ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2011.195.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 195

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Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

54.o ano
2 de Julho de 2011


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I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Tribunal de Contas

2011/C 195/01

Parecer n.o 4/2011 relativo ao Livro Verde da Comissão sobre a modernização da política de contratos públicos da UE (apresentado nos termos do n.o 4 do artigo 287.o do TFUE)

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PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Tribunal de Contas

2.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 195/1


PARECER N.o 4/2011

relativo ao Livro Verde da Comissão sobre a modernização da política de contratos públicos da UE

(apresentado nos termos do n.o 4 do artigo 287.o do TFUE)

2011/C 195/01

O Tribunal regozija-se com a oportunidade de contribuir para o debate aberto baseado no Livro Verde da Comissão sobre a modernização da política de contratos públicos da União Europeia, tanto na qualidade de auditor externo do orçamento da UE como de instituição pública que age também como entidade adjudicante.

A experiência do Tribunal em matéria de auditoria de contratos públicos sugere que os problemas recorrentes de incumprimento se devem à insuficiente aplicação das regras em vigor e que ainda é possível melhorar substancialmente a execução.

O Tribunal regista a ambição do Livro Verde em termos de objectivos, muito numerosos e por vezes contraditórios. Essa profusão exige uma escolha fundamentada, tendo em consideração que o aumento dos custos e da complexidade pode implicar riscos subsequentes para a relação custo-eficácia e para a conformidade jurídica.

O Tribunal observa que é possível introduzir algumas melhorias no sentido de reduzir a carga administrativa, tanto para as entidades adjudicantes como para as empresas, mas tal não deverá acontecer em prejuízo dos princípios fundamentais de igualdade de acesso, concorrência leal e utilização eficiente dos dinheiros públicos. A existência de lacunas, bem como de domínios obscuros ou ambíguos, no actual quadro jurídico implica riscos para a segurança jurídica de todos os operadores e para a integridade dos procedimentos, o que pode exigir que as regras sejam especificadas de forma mais clara.

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o n.o 4 do artigo 287.o,

Tendo em conta o Livro Verde da Comissão sobre a modernização da política de contratos públicos da União Europeia (1),

Considerando o seguinte:

(1)

A Comissão lançou, com base num Livro Verde, uma ampla consulta pública sobre a modernização da política de contratos públicos da União Europeia, visando alinhar essa política com a estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo (2).

(2)

A experiência do Tribunal em matéria de auditoria de contratos públicos sugere que os problemas recorrentes de incumprimento (3), que originam erros significativos afectando a legalidade e a regularidade das operações, se devem à insuficiente aplicação das regras em vigor e que ainda é possível melhorar substancialmente a execução.

(3)

O Tribunal regozija-se, no entanto, com a oportunidade de contribuir para o debate e de partilhar a sua experiência neste domínio, tanto na qualidade de auditor externo do orçamento da União Europeia como de instituição pública que age também como entidade adjudicante,

ADOPTOU O SEGUINTE PARECER:

Definição de objectivos claros e realistas

1.

O Tribunal observa que na estratégia Europa 2020 se afirma que a contratação pública deve: a) melhorar as condições-quadro para a inovação empresarial utilizando plenamente as políticas de estímulo à procura; b) apoiar a transição para uma economia hipocarbónica e que utiliza eficazmente os recursos, nomeadamente promovendo um maior recurso aos contratos públicos ecológicos; c) melhorar o ambiente empresarial, especialmente para as pequenas e médias empresas inovadoras; a estratégia Europa 2020 sublinha ainda que a política de contratos públicos deve assegurar uma utilização o mais eficiente possível dos fundos públicos e que é necessário manter os mercados da contratação abertos em toda a UE. O Tribunal constata ainda que os objectivos atrás referidos são complementados ou explicados pelo Livro Verde, no qual se afirma que as regras em matéria de contratos públicos devem: a) aumentar a eficiência da despesa pública, conseguindo a maior concorrência possível e aplicando processos modernos, com medidas de simplificação orientadas, que satisfaçam as necessidades das entidades adjudicantes; b) permitir que as entidades adjudicantes utilizem melhor os contratos públicos para apoiar objectivos sociais comuns, como a protecção do ambiente, a promoção da inovação e da integração social e a garantia das melhores condições possíveis para prestação de serviços públicos de elevada qualidade; c) prevenir e lutar contra a corrupção e o favorecimento; d) abordar a questão de saber como poderá ser melhorado o acesso das empresas europeias aos mercados dos países terceiros; e) garantir uma melhor segurança jurídica às autoridades e às empresas contratantes.

