeitos secundários e as consequências para o genoma recetor, bem como a interação com o ambiente circundante. Muito pouco se conhece ainda, nomeadamente, sobre as consequências a longo prazo.

2.3   Após 1975, a tecnologia da modificação genética assistiu a uma rápida evolução. Já em 1982 eram comercializados os primeiros produtos (medicinais) geneticamente modificados. No início dos anos 90, seguiram-se as plantas e os animais «transgénicos». Ao longo dos anos, foi-se quebrando também a barreira entre as espécies. Por exemplo, foi introduzido um gene de porco numa certa espécie de tomate, um gene de pirilampo numa planta de tabaco e um gene humano num touro. A eliminação das fronteiras naturais entre espécies, a imprevisibilidade dos efeitos a longo prazo e a irreversibilidade de potenciais consequências, eventualmente de caráter ambiental, fazem da modificação genética uma tecnologia fundamentalmente nova e potencialmente arriscada. É esta a base para a regulamentação dos OGM na UE e nos seus Estados-Membros, em muitos países terceiros e em acordos internacionais.

3.   Setores pertinentes e receção dos OGM na sociedade

3.1   Os principais setores de aplicação dos OGM são os setores agrícola e alimentar (sobretudo a resistência aos pesticidas), os setores médico e farmacêutico (fármacos, diagnóstico genético, terapias genéticas) e a indústria (petro)química e de armamento. Estes setores são também frequentemente classificados como biotecnologia «verde», «vermelha» e «branca», respetivamente.

3.2   Nem em todos estes setores a modificação genética é igualmente controversa. As preocupações e as reservas dos decisores políticos e da opinião pública parecem ser suscitadas sobretudo pelas aplicações concretas e não tanto pela tecnologia da modificação genética em si. As aplicações médicas são geralmente bem aceites, enquanto o debate mais crítico incide nas aplicações agrícolas e alimentares. Aqui, é importante ponderar entre a utilidade e a necessidade, por um lado, e entre os possíveis riscos e as reservas, por outro. Assim, muitos encaram a modificação genética como um contributo importante e promissor para a cura de doenças graves no ser humano, ao passo que as vantagens para os consumidores da (atual geração de) OGM agrícolas e alimentares são muito menos evidentes, já que se trata de propriedades puramente agrónomas, com benefício para os produtores. As normas de segurança e os estudos clínicos que precedem a concessão de autorizações para aplicações médicas são tradicionalmente muito mais rigorosas e abrangentes do que os procedimentos que antecedem a libertação de OGM para o ambiente ou a sua aplicação nos alimentos.

3.3   Além disso, tanto do ponto de vista da sociedade como das regulamentações, importa distinguir entre, por um lado, a modificação genética que se realiza em espaços fechados e isolados, como laboratórios, fábricas e estufas, com controlo apertado e medidas de segurança que podem impedir a libertação acidental de OGM, e, por outro, plantas ou animais geneticamente modificados que são deixados ao ar livre com a possibilidade de se reproduzirem e disseminarem de forma descontrolada e irreversível na biosfera, com repercussões e interações imprevisíveis na biodiversidade circundante.

3.4   Contudo, no caso das plantas cultivadas em espaços abertos, há que distinguir duas situações: por um lado, os casos em que é possível o cruzamento entre a espécie vegetal cultivada e uma espécie selvagem, dada a presença desta última nas proximidades; por outro lado, os casos em que o cruzamento é impossível por não existirem espécies selvagens no ambiente próximo da planta geneticamente modificada. É importante ter em conta esta distinção na elaboração do quadro regulamentar para o cultivo de plantas geneticamente modificadas em espaços agrícolas abertos.

3.5   Esta não é, por definição, uma distinção entre biotecnologia «vermelha» e «verde», pois também nos setores agrícola e alimentar é possível realizar investigação científica fundamental em laboratórios isolados, de forma segura e inovadora, comparável à que é há muito aceite na biotecnologia médica. Do mesmo modo, são aplicadas enzimas geneticamente modificadas em grande escala na produção alimentar, em ambientes isolados, sem que estas permaneçam no produto final como organismos vivos ou se integrem no ambiente. A diferença entre a utilização num meio controlado e a libertação num ambiente aberto, bem como a diferença entre a investigação científica fundamental e as aplicações comerciais, são elementos essenciais tanto para o debate político sobre os OGM, como para a perceção da opinião pública e para a reação dos consumidores.

3.6   Muitas sondagens de opinião, designadamente o Eurobarómetro (1), bem como literatura académica, demonstram que uma maioria crescente da população da UE continua a manifestar ceticismo, ou mesmo rejeição, em relação aos OGM, em especial quando se trata de géneros alimentícios, de alimentos para animais e da agricultura. Também os governos dos Estados-Membros revelam opiniões e políticas divergentes relativamente aos OGM. Aos opositores convictos, como a Áustria, a Hungria, a Itália, a Grécia, a Polónia e a Letónia, contrapõem-se defensores declarados, como os Países Baixos, o Reino Unido, a Suécia, a Espanha, Portugal e a República Checa. Há também muitos Estados-Membros que se abstêm de tomar posição.

3.7   Esta segmentação complica e prolonga indefinidamente o processo democrático de decisão sobre os OGM. Regra geral, as autorizações de OGM são concedidas unilateralmente pela Comissão, uma vez que os Estados-Membros não têm a capacidade de decidir sobre esta questão por maioria qualificada através do procedimento de comitologia. Apesar de ter havido uma moratória de facto entre 1999 e 2004 para a concessão de autorizações de OGM, a UE não logrou, neste período, realizar um debate substancial que culminasse numa abordagem mais consensual dos OGM na UE. O número de Estados-Membros que proíbe o cultivo de OGM no seu território aumentou nos últimos anos e a última proposta da Comissão no sentido de uma maior liberdade de decisão ao nível (infra)nacional para proibir o cultivo dessas culturas foi muito criticada pelos Estados-Membros, o PE, diversas organizações da sociedade civil e o setor industrial, críticas essas também expressas num recente parecer do CESE (2). É de qualquer modo frustrante que um tema tão importante como o dos OGM na UE corra o risco de redundar num impasse político.

3.8   Várias organizações e partes interessadas da sociedade civil manifestam-se preocupadas com a aplicação de OGM do ponto de vista de vários domínios, como o ambiente, o bem-estar dos animais, os interesses dos consumidores, os agricultores, os apicultores, o desenvolvimento rural e mundial, a ética, a religião, etc. Também o PE já se tem pronunciado frequentemente de forma crítica sobre os OGM e a sua regulamentação, bem como o CESE, alguns órgãos de poder local e regional e cientistas independentes. Os defensores são sobretudo as grandes empresas que possuem patentes no domínio dos OGM e outras partes interessadas, nomeadamente certos agricultores e cientistas especializados em OGM, bem como parceiros comerciais internacionais com um forte interesse económico numa maior flexibilidade da regulamentação dos OGM na UE. Algumas das principais alegadas vantagens dos OGM são enumeradas na secção 5.

3.9   Fora da UE, verifica-se também uma resistência alargada, tanto a nível político como social, à presença de OGM nos alimentos e no ambiente, designadamente em países como o Japão, a Suíça, a Coreia, a Nova Zelândia, o México, as Filipinas e vários países africanos. Contudo, em alguns países, os OGM são cultivados em grande escala: em 2010, esta técnica de cultivo era utilizada por mais de 15 milhões de agricultores numa superfície de cerca de 150 milhões de hectares (sobretudo soja, milho e algodão). Contudo, importa notar que 90 % da superfície total era cultivada em apenas cinco países, nomeadamente nos EUA, no Canadá, na Argentina, no Brasil e na Índia. Apesar desta adesão, os OGM não estão isentos de controvérsia nestes países. Aliás, a crítica da opinião pública parece ter aumentado recentemente devido, em grande parte, a incidentes envolvendo a propagação acidental de culturas de OGM, como o milho e o arroz, e às decisões judiciais sobre a coexistência. Convém assinalar que, nestes países, não existe uma obrigatoriedade de rotulagem, pelo que os consumidores não estão cientes da presença de OGM e, como tal, não podem tomar decisões informadas.

4.   Interesses económicos, propriedade intelectual e concentração no mercado

4.1   São grandes os potenciais interesses financeiros para os OGM no negócio do melhoramento de plantas. A venda anual de sementes em todo o mundo aumentou para mais de 35 mil milhões de euros e constitui a base para um mercado de produtos ainda maior, com um volume de negócios de centenas de milhares de milhões de euros.

4.2   A tecnologia da modificação genética e a comercialização de OGM evoluíram a um ritmo alucinante, com grandes implicações para a situação dentro do setor. No domínio do melhoramento de plantas, há já mais de meio século que a propriedade intelectual é regulada pelo «direito de proteção das variedades vegetais», estabelecido em tratados internacionais. Uma exceção a este direito temporário de exclusividade para os criadores de novas espécies é a denominada «isenção dos obtentores». Isto permite a outros exploradores neste domínio utilizar livremente espécies protegidas para desenvolver novas espécies melhoradas sem a autorização do titular original do direito de proteção. Esta isenção não se verifica em nenhum outro setor e foi introduzida com o pressuposto de que não podem ser criadas novas espécies a partir do nada.

4.3   A evolução da biologia molecular, que teve origem fora da agricultura, levou a que se introduzisse o direito de patentes no setor do melhoramento de plantas. O direito de patentes e o direito de proteção das variedades vegetais estão, por vários motivos, em contradição. Em primeiro lugar, o direito de patentes não reconhece a isenção dos obtentores, pelo que o titular de uma patente pode reivindicar a exclusividade de material genético, interditando a sua utilização a terceiros, ou autorizar essa utilização mediante o pagamento de licenças dispendiosas. Ao contrário do direito de proteção das variedades vegetais, o direito de patentes não favorece uma inovação aberta e não combina os estímulos económicos para a inovação com a proteção de outros interesses públicos.

4.4   Mas a luta pelos direitos neste domínio vai ainda mais além. A diretiva da UE de 1998 relativa às patentes biotecnológicas (3) permite a proteção por patente de invenções associadas a plantas. Os genes ou sequências de genes vegetais podem ser patenteados, mas as espécies de plantas não. Esta interpretação é, contudo, questionável. As multinacionais que se encontram na linha da frente do melhoramento de plantas alegam que, se determinadas propriedades genéticas podem ser patenteadas, isso significa que a espécie em causa fica indiretamente abrangida pelo direito de patentes (4). Nesse caso, as espécies patenteadas não podem ser utilizadas por terceiros para outras inovações. Isto é nocivo para a biodiversidade agrícola e implica que há plantas com propriedades interessantes que não estão acessíveis a terceiros para inovação. A evolução da biotecnologia médica mostra quais as possíveis consequências negativas desta situação: uma proteção rígida das patentes e preços elevados, implicando que os novos produtos só são vendidos a pessoas com recursos para tal e não estão à disposição dos mais desfavorecidos, que são quem mais deles necessita. É possível que as mesmas consequências indesejáveis se façam notar no setor do melhoramento de plantas.

4.5   Nas últimas décadas, o setor do melhoramento de plantas passou a estar concentrado numa grande quota do mercado, principalmente em consequência da proteção de patentes e de requisitos regulamentares. Se antigamente havia centenas de empresas em atividade no setor, o mercado mundial é atualmente dominado por uma mão-cheia de grandes operadores. Em 2009, quase 80 % do mercado mundial de sementes era controlado por apenas dez empresas, sendo 50 % dominado pelas três maiores. Essas mesmas multinacionais também controlavam cerca de 75 % da indústria agroquímica mundial. Já não são simplesmente empresas de melhoramento de plantas, mas grandes multinacionais que também exercem atividade nos setores alimentar, químico, energético, farmacêutico e dos pesticidas. Além disso, produzem frequentemente produtos associados, como culturas geneticamente modificadas, resistentes a um pesticida específico que é comercializado pela mesma empresa. Com esta consolidação, um grupo restrito de multinacionais pode exercer um controlo alargado de cadeias inteiras de produção de alimentos e produtos relacionados, colocando em risco a liberdade de escolha dos consumidores, a acessibilidade dos preços, a inovação aberta e a diversidade genética. Este grau de concentração no mercado e de monopólio é absolutamente indesejável, particularmente em setores fundamentais como o agrícola e o alimentar, um problema que merece a máxima atenção do CESE e da UE.

5.   Outras questões relacionadas com os OGM

5.1   Há uma grande diversidade de questões em torno dos OGM. As opiniões divergem fortemente no que diz respeito às vantagens e desvantagens dos OGM, num debate que se caracteriza por uma forte polarização e por um discurso emotivo. Este parecer é demasiado conciso para explorar esse debate ao pormenor, mas há que ter em atenção alguns pontos principais. Entre os argumentos muito divulgados a favor dos OGM, destacam-se a necessidade de combater a fome e a provisão de alimentos para uma população mundial em forte crescimento, bem como a luta contra as alterações climáticas. Há uma grande necessidade de investigação científica independente em todos estes domínios e o CESE salienta a importância de um financiamento estrutural (contínuo) da UE para esse tipo de investigação, não só para promover a inovação científica e comercial, mas também para estudar as repercussões do progresso tecnológico a nível socioeconómico, ambiental e outros.

5.2   As culturas de OGM nunca conseguirão solucionar os problemas relacionados com a escassez alimentar e a pobreza. O facto de se aumentar a produtividade não significa necessariamente que haja uma melhor distribuição alimentar. Infelizmente, a fim de combater eficazmente o grave problema da segurança alimentar, é essencial melhorar o acesso à terra, promover uma distribuição mais justa da riqueza, reforçar a sustentabilidade dos acordos comerciais e reduzir a volatilidade nos preços das matérias-primas. Mesmo que a biotecnologia não seja uma panaceia, a FAO indicou nos seus recentes relatórios que a biotecnologia proporciona importantes benefícios agrícolas e económicos aos agricultores dos países terceiros, sobretudo os pequenos agricultores. Contudo, desde os primórdios da tecnologia de modificação genética que os seus partidários têm vindo a sugerir que as culturas de OGM são essenciais para combater os problemas da escassez alimentar e da pobreza no mundo. Previu-se que as plantas fortalecidas com vitaminas ou nutrientes ajudariam a combater a fome e as doenças no terceiro mundo e que, graças a propriedades potenciais como a tolerância à seca, à salinização, à humidade ou a outros fatores de stress, as plantas poderiam ser cultivadas onde anteriormente era impossível, sendo de antever grandes receitas. No entanto, apesar de décadas de sugestões promissoras, até ao momento, nenhuma destas propriedades vantajosas dos vegetais se desenvolveu comercialmente. É certo que o incentivo económico para essas culturas também é limitado, dado que as vantagens estão orientadas para os grupos menos favorecidos e mais vulneráveis da população mundial. Mesmo que as futuras gerações de OGM cumpram a promessa de mais lucro e maior tolerância ao stress, isto ainda não é uma solução para a fome no mundo, uma vez que a maior parte dos terrenos agrícolas nos países em vias de desenvolvimento é utilizada para a produção de bens de luxo para exportar para os países ricos. Além disso, a grande maioria das culturas de OGM que se encontram atualmente no mercado são utilizadas em alimentos para animais destinados ao consumo no Ocidente de carne e laticínios (90 % das importações de soja da UE) ou para biocombustíveis e plásticos. Na sequência do aumento das culturas alimentares para fins não alimentares, os preços globais das matérias-primas e dos alimentos aumentaram, exacerbando ainda mais a insegurança alimentar e a pobreza (5).

5.3   Assim, a crise alimentar mundial não é tanto um problema de produção mas de distribuição (a produção mundial é superior a 150 % do consumo mundial), pelo que requer uma solução político-económica, mais do que inovação agrária. O CESE reconhece que a segurança alimentar global estará sujeita a uma pressão ainda maior com o rápido aumento da população. Organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), grandes ONG, como a Oxfam, e o recente relatório do organismo oficial da ONU para a agricultura e a ciência, o painel da Avaliação Internacional de Ciência e Tecnologia Agrárias para o Desenvolvimento (IAASTD), todos apontam para a importância da agricultura sustentável como uma solução para o problema da segurança e da autonomia alimentar. Estas avaliações oficiais destacam a necessidade de práticas e técnicas agrícolas sustentáveis e biológicas, não perspetivando necessariamente um papel para os OGM, mas antes para técnicas alternativas. O exemplo dessas técnicas que mais se destaca, citado pelo IAASTD e não só, é a seleção assistida por marcadores, que implica uma seleção específica e eficiente com recurso a marcadores genéticos, mas que não envolve uma manipulação genética ou transplantação de genes, o que seria arriscado e imprevisível. Visto que esta tecnologia já provou ser eficaz e menos dispendiosa do que a modificação genética, poderia fornecer uma alternativa não controversa aos OGM. Simultaneamente, os baixos custos poderão implicar menos problemas relacionados com a concentração de patentes e da quota de mercado. Embora não seja de excluir o futuro potencial dos OGM, uma opção deliberada pelo desenvolvimento de técnicas que não envolvam OGM e de práticas agrícolas sustentáveis poderia trazer vantagens concorrenciais consideráveis para a UE, que não se avistam no contexto dos OGM. Com um investimento intensivo na agricultura sustentável, a UE poderia assumir uma posição de liderança única e inovadora no mundo, com efeitos positivos para a economia, o emprego, a inovação e a competitividade da UE. Além disso, isto estaria mais consentâneo com o modelo agrícola da UE previsto para a futura PAC, o qual tem um impacto positivo na biodiversidade.

5.4   Os defensores dos OGM também os veem como um potencial instrumento quer para a adaptação às alterações climáticas quer para a sua atenuação. No entanto, também aqui se verifica que a atual geração de culturas de OGM comercializadas não oferece nenhuma dessas propriedades úteis. De facto, uma das suas aplicações mais proeminentes, a produção de biocombustíveis a partir de culturas (alimentares) de OGM, já está a ter um impacto negativo nos preços e na provisão de matérias-primas e alimentos a nível mundial, para além de ainda implicar uma grande dependência dos combustíveis fósseis.

5.5   Não se exclui, de todo, o potencial contributo que os OGM podem dar para a resolução dos desafios mundiais, como a fome, a pobreza, as alterações climáticas e a problemática ambiental, mas a realidade é que a atual geração de OGM não é adequada nem destinada para tal. Até à data, as propriedades têm-se limitado a vantagens lucrativas para os produtores, como a resistência a pesticidas. É (cientificamente) contestável se essas culturas conduziram a uma menor ou maior utilização de pesticidas, mas o contributo dos OGM não parece ter sido claramente positivo. Cada vez mais os estudos apontam para as consequências a longo prazo, entre as quais o aumento da monocultura intensiva, o desenvolvimento da resistência aos pesticidas, a contaminação das águas subterrâneas e graves danos na biodiversidade local, bem como os riscos para a saúde humana causados pela exposição duradoura a determinados pesticidas aplicados em conjunto com OGM. Embora se possam atribuir alguns desses efeitos a más práticas agrícolas, visto que os OGM da atual geração são comercializados em embalagem fechada, juntamente com os pesticidas dos quais dependem, esses produtos e o seu impacto no ambiente e na sociedade devem ser igualmente avaliados em conjunto (6).

5.6   Uma outra questão importante relativa aos OGM é a liberdade de escolha dos consumidores e agricultores, que constitui um problema tanto na UE como fora dela. Nos países em vias de desenvolvimento, os preços elevados das sementes patenteadas, em combinação com obrigações de compra e a proibição da prática tradicional de preservar sementes de épocas anteriores, trazem grandes dilemas socioeconómicos e culturais aos agricultores, em especial os pequenos agricultores pobres. Em países onde o cultivo de OGM prevalece, nomeadamente nos EUA, no Canadá, na Argentina e no Brasil, a diversidade de culturas decaiu drasticamente. A nível mundial, quase 80 % de toda a soja produzida é geneticamente modificada, bem como 50 % do algodão, mais de 25 % do milho e mais de 20 % da colza. Na UE, a liberdade de escolha dos consumidores e dos agricultores está supostamente salvaguardada pelos requisitos de rotulagem. No entanto, para manter esta liberdade de escolha para os consumidores e para os agricultores, é necessária uma separação total e fiável entre as cadeias de produção de OGM e não OGM. Um aspeto importante desta separação é a introdução de regulamentação rigorosa sobre a coexistência, que inclua regras eficazes relativas à responsabilidade e à reparação em caso de danos ambientais e/ou económicos em consequência do cruzamento acidental, regimes de certificação e de separação das cadeias do produto, bem como requisitos de pureza e de rotulagem na presença de material geneticamente modificado em sementes não OGM e produtos derivados.

6.   Revisão da legislação e das políticas

6.1   Desde 1990, a UE desenvolveu um quadro legislativo exaustivo para os OGM, que, tal como a tecnologia, está em constante evolução e já foi alvo de muitas alterações. Essas adaptações deram origem a uma complexa manta de retalhos de diretivas e regulamentos, dos quais se indicam aqui os mais importantes:

Diretiva 2001/18/CE relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e à colocação no mercado de produtos que contenham OGM (7);

Regulamento n.o 1829/2003 relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (8);

Regulamento (CE) n.o 1830/2003 relativo à rastreabilidade e à rotulagem de organismos geneticamente modificados e à rastreabilidade dos géneros alimentícios e alimentos para animais produzidos a partir de OGM (9);

Regulamento (CE) n.o 1946/2003 relativo ao movimento transfronteiriço de organismos geneticamente modificados (execução do protocolo de Cartagena sobre segurança biológica anexo à Convenção sobre a Diversidade Biológica) (10);

Diretiva 2009/41/CE relativa à utilização confinada de microrganismos e organismos geneticamente modificados (11).

6.2   As atuais regras para a autorização e a utilização de OGM baseiam-se numa série de princípios (jurídicos), nomeadamente:

autorização com fundamentação científica e independente anterior à libertação;

elevado nível de proteção da saúde e do bem-estar dos seres humanos, dos animais e do ambiente, em conformidade com o princípio da precaução e o princípio do poluidor-pagador;

liberdade de escolha e transparência em toda a cadeia alimentar e proteção dos restantes interesses dos consumidores, nomeadamente através da informação e participação do público;

atenção prestada ao mercado interno e a obrigações internacionais;

segurança jurídica;

subsidiariedade e proporcionalidade.

6.3   Contudo, ainda persistem algumas lacunas, pois falta uma legislação ou política específica ao nível da UE relativamente a alguns aspetos importantes sobre a libertação de OGM, designadamente:

coexistência de OGM com agricultura biológica e convencional;

regulamentações relativas à responsabilidade e à recuperação em caso de danos ambientais e/ou económicos em consequência da libertação de OGM ou do cruzamento acidental com produtos biológicos ou convencionais, bem como regimes de compensação de despesas incorridas pela coexistência e certificação da cadeia para impedir o cruzamento;

requisitos de pureza e de rotulagem na presença de material geneticamente modificado em sementes não OGM e materiais de reprodução;

requisitos de rotulagem, em especial para carne e laticínios provenientes de animais que tenham sido alimentados com alimentos geneticamente modificados, bem como normas para a rotulagem facultativa dos OGM;

reforço geral dos requisitos de rotulagem de OGM a fim de preservar a liberdade de escolha dos consumidores, incluindo clarificação jurídica da «presença acidental» e possível restrição dos limiares;

regulamentação para animais transgénicos ou clonados e para produtos (alimentares) derivados dos mesmos, nomeadamente em relação à autorização e à rotulagem;

uma legislação sólida que permita aos Estados-Membros e/ou às regiões autónomas impor uma proibição parcial ou total de culturas de OGM por diversos motivos, como por exemplo, objeções de ordem ambiental, socioeconómica, ética ou outras.

6.4   Embora a Comissão tenha apresentado, em julho de 2010, uma proposta legislativa para permitir restrições ou proibições a nível (infra)nacional de culturas de OGM, esta parece ter suscitado mais questões do que respostas, sobretudo devido a algumas imprecisões jurídicas e contradições do texto, bem como à exclusão, por exemplo, de motivos ambientais para justificar as restrições. Embora a ideia essencial de aumentar a soberania (infra)nacional relativamente ao cultivo de OGM tenha sido largamente apoiada, o texto da proposta, com as atuais falhas, motivou uma primeira leitura crítica com grandes propostas de alteração pelo PE, seguida de um parecer crítico do CESE (12). O Conselho está neste momento a refletir sobre a proposta, não tendo ainda chegado a uma posição consensual até à data. O CESE considera este dossiê muito importante e prioritário. Há que o ter seguramente em conta na futura revisão do quadro jurídico geral para os OGM. O CESE convida a Comissão a cooperar ativamente, e em diálogo construtivo, com o PE e o Conselho, a fim de produzir uma base jurídica sólida para a autonomia (infra)nacional na decisão sobre a cultura de OGM com base em motivos legítimos, como por exemplo considerações de caráter ambiental, socioeconómico, ético e cultural. Tal deverá ser acompanhado por uma obrigação jurídica de os Estados-Membros e/ou as regiões estabelecerem regras vinculativas sobre a coexistência para evitar a contaminação acidental entre culturas de OGM e não OGM.

6.5   Nos últimos anos, o CESE pronunciou-se repetidamente a favor da elaboração de legislação da UE no domínio da coexistência, da responsabilidade e da rotulagem mais abrangente para os OGM (13). Além disso, a importância de preencher estas lacunas legislativas remanescentes através de uma política harmonizada da UE foi recentemente reiterada pelo Tribunal de Justiça Europeu, num acórdão de 6 de setembro de 2011, sobre a problemática da coexistência. Neste caso, que teve origem na presença acidental de pólen de milho geneticamente modificado no mel, o Tribunal confirmou que a legislação da UE aplica uma tolerância zero à presença de OGM não autorizada (14). Este acórdão sublinha a importância de uma política eficaz, coerente e rigorosa de coexistência e de separação das cadeias de produção para evitar o cruzamento entre produtos OGM e não OGM, em combinação com regras adequadas relativamente à responsabilidade e à recuperação em caso de danos e à compensação de custos decorrentes das medidas de coexistência e da certificação das cadeias, bem como a possibilidade de proibir a cultura de OGM em céu aberto através do zonamento em determinadas regiões (por exemplo, para a apicultura).

6.6   Embora as recomendações de coexistência publicadas pela Comissão em julho de 2010 sejam mais flexíveis comparativamente às anteriores recomendações de 2003, o CESE salienta explicitamente que nenhum dos documentos é juridicamente vinculativo, pelo que não podem impor restrições vinculativas ao mandato nacional alargado para a política da coexistência, nem sequer estabelecem as obrigações jurídicas necessárias para as normas de coexistência. A introdução iminente de culturas não alimentares nas proximidades de culturas alimentares, por exemplo, com aplicações farmacêuticas, de biocombustíveis ou industriais, irá reforçar ainda mais a necessidade de uma regulamentação eficaz sobre a coexistência e a responsabilidade, e o CESE considera importante antecipar e abordar estes problemas desde já, numa fase inicial.

6.7   Em dezembro de 2008, o Conselho (Ambiente) apelou a um reforço e a uma melhor aplicação do atual quadro legislativo para os OGM. Considerou necessário efetuar melhorias, em especial, no domínio da avaliação dos riscos ambientais pela EFSA e no controlo e protocolos de fiscalização após a libertação, atribuindo um maior papel aos conhecimentos técnicos externos dos Estados-Membros e de cientistas independentes, na avaliação das repercussões socioeconómicas da libertação e do cultivo de OGM, na rotulagem dos valores limiares de vestígios de OGM em sementes, bem como numa melhor proteção de zonas suscetíveis e/ou protegidas, incluindo a possibilidade de estabelecer zonas isentas de OGM a nível local, regional ou nacional.

6.8   Apesar de a Comissão ter adotado medidas em alguns destes domínios, ainda não se verificaram resultados concretos que atendessem suficientemente ao pedido do Conselho. O CESE destaca a importância de dar passos concretos e substanciais quanto antes, a fim de estabelecer uma legislação e uma política adequadas para cada um destes pontos e para as lacunas legislativas acima referidas. Relativamente à revisão dos procedimentos de avaliação dos riscos e de gestão dos riscos e às autorizações de OGM, o CESE recomenda, tal como o Conselho e o PE, que, para além de cientistas, sejam envolvidos também especialistas das ciências sociais, juristas, éticos e representantes da sociedade civil organizada, para que o processo de decisão tenha em conta não só a avaliação científica dos riscos para os seres humanos e o ambiente, mas também «outros fatores legítimos», como aspetos de ordem socioeconómica, cultural e ética, e valores sociais. Isto poderia contribuir para resolver a controvérsia social em torno dos OGM e o impasse político no processo de decisão.

6.9   Um projeto importante que tem sido adiado é a avaliação do atual quadro jurídico para os OGM e para os géneros alimentícios e alimentos para animais que contêm OGM, iniciada pela Comissão a pedido do Conselho em 2008, e cujos resultados estavam previstos para o início de 2011. A Comissão assegurou ao Conselho que, antes de 2012, seriam designadas iniciativas para a revisão da legislação, e o CESE salienta a importância de cumprir este objetivo. As lacunas regulamentares supramencionadas devem, em todo o caso, ser tidas em conta nesta revisão. Num primeiro passo, a Comissão deve organizar uma consulta pública abrangente com base no relatório de avaliação agora publicado (15), a fim de garantir o contributo da sociedade para a revisão do quadro legislativo. Isto ajudará certamente a mitigar as preocupações da opinião pública e poderá melhorar a confiança desta nos legisladores.

6.10   Um aspeto a considerar inevitavelmente na futura agenda é a definição de OGM. Embora a ciência e as aplicações da modificação genética tenham evoluído extremamente nas últimas décadas, a definição jurídica de OGM manteve-se inalterada desde a primeira legislação da UE, adotada em 1990. Essa legislação define OGM como «qualquer organismo, com exceção do ser humano, cujo material genético tenha sido modificado de uma forma que não ocorre naturalmente por meio de cruzamentos e/ou de recombinação natural» (16). No entanto, determinadas técnicas de modificação genética são expressamente excluídas e, como tal, isentas das disposições do quadro legislativo para os OGM.

6.11   Com o passar dos anos, porém, foram desenvolvidas muitas técnicas novas de melhoramento de plantas que ainda não estavam previstas no estabelecimento do atual quadro legislativo. Trata-se, por exemplo, de técnicas como a cisgenética, que implicam a transplantação de genes para um organismo da mesma espécie com recurso a ADN recombinante. Este tipo de técnica nova levanta entretanto a dúvida sobre até que ponto é abrangida pela atual definição de modificação genética e, simultaneamente, se os organismos obtidos através destas técnicas são regidos pelo atual quadro legislativo para os OGM. Tendo em conta os encargos administrativos, mas também o estigma político e público que existe contra os OGM, a isenção desta legislação tem um grande interesse económico para o setor de melhoramento de plantas. Essas inovações poderão ser colocadas no mercado mais cedo, sem que as obrigações de rotulagem conduzam a reações negativas por parte dos consumidores. No entanto, as mesmas objeções de natureza ética, ecológica, socioeconómica e política relativamente à atual geração de OGM também se colocam perante estas técnicas, que utilizam essencialmente a mesma tecnologia de modificação genética e com as quais há ainda pouca experiência e muita incerteza.

6.12   A fim de garantir uma abordagem regulamentar uniforme em todos os Estados-Membros relativamente a estas novas técnicas de melhoramento de plantas e aos seus produtos, a Comissão constituiu, em 2008, um grupo de trabalho científico, que será seguido por um grupo de trabalho político, para aconselhamento sobre a abordagem jurídica a adotar. Estava previsto que os relatórios de ambos os grupos estivessem prontos no verão de 2011, e estes devem ser levados em conta na revisão do quadro jurídico de 2012. O CESE considera fundamental manter a atual abordagem jurídica da UE com base no processo e, por conseguinte, que estas novas técnicas de melhoramento de plantas sejam, em princípio, regidas pelo quadro jurídico da UE para os OGM devido à técnica de modificação genética utilizada (rADN), mesmo que os vegetais obtidos ou os produtos finais derivados não mostrem evidências de se desviarem dos seus congéneres convencionais.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  A mais recente intitula-se «Os europeus e a biotecnologia em 2010» http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_341_winds_en.pdf.

(2)  CESE, JO C 54 de 19.2.2011, p. 51.

(3)  Diretiva 98/44/CE de 6 de julho de 1998 relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (JO L 213, p.13).

(4)  Cf. o recente processo C-428/08, Monsanto Technology.

(5)  Esta questão foi levantada na audição sobre «Biotecnologia agrícola: géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados na UE», CESE, Bruxelas, 20 de outubro de 2011.

(6)  Ver nota 5.

(7)  JO L 106 de 17.4.2001, p. 1.

(8)  JO L 268 de 18.10.2003, p. 1.

(9)  JO L 268 de 18.10.2003, p. 24.

(10)  JO L 287 de 5.11.2003, p. 1.

(11)  JO L 125 de 21.5.2009, p. 75.

(12)  Ver nota 2.

(13)  Ver, nomeadamente, CESE, JO C 54 de 19.2.2011, p. 51; CESE, JO C 157 de 28.6.2005, p. 155; CES, JO C 125 de 27.5.2002, p. 69; CES, JO C 221 de 17.9.2002, p. 114.

(14)  Processo C-442/09, Bablok et al. contra o Estado da Baviera e Monsanto.

(15)  http://ec.europa.eu/food/food/biotechnology/index_en.html

(16)  No artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2001/18/CE e no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2009/41/CE, organismo é definido como entidade biológica «capaz de replicação ou de transferência de material genético».


ANEXO I

ao parecer do Comité

As propostas de alteração seguintes, que obtiveram mais de um quarto dos votos expressos, foram rejeitadas durante o debate:

Ponto 3.8

Substituir ponto.

«  (1) »

Resultado da votação:

Votos a favor

:

91

Votos contra

:

122

Abstenções

:

19

Ponto 5.3

Substituir o ponto.

«.»

Resultado da votação:

Votos a favor

:

83

Votos contra

:

139

Abstenções

:

13


(1)  Ver conclusões do presidente Staffan Nilsson durante a conferência do CESE «Food for everyone», organizada em conjunto com a Comissão Europeia para dar um contributo para o G20 sobre a problemática da segurança alimentar.


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/65


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energia»

COM(2011) 540 final — 2011/0238 (COD)

2012/C 68/12

Relator: Jonathan PEEL

Em 27 de setembro de 2011 o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 194.o, n.o 2 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energia

COM(2011) 540 final — 2011/0238 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas, Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 20 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 177 votos a favor, 1 voto contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações e conclusões

1.1   A energia é essencial para garantir tanto o nosso nível de vida como a nossa qualidade de vida (1). O CESE saúda a proposta de decisão publicada pela Comissão relativa à criação de um mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energia. Considera esta proposta como um passo em frente na implementação de uma política energética comum da UE, em conformidade com o Tratado de Lisboa (artigo 194.o do TFUE (2)), com a comunicação da Comissão sobre a «Energia 2020: Estratégia para uma energia competitiva, sustentável e segura» (3) e ainda com as conclusões do Conselho Europeu, de 4 de fevereiro de 2011, respeitantes ao setor da energia. Um instrumento jurídico para a troca obrigatória de informações como propõe a Comissão, em que lhe caberá um papel ativo na negociação pelos Estados-Membros de acordos intergovernamentais com países terceiros no âmbito da energia, já há muito deveria ter sido adotado.

1.2   Neste contexto, o CESE regozija-se igualmente com a inclusão na decisão proposta do intercâmbio de informações sobre todos os acordos bilaterais, em que a Comissão calcula que pode haver cerca de 30 de acordos intergovernamentais entre os Estados-Membros e países terceiros no domínio do petróleo e cerca de 60 no domínio do gás, mas menos no domínio da eletricidade.

1.2.1   O CESE não pode deixar de estranhar que um tal instrumento de informação ainda não exista nem entre a Comissão e os Estados-Membros nem entre estes, quando está plenamente garantida a sua confidencialidade. Convém observar, a propósito, que enquanto neste momento a Comissão e os Estados-Membros, considerados individualmente, não têm uma ideia geral sobre qualquer parceiro comercial específico, os seus parceiros comerciais mais importantes têm-na sem dúvida. É fundamental que a Europa fale a uma só voz quando se trata de garantir o aprovisionamento energético de forma adequada, estável e eficaz num futuro previsível e continue a construir um verdadeiro mercado único da energia. As estimativas sugerem que a procura mundial de energia – no atinente aos recursos energéticos finitos – poderá aumentar em 40 % nos próximos vinte anos, uma situação que se deverá sobretudo ao aumento da concorrência das economias emergentes, mas que se complicará mais com medidas, ainda não previstas, para atenuar os efeitos das alterações climáticas.

1.3   O CESE saúda do mesmo modo que o artigo 5.o da proposta preveja que, sempre que se esteja a negociar qualquer acordo, a Comissão emita uma declaração oficial confirmando que um projeto não infringe as regras do mercado interno, conquanto tal seja publicado sem atrasos indevidos e dentro do prazo previsto. Conforme já salientou no seu parecer intitulado «Rumo a uma política europeia global em material de investimento internacional» (4), onde são analisadas muitas questões focadas aqui, é essencial garantir segurança jurídica aos investidores.

1.3.1   O CESE está, contudo, apreensivo com a sugestão de que, se a Comissão não se pronunciar a este respeito no prazo de quatro meses, se considera que dá o seu assentimento. Compreende que, por razões de procedimento, não seria exequível nem fácil a Comissão dar o seu assentimento oficial em cada caso, mas, por ter sido solicitado especificamente um controlo de compatibilidade e por uma questão de clareza, espera que a mesma dê sempre que possível uma indicação positiva, ainda que informal, ou sempre que detete algum problema que requer investigação mais profunda, o assinale com a devida antecedência.

1.4   Os acordos no domínio da energia devem obedecer a considerações de ordem estratégica e comercial. No entanto, porque é necessário respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência, o CESE lamenta que os acordos de trabalho envolvendo operadores comerciais não tenham sido incluídos na proposta, sobretudo se se tiver em conta a mensagem firme na sua «Exposição de motivos» (ponto 1) sobre os expedidores particulares que beneficiam de um monopólio ou quase monopólio, o que seria contrário ao direito da UE. Por último, o CESE exorta a Comissão a adotar medidas enérgicas de modo a obter facilmente o pleno acesso às partes dos acordos comerciais que se crê poderem ter implicações para a legislação europeia, em particular quando se trate de anexos a acordos intergovernamentais. O CESE assinala, com especial apreensão, as ameaças que podem surgir quando as parcerias estratégicas implicarem a adoção de práticas impostas por interesses alheios à UE que se venham a revelar prejudiciais.

1.4.1   Além disso, o CESE salienta que, tratando-se de acordos externos no domínio da energia, os consumidores europeus não avaliarão facilmente a diferença entre os intergovernamentais e os privados, já que em ambos os casos as consequências são as mesmas tanto ao nível da tarifação como da escolha do fornecedor, da combinação energética e de outras considerações pertinentes.

1.4.2   O CESE apela a uma atuação justa mas firme nos casos em que, inevitavelmente, alguns fornecedores dos países terceiros terão interesses estratégicos e comerciais que diferem dos da UE. Interroga-se até que ponto é exequível o propósito da Comissão de fazer com que estes fornecedores respeitem mais as regras do mercado interno da UE. Seja como for, o CESE está convicto de que as negociações devem decorrer dentro do possível num espírito de colaboração, sinceridade e confiança mútua.

1.5   Lamenta, contudo, a ausência de uma avaliação de impacto completa, que teria permitido antecipar e entender melhor e mais abertamente as possíveis reações dos Estados-Membros. A energia é obviamente uma competência partilhada entre a Comissão e os Estados-Membros e, para muitos, está estreitamente associada à sua perceção de soberania. Tal funciona em ambos os sentidos: haverá quem se candidate a um apoio suplementar, enquanto outros considerarão uma interferência injustificada, sobretudo por recearem uma perda de controlo do mandato e da autonomia das negociações, e verão o novo instrumento como uma tentativa de transferir sub-repticiamente para a UE as competências em matéria de política energética. A Comissão não usufrui dos mesmos poderes neste âmbito como no caso dos investimentos, em que se propõe medidas análogas sobre acordos bilaterais de investimento (há muitos mais deste tipo), mas onde a prudência será para o bem de todas as partes.

1.5.1   A Comissão deve mostrar que está consciente destas reservas por parte dos Estados-Membros que se sintam eventualmente ameaçados por esse facto e terá de gerir toda e qualquer transição cautelosamente para facilitar a aceitação da sua tese, segundo a qual um dos principais objetivos do intercâmbio de informação proposto é reforçar a posição negociadora dos Estados-Membros perante os países terceiros. Será aqui de importância crucial a plena cooperação com as autoridades dos Estados-Membros. Embora se congratule com a ênfase dada ao apoio a conceder aos Estados-Membros durante as negociações, considera fundamental que a participação ativa da Comissão logo nas primeiras fases das negociações demonstre ser eficaz e produza resultados suficientes, pois só assim será possível superar as inevitáveis reservas.

1.5.2   No entanto, o CESE solicita que se esclareça como se porá em prática o artigo 7.o que consagra a confidencialidade, já que todos os elementos essenciais de um contrato comercial (incluindo os preços e as condições) são, enquanto segredos comerciais, confidenciais. Este será um aspeto que poderá facilitar a aceitação da decisão. Na ausência de uma política energética comum da UE plenamente implantada, os Estados-Membros e a Comissão terão de prosseguir esforços no sentido de construir a confiança mútua necessária entre todas as partes interessadas. A presente proposta apenas serve de ponto de partida.

1.6   O CESE interroga-se se a proposta não terá implicações orçamentais, conforme se afirma. Face às exigências cada vez maiores impostas pela política energética europeia, o CESE não crê que seja possível realizar, sem recursos suplementares, as frequentes atividades de acompanhamento e aconselhamento previstas na proposta.

1.7   O CESE insta, por isso, a que a primeira avaliação intercalar tenha lugar volvidos dois anos e não quatro anos, visto ter-se acumulado entretanto experiência e dados suficientes para avaliar a eficácia do instrumento.

1.8   No atinente às implicações mais vastas da proposta, cobertas essencialmente na comunicação que a acompanha, de muito maior alcance, o CESE acolhe positivamente o objetivo geral da Comissão de reforçar a dimensão externa da política energética global da UE. É nítida a relação entre a eficiência energética, a segurança e a estabilidade. O CESE lamenta, contudo, que não seja inteiramente clara a sua ligação com o triplo objetivo da competitividade, sustentabilidade e segurança, tanto mais que a energia competitiva e a energia sustentável nem sempre são compatíveis.

1.8.1   O CESE lamenta igualmente que, enquanto a proposta trata essencialmente dos aspetos técnicos e processuais, não foram especificamente abordados (e apenas em medida reduzida na comunicação) aspetos mais pertinentes, como as relações diplomáticas e socioeconómicas com o fornecedor e os países de trânsito.

1.8.2   Também não é claro que esta proposta esteja plenamente associada, nomeadamente ao nível do intercâmbio de informação, aos aspetos mais latos da energia relacionados com o comércio. Sabe-se que as negociações comerciais são da competência da UE há dezenas de anos. É óbvio que a energia desempenha um papel crucial nas negociações, as primeiras do género, que estão prestes a ser concluídas com vista à celebração com a Ucrânia, país de trânsito essencial para a UE, de um Acordo de Comércio Livre Global e Aprofundado (ACLGA). Estão previstas negociações deste tipo com outros países vizinhos da UE, tanto no âmbito da Parceria Oriental como do Euromed, onde a energia é chamada a desempenhar um papel primordial.

1.8.3   O CESE insta especificamente a Comissão a que, ao negociar os aspetos gerais elementares do novo acordo UE-Rússia proposto, preste especial atenção à posição singular dos três Estados bálticos, uma vez que as suas redes energéticas se encontram sincronizadas mais com o sistema russo do que com qualquer dos sistemas europeus.

1.9   Por último, o CESE lamenta profundamente que nem a proposta nem a comunicação façam referência a um mecanismo que cubra a participação da sociedade civil. Esta omissão terá de ser corrigida. Estão a ser criados ou estarão brevemente disponíveis mecanismos formais para o controlo da aplicação dos acordos de livre comércio da UE celebrados recentemente e, em especial, o assinado com a Coreia do Sul, tendo-se constituído um fórum da sociedade civil para a Parceria Oriental.

1.9.1   Acolhemos, todavia, com agrado a inclusão, por fim, do CESE nos trabalhos da plataforma temática da Parceria Oriental dedicada à energia, até porque a participação da sociedade civil se encontra já bem implantada nas reuniões das outras três plataformas.

2.   Contexto

2.1   Em 4 de fevereiro de 2011, o Conselho Europeu concluiu ser necessária uma melhor coordenação das atividades externas da União e dos Estados-Membros e solicitou aos Estados-Membros que informassem a Comissão, em janeiro de 2012, de todos os seus acordos bilaterais com países terceiros novos ou em vigor.

2.2   Em setembro, a Comissão Europeia publicou, por esse motivo, dois documentos sobre a criação de uma política energética externa da UE: uma «Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energia» (5) juntamente com uma comunicação sobre «A política energética da UE: Estreitar os laços com parceiros para além das nossas fronteiras» (6).

2.3   O CESE foi consultado para elaborar um parecer apenas sobre o documento legislativo que estabelece um mecanismo para a implementação das conclusões do Conselho Europeu de fevereiro de 2011. Mas a comunicação tem um âmbito de aplicação muito mais vasto e aborda a proposta apenas em traços largos. O CESE lamenta esta limitação, uma vez que esta última cobre aspetos fundamentais que gostaria de comentar, como as energias renováveis, a eficiência energética e outras questões associadas ao desenvolvimento sustentável consideradas na perspetiva das relações da UE com a Rússia, a China e outras economias em rápido crescimento e os países em desenvolvimento, em geral.

2.3.1   A Comissão dá a entender claramente que a comunicação se traduzirá em várias propostas, das quais a primeira, e uma das mais importantes, é a proposta de decisão em apreço.

2.4   Tanto a procura de energia a nível mundial como a dependência da UE de combustíveis fósseis importados têm vindo a aumentar. Conforme assinalado na comunicação, a UE, no seu todo, importa mais de 60 % do seu gás e mais de 80 % do seu petróleo, ao mesmo tempo que tem de fazer face à concorrência crescente de outros intervenientes, sobretudo das economias emergentes. Nos próximos vinte anos, a procura mundial de energia poderá aumentar em 40 %, uma situação que se complicará mais com medidas imprevistas para atenuar os efeitos das alterações climáticas. Muitos Estados-Membros contam apenas com um número restrito de fornecedores de energia e são, por isso, vulneráveis a situações de estrangulamentos e à volatilidade dos preços, especialmente do gás e do petróleo. É, por conseguinte, absolutamente imperativo e urgente conferir à política energética externa da UE uma base muito mais sólida. É fundamental que a Europa fale a uma só voz quando se trata de garantir o aprovisionamento energético de forma adequada, estável e eficaz num futuro previsível e continue a construir um verdadeiro mercado único da energia.

2.5   Para tal dispõe-se de um número reduzido de instrumentos eficazes. Já se sabe que a energia será um dos capítulos mais importantes do Acordo de Comércio Livre Global e Aprofundado (ACLGA) que está prestes a ser celebrado entre a UE e a Ucrânia. Por sua vez, a Comunidade da Energia regula as relações da UE com os nove países parceiros (7) do leste e do sudeste da Europa. Uma abordagem estratégica internacional a longo prazo exigirá medidas muito mais estruturadas e consistentes. A estratégia da UE Energia 2020 aponta, e muito bem, o reforço da dimensão externa da política energética da UE como uma das principais prioridades, a que a decisão em análise tenciona responder.

2.6   A proposta de decisão exige que os Estados-Membros informem a Comissão Europeia das suas intenções de celebrar acordos intergovernamentais em matéria de energia com países terceiros. A Comissão pretende, através de um «mecanismo de controlo da compatibilidade» (artigo 5.o), assegurar que os acordos celebrados cumprem as regras do mercado interno. Uma das principais vantagens desse procedimento seria oferecer segurança jurídica aos investidores (8). A Comissão frisa que esse novo mecanismo é uma medida de coordenação mais destinada a apoiar os Estados-Membros e a aumentar o seu poder de negociação do que a substituir ou a limitar a sua possibilidade de celebrar esses acordos. O artigo 7.o assinala que certas disposições que garantem a confidencialidade da informação constituem uma questão extremamente delicada.

2.7   O CESE lamenta, contudo, que os acordos entre operadores comerciais sejam excluídos do âmbito de aplicação, até porque a Comissão alerta claramente para a possibilidade de os expedidores particulares adquirirem uma posição de monopólio ou de quase monopólio, o que seria contrário ao direito da UE (9). Por último, o CESE insta a Comissão a adotar medidas ativas para obter rapidamente o pleno acesso a esses capítulos dos acordos comerciais que se crê poderem ter implicações regulamentares para a UE, especialmente quando se trata de anexos a acordos intergovernamentais.

3.   O CESE como forte apoio para a política europeia energética externa baseada na segurança de aprovisionamento

3.1   Em março de 2011, o CESE lançou (10) um claro apelo à rápida e progressiva consolidação de uma política externa comum da União Europeia em matéria de energia. Em resposta a um pedido da então Presidência húngara, solicitou medidas concretas para melhor alinhar as políticas internas com as externas, bem como uma abordagem integrada e coerente. Exortou, além disso, a que se desse um novo impulso institucional em matéria de energia, se imprimisse à política energética uma orientação estratégica multilateral e se estabelecesse parcerias estratégicas privilegiadas com os países vizinhos da UE.

3.2   Em 2009, o CESE (11) já apelava a uma estratégia externa global da UE para a energia, bem como à disponibilização de meios para a pôr realmente em prática. Numa perspetiva de longo prazo, apontava a segurança do aprovisionamento energético e uma política ativa em matéria de clima como os dois eixos fundamentais para as relações internacionais da UE no âmbito da energia. Sublinhava igualmente a importância do terceiro pacote energético para reduzir a dependência europeia de fornecedores externos, mas vincava a necessidade de encorajar a produção e utilização sustentáveis de energia nos países terceiros. Recordou ainda a firme ligação entre a energia e a política comercial neste domínio, bem como a obrigação de os países parceiros aplicarem regras de mercado como a reciprocidade, a igualdade de tratamento, a transparência, a proteção dos investimentos e o respeito pelo primado do direito e pelos direitos humanos. Com a energia a assumir um papel cada vez mais determinante nos conflitos internacionais, o CESE vê por bem salientar de novo a necessidade urgente de equilibrar os interesses nacionais dos Estados-Membros com uma voz europeia comum.

3.3   O CESE (12) frisou ainda que a promoção das energias renováveis e a diversificação das fontes de energia não podem ser dissociadas da ação externa europeia, especificamente na região euromediterrânica. Assinalou a necessidade de suprimir gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis em países parceiros, de forma a respeitar a política da UE em matéria de clima, de aumentar o financiamento de projetos de investigação e desenvolvimento no domínio das energias renováveis e de promover o comércio de bens e serviços que utilizem menos energia.

4.   O papel da sociedade civil

4.1   Os erros que estiveram na origem das sublevações generalizadas no mundo árabe, em 2011, demonstraram mais uma vez que a sociedade civil tem um papel essencial na transição para a democracia, na reforma constitucional e no desenvolvimento das instituições. Haverá que levar plenamente em conta o contributo da sociedade civil e dos parceiros sociais, em particular, tanto nesta região como nos países da Parceria Oriental (13), de forma a garantir que os processos decisórios são transparentes e inclusivos e que as decisões são aceites pelo público. O CESE lamenta profundamente que nem a proposta nem a comunicação façam referência a qualquer mecanismo que cubra a participação da sociedade civil, não obstante os parceiros sociais estarem intimamente implicados no terreno e serem necessários para prestar informações sobre problemas que possam surgir, embora mencione especificamente na comunicação os projetos comuns liderados pela indústria (14). Não obstante a participação da sociedade civil nas reuniões de três das quatro plataformas temáticas da Parceria Oriental ser já um dado adquirido, o mesmo ainda não se verifica na plataforma dedicada à energia. É absolutamente prioritário retificar esta situação.

4.2   Além disso, estão a ser criados, ou sê-lo-ão dentro em breve, mecanismos formais para o controlo da aplicação dos acordos de livre comércio da UE celebrados recentemente e, em especial, o assinado com a Coreia do Sul. Também foi constituído um Fórum da Sociedade Civil para a Parceria Oriental. No capítulo da energia a voz da sociedade civil tem a mesma importância. Aqui convém não esquecer os consumidores propriamente ditos, que acarretam frequentemente e de um modo desproporcionado com as consequências do mau funcionamento do mercado. Tal contribuirá, não por último, para garantir uma maior transparência e influência e para a educação do público em geral.

5.   Considerações estratégicos de maior alcance

5.1   O CESE apoia plenamente a intenção da Comissão de desempenhar um papel de liderança na criação de uma estratégia externa da UE para a energia global e coordenada. Apela também aos Estados-Membros que apoiem estes esforços num espírito de solidariedade e de confiança mútua.

5.2   O CESE encara a solidariedade como um pilar da política comum da UE para a energia, sobretudo para ajudar os Estados-Membros que não têm suficiente poder de negociação para garantir o aprovisionamento de energia a preços justos e sustentáveis.

5.3   A UE, para além de ser um dos maiores consumidores de energia, é também um importante fornecedor de tecnologia, conforme reconhece a Comissão. Ao mesmo tempo, tem alguns dos padrões mais elevados do mundo em matéria de transparência e regulamentação do mercado, incluindo em matéria de segurança nuclear e de outros tipos de energia.

5.4   O CESE toma nota dos números apresentados na comunicação (15), segundo os quais, a Rússia, a Noruega e a Argélia representam 85 % das importações da UE de gás natural e cerca de 50 % das importações de petróleo bruto (fornecendo os países da OPEP 36 % deste combustível). A Rússia desempenha igualmente um papel primordial no fornecimento de carvão e de urânio à UE.

5.5   Juntamente com a questão do acesso às matérias-primas, o acesso à energia deverá ser um elemento estratégico fundamental para a UE, especialmente dado que a procura mundial de energia aumentará exponencialmente durante os próximos vinte anos. O CESE defende a criação de parcerias estratégicas com os principais parceiros mundiais no domínio da energia (sejam eles países produtores, de trânsito ou de consumo). Essas parcerias deverão contemplar ações de cooperação para melhorar a rentabilidade e a adesão às tecnologias hipocarbónicas, promover a eficiência energética e a renovação da energia e colocar maior ênfase (16) na segurança de aprovisionamento. O CESE está, sobretudo, na expectativa do acordo iminente com a Ucrânia que deverá abarcar a segurança de aprovisionamento ininterrupto, a tarifação e outras questões fundamentais.

5.6   Esta questão terá especialmente importância para o futuro da política comercial da UE, mas o CESE também acolhe favoravelmente a referência, na comunicação, a uma melhor articulação da política energética com as políticas da UE relativas ao desenvolvimento, ao alargamento, ao investimento e às relações internacionais mais vastas. Um dos principais objetivos do Tratado de Lisboa foi aproximar a gestão destes diversos domínios políticos da UE. Assim, é essencial que, agora, a política energética se articule plenamente com estas outras políticas, e o que não é menos importante com o desenvolvimento social e económico sustentável dos países em desenvolvimento.

5.7   O CESE espera que os principais parceiros comerciais da Comunidade de Energia progridam no sentido de igualar e respeitar a regulamentação da UE no que diz respeito ao mercado interno da energia. O CESE manifesta a sua apreensão pelo juízo crítico emitido pela Comissão Europeia em março passado (17) sobre os progressos alcançados pela Comunidade. Continua a existir um grande hiato entre os compromissos políticos assumidos e a atual aplicação do acervo energético pelos membros da Comunidade da Energia, que a Comissão também critica por manterem estruturas de mercado obsoletas, que impedem o investimento e distorcem a concorrência, por continuarem a beneficiar os fornecedores públicos através dos preços regulados. Assim, o CESE questiona-se sobre quais os instrumentos mais eficazes para gerir as relações da UE com os parceiros mais distantes e sobre se a União se deve afastar de um modelo de relações «fornecedor-comprador» e, ao invés, trabalhar para uma maior convergência dos mercados da energia.

5.8   Uma vez que a Rússia é, atualmente, a principal fornecedora de energia da UE, o Comité insta a Comissão a continuar a esforçar-se para concluir um novo acordo UE-Rússia, que terá de incluir um acordo global sobre energia. A Rússia depende igualmente da dimensão do mercado da UE. Um acordo neste domínio seria um importante passo em frente e um marco na via de uma ação comum da UE nas relações externas no domínio da energia.

5.8.1   Quando este acordo for negociado, importa prestar especial atenção à posição singular dos três Estados bálticos, uma vez que as suas redes energéticas se encontram sincronizadas com a Rússia, mas não com qualquer sistema da UE, o que torna esses três países exclusivamente dependentes da Rússia no atinente à estabilidade e à regulação da frequência dos seus sistemas energéticos.

5.9   A Argélia, a Líbia e a região Euromed, no seu conjunto, são igualmente vitais para a cooperação externa em matéria de energia.

5.10   Por último, o CESE reconheceu que a Ásia Central (18) encerra «um importante potencial de reservas energéticas que oferecem à Europa fontes de energia adicionais e complementares (e não alternativas)», mas apelou a que a viabilidade dessas ligações assente em motivos práticos e económicos e salientou que as ligações da UE com essa região se devem basear em «informações pormenorizadas e recíprocas sobre (…) o envolvimento da UE com a Rússia, a China e a Turquia». A China é particularmente importante por ser outro grande consumidor de energia, pelo que é essencial dar aqui também especial ênfase à necessidade de uma estreita cooperação nos domínios da energia, da tecnologia e das questões relativas às alterações climáticas.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Giles Chichester, deputado europeu, antigo presidente de comissão do Parlamento Europeu, outubro de 2011.

(2)  Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

(3)  COM(2010) 639 final.

(4)  JO C 318 de 29.10.2011, p. 150-154.

(5)  COM(2011) 540 final.

(6)  COM(2011) 539 final.

(7)  Albânia, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Antiga República Jugoslava da Macedónia, Moldávia, Montenegro, Sérvia, Ucrânia e Kosovo.

(8)  Este ponto deverá, naturalmente, estar de acordo com os novos poderes alargados em matéria de investimento e de política que o Tratado de Lisboa concedeu à UE – ver parecer do Comité no JO C 318 de 29.10.2001, p. 150-154.

(9)  Exposição de motivos da COM(2011) 540 final (Capítulo 1).

(10)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 15-21.

(11)  JO C 182 de 4.8.2009, p. 8-12.

(12)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 1.

(13)  Ucrânia, Moldávia, Geórgia, Arménia, Azerbaijão e Bielorrússia.

(14)  Ponto 1.3, p. 7.

(15)  COM(2011) 539 final, ponto 9 (nota de pé de página 20).

(16)  JO C 318 de 29.10.2011, p. 150-154.

(17)  COM(2011) 105 final.

(18)  JO C 248 de 25.8.2011, p. 49-54


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/70


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 1999/32/CE no que respeita ao teor de enxofre dos combustíveis navais»

COM(2011) 439 final — 2011/0190 (COD)

2012/C 68/13

Relator: Jan SIMONS

Em 1 de setembro e em 13 de setembro de 2011, o Conselho e o Parlamento Europeu decidiram, respetivamente, nos termos do artigo 192.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 1999/32/CE no que respeita ao teor de enxofre dos combustíveis navais

COM(2011) 439 final — 2011/0190 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 21 de dezembro de 2011.

Na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 110 votos a favor, 46 votos contra e 31 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   Tendo em vista o objetivo último de um combustível praticamente sem enxofre nos transportes marítimos, o CESE reitera o seu acordo com a decisão da Organização Marítima Internacional das Nações Unidas (OMI), em 2008, de reduzir drasticamente o teor de enxofre dos combustíveis navais até 2020. Insta todos os Estados membros da OMI a ratificarem quanto antes a Convenção da OMI em questão para permitir uma aplicação a nível mundial.

1.2   Apoia, portanto, a proposta da Comissão de adaptar a Diretiva 1999/32/CE em conformidade com o anexo VI relativo à prevenção da poluição do ar causada por navios da MARPOL 73/78, isto é, da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, da OMI. Algumas propostas e consequências devem, contudo, ser analisadas mais a fundo.

1.3   O CESE defende que a diretiva deve incluir, de alguma forma, disposições perfeitamente coerentes com a Regra 18 da OMI relativa à qualidade do fuelóleo, com a sua cláusula de disponibilidade (a solicitação de colocação no mercado), com as obrigações de elaboração de relatórios caso um navio recorra à Regra 18 e com a sua cláusula de indisponibilidade.

1.4   O CESE coloca reservas à proposta de aplicar, a partir de 2020, um limite de 0,1 % de enxofre para navios de passageiros em serviço fora das zonas de controlo das emissões de SOx. Esta proposta não foi suficientemente analisada. Não obstante, o Comité está inclinado a apoiar a proposta, a bem da saúde dos passageiros e tripulações dos navios de passageiros. O grau de proteção da saúde pública terá de ser igual em todo o território da UE.

1.5   O CESE é de opinião que a proibição da comercialização de combustíveis navais com um teor de enxofre superior a 3,5 % em massa limita a atratividade e a utilização dos métodos de redução de emissões a bordo dos navios (lavadores de gases ou scrubbers). Esta questão deve ser esclarecida.

1.6   O CESE está preocupado com os problemas que podem surgir caso se passe a aplicar, a partir de 2015, um limite do teor de enxofre de 0,1 % nas zonas de controlo das emissões de SOx. A OMI não elaborou um relatório bem documentado sobre a matéria. O Comité recomenda que a OMI passe a realizar, no futuro, avaliações de impacto deste tipo, também a montante.

1.7   O CESE considera que os métodos alternativos de redução das emissões ou a possibilidade de utilizar combustíveis alternativos devem ser estudados mais a fundo e aperfeiçoados. Tendo em conta as várias incertezas a respeito, por exemplo, da disponibilidade de combustíveis pobres em enxofre em 2015 ou do risco de uma transferência modal «inversa», a Comissão indica, na sua comunicação de acompanhamento, que, se estas incertezas ameaçarem converter-se em factos, deverá alterar-se a data de entrada em vigor. O CESE recomenda que, se necessário, tal seja feito atempadamente, a fim de continuar a promover os investimentos necessários. Em especial, dado o curto espaço de tempo até 2015, o prazo para a aplicação do limite de 0,1 % deve ser adiado para 2020.

2.   Introdução

2.1   Os combustíveis navais são os combustíveis mais baratos e os menos refinados. Geralmente, são subprodutos de um processo mais elevado de refinação do petróleo. Atualmente, são uma fonte importante de poluição atmosférica, especialmente de dióxido de carbono (representando 4 % do total mundial de fontes artificiais) e de óxido de enxofre (9 %).

2.2   Antes da entrada em vigor das convenções e dos protocolos da Organização Marítima Internacional das Nações Unidas e, em especial, da Convenção para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) de 1973 e 1978 e, posteriormente, do protocolo de 2008, eram permitidos combustíveis com um teor de enxofre de 4,5 %.

2.3   O anexo VI ao Protocolo MARPOL de 2008 prevê uma redução gradual drástica generalizada para 0,5 % até 2020 e, em caso de eventuais dificuldades, o mais tardar até 2025.

2.4   As partículas de enxofre, que foram praticamente eliminadas das fontes terrestres (emissões da produção de energia e do transporte rodoviário), causam problemas respiratórios e cardíacos. Existe um vasto consenso quanto à necessidade de reduzir o teor de enxofre dos combustíveis navais.

3.   Proposta da Comissão Europeia

3.1   A Diretiva 1999/32/CE (com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 2005/33/CE) regula o teor de enxofre dos combustíveis utilizados no transporte marítimo e incorpora na legislação da UE determinadas disposições internacionais acordadas na OMI.

3.2   Na sua atual redação, a diretiva contém, fundamentalmente, normas mais rigorosas para o teor de enxofre dos combustíveis navais destinados a serem utilizados em zonas que careçam de especial proteção ambiental, as chamadas «zonas de controlo das emissões de SOx».

3.3   Já em 14 de maio de 2003, o CESE emitiu um parecer sobre a proposta de diretiva 1999/32/CE (1).

3.4   Com o apoio dos Estados-Membros da UE, as regras internacionais da OMI foram revistas e reforçadas em outubro de 2008 através de uma revisão ao anexo VI da MARPOL (2).

3.5   As principais alterações ao anexo VI da MARPOL no que diz respeito à poluição por SO2 podem ser resumidas como segue:

Uma redução de 1,5 % em massa do teor de enxofre de todos os combustíveis utilizados nas zonas de controlo das emissões de SOx, nomeadamente para 1 % a partir de 2010 e para 0,1 % em janeiro de 2015.

Uma redução de 4,5 % em massa do teor de enxofre de todos os combustíveis utilizados a nível geral (fora das zonas de controlo das emissões de SOx), ou seja, para 3,5 % em janeiro de 1212 e para 0,5 % em janeiro de 2020, salvo possível prorrogação até 2025, após a revisão de 2018.

Permissão de utilizar um vasto leque de métodos de redução de emissões (equivalentes), como o recurso a equipamentos, métodos, procedimentos ou combustíveis alternativos.

3.6   Por uma questão de coerência com o direito internacional e para assegurar o cumprimento na UE das novas normas de teor de enxofre estabelecidas a nível mundial, a Comissão propõe que as disposições da Diretiva 1999/32/CE sejam alinhadas com o anexo VI revisto da MARPOL (3). Mais especificamente:

que a diretiva inclua as alterações de 2008 ao anexo VI da Convenção MARPOL relativamente ao teor de enxofre dos combustíveis navais;

que a diretiva passe a estar em conformidade com as disposições da OMI, que permitem um leque mais alargado de métodos equivalentes de redução das emissões; que complemente essas disposições através de medidas de salvaguarda adicionais, a fim de evitar que os métodos equivalentes de redução tenham efeitos nocivos inadmissíveis para o ambiente;

que a diretiva registe o procedimento de controlo da OMI para combustíveis.

3.7   A Comissão propõe igualmente as seguintes medidas complementares:

a introdução, a partir de 2020, de um novo limite de 0,1 % para navios de passageiros em serviço fora das zonas de controlo das emissões de SOx;

a elaboração de orientações não vinculativas para a amostragem e a elaboração de relatórios; se não surtirem efeito, há que ponderar regras vinculativas.

4.   Observações na generalidade

4.1   O CESE considera, como aliás a Comissão Europeia e muitas outras partes interessadas, que o objetivo último, também por motivos de saúde, é que os transportes marítimos sejam efetuados com combustíveis praticamente isentos de enxofre. Além disso, tanto a população como este setor dos transportes, que opera em todo o mundo, só têm a lucrar com a existência de regulamentação a nível mundial.

4.2   O CESE acolhe, pois, favoravelmente a decisão da OMI de reduzir drasticamente as emissões de enxofre nos transportes marítimos. É de opinião que não deve haver qualquer diferença entre a regulamentação a nível mundial e da União Europeia.

4.3   O CESE insta todos os Estados membros da OMI a ratificarem o anexo VI da MARPOL 73/78, a fim de assegurar uma aplicação a nível mundial.

4.4   A Regra 18 do anexo VI estabelece que todas as partes devem promover a disponibilidade dos combustíveis em questão e notificar a OMI sobre essa disponibilidade nos portos e nos terminais. Não obstante, e numa perspetiva realista, a OMI introduziu uma cláusula de indisponibilidade.

4.5   O CESE constata que essa cláusula de indisponibilidade do combustível em questão, mencionada no anexo VI da MARPOL, não foi incluída na proposta de alteração da diretiva. Defende que a diretiva inclua, de alguma forma, disposições perfeitamente coerentes com a Regra 18 da OMI relativa à qualidade do fuelóleo, com a sua cláusula de disponibilidade (a solicitação de colocação no mercado), com as obrigações de elaboração de relatórios caso um navio recorra à Regra 18 e com a sua cláusula de indisponibilidade.

4.6   O CESE tem dúvidas em relação à nova proposta da Comissão de introduzir em 2020 um limite de 0,1 % do teor de enxofre dos combustíveis para navios de passageiros em serviço fora das zonas de controlo das emissões de SOx. Esta proposta não foi suficientemente analisada. Não obstante, o Comité está inclinado a apoiar a proposta, a bem da saúde dos passageiros e tripulações dos navios de passageiros. O grau de proteção da saúde pública terá de ser igual em todo o território da UE.

4.7   De acordo com o procedimento da OMI, a designação de novas zonas de controlo das emissões de SOx deve ser efetuada tendo em conta normas científicas, ambientais e económicas. O novo artigo 4.o, até ao n.o 2, não é claro a este respeito. Falta saber se as novas zonas de controlo das emissões de SOx autorizadas pela OMI serão automaticamente registadas na diretiva ou se um procedimento rigoroso da UE permitirá à Comissão designar novas zonas de controlo das emissões de SOx, sendo estas depois propostas diretamente à OMI. Esta questão deve ser esclarecida.

4.8   No artigo 1.o, n.o 4 (o novo artigo 3.o-A), a Comissão estabelece que os Estados-Membros devem garantir que não são utilizados nos respetivos territórios nem colocados no mercado combustíveis navais cujo teor de enxofre exceda 3,5 % em massa, a fim de evitar o risco dessa utilização, que poderia gerar, nomeadamente, uma elevada concentração nas águas residuais. No entanto, devem ser tidos em conta métodos de redução de emissões (lavagem de gases ou scrubbing) que permitem a utilização de combustíveis com um teor de enxofre mais elevado, mas que não exceda as normas da OMI.

4.9   Embora não conste das regras da OMI, a Comissão propõe que, na utilização de métodos de redução de emissões, seja efetuada uma redução permanente em grau pelo menos equivalente ao que seria efetuado se fossem utilizados combustíveis navais conformes com as disposições dos artigos 4.o-A e 4.o-B. Isto é difícil de concretizar, visto que a redução de emissões pode ser temporariamente interrompida e/ou o rendimento desses equipamentos pode diminuir devido à grande pressão nos motores, resultando potencialmente num elevado nível temporário de emissões de enxofre. Por conseguinte, este requisito deve ser eliminado.

4.10   Em conformidade com a observação do ponto 4.8, o CESE assinala que um navio não pode, na prática, cumprir as disposições do anexo 2 da proposta relativa ao artigo 4.o-C, n.o 3: «documentar claramente que nenhuma descarga no mar, incluindo em portos fechados, portos de abrigo e estuários, tem incidências negativas apreciáveis na saúde pública ou no ambiente nem coloca estes em risco». Também aqui importa remeter para os requisitos da resolução da OMI MEPC184(59), que proíbem precisamente as descargas em portos marítimos, portos de abrigo marítimos e estuários.

4.11   Se a redução do teor de enxofre dos combustíveis navais, regulamentada pelo anexo VI da Convenção MARPOL da OMI, de 2008, foi geralmente bem recebida e deverá ser incluída na diretiva 1999/32/CE, a decisão de aplicar, a partir de 2015, um limite de 0,1 % nas zonas de controlo das emissões de SOx  (4) suscitou inquietação.

4.12   Em reação à decisão da OMI relativamente a este ponto específico e por ocasião da consulta pública da Comissão sobre a adaptação da Diretiva 1999/32/CE, várias partes interessadas advertiram que os custos aumentariam consideravelmente se o limite máximo do teor de enxofre dos combustíveis navais fosse de 0,1 %. Consoante os parâmetros, alguns estudos estimam que a utilização destes combustíveis (destilados) levará a um aumento muito substancial dos custos e à perda de competitividade. No entanto, outros estudos não confirmam que o risco seja tão elevado.

4.13   Seja como for, o facto é que a OMI não realizou uma avaliação de impacto adequada antes de tomar essa decisão. O CESE recomenda que os Estados membros da OMI e a Comissão Europeia instem aquela organização a realizar previamente avaliações de impacto pertinentes.

4.14   Ora, uma transferência modal para o transporte rodoviário está em contradição com a estratégia apresentada no Livro Branco «Roteiro do espaço único europeu dos transportes – Rumo a um sistema de transportes competitivo e económico em recursos» (Estratégia Transportes 2050) de março de 2011. (5) Essa transferência conduzirá também a um forte aumento dos custos externos, nomeadamente no que diz respeito ao ambiente e, em especial, a um aumento do CO2, congestionamento do trânsito, poluição sonora, acidentes, etc. Assim, o CESE recomenda que não se corra o risco de uma transferência modal «inversa».

4.15   As partes interessadas estabelecidas nas três zonas de controlo das emissões de SOx receiam que o aumento dos custos dos transportes limite drasticamente a sua competitividade, com a ameaça de uma deslocação da produção e dos empregos que lhe estão associados para outras zonas de controlo das emissões de SOx, tanto na Europa como no resto do mundo.

5.   Observações na especialidade

5.1   Está a ser preparada de modo proativo uma «caixa de ferramentas» para executar a decisão da OMI de limitar, a partir de 2015, o teor de enxofre dos combustíveis navais nas zonas de controlo das emissões de SOx a um máximo de 0,1 %. Neste contexto, diversos especialistas realizaram uma análise profunda sobre a disponibilidade dos combustíveis navais com um teor de enxofre de 0,1 %, a utilização dos métodos de redução de emissões (lavadores de gases ou scrubbers) e a utilização de gás natural liquefeito (GNL) como combustível naval. Não foram obtidos resultados conclusivos relativamente à disponibilidade.

5.2   A utilização de métodos de redução de emissões (lavadores de gases ou scrubbers) está a ser testada em vários projetos-piloto. Registaram-se progressos significativos em scrubbers a bordo que já estão operacionais. Ao remover NO2 e CO2 simultaneamente, este equipamento pode dar provas da sua rentabilidade num futuro próximo e deve ser objeto de consideração. Em especial, dado o curto espaço de tempo até 2015, o prazo para a aplicação do limite de 0,1 % deve ser adiado para 2020.

5.3   A utilização de GNL enquanto combustível naval alternativo – como combustível único ou em combinação com petróleo (sistema duplo) – é encarada de forma positiva pelo setor dos transportes marítimos, principalmente no que diz respeito à sua utilização em trajetos de curta distância. Foram lançados vários projetos-piloto, sobretudo no norte da Europa. Entretanto, estão a ser debatidos com as partes interessadas os problemas pendentes, como a libertação de gás metano que aumenta as emissões de gases com efeito de estufa, a possibilidade de se abastecer de combustível nos vários portos europeus ou as regras de segurança durante o abastecimento. A associação de armadores europeus ECSA tem colaborado com a Agência Europeia da Segurança Marítima (EMSA). Também aqui é evidente que a solução de problemas pendentes ainda vai demorar algum tempo.

5.4   O setor dos transportes marítimos continua empenhado nos três elementos da «caixa de ferramentas». Uma vez que estes não poderão estar prontos em 2015, são muitas as vozes a favor de adiar a introdução através de uma derrogação estabelecida pela OMI.

5.5   A Comissão indicou na sua comunicação de acompanhamento que, se as incertezas referidas ameaçarem converter-se em factos, deverá alterar-se a data de entrada em vigor. O CESE recomenda que, se necessário, tal seja feito atempadamente, a fim de continuar a promover os investimentos necessários.

5.6   A Comissão está ciente de que a execução da decisão da OMI constante do anexo VI da Convenção MARPOL de aplicar, a partir de 2015, um limite de 0,1 % nas zonas de controlo das emissões de SOx levará a um considerável aumento dos custos. A comunicação da Comissão relativa à revisão da aplicação da Diretiva 1999/32/CE contém uma exposição detalhada sobre este assunto (6).

5.7   A Comissão constata que a possibilidade adicional de cumprimento por vias tecnológicas – como os métodos de redução de emissões (lavadores de gases ou scrubbers), combustíveis alternativos (GNL) e o abastecimento de eletricidade em terra –, prevista no anexo VI da Convenção MARPOL e, posteriormente, na proposta de revisão da diretiva 1999/32/CE, exige um nível considerável de investimento de capital, tanto do setor privado como do setor público.

5.7.1   A Comissão estabeleceu a este respeito uma série de medidas de acompanhamento a curto prazo para apoiar o setor através de instrumentos financeiros da UE existentes, como o programa das redes transeuropeias de transportes (RTE-T), o Marco Polo II, o Mecanismo Europeu para Transportes Não Poluentes (ECTF), o Banco Europeu de Investimento (BEI), bem como a possibilidade de recorrer a fundos dos Estados-Membros para apoiar medidas a bordo dos navios e desenvolver infraestruturas em terra.

5.7.2   A médio prazo, a Comissão está a desenvolver uma abordagem global, como um «conjunto de instrumentos para o transporte marítimo sustentável».

5.7.3   O CESE congratula-se com todas estas intenções da Comissão, referindo, contudo, que os custos da aplicação de métodos alternativos serão muito elevados. As tecnologias de redução de emissões, particularmente quando aplicadas para controlar as emissões de NO2 e CO2, podem ser mais rentáveis. Os programas de apoio a que a Comissão faz referência são, em si, positivos, mas o Comité questiona-se se, com os recursos e prazos atuais, se conseguirá uma redução dos custos de aplicação até 2015.

5.8   No atinente ao registo do procedimento de controlo da OMI para combustíveis, o CESE observa que existe uma diferença entre esse procedimento e a norma da Organização Internacional de Normalização. Esta questão deve ser esclarecida.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  CESE 580/2003, JO C 208 de 3.9.2003, pp. 27-29.

(2)  Resolução MEPC.176(58) adotada em 10 de outubro de 2008 (anexo VI revisto da MARPOL).

(3)  COM(2011) 439 final.

(4)  Na União Europeia, estas zonas abrangem o Mar Báltico, o Mar do Norte e o Canal da Mancha.

(5)  COM(2011) 144 final.

(6)  COM(2011) 441 final de 17.7.2011.


6.3.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 68/74


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1300/2008 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de arenque presente a oeste da Escócia e às pescarias que exploram essa unidade populacional»

COM(2011) 760 final — 2011/0345 COD

2012/C 68/14

Em 30 de novembro de 2011, o Parlamento Europeu e, em 13 de dezembro de 2011, o Conselho, decidiram, nos termos do artigo 43.o, 2.o parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1300/2008 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, que estabelece um plano plurianual relativo à unidade populacional de arenque presente a oeste da Escócia e às pescarias que exploram essa unidade populacional

COM(2011) 760 final — 2011/0343 COD.

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório, o Comité, na 477.a reunião plenária de 18 e 19 de janeiro de 2012 (sessão de 18 de janeiro), decidiu, por 171 votos a favor, com 14 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 18 de janeiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON