Edição provisória

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

16 de julho de 2024 (*)

« Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Resposta que pode ser claramente deduzida da jurisprudência ou que não suscita nenhuma dúvida razoável — Diretiva 92/83/CEE — Artigo 3.°, n.° 1 — Determinação do montante do imposto especial sobre o consumo cobrado sobre a cerveja — Metodologia de cálculo dos graus Plato — Alteração legislativa que visa especificar essa metodologia — Diretiva (UE) 2020/1151 — Artigo 1.°, ponto 1 — Inexistência de efeito desta diretiva sobre as situações jurídicas anteriormente constituídas »

No processo C‑724/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, no âmbito do artigo 267.° TFUE, pelo Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis (Tribunal Administrativo de Tessalónica, Grécia), por Decisão de 29 de setembro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de novembro de 2023, no processo

ATHINAÏKI ZYTHOPOIIA A. E.

contra

Anexartiti Archi Dimosion Esodon,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, C. Lycourgos (relator), presidente da Quarta Secção, e L. S. Rossi, juíza,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.° da Diretiva (UE) 2020/1151 do Conselho, de 29 de julho de 2020, que altera a Diretiva 92/83/CEE relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 2020, L 256, p. 1), na medida em que esta disposição alterou o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21).

2        O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a ATHINAÏKI ZYTHOPOIIA A.E. (a seguir «Athinaïki Zythopoiia») e a Anexartiti Archi Dimosion Esodon (Autoridade Independente encarregada das Receitas Públicas, Grécia) (a seguir «AADE»), relativo aos impostos especiais sobre o consumo cobrados em 2019 sobre uma cerveja aromatizada produzida e comercializada por esta sociedade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Na sua versão inicial, o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 tinha a seguinte redação:

«O imposto especial de consumo cobrado pelos Estados‑Membros sobre a cerveja é determinado por referência ao número:

—      de hectolitros/grau Plato

ou

—      de hectolitros/grau alcoólico adquirido

de produto acabado.»

4        Os considerandos 2 e 3 da Diretiva 2020/1151 dispõem:

«(2)      A fim de assegurar a aplicação uniforme das condições de determinação do imposto especial sobre o consumo de cerveja, é necessário estabelecer as condições de medição do grau Plato. Mais especificamente, no que respeita à medição do grau Plato da cerveja edulcorada ou aromatizada, é importante especificar que, para efeitos da referida medição, devem também ser tidos em conta os ingredientes da cerveja que tenham sido acrescentados após a fermentação. Tendo em conta as dificuldades práticas relacionadas com a identificação e medição do extrato seco do mosto primitivo do produto acabado, tal especificação é necessária e justificada pela necessidade de definir uma abordagem harmonizada que assegure a aplicação correta e linear dessas regras por parte dos sujeitos passivos em causa e das administrações fiscais, bem como a eficácia do controlo fiscal face aos riscos de fraude, evasão ou utilização indevida.

(3)      A fim de assegurar uma transição harmoniosa para uma metodologia harmonizada de medição do grau Plato da cerveja, é conveniente permitir que os Estados‑Membros que, à data de 29 de julho de 2020, não tenham em conta para efeitos de medição do grau Plato os ingredientes da cerveja que tenham sido acrescentados depois da fermentação, continuem a utilizar por um período transitório o método atualmente aplicado.»

5        O ponto 1 do artigo 1.° desta diretiva aditou um segundo e um terceiro parágrafos ao artigo 3.°, n.° 1 da Diretiva 92/83, com a seguinte redação:

«Todos os ingredientes da cerveja, incluindo os ingredientes acrescentados após a conclusão da fermentação, devem ser tidos em conta para efeitos de medição do grau Plato.

Constitui uma exceção ao primeiro parágrafo o caso dos Estados‑Membros que, à data de 2[9] de julho de 2020, não tomem em conta os ingredientes da cerveja que tenham sido acrescentados após a fermentação para efeitos de medição do grau Plato, os quais podem continuar a fazê‑lo até 31 de dezembro de 2030.»

6        Nos termos do artigo 2.° da Diretiva 2020/1151, os Estados‑Membros deviam adotar e publicar, até 31 de dezembro de 2021, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a essa diretiva e deviam aplicar essas disposições a partir de 1 de janeiro de 2022.

7        Em conformidade com o artigo 3.° da Diretiva 2020/1151, esta entrou em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

 Direito grego

8        À data dos factos no processo principal, a Diretiva 92/83 estava transposta no direito grego pela Nomos 2960/2001 «Ethnikos Teloneiakos Kodikas» (Lei 2960/2001 «Ethnikos Teloneiakos Kodikas», que aprova o Código Aduaneiro Nacional (FEK A’ 265/22.11.2001), na sua versão resultante do artigo 1.°, n.° 1, da Nomos 3336/2005 (Lei 3336/2005) (FEK A’ 96/20.04.2005) (a seguir «Código Aduaneiro Nacional»).

9        Em conformidade com o artigo 86.° do Código Aduaneiro Nacional, o conceito de «cerveja» abrange dois tipos de produtos com um teor alcoólico adquirido superior a 0,5 % vol, a saber, por um lado, as bebidas alcoólicas da posição 2203 da Nomenclatura Combinada constante do Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.° 2015/1754 da Comissão, de 6 de outubro de 2015 (JO 2015, L 285, p. 1) (a seguir «NC»), e, por outro, as misturas de cerveja e de bebidas não alcoólicas classificadas na posição 2206 da NC.

10      O artigo 87.°,do Código Aduaneiro Nacional dispõe, no seu n.° 1, alínea a), que o montante do imposto especial sobre o consumo destes produtos é determinado por referência ao número de hectolitros/grau Plato e habilita, no seu n.° 1, alínea c), o poder executivo para fixar a metodologia de cálculo dos graus Plato.

11      Com base nessa competência delegada, o Ministro das Finanças emitiu a apofasi 3006674/1102/0029/2010 «Tropos ypologismou vathmon PLATO sti byra» (Decisão n.° 3006674/1102/0029/2010 «Método de cálculo dos graus Plato na cerveja», FEK B’528/27.04.2010) (a seguir «Decreto Ministerial»).

12      Segundo o anexo I do Decreto Ministerial, para efeitos desse cálculo, os graus Plato são o valor que exprime a massa, em gramas, do extrato (seco) de malte ou de outras matérias‑primas amiláceas ou açucaradas contidas em 100 cm³ (ml) ou em 100 g de mosto a partir do qual é fabricada a cerveja, antes de iniciada a fermentação.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      A Athinaïki Zythopoiia produz uma cerveja aromatizada com a designação comercial Amstel Radler. O produto é composto por uma mistura de cerveja e de substâncias não alcoólicas, nomeadamente sumo de limão, sumo de laranja e xarope de açúcar. A adição destas substâncias tem lugar após a conclusão da fermentação alcoólica e não dá origem a um novo processo de fermentação.

14      A Athinaiki Zythopoiia apresentou, entre fevereiro de 2019 e janeiro de 2020, doze declarações fiscais relativas ao imposto especial sobre o consumo e a outros impostos devidos pelas vendas do referido produto durante o ano de 2019.

15      Na sequência destas declarações, pagou, relativamente a estas vendas, impostos especiais sobre o consumo no montante de 1 087 279,10 euros e outros impostos no montante de 44 534,96 euros. Estes montantes foram fixados com base numa análise, realizada num laboratório estatal, de amostras da cerveja aromatizada em causa no processo principal, após fermentação e adição de substâncias não alcoólicas. Segundo esta análise, os graus Plato deste produto eram 10,07. Este número foi arredondado para 10.

16      A Athinaïki Zythopoiia, considerando que os graus Plato não deveriam ter sido medidos com base em todas as substâncias presentes nessa cerveja aromatizada, mas na massa do extrato seco do mosto primitivo antes da fermentação requereu, em 10 de abril de 2020, o reembolso de metade do imposto especial sobre o consumo e dos outros impostos pagos. Com efeito, segundo essa sociedade, um cálculo correto conduziria a 5 graus na escala Plato para a referida cerveja aromatizada.

17      Em apoio deste pedido de reembolso parcial, a Athinaïki Zythopoiia invocou, nomeadamente, o Acórdão de 17 de maio de 2018, Kompania Piwowarska (C‑30/17, EU:C:2018:325), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que, para a determinação da matéria coletável do imposto aplicável às cervejas aromatizadas segundo a escala Plato, há que ter em conta o extrato seco do mosto primitivo sem ter em conta as substâncias aromáticas e o xarope de açúcar adicionados após a conclusão da fermentação.

18      Tendo o pedido de reembolso parcial da Athinaïki Zythopoiia sido tacitamente indeferido pelas autoridades tributárias gregas, esta sociedade intentou uma ação contra a AADE no Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis (Tribunal Administrativo de Tessalónica, Grécia), o órgão jurisdicional de reenvio.

19      Perante este tribunal, a AADE observa que, em 2014, a Athinaïki Zythopoiia foi informada de que as autoridades tributárias interpretavam a regulamentação grega, incluindo a decisão do Ministro das Finanças, no sentido de que, no caso das cervejas aromatizadas, que se enquadram na posição 2206 da NC, os graus Plato devem ser calculados tendo em conta todos os ingredientes do produto acabado, e não apenas a cerveja tradicional, classificada na posição 2203 da NC, que é incorporada no produto acabado como ingrediente.

20      Na medida em que a Athinaïki Zythopoiia se refere à interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 fornecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de maio de 2018, Kompania Piwowarska (C‑30/17, EU:C:2018:325), a AADE considera que esta interpretação não deve ser tida em conta, uma vez que decorre da especificação feita pela Diretiva 2020/1151 que a metodologia de cálculo exigida não é a mencionada pelo Tribunal, mas a que consiste em ter em conta todos os ingredientes do produto acabado.

21      O órgão jurisdicional de reenvio observa que os factos do litígio são anteriores à entrada em vigor, ou mesmo à adoção, da Diretiva 2020/1151. Deduz daí que a nova versão do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83, introduzida pela Diretiva 2020/1151, não é aplicável.

22      Não obstante, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a especificação feita em 2020, no termo de um processo legislativo iniciado em 2016, segundo o qual os graus Plato devem ser determinados tendo em conta todos os ingredientes do produto acabado, incluindo os acrescentados após a fermentação, tem um caráter puramente interpretativo e deve, enquanto tal, ser tida em conta nos processos, como o processo principal, que se referem a factos anteriores à entrada em vigor da Diretiva 2020/1151.

23      O referido órgão jurisdicional também não exclui que o esclarecimento feito pela Diretiva 2020/1151 constitui um «elemento novo», suscetível de levar o Tribunal de Justiça a reconsiderar a interpretação que fez no Acórdão de 17 de maio de 2018, Kompania Piwowarska (C‑30/17 (EU:C:2018:325).

24      Nestas circunstâncias, o Dioikitiko Protodikeio Thessalonikis (Tribunal Administrativo de Tessalónica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode a disposição do artigo 1.° da Diretiva [2020/1151],que altera a Diretiva [92/83/CEE], que aditou ao artigo 3.°, n.° 1, o seguinte parágrafo: “Todos os ingredientes da cerveja, incluindo os ingredientes acrescentados após a conclusão da fermentação, devem ser tidos em conta para efeitos de medição do grau Plato” ser considerada verdadeiramente interpretativa para definir o significado efetivo dos termos “grau Plato” e das regras para o respetivo cálculo?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2018 no processo Dyrektor Izby Celnej w Poznaniu/Kompania Piwowarska S.A. w Poznaniu, C‑30/17, em que se dá uma interpretação diametralmente oposta ao disposto no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [92/83], na sua redação anterior à adoção da Diretiva [2020/1151] e antes do termo do prazo para a sua transposição para o ordenamento nacional, ou seja, antes de 31 de dezembro de 2021, no âmbito da análise de um pedido de reembolso do imposto especial sobre o consumo indevidamente pago, é vinculativo para um Estado‑Membro que calcula o grau Plato para determinar o imposto especial sobre o consumo aplicável ao «produto acabado» que inclui todos os ingredientes da cerveja (inclusive os ingredientes acrescentados após a conclusão da fermentação)?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, não obstante considerar‑se, com base no raciocínio acima exposto, que a adoção da disposição do artigo 1.° da Diretiva [2020/1151], constitui um elemento extemporâneo de apreciação que justifica ou impõe que o Tribunal de Justiça da União Europeia reaprecie a questão da interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [92/83] a partir da data da sua entrada em vigor [v. Despacho de 5 de março de 1986, no processo 69/85, Wünsche/Alemanha, EU:C:1986:104, n.° 15; Acórdão de 11 de junho de 1987, X (14/86, EU:C:1987:275, n.° 12); Acórdão de 6 de março de 2003, Kaba (C‑466/00, EU:C:2003:127, n.° 39); e Despacho de 30 de junho de 2016, Sokoll Seebacher e Naderhirn (C 634/15, EU:C:2016:510, n.° 19)]? Nesse caso, deve ser diferente a interpretação dessa disposição pelo Tribunal de Justiça, no que respeita ao método de cálculo do grau Plato para efeitos da determinação do imposto especial sobre o consumo devido, da que formulou no mencionado Acórdão do TJUE de 17 de maio de 2018 no processo Dyrektor Izby Celnej w Poznaniu/Kompania Piwowarska S.A. w Poznaniu, C‑30/17?»

 Quanto às questões prejudiciais

25      Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a todo o tempo, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado, designadamente quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a essa questão não suscite nenhuma dúvida razoável.

26      Há que aplicar esta disposição no presente processo.

 Quanto à primeira questão

27      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva 2020/1151 constitui uma disposição puramente interpretativa, ou seja, uma disposição que não altera o conteúdo do direito aplicável, mas que se limita a clarificar o modo como esse direito deve ser entendido.

28      Importa considerar que a resposta a esta questão não suscita qualquer dúvida razoável.

29      A este respeito, há que salientar que resulta dos considerandos 2 e 3 da Diretiva 2020/1151 que a especificação introduzida pelo artigo 1.°, ponto 1, desta diretiva visa assegurar uma metodologia uniforme de cálculo dos «graus Plato».

30      No entanto, este esclarecimento diverge da interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 feita pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de maio de 2018, Kompania Piwowarska (C‑30/17, EU:C:2018:325).

31      Nos n.os 26 a 28 desse acórdão, na falta de definição na regulamentação da União do conceito de «graus Plato» ou da metodologia de cálculo destes graus, o Tribunal de Justiça baseou‑se no sentido habitual deste conceito no domínio da produção de cerveja.

32      Nestes números do referido acórdão, o Tribunal de Justiça explicou que, neste domínio, a escala de Plato permite calcular a percentagem de extrato seco na massa do mosto primitivo, equivalendo um grau Plato a 1 g de extrato seco por 100 g de mosto primitivo. O mosto primitivo designa, até ao momento em que começa o processo de fermentação, a mistura composta por água e pelos outros ingredientes da cerveja preparados para a fermentação, como o malte de cevada e o lúpulo. O extrato seco do referido mosto primitivo consiste em todos os ingredientes desse mosto, além da água, antes da fermentação. Por conseguinte, tendo em conta o conceito de «graus Plato», tal como é entendido no domínio da produção de cerveja, os graus Plato devem ser calculados sem ter em conta as substâncias aromáticas e o xarope de açúcar adicionados após o processo de fermentação.

33      Nos n.os 31 a 42 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que este método de cálculo do grau Plato é corroborado quer pelo contexto quer pelo objetivo da Diretiva 92/83, que visa impor um nível mais elevado de imposto especial sobre o consumo à medida que o teor de álcool aumenta. Tendo em conta este objetivo, as substâncias não alcoólicas permanecem neutras no cálculo dos graus Plato e, por conseguinte, no cálculo dos impostos especiais sobre o consumo.

34      Ao fornecer, a título prejudicial, esta interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83, o Tribunal de Justiça assegurou a esta disposição um efeito uniforme em todos os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.° 28 e jurisprudência referida).

35      Ao aditar à referida disposição uma nova alínea que impõe uma aplicação uniforme diferente da que resultava do Acórdão de 17 de maio de 2018, Kompania Piwowarska (C‑30/17, EU:C:2018:325), o legislador da União alterou, no que respeita ao método de cálculo dos graus Plato, o estado do direito da União. Consequentemente, deve considerar‑se que o artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva 2020/1151 opera uma alteração do direito aplicável, e não que é uma disposição que se limita a clarificar a forma como esse direito deve ser entendido.

36      Daqui resulta que importa responder à primeira questão que o artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva 2020/1151 deve ser interpretado no sentido de que não constitui uma disposição puramente interpretativa.

 Quanto à segunda questão

37      Tendo em conta a resposta negativa à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto à terceira questão

38      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva 2020/1151 constitui um elemento novo que justifique ou obrigue o Tribunal de Justiça a reconsiderar a interpretação que afez da versão anterior do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83, aplicável no processo principal.

39      A resposta a esta questão pode ser claramente deduzida da jurisprudência.

40      Com efeito, é jurisprudência constante que uma norma jurídica nova é aplicável a partir da entrada em vigor do ato que a instaura e, portanto, não é aplicável às situações jurídicas criadas e definitivamente constituídas antes dessa entrada em vigor. É aplicável aos efeitos futuros de uma situação surgida ao abrigo da lei anterior e às situações jurídicas novas. Só assim não será, e com ressalva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a norma nova for acompanhada de disposições especiais que determinam especialmente as suas regras de aplicação no tempo (Acórdão de 14 de maio de 2020, Azienda Municipale Ambiente, C‑15/19, EU:C:2020:371, n.° 57 e jurisprudência referida).

41      Pode igualmente assim não ser, a título excecional, quando um objetivo de interesse geral o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente acautelada (Acórdão de 25 de janeiro de 2022,VYSOČINA WIND, C‑181/20, EU:C:2022:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

42      No caso em apreço, nem a Diretiva 2020/1151, nem a nova versão do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 que dela resulta contêm disposições que permitam aplicar essa nova versão a uma situação jurídica criada anteriormente e definitivamente constituída, como a da cobrança dos impostos especiais sobre o consumo respeitantes ao ano 2019.

43      Pelo contrário, decorre do artigo 2.° da Diretiva 2020/1151 que os Estados‑Membros dispunham de um prazo de transposição, que expirava numa data posterior à da entrada em vigor desta diretiva, para se conformarem com as alterações por ela introduzidas. Além disso, decorre do artigo 3.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 92/83, na versão resultante da Diretiva 2020/1151, que o método de cálculo dos graus Plato, tal como especificado no artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, só é vinculativo a partir de 1 de janeiro de 2031 para os Estados‑Membros que, à data da adoção da Diretiva 2020/1151, utilizavam outro método.

44      Daqui decorre que a Diretiva 2020/1151 não pode ser interpretada no sentido de que permite que o segundo parágrafo aditado pelo artigo 1.°, ponto 1, desta diretiva ao artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 seja aplicado a uma situação jurídica, como a que está em causa no processo principal, criada e definitivamente constituída antes da data em que terminou o prazo de transposição da Diretiva 2020/1151.

45      Assim, a interpretação contida no Acórdão de 17 de maio de 2018, Kompania Piwowarska (C‑30/17, EU:C:2018:325), relativa ao artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83, na versão aplicável ao processo principal, vincula as autoridades tributárias gregas e o órgão jurisdicional de reenvio.

46      Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva 2020/1151 deve ser interpretado no sentido de que não constitui um elemento novo que justifique ou obrigue o Tribunal de Justiça a reconsiderar a sua interpretação da versão do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83 anterior à entrada em vigor da Diretiva 2020/1151.

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva (UE) 2020/1151 do Conselho, de 29 de julho de 2020, que altera a Diretiva 92/83/CEE relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas

deve ser interpretado no sentido de que:

não constitui uma disposição puramente interpretativa.

2)      O artigo 1.°, ponto 1, da Diretiva 2020/1151

deve ser interpretado no sentido de que:

não constitui um elemento novo que justifique ou obrigue o Tribunal de Justiça da União Europeia a reconsiderar a sua interpretação da versão do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, anterior à entrada em vigor da Diretiva 2020/1151.

Assinaturas


*      Língua do processo: grego.