2.

O Tribunal observa que a Comissão tem consciência de que poderão surgir conflitos entre os diferentes objectivos fixados pelo Livro Verde para a reforma e que estes diferentes objectivos «[se] traduzem […] por vezes em opções políticas, que podem apontar para diferentes direcções e que numa fase ulterior exigirão uma escolha fundamentada». O Tribunal é de opinião de que esta observação da Comissão é de importância primordial para o êxito do processo iniciado. Considera essencial que a Comissão defina primeiro, clara e distintamente, os seus objectivos, articulando-os depois adequadamente ou, se possível, atribuindo-lhes prioridades. O Tribunal observa, a este respeito, que a introdução de novos objectivos na política de contratos públicos da UE, tal como previsto na estratégia Europa 2020, pode provocar uma maior complexidade do quadro jurídico e, portanto, dificuldades acrescidas no cumprimento de outros objectivos estabelecidos pela reforma, como garantir uma melhor segurança jurídica às autoridades e às empresas contratantes.

3.

O Tribunal sublinha que os meios utilizados para alcançar os objectivos fixados, embora sendo adequados para alguns deles, podem causar efeitos indesejáveis para a concretização de alguns dos outros objectivos. A este respeito, deve salientar-se que a generalização do recurso aos procedimentos por negociação considerada no Livro Verde, embora estes constituam um instrumento relevante que contribui para a abertura dos mercados e para o aumento da eficiência processual, pode provocar efeitos negativos em relação ao objectivo de prevenção da fraude e da corrupção, ao conceder maior poder discricionário às entidades adjudicantes. Do mesmo modo, a maior utilização dos contratos públicos conjuntos, que se destinam principalmente a poupar tempo e custos inerentes à organização de múltiplos processos de concurso pelas entidades adjudicantes, não é fácil de conciliar com a medida proposta de subdividir os concursos em vários lotes de modo a facilitar o acesso das pequenas e médias empresas à contratação pública.

4.

As medidas legislativas destinadas a alcançar um dos objectivos fixados podem causar efeitos indesejáveis para a concretização de alguns dos outros objectivos. O Tribunal sublinha a esse respeito que não é suficiente identificar os riscos inerentes à introdução de uma nova medida legislativa e os meios de os atenuar. Os riscos têm igualmente de ser avaliados quanto à sua seriedade e probabilidade de concretização e, se os meios de os atenuar forem desproporcionados, terão de ser exploradas soluções alternativas.

5.

Não compete ao Tribunal questionar os objectivos de política definidos pela Comissão através do processo de reforma iniciado. O Tribunal lembra, contudo, que, sejam quais forem, esses objectivos não deverão afectar os objectivos básicos do quadro jurídico dos contratos públicos, designadamente o respeito pelos princípios da não discriminação, da igualdade de tratamento e da transparência, bem como a obtenção, para as entidades adjudicantes e para os contribuintes, dos melhores resultados possíveis em matéria de contratos públicos, com o menor investimento possível em termos de tempo e de dinheiros públicos. O Tribunal atribui, neste contexto, um valor considerável à concretização do objectivo de segurança jurídica, que implica a estabilidade do quadro jurídico que rege os contratos públicos. Considera, consequentemente, que quaisquer reformas a introduzir devem basear-se nas necessidades prementes que as justificam.

6.

Embora não seja da sua competência pronunciar-se sobre até que ponto os procedimentos de contratos públicos deverão ter uma melhor utilização em apoio de outras políticas e objectivos sociais (como a protecção do ambiente, a eficiência energética e a luta contra as alterações climáticas, a promoção da inovação e da integração social), o Tribunal considera que a introdução de condições suplementares para a legalidade de um procedimento de contrato público pode aumentar os custos e a complexidade, acarretando assim riscos subsequentes para a relação custo-eficácia e para a conformidade jurídica. O Tribunal observa, além disso, que as normas em vigor, incluindo a noção de «proposta economicamente mais vantajosa», concedem alguma margem de manobra para a inclusão de elementos qualitativos de longo prazo (como o ciclo de vida e os custos operacionais), podendo ser utilizadas para limitar o âmbito do critério do preço, sem eliminar a necessidade de basear as decisões na relação entre o preço e a qualidade.

7.

O Tribunal compreende que se pode prestar especial atenção ao acesso das pequenas e médias empresas aos contratos públicos. Observou, contudo, um nível geralmente reduzido da resposta destas aos concursos, bem como uma limitada cobertura europeia. O insuficiente acesso à informação, bem como os custos administrativos, representam um obstáculo significativo à sua efectiva participação. O fornecimento de formação e informação, ou de serviços de apoio regionais, poderá estimular a participação das pequenas e médias empresas. No entanto, o Tribunal não é a favor de obrigar um proponente seleccionado a subcontratar uma parte do contrato principal, pois as dificuldades jurídicas e práticas de tal disposição seriam superiores às suas vantagens.

Clarificação do quadro jurídico e redução da carga administrativa

8.

O Tribunal considera necessário aperfeiçoar alguns conceitos e noções básicas a fim de melhorar a segurança jurídica das autoridades e empresas contratantes. As regras podem ser simplificadas mas também clarificadas por um quadro mais completo e pormenorizado.

9.

O Tribunal considera que o novo quadro jurídico deverá incluir «regras» provenientes da jurisprudência da UE, tal como muitas propostas incluídas no Livro Verde são oriundas da jurisprudência do Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Primeira Instância da UE. O Tribunal é de opinião de que as entidades adjudicantes necessitam de orientações precisas baseadas em regras facilmente acessíveis a todos. A este respeito é, contudo, necessário analisar a situação, como acontece na Comissão, antes de incluir no acervo jurídico qualquer nova «regra» de contratação pública proveniente da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

10.

O Tribunal considera que o âmbito das actuais directivas afecta a segurança jurídica de todas as partes, especialmente no caso de as empresas privadas receberem subvenções públicas. Considera importante esclarecer, nas futuras regras em matéria de contratos da UE, o seu domínio de aplicação e evitar suprimir a distinção entre contratos públicos e subvenções. De igual modo, será útil clarificar a definição de entidade adjudicante, bem como o âmbito e os critérios da cooperação entre organismos do sector público. Será, além disso, possível rever distinções na legislação (por exemplo entre contratos de obras, fornecimentos e serviços), limitações (serviços «A» e «B») ou exclusões, se forem consideradas desnecessárias.

11.

O Tribunal considera que a actual variedade de opções processuais definida nas directivas é globalmente satisfatória. É importante evitar quaisquer procedimentos que possam conduzir a discriminação ou a menor transparência ou comprometer o princípio de uma concorrência leal e efectiva. A este respeito, os procedimentos acelerados, bem como um possível recurso generalizado aos procedimentos por negociação, acarretam claramente riscos elevados, cujo controlo pode exigir um esforço desproporcionado. Por outro lado, na selecção de um processo de adjudicação, é importante ter em conta a estrutura da oferta e as características do mercado. Assim, a utilização de um concurso público pode não ser adequada quando a concorrência é efectivamente reduzida por várias razões (especificações técnicas, direitos de exclusividade, acordos exigidos, estrutura dos mercados para produtos específicos, situação local do mercado, etc.).

12.

Na opinião do Tribunal, o Livro Verde assinala devidamente algumas lacunas no quadro jurídico que podem acarretar riscos para a segurança jurídica, especialmente na fase de execução contratual. O Tribunal considera que deverão ser introduzidas clarificações, baseadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça, no quadro jurídico da UE, para regular o caso de «alterações substanciais» a um contrato em vigor, bem como as alterações ligadas à empresa contratante e a rescisão de contratos. Nesses casos, porém, quando é necessário organizar um novo processo de concurso, não há razão para justificar que ele possa ser mais flexível. As regras em matéria de contratos públicos deverão igualmente permitir que as entidades adjudicantes limitem a determinado nível a possibilidade de subcontratação, a fim de evitar dificuldades jurídicas e práticas que possam advir quando o contrato é executado, no todo ou em parte, por subcontratantes.

13.

O Tribunal considera que a redução da carga administrativa, através de medidas como a apresentação e a verificação da documentação comprovativa apenas dos candidatos da lista restrita, de declarações dos interessados (com risco dos próprios concorrentes), ou de comprovativos proporcionados da capacidade financeira, beneficiará tanto os operadores económicos (especialmente as pequenas e médias empresas) como as entidades adjudicantes. Como exemplo de outras medidas para reduzir a carga administrativa e dar uma resposta mais eficiente às necessidades das entidades adjudicantes, podem citar-se a aquisição simplificada ao menor preço dos chamados «bens e serviços comerciais», uma maior flexibilidade na análise dos critérios de selecção e de adjudicação, a promoção de procedimentos já disponíveis (centrais de compras, acordos-quadro) especialmente para pequenas entidades adjudicantes ou o desenvolvimento de instrumentos mais flexíveis como, abaixo de determinado limiar, um procedimento por negociação associado a um valor de referência. No entanto, demasiada flexibilidade de procedimentos pode implicar riscos de abuso e de discriminação.

14.

No que se refere à integridade dos procedimentos, o Tribunal tem plena consciência de que os contratos públicos constituem um domínio de risco, no qual os comportamentos e práticas antiéticos, como conflitos de interesses, favorecimento, fraude e corrupção, podem ocorrer em todas as fases, prejudicar a concorrência leal e dissuadir os concorrentes. Para atenuar esses riscos, são necessários esforços comuns a nível nacional e da UE. A clarificação, a nível da UE, de algumas definições (como «conflito de interesses» ou «falta grave em matéria profissional») e a introdução de medidas destinadas a evitar, detectar e prevenir práticas antiéticas (formação, declarações dos interessados, códigos de conduta, sanções automáticas, protecção dos informadores, intercâmbio de informações entre os Estados-Membros sobre a exclusão dos concorrentes duvidosos, etc.) poderão constituir um importante contributo para uma maior igualdade de condições em matéria de contratos públicos a nível europeu.

O presente parecer foi adoptado pelo Tribunal de Contas, no Luxemburgo, na sua reunião de 26 de Maio de 2011.

Pelo Tribunal de Contas

Vítor Manuel da SILVA CALDEIRA

Presidente


(1)  COM(2011) 15 final de 27 de Janeiro de 2011.

(2)  COM(2010) 2020 final de 3 de Março de 2010 e Conclusões do Conselho de 17 de Junho de 2010, parte I.

(3)  As infracções incluem, entre outras: incumprimento da obrigação de um nível adequado de publicidade e de transparência, adjudicação de contratos sem concurso e sem que haja extrema urgência, aplicação de uma selecção ou de critérios de adjudicação ilegais, infracção do princípio de igualdade de tratamento (negociando com um dos concorrentes durante o processo de adjudicação), adjudicação por ajuste directo de obras ou serviços complementares para além dos limites fixados nas directivas.