ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2009.100.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 100

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

52.o ano
30 de Abril de 2009


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008

2009/C 100/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — As pequenas e médias empresas enquanto factores decisivos para estimular o crescimento e o emprego. Avaliação intercalar da política moderna para as PME COM(2007) 592 final

1

2009/C 100/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Contratos pré-comerciais: promover a inovação para garantir serviços públicos sustentáveis de alta qualidade na Europa COM(2007) 799 final

6

2009/C 100/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Remover os obstáculos aos investimentos transfronteiras dos fundos de capital de risco COM(2007) 853 final

15

2009/C 100/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Combate à fraude e à falsificação ou contrafacção de meios de pagamento que não em numerário

22

2009/C 100/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Consulta sobre o projecto de orientações da Comissão para a Avaliação de Impacto

28

2009/C 100/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização

33

2009/C 100/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Segurança dos passageiros no transporte aéreo

39

2009/C 100/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A União Europeia face ao desafio alimentar mundial

44

2009/C 100/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Para além do PIB — Instrumentos para medir o desenvolvimento sustentável

53

2009/C 100/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Segurança sanitária — importações agrícolas e alimentares

60

2009/C 100/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Mudança estrutural e conceptual como pré-requisito para uma política industrial europeia baseada na investigação e no conhecimento e globalmente competitiva (Europa: Recuperar o atraso ou assumir a liderança?)

65

2009/C 100/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Reestruturação e evolução do sector de electrodomésticos na Europa (produtos brancos) e suas consequências para o emprego, as alterações climáticas e os consumidores

72

2009/C 100/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre como poderá a experimentação social ajudar na elaboração de políticas públicas de inclusão activa na Europa?

77

2009/C 100/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A dimensão ética e social das instituições financeiras europeias

84

2009/C 100/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As relações União Europeia — Brasil

93

2009/C 100/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte (parecer de iniciativa)

100

 

III   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008

2009/C 100/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à simplificação das condições das transferências de produtos relacionados com a defesa, na Comunidade COM(2007) 765 final — 2007/0279 (COD)

109

2009/C 100/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços nos domínios da defesa e da segurança COM(2007) 766 final — 2007/0280 (COD)

114

2009/C 100/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante às disposições comuns sobre os instrumentos de medição e os métodos de controlo metrológico (reformulação) COM(2008) 357 final — 2008/0123 (COD)

120

2009/C 100/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um quadro para definir os requisitos de concepção ecológica dos produtos relacionados com o consumo de energiaCOM(2008) 399 final — 2008/0151 (COD)

120

2009/C 100/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, a Proposta de Regulamento do Conselho que altera os Regulamentos (CE) n.o 320/2006, (CE) n.o 1234/2007, (CE) n.o 3/2008 e (CE) n.o […]/2008 com vista à adaptação da política agrícola comum e a Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) COM(2008) 306 final — 2008/0103+0104+0105 (CNS)

121

2009/C 100/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define regras sanitárias relativas a subprodutos animais não destinados ao consumo humano (regulamento relativo aos subprodutos animais) COM(2008) 345 final — 2008/0110 (COD)

133

2009/C 100/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às substâncias que empobrecem a camada de ozono (Reformulação) COM(2008) 505 final — 2008/0165 (COD)

135

2009/C 100/24

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a criação de um Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e a Formação Profissionais COM(2008) 179 final — 2008/0069 (COD)

136

2009/C 100/25

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a criação do Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (ECVET) COM(2008) 180 final — 2008/0070 (COD)

140

2009/C 100/26

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta alterada de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho no trabalho COM(2008) 111 final — 2006/0214 (COD)

144

2009/C 100/27

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho relativa ao regime geral dos impostos especiais de Consumo COM(2008) 78 final/3 — 2008/0051 (CNS)

146

2009/C 100/28

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema Comum do imposto sobre o valor acrescentado com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias e a Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1798/2003 com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias COM(2008) 147 final — 2008/0058 (CNS) — 2008/0059 (CNS)

150

2009/C 100/29

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro (Versão codificada) COM(2008) 492 final 2008/0158 CNS

153

2009/C 100/30

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento (CE) do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, no que diz respeito a certos projectos geradores de receitasCOM(2008) 558/2 — 2008/0186 (AVC)

154

2009/C 100/31

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Fundação Europeia para a Formação (reformulação) COM(2007) 443 final — 2007/0163 (COD)

155

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008

30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — As pequenas e médias empresas enquanto factores decisivos para estimular o crescimento e o emprego. Avaliação intercalar da política moderna para as PME

COM(2007) 592 final

2009/C 100/01

Em 4 de Outubro de 2007, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — As pequenas e médias empresas enquanto factores decisivos para estimular o crescimento e o emprego. Avaliação intercalar da política moderna para as PME.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 1 de Outubro de 2008, sendo relator Brendan Burns.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 85 votos a favor com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Deve-se começar a desenvolver o empreendedorismo nos jovens desde muito cedo. É necessário incutir neles a ideia de que criar uma empresa própria é uma opção de carreira normal, que não está reservada a pessoas com dinheiro ou formação universitária.

1.2.   A Comissão terá de incentivar os governos nacionais a cooperarem com organizações, como o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP), as várias associações de pequenas e médias empresas (PME) e o CESE, no desenvolvimento de um sistema de qualificação profissional credível, transeuropeu, apoiado pelos empregadores, orientado para a actividade económica e capaz de satisfazer as necessidades das empresas, sobretudo as PME.

1.3.   A Comissão e os governos nacionais terão igualmente de colaborar entre si para desenvolver e implementar, a nível europeu, um sistema sólido de protecção da propriedade intelectual, das invenções e das inovações.

1.4.   Nas consultas a realizar futuramente pelo governo deverão ser indicadas exactamente todas as alterações aceites após cada processo de consulta e antes da implementação de qualquer directiva, legislação ou acto legislativo.

1.5.   A Comissão deve rever os seus procedimentos de consulta com as associações de PME e as organizações do sector do comércio. É preciso reconhecer que a participação das PME num processo de consulta a nível estatal implica custos adicionais e ponderar o reembolso das despesas incorridas pelos proprietários de PME convidados a participar nele activamente.

1.6.   Os governos nacionais e regionais deverão participar mais sistematicamente nos processos e nos procedimentos referentes às PME, tal como preconiza a avaliação intercalar. As boas iniciativas promovidas pela Comissão Europeia não estão a surtir os resultados esperados devido à apatia ou à oposição de alguns governos nacionais e regionais relativamente a propostas favoráveis às PME.

1.7.   Os subsídios e a concorrência desleal são factores de desestabilização do mercado. A Comissão deverá considerar os efeitos a montante e a jusante das PME decorrentes das distorções da concorrência geradas pela concessão de subsídios. A atribuição de subsídios deverá reger-se unicamente por razões de ordem social ou ambiental e não constituir uma forma de subvencionar a produção. Futuramente, a concessão de subvenções ou subsídios deverá orientar-se pelo princípio de que «o que é subsídio para uns é para outros concorrência desleal».

1.8.   Toda a legislação que diz respeito às empresas deverá ser redigida em termos claros e compreensíveis, não incluindo cláusulas de conteúdo vago, confuso ou passível de diferentes interpretações.

1.9.   A definição de PME deverá ser revista e é preciso demonstrar à evidência qual seria o efeito de utilizar outros números no volume de negócios anual e no balanço anual para determinar o carácter das micro, pequenas e médias empresas (ver 4.5.2).

1.10.   É necessário aplicar procedimentos especiais ao acesso destas empresas às subvenções comunitárias e ao financiamento de projectos, os quais deverão ter em conta a pressão temporal específica que pesa sobre as empresas de menor dimensão.

1.11.   Importa ainda reconhecer e resolver o problema da transferência de sociedades de uma geração para outra.

2.   Introdução (contexto)

2.1.   Os políticos e os economistas reconhecem, na sua maioria, que a criação de PME e de microempresas é um factor-chave para o desenvolvimento da política económica e social europeia.

2.2.   Em 2005, a Comissão Europeia lançou a «Política moderna para as PME», com o objectivo de promover o crescimento e o emprego. A nova política visa assegurar a coordenação de todos os aspectos das políticas comunitárias em favor das PME, e uma análise mais rigorosa das necessidades destas empresas no momento de elaborá-las. Esta política inclui iniciativas em cinco domínios:

1.

Promover o empreendedorismo e a aquisição de competências

2.

Melhorar o acesso das PME aos mercados

3.

Redução da burocracia

4.

Reforçar o diálogo e a consulta dos intervenientes do sector das PME

5.

Melhorar o potencial de crescimento das PME.

2.3.   Esta política visava essencialmente criar na Europa um clima favorável às PME. Tem sido amplamente reconhecido que a concretização desse objectivo exige esforços concertados de todas as autoridades relevantes (comunitárias, nacionais e regionais) para assegurar que as várias políticas desenvolvidas se complementam e não entravam o desenvolvimento das PME.

2.4.   Em 4 de Outubro de 2007, a Comissão emitiu uma comunicação intitulada «As pequenas e médias empresas enquanto factores decisivos para estimular o crescimento e o emprego. Avaliação intercalar da política moderna para as PME» (1). Este documento é o relatório da Comissão dirigido à classe política e às várias autoridades sobre o sucesso da «Europa» (até à data) na prossecução dos objectivos fixados na política emanada em 2005.

3.   Observações sobre a avaliação intercalar

3.1.   O Comité Económico e Social Europeu constata com agrado que a Comissão Europeia colocou a questão das PME entre as prioridades da agenda económica e social. Constata igualmente que, apesar das diversas restrições dos governos nacionais, a Comissão procurou melhorar o ambiente económico para as PME em toda a Europa. Concordamos também com a Comissão quando afirma ainda haver muito a fazer para assegurar um clima verdadeiramente favorável às PME.

3.2.   O CESE aprova o princípio de que os políticos e legisladores devem «pensar primeiro em pequena escala» («think small first»). Não obstante a Comissão apoiar este princípio, o CESE não está convencido de que todos os outros níveis de governação, nacionais e regionais, com as respectivas agências e organizações, partilhem a mesma visão ou objectivo.

3.3.   O CESE comprova que a expressão «PME», enquanto título ou descrição de um sector empresarial, está a ser incluída na maioria dos documentos emanados da Comissão que tratam da actividade económica. O CESE considera, todavia, que esta menção não garante necessariamente a integração dessas empresas no processo ou nas políticas recomendados. Está igualmente preocupado com o facto de não serem tidas em conta as opiniões dos profissionais liberais, dos trabalhadores independentes e das microempresas. Não concordamos, por isso, com a afirmação de que «as PME estão agora plenamente integradas nas políticas comunitárias».

3.4.   Toda a legislação tem impacto nas pequenas empresas. O efeito cumulativo dos vários actos legislativos cria um grave problema às PME, e esta situação é frequentemente ignorada pela classe política e pelos funcionários da administração pública. As pequenas empresas têm de dedicar aos seus clientes o pouco tempo e recursos de que dispõem. Quanto mais tempo despendem no preenchimento de formulários oficiais e em procedimentos burocráticos, menos tempo têm para criar riqueza e emprego através do fornecimento de bens e serviços.

3.5.   Muitas PME continuam a considerar os procedimentos oficiais aos níveis nacional e comunitário demasiado burocráticos, demasiado dependentes da certificação de terceiros e demasiado dispendiosos. Além disso, os funcionários responsáveis têm alguma dificuldade em entender a equação de factores risco/tempo/custo e benefícios, a qual é fundamental para a maioria das PME quando avaliam a sua participação em qualquer projecto, processo de desenvolvimento, de consulta, ou de conformidade, ou quando se candidatam a «apoios» às empresas.

3.6.   As pequenas, médias e microempresas exprimem invariavelmente o desejo de condições de mercado equitativas em todo o território comunitário. O CESE acredita que ainda se está muito longe de concretizar esse objectivo. Com muita frequência, as queixas de concorrência desleal apresentadas por PME são interpretadas como pedidos de subsídio ou tratamento especial, quando o que realmente reivindicam é apenas o direito a uma concorrência justa e equitativa.

3.7.   As PME queixam-se de que a legislação não é clara e compreensível. As grandes empresas dispõem de advogados para interpretar as leis. Mas muitas das pequenas empresas não têm meios para pagar este tipo de despesas. É, por isso, vital que a legislação seja redigida de forma clara e que não seja vaga, confusa ou passível de várias interpretações.

3.8.   O CESE considera que a Comissão e os governos nacionais europeus não compreenderam este problema, o que resultou em inúmeras interpretações da mesma legislação no território europeu. Na opinião do CESE, os governos nacionais «adornam» demasiado os seus textos legislativos, tornando-os difíceis de perceber e de implementar pelas PME. Além disso, criam obstáculos ao desenvolvimento transfronteiriço de empresas.

4.   Questões específicas

4.1.   Promover o empreendedorismo e a aquisição de competências

Empreendedorismo e educação

4.1.1.   Para criar um ambiente social e económico mais favorável ao espírito empreendedor, é indispensável uma política integrada cujo objectivo não seja só a mudança de atitudes, mas também a melhoria das competências dos cidadãos. Contudo, não tendo os responsáveis pela elaboração das políticas educativas crescido eles próprios num ambiente educativo de promoção do empreendedorismo, dispõem de pouco conhecimento prático sobre os factores que contribuem para estimular nas pessoas o espírito de iniciativa, fazê-las sentir auto-suficientes e capazes de criar uma empresa.

4.1.2.   Apesar do enorme investimento na promoção do empreendedorismo através da educação, as estruturas de apoio revelaram-se claramente ineficazes e incapazes de assegurar uma educação para o empreendedorismo ou a criação de uma cultura de auto-suficiência. Convinha dar a perceber aos alunos das escolas que criar uma empresa é uma opção tão interessante como arranjar um emprego por conta de outrem ou tirar um curso universitário.

4.1.3.   Grande parte do investimento tem tido como alvo jovens com idade igual ou superior a 16 anos. O CESE considera que é uma intervenção tardia e que a tentativa de motivá-los deve começar numa fase mais precoce do seu desenvolvimento.

4.1.4.   Há que ter em especial atenção o empreendedorismo e a educação dos alunos que frequentaram um estabelecimento de ensino a tempo inteiro e que podem eventualmente ou têm capacidade para tomar conta de uma empresa familiar (transferência de empresas). Em certas partes da Europa isto tornou-se um problema grave que é preciso resolver.

4.1.5.   Os parceiros sociais desempenham um papel fundamental na promoção do empreendedorismo e da educação. É, pois, essencial haver uma cooperação mais intensa entre as empresas e estes parceiros para que estas duas vertentes sejam melhor entendidas e promovidas da melhor maneira.

4.1.6.   Os estudantes precisam de ser levados a encarar o trabalho como uma possibilidade de decidirem sobre a sua vida, criarem oportunidades, tomarem a iniciativa, assumirem riscos e, se tiverem condições para isso, criarem uma empresa própria.

Formação e certificação de competências

4.1.7.   Todas as pequenas empresas ministram formação ao seu pessoal, mas poucos trabalhadores adquirem qualificações específicas. Trata-se de um problema sobretudo em sectores tais como a saúde e a segurança no trabalho, ambiente e em sectores com implicações legais. A Comissão e as agências estatais nacionais responsáveis pelo ensino e a formação profissional (EFP) deveriam ter-se esforçado mais para assegurar que as tarefas desempenhadas nas PME tenham por base as qualificações recebidas. Nas profissões liberais esta situação causou um problema de correspondência entre a formação e as necessidades existentes.

4.1.8.   O CESE crê que a inexistência de um sistema de formação e qualificação profissional orientado para o emprego constitui um importante obstáculo ao desenvolvimento de empresários e empresas europeus, sobretudo ao nível das PME, e considera que o não reconhecimento deste problema e a ausência de soluções para ele põem claramente em causa a pretensão da Comissão de ter conseguido promover o empreendedorismo e a aquisição de competências.

4.2.   Melhorar o acesso das PME aos mercados

4.2.1.   O CESE reconhece que a Comissão procurou eliminar os obstáculos supérfluos no acesso ao mercado. Manifesta, no entanto, a sua preocupação pelo facto de as boas intenções da Comissão não terem sido secundadas pelos governos nacionais. A melhoria do acesso das PME aos novos mercados é prejudicada, sobretudo, pela inexistência de um sólido sistema comunitário de protecção da propriedade intelectual, das invenções e das inovações. Além disso, é preciso não esquecer que os empresários da UE podem constituir PME em países terceiros empregando cidadãos comunitários, mediante investimentos de capitais ou concessões. Essas PME deveriam beneficiar de vantagens similares e não se deveria colocar obstáculos à comercialização dos seus produtos no mercado comunitário, pelo menos no início da sua actividade.

4.2.2.   Os contratos públicos são outro mercado que poderia funcionar com mais abertura e transparência para facilitar a participação das PME. Os contratos públicos representam cerca de 16 % do PIB comunitário e, apesar de se ter verificado um ligeiro aumento da participação das PME, algumas questões fundamentais continuam por resolver:

Nos contratos públicos, ignora-se com demasiada facilidade a idiossincrasia das PME.

A imagem de pouca credibilidade que têm das PME os funcionários das administrações locais e nacionais resulta frequentemente na criação de obstáculos excessivos a estas empresas. Em particular, o requisito de acreditação por uma entidade terceira, obrigatório na apresentação de candidaturas a um concurso público, é uma barreira desnecessária e dispendiosa para a maioria das PME.

As PME que participam em concursos públicos e crêem ter sido alvo de injustiça queixam-se frequentemente de que os procedimentos não são transparentes.

4.3.   Redução da burocracia

4.3.1.   Existe tanta burocracia e legislação desnecessária que é difícil avaliar o que foi feito para reduzir esta sobrecarga. A profusão de normas e regulamentos supérfluos e de políticas governamentais em aplicação (por agências, organismos públicos e entidades licenciadoras) constitui um enorme obstáculo para as PME e as microempresas. O CESE manifesta-se sobretudo apreensivo pelo facto de a revisão intercalar não abordar este problema, sobretudo a burocracia criada pelas agências estatais, os organismos públicos e as entidades licenciadoras. Muitas vezes não existem procedimentos oficiais de reclamação, uma vez que estas instâncias têm geralmente o estatuto de entidades independentes e não-governamentais e não estão, portanto, sujeitas ao controlo do Estado.

4.4.   Reforçar o diálogo e a consulta dos intervenientes do sector das PME

4.4.1.   A consulta das associações de PME é um problema grave não contemplado pela revisão intercalar. É certo que são feitas consultas a um número limitado de associações comerciais e empresariais ao nível europeu, associações de PME e de algumas associações comerciais e empresariais a nível europeu (2), mas esse número é muito reduzido e a representatividade das empresas de menor dimensão no sector comercial é demasiado incipiente.

4.4.2.   Ao nível dos governos nacionais, as PME têm pouca confiança nas consultas e consideram que as suas reclamações são ignoradas pelos decisores políticos. Na sua maioria, são de opinião que os governos nacionais iniciam o processo de «consulta» com pouca ou nenhuma intenção de alterar as suas recomendações iniciais.

4.4.3.   As microempresas e as PME são frequentemente descritas como «muito díspares» e «muito desorganizadas», o que dificultaria a inclusão dos seus pontos de vista nas recomendações finais. Isto verifica-se mesmo quando a consulta diz respeito ao desenvolvimento das PME e das microempresas. Nestes casos, as empresas de maior dimensão usufruem de mais credibilidade do que as PME e as microempresas.

4.5.   Definição de empresas de pequena dimensão

4.5.1.   O CESE sente-se decepcionado com o facto de a revisão intercalar não ter identificado os problemas associados à definição de PME que considera desactualizada (3). O aumento da produtividade através da mecanização e da evolução das práticas laborais alterou radicalmente o funcionamento das empresas.

A actual definição de PME abarca mais de 98 % das empresas europeias.

As tarefas afectas antigamente a 50 trabalhadores são hoje executadas por 10.

Um apoio efectivo às microempresas e às pequenas e médias empresas tem de assentar numa definição realista. Este é um dos principais motivos pelos quais a presente legislação relativa às PME não tem surtido os resultados desejados.

4.5.2.   As definições actuais são:

Categoria empresarial

Número de trabalhadores

Volume de negócios anual

 

Balanço anual

Média

< 250

50 milhões de euros

ou

43 milhões de euros

Pequena

< 50

10 milhões de euros

ou

10 milhões de euros

Micro

< 10

2 milhões de euros

ou

2 milhões de euros

4.6.   Estatuto das pequenas empresas, dos trabalhadores independentes e dos profissionais liberais

4.6.1.   O CESE lamenta que a revisão intercalar não tenha identificado os problemas associados ao «trabalho por conta própria». Há demasiados países europeus que criaram obstáculos artificiais aos cidadãos que pretendem desenvolver as suas capacidades empresariais e criar pequenas empresas. Como não existe uma definição oficial do «trabalho por conta própria», tem havido abusos e uma certa confusão entre empresas e funcionários.

4.6.2.   Os abusos administrativos estão a prejudicar a evolução dos trabalhadores legitimamente incluídos na categoria de «trabalho por conta própria» que estão a gerir pequenas empresas, cumprindo as suas obrigações fiscais e toda a legislação pertinente.

4.6.3.   Esta questão deveria ter sido tratada como um problema. A definição de «trabalho por conta própria» deveria ocupar um lugar prioritário na agenda da Comissão, mas, até à data, esse problema não foi ainda identificado ou tem sido simplesmente ignorado.

4.7.   Representação das pequenas empresas

4.7.1.   A avaliação intercalar não reconhece a importância dos procedimentos utilizados na consulta às PME e na representação das suas posições a nível nacional e europeu. Muitas vezes, os representantes das associações comerciais que participam em conferências governamentais não são empresários com uma verdadeira noção do problema ou com conhecimentos práticos sobre a matéria.

4.7.2.   Não obstante este problema ser reconhecido por muitos serviços da Comissão, nada parece ter sido feito para resolvê-lo.

4.7.3.   O processo de consulta deverá decorrer não só por via electrónica mas também em suporte de papel e em todas as línguas oficiais da UE, para chegar a um maior número de empresas.

4.8.   Acesso aos fundos comunitários

4.8.1.   Apesar de haver mais recursos financeiros para projectos e subvenções, as micro e as pequenas e médias empresas têm dificuldades em aceder-lhes:

Os procedimentos são demasiado burocráticos;

Os processos são demasiado morosos;

O apoio na identificação e na aplicação dos recursos financeiros não é adaptado às necessidades dos utilizadores;

Os sistemas de contabilidade mudam constantemente e, em muitos casos, exigem assessoria de terceiros, muito dispendiosa, que aumenta a carga burocrática e os custos daí decorrentes.

4.8.2.   Para permitir o acesso das PME aos fundos comunitários, será necessário conceber procedimentos específicos que tenham em conta as limitações de tempo com que se debatem este tipo de empresas.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2007) 592 final.

(2)  Por exemplo, a UEAPME (União Europeia do Artesanato e das Pequenas e Médias Empresas), representante oficialmente reconhecida das PME no diálogo social europeu.

(3)  http://ec.europa.eu/enterprise/enterprise_policy/sme_definition/sme _user_guide.pdf


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/6


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Contratos pré-comerciais: promover a inovação para garantir serviços públicos sustentáveis de alta qualidade na Europa

COM(2007) 799 final

2009/C 100/02

Em 14 de Dezembro de 2007, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Contratos pré-comerciais: promover a inovação para garantir serviços públicos sustentáveis de alta qualidade na Europa

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 1 de Outubro de 2008, sendo relator Joost VAN IERSEL.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 70 votos a favor com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE apoia totalmente o objectivo da Comissão de incentivar a inovação nos contratos pré-comerciais na Europa. Se a Europa pretende manter a liderança na prestação de serviços públicos de elevada qualidade e economicamente rentáveis aos seus cidadãos, com benefícios para a economia e para a envolvente social e ecológica deve procurar utilizar o progresso tecnológico e as inovações nos seus serviços públicos o melhor possível.

1.2.   Concorda com as recomendações da Comissão sobre o «Cliente Inteligente» enquanto percussor fundamental de uma atitude mais proactiva em relação a uma política moderna de compras nas administrações públicas. Por norma, a qualidade dos contratos celebrados com fornecedores privados beneficiará de um compromisso «inteligente» de grau mais elevado por parte do comprador público.

1.3.   O CESE concorda com o ponto de vista da Comissão de que criar oportunidades de inovação e de tecnologias aplicadas nos contratos públicos produzirá frutos para a Europa de duas formas. Em primeiro lugar, melhorando a qualidade dos serviços públicos e a rentabilidade, beneficiando dessa forma os contribuintes, e, em segundo, abrindo novas oportunidades para a inovação nas empresas, contribuindo desta forma para a capacidade de inovação e para a competitividade de toda a Europa.

1.4.   O CESE salienta que quaisquer que sejam os potenciais benefícios de novas ou diferentes abordagens nos contratos públicos, a correcta transposição e aplicação das Directivas de 2004 (1) (a seguir designadas as «Directivas») permanece uma prioridade. As atitudes tradicionais e culturais estão na maior parte dos casos profundamente enraizadas. A experiência demonstra que uma correcta aplicação nos Estados-Membros exige um acompanhamento atento permanente e um intercâmbio de experiências e de boas práticas.

1.4.1.   Actualmente, os contratos públicos abrangem domínios muito amplos e novos paradigmas. O CESE sublinha que há que efectuar uma clara distinção entre contratos efectuados pela administração pública e por serviços públicos, sobretudo na promoção da inovação. Os serviços, a maior parte dos quais participam em projectos inovadores há mais de cem anos, têm mais competências profissionais e experiência em relação a projectos de alta tecnologia, o que lhes possibilita lidar com a inovação mais recente. O mesmo se aplica ao sector da defesa, pese embora a Europa, comparativamente aos EUA, não tenha os grandes orçamentos nem a correspondente base de fornecimento à escala continental. Por essa razão, este parecer concentra-se na administração pública, uma vez que os serviços públicos já têm capacidade para gerir a I&D.

1.5.   A Comissão parece estar muito confiante quanto à possibilidade de transpor para a Europa a experiência útil dos EUA no que respeita à ligação entre tecnologia, inovação e contratos públicos. O CESE receia que não será assim tão fácil criar oportunidades comparáveis. Presentemente, na Europa o desenvolvimento dos mercados dos serviços públicos e da defesa, do respectivo aprovisionamento e das inovações conexas tem-se feito principalmente com base nas situações e competências nacionais.

1.6.   Em geral, as diferenças face aos EUA em termos de contratos públicos são que na Europa falta:

um grande mercado e condições semelhantes para as PME dos sectores de tecnologia de ponta em todo o continente;

uma linguagem comum;

uma relação privilegiada como a que existe entre o Pentágono e as empresas tecnológicas; e

o facto de as aplicações e os produtos militares terem repercussões em aplicações e produtos civis.

1.7.   O CESE pretende deixar claro que partilha do ponto de vista da Comissão de que devemos explorar cada oportunidade para estimular a inovação de forma a desenvolver serviços públicos de melhor qualidade e valor. Para esse fim, a Comissão deverá também encorajar as administrações públicas a procurarem tirar proveito mutuamente das boas práticas.

1.8.   Os compradores públicos devem ser estimulados a estarem abertos a soluções inovadoras e alternativas («variantes») e não necessariamente continuarem a comprar sempre o mesmo. Deverão procurar uma boa relação qualidade/preço e não apenas o preço mais baixo. Os intercâmbios entre os centros de conhecimento existentes neste domínio em alguns Estados-Membros podem contribuir para fornecer exemplos para toda a Europa. Desta forma os compradores podem ser encorajados a desenvolverem as competências necessárias para poderem ser clientes inteligentes e a progressivamente ganhar experiência. Estas competências e experiência são uma condição indispensável.

1.9.   No que respeita à inovação, os compradores públicos necessitam de iniciar um diálogo técnico transparente muito antes de procederem a concursos públicos de forma a compreenderem o que de mais avançado existe no mercado e a darem ao mercado a oportunidade de melhor compreender o problema a tratar e, portanto, oferecer as melhores soluções.

1.10.   O CESE recomenda precaução quanto ao envolvimento da maioria da administração pública em processos inovadores ou como primeiros utilizadores. Os poderes públicos têm perdido demasiadas vezes a oportunidade de desenvolver competências e a experiência para participarem num verdadeiro projecto inovador. Os riscos são substanciais e exigem uma gestão da maior qualidade, tendo em conta que as probabilidades de insucesso são muito reais.

1.11.   Deveria ser estabelecida uma rede de pessoas de organizações profissionais e experientes nos Estados-Membros, a que se poderia recorrer para reforçar os recursos próprios do comprador no caso de projectos inovadores mais avançados.

1.12.   Embora o anexo indique processos de contratos pré-comerciais que, apesar de estarem fora do âmbito de aplicação das directivas por força das cláusulas de exclusão (2), são todavia compatíveis com o quadro normativo vigente, ainda existe possibilidade de violação, mesmo por inadvertência. O CESE recomenda que os compradores analisem o anexo e sigam cuidadosamente as suas recomendações. No caso de a entidade adjudicante ou de qualquer dos potenciais fornecedores ter a menor dúvida, o CESE recomenda vivamente que a entidade solicite a análise prévia da Comissão quanto a possíveis violações da doutrina dos auxílios estatais ou das cláusulas de exclusão das directivas e apresente provas disso a todos os potenciais fornecedores.

1.13.   A Comissão salienta, com razão, a importância dos direitos da propriedade intelectual. O CESE acrescenta que é necessário muito cuidado no seu estabelecimento, atribuição e gestão. Não é um domínio simples de actividade.

2.   Antecedentes e contexto

2.1.   Em 2004 o Conselho adoptou as actuais directivas relativas à adjudicação de contratos públicos por serviços públicos (3) e pela administração pública (4), que juntas equivalem a cerca de 16 % do PIB europeu.

2.2.   O objectivo das directivas consistia em definir um conjunto de normas coerentes, não discriminatórias e transparentes que garantam a abertura de mercados até ao momento completa ou parcialmente fechados, promovendo a concorrência entre fornecedores bem como uma relação custo/benefício mais proveitosa para os cidadãos e os governos.

2.3.   Longos e amplos debates acompanharam a redacção das propostas finais, de forma a garantir que as directivas fossem exequíveis e adaptadas à consecução do objectivo.

2.4.   Entretanto, as directivas estão a ser transpostas para a legislação nacional. No entanto, a implementação, na prática, a nível regional e nacional, demonstra não ser assim tão simples. Os procedimentos exigem competências, profissionalismo e experiência, que estão ainda muitas vezes insuficientemente desenvolvidos entre as autoridades adjudicantes. Em muitos casos, o processo de aprendizagem é longo.

2.5.   Uma vez que a inovação é um tema central na Estratégia de Lisboa, estão a ser adoptadas várias iniciativas pelos Estados-Membros e pela Comissão para examinar e procurar a forma de promover a inovação nas práticas de adjudicação de contratos públicos com base nas directivas.

2.6.   Entre as iniciativas recentes da Comissão salientam-se as seguintes:

dez recomendações de boas práticas, necessárias para lidar com sucesso com os contratos públicos (5) (o «Guia dos 10 pontos»);

os debates entre os funcionários da Comissão e os directores nacionais de investigação das TIC (6) nos Estados-Membros, que conduziram a propostas concretas sobre contratos pré-comerciais (7) e que serão debatidas na secção 4 do presente parecer;

a iniciativa da DG Ambiente no quadro do Plano de Acção para Tecnologias Ambientais («PATA») (8) relativa à verificação das tecnologias e correspondentes certificados;

criação pela DG Investigação de um grupo de peritos sobre gestão do risco na contratação pública, cujos trabalhos tiveram agora início.

2.7.   As iniciativas da Comissão baseiam-se e inspiram-se em relatórios pioneiros, como o relatório Aho «Criar uma Europa inovadora» (9), e a Comunicação «Uma iniciativa em prol dos mercados-piloto na Europa» (10). Ambos os documentos indicam de forma explícita que a contratação pública pode e deve ser uma fonte válida de trabalhos, bens e serviços inovadores (11). Em 5 dos 6 (12) sectores identificados pela iniciativa em prol dos mercados-piloto como particularmente apropriados para projectos inovadores, existe muito espaço para inovação na esfera pública.

2.8.   As consultas das partes interessadas identificaram um conjunto de critérios para os mercados-piloto, em que se incluem os critérios «determinados em função da procura e não da oferta de tecnologia» e «interesses sociais e económicos estratégicos» ambos de especial interesse para os compradores públicos. Todas as consultas salientam o sentimento generalizado de que os contratos devem, mais do que no passado, apoiar os trabalhos, serviços e produtos inovadores na Europa.

2.9.   O guia de 10 pontos, publicado em Março de 2007, decorre do relatório Aho e estabelece as boas práticas em matéria de soluções inovadoras na contratação pública, enumerando dez pontos importantes para conseguir ser um cliente inteligente (13). O conceito de cliente inteligente é analisado mais em pormenor no ponto 3.14.

2.10.   Na comunicação sobre contratos pré-comerciais (14) a Comissão introduz um novo instrumento para activar a inovação nas aquisições públicas. Embora respeitando as normas das directivas de 2004, a Comissão quer promover contratos de serviços de I&D entre compradores públicos e potenciais fornecedores que abranjam estágios I&D anteriores à fase de comercialização, ou seja, as fases de concepção, criação de protótipos, ensaios e pré-produção até à produção comercial e venda.

2.11.   O CESE acolhe com agrado todos os esforços para promover a inovação nos contratos públicos. Nesse sentido, considera com interesse todos os documentos e todas as consultas e debates subsequentes entre decisores políticos e compradores que ajudem a preparar o terreno para o desenvolvimento do potencial inovador da indústria na União Europeia em benefício da sociedade.

2.12.   Todavia, o objecto do presente parecer consiste em analisar:

o conceito de contratos pré-comerciais conforme introduzido na comunicação e no seu anexo;

a forma como os contratos pré-comerciais podem, entre outras iniciativas, contribuir para a melhoria de um clima favorável a trabalhos, produtos e serviços inovadores desejáveis;

em que medida e de que forma os contratos públicos dispõem das ferramentas adequadas para promover a inovação em serviços públicos; e

onde se situam as limitações e os riscos, aspecto este que deve merecer especial cuidado.

3.   Observações

3.1.   O Guia de 10 pontos (15) define em termos claros dez boas práticas que podem ajudar as autoridades públicas a lidar eficazmente com soluções inovadoras nos concursos públicos. Representa uma base sólida a desenvolver. Mas ainda há muito que realizar para o pôr em prática. Em algumas áreas é necessária uma actuação mais positiva; noutras, há que ser cauteloso.

3.2.   O êxito da política de aquisições públicas depende das boas práticas coerentes com as directivas. As directivas promovem o Mercado Único ajudando desta forma a Europa a competir com outras zonas de comércio caracterizadas por grandes mercados internos. As boas práticas e as directivas são inseparáveis.

3.3.   Alguns Estados-Membros ainda estão em processo de transposição das directivas de 2004 (ver ponto 2.4) e noutros as directivas estão em contradição com a legislação nacional. Estas deficiências tornam mais difícil tirar partido de todos os benefícios das directivas.

3.4.   Na prática, a complexidade cada vez maior dos contratos públicos leva a uma necessidade óbvia de melhorar as competências e a experiência de todos aqueles que estão envolvidos. Em particular, deve ser promovida em toda a organização do adjudicante público uma cultura adaptada à execução com sucesso de projectos complexos.

3.5.   Para que a inovação prospere é essencial um mercado amplo e acessível. Só assim se podem compensar os custos — dinheiro, tempo e esforço — da inovação. A inovação é essencial para o crescimento e o reforço da economia.

3.6.   De acordo com a Agenda de Lisboa, foi tomada a decisão de que os contratos públicos devem desempenhar um papel na promoção e no apoio da inovação.

3.7.   Embora os principais documentos da Comissão sobre inovação referidos na secção 2 digam geralmente respeito indistintamente aos dois sectores públicos, Administração e Serviços, o CESE chama a atenção em especial para as diferenças que existem actualmente nas organizações que constituem os dois sectores.

3.8.   Há muito que os serviços públicos patrocinam, utilizam, compram e desenvolvem projectos inovadores, tal como as forças armadas e alguns sectores dos serviços de saúde, o que lhes dá as competências e a experiência necessárias. A sua experiência de gestão dos riscos e da complexidade da inovação não deve ser descurada.

3.9.   As autoridades públicas podem aprender com os serviços públicos, as forças armadas e outros sectores com experiência como conduzir com sucesso um projecto inovador. Podem, por exemplo, ter um melhor conhecimento dos recursos necessários a mobilizar em toda a organização. A curto prazo, o recrutamento de pessoas provenientes dos serviços competentes dessas organizações que se tenham reformado há pouco tempo mas pretendem continuar a trabalhar ainda alguns anos pode constituir uma valiosa fonte de experiência.

3.10.   A inovação consiste na utilização de novas formas de fazer as coisas no âmbito de um trabalho, um fornecimento ou um serviço. A investigação e o desenvolvimento são as condições prévias fundamentais de um projecto inovador. Deve-se ter claramente em mente a distinção entre investigação pura e aplicada. A investigação pura é principalmente efectuada por universidades e centros de investigação e proporciona uma base teórica e prática em que se pode basear a investigação aplicada e o desenvolvimento. A investigação aplicada consiste num trabalho teórico e prático destinado a estabelecer a base de desenvolvimento de um ou mais projectos. Este parecer não diz respeito à investigação pura, excepto na medida em que os contratos pré-comerciais mencionados na secção 4 possam ser descritos como tal.

3.11.   Em princípio não existe grande diferença entre o sector público e o sector comercial quanto à forma como se deve gerir um projecto inovador. Existem, claro está, pequenas diferenças: o sector público está sujeito a um nível de avaliação de que o sector comercial está amplamente resguardado. Em todo o desenvolvimento inovador existirão sempre insucessos. É esse o preço do progresso. Enquanto uma disciplina adequada procura minimizar e aprender com os insucessos, uma excessiva preocupação com eles impede um maior desenvolvimento.

3.12.   A versão de 2004 das directivas já contempla contratos que envolvem inovação. Não é necessária mais legislação, mas apenas saber como dirigir um projecto inovador de acordo com as directivas.

3.13.   Em todos os projectos que envolvam inovação — como, aliás, em muitos outros — o comprador deve ter os atributos de um cliente inteligente. Esses atributos foram objecto de um debate exaustivo no Guia de 10 pontos e este parecer salienta a sua importância fundamental.

3.14.   Resumidamente, o cliente inteligente deve estar aberto a novas ideias mas ter a disciplina necessária para as gerir. Necessita de pessoas que tenham experiência e competências na gestão de projectos inovadores. Mas, acima de tudo, a organização deve, desde a base até ao topo, estar em harmonia com as necessidades dos projectos inovadores. Sem esta cultura, as pessoas que actuam no terreno não terão êxito.

3.15.   Os projectos inovadores podem ser divididos, por uma questão de comodidade, em três categorias, cada uma com as suas características especiais, mas com alguns aspectos que são comuns a todas elas. Neste parecer e salvo indicação em contrário, o termo «produto» inclui trabalhos, fornecimentos e serviços.

3.16.   As três categorias são:

a)

Aceitação de um produto inovador para satisfazer uma necessidade comprovada, mas com pouco ou nenhum efeito no modo de funcionamento do comprador. Oferece vantagens com poucos riscos ou perturbações.

b)

Adopção de um produto inovador que exige que o comprador adapte o seu modo de funcionamento. Oferece um benefício potencial substancial mas com algum risco e necessidade do desenvolvimento de novos procedimentos e da formação de pessoal.

c)

Participação num projecto inovador. A participação do comprador pode ser de maior ou menor dimensão, desde um verdadeiro projecto conjunto, partindo da definição do projecto até ser um dos primeiros utilizadores a intervir em programas de experimentação Beta (16), através da compra das primeiras unidades de pré-produção.

3.17.   O projecto mais importante a nível imediato — e o mais eficiente na promoção da inovação — para a participação dos compradores públicos na inovação, e o mais fácil de aplicar é a categoria a), que exige que o comprador esteja aberto a variantes (17) — soluções alternativas — e tenha pessoas capazes de avaliar as diferentes propostas com base na proposta «economicamente mais vantajosa».

3.18.   A categoria b) tem valor para o comprador que procura melhorar as suas operações através da utilização de um novo produto, sendo muitas vezes necessário algum trabalho de desenvolvimento para integrar o novo produto nas suas operações. Exige capacidade para estabelecer os requisitos em termos claros mas não excessivamente restritivos e envolve a participação de pessoal do utilizador e dos departamentos técnicos do comprador. Os recursos a empregar pelo comprador não são insignificantes, mas se o projecto for bem gerido, os riscos da integração são geríveis e os benefícios ultrapassarão os esforços dispendidos.

3.19.   A categoria c) é a que comporta mais dificuldades. A concepção e o desenvolvimento de soluções totalmente novas a partir do esboço apresenta, por inerência, um maior risco tecnológico do que as alterações suplementares para adaptação ou integração de produtos novos no mercado em processos existentes b). Poucas organizações — para além das mencionadas na secção 3.8 (militares, etc.) — têm capacidade e experiência para participarem integralmente num projecto verdadeiramente inovador da categoria c). Os riscos são consideráveis e exigem uma gestão da mais alta qualidade. Embora os benefícios possam ser importantes — não faria sentido iniciar o projecto se assim não fosse — as hipóteses de insucesso também são grandes. Este tipo de projecto contemplado pela comunicação pertence à categoria c).

3.20.   A comunicação implica que um comprador poderá realizar um projecto inovador enquanto contrato de I&D até à fase do desenvolvimento original dos primeiros produtos. Para qualquer contrato de produtos finais em quantidade, tem de ser avaliada caso a caso a necessidade de lançar um concurso público concorrencial em conformidade com as directivas sobre concursos públicos. As empresas normalmente produzem os objectos que concebem, pelo menos até ser possível a fabricação mediante licença. O CESE considera que a atribuição de quaisquer direitos de propriedade intelectual (DPI) com base no projecto e todas as disposições para a sua gestão devem ser cuidadosamente consideradas a nível comercial e concreto antes de se dar início ao projecto.

3.21.   Há elementos que demonstram que um procedimento como o contemplado na comunicação está a ser utilizado nos EUA. Embora existam exemplos no domínio militar geral (o contrato para os aviões cisterna que possivelmente será partilhado entre a Boeing e Airbus), a principal área em que se podem encontrar tais exemplos é a electrónica. Neste domínio, com excepções, como o endurecimento dos circuitos integrados contra os impulsos electromagnéticos, os domínios comercial e militar estão muito mais próximos um do outro do que na maior parte dos outros sectores.

3.22.   Ao estabelecer comparações com os Estados Unidos, há que ter em conta as diferenças estruturais entre eles e a Europa. Há muito tempo que os EUA constituem um país homogéneo que cresceu com base em recursos materiais — agricultura, ouro, petróleo, pessoas — e, exceptuando a era pós-1929, capitais quase ilimitados. Tal conduziu — excepto até há pouco tempo no sector bancário — ao desenvolvimento de um mercado único de longa tradição e das respectivas infra-estruturas. Ainda há muito caminho a percorrer até que a Europa usufrua das mesmas vantagens. Dito isto e pese embora os evidentes pontos fortes dos EUA, em algumas áreas está atrás da Europa, muito particularmente no que respeita ao acesso quase universal aos cuidados de saúde.

3.23.   Para além dos riscos de falha técnica — inerente a qualquer projecto verdadeiramente inovador — os riscos financeiros resultantes do não cumprimento das normas sobre auxílios estatais, transparência, não discriminação e aplicação das directivas, necessitam de ser abordados e serão analisados mais em pormenor na secção 4.3: Auxílios Estatais.

4.   Anexo — SEC(2007) 1668 — à Comunicação: «Contratos pré-comerciais — Documento de trabalho da Comissão»

4.1.   Regime proposto (o «regime»)

4.1.1.   Princípio subjacente: quando o comprador aplica a partilha de riscos e de benefícios a preços de mercado pode-se efectuar um contrato para serviços de I&D ao abrigo de uma cláusula de exclusão (18) ao abrigo das directivas (19), que pode ser utilizado para explorar soluções inovadoras para determinadas exigências (enquanto percussor de um concurso público para quantidades comerciais de produtos finais), estimulando desta forma em geral as ideias inovadoras.

4.1.2.   Pressuposto indispensável: o comprador necessita de se familiarizarem com as actividades e capacidades dos potenciais fornecedores e definir as suas necessidades claramente em termos de produção mas sem ser desnecessariamente restritivo.

4.1.3.   Processo: Uma vez estabelecidos os requisitos e identificados os potenciais fornecedores, sugere-se que o comprador execute um projecto de I&D de três fases, começando com um número razoável (sugere-se cinco), reduzindo-os progressivamente para dois projectos que cheguem ao fim da pré-produção e dos testes Beta. A partir daí, os requisitos de produção deverão ser traduzidos num concurso público de acordo com as disposições das directivas.

4.2.   Observações

4.2.1.   O regime baseia-se amplamente nas práticas utilizadas nos contratos no sector de defesa em vários países, que são bastante semelhantes em todo o mundo e bem compreendidos.

4.2.2.   A indústria da defesa é peculiar na medida em que deve ter em vista um futuro longínquo partindo de pressupostos políticos e tácticos que, pela sua natureza, não podem ser determinadas de forma exacta. Efectua-se muita investigação e pouco desenvolvimento — conforme previsto no regime — de onde resultam apenas alguns programas de produção. Os projectos de I&D e também os contratos de produção são a maior parte das vezes sujeitos a um fluxo contínuo de alterações à medida que é disponibilizada nova informação política e táctica durante os longos períodos de tempo em causa. Assim, as ultrapassagens dos custos são endémicas. Os desenvolvimentos realizados pelas autoridades públicas civis não deverão estar, se forem devidamente geridos, sujeitos ao mesmo fluxo de alterações.

4.2.3.   Há que se questionar sobre se tal regime é apropriado para segmentos do sector público com menos experiência no que respeita a projectos de I&D altamente técnicos.

4.2.4.   Existem preocupações óbvias de que a exclusão prevista nas directivas para contratos de serviços de I&D não destinados a utilização exclusiva do comprador possa ser utilizada de uma forma que viole a concorrência para desenvolver campeões nacionais em detrimento do objectivo das directivas de auxílio ao desenvolvimento de um mercado único pan-europeu.

4.2.5.   Partindo do princípio de que os projectos ao abrigo do regime são realizados, alguns pormenores merecem mais atenção.

4.3.   Auxílios estatais

4.3.1.   No início de qualquer contrato ao abrigo do regime em causa, deve ser suscitada a questão da existência de auxílio estatal conforme referido no anexo. A questão de saber se existe ou não um elemento de auxílio estatal em qualquer projecto particular e, caso exista, se se justifica, ultrapassa o âmbito deste parecer. Mas os efeitos de qualquer incerteza quanto a um projecto ao abrigo do regime estão seguramente abrangidos.

4.3.2.   Os contratos pré-comerciais estão definidos na comunicação como uma abordagem da celebração de contratos de serviços de I&D que implica a partilha de riscos e benefícios entre o adjudicante e os fornecedores e não constitui auxílio estatal. O CESE recomenda que os fornecedores devem analisar cuidadosamente o anexo, que refere um exemplo da aplicação de contratos pré-comerciais de acordo com o quadro jurídico vigente. Em caso de dúvida, quando da realização do primeiro projecto-piloto de contratos pré-comerciais, seria desejável obter antecipadamente autorização da Comissão em relação a uma eventual violação à regulamentação sobre auxílios estatais ou a outras disposições e fornecer o respectivo comprovativo a potenciais fornecedores. A decisão quanto à questão de saber se existe auxílio de Estado é, reconhecidamente, uma questão complexa.

4.3.3.   Se se verificar que existe auxílio de Estado e que o mesmo é ilegal, pode-se exigir do fornecedor que o reembolse, mas este não pode pedir uma compensação ao comprador que é parte no contrato de I&D. O fornecedor está perante um risco material, mas provavelmente impossível de ser segurado. O facto do beneficiário de um auxílio estatal ilegal (um fornecedor) ter de reembolsar o dinheiro que recebeu, sem o poder recuperar do comprador, não é, seguramente, uma característica apenas dos contratos de I&D; aplicam-se as mesmas normas a qualquer contrato comercial. O facto de ter sido utilizado um processo válido de celebração de contratos (por exemplo o processo estabelecido nas directivas) não nos dá a absoluta garantia de que não exista auxílio estatal, uma vez que se pode favorecer os fornecedores de muitas formas directas e indirectas. A utilização da possibilidade de exclusão não proporciona necessariamente um maior ou menor risco de não comprar de forma transparente e não discriminatória a preços de mercado.

4.3.4.   É desejável aumentar o nível de experiência de todos os departamentos públicos responsáveis pelas aquisições, de forma a que possam aplicar correctamente os critérios para a verificação da inexistência de auxílio estatal. Esses critérios incluem a compra de forma transparente e não discriminatória a preços de mercado. Esta experiência é universalmente importante uma vez que esses critérios não são exclusivos dos contratos de I&D. Aplicam-se os mesmos critérios a qualquer tipo de concurso público, pese embora o facto de os riscos em contratos pré-comerciais poderem ser maiores.

4.3.5.   O anexo enuncia os critérios permitem assegurar que um contrato pré-comercial não constitui auxílio estatal. Por conseguinte, o CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros considerem a promoção da formação e da partilha de conhecimentos sobre a constituição de projectos de contratos pré-comerciais em conformidade com o quadro jurídico de forma a evitar o risco de as autoridades públicas — e os seus fornecedores — se depararem mais tarde com problemas de auxílios estatais.

4.3.6.   Embora não constitua uma questão de auxílio estatal, se se vier a verificar que a exclusão das directivas relativa a determinados tipos de serviços de I&D não se justifica, o contrato passará a estar de novo sob a alçada das directivas. Nos termos da directiva sobre recursos o contrato que presumidamente não tenha sido objecto da publicidade devida ou sujeito a «standstill» é «desprovido de efeitos» (20). Nestas circunstâncias, o fornecedor corre o risco de não ser pago pelo trabalho efectuado. Este risco, que provavelmente também não pode ser segurado, não é exclusivo dos contratos de I&D, mas é agravado pela utilização da exclusão dos serviços de I&D das directivas. Há que ser cauteloso e procurar aconselhamento.

4.4.   Risco

4.4.1.   Existem riscos em qualquer programa de I&D; nem todos os projectos inovadores atingirão os resultados esperados. O regime estabelece (com toda a justeza) que os riscos e os benefícios serão partilhados entre o comprador e o fornecedor. No entanto, é dada ênfase a considerações sobre auxílios estatais e a princípios do Tratado que, embora provavelmente inevitável, aumentaria a complexidade numa matéria já de si complexa.

4.4.2.   Como já ocorre em qualquer gestão de riscos, as partes devem acordar em responsabilizarem-se pelos riscos que estão em melhor posição de gerir e em manter uma ligação contínua para assegurar que não se criam novos riscos ou que os mesmos não aumentam sem terem sido identificados e mitigados.

4.4.3.   Debate-se no anexo a questão dos contratos de preços fixos em que a autoridade pública estabelece um máximo e convida os proponentes a apresentarem propostas nesse montante ou abaixo com a intenção de os fornecedores subsidiarem o projecto em maior ou menor medida em troca de direitos de exploração. Tal acordo pode ser atraente para os fornecedores que têm um acesso rápido a um mercado mais amplo para escoar os produtos do desenvolvimento, mas introduz um elemento de complexidade nos casos em que a oportunidade de uma exploração mais ampla não é óbvia, mas as vantagens para o comprador são substanciais. Nesses casos, o comprador deverá provavelmente considerar uma outra possibilidade.

4.5.   Propriedade intelectual

4.5.1.   Os direitos de propriedade intelectual que se geram constituem uma parte importante do regime. A questão que se coloca consiste em saber quem tem os direitos e em que medida isso afecta a base jurídica dos projecto bem como o resultado concreto do ponto de vista dos benefícios a retirar da I&D.

4.5.2.   Existem fundamentalmente três formas de proteger a propriedade intelectual.

Patentes – um monopólio estabelecido na lei;

Direitos de autor – que se encontram em todos os trabalhos originais;

Sigilo – quando nem a patente nem os direitos de autor fornecem uma protecção efectiva.

4.5.3.   As patentes constituem a protecção mais forte e melhor explorável comercialmente para invenções verdadeiramente essenciais que podem ser concedidas sob licença a terceiros. São também as de custo mais elevado. A não ser que a invenção cumpra esses requisitos ou o projecto seja de um sector industrial em que as patentes são utilizadas como arma concorrencial, a criação de patentes é provavelmente um desperdício de dinheiro. As patentes são também extremamente difíceis de defender.

4.5.4.   Os direitos de autor não têm custos; Existem simplesmente. No entanto, contrariamente às patentes, o proprietário dos direitos de autor tem de provar que quem infringiu os seus direitos conhecia a obra objecto dos direitos de autor e que mesmo assim a copiou. A reprodução independente de uma obra objecto de direitos de autor quando quem procedeu a essa reprodução não a chegou a ver não é considerado uma cópia e não pode ser impugnada com sucesso.

4.5.5.   O sigilo é amplamente utilizado no sector comercial para proteger uma vantagem concorrencial. É vital manter o segredo sobre uma invenção quando se tem a intenção de a patentear. A sua divulgação antecipada pode impedi-la de ser patenteada. Quando nem as patentes nem os direitos de autor oferecem uma protecção efectiva para uma invenção com valor comercial, a única solução é mantê-la secreta. A Coca-Cola guarda zelosamente a fórmula da sua bebida com o mesmo nome.

4.5.6.   Embora o sigilo seja uma forma eficiente de proteger a propriedade intelectual e, em algumas circunstâncias, possa ser a única forma disponível, insere-se com dificuldade no contexto da transparência.

4.5.7.   A formulação de especificações funcionais em vez de especificações prescritivas dos cadernos de encargos de contratos de comercialização de produtos finais quantidade podem ajudar a cumprir tanto os requisitos de transparência no que respeita aos proponentes concorrentes sem revelar a aplicação técnica de pormenores relativos a soluções individuais desenvolvidos na fase pré-comercial.

4.5.8.   Os direitos de propriedade intelectual são obviamente muito importantes nos projectos de I&D como previsto no regime. Mas é necessário muito cuidado e compreensão no seu estabelecimento, atribuição e gestão. Não é um domínio de actividade que seja simples.

4.5.9.   Nos contratos pré-comerciais os DPI são partilhados entre compradores e fornecedores: os fornecedores mantêm a propriedade dos DPI, os compradores mantêm o direito de utilização livre de licença bem como o direito de exigir que as empresas participantes os atribuam mediante licença a terceiros em condições justas e razoáveis de mercado. O direito de utilização livre possibilita que o comprador público utilize internamente os resultados da I&D sem ter de pagar os custos das licenças às companhias participantes. O direito de exigir que as companhias participantes procedam à atribuição de licenças de utilização de DPI a fornecedores terceiros a preços de mercado, permite que o comprador público assegure o acesso a uma cadeia de fornecedores suficientemente ampla e competitiva ao mesmo tempo que possibilita que as companhias participantes obtenham rendimentos dos DPI que obtiveram durante o projecto de contrato pré-comercial. Na Europa os compradores públicos podem ter pouca experiência em avaliar o valor de mercado dos DPI e portanto recomenda-se que possuam experiência e formação em partilha de riscos-benefícios no que respeita a DPI.

4.5.10.   As autoridades públicas necessitam de aprender com as boas práticas que existem no sector privado no que respeita à compra e venda de DPI, bem como com as cláusulas contratuais gerais utilizadas pelos governos no que respeita à partilha de DPI com os fornecedores nos contratos públicos em todo o mundo.

4.6.   Qualificações dos fornecedores e do comprador

4.6.1.   É óbvio que os potenciais fornecedores necessitam de ter as competências necessárias para gerir projectos inovadores; a sua experiência pode ser estabelecida de uma forma relativamente fácil por um cliente inteligente.

4.6.2.   Os potenciais compradores também necessitam de competências para gerir tais projectos. A obtenção de conhecimento de ponta no mercado relevante, a preparação do caderno de encargos e dos requisitos em termos de produção, a negociação com os fornecedores e a selecção dos fornecedores escolhidos, a gestão do projecto e dos riscos que apresentam, tudo isto exige competências e profunda experiência dentro da organização do fornecedor. Se a organização não possuir uma cultura — desde o nível mais alto ao mais baixo — adaptada à gestão de tais projectos, corre o risco de um fracasso que lhe sairá caro. Estas características são, evidentemente, as do Comprador Inteligente.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Directivas de 2004: Serviços 2004/17/CE; Autoridades 2004/18/CE.

(2)  Cláusulas de exclusão:

Directiva Serviços. Artigo 24.o, alínea e), Contratos referentes a certos serviços excluídos do âmbito de aplicação da presente directiva. A presente directiva não é aplicável aos contratos de serviços relativos: e) A serviços de investigação e desenvolvimento, com excepção daqueles cujos resultados se destinem exclusivamente à entidade adjudicante para utilização no exercício da sua própria actividade, desde que a prestação do serviço seja inteiramente remunerada pela referida entidade adjudicante.

Autoridades artigo 16.o, alínea f) — Exclusões específicas. A presente directiva não é aplicável aos contratos públicos de serviços relativos: f) A serviços de investigação e desenvolvimento, com excepção daqueles cujos resultados se destinem exclusivamente à entidade adjudicante para utilização no exercício da sua própria actividade, desde que a prestação do serviço seja inteiramente remunerada pela referida entidade.

(3)  2004/17/CE.

(4)  2004/18/CE.

(5)  Guia de soluções inovadoras em matéria de concursos públicos — Dez elementos de boas práticas; SEC(2007) 280.

(6)  TIC: Tecnologias da informação e da comunicação.

(7)  «Contratos pré-comerciais: promover a inovação para garantir serviços públicos sustentáveis de alta qualidade na Europa» COM(2007) 799 final e annexo — SEC(2007) 1668.

(8)  As acções prioritárias do PATA são: promover a I&D; mobilizando fundos; ajudando a canalizar a procura e melhorando as condições de mercado.

(9)  “Criar uma Europa inovadora”, relatório do grupo de peritos independentes europeus sobre I&D, designado na sequência da cimeira de Hampton Court, Janeiro de 2006.

(10)  «Uma iniciativa em prol dos mercados-piloto na Europa»: COM(2007) 860 final.

(11)  Há que referir ainda outros documentos da Comissão como, por exemplo, a Comunicação «Mais Investigação e Inovação — Investir no Crescimento e no Emprego: Uma Abordagem Comum», publicada em 2005 ISBN 92-894-9417- 4.

(12)  Saúde em linha, têxteis de protecção, construção sustentável, reciclagem, produtos de base biológica, energias renováveis.

(13)  Guia das soluções inovadoras em matéria de concursos públicos — Dez elementos de boas práticas — SEC(2007) 280.

(14)  «Contratos pré-comerciais: promover a inovação para garantir serviços públicos sustentáveis de alta qualidade na Europa» COM(2007) 799 final e anexo — SEC(2007) 1668.

(15)  Guia das soluções inovadoras em matéria de concursos públicos — Dez elementos de boas práticas — SEC(2007) 280.

(16)  Os testes Alfa e Beta tiveram origem na indústria do software.

O testa Alfa consiste num teste simulado ou num teste real em condições de operacionalidade efectuado por um utilizador potencial ou por uma equipa independente, normalmente empresa que o desenvolveu.

Os testes Beta são realizados depois dos testes Alfa. As versões do software conhecidas como versões Beta são distribuídas a um grupo limitado de utilizadores fora da equipa de programação, de forma a que testes independentes suplementares possam assegurar que o produto tem poucos defeitos residuais.

(17)  Directiva Administração 2004/18/CE, artigo 24.o Variantes.

1.

Quando o critério de adjudicação for o da proposta economicamente mais vantajosa, as entidades adjudicantes podem autorizar os proponentes a apresentar variantes.

2.

As entidades adjudicantes devem precisar no anúncio de concurso se as variantes são ou não autorizadas; na falta de tal indicação, as variantes não serão autorizadas.

3.

As entidades adjudicantes que autorizem as variantes indicarão, no caderno de encargos, os requisitos mínimos que as variantes devem respeitar, bem como as regras para a sua apresentação.

4.

As entidades adjudicantes só tomarão em consideração as variantes que satisfaçam os requisitos mínimos por elas exigidos. Nos processos de adjudicação de contratos públicos de fornecimento ou de serviços, as entidades adjudicantes que tenham autorizado variantes não podem recusar uma variante pelo simples facto de esta poder conduzir, caso seja escolhida, a um contrato de serviços em vez de um contrato público de fornecimento, ou a um contrato de fornecimento em vez de um contrato público de serviços.

(18)  O Guia de 10 pontos: «Guia das soluções inovadoras em matéria de concursos públicos — Dez elementos de boas práticas»; SEC(2007) 280.

(19)  Ver notas de pé-de-página n.o 2.

(20)  Directiva 2007/66/CE («Recursos»): artigo 2.o-D, Privação de efeitos: (Os Estados-Membros devem assegurar que o contrato seja considerado desprovido de efeitos por uma instância de recurso independente da entidade adjudicante ou que a não produção de efeitos do contrato resulte de uma decisão dessa instância de recurso em qualquer dos seguintes casos: a) Se a entidade adjudicante tiver adjudicado um contrato sem publicação prévia de um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia sem que tal seja permitido nos termos da Directiva […]).


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Remover os obstáculos aos investimentos transfronteiras dos fundos de capital de risco

COM(2007) 853 final

2009/C 100/03

Em 21 de Dezembro de 2007, a Comissão Europeia decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Remover os obstáculos aos investimentos transfronteiras dos fundos de capital de risco

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 1 de Outubro de 2008, sendo relator Peter MORGAN e co-relator Olivier DERRUINE.

Na 448. reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Na Comunicação da Comissão convergem duas importantes vertentes da Estratégia de Lisboa: a ênfase na criação e no desenvolvimento de pequenas empresas inovadoras e a integração dos mercados de capitais da UE como forma de promover o crescimento do emprego e da produtividade. A conjugação destas duas políticas deve-se à necessidade de desenvolver um sector pan-europeu do capital de risco (CR).

1.2.   A Comunicação faz o ponto de situação dos trabalhos em curso. Só uma cooperação estreita entre os Estados-Membros, a Comissão Europeia e o sector do CR poderá viabilizar as próximas etapas descritas no ponto 3.6, findas as quais a Comissão apresentará um novo relatório, em 2009.

1.3.   A disponibilidade de capital de risco não é uma panaceia. As sociedades de CR preferem os grandes negócios, porquanto uma pequena operação pode consumir tanto tempo como uma outra de grande envergadura. Consequentemente, têm mais interesse em injectar fundos em empresas em plena expansão do que em providenciar capital de arranque a empresas em fase de arranque. As sociedades de CR, por proporcionarem capital de arranque e de expansão, constituem um elemento importante da estratégia de Lisboa, e o CESE apoia esta iniciativa da Comissão. Há que melhorar o acesso ao capital de risco nos Estados-Membros em que esse acesso seja mais difícil.

1.4.   Para as sociedades de CR, a liquidação dos investimentos realizados é uma necessidade imperiosa. Para tanto, têm de encontrar um interessado no sector a que a empresa a alienar pertence (ou seja, uma empresa maior) ou, em alternativa, vender a empresa em bolsa. Na UE, os agentes económicos são em geral refractários ao investimento em empresas jovens de pequena dimensão. O CESE recomenda que os Estados-Membros criem incentivos fiscais ao investimento privado em pequenas empresas. Por sua vez, isso estimularia o desenvolvimento de mercados bolseiros para a compra e venda de acções de pequenas empresas. Actualmente, os únicos mercados desse género na UE são o Mercado de Investimentos Alternativos (AIM, Alternative Investment Market), em Londres, e o Entry Standard da Bolsa de Valores de Francoforte, embora a Euronext tenha já lançado a sua própria iniciativa.

1.5.   O AIM, ao permitir a cotação na bolsa de empresas anteriormente não cotadas, torna muito atraente o investimento de capital de risco nessas empresas. O AIM proporciona às sociedades de CR britânicas as oportunidades de que necessitam. A criação de organismos semelhantes noutros Estados-Membros permitiria atrair investimentos nas PME e comercializar as suas acções, além de poder contribuir para o desenvolvimento dos capitais de risco em mercados comunitários ainda não explorados.

1.6.   Embora o capital de risco se concentre necessariamente nos mercados de acções, não deve partir-se do princípio de que a cotação na bolsa é sempre a melhor alternativa para as pequenas empresas. As empresas públicas têm a vantagem dos capitais não cotados e as suas acções proporcionam-lhes um instrumento de aquisição, mas em contrapartida limitam a sua capacidade de acção, sobretudo a longo prazo, devido às exigências do mercado. Assim, o CR não constitui uma boa opção para todas as pequenas empresas. Nos casos em que as PME já financiadas por capital de risco não estão bem adaptadas a uma emissão pública inicial (EPI) de acções, o capital de substituição pode constituir uma boa alternativa.

1.7.   O capital de risco não satisfará completamente a procura de capital de arranque, já que as sociedades de CR são muito selectivas no investimento em empresas em início de actividade. Esta lacuna pode ser parcialmente colmatada por intermediários de CR financiados pelo Estado, mas o resto terá ainda assim de provir de parentes e amigos do empresário e de business angels. A urgência de encorajar a disponibilização de capital de arranque é uma das razões pelas quais o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a criarem incentivos fiscais ao investimento privado nas empresas em fase inicial.

1.8.   Como se afirma na Secção 2 (Definições), o capital de risco é, tecnicamente, uma forma de participação privada. O CESE insiste que a supressão dos entraves aos investimentos transfronteiras de CR não deve facilitar, sem as salvaguardas necessárias, a realização de outras actividades de participação privada, tais como as aquisições de empresas.

1.9.   Em parecer anterior (1), o CESE expressou a sua apreensão quanto aos riscos das transacções de participações privadas para o emprego (incluindo a qualidade do trabalho). É fundamental que essas transacções respeitem o quadro de negociação acordado com os parceiros sociais em cada Estado-Membro. Assim, o CESE recomenda que a Comissão tudo faça, no âmbito da presente iniciativa, para garantir que o diálogo social continue a prevalecer e que a Directiva relativa à informação e à consulta dos trabalhadores se aplique a estes casos. Além disso, o CESE exorta novamente a Comissão a apresentar uma proposta de revisão da Directiva «Direitos Adquiridos» de modo que as transferências de empresas resultantes das operações de transferência de acções também fiquem abrangidas (2).

1.10.   Este aspecto é particularmente importante, dado que a forma mais comum de encerramento de uma empresa é a transferência das vendas para outra sociedade (39 % dos casos). A segunda forma mais comum é a aquisição secundária (24 % dos casos), que tem vindo a assumir cada vez maior importância nos últimos anos, de acordo com testemunhos variados (3).

2.   Definições

2.1.   A Comunicação da Comissão é acompanhada por um documento de trabalho que inclui um glossário exaustivo. A seguir apresenta-se uma lista dos principais termos relacionados com o capital de risco.

2.2.   Reconhecem-se geralmente seis formas de investimento no sector dos capitais de risco:

O capital de constituição assegura o financiamento da fase de estudo, avaliação e desenvolvimento da ideia que está na base da criação de uma nova empresa.

O capital de arranque financia as empresas nas fases de desenvolvimento e de lançamento dos seus produtos.

O capital de expansão destina-se a financiar o crescimento de uma empresa.

O capital de substituição é aplicado na aquisição de acções de uma empresa por um dos accionistas ou por um outro investidor privado.

A aquisição de posição maioritária («buy-out») é a compra da maioria ou da totalidade das acções dos seus accionistas. Dessa operação pode resultar que a empresa deixe de estar cotada em bolsa, ou seja, que o respectivo capital deixe de estar aberto à subscrição pública. Já nas aquisições de posição maioritária pelos quadros da empresa («management buy-outs»), os compradores geralmente recorrem a participações privadas ou a capital de risco.

2.3.   Por capital de risco entende-se o investimento em empresas não cotadas (ou seja, não negociáveis em bolsa) por parte de sociedades de CR que, na qualidade de mandantes, gerem fundos particulares, institucionais ou próprios. As principais fases de financiamento são a do início da actividade (capital de constituição e capital de arranque) e o período de expansão. O capital de risco é, portanto, constituído por fundos geridos profissionalmente e aplicados em investimentos conjuntos com os empresários para financiar empresas que iniciam a actividade ou se encontram na fase de desenvolvimento inicial. Como contrapartida dos elevados riscos que assume, o investidor espera um retorno do investimento superior à média.

2.4.   Estritamente falando, o capital de risco é uma forma de participação privada. As sociedades de participações privadas podem participar em investimentos de CR, mas a sua actividade engloba também o capital de substituição e o associado a operações de aquisição de posição maioritária, para além do capital de risco. O CESE manifesta a sua apreensão quanto ao potencial impacto social desses investimentos de participações privadas.

2.5.   Os business angels são pessoas com fortuna própria que investem directamente em empresas recém-constituídas ou em expansão não cotadas em bolsa. Esse investimento pode complementar o das sociedades de CR no financiamento da fase inicial da actividade das empresas.

2.6.   Os investidores institucionais são instituições financeiras, como as companhias de seguros, os fundos de pensões, os bancos ou as sociedades de investimento, que recolhem as poupanças de investidores, em geral particulares, para as investir nos mercados financeiros. Dispõem de activos avultados e são investidores experientes.

2.7.   O investimento privado é uma forma de venda de produtos financeiros que permite ao comprador e ao vendedor efectuarem uma transacção sem se sujeitarem a muitas ou à totalidade das normas que regem as ofertas públicas de venda. Em geral, a própria legislação que regulamenta o investimento privado determina quais as entidades que podem efectuar esse tipo de transacção e em que condições o podem fazer. Normalmente, é este o regime que se aplica nos investimentos realizados por investidores institucionais (presumivelmente bem informados) em fundos geridos por sociedades de capital de risco.

2.8.   O princípio do gestor prudente permite que os fundos de pensões incluam aplicações em fundos de investimento de participações privadas ou de capital de risco nas suas carteiras de investimentos, desde que respeitem o perfil de risco dos participantes, ou seja: o gestor do fundo tem a obrigação de investir por conta dos participantes como se o fizesse no seu próprio interesse. Por conseguinte, sempre que haja investimento em CR, a carteira deverá ser razoavelmente diversificada.

3.   Síntese da Comunicação da Comissão

3.1.   Segundo dados da Associação Europeia de Participações Privadas e de Capital de Risco (EVCA – European Venture Capital and Private Equity Association), o CR contribui significativamente para a criação de emprego. As empresas na UE que recebem participações privadas e CR foram responsáveis pela criação de um milhão de novos empregos entre 2000 e 2004. Mais de 60 % destes empregos foram criados por empresas apoiadas por CR, nas quais se verificou uma taxa anual de crescimento do emprego de 30 %. Além disso, as empresas inovadoras e orientadas para o crescimento que são apoiadas por CR consagram em média 45 % das suas despesas totais à I&D. (O CESE lamenta que a Comissão não tenha encontrado fontes independentes para corroborar estas conclusões. Para mais observações, ver os pontos 4.10 e 4.11 infra.)

3.2.   O potencial dos mercados de CR na UE não está inteiramente explorado e os mercados não fornecem o capital suficiente às PME inovadoras em fase inicial de crescimento. A falta de uma cultura de investimento de capital próprio, a escassez de informação, a fragmentação do mercado, os elevados custos e a falta de cooperação entre as empresas e o mundo universitário contam-se entre as razões principais para esta deficiência do mercado. As disparidades entre as políticas nacionais criam uma fragmentação significativa do mercado, que afecta negativamente a angariação de fundos e o investimento na UE.

3.3.   Embora os poderes públicos possam contribuir em alguma medida para o apoio ao financiamento da inovação, a dimensão do desafio à escala global deixa entender que só o aumento do investimento por parte de investidores privados pode proporcionar uma solução a longo prazo. Para tal, a Comissão e os Estados-Membros devem actuar de modo a melhorar as condições de enquadramento para o CR e uma dessas condições implica a supressão dos entraves injustificáveis às operações transfronteiras.

3.4.   A estratégia de melhoria das condições transfronteiras tem de assentar na livre circulação de capital, na evolução das condições de angariação de fundos, no aperfeiçoamento do enquadramento regulamentar, na redução das disparidades fiscais e no avanço de um processo de reconhecimento mútuo.

3.5.   O glossário e o relatório do grupo de peritos que acompanha a Comunicação incluem uma análise dos problemas e das soluções possíveis (ver quadro I).

Quadro I

Problema

Solução possível

Angariação e distribuição de fundos (entre investidores e fundos de CR)

Diferenças entre as normas nacionais de reconhecimento dos investidores qualificados no que respeita a participações privadas – CR (investidores institucionais/privados)

Definição de investidor qualificado (investidores institucionais e privados) comum a toda a UE

Regimes nacionais diferentes no que se refere à localização possível dos investimentos realizados por investidores institucionais (restrições relativas a países)

Recurso ao princípio do «gestor prudente» (aplicação do princípio do «gestor prudente» na acepção da Directiva 2003/41/CE relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais)

Dificuldade de comercialização de fundos de participação privada e de CR em diferentes Estados-Membros, devido às divergências entre as várias abordagens nacionais em relação aos investimentos privados/isenções respeitantes às regras das ofertas públicas

Abordagem comum da UE em relação aos «investimentos privados»

Neutralidade fiscal (entre fundos de CR e o país de investimento)

Estruturas complexas dos fundos, que variam em função dos países de origem dos investidores e dos países das empresas beneficiárias dos investimentos (para evitar a dupla tributação)

Tributação das mais-valias no país de origem dos investidores; tratamento igual para investidores directos e investidores de participações privadas; igualdade de tratamento entre fundos cotados e fundos não cotados

Diferentes regras e condições para o reconhecimento do direito dos fundos de investimento de capitais privados a beneficiarem das convenções fiscais

Transparência fiscal : listagem das estruturas de fundos de investimento de participações privadas mutuamente reconhecidas (ou critérios comuns para os diferentes Estados-Membros, a fim de ser garantida a transparência fiscal);

Neutralidade fiscal : os fundos de investimento de participações privadas constituídos sob a forma de sociedades anónimas de responsabilidade limitada (não transparentes) deveriam beneficiar das convenções relativas à dupla tributação; requisitos comuns para o reconhecimento do direito a beneficiar dessas convenções.

Normas profissionais (para os fundos de CR)

Regras locais diferentes em matéria de avaliação e informação (custos acrescidos e falta de comparabilidade)

Encorajar a utilização de normas profissionais de auto-regulação do sector (por exemplo, as da EVCA)

Dificuldades na aplicação das normas internacionais de informação financeira (IFRS) aos fundos de investimento de participações privadas, designadamente a exigência de consolidação

 

Estabelecimento permanente (do sócio comanditado ou gestora do fundo)

Risco de o sócio comanditado (empresa de gestão de fundos de CR) ter estabelecimento permanente nos países das empresas beneficiárias dos investimentos (consequências fiscais desfavoráveis)

Reconhecimento mútuo das empresas de gestão, ou passaporte para as mesmas;

a longo prazo, um “passaporte” das empresas de gestão.

3.6.   A propósito desta análise, a Comissão propõe as seguintes medidas e recomendações:

3.6.1.   Para melhorar a angariação de fundos e o investimento transfronteiras, a Comissão:

a)

Analisará abordagens nacionais e barreiras ao investimento privado transfronteiras; no primeiro semestre de 2008, será publicado um relatório sobre as possibilidades de estabelecer um regime europeu de investimento privado (recentemente adiado para o terceiro trimestre de 2008);

b)

Identificará, juntamente com peritos dos Estados-Membros, casos de dupla tributação e outros obstáculos na fiscalidade directa para os investimentos de capital de risco transfronteiras; o grupo de peritos apresentará um relatório até finais de 2008;

c)

Analisará, com base nestes relatórios, a possibilidade de definir características comuns a fim de estabelecer um enquadramento uniforme pan-europeu para o capital de risco;

d)

Estudará formas possíveis de ajudar os Estados-Membros no processo de reconhecimento mútuo.

3.6.2.   Para reduzir a fragmentação do mercado e melhorar as condições para a angariação de fundos e o investimento de capital de risco, a Comissão convida os Estados-Membros:

a)

A alargar, quando necessário, o princípio do «gestor prudente» a outros tipos de investidores institucionais, incluindo os fundos de pensões;

b)

A promover uma visão comum dos fundos de capital de risco e dos investidores qualificados e a contemplar o reconhecimento mútuo dos enquadramentos nacionais;

c)

A suprimir os entraves fiscais e regulamentares através da revisão da legislação em vigor ou da adopção de nova legislação;

d)

A possibilitar a cooperação e níveis de supervisão e transparência mutuamente aceitáveis;

e)

A incentivar o desenvolvimento de agrupamentos (clusters) competitivos (à semelhança dos parques científicos);

f)

A promover mercados de desinvestimento líquidos.

4.   Observações na generalidade

4.1.   Para os observadores externos do sector, as sociedades de CR são sobretudo fontes de capital, ao passo que para as próprias sociedades a obtenção de fundos é tão importante como o investimento. Por conseguinte, a integração da actividade de financiamento por capital de risco na UE deve facilitar não só a aplicação dos fundos de CR, mas também o investimento nesses mesmos fundos.

4.2.   Uma vez que o sector do CR depende da elevada rentabilidade dos fundos, o seu modus operandi consiste em constituir um fundo, investi-lo e, em devido tempo, liquidar os investimentos realizados, de modo a garantir aos respectivos investidores o rendimento esperado. A duração de um fundo de CR é, em regra, de sete anos.

4.3.   Para as sociedades de CR, a liquidação dos investimentos realizados é uma necessidade imperiosa. Para isso, têm de encontrar um interessado no sector a que a empresa a alienar pertence (uma empresa maior, bem entendido) ou, em alternativa, vender a empresa em bolsa. Na UE, os agentes económicos são em geral refractários ao investimento em empresas jovens de pequena dimensão. O CESE recomenda que os Estados-Membros criem incentivos fiscais ao investimento privado em pequenas empresas. Por sua vez, isso estimularia o desenvolvimento de mercados bolseiros para a compra e venda de acções de pequenas empresas. Actualmente, os únicos mercados desse género na UE são o Mercado de Investimentos Alternativos (AIM, Alternative Investment Market), em Londres, e a Entry Standard da Bolsa de Valores de Francoforte, embora a Euronext tenha lançado entretanto a sua própria iniciativa.

4.4.   A disponibilidade de capital de risco não é uma panaceia. As sociedades de CR preferem os grandes negócios, porquanto uma pequena operação pode consumir tanto tempo como uma outra de grande envergadura. Consequentemente, têm mais interesse em injectar fundos em empresas em plena expansão do que em providenciar capital de arranque a empresas em fase de arranque. Um exemplo importante é a 3I, uma empresa britânica de CR estabelecida de há longa data. A 3I anunciou no final de Março de 2008 que tencionava abandonar os investimentos nas fases iniciais das empresas – o sector em que registou os piores resultados desde o colapso das empresas do sector informático em 2000. Os seus investimentos em capital de risco já tinham diminuído significativamente desde 2000, passando de metade dos seus efectivos a apenas 10 %. A 3I declarou que havia melhores perspectivas no financiamento das fases posteriores e que o grupo passaria a concentrar-se mais nas aquisições, no capital de expansão e nas infra-estruturas.

4.5.   O capital de risco não satisfará completamente a procura de capital de arranque, já que as sociedades de CR são muito selectivas no investimento em empresas em início de actividade. Esta lacuna pode ser parcialmente colmatada por intermediários de CR financiados pelo Estado, mas o resto terá ainda assim de provir de parentes e amigos do empresário e de business angels. A urgência de encorajar a disponibilização de capital de arranque é uma das razões pelas quais o CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a criarem incentivos fiscais ao investimento privado nas empresas em fase inicial, tais como os proporcionados pelo UK Enterprise Investment Scheme (Programa de Investimento nas Empresas) no Reino Unido. Nos termos desse programa, o capital investido pode ser deduzido em sede de imposto sobre o rendimento, e as mais-valias a que der origem estão isentas de imposto. Estes benefícios fiscais tornam a relação risco/retribuição bastante favorável para os particulares que invistam em empresas em início de actividade.

4.6.   O programa britânico prevê incentivos semelhantes para os investimentos por privados em fundos de investimento colectivos que adquiram capital de pequenas empresas jovens cotadas no mercado AIM. Esses fundos são conhecidos como Fundos de Capital de Risco. Essas aplicações dão direito a dedução no imposto sobre o rendimento, e o capital investido está isento do imposto sobre as mais-valias e do imposto sobre as sucessões.

4.7.   Idênticos são também os incentivos concedidos aos particulares que invistam directamente em empresas que integram o AIM. A existência deste mercado e dos benefícios fiscais que lhe estão associados deram um enorme impulso à constituição de empresas no Reino Unido.

4.8.   O AIM especializa-se nas ofertas públicas iniciais de acções de pequenas empresas jovens. Isso torna o investimento do capital de risco em empresas não cotadas muito interessante no Reino Unido, uma vez que graças a essas ofertas públicas o AIM proporciona às sociedades de CR as saídas de que precisam. A criação de organismos como o AIM noutros Estados-Membros, para mercados quer nacionais quer multinacionais, permitiria atrair investimentos nas PME e comercializar as suas acções, além de poder contribuir para o desenvolvimento dos CR em mercados comunitários ainda não explorados.

4.9.   O CESE está consciente da necessidade de encorajar a procura de capital de risco a fim de permitir o desenvolvimento do mesmo. Por sua vez, isso significa que a criação de empresas na UE deve aumentar, com o correspondente incremento do espírito empresarial e da inovação. O CESE limita-se a chamar a atenção para este aspecto. O presente parecer não pretende analisar o espírito empresarial e a inovação, salvo para reiterar que os incentivos fiscais favorecerão a criação de pequenas empresas.

4.10.   Embora o CESE apoie as propostas tendentes a facilitar o investimento transfronteiras de capitais de risco, lamenta que não haja dados imparciais e fiáveis que corroborem esta conclusão. Com efeito, estudos independentes recomendam cautela neste domínio, já que importa ter presente a diferença entre a evolução do emprego em empresas apoiadas por CR e em empresas apoiadas por outras formas de capital (4).

4.11.   Em parecer anterior (5), o CESE expressou a sua apreensão quanto aos riscos das transacções de participações privadas para o emprego (qualidade do trabalho). As empresas apoiadas por participações privadas geram cerca de 10 % menos postos de trabalho do que empresas semelhantes no rescaldo da aquisição (5 anos) (6). É fundamental que essas transacções respeitem o quadro de negociação acordado com os parceiros sociais em cada Estado-Membro. Assim, o CESE recomenda que a Comissão tudo faça, no âmbito da presente iniciativa, para garantir que o diálogo social continue a prevalecer e que a Directiva relativa à informação e à consulta dos trabalhadores se aplique a estes casos. Além disso, o CESE exorta novamente a Comissão a apresentar uma proposta de revisão da Directiva «Direitos Adquiridos» de modo a abranger também as transferências de empresas resultantes das operações de transferência de acções (7).

5.   Observações na especialidade sobre as propostas da Comissão

5.1.   Haverá que criar instrumentos estatísticos que proporcionem uma visão mais completa dos sectores dos fundos de cobertura (hedge funds) e de participação privada, assim como definir indicadores para a governação empresarial, domínios sujeitos à harmonização, pelo menos a nível comunitário (8).

Propostas da Comissão para melhorar a recolha de fundos e os investimentos transfronteiras

5.2.   O CESE apoia plenamente o estabelecimento de um regime europeu de investimento privado, que é indispensável para o investimento transfronteiras de capital de risco.

5.3.   Importa eliminar o entrave da dupla tributação, sob pena de o capital de risco transfronteiras não ser suficientemente lucrativo para atrair sociedades de CR. O CESE aguarda com expectativa o relatório do grupo de trabalho criado pela Comissão para analisar as questões fiscais.

5.4.   A ideia de um regime pan-europeu de capital de risco é bem-vinda se levar à aceitação pelos Estados-Membros de sociedades de CR sujeitas às regras de outros países. Isso contribuirá para o reconhecimento mútuo e facilitará as actividades transfronteiras de CR sem burocracia excessiva. Contudo, e dada a importância de uma melhor coordenação da política fiscal, o Comité julga necessário definir requisitos mínimos de tributação dos gestores dos fundos, para evitar o dumping fiscal e a ineficiência económica.

Propostas de medidas nacionais para reduzir a fragmentação dos mercados e melhorar as condições de criação e investimento de capitais de risco

5.5.   O alargamento do princípio do gestor prudente é fundamental para a criação de capitais, dado que os organismos investidores são a principal fonte dos fundos. Os Estados-Membros devem estabelecer quadros regulamentares que facilitem a participação prudente em actividades de participação privada por parte de instituições de investimento, sobretudo os fundos de pensões.

5.6.   Os Estados-Membros devem cooperar com as iniciativas da Comissão em matéria de regulamentação e reconhecimento mútuo a fim de permitir o seu avanço.

5.7.   A ideia de agrupamentos competitivos está ligada a políticas de apoio ao espírito empresarial e à inovação. O objectivo é que agrupamentos de empresas inovadoras surjam a partir das universidades e compartilhem as suas instalações. Esta solução é muito favorável aos capitais de risco.

5.8.   As questões relacionadas com os mercados de desinvestimento líquidos são tratadas no Capítulo 4.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 10, de 15.1.2008, p. 96.

(2)  Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. JO L 82 de 22.3.2001, pp. 16-20.

(3)  Cf. Globalization of Alternative Investment: the global economic impact of private equity (p. viii), estudo publicado pelo Fórum Económico Mundial (FEM), 2008.

(4)  FEM, pág. 43.

(5)  JO C 10, de 15.1.2008, p. 96.

(6)  FEM, pág. 54.

(7)  Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. JO L 82 de 22.3.2001, pp. 16-20.

(8)  JO C 10, de 15.1.2008, p. 96.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/22


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Combate à fraude e à falsificação ou contrafacção de meios de pagamento que não em numerário

2009/C 100/04

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema:

Combate à fraude e à falsificação ou contrafacção de meios de pagamento que não em numerário.

A Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 1 de Outubro de 2008, com base no projecto do relator Edgardo Maria IOZIA.

Na 448. reunião plenária (sessão de 23 de Outubro de 2008), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE lamenta que as iniciativas adoptadas até à data para prevenir e combater a fraude e a falsificação ou contrafacção de meios de pagamento que não em numerário não tenham sido suficientes para impedir a propagação do fenómeno. Conforme sublinha já a Comissão no Plano de Acção 2004-207, não obstante se ter melhorado e reforçado o quadro jurídico, falta ainda desenvolver plenamente o intercâmbio de informações entre os actores públicos e privados e a efectiva cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros.

1.2   A Comissão vê como principal obstáculo à aplicação de um sistema de prevenção contra a fraude a dificuldade no intercâmbio de dados sobre actuações fraudulentas ou de elevado risco na UE. Para uma acção de prevenção eficaz, urge melhorar as formas de intercâmbio de informações, procurando promover canais de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros.

1.3   Outros obstáculos ao combate à fraude na UE são a falta de homogeneidade da legislação que rege o exercício dos poderes de instrução das várias administrações nacionais e a intensidade variável das medidas repressivas. O imperativo de uma aproximação efectiva das legislações nacionais parece ser, por conseguinte, a principal via para combater eficazmente a fraude no sector, um fenómeno de criminalidade tipicamente transnacional.

1.4   Perante o exposto, é evidente que a União Europeia terá de reforçar a sua estratégia de luta contra a fraude e a falsificação ou contrafacção de meios de pagamento e adoptar uma série de medidas nesse sentido. Antes de mais, é indispensável:

fomentar o intercâmbio de informações entre os actores públicos e privados;

reforçar a cooperação entre as autoridades competentes dos Estados e-Membros;

harmonizar, numa óptica preventiva, as legislações nacionais, com atenção especial para as disposições que regem a protecção de dados na UE, para permitir o intercâmbio transfronteiras de informações e adoptar medidas repressivas de combate à fraude;

criar junto de cada autoridade competente nacional um arquivo informatizado contendo dados sobre elementos sintomáticos de riscos de fraude;

confiar à Europol missões específicas de monitorização das acções de prevenção e de combate à fraude, bem como de coordenação das bases de dados disponíveis;

organizar campanhas de sensibilização, com o apoio das associações de consumidores, para chamar a atenção dos utentes para possíveis perfis de risco associados à utilização de meios de pagamento que não em numerário, com o objectivo de fazê-los participar conscientemente em acções de combate à fraude mais eficazes e mais oportunas.

2.   A difusão dos instrumentos de pagamento que não em numerário e da fraude que lhes está associada

2.1   A fase de desenvolvimento em que se encontra a economia mundial é caracterizada por uma notável difusão de instrumentos de pagamento que não em numerário, ou seja, cartões de crédito e de débito e pagamentos electrónicos. As operações efectuadas com meios de pagamento electrónicos representam uma percentagem cada vez mais elevada, tanto em volume como em valor, dos pagamentos nacionais e transfronteiriços, e a tendência é que aumente ainda mais face à evolução constante dos mercados e do progresso tecnológico dos sistemas electrónicos de pagamento.

2.2   Na União Europeia, a necessidade de desenvolver meios de pagamento que não em numerário está associada ao processo de liberalização dos movimentos de capitais e à realização da União Económica e Monetária. A economia moderna, assente na tecnologia, não pode prescindir de um sistema de pagamentos eficaz, até porque o seu impacto positivo directo na competitividade do sector financeiro contribui para o aumento da eficácia global do sistema económico. Com efeito, os sistemas de pagamento electrónico, ao facilitarem a aquisição de bens e serviços, estimulam os gastos de consumo e o crescimento económico. Estima-se que, todos os anos, são realizadas na União Europeia 231 mil milhões de operações (em numerário ou não) num valor total de 52 biliões de euros (52 000 000 000 000).

2.2.1   Também a nível mundial, se tem vindo a generalizar, nos últimos anos, a utilização destes meios de pagamento. Especialmente em 2004, o número das operações per capita por esta via é de: 142 (das quais 32,3 com cartões de pagamento) na União Europeia a 25; 150 (das quais 28,3 com cartões de pagamento) nos Estados-Membros que adoptaram o euro; 298 (das quais 47,5 com cartões de pagamento) nos EUA. Em 2006, esse número já é de: 158 (das quais 55,2 com cartões de pagamento) na União Europeia a 25; 166 (das quais 50,5 com cartões de pagamento) nos Estados-Membros que adoptaram o euro; 300 (das quais 145,1 com cartões de pagamento) nos EUA. No âmbito da União Europeia, os países onde, em 2006, houve maior número de operações per capita com esses meios de pagamento são: a Finlândia com 294, das quais 153,9 com cartões de pagamento, seguida dos Países Baixos com 257, das quais 103,2 com cartões de pagamento, e do Reino Unido com 239 transacções, das quais 111,4 com cartões de pagamento (1).

2.2.2   Em 2006, a Espanha era aparentemente o país com o maior número de terminais POS, num total de 1 291 000 com 1 276 operações por terminal num valor médio de 52 euros, seguida da França onde se encontram instalados 1 142 000 terminais com 4 938 operações por terminal num valor médio de 51 euros e da Itália onde havia 1 117 000 terminais com 690 operações por terminal num valor médio de 93 euros. O país europeu com o maior número de operações por terminal POS é a Finlândia, num total de 7 799 num valor médio de 35 euros, não obstante dispor apenas de 105 000 terminais. Em contrapartida, a Irlanda é o país onde é mais elevado o valor médio das transacções individuais com cartões de crédito e de débito (94 euros), não obstante se encontrarem instalados 53 000 POS (2).

2.2.3   Graças à existência de um quadro regulamentar harmonizado no âmbito da União Europeia, os prestadores de serviços têm condições para racionalizar as infra-estruturas e os serviços de pagamento e os utentes podem beneficiar de uma escolha mais ampla e de maior protecção.

2.3   A possibilidade de utilizar tais instrumentos em qualquer parte do mundo exige que sejam eficientes, fáceis de usar, amplamente aceites, fiáveis e disponíveis a custos relativamente baixos. Uma vez que a sua eficiência depende do seu nível de segurança, é necessário garantir o máximo de segurança técnica, mas sem perder de vista a sua viabilidade económica. Este aumento da segurança deve ser medido em função das estatísticas sobre fraudes e a partir de parâmetros de referência específicos predefinidos.

2.3.1   A proliferação da fraude pode criar nos consumidores uma certa desconfiança em relação a estes sistemas de pagamento, e é, justamente por isso, um dos principais obstáculos à expansão do comércio electrónico. Outra consequência dessa proliferação são os danos causados na reputação dos operadores e a percepção distorcida que cria nos consumidores em relação à segurança da utilização de meios de pagamento alternativos ao numerário.

2.4   As fraudes transnacionais são mais frequentes do que as fraudes dentro de um mesmo país, com relevo para as fraudes associadas a operações de pagamento à distância, especialmente através da Internet. Segundo dados fornecidos pela Comissão (3), em 2000 o montante das fraudes com cartões de pagamento foi de 600 milhões de euros, ou seja, 0,07 % da facturação do sector no período considerado, correspondendo o maior aumento aos pagamentos à distância (por telefone, correio ou Internet). Estudos recentes revelaram que, em 2006, 500 mil empresas comerciais da União Europeia estiveram envolvidas em fraudes com meios de pagamento que não em numerário, em dez milhões de transacções fraudulentas que geraram um prejuízo de cerca de mil milhões de euros, quase o dobro do valor registado em 2005. Os países mais afectados pela fraude são aparentemente o Reino Unido, a França, a Itália, a Espanha e a Alemanha.

2.5   A proliferação e o carácter transnacional da fraude tornam necessário desenvolver uma estratégia pan-europeia de prevenção coerente, visto as medidas já adoptadas individualmente pelos Estados-Membros, embora eficazes, não bastarem para fazer face à ameaça de fraude associada aos meios de pagamento.

2.6   Para corresponder às exigências do mercado e incutir confiança na utilização das novas tecnologias, é necessário redobrar esforços para a criação de uma assinatura electrónica segura, no âmbito das iniciativas já adoptadas com a Directiva 99/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 1999. A assinatura electrónica é igualmente imprescindível para fazer arrancar o projecto de «administração em linha». O projecto STORK, patrocinado pela UE, procura resolver os problemas associados à interoperabilidade dos sistemas.

2.7   A Comissão afirma que as fraudes com meios de pagamento que não em numerário, roubados ou falsificados, são perpetradas sobretudo por organizações criminosas, dotadas geralmente de uma estrutura complexa em termos de pessoal, equipamento e apoio logístico, que actuam por norma numa base além fronteiras e utilizam técnicas sofisticadas nas fraudes com pagamentos pela Internet ou na contrafacção de cartões de pagamento. Estas organizações são capazes de alterar com facilidade o seu modus operandi para contornarem as medidas de repressão.

2.7.1   A crer nos resultados das investigações, nos casos de fraude mais sofisticados, as organizações criminosas operam normalmente segundo certos padrões uniformizados e testados, que assumem as seguintes formas:

identificação dos estabelecimentos comerciais visados onde membros da organização se introduzem ilicitamente durante a noite ou onde se mantêm em esconderijos preparados para esse efeito, com o fito de instalarem dentro dos aparelhos POS ligados às caixas — durante as horas de encerramento — dispositivos electrónicos sofisticados capazes de interceptar os códigos das bandas magnéticas dos cartões de pagamento e os respectivos códigos PIN;

obtenção posterior dos dados memorizados nos referidos dispositivos electrónicos mediante a sua recuperação material ou transmissão electrónica, utilizando as tecnologias GSM ou BLUETOOTH, para a confecção de suportes plásticos «clonados» revelando os códigos PIN completos dos cartões de pagamento;

utilização, também em Estados diferentes daqueles onde foi feita a sua «clonagem», dos códigos dos cartões de crédito e de débito reproduzidos ilicitamente, através da compra de bens com levantamentos de numerário nos distribuidores automáticos dos bancos.

3.   Quadro jurídico comunitário

3.1   Considerando que um dos principais objectivos da União Europeia é assegurar o pleno funcionamento do mercado interno, de que são parte fundamental os sistemas de pagamento, foram adoptadas oportunamente medidas específicas para a elaboração de uma estratégia comum de combate à fraude associada a cartões de pagamento, segundo duas linhas mestras consequentes:

harmonização das disposições contratuais que regulam as relações entre emissores e titulares dos cartões e das que regem as modalidades de pagamento;

adopção por cada Estado-Membro de medidas que classifiquem de delito penal as fraudes com cartões de pagamentos, punível com sanções efectivas e dissuasoras.

3.2   Na primeira vertente inserem-se:

a Recomendação da Comissão 87/598/CEE, de 8 de Dezembro de 1987, intitulada «Relações entre instituições financeiras, comerciantes-prestadores de serviços e consumidores» de que emanou um código europeu de boa conduta em matéria de pagamento electrónico para garantir a adopção de sistemas para a protecção dos consumidores;

a Recomendação da Comissão 88/590/CEE, de 17 de Novembro de 1988, relativa às relações entre o titular e o emissor dos cartões, em que os emissores de mecanismos de pagamento são convidados a adoptar condições contratuais comuns relativas à sua segurança e dos respectivos dados e às obrigações a cumprir pelo titular do cartão, no caso de perda, furto ou reprodução ilícita do mecanismo de pagamento;

a Recomendação da Comissão 97/489/CE, de 30 de Julho de 1997, visa assegurar um elevado grau de defesa dos consumidores no domínio dos instrumentos de pagamento electrónico. Esta recomendação determina, em especial, as informações a figurar nas condições que regem a emissão e a utilização de um instrumento de pagamento electrónico;

Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, com a qual foi disciplinado ulteriormente o sistema de prevenção de branqueamento, prevendo disposições para limitar a utilização de dinheiro líquido;

Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, destinada a assegurar a coordenação das disposições nacionais em matéria de requisitos prudenciais, garantir o acesso de novos prestadores de serviços de pagamento ao mercado, estabelecer requisitos de informação e fixar os direitos e obrigações dos utentes e dos prestadores de serviços de pagamento.

3.3   No que se refere à segunda vertente, tendo em conta o aumento das fraudes e o facto de as acções preventivas serem essencialmente aplicadas ao nível nacional, foram adoptadas as seguintes medidas:

Comunicação da Comissão [COM(1998) 395 final] sobre «Um quadro para as acções de combate à fraude e à falsificação dos meios de pagamento que não em numerário», que propõe um conjunto de medidas destinadas a promover um «quadro de segurança» para os instrumentos de pagamento e respectivos sistemas de apoio;

Decisão do Conselho 2000/642/JAI de 17 de Outubro de 2000 relativa a disposições de cooperação entre as unidades de informação financeira dos Estados-Membros em matéria de troca de informações, que fixou os limiares para a colaboração entre as Unidades de Informação Financeira dos Estados-Membros;

Comunicação da Comissão [COM(2001) 11 final] de 9 de Fevereiro de 2001 intitulada «Combate à fraude e à falsificação dos meios de pagamento que não em numerário» de que emanou o Plano de Acção 2001-2003 da União Europeia para prevenção da fraude. Nele se afirma que a prevenção deve assentar na cooperação entre as autoridades públicas competentes e o sector dos sistemas de pagamento. Neste contexto, sublinha-se que os avanços mais importantes se prendem com dispositivos técnicos destinados a aumentar a segurança dos pagamentos, de que se cita como exemplo a introdução de cartões inteligentes, mecanismos de participação imediata da perda ou roubo de instrumentos de pagamento e a aplicação de dispositivos de acesso (códigos PIN e outros) disponibilizados ao consumidor, para impedir ou limitar a possibilidade de fraude.

Em qualquer estratégia eficaz de prevenção da fraude, é considerado fundamental o intercâmbio de informação entre os bancos e os organismos responsáveis pelo controlo da aplicação da lei, quer ao nível interno dos Estados-Membros quer entre eles. Para o efeito, o Plano defende a criação de um mecanismo de diálogo entre todas as partes interessadas (emissores de cartões de crédito, associações bancárias, operadores de redes, Europol, forças policiais nacionais). Além disso, a Comissão propunha-se organizar alguns encontros internacionais com a participação de altos funcionários dos serviços policiais e magistrados, no intuito de assegurar uma maior sensibilização para o problema da fraude em matéria de pagamentos e o seu impacto sobre os sistemas financeiros;

Decisão-quadro do Conselho 2001/413/JAI de 28 de Maio de 2001, relativa ao combate à fraude e à contrafacção de meios de pagamento que não em numerário. Com esta decisão solicitava-se aos Estados-Membros que previssem sanções penais efectivas, proporcionadas e dissuasivas, incluindo, pelo menos nos casos graves, penas privativas da liberdade susceptíveis de dar lugar a extradição no caso de fraude com cartões de pagamento cometida com a utilização também de instrumentos informáticos, electrónicos ou outros dispositivos constantes da lista em anexo, a saber:

furto ou outra forma de apropriação ilícita de instrumentos de pagamento;

contrafacção ou falsificação de um instrumento de pagamento, a fim de ser utilizado fraudulentamente;

recepção, obtenção, transporte, venda ou transferência para terceiros ou posse de instrumentos de pagamento obtidos indevidamente ou que tenham sido objecto de contrafacção ou falsificação;

introdução, alteração e supressão não autorizada de dados electrónicos ou interferência não autorizada no funcionamento do programa ou do sistema electrónico;

produção, recepção, venda ou criação fraudulenta de instrumentos, programas e outros meios preparados deliberadamente para concretizar os comportamentos fraudulentos acima referidos.

Esta decisão estabeleceu, além disso, um quadro específico de cooperação internacional, segundo o qual os Estados-Membros devem assistir-se mutuamente nas actividades de investigação relacionadas com os processos respeitantes aos delitos enunciados nessa mesma decisão. Para esse efeito, podem designar pontos de contacto operacionais ou utilizar estruturas operacionais já existentes para o intercâmbio de informações e para outros contactos entre si.

Comunicação da Comissão [COM(2004) 679 final] de 20 de Outubro de 2004 relativa a um «Novo Plano de Acção da UE para a prevenção da fraude relativamente aos meios de pagamento que não em numerário no período 2004-2007». O objectivo do Plano de Acção 2004-2007 é prosseguir e reforçar as iniciativas existentes em matéria de prevenção da fraude e contribuir para manter e aumentar a confiança nos pagamentos, tendo em conta a proliferação dos casos de pirataria informática ou de usurpação da identidade. O objectivo prioritário da Comissão consiste em garantir a segurança dos meios e dos sistemas de pagamento e uma maior cooperação entre as autoridades públicas e o sector privado, através:

do reforço e da reorganização do funcionamento do grupo de peritos da UE no domínio da prevenção da fraude;

da adopção de uma estratégia coordenada pelos fabricantes de instrumentos de pagamento, pelos prestadores de serviços de pagamento e pelas autoridades nacionais para assegurar aos utentes a maior segurança possível nos pagamentos electrónicos, viável do ponto de vista económico;

intercâmbio de informações entre todas as partes interessadas, tendo em vista a detecção precoce e a notificação das tentativas de fraude;

intensificação da cooperação ao nível europeu entre as autoridades administrativas no âmbito da prevenção da fraude e a melhoria da capacidade para investigar fraudes com cartões, por parte das autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei;

previsão de novas formas de notificação da perda e do furto de cartões de pagamento na UE.

4.   Observações e propostas

4.1   Se bem que o quadro jurídico tenha sido melhorado e reforçado, falta ainda desenvolver plenamente o intercâmbio de informações entre os intervenientes públicos e privados e a efectiva cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros. Para isso, e tendo em conta a recente adesão de novos países à União Europeia, é necessário que todos os Estados-Membros transponham para a legislação nacional as disposições estabelecidas pela decisão-quadro e pelas recomendações supra.

4.1.1   A Comissão vê como principal obstáculo à aplicação de um sistema de prevenção contra a fraude a impossibilidade de um intercâmbio de dados sobre actuações fraudulentas ou de elevado risco no âmbito da UE. O Plano de Acção 2004-2007 relevava já a necessidade de harmonizar as regras em matéria de protecção de dados na UE, a fim de permitir um intercâmbio alargado da informação além fronteiras, prevendo igualmente a aproximação das normas actualmente em vigor na UE de protecção dos dados pessoais.

4.2   Para uma acção de prevenção eficaz poder-se-ia ponderar a hipótese de criar junto de cada autoridade competente nacional uma base de dados informatizada para a qual se faria confluir as informações prestadas pelas empresas que gerem os cartões sobre os pontos de venda e as transacções em que há risco de fraude, bem como dados identificativos dos pontos de venda e dos representantes legais das empresas comerciais, cujos contratos de aceitação de transacções com cartões de pagamento foram rescindidos por motivos de segurança ou por conduta fraudulenta denunciada às autoridades judiciais, dados identificativos das transacções não reconhecidas pelos titulares dos cartões de pagamento ou denunciadas às autoridades judiciais, bem como dados relativos às caixas automáticas manipuladas de maneira fraudulenta. Este arquivo poderia ser utilizado, no respeito das legislações nacionais, para efeitos de análise dos fenómenos de criminalidade e de cooperação policial, também ao nível internacional, com vista à prevenção e à repressão dos delitos cometidos com cartões de crédito ou outros meios de pagamento.

4.3   Para além do intercâmbio de informações sobre os responsáveis de fraudes, seria oportuno intensificar a cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros, prevendo novas iniciativas para a recolha e o intercâmbio de um leque de informações mais vasto entre as partes envolvidas na prevenção da fraude, especialmente no que se refere às forças policiais e aos emissores de cartões de pagamento.

4.3.1   Para tal, conviria racionalizar as formas de cooperação já existentes para o combate à falsificação do euro e permitir o envolvimento directo das administrações nacionais competentes, também na prevenção da fraude com meios de pagamento que não em numerário.

4.3.2   Seria de ponderar aqui a possibilidade de atribuir à Europol — que com base na decisão do Conselho de 29 de Abril de 1999 já detém competências no âmbito do combate à falsificação de moeda e de outros meios de pagamento — missões específicas de monitorização das acções de prevenção e de combate à fraude com meios de pagamento que não em numerário, com o objectivo de:

coordenar a gestão dos arquivos informatizados de cada Estado-Membro contendo informações sobre os casos de falsificação de cartões de pagamento, a que teriam também acesso, para fins genuinamente de investigação, as autoridades competentes de outros Estados-Membros;

assinalar em tempo real ao emissor ou ao gestor dos cartões a existência de casos de fraude detectados em outros Estados-Membros;

facilitar o intercâmbio de informações previsto na Decisão-quadro 2001/413/JAI de 28 de Maio de 2001 entre as forças policiais e as autoridades judiciais de cada um dos Estados-Membros.

4.4   Nesse contexto, poder-se-ia avaliar a conveniência de ligar em rede os serviços policiais e os organismos de investigação dos vários Estados-Membros empenhados na luta contra a fraude e a falsificação ou contrafacção dos meios de pagamento que não em numerário, tendo em vista o intercâmbio directo das informações referidas mediante um sistema de correio electrónico certificado, que permita igualmente partilhar os bancos de dados específicos.

4.4.1   Esta iniciativa, que requer, naturalmente, um acordo prévio sobre o conteúdo dos dados a inserir nos arquivos e a sua conformidade com as legislações nacionais em matéria de privacidade — em sintonia com as disposições contidas no artigo 79.o da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e de Conselho, de 13 de Novembro de 2007 — representaria um considerável avanço no combate à fraude fiscal, já que permitiria colocar à disposição dos organismos de investigação as informações necessárias directamente, em tempo real e sem procedimentos burocráticos supérfluos. Seria conveniente estabelecer normas mínimas ao nível europeu sobre a tipologia dos dados que podem ser objecto de intercâmbio, a fim de garantir uma plataforma comum de informações utilizáveis no combate à fraude, em conformidade com as disposições da Directiva 1995/46/CE sobre a protecção dos dados pessoais.

4.5   O maior obstáculo no combate à fraude na UE é a falta de homogeneidade da legislação que rege o exercício dos poderes de instrução das várias administrações nacionais e ainda a intensidade variável das medidas repressivas. É previsível, com efeito, que os casos de fraude ocorram sobretudo nos países onde os poderes de investigação dos organismos de controlo são menos incisivos ou onde as sanções aplicáveis são insuficientes para cumprirem com a sua função dissuasora. A necessidade de uma aproximação efectiva das legislações nacionais parece ser a única estratégia a seguir para lutar com eficácia contra a fraude no sector, tendo em conta que, conforme sublinha já o Plano de Acção 2004-2007, as iniciativas anteriores se revelaram insuficientes para fazer frente à ameaça representada pela fraude com meios de pagamento.

4.5.1   Neste contexto (4), urge verificar se os Estados-Membros transpuseram realmente para a legislação penal interna as infracções descritas nos artigos 2.o, 3.o e 4.o da Decisão-Quadro do Conselho 2001/413/JAI de 28 de Maio de 2001, que se referem aos delitos cometidos com meios de pagamento, por via informática ou com dispositivos especificamente adaptados. No respeito do princípio de soberania dos Estados-Membros, seria, portanto, oportuno verificar se as sanções aplicadas para punir essas infracções são realmente dissuasoras, também no que se refere ao grau de harmonização, ao nível da UE, das sanções a aplicar em casos de gravidade semelhante, como acontece já, por exemplo, com a legislação anti-branqueamento.

4.6   A adopção das iniciativas propostas seria uma boa premissa para uma acção eficaz de combate à fraude e facilitaria a criação do Espaço Único de Pagamentos em Euros (SEPA — Single Euro Payments Area), graças à qual seria possível pagar com meios de pagamento que não em numerário em toda a zona do euro, a partir de uma única conta e nas mesmas condições de base, independentemente do local de residência dos utilizadores, pondo assim termo à distinção feita actualmente entre pagamentos nacionais e internacionais.

4.7   A União Europeia terá de reforçar a sua estratégia de luta contra a fraude e a falsificação de meios de pagamento, mediante várias intervenções, e manter informado o público em geral, o que é essencial para sensibilizar os utentes de cartões de crédito e débito e tornar os consumidores mais conscientes dos possíveis riscos associados à utilização de meios de pagamento que não em numerário. Consumidores desprevenidos podem ser presa fácil, por exemplo, de fenómenos de ciber-iscagem (phishing). As instituições europeias devem favorecer essa disseminação de informação através de campanhas de sensibilização ao nível europeu, coordenadas pela Comissão.

4.8   É essencial neste contexto o papel das associações de consumidores e dos comerciantes, cuja estreita cooperação poderia contribuir para estabelecer um sistema de alerta, aumentar a consciência do perigo e fornecer informações sobre as práticas mais comuns e as detectadas mais recentemente. Para alcançar este objectivo, convém promover campanhas de sensibilização dirigidas aos consumidores, designadamente em forma de conselhos práticos facilmente compreensíveis, com vista a instruí-los sobre o funcionamento dos cartões de pagamento e informá-los sobre as precauções a adoptar no caso de suspeitarem ter sido vítimas de fraude.

4.9   O empenho dos Estados-Membros deveria traduzir-se igualmente na aplicação de sanções mais pesadas aos delitos de fraude e na sua efectiva execução. No caso de delitos cometidos noutros países da União e — o que é particularmente relevante para alguns deles — em países terceiros, o direito penal deveria ser aplicável universalmente e extensível a todo o espaço judiciário europeu. Esta prática começa a generalizar-se e são já múltiplas as propostas para a perseguição judicial e a imposição de sanções. Uma vez que as fraudes com meios de pagamento são geralmente da autoria de grupos organizados e afectam vários países, a Convenção e os Protocolos das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional, adoptados pela Assembleia Geral em 15 de Novembro de 2000 e em 31 de Maio de 2001, respectivamente, que prevêem sanções para as infracções de carácter transnacional, são instrumentos eficazes para combatê-las.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Fonte: Comissão Europeia, COM(2005) 603 final de 1.12.2005, Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos serviços de pagamento no mercado interno[SEC(2005) 1535].

(2)  Fonte dos dados: Relatório Anual do Banco de Itália de 2007 — Apêndice. As informações são resultado do processamento dos dados do Banco Central Europeu, do Banco de Pagamentos Internacionais, de Poste Italiane S.p.A. e Banca d’Italia.

(3)  Fonte: Comunicação da Comissão [COM(2004) 679 final] de 20 de Outubro de 2004 — Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Banco Central Europeu e à Europol relativa a um «Novo Plano de Acção da UE para a prevenção da fraude relativamente aos meios de pagamento que não em numerário no período 2004-2007» [SEC(2004) 1264].

(4)  A este respeito, a Comissão Europeia, sublinha no seu documento de trabalho «Relatório sobre fraudes com meios de pagamento que não em numerário na UE: A aplicação do plano de acção 2004-2007» [SEC(2008) 511 de 22 de Abril de 2008 ] a necessidade de sanções eficazes, tendo em conta que, conforme se conclui de dois relatórios por si apresentados em Abril de 2004 [COM(2004) 356] e em Fevereiro de 2006 [COM(2006) 65] sobre as medidas adoptadas pelos Estados-Membros em aplicação da Decisão-Quadro do Conselho n.o 2001/413/JAI de 28 de Maio de 2001, as sanções aplicadas por alguns Estados-Membros são demasiado leves para cumprirem a sua função dissuasora.


30.4.2009   

PT

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C 100/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Consulta sobre o projecto de orientações da Comissão para a Avaliação de Impacto

2009/C 100/05

Em 29 de Maio de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Consulta sobre o projecto de orientações da Comissão para a Avaliação de Impacto».

Em 8 de Julho de 2008, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 448. reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro de 2008) designou relator-geral Daniel RETUREAU e adoptou, por 83 votos a favor com 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1   Na sua «Estratégia Política Anual para 2008» (1), a Comissão considerou que «a simplificação e a melhoria do enquadramento regulamentar para as empresas e os cidadãos comunitários constituíam uma prioridade fundamental. Em 2007 serão introduzidas melhorias no sistema da avaliação do impacto, será iniciado um programa de acção para eliminar encargos administrativos desnecessários resultantes da legislação a nível da UE e dos Estados-Membros e será executado o programa de simplificação actualizado», assim como o seguimento da aplicação do direito comunitário (2). «A realização destas acções constituirá o principal objectivo para 2008.»

1.2   Esta estratégia é posta em prática no programa de trabalho, em que cada acção ou proposta do programa é acompanhada de uma ficha com várias questões precisas, cujas respostas, geralmente sucintas, reflectem os primeiros resultados da avaliação de impacto (AI) ou AI preliminar e calculam o impacto orçamental da acção ou da proposta individuais.

1.3   Quanto ao sistema de avaliação do impacto, a Comissão elaborou um projecto de orientações internas, cuja proposta é examinada no presente parecer (3), no seguimento da avaliação externa, realizada em 2007, do sistema sobre a avaliação de impacto, definido em 2002 e melhorado em 2005, tendo em conta a experiência e as lições extraídas da actividade do comité de avaliação do impacto (CAI). A Comissão pretende melhorar a metodologia geral para que esta seja bem definida, previsível, transparente e quantificável para o orçamento comunitário (dependendo da complexidade dos problemas, uma AI pode levar cinco a treze meses a ser concluída e necessita de recursos e meios que a Comissão pretende pôr à disposição dos serviços para concretizar os objectivos do programa «Legislar melhor» no âmbito das AI).

1.4   As orientações revistas visam contribuir com orientações gerais para a condução das AI, desde a AI preliminar até à redacção das opções finais propostas à Comissão pela direcção-geral incumbida da realização da AI. O colégio dos comissários pode, portanto, exercer de forma esclarecida a sua competência de iniciativa legislativa, podendo mesmo propor uma alternativa à legislação ou decidir, ainda na fase da AI preliminar, não actuar ou elaborar uma comunicação, por definição, não normativa.

1.5   Cada AI é única, individual e caracterizada pelos objectivos a atingir inscritos no programa anual de trabalho da Comissão. As orientações apresentam, portanto, um rumo, processos e métodos de trabalho numa forma suficientemente flexível para se adaptar à diversidade de situações e de problemas, em função das competências comunitárias e das exigências da Comunidade, como previstas nos Tratados e em observância dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade.

1.6   As AI podem ser realizadas numa das seguintes línguas oficiais comunitárias: alemão, inglês ou francês. Na prática, a quase totalidade das AI é redigida em inglês, por razões de ordem prática, que se prendem com a comunicação interna dentro e entre as DG e de comunicação externa, em particular na fase de consulta das partes interessadas. Cada projecto legislativo do plano de trabalho anual é sistematicamente acompanhado de anexos que incluem a AI completa e um resumo executivo, com a cota [SEC(ano) número], em língua inglesa. A proposta legislativa é, assim, escorada pela AI e por uma justificação que explica a escolha da Comissão.

2.   Observações na generalidade

2.1   Qualquer proposta legislativa envolve um processo preliminar de avaliação que pode incluir momentos ou etapas destinados a avaliar da sua necessidade e a considerar o seu impacto tanto interno como externo, sob diferentes ângulos.

2.2   A legística, «ciência (aplicada) da legislação, que procura determinar as melhores formas de elaboração, redacção, promulgação e aplicação das normas» (4) não sujeita o legislador nacional aos mesmos imperativos que o legislador comunitário, que está, com efeito, mais longe dos cidadãos e parece, por vezes, mais afastado das suas preocupações imediatas. O legislador comunitário deve enunciar claramente todas as suas iniciativas e promover a informação e a participação segundo vias diferentes para reforçar a dimensão participativa da cidadania europeia, indissociável da cidadania nacional. Neste contexto político particular, as AI tornam-se parte integrante e componente importante do trabalho normativo e das acções da Comissão.

2.3   De entre as diversas questões teóricas e práticas consagradas à actividade legislativa na União Europeia, que não vale a pena especificar nem comentar no âmbito deste parecer que foca a prática legislativa na UE, há que sublinhar, pelo menos, que o trabalho dos legisladores está sujeito a «imperativos» incontornáveis, nomeadamente os Tratados fundadores, os princípios gerais do direito das sociedades democráticas economicamente desenvolvidas que são seus membros (ou pretendem vir a sê-lo), incluindo os seus princípios constitucionais e as interpretações de jurisprudência do direito primário e do direito derivado (5).

2.4   Todos os povos da União aspiram agora à democracia, à resolução pacífica dos conflitos, a mais cooperação e solidariedade, à promoção dos direitos individuais e colectivos, a uma legislação realista e de qualidade claramente conforme aos Tratados e aos princípios gerais do direito aplicáveis em todos os Estados-Membros. As decisões políticas e as legislações inscrevem-se neste quadro global, que se deve forçosamente denominar de «constitucional», na medida em que define a natureza democrática das instituições políticas, assim como os limites das competências das instituições políticas, legislativas e administrativas ou judiciais. Este «quadro constitucional», que distingue as políticas comunitárias derivadas de competências exclusivas das que são partilhadas com os Estados-Membros, bem como os procedimentos jurídicos a seguir por um governo, devendo, portanto, produzir legislação e regulamentação, deve permitir avaliar o acompanhamento da legislação, controlar a sua eficácia e a boa utilização dos recursos financeiros ou outros disponibilizados. Deve ainda permitir reavaliar periodicamente a legislação com vista a eventuais adaptações ou modificações ou para verificar se os objectivos fixados foram atingidos.

2.5   Esta simples enumeração evoca, sem a tomar realmente em devida conta, a complexidade das competências, das responsabilidades e das tarefas conferidas aos diversos actores da União.

2.6   A AI foi concebida, desde a origem, enquanto instrumento destinado a melhorar a qualidade e a coerência do processo legislativo de elaboração das políticas que contribuirá para um quadro regulamentar eficaz e eficiente, assim como para a aplicação coerente do processo de desenvolvimento sustentável. A AI presta apoio à competência política sem, no entanto, a substituir. Deve permitir identificar efeitos positivos e negativos prováveis de um projecto legislativo e atingir um consenso na realização de objectivos concorrentes. Na prática, a AI começou por ser aplicada apenas aos projectos mais importantes, sendo depois alargada a todos os projectos constantes da estratégia política anual e do programa de trabalho da Comissão. A comunicação de Junho de 2002 apresenta, em anexo, as principais componentes do método de avaliação de impacto e, separadamente, as orientações técnicas de aplicação publicadas no Outono de 2002 (6). Em 2005, procedeu-se a uma revisão das orientações, seguida de outra em finais de 2007, culminando no projecto de Maio de 2008 em apreço.

2.7   O Comité Económico e Social Europeu (doravante o Comité) sempre apoiou as propostas da Comissão no sentido de legislar melhor. Geralmente apoia também as propostas para melhorar a realização e a apresentação das AI, que assumiram uma importância crescente na preparação dos projectos legislativos, assim como em outras práticas como a codificação, a simplificação (na medida do possível) da redacção e, sobretudo, a qualidade e a clareza dos conceitos jurídicos utilizados. O Comité nota ainda que a qualidade das traduções dos textos e o seguimento da aplicação do direito comunitário são essenciais para melhorar a harmonização e a observância das normas jurídicas.

2.8   Estão previstas três categorias principais de impactos:

impactos sociais,

impactos económicos,

impactos ambientais.

O Comité observa que a categoria referente aos «impactos sociais» agrupa um conjunto muito vasto de questões que seria preferível tratar em duas categorias distintas: por um lado, os impactos sociais propriamente ditos e, por outro lado, os impactos de ordem «societal» (luta contra o terrorismo, segurança, justiça, etc.). As questões sociais propriamente ditas estão relacionadas com as questões económicas e dizem respeito aos actores sociais, à negociação colectiva e às condições de trabalho e de emprego, ao passo que as questões de sociedade dizem respeito a outros domínios (justiça, polícia, etc.) e envolvem mais os actores políticos, referindo-se a toda a sociedade.

2.9   A avaliação de impacto económico privilegia as análises custo-benefício e da concorrência. Porém, com a necessidade de um desenvolvimento sustentável, o Comité gostaria de sublinhar que os dados sobre os impactos qualitativos, bem como a consideração do cálculo económico devem ser vistos no longo prazo. Quanto à concorrência, o Comité recorda que é um meio e não um fim. Deve ainda considerar-se os imperativos da política industrial e a constituição de actores económicos e financeiros de dimensão internacional para resistirem num contexto de concorrência global. A dimensão mundial da economia e a cooperação económica com os países terceiros enquadram globalmente as AI económicas e financeiras.

2.10   A AI ambiental deve também recorrer a um conjunto de indicadores baseados em observações regulares e informações recolhidas em condições técnicas e contextuais comparáveis (qualidade do ar em meio urbano, aquecimento atmosférico, etc.). Para esta categoria de impactos trata-se, em particular, de combinar as análises qualitativas e os custos e benefícios. O Comité considera que não é obrigatório privilegiar as análises custo-benefício em relação aos outros resultados qualitativos. Deve ser possível apresentar dois tipos de resultados e fixar critérios prioritários, por exemplo no aferente ao impacto de determinados poluentes na saúde. É praticamente impossível quantificar em termos monetários os anos de vida humana ganhos com as medidas propostas, mas este dado permite a comparação no tempo, mesmo que os factores que intervêm na saúde sejam, na verdade, múltiplos e as comparações no tempo comportem sempre margens de erro significativas, nomeadamente dada a intervenção na saúde de outros factores para além da qualidade do ar (modos de vida, dieta alimentar, efeitos de políticas de prevenção, etc.).

2.11   O papel da consulta das partes interessadas e das suas organizações representativas europeias e, em particular, do Comité das Regiões e do CESE, que representam a sociedade civil organizada e a sua expressão política local, é de extrema importância. Tendo em conta o reduzido lapso de tempo disponível e a unicidade da língua das AI, circunstâncias que colocam problemas a bom número de organizações, nomeadamente nacionais, os órgãos consultivos europeus têm uma responsabilidade acrescida quanto à qualidade das AI e da consulta em conformidade com os acordos interinstitucionais de cooperação. É importante que esta primeira consulta não constitua um obstáculo à consulta sobre os projectos que serão depois efectivamente apresentados ao legislador, a qual será sobretudo de natureza política.

2.12   O Comité saúda a abordagem complexa das AI, no plano horizontal quando envolve várias DG, e a sua definição no tempo (a curto, médio e longo prazo). O exercício de avaliação das AI ex post realizado em 2007 deveria levar à integração das verificações ex post no processo de realização das avaliações de impacto pelo CAI, de modo que permita uma reflexão aprofundada sobre os indicadores e a sua pertinência, bem como sobre a validade das avaliações, sejam elas do tipo custo-benefício ou baseadas em apreciações qualitativas. O Comité considera, em particular, que a questão dos indicadores deveria ser desenvolvida sobretudo nas OAI (7) a partir de dados estatísticos disponíveis recolhidos pelo Eurostat ou graças a sondagens específicas realizadas pelos serviços da Comissão. O mesmo se aplica aos indicadores elaborados por outras organizações, nomeadamente pelas agências da ONU como o PNUD, ou derivados de investigação realizada nos países, quer pelos ministérios, quer pelas universidades.

2.13   As questões de ordem geral e transversais são tratadas na segunda parte do projecto de orientações: duração, consideração do ónus administrativo, que deve ser minimizado, imperativo de não subestimar os efeitos que podem ser imediatamente inscritos numa análise custo-benefício, nem as interacções entre os diferentes factores que influenciam o impacto. Convém ter em conta o impacto dos outros projectos legislativos adoptados ou em fase de realização da AI, sobretudo caso se trate de um pacote legislativo e de objectivos comunitários gerais (Estratégia de Lisboa, respeito pelos direitos fundamentais, estratégia europeia para a energia e os objectivos de desenvolvimento sustentável). Também não se devem negligenciar os impactos externos.

2.14   O impacto para as pequenas e médias empresas e indústrias (PME-PMI), como os custos eventualmente mais elevados da regulação em virtude da sua dimensão e os encargos administrativos que são um factor consideravelmente mais delicado para uma pequena estrutura do que para uma grande empresa, devem ser avaliados de forma específica. O Comité saúda que se tenha particularmente em conta o impacto para as PME-PMI e concorda com a recomendação da Comissão de prever medidas para reduzir estes impactos quando a AI revele que seriam desproporcionados ou excessivos.

2.15   Por último, as opções possíveis apresentadas nas AI não devem ser artificiais ou forçadas mas representar verdadeiras alternativas, credíveis e operacionais, que permitam exercer a escolha política mais adequada.

3.   Reflexões críticas

3.1   A Comissão estabelece pormenorizadamente os processos e os prazos referentes a todas as avaliações de impacto. Contudo, esses processos e prazos são suficientemente flexíveis para englobar a multiplicidade de situações particulares.

3.2   Cada avaliação de impacto é um exercício ad hoc, apesar de haver um determinado número de regras e de imperativos incontornáveis, tanto para as AI preliminares como para as AI realizadas. Pode-se referir, por exemplo, a consulta interserviços, o prazo de realização de um estudo confiado a um consultante externo, a planificação orçamental ou o programa de trabalho da Comissão Europeia.

3.3   O Centro Comum de Investigação, cujos investigadores trabalham frequentemente em ligação com uma universidade ou com peritos, tendo por base os dados do Eurostat, é o órgão mais frequentemente associado à elaboração das AI. No entanto, estes investigadores efectuam, se necessário, a sua própria compilação de dados disponíveis para definirem um problema específico ou recorrem a métodos matemáticos e orçamentais, bem como a indicadores comuns. Podem também efectuar um inquérito ou sondagens para completar os procedimentos normais de consulta previstos neste contexto.

3.4   Uma tendência notável das AI, que responde às exigências metodológicas do anexo (trata-se, na verdade, de um novo manual ou guia para a elaboração das avaliações de impacto), consiste em quantificar em termos pecuniários os impactos de diversas opções possíveis, transformando-os em critério de decisão.

3.5   Ora, se os impactos ambientais (8), por exemplo, podem ser avaliados em termos de custos ou de economias, há determinados factores que devem ser tidos em conta, para além dos custos, por razões de ordem superior, nomeadamente de ordem qualitativa, impacto relativo nas alterações climáticas, respeito pelos direitos fundamentais, questões de ética, impacto na saúde a curto e longo prazo.

3.6   Os critérios qualitativos deveriam prevalecer com maior frequência, pois dão resposta a objectivos e a políticas da União. É certo que se traduzem, finalmente, em custos financeiros (indemnização às vítimas do amianto, etc.), mas a prevenção responde a uma necessidade ética. Na verdade, mesmo que o amianto fosse uma solução eficaz e pouco onerosa para o isolamento dos edifícios, das máquinas ou das condutas, actualmente, o custo da sua remoção anula as vantagens financeiras conseguidas a curto prazo. O balanço é, portanto, deficitário e, décadas mais tarde, o poluidor não é forçosamente o pagador. O princípio de precaução deverá ser reiterado veementemente nas AI, sem, no entanto, servir de pretexto ao imobilismo.

3.7   Em retrospectiva, afigura-se que os principais problemas encontrados se referem à consulta das partes interessadas. Algumas expressões podem ser consideradas como individuais, quando o autor pode ser um pequeno empresário ou um trabalhador por conta própria cuja preciosa experiência não deve ser afastada para dar preferência a lóbis já estabelecidos e activos, susceptíveis de fornecer perícias ou informações por vezes orientadas (9).

3.8   No âmbito de projectos muito complexos, os impactos podem ser particularmente difíceis de quantificar (REACH, por exemplo). Prevaleceu a escolha da protecção dos trabalhadores e dos utilizadores, apesar de o sector industrial ter conseguido encontrar apoios políticos suficientemente fortes para limitar o âmbito de acção da legislação.

3.9   Estas situações não são, todavia, anormais. Com efeito, os grupos afectados defendem os seus interesses, mas incumbe ao legislador fazer valer o interesse geral em relação aos interesses particulares a curto prazo. Algumas «limitações» a curto prazo podem ser vantagens comparativas a médio prazo, nomeadamente através do estabelecimento de normas europeias que se tornem universais no caso de progresso tecnológico (limites de emissão dos motores automóveis, esforço de promoção das energias alternativas menos poluentes e mais sustentáveis, por exemplo).

3.10   O recurso aos Livros Verdes e Livros Brancos em vista da preparação de uma legislação é perfeitamente eficaz no âmbito do debate público para recolher os pontos de vista das partes interessadas e, mais geralmente, da sociedade civil organizada no CESE ou representada por ONG europeias especializadas. Por ocasião de um debate interno, o próprio legislador tem oportunidade de procurar compromissos dinâmicos.

3.11   Em contrapartida, o CESE constata que a precipitação ou a ideologia podem afectar projectos que acabam por ser rejeitados ou fortemente alterados, quando uma abordagem menos incisiva poderia conduzir a resultados aceitáveis para todas as partes (como aconteceu com o projecto de directiva referente aos serviços portuários elaborado na precipitação pela Comissão Europeia cessante que, na altura, não se deu ao trabalho de proceder a uma consulta, nem de procurar consensos).

3.12   A crise actual deveria incitar a uma maior prudência perante determinadas «ideias preconcebidas» e outros princípios de autoridade. O critério de validação pela prática é essencial para a construção de uma experiência colectiva da AI comandada quer pela prudência, quer pela criatividade. Esta abordagem está em oposição a conceitos pretensamente científicos como a concepção de que por um lado, um mercado não regulado é mais eficaz do que uma regulamentação adaptada com vista a assegurar a transparência e a evitar derivas ou fraudes e, por outro lado, que todos os auxílios estatais são automaticamente negativos. Deveria prevalecer uma visão realista e equilibrada em relação a ideias demasiado simplistas da economia e da finança.

4.   Conclusões

4.1   O Comité considera que as avaliações de impacto contribuem para melhorar efectivamente a legislação e confirma a sua disponibilidade para participar na plena medida das suas competências e dos seus recursos materiais e humanos. Trata-se, com efeito, de um desafio político essencial para assegurar a melhor recepção possível do direito comunitário no direito interno. Convém assegurar que o processo legislativo ou normativo quer se trate, portanto, do direito positivo (hard law) ou indicativo (soft law), seja compreendido o melhor possível pelos cidadãos. Além disso, as organizações não governamentais representativas devem ser associadas aos processos comunitários pela via tradicional dos questionários.

4.2   O Comité está convencido de que estas consultas devem ser alvo de maior atenção pelas DG, pois as reservas emitidas em relação a determinadas propostas legislativas não foram suficientemente tidas em conta, o que levou, por vezes, a revisões importantes das mesmas através de grandes alterações, ou mesmo à sua rejeição por um dos legisladores (o Conselho ou o Parlamento), atentos às reacções ou manifestações da sociedade civil. A democracia participativa pode permitir evitar estas situações que são, em última análise, muito onerosas tanto no plano político como orçamental.

4.3   O papel do legislador comunitário só pode ser valorizado através de um método moderno e eficaz de produção de normas.

4.4   Por fim, o Comité saúda os esforços e os meios utilizados há vários anos com vista a uma melhor legislação, ponto fulcral de uma União fundada no direito, e convida a Comissão a prosseguir estes esforços.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2007) 65 final de Fevereiro de 2007.

(2)  Ver parecer do CESE, JO C 204 de 9.8.2008, p. 9.

(3)  COM, Maio de 2008, documento de trabalho sem número (http://ec.europa.eu/governance/impact/consultation/ia_consultation_fr.htm — N.T.: Página disponível apenas em francês, inglês e alemão. Documento apenas em inglês).

(4)  Chevallier, J. (1995), «L'évaluation législative: un enjeu politique» [A avaliação legislativa: Um desafio político], in Delcamp A. e al., Contrôle parlementaire et évaluation [Controlo parlamentar e avaliação], Paris, 1995, p. 15.

(5)  Há que ter, igualmente, em conta as diferentes experiências trágicas da história, durante as quais as noções de direito, em geral, e de direitos pessoais, em particular, foram violadas, por vezes, com graus de selvajaria inimagináveis.

(6)  COM(2002) 276 final de 5.6.2002.

(7)  Orientações para as avaliações de impacto.

(8)  Ponto 9.3.4 do anexo «Environmental Impact Assessment Models».

(9)  Esta questão é ilustrada pela consulta sobre a patenteabilidade dos inventos que implicam programas de computador (documento de consulta elaborado pelos serviços da Direcção-Geral do Mercado Interno de 19.10.2000).


30.4.2009   

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C 100/33


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização

2009/C 100/06

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema:

«Linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 24 de Setembro de 2008, sendo relator B. Hernández BATALLER.

Na sua 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 50 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção o presente parecer.

1.   Conclusões e recomendações

A)

O CESE insta as demais instituições a prepararem uma iniciativa comunitária que lance o debate em profundidade sobre a necessidade de definir linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização.

B)

O CESE solicita à Comissão que, nos relatórios de avaliação a apresentar sobre os serviços de interesse geral (SIG), reserve periodicamente um capítulo para a globalização e os seus eventuais efeitos nestes serviços.

C)

No atinente aos contratos públicos, e sem prejuízo da necessária inovação através da prestação dos serviços da sociedade da informação (1), é imprescindível que nesta evolução se procure preservar as principais características destes serviços e criar para eles um enquadramento (por exemplo, na telemedicina, na deontologia profissional e na protecção de dados e da vida privada).

D)

É preciso encorajar, no futuro, a implantação de uma governação mundial, cuja configuração poderia ter como ponto de partida a participação equilibrada das organizações internacionais, dos Estados-Membros e das partes interessadas.

E)

A OIT e a OMS, responsáveis pelas questões laborais e de saúde, deveriam participar como observadores nesta iniciativa de governação mundial da OMC.

F)

Poder-se-ia contribuir para esta governação mediante um fórum consultivo, cuja missão seria definir e rever as futuras medidas a adoptar no âmbito dos SIG, bem como zelar pela observância dos princípios e dos valores que norteiam os serviços de interesse geral.

G)

No que se refere à gestão dos Bens Públicos Mundiais (BPM), será necessário reflectir desde já sobre os principais aspectos da futura governação mundial destes bens. Ao nível comunitário, haverá que conceber um plano de acção europeu fixando as respectivas modalidades de financiamento.

A gestão dos BPM devia ser uma preocupação da governação mundial a quem competirá explorar o caminho aberto pela Cimeira do G8 de Heiligendamm sobre a biodiversidade e os recursos energéticos.

2.   Introdução

2.1   É inquestionável que os serviços de interesse geral cumprem uma função de primeira ordem na vida quotidiana dos cidadãos europeus, na medida em que o seu contributo para a coesão social, económica e territorial e para o desenvolvimento sustentável da UE se integra plenamente no modelo social europeu (2). Eles completam e vão além do mercado único e constituem uma condição prévia necessária para o bem-estar económico e social dos cidadãos e das empresas (3).

2.1.1   Entende-se por globalização o fenómeno de abertura das economias e das fronteiras em consequência do aumento das trocas comerciais, dos movimentos de capitais, da circulação de pessoas e ideias, da disseminação da informação, dos conhecimentos e das tecnologias, acompanhado de um processo de desregulamentação. Este processo, tanto geográfico como sectorial, não é recente mas tem vindo a acelerar-se nos últimos anos.

2.1.2   A globalização é fonte de múltiplas oportunidades, mesmo continuando a ser um dos maiores desafios que a União Europeia tem de enfrentar neste momento. É fundamental explorar plenamente o potencial de crescimento deste fenómeno e garantir uma distribuição justa dos benefícios que dele decorrem. A União Europeia tem procurado, por isso, criar um modelo de desenvolvimento sustentável através de uma governação multilateral capaz de conciliar o crescimento económico, a coesão social e a preservação do ambiente.

2.2   A globalização económica está, contudo, a configurar um novo cenário em que adquirem extrema relevância as decisões adoptadas por alguns organismos internacionais como, por exemplo, a OMC, que podem comprometer a subsistência dos serviços de interesse geral como elemento distintivo do referido modelo.

2.3   Neste contexto, importa articular os mecanismos jurídicos internacionais pertinentes para que a UE e os Estados-Membros possam garantir a viabilidade dos serviços de interesse geral sem recorrer a estratégias que criem entraves à aplicação dos princípios do comércio livre internacional ou comprometam a competitividade da economia europeia.

2.3.1   Além disso, as instituições da União Europeia terão de prestar especial atenção ao funcionamento dos organismos de auto-regulação incumbidos de definir, ao nível universal, as regras comuns de actuação dos poderes públicos em domínios com incidência nos serviços de interesse geral [como a União Internacional das Telecomunicações (UIT)].

2.3.2   O artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (4), estabelece que a UE reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com os Tratados, a fim de promover a coesão social e territorial da União, estabelecendo pela primeira vez uma ligação entre serviços e direitos fundamentais (5).

2.3.3   O Tratado de Lisboa, por sua vez, reforça consideravelmente o papel da União Europeia nos domínios económico e comercial. Esta acção da UE no plano internacional é essencial no contexto actual em que assistimos a um processo imparável de globalização da economia e a um reforço cada vez maior do sistema multilateral de comércio em consequência do forte impulso que lhe imprimiu a criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio.

2.3.4   O Tratado de Lisboa inclui no capítulo I do título V do Tratado da União Europeia (TUE) disposições gerais relativas à acção externa da União. Por seu turno, a regulamentação que corresponde à política comunitária está incluída actualmente no Título IX da Terceira Parte do TCE — artigos 131.o a 134.o — consagrados à «Política comercial comum». O Tratado usa esta expressão para designar um conjunto de mecanismos institucionais de adopção de decisões em âmbitos materiais concretos para alcançar determinados objectivos, e que dá à Comunidade a possibilidade de intervir nestes domínios de uma forma global (6).

2.3.5   Nos termos do artigo 131.o do TCE, os objectivos inerentes à política comunitária são contribuir para o desenvolvimento harmonioso do comércio mundial, para a supressão progressiva das restrições às trocas comerciais e para a redução das barreiras alfandegárias.

2.3.6   Além disso, há que ter em conta a incidência na configuração da política comercial comunitária das várias políticas horizontais da Comunidade, por exemplo, a da cultura, a da saúde pública (7), a de protecção dos consumidores, a industrial, sendo esta última, a par dos serviços, uma das que podem provavelmente ter maior e mais problemática influência na condução da política comercial comum.

2.3.7   O CESE indicou já oportunamente que a reforma dos Tratados constitui um novo passo em frente, especialmente no atinente aos serviços de interesse geral (SIG), ao incluir no dispositivo sobre o funcionamento da União uma cláusula de aplicação geral para os serviços de interesse económico geral (SIEG) (artigo 14.o), a aplicar em todas as políticas da União Europeia, incluindo o mercado interno e a concorrência, bem como um protocolo respeitante aos serviços de interesse geral, apenso aos dois Tratados, incluindo os serviços de interesse geral não económicos (8).

2.4   A recente assinatura do Tratado de Lisboa abre, neste sentido, novos horizontes ao projecto de integração europeia, com novas disposições que permitem estabelecer de novo um quadro supranacional mais adequado para a definição e a regulamentação do acesso e do funcionamento desses serviços em todos os Estados-Membros da UE. Prevêem especialmente:

o papel essencial e o amplo poder de apreciação das autoridades nacionais, regionais e locais para prestar, mandar executar e organizar serviços de interesse económico geral de uma forma que atenda tanto quanto possível às necessidades dos utilizadores;

a diversidade dos variados serviços de interesse económico geral e as diferenças nas necessidades e preferências dos utilizadores que possam resultar das diversas situações geográficas, sociais ou culturais;

um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores.

2.4.1   Certos actos no âmbito da governação da globalização promovidos pelos organismos internacionais multilaterais, como a OMC, reforçariam porventura esta posição, sobretudo através dos seus painéis de arbitragem que poderiam assumir aqui um papel fundamental.

2.5   Com esta perspectiva supranacional será mais fácil exercer uma verdadeira influência na comunidade internacional e dotar-se de todos os meios necessários para afastar qualquer ameaça ao nosso modelo social e transmitir a ideia de que este deve ser, para todos os cidadãos da Europa, um conceito de espaço de bem-estar social simultaneamente democrático, capaz de assegurar a protecção do ambiente, competitivo, assente na solidariedade e socialmente inclusivo (9).

2.6   No actual contexto internacional, são, portanto, identificáveis vários planos ou estratos que requerem da UE um tratamento estratégico diferenciado. Eis alguns exemplos:

2.6.1   A gestão dos bens públicos mundiais (ar, água, florestas, etc.) que, partindo de argumentos intocáveis de solidariedade como os previstos na Declaração sobre o estabelecimento de uma nova ordem económica internacional (Resolução n.o 3201 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 2.5.1974), redundou na criação pela União Europeia de um quadro supranacional coerente com os acordos e as decisões internacionais a adoptar neste contexto.

2.6.1.1   Os bens públicos mundiais são bens ou serviços indispensáveis tanto para o bem-estar dos indivíduos como para o equilíbrio das sociedades do Norte e do Sul do planeta. Estes bens públicos mundiais não podem subordinar-se apenas ao nível nacional ou ao mercado: a sua preservação e a sua produção requerem uma cooperação internacional.

2.6.2   A manutenção e o desenvolvimento de alguns serviços comuns no interesse geral dos cidadãos da UE, como o GALILEO, que requerem investimentos públicos avultados.

2.6.3   A partilha de competências entre a UE e os seus Estados-Membros na regulamentação do acesso a certos serviços universais de comunicações electrónicas, como a Internet.

2.6.4   A definição das funções das entidades infra-estatais (federais, regionais e locais) que actualmente apoiam, gerem e regulam a prestação de serviços sociais, num futuro contexto de aplicação de acordos internacionais para a liberalização dos serviços em sectores ainda não liberalizados ou excluídos inicialmente dessa possibilidade.

2.6.5   A definição de uma estratégia política e jurídica diferenciada sobre a situação futura dos serviços de interesse geral em rede e dos demais serviços.

2.6.6   Infelizmente, os serviços de interesse geral não são tratados nos actuais fóruns internacionais onde poderiam ser preservados e difundidos os seus princípios e valores.

2.6.7   É certo que, desde Janeiro de 2003, seis organizações internacionais (Banco Mundial, UNCTAD-Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, a FAO e o FMI, a OCDE e a ONU) possuem o estatuto de observador dentro da OMC, dando corpo ao princípio de uma incipiente governação mundial — a completar futuramente — em que são consubstanciadas as regras do direito internacional (acordos multilaterais sobre o ambiente, convenções laborais internacionais, direitos humanos, áreas económica e social). Dada, todavia, a ausência da OIT e da OMS, os problemas relacionados com o emprego e a saúde estão excluídos desse gérmen da governação mundial. A União deveria, por conseguinte, fazer o possível por colmatar esta lacuna.

3.   O acervo jurídico dos serviços de interesse geral que deverá manter a UE no âmbito do Acordo GATS-OMC

3.1   Nos últimos dez anos, as instituições da União progrediram na elaboração de um conceito e de um quadro jurídico para os serviços de interesse geral, mas não lograram instaurar um quadro jurídico comum na matéria (10).

3.2   Convém, todavia, sublinhar a coerência orgânica do Comité Económico Social Europeu que, em pareceres sucessivos (11), tem defendido uma posição consensual e permanente sobre os aspectos jurídicos essenciais dos serviços de interesse geral (SIG), preconizando a necessidade de (12):

respeitar os princípios da igualdade, universalidade, acessibilidade, fiabilidade, continuidade, qualidade e eficácia, garantia dos direitos dos utilizadores e rentabilidade económica e social;

ter em conta as necessidades específicas de certos grupos de utentes, como as pessoas com deficiência, dependentes, desfavorecidas, etc.

3.3   Neste sentido, o CESE sustenta que não convém definir exaustivamente os SIG, mas concentrar-se antes na sua missão, ainda que os serviços de interesse económico geral sejam caracterizados pela busca de uma série de compromissos entre:

mercado e interesse geral,

objectivos económicos, sociais e ambientais,

utilizadores (particulares, incluindo os grupos desfavorecidos, empresas, colectividades locais, etc.) que nem sempre têm as mesmas necessidades ou interesses,

o que é da competência de cada Estado-Membro e o que é da esfera comunitária (13).

3.3.1   Por seu turno, o objectivo dos serviços sociais de interesse geral (14) é responder a todas as situações de fragilização social devido a: doença, velhice, incapacidade de trabalho, invalidez, precariedade, pobreza, exclusão social, toxicodependência, dificuldades familiares e de alojamento, dificuldades ligadas à integração dos estrangeiros.

3.3.2   Sem pôr em causa a liberdade de escolha das autoridades nacionais, o CESE considera que entre estes serviços de interesse nacional, regional ou municipal, há que incluir a título enunciativo e não limitativo os serviços relacionados com os sistemas de ensino obrigatório, de saúde e de segurança social, as actividades culturais, de solidariedade, de carácter social, caritativo ou baseado em donativos, bem como os serviços audiovisuais, os serviços de distribuição de água e de saneamento básico (15).

3.4   O CESE defende, em contrapartida, que seria mais pertinente concentrar-se na função específica dos SIG e nos requisitos (obrigações de serviço público) que terão de cumprir para desempenhá-la, os quais deveriam ser definidos com toda a clareza.

3.5   O Protocolo relativo aos SIG, apenso ao Tratado de Lisboa, introduz uma definição com carácter interpretativo, compatível com a posição do CESE. É a primeira vez que o direito primário da UE aborda especificamente esta questão e, dado o seu carácter vinculativo, esse protocolo será uma orientação sólida para a acção institucional da UE, quer dentro quer fora do território dos seus Estados-Membros.

3.6   Concretamente, o artigo 2.o do Protocolo afirma que «as disposições dos Tratados em nada afectam a competência dos Estados-Membros para prestar, mandar executar e organizar serviços de interesse geral não económicos».

3.6.1   Embora o Protocolo faça implicitamente a distinção entre o carácter económico e não económico dos SIG, na ausência de um acto institucional que classifique uns e outros, e à luz da Declaração sobre delimitação de competências – anexa à Acta Final da CIG de 2007 — e do Protocolo relativo ao exercício das competências partilhadas — anexo ao TUE e ao TFUE –, a posição dos Estados-Membros neste contexto específico continua a ser a referência jurídica mais pertinente a ter em conta.

Neste sentido, será muito mais útil seguir as avaliações a realizar pela Comissão Europeia sobre a aplicação nos Estados-Membros da Directiva «Serviços», dado o seu impacto posterior na negociação e na celebração pela UE de acordos de liberalização do comércio dos serviços regulamentados dentro da UE.

3.6.2   Por conseguinte, a acção da UE neste âmbito continua a estar, para já, sujeita a duas condições:

a)

Na elaboração e na adopção de futuros actos de direito derivado é preciso ter em conta as tradições jurídicas dos Estados-Membros no atinente ao conceito, às categorias e aos critérios de funcionamento dos SIG;

b)

Na elaboração de acordos internacionais, inclusivamente os celebrados em organizações em que estejam representados a UE e os seus Estados-Membros, bem como na assunção de posições comuns em qualquer uma das rondas de negociações ou em conferências internacionais, terá de haver uma concertação mista — Estados-Membros e União Europeia — e a preocupação de reflectir os elementos essenciais contidos no Tratado de Lisboa e os que são parte integrante do regime jurídico dos Estados-Membros que regula os SIG.

4.   O caso específico do GATS/OMC

4.1   A Organização Mundial do Comércio (OMC) é a organização internacional a quem cabe estabelecer as normas gerais que regem o comércio entre os países, com base num sistema multilateral. Os pilares sobre os quais repousa são os acordos da OMC negociados e assinados pela grande maioria dos países que participam no comércio mundial (16).

4.2   A sua principal função é garantir que os fluxos comerciais sejam os mais fluentes, previsíveis e livres possível. Praticamente todas as decisões são adoptadas por consenso entre todos os países membros e são ratificadas posteriormente pelos seus parlamentos nacionais. Os conflitos comerciais são tratados por intermédio do mecanismo de resolução de litígios da OMC.

4.3   O Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS/AGCS) é o primeiro conjunto de princípios e de normas acordado multilateralmente com o fito de regular o comércio internacional de serviços. O Acordo especifica os sectores de serviços que os membros da OMC estão dispostos a abrir à concorrência externa, bem como o grau de abertura desses mercados. Figuram entre eles alguns serviços de interesse económico geral (SIEG), como os serviços financeiros, as comunicações electrónicas, os serviços postais, os serviços de transporte e de energia e outros.

4.4   O CESE insistiu já junto das demais instituições comunitárias (17) que os princípios atrás mencionados também deveriam determinar as posições da União nas negociações comerciais, em especial no âmbito da OMC e do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS). Considerava inadmissível que a UE tomasse, nas negociações comerciais, compromissos de liberalização de sectores ou de actividades que não tivessem sido decididos no quadro das regras específicas dos serviços de interesse geral estabelecidas no Tratado. Na sua opinião, os Estados-Membros devem continuar a ter a possibilidade de regulamentar os serviços de interesse geral, a fim de atingirem os objectivos sociais e de desenvolvimento estabelecidos pela União, o que requer a exclusão dos serviços de interesse económico geral não regulamentados das negociações supracitadas.

4.5   Nos termos da alínea b) do n.o 3 do artigo 1.o do GATS, ficam, em princípio excluídos da sua aplicação os «serviços prestados no exercício da autoridade do Estado», na definição da alínea c) do mesmo artigo, «qualquer serviço que não seja prestado nem numa base comercial nem em concorrência com um ou mais prestadores de serviços».

4.5.1   Uma vez que o GATS não se refere, em sentido estrito, aos «serviços de interesse geral», salvo na acepção terminológica da alínea c) do artigo XXVIII (18), é grande a margem de incerteza no estabelecimento de um conceito consensual e de um quadro internacional adequado para regular o funcionamento dos SIG no âmbito da OMC, o que poderia pôr em causa certas disposições do direito comunitário.

4.5.2   Além disso, a miríade de medidas governamentais (ou de carácter público) a que se aplicaria o GATS, à luz do n.o1 do artigo 1.o  (19) e a posição do órgão de recurso da OMC nitidamente favorável à aplicação do Acordo a todas a medidas, não suficientemente justificadas, que possam causar distorções no comércio de serviços (20), exigem que a UE adopte uma posição uniforme e firme dentro da OMC, susceptível de salvaguardar os princípios comuns e valores que são parte integrante do acervo comunitário.

4.5.3   Aqui a única excepção são as alíneas a) e b) do n.o 2 do anexo ao GATS relativo aos serviços de transporte aéreo que exclui da aplicação do Acordo e do seu mecanismo de resolução de litígios «os direitos de tráfego, seja qual for a sua forma de atribuição» ou «os serviços directamente relacionados com o exercício dos direitos de tráfego».

4.6   Nesta situação, há várias opções sobre as quais a OMC se deveria pronunciar:

4.6.1   Seja como for, é conveniente fomentar a celebração de um acordo com as demais partes contratantes para desenvolver o conceito de «serviços prestados no exercício da autoridade do Estado» a que se refere o n.o 3 do Artigo 1.o do GATS, para que a disposição da alínea b) desse mesmo artigo, a qual confere carácter geral à liberalização de qualquer serviço em qualquer sector económico, não impeça os Estados de adoptarem medidas de excepção, excluindo da liberalização os serviços sociais e os serviços de interesse geral sem, com isso, violar as obrigações derivadas do GATS no atinente à remoção dos entraves ao comércio de serviços.

4.6.2   Os diversos ângulos a partir dos quais se pode avaliar a prestação de um serviço e, eventualmente, classificá-lo de SIG para efeitos da aplicação do GATS, consoante visem os consumidores do serviço ou a entidade que o presta. Apenas se poderia alegar aqui os motivos de preservação do interesse geral, quer ao nível comunitário quer nacional, e de protecção do consumidor dos serviços para a exclusão dos SIG da aplicação do GATS, até porque é irrelevante neste caso o serviço ser prestado por uma entidade pública ou privada, nacional ou estrangeira.

4.6.3   A necessidade de conciliar a noção comunitária de instituições de crédito de carácter público e de serviços financeiros de interesse público [por exemplo, planos de pensões de reforma públicos), com a noção constante do artigo 1.o (iii) da alínea b)] do anexo GATS relativo aos serviços financeiros que entende por «serviços prestados no exercício da autoridade do Estado»«outras actividades desenvolvidas por uma entidade pública por conta ou com a garantia do Estado, ou utilizando os recursos financeiros do Estado».

4.6.4   O G20 financeiro (21) poderia servir de «catalisador» para as decisões a adoptar pelas organizações internacionais especializadas (como a OMS, a FAO, o Banco Mundial, o FMI, etc.) em matéria de serviços financeiros e salvaguardar os princípios e os valores dos serviços de interesse geral.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ponto 1.3 do parecer do CESE sobre «Promover o amplo acesso de todos os cidadãos à biblioteca digital europeia», JO C 162, de 25.6.2008, p. 46.

(2)  Parecer do CESE sobre «Coesão social: dar conteúdo a um modelo social europeu»JO C 309, de 16.12.2006, p. 119.

(3)  Ponto 2.1 do parecer do CESE sobre «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006, p. 135.

(4)  JO C 303 de 14.12.2007 (Proclamação solene em 2007 do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão).

(5)  Ponto 3.9 do parecer do CESE sobre «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006.

(6)  Los objetivos de la Política Comercial Común ala luz del Tratado de Lisboa. Miguel Angel Cepillo Galvín, na obra colectiva: El Tratado de Lisboa: salida de la crisis constitucional. Coordenador, José Martín y Pérez Nanclares, Ed.Iustel, 2008.

(7)  Parecer do CESE sobre «Melhorar a qualidade e a produtividade do trabalho», JO C 224 de 30.8.2008, p. 87.

(8)  Parecer do CESE sobre «Avaliação dos serviços de interesse geral», JO C 162 de 25.6.2008, p. 42.

(9)  Parecer do CESE sobre «Coesão social: dar conteúdo a um modelo social europeu»JO C 309, de 16.12.2006.

(10)  Resolução do Parlamento Europeu, A.6-0275/2006 de 26.9.2006; Livro Branco da Comissão Europeia, COM(2004) 374 de 12.5.2004; Comunicação da Comissão Europeia, COM(2007) 725 de 20.11.2007, etc.

(11)  Parecer exploratório do CESE sobre os SIG in JO C 241 de 7.10.2002, p. 119; parecer do CESE sobre o Livro Branco sobre os SIG in JO C 221 de 8.9.2005, p. 17; parecer de iniciativa do CESE sobre «O futuro dos SIG» no JO C 309 de 16.12.2006, p. 135.

(12)  Ponto 3.2 do parecer CESE sobre a «Avaliação dos serviços de interesse geral», JO C 162 de 25.6.2008.

(13)  Ponto 3.7 do parecer CESE sobre a «Avaliação dos serviços de interesse geral», JO C 162 de 25.6.2008.

(14)  Parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão: Realizar o programa comunitário de Lisboa: Os serviços sociais de interesse geral na União Europeia», JO C 161, 13.7.2007, p. 80.

(15)  Ponto 10.3 do parecer do CESE sobre o «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006.

(16)  Na sua Decisão 94/800/CE, de 22 de Dezembro de 1994 (no JO L 336 de 23.12.1994), o Conselho adopta os textos jurídicos emergentes das negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round concluídas com a assinatura da Acta Final de Marraquexe e a criação da Organização Mundial do Comércio.

(17)  Parecer do CESE sobre «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006.

(18)  Este artigo que contém «Definições» entende, designadamente, por «medidas tomadas por membros que afectam o comércio de serviços» o «acesso e utilização, relacionados com a prestação de um serviço, de serviços que esses membros exigem que sejam oferecidos ao público em geral».

(19)  Que reza: «O presente acordo é aplicável às medidas tomadas pelos membros que afectem o comércio de serviços».

(20)  Processo Estados Unidos (medidas que afectam a prestação transfronteiras de serviços de jogos de azar e apostas), WT/DS/AB/R(AB-2005-1). Uma análise em Moreira González, C. J. «Las cláusulas de Seguridad Nacional», Madrid 2007, p. 229 e seg. Analogamente, Processo CE (Regime aplicável à importação, venda e distribuição de bananas), WT/DS27/AB/R/197.

(21)  O G20 financeiro congrega, para além dos países do G8, 11 ministros das finanças e governadores dos bancos centrais que representam um total de 85 % do PIB mundial, mais a União Europeia (país que exerce a Presidência do Conselho e presidente do Banco Central Europeu).


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Segurança dos passageiros no transporte aéreo

2009/C 100/07

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar parecer de iniciativa sobre:

Segurança dos passageiros no transporte aéreo.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-Estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 24 de Setembro de 2008, sendo relator Thomas McDONOGH.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 94 votos a favor com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1   O CESE recomenda a criação de regras específicas para os serviços de segurança da aviação, o mais unificadas possível, para além das regras comuns existentes que regem a abordagem comunitária em matéria de segurança da aviação civil.

1.2   Na opinião do Comité, os prestadores de serviços deveriam ser excluídos das actividades de segurança no sector da aviação se, entre outros, estiverem falidos ou em fase de liquidação, estiverem sujeitos a um processo de declaração de falência, tiverem sido condenados pela prática de violação de um dever de conduta profissional, cometido uma falta profissional grave, não tiverem cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de contribuições para a segurança social, não tiverem cumprido as suas obrigações respeitantes ao pagamento de impostos, se tiverem prestado culposamente falsas informações ou se não tiverem prestado informações contratuais relevantes e se não estiverem inscritos num registo profissional quando tal for exigido pela legislação nacional. Os prestadores de serviços de segurança para a aviação também deveriam ter um mecanismo de recrutamento interno, garantir uma formação adequada e demonstrar que dispõem de um seguro que cubra potenciais responsabilidades decorrentes da execução do contrato.

1.3   O CESE recomenda a introdução nos 27 Estados-Membros da União Europeia de certo número de horas de formação comum obrigatória bem como de um pacote obrigatório de formação para o pessoal de segurança.

1.4   O CESE entende que as medidas deverão ser claras e concisas.

1.5   O CESE considera que é necessário informar explicitamente as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança sobre a aplicação da legislação que contenha medidas de segurança e o acesso directo a essas regras, sujeito a condições rigorosas, para os aeroportos, transportadoras aéreas e prestadores de serviços de segurança.

1.6   O Comité é de opinião que a publicação no Jornal Oficial da União Europeia das partes não sensíveis da legislação de aplicação que contenha medidas de segurança que impõem obrigações ou restrições aos direitos dos passageiros, assim como a sua revisão com periodicidade semestral, são um requisito necessário no ordenamento jurídico comunitário.

1.7   O CESE solicita à Comissão Europeia a adopção de medidas no que respeita à indemnização das vítimas de actos criminosos, como ataques terroristas, no sector da aviação.

1.8   As medidas deverão promover o reconhecimento e o desenvolvimento profissional das carreiras no sector da segurança.

1.9   As medidas deverão evitar os controlos de segurança redundantes através da aplicação do conceito do balcão único de segurança em toda a UE, e promover o reconhecimento das medidas de segurança de países terceiros.

1.10   É necessário adoptar medidas que desenvolvam uma abordagem inovadora personalizada permitindo a diferenciação das medidas de segurança para as tripulações e os passageiros, sem comprometer a segurança.

1.11   No entender do CESE, a segurança da aviação deve ser uma prioridade para a atribuição de fundos de investigação no domínio da segurança.

1.12   Para o CESE, é indispensável haver uma avaliação independente das tecnologias e dos requisitos para as tecnologias pela Comissão Europeia, com base na qual devem ser estabelecidas normas para as tecnologias utilizadas no domínio da segurança da aviação e será criado um registo central dos fornecedores aprovados.

1.13   O CESE considera necessário que haja uma abordagem mais coordenada entre os Estados-Membros na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada. Por outro lado, as medidas mais rigorosas tomadas a nível nacional, das quais decorram obrigações e/ou restrições aos direitos dos passageiros, devem basear-se numa avaliação de riscos, sujeita a uma revisão semestral, ter em consideração a dignidade humana e ser explicitamente comunicadas aos viajantes.

2.   Introdução

2.1   Na sequência dos trágicos eventos de 11 de Setembro de 2001, foi adoptado um regulamento-quadro do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil (1). Este regulamento precisa as principais disposições e regras comuns que regem a abordagem comunitária sobre segurança na aviação civil. Embora a regulamentação comunitária estabeleça normas de base comuns, também permite que os Estados-Membros (ou que aeroportos a título individual) adoptem normas mais restritivas, dado o risco variável de ataques terroristas de cada Estado-Membro, aeroporto ou transportadora aérea.

2.2   Em 2005, a Comissão Europeia iniciou um processo de revisão desse regulamento-quadro sobre segurança na aviação civil (2), que conduziu a um acordo entre o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, em 11 de Janeiro de 2008, e resultou na adopção de um novo regulamento-quadro (3) em 11 de Março de 2008. O objectivo dessa revisão era clarificar, simplificar e harmonizar ainda mais as exigências legais, com o objectivo de reforçar a segurança global da aviação civil.

2.3   A ocasião proporcionada pela revisão do regulamento-quadro deve ser aproveitada, uma vez que constitui uma alteração fundamental das regras que regem a segurança na aviação civil. Uma das primeiras políticas comuns da Comunidade Europeia foi a política comum de transportes. Neste contexto, o transporte aéreo é de importância fundamental para a livre circulação de pessoas e de mercadorias, dois dos objectivos da Comunidade Europeia. A liberdade que consiste em um cidadão de um Estado-Membro poder viajar livremente para outro Estado-Membro implica a protecção da integridade dessa pessoa. Além disso, a rotura (por exemplo através de um ataque terrorista) do sistema de transporte aéreo terá impactos negativos em toda a economia europeia. Por consequência, é claro que a segurança deve permanecer um elemento essencial do êxito do transporte aéreo.

2.4   Pese embora as várias iniciativas no domínio da segurança da aviação, o presente quadro regulamentar do sector da aviação civil não trata de algumas das preocupações básicas dos passageiros, das transportadoras aéreas, dos aeroportos e de quem presta serviços privados de segurança. O sector do transporte aéreo necessita de medidas mais claras, globais e harmonizadas. O objectivo geral da política de segurança da aviação deveria ser, por conseguinte, criar um quadro regulamentar claro, eficiente e transparente para uma segurança com rosto humano.

3.   É necessário a certificação de quem presta serviços privados de segurança

3.1   Uma vez que a segurança da aviação é fundamental para o funcionamento do sistema de transporte aéreo, é necessário adoptar regras específicas para os serviços de segurança da aviação para além das normas jurídicas comuns existentes que regem a abordagem comunitária no que respeita à segurança da aviação civil. Na prática, os prestadores de serviços de segurança privada são frequentemente seleccionados apenas com base no baixo preço, pese embora a natureza sensível do seu ramo de actividade. Uma nova legislação vinculativa que inclua essas regras específicas dará algumas orientações para a selecção e contratação de prestadores de segurança para a aviação com base em critérios de qualidade.

3.2   Os critérios de selecção e de contratação para os prestadores de serviços de segurança deverá, entre outros aspectos, incluir a capacidade económica e financeira dos prestadores de serviços de segurança, a transparência financeira, a capacidade técnica, todos factores que melhoram a qualidade do serviço.

3.3   A Associação Europeia para a Segurança da Aviação lançou recentemente uma iniciativa de auto-regulação através de uma Carta da Qualidade e de um anexo sobre a formação do pessoal de segurança privado. Os princípios que constam neste documento podem servir de base para a certificação de todas as empresas de segurança privada da aviação e demonstra o empenhamento do sector em proporcionar soluções de elevada qualidade.

3.4   O Comité Económico e Social Europeu recomenda a adopção de critérios de qualidade legalmente vinculativos para os prestadores de serviços de segurança privados para a aviação. Os prestadores de serviços poderão ser excluídos das actividades no sector da aviação se, entre outros, estiverem falidos ou em fase de liquidação, estiverem sujeitos a um processo de declaração de falência, tiverem sido condenados pela prática de violação de um dever de conduta profissional, cometido uma falta profissional grave, não tiverem cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de contribuições para a segurança social, não tiverem cumprido as suas obrigações respeitantes ao pagamento de impostos, se tiverem prestado culposamente falsas informações ou se não tiverem prestado informações contratuais relevantes e se não estiverem inscritos num registo profissional quando tal for exigido pela legislação nacional. Os prestadores de serviços de segurança para a aviação devem ainda ter um mecanismo de recrutamento interno que garanta uma formação adequada e demonstrar que dispõem de um seguro que cubra potenciais responsabilidades decorrentes da execução do contrato.

3.5   Além disso, o Comité Económico e Social Europeu propõe que se introduza nos 27 Estados-Membros da União Europeia certo número de horas de formação comum obrigatória bem como de um pacote obrigatório de formação para o pessoal de segurança.

4.   Reconhecimento de um inquérito pessoal para o pessoal de segurança

4.1   Antes da sua contratação, o pessoal de segurança deve, de acordo com o futuro regulamento-quadro sobre segurança na aviação civil e com o actualmente em vigor, ser submetido a uma formação específica e a um inquérito pessoal. É fundamental que um futuro agente de segurança não tenha registos ou ligações com potenciais grupos terroristas ou grupos criminosos e que o seu registo criminal esteja limpo, uma vez que o seu trabalho é um elemento essencial do sistema de segurança da aviação.

4.2   Actualmente, os inquéritos pessoais são efectuados pelas autoridades nacionais, normalmente pelo Ministério da Justiça ou do Interior, e apenas na sua jurisdição. Daqui resulta que não há um reconhecimento mútuo desse requisito fundamental pela maioria dos Estados-Membros. Esta questão assume uma importância fundamental para a mobilidade dos trabalhadores, uma liberdade fundamental prevista no Tratado de Roma.

4.3   O Comité Económico e Social Europeu exorta o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia a, no âmbito da sua esfera de competência no domínio da cooperação judiciária e policial na UE, reflectirem sobre esta questão.

5.   Balcão de segurança único

5.1   O principal objectivo da atribuição de competências à União Europeia no sector da segurança da aviação foi chegar a um quadro comum europeu de regras que deverão ser aplicadas de forma coerente em todos os Estados-Membros. Todas as regras desenvolvidas a nível da União Europeia serão aplicadas em todos os Estados-Membros com a consequência lógica do reconhecimento mútuo nos Estados-Membros das regras de segurança da União Europeia, que é o que se entende por balcão de segurança único (One-Stop Security). Os passageiros, a bagagem e a carga que viaja de um Estado-Membro da União Europeia para outro deve ser considerada segura e, portanto, não deve ser objecto na UE de um rastreio adicional de segurança no ponto de escala antes do país de destino.

5.2   O princípio do balcão de segurança único foi reconhecido a nível da União Europeia e será reforçado no novo regulamento-quadro sobre a segurança da aviação civil. Contudo, o reconhecimento mútuo das regras de segurança nos Estados-Membros ainda não está realizado a nível da UE. Alguns Estados-Membros, baseados no facto de que os níveis de ameaça não são iguais entre Estados-Membros, impuseram medidas de segurança mais restritivas para mitigar a ameaça específica a que estão sujeitos.

5.3   Este não reconhecimento das normas de segurança na União Europeia implica a multiplicação de controlos redundantes, que não estão apenas ligados a atrasos e a custos adicionais para as companhias de aviação mas também utilizam recursos que seriam melhor empregues na protecção de pontos mais vulneráveis.

5.4   Este princípio do balcão de segurança único, que deverá ser aplicado em toda a UE, também deveria ser considerado no que respeita a outros países. Não se justifica que um avião procedente de países com um avançado sistema de segurança da aviação, como os Estados Unidos ou Israel, possa ser considerado «inseguro». O reconhecimento mútuo das regras também deverá ser possível no que respeita aos países «animados do mesmo espírito» e isso contribuiria uma vez mais para um regime global de segurança equilibrado em que todos os esforços são afectados à verdadeira ameaça.

5.5   O Comité Económico e Social Europeu insta, portanto, a Comissão Europeia a garantir que o princípio do balcão de segurança único é aplicado em toda a UE e que qualquer avião proveniente de um Estado-Membro e com destino a outro Estado-Membro seja considerado «seguro». O CESE também exorta a Comissão Europeia a efectuar rápidos progressos no reconhecimento das regras de segurança de países terceiros quando estas possam ser consideradas equivalentes, com especial atenção para os Estados Unidos.

6.   Diferenciação

6.1   Considerando o aumento significativo de passageiros aéreos previsto para os próximos anos, o actual rastreio de segurança de passageiros e de bagagem não constitui um modelo sustentável. Actualmente, todos os passageiros são rastreados de forma semelhante e todos têm de passar pelo mesmo processo de controlo de segurança. Este processo oneroso é o principal alvo das queixas dos passageiros quando são chamados a avaliar a sua experiência de viagens. O descontentamento dos passageiros é reforçado pelo conhecimento de que a grande maioria de viajantes não constitui qualquer ameaça para o aeroporto ou para o avião.

6.2   Mais uma vez, os recursos disponíveis para garantir a segurança da aviação são extremamente escassos. Deve ser efectuada em primeiro lugar a distinção entre o que é provável e o que é exequível. A credibilidade de todo o sistema assenta na necessidade de confiar na capacidade de abordar ameaças prováveis e não na tentativa de cobertura de 100 % dos possíveis riscos. A identificação de uma ameaça provável deve basear-se na avaliação dessa ameaça e na avaliação do risco assumido na aplicação das medidas adequadas.

6.3   O Comité Económico e Social Europeu convida a Comissão Europeia a reflectir sobre uma abordagem em que a sistematização dos controlos de segurança dos passageiros poderia ser substituída por uma diferenciação proactiva dos passageiros combinando a recolha de informações com o desencorajamento de medidas aleatórias.

7.   Atribuição de fundos para investigação e desenvolvimento no domínio da segurança

7.1   O Comité Económico e Social Europeu congratula-se com a atribuição de 1,2 mil milhões de euros para a investigação sobre segurança no âmbito do 7.o Programa-Quadro de Investigação. A segurança da aviação deve ser considerada uma prioridade para a atribuição de fundos devido aos custos crescentes para o sector da aviação e ao seu impacto em toda a sociedade. Além disso, é essencial que os projectos seleccionados estejam de acordo com a política que está a ser desenvolvida e que sejam disponibilizados recursos financeiros para se proceder à investigação necessária, como, por exemplo, a investigação sobre tecnologias utilizadas na detecção de explosivos líquidos ou outras tecnologias de detecção, como a utilização de dados biométricos.

7.2   Assim, o Comité Económico e Social Europeu solicita à Comissão Europeia que coordene internamente o seu trabalho de forma a optimizar a utilização dos recursos financeiros proporcionados pelo dinheiro dos contribuintes.

7.3   Por outro lado, o Comité Económico e Social Europeu recomenda a alocação de recursos destinados à avaliação independente das tecnologias e dos requisitos para as tecnologias pela Comissão Europeia, com base na qual serão estabelecidas normas para as tecnologias utilizadas no domínio da segurança da aviação e será criado um registo central dos fornecedores aprovados.

8.   Dificuldades no recrutamento e na retenção do pessoal de segurança

8.1   Em alguns Estados-Membros, os aeroportos ou os prestadores de serviços de segurança têm enfrentado dificuldades importantes no recrutamento de pessoal de segurança. É natural que os critérios de selecção tenham aumentado devido à importância do papel desses agentes. Assim, para além da necessidade de um inquérito pessoal «limpo», a necessidade de falar uma ou mais línguas estrangeiras e de um certo nível de educação para compreender os procedimentos e para lidar com os passageiros conflituosos conduz a um apuramento mais restrito dos candidatos.

8.2   Um problema adicional que ocorre é que uma vez o pessoal recrutado e devidamente treinado é extremamente difícil retê-lo. O necessário horário de trabalho flexível combinado com uma pressão constante e um vencimento relativamente baixo, tornam a profissão de agente de segurança indesejável para muitas pessoas. Além disso, é claro que a falta de reconhecimento social e de perspectivas de carreira resultam numa perda de experiência no sector.

8.3   O Comité Económico e Social Europeu considera que a Comissão Europeia pode desempenhar um importante papel neste domínio social através da promoção dos benefícios de uma carreira como agente de segurança por toda a União Europeia e mais concretamente através da revalorização destes importantes trabalhos.

9.   Responsabilização

9.1   O sector da aviação investe na prestação de serviços de elevada qualidade, mas é confrontado com obstáculos que impedem uma visão clara das exigências legais, dificultando, desta forma, uma aplicação de qualidade.

9.2   O Comité Económico e Social Europeu considera que as medidas devem ser claras e formuladas da forma mais simples e viável possível. As regras actualmente em vigor são com muita frequência conjuntos de regras, dispersas por vários diplomas legais, com muitas excepções. De onde resulta um conjunto complexo de exigências, que não contribuem para a eficiência e aumentam o stress para o pessoal, provocando atrasos e incómodos para os viajantes.

9.3   Além disso, os utilizadores finais das medidas de segurança, nomeadamente as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança que aplicam actualmente as medidas, não têm acesso directo a essas regras. Espera-se que os principais prestadores de serviços, como as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança, executem as regras correctamente sem terem sido directamente informados das mesmas. Assinale-se que o artigo 254.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia dispõe que a regulamentação deve ser objecto de publicação no Jornal Oficial da União Europeia, sendo absurdo esperar que os prestadores de serviços apliquem regras que desconhecem. No Processo C-345/06, mais conhecido por «Processo Heinrich», a advogada-geral Eleanor Sharpston sugere nas suas conclusões que a regulamentação das medidas de aplicação sobre a segurança da aviação deve ser declarada inexistente. Segundo a advogada-geral, a omissão persistente e intencional de publicação do anexo do Regulamento (CE) n.o 2320/2002, que continha designadamente a lista dos artigos proibidos na bagagem de cabine, é uma falta de tal gravidade que não pode ser tolerada pela ordem jurídica comunitária (4).

9.4   Por consequência, o Comité Económico e Social Europeu recomenda que as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança que tenham de aplicar medidas de segurança sejam informados de forma clara e directa sobre essas medidas e, portanto, que se providencie um acesso directo às regras, sujeito a condições rigorosas, para as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança. O facto de os prestadores de serviços de segurança privados deverem aplicar medidas de segurança e serem em certa medida responsáveis pela sua aplicação, sem terem a faculdade de serem informados directamente, não contribui para uma elevada qualidade dos serviços. No entanto, dada a necessidade de uma elevada confidencialidade quanto a essas regras, devem ser definidos e endossados requisitos específicos no que respeita à garantia da sua confidencialidade. O Comité Económico e Social Europeu recomenda ainda que as partes não sensíveis da legislação que aplica o Regulamento (CE) n.o 2320/2002, que impõe obrigações ou restrições aos direitos dos passageiros, seja objecto de publicação no Jornal Oficial da União Europeia, de acordo com o disposto no artigo 254.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, e que as medidas de segurança que impõem obrigações ou restrições aos direitos dos passageiros sejam revistas semestralmente. Dado o risco variável de ataques terroristas, o Comité Económico e Social Europeu reconhece a necessidade de os Estados-Membros terem competência para aplicar medidas mais rigorosas. Contudo, o Comité Económico e Social Europeu está em crer que é necessária uma abordagem mais coordenada entre os Estados-Membros na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada. Por outro lado, as medidas mais rigorosas tomadas a nível nacional, das quais decorram obrigações e/ou restrições aos direitos dos passageiros, devem basear-se numa avaliação de riscos, sujeita a uma revisão semestral, ter em consideração a dignidade humana e ser comunicadas aos viajantes.

10.   Consequências de um ataque terrorista

10.1   Um dos objectivos da Comunidade Europeia é a livre circulação de pessoas e de mercadorias. Além disso, a Comunidade Europeia comprometeu-se em adoptar uma política de transportes comum e em proteger os direitos humanos como o direito à vida e à propriedade.

10.2   No Processo Cowan (5), o Tribunal Europeu de Justiça decidiu que quando o direito comunitário garante a uma pessoa singular a liberdade de se deslocar a outro Estado-Membro, a protecção da integridade desta pessoa no Estado-Membro em causa, ao mesmo título do que a dos nacionais e das pessoas aí residentes, constitui o corolário dessa liberdade de circulação. O Conselho da União Europeia acrescentou a essa jurisprudência, na Directiva 2004/80/CE do Conselho, que as medidas para facilitar a indemnização das vítimas de crimes deverão participar na realização desse objectivo. Estes princípios deveriam ser aplicados às vítimas de um ataque terrorista no sector da aviação civil.

10.3   Na sua reunião em Tampere, em 15 e 16 de Outubro de 1999, o Conselho Europeu sublinhou a necessidade de estabelecer normas mínimas para a protecção das vítimas da criminalidade, em especial sobre o seu acesso à justiça e os seus direitos à indemnização por danos, incluindo as custas judiciais.

10.4   Tendo em conta o facto de que as transportadoras aéreas, os aeroportos e o sector da segurança estão a investir em serviços de elevada qualidade, através da investigação, e estão a contribuir para a segurança da sociedade, mas não têm a derradeira competência geral para impedir ataques terroristas, é necessário que a União Europeia tome a iniciativa e proporcione assistência às vítimas após um ataque terrorista.

10.5   Actualmente, não existe qualquer disposição europeia sobre indemnização das vítimas na sequência de um ataque terrorista. A indemnização das vítimas depende do resultado de processos judiciais e de soluções ex gratia dos Estados-Membros. Uma consequência da ausência de disposições comuns europeias é que se aplicam os regimes de responsabilidade nacionais, o que não é satisfatório e não dá segurança aos cidadãos quanto às consequências de grande alcance de um ataque terrorista. A título de exemplo, as vítimas que pretendam ser indemnizadas teriam de intentar processos judiciais morosos contra os terroristas que podem não ser facilmente encontrados ou que podem não ter os recursos financeiros necessários para indemnizar a vítima. Além disso, diferentes actores como as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança privados podem ter de enfrentar processos judiciais com base nos regimes de responsabilidade nacionais tendo como resultado uma responsabilidade potencialmente ilimitada. As soluções existentes provenientes dos seguros não são suficientes, uma vez que as transportadoras aéreas, os aeroportos e os prestadores de serviços de segurança privados são sobrecarregados com elevados prémios de seguro e uma cobertura limitada. Manifestamente, esses actores privados não estão na posição de atribuir a necessária indemnização às vítimas, nem é desejável que os actores privados sejam responsabilizados por acções dirigidas contra políticas estatais.

10.6   O Comité Económico e Social Europeu chama a atenção para o artigo 308.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que atribui poderes à Comissão para actuar quando estiverem preenchidas duas condições: em primeiro lugar, a acção tem de ser necessária para atingir um dos objectivos da Comunidade, e, em segundo, é necessário que o Tratado CE não tenha previsto os poderes de acção necessários noutro artigo.

10.7   Face ao exposto, o Comité Económico e Social Europeu recomenda, como solução possível, que se tome a iniciativa no que respeita à indemnização das vítimas de ataques terroristas ao abrigo do disposto no artigo 308.o do Tratado CE. Uma vez que é necessária uma acção da Comunidade Europeia para atingir o objectivo da livre circulação de pessoas e de mercadorias, para proteger o funcionamento do sistema de transporte aéreo e para proteger o direito à vida e à propriedade dos cidadãos.

10.8   Neste parecer, o Comité Económico e Social Europeu propõe à Comissão Europeia e ao Conselho da União Europeia que apliquem princípios utilizados noutros sectores (por exemplo, nuclear, marítimo, etc.). Mais concretamente, uma responsabilidade estrita que seja limitada e canalizada exclusivamente para um actor cuja viabilidade seja protegida por um regime de responsabilidade constituído por três partes, ou seja, respectivamente, a cobertura por um seguro, por um fundo financiado por todas as partes interessadas e pela intervenção estatal.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Regulamento (CE) n.o 2320/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil, JO L 355 de 30.12.2002, p. 1.

(2)  COM(2003) 566 — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 2320/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil.

(3)  Regulamento (CE) n.o 300/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2008, relativo ao estabelecimento de regras comuns no domínio da segurança da aviação civil e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2320/2002, JO L 97 de 9.4.2008, p. 72.

(4)  Conclusões da Advogada-Geral Eleanor Sharpston no processo C-345/06, 10 de Abril de 2008, www.curia.europa.eu

(5)  Tribunal Europeu de Justiça, Ian William Cowan contra Trésor Public, Processo 186/87, www.curia.europa.eu


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/44


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A União Europeia face ao desafio alimentar mundial

2009/C 100/08

Por carta de 25 de Outubro de 2007, a Presidência francesa do Conselho, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, solicitou ao Presidente do Comité Económico e Social Europeu, Dimitris DIMITRIADIS, a elaboração de um parecer sobre o tema

A União Europeia face ao desafio alimentar mundial.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 8 de Outubro de 2008, sendo relator Seppo KALLIO.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 73 votos a favor, 11 votos contra e 27 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE considera que a UE deve avaliar os objectivos a longo prazo da política agrícola e comercial e verificar se o aprovisionamento alimentar continua a estar assegurado num contexto europeu e mundial profundamente alterado.

1.2   O aprovisionamento alimentar deve estar no cerne da política agrícola, que visa uma produção viável em todas as regiões da UE. O balanço de saúde da PAC deve incluir estas considerações.

1.3   A produção de alimentos deve ter prioridade sobre a produção de energia. A produção de energia à base de plantas deve limitar-se às culturas e à biomassa impróprias para a produção de alimentos.

1.4   A definição de um nível adequado de preços de produtor fornece uma base estável para a produção de alimentos (produção de base e processamento), quer na UE quer a nível mundial.

1.5   Devem ser adoptadas regras para o comércio de produtos agrícolas que assegurem o aprovisionamento alimentar em todos os países e em todas as circunstâncias. Os países em vias de desenvolvimento devem beneficiar de vantagens comerciais que promovam a sua produção nacional.

1.6   A UE deve intensificar a cooperação e os esforços no sentido de modernizar e tornar mais eficazes as cadeias de produção de alimentos nos países em vias de desenvolvimento.

1.7   O CESE salienta que a UE deve procurar encorajar as actividades das associações de produtores e das organizações dos mercados nos países em vias de desenvolvimento, a fim de promover as condições necessárias para o aprovisionamento alimentar. A UE deve respeitar o seu compromisso de conceder apoios no valor de mil milhões de euros aos agricultores nesses países.

1.8   Importa aumentar os investimentos em novas tecnologias, incluindo as biotecnologias, para desenvolver novos métodos de produção.

1.9   A estratégia futura deve procurar melhorar a qualidade dos produtos alimentares e promover a segurança da produção de alimentos através de rótulos transparentes que indiquem o país de origem e da educação dos consumidores.

1.10   Os preços de consumo não devem ser reduzidos artificialmente, e sim ser compensados através da política social.

1.11   As Nações Unidas e outras organizações internacionais deveriam definir a produção de alimentos como uma das prioridades na erradicação da pobreza.

1.12   Para assegurar a disponibilidade dos alimentos, conviria introduzir um programa global de armazenamento, semelhante ao que já existe para o armazenamento de petróleo na UE.

1.13   Para a segurança do aprovisionamento na UE é indispensável um sistema de armazenamento básico mais eficaz para produtos e factores de produção fundamentais (proteínas, adubos, sementes, pesticidas, etc.) e é necessário tomar medidas adequadas de reforço da cooperação entre os Estados-Membros, a UE e os actores comerciais.

1.14   A formação neste domínio deve ser melhorada a fim de enfrentar os novos desafios ocasionados pela crise alimentar, tanto na UE como sobretudo nos países em vias de desenvolvimento.

1.15   O CESE exorta a UE a criar empresas comuns no sector da agricultura e da pesca dos países em vias de desenvolvimento, a fim de melhorar as condições económicas nesses países.

1.16   O CESE propõe que a Comissão apresente propostas no sentido de os Estados-Membros investirem mais em I&D+i no sector das pescas e essencialmente na construção e manutenção de navios de investigação oceanográfica. Os seus estudos e trabalhos contribuirão tanto para a conservação e o desenvolvimento de uma pesca sustentável como para melhorar a alimentação e as condições sócio-económicas dos países menos desenvolvidos.

2.   Introdução

2.1   A saúde dos cidadãos europeus e a sua apreensão quanto ao futuro, os recentes e acentuados aumentos do preço dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios e a polémica questão da fome no mundo em geral colocaram o desafio alimentar mundial no centro do debate público. Os preços dos produtos agrícolas e dos alimentos estavam em queda desde os anos 70. A subida dos últimos três anos representa uma evolução desejada que criou dificuldades ao elo mais fraco da cadeia, a saber, os consumidores, os quais têm de fazer face a preços de produtos alimentares de base que, por vezes, ultrapassam em muito o preço na origem recebido pelo agricultor. Se uma parte da agricultura europeia pôde beneficiar do aumento dos preços, há, no entanto, que destacar a situação crítica vivida pela pecuária na Europa, que não pode fazer face ao aumento do preço das rações, nem repercuti-lo nos preços nos consumidores. O presente projecto de parecer examina os desafios alimentares na perspectiva da UE e analisa o impacto social da intervenção comunitária numa perspectiva mais alargada (1).

2.2   A principal questão é o abastecimento alimentar e a segurança desse abastecimento. O objectivo consiste em identificar os desafios mundiais e em sugerir formas de lhes responder. A evolução vertiginosa dos mercados tem suscitado sugestões radicais: várias instâncias defenderam até que as questões agrícolas e alimentares fossem dissociadas nas negociações da OMC e que as ajudas tornassem a ser associadas à produção a nível comunitário. Por último, são examinadas as implicações destes desafios e respostas possíveis para as mais importantes questões sociais: Que significam estes desafios para os consumidores europeus? Como afectam o abastecimento alimentar a longo prazo dos países em desenvolvimento? De que forma contribuem para o dinamismo do mundo rural?

2.3   O parecer começa por fazer uma análise sucinta da evolução da produção agrícola e alimentar comunitária, bem como das políticas comunitárias na matéria, e uma síntese do enquadramento actual da produção agrícola e alimentar comunitária. Aborda em seguida os importantes factores externos que impelem à mudança, forçando a uma revisão do enquadramento actual. Com base nesta análise, é feita uma síntese, que destaca os mais importantes desafios com que a agricultura e os recursos alimentares da UE se irão confrontar e as alternativas de intervenção possíveis. Por último, são analisadas estas abordagens e o papel da UE no abastecimento alimentar à escala mundial, enquanto fornecedor e consumidor.

3.   A política agrícola e alimentar da UE e tendências do sector

3.1   Objectivos alimentares e agrícolas da CEE/UE e evolução do sector e dos mercados

3.1.1   A produção agrícola e alimentar comunitária tem evoluído ao longo das décadas, a par da evolução do resto da sociedade. Nos primeiros anos, a tónica foi colocada no aumento da produção, até começar a haver, na década de 1980, importantes excedentes para exportação. Foi nesta década que se assistiu à emergência de problemas ambientais na agricultura, como a questão do espalhamento do estrume em zonas de agricultura intensiva e problemas de abastecimento de água.

3.1.2   Em resposta à agricultura intensiva e aos problemas ambientais, surgiu a agricultura biológica, que constitui um exemplo de diferenciação dos produtos: alguns grupos de consumidores estão dispostos a pagar mais pelos alimentos produzidos por métodos considerados ecológicos. A década de 1990 ficará na memória como a década das doenças dos animais e das zoonoses, em que a indústria agro-pecuária e alimentar comunitária foi afectada pela doença das vacas loucas e pela peste suína. A segurança alimentar impôs-se como um factor importante do abastecimento, tendo muitos países começado a consagrar mais recursos a questões como o combate e a prevenção de salmonelas.

3.1.3   Estes problemas e as medidas tomadas com vista à sua resolução contribuíram para a definição da política agrícola e alimentar da União Europeia. Entre as questões de relevo que surgiram nos últimos anos, podemos destacar a produção de bioenergia a partir de matéria-prima agrícola, ou seja, a agricultura passou a ser uma fonte de matéria-prima para a produção de bioenergia.

3.1.4   Outra questão que adquiriu grande importância foi a qualidade nutricional dos alimentos e seu impacto na saúde pública, com a ênfase na composição dos alimentos e na responsabilidade da indústria agro-alimentar no crescente problema da obesidade no mundo ocidental. Este é um aspecto a ter em conta pelo sector alimentar, nomeadamente na concepção e comercialização dos produtos, bem como pelos próprios consumidores nas suas opções de consumo. Há que apostar na educação dos consumidores para encorajar um consumo responsável.

3.1.5   A questão mais polémica da actualidade neste domínio é o aumento marcado do preço dos alimentos e dos factores de produção e produtos agrícolas transformados. Tratar-se-á de um aumento permanente, e qual será o seu impacto nos recursos alimentares e nas condições de vida dos mais carenciados? Os responsáveis políticos devem ter igualmente em conta a evolução dos mercados: será que medidas políticas concebidas para mercados com preços baixos e em constante diminuição ainda continuam a ser adequadas nas circunstâncias actuais?

3.2   Evolução da política agrícola e de pesca da UE

3.2.1   A política agrícola da UE tem-se baseado num mercado interno forte e na regulação do mercado através de regimes de subvenções, a fim de assegurar um abastecimento alimentar estável em todos os países e em quaisquer circunstâncias. A UE assentou a sua política num modelo agrícola europeu que protege a diversidade da agricultura e assegura a sua rentabilidade mesmo nas regiões desfavorecidas da União. O objectivo tem sido a produção de alimentos seguros e de alta qualidade a preços razoáveis para os consumidores comunitários.

3.2.2   A internacionalização da política agrícola no âmbito da globalização colocou novos desafios à reforma da política agrícola comum, nomeadamente uma concorrência crescente e o problema da política de gestão dos rendimentos dos agricultores. Durante anos, os problemas dos mercados agrícolas eram consequência dos baixos preços dos produtos, que as reformas da agricultura da UE procuraram resolver.

3.2.3   Das reformas da agricultura de 1999 e 2003 resultou um sistema mais orientado para o mercado, com a supressão dos regimes de intervenção, a redução dos custos administrativos e o fim do vínculo entre subvenções directas e volume da produção. Estas reformas foram seguidas de reformas das organizações de mercado de muitos produtos, que criaram dificuldades a alguns agricultores comunitários. Estas mudanças lançaram as bases para as metas da UE nas rondas de conversações comerciais em curso no âmbito da OMC.

3.2.4   A UE prepara actualmente uma avaliação integral da política agrícola comum, que deverá constituir uma oportunidade para proceder a alguns ajustamentos. Os principais objectivos desta avaliação são avaliar a execução da reforma da PAC de 2003 e introduzir no processo de reforma os ajustamentos considerados necessários para simplificar esta política, de modo a permitir-lhe aproveitar as novas oportunidades do mercado e prepará-la para fazer face aos novos desafios do mercado e da sociedade. Estas propostas justificam-se num momento de grande turbulência nos mercados mundiais de produtos agrícolas, em que os recursos alimentares estão seriamente ameaçados.

3.2.5   A pesca representa, juntamente com a agricultura, uma parte importante do aprovisionamento alimentar. Em 2005, a produção total da pesca mundial atingiu quase 142 milhões de toneladas, o que equivale a 16,6 kg de peixe per capita e a mais de 15 % da produção mundial de alimentos de origem animal. Os produtos da pesca são fundamentais para o aprovisionamento alimentar. Além disso, as actividades relacionadas com a pesca e a aquacultura constituem uma fonte importante de alimentação, emprego e rendimentos, quer na Europa quer nos países em vias de desenvolvimento. A União Europeia deve contribuir para que esses países giram e aproveitem os seus recursos haliêuticos da forma mais eficaz.

3.2.6   A UE deve optar, neste domínio, por uma solução integrada que vise a um tempo o aproveitamento sustentável dos recursos haliêuticos, a redução da pobreza e o equilíbrio entre países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento, com base nas considerações seguintes:

1.

A UE deve contribuir para o desenvolvimento das técnicas de pesca locais e apoiar o crescimento da pesca e da aquacultura responsáveis,

2.

A UE deve continuar a importar produtos da pesca e a promover a segurança alimentar e as medidas de protecção dos consumidores,

3.

A UE deve apoiar a actividade pesqueira dos Estados-Membros nas águas de países terceiros, contanto que essa actividade seja inquestionavelmente do interesse desses países e dos seus cidadãos,

4.

Os mares e os oceanos fazem parte dos recursos do planeta e do nosso património comum. A UE deve velar por que a sua actividade pesqueira não exceda a capacidade das suas águas ou das dos países terceiros.

3.3   A necessidade de mudança: factores externos que influenciam a política agrícola e alimentar comunitária

3.3.1   Como já se viu, o enquadramento da política agrícola e alimentar comunitária evoluiu nos últimos 50 anos, sendo, simultaneamente, o resultado dos seus próprios objectivos e possibilidades e de factores externos. Entre os factores externos que contribuíram para mudar e delinear a política, contam-se, nomeadamente, a política comercial da UE — a actual ronda de Doha de conversações comerciais no âmbito da OMC —, o desenvolvimento tecnológico, os desafios ambientais e as tendências dos mercados de produtos alimentares.

3.3.2   A ronda de Doha de conversações comerciais multilaterais no âmbito da OMC dura já há quase sete anos. Foram encontradas algumas soluções parciais, mas em geral os progressos têm sido lentos. A UE tem estado muito activa neste processo, cujas negociações abrangem uma vasta gama de temas. Alguns países não quiseram que fossem realizados progressos susceptíveis de conduzir ao êxito das negociações. A UE fez concessões significativas, nomeadamente na agricultura, na indústria e em aspectos relacionados com os países em desenvolvimento. Uma solução negociada é fundamental para o funcionamento do comércio internacional.

3.3.3   A agricultura é sempre um ponto quente das negociações, na medida em que a maior parte dos países defende a sua produção, invocando razões de segurança nacional. Alguns outros dos participantes nas negociações são grandes exportadores, que, não obstante, não querem liberalizar as suas importações. A Comunidade é um importante exportador de certos produtos, mas é igualmente o maior importador mundial de géneros alimentícios. Em 2007, a indústria alimentar da UE exportou produtos alimentares no valor de 54,6 mil milhões de euros, ao passo que as importações comunitárias de alimentos processados foram de 52,6 mil milhões de euros.

3.3.4   Se as conversações da ronda de Doha chegarem a uma conclusão, os mercados agrícolas da UE terão de enfrentar uma situação nova. De acordo com as propostas actualmente sobre a mesa, as subvenções à exportação devem ser suprimidas até 2014 e os direitos aduaneiros de protecção serão reduzidos em mais de 50 %. Estas medidas podem representar uma perda económica para o sector agrícola comunitário superior a 20 mil milhões de euros. O recente aumento dos preços agrícolas afectará a estrutura do comércio e o impacto do resultado final.

3.3.5   A UE levantou uma série de questões importantes associadas ao comércio de produtos agrícolas, como as normas ambientais e sociais e o bem-estar dos animais (ou seja, factores não comerciais). Lamentavelmente, estas propostas não tiveram qualquer seguimento. As regras e normas de produção devem ser harmonizadas, a fim de criar condições equitativas no comércio mundial.

3.3.6   Nas negociações, a UE fez concessões significativas aos países em desenvolvimento mais pobres ao eliminar direitos de importação, esperando, desta forma, aumentar as suas possibilidades de transaccionar produtos agrícolas. É igualmente importante que a produção agrícola dos países em desenvolvimento beneficie de mais recursos, de tratamento preferencial e de assistência técnica. A UE também deveria apoiar iniciativas que promovam a produção para consumo interno nos países em vias de desenvolvimento e a organização dos actores rurais. As condições comerciais dos países em desenvolvimento são muito diferentes, e este facto deve ser tido em conta nas novas regras comerciais.

3.3.7   A recente convulsão dos mercados mundiais de produtos agrícolas afectará o comércio de produtos alimentares, bem como a estrutura deste comércio. Se os aumentos de preços se revelarem permanentes, isso afectará indirectamente novos acordos e condições em matéria de política comercial. Entretanto, a UE começou a prorrogar os acordos comerciais bilaterais que tem com muitos parceiros comerciais, em parte devido às dificuldades nas conversações multilaterais, mas também devido às rápidas mudanças, nomeadamente nos mercados dos produtos alimentares e da energia. É imperativo chegar a um acordo e introduzir um mecanismo de intervenção que permita reduzir as flutuações nos preços dos produtos e estabilizar os mercados.

3.4   Alterações ambientais e desenvolvimento tecnológico

3.4.1   Questões ambientais

3.4.1.1   O mais importante factor ambiental são as mudanças provocadas pelas alterações climáticas e, em especial, as medidas políticas que motivam. As alterações climáticas provocam mudanças nas condições climáticas de todo o mundo, e a agricultura é obrigada a adaptar-se a estas novas condições, que reduzem a produtividade agrícola. Outro efeito, indirecto, faz-se sentir através das medidas políticas: as medidas tomadas para abrandar as alterações climáticas exigem alterações das estruturas e das técnicas de produção que contribuem elas próprias para reduzir a produtividade. Para além do seu impacto na agricultura, as alterações climáticas também afectam as opções disponíveis à indústria alimentar e a sua rentabilidade.

3.4.1.2   Merece também especial referência a produção de bioenergia a partir de matérias-primas agrícolas. Os mercados dos produtos alimentares são agora totalmente interdependentes dos mercados da energia, uma vez que a produção de bioenergia e a produção alimentar competem pela mesma matéria–prima e que a actual produção agrícola depende em grande medida dos combustíveis fósseis. Em resultado desta competição, a evolução dos preços nos mercados da energia e as medidas políticas que os afectam repercutem-se directamente nos mercados dos produtos alimentares.

3.4.1.3   A utilização na produção de energia de matérias-primas que podem ser usadas para a produção de alimentos leva ao aumento da procura dos produtos agrícolas e dos respectivos preços.

3.4.1.4   O efeito de estufa é uma questão ambiental omnipresente, que se sobrepõe a muitas outras questões ambientais, de entre as quais se destaca, porém, a biodiversidade, por ser uma questão global. Na UE, a protecção de uma base genética diversificada está a adquirir uma importância crescente no contexto da preservação de zonas protegidas e de espécies vegetais e animais, quer no âmbito da produção, quer complementarmente a esta, e como actividade de banco de genes. Fora da Europa, as necessidades são basicamente as mesmas, mas a gama de espécies pode ser muitíssimo mais diversificada e as oportunidades económicas menores.

3.4.1.5   Para além da biodiversidade, as doenças contagiosas dos animais, as zoonoses e as espécies alógenas são problemas que estão a adquirir uma importância crescente devido ao comércio, ao transporte e à cooperação internacionais. Na UE, a peste suína, a EEB (encefalopatia espongiforme dos bovinos), a febre aftosa e as salmonelas contam-se, provavelmente, entre os problemas de biossegurança mais comuns, enquanto a nível mundial a epidemia de gripe aviária continua a suscitar preocupação. Cada doença e cada parasita tem a sua forma própria de propagação — o que têm em comum é o facto de afectarem, directa ou indirectamente, a produção de alimentos e de constituírem uma fonte de incerteza para os consumidores quando fazem as suas escolhas. Além disso, têm um impacto a longo prazo na segurança do aprovisionamento.

3.4.2   Novas tecnologias

3.4.2.1   A procura de produtos agrícolas para a produção de bioenergia aumentou antes de mais em resultado das políticas adoptadas para mitigar os riscos ambientais, mas também devido ao progresso tecnológico. A biotecnologia oferece um manancial de novas oportunidades para a produção e transformação mais eficazes de produtos nos mercados de produtos alimentares e não alimentares. No domínio da energia, a bioenergia com base na celulose está gradualmente a impor-se nos mercados, a par da energia com base em matérias amiláceas.

3.4.2.2   As inovações biotecnológicas trouxeram consigo toda uma série de novos métodos de produção. O desenvolvimento das biotecnologias é geralmente visto como um importante contributo para a melhoria da eficiência da produção e deve ser promovido através de investimentos em I&D. Contudo, apesar das suas vantagens potenciais, importa ter presentes os riscos para a saúde e o ambiente. O problema é que, em muitos casos, ainda não são muito claros os potenciais efeitos secundários das aplicações biotecnológicas para a saúde de animais, plantas e ecossistemas.

3.4.2.3   A falta de dados suficientes resultantes de investigação, bem como de estudos que provem os efeitos secundários das biotecnologias modernas na saúde e no ambiente, são factores que influenciam a formação da percepção dos consumidores em relação à a introdução das aplicações biotecnológicas está a ser dificultada pela atitude dos consumidores. As actividades de I&D devem prestar especial atenção aos pontos de vista e às expectativas dos consumidores e os produtos comercializados devem ser adequadamente rotulados.

3.5   Evolução dos preços nos mercados dos produtos alimentares

3.5.1   Nos últimos dois anos, os preços dos produtos agrícolas e de diversos produtos alimentares de base sofreram um acentuado aumento. Este aumento deve-se a diversas razões, nomeadamente o acréscimo da procura (resultante do crescimento da população), o aumento do preço da energia, a redução das existências a nível mundial, o investimento com fins especulativos em produtos agrícolas a que esta situação deu origem, bem como as alterações climáticas, quer por catástrofes localizadas quer pelo receio de mudanças mais permanentes.

3.5.2   É difícil prever a evolução futura dos mercados apenas com base em estimativas. A descida dos preços nos últimos meses não permite prever a que nível os preços virão a estabilizar. De qualquer das formas, o aumento dos preços está a ter um forte impacto nos países em vias de desenvolvimento, com repercussões sensíveis no mundo desenvolvido, incluindo a UE.

3.5.3   Na UE, o aumento dos preços no mercado mundial suscitou a impressão de que há uma margem de manobra em matéria de política agrícola e alimentar ligeiramente superior à que existia anteriormente. Os compradores consideram que o aumento dos preços dos alimentos é muito rápido e já se repercute nos níveis de inflação dos países da UE. A situação nos países em vias de desenvolvimento é muito similar: em muitos países já se registaram incidentes relacionados com a disponibilidade e os preços dos produtos alimentares. Simultaneamente, tornou-se evidente que o aumento dos preços teve um impacto positivo em alguns sectores da produção — em muitos casos, os produtores locais estão, pela primeira vez em muitos anos, em condições de competir com os produtos alimentares importados aos preços do mercado mundial. A longo prazo, isso poderá estimular a produção de alimentos e aumentar igualmente as oportunidades de produção para as populações locais. Contudo, para tal será necessário um crescimento económico suficiente que dê aos consumidores os recursos necessários para adquirirem alimentos.

3.5.4   O aumento dos preços no mercado mundial dos produtos alimentares poderá levar a um aumento do volume da produção alimentar. Contudo, pode igualmente agravar a fome no mundo, dado que os pobres terão cada vez mais dificuldade em comprar os bens alimentares essenciais, sobretudo se uma proporção ainda maior das colheitas for utilizada para produtos não alimentares. Seja como for, a nova situação está a ter um impacto muito claro na distribuição do rendimento no interior de cada país, o que a transforma numa questão politicamente sensível. A atitude das organizações mundiais em relação à evolução futura ainda não é clara.

3.5.5   Muito claramente, o que está em causa não são apenas os mercados dos produtos finais – quando os preços dos produtos finais sobem, a tendência é para os preços dos factores de produção aumentarem também, e vice-versa. É o que se verifica agora: os preços da energia e dos fertilizantes têm igualmente vindo a aumentar, sem que a situação dos agricultores tenha necessariamente melhorado. Se a indústria alimentar não conseguir manter inalterada a sua proporção do preço dos produtos finais, sofrerá ela também os efeitos do aumento do preço das matérias-primas.

3.5.6   O aumento dos preços reflecte o novo equilíbrio do mercado, devido a uma série de diferentes factores. Na prática, reflecte a capacidade da indústria alimentar mundial — e à segurança global do aprovisionamento — de alimentar as pessoas de acordo com as suas necessidades. No passado, foi frequentemente afirmado que a fome no mundo não era resultado de falta de possibilidades de produção, mas antes o resultado da política nacional e internacional. Esta conclusão terá de ser reavaliada num futuro próximo. Estarão o crescimento incessante da população, as alterações climáticas e a utilização de produtos agrícolas para outros fins , num contexto de exaustão das fontes de energia fósseis, a mudar a situação de tal forma que, no futuro, a escassez de alimentos não será apenas o resultado de políticas, mas também, e cada vez mais, de limitações das possibilidades produção?

3.5.7   Abordar a problemática da evolução dos preços dos produtos alimentares de base exige, no fim de contas, que se analise conscienciosamente a sua complexidade, pois é imprescindível proporcionar transparência à formação de preços nos diferentes escalões da cadeia de valor agro-alimentar. Nesse sentido, é da responsabilidade dos governos apostar em melhorar a rastreabilidade dos preços, estabelecendo os controlos necessários, para detectar as práticas abusivas de alguns operadores e desenvolvendo, por sua vez, um intenso trabalho pedagógico destinado a prestar ao consumidor uma informação fiável e completa.

3.6   Qualidade e segurança dos alimentos e propriedades nutricionais

3.6.1   Para além da quantidade, a qualidade e a segurança dos alimentos, as suas propriedades nutricionais e as preferências dos consumidores constituem factores importantes nos mercados dos produtos alimentares. A segurança dos alimentos rege-se por normas controladas pela nova Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA).

3.6.2   A nutrição é um aspecto complexo. As escolhas dos consumidores são influenciadas não só por considerações sanitárias como também por atitudes culturalmente determinadas. O impacto dos alimentos na saúde e a responsabilidade pelos mesmos continua a ser objecto de debate e os intervenientes do mercado ainda não chegaram a um consenso sobre a questão.

3.6.3   As preferências dos consumidores baseiam-se em valores e preferências pessoais (como por exemplo no caso dos alimentos biológicos) e em factores culturais, que não são quantificáveis. Não obstante, a sua importância enquanto factor que influencia os mercados dos produtos alimentares não deve ser subestimada.

3.7   Posição e papel dos consumidores

3.7.1   Há que encorajar hábitos de consumo mais responsáveis e sustentáveis, incluindo a reciclagem, tanto através da cadeia de aprovisionamento como entre os consumidores. Isso implica um amplo debate social.

3.7.2   Para os consumidores europeus, é um dado adquirido que os alimentos devem ser de boa qualidade e a preços acessíveis. Além do preço, a liberdade e as possibilidades de escolha são outros aspectos importantes para os consumidores. Em geral, os consumidores não estão dispostos a fazer concessões em matéria de qualidade.

3.7.3   Na prática, contudo, muitos consumidores aceitam tais concessões no que diz respeito à segurança dos produtos alimentares e ao seu significado cultural. Além disso, certas características específicas dos produtos alimentares são importantes para muitos consumidores: por exemplo, a produção orgânica e a presença de OGM condicionam o preço dos produtos.

3.7.4   Os problemas relacionados com a qualidade evidenciam a importância da informação: os consumidores precisam de conhecer as vantagens e os inconvenientes dos diferentes factores e métodos de produção para poderem avaliar os perigos de cada um. Há que evitar as caracterizações simplistas e encorajar os consumidores a sopesar os prós e os contras de cada produto por si próprios.

3.7.5   Para os consumidores, é fundamental conhecer os factores da qualidade em que baseiam as suas escolhas. O fácil acesso dos consumidores a informação sobre a qualidade dos produtos constitui uma condição essencial para que adquiram confiança. Muitos consumidores têm reclamado, nomeadamente, o regresso à rotulagem indicativa do país de origem, mesmo para os produtos alimentares europeus. Os produtos europeus estão bem cotados nos mercados europeus graças a uma boa educação e à abertura dos consumidores. Para o futuro desenvolvimento da produção alimentar, é fundamental prestar a devida atenção à política do consumidor.

3.8   Política de desenvolvimento e produção alimentar

3.8.1   Inúmeras decisões políticas foram tomadas em fóruns internacionais com vista à erradicação da fome no mundo, nomeadamente os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Até à data, os resultados concretos têm sido limitados. O número de pessoas com fome continuou a aumentar incessantemente e cerca de mil milhões de seres humanos continuam a passar fome. O aumento da produção agrícola não foi capaz de acompanhar o crescimento da população, e não foi possível fazer face eficazmente, em todo o mundo, à nova situação da produção alimentar. A UE tem contribuído para esses esforços, tanto ao nível das organizações internacionais como através da conclusão de acordos bilaterais com países em vias de desenvolvimento. A UE tem procurado desempenhar um papel activo na cooperação para o desenvolvimento e na política comercial, a fim de melhorar a situação do abastecimento alimentar nos países em desenvolvimento.

3.8.2   A segurança alimentar deve ocupar um lugar cimeiro na ordem do dia da política de desenvolvimento a nível internacional para que a pobreza seja reduzida. O aumento da produção alimentar deve constituir a pedra angular da política nacional dos países em vias de desenvolvimento. Cada país em vias de desenvolvimento deve ter uma política agrícola própria, no quadro da qual deve ser organizado o abastecimento de produtos alimentares de base dos seus cidadãos.

3.8.3   Para tal são necessários recursos adequados em matéria de formação, aconselhamento e investigação nos países em vias de desenvolvimento. A comunidade internacional e a UE devem envidar mais esforços para integrar estes objectivos na programação da política de desenvolvimento.

3.8.4   Os agricultores dos países em vias de desenvolvimento devem ser apoiados e incentivados por organizações de produtores a desenvolver a produção, o mercado e a transformação nacionais e a reforçar a sua posição no mercado. A gestão de riscos deve ser melhorada no âmbito dos esforços com vista a melhorar as condições de produção dos países em desenvolvimento. Cumpre ter igualmente em atenção as questões sociais, e não apenas a produção. Do mesmo modo, o sistema das Nações Unidas deve tomar medidas mais eficazes para melhorar o abastecimento alimentar.

3.8.5   No que respeita à política comercial, devem poder ser garantidas aos países em vias de desenvolvimento condições efectivas para disporem de um regime próprio de ₫apoio verde₻. A realização deste objectivo exige uma melhor formação das autoridades dos países em vias de desenvolvimento na gestão das regras e dos sistemas comerciais. A UE deveria investir mais nas actividades de formação nesses países. Ao mesmo tempo, uma melhor diferenciação entre países em vias de desenvolvimento, nomeadamente entre os países menos desenvolvidos e os principais países exportadores, melhoraria a posição dos países mais pobres. A UE tem vindo a promover estes objectivos no quadro das negociações na OMC.

4.   Possibilidades e condicionalismos da actuação da UE

4.1   Nas últimas décadas, as prioridades da UE e o debate sobre o aprovisionamento alimentar passaram da superprodução para questões ambientais, bem-estar animal e, mais tarde, para questões ligadas à saúde humana e animal e à saúde pública. No futuro (com toda a probabilidade um futuro não muito distante), assistir-se-á porventura a um regresso às origens: o debate na Europa tornará a centrar-se na disponibilidade e no preço da alimentação, uma tendência que já é visível há alguns anos.

4.2   Ao mesmo tempo, é óbvio que a UE não é uma ilha: a pobreza e todos os problemas que lhe são inerentes continuarão a ser o principal problema dos países em vias de desenvolvimento e a pobreza global não desaparecerá a curto prazo. A UE tem um enorme papel a desempenhar no combate à pobreza.

4.3   A principal preocupação na UE (e também na indústria alimentar) é a disponibilidade de energia. O sector da alimentação, na sua forma actual, é altamente dependente de energia, o que torna obrigatório assegurar a viabilidade do aprovisionamento energético. Um outro factor determinante é a água, sobretudo a nível global. Importa envidar todos os esforços no sentido de garantir a sua disponibilidade

4.4   À UE abrem-se várias possibilidades de actuação. Pode, por exemplo, fomentar a eficiência da agricultura e da pesca comunitárias, sem prejuízo de considerações ambientais, do bem-estar animal e da saúde pública. Para tornar a produção mais eficiente, a UE pode aumentar a dimensão das quintas e das unidades de exploração, mas mais uma vez isso deverá decorrer no respeito das normas ambientais e de bem-estar animal e não poderá esquecer as necessidades dos produtores e a importância de evitar o êxodo rural.

4.5   A UE pode optar por consolidar a segurança do aprovisionamento constituindo reservas e, entre outras medidas, diversificando as suas fontes de energia. Há que investir na produção de bioenergia, mas não à custa da produção de alimentos.

4.6   A UE deve ater-se igualmente aos seus princípios humanistas e assumir a sua parte de responsabilidade pela questão da emigração e pelos problemas dos países em vias de desenvolvimento, procurando simultaneamente minimizar as possibilidades de conflito em regiões vizinhas ao contribuir para que as populações possam subsistir nos seus países de origem, quer dentro quer fora da UE.

A UE deve apoiar os produtores de países terceiros e as suas iniciativas de cooperação, de modo a permitir-lhes corresponder melhor às necessidades alimentares das suas regiões através da colaboração e da troca de experiências. Os produtores europeus devem participar na cooperação entre agricultores. Em Julho de 2008, a UE tomou a decisão de princípio de disponibilizar mil milhões de euros ao abrigo do orçamento agrícola para melhorar as condições dos agricultores nos países em desenvolvimento.

4.7   Importa promover igualmente o consumo responsável e hábitos alimentares saudáveis: uma dieta rica em vegetais permitiria à humanidade satisfazer as suas necessidades alimentares com um muito menor consumo de energia do que uma dieta rica em proteínas animais. Do ponto de vista da produção, será necessário continuar a desenvolver a produção e os conhecimentos científicos. A UE deve manter-se na vanguarda em todos estes domínios, tanto nas suas próprias actividades como na cena internacional.

5.   Segurança do aprovisionamento — Base do aprovisionamento alimentar da UE

5.1   A segurança do aprovisionamento é um mecanismo fundamental de prevenção dos riscos e de garantia da disponibilidade de alimentos e medicamentos em situações excepcionais. As disposições nacionais em matéria de segurança do aprovisionamento variam consideravelmente de um Estado-Membro para outro. A adesão à UE leva em geral ao relaxamento dessas disposições, por estar generalizada a noção de que a UE é capaz de assumir a responsabilidade global pela segurança do aprovisionamento na gestão de situações de crise. O mercado interno da UE proporciona um bom mecanismo para alcançar esse objectivo. As crises assinaladas nos últimos anos foram de natureza qualitativa e não provocaram a escassez de géneros básicos.

5.2   Um dos principais objectivos de assegurar o aprovisionamento é salvaguardar a produção de matérias-primas essenciais para a alimentação. Em caso de crise, a distribuição de alimentos pode ser regulamentada e controlada. A cooperação entre os agricultores, o comércio, a indústria, as autoridades e outros organismos é fundamental.

5.3   Enquanto as crises não são sanadas, torna-se crucial o acesso a factores essenciais da produção agrícola, como sejam os adubos, fontes de energia como o petróleo, materiais de protecção das plantas, sementes, medicamentos para animais, água, etc. A legislação obriga as autoridades a garantir a disponibilidade destes factores de produção em situações excepcionais. Isso requer uma boa repartição dos encargos e dos planos entre os diferentes intervenientes. Os programas nacionais e os níveis de preparação da segurança do aprovisionamento variam. A UE está a elaborar novos programas, em particular face ao aumento dos riscos internacionais.

5.4   A segurança do aprovisionamento do sector alimentar da UE deve ser reforçada através da introdução de mecanismos e disposições mais racionais, a fim de preparar a UE para riscos eventuais. Programas de armazenamento suficientemente amplos e cobrindo toda a UE são fundamentais para a segurança do aprovisionamento. Mercados e estáveis e eficientes para os produtos agrícolas nos Estados-Membros e o mercado interno da UE estão na base da segurança do aprovisionamento. Em caso de crise, a fiabilidade e a rapidez de intervenção dos diferentes implicados serão igualmente vitais.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  No contexto da elaboração do presente parecer, o CESE organizou uma audição, em 22 de Setembro de 2008, intitulada Que perspectivas para os preços dos produtos agrícolas e dos alimentos?


ANEXO

parecer do Comité

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 3.4.2.2

Alterar da seguinte forma:

«As inovações biotecnológicas trouxeram consigo toda uma série de novos métodos de produção. O desenvolvimento das biotecnologias é geralmente visto por algumas empresas produtoras de sementes e de químicos como um importante contributo para a melhoria da eficiência da produção e deve ser promovido através de investimentos em I&D . Contudo, apesar das suas vantagens potenciais, importa ter presentes os riscos para a saúde e o ambiente , aos quais há que dar a devida atenção, e disponibilizar fundos para análises neste domínio . O problema é que , em muitos casos, ainda não são muito claros os potenciais são conhecidos todos os efeitos secundários das aplicações biotecnológicas para a saúde de animais, plantas e ecossistemas.».

Resultado da votação

Votos a favor: 41, Votos contra: 49, Abstenções: 18

Ponto 1.8

Alterar da seguinte forma:

«Importa aumentar os investimentos em novas tecnologias adaptadas aos critérios de sustentabilidade, incluindo as biotecnologias, para desenvolver novos métodos de produção. No que se refere às biotecnologias, o CESE associa-se à posição do Banco Mundial, da FAO e outros organismos públicos tomada no Conselho Agrícola Mundial que, em Abril de 2008, decidiu que o problema alimentar mundial que já se faz sentir fora da UE deve ser resolvido primeiramente através de métodos agrícolas e de uma agricultura ecológica, e não através da engenharia genética e da biotecnologia nem de um aumento dos produtos químicos na agricultura.».

Resultado da votação

Votos a favor: 39, Votos contra: 47, Abstenções: 19

Pontos 3.4.2.1 e 3.4.2.2

Alterar da seguinte forma:

«3.4.2.1

A procura de produtos agrícolas para a produção de bioenergia aumentou antes de mais em resultado das políticas adoptadas para mitigar os riscos ambientais, do crescimento da população mundial e da alteração dos hábitos alimentares (muito maior consumo de carne) mas também devido ao progresso tecnológico. A biotecnologia oferece um manancial de novas oportunidades para a produção e transformação mais eficazes de produtos nos mercados de produtos alimentares e não alimentares. No domínio da energia, a bioenergia com base na celulose está gradualmente a impor-se nos mercados, a par da energia com base em matérias amiláceas.

3.4.2.2

As inovações em matéria de técnicas agrícolas e pecuárias ecológica e socialmente mais aceitáveis (como por exemplo o smart breeding) biotecnológicas trouxeram consigo toda uma série de novos métodos de produção. O desenvolvimento das biotecnologias é geralmente visto como um importante contributo para a melhoria da eficiência da produção e devem continuar a ser promovidas o e apoiadas através de investimentos em I&D. Contudo, apesar das suas vantagens potenciais, importa ter presentes os riscos para a saúde e o ambiente. O problema é que, em muitos casos, ainda não são muito claros os potenciais efeitos secundários das aplicações biotecnológicas para a saúde de animais, plantas e ecossistemas. O CESE concorda com o Conselho Agrícola Mundial em que a crise alimentar que se tem agravado a nível mundial, e sobretudo no exterior da UE, só pode ser combatida através de métodos adequados aos condicionalismos locais, ou seja, através de técnicas tradicionais, da agricultura biológica, etc., e nunca através da engenharia genética.».

Resultado da votação

Votos a favor: 34, Votos contra: 53, Abstenções: 21


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Para além do PIB — Instrumentos para medir o desenvolvimento sustentável»

2009/C 100/09

Em 16-17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar parecer de iniciativa sobre o tema

Para além do PIB — Instrumentos para medir o desenvolvimento sustentável.

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente (Observatótio do Desenvolvimento Sustentado), responsável pela preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, adoptou o seu parecer em 8 de Outubro de 2008, tendo sido relator Martin SIECKER.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 114 votos a favor, 2 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O PIB é um indicador fundamental do crescimento económico, mas não basta quando se trata de definir a linha política a seguir para enfrentar os desafios do século XXI. Para tal é necessário recorrer a outros indicadores complementares. Foi esta a conclusão a que se chegou tanto na conferência «Para além do PIB» da Comissão Europeia de 19 e 20 de Novembro de 2007, em Bruxelas, como na conferência intitulada «Een comfortable waarheid» (Uma verdade conveniente) de 10 de Janeiro de 2008, em Tilburgo.

1.2   O PIB é um instrumento útil para medir o ritmo da economia, para indicar a velocidade com que se ganha dinheiro, independentemente da utilidade dos produtos e dos serviços fornecidos ou dos eventuais danos para o ser humano e o ambiente. Mas do que precisamos realmente é de um instrumento que meça a distância a que nos encontramos de uma economia sustentável e solidária.

1.3   Tratando-se de duas coisas distintas — sustentabilidade e bem-estar — são necessários dois instrumentos de medição. A sustentabilidade tem em mira um mundo saudável agora e no futuro e a solidariedade entre as gerações e é um pressuposto, ao passo que o bem-estar passa necessariamente pelo desenvolvimento social e é uma meta variável. Para a sustentabilidade é suficiente garantir que o estilo de vida actual se possa manter ainda por muitos anos ao nível mundial. Uma vez cumprido este critério, não é necessário empenhar-se por uma sustentabilidade ainda maior. Já com o bem-estar é diferente: mais bem-estar é sempre melhor do que menos bem-estar. É, por isso, lógico ambicionar um bem-estar cada vez maior.

1.4   Há um indicador excelente para medir o grau de sustentabilidade e a sua evolução: nomeadamente, a pegada ecológica que, não obstante as suas insuficiências, é o melhor indicador global disponível para o desenvolvimento sustentável em termos ambientais.

1.5   A pegada ecológica é uma ferramenta de comunicação excelente e é uma das poucas — senão a única — que tem em conta o impacto ambiental dos padrões do nosso consumo e da nossa produção (importações e exportações) noutros países. Pode ser aperfeiçoada à medida que vai sendo utilizada e ser substituída se e quando surgir outra medida mais adequada.

1.6   O desafio que se coloca é encontrar um indicador para o desenvolvimento social que seja realista na medição dos vários aspectos da qualidade de vida. O presente parecer trata justamente deste indicador por não existir (ainda) um instrumento político eficaz deste tipo.

1.7   Um indicador da qualidade de vida praticável e fundado cientificamente compreende domínios da existência considerados geralmente vitais para a qualidade de vida e deve obedecer aos seguintes critérios:

partir de factores objectivos que determinem as capacidades dos indivíduos;

ser sensível ao impacto político;

fornecer dados em tempo útil;

permitir comparações entre países;

permitir comparações cronológicas;

ser compreensível para o grande público.

1.8   Os seguintes seis domínios são considerados, regra geral, vitais para a qualidade de vida:

integridade física e saúde;

bem-estar material;

acesso aos serviços públicos;

participação cívica e integração dos alóctones;

lazer;

qualidade do ambiente.

Os Estados-Membros dispõem dos dados básicos necessários para medir a evolução destes domínios ao nível nacional. É, porém, indispensável melhorá-los (frequência, recolha, processamento).

1.9   O indicador aqui descrito não é perfeito. Também não pretende ser um modelo, é apenas um contributo para o debate em curso sobre este tema. Medir é um processo dinâmico, sobretudo se o que se mede são as mutações na sociedade. Além disso, estas mutações podem, por seu turno, criar a necessidade de outros indicadores mais precisos. Definir um indicador é também um processo dinâmico e a sua definição deve ser o resultado de debates e discussões, como é normal numa sociedade democrática.

1.10   A transição para uma política não baseada exclusivamente no crescimento económico, mas determinada igualmente por factores sociais e ambientais, poderá conduzir a uma economia mais sustentável e mais solidária. Dada a sua amplitude, nunca será um projecto a curto prazo. Para assegurar a sua viabilidade, é evidente a necessidade de circunscrever esta ambição aos Estados-Membros e ampliá-la eventualmente aos países candidatos Croácia e Turquia e aos países com um desenvolvimento económico comparável, como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e o Japão. Dadas as grandes assimetrias no desenvolvimento económico, é impossível criar um único instrumento para medir pela mesma bitola e identificar os progressos nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento.

2.   Limitações do PIB

2.1   Felicidade é o objectivo último de todos os seres humanos. A tarefa mais importante dos governos é, pois, criar as premissas que permitam a cada cidadão alcançar essa felicidade. Isso significa que os governos terão de sondar constantemente a sociedade para recolher informações sobre a situação em que se encontra. Medir é saber. Só depois de saber qual o motivo e qual o objecto da insatisfação sentida em dado momento é que se poderá tentar remediá-la.

2.2   Actualmente, o PIB (Produto Interno Bruto) é o instrumento mais utilizado pelos governos para medir e ficar a saber como vai a sociedade. O PIB foi introduzido no século passado como instrumento de medição após a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial que se lhe seguiu. É a medida mais importante, para não dizer a única, utilizada pelos políticos para aferir as prestações e as actividades económicas. Tem por base um sistema de contas nacionais aceite internacionalmente e obedece a um método uniforme. Além disso, tudo é convertido em função de uma única unidade de medição: o dinheiro. É, deste modo, muito fácil comparar o PIB internacionalmente.

2.3   Mas, ao mesmo tempo, não diz nada sobre o bem-estar (felicidade) das pessoas ou sobre o grau de sustentabilidade do desenvolvimento da sociedade. O PIB per capita nos Estados Unidos é um dos mais elevados do mundo, mas isso não quer dizer que os americanos sejam mais felizes do que os habitantes de outros países. Além disso, a sustentabilidade da sociedade americana deixa muito a desejar. É certo que, no mundo inteiro, o PIB per capita é muito mais elevado do que há sessenta anos, mas este facto não se reflectiu num aumento tangível da felicidade. Com efeito, para além dos suspiros que se ouve aqui e ali, da nostalgia geral dos «bons velhos tempos», em 2008 o número de pessoas que passam fome atingiu o recorde de 900 milhões. E a fome não faz decerto ninguém feliz.

2.4   A actual evolução da sociedade e as relações económicas da nossa época diferem fundamentalmente da situação de meados do século passado. Sobretudo nos países desenvolvidos há uma necessidade crescente de outros parâmetros para além dos resultados de transacções comerciais ou de processos económicos formais. Ora, muitas dessas facetas e necessidades não são tidas devidamente em conta pelo PIB.

2.5   Um PIB crescente pode dissimular um considerável declínio no bem-estar e na prosperidade. Se um país, por exemplo, mandar cortar todas as árvores das suas florestas para vender a madeira ou puser as suas crianças a trabalhar em vez de mandá-las para a escola, isso seria muito benéfico para o PIB, uma vez que os números do crescimento económico apontariam para uma maior prosperidade material, mas de modo algum sustentável, e as pessoas — em especial as crianças — não seriam (mais) felizes.

2.6   Até as catástrofes naturais e políticas podem ter um efeito positivo no PIB. O furacão Katrina foi uma bênção para o PIB da Luisiana graças aos gigantescos esforços e à intensificação das actividades económicas necessárias para a reconstrução. O mesmo é válido para o PIB de vários países asiáticos e africanos a seguir ao tsunami e para praticamente todas as economias europeias no pós-guerra. Independentemente do facto de nem todos terem participado do mesmo modo no aumento da prosperidade, não se pode dizer que estas catástrofes tenham contribuído para o bem-estar das pessoas ou para a preservação da sociedade.

2.7   Mas também exemplos menos extremos provam que o PIB não pode ser o único instrumento de medição. Com um maior bem-estar material vendem-se mais automóveis e constroem-se mais estradas, há mais acidentes, custos mais elevados (substituição/reparação do automóvel, custos decorrentes dos cuidados prestados a feridos ou inválidos, prémios de seguro mais elevados). Esse mesmo bem-estar leva a excessos como o comércio de armas e a venda de anti-depressivos para crianças. São todos factores favoráveis ao aumento do PIB mas não à realização do objectivo último da humanidade — a felicidade —, exceptuando talvez aqueles que ganham dinheiro à custa destas actividades.

2.8   A influência do PIB é mais evidente sobretudo quando desce: é o pânico geral. E nem sempre há motivo para uma reacção deste tipo. Outra possibilidade é o PIB diminuir em consequência de uma evolução positiva. Se todos substituírem amanhã a sua lâmpada normal por uma LED (fontes de luz da nova geração), isso obrigará sem dúvida a fazer uma grande despesa de uma só vez em lâmpadas novas, mas ao mesmo tempo haverá uma substancial redução estrutural no consumo de energia — e, por conseguinte, do PIB — pelo facto de esta nova geração de lâmpadas utilizar apenas uma pequena fracção da electricidade consumida pelas antigas.

2.9   Em suma, o PIB é uma medida eficaz quando se trata de aferir desempenhos económicos, mas noutros domínios da sociedade não há uma relação directa entre crescimento económico e progresso. Para se ter uma imagem global do problema, são também indispensáveis indicadores que reflictam o desenvolvimento, designadamente, das dimensões social e ambiental.

3.   Outros factores de bem-estar

3.1   O debate sobre a necessidade de recorrer a outros instrumentos de medição para além do PIB tem lugar simultaneamente em várias frentes. Com efeito, para além da conferência «Beyond GDP» (Para além do PIB) realizada em 19 e 20 de Novembro, em Bruxelas, sob a égide da Comissão Europeia (1), teve lugar em 10 de Janeiro passado na Universidade de Tilburgo (Países Baixos) uma conferência intitulada «Een comfortable waarheid» (Uma verdade conveniente) (2). Há paralelos evidentes nos resultados das duas conferências que defendem que não se deve considerar o crescimento económico como único factor indicativo e que é necessário lançar mão de outros indicadores. O PIB é um instrumento útil para medir o ritmo da economia, para indicar a velocidade com que se ganha dinheiro, independentemente da utilidade dos produtos e dos serviços fornecidos ou dos eventuais danos para o ser humano e o ambiente. Mas do que precisamos realmente é de um instrumento que meça a distância a que nos encontramos de uma economia sustentável e solidária. Logo após a introdução do PIB, economistas de renome, como Samuelson (3), advogavam já a necessidade de ampliar o conceito de Produto Interno Bruto a aspectos não materiais, como o ambiente e valores naturais, e de deixar de relacioná-lo apenas com aspectos puramente económicos. Como estas tentativas não redundaram numa versão adaptada do PIB universalmente aceite, o conceito tradicional continua a ser o indicador por excelência. Seguem-se as teses de alguns especialistas que estudaram este tema a fundo.

3.2   O catedrático britânico em Economia do Trabalho, Richard Layard, chegou no seu livro «Happiness» (4) (Felicidade) à conclusão de que o homem ocidental não conseguiu nos últimos cinquenta anos ser mais feliz, não obstante o aumento espectacular do seu bem-estar material. Segundo ele, isto acontece devido à enorme concorrência entre os indivíduos, visto todos eles terem como principal objectivo ganhar mais do que os outros. Esta fixação unilateral relegou para segundo plano o que é realmente mais importante para o bem-estar do ser humano: uma família estável, prazer no trabalho e relações com os amigos e a comunidade. As estatísticas não mentem: há um número crescente de divórcios, maior stress no local de trabalho e uma taxa de criminalidade cada vez mais elevada. Para restaurar o equilíbrio, haverá que colocar mais ênfase na igualdade de possibilidades em obter rendimentos do que na igualdade dos rendimentos.

3.3   Na sua teoria sobre a economia do bem-estar, o economista indiano Amartya Sen  (5) realça que no bem-estar o que interessa não são os bens em si mas as actividades para as quais estes bens são adquiridos. Os rendimentos oferecem aos indivíduos possibilidades para exercerem actividades e para se realizarem pessoalmente. Estas possibilidades — designadas por Sen como «capacidades» individuais — dependem também de factores tais como a saúde e anos de vida. Sobretudo nos países em desenvolvimento é essencial a informação sobre a taxa de mortalidade, muito elucidativa sobre a desigualdade social e a qualidade de vida.

3.4   No seu novo livro «Frontiers of justice» (Fronteiras da justiça), a filósofa americana Martha Nussbaum  (6) enuncia dez direitos sociais mínimos essenciais para uma vida digna. Uma sociedade que não seja capaz de garantir a todos os seus cidadãos estes direitos e liberdades num nível mínimo adequado exime-se, a seu ver, às suas responsabilidades e não pode ser considerada uma sociedade justa. Trata-se concretamente da capacidade de viver bem, ter uma vida de duração normal, ter saúde, poder deslocar-se livremente, utilizar a mente, apegar-se a coisas e a outras pessoas, ter uma noção do bem, viver com os outros e para os outros sem discriminar ninguém, ter uma relação saudável com a natureza e com os animais e preocupar-se com a sua preservação, rir-se e divertir-se, participar nas escolhas políticas e ter condições para aceder à propriedade. Esta lista não tem carácter absoluto e pode incluir ainda outros aspectos.

4.   Mais indicadores

4.1   Para além do PIB, há várias iniciativas para medir outros aspectos determinantes e ficar com uma noção da situação em que se encontra uma dada comunidade. A título de orientação, damos a seguir uma sinopse e uma descrição sumária de quatro destes indicadores. Mas há muitas outras, por exemplo, a iniciativa do Conselho Federal para o Desenvolvimento Sustentável na Bélgica (7), o Índice de Bem-Estar no Canadá (CIW) (8), a Felicidade Interna Nacional no Butão (9), a Iniciativa Quars na Itáliaå (10), a Comissão Stiglitz na França (11), o projecto mundial da OCDE (12) para medir o progresso, bem como os dados relevantes do Eurofound (13). Não temos aqui, todavia, espaço suficiente para descrevê-las a todas.

4.2   O Human Development Index(HDI) (14) (Índice de Desenvolvimento Humano) é um instrumento para medir o progresso da sociedade e dos vários grupos sociais. Este método é utilizado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e traduz-se na elaboração de um relatório anual sobre a situação em cada país. Para além dos rendimentos, são considerados igualmente relevantes a esperança de vida, o grau de literacia e o nível do ensino. Desde 1977 também é publicado um Human Poverty Index  (15) (Índice de Pobreza Humana) que tem em conta o acesso ao ensino, o acesso a alimentação segura e a água potável e ainda aos cuidados de saúde. O HDI baseia-se, designadamente, na teoria de SEN. É um instrumento eficaz para os países em desenvolvimento, mas já se presta menos para medir o progresso nos países desenvolvidos.

4.3   O ponto de partida da Pegada Ecológica  (16) é a possibilidade de calcular o consumo de certos produtos com base na área necessária para a sua produção. É, deste modo, possível comparar o impacto ambiental de vários comportamentos de consumo (estilos de vida) ou de várias faixas da população (países). Para satisfazer o consumo individual, em todo o mundo, é necessária uma superfície de solo produtivo por habitante de 1,8 hectares. São utilizados actualmente 2,2 hectares por pessoa, o que significa que a humanidade está a gastar as reservas da Terra a grande velocidade. As diferenças ao nível mundial são, contudo, enormes: nos Estados Unidos a pegada ecológica média é de 9,6 hectares, ao passo que no Bangaldesh é apenas de 0,5 hectares. Se não houver mudanças na política, estes problemas agudizar-se-ão ainda mais. Por um lado, com a erosão e a desertificação há cada vez menos solos disponíveis, por outro, com o crescimento da população mundial há cada vez mais pessoas a partilhar de um número cada vez menor de hectares. Ao mesmo tempo, a procura aumenta visto o bem-estar crescente levar as pessoas a consumirem mais. A pegada ecológica é o indicador mais adequado para medir o desenvolvimento sustentável. A sua única desvantagem é não dizer nada sobre o bem-estar das pessoas.

4.4   O Índice das Condições de Vida  (17) oferece uma descrição sistemática e uma análise das condições de vida da população dos Países Baixos, e é igualmente designado por SSN (Sociale Staat van Nederland — situação social dos Países Baixos). O SSN descreve o desenvolvimento das condições de vida durante um período de cerca de dez anos. Os temas contemplados são: rendimento, trabalho, ensino, saúde, lazer, mobilidade, criminalidade, habitação e habitat. Em complemento dos capítulos sectoriais, inclui uma síntese do índice das condições de vida. Também fornece dados relacionados com a opinião pública e o que pensa sobre a política e o governo. Este inquérito é publicado de dois em dois anos pelo Nederlandse Sociaal Cultureel Planbureau (Gabinete do Plano Social e Cultural). O Índice das Condições de Vida nunca conseguiu grande autoridade nos Países Baixos por ser uma amálgama de aspectos muito variados e não oferecer, por isso, uma imagem fidedigna e coerente do bem-estar social.

4.5   O professor catedrático Ruut Veenhoven da Universidade Erasmus de Roterdão já há trinta anos que vem investigando a felicidade no mundo inteiro. No seu World Database of Happiness  (18) (Base de dados mundial sobre a felicidade) conclui que é extremamente ténue a relação entre dinheiro e felicidade. Nas pessoas que recebem mais dinheiro é visível uma breve sensação de euforia, mas ao fim de um ano esse acréscimo de felicidade esvai-se. Liberdade para dispor do seu tempo e a possibilidade de escolha dão aos indivíduos uma sensação de felicidade mais profunda. Aliás, tal como Layard, ele releva aqui uma diferença sensível entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Nestes últimos o aumento de rendimento produz uma sensação de felicidade mais intensa e mais duradoura do que nos primeiros. Esta diferença desaparece quando o PIB per capita ultrapassa um limite de rendimento situado entre os 20 000 e os 25 000 dólares. O inconveniente desta base de dados é que, para medir a sensação de felicidade, é indispensável ter em conta a influência das preferências individuais. Além disso, a política do governo pouco ou nada pode fazer para influenciar esta sensação.

5.   Aplicações possíveis

5.1   Há, em linhas gerais, duas possibilidades para subverter a posição dominante do PIB na política social e económica. A primeira consiste em criar uma série de outros indicadores que digam respeito à sustentabilidade e ao bem-estar (ou a alguns dos seus aspectos) e cujo peso seja equivalente ao do PIB. A segunda reside em substituir o PIB por um novo indicador global, que integre todos os elementos relevantes para a sustentabilidade e o bem-estar. Deverá ser este novo indicador a nortear a política socioeconómica.

5.2   A primeira possibilidade — uma série de outros indicadores para além do PIB — já existe de facto, mas não funciona. Existem muitos indicadores que permitem medir diversos aspectos da sustentabilidade e do bem-estar: indicadores de democracia, felicidade e satisfação com a vida, de saúde, nível de instrução, literacia, liberdade de expressão, criminalidade, qualidade do meio ambiente, emissões de CO2, pegada ecológica, etc. Só que a todos eles é reconhecida uma importância menor do que ao PIB, que continua a ser visto como o indicador de bem-estar mais completo e menos controverso.

5.3   A segunda possibilidade — um indicador global em vez do PIB — é complexa, porquanto estão em jogo duas questões fundamentalmente diferentes: a sustentabilidade e o bem-estar. A sustentabilidade constitui um pressuposto, o bem-estar uma meta variável. Para a sustentabilidade é suficiente garantir que o estilo de vida actual poderá continuar ainda por muitos anos ao nível mundial. Uma vez cumprido este critério, não é necessário empenhar-se por uma maior sustentabilidade. Já com o bem-estar é diferente: mais bem-estar é sempre melhor do que menos bem-estar. É, por isso, lógico ambicionar um bem-estar cada vez maior.

5.4   Dada a dificuldade de congregar num denominador comum estas duas questões fundamentalmente diferentes, surge uma terceira possibilidade: dois indicadores em complemento do PIB: um indicador para medir a sustentabilidade e um outro para medir a qualidade de vida. Há um indicador excelente para medir o grau de sustentabilidade e a sua evolução: nomeadamente, a pegada ecológica, que, não obstante as suas insuficiências, é o melhor indicador global disponível para o desenvolvimento sustentável em termos ambientais. A pegada ecológica é uma ferramenta de comunicação excelente e é uma das poucas — senão a única — que tem em conta o impacto ambiental dos padrões do nosso consumo e da nossa produção (importações e exportações) noutros países. Pode ser aperfeiçoada à medida que vai sendo utilizada e ser substituída se e quando surgir outra medida mais adequada. Não há ainda um indicador eficaz do desenvolvimento social que seja realista na medição de todos os aspectos da qualidade de vida. O presente parecer ocupa-se exclusivamente com um tal indicador da qualidade de vida.

6.   Indicador da qualidade de vida

6.1   Um indicador da qualidade de vida praticável e fundado cientificamente compreende domínios da existência considerados geralmente vitais para a qualidade de vida e deve obedecer aos seguintes critérios:

ser composto de factores objectivos que determinem as capacidades dos indivíduos;

ser sensível ao impacto político;

fornecer dados em tempo útil;

permitir comparações entre países;

permitir comparações cronológicas;

ser compreensível para o grande público.

6.2   Domínios da vida considerados, regra geral, na UE como vitais para a qualidade de vida e que satisfazem os critérios:

Integridade física e saúde. Este indicador mede a percentagem da população não impedida fisicamente de funcionar de acordo com a sua vontade seja por factores «internos» (doença, deficiência), seja por factores «externos» (crime e detenção).

Bem-estar material. Trata-se do rendimento disponível médio normalizado em paridades de poder de compra, a melhor unidade de medida global do poder de compra efectivo do cidadão médio. A correcção das diferenças entre os níveis de preço nos vários países permitiu tornar comparável o poder de compra nesses países.

Acesso aos serviços públicos. A percentagem do PIB destinada aos cuidados de saúde, educação, transportes públicos, habitação e cultura.

Participação na sociedade. A percentagem da população de idade compreendida entre os 20 e os 65 anos que exerce uma actividade remunerada mais a percentagem da população com mais de 20 anos de idade que participa em actividades de voluntariado. Ter um trabalho remunerado é geralmente considerado como uma das formas mais importantes de participação e integração social. A par disso, o trabalho voluntário é importante para a manutenção de toda uma série de estruturas sociais da comunidade, permitindo assim quebrar o domínio do vector económico. Tendo em conta a mobilidade cada vez maior de pessoas, é importante acolher os alóctones e apoiar a sua integração cultural e social nas comunidades existentes.

Lazer. Número médio de horas de lazer da população de idade compreendida entre os 20 e os 65 anos não consagradas à educação nem ao trabalho remunerado ou não remunerado (incluindo o tempo necessário para os trajectos, as lides domésticas e a assistência à família). Deve ser descontado o tempo livre decorrente de desemprego involuntário. A par do trabalho remunerado, um tempo suficiente de lazer é essencial para que as pessoas possam estruturar a sua vida à sua maneira.

Qualidade do ambiente. A percentagem representada pela natureza em proporção à área total do país + a percentagem da população não exposta à poluição atmosférica. Não se trata aqui da contribuição da natureza e do ambiente para a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconómico (a pegada ecológica é um indicador específico para o efeito), mas sim da qualidade de vida dos cidadãos. O indicador limita-se, por isso, aos dois aspectos de natureza e ambiente que os cidadãos podem julgar directamente como positivos ou negativos.

6.3   Diferentes unidades são utilizadas para medir estes seis domínios. Para sintetizá-los num indicador global, há que torná-los, antes de mais, comparáveis. O modo mais simples e mais eficaz consiste em calcular para cada indicador parcial, e segundo um método estatístico aceite e aplicado internacionalmente, uma pontuação normalizada (pontuação Z ou Z-score). Trata-se de uma variável cuja média vale zero e o desvio padrão 1. Isto significa grosso modo que um terço dos países se situa entre 0 e + 1, um terço entre 0 e - 1, um sexto acima de + 1 e um sexto abaixo de - 1. O indicador global pode, em seguida, ser calculado como média das pontuações Z dos seis domínios.

6.4   Para medir a evolução no tempo, não é preciso recalcular todos os anos as pontuações Z com base na média e no desvio padrão de cada ano. Nesse caso, a qualidade média de vida seria por definição idêntica todos os anos. Por isso, a média e o desvio padrão do primeiro ano em que o indicador é utilizado são aplicados também para o cálculo da pontuação Z dos anos seguintes. Se a média de um ano for superior à do ano precedente, isso significa que a qualidade média de vida melhorou consideravelmente. Se, pelo contrário, a média de um ano for inferior à do ano precedente, isso significa que a qualidade média de vida piorou consideravelmente.

6.5   Para o grande público não familiarizado com os conceitos matemáticos que estão na base das estatísticas, o resultado deste cálculo pouco lhe diz. Para satisfazer o sexto critério (ser compreensível para o grande público), é preferível estabelecer com base no material estatístico uma classificação anual, para que cada um possa ver directamente os bons ou maus resultados do seu país em relação a outros países e em relação aos resultados do ano anterior. Estas classificações têm, em regra, grande impacto na opinião pública e podem influenciar a popularidade deste instrumento, o que, por sua vez, pode constituir um forte estímulo para a melhoria da qualidade de vida.

7.   Para uma política mais equilibrada

7.1   Os dados necessários para reflectir o desenvolvimento neste seis domínios estão geralmente disponíveis em todos os Estados-Membros, embora (ainda) não com a mesma frequência e qualidade em toda a parte. Os relatórios financeiros e económicos são utilizados já há muito tempo e as respectivas informações estão disponíveis diariamente sob a forma de cotações de bolsa. Os relatórios sobre o ambiente e a qualidade de vida são relativamente novos, pelo que as respectivas informações são também muito menos disponíveis. As estatísticas sociais e ambientais datam muitas vezes de dois ou três anos. Uma das principais premissas para se dispor de um indicador completo e de qualidade é obter uma certa coerência em termos de qualidade e de disponibilidade de dados. Mas já existe uma base: é, em princípio, possível começar dentro de relativamente pouco tempo a utilizar este indicador se houver um consenso político nesse sentido. Um dos aspectos politicamente mais atraentes de um indicador desta natureza poderia ser — certamente num futuro próximo na UE — o facto de ter um potencial de crescimento superior ao do PIB.

7.2   Mas medir por si só não chega, o resultado da medição deve poder ser utilizado também na elaboração das políticas. O século XXI traz-nos uma série de problemas, inteiramente novos, para os quais ainda não existe uma solução comprovada. É forçoso reagir com rapidez, já que a ausência de soluções estruturais levará inevitavelmente ao exaurimento do nosso planeta. Ao adoptar uma política que não se baseia exclusivamente no crescimento económico, mas também no desenvolvimento sustentável da economia (continuidade da actividade económica), na vertente social (permitir aos cidadãos que levem uma vida saudável e gerem rendimentos e garantir àqueles que ainda não têm capacidade para isso um nível razoável de segurança social) e na vertente ambiental (preservação da biodiversidade, transição para a produção e o consumo sustentáveis), será possível uma solução controlada de uma série de problemas candentes (emprego, desigualdade, educação, pobreza, migração, felicidade, alterações climáticas, exaurimento do nosso planeta).

7.3   O indicador aqui descrito não é perfeito. Também não pretende ser um modelo, mas apenas um contributo para o debate em curso sobre este tema. Provavelmente será preciso ampliar o número de domínios e talvez se tenha de definir mais precisamente os critérios a que têm de obedecer. Um indicador desta natureza pode ser sempre aperfeiçoado. Medir é um processo dinâmico, sobretudo se que o que se mede são as mutações da sociedade. Esta evolução pode, por seu turno, criar a necessidade de outros indicadores mais exactos. Definir um indicador é também um processo dinâmico e deve ser o resultado de debates e discussões, como é normal numa sociedade democrática.

7.4   Mas, dada a sua amplitude, nunca será um projecto a curto prazo. Para não perder de vista a sua viabilidade, é óbvio que esta ambição terá de circunscrever-se aos Estados-Membros da UE. O processo poderá eventualmente ser ampliado aos países candidatos Croácia e Turquia e a países com um sistema político e económico comparável, como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e o Japão. Dadas as enormes assimetrias no desenvolvimento económico, será impossível criar um único instrumento capaz de medir a qualidade de vida, simultaneamente, nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, utilizando a mesma escala. Por outro lado, dadas as semelhanças entre os sistemas políticos destes países, não é preciso ter em conta o indicador parcial «liberdades democráticas» como um dos domínios mais vitais para a qualidade de vida. É, com efeito, considerado como um dado adquirido dentro deste grupo de países.

7.5   Uma política que deixe de basear-se exclusivamente na importância unilateral do crescimento económico e seja determinada igualmente por factores sociais e ambientais poderá permitir escolhas políticas mais equilibradas e contribuir para uma economia mais sustentável e mais solidária. O Comité espera que a Comissão Europeia se pronuncie claramente sobre esta questão no relatório de progresso sobre a estratégia europeia para o desenvolvimento sustentável, cuja publicação está prevista para Junho de 2009. Poderia ser escolhido para meta o modelo social europeu segundo a definição formulada pelo Comité num seu parecer anterior (19). O ponto de partida deste modelo é um conceito de espaço de bem-estar social simultaneamente democrático, capaz de assegurar a protecção do ambiente, competitivo, assente na solidariedade e socialmente inclusivo.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  www.beyond-GDP.eu

(2)  www.economischegroei.net

(3)  P. Samuelson, Evaluation of real national income, Oxford Economic Papers.1950; 2: 1-29.

(4)  R. Layard, Happiness: lessons from a new science, Penguin Books, 2005.

(5)  A. Sen, Commodities and capabilities, Amsterdam North Holland, 1985.

(6)  M. Nussbaum, Frontiers of justice, Harvard University Press, 2005.

(7)  www.duurzameontwikkeling.be

(8)  www.statcan.ca

(9)  www.bhutanstudies.org.bt

(10)  www.sbilanciamoci..org

(11)  http.//stiglitz-sen-fitoussi;fr/en/index.html

(12)  http://www.oecd.org/statsportal

(13)  www.eurofound.europa.eu/

(14)  www.eurofound.europa.eu/

(15)  http://hdr.undp.org/en/statistics/

(16)  www.footprintnetwork.org

(17)  http://hdr.undp.org/en/statistics/indices/hpi/

(18)  http://worlddatabaseofhappiness.eur.nl/

(19)  JO C 309 de 16 de Dezembro de 2006, p. 119.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/60


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Segurança sanitária — importações agrícolas e alimentares

2009/C 100/10

Em 3 de Julho de 2008, a Presidência francesa decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Segurança sanitária — importações agrícolas e alimentares (parecer exploratório).

A Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, emitiu parecer em 8 de Outubro de 2008 (relator: Gilbert BROS).

Na 448. a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 92 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Na sequência de crises alimentares graves, a União Europeia dotou-se de um dispositivo sofisticado de segurança sanitária, com o objectivo de garantir um elevado nível de protecção da saúde dos consumidores, assim como da saúde animal e vegetal. Com o aumento das trocas comerciais mundiais de géneros agrícolas e alimentícios, aumentam também os riscos sanitários e são ainda frequentes na UE os acidentes sanitários associados às importações. Estes acidentes sanitários comportam riscos para a saúde humana, animal e vegetal e geram custos consideráveis para a colectividade.

1.2   O CESE congratula-se com o memorando apoiado por 15 Estados-Membros no Conselho de Agricultura de Junho de 2008 intitulado «Importação de alimentos, animais e vegetais: segurança sanitária e conformidade com as regras comunitárias» (1). Através do presente parecer, o Comité pretende contribuir para a reflexão sobre as margens de aperfeiçoamento do dispositivo europeu de segurança alimentar. A OMC faculta um quadro jurídico indispensável para evitar as barreiras ao comércio injustificadas. O CESE defende o respeito por estas regras, propondo algumas alterações.

1.3   Considerando que as diferenças entre Estados-Membros nas práticas utilizadas para controlar as importações são muito prejudiciais, o CESE recomenda que se prossiga rapidamente com a harmonização e aplicação destas práticas.

1.4   Após constatar que inúmeras medidas eficazes de gestão sanitária das importações se referem apenas aos produtos de origem animal, o CESE considera que algumas deveriam ser alargadas aos produtos de origem vegetal. Os riscos de resíduos de pesticidas, de contaminação por agentes tóxicos ou as doenças das plantas poderiam desta forma ser mais bem controladas. Em particular, o CESE recomenda o aumento do número de missões de inspecção dos produtos vegetais cujas importações deverão ser limitadas a listas de estabelecimentos autorizados e sujeitas a controlos sistemáticos à entrada.

1.5   O CESE considera que as decisões sobre as medidas de importação devem assentar o máximo possível em dados objectivos. Para tal, é necessário que os princípios da análise de risco sejam sistematicamente aplicados e que os níveis apropriados de protecção previstos no acordo sobre a aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias (SPS) sejam mais bem definidos.

1.6   Os factores socioeconómicos, como o impacto económico de uma decisão ou a sua aceitação social, deveriam ser objecto de uma avaliação independente e tão rigorosa como a avaliação de risco sanitário. Vários países como o Canadá e o Reino Unido dispõem já de unidades de peritos socio-económicos nas suas agências de segurança sanitária. O CESE propõe que a Comissão avalie a oportunidade de criar uma agência independente de análise socio-económica.

1.7   O CESE considera que o sistema de rastreio, central no modelo europeu de segurança sanitária e que permite obter informação sobre um alimento «da exploração agrícola até à mesa», deveria poder ser aplicado aos produtos com origem em países terceiros. Este tema deveria ser prioritário nas negociações bilaterais, assim como nos programas de assistência técnica nos países menos avançados.

1.8   O CESE chama a atenção para as dificuldades dos produtores de países menos avançados na aplicação das normas sanitárias europeias. Incentiva o desenvolvimento da assistência técnica ao comércio, da transferência de tecnologias e do apoio à aplicação de sistemas de rastreio e alerta rápido nesses países.

1.9   As exigências em relação aos produtos agrícolas e alimentares importados são menores do que as impostas aos produtos com origem na Comunidade no que toca à rastreabilidade, ao bem-estar animal ou, de uma forma mais generalizada, às normas ambientais. Uma vez que as regras internacionais do comércio actualmente não permitem invocar suficientemente estes domínios importantes para a UE, o CESE pretende que a Comissão proponha uma estratégia para a defesa destas preferências colectivas europeias. Considera que a UE deveria estar na vanguarda do apelo a que outros factores legítimos sejam tidos em conta no comércio internacional. Nesse sentido, deveria assumir as suas preferências colectivas, defender «outros factores legítimos» nas instâncias internacionais e relançar os debates sobre a ligação entre a OMC e os outros acordos internacionais.

2.   Observações na generalidade

2.1   Na sequência das crises sanitárias que atingiram a UE, a Comissão Europeia deu início a uma vasta reformulação da legislação alimentar. Foi aplicado um novo quadro institucional e legislativo muito elaborado, o que significou um verdadeiro progresso.

2.2   O Regulamento 178/2002 esclarece que «A Comunidade optou por um elevado nível de protecção da saúde» e acrescenta que a legislação é aplicada «de forma não discriminatória, quer se trate de géneros alimentícios ou de alimentos para animais, comercializados no mercado interno ou internacionalmente» (2).

2.3   O modelo europeu assenta em alguns princípios fortes:

A rastreabilidade «da exploração agrícola até à mesa»: «a capacidade de detectar a origem e de seguir o rasto de um género alimentício (...) ao longo de todas as fases da produção, transformação e distribuição (3)»,

A separação entre a avaliação e a gestão dos riscos,

A responsabilidade jurídica de todos os agentes da cadeia alimentar,

Um sistema de alerta eficaz.

2.4   Actualmente, os acidentes sanitários associados a produtos importados ainda são frequentes. Nos últimos anos, a UE deparou-se com resíduos de pesticidas na fruta importada, aflatoxinas nos frutos de casca rija e no milho, resíduos de medicamentos veterinários nos produtos de origem animal, febre aftosa, etc. Em 2007, 314 alertas foram lançados pelo Sistema de Alerta Rápido referentes a produtos com origem em países terceiros (4), isto é, 32 % do total. Estes problemas recorrentes revelam algumas disfunções que é necessário corrigir.

2.5   Os acidentes sanitários associados às importações constituem uma ameaça para a segurança dos consumidores europeus e um custo elevado para a colectividade. Quando é lançado um alerta, as operações de retirada do mercado de um género alimentício representam um grande peso para as empresas envolvidas. As medidas sanitárias destinadas a erradicar uma doença animal ou vegetal de uma zona, como por exemplo a obrigação de vacinar os efectivos ou a obrigação de aplicar insecticidas em toda uma região, têm igualmente um grande impacto, que se pode fazer sentir durante muito tempo.

3.   Antecipar melhor os riscos sanitários

3.1   Com o objectivo de reduzir a frequência dos acidentes sanitários, existem margens de manobra para permitir antecipar melhor os riscos sanitários.

3.2   A harmonização comunitária das práticas de controlo das importações está em curso e deve ser prioritária. As diferenças entre Estados-Membros nas práticas utilizadas para controlar as importações são muito prejudiciais. Não é aceitável que os operadores comerciais possam optar por fazer entrar as suas mercadorias no mercado único através do país onde sabem que os controlos serão menos severos. Por exemplo, há informações de que os importadores de citrinos tendem a evitar os portos espanhóis por saberem que é lá que se encontram os laboratórios mais especializados em doenças ou resíduos associados a estas plantas.

3.3   Actualmente, um grande número de medidas de gestão de segurança sanitária das importações aplica-se apenas aos animais vivos e aos produtos de origem animal. Alguns riscos como os resíduos de pesticidas, os contaminantes físicos ou químicos por agentes cancerígenos ou tóxicos (por exemplo: metais pesados, biotoxinas, corantes, etc.) ou as doenças das plantas deveriam ser actualmente objecto de controlo mais rigoroso. Medidas eficazes deveriam, pois, ser alargadas aos produtos de origem vegetal.

3.4   Em primeiro lugar, o número de missões de inspecção poderia ser aumentado em algumas categorias de produtos vegetais. Com efeito, na programação do Serviço Alimentar e Veterinário (SAV) para 2008 apenas uma em três missões se refere a produtos vegetais.

3.5   Por outro lado, as importações de produtos de origem vegetal deveriam ser limitadas a uma lista de países e estabelecimentos autorizados, tal como acontece com cerca de quinze categorias de produtos animais.

3.6   As importações de produtos vegetais deveriam igualmente ser submetidas a controlos sistemáticos a partir do primeiro ponto de entrada, o que não é o caso actualmente. Para os produtos de origem animal, os PIF (pontos de inspecção fronteiriça) provaram a sua eficácia. Deve igualmente ser melhorada a cooperação entre os mecanismos oficiais de controlo e o controlo particular dos importadores. Os importadores fazem cada vez mais análises no local de produção. Os organismos de inspecção de alimentos deveriam poder ter acesso aos resultados dessas análises.

3.7   Por último, a base de dados «TRACES», que permite registar e proceder ao intercâmbio de informação sobre as trocas e importações de animais vivos e géneros alimentícios de origem animal, poderia ser alargada ao domínio fitossanitário, associado ao sistema «EUROPHYT».

4.   Aprofundar a utilização dos princípios da análise de risco

4.1   Os princípios da análise de risco são definidos pelas organizações internacionais reconhecidas pela OMC como um processo em três etapas: avaliação de riscos, gestão de riscos e comunicação sobre os riscos. A reforma da legislação alimentar europeia foi o primeiro passo para a aplicação da análise do risco. A criação da AESA permitiu separar a avaliação de riscos da gestão de riscos, o que é fundamental. Baseada em provas científicas disponíveis e «efectuada de forma independente, objectiva e transparente» (5), a avaliação de riscos da AESA permite ao gestor do risco, a Comissão ou os Estados-Membros, decidir sobre as medidas necessárias.

4.2   Contudo, as medidas relativas à importação, decididas pela Comissão, quer se trate de suspender um fluxo de importação ou de o manter, são por vezes mal compreendidas na UE e nos países terceiros. Os debates vivos suscitados pela questão das importações de frango americano com cloro ou de carne de vaca brasileira são exemplos recentes. Em alguns casos, a Comissão é acusada de atribuir prioridade aos interesses comerciais, em detrimento dos consumidores. O CESE considera que as decisões sobre as medidas de importação devem assentar, tanto quanto possível, em dados objectivos.

4.3   No entanto, existem muitas vezes objectivos antagónicos que devem ser conciliados, o que, a acontecer, deverá ser transparente para o consumidor.

4.4   O CESE incentiva a Comissão a aplicar mais sistematicamente princípios de análise de risco, atribuindo à AESA os meios necessários para pôr em prática a metodologia.

4.5   O artigo 5.7 do acordo SPS autoriza o recurso a medidas provisórias quando as provas científicas da inocuidade de um produto ou procedimento forem insuficientes. As regras internacionais reconhecem o princípio da precaução tal como definido no direito comunitário. O acordo SPS permite igualmente a aplicação de normas mais exigentes do que as internacionais, sob condição de definir o «nível de protecção adequado». A UE deveria empenhar-se em definir melhor os seus próprios níveis adequados de protecção, para poder referi-los na análise de risco.

4.6   Por outro lado, tal como refere a regulamentação, «a avaliação científica dos riscos não pode, só por si, em alguns casos, fornecer todas as informações sobre as quais se deve basear uma decisão em matéria de gestão dos riscos e que devem legitimamente ser tidos em conta outros factores pertinentes.» (6). Estes factores, igualmente reconhecidos pelo acordo SPS, podem referir-se ao impacto económico, à aceitabilidade social ou à relação custo-benefício de uma decisão. Actualmente são avaliados pelos estudos de impacto da Comissão ou pelas consultas.

4.7   Os factores socioeconómicos deveriam ser avaliados de forma objectiva e independente com o mesmo rigor científico que a avaliação de risco sanitário e com a ajuda de peritos em disciplinas como a economia, a sociologia e o direito. Vários países como o Canadá e o Reino Unido dispõem já de unidades de peritos socio-económicos nas suas agências de segurança sanitária (7). O CESE propõe que a Comissão avalie a oportunidade de criar uma agência independente de peritos em socio-economia.

5.   O problema das diferentes exigências para os produtos importados

5.1   As exigências que se aplicam aos produtos agrícolas e alimentares importados são, em vários domínios, menores do que as impostas aos produtos com origem na Comunidade. Tal não acontece com as normas privadas que a indústria aplica a todos os seus fornecedores, mas sim com algumas exigências regulamentares. Por exemplo, a obrigação de rastrear os animais desde a nascença, de respeitar condições de garantia do bem-estar animal ou a proibição de utilizar determinados pesticidas não se aplicam aos produtos com origem em países terceiros.

5.2   Uma regulamentação europeia, como a regulamentação sobre a segurança sanitária, quer a consideremos fundada ou não, reflecte uma preferência colectiva da UE. O processo institucional que resultou nesta regra, através dos debates no Parlamento, no Conselho e com a sociedade civil, deveria ser a expressão legítima de uma escolha dos europeus. As medidas impostas aos produtores resultam desta escolha colectiva e aplicam-se a todos na UE. Quando estas medidas não se impõem aos produtores de países terceiros, encontramos no mercado interno produtos que respeitaram e outros que não respeitaram estas condições.

5.3   Este problema, que se verifica noutros domínios (normas ambientais, direitos sociais, etc.), não é aceitável para os consumidores que podem comprar, sem terem consciência disso, produtos que não correspondem às escolhas dos europeus. Por exemplo, actualmente o consumidor pode encontrar no mercado, de forma legal, laranjas de países terceiros tratadas com «Lebaicid», um insecticida muito forte cujo componente activo é o Fention. A utilização deste produto é proibida na UE há vários anos por motivos ambientais. Defraudam-se assim, de certa forma, as preferências colectivas dos europeus e enganam-se os consumidores.

5.4   As normas europeias que não se aplicam aos produtos importados são igualmente fonte de distorção da concorrência para os produtores europeus. O instituto francês de investigação aplicada e desenvolvimento em matéria de criação de gado tentou avaliar alguns destes custos suplementares. No atinente à rastreabilidade, por exemplo, a Europa envidou esforços consideráveis para efectuar a identificação dos animais. Estes investimentos representariam para a produção bovina 0,4 €/100 kg de carcaça, isto é, cerca de 32 milhões de euros para a UE25. Estes investimentos representariam para a produção bovina 0,4 €/100 kg de carcaça, isto é, cerca de 31 milhões de euros para a UE25.

6.   Impacto das normas europeias nos países em desenvolvimento

6.1   A UE é o primeiro importador de produtos agro-alimentares provenientes de países em desenvolvimento (PED) mercê, nomeadamente, das grandes concessões comerciais do passado. A CNUCED (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento) alerta regularmente para as consequências das normas sanitárias europeias nos produtores e empresas dos países menos avançados.

6.2   A UE não pode transigir em matéria de segurança sanitária. Contudo, consciente deste desafio, o CESE encoraja a assistência técnica, o diálogo e a cooperação com os parceiros comerciais mais vulneráveis. Incentiva ainda a Comissão a prosseguir a sua iniciativa de apoio à aplicação dos sistemas de rastreabilidade e de alerta rápido nos PED.

7.   Princípio de equivalência e rastreabilidade

7.1   Os acordos SPS e OTC (obstáculos técnicos ao comércio), constituem para os membros da OMC (Organização Mundial do Comércio) um quadro jurídico indispensável para evitar as restrições injustificadas às importações e permitir uma maior transparência nas condições de acesso ao mercado.

7.2   O direito comunitário especifica que os géneros importados devem respeitar a «legislação alimentar ou as condições reconhecidas pela Comunidade como sendo pelo menos equivalentes» (8). O CESE gostaria de chamar a atenção para os riscos de uma interpretação demasiado lata pela UE do princípio da equivalência reconhecido nas regras internacionais.

7.3   Na Europa, a rastreabilidade dos alimentos está no centro do modelo de segurança sanitária. É efectuada «desde a produção primária (...) até à venda ou fornecimento ao consumidor final» (da exploração agrícola até à mesa), «uma vez que cada elemento pode ter um impacto potencial na segurança dos géneros alimentícios» (9). Ora na maior parte dos produtos importados o rastreio só é exigido a partir do exportador. Apesar do papel que o sector privado pode desempenhar, o CESE duvida que as práticas em alguns países terceiros possam ser consideradas «equivalentes» do ponto de vista da segurança. Defende uma atitude ofensiva no domínio da rastreabilidade, atribuindo prioridade a este tema nas negociações bilaterais e na assistência técnica aos países menos desenvolvidos.

8.   Outros factores legítimos e evolução do direito internacional

8.1   Os textos do GAAT (General Agreement on Tariffs and Trade — Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio) e os diferentes acordos da OMC prevêem a consideração, além dos factores sanitários, de «outros factores legítimos» na regulação do comércio internacional. Contudo, a evolução do direito internacional foi muito mais lenta neste domínio. As escolhas da UE não se justificam sempre do ponto de vista estritamente sanitário. No caso do frango com cloro, a Comissão tem dificuldade em provar que o banho de descontaminação com água com cloro a que as aves são submetidas nos Estados Unidos pode ser prejudicial para a saúde dos consumidores europeus. O facto é que a percepção da qualidade dos alimentos é diferente nos dois continentes. Noutro domínio, a decisão de proibir a importação de pele de foca não assenta apenas em razões sanitárias, mas sim de bem-estar animal. A compatibilidade destas medidas com as regras da OMC é tema de aceso debate internacional.

8.2   Contudo, a jurisprudência do Órgão de Resolução de Litígios mostra sinais positivos. Por exemplo, no caso «tartaruga/camarão», que opôs os Estados Unidos à Malásia, os peritos do painel deram razão aos primeiros, considerando que a proibição de importações de camarão se justificava à luz do acordo internacional sobre a protecção da biodiversidade. Os pescadores malaios foram forçados a alterar as suas técnicas de pesca para não capturarem as tartarugas protegidas pela referida convenção. A clarificação da relação entre as regras da OMC e os outros acordos internacionais está também actualmente a ser debatida.

8.3   A UE deveria estar na vanguarda das reflexões sobre este tema. Nesse sentido, deveria assumir as suas preferências colectivas, defender os «outros factores legítimos» nas instâncias internacionais e relançar os debates sobre a ligação entre a OMC e os outros acordos internacionais. Além disso, a investigação de métodos de objectivação de preferências colectivas e de factores legítimos deve ser promovida para permitir o seu reconhecimento a nível internacional.

9.   Informação aos consumidores

9.1   Os consumidores europeus querem cada vez mais ser informados sobre as condições de produção dos seus alimentos. O sector privado desenvolve inúmeras iniciativas em resposta a esta procura de informação. Actualmente estão ainda a ser debatidas diferentes ideias, como a de uma marca UE ou de um rótulo sobre o bem-estar animal. Poderíamos propor que uma organização internacional facultasse aos consumidores informação independente sobre os métodos de produção nos diferentes países. Assim, a tarefa desse ponto de informação independente seria também disponibilizar informação num mecanismo global de alerta rápido, que ainda não existe.

9.2   Contudo, a informação aos consumidores não pode ser a única respostas às questões colocadas neste relatório. Para os produtos transformados, cada vez mais na base da alimentação, a rotulagem de origem torna-se demasiado complexa tanto para as empresas como para os consumidores. Por conseguinte, é da responsabilidade do poder público garantir que o conjunto dos produtos que circulam no mercado interno respondem às escolhas dos cidadãos europeus. Os consumidores esperam que essas escolhas colectivas não sejam sacrificadas nos processos políticos (por ex. no diálogo transatlântico), que servem unicamente para promover a imagem ou cujo objectivo é criar um clima favorável às negociações com os parceiros comerciais.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Doc. Conselho 10698/2008.

(2)  Regulamento (CE) n.o 178/2002, considerando 8.

(3)  Regulamento (CE) n.o 178/2002, art. 3.o.

(4)  Relatório Anual RASFF 2007.

(5)  Regulamento (CE) n.o 178/2002, art. 6.o.

(6)  Regulamento (CE) n.o 178/2002, considerando 19.

(7)  OCDE, 2003, «Prendre en compte les aspects socio-économiques de la sécurité des aliments: un examen des démarches novatrices de certains pays» («Considerar os aspectos socioeconómicos da segurança dos alimentos: uma análise das medidas inovadoras de alguns países»).

(8)  Regulamento (CE) 178/2002, artigo 11.o.

(9)  Regulamento (CE) 178/2002, artigo 3.16 e considerando 12.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/65


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Mudança estrutural e conceptual como pré-requisito para uma política industrial europeia baseada na investigação e no conhecimento e globalmente competitiva (Europa: Recuperar o atraso ou assumir a liderança?)

2009/C 100/11

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do regulamento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

Mudança estrutural e conceptual como pré-requisito para uma política industrial europeia baseada na investigação e no conhecimento e globalmente competitiva (Europa: Recuperar o atraso ou assumir a liderança?).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité a Comissão Consultiva das Mutações Industriais que emitiu parecer em 10 de Setembro de 2008, sendo relator János TÓTH e co-relator Hannes LEO.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 98 votos a favor com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   As alterações climáticas, a evolução da estrutura demográfica, a globalização e a escassez de matérias-primas e de energia vão ter vastas implicações económicas e sociais na Europa. A magnitude do impacto destes factores sobre o nível de vida e a competitividade da Europa depende principalmente da capacidade de os europeus tomarem, atempadamente, as medidas adequadas. A necessidade de encontrar respostas inovadoras para os novos desafios que se colocam deriva também de um processo de recuperação concluído, com êxito, em muitos domínios. A aproximação da fronteira tecnológica faz das inovações autónomas o mais importante factor de desenvolvimento, embora isso implique alterações em áreas que durante muito tempo foram consideradas factores de sucesso (por exemplo, a formação inicial e contínua). Acresce que o objectivo de promover a coesão dentro da Comunidade assume igual relevo. A actual necessidade de adaptação vai colocar o modelo social europeu perante um desafio decisivo para a qualidade de vida das gerações presentes e vindouras. O diálogo social e o diálogo da sociedade civil com todas as partes interessadas pertinentes vão desempenhar um papel importante na resposta a estes desafios.

1.2.   De qualquer modo, para fazer face aos desafios que se nos colocam e estimular o potencial de desenvolvimento da Europa é necessário que haja uma maior capacidade de adaptação, e a um ritmo mais rápido. A Estratégia de Lisboa (1) definiu objectivos que correspondem em grande medida a esta perspectiva e são importantes para a Europa. O facto é que muitas vezes não houve clareza quanto às adaptações necessárias e só muito timidamente é que os objectivos foram traduzidos em estratégias político-económicas. Os resultados desta forma de proceder são conhecidos e agora torna-se importante envidar novos esforços para retomar com determinação a realização destes objectivos. Por conseguinte, propõe-se um aumento sustentado dos meios destinados à concretização da Estratégia de Lisboa.

1.3.   Simultaneamente, sabe-se que não pode haver uma estratégia única para todos e que há áreas políticas em que os Estados-Membros, se quiserem assegurar uma política eficiente, têm de atender a um conjunto de medidas adaptadas às realidades nacionais ao dar cumprimento às exigências europeias. É, pois, imprescindível que as medidas europeias e nacionais se complementem. Evidentemente que o aspecto da complementaridade é também válido para as medidas tomadas ao nível europeu. Nas áreas políticas horizontais, isto é, em áreas que são da competência de várias direcções-gerais, a realização prática de uma estratégia pressupõe que haja uma actuação concertada. A complementaridade resulta, em ambos os casos, de uma cooperação e coordenação explícita das estratégias políticas e das medidas elaboradas e realizadas conjuntamente.

1.4.   Actualmente, o que se verifica é que a cooperação e a coordenação são prometidas mas, concretamente, pouco é feito. Para maximizar os efeitos positivos de uma actuação coordenada (2) são necessárias alterações. Também ao nível dos Estados-Membros, o reforço da cooperação na concepção e na realização de medidas pode traduzir-se numa maior eficiência. Para apoiar este processo, uma parte dos meios adicionais deveria ser explicitamente reservada ao desenvolvimento de programas de cooperação entre os níveis europeu e nacional. O acesso a estes meios deveria depender de uma articulação explícita entre as várias medidas a pôr em prática, a partir de objectivos comuns.

1.5.   A Europa depara-se com um desafio, sobretudo porque apenas em alguns Estados-Membros foi traçado um rumo para a liderança. Muitos Estados-Membros ainda não conseguiram transitar da fase de recuperação para a produção na fronteira tecnológica. Devido à transição para uma economia baseada no conhecimento há uma procura crescente de mão-de-obra mais qualificada. Para fazer frente a esta situação, são necessárias previsões a médio e longo prazos sobre o nível necessário de qualificações da mão-de-obra, com base nas quais se procederá à reestruturação do sector da formação inicial e contínua.

1.6.   Para dar solução aos problemas existentes e melhorar o desempenho económico é necessário que na ciência e na investigação haja estruturas capazes de gerar excelência. Por outro lado, é também necessário realizar esforços sustentados para melhorar ainda mais os resultados da investigação e fazer progredir o ensino, criando dessa forma condições para a Europa poder ombrear com os melhores do mundo. Ao nível europeu, no âmbito da Estratégia de Lisboa renovada, já se abriu caminho nesse sentido. O Conselho Europeu de Investigação e o Instituto Europeu de Tecnologia contribuirão para acelerar este processo. No futuro, deverá haver mais investimentos nestas estruturas para motivar os Estados-Membros a promoverem estratégias complementares. Por outro lado, é necessário continuar a incentivar a cooperação estreita entre as empresas, o meio académico, as universidades e as comunidades de investigação, e prosseguir o apoio às infras-estruturas de serviços como os parques de ciência e tecnologia, os pólos de inovação e os parques industriais.

1.7.   Para além de investimentos em mão-de-obra e em sistemas científicos, é também necessário apoiar muito mais os projectos inovadores que comportam riscos, melhorar o regime de protecção dos direitos de propriedade intelectual (por exemplo a patente europeia e as medidas contra a contrafacção de produtos), instaurar uma regulamentação propícia à inovação nos mercados de bens e nos mercados de trabalho, encontrar possibilidades de financiamento adequadas ao risco, criar medidas para estimular a procura de inovações (por exemplo, mercado interno, contratos públicos, mercados-piloto), bem como incentivar a mobilidade a todos os níveis e promover uma política de concorrência e uma macropolítica adequadas. A aplicação bem sucedida destas políticas resulta num esforço redobrado de inovação e, portanto, também no aumento das despesas em I&D.

1.8.   Em última análise, trata-se de criar um sistema capaz de reagir rapidamente e com flexibilidade aos desafios que se colocam. Esta abordagem parte do princípio de que os custos que vamos pagar mais tarde pela inacção de hoje são muito mais elevados do que os custos das medidas que deveriam ser imediatamente tomadas. Isto é especialmente válido (embora não exclusivamente) para as medidas de política ambiental. Neste domínio, a Europa já teve no passado um papel de vanguarda, que deve agora ser desenvolvido através da prossecução coerente da estratégia iniciada. Desta forma são garantidos os dividendos em termos de política industrial — vantagem do primeiro jogador (first mover advantage) — bem como os dividendos sociais e ecológicos, que podem resultar de medidas de protecção do ambiente através da harmonização da regulamentação ambiental, da normalização, da promoção de inovações no domínio das tecnologias ambientais e do apoio a inovações sociais.

1.9.   Porém, uma estratégia de vanguarda deste tipo, para ser executada com êxito, precisa do apoio da população. Se não houver tomada de consciência por parte dos cidadãos da necessidade de mudança e se os benefícios não forem visíveis ou não forem equitativamente partilhados por todos, haverá pouca motivação para a mudança, tanto ao nível individual como social. As instituições da sociedade civil têm um papel imprescindível no trabalho de concepção e comunicação. Para haver aceitação é preciso que haja, naturalmente, um trabalho de influência no que diz respeito à concepção da estratégia e das medidas. Um trabalho de envolvimento e a realização de debates durante a fase preparatória aumentam as probabilidades de surgir um projecto comum. Apesar de ser quase demasiado tarde para realizar debates sobre a prossecução da Estratégia de Lisboa, há que tentar assegurar uma participação alargada do público interessado.

2.   Situação de partida

2.1.   Nos últimos 50 anos, o nível de desempenho económico da Europa tem vindo a melhorar, permitindo reduzir os atrasos que se verificam desde o século XIX e a primeira metade do século XX (3). Relativamente à produtividade por hora, a Europa já quase ultrapassou os Estados Unidos, embora a produtividade por pessoa empregada tenha estagnado e se mantenha nos 70 % face ao nível de produtividade por pessoa nos Estados Unidos (cf. Gordon, 2007). O processo de recuperação do atraso foi, porém, inesperadamente interrompido em 1995, seguindo-se uma fase em que os EUA registaram um crescimento mais forte do que o verificado na Europa. Entre as principais razões para a aceleração do crescimento económico dos EUA está a integração rápida de novas tecnologias — neste caso de tecnologias da informação e comunicação. No que respeita ao desenvolvimento e à difusão destas tecnologias, os Estados Unidos reagiram mais rapidamente do que a maioria dos Estados europeus.

2.2.   Assim, os diferentes ritmos de desenvolvimento e integração das novas tecnologias não são específicos das tecnologias da informação e comunicação, mas um resultado do sistema político e económico estabelecido. Os Estados Unidos, pioneiros na utilização de muitas das novas tecnologias, baseiam-se num sistema fortemente orientado para o mercado, caracterizado pela existência de universidades e institutos de investigação reconhecidos internacionalmente, de mão-de-obra altamente qualificada oriunda de todos os cantos do mundo, uma maior disponibilidade para correr riscos, um rápido crescimento das novas empresas e um mercado único homogéneo.

2.3.   Em contrapartida, os Estados europeus criaram estruturas e aplicaram medidas político-económicas visando superar os atrasos e proporcionar uma rápida difusão das tecnologias. Elevadas taxas de investimento, sistemas de formação mais profissionalizante, estruturas de financiamento de inovações tendencialmente adversas ao risco, fraco investimento no ensino superior e um desenvolvimento, pouco radical, de produtos e tecnologias foram e são alguns sinais visíveis deste acesso.

2.4.   O fraco crescimento europeu (cf., por exemplo, Breuss, 2008) verificado nos últimos anos leva a crer que, em muitos domínios, o potencial de crescimento da estratégia de recuperação está praticamente esgotado. A transição de uma estratégia de recuperação para uma posição de liderança obriga, porém, a um conjunto de adaptações, que só agora começaram a ser introduzidas na Europa, muitas das vezes sem convicção. À medida que nos aproximamos da fronteira tecnológica, as inovações independentes e radicais (no sentido de novidades de mercado) tornam-se na principal fonte de crescimento. Esta tendência implica alterações em diversos domínios (por exemplo, na formação inicial e contínua, na regulação do mercado de bens e do trabalho e na orientação macroeconómica), antigamente considerados como factores de sucesso do processo de recuperação. No entanto, a necessidade de mudança na Europa resulta, também, dos actuais desafios, entre os quais as alterações climáticas, a globalização, a evolução da estrutura demográfica e a escassez de matérias-primas e de energia. O importante aqui é criar estruturas que possam dar uma resposta imediata aos novos desafios e permitam alcançar soluções socialmente aceitáveis, respeitadoras do ambiente e competitivas.

2.5.   Em última análise, trata-se de criar um sistema capaz de reagir rapidamente e com flexibilidade aos desafios que se colocam. Esta abordagem parte do princípio de que os custos que vamos pagar mais tarde pela inacção de hoje são muito mais elevados do que os custos das medidas que deveriam ser imediatamente tomadas. Isto é especialmente válido (embora não exclusivamente) para as medidas de política ambiental. Neste domínio, a Europa já teve no passado um papel de vanguarda, que deve agora ser desenvolvido através da prossecução coerente da estratégia iniciada. Desta forma são garantidos os dividendos em termos de política industrial — vantagem do primeiro jogador (first mover advantage) — bem como os dividendos sociais e ecológicos, que podem resultar de medidas de protecção do ambiente através da harmonização da regulamentação ambiental, da normalização, da promoção de inovações no domínio das tecnologias ambientais e do apoio a inovações sociais.

2.6.   As observações que se seguem reportam-se à parte da Estratégia de Lisboa consagrada às inovações. São indicadas possibilidades de elaborar uma política eficaz num ambiente europeu heterogéneo.

3.   Resposta da Europa à desaceleração do crescimento nos anos 1990: A Estratégia de Lisboa

3.1.   A Estratégia de Lisboa foi a resposta da Europa ao atraso, cada vez maior, em relação aos EUA no que diz respeito à produtividade e ao crescimento económico. Renovada em 2005, esta estratégia tem por objectivo, entre outros, aumentar as despesas em I&D para 3 % do PIB e fazer subir a taxa de emprego das pessoas em idade de trabalhar para 70 %.

3.2.   O pretendido aumento das despesas em I&D baseia-se numa série de estudos económicos que demonstram que há uma nítida relação positiva entre o desenvolvimento económico e as despesas em I&D. Quando da formulação dos objectivos foi descurado o facto de que o montante das despesas em I&D depende essencialmente da estrutura sectorial e, como tal, só pode ser entendido neste contexto. De acordo com recentes trabalhos de investigação (Leo — Reinstaller — Unterlass, 2007, Pottelsberghe, 2008), a maior parte dos «antigos» Estados-Membros têm despesas em I&D inferiores ao nível que seria de esperar tendo em conta a sua estrutura sectorial, ao passo que na maioria dos «novos» Estados-Membros as despesas em I&D são mais baixas (ou seja, situam-se abaixo dos 45°, ver gráfico 1 infra). A Suécia e a Finlândia (mas também os EUA) gastam nitidamente mais em I&D do que seria de esperar tendo em conta a sua estrutura sectorial. Isto deve-se, por um lado, ao facto de estes países, em alguns sectores, operarem na fronteira tecnológica, orientando-se para as actividades de inovação mais do que os concorrentes, e — como no caso dos EUA — produzirem para um grande mercado único. Por outro lado, as despesas mais elevadas em I&D podem ser originadas pelas necessidades de um sector de ensino superior que realiza investigação intensiva (cf. Pottelsberghe, 2008).

Gráfico 1: Despesas estruturais líquidas em I&D

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3.3.   Se, na Europa, as despesas do sector empresarial em I&D (pelo menos nos antigos Estados-Membros) estão em larga medida adequadas à estrutura do sector, não há motivos que justifiquem uma alteração fundamental das despesas em I&D, uma vez que estas devem também ser encaradas como factor de custo e geram baixas receitas marginais. Faz sentido investir mais em actividades de I&D quando se alcança a fronteira tecnológica ou quando se realiza uma reforma estrutural (4) no sentido de criar sectores fortemente orientados para a investigação (5). Estas duas alterações são inevitáveis para manter a competitividade da Europa e preservar o «modelo europeu».

3.4.   No entanto, o aumento isolado do financiamento das actividades de I&D não é suficiente para desencadear este processo. Acima de tudo é necessário reforçar o apoio a estratégias de inovação com um nível mais elevado de risco, investir nas infra-estruturas da investigação e aperfeiçoar o sistema de ensino e formação. Além disso, é importante criar um ambiente de mercado propício à inovação e favorecer mais a mobilidade a todos os níveis (cf. Aho et al, 2006). São igualmente necessárias medidas de regulação dos mercados de trabalho e do sistema de financiamento, bem como intervenções ao nível da política de concorrência e da macropolítica. A aplicação bem sucedida destas políticas resulta em esforços redobrados de inovação e, portanto, no aumento das despesas em I&D.

3.5.   O facto de se pôr a tónica mais na inovação do que na investigação e no desenvolvimento resulta numa redução da prioridade implícita das «indústrias de alta tecnologia», justificada pela tentativa de aumentar as despesas em I&D. Assim, são valorizados sectores que, pelo facto de utilizarem tecnologia, são considerados de «alta tecnologia», mas não investem em I&D porque os seus esforços de inovação se baseiam numa utilização inteligente da tecnologia e na criatividade humana. Por exemplo, muitas das importantes inovações tecnológicas introduzidas nas indústrias criativas, na indústria do aço ou na indústria têxtil e do vestuário são desenvolvidas com poucas ou nenhumas despesas em I&D. Constata-se, igualmente, que em praticamente todos os sectores há pequenas e médias empresas com elevado potencial de crescimento, as chamadas «gazelas» (cf. Hölzl — Friesenbichler, 2008), havendo portanto necessidade de estimular a inovação. A ênfase nos sectores de alta tecnologia — o que garante a sua relevância também no futuro — está associada ao aumento da procura deste tipo de tecnologia. Se os esforços de I&D se materializarem em inovações de sucesso, devido ao forte aumento da procura, podem ser atingidos resultados desproporcionalmente elevados em termos de prosperidade económica e de crescimento do emprego (cf. Falk — Unterlass, 2006).

3.6.   Os novos e velhos desafios exigem excelência tanto na investigação como nas suas aplicações. Face aos desafios globais, a excelência na investigação fundamental e na investigação aplicada é condição fundamental para a Europa se manter competitiva. A realização desta estratégia é — e será ainda mais no futuro — limitada por constrangimentos relacionados com o capital humano. A existência de mais mão-de-obra e de trabalhadores mais qualificados detentores de diplomas de ensino secundário ou de ensino superior é condição para que haja uma mudança estrutural em direcção à fronteira tecnológica. Recuperar desta situação é um processo demorado e, muitas vezes, não se age com a determinação necessária. Simultaneamente, há que considerar que a oferta de lugares de formação se orienta pela procura (6) e que a formação contínua dos trabalhadores (entenda-se, aprendizagem ao longo da vida) é igualmente importante para manter a produtividade e a empregabilidade dos trabalhadores em todas as fases do processo laboral.

3.7.   A Estratégia de Lisboa renovada estabeleceu um conjunto de importantes alterações ao nível europeu susceptíveis de acelerar a mudança estrutural, com vista à criação de estruturas económicas com utilização intensiva de investigação capazes de alcançar a excelência. Exemplo disso são as medidas para aumentar a disponibilidade de capital de risco e promover a mobilidade dos investigadores, o Instituto Europeu de Tecnologia (IET), o Conselho Europeu de Investigação e a iniciativa dos mercados-piloto. Neste contexto, refira-se ainda o aumento do financiamento dos programas-quadro e a extensão dos projectos-piloto ao nível europeu.

4.   Europa: Efectividade da política apesar da diversidade?

4.1.   Embora haja clareza e consenso quanto aos objectivos europeus, coloca-se a questão de saber se a Europa, devido à sua heterogeneidade, é capaz de uma política eficaz? A diversidade europeia manifesta-se nomeadamente nas diferentes capacidades dos Estados-Membros, no sucesso que têm e na sua posição na vanguarda da tecnologia (por exemplo, norma GSM versus utilização das TIC), bem como nas profundas diferenças existentes, quer ao nível intrasectorial, quer ao nível intersectorial (cf. Falk, 2007; Leo — Reinstaller — Unterlass, 2007; ver Anexo 3).

4.2.   Esta diversidade constitui um grande desafio para a política económica, uma vez que a eficácia das medidas económicas depende do nível de desenvolvimento económico. Os países de maior sucesso adaptam, explícita ou implicitamente, a respectiva estratégia económica ao nível de desenvolvimento económico e tentam, portanto, apoiar um processo de recuperação ou orientar a produção para a fronteira tecnológica. A racionalidade desta adaptação da política económica ao nível de desenvolvimento tem sido comprovada em diversos estudos científicos, que constataram que as mesmas medidas políticas diferem nos resultados que produzem em função do nível de desenvolvimento de um país. Assim, uma medida que, num país da fronteira tecnológica, gera resultados de elevado valor pode, num país em processo de recuperação, ter efeitos menos positivos ou, mesmo, negativos no desenvolvimento económico.

4.3.   Este argumento pode ser ilustrado pelo exemplo do sistema de ensino (7). Para maximizar os efeitos positivos dos investimentos no sistema de ensino há também que ter em consideração o efeito cascata, que pode ser maior ou menor consoante o nível de desenvolvimento: a importância do ensino superior é tanto maior quanto mais próximo um país estiver da fronteira tecnológica. Em contrapartida, os sistemas de ensino profissionalizante pretendem apoiar um processo de recuperação. Segundo as estimativas de Aghion et al. (2005), um acréscimo do investimento no ensino superior de mil dólares por pessoa num país que se encontra na fronteira tecnológica gera um aumento na taxa de crescimento anual de aproximadamente 0,27 ponto percentual, ao passo que este investimento num país que ainda não tenha alcançado a fronteira tecnológica se traduz num aumento da taxa de crescimento de apenas cerca de 0,10 ponto percentual. Quem possuir estudos superiores pode trabalhar em países próximos da fronteira tecnológica e produzir melhores resultados, uma vez que esses países visam inovações mais radicais que só podem ser realizadas através da aplicação dos resultados da investigação científica.

4.4.   Qualificações mais elevadas de nível superior conduzem a uma maior flexibilidade na selecção da tecnologia. Aproximadamente 60 % das diferenças entre os níveis de crescimento dos países europeus e dos Estados Unidos podem ser explicadas pelo facto de os sistemas de ensino na Europa se concentrarem prioritariamente na formação profissional e no ensino secundário (Krueger — Kumar, 2004). As sociedades baseadas no conhecimento necessitam de um núcleo de competências gerais e de um nível de ensino mais elevado susceptíveis de apoiar a adaptação às novas tecnologias e a criação de novos sectores com novas empresas. Faz parte da tradição europeia colocar a tónica no ensino secundário (o que é correcto para o processo de recuperação), mas quando é alcançada a fronteira tecnológica isso torna-se num entrave ao crescimento.

4.5.   Ao formular e executar a política económica, a União Europeia confronta-se, evidentemente, com um mosaico de Estados heterogéneos. Habitualmente, quando há grande heterogeneidade, a competência de execução é delegada nos Estados-Membros para que encontrem soluções adaptadas às circunstâncias locais (8). No entanto, uma estratégia só pode ser realmente eficaz se as linhas políticas forem articuladas entre os diferentes níveis e executadas de forma coordenada. Esta afirmação é também apoiada pelas interdependências na União Europeia. Os progressos alcançados pelos Estados-Membros trazem também benefícios para os outros e, como tal, as estratégias para ganhar às custas dos outros sem qualquer esforço próprio são inaceitáveis.

4.6.   Obviamente que não há uma estratégia única para todos. Somente um conjunto de medidas adaptadas à situação de cada país consegue ter êxito. Também importante é reconhecer que a fronteira tecnológica implica alterações das estruturas e estratégias político-económicas, uma vez que os instrumentos existentes — muitas vezes desenvolvidos ao longo dos anos — deixaram de ter um impacto positivo no crescimento e, no mínimo, tornaram-se parcialmente ineficientes. O mesmo é válido — ainda que inversamente — para os países em processo de recuperação. A aplicação nesses países das mesmas estratégias seguidas pelos países que se encontram na fronteira tecnológica é, igualmente, uma solução ineficiente. Por conseguinte, qualquer que seja a estratégia europeia adoptada, ela deverá responder às questões de saber como se deve:

reforçar a coesão e a excelência tendo em conta o nível de desenvolvimento económico;

formular objectivos e medidas tendo em atenção o carácter transversal de muitos domínios políticos (por exemplo, ambiente e inovação) e assegurar a sua aplicação eficiente apesar da necessidade de coordenação entre os vários domínios;

repartir tarefas entre o nível europeu e o nível nacional de acordo com a lógica dos factos; e

adoptar medidas prescritivas e aplicar sanções em caso de incumprimento das mesmas.

4.7.   As estruturas e os mecanismos para uma tal política já existem na Europa. Agora falta «apenas» dar-lhes forma e conteúdo e, em seguida, aplicá-los. Estes conteúdos são, no essencial, conhecidos e desde há muito objecto de debate. O que faz falta é uma forte determinação política que saiba dar um cunho próprio à economia real e às sociedades europeias.

5.   Referências bibliográficas:

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Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  A Estratégia de Lisboa é, sem dúvida, muito mais ampla do que as questões aqui suscitadas. Para mais informações consultar: http://ec.europa.eu/growthandjobs/index_en.htm

(2)  A existência de uma coordenação política dinamiza a produção de bens públicos (por exemplo, informação e conhecimento, protecção do ambiente e do clima) e a criação de efeitos externos positivos. A cada vez maior interligação das economias europeias cria externalidades e só através de uma coordenação política é possível potencializar as externalidades positivas e limitar as externalidades negativas.

(3)  Globalmente, a UE manteve a sua posição de líder no comércio mundial, tanto no sector dos bens, como no dos serviços. A economia europeia é líder de mercado num grande número de indústrias com tecnologia de nível intermédio e bens de capital elevado. O crescente défice comercial com a Ásia e o desempenho um pouco mais fraco da UE em relação aos EUA na área das TIC são motivos de preocupação (ver CCMI 043).

(4)  As reformas estruturais surgem através da criação de novas empresas, da diversificação das já existentes ou da implantação de novas empresas.

(5)  Utiliza-se aqui, propositadamente, a expressão «sectores fortemente orientados para a investigação» porque a classificação dos sectores em «sectores de alta tecnologia», «sectores de média tecnologia» e «sectores de baixa tecnologia» em função das despesas efectuadas em I&D não toma devidamente em linha de conta o facto de que, em muitos sectores económicos, se recorre à tecnologia. Ora, se considerarmos que nos produtos e nos processos de produção são também incorporadas tecnologias desenvolvidas em outras indústrias, é claro que muitos dos sectores considerados «sectores de baixa tecnologia» de acordo com a tipificação clássica são, na realidade, sectores de média e alta tecnologia (cf. Peneder, 2007).

(6)  Segundo a estimativa do CEDEFOP (Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional), a Europa deverá gerar mais de 13 milhões de empregos entre 2006 e 2015. Isto inclui um aumento de 12,5 milhões de postos de trabalho nos sectores de formação mais elevada (níveis 5-6 ISCED) e quase 9,5 milhões nos sectores intermédios (níveis 3-4 ISCED), mas os postos de trabalhos que requerem nenhuma ou pouca formação (níveis 0-2 ISCED) vão decrescer em 8,5 milhões. Fonte: CEDEFOP, Future skill needs in Europe Medium-term forecast, 2008.

(7)  Um facto a ter em conta é que investimentos no capital humano geram resultados de elevado nível: o aumento da escolaridade média em mais um ano produz, a longo prazo, um incremento no potencial económico de 6 % (De la Fuengte, 2003).

(8)  O modo como a «repartição de competências» tem vindo a evoluir mereceria ser analisado, mas não cabe aqui fazê-lo (cf., a este propósito, Falk — Hölzl - Leo, 2007).


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Reestruturação e evolução do sector de electrodomésticos na Europa (produtos brancos) e suas consequências para o emprego, as alterações climáticas e os consumidores

2009/C 100/12

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

Reestruturação e evolução do sector dos electrodomésticos na Europa (produtos brancos) e suas consequências para o emprego, as alterações climáticas e os consumidores.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 10 de Setembro de 2008, sendo relatora Anna Maria DARMANIN e co-relator Enrico GIBELLIERI.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 86 votos a favor com 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE está convicto de que a força do sector de electrodomésticos na Europa (1) reside na sua capacidade de produzir bens de elevada qualidade e sustentabilidade. Essa força deve ser apoiada e incrementada através de uma política europeia adequada, baseada no permanente empenhamento e melhoramento em matéria de inovação tecnológica e de formação contínua, a fim de aumentar as competências dos trabalhadores. Tal política deverá fomentar o desenvolvimento de electrodomésticos eficientes do ponto de vista energético e com mais possibilidade de reciclagem. O impacto ambiental global deverá ser reduzido ao mínimo, tendo como base a análise do ciclo de vida.

1.2   O CESE crê firmemente que a legislação da União Europeia poderá ter uma influência directa na competitividade do sector mercê, sobretudo, da proposta de extensão da directiva «Concepção Ecológica» e da proposta de revisão do regulamento relativo ao rótulo ecológico, contribuindo, desse modo, para aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões de CO2, bem como diminuir a ameaça de deslocalização do sector para países fora da Europa, da perda de postos de trabalho e do risco de comprometer os interesses dos consumidores.

1.3   A fiscalização do mercado reveste-se de importância capital para a protecção da indústria europeia e dos seus trabalhadores, dos interesses dos consumidores e do ambiente, pelo que deverá ser implementada recorrendo às seguintes medidas:

consagrar mais recursos, tanto dos Estados-Membros como da UE (2), a uma verificação mais rigorosa da conformidade dos produtos com as normas e a legislação do mercado interno respeitantes, em particular, aos produtos importados;

eliminar a concorrência desleal e o dumping. As medidas anti-dumping deverão ser cuidadosamente estudadas para evitar que se tornem contraproducentes para a indústria europeia, encorajando a sua deslocalização para países terceiros ou o aumento das importações. Deverão aplicar-se não só ao produto final no seu todo, mas também aos seus componentes;

rever o sistema de rotulagem de modo a reflectir os progressos da inovação tecnológica, mas sem dar a falsa impressão de variações de valor;

prever controlos mais severos a fim de reduzir os fenómenos de contrafacção e pirataria;

verificar que os rótulos, sobretudo dos produtos importados, contêm informações verdadeiras e não induzem em erro.

1.4   O CESE considera essencial ajustar o sistema de rotulagem. O rótulo deverá ser actualizado sempre que surjam electrodomésticos tecnicamente mais eficientes que elevem o nível. Deverá ser um sistema dinâmico, segundo o qual se deve criar uma nova rotulagem para os produtos novos colocados no mercado cujas especificações tenham sido melhoradas em vez de baixar o nível de aparelhos avaliados anteriormente. Esta revisão, a fazer em função da inovação tecnológica, deverá ser realizada de cinco em cinco anos conforme previsto no Plano de Acção para a Eficiência Energética. É absolutamente fundamental a participação de todas as partes interessadas neste processo de revisão. Além disso, a Comissão deverá promover o cumprimento da legislação transformando a rotulagem num instrumento mais convincente para os fabricantes, importadores e retalhistas

1.4.1   Seria vantajoso para a sustentabilidade que a UE pressionasse também outros países a adoptarem as mesmas normas elevadas que ela está a adoptar para o mercado interno, porquanto daí resultaria uma poupança potencial de energia a nível mundial.

1.5   A introdução nos Estados-Membros de sistemas de incentivos destinados a encorajar a substituição de aparelhos usados por outros mais modernos e mais eficientes do ponto de vista energético, já produzidos pela indústria, mas ainda não suficientemente conhecidos no mercado, poderá ser um forte estímulo para o sector europeu de electrodomésticos. Este apoio deverá ser pensado de modo a proporcionar às classes economicamente menos favorecidas os instrumentos financeiros adequados e evitar discriminações. Há que tirar lições dos casos de sucesso na Europa e fora dela.

1.6   Faz sentido também reforçar a assistência aos consumidores em termos de manutenção e de peças para electrodomésticos, assegurando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento e a actualização permanentes das competências dos trabalhadores, de modo a fornecer um serviço eficiente e fiável. Tal poderá levar à criação e/ou à preservação de postos de trabalho.

1.7   O CESE considera que a política da UE deverá facilitar a transição do sector para produtos mais inovadores e serviços correspondentes, que são de importância estratégica devido ao seu impacto nas emissões de CO2 e no consumo energético, tais como painéis solares, unidades fotovoltaicas, bombas térmicas, células de hidrogénio, unidades de microgeração e aparelhos de ar condicionado de elevado rendimento. Tal favorecerá a criação de emprego e aumentará as possibilidades de escolha dos consumidores.

1.8   O CESE reafirma que as recomendações no sentido de reestruturar eficazmente o sector dos electrodomésticos na Europa de modo a torná-lo mais sustentável só terão êxito e só serão plenamente exploradas se houver neste sector um verdadeiro diálogo social a nível europeu.

2.   Contexto

2.1   A migração da produção de electrodomésticos não só para os países da Europa Central e Oriental, mas também para a Rússia, Turquia e China é o problema mais premente com que o sector se confronta neste momento. A deslocalização dá-se, pois, não só dentro das fronteiras da União Europeia, mas também segmentos completos deste sector estão a transferir-se em bloco da Europa para a China.

2.2   As empresas estão agora a descobrir a Rússia, onde estão a criar novas fábricas para a produção de máquinas de lavar roupa e frigoríficos e a absorver empresas existentes que se dedicavam ao fabrico de produtos de linha branca. Actualmente estão a ser construídas na Rússia entre quinze e vinte fábricas de produtos brancos, condição essencial para garantir a penetração da indústria europeia neste novo mercado de elevado potencial. No entanto, há que não descurar a possibilidade de, futuramente, essas fábricas não se limitarem a servir o mercado nacional, mas exportarem a sua produção para a Europa, se esta não for capaz de encontrar uma solução para os principais problemas do seu mercado.

2.2.1   Há também potencial de exportação para os produtos europeus em regiões como a Ásia, o Norte de África e o Médio Oriente, onde se regista já uma tendência para o aumento das exportações de electrodomésticos fabricados na UE. Os fabricantes europeus podem explorar as actuais condições, tais como o crescimento da classe médias nessas regiões, a boa reputação dos produtos europeus, etc., para penetrar mais nestes mercados potenciais.

2.3   As crescentes importações de produtos baratos e de qualidade duvidosa estão a agravar a crise do sector dos produtos brancos na Europa. A baixa qualidade associa-se aos diferentes regimes fiscais, às vantagens em termos de custo da mão-de-obra e a custos de transporte relativamente modestos para lançar um ataque aos fabricantes estabelecidos na Europa.

2.4   É óbvio que a Europa não consegue competir com os salários mensais pagos, por exemplo, na China. Os preços dos frigoríficos ou dos congeladores fabricados na China são imbatíveis, o mesmo se passando com simples componentes como motores ou compressores. Os produtos europeus não terão qualquer vantagem competitiva se se olhar apenas ao preço e não à qualidade. A força do sector de electrodomésticos na Europa reside na sua capacidade de produzir bens de elevada qualidade. A concepção, a garantia, a assistência, a compatibilidade das peças e as reparações constituem outras vantagens competitivas. Essa força deve ser apoiada e incrementada através de uma política europeia articulada.

2.5   As fábricas europeias produzem frigoríficos e congeladores das classes energéticas A++, A+, A e B. A maior parte dos bens actualmente produzidos são das classes A+ e A, representando os da classe A++ menos de 4 %.

2.6   A adesão dos consumidores a frigoríficos com eficácia energética é ainda fraca.. De acordo com o CECED (Conselho Europeu dos Fabricantes de Electrodomésticos), há ainda aproximadamente 188 milhões de frigoríficos e congeladores com mais de 10 anos nas famílias europeias. Os aparelhos antigos (desde 1990) consomem cerca de 600 kWh/ano, os modelos de classe A+ cerca de 255 kWh/ano e os de classe A++ cerca de 182 kWh/ano. Aos preços actuais e nas condições presentes (3), só ao fim de 12 anos é que o comprador terá recuperado o montante pago por um aparelho de classe A++.

2.7   Para além dos electrodomésticos mais antigos, os fabricantes europeus estão ainda mais preocupados com as importações de electrodomésticos potencialmente perigosos, não eficientes do ponto de vista energético e que não inspiram confiança. Preocupam-nos, sobretudo, as importações pagas em numerário, que rapidamente se esgotam nos mercados da UE.

2.7.1   Em consequência, as necessidades domésticas de energia representam 25 % da procura energética total na UE, sendo os aparelhos domésticos responsáveis pelo aumento mais significativo do consumo de energia nos últimos anos devido à introdução de novos electrodomésticos e produtos.

2.8   A utilização de materiais de melhor qualidade no núcleo magnético juntamente com a optimização da concepção em função das novas características dos materiais poderia aumentar a eficiência (até 15 %) dos motores eléctricos dos electrodomésticos, contribuindo para reduzir de modo significativo o consumo doméstico de energia eléctrica.

2.9   A CE deverá também apoiar o desenvolvimento de electrodomésticos que possam ser reparados e reciclados. Há que salientar que os produtores europeus realizaram um importante esforço neste campo e reduziram drasticamente o consumo de água e de energia dos grandes electrodomésticos. Todavia, tem vindo a aumentar o número de matérias-primas que suscitam problemas não só a nível ambiental mas também de custos. São elas o aço, o plástico, o níquel, o crómio, o cobre, etc. Os preços destas matérias-primas e dos produtos derivados do petróleo estão a subir. Os fabricantes que conseguirem reduzir a incorporação destes materiais nos seus produtos ganham uma importante vantagem competitiva. As possibilidades de uma tal vantagem competitiva que a nanotecnologia e as metodologias de análises do ciclo de vida oferecem ao sector dos electrodomésticos de melhorar e avaliar a escolha correcta dos materiais estão longe de terem sido suficientemente exploradas.

2.9.1   Uma preocupação corrente consiste no facto de nem todo o material destinado à reciclagem, ao abrigo da actual regulamentação REEE, ser efectivamente devolvido aos fabricantes, havendo em consequência fabricantes que suportam as despesas da reciclagem mas não recebem os produtos.

2.10   A promoção dessa investigação e o impulso à miniaturização de componentes como motores, radiadores, compressores, etc. deverão constituir o objectivo de uma política de investigação subvencionada pela Comissão. Nesta perspectiva, o desenvolvimento de electrodomésticos que utilizem um mínimo de materiais significa desenvolver electrodomésticos mais aptos a serem reciclados. A concepção ecológica, prevista na directiva-quadro de Maio de 2005 que define os requisitos de concepção ecológica dos aparelhos eléctricos, constitui um importante ponto de partida. A Comissão Europeia não necessita de reinventar os seus instrumentos políticos, mas sim de aperfeiçoar aqueles que já existem. O que se aplica também à actual etiqueta energética e de consumos. Num contexto de agravamento da crise energética e com a redução das matérias-primas, a Comissão deverá completar esta rotulagem com uma medida obrigatória para a colocação de produtos no mercado. No futuro, apenas se deveria permitir a venda de electrodomésticos no mercado interno europeu às empresas que fabriquem produtos de elevada qualidade: esta deveria ser a razão de ser de uma legislação que obrigue as empresas a fabricar electrodomésticos de elevada qualidade e sustentabilidade.

2.11   Faz sentido também exigir, através de directiva, que os fabricantes e os retalhistas fabriquem e vendam electrodomésticos que possam ser reparados, garantam as peças necessárias às reparações e prestem assistência aos clientes. Os consumidores europeus contam com esse serviço e o prestá-lo fará a diferença entre os fabricantes e retalhistas europeus e os fabricantes de produtos de baixo custo que, não podendo ser reparados, são pura e simplesmente deitados fora e substituídos por produtos novos. O que não pode estar em sintonia com uma estratégia de desenvolvimento sustentável.

2.11.1   A este respeito, o CESE aguarda um maior debate sobre a aplicação do «Plano de Acção (4) da Comissão para um Consumo e Produção Sustentáveis e uma Política Industrial Sustentável».

2.12   O sector dos electrodomésticos emprega ainda cerca de 200 000 trabalhadores na Europa. Está em declínio há vários anos, tendo perdido cerca de 57 000 postos de trabalho na Europa Ocidental nos últimos vinte anos. A indústria dos electrodomésticos entrou em crise na Europa Central e Oriental após a queda do comunismo e, desde então, apenas foram criados escassos 20 000 novos postos de trabalho.

2.13   Os segmentos mais afectados pela deslocalização para países fora da Europa (Rússia, China e Turquia) são os do ar condicionado e dos pequenos electrodomésticos. As fábricas europeias de frigoríficos/congeladores empregam ainda cerca de 23 000 pessoas.

2.14   A reestruturação do sector europeu dos electrodomésticos continuará nos próximos anos e o seu alcance dependerá não só da evolução tecnológica e de mercado, mas também de decisões políticas e medidas legislativas.

3.   Observações na especialidade

3.1   A política europeia deve dar resposta a quatro problemas:

3.1.1   Como garantir que a indústria não se transfira para países fora da União Europeia? A indústria tem uma clara tendência para se deslocalizar, pelo que importa combater a ameaça prevista e real de perder essa indústria em favor de países terceiros.

3.1.2   Como conceber as mudanças estruturais na Europa de forma a permitir aos países da Europa Central e Oriental estabilizarem de futuro a sua indústria de electrodomésticos emergente sem que os países da Europa Ocidental percam a sua produção técnica e científica, os seus conhecimentos e os correspondentes postos de trabalho?

3.1.3   Como encontrar uma resposta economicamente válida para a investida de produtos provenientes da Ásia de valor e qualidade inferior aos seus equivalentes europeus e que não cumprem as normas do mercado interno?

3.1.4   Como assegurar que os progressos no fabrico de electrodomésticos sustentáveis dêem os resultados esperados no mercado interno aumentando a procura desses produtos e que se mantenha o investimento na investigação e desenvolvimento de electrodomésticos com menor impacto nas alterações climáticas e na sustentabilidade?

3.2   A situação da indústria

3.2.1   Este sector é um sector industrial avançado em termos de realizações no campo da investigação e desenvolvimento sobre eficiência energética. Os acordos voluntários foram eficazes e respeitados pela indústria.

3.2.2   Infelizmente, é desencorajante verificar que para assegurar que os esforços realizados na indústria dêem frutos é necessária uma política europeia mais rigorosa. No último ano, o sector decidiu não renovar os acordos voluntários que haviam obtido bons resultados no passado.

3.2.3   Neste momento, a fiscalização do mercado é de importância fundamental. Deverão ser estabelecidos controlos mais rigorosos de forma a assegurar que qualquer produto colocado no mercado tenha efectivamente um nível e qualidade dos quais se possa esperar um impacto positivo, especialmente nas alterações climáticas.

3.2.4   É necessário maior apoio por parte dos Estados-Membros para que os produtos altamente eficientes colocados no mercado sejam, de facto, aceites pelos consumidores. Os produtos A++ ainda são considerados demasiado caros e sem retorno de investimento, pelo que o mercado continua a optar principalmente pelos produtos A+. Os incentivos podem variar, e já existem alguns casos nos Estados-Membros e fora da Europa que se podem considerar boas práticas (5).

3.2.5   O apoio dos Estados-Membros e a concorrência leal devem acompanhar o ritmo da inovação tecnológica nesse sector, tanto a nível do Estados-Membros como da União Europeia.

3.2.6   O revendedor constitui um importante elo da cadeia de abastecimento. O revendedor europeu deve estar mais informado sobre as várias implicações da importação e venda de produtos no mercado interno. Além disso, os objectivos e os esforços da indústria serão inúteis se os revendedores continuarem a importar e a vender produtos que não estão conformes com as normas, não são seguros nem sustentáveis. A este respeito, o CESE considera que ainda há muito a fazer para informar os revendedores e sensibilizá-los para as questões relacionadas com o sector dos electrodomésticos no mercado interno e para as questões da sustentabilidade desses aparelhos.

3.3   Aspectos sociais

3.3.1   Na realidade, a deslocalização da indústria acarreta a perda de postos de trabalho, afastando um grande número de pessoas com competências que não podem ser utilizadas a não ser que o trabalhador também se deslocalize. A reestruturação do sector é fundamental para evitar a perda dos postos de trabalho e para que este sector continue a ser atractivo para os trabalhadores altamente especializados.

3.3.2   Um sector que merece a devida consideração é o da assistência, com particular destaque para o sector da reparação de electrodomésticos. Este deverá ser mantido em boa forma e, para isso, há que assegurar que os electrodomésticos de alta qualidade podem ser, de facto, reparados e que as peças necessárias à reparação também estão disponíveis.

3.3.3   Entretanto, uma política conjunta entre a Europa e os Estados-Membros deveria promover a transição do sector para a produção de produtos inovadores criando novas oportunidades de emprego. Este processo deveria ser apoiado por um diálogo social bem estruturado entre os parceiros sociais a nível europeu, nacional e empresarial. Há que assegurar relações laborais de qualidade europeia também nos novos locais de produção localizados nos novos Estados-Membros da UE.

3.3.4   Um diálogo social sectorial contínuo e eficiente a nível europeu juntamente com a fiscalização do mercado e o reforço das normas em toda a Europa constituem as medidas essenciais para que a perda de emprego seja menor.

3.4   A situação do consumidor

3.4.1   O consumidor necessita de ter a garantia de que os produtos têm desempenhos de qualidade e são eficientes a nível energético, pelo que a informação qualitativa a disponibilizada ao consumidor deve ser simples, exacta e eficaz.

3.4.2   O sistema de rotulagem tem de ser mais dinâmico, com um sistema que evolua e seja actualizado em função da inovação no sector. Além disso, os rótulos deverão reproduzir de modo exacto as normas aplicáveis aos electrodomésticos e os testes deverão ser mais rigorosos e precisos.

3.4.3   A fiscalização do mercado em todos os Estados-Membros é muito importante para assegurar que o aparelho corresponde ao anunciado e que os consumidores obtêm aquilo a que têm direito.

3.4.4   É importante referir os possíveis efeitos negativos que a compra de novos electrodomésticos pode ter no ambiente se os consumidores mantiverem os antigos e os novos electrodomésticos criando desta forma um «efeito de boomerang».

3.4.5   Os testes independentes feitos a consumidores constituem a melhor forma de promover electrodomésticos eficazes e eficientes. Esses testes garantirão a qualidade e nível geral do electrodoméstico, assegurando que o produto realiza a sua função básica correctamente.

3.5   A situação no que respeita ao ambiente

3.5.1   O CESE reconhece que este sector pode contribuir de forma particular para a preservação do ambiente, a redução das emissões de CO2 e a diminuição das alterações climáticas. Reitera, pois, a posição adoptada no parecer de iniciativa sobre produção respeitadora do ambiente (6), em que evidencia a oportunidade de crescimento de um mercado verde no mercado interno e também as especificidades relacionadas nomeadamente com a rotulagem e o ciclo de vida dos produtos.

3.5.2   Deverá ser concedido um prazo de aproximadamente 5 anos a todos os produtos abaixo da «norma considerada boa» de forma a atingir o nível desejado. Por exemplo, na opinião do Comité, os frigoríficos que não atinjam um limiar específico no fim desse prazo deverão deixar de ser comercializados no mercado europeu. O que está de acordo com o Plano de Acção para a Eficiência Energética apresentado pela Comissão Europeia em 24 de Outubro de 2006 («Os produtos que não satisfizerem os requisitos mínimos aprovados não poderão ser colocados no mercado»). Estas propostas estão também em sintonia com a Directiva Concepção Ecológica e o Regulamento relativo ao Rótulo Ecológico.

3.5.3   Além disso, é importante que a legislação sobre a concepção ecológica seja aplicada o mais cedo possível a todos os grandes electrodomésticos e que a legislação relativa ao rótulo energético seja revista permitindo o rápido desenvolvimento de produtos altamente eficientes: será este o cenário legislativo, que exigirá que as empresas fabriquem electrodomésticos de longa duração e de elevada qualidade.

3.5.4   No que respeita à actual política energética da UE e tendo em consideração que o mecanismo da rotulagem não é em si suficiente para atingir os objectivos energéticos estabelecidos pela UE, o CESE encoraja a Comissão a considerar novos instrumentos jurídicos para atingir esses objectivos.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  O termo electrodomésticos inclui frigoríficos, máquinas de lavar, esquentadores e caldeiras, aquecedores e todos os aparelhos electrónicos para uso doméstico.

(2)  O Novo Quadro Legislativo (NQL), também denominado «Pacote Ayral», é o último conjunto de propostas no âmbito do pacote sobre melhor regulamentação respeitantes à fiscalização do mercado, marcação dos produtos e homologação e foi aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho em 23 de Junho de 2008. Ver em: http://ec.europa.eu/enterprise/regulation/internal_market_package/index_en.htm

(3)  Incluindo o preço da energia e o custo dos combustíveis.

(4)  COM(2008) 397 final (16.7.2008).

(5)  Itália: É deductível do imposto sobre as pessoas singulares 20 % do custo dos frigoríficos/congeladores das classes A + e A++, com o limite máximo de 20 EUR.

Espanha: Sistema de abatimento – Em 2008, quem comprar produtos eficientes a nível energético terá direito a um subsídio de 50 a 125 EUR consoante o tipo de aparelho adquirido.

Brasil: o Brasil planeia lançar um programa para subsidiar a compra de 10 milhões de frigoríficos destinado a pessoas de fracos rendimentos. Para obter o crédito que lhes permite adquirir um frigorífico novo e mais económico, os consumidores têm de entregar o velho, que usualmente consome mais energia.

(6)  Parecer CESE (JO C 224 de 30.8.2008, p. 1), de que foi relatora Anna Maria DARMANIN.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/77


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre como poderá a experimentação social ajudar na elaboração de políticas públicas de inclusão activa na Europa?

2009/C 100/13

Por carta de 5 de Março de 2008, o Ministério francês dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Europeus, na perspectiva da próxima Presidência da União Europeia, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu que elaborasse um parecer exploratório sobre

Como poderá a experimentação social ajudar na elaboração de políticas públicas de inclusão activa na Europa?

Na ocasião, foram apresentados pelo Alto Comissário para as Solidariedades Activas contra a Pobreza, que está na origem desta solicitação, os primeiros elementos de enquadramento.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 11 de Setembro de 2008, sendo relator Jean-Michel BLOCH-LAINÉ e co-relator Ernst Erik EHNMARK.

Na 448.a, reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 66 votos a favor, sem votos contra com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1   O presente parecer foi solicitado no quadro de uma decisão do Governo francês de organizar, em Novembro próximo, em Grenoble, os Encontros de Experimentação Social na Europa. O objectivo anunciado é promover, a nível comunitário e junto dos Estados-Membros, o interesse e a utilização partilhados da experimentação enquanto instrumento da elaboração das políticas públicas no domínio social e, no caso vertente, a luta contra a pobreza através da «inclusão activa», entres outros domínios. Pretende-se, com a conferência, contribuir para o desenvolvimento de uma «cultura» da experimentação e preparar nesta matéria, se for caso disso e oportunamente, novas iniciativas programáticas susceptíveis de serem apoiadas pela Comissão. As presidências seguintes — checa e sueca — consideram eventualmente a possibilidade de prosseguir nesta via.

1.2   Para tal, seria conveniente (aos olhos da Presidência francesa), por um lado, conhecer melhor e dar a conhecer as práticas actuais dos 27 Estados-Membros neste domínio e, por outro, avaliar a sua pertinência, meios de aperfeiçoamento e as possibilidades de co-desenvolvimento, de difusão e de transmissão. As expectativas em relação às experiências projectadas, iniciadas ou realizadas não impõem qualquer condição de dimensão; pretende-se que seja sublinhada a diversidade de intervenientes, de modos de cooperação, de modos jurídicos e de práticas de acção. O objectivo consiste em lançar, com a maior brevidade possível e de forma voluntária e realista, as bases de um conhecimento actualizado de uma rede europeia de excelência em matéria de inovações experimentais avaliadas.

1.3   O presente parecer tem por objectivo, após ter reunido observações e indicações, afirmar convicções e formular recomendações.

2.   Observações e indicações

2.1   A preocupação subjacente a esta consulta não é inesperada, pontual ou imprevisível. O desenvolvimento da experimentação social na Europa (como, aliás, nos Estados Unidos e no Canadá) tem sido exponencial.

2.1.1   Na última década, foram realizados, em vários países da UE, excelentes estudos, inquéritos e trabalhos de investigação nesta matéria. Realizaram-se, estão em curso ou estão a ser preparadas múltiplas e úteis reuniões, workshops, seminários e colóquios internacionais.

2.1.2   Contudo, até hoje, a «experimentação social» permanece, sob muitos aspectos, uma nebulosa conceptual: os contornos do seu imenso e rico âmbito são imprecisos, o seu conteúdo, em evolução permanente, é infinitamente diversificado, as denominações das suas componentes são por vezes muito esotéricas e, por último, as avaliações dos seus resultados são frequentemente demasiado vagas (ou mesmo inexistentes), porque são ambíguas e discutíveis.

2.1.3   É verdade que há catálogos, relatórios, testemunhos e notas frequentemente interessantes sobre esta matéria. Mas, tanto quanto o Comité sabe, e salvo erro, não existem até hoje, em parte alguma — ministérios, autoridades públicas descentralizadas, conselhos económicos e sociais nacionais, instâncias consultivas comunitárias, organizações coordenadoras de parceiros sociais (1), etc. — verdadeiros repertórios no sentido metodológico do termo.

2.1.4   Estava, naturalmente, fora de questão efectuar com este trabalho e, tendo em conta os prazos estabelecidos, um vasto recenseamento de experimentações susceptíveis de ser utilizadas de imediato para a elaboração de políticas públicas e julgadas dignas para este fim. A razão mais elementar ditava a elaboração de um parecer sucinto, a que poderia ser aplicada, com toda a propriedade, a denominação de «exploratório» (preparatório, prévio), seleccionando para o efeito alguns filões europeus fiáveis e instrutivos, uns de carácter institucional e outros na posse de ONG.

2.2   O conceito de «experimentação social» não foi imediatamente inscrito nas linhas de força das políticas comunitárias. É certo que o primeiro programa de luta contra a pobreza (1975-1980) previa já a experimentação de mini-projectos. Subjacente ao segundo (1985-1989) e terceiro (1989-1994) programas estava, nomeadamente, a vontade de realizar balanços da experiência adquirida. Mas o termo «experimentação» não era citado enquanto tal. Por último, se as inovações essenciais do Tratado de Amesterdão e os progressos consideráveis do Conselho de Lisboa têm sempre implícita a vontade de examinar em conjunto os exemplos de «boas práticas», os programas nacionais ou planos de acção e os relatórios conjuntos sobre a protecção social concederam pouco espaço às realizações experimentais. Por seu turno, o «método aberto de coordenação» não lhe consagrou nem esforço nem espaço.

2.2.1   E não obstante, esta vertente da política social da União conheceu importantes progressos nos últimos anos, por mérito da Comissão Europeia. Graças a duas reuniões de trabalho com a sua Direcção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Igualdade de Oportunidades, o CESE — que lhe está muito grato — teve, nomeadamente, a oportunidade de reflectir sobre o notável balanço do programa EQUAL, do programa PROGRESS e da «avaliação pelos pares». A natureza do presente parecer e o espaço disponível não se prestam a uma descrição pormenorizada destes dispositivos.

2.2.2   Será elaborado um dossier num prazo que permita a sua utilização nos trabalhos dos supramencionados encontros de Grenoble, em Novembro próximo. O dossier incluirá informações sobre exemplos de experimentações inovadoras e bem-sucedidas, bem como indicações sobre o acesso a sítios cuja consulta pode ser útil.

2.2.3   Recordemos apenas os seguintes dados: o programa EQUAL, que funcionou durante seis anos (2002-2008) e que chegou ao seu termo, investiu 3 mil milhões de euros do Fundo Social Europeu (FSE) em inovações sociais relativas ao mercado do emprego e à inclusão social activa em diversos Estados da União. Gerou 3 480 parcerias com mais de 2 000 intervenientes e visou mais de 200 000 pessoas desfavorecidas. É provavelmente o maior e mais judicioso programa de inovações sociais jamais levado a cabo na Europa.

2.2.4   Para além destes números, importa notar que o EQUAL e a «revisão pelos pares» criaram, em nome da União, um corpus inédito de conhecimentos metodológicos, que constituirá, provavelmente, o seu mais importante legado. Muitos destes ensinamentos são claramente expostos em guias. O CESE considera, por conseguinte, que há que continuar a avaliar os resultados e os contributos desses programas em matéria de inclusão social.

2.2.5   Por outro lado, no que respeita às acções recenseadas nesta etapa exploratória, o CESE prestou especial atenção ao domínio das experimentações inovadoras relativas à inclusão através da actividade económica, numa abordagem holística. Para o efeito, consultou redes de ONG e organismos (2) susceptíveis de expor, numa audição (3), exemplos bem analisados e avaliados de acções bem-sucedidas realizadas por empresas sociais europeias em matéria de integração através do trabalho. O Comité está ciente de que o campo da chamada «inclusão activa» engloba muito mais do que este sector, mas este reúne, por sua vez, actores importantes com redes bem organizadas. Era, assim, importante conhecê-los numa primeira fase e sem demora.

2.2.6   As informações reunidas na audição citada (em 16 de Junho de 2008) e os resultados das mesmas serão igualmente objecto de um dossier, a ser disponibilizado nos prazos acima referidos. No presente parecer, podemos, contudo, sublinhar o seguinte:

2.2.6.1   As numerosas experimentações produziram resultados muito positivos a partir das mais diversas ideias inovadoras e sob estatutos jurídicos muito diversos.

2.2.6.2   Em todos os casos mencionados registou-se uma cooperação efectiva entre as partes interessadas, também elas diferentes e empenhadas de forma activa.

2.2.6.3   Em vários países, foram feitas leis para reconhecer e enquadrar as acções realizadas, mas muitas vezes com grande atraso.

2.2.6.4   O factor tempo é, neste contexto, essencial. Em certas instâncias, há uma forte preocupação com a duração das experimentações (a este propósito, é muito preocupante o fim do programa EQUAL). Como envolver as partes interessadas, e nomeadamente as autoridades locais, de forma mais duradoura é uma questão que se coloca.

2.2.6.5   No que toca a avaliação, todas as partes insistem na necessidade de avaliar e quantificar globalmente os custos e os benefícios das experiências.

2.2.6.6   Todas as partes consideram essencial o papel da acção europeia tanto no que diz respeito à transmissão de conhecimentos como à sustentabilidade dos projectos realizados.

3.   Convicções

3.1   O Comité está convencido de que a experimentação inovadora tem um enorme potencial como instrumento de elaboração das políticas nacionais e transnacionais na União Europeia. As razões desta adesão podem ser resumidas do seguinte modo:

3.1.1   Reconhecemos sem reservas que as formas contemporâneas de pobreza e de exclusão adquiriram uma complexidade que, durante muito tempo, desafiou análises e impediu previsões. Nos últimos anos, os diagnósticos, nomeadamente os elaborados graças aos estudos impulsionados pela União Europeia, registaram francos progressos. Contudo, no que respeita às soluções, o mínimo que se pode dizer é que persistem muitas incógnitas e incertezas. Em muitos países, as políticas globais desenvolvidas não atingiram os seus objectivos. Os dispositivos gerais deduzidos a partir de pressupostos teóricos revelaram-se inadaptados, ineficazes, ou até caducos ou contraproducentes, pouco depois da sua instauração, devido ao facto de desconhecerem concretamente as principais causas, as especificidades e as correlações dos problemas a combater ou devido ao facto de os seus efeitos perversos não terem sido previstos ou detectados a tempo. A experimentação é, por definição, uma via que permite muitas vezes, a partir da observação próxima, facilitar os ajustamentos e as correcções e evitar, em termos gerais, as «falsas boas ideias».

3.1.2   O recurso ao método que a filosofia designa por «indutivo», segundo o qual a realidade é a consequência do que se observa, é primordial entre os cientistas. O método inverso, dito de «dedutivo», segundo o qual a realidade só pode corresponder ao pensamento, ocasionou, no âmbito das políticas sociais, erros de cálculo e falhas (4). Sejamos claros: não se trata aqui de preconizar a renúncia a políticas globais substituindo-as pura e simplesmente por acções experimentais momentâneas. Isto seria absurdo. Trata-se antes de propor o recurso crescente e sempre que possível à experimentação inovadora para clarificar e consolidar a elaboração das políticas públicas à escala mundial. Trata-se de desenvolver e optimizar o papel que a inovação experimental pode desempenhar na União em matéria de governação dos Estados e instituições europeias.

3.1.3   A experimentação permite, muitas vezes melhor do que a generalização imediata, saber como mobilizar na proximidade actores empenhados e cooperantes próximos das necessidades reais das pessoas.

3.1.4   Permite, sem causar danos, exercer um «direito ao erro», sem cair no cepticismo sistemático.

3.1.5   A «experimentação social» deve ser solidamente ancorada nos sistemas de solidariedade social existentes e caucionada por conceitos coroados de êxito bem como pela responsabilidade dos actores interessados. Do mesmo modo, o recurso à experimentação favorece o reforço e a extensão do âmbito do «método aberto de coordenação».

3.2   Embora estes argumentos sejam essencialmente consensuais, importa não perder de vista o facto de que existem igualmente dúvidas e desconfianças que devem ser tidas em conta e discutidas, a fim de evitar que acções úteis sejam desacreditadas ou contrariadas.

3.2.1   As objecções mais frequentemente levantadas nesta matéria são as seguintes:

3.2.1.1   O próprio termo «experimentação» é chocante, dado que os seres humanos não são cobaias; seria melhor falar de «experiências» ou melhor ainda simplesmente de «inovação».

3.2.1.2   Na maioria das vezes, as experimentações sociais são meros exercícios de laboratório — como evitar esta situação? Como detectar dissimulações, falsidades, disfarces, artifícios, caricaturas, guetos?

3.2.1.3   As suas especificidades de local e de escala tornam as experimentações, em geral, inevitavelmente não reproduzíveis.

3.2.1.4   As experimentações podem servir de álibi para decisores públicos pouco inclinados a levar a cabo reformas gerais. Podem conduzir à redução, ou mesmo à supressão, de dispositivos sociais existentes e protectores.

3.2.1.5   As experimentações podem criar vantagens pouco equitativas em benefício de alguns ou, nos casos em que a experiência é abandonada, criar melhorias momentâneas e fugazes, e causar cruéis decepções.

3.2.1.6   Que confiança depositar nos protocolos de avaliação?

3.3   Para neutralizar estas oposições e desconfianças, o CESE considera fundamental definir com rigor as experimentações susceptíveis de levar a cabo com o apoio e a caução dos decisores públicos, sejam eles quais forem.

3.3.1   Diz-se neste parecer, nomeadamente no ponto 2.1.2, que a «experimentação social» permanece uma «nebulosa conceptual». Esta observação do Comité não é uma brincadeira. Se fosse, não seria nem divertida, nem útil nem digna, mas não é esse o caso. O que motiva o Comité neste contexto específico é a vontade de contribuir para o conjunto de reflexões que pretendem eliminar, tanto quanto possível, as noções vagas do conceito em questão.

3.3.2   O primeiro passo nessa direcção é indubitavelmente chegar a acordo sobre uma definição. O exercício é complicado devido à existência de ambiguidades de fundo que reaparecem recorrentemente. Importa saber se a «experimentação social» tem somente como objectivo a validação dos métodos existentes ou se a sua razão de ser é antes o desenvolvimento de inovações reais.

3.3.3   O Comité não quis enredar-se na análise de um catálogo doutrinal e semântico de definições, tendo centrado a atenção em duas acepções:

3.3.3.1   A primeira emana de um instituto americano de referências (5) que propõe quatro vertentes:

escolha aleatória de beneficiários e de um grupo de controlo («Random assignment»);

um dispositivo de política pública («Policy intervention»);

um dispositivo de acompanhamento («Follow up data collection»);

uma avaliação («Avaliação»).

3.3.3.2   A outra definição foi estabelecida pelo organismo francês que está na origem do pedido deste parecer e propõe os seguintes componentes:

inovação da política social, iniciada a uma pequena escala numa primeira fase, tendo em conta as dúvidas sobre o respectivo impacto;

aplicação nas condições que permitem a avaliação; e

intenção de generalização posterior.

O Comité Económico e Social Europeu prefere e apoia claramente, e sem reservas, a segunda definição.

3.3.4   Lembremos uma vez mais que não faltam ideias de inovações experimentais, como não faltam as boas intenções mais ou menos vagas; o inferno está cheio delas. E o pior que se poderia fazer ao conceito de «experimentação social», ao seu porvir, seria facilitar a proliferação de iniciativas à partida condenadas ao fracasso ou a ficarem confinadas por serem irreproduzíveis.

3.3.5   O programa EQUAL serviu, nomeadamente, para definir regras e métodos que permitem testar aquilo que é factor de êxito ou factor de fracasso. O Comité sublinha e saúda este trabalho, realizado principalmente a pensar nos gestores do Fundo Social Europeu, mas que poderá ser útil a todos os decisores locais ou nacionais que pretendam lançar projectos experimentais inovadores.

3.3.6   Apenas devem ser considerados projectos de experimentação que incluam:

3.3.6.1

Dispositivos claramente datados e avaliados;

3.3.6.2

Uma programação precisa dos meios utilizados;

3.3.6.3

O compromisso explícito e efectivo, bem como a cooperação constante dos diversos intervenientes: autoridades públicas, investigadores, parceiros sociais, outros actores da sociedade civil (fundações, cooperativas, sociedades mútuas, associações, etc.);

3.3.6.4

Dispositivos destinados a assegurar a participação activa e efectiva de «grupos-alvo» da experimentação na concepção, condução e apreciação dos resultados e, por conseguinte, numa co-construção das experimentações e políticas. Na cultura europeia, os seres humanos não são, na sua essência, «pacientes», «consumidores», «sujeitos passivos», «munícipes», «clientes», «eleitores», etc., mas sim pessoas.

3.3.6.5

Um sistema de acompanhamento e, sobretudo, de avaliação estabelecido metodologicamente — no sentido mais lato do termo — e claramente anunciado antes do lançamento da operação; este sistema deve incluir verdadeiros estudos de impacto, prever a intervenção de avaliadores fiáveis e ser concebido de forma a permitir, nomeadamente, uma avaliação rigorosa da sustentabilidade dos resultados;

3.3.6.6

Uma apreciação pertinente das possibilidades de reprodução das experiências (tendo presente que um projecto não transferível pode comportar elementos e componentes muito instrutivos em si mesmos).

3.3.7   Embora já longa, esta lista de condições não basta para garantir sistematicamente o êxito de uma experimentação. Mas é preciso aceitar à partida o risco de fracasso, a menos que se exclua, por princípio, o recurso à experimentação.

4.   Recomendações

4.1   Orientações gerais

4.1.1   Nem a experimentação nem a inovação fazem ainda realmente parte da estratégia social europeia e, portanto, do «método aberto de coordenação». Não obstante, nos últimos anos delinearam-se alguns elementos de convergência conceptual: o objectivo de modernizar a política social, a avaliação como uma das chaves da boa governação, a aprendizagem mútua e a transferência de boas práticas. Em 2 de Julho de 2008, a Comissão adoptou a Agenda Social renovada, que inclui uma importante comunicação sobre o reforço do método aberto de coordenação social. O texto sublinha que o PROGRESS apoiará «as experimentações sociais». Mas o objectivo consiste em perseverar e avançar nessa via, assegurando a integração efectiva dos princípios que regem o programa EQUAL na gestão e no funcionamento futuros do Fundo Social Europeu. Além das medidas já tomadas, nada impede que imaginemos e preconizemos a mobilização do Fundo Social Europeu e dos fundos estruturais para os programas de inovação da inclusão activa.

4.1.2   O CESE recomenda que seja considerada uma abordagem ou conceito que se integre melhor nos numerosos e diversos programas europeus para promover, quanto antes, a experimentação social inovadora em matéria de coesão e inclusão social. Estes programas incluem, por exemplo, o «7.o Programa-quadro de investigação e desenvolvimento», alguns programas de desenvolvimento regional como o «Jeremie», «Jaspers», «Micro-crédits», certos programas de desenvolvimento rural, como o programa «Leader», e — porque não — programas relativos ao desenvolvimento sustentável.

4.2   Se os projectos de «experimentação social» em matéria de luta contra a exclusão dependem, principalmente, da iniciativa de agentes locais e nacionais, a acção das instâncias europeias, nomeadamente da Comissão, pode ser intensificada e ter um efeito de alavanca determinante. O período actual é, aliás, oportuno para tal.

4.3   Para o efeito, é imperativo promover, nos 27 países da União, um melhor conhecimento das realidades neste domínio. Este é, aliás, um dos motivos principais que justificam o pedido deste parecer, o qual, tendo em conta o calendário e a vastidão do assunto, não é mais do que um impulso inicial, que poderá servir, como deseja empenhadamente o Comité Económico e Social Europeu, para preparar novos desenvolvimentos.

4.3.1   Nesta matéria, o Comité não recomenda a criação de mais um observatório seguindo o modelo institucional básico. Considera, pelo contrário, que essa solução, complexa e onerosa, seria falsamente produtiva. Insiste antes na constituição de um dispositivo sob a forma de rede europeia vigilante que tenha por missão o desenvolvimento e a partilha de conhecimento sobre a existência, a natureza, o conteúdo, as modalidades, as lições e os resultados das experimentações realizadas nos Estados-Membros. Este dispositivo deverá reunir vários intervenientes: organismos de investigação, parceiros co-responsáveis por projectos (parceiros políticos, económicos, sociais, etc.). Conviria que a UE desempenhasse um papel motor na execução, animação e desenvolvimento sustentável desta rede, sob a égide da Comissão. O CESE tem, por seu turno, um lugar neste contexto e, caso a sua participação fosse solicitada, contribuiria voluntariamente, na medida do possível e enquanto «ponte» com a «sociedade civil organizada», para a execução da rede.

4.3.2   O Comité recomenda o recurso efectivo às fontes já existentes: o balanço do EQUAL, a revisão pelos pares, os campos conhecidos das ONG (6).

4.3.3   O Comité sugere que sejam tomadas medidas activas no sentido de inserir nos planos dos programas nacionais e nos relatórios conjuntos informação actualizada sobre o progresso das experimentações sociais inovadoras.

4.3.4   O Parlamento e o Conselho poderão estabelecer conjuntamente, como regra, pelo menos um encontro anual da «experimentação social», que privilegie, sucessivamente, diversas vertentes. Assim sendo, poderia inscrever-se no programa do ano europeu de luta contra a pobreza e a exclusão social uma ou várias ocasiões de trabalho conjunto sobre estes temas.

4.3.5   Seria judicioso multiplicar os encontros europeus locais do tipo das «reuniões de avaliação pelos pares».

4.3.6   Estas recomendações têm por objectivo contribuir para o estabelecimento progressivo de um mapping evolutivo de projectos territoriais de inclusão activa, eventualmente elegíveis para apoios comunitários, que poderão ser precursores de experimentações sociais de dimensão transnacional. O recenseamento regular de «sucess stories», de casos bem-sucedidos, poderá alimentar um útil processo de intercâmbios comunitários e de transferência de experiências ao nível da União Europeia.

4.4   O Comité deseja vivamente que seja disponibilizado, no futuro, um montante de dotações equivalente aos meios consagrados ao EQUAL.

4.5   É notável — é verdadeiramente dignificante — que sejam os próprios responsáveis e as pessoas que melhor conhecem o dispositivo do EQUAL os primeiros a insistir na necessidade de uma maior reflexão e discernimento em relação à «experimentação social» e à melhor forma de a União Europeia intensificar as suas intervenções neste domínio, bem como de aprofundar os seus conhecimentos, nomeadamente em matéria de viabilidade, produtividade e deontologia. O Comité considera que, para contribuir para o «amadurecimento» deste dossiê, a Comissão deve propor ao Conselho a elaboração de um relatório que examine, sob todos os ângulos importantes, a questão da mais-valia esperada da «experimentação social» na Europa. Em particular, deverá dar resposta, por exemplo, às seguintes perguntas:

4.5.1   Estamos longe de perceber claramente a distância que separa muitas vezes as experimentações sociais do seu reconhecimento e, sobretudo, da sua generalização. Esta fronteira não resulta de nenhum acaso ou acidente, nem de nenhum evento normal. Representa antes um fosso e é necessário reflectir profundamente sobre isto.

4.5.2   Ter-se-á de fixar com exactidão limites relativos à dimensão das experimentações sociais para determinar que experimentações e inovações poderão ser consideradas?

4.5.3   É preciso especificar as linhas conceptuais que separam tudo o que pode ser apelidado de inovação de tudo o que não pode? Se sim, como?

4.5.4   As experimentações em matéria de inclusão destinam-se essencialmente a remediar os males já causados, ou seja, a curá-los. Seguindo esta linha de pensamento, como atribuir um papel maior à prevenção ao mesmo tempo que se procura antecipar melhor os desafios futuros (demográficos, económicos, sociológicos, etc.) que ainda não são significativos?

4.5.5   Como alargar ainda mais o campo de parcerias entre intervenientes afectados pela inclusão activa? Como desenvolver nomeadamente as sinergias entre associações, empresas de inserção e empresas de direito comum para desenvolver e aperfeiçoar estratégias de inclusão efectivas? Como reforçar e expandir a passagem da exclusão para a inclusão no quadro da recuperação da responsabilidade social das empresas? Deve promover-se ideias como, por exemplo, a cooperação com os conselhos de empresa? Ou deve antes pedir-se às empresas que empregam mais do que um certo número de trabalhadores que publiquem um relatório anual sobre estes assuntos?

5.   Conclusão

5.1   A «experimentação social» é um dos principais desafios lançados actualmente à governação das autoridades públicas, centralizadas e descentralizadas, bem como dos Estados e da UE. Constitui uma via metodológica, complexa e exigente, susceptível de ser aperfeiçoada, mas que poderá ser útil a longo prazo.

5.1.1   O CESE sublinha que as políticas públicas globais não podem em caso algum ser substituídas por acções experimentais pontuais. O Comité considera que um maior recurso à experimentação inovadora pode permitir esclarecer e escorar a elaboração dessas políticas.

5.2   A União Europeia está habilitada a definir enquadramentos para as políticas nacionais e locais, o que constitui, aliás, uma das suas vocações essenciais. No caso vertente — a luta contra a pobreza e em prol da inclusão activa — a União já iniciou e executou uma acção pioneira, corajosa e judiciosa. Mas poderá ir muito mais longe, servindo, no terreno em questão, o futuro da Europa e o respectivo apego dos cidadãos.

5.3   O CESE recomenda que, para não criar ilusões, se utilizem o tempo e os meios necessários para que a União se empenhe explicitamente em promover, acompanhar e apoiar ainda mais activamente experimentações sociais inovadoras em diversas áreas sensíveis e essenciais para as políticas de inclusão.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Centrais, federais, confederais, ou quaisquer outras.

(2)  Conselho Nacional da Inserção pela Actividade Económica (CNIAE), Rede Europeia das Associações de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (EAPN), EMES, Rede Europeia das Empresas Sociais de Inserção (ENSIE), Federação europeia de associações nacionais que trabalham com os sem-abrigo (FEANTSA).

(3)  Em 16 de Junho de 2008, realizou-se uma audição, após uma reunião preparatória em 22 de Abril de 2008.

(4)  Importa recordar que, de forma mais dramática e a outra escala, as ideologias e os dogmatismos de toda a ordem foram e são susceptíveis de causarem tremendas catástrofes.

(5)  Instituto URBA.

(6)  Neste contexto, o comité de ligação entre as ONG e o CESE poderia dar um contributo.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/84


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A dimensão ética e social das instituições financeiras europeias

2009/C 100/14

Em 25 de Setembro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

A dimensão ética e social das instituições financeiras europeias.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 2 de Outubro de 2008, sendo relator Edgardo Maria IOZIA.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 122 votos a favor, 23 votos contra e 45 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e recomendações

1.1   Os recentes desenvolvimentos da crise financeira, imprevisíveis e inesperados pela imensidão das perdas e pela manifesta impotência dos instrumentos reguladores do mercado criados para proteger os aforradores, as empresas e os investidores, exigem uma nova reflexão em relação com o conteúdo do presente parecer. As situações de falência que se foram sucedendo em todo o mundo, o salvamento de bancos e de seguradoras aparentemente muito sólidos criaram um estado de angústia e de preocupação em milhões de cidadãos europeus.

1.1.1   O Conselho Europeu, de 15 e 16 de Outubro, consagrado principalmente à crise financeira, exprimiu a sua determinação em actuar de forma concertada para proteger o sistema financeiro europeu, assim como os depositantes. Depois do Eurogrupo, o Conselho, no seu conjunto, aprovou os princípios definidos na reunião de Paris, de 12 de Outubro, no sentido de preservar a estabilidade do sistema, reforçar a vigilância do sector financeiro europeu, em particular dos grupos transnacionais, melhorar a coordenação a nível europeu das autoridades supervisoras, apoiar as instituições financeiras importantes, evitar situações de falência e garantir a protecção dos depósitos dos aforradores.

1.1.2   Além disso, o Conselho Europeu apelou a que rapidamente se analisasse a proposta legislativa da Comissão destinada a reforçar o enquadramento das agências de notação e a segurança dos depósitos, e apelou ainda a que os Estados-Membros adoptem medidas destinadas a impedir que as remunerações dos administradores e o benefício de opções de compra de acções, nomeadamente no sector financeiro, conduzam à assunção de riscos excessivos ou a uma focalização extrema nos objectivos de curto prazo.

1.1.3   O Conselho salientou a sua determinação em tomar as medidas necessárias para apoiar o crescimento e o emprego e recomendou que se proceda a uma reforma, profunda do sistema financeiro internacional, assente nos princípios da transparência, da solidez bancária, da responsabilidade, da integridade e da governação mundial, tendo em vista evitar conflitos de interesses.

1.1.4   O CESE havia há muito solicitado, em vão, acções para reforçar os instrumentos reguladores, a cooperação entre as autoridades de controlo, a coordenação e harmonização das medidas de supervisão, denunciado os riscos excessivos assumidos pelo sistema bancário europeu e internacional, escorados em sistemas anómalos de retribuição ligados a resultados a curtíssimo prazo, obrigando os operadores do sector a campanhas indiscriminadas de venda de produtos de altíssimo risco.

1.1.5   Não obstante os escândalos financeiros registados na Europa, nada de concreto foi feito e só hoje, quando a gravidade da crise pode ter efeitos dramáticos na economia, nos apercebemos de que as promessas de um capitalismo desenfreado e irresponsável, de crescimento desmedido e ilimitado eram falsas e portadoras de crises profundas.

1.1.6   O modelo entrou irreversivelmente na fase terminal. O CESE deseja que, finalmente, as instituições políticas assumam as suas responsabilidades:

Reforçando as finalidades e o campo de acção das autoridades reguladoras;

proibindo a detenção de fundos, créditos e títulos fora do orçamento;

incrementando e uniformizando as actividades das entidades reguladores nacionais;

impondo normas mais adequadas e transparentes das actividades dos «hedge funds», dos bancos de investimento, dos instrumentos estruturados «off-shore» para transmitir actividades financeiras, dos fundos especulativos e dos fundos de investimento (equity funds), submetendo-os ao controlo das autoridades e determinando a natureza e o seu estatuto de «empresas» às quais se aplica a legislação vigente, tal como preconiza o Parlamento Europeu;

modificando o sistema de tributação, evitando incentivos ou reduções perante grandes riscos ou excessivo endividamento;

constituindo uma Agência Europeia de Notação;

regulando o sistema de remunerações dos gestores de topo, dos incentivos à venda de produtos financeiros inadequados aos operadores, como defende o próprio Conselho;

controlando os mercados não regulamentados;

adequando as obrigações de capital para os produtos financeiros complexos e os produtos derivados.

1.1.7   O CESE está convicto de que a gravíssima crise financeira e a desejada derrota definitiva do capitalismo de casino podem permitir que se adoptem medidas mais oportunas para acautelar no futuro o sistema financeiro e, ao mesmo tempo, relançar a economia. É necessário um esforço geral, na precisa medida do risco de toda a economia real ser infectada pelo vírus descoberto na finança. Investimentos em infra-estruturas, em «investimentos verdes», como, por exemplo, eficiência energética, fontes renováveis, inovação e investigação, podem ajudar a sustentar a procura. Um novo Fundo Europeu, de cuja gestão se poderia incumbir o BEI e garantido pelos Estados-Membros, poderia resolver o problema do bloqueamento do financiamento da economia, em particular dos sectores que mais carecem de investimentos a médio e longo prazo.

1.1.8   O CESE aprecia as medidas até agora tomadas pelos Estados-Membros, o Banco Central e o Conselho, e convida todas as instituições europeias a dar provas de competência e rapidez nesta situação tão dramática para os cidadãos, os trabalhadores e as empresas, a fim de restabelecer o mais depressa possível o funcionamento do sistema financeiro europeu e mundial.

1.1.9   O CESE deseja igualmente que, para além das medidas financeiras necessárias para a consecução deste objectivo prioritário, se envidem todos os esforços para conter a crise económica que se avizinha.

1.1.10   Centenas de milhares de euros foram disponibilizados para salvar o sistema bancário. O CESE espera que com igual energia e prontidão se salvem as empresas, em particular as pequenas e médias, apoiando a procura através do crescimento dos salários e das pensões, para evitar que a recessão se transforme rapidamente em depressão.

1.2   A enorme diversidade na oferta de serviços financeiros pode ser comparada à diversidade que se encontra na natureza. A protecção da biodiversidade da natureza já está assimilada na consciência dos cidadãos. A protecção da biodiversidade dos fornecedores de serviços financeiros também faz parte do património cultural e social da Europa que não deve ser delapidado, devendo, pelo contrário, ser apoiado, dado o enorme valor social que representa. A dimensão ética e social do sistema financeiro europeu deve ser reforçada e salvaguardada.

1.3   O n.o 3 do artigo 2.o do Tratado de Lisboa estipula que «(A União) empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu».

1.4   As instituições europeias e os Estados-Membros terão de empenhar-se em fomentar e apoiar a dimensão ética e social do mercado financeiro, para além da sua capacidade competitiva. «Uma economia social de mercado também é sinónimo de uma economia justa do ponto de vista social» (1); ou «A economia social de mercado permite à economia atingir o seu objectivo final que é a prosperidade e o bem-estar de todos os indivíduos, protegendo-os de situações de carência» (2).

1.5   No lançamento da sua proposta para instauração de um comité europeu de alto nível que dê resposta à crise nos mercados financeiros, que identifique as novas regras e que combata «as finanças insensatas que não podem governar-nos», Jacques Delors afirmou que a crise actual «encarna a falência dos mercados pouco ou mal regulados e demonstra, uma vez mais, que estes mercados não são capazes de auto-regulação».

1.6   A crise recente mostra que o pluralismo e a biodiversidade do sistema financeiro, para além de fazerem parte do património cultural e histórico europeu, são necessários para a existência de iniciativas de conteúdo ético ou social e constituem também factores determinantes para o aumento da competitividade e para a redução do risco de ocorrência de crises sistémicas nos sistemas financeiros.

1.7   O crescimento económico para além de determinados limites e que não contemple a possibilidade de satisfazer outras necessidades não aumenta a felicidade humana. O papel dominante da finança especulativa na economia real deve ser reduzido e redireccionado para uma conduta mais razoável que seja sustentável do ponto de vista social e aceitável do ponto de vista ético.

1.8   Por conseguinte, é necessário promover o papel da finança ética e socialmente responsável. O Comité Económico e Social Europeu começa por salientar que, neste domínio, uma abordagem intervencionista é desadequada, dado que a experiência prova que é conveniente as iniciativas de carácter social e ético surgirem espontaneamente das bases.

1.9   A dimensão ética não é atributo exclusivo de um determinado tipo de actividade. O papel importante e documentado das caixas económicas e de diversos movimentos cooperativos na promoção de iniciativas éticas ou sociais e no incentivo ao desenvolvimento de sistemas locais merece particular atenção. Apesar do reconhecimento concedido pelo Tratado Europeu, alguns Estados-Membros ainda não a reconhecem nem a defendem explicitamente. É necessário empreender esforços para obter um reconhecimento mais sistemático e generalizado deste modo de governação da sociedade. As recentes acções contra o movimento cooperativo intentadas junto da Comissão Europeia em Itália, Espanha, França e Noruega, em virtude da ausência de legislação comunitária adequada, são testemunho desta necessidade.

1.10   O CESE considera que o quadro legislativo nunca é neutro relativamente à conduta das organizações e dos indivíduos. Com base nesta constatação, o CESE considera que, num sistema que já incentiva determinados tipos de conduta, sistematizar e generalizar o princípio de um sistema de compensação para todas as iniciativas éticas ou sociais vai ao encontro dos critérios de equidade e de racionalidade aplicáveis ao papel público na economia e na sociedade.

1.11   Sempre que uma determinada organização tiver comprovadamente abandonado, pelo menos parcialmente, mas de forma estrutural e permanente, o princípio da maximização dos lucros para promover iniciativas de natureza ética ou social, deverá poder beneficiar de normas fiscais e regulamentares que sejam, pelo menos em parte, diferentes das aplicadas no regime geral, à excepção das regras prudenciais essenciais. Em alguns Estados-Membros, os investidores éticos já beneficiam de uma derrogação à directiva bancária. Devem ser envidados esforços no sentido de alargar este princípio a todos os Estados.

1.12   O CESE interroga-se se as iniciativas com conteúdo ético ou social levadas a cabo por organizações habitualmente com fins lucrativos devem usufruir de benefícios fiscais ou regulamentares. Uma organização com fins lucrativos lança uma iniciativa que é estruturalmente independente da sua actividade habitual. A oportunidade da atribuição de uma compensação em relação ao procedimento habitual não deve suscitar muitas dúvidas. Por outro lado, se as iniciativas não são estruturalmente diferenciadas da sua actividade habitual, é necessário aprofundar o debate para avaliar da oportunidade da introdução de um sistema de compensação.

1.13   Em muitos segmentos do mercado é prestada uma atenção insuficiente à dimensão social. A responsabilidade social das empresas (RSE) promove o crescimento constante e compatível, com respeito pela dignidade humana e ambiental. Em contrapartida, os sistemas de recompensas associados exclusivamente a quantidades de produto vendido, e não à qualidade do serviço, estão a provocar uma enorme onda de descontentamento entre os clientes e entre os trabalhadores exaustos, vítimas das condicionantes orçamentais, ou seja em resultado das tensões provocadas por pressões comerciais constantes.

1.14   O CESE considera que se deve aplicar de forma sistemática e direccionada o «princípio da proporcionalidade», segundo o qual um pequeno intermediário que efectue transacções simples não pode estar sujeito à mesma carga regulamentar que uma organização multinacional complexa, sendo naturalmente evidente que o mercado deve continuar a usufruir das mesmas garantias. As normas são adoptadas para proteger o mercado.

1.15   Ao garantir que os Estados-Membros não adoptam medidas que iriam ocasionar uma distorção da concorrência, a Comissão Europeia pode contribuir para a protecção da diversidade no fornecimento de serviços financeiros, bancários e de seguros. As normas relativas aos auxílios estatais devem ter este aspecto em consideração.

1.16   O capitalismo de casino e o turbo-capitalismo têm visado grandes empresas financeiras e industriais que foram reduzidas, após vendas fraccionadas do seu património, a meras sombras do passado, apanhando nestas operações de «destruição» do valor intrínseco da empresa milhares de trabalhadores, famílias, accionistas e a economia em geral, deixando atrás de si apenas ruínas.

1.17   No presente parecer, o CESE reafirma a necessidade de colocar a economia ao serviço do homem, tal como foi defendido por um grande economista (3): «O maior perigo reside na subordinação das convicções às necessidades do sistema industrial moderno. Segundo estas, a tecnologia é sempre benéfica; o crescimento económico é sempre benéfico; as empresas devem sempre expandir-se; o consumo de bens é a principal fonte de felicidade; a ociosidade é perversa; e nada deve interferir com a prioridade concedida à tecnologia, ao crescimento e ao aumento do consumo».

2.   Introdução

2.1   A ética e o impulso gregário

2.1.1   O pensamento grego criou uma base sólida para a cultura ocidental e é deste pensamento que podemos partir para definir, em primeiro lugar, os conceitos de «ético» e «social».

2.1.2   Segundo Aristóteles, o objecto da ética é o bem do homem, entendido não num sentido abstracto, mas como o máximo de «bens» que podem ser adquiridos e conseguidos através da acção. O maior bem pelo qual os indivíduos lutam é a felicidade; a maior forma de felicidade é a acção virtuosa.

2.1.3   A felicidade é, simultaneamente, a melhor, a mais bela e a mais agradável de todas as coisas, qualidades estas que não devem ser separadas, como o faz a inscrição de Delos:

«a)

De todas as coisas, a justiça é a mais bela;

b)

a saúde, a mais útil;

c)

porém, a mais agradável é a posse do objecto desejado;

d)

pois que, todas estas propriedades estão presentes nas melhores actividades: e estas, ou uma delas — a melhor — nós a identificamos com a felicidade» (Aristóteles, Ética a Nicómaco, Livro I).

2.1.4   A filosofia pode ajudar-nos a entender de que forma, paralelamente a uma realidade absoluta da ética, podem existir realidades relativas que satisfazem os grupos sociais, pequenos ou grandes, que partilham a mesma ideia de felicidade e que se associam para a alcançar.

2.1.5   A ética e os valores plurais coexistem e são representativos da riqueza histórica da humanidade em todas as suas diferentes manifestações, incluindo as que se tornaram recentemente conhecidas pela designação de «economia da felicidade». Este conceito estuda, de forma sistemática, a partir de uma base empírica, a natureza da felicidade e as vias possíveis para a alcançar.

2.1.6   Está provado que o crescimento da economia, sem o crescimento concomitante de outros factores de satisfação, não aumenta a felicidade pessoal. Pelo contrário, «Para além de um determinado limite, o crescimento da economia não resulta numa maior felicidade. O aumento constante do consumo pressupõe o aumento constante do trabalho necessário para financiá-lo e do tempo consagrado à actividade profissional. Tudo isto em detrimento das relações humanas — e são precisamente estas relações que são a principal fonte de felicidade» (4).

2.1.7   Vários inquéritos realizados pelo Eurostat já demonstraram que, apesar de o rendimento per capita na Europa ter aumentado, sem interrupções, durante os últimos 25 anos, os níveis de felicidade não registaram alterações significativas. Nos Estados Unidos, os resultados obtidos foram muito semelhantes.

2.2   A crise financeira de 2007-2008: o que se segue?

2.2.1   A agitação persistente que se instalou nos mercados financeiros desde Fevereiro de 2007, afectando as principais instituições financeiras e bancárias, tornou-se um dos principais pontos da agenda do debate político internacional.

2.2.2   Os efeitos da crise entre as instituições de crédito hipotecário nos Estados Unidos alargaram-se e tornaram-se mais agudos devido ao facto de muitas das dívidas classificadas como «subprime» — ou seja, em que o reembolso é pouco provável — terem sido integradas, através de um processo de titularização, em «pacotes» de dívidas mais vastos, com uma total falta de transparência quanto à escala do problema. O resultado é que os operadores passam a deter títulos pouco seguros e desvalorizados.

2.2.3   Esta incerteza desencadeou uma perda de confiança ulterior no sistema financeiro, o que teve consequências muito negativas para os negócios que se baseiam num fluxo constante de crédito barato.

2.2.4   Os «hedge funds» (fundos de retorno absoluto) ou fundos de investimento especulativo foram as primeiras vítimas da crise financeira, incluindo os operados pelos grandes bancos comerciais. Foram vários os bancos europeus que acabaram por ver uma grande parte da dívida norte-americana do «subprime» na sua contabilidade. Alguns bancos alemães, conhecidos pela sua prudência, foram atingidos de forma particularmente dura, embora o flagelo também se tenha alastrado a instituições financeiras imunes, para as quais o custo do dinheiro subiu vertiginosamente. Esta foi a causa da quase falência do Northern Rock.

2.2.5   O caso da Société Générale está, em parte, relacionado com as convulsões financeiras que tiveram início no Verão passado e, em parte, com uma certa tendência para incentivar os operadores nos mercados financeiros a assumirem riscos excessivos que tanto podem traduzir-se em avultados lucros, como em perdas astronómicas no caso de tomadas de posição imprudentes. Esta situação revelou a dramática insuficiência dos procedimentos de controlo interno aplicados neste estabelecimento e deixa dúvidas quanto às práticas de todo o sistema bancário na matéria.

2.2.6   Trata-se da «finança de casino», em que, infelizmente, a «banca falida» é constituída pelos aforradores, em particular os mais vulneráveis, que, de uma forma ou de outra, têm de pagar uma factura pela qual não são responsáveis, pelos trabalhadores (mais de cem mil despedimentos no sector financeiro até à data, fora os que ainda estão para vir) (5) e pelos cidadãos, cuja segurança é comprometida e que se interrogam quanto à credibilidade do sistema financeiro.

2.2.7   Até à data, os prejuízos declarados atingem os 400 mil milhões de dólares, devendo, segundo estimativas fiáveis, ascender a 1 200 mil milhões de dólares (6). Os grandes investidores institucionais e os fundos de pensão são naturalmente afectados, mas é todo o sistema económico que sofre as pesadas consequências com o aumento do custo e a menor disponibilidade do dinheiro, com o consequente aumento dos preços e da inflação e as suas repercussões no arrefecimento da economia. Uma espiral perversa que atravessa toda a actividade económica. Em alguns Estados-Membros fala-se já de recessão.

2.2.8   É certo que, com algumas excepções isoladas e limitadas, o sistema financeiro europeu tem sido mais vítima do que culpado. Contudo, também é verdade que a «financeirização» da economia, a procura de meios cada vez mais sofisticados com vista à multiplicação das oportunidades de lucro, o papel cada vez mais agressivo dos fundos especulativos e o surgimento dos fundos soberanos, com recursos muito elevados, relegaram a economia real para um papel cada vez mais marginal, evidenciando simultaneamente as lacunas dos sistemas de controlo nacionais, a ineficácia dos mecanismos de cooperação entre as diferentes autoridades e o papel preocupante das agências de notação, nomeadamente as que se dedicam à denominada notação ética (que atribuíram avaliações positivas a empresas como a Parmalat, dotada de um magnífico código de conduta).

2.2.9   Esta crise teve repercussões em todos os intervenientes do mercado, independentemente de possuírem um perfil especulativo de destaque, com pouca visibilidade ou inexistente. A integração dos mercados atingiu um ponto em que ninguém pode afirmar que está imune a repercussões negativas. O problema reside no facto de apenas os aspectos negativos serem partilhados, enquanto os lucros ficam seguros nas mãos dos especuladores.

3.   O sistema financeiro europeu

3.1   Bancos

3.1.1   Os bancos constituem o elemento central de ligação entre os intermediários financeiros. Em alguns países, possuem um forte domínio sobre a economia real, exercendo um poder que não é exclusivamente económico, influenciando o desenvolvimento territorial e empresarial e multiplicando as suas oportunidades de lucro.

3.1.2   Embora as instituições bancárias operem num contexto de mercado e ofereçam todas, essencialmente, os mesmos serviços, desde os totalmente uniformizados aos mais especializados, têm origens muito distintas que se mantiveram ao longo do tempo.

3.1.3   Paralelamente aos bancos comerciais e aos bancos de investimento, que ocupam uma posição predominante no mercado, existem as caixas económicas de inspiração pública, criadas para proporcionar às comunidades urbanas, e particularmente aos seus membros mais pobres, uma bóia de salvação nos momentos de crise. As primeiras caixas económicas deste tipo foram constituídas no império alemão, no início do século XIX, embora muitas tivessem apenas mudado o nome das casas de penhores já existentes, criadas no século XV. Actualmente, representam cerca de um terço do mercado de retalho com 160 milhões de clientes e 980 mil empregados. Alguns exemplos de acções inclusivas realizadas pelas caixas económicas são «Die Zweite Sparkassen» na Áustria e «Parcours confiance» em França.

3.1.4   Em algumas regiões periféricas e em zonas rurais, desenvolveu-se o movimento das caixas agrícolas e artesanais para combater o fenómeno da usura, com base nas ideias de Friedrich Wilhelm Raiffeisen que fundou a primeira «Darlehenskassenverein» em 1864. Os bancos populares, também baseados em princípios cooperativos, desenvolveram-se a partir das ideias de Franz Hermann Schulze-Delitzsch, que criou o primeiro «Vorschussverein» (banco do povo) em 1850. O grande movimento do crédito cooperativo e dos bancos populares desenvolve-se a partir destas experiências, detendo actualmente na UE uma parte do mercado superior a 20 %, com mais de 140 milhões de clientes, 47 milhões de sócios e 730 mil empregados.

3.1.5   Esta nota histórica mostra que a sociedade civil sempre atribuiu aos bancos um lugar no sistema económico, que é, pelo menos parcialmente, diferente do das outras empresas. Dos bancos sempre se esperou também a prossecução de fins éticos ou sociais e não apenas lucrativos.

3.1.6   Um aspecto significativo do qual o sector financeiro tem de estar consciente é a possibilidade de maior acesso aos serviços financeiros. Enquanto nos países em vias de desenvolvimento apenas 20 % da população tem acesso ao crédito, na Europa este número sobe para uns animadores 90 %. Contudo, continua a ser insuficiente, uma vez que os restantes 10 % poderão ser alvo de uma discriminação realmente muito grave.

3.2   Seguros

3.2.1   Enquanto os primeiros bancos modernos remontam ao início do século XV em Itália — Banco de San Giorgio de 1406 — e alguns deles, como o Monte dei Paschi, fundado em Siena em 1472, ainda hoje existem, as origens dos seguros são bastante mais antigas. Os primeiros tipos de seguros datam de entre o segundo e o terceiro milénio antes de Cristo na China e na Babilónia. Os gregos e os romanos foram os primeiros a introduzir os conceitos de seguro de vida e de saúde, com as suas «sociedades de beneficência» que pagavam tratamentos médicos, abonos de apoio à família e até funerais. As guildas da Idade Média tinham a mesma finalidade. O contrato de seguro, dissociado do investimento, foi inventado em Génova no século XIV (1347). Estes contratos fizeram a fortuna de Edward Lloyd que, em 1688, abriu um café na Tower Street, em Londres, frequentado por armadores, mercadores e comandantes de navios, o local de encontro ideal para os grupos que procuravam fazer um seguro do navio e da respectiva carga e para os que pretendiam ter uma participação financeira na empresa. Foi também por volta desses anos, após o terrível incêndio de Londres, em 1666, que destruiu 13 200 casas, que Nicholas Barbon fundou a primeira companhia de seguros contra incêndios, o «The Fire Office».

3.2.2   Na sequência da experiência da Lloyd's (que não era, do ponto de vista técnico, uma companhia de seguros), o modelo do seguro disseminou-se por toda a Europa e as companhias de seguros começaram a operar. O desenvolvimento dos seguros modernos prende-se com a teoria moderna das probabilidades que teve como precursores Pascal e Fermat, mas também Galileu. Começaram a funcionar organismos mútuos nos círculos das seguradoras, propriedade dos subscritores das apólices e não de accionistas, ou seja dos seus clientes directos. No século passado, surgiram as cooperativas de seguros, que, em alguns países, assumiram uma posição importante devido à sua grande capacidade para oferecer produtos de qualidade a todo o mercado. À semelhança dos bancos cooperativos, as mútuas de seguros estão fortemente ligadas aos sistemas económicos locais e contribuem de forma substancial para o respectivo desenvolvimento, designadamente através do reinvestimento de uma parte significativa do seu valor acrescentado.

3.3   Actividade bancária e seguradora com ética

3.3.1   Nos últimos anos, começaram a operar as companhias seguradoras e os bancos éticos, que visam a manutenção das relações comerciais e a disponibilização de apoio financeiro apenas para as empresas que cumpram requisitos rigorosos, baseados em valores, partilhados pela comunidade que criou estes bancos e estas seguradoras. Os requisitos em matéria de sustentabilidade ambiental, uma posição intransigente relativa ao mercado de armamento e um compromisso firme no sentido do combate a qualquer tipo de discriminação são alguns exemplos desses «valores», que constituem um marco de referência neste domínio.

3.3.2   Finança «ética» e microfinança

3.3.2.1   Por finança ética entende-se a actividade financeira que promove iniciativas de âmbito humano, social e ambiental em função de uma avaliação ética e económica das respectivas repercussões no ambiente e na sociedade, realizada com o objectivo primordial de fornecer apoio financeiro às actividades em causa ou mesmo a particulares através do microcrédito.

3.3.2.2   A microfinança assenta em bancos especializados, que envolvem montantes pequenos, destinados aos segmentos mais desfavorecidos da população que estariam excluídos do sistema bancário tradicional, e é sobretudo conhecida pela sua presença no Terceiro Mundo. Contudo, convém não esquecer que os países ocidentais também têm uma tradição importante no domínio da micropoupança (enquanto o microcrédito tem desempenhado um papel mais marginal, por exemplo, através das casas de penhores de outros tempos). Os depósitos de baixo custo multianuais são um exemplo de micropoupança.

3.3.2.3   A actividade de finança ética baseia-se nos seguintes princípios (7):

a)

não discriminação dos beneficiários do investimento em razão do sexo, da religião ou da origem étnica ou em razão do património, partindo do princípio que o crédito, em todas as suas formas, é um direito humano;

b)

acesso aos mais desfavorecidos, com base na validade de formas de garantias pessoais, de categoria ou da comunidade, em pé de igualdade com garantias baseadas no património;

c)

eficiência, que, no âmbito do financiamento ético, não é definida em termos de beneficência, mas de actividade economicamente vital e socialmente útil;

d)

participação do aforrador nas escolhas da empresa que recolhe os fundos, através da indicação das preferências quanto ao destino desses fundos ou de mecanismos democráticos de participação no processo decisório;

e)

total transparência e acesso a todas as informações, razão pela qual as poupanças devem ser nominativas e os clientes têm o direito de ser informados quanto ao modo de funcionamento da instituição financeira e quanto às decisões por esta tomadas relativas ao crédito e ao investimento;

f)

renúncia ao enriquecimento com base unicamente na posse e na movimentação de dinheiro, de modo que as taxas de juro sejam mantidas ao nível mais justo possível, com base em critérios que não sejam apenas económicos, mas também éticos e sociais;

g)

ausência de relações financeiras com intervenientes ou actividades económicas que constituam um obstáculo ao desenvolvimento humano e que contribuam para a violação dos direitos humanos fundamentais, como a produção e o comércio de armamento, a fabricação de produtos de forma gravemente prejudicial para a saúde e para o ambiente, as actividades com base na exploração de menores ou na repressão das liberdades cívicas, etc.

3.3.2.4   Por «seguros éticos», entende-se a actividade seguradora que se baseia nos seguintes princípios (8):

a)

mutualidade, entendida como o regresso ao sentido original do seguro enquanto instrumento de solidariedade entre os que não incorrem em perdas e os que sofrem prejuízos e têm necessidade de ser compensados;

b)

segurabilidade, entendida como a garantia, para todos, de protecção pelo seguro contra eventuais adversidades, sem distinções injustas em razão da idade, de uma possível incapacidade ou de outras dificuldades sociais;

c)

transparência, entendida como a clareza contratual e a verificabilidade dos critérios utilizados na determinação do prémio;

d)

criação de um benefício para o território;

e)

igualdade de dignidade entre as partes contratantes.

3.3.3   Investimento ético

3.3.3.1   O investimento ético tem por objectivo financiar iniciativas no domínio do ambiente, do desenvolvimento sustentável, dos serviços sociais, da cultura e da cooperação internacional. A selecção dos títulos não se limita à aplicação dos critérios financeiros tradicionais, mas baseia-se também em critérios de responsabilidade social, como a qualidade das relações de trabalho, o respeito pelo ambiente e a transparência.

4.   Responsabilidade social das empresas (RSE)

4.1   A Direcção-Geral das Empresas e da Indústria e a direcção-geral responsável pelos assuntos sociais da Comissão estão a cooperar com as associações patronais em algumas áreas temáticas. Uma delas é a informação adequada aos aforradores, com o objectivo de os ajudar a compreender melhor os mecanismos que regem os mercados financeiros e os produtos disponíveis. As iniciativas no domínio da educação financeira constituem um meio eficaz e socialmente responsável de permitir aos aforradores evitar o investimento em produtos não adequados às suas expectativas e aos seus perfis de risco.

4.2   A participação das partes interessadas nas iniciativas de RSE ainda está limitada a um número muito reduzido de empresas e, em parte, a actividades vocacionadas para o conjunto dos interessados. Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer, sectores como os bancos populares e cooperativos, as caixas económicas, as cooperativas de seguros e as sociedades mútuas pretendem fazer ainda mais e melhor.

4.3   Os incentivos aos quadros superiores e aos responsáveis pelos bancos de investimento são um dos problemas que emergiram, devendo ser revistos e reduzidos para um nível razoável, relacionado de forma adequada com os lucros e com os resultados da empresa. Actualmente, os trabalhadores e os consumidores afectados pela crise financeira reprovam as remunerações excessivas dos quadros superiores, que contribuem para aumentar as suas dificuldades. Estas remunerações mantêm-se, amiúde, extremamente elevadas, independentemente dos bons ou maus resultados obtidos.

4.4   Os novos modelos de gestão das empresas financeiras, orientados para a maximização dos lucros a muito curto prazo, parcialmente devido às avaliações de desempenho efectuadas trimestralmente, estão a estimular condutas, por vezes, irresponsáveis, tal como se verificou nos casos recentes de escândalos financeiros em alguns Estados-Membros. Em contrapartida, a responsabilidade social tenta tornar os lucros estáveis e sustentáveis ao longo do tempo, valorizando os activos corpóreos e incorpóreos das empresas, que, no caso de empresas financeiras, são constituídos pelos trabalhadores e pelas relações de confiança estabelecidas com os clientes.

4.5   O CESE preconiza uma adopção generalizada de códigos de conduta inspirados na responsabilidade social das empresas. É fundamental que estes códigos sejam verificáveis e verificados para evitar a repetição de situações em que excelentes códigos de conduta foram assinados e divulgados por gestores que burlaram centenas de milhares de aforradores, como aconteceu nos mais graves escândalos financeiros dos últimos anos (9).

5.   Os bancos locais e o desenvolvimento das economias locais e das PME

5.1   Os diferentes tipos de bancos encontram-se a disputar o mesmo mercado, oferecendo basicamente o mesmo tipo de serviços. A eficiência económica é um requisito que todos devem cumprir, independentemente de se tratar de sociedades anónimas ou de bancos privados orientados sobretudo para os lucros dos accionistas, ou de outras empresas mais orientadas para o desenvolvimento económico e social das suas zonas de influência, que dedicam uma atenção especial aos problemas do acesso ao crédito, aos clientes menos abastados, ao desenvolvimento das PME e à promoção dos grupos sociais mais vulneráveis e das regiões periféricas e ultraperiféricas.

5.2   Aparentemente, a taxa de crescimento da economia local é significativamente mais alta nas zonas onde o sistema bancário local está mais desenvolvido. É também importante salientar que, em muitos países, os bancos locais assumem principalmente a forma das caixas económicas e das sociedades cooperativas, que reinvestem localmente uma parte significativa dos seus lucros.

5.3   «O sistema bancário tem uma dupla responsabilidade: ao nível das empresas, deve melhorar a eficiência da gestão das empresas de crédito, medida em termos não apenas da rentabilidade (o “ser útil”), mas também da capacidade de inovação e da qualidade do capital humano utilizado; e, ao nível do território, tem a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento local (o “criar desenvolvimento”), medido em termos não apenas do volume do crédito concedido, mas também da capacidade para investir na selecção de projectos e na avaliação do potencial dos empresários e das empresas. Isto pode ser definido como eficiência territorial. A eficiência da gestão deve ser colocada ao serviço da eficiência territorial: não faz sentido ter bancos eficientes, mas que não contribuem para o desenvolvimento local (10)».

5.4   As PME encontraram um instrumento útil para agilizar o acesso ao crédito dos seus associados através das sociedades de caução e garantia, organizadas igualmente a nível europeu. Estas sociedades privilegiam o crédito de investimento para as pequenas e médias empresas que não têm as garantias pessoais solicitadas pelos mutuantes para construir uma relação bancária estável.

6.   O papel dos decisores políticos

6.1   O CESE começa por salientar que, neste domínio, uma abordagem intervencionista é desadequada, dado que a experiência prova que é conveniente as iniciativas de carácter social e ético surgirem espontaneamente das bases. Qualquer intervenção «activa» poderia reprimir ou desviar o espírito espontâneo que constitui a principal salvaguarda da «biodiversidade» do sistema económico e financeiro. Simultaneamente, o CESE considera que os decisores políticos têm de se abstrair de qualquer acção que coloque entraves às iniciativas existentes ou ao surgimento espontâneo de novas iniciativas.

6.2   O CESE interroga-se se as iniciativas de conteúdo ético ou social levadas a cabo por organizações habitualmente com fins lucrativos devem usufruir de benefícios fiscais ou regulamentares. Neste caso, é necessário distinguir entre duas situações bastante diferentes.

6.2.1   Uma organização com fins lucrativos lança uma iniciativa que é estruturalmente independente da sua actividade habitual (por exemplo, a operação «Point Passerelle» do Crédit Agricole). Neste caso, a oportunidade da atribuição de uma compensação em relação ao procedimento habitual não deve suscitar muitas dúvidas.

6.2.2   Uma organização com fins lucrativos lança iniciativas que não são estruturalmente diferentes da sua actividade habitual. Relativamente a estes casos, a oportunidade da introdução de um sistema de compensação tem sido alvo de aturados debates. Os partidários da compensação fiscal, financeira ou regulamentar defendem que as externalidades positivas decorrentes da iniciativa justificam um tratamento especial. Os opositores desta ideia baseiam-se em duas considerações principais: apenas as iniciativas levadas a cabo numa situação de equilíbrio económico autónomo (ou seja, nas quais seja possível garantir um lucro suficiente) poderão manter-se com o passar do tempo. Além disso, a acção genuinamente ética ou social deve ocorrer desinteressadamente e não ser motivada por vantagens de natureza regulamentar, financeira ou fiscal. A acção ética ou social é, em si mesma, «recompensadora». O simples facto de fazer o bem já deveria constituir uma satisfação para o autor da acção.

6.2.3   O CESE considera que actualmente a compensação para as iniciativas éticas ou sociais já é, na prática, reconhecida em todos os sistemas. A legislação fiscal permite a dedução apenas das despesas necessárias à criação do rendimento. Este princípio (evidentemente, dentro de determinados limites e condições) não é aplicável quando as despesas consistem em doações a organismos de solidariedade ou de utilidade social. Neste caso, a dedução do rendimento tributável é permitida, apesar de a despesa não ser necessária à criação desse rendimento.

6.2.4   O CESE considera que o quadro legislativo nunca é neutro relativamente à conduta das organizações e dos indivíduos. Com base nesta constatação, o CESE considera que, num sistema que já incentiva determinados tipos de conduta, sistematizar e generalizar o princípio de um sistema de compensação para todas as iniciativas éticas ou sociais vai ao encontro dos critérios de equidade e de racionalidade aplicáveis ao papel público na economia e na sociedade.

6.2.5   O princípio proposto pelo CESE pressupõe que o benefício da compensação seja atribuído não directamente às instituições, mas às suas iniciativas éticas ou sociais. O CESE não considera que se trate de um procedimento inadequado visto que também não é possível separar a ética da economia, exigindo que apenas as iniciativas que não proporcionem um benefício económico aos respectivos autores possam ser consideradas verdadeiramente éticas. Esta linha de acção faria com que as iniciativas éticas fossem identificadas apenas com as obras de beneficência ou as doações de generosidade.

7.   Compensação financeira e tributação

7.1   O CESE saúda as iniciativas neste sentido. Esta abordagem pode justificar-se também por motivos de ordem económica. Por diversas razões, resultantes de opções políticas, de restrições das finanças públicas ou de orientações de eficiência económica, nos últimos 10 a 20 anos o Estado «social» tem vindo a registar algum desgaste. Para evitar um decréscimo excessivo no bem-estar das populações, o crescimento económico não pode ser encarado como o único meio para criar bem-estar e protecção social, devendo privilegiar-se a criação de espaços para iniciativas ascendentes.

7.2   O modo como os Países Baixos estruturaram o sector dos seguros de doença constitui um exemplo de regulamentação que favorece a integração entre o sector público e o privado com o objectivo de continuar a garantir níveis elevados de Estado-Providência. Enquanto, por um lado, as seguradoras são obrigadas a segurar todos os cidadãos, por outro lado, têm acesso a um sistema público de compensações, tendo em conta os maiores riscos que, deste modo, têm de assumir. O mercado holandês também tomou iniciativas exemplares para facilitar o acesso das pessoas seropositivas ao seguro de vida.

7.3   A Bélgica oferece um exemplo interessante de compensação financeira destinado a facilitar o acesso a serviços financeiros básicos. Um fundo interbancário compensa os intermediários que fornecem um acesso mais fácil aos serviços. Na prática, isto significa que os intermediários mais restritivos são os contribuintes líquidos para esse fundo, enquanto os parceiros que adoptam uma abordagem mais aberta são os beneficiários líquidos.

7.4   No que diz respeito aos benefícios fiscais, já existe um sistema generalizado de favorecimento das cooperativas que prosseguem objectivos baseados no princípio das mutualidades.

7.5   Um exemplo de legislação que concede benefícios fiscais às organizações com fins sociais explícitos é o que diz respeito às organizações sem fins lucrativos de utilidade social (ONLUS), na Itália.

8.   Regulamentação

8.1   As normas impõem custos e restrições que constituem uma sobrecarga para o funcionamento das empresas e dos intermediários. Nos últimos vinte anos, as intervenções foram orientadas no sentido da aplicação do princípio da igualdade. Ao colocar todos os intervenientes comparáveis (por exemplo, bancos, companhias de seguros, etc.) no mesmo pé de igualdade, as normas funcionaram como um instrumento de promoção da concorrência e de eficiência económica. Se este princípio for aplicado com demasiada rigidez e sem as correcções necessárias, irá tornar-se um obstáculo intransponível à formação e à sobrevivência de iniciativas éticas e sociais. Este risco pode ser minimizado através da aplicação sistemática e direccionada do «princípio da proporcionalidade», segundo o qual um pequeno intermediário, que efectue transacções simples, não pode estar sujeito à mesma carga regulamentar que uma organização multinacional complexa.

8.2   Sempre que uma determinada organização tiver comprovadamente abandonado, pelo menos parcialmente, mas de forma estrutural e permanente, o princípio da maximização dos lucros para promover iniciativas de natureza ética ou social, deverá poder beneficiar de normas fiscais e regulamentares que sejam, pelo menos em parte, diferentes das aplicadas no regime geral. Em alguns Estados-Membros, os investidores éticos já beneficiam de uma derrogação à directiva bancária. Devem ser envidados esforços no sentido de alargar este princípio a todos os Estados.

8.3   Apesar do reconhecimento concedido pelo Tratado Europeu, alguns Estados-Membros ainda não o reconhecem nem o defendem explicitamente. É necessário empreender esforços para obter um reconhecimento mais sistemático e generalizado deste modo de governação da sociedade.

8.4   Ao garantir que os Estados-Membros não adoptam medidas que iriam ocasionar uma distorção da concorrência, a Comissão Europeia pode contribuir para a protecção da diversidade no fornecimento de serviços financeiros, bancários e de seguros. As normas relativas aos auxílios estatais devem ter este aspecto em consideração.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  A.F. Utz, Etica economica (Ética Económica), San Paolo, Cinisello Balsamo, 1999.

(2)  Konrad Adenauer, Memorie 1945-1953 (Memórias 1945-1953), Mondadori, Milão, 1966;

(3)  John Kenneth Galbraith, «The Atlantic Monthly», Junho de 1967. Título original: Liberty, Happiness. and the Economy (Liberdade, Felicidade e a Economia).

(4)  Luca De Biase, Economia della felicità (Economia da Felicidade), Feltrinelli, 2007.

(5)  Fonte: UNI, United Network International — Genebra, 2008.

(6)  Boletim do Banco de Itália, n.o 52, Abril de 2008.

(7)  Democracia participativa: definições retiradas de um estudo financiado pela Assessoria ao Orçamento da região de Lácio (Itália).

(8)  Idem.

(9)  Estes indivíduos foram ainda distinguidos com honras justificadas pelo seu empenho ao nível local, nacional e internacional no desenvolvimento da actividade da empresa com coragem, tenacidade, inventividade, preparação profissional superior, visão clara das coisas, associada a uma ética comportamental que contradiz todos quantos — na verdade, os poucos — consideram que ética e economia são conceitos quase irreconciliáveis.

(10)  P. Alessandrini (2003), Le banche tra efficienza gestionale ed efficienza territoriale: alcune riflessioni (Os bancos entre eficiência da gestão e eficiência territorial: Algumas reflexões).


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/93


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As relações União Europeia — Brasil

2009/C 100/15

Na reunião plenária de 16 de Janeiro de 2008 o Comité Económico e Social Europeu decidiu, de acordo com o n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar parecer de iniciativa sobre:

As Relações União Europeia — Brasil.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas que emitiu parecer em 30 de Setembro de 2008, sendo relator PAULO BARROS VALe e co-relator Giuseppe Antonio Maria IULIANO.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 116 votos a favor com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Síntese

1.1   O presente parecer analisa a evolução das relações UE-Brasil e o papel político e económico emergente que este país desempenha actualmente e com crescente vigor na cena internacional.

1.2   Em 2007, foi aprovada a nova Associação Estratégica UE-Brasil (1), mais concretamente na primeira Cimeira de Chefes de Estado e Governo UE-Brasil, realizada em 4 de Julho de 2007. O CESE tece neste parecer algumas recomendações no atinente às propostas do Plano de Acção conjunto que configura os conteúdos da Associação Estratégica, designadamente: dimensão participativa e coesão económica e social, cooperação económica e comercial, educação, investigação e desenvolvimento, diálogo social, ambiente, alterações climáticas e biocombustíveis e imigração.

1.3   No que se refere ao papel do CESE, o presente parecer propõe a criação de uma mesa-redonda da sociedade civil UE-Brasil, à semelhança das já existentes com a Índia e a China. A sua contraparte neste novo órgão será o Conselho para o Desenvolvimento Económico e Social do Brasil, instituição homóloga brasileira criada pelo presidente Lula da Silva em 2003. Apresenta, além disso, propostas sobre a futura composição e o funcionamento dessa mesa-redonda e enuncia os temas que, a seu ver, deveriam fazer parte da agenda, e compreendem questões económicas, sociais e ambientais, as relações multilaterais, a cooperação tripartida UE-Brasil com os países terceiros, bem como o papel do Brasil na integração do Mercosul e nas relações UE-Mercosul.

2.   Razão de ser do parecer

2.1   O presente parecer, à semelhança do que aconteceu já no passado relativamente à China e Índia, pretende preparar a criação de uma mesa-redonda UE-Brasil da sociedade civil, espelhando, a este propósito, a posição do CESE relativamente à própria mesa-redonda.

2.2   Merece ainda referência o facto de a mesa-redonda em apreço se enquadrar na estratégia mais vasta da UE e que determinou a Associação Estratégica entre a UE e o Brasil, bem clara nas conclusões da Cimeira UE — Brasil realizada em Lisboa, em que se encoraja a cooperação entre o Comité Económico e Social Europeu e o Conselho para o Desenvolvimento Económico e Social do Brasil (CDES), como parte da arquitectura institucional do relacionamento entre as duas partes (2).

2.3   O parecer aborda a situação presente das relações UE-Brasil, bem assim como os antecedentes e as perspectivas futuras, debruçando-se sobre o posicionamento do Brasil face ao Mercosul e à comunidade internacional, com enfoque nas questões que, directa ou indirectamente, influenciam ou determinam as relações daquele país com a UE aos mais diversos níveis.

2.4   Esta iniciativa do CESE pretende enquadrar o funcionamento futuro e os temas principais que, na sua óptica, deverão conformar a existência e actividade da mesa-redonda, servindo como documento da sociedade civil europeia organizada a ser tido em conta no âmbito da cimeira UE-Brasil a realizar em Dezembro de 2008, na qual se espera venha a ter acolhimento político a criação daquela mesa.

3.   Quadro de Acção

3.1   Antecedentes

3.1.1   No Brasil, findo o período da colonização, tem-se mantido até aos nossos dias um património de boas relações com todos os países europeus. A ideia de estruturar as relações entre a UE e o Brasil contém, portanto, em si um único elemento de novidade — a própria UE que integra, valoriza e pretende aprofundar a organização sistemática e contínua de uma cooperação a longo prazo entre duas zonas geográficas.

3.1.2   Esta aproximação tem vindo a ser alvo de iniciativas diversas no sentido da sua formalização aos diversos níveis, como atesta, ao nível da sociedade civil organizada, o Acordo Interinstitucional assinado em Julho de 2003 entre o CESE e o CDES, e que foi precedido do Acordo-Quadro de Cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a República Federativa do Brasil, em 1992. O CDES, com quem o CESE tem vindo a estreitar as suas relações, existe desde Maio de 2003, sendo actualmente presidido pelo Presidente da República e composto por 102 (3) conselheiros.

3.1.3   Apesar do empenho de ambas as partes, o aprofundamento do relacionamento, designadamente aos níveis económico e social, não tem tido o desenvolvimento ambicionado, embora tudo leve a crer que 2007 tenha sido o ano do relançamento das relações, especialmente em níveis de cariz não comercial. As iniciativas foram diversas (4), e o trabalho desenvolvido deverá ser ainda mais intensificado em 2008, fruto da concretização da Parceria estratégica entre a UE e o Brasil, tal como preconiza a Comunicação da Comissão de Maio de 2007. Existe, no entanto, uma desproporção entre a intensidade com que se desenvolve a integração bilateral, por parte dos países membros com o Brasil, no campo económico e empresarial, e o ritmo lento da cooperação mais geral, e noutros domínios específicos, entre a UE e o Brasil. Os investimentos dos países europeus no Brasil e a sua cooperação comercial e industrial e de ajuda ao desenvolvimento, e o diálogo entre actores sociais, são precedentes positivos que justificam um mais claro e reforçado papel da sociedade civil para garantir uma dimensão social às relações económicas e sociais que se pretendem acelerar.

3.1.4   A realização da Cimeira de Lisboa, em 4 de Julho de 2007 veio, finalmente, dar bases sólidas a um relacionamento bilateral institucional ao mais alto nível político, estabelecendo mecanismos de diálogo sustentáveis no tempo que dão esperança a uma nova fase profícua de relacionamento. Esta nova fase está consubstanciada no reforço dos diálogos políticos sectoriais, na resposta aos diversos desafios globais actuais e futuros, à expansão e aprofundamento do comércio e das relações económicas, e à aproximação entre os povos da Europa e do Brasil.

3.1.5   Conforme refere a comunicação da Comissão, a Associação Estratégica UE-Brasil poderá ter um papel decisivo no reforço da liderança, positiva, do Brasil ao nível mundial e regional. Neste sentido, essa associação poderá ser um factor complementar e dinamizador dos processos de integração regional, especialmente do Mercosul, e das negociações deste com a União Europeia na perspectiva de um acordo de associação bi-regional, assim como no âmbito do movimento sob a égide da União de Nações Sul-americanas (UNASUL).

3.2   Contexto

3.2.1   O Brasil, pela expressão da sua população e dimensão do seu território (faz fronteira com quase todos os países da América do Sul) e economia, é hoje um dos principais actores da cena internacional, possuindo um incontornável papel no âmbito da construção do Mercosul, de uma forma mais geral na América Latina e, cada vez mais, no âmbito das negociações sobre as regras do comércio mundial, sendo possível antever a sua importância como um dos principais protagonistas mundiais [BRICS (5)] no século que agora se inicia. O Brasil, que desenvolveu o seu modelo atendendo à experiência de desenvolvimento económico e social europeu, teve igualmente o papel mais importante na promoção da dimensão política e social nas estratégias do Mercosul, aliás, em muito similares às seguidas na integração comunitária.

3.2.2   Face à ambição dos objectivos no que respeita às relações UE-Brasil, especialmente quanto às temáticas da integração económica e social, parece tornar-se necessário o reforço institucional da estrutura brasileira que assegura o interface entre as duas partes, de modo a potenciar a eficiência e os resultados da parceria estratégica objectivada por ambas.

3.2.3   Actualmente, as apostas brasileiras em termos de relações com a UE têm-se centrado em áreas de cariz comercial e económico, como é o caso dos biocombustíveis, da cooperação triangular (UE, Brasil e países em desenvolvimento), de posicionamento e actuação «ao lado» da UE no que se refere às alterações climáticas, e no âmbito da ciência e tecnologia.

3.2.4   O relacionamento bilateral entre o Brasil e os Estados que constituem actualmente a UE, fruto da já tão importante posição que o Brasil ocupa no mundo global, ultrapassa em muito as relações económicas e comerciais, e fica muito a dever-se ao facto de existirem enormes comunidades de diversas nacionalidades europeias no Brasil, bem como de expressivas comunidades imigrantes de cidadão brasileiros em muitos países europeus. Há, portanto, um fluxo humano nos dois sentidos ao longo dos séculos, que criou laços de grande proximidade entre o Brasil e muitos dos Estados-Membros da UE.

3.2.5   A próxima Cimeira entre a UE e o Brasil vai realizar-se em Dezembro de 2008 no Rio de Janeiro, e será um novo marco independentemente do estado de evolução sobre o acordo que a UE e o Mercosul possa vir a ter. O estabelecimento de uma agenda comum, com o reforço do multilateralismo, o incremento dos standards relativos aos direitos humanos, à democracia e à boa governação, a promoção do desenvolvimento social e humano, a protecção do ambiente, da segurança energética, da estabilidade e prosperidade da América Latina, o reforço dos laços económicos e comerciais (com enfoque nas questões dos mercados financeiros), da sociedade da informação, do transporte aéreo e marítimo, da cooperação científica e tecnológica, da promoção da paz e do intercâmbio na educação, na cultura e entre as sociedades civis das duas partes, são objectivos propostos pela UE que se pretende venham a merecer a construção de um plano de acção conjunto que possa vir a ser aprovado o mais tardar na Cimeira do ano corrente.

3.2.6   Se é importante o estabelecimento de um quadro claro para o relacionamento entre a UE e o Brasil, é evidente que as relações do quotidiano se fazem, sobretudo, não através dos chamados «representantes políticos», mas simropostas da UE sobre a imigração de países terceiros, tendo presente a necessidade de combater a através da multiplicidade das formas que a sociedade civil assume. São as empresas, as instituições sem fins lucrativos, nas suas mais diversas formas, e os cidadãos individual e colectivamente, que são o verdadeiro motor do desenvolvimento desse mesmo relacionamento. Os sindicatos e as associações empresariais, por exemplo, sempre foram e continuam a ser fundamentais para as reformas no país: a OIT e o Relatório Geral sobre as Américas (2006) destacaram o Brasil, por ter melhorado a protecção da saúde e a segurança dos empregos e os sindicatos e as empresas terem entendido a importância de dar prioridade à integridade dos trabalhadores que não se limita a meras reivindicações salariais. As ONG também acompanharam o esforço nacional na redistribuição dos recursos, dirigido em primeiro lugar aos sectores sociais e aos territórios mais desfavorecidos. O seu objectivo era não só combater a pobreza, mas também promover a coesão social e económica, graças à participação dos parceiros sociais, das cooperativas e das redes de ONG disseminadas por todo o território. Pode-se falar de um modelo realmente bem-sucedido, em que houve uma participação ampla da sociedade civil e foi reconhecido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Graças à colaboração activa da sociedade, foi possível monitorizar o índice de desenvolvimento humano em cinco mil municípios brasileiros. Além disso, a Comissão Europeia (6) indica que a UE realizou, em 2005, 37 projectos (no total de 24 milhões de euros), com o apoio das ONG locais. A Comissão aproveita para realçar que as contrapartes são responsáveis, competentes e capazes de assumir os desafios e adaptar-se às mudanças.

3.2.7   O relacionamento em múltiplos planos da UE com o Brasil não tem sido potenciado por via da ausência de uma política clara de promoção da língua portuguesa e da ausência de instrumentos de disseminação linguística.

3.2.8   Está ainda longe a promoção do potencial turístico da UE no Brasil e do Brasil junto da UE, tendo em conta a dimensão dos respectivos mercados e das suas particularidades.

3.3   Perspectivas Futuras

3.3.1   Dimensão participativa e coesão económica e social. No quadro político brasileiro, o desenvolvimento e a consolidação democrática são prioridade. Neste processo, o fortalecimento da democracia participativa é um eixo político fundamental. A democracia participativa é baseada na Constituição brasileira e diversos mecanismos de participação são estabelecidos. A sociedade civil organizada e o CDES, em particular, dão muita importância a estas formas de expressão dos cidadãos.

O Brasil está a desenvolver uma experiência de participação articulada em vários níveis para implementar os principais programas de redistribuição dos recursos e de promoção social. Por seu turno, a UE tem vindo a desenvolver nas últimas décadas um sistema análogo para realizar a política de coesão económica e social. Tem toda a utilidade comparar estas duas experiências, sobretudo tendo em mente que continuam a ser grandes as assimetrias regionais no Brasil, não obstante ter havido uma melhoria no coeficiente de Gini (7). É importante insistir que estas formas de participação devem envolver igualmente as organizações dos parceiros sociais (sindicatos e empregadores), as ONG, as autoridades nacionais, regionais e locais. Só deste modo será possível construir redes de actores co-responsáveis pelas políticas de desenvolvimento e de igualdade.

3.3.2   Cooperação económica e comercial, a questão agrícola. Será necessário conceber estratégias e instrumentos para apoiar o desenvolvimento de uma integração económica e comercial cada vez mais profunda, a começar pelos sectores estratégicos em que o Brasil e a UE ocupam posições competitivas num cenário de globalização. Será igualmente essencial criar espaços de participação e de controlo que permitam à sociedade civil organizada seguir de perto as tendências dos investimentos e dos resultados da cooperação. Actualmente o Brasil, que é já um dos maiores exportadores mundiais de produtos alimentares, acredita poder vir a responder ao aumento da procura internacional nesta área, se para isso receber os necessários investimentos externos. O crescimento do produto agrícola brasileiro tem sido feito mais à custa do incremento da produtividade do que do aumento da área utilizada, o que poderá ser um factor importante ao nível da diminuição do desmatamento da Amazónia. No quadro da OMC (negociações de Doha e os progressos no âmbito do G20), as dificuldades surgidas durante o debate sobre os subsídios aos produtores agrícolas e os direitos aduaneiros aplicáveis aos produtos reflectem os diferentes interesses entre a EU e o Brasil. A reforma da PAC deve ser agilizada em prol de maior justiça e equilíbrio nas trocas comerciais de produtos agrícolas. Igualmente importante é a introdução de maior transparência no mercado e aumento da segurança alimentar e veterinária, de modo a fortalecer a confiança dos consumidores.

3.3.3   Cooperação no sector da educação. Convirá privilegiar este tema na mesa-redonda, já que representa uma das prioridades seleccionadas pela Comissão Europeia. O CESE recomenda que seja observada esta prioridade, dando realce especial à experiência europeia com a aprendizagem ao longo da vida, apoiada pelos parceiros sociais europeus no âmbito do diálogo social, bem como da estratégia de promoção do emprego no âmbito do processo do Luxemburgo. Isso poderia assumir a forma de uma «boa prática» europeia, igualmente útil para o Brasil.É correcto apoiar a abordagem do DEP sobre o ensino superior, mas são fundamentais os desafios que o Brasil enfrenta ao nível do ensino primário e secundário. A aproximação entre o Brasil e a UE pode fazer-se muito através do intercâmbio entre as instituições de ensino aos seus diversos níveis, e em particular com o envolvimento de alunos e professores. A própria experiência de grande sucesso de intercâmbio de estudantes dentro da UE deve servir de base a programas semelhantes envolvendo a UE e o Brasil, para além do já previsto Erasmus Mundus (de dimensão necessariamente limitada), no Country Strategy Paper 2007-2013, semeando, assim, para o futuro, laços de ainda maior aproximação e conhecimento mútuo.

3.3.4   Cooperação no sector da investigação e desenvolvimento. É no sector da investigação e desenvolvimento que podem existir importantes complementaridades e sinergias, devido aos diferentes enfoques particulares dados pelas respectivas comunidades científicas e tecnológicas, e as prioridades associadas às opções das duas diferentes economias e culturas. A UE deveria, em particular, estudar a hipótese de abrir uma via preferencial (fast track) para os investigadores brasileiros, no âmbito do 7.o Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento da UE.

3.3.5   Diálogo social nas multinacionais europeias com operações no Brasil. A experiência dos comités sindicais europeus — instrumentos de informação e consulta dos trabalhadores das empresas multinacionais europeias — é outro exemplo das boas práticas europeias que poderia ser adoptado, voluntariamente ou no quadro da responsabilidade social das empresas, pelas multinacionais europeias que operam no Brasil.

3.3.6   Ambiente, alterações climáticas e biocombustíveis. Num momento em que se encontram no topo das prioridades da agenda internacional, por um lado, o combate às alterações climáticas e, por outro, a procura de fontes de energia sustentáveis e menos poluentes, o Brasil pode representar para a Europa e para o mundo um importante parceiro também para o fornecimento de biocombustíveis, em particular o bio-etanol, sector onde têm havido importantes avanços recentes. Ainda, a Europa e o Brasil podem em parceria estabelecer cooperação com África no sentido de exportar a tecnologia e know-how brasileiros que permitam a produção de bio-etanol neste continente, promovendo o seu desenvolvimento através de uma nova geração de política de cooperação tripartida.

Uma área relevante para os interesses europeus e mundiais é a preservação da Floresta Amazónica (8), para cuja protecção deverão ser estabelecidas parcerias internacionais envolvendo entidades, quer públicas, quer privadas, nesse grande objectivo, sem nunca esquecer os limites impostos pela soberania da Lei e do Estado Brasileiro sobre aquele património mundial. A opinião pública e as autoridades brasileiras são muito sensíveis relativamente a esta temática, mas trata-se de um ponto em que o estado actual do mundo e a sua evolução previsível não deixam margem para que esta não seja uma prioridade na cooperação entre o Brasil e a Europa.

Importa referir que existe há cerca de 3 anos, formalmente constituído, o «Diálogo U.E. — Brasil para o Desenvolvimento Sustentável e Mudanças Climáticas», embora a sua actividade se tenha reduzido até agora a reuniões para o estabelecimento de uma agenda com o objectivo de que ambos os lados se possam posicionar em relação aos temas definidos.

3.3.7   Pobreza e problemas sociais. O Brasil ocupava, em 2007, o 70.o lugar na classificação mundial do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, posição bastante mais modesta do que os países com um nível de desenvolvimento económico e tecnológico semelhante. Segundo dados da ONU, entre 2003 e 2005, a percentagem de brasileiros que se encontravam abaixo dos limites da pobreza diminuiu 19,3 %. Hoje representam 22,8 % da população (ou seja, 43 milhões). Graças aos programas sociais do governo Lula, houve alguns avanços, modestos mas eficazes, na luta contra a pobreza e as desigualdades (9). O Brasil continua, todavia, a ser um dos países com maiores desigualdades internas: uns escassos 4,2 % dos recursos nacionais são distribuídos pelos 20 % mais pobres, principalmente no Nordeste. O acesso à educação melhorou nos últimos anos, mas persistem desigualdades ao nível territorial, especialmente no ensino superior. A taxa de literacia é bastante elevada (93,6 %) entre os jovens (15-24 anos), mas a iliteracia entre os adultos continua alta (12 %). Os indicadores de saúde também melhoraram. O Brasil gasta 7,9 % do seu PIB com a saúde (a média da OCDE é de 8,72 %). As políticas sociais tiveram como resultado a diminuição da taxa de mortalidade infantil (36 por mil), mas há ainda muito por fazer nas regiões do Norte e do Nordeste do país. A ONUSIDA estima que 650 000 brasileiros sejam portadores do VIH. O Brasil garante, com uma lei nacional, o acesso universal aos tratamentos médicos, inclusive a medicamentos anti-retrovirais. No período de 2004-2006, o desemprego desceu de 12,3 % para 8,4 %. Também o desemprego juvenil (18-24 anos) diminuiu mas continua elevado. Por conseguinte, a criação de novos postos de trabalho é uma das prioridades da agenda do governo, a par da luta contra o trabalho infantil e o trabalho forçado (10). O acesso à terra é uma questão particularmente delicada. Estima-se que 1 % dos proprietários brasileiros detenham metade das terras férteis. A reforma agrária inscreve-se na actual agenda do governo, que impõe o objectivo de redistribuir a terra por 430 000 famílias de camponeses, o que deveria ter acontecido até 2007. Porém, este objectivo ainda está muito longe de ser alcançado (11). São precisos ainda muitos esforços para resolver o grave problema da habitação, que obriga vários milhões de brasileiros a viver em favelas.

3.3.8   Fluxos migratórios. Os fluxos migratórios entre os países europeus e o Brasil são há muitos anos um fenómeno constante e bidireccional. (COMENTÁRIO: ao longo de todo século XX os fluxos migratórios para o Brasil com origem na Europa foram predominantemente de populações da Itália e Alemanha, seguidos, na ordem de importância numérica, por Portugal, Espanha e Polónia. Isso explica a existência no Brasil, hoje, de mais de 30 milhões de descendentes de italianos e 8 milhões de origem alemã.). Hoje em dia, as questões migratórias enquadram-se necessariamente nas iniciativas e nas propostas da UE sobre a imigração de países terceiros, tendo presente a necessidade de combater a imigração irregular, mas sobretudo favorecer os fluxos que são profícuos para ambas as partes. (12) Os governos da UE têm de reconhecer que a Europa é uma zona em evidente declínio demográfico, enquanto o Brasil apresenta uma perspectiva de crescimento em algumas zonas do país (13). Dada a particular importância da perspectiva de uma associação estratégica UE-Brasil, conviria abordar as questões dos fluxos migratórios do e para o Brasil segundo critérios específicos. Ambas as partes deveriam procurar simplificar os procedimentos de obtenção de visto de entrada e de residência, garantir mais e melhor informação sobre a possibilidade de migrações regulares, com prioridade para os intercâmbios de estudantes e investigadores, mas sem incentivar a «fuga de cérebros». Além disso, é indispensável definir conjuntamente um sistema de reconhecimento recíproco dos diplomas, das competências e da experiência, bem como a transferibilidade dos direitos a pensões de reforma.

3.3.9   «Bringing Our People Together». A importância que esta questão tem para os governos dos dois blocos ficou espelhada na Cimeira de Lisboa, e mereceu destaque no ponto 16 das conclusões da mesma (14). Separados pelo Atlântico mas unidos por uma História comum, o Brasil e a Europa podem e devem promover o intercâmbio e mútuo conhecimento das realidades sociais, naturais, artísticas, culturais e científicas próprias. A sociedade civil revela-se um veículo fundamental para a prossecução deste objectivo, promovendo eventos culturais e desportivose outras manifestações que permitam aos povos do Brasil e da Europa conhecerem-se e aproximarem-se, criando uma dinâmica de permanente e contínua organização de iniciativas conjuntas.

3.3.10   Situação das relações económicas. É evidente o aumento dos fluxos comerciais entre o Brasil e a UE, conforme revelam os dados do Governo Brasileiro, entre Janeiro e Maio de 2008. As exportações brasileiras para a UE subiram 19 % em relação ao mesmo período do ano anterior. A UE é o principal destino das exportações brasileiras, a seguir à ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), à Ásia e aos EUA. A UE é o seu segundo maior parceiro comercial, depois da Ásia. Se esta tendência continuar, em 2008 o comércio bilateral poderá atingir o recorde de 84 mil milhões de dólares (+ 25 % em relação a 2007) (15). As potencialidades de intercâmbio entre a UE e o Brasil podem traduzir-se em objectivos ainda mais ambiciosos, mas para isso será imprescindível simplificar os procedimentos, desburocratizá-los e garantir o respeito das normas e a protecção da propriedade intelectual. Será também fundamental a revisão, por parte do Governo Brasileiro, das taxas que recaem sobre a importação de alguns produtos, factor que dificulta fortemente a entrada de produtos europeus no Brasil.

4.   Mesa-Redonda UE — Brasil

4.1   Organização e funcionamento

4.1.1   A criação de uma mesa-redonda UE-Brasil, representará por si só, um importante sinal da relevância que ambas as partes atribuem ao seu relacionamento futuro.

4.1.2   Considera o CESE que a mesa-redonda deverá reunir 2 vezes por ano, uma no Brasil, e outra na Europa, de forma a ampliar e desenvolver o papel da sociedade civil na parceria entre a UE e o Brasil.

4.1.3   A mesa-redonda deverá ter uma participação paritária com igual número de membros a indicar pelo CESE e pelo CDES, com delegações cuja dimensão se considera hoje razoável serem constituídas por 12 conselheiros de cada parte.

4.1.4   A mesa-redonda deverá ela mesma debater e estabelecer o seu próprio sistema de funcionamento, de modo a garantir o equilíbrio e regras estáveis de trabalho.

4.1.5   Considera o CESE, de toda a conveniência e utilidade a criação de um espaço dedicado, no sítio da internet do CESE, à mesa-redonda UE-Brasil, com o intuito de potenciar e dinamizar a intervenção e contribuição da sociedade civil.

4.2   Propostas temáticas para a futura agenda de diálogo

O valor acrescentado que a futura mesa-redonda pode representar para a parceria estratégica que se pretende desenvolver, está, obviamente, intimamente ligado à relevância das matérias que venham a ser preferencialmente tratadas no seu seio, pelo que o CESE considera como prioritários os seguintes domínios temáticos de discussão (16):

4.2.1   Área económica e social

Cooperação económica, comércio bilateral e investimentos;

Consequências da globalização, redução dos seus impactos negativos e potenciação das suas virtuosidades;

Avaliação dos modelos sociais, troca de experiências e elaboração de propostas políticas nesse âmbito, tendo em vista o papel da sociedade civil e a promoção da sua efectiva e eficiente intervenção;

Acompanhamento da evolução das propostas, modelos e medidas da OMC;

Análise dos movimentos migratórios e cooperação ao nível dos direitos dos emigrantes europeus no Brasil e imigrantes brasileiros na Europa, com vista à plena integração dos cidadãos nos países de destino;

Troca de experiências no âmbito das relações sociais e laborais, nomeadamente, ao nível do papel dos parceiros sociais no desenvolvimento equilibrado dos países, relações entre empregadores e empregados, organização e composição das estruturas empresariais e sindicais, legislação laboral, e negociação de contratos colectivos de trabalho;

Debate sobre as questões em matéria alimentar e fitossanitária e ao nível do funcionamento e intercâmbio dos mercados agrícolas, incentivando a troca de experiências e a partilha de boas práticas, com vista ao desenvolvimento sustentado deste sector;

Debate sobre a problemática da sociedade da informação e papel das tecnologias de informação e comunicação no actual contexto de desenvolvimento sustentado dos países;

Promoção do debate sobre a temática da responsabilidade social das empresas, e desenvolvimento de iniciativas de sensibilização dos diversos agentes envolvidos, no sentido de uma rápida e eficaz apropriação, por parte da comunidade empresarial, de sistemas adequados;

Debate sobre a temática, e promoção de iniciativas conducentes à efectiva apreensão e integração dos conceitos respeitantes à igualdade de género, igualdade de oportunidades e direitos das minorias étnicas e sociais;

Infra-estruturas e serviços — debate sobre esta temática, com incidência em temas como a construção de redes viárias e a constituição de consórcios energéticos, entre outros;

Troca de experiências na área das Normas Básicas de Trabalho;

Debate sobre as virtualidades e eventuais constrangimentos decorrentes das parcerias público-privadas na consecução dos objectivos públicos.

4.2.2   Área politico-diplomática e de apoio ao desenvolvimento

Cooperação tripartida entre a UE, o Brasil e países terceiros, através da análise da realidade actual e iniciativas existentes, mas também da concertação de iniciativas e intervenções futuras;

Acompanhamento do desenvolvimento dos processos de integração regional da UE e do Mercosul;

Exploração da Associação Estratégica entre a UE e o Brasil enquanto agente facilitador da integração regional e do desenvolvimento do Mercosul, bem como das suas relações com a Europa.

4.2.3   Área ambiental e energética

Exploração e intervenção ao nível da temática da protecção do ambiente e desenvolvimento sustentável, como fundamento do crescimento dos países e do desenvolvimento à escala global;

Avaliação dos desafios energéticos, fontes alternativas de energia e cooperação neste domínio, enquanto questões prementes e determinantes para o futuro das pessoas, dos países e do mundo. Esta temática deve dar especial relevo aos biocombustíveis e à necessidade de estabelecer regras e normas para a sua comercialização.

4.2.4   Área da investigação e tecnologia e propriedade intelectual

Protecção recíproca da propriedade intelectual;

Desenvolvimento de sistemas de cooperação científica e tecnológica, com vista à promoção da investigação no sentido da potenciação do progresso mútuo.

4.2.5   Área educativa

Promoção do intercâmbio ao nível escolar e universitário, nomeadamente, através da criação de programas académicos de intercâmbio de estudantes e professores, estágios e outras formas de promoção do conhecimento e desenvolvimento do meio académico;

Debate e análise das questões da educação e formação enquanto processo continuado ao longo da vida, fundamental para o desenvolvimento individual e colectivo.

4.2.6   Intercâmbio cultural e turístico

Promoção do intercâmbio cultural e disseminação da História e realidade actual, contribuindo para um melhor conhecimento e entendimento mútuo;

Análise e aferição do papel do turismo na aproximação da UE e do Brasil, e desenvolvimento de estratégias conducentes ao seu incremento de forma sustentada e equilibrada.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho «Para uma Parceria Estratégica UE-Brasil» — COM(2007) 281 final, de 30.5.2007.

(2)  Cimeira UE-Brasil, Lisboa, 4 de Julho de 2007 — Ponto 16 da Declaração Comum — PR 11531/07 (Presse 162).

(3)  Os parceiros sociais representam aproximadamente a metade do Conselho de Desenvolvimento Económico e Social (CDES). Participam também conselheiros provenientes de fundações privadas, ONG laicas e religiosas, associações de deficientes, movimentos populares e cooperativas, organizações de estudantes, de reitores das universidades, para além dos centros de estudo e de investigação sociais, económicas, estatísticas, etc.

(4)  Ao nível da sociedade civil merecem relevo, as seguintes iniciativas: realização de um seminário conjunto (CDES e CESE), em Julho, em Brasília, sobre o tema «A UE e o Mercosul: Contributo das Instituições da Sociedade Civil para o Desenvolvimento Nacional e Regional»; assinatura, pelo CESE e CDES do Brasil, de uma Declaração Conjunta manifestando a vontade das partes em intensificar as relações UE-Brasil.

(5)  Brasil, Rússia, Índia, China.

(6)  Brasil — Documento de Estratégia por País, 2007-2013.

(7)  Trata-se de uma medida comummente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de rendimento, sendo que em termos gráficos exibe, no seu eixo vertical, o números de pessoas e no seu eixo horizontal o rendimento.

(8)  O governo brasileiro tem hoje em execução o «Plano Amazónia Sustentável» (PAS) que traduz estratégias, expectativas e medidas para a Amazónia, e visa estabelecer as formas de intervenção pública naquela vasta região, nomeadamente, o combate à desmatação, não como uma questão exclusivamente ambiental, mas como uma questão integrada de governo. Existe ainda um Fundo, para o qual todos podem contribuir, destinado a apoiar a diminuição de emissões na Amazónia, criado numa lógica de apoio a acções com resultados comprovados, e não de apoio a projectos experimentais ou piloto.

(9)  Ver, em particular, o inovador Programa «Bolsa Família» (2,38 mil milhões de reais) do qual beneficiaram 8,7 milhões de famílias (dados de fins de 2007).

(10)  As crianças são as mais afectadas. Segundo a OIT, em 2004, 450 000 menores eram obrigados a efectuar trabalhos domésticos, na agricultura ou na indústria do sexo.

(11)  O Movimento dos Sem Terra dos camponeses pobres (1,5 milhões de filiados) reivindica fortemente a reforma agrária a partir de posições radicais. Não faz parte para já do CDES.

(12)  No atinente ao «Pacote Imigração» da UE, remetemos para as críticas e as sugestões do CESE amplamente documentadas em uma série de pareceres sobre medidas propostas, e também em pareceres de iniciativa e exploratórios.

(13)  A taxa de fecundidade brasileira em 2006 foi de 2 nascimentos por mulher, baseado na pesquisa da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios) 2006.

(14)  http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressData/en/er/95167.pdf

(15)  Para aprofundar este tema, remetemos para os anexos económicos.

(16)  Na formulação das propostas temáticas a debater pela mesa-redonda, foram tidas em conta as determinações da Estratégia de Lisboa, porquanto se trata de um instrumento estratégico de relevantíssima importância para a UE, pelo que o CESE não poderia alhear-se, na formulação das referidas propostas, das directrizes, conceitos e finalidades ali constantes.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/100


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte (parecer de iniciativa)

2009/C 100/16

Na sua reunião plenária de 12 e 13 de Dezembro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 1 do artigo 19.o do Regimento, instituir um subcomité com a missão de elaborar um parecer de iniciativa sobre

O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte.

Foi incumbido da preparação dos correspondentes trabalhos o Subcomité para o Papel da UE no Processo de Paz na Irlanda do Norte, que emitiu parecer em 23 de Setembro de 2008, sendo relatora: Jane MORRICE.

Na 448. reunião plenária de 22 e de 23 de Outubro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusão

1.1   Há muitos ensinamentos a extrair do envolvimento da UE no processo de paz na Irlanda do Norte. Os progressos realizados desde os dias mais sombrios do passado desta região conturbada, em termos sociais, económicos e, principalmente, políticos, foram excepcionais. A situação em termos de segurança melhorou, a reorganização da administração pública está bem encaminhada, a chegada de estrangeiros, quer migrantes quer turistas, não só estimula a economia como contribui para desafiar o pensamento sectário tradicional, a cooperação transfronteiriça excede as expectativas e a partilha do poder entre antigos adversários começa a ser considerada «politicamente correcta».

1.2   Contudo, neste estádio qualquer complacência seria completamente inadequada. A visão chocante dos «muros da paz» a dividir as comunidades católica e protestante de Belfast é uma recordação triste, mas realista, das sérias dificuldades ainda enfrentadas pelo processo de paz, nomeadamente em matéria de reconciliação entre comunidades, e do muito que resta a fazer. Décadas de violência, ódio, desconfiança, ignorância e intolerância conduziram a uma separação sem precedentes das comunidades na Irlanda do Norte. Embora as pessoas possam ter um «nível aceitável» de paz por detrás dos seus muros, nas suas casas, aldeias, igrejas, escolas e estádios desportivos, estas «vidas paralelas» apenas podem representar uma fase transitória de um processo que tende para o respeito mútuo, a compreensão e a harmonia, e que pode demorar gerações a realizar-se.

1.3   O papel desempenhado pela UE no processo de paz da Irlanda do Norte foi, e continua a ser, um processo sem precedentes na sua história. O facto de o apoio da UE a este processo ser relativamente pouco conhecido prova até que ponto a sua abordagem é adequada. Não se tratou de uma tentativa vã de interferir numa situação que escapava ao seu controlo ou de «tapar o sol com uma peneira». O método de consolidação da paz utilizado pela UE na Irlanda do Norte consistiu numa afectação única e a longo prazo de recursos substanciais, estrategicamente planificada e executada, baseada nos princípios da parceria e da subsidiariedade, e orientada, em cada etapa, por uma consulta local inclusiva.

1.4   Através de uma combinação de intervenções directas e indirectas, a UE contribuiu para que o processo de paz criasse um ambiente propício à resolução do conflito, uma vez reunidas as condições políticas, e funcionou como catalisador de um reforço genuíno do processo de paz, cujo alcance geral ainda está por determinar.

1.5   A UE não procurou reclamar abertamente a sua parte de êxito no processo de paz. No entanto, a história não seria rigorosa se não registasse o valor e a importância do papel da UE: não só porque o apoio da UE à reconciliação, em particular, deve prolongar-se ainda por vários anos, mas também porque os ensinamentos extraídos dos programas comunitários PEACE podem contribuir para os esforços de promoção da paz e da reconciliação noutras partes do mundo. A UE nunca terá todas as respostas; no entanto, como ficou provado na Irlanda do Norte, dispõe dos meios e da experiência necessários para ajudar outros a encontrá-las.

1.6   Como principal «modelo» mundial para a consolidação da paz, a UE, juntamente com os seus Estados-Membros, tem a proficiência, a experiência, a diversidade, os recursos e a reputação necessários para apoiar a resolução de conflitos e a consolidação da paz em qualquer parte do mundo onde tal seja necessário. Mas tem mais do que isto. Tem o dever de o fazer e a obrigação de colocar a consolidação da paz precisamente no centro da sua futura orientação estratégica.

2.   Recomendações

2.1   As recomendações dividem-se em duas partes distintas. A primeira abrange as zonas de intervenção na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços sobre as quais se deve centrar o apoio da UE para avançar com o processo de reconciliação. A segunda abrange o contexto mais geral do apoio da UE ao processo de consolidação da paz e de reconciliação noutras zonas de conflito com base na experiência adquirida pela Irlanda do Norte referida na «caixa de ferramentas» para a resolução do conflito, em anexo.

2.2   O contexto da Irlanda do Norte

2.2.1   Os ensinamentos extraídos da experiência da Irlanda do Norte demonstram que a consolidação da paz é um processo estratégico e a longo prazo. Começa com o fim do conflito violento e avança por fases até à estabilidade política, à coexistência pacífica, à reconciliação e, em última análise, à harmonia social, à prosperidade económica e a uma «sociedade partilhada». Por conseguinte, o apoio da UE a este processo deve ser um reconhecimento a longo prazo da natureza frágil das fases iniciais e do tempo que será preciso para conseguir uma reconciliação genuína. Embora o volume da assistência financeira da UE possa ser reduzido e concentrar-se mais em determinados aspectos à medida que a região sai do conflito, a UE deve continuar a desempenhar o seu importante papel como parceira no processo, e a sua capacidade de desenvolver relações com a região de outras maneiras criativas deve continuar a ser fomentada.

2.3   Recomendação 1: A UE deve manter o seu apoio a longo prazo à consolidação da paz na Irlanda do Norte, concentrando-se principalmente:

na reconciliação entre as comunidades em domínios como a cultura, as artes, o desporto, o lazer, a habitação, a educação, a criação de postos de trabalho e a prestação de serviços públicos;

em projectos que favoreçam ambas as comunidades, dando apoio aos projectos «de identidade única» (ou seja, dedicados apenas a uma das comunidades) apenas em circunstâncias excepcionais, nos casos em que representem um requisito indispensável para desenvolver a capacidade intercomunitária;

nas vítimas das «perturbações», para ajudá-las a reconstruir as suas vidas, a superar os traumas e a partilhar as suas experiências com grupos similares de outras comunidades e noutras zonas de conflito;

no apoio a iniciativas que conduzam a uma «sociedade partilhada» para ajudar a reduzir a necessidade de duplicar os serviços de habitação, saúde e educação, e as instalações recreativas e desportivas;

na inclusão de organizações associativas e comunitárias, sindicatos e empresas em todos os níveis de tomada de decisões relativas aos fundos do programa comunitário PEACE;

na recuperação das estruturas de parcerias locais que serviram para associar os parceiros sociais e os dirigentes políticos nas fases iniciais do programa PEACE;

na redução da burocracia, nomeadamente no que respeita aos projectos de pequena dimensão nas comunidades rurais e urbanas, devendo a avaliação dos projectos ser medida não só em termos sociais, mas também económicos;

2.4   Recomendação 2: A «Task Force» da Comissão Europeia para a Irlanda do Norte deve continuar a orientar, estimular e apoiar meios criativos e inovadores para que a região se desenvolva noutros domínios que não dependem dos financiamentos do programa PEACE, por exemplo a investigação, a transferência de conhecimentos, a educação e a criação de redes internacionais sobre resolução de conflitos.

2.5   O contexto global mais geral

2.6   A UE tem o dever não só de extrair ensinamentos da experiência adquirida na Irlanda do Norte, mas também de transmitir estes conhecimentos a outras regiões com níveis diferentes de conflito, quer a nível interno, transfronteiriço ou externo. Isso servirá para maximizar o papel positivo que a UE pode desempenhar na resolução de conflitos mundiais.

2.7   Recomendação 3: Os principais ensinamentos devem ser partilhados entre as instituições comunitárias e as autoridades dos Estados-Membros, bem como a nível internacional, o que pode ser concretizado de várias formas:

uma base de dados exaustiva de boas práticas em matéria de resolução de conflitos (proposta do Parlamento Europeu);

um compêndio de avaliações do programa PEACE e de projectos bem-sucedidos;

mais investigação sobre o papel da UE numa série de domínios (situações de conflito a nível interno, transfronteiriço e externo).

2.8   Recomendação 4: Este trabalho poderá ser facilitado pela criação de um mecanismo institucional europeu de resolução de conflitos na Irlanda do Norte, com base no trabalho realizado no âmbito da resolução de conflitos tanto a nível local como internacional. As características particulares deste mecanismo devem ser objecto de um debate a nível da UE com os parceiros sociais iniciado pelo CESE, em que se analise a melhor maneira de desenvolver um mecanismo de resolução de conflitos de dimensão europeia.

2.9   Recomendação 5: A «caixa de ferramentas» em anexo deveria ser adoptada e aprofundada para ajudar a analisar situações de conflito e fornecer informações para uma eventual intervenção da UE, em função da situação e em caso de necessidade. A «caixa de ferramentas» é composta por uma série de instrumentos utilizados pela UE que podem servir como ponto de referência e como recurso para trabalhos que envolvam protecção de minorias, igualdade, reforço das capacidades, cooperação transfronteiriça e intercomunitária, e desenvolvimento socioeconómico noutras zonas da UE, nas suas fronteiras e em zonas de conflito fora dos seus limites territoriais.

Caixa de ferramentas de UE para a resolução de conflitos

Material de diagnóstico:

Análise socioeconómica e política

Manuais de referência:

Experiência de outras regiões (nomeadamente mecanismos de resolução de conflitos)

Compêndio/base de dados de programas/projectos

Apreciação de teorias sobre resolução de conflitos

Visão estratégica:

Perspectiva objectiva a longo prazo (supranacional) combinada com uma abordagem orientada para os riscos

Aplicação dos ensinamentos extraídos

Conhecimentos adquiridos e desenvolvidos

Avaliação do estádio em que se encontra o conflito

Determinação do processo de intervenção, em função do estádio do conflito e da sua localização (no interior da UE, nas suas fronteiras ou para além delas)

 

INSTRUMENTOS FINANCEIROS

INSTRUMENTOS NÃO FINANCEIROS

Grandes instrumentos

(nível macro)

Redes financiadas pela UE centradas na transformação de conflitos

Instituições, políticas e oportunidades da UE

Espírito, metodologia e exemplo da UE

Europeização (a nível nacional): normas, valores, instituições, procedimentos (incluindo o envolvimento dos parceiros sociais) comunitários

Espaço neutro para facilitar o diálogo/permitir consensos

Abordagem imparcial para gerar confiança

Modelo comunitário de restabelecimento da paz — liderar pelo exemplo

Estreita parceria com os principais doadores

Alavancas e chaves

(nível intermediário)

Programas comunitários PEACE adaptados

Fundos Estruturais orientados para a resolução de conflitos (definidos com critérios de «diferenciação» apropriados)

Cooperação bilateral/transfronteiriça

Acordos e iniciativas

Modelo de parceria social

Avaliação do nível dos programas

«Task Force» encarregada de reunir informação local, identificar oportunidades e domínios de cooperação e incentivar a participação em programas à escala comunitária

Abordagem de parceria no quadro de uma cooperação com os responsáveis políticos e os parceiros sociais locais

Consulta local, que gera um sentimento de responsabilidade local pela concepção e execução do programa.

Empenho das instituições locais

Remoção de barreiras através das políticas comunitárias

Dispositivos de precisão

(nível micro)

Agentes de realização ao nível local para actuar no terreno

Subvenções globais para assegurar a sensibilização local e atingir os alvos pretendidos

Financiamento condicional para promover as boas práticas

Acompanhamento para garantir uma aprendizagem contínua

Apoio ao reforço das capacidades e colaboração/cooperação

Cooperação transfronteiriça «ascendente» no plano económico, social e cultural

Auto-avaliação

Europeização (a nível local): envolvimento dos parceiros sociais, empenho dos cidadãos, participação da comunidade, destacamento de funcionários da Comissão Europeia

Celebração do êxito

Sensibilização com recurso à imprensa e à publicidade

3.   Introdução

3.1   O presente parecer procura contar a história relativamente «ignorada» do êxito do apoio da UE ao processo de paz na Irlanda do Norte, para que a sociedade civil europeia conheça melhor a experiência da Irlanda do Norte, bem como construir, com os métodos utilizados pela UE para promover a paz e a reconciliação, uma «caixa de ferramentas» que possa ser utilizada noutras zonas de conflito, em função da situação e em caso de necessidade.

3.2   O parecer centra-se, principalmente, no apoio comunitário prestado através dos programas comunitários PEACE, do Fundo Internacional para a Irlanda (FII) e do INTERREG. Examina a forma como o financiamento foi concebido e o impacto que teve na vida social, económica e política da região, concentrando-se no apoio à sociedade civil (empresas, sindicatos e sector associativo).

3.3   O parecer analisa igualmente as mais amplas oportunidades proporcionadas pela UE à cooperação política, diplomática e administrativa britânico-irlandesa e em que medida o «modelo europeu de restabelecimento da paz» constituiu um incentivo a uma evolução positiva na Irlanda do Norte.

4.   Método

4.1   Foram realizadas quatro reuniões de trabalho, nomeadamente uma conferência de consulta que teve lugar na Irlanda do Norte, em Abril de 2008. Através de questionários e de uma consulta em linha, a conferência colheu junto de partes interessadas e de especialistas informações que permitiram extrair conclusões com base na experiência directa dos programas e das políticas da UE. Além disso, os membros do subcomité realizaram uma visita de estudo e inteiraram-se de projectos financiados pela UE em Belfast.

4.2   A conferência coincidiu com eventos que assinalaram progressos políticos significativos na Irlanda do Norte e contou com a participação do Primeiro-Ministro e do Primeiro-Ministro Adjunto, do Ministro de Estado irlandês e de altos representantes da UE que estiveram envolvidos na criação do programa PEACE.

4.3   Um elemento fundamental para o presente parecer foi a preciosa cooperação entre os três grupos do CESE, os seus peritos e os membros do subcomité de França, Espanha, Itália, Irlanda e Reino Unido, o Parlamento Europeu (relatório de Brún) e a Comissão Europeia.

5.   Contexto

5.1   Geografia/economia

5.1.1   A Irlanda do Norte situa-se no canto nordeste da ilha da Irlanda. Com uma superfície de 13 843 km2, tem, segundo o último recenseamento (2001), uma população de 1 685 000 habitantes, dos quais 53,1 % são protestantes, 43,8 % são católicos, 0,4 % são «outros» e 2,7 % não têm religião. A população da Irlanda do Norte é uma das mais jovens da Europa, mais de 40 % tem menos de 29 anos. Até há pouco tempo estável devido à emigração, esta população deverá ultrapassar 1,8 milhões em 2011.

5.1.2   A economia está a evoluir da indústria tradicional (construção naval e têxteis) para uma economia mais orientada para os serviços e para o exterior. A partir de 2004/2005, o valor acrescentado bruto (VAB) tem crescido à razão de 3,5 %, em termos reais, logo abaixo da média do Reino Unido, mas muito aquém do crescimento de 10 % anual registado pelo PIB irlandês nos seus anos de «tigre céltico». O VAB per capita situa-se em cerca de 80 % da média do Reino Unido, e o desemprego caiu para 3,6 % depois de ter atingido um máximo de 17,2 % em 1986. No entanto, estas estatísticas ocultam uma série de importantes desafios, como o elevado nível de inactividade económica — 26,9 %, o mais elevado de todas as regiões do Reino Unido — e uma forte dependência de fundos públicos para apoiar tanto o sector público como o privado, que cerceou o espírito empreendedor (os fundos públicos representam 62 % do VAB).

5.2   Contexto histórico-político recente

5.2.1   Enquanto região do Reino Unido, a Irlanda do Norte viu a luz do dia com a Lei do Governo da Irlanda (Government of Ireland Act), que, em 1921, dividiu a Irlanda em Irlanda do Norte e Irlanda do Sul. Esta lei criou uma fronteira no interior da ilha e assinalou o início de um período em que ambos os lados da fronteira viveram «de costas voltadas» em termos sociais, económicos e políticos. Desde então, esta divisão tem sido uma fonte de conflitos entre os nacionalistas (essencialmente católicos) e os unionistas (essencialmente protestantes) da Irlanda do Norte. De um modo geral, os primeiros aspiram a uma Irlanda unida, enquanto os últimos pretendem que a Irlanda do Norte continue a fazer parte do Reino Unido.

5.2.2   Em 1921, 60 % da população era protestante e 40 % católica. A comunidade unionista maioritária deteve o poder durante quase cinquenta anos. No final da década de 1960, defensores dos direitos civis saíram para a rua exigindo o fim da discriminação. Seguiram-se violentos confrontos e incidentes, que muitos consideram ser o início das recentes «perturbações» na Irlanda do Norte. No auge das «perturbações», em 1972, o Parlamento da Irlanda do Norte foi dissolvido e a administração directa (Direct Rule) imposta a partir de Londres.

5.2.3   Nas décadas seguintes, registaram-se inúmeras tentativas para estabilizar a situação, nomeadamente iniciativas de reconciliação empreendidas, principalmente, por organizações da sociedade civil, incluindo sindicatos. Mas esse foi também um período de terrível violência, que, ao longo de 35 anos, custou a vida a mais de 3 500 pessoas e deixou muitos milhares física e mentalmente marcados para o resto da vida.

5.2.4   O cessar-fogo dos grupos paramilitares em 1994 abriu caminho a conversações entre os partidos políticos. Em 1998, foi concluído o Acordo de Sexta-Feira Santa/de Belfast, que foi aprovado por uma esmagadora maioria em referendos separados a Norte e a Sul da fronteira. No ano seguinte, foram constituídos um governo e um parlamento da Irlanda do Norte, bem como uma série de organismos Norte/Sul, tendo-se processado a transferência de poderes nas últimas semanas do milénio.

5.2.5   Em 2002, o Parlamento foi suspenso, e só em Maio de 2007 voltou a ser empossado um governo regional de coligação, liderado pelo DUP (unionista) e pelo Sinn Fein (republicano). A região vive agora o seu mais longo período de estabilidade política dos últimos quase quarenta anos.

5.3   Envolvimento da UE no processo de paz

5.3.1   O Reino Unido e a Irlanda aderiram à União Europeia em 1973, no auge das «perturbações», tendo sido conferido à Irlanda do Norte um «estatuto especial», ao ser considerada uma região do «objectivo 1», embora nem sempre satisfaça todos os critérios económicos para o efeito, o que proporcionou financiamento adicional para o seu desenvolvimento económico e social. Este financiamento deveria ser complementar ao financiamento do Governo Britânico, embora muitas tenham sido as alegações de que terá sido utilizado para suprir obrigações de financiamento público.

5.3.2   Nas primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu (1979), foram eleitos três deputados da Irlanda do Norte (Ian Paisley, John Hume e John Taylor). Em 1984, o PE publicou o «Relatório Haagerup» sobre a Irlanda do Norte e o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Lorenzo Natali, prometeu examinar atentamente a sugestão de um plano integrado para a Irlanda do Norte e as zonas fronteiriças. Sublinhou, contudo, que necessitava da luz verde dos governos do Reino Unido e da Irlanda.

5.3.3   Em 1986, os governos do Reino Unido e da Irlanda instituíram o Fundo Internacional para a Irlanda (FII), para promover o progresso social e económico, e fomentar a reconciliação entre nacionalistas e unionistas na ilha da Irlanda. A par dos EUA, do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia, a UE é um dos principais doadores dos 849 milhões de euros que apoiaram mais de 5 700 projectos na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da Irlanda durante mais de 20 anos. Em 2013, o financiamento da UE para o FII terá totalizado 349 milhões de euros.

5.3.4   A visita de Jacques Delors, Presidente da Comissão Europeia, à Irlanda do Norte em 1992, para consultas com representantes locais, reforçou o seu compromisso com a causa da paz na região. Nesse ano, as barreiras económicas ao comércio entre o Norte e o Sul da ilha foram derrubadas com a conclusão do Mercado Único, que, oportunamente, criou importantes possibilidades de comércio e negócios transfronteiras.

5.3.5   Em 1994, imediatamente após o cessar-fogo dos grupos paramilitares, Jacques Delors reuniu com os três eurodeputados da Irlanda do Norte (então Ian Paisley, John Hume e Jim Nicholson) e aprovou planos para um novo e importante pacote comunitário. Criou uma «Task Force» e, no seguimento de uma ampla consulta local, a proposta de um programa PEACE para três anos, com um orçamento de 300 milhões de euros, foi aprovada pela Cimeira da UE em 1994, escassas semanas antes do termo do mandato presidencial de Jacques Delors. Este programa acabou por ser prorrogado por mais dois anos, com um financiamento comunitário adicional de 204 milhões de euros.

5.3.6   Este foi o primeiro programa especial de apoio à paz e à reconciliação na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da Irlanda, ou PEACE I. A consulta abrangente sobre o programa incluiu um parecer elaborado pelo Comité Económico e Social Europeu em 1995 (1), que saudou a iniciativa e sublinhou a necessidade de uma abordagem a longo prazo e de flexibilidade na atribuição de fundos.

5.3.7   Em 2000, ao PEACE I seguiu-se o PEACE II, negociado pelas partes com o novo executivo da Irlanda do Norte, com um financiamento comunitário de 531 milhões de euros. Este programa foi prorrogado em 2005/2006, com um financiamento comunitário adicional de 78 milhões de euros. O CESE elaborou um segundo parecer (relator: Simpson), em que solicitava que o financiamento do programa PEACE II se concentrasse mais em projectos que fomentam a reconciliação e nos problemas que afectam os trabalhadores migrantes. Em 2007, começou a ser aplicado o programa PEACE III, que vigorará no período 2007-2013 e contará com um financiamento comunitário de 225 milhões de euros. No total, a UE contribuiu com mais de 1 338 mil milhões de euros para estes programas.

5.3.8   Após o restabelecimento do governo regional em 2007, o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, criou uma nova «Task Force» liderada pela Comissária responsável pelos Assuntos Regionais, Danuta Hübner, para se debruçar sobre o futuro da cooperação UE/Irlanda do Norte. Publicado em Abril de 2008, o relatório propõe várias formas de a região se envolver mais nas políticas comunitárias e nota o interesse demonstrado pelas autoridades da Irlanda do Norte na promoção do desenvolvimento de um mecanismo institucional europeu de resolução de conflitos, que deverá ocupar-se da investigação, consultoria e intercâmbio de experiência.

6.   O impacto do envolvimento da UE

6.1   O envolvimento da UE no processo de paz assumiu muitas formas diferentes, desde o apoio político de alto nível à intervenção financeira no terreno. Esta actividade atingiu o seu ponto mais alto nos anos 1990, em apoio aos progressos políticos alcançados como resultado do cessar-fogo e da conclusão do Acordo da Sexta-Feira Santa/de Belfast, e continua até hoje, concentrando-se a «Task Force» da Comissão Europeia em novos domínios de cooperação, no PEACE III, no FII e no INTERREG.

6.2   O financiamento comunitário para o consolidação da paz tem sido um elemento essencial do apoio da UE ao processo de paz. Não obstante, factores não financeiros, inerentes à qualidade de membro da União Europeia, têm tido um efeito profundo na promoção de mudanças positivas. A «esfera de influência» da UE pode, portanto, ser dividida em factores financeiros e não financeiros que, embora distintos, se sobrepõem.

6.3   Factores não financeiros

6.3.1   A UE proporcionou um «espaço neutro» para facilitar o diálogo entre os políticos britânicos e irlandeses após a adesão, oferecendo novas oportunidades para reuniões regulares em terreno neutro. Isto também foi importante para os deputados irlandeses no Parlamento Europeu. O exemplo que melhor ilustra esta afirmação foi a reunião entre Paisley, Hume, Nicholson e Delors em 1994, que esteve na origem do primeiro programa PEACE e que Paisley descreveu como uma das reuniões mais produtivas da sua carreira. Também a cooperação transfronteiriça entre funcionários britânicos e irlandeses sobre assuntos correntes provocou uma «aproximação» entre as administrações com um inquestionável impacto positivo no processo de paz.

6.3.2   Este «espaço neutro» foi ainda mais valioso no que se refere ao apoio da UE ao processo de paz no terreno. O compromisso, a participação e a revalorização da sociedade civil foram facilitados pelas instituições e pela intervenção no terreno de funcionários empenhados em garantir uma abordagem «imparcial» e inclusiva.

6.3.3   Outro elemento não financeiro importante foi a oportunidade proporcionada às instâncias decisórias britânicas e irlandesas de tomarem contacto com o estilo de promoção de consensos que caracteriza o processo legislativo comunitário. Em negociações no Conselho, os Estados-Membros utilizaram um novo estilo de diálogo, negociação e compromisso multilateral, que constituiu um valioso instrumento nas negociações políticas locais.

6.3.4   A realização do Mercado Único Europeu em 1992, teve um impacto não financeiro significativo no processo de paz. A remoção das barreiras administrativas ao comércio transfronteiriço incentivou uma maior cooperação entre as organizações empresariais de ambos os lados da fronteira e reforçou as actividades tradicionais do movimento sindical no âmbito da cooperação transfronteiriça. Não obstante, os controlos de segurança na fronteira continuaram a inibir progressos mais substanciais em matéria de cooperação económica e social.

6.3.5   Um factor não financeiro de impacto limitado nos primeiros tempos foi o modelo europeu de consolidação da paz enquanto exemplo a seguir pela região. Quando a Irlanda do Norte aderiu à UE, muitos esperavam que a adesão tivesse um efeito estabilizador quase imediato. Contudo, as divisões da comunidade eram de tal modo profundas, que foi necessário algum tempo até que o modelo comunitário tivesse impacto no processo.

6.3.6   Mesmo hoje, volvidos 35 anos de adesão à União Europeia, ainda estão de pé os chamados «muros da paz», que separam as comunidades católica e protestante de Belfast. A maior parte das crianças frequenta escolas «separadas» e 90 % das pessoas vivem em comunidades «separadas».

6.4   Impacto financeiro

6.4.1   O programa PEACE I teve um impacto financeiro significativo no processo de paz, na medida em que foi único e inovador e não tinha qualquer semelhança com o que havia sido experimentado pela UE até então. Com um montante de 500 milhões de euros (1995-1999) para apoiar a paz e a reconciliação, foi igualmente a mais importante injecção de capital jamais destinada a apoiar este objectivo específico. Isto representava 73 % do total dos investimentos, tendo o resto sido fornecido pelos poderes públicos dos dois países e pelo sector não governamental.

6.4.2   Um factor decisivo que contribuiu para o impacto positivo do programa PEACE I foi o amplo processo de consulta subjacente à sua formulação. A sociedade civil organizada, nomeadamente as ONG, os sindicatos e as empresas, sentiram que o programa também lhes pertencia, na medida em que o seu contributo era reconhecido. Os deputados ao Parlamento Europeu da Irlanda do Norte também participaram directamente nos pormenores do processo. O programa PEACE I foi amplamente publicitado e, por conseguinte, bem conhecido em toda a zona abrangida. Este «reconhecimento» permanece válido até hoje. As estatísticas revelam que quase metade da população beneficiou dos programas PEACE.

6.4.3   A originalidade dos mecanismos de financiamento PEACE foi igualmente crucial para o seu êxito. Os organismos de financiamento intermediários constituíram um meio engenhoso de, simultaneamente, descentralizar as responsabilidades para o terreno e de reforçar simultaneamente as capacidades. As parcerias distritais, compostas por representantes dos sectores empresarial e agrícola, do voluntariado e das comunidades, bem como dos sindicatos e dos membros eleitos do governo local, foram uma «estreia» na Irlanda do Norte. Esta abordagem de parceria do processo decisório era, ao mesmo título que o próprio financiamento, parte do processo de consolidação da paz.

6.4.4   É consensualmente reconhecido que esta abordagem «ascendente» tornou o financiamento mais acessível às pessoas situadas à margem da vida económica e social local. Nomeadamente, visava grupos que até então haviam recebido pouco ou nenhum apoio, como as vítimas e os ex-reclusos, e aumentava o financiamento disponível para outros grupos, designadamente as organizações intercomunitárias e transfronteiriças, e os grupos de mulheres e de jovens.

6.4.5   O impacto financeiro destes programas foi maior do que o dos financiamentos anteriores da UE devido à garantia de «adicionalidade» dos fundos. Isto tornou o financiamento mais valioso e visível na medida em que intervinha «como complemento» do financiamento do governo que se destinava à região. Afirma-se frequentemente que tal não era o caso relativamente a outros programas dos Fundos Estruturais comunitários.

6.4.6   Também esta mudança de orientação entre os programas teve o seu impacto. A «inclusão social» obteve o maior contributo do programa PEACE I, enquanto a «renovação económica» obteve a maior atenção do programa PEACE II. Ao abrigo do programa PEACE III, a atenção passou a centrar-se na «reconciliação», que é reconhecida como o melhor meio de resolver os problemas de divisões sectárias remanescentes.

6.4.7   Além disso, a responsabilidade pelos programas PEACE II/III foi transferida para o novo órgão especial de programas da UE (Special EU Programmes Body — SEUPB) transfronteiriço. Alguns aspectos do seu trabalho são apoiados por comités de acompanhamento em que estão representados interesses dos sectores público, sindical e privado da Irlanda do Norte e dos condados fronteiriços. Embora alguns afirmem que esta mudança se limitou a reduzir o nível de envolvimento no terreno, outros consideram-na um valioso «balcão único» para todos os aspectos do financiamento comunitário transfronteiriço e no âmbito do programa PEACE.

6.4.8   O impacto do FII no processo de paz também foi muito significativo, tanto em termos de projectos como de composição. O FII reúne representantes dos seus países doadores, podendo esta forma única de cooperação, em especial entre a UE e os EUA, ser um inestimável exemplo de boas práticas para outras zonas de conflito.

6.4.9   Embora o INTERREG funcione em toda a UE, o seu impacto específico na ilha da Irlanda foi igualmente da maior importância para o processo de paz. Completando os elementos transfronteiriços dos programas PEACE, o INTERREG investiu em infra-estruturas transfronteiriças e em programas socioeconómicos, contribuindo para incentivar a colaboração entre comunidades que vivem «de costas voltadas».

6.4.10   Outras iniciativas comunitárias, como URBAN, EQUAL e LEADER, tiveram e continuam a ter uma influência menos directa, mas mesmo assim importante, no processo de paz na Irlanda do Norte.

6.5   Impacto na cooperação transfronteiriça

6.5.1   Após a divisão da ilha em 1921, as duas jurisdições evoluíram separadamente e em direcções opostas. O impacto desta atitude «de costas voltadas» era evidente antes das «perturbações» e foi exacerbado por 35 anos de violência. As interacções transfronteiriças eram limitadas devido aos perigos e dificuldades, e o comércio transfronteiriço era o mais baixo registado em qualquer uma das fronteiras internas da UE.

6.5.2   As políticas da UE incentivaram e facilitaram uma mudança de paradigma na cooperação transfronteiriça. Isto foi acelerado pelo facto de que tanto a Irlanda como o Reino Unido eram membros da Comunidade Europeia. Na esfera económica, o impacto «descendente» do Mercado Único foi especialmente importante, enquanto que na esfera social e cultural, o impacto «ascendente» dos programas PEACE, que integravam os seis condados situados a Sul da fronteira, funcionou como catalisador de uma interacção transfronteiriça até então inimaginável.

6.5.3   Os objectivos mútuos incluíam a intensificação da interacção empresarial e social, e o estreitamento da cooperação entre os governos respectivos. Uma pedra angular do Acordo de Sexta-Feira Santa/de Belfast foi a criação de um Conselho Ministerial Norte/Sul e de órgãos transfronteiriços. Estas instituições de financiamento conjunto não têm precedentes na UE. Além disso, a ideia de uma «economia insular» deixou de ser um conceito radical para passar a ser aceite pela maior parte das pessoas como normal, útil e benéfico.

6.5.4   Esta intensificação da cooperação transfronteiriça foi frequentemente liderada pelos parceiros sociais. O seu trabalho pioneiro levou as instâncias decisórias do Norte e do Sul a cooperar no sentido de melhorar a compreensão, a apreciação e a confiança de cada lado da fronteira. A estreita cooperação resultante deste processo funciona em muitos domínios, mas é mais evidente na esfera económica e na saúde e educação.

6.5.5   Os muitos resultados positivos deste trabalho incluem um programa de desenvolvimento comercial e empresarial de sete anos entre dois agrupamentos empresariais do Norte e do Sul, a Confederação da Indústria Britânica (Conferation of British Industry — CBI) e a Confederação Irlandesa das Empresas e dos Empregadores (Irish Business and Employers Confederation — IBEC), financiado pelo FII, pelo programa PEACE e pelo INTERREG, que implicou mais de 300 reuniões entre compradores e fornecedores. Durante este período (1991-2000), as transacções comerciais duplicaram para mais de 2 000 milhões de euros.

6.5.6   Também é extremamente valioso o trabalho do movimento sindical no sentido de fomentar laços transfronteiriços e intercomunitários. O Congresso Irlandês dos Sindicatos (Irish Congress of Trade Unions — ICTU) é um órgão que actua em todo o território da Irlanda e que, durante o período das «perturbações», trabalhou incansavelmente para promover a melhoria das relações entre as comunidades. O Congresso não procurou beneficiar de financiamento para os seus trabalhos, mas alguns órgãos associados aos sindicatos receberam de facto o apoio da UE.

6.5.7   No que respeita ao impacto transfronteiriço do programa PEACE, o facto de apenas os seis condados fronteiriços do Sul terem podido beneficiar directamente dos fundos de PEACE significa que o seu alcance era limitado, especialmente para o desenvolvimento de empresas, numa época em que as regiões com maior potencial estavam situadas fora da zona Sul elegível.

6.5.8   A cooperação transfronteiriça foi elevada a um nível completamente novo e significativamente mais amplo e profundo. Agora que a maior parte das barreiras físicas, fiscais, técnicas e de segurança foram derrubadas, o que permitiu e encorajou níveis transfronteiriços sem precedentes de comércio, interacção e cooperação, resta enfrentar o desafio que consiste em ultrapassar as arreigadas barreiras culturais e sociais que subsistem.

6.5.9   Essencialmente, os métodos utilizados pela UE para apoiar a paz e a reconciliação a nível económico e social e em todas as comunidades facultam um modelo regional único, bem desenvolvido e cada vez mais comprovado, para pôr em prática a filosofia, a proficiência e a metodologia próprias da UE.

6.6   Impacto no desenvolvimento económico

6.6.1   Ao apoiar o processo de consolidação da paz, a UE contribuiu para acelerar o desenvolvimento económico na Irlanda do Norte e nos condados limítrofes. O impacto directo dos programas PEACE I e II no desenvolvimento económico foi reconhecido como significativo numa série de avaliações ex post. O principal efeito indirecto tem a ver com o facto de o papel da UE no apoio ao progresso político e à consolidação da paz ter permitido acelerar o desenvolvimento social e económico.

6.6.2   Os programas PEACE, FII e INTERREG possibilitaram, colectivamente, a criação de empregos sustentáveis, bem como melhorias em matéria de ambiente e de infra-estruturas, em particular nas zonas afectadas por conflitos; estes programas favoreceram as capacidades de desenvolvimento e de actividade empresarial em comunidades e grupos marginalizados, e contribuíram de modo significativo para o rápido crescimento do comércio transfronteiriço na última década.

6.6.3   Em termos de qualidade do impacto, a perspectiva consensual é que os programas deram um contributo substancial para a construção de uma sociedade pacífica e estável. Foi possível atingir estes resultados, em grande medida, através do reforço das capacidades das comunidades e do sector associativo, o que permitiu apoiar o processo de reconciliação.

6.6.4   A «parceria social» constitui um pilar fundamental da actuação da UE, e os elementos distintivos da abordagem comunitária da paz e da reconciliação contribuem para estimular e fomentar novas formas de interacção entre os interesses económicos e políticos, em benefício de toda a sociedade.

6.6.5   O contributo da UE ajudou a desenvolver uma visão estratégica da economia num ambiente pós-conflito. Com o decorrer do tempo, abrem-se muitas oportunidades interessantes para esta região, nomeadamente através de uma cooperação mais intensa com a UE em domínios recomendados pela nova «Task Force» da Comissão Europeia, que são, nomeadamente, a investigação, a inovação e a transferência de conhecimentos, mas também através do desenvolvimento das suas relações comerciais com a zona euro.

6.7   Impacto na inclusão social

6.7.1   A inclusão social continua a ser um princípio fundamental e geral da abordagem da UE em relação à consolidação da paz, e a investigação sobre este tema confirma que o programa PEACE apoiou grupos que não tinham sido considerados anteriormente ou que apenas recebiam um apoio mínimo. O programa apoiou a integração de grupos pertencentes a minorias étnicas, a confiança e a consolidação das capacidades, bem como o reforço da sociedade civil a nível local, tendo permitido a integração das pessoas outrora excluídas.

6.7.2   Envolvendo mais de metade da população na qualidade de participantes em projectos, o programa PEACE levou a UE até aos cidadãos, através do que foi descrito como um «envolvimento no terreno, sem precedentes». Aqueles que trabalhavam nas estruturas associativas nas suas comunidades em prol da mudança foram identificados, habilitados e apoiados. Este reconhecimento constituiu um precioso mecanismo de reforço da confiança.

6.7.3   Foram utilizados métodos de financiamento inovadores, como os organismos de financiamento intermediários e as parcerias distritais, que se transformaram em parcerias estratégicas locais, para realizar acções no terreno e chegar a zonas onde muitas outras iniciativas não tinham chegado. A delegação das decisões financeiras a estas organizações locais contribuiu para o reforço das capacidades e assegurou a participação no terreno, tanto na concepção como na execução dos programas.

6.7.4   A abordagem da UE distinguiu-se igualmente pela utilização do modelo europeu de parceria social nos programas PEACE. Foram consultados e envolvidos representantes das empresas, dos sindicatos, do sector associativo e de «outros interesses». Embora este princípio continue a desempenhar um papel central, não foram mantidas muitas das estruturas de parceria inicialmente constituídas. Isto é um motivo de preocupação, pois reunir os parceiros sociais e os responsáveis políticos no quadro da tomada de decisões era uma parte integrante do processo de paz.

6.7.5   Reconhece-se que muitos habitantes das zonas mais divididas e carenciadas beneficiaram de financiamento comunitário no âmbito dos programas PEACE e INTERREG e do FII, e as consultas revelam que o papel desempenhado pela UE neste domínio é muito apreciado.

6.8   Impacto na paz e na reconciliação

6.8.1   No que respeita à consolidação da paz, a intervenção da UE contribuiu para manter vivo o processo de paz e para impulsionar a estabilidade política. Conferiu ainda às comunidades um sentimento de responsabilidade local em períodos de incerteza política. Os testemunhos recolhidos nas consultas do CESE às partes interessadas são unânimes em confirmar a conclusão de que a UE e os seus programas de financiamento ajudaram a criar a paz que prevalece actualmente.

6.8.2   Em termos do processo mais demorado de reconciliação comunitária, há muitos exemplos do impacto positivo que o contacto e a cooperação «ascendentes» têm a nível local, numa base intercomunitária e transfronteiriça. Os programas PEACE e o FII fizeram avanços significativos no que toca a estimular diferentes segmentos da comunidade a estabelecerem contactos entre si. Estes contactos conduziram de facto ao reforço da compreensão e confiança mútuas em determinadas zonas, mas o impacto ainda não é suficiente noutras zonas para evitar a dúvida e a desconfiança que persistem.

6.8.3   Por conseguinte, existe um apoio generalizado à decisão de adaptar os programas de financiamento da UE para centrá-los mais na reconciliação entre as comunidades. Isto deveria ajudar as comunidades a chegarem a um nível em que as pessoas que vivem por detrás dos muros tenham confiança em si próprias, se sintam confortáveis nas suas relações com as outras e, acima de tudo, se sintam suficientemente seguras na sua situação para viver sem os muros que as separam. Mas esta é uma decisão que terão de ser elas próprias a tomar. O apoio à criação de confiança nas zonas de «identidade única» tem sido considerado como um meio para alcançar este fim. No entanto, isto pode ter inconvenientes, na medida em que pode contribuir para a separação ajudando os grupos a preocuparem-se unicamente com «os seus». Devido ao facto de uns grupos estarem mais bem preparados do que outros para aproveitar o financiamento, esta situação pode igualmente gerar uma sensação de tratamento desigual entre os diferentes segmentos da sociedade.

6.8.4   Todavia, os progressos no sentido de uma «sociedade partilhada» também foram limitados. Um relatório recente sublinha o elevado custo da segregação, devido, principalmente, à necessidade de duplicar os serviços para servir as comunidades católica e protestante que vivem separadas. Só a segregação dos serviços públicos destinada a responder aos temores e à insegurança da comunidade absorve fundos públicos consideráveis, nomeadamente nos sectores da habitação, saúde e infra-estruturas recreativas e desportivas. No que respeita à educação, apenas 6 % das crianças frequentam escolas com uma população católica/protestante verdadeiramente integrada.

6.8.5   A estabilidade e a prosperidade reforçam-se mutuamente, e os programas de financiamento da UE contribuíram para melhorar as condições sociais e económicas degradadas pelo conflito, cuja degradação, aliás, também contribuía para o agravar. Contudo, a UE nunca esteve em posição de atacar as causas políticas e constitucionais profundamente enraizadas do conflito. Apenas podia abrir caminho a que outros o fizessem e limitar-se a ser um exemplo a seguir.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Pareceres do CESE sobre o Projecto de Comunicação aos Estados-Membros que estabelece as directrizes para uma iniciativa no âmbito do programa especial de apoio à paz e à reconciliação na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da República da Irlanda, COM (1995) 279 final; JO L 155 de 21.6.1995 e JO C 236 de 11.9.1995.


III Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008

30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/109


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à simplificação das condições das transferências de produtos relacionados com a defesa, na Comunidade

COM(2007) 765 final — 2007/0279 (COD)

2009/C 100/17

Em 29 de Janeiro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à simplificação das condições das transferências de produtos relacionados com a defesa, na Comunidade.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 1 de Outubro de 2008, sendo relator Marius Eugen OPRAN.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 39 votos a favor, 1 voto contra e 16 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A garantia de segurança é a principal obrigação de qualquer Governo. Pode concluir-se que, no espaço europeu, nenhum Estado-Membro individual pode estar seguro, pelo que se torna necessário desenvolver esforços comuns e concertados para assegurar um controlo adequado do fluxo de material de guerra ou, de modo mais geral, de equipamentos de defesa.

1.2   Por conseguinte, a solução preconizada pelo Comité é um quadro comum europeu de segurança e não a preservação de barreiras intracomunitárias, com todas as suas consequências perniciosas. Naturalmente que devemos ter em consideração que a actual Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD — Título V do Tratado UE) revestem uma natureza intergovernamental, ao passo que a iniciativa da Comissão no sentido de simplificar as transferências intracomunitárias é realizada ao abrigo do primeiro pilar da Comunidade (no âmbito da legislação do mercado interno).

1.3   Percepção dos encargos da transferência

1.3.1   O sector da indústria considera a actual moldura jurídica imperfeita e desadequada, o que se agrava pelo facto de implicar pesados encargos administrativos.

1.3.2   Quando se manifesta contra os obstáculos às transferências, a indústria tem uma visão ainda mais globalizante do que a perspectiva intracomunitária. A globalização é uma realidade ao nível do fabrico de equipamentos de defesa, pois poucos sistemas complexos são 100 % europeus e todos incluem, pelo menos, alguns componentes originários de países terceiros.

1.3.3   Não obstante esta visão globalizante, o sector da indústria considera que a iniciativa da Comissão é um importante passo em frente e, de um modo geral, apoia-a.

1.4   Impacto dos custos

1.4.1   Calcular os custos dos obstáculos às transferências intracomunitárias com rigor é um processo extremamente árduo, pois apenas um número reduzido desses custos são publicados e a maioria são custos decorrentes de «não fazer as coisas bem» ou «de não as fazer de todo» (1). Em relação ao ano de 2003, calcula-se que os custos anuais dos obstáculos às transferências intracomunitárias ultrapassaram 3,16 mil milhões de euros, repartidos da seguinte forma (fonte: estudo UNYSIS):

   Custos indirectos: 2,73 mil milhões de euros

   Custos directos: 0,43 mil milhões de euros

1.4.2   Modo geral, os custos são classificados como segue:

a)

Custos directos — encargos estruturais e processuais derivados da execução dos processos de concessão de licenças propriamente ditos;

b)

Custos indirectos (2) — encargos relacionados, em particular, com a organização pouco optimizada da indústria (por exemplo, obstáculos à subcontratação) e com as práticas de compras pouco optimizadas dos Estados-Membros (por exemplo, acumulação excessiva de existências devido à demora dos procedimentos de autorização no Estado-Membro fornecedor).

1.5   O Comité considera prioritária a adopção pelos Estados- -Membros de um quadro comum de instrumentos para a gestão das transferências intracomunitárias. No respeitante ao âmbito de aplicação da proposta de directiva, a Lista Militar Comum da União Europeia, que deve ser sujeita a uma actualização regular, já utiliza uma nomenclatura comum.

1.6   O Comité apoia a proposta da Comissão que insta os Estados-Membros a introduzirem a opção de emissão de licenças globais e gerais, bem como a publicação de, pelo menos, duas licenças gerais:

1.6.1   Uma licença geral que abranja o equipamento militar (bem como as peças sobresselentes e os serviços conexos relacionados com a manutenção) para as forças armadas de todos os Estados-Membros;

1.6.2   Uma licença geral que abranja as transferências de componentes para empresas certificadas (3).

1.7   Embora assegurando a total discrição dos Estados-Membros em relação às exportações extracomunitárias das empresas localizadas nos seus territórios, complementada pela coordenação no quadro do COARM (Grupo de Trabalho do Conselho sobre a Exportação de Armas Convencionais), o Comité considera que a directiva deve apresentar garantias suficientes que promovam a confiança mútua entre os Estados-Membros em matéria de eficácia do controlo das exportações.

1.8   A proposta de directiva frisa que uma empresa destinatária de produtos relacionados com a defesa não deverá em seguida exportá-los para um país terceiro em violação de eventuais restrições à exportação estipuladas pelo Estado-Membro de origem numa licença de transferência.

1.9   No entanto, após a integração de componentes num produto, de modo a garantir que o componente integrado não possa ser posteriormente transferido, os Estados-Membros devem evitar manter restrições à exportação separadas.

1.10   O Comité considera que a avaliação do impacto que acompanha a proposta abrange os 27 Estados-Membros e, por conseguinte, é um útil complemento ao estudo elaborado pela UNISYS em 2005.

1.11   O Comité considera que a proposta de directiva trará importantes benefícios à cooperação industrial na Europa e ao desenvolvimento da competitividade das indústrias de defesa europeias e, assim, recomenda a sua adopção sujeita ao cumprimento das observações aqui formuladas.

2.   Recomendações e propostas

2.1   O Comité está fortemente convicto de que os princípios propostos pela Comissão para simplificar a transferência intracomunitária de produtos relacionados com a defesa através de instrumentos comuns de concessão de licenças, bem como para promover a confiança mútua entre os Estados-Membros em matéria de eficácia do respectivo controlo das exportações, se traduzirão em vantagens significativas e numa notável simplificação deste sector complexo.

2.2   O Comité apoia vivamente a exclusão da política de exportação da directiva, a qual deve continuar a ser da competência dos Estados-Membros e matéria de cooperação internacional, por exemplo, no contexto do código de conduta do Conselho relativo às exportações.

2.3   O Comité salienta que a proposta de directiva contemplará a responsabilidade da empresa em matéria do cumprimento de eventuais limitações à exportação estipuladas numa licença de transferência. No caso de restrições à exportação em vigor noutro Estado-Membro fornecedor de componentes, a responsabilidade pelo cumprimento dessas restrições cabe à empresa que apresenta o pedido de licença de exportação. Essa empresa é responsável por garantir o cumprimento das limitações à exportação pertinentes, certificando-se de que os dossiês de exportação são apresentados à autoridade nacional que irá emitir a licença de exportação final em conformidade com quaisquer restrições em vigor.

2.4   A posição oficial do Comité sobre as transferências de carácter sensível da União Europeia para países terceiros (4) é a seguinte:

2.4.1   Nos casos em que uma licença de transferência diz respeito a subsistemas de carácter não sensível ou a componentes para integração em sistemas mais vastos de modo a evitar que possam em seguida ser transferidos ou mesmo exportados para países terceiros, bastaria que os Estados-Membros solicitassem ao destinatário declarações de incorporação em vez de criarem restrições à exportação separadas.

2.4.2   A reexportação para países terceiros não deverá ter lugar sem o consentimento do Estado-Membro de origem.

2.4.3   Uma empresa destinatária de produtos relacionados com a defesa não deverá em seguida exportá-los para um país terceiro em violação de eventuais restrições à exportação estipuladas pelo Estado-Membro de origem numa licença de transferência.

2.4.4   Deveria caber aos Estados-Membros não só prescrever como também verificar regularmente se os fornecedores estabelecidos nos Estados-Membros mantêm registos das transferências efectuadas.

2.4.5   Os fornecedores devem aceitar a responsabilidade de informar o respectivo Estado-Membro da destinação final, caso esta seja conhecida antes da transferência.

2.4.6   O período de certificação deve ser encurtado de modo a permitir uma maior responsabilidade dos processos de certificação.

2.4.7   Simultaneamente, dever-se-ia prolongar o acesso aos registos dos fornecedores pelas autoridades dos Estados-Membros, no intuito de tornar o processo mais transparente e alargar o tempo para investigação de eventuais falhas na legislação ou regulamentação transposta.

2.5   O Comité propõe, neste contexto, que sejam utilizados os recursos já existentes ao nível nacional. As administrações nacionais responsáveis pela emissão e gestão dos certificados já supervisionam as empresas do sector da defesa localizadas nos respectivos territórios e, por conseguinte, têm capacidade para realizar investigações e auditorias.

2.6   A fim de tirar o máximo partido da cooperação industrial e da criação do mercado interno, o Comité considera que deve ser atingido um nível elevado de harmonização.

2.7   O Comité realça, neste contexto, que a proposta de directiva deve estabelecer uma preferência por regimes de licenças gerais e globais, restringindo as licenças individuais aos casos específicos em que continuem a ser necessárias.

2.8   Por agora, o Comité considera que a actual «Lista Militar Comum da União Europeia» deve ser a «nomenclatura comum» na qual se baseará a gestão das transferências intracomunitárias de equipamentos relacionados com a defesa no próximo período.

2.9   A fim de evitar problemas de interpretação e aplicação, o Comité considera que a Lista Militar Comum da União Europeia deve ser utilizada e actualizada com periodicidade anual, utilizando definições gerais respeitantes ao tipo de equipamento ao qual as novas regras serão aplicáveis, de modo a que a mesma seja reconhecida como uma lista de grande qualidade no domínio do armamento, das munições e do material de guerra, bem como dos serviços e trabalhos conexos, incluindo equipamento de TI e aplicações informáticas específicos.

2.10   Em paralelo, o Comité sublinha o facto de a Comissão revelar nas suas iniciativas sensibilidade para os efeitos da globalização na Europa, em particular para a indústria da defesa, com o objectivo primordial de reforçar as capacidades de defesa da Europa.

2.11   O Comité recomenda vivamente que a Comissão promova o acompanhamento das infracções, nos termos do Tratado, no domínio específico da proposta de directiva, utilizando as capacidades profissionais de um painel multinacional de peritos a criar para o efeito.

2.12   No que diz respeito à proposta de criação de uma base de dados central sobre transferências intracomunitárias contemplada no estudo da Unisys, o Comité considera que esta ideia não está em conformidade com a prática habitual e deve ser afastada.

2.13   O Comité considera que a transparência entre os Estados- -Membros da UE deve também incluir o intercâmbio entre as autoridades competentes de informações sobre as vendas de produtos ou tecnologias transferidas dentro dos destinos da UE, tendo em vista a eliminação de eventuais faltas, discriminações e/ou corrupção.

3.   Observações na especialidade

3.1   Em matéria de regulamentos e processos nacionais:

3.1.1   A legislação dos Estados-Membros define dois tipos de produtos: «militar» e «dupla utilização», cujas licenças são muitas vezes concedidas por duas autoridades diferentes; os produtos de dupla utilização e os bens militares não devem ser considerados em conjunto.

3.1.2   Os produtos de dupla utilização destinam-se a fins civis, mas são controlados por poderem ter algumas aplicações militares ou, em particular, aplicações não militares sensíveis, como seja a segurança. O Regulamento (CE) n.o 1334/2000 estabelece o regime de controlo destes produtos, determinando que as exportações para países terceiros estejam sujeitas a licenças individuais, globais ou gerais. Em contrapartida, em conformidade com o princípio do mercado interno da livre circulação de bens, as transferências intracomunitárias de produtos de dupla utilização estão isentas de licenças, excepto no caso dos mais sensíveis, como os produtos nucleares.

3.1.3   Os produtos de defesa destinam-se a fins militares. Não existe actualmente um quadro comunitário que regule a sua circulação no mercado interno, e as transferências deste tipo de produtos são impedidas por legislações nacionais heterogéneas e requisitos de licenças desproporcionados. São muito poucos os Estados-Membros que adoptaram regimes de licenças globais e somente um utiliza licenças gerais com carácter regular. A maioria das transferências intracomunitárias continua sujeita a licenças individuais, e as empresas com cadeias de abastecimento que abrangem vários Estados-Membros não conseguem optimizar essas cadeias de abastecimento devido à heterogeneidade dos regimes de licenças nos Estados-Membros fornecedores.

3.1.4   Todos os Estados-Membros são consensuais no que toca à operacionalização do regulamento relativo à «dupla utilização», o qual é juridicamente vinculativo e se enquadra no primeiro pilar da UE (5).

3.1.5   Os Estados-Membros adoptaram e aplicam diferentes listas de munições para produtos militares, bem como a Lista Militar Comum do Conselho utilizada no quadro do Código de Conduta da UE relativo à Exportação de Armas. Muitos Estados-Membros fazem referência a essas listas nas suas legislações nacionais, ao passo que outros utilizam listas próprias (6).

3.1.6   Através da criação do acordo-quadro (também conhecido por Carta de Intenções), os seis maiores países produtores de armas da Europa (7) estabeleceram regras de cooperação em matéria de transferências e exportações para programas de cooperação, que estão fora do enquadramento da UE.

3.1.7   A iniciativa da Comissão está, portanto, limitada às transferências intracomunitárias, continuando as exportações para países terceiros a ser abrangidas pelos regimes de licenças de exportação existentes.

4.   Ameaças e obstáculos

4.1   Do ponto de vista da legislação aplicável, importa abordar os aspectos seguintes:

4.1.1   A variedade de legislação;

4.1.2   As diferenças entre as legislações nacionais.

4.2   Do ponto de vista da administração responsável, deverá ser dada atenção aos seguintes elementos:

4.2.1   O elevado número de autoridades diferentes incumbidas do tratamento dos pedidos de licenças para transferências intracomunitárias (11 tipos de administrações, que diferem conforme o país);

4.2.2   Em alguns países (HU, PL, IE, FR, CH, CZ, PT), o exportador é obrigado a ter licenças/autorizações adicionais para poder requerer uma licença de exportação/importação/trânsito.

4.2.3   No que diz respeito ao princípio de contrapartida justa (ou de compensação), frequentemente posto em prática, os Estados-Membros revelam geralmente interesse nele por motivos que se prendem com a indústria e com o emprego, mas também porque — em parte como consequência das actuais práticas de transferência intracomunitárias — os parceiros da UE não proporcionam uma efectiva segurança de abastecimento (o que justifica a preferência por produtos nacionais, que não estão sujeitos às licenças de transferência de outros Estados-Membros).

5.   Medidas para remover os obstáculos às transferências intracomunitárias

5.1   No que diz respeito às transferências, qualquer melhoria do mercado de defesa da UE deve ser organizada de acordo com uma série de prioridades fundamentais:

5.1.1   Segurança: a simplificação das transferências e a confiança mútua são indissociáveis. Actualmente, a realidade europeia demonstra que essa confiança é desigual. A simplificação das transferências necessita de ser acompanhada de medidas que fomentem a confiança. O combate ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição maciça é uma prioridade para todos os Estados-Membros da UE, que passa pelo reforço do controlo da disseminação de armas para países terceiros através da garantia do respeito das restrições à exportação estabelecidas pelos Estados-Membros de acordo com as políticas na matéria.

5.1.2   Regime simplificado de licenças: as licenças são uma expressão tangível da responsabilidade dos Estados-Membros no comércio de armas. Além disso, as licenças também ajudam a estabelecer eventuais restrições à utilização e ao destino final dos produtos. Dado que a responsabilidade deve continuar a caber aos Estados-Membros, deve ser mantido o sistema de licenças nacionais. A simplificação poderia, portanto, advir da desburocratização e harmonização das licenças, o que também contribuiria para aumentar a previsibilidade do processo para a indústria. Deve facilitar a consolidação da Base Tecnológica e Industrial da Defesa Europeia (DTIB), sujeitos às mesmas regras e facilitando o acesso – especialmente para as PME — ao mercado pan-europeu de oportunidades e parcerias.

5.1.3   Harmonização das obrigações jurídicas: deve incluir as obrigações jurídicas das empresas deste sector, para além dos procedimentos de transferência de produtos relacionados com a defesa. Para tal é absolutamente necessário prosseguir com a harmonização no domínio do mercado europeu de equipamentos de defesa (ou seja, estabelecer um quadro comum para o controlo dos bens).

5.1.4   Criação de um quadro de paz: todas as actividades comerciais neste sector devem ter em devida consideração o princípio de que os produtos de defesa e a dupla utilização não podem pôr em causa nem contrariar a promoção dos valores democráticos e a criação de um quadro de paz que a UE fomenta.

5.2   O novo sistema intracomunitário poderá ter um duplo impacto sobre as exportações:

dá aos Estados-Membros oportunidade de serem consultados em caso de exportação dos seus produtos relacionados com a defesa, a não ser que integrados como componentes num sistema mais complexo;

a certificação promoverá a participação activa das empresas nas decisões dos Estado-Membros em matéria de política de exportação, que são já coordenadas no contexto do Código de Conduta, proporcionando maior segurança no que toca à prevenção de riscos contra exportações ilegais.

6.   Conclusões

6.1   O Comité está em crer que a Comissão, ao apresentar a Comunicação intitulada «Uma estratégia para uma indústria da defesa europeia mais forte e mais competitiva» e as propostas de directiva sobre a «Coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços nos domínios da defesa e da segurança» e sobre a «Simplificação das condições das transferências de produtos relacionados com a defesa, na Comunidade», lançou uma importante iniciativa para permitir o reforço da defesa europeia e do mercado da segurança. Posto isto, insta o Parlamento Europeu e o Conselho a apoiarem esta iniciativa através de uma abordagem capaz de fazer avançar a Política Europeia de Segurança e de Defesa.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  No seu estudo intitulado «A single European market for defence equipment: organisation and collaboration», o professor Keith Hartley apresenta quatro «cenários de liberalização», que permitem anualmente poupanças significativas entre os 3,8 mil milhões de euros e os 7,8 mil milhões de euros.

(2)  Um elemento crucial para explicar os custos indirectos é a falta de uma segurança do abastecimento efectiva para os Estados-Membros que contratam os serviços de um fornecedor localizado noutro Estado-Membro.

(3)  Segundo a proposta da Comissão, a certificação está ligada à recepção de produtos que sejam abrangidos por licenças gerais e não por licenças globais. Como é natural, as empresas certificadas também podem obter alguns componentes de defesa específicos ao abrigo de licenças globais (os componentes não elegíveis para as licenças gerais nacionais).

(4)  Entende-se por «país terceiro» qualquer país que não seja membro da União Europeia.

(5)  Regulamento (CE) n.o 1334/2000, de 22 de Junho de 2000, que cria um regime comunitário de controlo das exportações de produtos e tecnologias de dupla utilização.

(6)  União Europeia 1998, «Código de Conduta da UE relativo à Exportação de Armas», 25 de Maio — http://ue.eu.int/Newsroom/

(7)  FR, UK, DE, ES, IT, SE.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/114


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços nos domínios da defesa e da segurança

COM(2007) 766 final — 2007/0280 (COD)

2009/C 100/18

Em 24 de Janeiro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 47.o e dos artigos 55.o e 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços nos domínios da defesa e da segurança

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 1 de Outubro de 2008, tendo sido relator Marius Eugen OPRAN.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 46 votos a favor, 5 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   Um amplo diálogo entre os parceiros sociais

1.1.1.   O Comité nota com grande satisfação que houve peritos dos Estados-Membros e representantes da indústria da defesa, nomeadamente partes interessadas e, pela primeira vez, responsáveis dos parceiros sociais, que desempenharam um papel activo na preparação da presente proposta de directiva e que estiveram estreitamente associados à elaboração do documento adoptado pela Comissão em 5 de Dezembro de 2007. As consultas com os representantes da sociedade civil organizada da UE — a nível multilateral e bilateral — incidiram sobre todas as facetas dos contratos públicos no sector da defesa (procura, oferta, quadro regulamentar e produtos).

1.2.   Restrição da aplicação do «Artigo 296.o»

1.2.1.   O Comité tem a firme convicção (1) de que a solução da Comissão garante de maneira inovadora, com total respeito das prerrogativas dos Estados-Membros em matéria de defesa, a compatibilidade entre, por um lado, a aplicação do artigo 296.o do Tratado (relativo à defesa) e do artigo 14.o da actual directiva sobre os contratos públicos (relativo à segurança) — que autorizam os Estados-Membros a isentar contratos respeitantes a esses domínios sempre que o considerem necessário para proteger os seus interesses essenciais em matéria de segurança — e, por outro lado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu e a sua recomendação expressa no sentido de se restringir a casos excepcionais apenas a isenção de contratos públicos no sector da defesa da aplicação das normas comunitárias (2).

1.2.2.   A proposta de directiva relativa aos contratos públicos no sector da defesa visa reduzir o número de casos em que os Estados-Membros invocam o artigo 296.o, visto que as normas comunitárias em vigor em matéria de adjudicação de contratos públicos não são consideradas adaptadas às especificidades das armas, munições e material de guerra.

1.2.3.   O artigo 296.o permanecerá em vigor, o que significa que os Estados-Membros ainda poderão continuar a invocá-lo sempre que o nível de sensibilidade ou confidencialidade dos contratos seja tal que nem mesmo as disposições da nova directiva são suficientes para proteger os seus interesses em matéria de segurança. Existe pois uma relação estreita entre a nova directiva e o artigo 296.o

1.2.4.   Por razões de coerência entre o direito primário da UE (o Tratado) e o seu direito derivado (a directiva), ambos os instrumentos devem ter o mesmo âmbito de aplicação. Caso contrário, gerar-se-ia insegurança jurídica.

1.3.   A confusão actual criada pela existência paralela e pela utilização aleatória de duas «listas militares» activas pelas autoridades adjudicantes dos Estados-Membros e da indústria deve ser eliminada o mais rapidamente possível, optando por uma lista comum válida para todos os processos de adjudicação de contratos e de negociação. Uma solução óptima poderia consistir em adoptar e utilizar uma lista militar comum para todos os âmbitos de aplicação abrangidos pelas duas novas directivas propostas pela Comissão. De momento, as duas principais opções existentes são as seguintes:

1.3.1.   Opção 1: Continuar a utilizar a «Lista de 15 de Abril de 1958» para estas actividades, essencialmente por razões de continuidade. Esta lista parece familiar e facilmente acessível aos utilizadores que já têm experiência na matéria; ao mesmo tempo, é evidente que a versão actual desta lista é demasiado geral e o seu âmbito demasiado amplo; não foi actualizada desde a sua adopção, há 50 anos, e não abrange todas as novas tecnologias necessárias para fazer face a ameaças muito reais e complexas;

1.3.2.   Opção 2: Começar a utilizar a «Lista Militar Comum da UE», adoptada pelo Conselho em 19 de Março de 2007 e actualizada em 10 de Março de 2008, que inclui o equipamento abrangido pelo «Código de Conduta da UE sobre as Exportações de Armas», adoptado pelo Conselho em 7 de Julho de 2000; este último também será aplicado à nova directiva relativa às transferências intracomunitárias de produtos relacionados com a defesa.

1.4.   O artigo 296.o ainda será válido em casos especiais (3)

1.4.1.   O Comité não ficou convencido com as medidas adoptadas pela Comissão no sentido de não reproduzir, na nova directiva, o artigo 14.o da Directiva 2004/18/CE em vigor relativa aos contratos públicos (contratos secretos), e de optar, em vez disso, por uma remissão expressa para os artigos do Tratado que se referem à segurança pública e que são relevantes para o efeito (em especial os artigos 30.o e 296.o). Isto poderá causar confusão para as entidades adjudicantes, pois será difícil determinar o que é considerado pertinente e o que não é.

1.4.2.   Uma vez que a maior parte dos contratos públicos respeitantes a equipamento sensível nos domínios da defesa e da segurança contêm informação de natureza secreta ou confidencial, a Comissão decidiu incluir na nova directiva disposições específicas em matéria de segurança da informação. A exclusão explícita de todos os «contratos secretos» e de todos aqueles que «exigem medidas especiais de segurança», sem uma definição prévia, poderia reduzir drasticamente o âmbito de aplicação da nova directiva, correndo-se o grave risco de alterar radicalmente a natureza da proposta.

1.4.3.   Por um lado, o Comité aprova a abordagem proposta pela Comissão, que estabelece dois planos distintos para resolver esta questão sensível:

os contratos secretos não devem ser excluídos per se do âmbito de aplicação da nova directiva, mas…

se necessário, os Estados-Membros poderão isentá-los;

E considera que o procedimento proposto pela Comissão constitui uma solução que não é irrazoável para todas as partes envolvidas; por outro lado, recomenda igualmente que sejam incluídos os elementos apropriados do artigo 14.o da directiva-geral sobre os contratos públicos na directiva sobre os contratos públicos no âmbito da defesa, como componente apropriada.

1.5.   Um quadro jurídico para a adjudicação de contratos públicos

1.5.1.   Segundo a avaliação do Comité, a nova directiva está perfeitamente adaptada às características dos processos de adjudicação de contratos públicos (de empreitada, de fornecimento ou de serviços) (4) nos domínios da defesa e da segurança, pelas seguintes razões:

1.5.1.1.   Os contratos respeitantes a armas, munições e material de guerra celebrados por entidades adjudicantes são excluídos do âmbito de aplicação do Acordo sobre Contratos Públicos concluído no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC);

1.5.1.2.   Existe um só contratante em cada Estado-Membro, que é o respectivo governo (5);

1.5.1.3.   É imperativo garantir a segurança dos aprovisionamentos a longo prazo (6);

1.5.1.4.   É necessário proporcionar aos Estados-Membros uma ampla margem de manobra nos processos de adjudicação de contratos.

1.5.2.   Quanto à I&D, o Comité reconhece que os mecanismos do mercado e os procedimentos de adjudicação nem sempre constituem uma solução realista, tendo em conta que são os próprios Estados-Membros que realizam uma parte deste trabalho e que frequentemente estabelecem relações a longo prazo com institutos tecnológicos e de investigação e com a indústria, para desenvolver os sistemas de que carecem as suas forças armadas.

Estas relações podem assumir a forma de um desenvolvimento em espiral ou de outros mecanismos para garantir a continuidade e o crescimento do processo de desenvolvimento.

O Comité considera que a formulação actual do projecto de directiva não reflecte suficientemente estas realidades e receia as consequências negativas para os Estados-Membros e a indústria se for necessário proceder a um corte artificial entre a I&D e o processo de produção.

1.6.   «Comprar europeu» — Uma decisão individual de cada Estado-Membro

1.6.1.   Quanto à proposta de evitar o princípio de privilegiar as «compras europeias»/de preferência europeia ou qualquer cláusula de reciprocidade, o Comité considera a abordagem da Comissão aceitável para os Estados-Membros, tendo em conta os seguintes aspectos:

1.6.1.1.   A directiva estabelecerá as regras para as aquisições de equipamento de defesa, mas não determinará qual o equipamento que deve ser adquirido. Essa decisão cabe ao comprador, ou seja, aos Estados-Membros;

1.6.1.2.   Em conformidade com o Acordo sobre Contratos Públicos (ACP), continua a ser a prerrogativa dos Estados-Membros decidir quanto à abertura da concorrência aos fornecedores de países que não pertencem à UE;

1.6.1.3.   As entidades adjudicantes poderão optar por convidar exclusivamente empresas da UE ou abrir igualmente o procedimento às empresas de países terceiros;

1.6.2.   Em suma, o Comité considera que formular uma preferência europeia não é sinónimo de proteccionismo, mas constitui sobretudo uma etapa necessária na óptica de um «reequilíbrio» da cooperação internacional no âmbito da indústria e da tecnologia de defesa, especialmente no que toca às relações com os Estados Unidos.

1.7.   Comércio com os países terceiros

1.7.1.   No que se refere ao comércio de produtos de defesa com países terceiros, o Comité considera que a nova directiva não vai alterar a situação actual e constitui uma solução correcta.

1.7.2.   Este domínio continuará a reger-se essencialmente pelas normas da OMC e, em particular, pelo Acordo sobre Contratos Públicos (ACP).

1.8.   Criação do MEED — o Mercado Europeu dos Equipamentos de Defesa

1.8.1.   O Comité entende que a nova directiva representa um passo importante no sentido da criação do MEED, que é alvo de muita expectativa, pelas razões seguintes:

1.8.1.1.   A abertura do mercado interno aos produtos de defesa melhorará a competitividade do MEED.

1.8.1.2.   O Comité considera que a introdução de regras de adjudicação de contratos públicos transparentes, competitivas e aplicáveis em toda a União é fundamental para estabelecer com êxito o MEED, o que se traduzirá por uma maior abertura dos mercados de defesa entre os Estados-Membros em benefício de todos: das forças armadas, dos contribuintes e da indústria.

1.9.   Política de contrapartidas  (7)

1.9.1.   A Comissão evitou apresentar propostas concretas e directas em matéria de contrapartidas, pois considera que isto seria contraproducente e perturbaria os mecanismos do mercado; no entanto reconhece que há pontos de vista divergentes sobre o assunto.

1.9.2.   De facto, os Estados-Membros e a indústria têm experiências diferentes e não têm uma percepção homogénea deste instrumento. A Agência Europeia de Defesa (AED) está actualmente a analisar as possibilidades de conjugar estas diferentes abordagens e de aproveitar as contrapartidas, enquanto existem, para desenvolver a Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia (BTIDE). A agência reconhece no entanto que num MEED eficaz esta prática já não é necessária.

2.   Propostas

2.1.   O Comité recomenda vivamente que todas as iniciativas da UE nos domínios da defesa e da segurança sejam adoptadas ao mais alto nível político, ou seja ao nível do Conselho Europeu, do Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e do Comité Director da Agência Europeia de Defesa reunido ao nível ministerial (CDNM-AED).

2.2.   O Comité considera que as instituições europeias devem concentrar o seu apoio nos principais objectivos da indústria da defesa, a saber:

2.2.1.   Melhorar o desempenho e a competitividade da BTIDE num contexto global, para permitir a identificação tempestiva dos verdadeiros objectivos industriais e militares de grande interesse, tanto para as grandes empresas como para as PME;

2.2.2.   Dar visibilidade internacional aos principais programas deste sector importante da indústria;

2.2.3.   Apoiar os investimentos actuais e futuros no desenvolvimento de tecnologias inovadoras;

2.2.4.   Garantir o emprego na indústria da defesa ao nível da UE, pois a manutenção dos recursos humanos, ou seja, do corpo profissional de empregados qualificados deste sector, é uma das principais condições do seu crescimento sustentável e do desenvolvimento e aplicação de tecnologias de ponta;

2.2.5.   Incentivar o sector, criando condições de concorrência idênticas para todos os intervenientes, em particular, através da eliminação da interferência do Estado nas actividades das empresas;

2.2.6.   Encorajar as iniciativas da Agência Europeia de Defesa, que deve ter condições para desempenhar um papel de catalisador das iniciativas adoptadas por um ou por vários Estados-Membros. A AED pode contribuir para alargar o círculo dos Estados-Membros que participam nos programas como, por exemplo, no caso do futuro helicóptero europeu de transporte pesado, das aeronaves não tripuladas (ANT) e dos radiocomputadores tácticos.

2.3.   O Comité recomenda que o Conselho Europeu, o Alto Representante para a PESC e o CDNM-AED avaliem, adoptem e publiquem a lista final dos equipamentos e dos produtos de defesa que devem ser utilizados por todos os participantes da UE no MEED e na BTIDE, escolhendo uma das opções seguintes:

2.3.1.   Continuar a utilizar a «Lista de 1958», essencialmente por razões de continuidade, embora seja demasiado geral e de âmbito demasiado amplo, e de nunca ter sido actualizada desde que foi adoptada há 50 anos;

2.3.2.   Substituir a antiga lista que ainda se encontra em vigor pela «Lista Militar Comum da UE», adoptada pelo Conselho em 19 de Março de 2007 e actualizada em 10 de Março de 2008, que inclui o equipamento abrangido pelo «Código de Conduta da UE sobre as Exportações de Armas», adoptado pelo Conselho em 7 de Julho de 2000 e que passou a ser designada por «Lista Militar Comum da UE». Já foi adoptado o mesmo código europeu para efeitos da nova directiva relativa às transferências intracomunitárias de produtos relacionados com a defesa.

2.3.2.1.   O Comité considera que a fusão da versão actualizada da «Lista de 1958», que identifica os equipamentos e as tecnologias sujeitos à derrogação, com a «Lista Militar Comum da União Europeia», tal como se encontra definida no «Código de Conduta da UE sobre as Exportações de Armas», seria uma solução possível.

2.3.3.   O Comité considera que a Agência Europeia de Defesa deveria ser uma das principais forças motrizes deste sector, actuando como fórum de debate intergovernamental sobre o futuro da indústria de defesa, a I&D no âmbito da defesa e a expansão da Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia (BTIDE).

2.3.4.   Ao mesmo tempo, o Comité reconhece a competência da Comissão Europeia e o papel de relevo que esta instituição desempenha no âmbito dos contratos públicos e na criação e reforço da Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia, e considera que a experiência da Comissão Europeia será útil para o seu esforço de reestruturação e desenvolvimento da indústria de defesa dos Estados-Membros.

2.3.5.   O Comité reconhece a importância de ter em conta os interesses e as propostas da indústria de defesa no processo de desenvolvimento de uma política europeia no domínio do equipamento de defesa. No entanto, o Comité entende que as actividades da AED podem ser consideravelmente melhoradas graças à aceitação de uma participação oficial mais estreita dos representantes da indústria de defesa e dos peritos profissionais não-governamentais nos trabalhos das direcções da AED. Estes representantes e peritos (membros da sociedade civil organizada) devem ser representados no comité director da AED, sob reserva de disposições a estabelecer em termos, entre outros, de estatuto, de direito a uso da palavra e de direito a voto.

2.3.6.   Relativamente, uma vez mais, à aplicação do Código de Conduta sobre Contratos Públicos de Defesa, o Comité reconhece que todos os Estados-Membros da UE e países europeus membros da OTAN devem ter a possibilidade de participar em programas de cooperação na medida em que as suas capacidades financeiras, industriais e tecnológicas o permitam, e que devem ser devidamente considerados os interesses dos «pequenos e médios» estados.

2.4.   Para efeitos de avaliação estatística e para dispor de um modelo de referência adequado, o Comité considera que a Comissão deveria apresentar periodicamente um relatório intercalar sobre os progressos realizados em matéria de aplicação da directiva, estruturado tanto ao nível nacional como ao nível comunitário.

2.5.   O Comité considera que o âmbito de aplicação da directiva proposta deve ser alargado a todo o Espaço Económico Europeu (EEE).

3.   Generalidades

3.1.   Situação actual

3.1.1.   Muitos Estados-Membros valem-se de uma interpretação extensiva dos artigos 296.o do Tratado CE (8) e 14.o da directiva sobre os contratos públicos (2004/18) para isentar quase automaticamente da aplicação das normas comunitárias as aquisições de equipamento militar e de segurança. Por outras palavras: «Muitas vezes, o que deveria ser excepção é, de facto, a regra».

3.1.2.   A actual legislação europeia relativa aos contratos públicos não dispõe de um quadro adequado para a adjudicação de contratos públicos sensíveis nos domínios da defesa e da segurança.

3.1.3.   O recurso a normas não harmonizadas dificulta a cooperação no âmbito de programas de I&D, aquisição e produção.

3.1.4.   Do ponto de vista da procura, o facto de haver 27 compradores nacionais torna muito difícil conciliar os respectivos requisitos militares e agregar o seu poder de compra, comprometendo a viabilidade de projectos comuns de aquisição.

3.1.5.   Ao nível da UE, um quadro regulamentar composto por 27 diferentes conjuntos de regras e procedimentos nacionais para todos os domínios pertinentes (exportações, transferências, contratos públicos, etc.) torna-se um importante obstáculo em matéria de concorrência e de cooperação e gera custos adicionais consideráveis (9).

3.1.6.   A criação de um MEED é um factor decisivo para a realização dos objectivos da Política Europeia de Segurança e de Defesa.

3.2.   A convergência «defesa-segurança»

3.2.1.   O Comité acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão de integrar os contratos públicos sensíveis no domínio da segurança não militar no âmbito de aplicação da nova directiva, tendo em conta que:

3.2.1.1.   No contexto estratégico actual, as ameaças tornaram-se transnacionais e assimétricas (10) e a fronteira entre as diversas facetas da segurança — militar/não militar, interna/externa — é cada vez mais difusa, o que postula uma resposta global;

3.2.1.2.   As forças armadas e os serviços de segurança trabalham frequentemente em estreita colaboração e utilizam equipamentos semelhantes, que são desenvolvidos graças às mesmas tecnologias e são produzidos pelas mesmas empresas;

3.2.1.3.   Em certos domínios — como a luta contra o terrorismo – os contratos públicos não militares podem ser tão sensíveis como os contratos públicos militares, exigindo por isso medidas de segurança idênticas ou mesmo mais elevadas durante o processo de adjudicação;

3.2.1.4.   Nos casos em que os contratos públicos nos domínios da segurança e da defesa apresentam as mesmas características, parece perfeitamente lógico aplicar as mesmas regras de adjudicação de contratos;

3.2.2.   O Comité considera, além disso, que a melhor solução consiste em dispensar o mesmo tratamento a todas as instituições europeias com responsabilidades no domínio da defesa, da segurança interna e dos serviços de informações.

3.3.   Introdução de soluções inovadoras

3.3.1.   Para dar satisfação às pretensões específicas do sector, a nova directiva propõe três procedimentos para efeitos de concorrência, bem como uma perspectiva pragmática:

o procedimento negociado com publicação prévia de um anúncio (11) de concurso é autorizado sem necessidade de justificação especial;

o procedimento limitado  (12) e o diálogo concorrencial podem igualmente ser utilizados (13);

em contrapartida, o procedimento aberto, que implica a distribuição do caderno de encargos a qualquer operador económico que o pretender, foi considerado inadaptado às exigências de confidencialidade e segurança da informação próprias destes contratos.

3.3.1.1.   Estão incluídas nos procedimentos disposições específicas respeitantes à segurança das informações (14), para garantir que as informações sensíveis se mantêm protegidas contra qualquer acesso não autorizado.

3.3.1.2.   A inclusão, no quadro do procedimento, de cláusulas especiais sobre a segurança do aprovisionamento garantirá que as forças armadas são colocadas à disposição em tempo oportuno, especialmente em situações de crise ou de conflito armado:

a)

o procedimento estabelece um regime comum de garantias próprias que se apoia num método de avaliação comparativa claramente definido;

b)

o Comité considera acertada a decisão da Comissão de apenas incluir no âmbito da nova directiva certos contratos públicos no domínio da defesa e da segurança em relação aos quais a actual directiva sobre os contratos públicos se tem vindo a revelar inadequada;

c)

estes contratos referem-se à aquisição de equipamento militar (ou seja, armas, munições e material de guerra) e de equipamento de segurança especialmente sensível e com características semelhantes às do equipamento de defesa;

d)

os contratos respeitantes a equipamentos não sensíveis e não militares continuam a reger-se pela actual Directiva relativa aos contratos públicos (2004/18), mesmo tendo sido adjudicados pelas entidades competentes no domínio da defesa e da segurança.

3.4.   Elementos em que se apoia a base jurídica da proposta de directiva

3.4.1.   Princípio contributivo: Necessidade de pôr termo a situações de infracção resultantes da inadequação das disposições comunitárias de coordenação dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos actualmente em vigor.

3.4.2.   Princípio da proporcionalidade: Sob reserva de que as disposições da directiva sejam plenamente respeitadas, a sua transposição para o direito nacional permitirá que cada Estado-Membro atenda à especificidade e às características das suas aquisições sensíveis nos domínios da defesa e da segurança.

3.5.   Escolha de instrumentos

3.5.1.   Ao transporem a directiva, os Estados-Membros podem, se assim o desejarem, prever legislação aplicável a todos os seus contratos públicos, incluindo os contratos sensíveis no âmbito da defesa e da segurança.

3.5.2.   O novo instrumento deve proporcionar um elevado grau de flexibilidade, garantir uma transparência suficiente e melhorar o acesso ao mercado dos fornecedores não nacionais e das PME em particular.

3.5.3.   Para surtir todos os efeitos pretendidos, a directiva tem de ser acompanhada por medidas de normalização e por um regime apropriado de circulação intracomunitária.

3.6.   As PME e a indústria europeia de defesa

3.6.1.   Quanto à aplicação prática do código de conduta sobre a adjudicação de contratos públicos no sector da defesa, o Comité sublinha o papel essencial que desempenham os pequenos e médios fornecedores de equipamento e tecnologias de defesa, tanto pelo contributo que fazem para a investigação como para a criação de emprego, ao desenvolverem as capacidades militares nacionais e europeias.

3.7.   Interrogação final

3.7.1.   Como em todas as reformas, o risco é que todos concordem, em princípio, com a necessidade de fazer «alguma coisa», mas não actuem quando for preciso aprovar medidas concretas ou assinar documentos ou acordos que facilitem os progressos neste domínio.

3.7.2.   A questão principal que se coloca é a seguinte: Quanto tempo poderá sobreviver a Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia se a Europa continuar a adiar reformas que são consideradas inevitáveis?

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  No seu parecer, o Comité apresenta a sua posição e nota que: 1) os países que representam o «núcleo duro» da capacidade europeia de defesa em termos económicos, industriais e tecnológicos são favoráveis à manutenção da derrogação nacional em matéria de segurança no quadro do artigo 296.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE); 2) a aplicação do artigo 296.o do TCE é limitada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu.

(2)  A adjudicação de contratos públicos nos domínios da defesa e da segurança está actualmente abrangida pela Directiva 2004/18/CE, salvo nos casos previstos nos artigos 30.o, 45.o, 46.o, 55.o e 296.o do Tratado. O Tribunal de Justiça afirmou sistematicamente, através da sua jurisprudência, que o recurso às derrogações à aplicação do direito comunitário, incluindo as previstas no artigo 296.o do Tratado, deve limitar-se a casos excepcionais e claramente definidos.

(3)  Segundo o Tribunal de Justiça, esta isenção limita-se aos «casos excepcionais e claramente definidos» e «não se presta a uma interpretação extensiva».

(4)  Só podem ser considerados contratos de empreitada de obras públicas aqueles cujo objecto incida especificamente sobre a realização das actividades constantes da divisão 45 do «Vocabulário Comum para os Contratos Públicos» (VCCP).

(5)  Excepto para as aquisições de quantidades insignificantes por empresas de segurança privadas e poderes locais.

(6)  Segurança do aprovisionamento: As necessidades específicas dos Estados-Membros em matéria de segurança de aprovisionamento no âmbito dos contratos públicos sensíveis nos domínios da defesa e da segurança justificam disposições específicas, tanto ao nível das exigências contratuais, como dos critérios de selecção dos candidatos.

(7)  Um procedimento que exige que, no caso de fornecimentos com um valor estimado superior a um montante estabelecido pelo governo do país da entidade adjudicante, o vendedor estrangeiro de equipamentos de defesa se comprometa com uma obrigação global de benefício industrial expresso em termos de uma percentagem mínima do valor acrescentado do país adjudicante, proporcionalmente ao valor total do contrato. As contrapartidas propostas pelo vendedor (fornecedor da contrapartida) à indústria nacional do país adjudicante devem ter um nível tecnológico elevado e devem criar fluxos económicos novos ou adicionais para as empresas locais que beneficiam da contrapartida (beneficiários da contrapartida). O vendedor deve respeitar o seu compromisso económico ao longo de um período bem determinado e razoável, e ser-lhe-á imposta uma sanção pelos compromissos económicos que não tenham sido honrados durante esse período. Os benefícios industriais serão considerados realizados a partir da facturação das prestações pelas empresas beneficiárias durante este período.

(8)  O artigo 296.o do TCE diz o seguinte: «1. As disposições do presente Tratado não prejudicam a aplicação das seguintes regras: a) Nenhum Estado-Membro é obrigado a fornecer informações cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança; b) Qualquer Estado-Membro pode tomar as medidas que considere necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra; tais medidas não devem alterar as condições de concorrência no mercado comum no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares. 2. O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode introduzir modificações nesta lista, que foi fixada em 15 de Abril de 1958, dos produtos aos quais se aplicam as disposições da alínea b) do n.o  1».

(9)  Por exemplo, segundo estimativas, só os custos adicionais criados em 2003 pelos obstáculos às transferências intracomunitárias foram da ordem de 3,16 biliões de euros. Unisys, Intra-Community Transfers of Defence Products (transferências intracomunitárias de produtos de defesa), Comissão Europeia, Bruxelas, 2005, p. 6.

(10)  Comunicação da Comissão Europeia «Defesa Europeia — Questões ligadas à indústria e ao mercado — Para uma política comunitária em matéria de equipamento de defesa» [COM(2003) 113 final, de 11.03.2003]; parecer do CESE publicado no JO n.o C 10, p. 1 de 10/01/2004, relator Wilkinson.

(11)  Os procedimentos em que as entidades adjudicantes consultam os operadores económicos da sua escolha e negoceiam com eles as condições do contrato.

(12)  Os procedimentos em que qualquer operador económico pode solicitar participar, mas em que só os operadores económicos convidados pela entidade adjudicante podem apresentar propostas.

(13)  Uma entidade adjudicante pode limitar o número de candidatos nos procedimentos limitados, nos procedimentos negociados com publicação prévia de um anúncio de concurso e no diálogo concorrencial. Qualquer redução do número de candidatos deve ser efectuada com base em critérios objectivos indicados no anúncio de concurso.

(14)  Segurança da informação: O carácter muitas vezes confidencial das informações associadas aos contratos públicos sensíveis nos domínios da defesa e da segurança impõe: 1. salvaguardas ao nível do próprio processo de atribuição; 2. dos critérios de selecção dos candidatos; e 3. das exigências contratuais impostas pelas entidades adjudicantes.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/120


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante às disposições comuns sobre os instrumentos de medição e os métodos de controlo metrológico (reformulação)

COM(2008) 357 final — 2008/0123 (COD)

2009/C 100/19

Em 8 de Setembro de 2008, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho respeitante às disposições comuns sobre os instrumentos de medição e os métodos de controlo metrológico (reformulação)

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 448. reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro) decidiu por 117 votos a favor com 2 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


30.4.2009   

PT

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C 100/120


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um quadro para definir os requisitos de concepção ecológica dos produtos relacionados com o consumo de energia»

COM(2008) 399 final — 2008/0151 (COD)

2009/C 100/20

Em 10 de Setembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um quadro para definir os requisitos de concepção ecológica dos produtos relacionados com o consumo de energia».

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro ) decidiu, por 113 votos a favor e 1 abstenção, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


30.4.2009   

PT

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C 100/121


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, a Proposta de Regulamento do Conselho que altera os Regulamentos (CE) n.o 320/2006, (CE) n.o 1234/2007, (CE) n.o 3/2008 e (CE) n.o […]/2008 com vista à adaptação da política agrícola comum e a Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER)

COM(2008) 306 final — 2008/0103+0104+0105 (CNS)

2009/C 100/21

Em 18 de Junho de 2008, o Conselho decidiu, nos termos dos artigos 36.o e 37.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores,

a Proposta de Regulamento do Conselho que altera os Regulamentos (CE) n.o 320/2006, (CE) n.o 1234/2007, (CE) n.o 3/2008 e (CE) n.o […]/2008 com vista à adaptação da política agrícola comum e

a Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER)

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 8 de Outubro de 2008, sendo relator Frank VAN OORSCHOT e co-relatores Seppo KALLIO e Hans-Joachim WILMS.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 117 votos a favor, 28 votos contra e 18 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Em 20 de Maio de 2008, a Comissão Europeia publicou propostas com vista à racionalização da política agrícola comum (PAC), a fim de assegurar que a mesma funcione o melhor possível numa União Europeia alargada e num contexto internacional em mudança. Chama-se a isto o «Exame de Saúde».

1.2.   O CESE considera que no debate sobre o Exame de Saúde se deve evidenciar melhor a multiplicidade das tarefas com que a PAC se vê confrontada (p. ex., o modelo agrícola europeu, a segurança alimentar como questão essencial). O CESE sublinha, por isso, a necessidade de uma política agrícola adequada a nível da UE, a curto e a mais longo prazo, que disponha de financiamento suficiente. Parte-se do princípio de que os montantes a atribuir serão, no mínimo, da mesma ordem dos afectados actualmente. A relevância da PAC e a razão de ser de medidas individuais devem ser explicadas de melhor forma aos cidadãos, a fim de evitar um debate permanente sobre o financiamento.

1.3.   O CESE recorda o seu parecer anterior sobre o futuro da PAC, no qual chama a atenção para o facto de que os agricultores estão a atravessar um período de transição difícil. Considera, por isso, que a principal preocupação do Exame de Saúde deverá ser a de tornar mais fácil e mais simples o processo de implementação e responder aos novos desafios no mercado e na sociedade, no respeito do papel multifuncional da agricultura.

1.4.   O CESE é de opinião que continuam a ser necessários pagamentos compensatórios para financiar os diversos serviços prestados pelos agricultores que não são reembolsados através do mercado. Considera também que os pagamentos baseados na produção histórica se tornarão mais difíceis de justificar e que os Estados-Membros deveriam ser autorizados a fazer evoluir os seus pagamentos para uma taxa mais uniforme. Tal deverá sujeitar-se previamente a um amplo debate no quadro da PAC após 2013. Os Estados-Membros deveriam poder definir um período transitório suficiente para não causar dificuldades aos agricultores. As regras da condicionalidade têm de passar a ser menos complexas e tem de se evitar a duplicação dos controlos.

1.5.   O CESE concorda com a continuação da dissociação dos pagamentos, a fim de dar aos agricultores «liberdade para cultivar». Porém, os Estados-Membros não deviam ser obrigados a realizar essa dissociação com vista a preservar sectores ou regiões vulneráveis, velando, no entanto, por não criar distorções de mercado. Apoia os objectivos do «artigo 68.o», apesar de este artigo não ser a solução de todos os problemas. Em alguns casos é necessária maior flexibilidade. Os Estados-Membros deverão analisar meticulosamente as consequências da redistribuição de pagamentos aos agricultores antes da aplicação desta medida.

1.6.   O CESE considera que, em primeiro lugar, se deverá estudar a questão das adaptações ao actual regime de intervenção, em vez dos concursos. Solicita ainda a elaboração de novos instrumentos para a criação de uma rede de segurança sustentável. Além disso, sugere a manutenção do mecanismo de retirada de terras da produção, jogando, porém, com a percentagem de retirada em função das perspectivas do mercado.

1.7.   O CESE solicita que se proceda a uma avaliação mais minuciosa da evolução esperada do mercado de lacticínios e das respectivas repercussões antes que seja tomada a decisão de permitir que as quotas leiteiras cheguem ao seu termo em 2015. O CESE insta com a Comissão para que defina mais concretamente medidas planeadas para manter a produção de lacticínios em regiões vulneráveis e enuncie as suas consequências financeiras e as formas de financiamento previstas. O CESE não poderá dar o seu apoio a um aumento das quotas antes que seja apresentada uma estratégia devidamente estruturada para o efeito. O CESE gostaria que fosse criado um sector leiteiro europeu destinado a adaptar a oferta à procura e manter uma remuneração do produtor, bem como uma densidade de criação de gado, em todo o território europeu. A criação de um tal sector permitiria reequilibrar as relações de força entre os industriais, os produtores, os distribuidores e, inclusivamente, os consumidores.

1.8.   O CESE reconhece os novos desafios referidos pela Comissão Europeia no que respeita ao clima, à água, às energias renováveis e à biodiversidade. É óbvio que tal requer meios financeiros suplementares ao abrigo do segundo pilar. Esse financiamento terá de passar inevitavelmente por uma modulação, uma vez que os meios financeiros existentes já estão destinados a outros fins nos orçamentos até 2013, sendo improváveis novas dotações orçamentais.

2.   Introdução

2.1.   Em 20 de Maio de 2008, a Comissão Europeia publicou propostas de regulamentos do Conselho relativas a várias alterações à política agrícola comum [COM(2008) 306/4]. O principal objectivo deste «Exame de Saúde» é avaliar a execução da reforma da PAC de 2003 e introduzir no processo de reforma os ajustamentos considerados necessários para simplificar ainda mais esta política, permitir-lhe aproveitar as novas oportunidades de mercado e prepará-la para fazer face a novos desafios no mercado e na sociedade.

2.2.   Além do Exame de Saúde, haverá que discutir igualmente o desenvolvimento da PAC após 2013 para dar resposta aos novos desafios enfrentados pela agricultura, a sociedade e a cadeia de valor agrícola.

3.   A situação alimentar mundial em permanente mudança

3.1.   Há trinta anos que os preços dos produtos agrícolas apresentam, em termos reais, uma tendência em baixa. Em 2007, assistiu-se a uma subida repentina e acentuada dos preços de alguns produtos agrícolas de base. As principais razões para essa subida foram a crescente procura a nível global, os níveis baixíssimos das existências e as más colheitas devido às condições climáticas. Esta situação repercutiu-se nos criadores de gado que se confrontaram com o elevado preço das rações. No entanto, os preços dos produtos agrícolas estão a começar novamente a descer. Entre o Outono de 2007 e Abril de 2008, os preços do leite baixaram cerca de 30 % e os do trigo cerca de 20 % (1). A título de exemplo, este facto, conjugado com o aumento dos custos, significa que, segundo as previsões, o rendimento dos produtores de culturas arvenses deverá diminuir entre 16 e 24 %, em 2008. Em termos reais, os preços dos produtos agrícolas de base ainda se mantêm a um nível inferior ao registado durante as crises petrolíferas de 1973 ou 1979 (2).

3.2.   A história destes últimos meses indica claramente que entrámos numa era de volatilidade dos preços agrícolas, o que não é bom nem para o consumidor, confrontado com a subida dos preços dos produtos agrícolas, nem para o agricultor e outros elos da cadeia alimentar, constantemente obrigados a repensar os seus investimentos. É necessário integrar esta situação em todas as reflexões sobre uma futura política agrícola, se quisermos manter o objectivo comunitário da segurança alimentar.

3.3.   Dado o aumento da procura de géneros alimentícios a nível mundial, considera-se improvável que os preços no consumidor regressem ao seu nível anterior no curto a médio prazo, mas prevê-se uma maior volatilidade dos preços no produtor.

3.4.   O impacto do aumento dos preços dos produtos de base nos preços no consumidor é limitado, uma vez que a quota-parte das matérias-primas agrícolas no custo da produção de alimentos é cada vez menor, em comparação com o custo da energia e da mão-de-obra. O custo do trigo, por exemplo, representa apenas 4 % do custo de um pão (3). Acresce que a quota-parte das despesas com a alimentação no total do orçamento doméstico é baixa (cerca de 14 % na UE a 27). O CESE considera que é necessário racionalizar a cadeia alimentar para ir ao encontro dos interesses dos agricultores e dos consumidores (4).

3.5.   A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) deve ser alvo de melhorias, a fim de ser capaz de gerir a alimentação. Após a agricultura ter sido integrada na Organização Mundial do Comércio, assistiu-se a um agravamento das desigualdades entre os agricultores. Importa alterar o modo como se tem vindo a reflectir sobre esta temática, de modo a permitir ao agricultor organizar-se à escala mundial mediante uma reflexão conjunta das organizações mais representativas do sector agrícola nacional e não forçosamente das mais pujantes.

3.6.   O CESE é de opinião que o Exame de Saúde da PAC deve ter em consideração estas alterações na situação alimentar mundial. Neste contexto, os agricultores devem poder continuar a desempenhar o seu papel multifuncional no âmbito do modelo agrícola europeu.

4.   Observações na generalidade

4.1.   O Comité Económico e Social Europeu recorda o seu parecer inicial (5) sobre o tema «Balanço a meio percurso (health check) e futuro da PAC após 2013». Nesse parecer, o CESE chama a atenção para o facto de que os agricultores e as empresas da indústria transformadora estão a atravessar uma fase de adaptação extremamente difícil. É grande a vontade desses actores de reagir com empreendedorismo às novas condições de mercado, desde que vejam cumpridas as promessas que lhes foram feitas no âmbito das reformas e lhes seja oferecida segurança suficiente ao nível jurídico e de planeamento. O CESE considera que a principal preocupação do Exame de Saúde deverá ser apurar em que casos será preciso adaptar as normas existentes para:

simplificar e facilitar a sua aplicação e

remover os obstáculos a uma aplicação específica das medidas de reforma já acordadas.

Para além destes tópicos, o CESE reconhece que a UE enfrenta novos desafios nos quais os agricultores podem desempenhar um papel importante e que a situação do mercado dos géneros alimentícios necessita de novas respostas.

Contudo, as palavras-chave do Exame de Saúde devem ser estabilidade através da organização dos mercados, simplificação e adaptação.

4.2.   É igualmente importante que as medidas tomadas no âmbito do «Exame de Saúde» marquem a continuação do desenvolvimento do modelo agrícola europeu e capacitem os agricultores para cumprirem o seu papel multifuncional:

satisfazer os mais elevados padrões do mundo em matéria de segurança e qualidade alimentar, protecção ambiental e bem-estar dos animais;

manter as zonas rurais e preservar a natureza;

dar uma contribuição fundamental para o emprego, manter a produção agrícola e a vitalidade da vida rural em todas as regiões da UE;

evitar o despovoamento das zonas rurais e o abandono das terras agrícolas.

O CESE considera que as propostas da Comissão contêm alterações substanciais, em comparação com a situação actual. Importa reflectir em profundidade sobre essas alterações.

5.   Medidas do «Exame de Saúde»

5.1.   Regime de Pagamento Único (RPU)

5.1.1.   A Comissão Europeia propôs que os Estados-Membros fossem autorizados a ajustar o seu modelo de RPU, através da passagem gradual para taxas de pagamento por direito mais uniformes, com vista a tornar o RPU mais eficaz e eficiente. Paralelamente, as propostas incluem uma série de medidas de simplificação da aplicação do regime.

5.1.2.   A sustentabilidade continua a ser uma preocupação crescente na Europa. Não se registam progressos no que respeita a ter em conta considerações de carácter não comercial em acordos internacionais. No entanto, elas são essenciais por uma questão de respeito pela vontade dos cidadãos europeus. Além disso, há uma diminuição contínua da protecção das fronteiras comunitárias. Com base nestes argumentos, o CESE entende que é essencial, para garantir o modelo agrícola europeu, bem como o rendimento dos agricultores depois de 2013, colocar os agricultores à altura de arcarem com os custos de produção sustentável não cobertos pelo mercado por meio do sistema de pagamento directo. Esta deve continuar a ser uma tarefa clara da PAC.

5.1.3.   O CESE é de opinião que continuarão a ser necessários pagamentos compensatórios para financiar os diversos serviços prestados pelos agricultores que não são reembolsados através do mercado. Paralelamente, os níveis de pagamento baseados na produção histórica tornar-se-ão mais difíceis de justificar. Os Estados-Membros que ainda não o fizeram deveriam ser autorizados a fazer evoluir a distribuição do seu limite máximo nacional para uma taxa de pagamento mais uniforme durante o período 2009-2013, ou pelo menos com início em 2013. Antes de o fazer, os Estados-Membros deverão analisar cuidadosamente as consequências para o rendimento agrícola, a adaptabilidade dos agricultores e a necessidade de segurança de planeamento a longo prazo. A adoptar-se esta orientação, os Estados-Membros deveriam poder definir um período transitório adequado, para evitar criar dificuldades aos agricultores cujos investimentos tenham sido efectuados num contexto regulamentar diferente.

5.1.4.   O Regime de Pagamento Único por Superfície (RPUS) aplicado na maioria dos Estados-Membros é simples de gerir, mas pode também ser demasiado simplista quando se trata de apoiar os agricultores de culturas intensivas (frutos e vegetais, criação de gado, tabaco, etc.) de forma resoluta em comparação com o sector das culturas aráveis. A médio prazo deverá ser encontrada uma solução mais equilibrada, por exemplo no âmbito do RPU, recorrendo a outros instrumentos existentes ou a novos instrumentos a desenvolver a nível comunitário.

5.1.5.   Todas as terras dos novos Estados-Membros que satisfaçam as boas condições agrícolas e ambientais, no momento do pedido de pagamento, devem ser elegíveis.

5.2.   Condicionalidade

5.2.1.   A Comissão Europeia deseja simplificar e melhorar a definição dos objectivos da condicionalidade, pelo que propõe a eliminação de determinados requisitos que não estejam associados à responsabilidade dos agricultores e a introdução de novas Boas Condições Agrícolas e Ambientais (BCAA).

5.2.2.   O CESE apoia a manutenção da ligação entre o pagamento único por exploração e o respeito pelas normas da UE associadas à actividade agrícola através da condicionalidade. Congratula-se com as propostas da Comissão de racionalização da condicionalidade. Há também uma clara necessidade de tornar a condicionalidade menos complexa, em especial através da clarificação das regras, da introdução de uma regra «de minimis» e da redução do número de diferentes visitas de inspecção realizadas a cada exploração agrícola. Deverá evitar-se também a duplicação dos controlos, como as auditorias realizadas por meio de sistemas de garantia da qualidade.

5.2.3.   A agricultura é um sector importante que proporciona um grande número de postos de trabalho em toda a UE. Há que envidar esforços para reduzir o número de acidentes neste sector e incentivar mais mão-de-obra especializada. Assim, no entender do CESE, os aspectos específicos da segurança no trabalho na exploração agrícola são muito importantes, como por exemplo instruções sobre a utilização dos equipamentos mecânicos, a higiene e o armazenamento adequado de materiais perigosos. Devem ser controlados pela legislação social dos Estados-Membros e podem ser incluídos no âmbito de aplicação da condicionalidade. A fim de incentivar o agricultor, o CESE recomenda o alargamento das possibilidades de acesso ao Fundo Social Europeu no domínio da segurança e das competências no trabalho.

5.2.4.   Em consonância com o objectivo de tornar a condicionalidade mais eficiente e mais directamente relacionada com actividades agrícolas, o CESE considera que os requisitos legais de gestão relativos à colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado não constituem uma responsabilidade a nível agrícola e, como tal, devem ser retirados.

5.2.5.   O CESE solicita a realização de um estudo de impacto da aplicação das BCAA antes do aditamento de qualquer novo elemento ao âmbito de aplicação das mesmas. Este estudo deve incluir as consequências para os agricultores, bem como os encargos administrativos. O CESE entende que é preciso salvaguardar os benefícios ambientais associados à retirada de terras da produção, às faixas de protecção e às características da paisagem, mesmo no caso de se tencionar pôr termo à retirada obrigatória de terras da produção. Para obter esta garantia por meio de medidas voluntárias como parte do desenvolvimento rural, é indispensável prever incentivos adequados, actualmente inexistentes. Estas medidas devem ser recompensadas em conformidade.

5.2.6.   Os novos Estados-Membros devem beneficiar de tratamento diferente. O sistema de condicionalidade deve ser introduzido gradualmente, tendo em conta que o sistema de pagamento directo é aplicado de forma progressiva. Os novos Estados-Membros deverão aplicar plenamente a condicionalidade quando chegarem aos 100 % do Regime de Pagamento Único por Superfície (RPUS).

5.3.   Apoio parcialmente associado

5.3.1.   A Comissão Europeia considera que a dissociação tem permitido aos agricultores reagir melhor aos sinais do mercado e de uma forma mais sustentável. Aquando da reforma da PAC de 2003, ficou decidido que os Estados-Membros poderiam manter determinados níveis de apoio associado em alguns sectores. A Comissão sublinha que a existência dos dois sistemas não contribuiu para a simplificação e propõe que se permita aos Estados-Membros manter apenas os prémios associados relativos às vacas em aleitamento e à carne de ovino e de caprino.

5.3.2.   O CESE mostra-se céptico quanto à prossecução da dissociação nos Estados-Membros que mantêm o apoio parcialmente associado, de modo a permitir uma maior orientação para o mercado. Está ciente de que, em alguns casos, a dissociação pode conduzir ao desaparecimento de certos tipos de produção e ao abandono da produção em determinadas regiões, com graves consequências para o ambiente, a economia rural e o emprego. O artigo 68.o deve permitir dar resposta a estes problemas. Não se deve exigir aos Estados-Membros que procedam à dissociação. O apoio associado remanescente não deve conduzir a distorções do mercado entre Estados-Membros.

5.4.   Apoio específico

5.4.1.   A Comissão Europeia propõe o alargamento do (actual) artigo 69.o a vários fins, incluindo a questão tanto das desvantagens dos agricultores em sectores específicos em determinadas regiões como dos direitos a suplementos nas zonas em reestruturação. Presentemente, os Estados-Membros que aplicam o RPU podem reter até 10 % dos respectivos limites máximos do orçamento nacional para medidas relacionadas com a protecção do ambiente ou para melhorar a qualidade e a comercialização dos produtos agrícolas.

5.4.2.   A Comissão considera que as alterações nos instrumentos de mercado tradicionais e a transição para o apoio directo ao produtor suscitaram debate acerca de diferentes formas de gestão dos riscos, sendo os riscos associados aos preços e à produção identificados como as duas principais fontes de variação que afectam o rendimento. A Comissão propõe que os Estados-Membros possam utilizar o artigo 68.o para o seguro de colheitas e fundos mútuos para doenças dos animais e das plantas.

5.4.3.   O CESE apoia os objectivos referidos no artigo 68.o, apesar de este artigo não ser a solução de todos os problemas que possam surgir. Concorda com o aumento da flexibilidade na utilização do artigo 68.o, desde que quaisquer fundos adicionais sejam utilizados para reforçar a posição dos agricultores. Considera que, em casos muito específicos, em alguns Estados-Membros, o limite imposto ao financiamento poderá ser superior ao actual máximo geral de 10 % do limite máximo nacional. Apoia as propostas relativas ao seguro de colheitas e fundos mútuos para doenças dos animais e das plantas, considerando que o objectivo deve ser o de proteger os consumidores e os agricultores. Estas medidas não devem minar os regimes de seguros ou as medidas comunitárias existentes (artigo 44.o e fundo veterinário). Atendendo à importância da prevenção de doenças para toda a sociedade, o CESE propõe que estes fundos sejam co-financiados pelos Estados-Membros, tal como proposto pela Comissão.

5.4.4.   Na opinião do CESE a utilização do artigo 68.o poderá conduzir a uma considerável redistribuição dos pagamentos aos agricultores, mas o CESE receia que o artigo 68.o não seja um instrumento suficiente para tratar de todas as questões, pelo que os Estados-Membros deverão analisar meticulosamente as consequências para os agricultores da possível utilização do artigo em questão. O CESE considera que os montantes afectados anteriormente ao orçamento para a agricultura devem permanecer no sector agrícola, podendo ser utilizados ao abrigo do artigo 68.o

5.4.5.   O impacto cumulativo da modulação e do artigo 68.o no rendimento agrícola deve ser analisado. Caso as propostas da Comissão sejam aplicadas, tal pode significar um corte nos pagamentos directos de, pelo menos, 10 + 13 % = 23 %. Por conseguinte, o CESE considera que as consequências devem ser minuciosamente examinadas.

5.5.   Limites dos pagamentos

5.5.1.   A Comissão Europeia considera que a introdução do pagamento único tornou mais visível a distribuição dos pagamentos. O grande número de agricultores a quem são pagos pequenos montantes constitui um pesado encargo administrativo. A Comissão propõe que os Estados-Membros apliquem um montante mínimo de 250 euros ou uma dimensão mínima de 1 hectare, ou ambas as coisas. Propõe, além disso, uma modulação progressiva e que os novos Estados-Membros passem a ser elegíveis para fins de modulação a partir de 2012.

5.5.2.   O CESE aceita, em princípio, as propostas da Comissão de estabelecimento de requisitos mínimos para os pagamentos a fim de reduzir os custos administrativos, deixando, no entanto, aos Estados-Membros, a opção pela aplicação dos requisitos mínimos.

5.5.3.   Para o CESE o debate sobre a modulação progressiva consiste em saber se é legítimo esperar um nível de modulação mais elevado das explorações da UE que recebem mais de 100 000 euros em pagamentos directos anuais. Uma vez que os grandes beneficiários beneficiam geralmente das economias de escala, justifica-se uma progressividade moderada, sobretudo porque as explorações têm a possibilidade de invocar as novas medidas do segundo pilar e de obter, assim, novamente dinheiro da PAC.

5.6.   Mercados

5.6.1.   A Comissão levanta a questão de saber como será possível criar um mecanismo de intervenção eficaz que funcione como rede de segurança, mas não esteja dependente da existência de exportações subsidiadas. A Comissão propõe a simplificação das disposições relativas à intervenção pública, através do alargamento do sistema de concursos. Propõe ainda a supressão da intervenção para o trigo duro, o arroz e a carne de suíno.

5.6.2.   O CESE considera que o enfraquecimento dos mecanismos de gestão do mercado interno e a redução da protecção das fronteiras, decorrentes das reformas da PAC e das negociações comerciais realizadas desde 1992, deixaram a UE muito mais exposta às flutuações do mercado mundial. Ao mesmo tempo, estas flutuações e, com elas, os riscos estão a aumentar: as alterações climáticas dão origem a flutuações mais extremas das colheitas de todo o mundo e as viagens mundiais agravam o risco de propagação de doenças. Os agricultores têm de lidar com todos estes desafios. Neste contexto, abandonar todos os mecanismos de regulação poderia revelar-se perigoso em períodos de oferta insuficiente e procura constante.

5.6.3.   O CESE defende que um dos objectivos mais importantes da PAC — e do primeiro pilar em particular — será fornecer uma quantidade suficiente de alimentos seguros e variados aos seus 500 milhões de consumidores. Para atingir este objectivo, são necessários instrumentos adequados. Muito embora um sistema de concursos possa melhorar a orientação para o mercado, reduz a rede de segurança para os agricultores e pode aumentar a incerteza no mercado. Por isso, o CESE propõe que, em primeiro lugar, sejam estudadas outras adaptações a efectuar no actual regime de intervenção, como por exemplo um período mais curto para a intervenção, e insta à elaboração de novos instrumentos para a criação de uma rede de segurança sustentável, dada a necessidade de garantir a segurança alimentar para os cidadãos europeus e um rendimento agrícola justo.

5.6.4.   O CESE propõe à Comissão a criação de sectores de gestão dos mercados europeus susceptíveis de permitir, num quadro sustentável, um ajuste entre a oferta e a procura, bem como uma rede dos produtores em todo o território europeu, de modo a responder melhor às expectativas societais. Assim, haveria um reequilíbrio das forças do mercado que permitiria responder mais adequadamente às expectativas dos consumidores. A Comissão deve velar pela criação de uma organização deste tipo.

5.7.   Retirada de terras da produção

5.7.1.   A Comissão propõe que seja fixada a zero a retirada de terras da produção como instrumento de controlo da oferta, com base na situação relativa às perspectivas do mercado. São postos à disposição dos Estados-Membros instrumentos para garantir a manutenção dos benefícios ambientais.

5.7.2.   A retirada de terras da produção é um instrumento de gestão da oferta que pode revelar-se útil e flexível. O CESE considera que, apesar dos preços de mercado razoáveis que se verificam neste momento, a situação do mercado pode voltar a enfraquecer de um momento para o outro. Assim, seria lógico manter o mecanismo de retirada de terras da produção (6), jogando ao mesmo tempo com a percentagem de retirada em função das perspectivas do mercado.

5.7.3.   O CESE considera necessário salvaguardar os potenciais benefícios ambientais associados à retirada de terras para conseguir uma maior aceitação da agricultura. Este objectivo apenas poderá ser alcançado através da retirada voluntária de terras da produção se forem previstos incentivos adequados, o que não estava garantido no passado.

5.8.   Quotas leiteiras

5.8.1.   Em 1984, foram introduzidas as quotas leiteiras como resposta à sobreprodução. A Comissão considera que as condições que levaram a essa introdução já não se aplicam. À luz do aumento da procura de leite e de produtos lácteos, a Comissão propõe um aumento das quotas leiteiras de 1 % ao ano nos próximos cinco anos. Este aumento das quotas destina-se a preparar uma «aterragem suave» do regime, que chega ao seu termo em 2015. A Comissão Europeia fez uma análise do impacto social das alterações efectuadas ao regime das quotas leiteiras, cujo termo conduzirá à reestruturação do sector da produção de leite, durante a qual os pequenos produtores de leite, em particular, ficarão expostos a práticas predatórias, com implicações potenciais para determinadas regiões.

5.8.2.   Atendendo a que, de acordo com a legislação em vigor, o regime de quotas chega ao seu termo em 2015, o CESE insta a Comissão a efectuar uma análise mais minuciosa do que até ao momento do modo como se poderá obter previsibilidade e equilíbrio regional num mercado sustentável pós-2015. O leite é um produto alimentar essencial e saudável e, além disso, os produtores de produtos lácteos desempenham um papel importante nas economias rurais. Será importante, em particular, introduzir medidas que ajudem os agricultores a melhorar a sua posição concorrencial.

5.8.3.   A produção de lacticínios é um sector de grande importância nas regiões vulneráveis da UE, pelo que o CESE exorta a Comissão a prever a adopção de medidas — incluindo disposições financeiras — que preservem a produção de lacticínios e uma economia rural pujante nessas regiões vulneráveis. O CESE entende que as propostas apresentadas pela Comissão não constituem uma estratégia viável. O artigo 68.o é um instrumento só em parte adequado para este efeito com o qual não se conseguirá nem de longe cobrir os custos elevados em que se incorrerá inevitavelmente.

5.8.4.   Na ausência de um verdadeiro plano de ajustamento, o CESE opõe-se a quaisquer ajustamentos das quotas actuais. Importa adaptar as quotas em função da procura do mercado e não de modo aleatório. Tendo em vista o período pós 2015, é necessário criar um sector leiteiro europeu para se poder modular a produção em função do consumo e restabelecer a relação de forças no seio dos sectores. Deste modo, seria possível manter a produção de leite nas zonas mais fragilizadas.

5.9.   Outros regimes de apoio

5.9.1.   Para os sectores das proteaginosas, do cânhamo, do trigo duro e das frutas de casca rija, a Comissão propõe a dissociação imediata das ajudas. Para o arroz, a batata para a produção de fécula, as forragens secas e o linho, a Comissão propõe um período transitório de dois anos para a passagem à dissociação.

5.9.2.   Sem associação, a produção poderá desaparecer, com efeitos negativos para as economias regionais, o ambiente ou o aprovisionamento da UE. O CESE considera, portanto, que a possibilidade de transferir estes pagamentos para o regime de pagamento único deverá ser examinada cuidadosamente numa base casuística e, se necessário, deverão continuar os pagamentos associados, a fim de evitar uma redução significativa da produção em regiões vulneráveis. Estes sectores necessitam de um período de transição razoável e de medidas de acompanhamento para criar novas oportunidades de mercado.

5.9.3.   O prémio às culturas energéticas é oneroso em termos administrativos e, dadas as metas estabelecidas pelo Conselho para incorporação dos biocombustíveis, deixa de haver necessidade de um incentivo a nível da produção. Os fundos que deixem de ser utilizados para este prémio devem ser utilizados para reforçar a posição dos agricultores.

5.10.   Alterações climáticas

5.10.1.   A Comissão considera que as questões relativas ao clima e à energia passaram para os lugares cimeiros da agenda de trabalhos. Em Março de 2007, os governantes da UE decidiram reduzir as emissões de CO2 em, pelo menos, 20 % até 2020 e em 30 %, se for possível chegar a acordo quanto a metas globais. A Comissão é de opinião que a agricultura pode dar um importante contributo para a redução das emissões de gases com efeito de estufa.

5.10.2.   O CESE considera que a agricultura da União tem contribuído mais do que muitos outros sectores para limitar as emissões de gases com efeito de estufa, devendo prosseguir nesta via (7). A agricultura é também um dos sectores mais expostos ao impacto das alterações climáticas.

5.10.3.   Torna-se cada vez mais urgente compreender melhor as implicações das alterações climáticas para a agricultura, pelo que a investigação é uma prioridade. Este tipo de investigação é financiado ao abrigo do 7.o Programa-Quadro de Investigação comunitário, mas deve ser acelerado e reforçado.

5.10.4.   Também é importante aumentar os incentivos aos agricultores para fazerem face às alterações climáticas e porem em prática sistemas de produção que tenham um impacto neutro no clima. A este respeito, o CESE apoia a lista indicativa de tipos de operações em matéria de alterações climáticas no plano do desenvolvimento rural.

5.11.   Gestão da água

5.11.1.   Os objectivos da UE no que respeita à política da água estão estabelecidos na Directiva-Quadro sobre a Água. A Comissão considera que a agricultura tem um importante papel a desempenhar na gestão da água.

5.11.2.   Um dos problemas mais prementes diz respeito à água, tanto em termos de escassez como de qualidade, mas também de humidade e inundações. O CESE apoia que uma parte dos fundos decorrentes da modulação seja utilizada para aumentar os incentivos à gestão da água como parte das medidas de desenvolvimento rural ao abrigo do eixo 2. A seu ver, as operações devem estar directamente ligadas à agricultura.

5.12.   Energias renováveis

5.12.1.   Em 2007, os governantes da UE fixaram uma meta vinculativa de 20 % para a utilização de fontes de energias renováveis, incluindo uma quota-parte de 10 % de biocombustíveis no consumo de gasolina e gasóleo.

5.12.2.   O CESE apoia a lista indicativa dos tipos de operações no domínio das energias renováveis.

5.12.3.   Entende que é extremamente importante promover a continuação da investigação com vista a optimizar os sistemas de produção para maximizar o contributo da bioenergia para a redução das emissões de CO2 e para a eficiência energética. Há que continuar a investigar a possibilidade de desenvolver biocombustíveis de segunda geração utilizando co-produtos agrícolas.

5.12.4.   Os agricultores poderão desempenhar um papel essencial nas operações de aprovisionamento de bioenergia sustentável a nível local ou regional (por exemplo, centrais de microgeração alimentadas com biomassa local), contribuindo dessa forma para os objectivos de Quioto. As regras sobre os auxílios estatais devem abrir uma excepção para este tipo de projectos.

5.13.   Biodiversidade

5.13.1.   A Comissão considera que uma grande parte da biodiversidade na Europa depende da agricultura e da silvicultura e que os esforços para a proteger terão de ser intensificados. A agricultura tem um papel-chave a desempenhar na protecção da biodiversidade. Os Estados-Membros assumiram o compromisso de pôr termo ao declínio da biodiversidade até 2010.

5.13.2.   Vários Estados-Membros têm bons exemplos de projectos que melhoram a biodiversidade. O CESE apoia os exemplos de tipos de operações referidos pela Comissão para melhorar a biodiversidade, na condição de os incentivos serem directamente canalizados para os agricultores, pois estes são essenciais para a manutenção de zonas rurais pujantes com oportunidades económicas e de emprego.

5.14.   Reforçar o segundo pilar

5.14.1.   A Comissão prevê a apresentação de um novo pacote de medidas para fazer face a estes quatro novos desafios (pontos 5.10 a 5.13) que ficará ao abrigo do segundo pilar. O financiamento suplementar será coberto pela modulação. A Comissão refere que um aumento da modulação obrigatória é a única maneira de obter recursos suplementares para o desenvolvimento rural, dado que todos os outros fundos comunitários já estão repartidos até 2013. A Comissão propõe que se aumente a modulação obrigatória em 8 % em quatro etapas até 2012.

5.14.2.   O CESE entende que as negociações sobre as Perspectivas Financeiras para 2007-2013 redundaram numa dotação financeira insuficiente do segundo pilar e na sua opinião, as várias funções da PAC têm de ser salvaguardadas, pelo que quaisquer medidas de modulação dos pagamentos directos do primeiro pilar devem ser conformes a esta assunção (8). Por conseguinte, o CESE apoiará a modulação prevista apenas na condição de ficar assegurado que este orçamento é orientado de forma clara e específica para ajudar os agricultores a responder a estes novos desafios. Deve ser reconhecido o papel do emprego e dos trabalhadores no sector da agricultura neste processo de mudança. A aplicação através dos planos nacionais de desenvolvimento rural tem de se tornar mais eficaz e acessível aos agricultores, devendo assegurar-se antecipadamente o cofinanciamento nacional.

6.   Impacto orçamental das propostas do Exame de Saúde

6.1.   A Comissão recorda que a PAC dispõe de um mecanismo integrado de disciplina financeira. Uma vez que a maior parte das ajudas já está definida e que as perspectivas do mercado melhoraram consideravelmente, o potencial de aplicação da disciplina financeira diminuiu. A Comissão afirma ainda que as propostas relativas à modulação são neutras no que respeita ao orçamento, mas podem conduzir a despesas nacionais adicionais, pelo que espera que quase não haja despesas adicionais com as medidas de mercado.

6.2.   O orçamento total para a PAC diminuiu de 0,6 % do PIB da UE, em 1993, para menos de 0,4 %, em 2007. A despesa orçamental real passou de cerca de 40 mil milhões de euros, em 1995, para cerca de 50 mil milhões, em 2007 (incluindo o Desenvolvimento Rural), não obstante o número de Estados-Membros quase ter duplicado, passando de 15 para 27.

6.3.   Há 15 anos atrás, a UE despendia 10 mil milhões de euros por ano em subsídios à exportação. Em 2009, este orçamento limita-se a apenas 350 milhões de euros (9). A Comissão Europeia concordou em abolir completamente os subsídios à exportação até 2013, desde que os parceiros comerciais assumam compromissos idênticos.

6.4.   O CESE considera que a PAC é uma das mais importantes colunas de sustentação da União Europeia. Como demonstrado pela actual situação alimentar mundial, a política agrícola continuará a ser muito importante. Na opinião do CESE, os agricultores não só desempenham um papel essencial no aprovisionamento de produtos alimentares, mas também têm de desempenhar um papel multifuncional.

7.   Objectivos a longo prazo da PAC no quadro financeiro após 2013/Quadro financeiro

7.1.   O CESE considera que é útil estabelecer objectivos e prioridades claros para a PAC depois de 2013, a fim de contribuir para os debates sobre as próximas perspectivas financeiras.

7.2.   Considerando que a população mundial atingirá previsivelmente os 9 mil milhões, em 2050, e o consumo per capita aumentará, ter-se-á de intensificar a produção alimentar. Ao mesmo tempo, a quantidade de terras agrícolas de boa qualidade está a diminuir em todo o mundo devido a factores como a erosão, a salinização e a urbanização. Como resultado, no futuro próximo, é possível que os consumidores europeus vejam a segurança alimentar posta em causa. A futura PAC tem de ter em conta estes novos desenvolvimentos.

7.3.   A nível europeu, os consumidores exigem alimentos saudáveis e variados em quantidades suficientes, os quais têm de ser produzidos de forma sustentável. As importações têm de ser conformes às normas da UE, o que, neste momento, nem sempre é o caso. Paralelamente, os cidadãos europeus estão preocupados com as alterações climáticas e a sustentabilidade. Os agricultores da UE podem desempenhar um papel importante na resposta às expectativas da sociedade.

7.4.   Os agricultores prefeririam obter o seu rendimento do mercado. No entanto, a sociedade europeia também espera que os agricultores prestem um determinado número de serviços que não são remunerados pela via do mercado. Assim, continuarão a ser essenciais os pagamentos directos para recompensar os agricultores por assegurarem sistemas de produção sustentáveis com os mais elevados padrões de qualidade, bem como serviços adicionais. Os pagamentos servirão ainda para incentivar o desenvolvimento rural. Além disso, a PAC continuará a ser um instrumento fundamental para apoiar economias regionais.

7.5.   Quanto à consecução dos objectivos indicados no ponto 3.3, a PAC deverá colocar, no futuro, maior ênfase nos seguintes aspectos:

assegurar aprovisionamentos garantidos de alimentos seguros e variados e o aprovisionamento de energias renováveis;

assegurar um rendimento justo para os agricultores;

assegurar uma produção simultaneamente sustentável e competitiva em todas as regiões da UE;

contribuir para a existência de um espaço rural pujante com oportunidades económicas e de emprego.

7.6.   A mais longo prazo, o CESE considera que deverá haver uma melhor harmonização dos objectivos da PAC e dos instrumentos para a sua consecução entre todos os Estados-Membros.

7.7.   O CESE realça a necessidade de uma política agrícola europeia adequada, a curto e a médio prazo, que deverá ser dotada de meios financeiros suficientes. Parte-se do princípio de que os montantes a atribuir serão, no mínimo, da mesma ordem dos afectados actualmente. É missão dos políticos explicarem de melhor forma aos cidadãos a relevância da PAC e a razão de ser de medidas individuais, a fim de evitar um debate permanente sobre o financiamento.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Apresentação da proposta sobre o «Exame de Saúde» à COMAGRI, em 20 de Maio de 2008.

(2)  Comissão Europeia: What caused the present boom in agricultural prices? (Razões por trás da actual explosão dos preços de produtos agrícolas).

(3)  Discurso de Mariann FISCHER BOEL: Food, feed or fuel (Alimentação, rações ou combustível), Berlim, 18 de Janeiro de 2008.

(4)  O CESE está actualmente a aprofundar este tema no parecer exploratório «A UE face ao desafio alimentar mundial».

(5)  JO C 44 de 16.2.2008, p. 60.

(6)  JO C 44 de 16.2.2008, p. 63, ponto 5.7.1.

(7)  Estudo da Comissão Europeia: Climate change: the challenges for agriculture (Alterações climáticas: Desafios para a agricultura), Dezembro de 2007.

(8)  Ver nota 5.

(9)  The Common Agricultural Policy: sorting the facts from the fiction (A Política Agrícola Comum: destrinçar os factos da realidade), 20 de Junho de 2008.


ANEXO

As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

Ponto 1.7

«O CESE solicita que se proceda a uma análise mais minuciosa do que até ao momento da evolução do mercado de lacticínios e das respectivas repercussões atendendo a que as quotas leiteiras, de acordo com a legislação em vigor, chegam ao seu termo em 2015. Dada a necessidade de segurança de planeamento, apela a que sejam feitos ajustamentos nas quotas, de modo a garantir aos produtores uma “aterragem suave”, desde que isso não provoque desequilíbrios no mercado. O CESE insta com a Comissão para que preveja medidas que permitam manter a produção de lacticínios em regiões vulneráveis e enuncie as suas consequências financeiras e as formas de financiamento previstas.».

Resultado da votação

A favor: 66 Contra: 42 Abstenções: 41

Ponto 1.8

«O CESE reconhece os novos desafios referidos pela Comissão Europeia no que respeita ao clima, à água, às energias renováveis e à biodiversidade, os quais requerem meios financeiros suplementares através da modulação e da utilização de fundos estruturais. Na opinião do CESE, o reforço da segurança alimentar deve ser considerado como um novo desafio.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 1.9

«O CESE considera que os pontos de vista em relação à modulação variam consideravelmente. À guisa de compromisso, propõe que a taxa de modulação suplementar destinada a financiar novos desafios seja limitada a um total de 3 % e que o limiar passe para 7 500 euros. O CESE não é favorável à continuação da modulação progressiva. O financiamento suplementar deve destinar se especificamente a ajudar os agricultores.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 5.5.3

«Para o CESE, há vários aspectos em causa no debate sobre a modulação progressiva. A progressividade aumenta também a complexidade administrativa dos pagamentos às explorações agrícolas. Em muitos casos, os agricultores que têm explorações agrícolas, sejam elas de grandes ou pequenas dimensões, criam emprego, o que é importante para a região. O CESE entende que a modulação já afecta sobretudo os lucros dos maiores beneficiários. Por outro lado, os grandes beneficiários beneficiam geralmente das economias de escala. Por esta razão, a modulação progressiva tem um efeito decisivo na equiparação das condições de concorrência entre explorações agrícolas de diferentes dimensões. Os agricultores têm de programar a sua actividade, pelo que têm de poder contar com os compromissos assumidos pelas autoridades. Face ao exposto, o CESE não é favorável à modulação progressiva.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 5.7.3

«O CESE considera necessário salvaguardar os potenciais benefícios ambientais associados à retirada de terras para conseguir uma maior aceitação da agricultura. Este objectivo apenas poderá ser alcançado através da retirada voluntária de terras da produção se forem previstos incentivos adequados e estes forem devidamente recompensados. No entender do CESE, este apoio ao desenvolvimento rural deve estar associado às actividades dos agricultores.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 5.8.3

«A produção de lacticínios é um sector de grande importância nas regiões vulneráveis da UE, pelo que o CESE exorta a Comissão a prever a adopção de medidas – incluindo disposições financeiras – que preservem a produção de lacticínios e uma economia rural pujante nessas regiões vulneráveis. O CESE julga que o artigo 68.o é um instrumento só em parte adequado para este efeito com o qual não se conseguirá nem de longe cobrir os custos elevados em que se incorrerá inevitavelmente.».

Resultado da votação

A favor: 66 Contra: 42 Abstenções: 41

Ponto 5.8.4

«O CESE considera que no período de 2009-2015 as quotas devem ser ajustadas com base na evolução do mercado. Os produtores de lacticínios carecem de segurança de planeamento e de uma transição fácil. Assim sendo, apela a que sejam feitos ajustamentos nas quotas, de modo a garantir aos produtores uma “aterragem suave”. Esses ajustamentos não deverão colocar em risco a estabilidade dos mercados e deverão ter em conta a posição vulnerável dos pequenos produtores de lacticínios e de algumas regiões.».

Resultado da votação

A favor: 66 Contra: 42 Abstenções: 41

Ponto 5.14.1

«A Comissão prevê a apresentação de um novo pacote de medidas para fazer face a estes quatro novos desafios (pontos 5.10 a 5.13) que ficará ao abrigo do segundo pilar. O financiamento suplementar será coberto pela modulação. A Comissão refere que um aumento da modulação obrigatória é a única maneira de obter recursos suplementares para o desenvolvimento rural. A Comissão propõe que se aumente a modulação obrigatória em 8 % em quatro etapas até 2012.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 5.14.2

«O CESE entende que as negociações sobre as Perspectivas Financeiras para 2007 2013 redundaram numa dotação financeira insuficiente do segundo pilar e na sua opinião, as várias funções da PAC têm de ser salvaguardadas, pelo que quaisquer medidas de modulação dos pagamentos directos do primeiro pilar devem ser conformes a esta assunção (1). Por conseguinte, o CESE apoiará a modulação prevista apenas na condição de ficar assegurado que este orçamento é orientado de forma clara e específica para ajudar os agricultores a responder a estes novos desafios. Para além dos quatro desafios referidos pela Comissão, o CESE propõe que se acrescente o desafio da segurança alimentar e dos alimentos, tendo em conta os recentes debates sobre o preço dos alimentos. Deve ser reconhecido o papel do emprego e dos trabalhadores no sector da agricultura neste processo de mudança. A aplicação através dos planos nacionais de desenvolvimento rural tem de se tornar mais eficaz e acessível aos agricultores, devendo assegurar-se antecipadamente o co-financiamento nacional.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 5.14.3

«Os pagamentos directos são extremamente importantes para os valores que a agricultura representa para a sociedade. Ademais, os agricultores carecem de segurança de planeamento. Por outro lado, o CESE reconhece os novos desafios mencionados pela Comissão e lembra que os pontos de vista em relação à modulação divergem consideravelmente. A título de compromisso, o CESE propõe uma taxa de modulação de 8 % no total (os 5 % actuais mais 3 × 1 %) e recomenda que, para além do desenvolvimento rural, sejam contempladas outras fontes de financiamento, como os fundos estruturais. Recomenda, igualmente, um aumento do limiar para 7 500 euros, o que deve substituir a modulação voluntária. Também devem ser meticulosamente analisados os possíveis efeitos negativos da modulação, em conjugação com o artigo 68.o, para o rendimento dos agricultores.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37

Ponto 6.4

«O CESE considera que a PAC é uma das mais importantes colunas de sustentação da União Europeia. Como demonstrado pela actual situação alimentar mundial, a política agrícola continuará a ser muito importante. Na opinião do CESE, os agricultores não só desempenham um papel essencial no aprovisionamento de produtos alimentares, mas também têm de desempenhar um papel multifuncional. Portanto, quaisquer poupanças orçamentais deverão ser utilizadas no reforço da posição dos agricultores rumo à sustentabilidade.».

Resultado da votação

A favor: 64 Contra: 58 Abstenções: 37


(1)  Ver nota 5.


30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/133


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que define regras sanitárias relativas a subprodutos animais não destinados ao consumo humano (regulamento relativo aos subprodutos animais)

COM(2008) 345 final — 2008/0110 (COD)

2009/C 100/22

Em 7 de Julho de 2008, o Conselho decidiu, nos termos da alínea b) do n.o 4 do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece as regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano (regulamento relativo aos subprodutos animais)

Incumbida da preparação dos respectivos trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente adoptou o seu parecer em 8 de Outubro de 2008 (relator: Leif E. NIELSEN).

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 82 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusão

1.1   É essencial assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana e animal na utilização de subprodutos animais. O CESE apoia a proposta de regulamento apresentada pela Comissão, que se baseia em estudos prévios aprofundados e nas experiências recolhidas até à data. Como proposto, qualquer alteração da categorização só deve ser possível após uma análise rigorosa dos riscos pelas autoridades científicas competentes, e há que clarificar a regulamentação relativa a outros aspectos, nomeadamente os resíduos e o ambiente.

1.2   É igualmente necessária maior precisão nas definições do regulamento e no que diz respeito à aprovação e à utilização de subprodutos animais nas instalações de biogás. Caberia, além disso, rever a formulação de determinados aspectos e averiguar até que ponto seria legítima, em determinadas condições, a utilização de proteínas nos subprodutos de suínos ou aves para alimentação dos peixes, contanto que não haja riscos para a saúde humana e animal.

2.   Antecedentes

2.1   A Comissão defende uma classificação e um controlo dos subprodutos animais com base nos riscos (1) e uma melhor definição da interacção entre as regras relativas aos subprodutos animais e outra legislação comunitária sectorial (géneros alimentícios, alimentos para animais, resíduos, produtos cosméticos, medicamentos e dispositivos médicos). Segundo a Comissão, a proposta visa reduzir, além disso, os encargos administrativos para determinados estabelecimentos e aumentar a responsabilidade dos operadores na utilização de subprodutos fora da cadeia alimentar.

2.2   Os produtos continuam a ser classificados em três categorias. As matérias susceptíveis de transmitir encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) continuam a não poder ser utilizadas para alimentação animal, mas as matérias que não apresentam risco, ou apenas um risco mínimo, podem ser utilizadas, em função do tipo, após uma avaliação dos riscos pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, pela Agência Europeia dos Medicamentos ou Comité Científico dos Produtos de Consumo. Certos produtos da categoria 2 passam a estar classificados na categoria 3, podendo por isso ser utilizados em determinadas formas de alimentação para animais. Na prática, todas as categorias de subprodutos animais poderão ser utilizadas contanto que as matérias-primas, os processos de produção e os fins da utilização não apresentem riscos. São igualmente autorizados o enterramento e a incineração em caso de surto de doenças e nas situações em que a recolha dos cadáveres se revele demasiado difícil.

2.3   A incineração dos subprodutos animais está sujeita às disposições da Directiva 2000/76/CE (2). A Comissão propõe agora a sua utilização como combustível, sob reserva do respeito da saúde humana e animal e das normas ambientais relevantes. Por outro lado, procura garantir que seja efectivamente respeitada a interdição de exportação dos resíduos (3), incluindo para utilização em instalações de biogás e compostagem em países terceiros não membros da OCDE.

3.   Observações na generalidade

3.1   As regras para a utilização dos subprodutos animais são extensas e complexas, mas o objectivo é que a legislação e a administração funcionem da melhor forma possível e que a UE mantenha, neste domínio, um elevado nível de protecção da saúde humana e animal. A propagação das EET e das epizootias infecciosas pode ter repercussões desastrosas a nível económico e social. O CESE está em princípio de acordo com a abordagem baseada nos riscos, segundo a qual qualquer alteração da categorização deve ser precedida de uma avaliação rigorosa dos riscos pelas instâncias científicas competentes, e com o recurso ao sistema HACCP (4), contanto que este seja aplicado de modo uniforme em todos os Estados-Membros.

3.2   A utilização crescente de proteínas na alimentação dos peixes torna necessário, a par de uma revisão do Regulamento EET (5), analisar a possibilidade de usar, em determinadas condições, proteínas obtidas a partir de subprodutos de suínos ou aves, desde que não haja riscos para a saúde humana e animal

4.   Observações na especialidade

4.1   De acordo com a proposta, os subprodutos animais e seus derivados devem ser eliminados por incineração ou usados como combustível. Para a Comissão, a utilização de subprodutos animais como combustível não constitui uma operação de eliminação de resíduos, embora deva decorrer em condições que assegurem a protecção da saúde pública e animal e o cumprimento das normas ambientais adequadas. A este respeito, conviria estabelecer uma separação mais clara entre o Regulamento relativo aos subprodutos animais e a regulamentação em matéria de resíduos e ambiente; da mesma forma, as definições quer do artigo 3.o do regulamento quer da directiva relativa aos resíduos deveriam ser clarificadas a fim de evitar todo e qualquer problema de interpretação.

4.2   As instalações de biogás nas quais os subprodutos animais ou produtos derivados são transformados em conformidade com parâmetros normalizados estão sujeitas às disposições em matéria de registo e rastreabilidade, mas ficam isentas, em virtude da alínea c) do n.o 1 do artigo 7.o, do requisito de aprovação previsto na alínea b) do n.o 1 do artigo 6.o. Contudo, as disposições de execução devem prever que essas instalações estejam suficientemente abrangidas pelas obrigações de controlo interno, de separação em zonas limpas e não limpas e de documentação para a recepção, o tratamento e a transformação das matérias-primas.

4.3   Além disso, deveriam ser autorizadas temperaturas e durações distintas, ao lado da obrigação actual de desinfectar durante uma hora, a 70 °C, as matérias da categoria 3, e deveria ser possível documentar o cumprimento destas disposições de uma forma mais flexível.

4.4   O CESE apoia incondicionalmente a utilização da glicerina resultante da produção de biogasóleo na produção de biogás, independentemente da categoria. Foi já demonstrado cientificamente que a produção tanto de biogasóleo como dos seus derivados não comporta quaisquer riscos, independentemente da categoria, desde que essa produção obedeça às regras em vigor (6).

4.5   A alínea a) do n.o 1 do artigo 7.o isenta do requisito de aprovação para determinadas actividades as instalações e os estabelecimentos já aprovados ao abrigo de outras disposições. Os estabelecimentos exportadores poderiam, por exemplo, obter uma aprovação ao abrigo do Regulamento relativo aos subprodutos, tendo em vista os controlos veterinários.

4.6   No interesse da preservação dos recursos, os subprodutos de animais aprovados para abate após inspecção deveriam ser classificados na categoria 3 (p. ex., produtos caídos no chão, alterações crónicas, etc.), sob condição de os produtos não terem estado em contacto com matérias da categoria 2.

4.7   Os produtos derivados do sangue dos animais deveriam ser isentos das obrigações da alínea c) do n.o 1 do artigo 25.o, a fim de permitir o seu uso como adubos.

4.8   Nos termos da alínea d) do n.o 1 do artigo 28.o, pequenas quantidades de subprodutos animais podem ser isentadas das regras em matéria de eliminação. O CESE considera que esta isenção deve ser aplicada com a máxima cautela, dado que resulta numa ausência total de rastreabilidade.

4.9   Os excrementos animais são classificados pelo artigo 12.o como pertencendo à categoria 2, pelo que devem ser eliminados ou utilizados de acordo com as disposições do artigo 20.o. Conviria assinalar aqui que os excrementos animais aproveitados para a produção de energia mas não para instalações de biogás não devem ser tratados como resíduos e devem, por isso, ser incinerados em instalações de incineração aprovadas ou registadas.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Regulamento n.o 1774/2002, de 3.10.2002, que estabelece as regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano.

(2)  Directiva 2000/76/CE relativa à incineração de resíduos, de 4.12.2000.

(3)  Regulamento (CE) n.o 1013/2006, de 14.6.2006, relativo a transferências de resíduos.

(4)  Hazard Analysis and Critical Control Points (Análise dos riscos e dos pontos de controlo críticos).

(5)  Regulamento (CE) n.o 999/2001 que estabelece regras para a prevenção, o controlo e a erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis.

(6)  Parecer de 22.4.2004 da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) e Regulamento n.o 92/2005 da Comissão, de 19.1.2005, alterado pelo Regulamento n.o 2067/2005 de 16.12.2005.


30.4.2009   

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C 100/135


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às substâncias que empobrecem a camada de ozono (Reformulação)

COM(2008) 505 final — 2008/0165 (COD)

2009/C 100/23

Em 30 de Setembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às substâncias que empobrecem a camada de ozono (reformulação)

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório, o qual de resto, havia sido já objecto do parecer adoptado, em 2 de Dezembro de 1998 (1), o Comité na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008, (sessão de 22 de Outubro) decidiu por 119 votos a favor com 1 abstenção, emitir parecer favorável à proposta, remetendo para a posição defendida no documento mencionado.

 

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de Regulamento do Conselho (CEE) relativa às substâncias que empobrecem a camada de ozono (JO C 40 de 15.2.1999, p. 34).


30.4.2009   

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C 100/136


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a criação de um Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e a Formação Profissionais

COM(2008) 179 final — 2008/0069 (COD)

2009/C 100/24

Em 23 de Abril de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a criação de um Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e a Formação Profissionais

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 11 de Setembro de 2008, sendo relatora Mária HERCZOG.

Na 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 59 votos a favor, 2 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese

1.1.   O CESE apoia claramente a proposta da Comissão Europeia relativa à criação de um Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e a Formação Profissionais (doravante «QREGQ»), uma vez que o ensino e a formação profissionais (EFP) de qualidade são um elemento essencial e parte integrante da Estratégia de Lisboa revista (1), concebida para promover a sociedade baseada no conhecimento, a inclusão e a coesão sociais, a mobilidade, a capacidade de emprego e a competitividade.

1.2.   O CESE considera que o QREGQ poderia contribuir, se posto em prática, para consolidar a dimensão europeia do EFP e aumentar a mobilidade dos formandos e dos trabalhadores, bem como para a transparência e a confiança mútua nos sistemas de ensino e formação profissionais dos Estados-Membros. Contribuiria também para superar os actuais problemas de desemprego ao focar o fosso entre as necessidades do mercado de trabalho e as qualificações da população activa.

1.3.   O CESE é de opinião que o QREGQ é útil, pois coloca a tónica sobretudo na melhoria e na avaliação das «realizações» e dos «resultados» do EFP no âmbito de três prioridades políticas fundamentais da UE, nomeadamente aumentar a capacidade de emprego, melhorar a correspondência entre a procura e a oferta de formação e promover um melhor acesso à formação ao longo da vida (sobretudo para os grupos vulneráveis).

1.3.1.   O CESE insta com a Comissão para que se centre, de modo idêntico, nos utilizadores finais, nos formandos, nos trabalhadores, nos estabelecimentos prestadores de EFP e nas empresas. Há que dar particular atenção aos grupos que correm o risco de se verem excluídos do mercado de trabalho e do sistema educativo (por exemplo, as pessoas que abandonaram precocemente o ensino, os jovens e os trabalhadores mais velhos confrontados com taxas elevadas de desemprego, as pessoas com necessidades especiais, os indivíduos oriundos de um contexto de imigração, etc.), assim como à sua (re)integração na formação.

1.4.   O CESE é de opinião que os resultados obtidos no passado (2) no âmbito da cooperação europeia em matéria de garantia da qualidade do EFP constituem uma base adequada para a prossecução dos actuais trabalhos e seu desenvolvimento futuro. Um empenho mais sério do Parlamento Europeu e do Conselho em prol do QREGQ ajudará consideravelmente a difundir o mais amplamente possível a cultura da melhoria contínua da qualidade (3), o que poderá inspirar e promover a aplicação do QREGQ no nível nacional.

1.5.   O CESE acolhe favoravelmente o firme empenho dos Estados-Membros em prol da melhoria contínua da qualidade do EFP, que está actualmente materializado na Rede Europeia de Garantia da Qualidade no EFP [ENQA VET (4)], criada em 2005 com o objectivo de garantir a sustentabilidade do processo a longo prazo e envolvendo, nos últimos anos, uma cooperação activa e eficaz entre 23 países.

1.5.1.   O CESE recomenda à Comissão Europeia que estude a forma como pode esta rede (em que domínios, de que modo e com que instrumentos práticos), escorada nos pontos de referência nacionais de garantia da qualidade, favorecer e apoiar de forma ainda mais eficiente e eficaz a aplicação do QREGQ nos Estados-Membros, um processo que prosseguirá até (ou irá além de?) 2010.

1.6.   O CESE considera que é essencial haver coerência entre o QREGQ e as outras iniciativas europeias assentes na confiança mútua, como por exemplo o Quadro Europeu de Qualificações (QEQ) (5) e o Sistema Europeu de Créditos de Ensino e Formação Profissionais (ECVET) (6). É necessário harmonizar melhor as acções e identificar as interligações específicas entre estes instrumentos de referência europeus comuns, nos níveis europeu e nacional, para que os benefícios mútuos e as sinergias sejam aumentados, bem como para criar as condições para o reconhecimento e a transferência das qualificações em toda a Europa.

1.7.   A educação e a formação profissionais são um bem público, pelo que a qualidade do EFP deve ser controlada para bem dos cidadãos e da sociedade em geral. Este controlo deve ser monitorizado e executado pelos órgãos públicos, os quais também devem estar sujeitos a um certificado de qualidade. O CESE considera que o papel destes órgãos — designados pelos governos na maioria dos Estados-Membros — é de importância fundamental, pelo que recomenda à Comissão que reforce o seu papel.

1.8.   O CESE encoraja todas as partes interessadas (estabelecimentos, empregadores, sindicatos, organizações sectoriais, câmaras de comércio, organismos industriais e profissionais, fornecedores de serviços de emprego, organismos regionais, organizações da economia social, etc.) a assumirem as suas próprias responsabilidades e a contribuírem para a concretização dos objectivos comuns. Há que intensificar em todas as etapas do trabalho uma cooperação ascendente no domínio da garantia da qualidade do EFP.

1.8.1.   O CESE lança um apelo para uma participação mais activa da sociedade civil organizada e recorda à Comissão Europeia a necessidade de cooperar de forma mais estreita com a sociedade civil no domínio da garantia da qualidade do EFP para que o sistema se torne mais inclusivo e assente em redes existentes e em experiências positivas. É a falta de diálogo e de cooperação que entrava actualmente uma introdução com bons resultados desta cultura da qualidade em vários países.

1.8.2.   O CESE pensa que os parceiros sociais deveriam, na sua qualidade de principais actores do mercado de trabalho, desempenhar um papel importante na prossecução dos quatro objectivos principais do EFP (mobilidade, acessibilidade, atractividade e inclusão social), devendo desempenhar um papel central na definição e no controlo da qualidade dos sistemas de EFP, tanto no nível europeu como nacional. Só com uma participação activa dos parceiros sociais será possível adaptar o sistema aos mercados de trabalho em constante evolução, o que é um pré-requisito de qualquer abordagem de qualidade no EFP.

2.   Introdução

2.1.   Dada a diversidade e a complexidade dos sistemas de EFP e das abordagens de qualidade em vigor nos Estados-Membros, é necessário definir pontos de referência comuns para garantir a transparência, a coerência e a portabilidade entre as várias vertentes políticas e os desenvolvimentos práticos existentes em toda da Europa, de modo a aumentar a confiança mútua.

2.2.   Após um longo processo de preparação e de consulta, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a criação de um Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e a Formação Profissionais.

2.3.   A recomendação visa apoiar os esforços dos Estados-Membros em favor da melhoria contínua da qualidade dos sistemas e dos programas de EFP através de um instrumento de referência europeu comum em matéria de garantia da qualidade e de quadro de avaliação da qualidade, o QREGQ.

2.4.   A principal função do QREGQ é providenciar referências definidas entre países que ajudem os Estados-Membros e as partes interessadas a documentar, desenvolver, acompanhar, avaliar e melhorar a eficácia das suas disposições de EFP e das suas práticas de gestão da qualidade do EFP.

2.5.   A posição do CESE sobre a proposta da Comissão baseia-se sobretudo nos conhecimentos e nas experiências adquiridos (7).

3.   Observações do CESE

3.1.   O CESE concorda com a Comissão Europeia quanto à necessidade de critérios de referência comuns em matéria de garantia de qualidade, caso se pretenda definir e atingir objectivos comuns no âmbito da política europeia para o ensino e a formação profissionais.

3.2.   O CESE congratula-se com os aspectos positivos da proposta da Comissão sobre o QREGQ entre os quais se contam o carácter voluntário da sua utilização pelos Estados-Membros, a sua adaptabilidade a diferentes sistemas nacionais em conformidade com a legislação e a prática nacionais, assim como a necessidade de que as decisões referentes à sua aplicação sejam tomadas pelos níveis nacional, regional e/ou local.

3.3.   O QREGQ baseia-se no Quadro Comum de Garantia da Qualidade (QCGQ) criado com base nas melhores práticas dos Estados-Membros, aperfeiçoando-o. O CESE congratula-se por as melhorias efectuadas terem permitido uma simplificação do QREGQ em relação ao QCGQ. Considera, igualmente, positivo que os critérios qualitativos e os descritores indicativos comuns sejam mais concretos e mais claros, o que poderá facilitar, em larga medida, a interpretação, a compreensão e a aplicação pelos Estados-Membros.

3.4.   O CESE é da opinião de que os novos e modernos critérios de garantia de qualidade e os descritores indicativos constantes do anexo 1 da recomendação, elaborados através de consenso, fazem do QREGQ uma ferramenta preciosa para a melhoria contínua da qualidade do EFP nos níveis europeu e nacional. Estes critérios qualitativos e descritores indicativos, que reflectem aspectos fundamentais do trabalho realizado em matéria de qualidade do EFP, permitem uma programação proactiva, a aplicação, a avaliação e o futuro desenvolvimento das actividades em matéria de garantia da qualidade nos níveis nacional e institucional (isto é, os prestadores de EFP). Também permitem que sejam tomadas medidas para melhorar a transparência e a coerência entre as iniciativas e as acções políticas dos diferentes Estados-Membros neste domínio.

3.5.   O CESE considera particularmente importante que a Comissão Europeia disponha de dados fiáveis, assentes em factos objectivos, sobre o grau de realização dos objectivos fixados em matéria de garantia de qualidade, em conformidade com os três principais objectivos políticos (ver ponto 1.3). Por esta razão, o CESE regozija-se por a Comissão apresentar no anexo 2 da recomendação uma proposta com um primeiro grupo de indicadores comuns ao nível do sistema para aferição e avaliação da qualidade do EFP no nível nacional.

3.6.   Os indicadores são indispensáveis para a boa gestão e para a qualidade dos sistemas de EFP, na medida em que apoiam a elaboração de uma política baseada em factos e facilitam a análise comparativa entre países. Contudo, o CESE chama a atenção da Comissão Europeia para o facto de que convém velar pela harmonização e uniformização dos métodos de recolha e de compilação de dados para os indicadores do QREGQ em todos os Estados-Membros (definição, interpretação e modo de cálculo únicos), com vista a aumentar a fiabilidade e a comparabilidade dos dados.

3.7.   O CESE considera particularmente importante encorajar os intervenientes dos diferentes níveis de EFP a procederem de forma sistemática a uma auto-avaliação (na medida das possibilidades, em conjunção com uma avaliação externa independente, por exemplo no âmbito do processo periódico de avaliação pelos pares ao nível europeu — European Peer Review). O tratamento dos pontos identificados durante a auto-avaliação permitirá oferecer serviços de formação de elevada qualidade, correspondendo assim às expectativas e aos interesses dos parceiros envolvidos (tanto dos participantes na formação como dos empregadores). A auto-avaliação permite obter regularmente informação sobre os níveis de satisfação dos parceiros quanto à formação dispensada e aos serviços de educação, sobre as necessidades do mercado de trabalho e sobre as competências e aptidões adquiridas pelos trabalhadores durante a formação.

3.8.   A especificidade e o valor acrescentado essencial do QREGQ é o facto de encorajar a utilização de critérios qualitativos, de descritores indicativos e de indicadores comuns e de promover a melhoria da qualidade com base numa auto-avaliação regular, tanto nos sistemas de EFP, como nos prestadores e estabelecimentos de ensino e formação profissionais. O CESE gostaria de chamar a atenção das partes interessadas para o facto de que a melhoria da qualidade ao nível do sistema de cada país só é possível se a introdução do QREGQ não se limitar aos estabelecimentos de ensino e de formação profissionais, mas se alargar ao nível dos sistemas (gestão) de EFP. Por outro lado, o recurso a critérios qualitativos, a descritores indicativos e a indicadores comuns permite também tornar comparáveis as práticas de prestação de ensino e de formação profissionais, bem como as práticas de gestão do EFP em vigor em toda a UE.

3.9.   O CESE recorda a Comissão Europeia de que o elemento mais importante para alcançar os objectivos comuns é o empenho genuíno dos Estados-Membros na implementação e aplicação do QREGQ, que deverá envolver a tradução em objectivos específicos e em iniciativas práticas dos princípios fundamentais, dos critérios de qualidade e dos outros descritores indicativos comuns, assim como a aplicação coerente destes objectivos e destas iniciativas.

3.10.   O CESE apela à Comissão para que encoraje e apoie a utilização do QREGQ, assim como a sua melhoria contínua nos níveis europeu e nacional. A Comissão deve encontrar, no futuro, os meios de financiar os mecanismos pertinentes e deve, do mesmo modo, sensibilizar os actuais e os novos parceiros para a qualidade das oportunidades de financiamento existentes a todos os níveis, de modo a promover e apoiar a utilização do QREGQ. A Comissão deve ainda colaborar de forma mais estreita com a Rede Europeia de Garantia da Qualidade no EFP e apoiá-la na sua tarefa de constante adaptação e aperfeiçoamento dos princípios de qualidade, dos critérios qualitativos, dos descritores indicativos e dos indicadores comuns.

3.11.   O CESE regozija-se por a proposta ter integrado uma garantia de qualidade importante ao prever uma revisão regular (todos os três anos) e uma avaliação do processo de introdução do QREGQ no nível nacional. Estes resultados poderiam contribuir posteriormente para a revisão do quadro de referência no nível europeu. Na opinião do CESE, as avaliações deveriam centrar-se na incidência concreta do QREGQ na qualidade do ensino e da formação profissionais nos níveis nacional e europeu, na identificação dos domínios em que houve melhorias e aperfeiçoamentos, bem como nas alterações ocorridas na implementação e em que medida.

3.12.   O CESE recomenda que se divulgue amplamente a informação e se melhore a comunicação sobre o QREGQ a fim de se chegar a um máximo possível de participantes e de intervenientes potenciais. Há que elaborar um plano e uma estratégia de comunicação para sensibilizar e realçar as vantagens e os resultados esperados da utilização do QREGQ em todos os níveis, mas mais particularmente nos prestadores (estabelecimentos) de EFP. É necessário envidar esforços em vários níveis para assegurar uma comunicação eficaz à escala europeia e nacional, por um lado, e à escalar do sistema e dos prestadores de EFP, por outro. No que se refere às actividades de informação no plano europeu, a Rede Europeia para a Garantia da Qualidade na Educação e Formação Profissionais (ENQA VET) pode desempenhar um papel considerável juntamente com a Comissão Europeia. No plano nacional, esta tarefa poderia ser assegurada pelos pontos de referência nacionais para a garantia da qualidade.

3.13.   Em conformidade com o seu parecer sobre formação e produtividade (8), o CESE gostaria de reiterar a necessidade de uma maior coordenação entre os diferentes níveis dos sistemas de ensino e de formação no plano europeu e nacional, no que respeita à aprendizagem ao longo da vida. Isto requer, igualmente, abordagens coerentes em matéria de garantia e de avaliação da qualidade nos sectores da educação e da formação.

3.14.   O CESE está convicto de que o ensino e a formação profissionais devem ser desenvolvidos em todos os níveis como parte integrante fundamental da aprendizagem ao longo da vida. É importante garantir uma ligação estreita do EFP com os níveis de ensino precedentes e subsequentes, nomeadamente com o ensino geral e superior. Dever-se-ia proporcionar aos diferentes grupos etários, incluindo as crianças pequenas, oportunidades de desenvolvimento e as infra-estruturas necessárias e avaliá-los de acordo com ciclos de vida.

3.14.1.   A avaliação da qualidade deve aplicar-se a todos os tipos de ensino e de estabelecimentos educativos desde a primeira infância, na medida em que a educação nesta fase de crescimento aumenta o sucesso académico e profissional posterior. Deve também aplicar-se ao ensino primário para assegurar que os alunos têm as competências básicas antes de transitarem para um nível de ensino superior. O facto de dar atenção apenas ao período do EFP sem ter em consideração os resultados académicos obtidos no ensino geral, que são determinantes para os resultados posteriores e para os percursos profissionais, diminui a credibilidade e a eficácia da avaliação do EFP. O CESE considera que é importante que a Comissão Europeia examine as relações existentes entre os diferentes níveis de formação, tendo em conta as consequências e as circunstâncias externas ao ensino, bem como da maneira como se articulam com a qualidade do ensino e da formação profissionais.

3.14.2.   O CESE realça a importância de se reforçarem as ligações entre garantia e avaliação da qualidade do EFP em todos os sectores envolvidos na educação, com vista a melhorar a comunicação e assim aumentar a confiança mútua, bem como para se encontrar uma visão comum em matéria de garantia de qualidade e desenvolvimentos conjuntos. O CESE congratula-se com o facto de a cooperação com o ensino superior sobre a garantia de qualidade já ter sido lançada e propõe a sua prossecução e reforço. Por outro lado, a aplicação do QEQ exige abordagens de garantia da qualidade coerentes, em particular entre o EFP e o ensino superior, na medida em que a promoção da aprendizagem ao longo da vida é uma vertente comum a ambos os sectores.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Estratégia de Lisboa (2000).

(2)  Conclusões do Conselho sobre a garantia de qualidade em matéria de ensino e formação profissionais (28 de Maio de 2004).

Declaração de Copenhaga (30 de Novembro de 2002) que afirma que a promoção da cooperação no que se refere à garantia de qualidade, com particular ênfase no intercâmbio de modelos e métodos, bem como no desenvolvimento de princípios e critérios comuns de qualidade em matéria de educação e de formação profissionais (http://europass.cedefop.europa.eu/img/dynamic/c1401/type.FileContent.file/Copenhagen_en_US.PDF – em inglês).

Comunicado de Maastricht (14 de Dezembro de 2004), comunicado de Helsínquia (5 de Dezembro de 2006).

(3)  Comunicado de Helsínquia (5 de Dezembro de 2006).

(4)  N.T.: http://www.enqavet.eu/ (em inglês).

(5)  Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à instituição do Quadro Europeu de Qualificações para a aprendizagem ao longo da vida (http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:111:0001:0007:PT:PDF).

(6)  Criação do Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (COM(2008) 180 final).

(7)  Ver os seguintes pareceres do CESE:

sobre a «Proposta de recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à instituição do quadro europeu de qualificações para a aprendizagem ao longo da vida», relator José Isaías RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO (JO C 175 de 27.7.2007);

sobre a «Proposta de recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as competências-chave para a aprendizagem ao longo da vida», relatora Mária HERCZOG (JO C 195 de 18.8.2006);

sobre a «Proposta de recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à mobilidade transnacional na Comunidade para fins de educação e de formação: Carta Europeia da Qualidade da Mobilidade», relator Tomasz CZAJKOWSKI (JO C 88 de 11.4.2006);

sobre a «Proposta de recomendação do Conselho e do Parlamento Europeu relativa à continuação da cooperação europeia com vista à garantia da qualidade do ensino superior», relator Mário SOARES (JO C 255 de 14.10.2005);

sobre «Formação e produtividade», relator Christoforos KORYFIDIS (JO C 120 de 20.5.2005).

(8)  Ver parecer do CESE sobre «Formação e produtividade», relator Christoforos KORYFIDIS (JO C 120 de 20.5.2005).


30.4.2009   

PT

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C 100/140


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a criação do Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (ECVET)

COM(2008) 180 final — 2008/0070 (COD)

2009/C 100/25

Em 23 de Abril de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Criação do Sistema Europeu de Créditos de Ensino e Formação Profissionais (ECVET)

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 11 de Setembro de 2008, sendo relatora A. LE NOUAIL-MARLIÈRE.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro de 2008), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 109 votos a favor, sem votos contra com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1.   A proposta de recomendação em apreço tem por objecto a criação de um sistema europeu comum de certificação destinado a facilitar a transferência e o reconhecimento das qualificações para a mobilidade dos trabalhadores.

1.2.   A educação e a formação são partes integrantes da Estratégia de Lisboa, um programa europeu de reforma para vencer os desafios da sociedade baseada no conhecimento e da economia. Mais especificamente, o desenvolvimento dos conhecimentos, das competências e das capacidades dos cidadãos, por via da formação e da educação, é condição necessária e indispensável para a concretização dos objectivos de Lisboa em matéria de competitividade, desenvolvimento, emprego e coesão social.

1.3.   Não obstante os progressos realizados, os desafios estabelecidos persistem, nomeadamente no que diz respeito à formação ao longo da vida e à mobilidade dos trabalhadores, dois domínios em que subsistem numerosos obstáculos. Estas dificuldades revelam a necessidade de desenvolver instrumentos e mecanismos de cooperação susceptíveis de facilitar a participação na formação ao longo da vida e a transferência das qualificações entre os diferentes Estados, as instituições e os sistemas. Melhorar a transparência ao nível das qualificações é uma etapa indispensável para a realização de uma estratégia deste tipo e para o desenvolvimento dos conhecimentos, das capacidades e das competências de que necessitam os trabalhadores e os cidadãos da Europa, bem como todos os intervenientes (nomeadamente os organismos formadores).

1.4.   O sistema ECVET (1), em que os cidadãos são os destinatários, deveria favorecer o reconhecimento dos resultados da aprendizagem ao longo da vida num contexto transnacional. Este sistema, que se baseia nas práticas e nos sistemas existentes na Europa, assenta nos seguintes elementos:

Descrição das qualificações em unidades de aprendizagem (conhecimentos, capacidades e competências) transferíveis e acumuláveis;

Exigência de transparência nos mecanismos de transferência e de capitalização dos resultados da aprendizagem e na respectiva validação;

Estabelecimento de parcerias entre as instituições tendo em vista a criação de um ambiente propício à transferência e de um espaço de aprendizagem transnacional.

2.   Observações na generalidade

2.1.   A avaliação de impacto demonstra que o sistema ECVET é um instrumento susceptível de promover a transparência, a comparabilidade, a transferência e a acumulação dos resultados da aprendizagem entre os diferentes sistemas. Este sistema não requer uma grande atomização das qualificações e não propõe a harmonização das mesmas nem dos sistemas de formação. Ele apoia e reforça os instrumentos existentes para a promoção da mobilidade [ECTS (2) e QEQ (3)], podendo contribuir para as reformas necessárias dos sistemas de formação nacionais na perspectiva de uma formação ao longo da vida. Como tal, o sistema ECVET gera uma mais-valia no domínio da mobilidade e da formação ao longo da vida.

2.2.   No entanto, não se devem minimizar as dificuldades existentes ao nível destes instrumentos. Mesmo que o QEQ tenha por objectivo assegurar a comparabilidade entre os diferentes países, os sistemas nacionais devem ser concebidos e organizados de modo a permitir a compreensão e a confiança dos parceiros dos outros Estados. Cabe à Comissão fixar os critérios de garantia da pertinência, da transparência, da comparabilidade e promover um clima de confiança mútua entre os parceiros. Embora o QEQ tenha sido criado para permitir a comparabilidade e a transposição voluntária das qualificações ao nível europeu, nacional e sectorial, importa não subestimar a complexidade dos sistemas existentes. Há, portanto, que reforçar os instrumentos que permitem aumentar a transparência e levar a bom termo as etapas necessárias para que, em 2012, possam ser emitidos diplomas ou outros certificados.

2.3.   Assinale-se, também, que o sistema ECVET não pretende substituir as outras políticas em vigor na União Europeia, nomeadamente a Directiva 2005/36/CE relativa aos trabalhadores migrantes. Mas, por outro lado, ele não vem reforçar as ligações necessárias com os programas europeus existentes, que prevêem, nomeadamente no que respeita às regiões menos desenvolvidas da UE, o financiamento através do FSE das actividades de reforma dos sistemas de educação e de formação, de modo a que as pessoas tomem maior consciência da importância das necessidades da sociedade baseada no conhecimento e, nomeadamente, da necessidade de educação e de formação ao longo da vida, ao mesmo tempo que se visa melhorar o acesso a uma educação de qualidade.

2.4.   O sistema ECVET, sendo um processo contínuo, requer um compromisso sustentado por parte de todos os intervenientes, e exige uma sinergia entre as iniciativas realizadas aos níveis europeu, nacional ou sectorial. Infelizmente, ele não prevê expressamente uma valorização dos progressos ou das inovações (boas práticas) que seja igualmente geradora de uma dinâmica junto dos actores e dos parceiros potenciais na perspectiva da avaliação prevista em 2012.

2.5.   Mesmo que o Comité constate que as consultas efectuadas a todos os níveis e a um elevado número de actores públicos e privados permitiram estabelecer uma linguagem comum, a utilização sistemática de uma série de acrónimos, nomeadamente nas propostas, nas comunicações, nas recomendações, nos estudos de impacto e nos relatórios encomendados pela Comissão, resultou numa mistura de acrónimos e numa confusão que não augura nada de bom para o objectivo perseguido. Uma abreviatura, uma sigla, um acrónimo ou um lema que faça sentido numa determinada língua pode nada significar numa outra ou, inclusivamente, veicular uma imagem negativa. Por outro lado, essa utilização pode limitar a entrada de novos organismos formadores e dissuadir o público-alvo de se interessar pelo que foi concebido com o intuito de facilitar a transferência entre os sistemas de formação profissional nacionais, e não de os tornar mais opacos. Da mesma maneira, o Comité preconiza que, no esforço para harmonizar e tornar os vários sistemas de formação profissional compatíveis com a formação ao longo da vida, sejam tidos em conta os aspectos linguísticos e demais esforços empreendidos pela Comissão.

2.6.   A Comissão deve velar por que o objectivo de permitir a qualquer cidadão receber formação em diferentes estabelecimentos de formação e em diferentes países, facilitando-se a mobilidade dos aprendentes em toda a Europa — o que é tanto mais notável na medida em que há mais de 30 000 estabelecimentos de formação profissional na União Europeia (4) —, não seja atingido em detrimento da diversidade linguística, por um lado, e da qualidade do ensino linguístico promovido pela Comissão, por outro.

3.   Observações na especialidade

3.1.   A Comissão ao decidir propor a criação do sistema ECVET, sob a forma legislativa de uma recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho, fundamentada no artigo 150.o do Tratado, proporciona um quadro que permite executar os princípios do sistema ECVET numa base voluntária. Deste modo reforça-se o processo de consulta lançado com o objectivo de permitir uma confrontação dos pontos de vista dos diversos actores, nomeadamente dos parceiros sociais.

3.2.   A aplicação voluntária, embora apresente lacunas, permite melhorar a coordenação entre a Comissão, os parceiros sociais e os Estados-Membros com vista a identificar as dificuldades futuras e, sobretudo, a promover as inovações e as soluções mais adequadas. Isso permite uma aplicação mais flexível e eficaz do sistema ECVET, trazendo uma verdadeira mais-valia europeia para os cidadãos e trabalhadores europeus em termos de reconhecimento das competências e favorecendo assim a aprendizagem ao longo da vida e a mobilidade.

3.3.   O objectivo declarado da Comissão de proceder a uma avaliação e à divulgação dos progressos com vista a assegurar a evolução e a revisão permanente do sistema ECVET e permitir a sua adaptação parece augurar uma boa cooperação. Importa que todos os intervenientes, com destaque para os utentes ou seus representantes, sejam envolvidos na avaliação e na elaboração do relatório previsto na proposta.

3.4.   O empenho da Comissão em apoiar e promover a mobilidade transnacional e o acesso à aprendizagem ao longo da vida no domínio do ensino e da formação profissional deve traduzir-se igualmente por uma afirmação mais explícita dos princípios subjacentes à Recomendação no que toca ao lugar e ao papel dos vários intervenientes:

Os utilizadores finais são os aprendentes voluntários, para obterem o reconhecimento das qualificações que adquiriram;

O sistema de qualificações, baseado no reconhecimento dos créditos de ensino adquiridos, deve ser imparcial e fomentar a igualdade de acesso, sem introduzir entraves adicionais ou critérios de selecção específicos;

A cooperação europeia em matéria de educação e formação inicial e de aprendizagem ao longo da vida é fundamental para assegurar a transparência e o reconhecimento das qualificações;

Devem ser criadas redes e parcerias especificamente adaptadas ao sistema ECVET a fim de desenvolver novos instrumentos e práticas para os contratos de aprendizagem e as transferências de créditos;

A Comissão deveria assegurar-se de que as normas a adoptar permitem um tratamento equitativo não só dos aprendentes mas também dos organismos formadores. Estudos recentes (5) revelam ainda que os indivíduos que mais beneficiam da aprendizagem ao longo da vida são os que já possuem diplomas e que as pessoas com as qualificações menos elevadas ou sem qualificações são as que menos beneficiam dessa aprendizagem. Há diversas razões para este fenómeno, mas convém evitar cair no mesmo erro no que diz respeito às qualificações e a Comissão deve velar por que o sistema de qualificações inclua igualmente as camadas da população menos qualificadas.

A este respeito, refira-se que vários organismos formadores (associações e organizações) especializados nessas camadas da população, e que tinham acumulado uma experiência concreta de longa data, foram recentemente afastados do mercado, em certos Estados-Membros, porque muitas vezes as economias a efectuar a curto prazo tenderam a negligenciar o público «menos rentável». Essa experiência merece que lhe sejam afectados mais recursos humanos e financeiros, sobretudo nos domínios da cultura, da economia social e da educação popular, que para muitos cidadãos constituem uma porta de acesso à formação profissional.

3.5.   Para implantar um sistema europeu de qualificações através de uma cooperação reforçada são necessárias normas comuns, o que se revela particularmente difícil no caso das formas de aprendizagem ditas informais. As normas a impor deveriam ser elaboradas e examinadas segundo os critérios propostos, nomeadamente, pelo CEDEFOP no seu relatório (ver nota infra) e após consulta dos organismos que tenham a experiência mais longa e inclusiva (ou seja, cujo êxito não se baseie na eliminação e na selecção prévia para as formações que dão direito a uma qualificação).

3.6.   A Comissão deve ter em conta a sua Comunicação sobre o Plano de Acção para a Educação de Adultos (6), o qual permitiria incluir mais rapidamente o maior número possível de pessoas, com destaque para os mais necessitados, as pessoas não só mais vulneráveis ou mais desfavorecidas mas que deveriam ser prioritárias por razões de inclusão social e humana e de coesão económica e territorial (7).

3.7.   Os anexos 1 e 2 à presente Recomendação, inspirados pelas recomendações do CEDEFOP (8), são elementos importantes para o êxito do sistema ECVET, dado que contribuem para a transparência e para a coerência e definem princípios para um desenvolvimento a todos os níveis. Os anexos deveriam ser mais amplamente divulgados e explicitados, a fim de garantir a perenidade e a sustentabilidade do sistema.

3.8.   A elaboração de um repertório comum e de uma nomenclatura comum para os objectos pedagógicos no âmbito da pré-consulta e da consulta da Comissão, que representa um avanço, não deve fazer esquecer que a educação não é um serviço comercial e sim um serviço de base que deve ser acessível a todos, sustentado por investimentos públicos e por políticas coesas, quer a nível nacional quer nas negociações no quadro da OMC, se se pretende preservar a competitividade da Europa no seu sentido mais lato (interesse geral).

3.9.   No interesse da coerência, o trabalho condigno e uma educação de qualidade, ambos garantes da competitividade, devem ser objectivos indissociáveis, e o sistema europeu de qualificações deve continuar a basear-se na cooperação entre os Estados-Membros, os parceiros sociais a todos os níveis e os aprendentes, os quais devem, enquanto destinatários, continuar a ser a prioridade principal. Os objectivos devem ser claros e acessíveis a todos os beneficiários: reconhecimento e transferência das qualificações adquiridas, mobilidade geográfica e profissional, e, no que diz respeito aos operadores, reconhecimento e acesso ao financiamento de interesse geral. Um sistema europeu de qualificações pode promover a empregabilidade e a mobilidade quando preserva os operadores com os melhores desempenhos (em termos de experiência, do número de validações e da qualidade das validações), reconhece a experiência acumulada pelos operadores (organizações e associações) que aplicaram na prática os métodos seguidos, dá prioridade e restabelece a confiança dos operadores que foram afastados (apoio aos migrantes e aos Rom, alfabetização de adultos, apoio linguístico, etc.).

3.10.   O Comité recorda que os trabalhadores mais afectados pela mobilidade são os trabalhadores masculinos destacados nos sectores da construção civil, seguidos pelos dos serviços informáticos e das novas tecnologias, do turismo, dos transportes, etc.

3.11.   Uma vez que o sistema ECVET está especificamente orientado para a formação profissional inicial e contínua e para o reconhecimento e validação das qualificações formais (ensino) e informais (experiência profissional), o Comité recomenda que o sistema de qualificações preste uma atenção particular à aprendizagem ao longo da vida e ao reconhecimento das qualificações adquiridas pelos trabalhadores destacados (9).

3.12.   O balanço previsto para daqui a quatro anos deve abranger igualmente a disseminação do sistema nos Estados-Membros, liderada pela Comissão, com vista a incorporá-lo na evolução dos sistemas actualmente existentes e na sociedade civil.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  ECVET é o acrónimo de Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais.

(2)  Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos do Ensino Superior.

(3)  Quadro Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da Vida.

(4)  IP/08/558 Comunicado da Comissão.

(5)  Progress towards the Lisbon objectives in Education and Training, Indicators and Benchmarks, 2007: SEC(2007) 1284. Inquérito do NIACE sobre a participação dos adultos na aprendizagem, «Avaliação dos custos», Janeiro de 2008. O NIACE é o Instituto Nacional para a Formação Contínua de Adultos no Reino Unido.

(6)  Parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e o ao Comité das Regiões: Plano de Acção para a Educção de Adultos. Nunca é Tarde para Aprender, relatora: R. HEINISCH, (JO C 204, de 9.8.2008, p. 89).

(7)  Parecer do CR, de 19 de Junho de 2008, sobre o Plano de acção para a educação de adultos — Nunca é tarde para aprender, relatora: M. SHIELDS, adoptado na plenária de 18 e 19 de Junho de 2008.

(8)  Criado em 1975 pelo Regulamento (CEE) n.o 337/75 do Conselho, o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional é o centro de referência da União Europeia para a formação profissional. Relatório de Erwin SEYFRIED — Fachhochschule für Verwaltung und Rechtspflege — Forschungsstelle für Berufsbildung, Arbeitmarkt und Evaluation (Escola Superior de Administração Pública e Administração da Justiça — Centro de Investigação sobre a formação profissional, o Mercado de Trabalho e a Avaliação), Berlim, para o CEDEFOP: Panorama: Indicadores de qualidade no ensino e na formação profissional.

(9)  Parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços — Maximizar os benefícios e potencialidades e simultaneamente garantir a protecção dos trabalhadores, relatora: LE NOUAIL-MARLIÈRE (JO C 224 de 30.8.2008, p. 95).


30.4.2009   

PT

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C 100/144


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta alterada de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho no trabalho

COM(2008) 111 final — 2006/0214 (COD)

2009/C 100/26

Em 4 de Junho de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho no trabalho

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 11 de Setembro de 2008, sendo relator único Xavier VERBOVEN.

Na 448. reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 102 votos a favor, sem votos contra com 4 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O Comité apoia a proposta em exame nas suas linhas gerais, convida a Comissão a dar a devida atenção às reservas levantadas e a modificar nesse sentido o texto dos considerandos e espera que a proposta seja rapidamente aprovada pelo Parlamento e pelo Conselho (1).

2.   Justificação

2.1.   Síntese da proposta da Comissão

2.1.1.   O objectivo da presente proposta é codificar a Directiva 89/655/CEE do Conselho, de 30 de Novembro de 1989, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho no trabalho. A nova directiva substituir-se-á aos actos legislativos que incorpora (2) e, segundo a Comissão, respeita totalmente a substância dos textos, limitando-se a reuni-los sem quaisquer modificações que não sejam de ordem formal, exigidas pela própria operação de codificação.

2.2.   Observações

2.2.1.   A observância das regras de saúde e de segurança aquando da utilização de equipamentos de trabalho é um aspecto importante das medidas de prevenção. Desde 1989, estas regras têm sido objecto de uma harmonização mínima. A directiva de 30 de Novembro de 1989 foi alterada diversas vezes para abranger um número maior de situações de trabalho (em particular o trabalho em altura) e integrar uma perspectiva alargada da saúde no trabalho, com referência aos princípios ergonómicos. A adopção da Directiva 2007/30/CE veio alterar a forma como os Estados-Membros redigem os relatórios nacionais sobre a aplicação da legislação comunitária em matéria de saúde e de segurança. Estas diferentes revisões podem causar dificuldades aos destinatários desta legislação.

2.2.2.   Uma codificação não deveria trazer nenhuma modificação de carácter substancial, quer ao articulado das directivas quer aos seus anexos e considerandos. Estes diferentes tipos de disposições das directivas formam um conjunto coeso e interdependente. Embora os considerandos não sejam em si disposições vinculativas, contribuem ainda assim para facilitar a interpretação dessas disposições e fornecem aos Estados-Membros critérios para uma aplicação coerente. Após exame da proposta, o Comité considera que o texto em exame respeita este princípio fundamental na codificação do articulado e dos anexos, mas se distancia dele no que respeita aos considerandos:

Os considerandos 7, 8, 9, 10 e 11 da Directiva 2001/45/CEE e o considerando 9 da Directiva 89/655/CEE não foram incluídos na codificação.

Os considerandos 10 e 11 da Directiva 2001/45/CEE, em particular, chamavam a atenção para a formação específica necessária dos trabalhadores que venham a utilizar equipamentos para trabalhos em altura. O Comité desejaria que a proposta de codificação não omitisse tal recomendação nos seus considerandos.

Em virtude da Decisão 2003/C 218/01 do Conselho, de 22 de Julho de 2003, o Comité é de opinião que a presente proposta deveria ser objecto de consulta do Comité Consultivo para a Segurança e a Saúde no Local de Trabalho. Essa consulta deveria ser referida nos considerandos da directiva, segundo a prática corrente. A consulta poderia já ter tido lugar sem quaisquer problemas, visto o tempo entretanto decorrido desde o início da codificação.

2.2.3.   Sem prejuízo das observações supra, o Comité considera que a proposta da Comissão constitui uma compilação equilibrada das disposições em vigor que as torna mais claras sem suscitar problemas de fundo.

2.2.4.   O Comité apoia a proposta em exame nas suas linhas gerais, convida a Comissão a dar a devida atenção às reservas levantadas e a modificar nesse sentido o texto dos considerandos e espera que a proposta seja rapidamente aprovada pelo Parlamento e pelo Conselho.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver também o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho no trabalho (segunda directiva especial na acepção do n.o 1 do artigo 16.o da Directiva 89/391/CEE) (versão codificada), relator: X. VERBOVEN (JO C 97, de 28 de Abril de 2007).

(2)  Directiva 89/655/CEE do Conselho, Directiva 95/63/CE do Conselho, Directiva 2001/45/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Directiva 2007/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.


30.4.2009   

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C 100/146


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho relativa ao regime geral dos impostos especiais de Consumo

COM(2008) 78 final/3 — 2008/0051 (CNS)

2009/C 100/27

Em 4 de Março de 2008, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 93.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de directiva do Conselho relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 2 de Outubro de 2008, tendo sido relator Umberto BURANI.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 107 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE concorda com a decisão da Comissão de reformular integralmente a directiva de base sobre impostos especiais de consumo — 92/12/CEE de 1992 —, tendo em conta a adopção do sistema de informatização dos movimentos e dos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (adiante designado por «EMCS»), a que fornece uma base jurídica. A Comissão aproveitou a oportunidade para introduzir algumas alterações e inovações que a experiência acumulada pelas administrações dos Estados-Membros e pelos operadores comerciais tornaram necessárias. Foram, além disso, simplificados diversos procedimentos. Em termos gerais, o CESE não tem objecções particulares a fazer em relação às partes a alterar ou a inovar, mas vê por bem dedicar algumas reflexões sobre certos aspectos, que espera sejam úteis para os debates que se seguirão.

1.2.   A Comissão aponta, como hipótese, a data de 1 de Janeiro de 2009 para a entrada em vigor da directiva, mas está consciente de que o exame da proposta exigirá muito mais tempo. Propõe ainda que o sistema EMCS seja aplicado, nos primeiros tempos, apenas pelos Estados-Membros que o hajam adoptado, continuando os restantes a utilizar, durante um certo período, o suporte de papel.

1.3.   O CESE, em uníssono com as demais partes interessadas, considera que esta medida deve ser encarada com um certo criticismo, já que uma dualidade de sistemas só contribuirá para criar confusão e implicará custos acrescidos quer para as administrações quer para os operadores comerciais. Porém, a alternativa de avançar com o EMCS apenas quando todos estiverem preparados para isso, acaba por penalizar não só aqueles que poderiam já arrancar com o sistema como os operadores comerciais. Uma solução intermédia, pouco satisfatória porque susceptível de comprometer a introdução do EMCS na Europa, poderia ser utilizar este sistema unicamente nas operações internas dos Estados-Membros já em condições de adoptar o procedimento informatizado. O suporte em papel seria utilizado pelos Estados-Membros nas transacções internacionais até todos estarem à altura de transitar para o suporte electrónico.

1.4.   A parte mais relevante do documento da Comissão é a circulação dos produtos em regime de suspensão do imposto. O CESE está de acordo com as várias inovações, salvo no caso de algumas especificações e propostas (pontos 4.6 a 4.9) que dizem respeito sobretudo ao conceito, agora mais exacto, de «perda definitiva» de produtos. No atinente às vendas à distância, a formulação do artigo 34.o (ponto 4.9) poderia suscitar dúvidas de interpretação de natureza jurídica quanto ao país que cobra os impostos.

1.5.   O CESE propõe igualmente a inclusão na nova directiva de uma cláusula com os limites de quantidade e de valor a partir dos quais as aquisições de um cidadão noutro Estado-Membro são consideradas de carácter «privado». Há aqui o perigo de diferenças de interpretação e de aplicação por parte das várias administrações.

2.   Proposta da Comissão

2.1.   A Directiva 92/12/CEE, de 25 de Fevereiro de 1992, contém disposições sobre o regime geral dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, baseadas na sua maioria no suporte de papel. Em 16 de Junho de 2003, foi introduzida com a Decisão n.o 1152/2003/CE do Parlamento Europeu e do Conselho o sistema informatizado, designado por EMCS (Excise Movement and Control System), que simplifica os procedimentos a seguir pelos operadores comerciais e cria condições para as autoridades procederem a controlos integrados mais eficazes. Com a adopção do EMCS será necessário adaptar as disposições relativas à circulação de produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo.

2.2.   A Comissão aproveita a oportunidade para substituir integralmente a Directiva 92/12/CEE. Para além de partir da adopção do EMCS, a que fornece uma base jurídica, também altera organicamente a directiva anterior na sua íntegra: actualiza a redacção da directiva, tendo em conta as novas disposições legislativas, reformula o texto, reforçando a estrutura lógica e eliminando as disposições cuja importância se esbateu com o tempo, adapta-se aos novos conceitos jurídicos e simplifica os procedimentos, reduzindo as obrigações dos operadores comerciais mas sem comprometer os controlos.

2.3.   O novo texto integra igualmente, no capítulo V, os elementos essenciais do documento COM(2004) 227 final — posto de parte pelo Conselho em 2005 — que alterava os artigos 7.o a 10.o da directiva de base, respeitantes à circulação intracomunitária dos produtos já introduzidos no mercado.

2.4.   A proposta foi precedida de uma ampla consulta aos operadores comerciais e elaborada em estreita cooperação com um grupo de trabalho de peritos, sob os auspícios do Comité dos Impostos Especiais de Consumo: um procedimento correcto que deveria permitir um exame técnico do documento sem conflitos de maior.

3.   Observações na generalidade

3.1.   O CESE não pode deixar de felicitar a Comissão pela sua iniciativa que deu origem a um documento melhor estruturado do que o documento que lhe serviu de base, mais coerente e consentâneo com a simplificação dos procedimentos administrativos. É, além disso, patente uma maior abertura para as necessidades dos operadores comerciais, sem abrandar os controlos, que serão, ao contrário, mais eficazes com a adopção do sistema EMCS.

3.2.   A parte mais relevante do documento da Comissão é a circulação dos produtos em regime de suspensão do imposto, com procedimentos baseados no EMCS. Em conformidade com a Decisão n.o 1152/2003/CE, o sistema EMCS será introduzido em Abril de 2009. Se já é lícito duvidar que este prazo seja cumprido por alguns países, é praticamente certo que não o será por todos eles. O sistema precisará, de qualquer modo, de um período de adaptação colectiva e implicará uma estreita colaboração entre as administrações nacionais com vista à harmonização dos procedimentos internos, um problema bastante complexo sob o ponto de vista administrativo, técnico e operacional. A Comissão mostra que está ciente desta complexidade ao propor o dia 1 de Abril de 2010 para a entrada em vigor da directiva e ao prever para os Estados-Membros um período transitório suplementar durante o qual se manteria em vigor a directiva de base, pelo menos, as disposições mais pertinentes.

3.3.   Os Estados-Membros mostram-se empenhados em adoptar o EMCS, mas nada indica que todos o façam voluntariamente, sendo perfeitamente possível que surja ainda qualquer obstáculo à sua aplicação integral. São de esperar algumas resistências, porventura justificadas por argumentos de carácter técnico, mas, no fundo, inspiradas por motivos de natureza diversa. O precedente da proposta de directiva [COM(2004) 227 final] mencionada no ponto 2.3 relativa à circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo após serem colocados no mercado não augura nada de bom. Após longas e laboriosas negociações, ficou decidido manter a questão «em suspenso», na pendência da revisão integral desta matéria. Mas verifica-se agora que a proposta em apreço é praticamente a reprodução da anterior.

3.4.   Os problemas mais delicados são, portanto, de carácter político e económico. Os Estados-Membros aplicam taxas diferentes no atinente aos impostos especiais de consumo sobre vários produtos, o que dá origem ao bem conhecido fenómeno das aquisições transfronteiras, baseadas em cálculos de conveniência. Segundo os princípios do mercado único, todos os cidadãos devem poder beneficiar das diferenças de preço não só a nível nacional mas também, e sobretudo, nas suas aquisições transfronteiras. Só que estes princípios são postos em causa quando entram em jogo aspectos fiscais. A realidade quotidiana mostra que os Estados-Membros não vêem com bons olhos estas transacções quando se sentem prejudicados e ignoram-nas quando se sentem favorecidos. Não há um produto sujeito a impostos especiais de consumo que não seja afectado por esta situação, sendo prova disso os debates havidos nos últimos tempos sobre o tabaco, o álcool e o gasóleo (1), em que são invocados motivos de saúde, de ordem pública, de respeito do ambiente, para além dos prejuízos para a economia. Mas, por trás disso, há motivos nem sempre explícitos que são o resultado de cálculos de conveniência fiscal. As diversas posições relacionam-se, portanto, com as políticas sociais, económicas e fiscais adoptadas pelos vários Estados-Membros. Ao nível comunitário, tudo isto se converte num problema de natureza eminentemente política.

3.5.   O CESE tem perfeita noção da delicadeza desta matéria e das dificuldades com que os Estados-Membros se podem deparar nas futuras negociações. O seu êxito depende do grau de flexibilidade indispensável para chegar a decisões colectivas. Nos impostos especiais de consumo, importa que cada governo encontre o equilíbrio entre manter as suas exigências e fazer cedências às outras partes envolvidas. Por outras palavras, cada uma das partes deverá encontrar uma maneira de perseguir os seus objectivos sociais e orçamentais e conciliá-los com um sistema comum de impostos especiais de consumo, e não inversamente.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Neste capítulo o CESE tem em linha de conta as principais inovações e alterações introduzidas pela proposta da Comissão relativamente à regulamentação em vigor. Escusa-se, contudo, a comentar os aspectos que, à primeira vista, não se prestam a controvérsias, se inspiram num objectivo de racionalização do documento e derivam do bom senso e da evolução natural da matéria.

4.2.   Conforme refere já o ponto 3.2, mesmo que a adopção da directiva implique a revogação da anterior — 92/12/CEE —, a supressão da circulação de documentos em suporte de papel não coincidirá com a entrada em vigor do novo texto. Com efeito, a proposta de directiva prevê que, durante um período transitório, serão autorizadas operações a coberto de documentos de acompanhamento em suporte de papel. Ninguém pode prever a duração deste período. Mas uma coisa é certa: até ser adoptado por todos os Estados-Membros, o sistema EMCS poderá causar problemas. O CESE vê por bem chamar a atenção para os encargos a suportar pelos operadores comerciais, e também pelas administrações competentes dos Estados-Membros, obrigadas a utilizar simultaneamente documentos em papel e em suporte electrónico.

4.2.1.   A alternativa de activar o sistema apenas quando estiver operacional em todos os Estados-Membros tem em si o risco de adiar o projecto para um futuro porventura longínquo, compelindo, por outro lado, os Estados-Membros que têm condições para avançar com o sistema informatizado a esperarem pelos restantes. É uma situação inaceitável que penaliza aqueles que cumpriram as suas obrigações dentro do prazo fixado, e sobretudo os operadores comerciais.

4.2.2.   O Comité avança com uma solução proposta por alguns peritos que, embora não resolvendo todos os problemas, parece um compromisso aceitável mesmo não sendo ideal: os Estados-Membros que já estão preparados para introduzir o sistema informatizado poderiam utilizar documentos em suporte electrónico nas suas operações internas e manter os documentos em suporte de papel nas transacções internacionais. Poder-se-ia, deste modo, experimentar o sistema ao nível nacional, antes de adoptá-lo ao nível comunitário, quando todos os Estados-Membros estiverem preparados para a sua aplicação.

4.3.   O capítulo I «Disposições gerais» não introduz nenhuma alteração substancial em relação à directiva 92/12/CEE, apenas se limitando a melhorar o enquadramento da matéria com alguns retoques, novas definições e modificações de importância menor.

4.4.   No capítulo II «Constituição da obrigação tributária», a alteração ao n.o 4 do artigo 7.o prevê que a «perda irremediável» de um produto em regime de suspensão do imposto especial de consumo fique isento da tributação. O novo termo «perda irremediável» refere-se a um produto que não pode ser utilizado por mais ninguém, independentemente do motivo da perda. A verdadeira inovação consiste no facto de a directiva já não impor a necessidade de provar que se trata de um evento de «força maior». O CESE salienta, contudo, que cada Estado-Membro é livre de estabelecer as suas disposições na matéria.

4.5.   O capítulo III «Produção, transformação e detenção» introduz uma única inovação importante: é possível autorizar a abertura de «entrepostos fiscais» a pessoas residentes noutro Estado-Membro, mesmo que, na lógica do mercado interno, este princípio tenha sofrido no passado algumas restrições.

4.6.   O capítulo IV «Circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto» contém disposições inovadoras: o artigo 16.o prevê que o destino dos produtos pode ser não só os «entrepostos fiscais», mas também uma pessoa singular ou colectiva autorizada («destinatários registados») e, mediante autorização prévia, um «local de entrega directa» designado por um destinatário autorizado. O CESE exprime o seu acordo e espera que os procedimentos de controlo sejam tão eficazes que não haja abusos. Seria, contudo, conveniente definir exactamente os profissionais visados pelos termos utilizados na directiva.

4.7.   As disposições seguintes (artigos 17.o-19.o) dizem respeito à cobertura por uma garantia dos riscos inerentes à circulação em regime de suspensão do imposto especial de consumo e não suscitam qualquer observação em particular. Em contrapartida, são fundamentais as disposições da secção 2 (artigos 20.o-27.o) que tratam dos procedimentos a seguir na circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto. Na opinião dos técnicos, convinha sopesar a adopção destes procedimentos, para verificar se estes permitem controlos eficazes e são compatíveis com os recursos das administrações. O CESE não quer, todavia, deixar de assinalar que os n.os 1, 2 e 3 do artigo 20.o prevêem que a circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas é possível se for coberta por um documento administrativo electrónico, uma regra que é preciso adequar na escolha do sistema a adoptar na transição do suporte de papel para o suporte electrónico.

4.8.   O capítulo V trata da circulação e da tributação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo após a sua introdução no mercado e não contém disposições fundamentalmente novas. Limita-se a reiterar o princípio de tributação dos produtos no país da aquisição se tiverem sido comprados por particulares para seu uso pessoal (artigo 30.o) e no país do consumo se detidos para fins comerciais (artigo 31.o), confirmando as disposições já em vigor para a identificação do devedor do imposto devido e para as mercadorias em trânsito.

4.9.   De especial relevância é a disposição do artigo 34.o que regula as vendas à distância que, em derrogação do artigo 30.o, estabelece que os produtos adquiridos por pessoas que actuem na qualidade de particulares e sejam expedidos ou transportados para outro Estado - Membro, directa ou indirectamente, pelo vendedor ou por sua conta são sujeitos ao imposto especial de consumo no Estado-Membro de destino. Daí se infere, portanto, que se o comprador expedir as mercadorias que adquiriu para o seu domicílio estas ficarão sujeitas ao regime de impostos especiais de consumo do Estado-Membro de aquisição.

4.9.1.   O CESE pergunta se esta disposição não dará origem a problemas de interpretação, já que nas vendas à distância a aquisição tem efeito no domicílio do vendedor no momento em que é efectuado o pagamento. O comprador, que é proprietário das mercadorias, é autorizado por lei a dar instruções a quem quiser (inclusivamente ao vendedor) para expedi-las para o seu domicílio por sua conta e ordem. De um ponto de vista jurídico, e contrariamente à lógica da tributação no local onde o consumo se realiza efectivamente, as mercadorias poderiam, deste modo, ser sempre consideradas como adquiridas por um particular e expedidas ou transportadas por sua conta e ficar, portanto, sujeitas ao regime de impostos especiais de consumo no Estado-Membro da aquisição, mesmo que a expedição tenha ficado a cargo do vendedor.

4.10.   O CESE vê, além disso, por bem frisar aquilo que, a seu ver, é uma lacuna no artigo 34.o: não são especificados os limites de quantidade e de valor a partir dos quais as aquisições de um «particular» noutro Estado-Membro são consideradas de carácter «privado». É indispensável indicar aqui critérios unívocos para evitar discrepâncias entre as medidas aplicadas pelos vários Estados-Membros no mercado interno. Partindo destas premissas, mas não só, o CESE solicita à Comissão e aos Estados-Membros que elaborem regras mais claras e transparentes, para facilitar a vida dos cidadãos e das empresas.

4.11.   As restantes disposições do capítulo VI (Diversos) referem-se à utilização de marcas fiscais e corroboram as disposições em vigor respeitantes ao aprovisionamento de navios e aeronaves. O artigo 38.o trata dos pequenos produtores de vinho (produção anual inferior a 1 000 hl) que beneficiam de procedimentos simplificados na produção e detenção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

4.12.   O capítulo VII (Disposições finais) confirma a existência do Comité dos Impostos Especiais de Consumo e as disposições de aplicação: a actual Directiva 92/12/CEE deve ser revogada com efeitos a partir de 1 de Abril de 2009, data que a Comissão indica prudentemente como sujeita a discussão. O mesmo se pode dizer sobre o período transitório (com o prazo hipotético de 31 de Dezembro de 200...), durante o qual os Estados-Membros poderão continuar a aplicar a directiva anterior. O CESE, na esteira de outras instituições e de peritos na matéria, considera que estes prazos são meramente indicativos e devem ser prorrogados dentro de uma visão realista, sobretudo tendo em conta as dificuldades práticas associadas à aplicação integral do sistema EMCS.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  A título de exemplo, eis as propostas de directiva mais recentes:

 

Proposta de Directiva do Conselho que altera a Directiva 92/12/CEE relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo [COM(2004) 227 final — 2004/0072 (CNS)];

 

Proposta de Directiva do Conselho que altera a Directiva 2003/96/CE no que respeita ao ajustamento do regime fiscal especial para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais e à coordenação da tributação da gasolina sem chumbo e do gasóleo utilizados como carburantes [COM(2007) 52 final — 2007/0023 (CNS)];

 

Proposta de Directiva do Conselho relativa à estrutura e taxas de impostos especiais sobre o consumo de tabacos manufacturados [COM(2007) 587 final].


30.4.2009   

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C 100/150


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema Comum do imposto sobre o valor acrescentado com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias e a Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1798/2003 com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias

COM(2008) 147 final — 2008/0058 (CNS) — 2008/0059 (CNS)

2009/C 100/28

Em 3 de Abril de 2008, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 93.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de Directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias e a

Proposta de Regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1798/2003 para lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 2 de Outubro de 2008, sendo relator Valerio SALVATORE.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 114 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE aplaude a proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias e a proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1798/2003 com ela relacionada.

1.2.   As modificações preconizadas são a resposta à maior necessidade de simplificação, de eficácia e de eficiência e garantem uma ligação mais visível entre as medidas de redução das formalidades administrativas e a capacidade dos Estados-Membros de combaterem e reprimirem o fenómeno das fraudes intercomunitárias.

2.   Introdução

2.1.   A proposta de directiva em exame, e o regulamento em anexo a alterar, retomando o longo debate nas instituições comunitárias, tem como objectivo declarado dotar as autoridades respectivas de instrumentos incisivos e coercivos para erradicar ou, pelo menos, impedir os actos fraudulentos a que se recorre frequentemente para alterar o funcionamento normal e correcto do mercado interno.

2.2.   Neste ponto convém recordar que, na sua essência, a infracção inerente à fraude comunitária apresenta-se sob diversas formas e os seus âmbitos de eleição podem variar: vão desde os actos criminosos de contrafacção de álcool e tabaco, passando pelo que se situam no âmbito da fiscalidade directa, até às infracções mais comuns de evasão ao pagamento do IVA.

2.3.   Justamente estas últimas são as que merecem agora atenção particular. Por trás disso está a ideia de reexaminar a fundo o actual sistema de tributação das trocas comunitárias que, em virtude do princípio de igualdade de tratamento entre mercadorias nacionais e mercadorias provenientes dos Estados-Membros, se baseia no regime de tributação no destino, ou seja, no Estado-Membro em que o comprador é identificado para efeitos de IVA.

2.4.   Este último princípio, que rege de facto a título transitório o regime de trocas comunitárias, se, por um lado, permitiu a não tributação das entregas intracomunitárias e, por conseguinte, a livre circulação de mercadorias, por outro lado, tem lesado consideravelmente os interesses financeiros da Comunidade Europeia. Basta pensar sobretudo no mecanismo utilizado nas fraudes comunitárias «carrossel», sintetizado de um modo claro e elucidativo na comunicação da Comissão de 2006 ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu sobre a necessidade de desenvolver uma estratégia coordenada tendo em vista melhorar a luta contra a fraude fiscal (1), que se lhe refere textualmente e a define como segue: «Existe um tipo de fraude especial, chamado fraude “carrossel”, em cadeia ou do operador fictício, que explora, na maior parte dos casos, a combinação de operações no interior de um Estado-Membro (com reclamação de reembolso do IVA) e operações intracomunitárias (sem reclamação de reembolso do IVA entre os contratantes).».

2.5.   O CESE ocupou-se já por várias vezes desta matéria fornecendo informações úteis que foram avaliadas atentamente na elaboração do presente parecer (2).

3.   Observações na generalidade

3.1.   Reconhecendo a necessidade de combater um fenómeno que não cessa de alastrar, e que se calcula corresponda a uma percentagem entre 2 e 2,5 % do PIB comunitário, a proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE do Conselho relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado com vista a lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias e a proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1798/2003 para lutar contra a fraude fiscal ligada às operações intracomunitárias, faz sua a vontade expressa já numa comunicação anterior, exaustiva, da Comissão ao Conselho sobre determinados elementos fundamentais que contribuem para o estabelecimento da estratégia contra a fraude em matéria de IVA a nível da UE (3), explicitando claramente as medidas concretas a adoptar.

3.2.   Esta abordagem, com efeito, já se entrevia na comunicação supracitada, onde se afirmava: «Apesar do seu empenho em concluir uma análise de eventuais alterações ao sistema do IVA, a Comissão não vê contradição em continuar paralelamente um debate sobre as chamadas medidas convencionais. Proporcionar às autoridades fiscais instrumentos mais modernos e eficientes de luta contra a fraude fiscal é um objectivo a prosseguir em qualquer eventualidade, independentemente das decisões que vierem a ser tomadas quanto às medidas de mais vasto alcance.».

3.3.   De facto, tendo ficado decidido introduzir só a médio prazo profundas alterações ao regime IVA, o que encerra em si a ideia de uma mudança radical do mecanismo de tributação desse imposto, o CESE considera louvável a iniciativa do Conselho de adoptar medidas que, embora menos ambiciosas, são de qualquer modo eficazes no âmbito da legislação actualmente aplicável ao regime de tributação IVA.

3.4.   O CESE acolhe favoravelmente as alterações propostas. Uma vez que se trata de correcções pontuais à directiva sobre o IVA, vê-se claramente que estas têm em conta as exigências de simplificação e de eficácia invocadas igualmente durante os trabalhos de preparação da referida proposta, e garantem uma ligação mais visível entre as medidas de redução dos trâmites administrativos e a capacidade dos Estados-Membros de combater e reprimir este fenómeno transnacional.

3.5.   Mais concretamente, a vontade de reduzir, conforme referido no capítulo «Contexto da proposta» da proposta de directiva, «o período que decorre entre o momento em que uma operação é efectuada e o momento em que a informação é posta à disposição do Estado-Membro do adquirente» — ou seja, a redução para um mês do período de referência para a recolha de informações relativas às operações intracomunitárias nos mapas recapitulativos, juntamente com a proposta de reduzir o prazo máximo de transmissão destas informações entre os Estados-Membros de três meses para um mês — traduz numa disposição a intenção de não gerar com isso obrigações administrativas desmesuradas. Mas para tal é indispensável aumentar a capacidade de averiguação e melhorar a gestão dos riscos das autoridades fiscais dos Estados-Membros, na sua luta contra as fraudes comunitárias.

3.6.   Uma regulamentação clara, procedimentos simplificados e um recurso mais frequente ao princípio da cooperação administrativa parecem caracterizar as demais disposições de alteração à Directiva 2006/112/CE do Conselho.

3.7.   Entre estas, para além de uma maior frequência na apresentação de informações, há a proposta, que aponta na mesma direcção, de integrar nas informações a recolher no âmbito da luta contra a fraude os dados sobre as aquisições intracomunitárias de bens e de serviços junto de um prestador estabelecido noutro Estado-Membro em relação às quais o destinatário do serviço seja devedor do imposto. O mesmo se aplica à disposição segundo a qual os adquirentes ou destinatários que realizem operações por um montante superior a 200 000 € por ano civil são obrigados a apresentar mensalmente as suas declarações de IVA. E, por último, a alteração regulamentar destinada a harmonizar as regras de exigibilidade do imposto sobre os serviços, de modo a garantir que as operações sejam declaradas durante o mesmo período pelo vendedor e pelo adquirente.

3.8.   Na opinião do CESE, estes últimos preceitos regulamentares sintetizam mais do que quaisquer outros a razão de ser da directiva, conseguindo o equilíbrio entre a necessidade de obrigações suplementares, os motivos para a redução dos custos administrativos (que apenas afectaria uma ínfima parte das empresas) e a disponibilização de mais informações pelas autoridades fiscais.

3.9.   Por outras palavras, a um ritmo mais constante na comunicação das informações sobre as trocas comerciais corresponderia uma maior capacidade das administrações fiscais para gerar volumes mais substanciais de informações, o que resultaria em mecanismos de cooperação mais eficazes.

4.   Observações na especialidade

4.1.   O CESE concorda com a alteração ao n.o 2 do artigo 250.o da Directiva 2006/112/CE do Conselho, segundo a qual as empresas poderão apresentar as suas declarações de IVA por via electrónica, visto esta possibilidade, para além de reduzir a margem de erro, reduz os custos imputados tanto às empresas como às administrações.

4.2.   O CESE aprova a disposição regulamentar que prevê uma derrogação para as empresas que só ocasionalmente ou muito excepcionalmente ficam sujeitas à aplicação das disposições alteradas.

4.3.   Merece aplauso a inovação patente na alínea f) do artigo 251.o segundo a qual a recolha das declarações sobre a troca de bens passa a incluir também a aquisição de serviços, para avaliar mais eficazmente as informações trocadas e evitar deste modo fenómenos de evasão na prestação de serviços.

4.4.   Embora não se possa considerar a redução para um mês do período de tributação como um factor dissuasivo determinante, trata-se sem dúvida de uma melhoria sensível por harmonizar as regras de exigibilidade do imposto sobre os serviços, garantindo o cruzamento correcto das informações apresentadas pelo vendedor e pelo adquirente.

4.5.   A regulamentação que rege a apresentação da declaração do IVA é o corolário da modulação dos prazos de entrega dos mapas recapitulativos.

4.6.   Tem igual relevância a disposição seguinte que permite, também neste caso, a transferência dos dados por via electrónica.

4.7.   É útil o pedido de um quadro de correspondência entre as disposições nacionais de aplicação da directiva e a directiva propriamente dita, visto ser uma iniciativa que redunda obviamente numa verificação mais minuciosa do amplo leque de informações fornecidas actualmente pelas empresas às administrações fiscais, também na perspectiva das alterações que se seguirão.

4.8.   Convém, por último, salientar que a alteração da directiva supra terá como consequência lógica a adequação do respectivo regulamento.

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2006) 254 final.

(2)  Pareceres do CESE sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (revisão)» no JO C 74 de 23.3.2005, p. 21 e sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu sobre a necessidade de desenvolver uma estratégia coordenada tendo em vista melhorar a luta contra a fraude fiscal» no JO C 161 de 13.7.2007, p. 8.

(3)  COM(2007) 758 final.


30.4.2009   

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C 100/153


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Directiva do Conselho relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro (Versão codificada)

COM(2008) 492 final 2008/0158 CNS

2009/C 100/29

Em 25 de Setembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 94.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de Directiva do Conselho relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro (Versão codificada)

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro) decidiu por 115 votos a favor com 3 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


30.4.2009   

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C 100/154


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento (CE) do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, no que diz respeito a certos projectos geradores de receitas»

COM(2008) 558/2 — 2008/0186 (AVC)

2009/C 100/30

Em 8 de Outubro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Proposta de Regulamento (CE) do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, no que diz respeito a certos projectos geradores de receitas»

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro) designou relator-geral G. DASSIS e adoptou, por 45 votos a favor, sem votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE toma nota da proposta da Comissão no sentido de alterar o artigo 55.o do Regulamento (CE) n.o 1083/2006 e congratula-se com a redução do encargo administrativo que esta alteração implica.

1.2.   O CESE aprova a proposta em apreço.

2.   Justificação

2.1.   O artigo 55.o do Regulamento (CE) n.o 1083/2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, fixa as modalidades de gestão e as disposições relativas ao contributo destes fundos para certos projectos geradores de receitas. O artigo 55.o estabelece igualmente um limiar de 200 000 euros, acima do qual devem ser aplicadas estas disposições.

2.2.   Estas disposições não parecem estar adaptadas aos projectos co-financiados pelo Fundo Social Europeu, que financia essencialmente operações imateriais, e impõem igualmente encargos administrativos desproporcionados às pequenas operações co-financiadas pelo FEDER ou pelo Fundo de Coesão.

2.3.   Perante a impossibilidade de resolver pela via interpretativa a questão do encargo administrativo resultante do artigo 55.o e após consultas informais aos Estados-Membros, a Comissão decidiu propor uma alteração ao artigo 55.o para que as suas disposições apenas se apliquem doravante às operações co-financiadas pelo FEDER ou pelo Fundo de Coesão com um custo total superior a 1 milhão de euros. A Comissão considera que esta revisão técnica simplificará consideravelmente a gestão dos projectos.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


30.4.2009   

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C 100/155


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Fundação Europeia para a Formação (reformulação)

COM(2007) 443 final — 2007/0163 (COD)

2009/C 100/31

Em 17 de Setembro de 2007, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 150.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Fundação Europeia para a Formação (reformulação)

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 22 de Outubro de 2008) decidiu, por 118 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção, emitir parecer favorável ao texto proposto.

 

Bruxelas, 22 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI