ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção Alargada)
5 de fevereiro de 2025 ( *1 )
«Direito institucional — Inexecução parcial de um despacho do Tribunal de Justiça que decreta uma medida provisória no âmbito de uma ação por incumprimento de Estado — Sanção pecuniária compulsória — Cobrança de créditos por compensação — Artigo 101.o, n.o 1, e artigo 102.o do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 — Competência do Tribunal Geral»
Nos processos T‑830/22 e T‑156/23,
República da Polónia, representada por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,
recorrente,
contra
Comissão Europeia, representada por O. Verheecke, J. Estrada de Solà e K. Herrmann, na qualidade de agentes,
recorrida,
O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção Alargada),
composto por: A. Marcoulli, presidente, J. Schwarcz, V. Tomljenović, W. Valasidis (relator) e L. Spangsberg Grønfeldt, juízes,
secretário: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora,
vistos os autos, nomeadamente, no processo T‑156/23:
– |
a exceção de incompetência arguida pela Comissão em articulado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de junho de 2023, |
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as observações da República da Polónia sobre a exceção de incompetência, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de julho de 2023, |
– |
o Despacho de 25 de outubro de 2023, que ordena que a exceção de incompetência seja apreciada juntamente com a questão de mérito, |
após a audiência de 3 de julho de 2024,
profere o presente
Acórdão
1 |
Nos recursos que interpôs ao abrigo do disposto no artigo 263.o TFUE, a República da Polónia pede a anulação, no processo T‑830/22, das Decisões da Comissão Europeia de 12 de outubro e 23 de novembro de 2022 e, no processo T‑156/23, da Decisão da Comissão de 13 de janeiro de 2023, de recuperação por compensação dos montantes devidos pela recorrente no âmbito da sanção pecuniária compulsória diária aplicada pelo vice‑presidente do Tribunal de Justiça no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), relativamente aos períodos compreendidos, por um lado, entre 15 de julho e 29 de agosto de 2022 e, por outro, entre 30 de agosto e 28 de outubro de 2022 (a seguir, em conjunto, «decisões impugnadas»). |
Antecedentes do litígio
2 |
Por considerar que, ao ter adotado a ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei da Organização Judiciária dos Tribunais Comuns, a Lei do Supremo Tribunal e outras leis), de 20 de dezembro de 2019 (Dz. U. de 2020, posição 190), a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem nos termos do direito da União Europeia, a Comissão propôs no Tribunal de Justiça, em 1 de abril de 2021, uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o, segundo parágrafo, TFUE, a qual foi registada sob o número C‑204/21. |
3 |
Paralelamente, a Comissão apresentou um pedido de medidas provisórias ao abrigo do artigo 279.o TFUE. |
4 |
Por Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), a vice‑presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido, tendo ordenado à República da Polónia que, até à prolação do acórdão que pusesse termo à instância no processo C‑204/21, suspendesse tanto a aplicação de certas disposições nacionais introduzidas pela Lei que altera a Lei da Organização Judiciária dos Tribunais Comuns, a Lei do Supremo Tribunal e outras leis, como os efeitos das decisões da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) que autorizaram a instauração de um processo penal contra um juiz ou a sua detenção. A vice‑presidente do Tribunal de Justiça ordenou‑lhe ainda que desse conhecimento à Comissão, o mais tardar um mês após a notificação do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), de todas as medidas adotadas para dar integral cumprimento a este despacho. |
5 |
Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de agosto de 2021, a República da Polónia pediu a revogação do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). Este pedido foi indeferido por Despacho de 6 de outubro de 2021, Polónia/Comissão (C‑204/21 R, EU:C:2021:834). |
6 |
Por considerar que a República da Polónia não tinha adotado todas as medidas impostas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), a Comissão apresentou, em 7 de setembro de 2021, um novo pedido de medidas provisórias para que a República da Polónia fosse condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória diária. |
7 |
Por Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), o vice‑presidente do Tribunal de Justiça condenou a República da Polónia a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória de 1000000 euros por dia, a partir da data da notificação desse despacho à República da Polónia e até ao dia em que a mesma desse cumprimento às obrigações decorrentes do Despacho de 14 de julho de 2021Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), ou, caso não o fizesse, até à data da prolação do acórdão que poria termo à instância no processo C‑204/21. |
8 |
Não tendo informações que comprovassem a execução, pelas autoridades polacas, de todas as obrigações decorrentes do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), a Comissão contabilizou um crédito de 1000000 euros por dia a partir de 3 de novembro de 2021, data da notificação do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878). |
9 |
Par carta de 15 de junho de 2022, a República da Polónia informou a Comissão de que a adoção da ustawa o zmianie ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei do Supremo Tribunal e outras leis), de 9 de junho de 2022 (Dz. U., posição 1259; a seguir «Lei de 9 de junho de 2022»), tinha permitido aplicar as medidas impostas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), e que, consequentemente, a Comissão já não podia, a partir da data da entrada em vigor da referida lei, ou seja, de 15 de julho de 2022, exigir o pagamento das sanções pecuniárias compulsórias diárias aplicadas no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878). |
10 |
Por carta de 20 de julho de 2022, a Comissão considerou que, apesar dos progressos realizados em certas questões específicas, a República da Polónia não tinha cumprido plenamente as obrigações decorrentes do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). |
Procedimento para pagamento do crédito devido no âmbito das sanções pecuniárias compulsórias diárias para o período compreendido entre 15 de julho e 29 de agosto de 2022, correspondente à dívida contestada pela República da Polónia no processo T‑830/22
11 |
Por cartas de 27 de julho e de 29 de agosto de 2022, a Comissão solicitou à República da Polónia que pagasse os diferentes montantes devidos no âmbito das sanções pecuniárias compulsórias diárias aplicadas pelo Tribunal de Justiça e informou‑a de que, na falta de pagamento, procederia à sua cobrança por via de compensação, nos termos do artigo 101.o, n.o 1, e do artigo 102.o do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013, (UE) n.o 1301/2013, (UE) n.o 1303/2013, (EU) n.o 1304/2013, (UE) n.o 1309/2013, (UE) n.o 1316/2013, (UE) n.o 223/2014, (UE) n.o 283/2014 e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1; a seguir «Regulamento Financeiro»). |
12 |
Em seguida, a Comissão notificou a República da Polónia para que procedesse ao pagamento dos referidos montantes, acrescidos de juros de mora. |
13 |
Através das Decisões de 12 de outubro e de 23 de novembro de 2022, a Comissão informou a República da Polónia de que previa proceder à compensação da sua dívida total de 63210000 euros com diferentes créditos detidos pela Polónia sobre a União. |
Procedimento para pagamento do crédito devido no âmbito das sanções pecuniárias compulsórias diárias para o período compreendido entre 30 de agosto e 28 de outubro de 2022, correspondente à dívida contestada pela República da Polónia no processo T‑156/23
14 |
Por cartas de 30 de setembro e de 28 de outubro de 2022, a Comissão solicitou à República da Polónia que pagasse os diferentes montantes devidos no âmbito das sanções pecuniárias compulsórias diárias. |
15 |
Em seguida, a Comissão notificou a República da Polónia para que procedesse ao pagamento dos referidos montantes, acrescidos de juros de mora. |
16 |
Por Decisão de 13 de janeiro de 2023, a Comissão informou a República da Polónia de que previa compensar a dívida desta, no montante total de 60270027,40 euros, com um crédito que a mesma detinha sobre a União no âmbito do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA). |
Factos posteriores à interposição dos recursos
17 |
Em 10 de março de 2023, considerando que a entrada em vigor da Lei de 9 de junho de 2022 constituía uma alteração das circunstâncias, a República da Polónia solicitou ao Tribunal de Justiça que revogasse ou, a título subsidiário, alterasse o Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), nos termos do artigo 163.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. |
18 |
Por Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), o montante da sanção pecuniária compulsória aplicada no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), foi reduzido para 500000 euros por dia, a contar da data da assinatura do referido despacho. |
19 |
Por Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442), o Tribunal de Justiça julgou procedente a ação intentada pela Comissão nos termos do artigo 258.o TFUE e declarou verificados os incumprimentos da República da Polónia. |
Pedidos das partes
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A República da Polónia conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:
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21 |
A Comissão conclui pedindo, em substância, ao Tribunal Geral que se digne:
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Questão de direito
22 |
Tendo as partes sido ouvidas na audiência quanto a esta questão, o Tribunal Geral decide apensar os presentes processos para efeitos do acórdão, em conformidade com o disposto no artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. |
Quanto à competência do Tribunal Geral
23 |
A Comissão argui a incompetência do Tribunal Geral para conhecer dos presentes recursos. Alega que, embora os recursos de anulação sejam dirigidos contra decisões de compensação da Comissão, estes não têm por objeto os requisitos formais de compensação dos montantes previstos no artigo 101.o, n.o 1, e no artigo 102.o do Regulamento Financeiro, mas destinam‑se, na realidade, a que o Tribunal Geral determine se, após a entrada em vigor da Lei de 9 de junho de 2022, se continuou a constituir uma dívida no âmbito da sanção pecuniária compulsória diária de 1000000 euros que tinha sido aplicada no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878). |
24 |
A Comissão alega que a análise dos recursos significa que o Tribunal Geral vai apreciar se a República da Polónia executou, através da Lei de 9 de junho de 2022, as medidas provisórias que lhe foram aplicadas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), no âmbito de uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE. Ora, segundo a Comissão, resulta das disposições do Tratado FUE que qualquer apreciação sobre a execução das medidas provisórias é da competência exclusiva do juiz das medidas provisórias. Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a Comissão alegou que a derrogação de competência aplicável às ações relativas à não execução de um acórdão do Tribunal de Justiça proferido ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, TFUE se aplicava, por analogia, no caso em apreço. |
25 |
A República da Polónia contesta a argumentação da Comissão. |
26 |
A este respeito, importa recordar que as competências do Tribunal Geral são as enumeradas no artigo 256.o TFUE, conforme especificado no artigo 51.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Resulta do artigo 256.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro período, TFUE que o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância dos recursos mencionados, nomeadamente, no artigo 263.o TFUE, com exceção dos que o referido Estatuto reserva para o Tribunal de Justiça. |
27 |
Por outro lado, nos termos do artigo 51.o, alínea c), do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, são da exclusiva competência do Tribunal de Justiça, em derrogação da regra enunciada no artigo 256.o, n.o 1, TFUE, os recursos de anulação referidos no artigo 263.o TFUE quando interpostos por um Estado‑Membro contra um ato da Comissão relativo à não execução de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, segundo parágrafo, ou n.o 3, segundo parágrafo, TFUE. |
28 |
No caso em apreço, importa observar que a República da Polónia pede a anulação das decisões pelas quais a Comissão compensou os montantes devidos por esse Estado‑Membro no quadro das sanções pecuniárias compulsórias aplicadas pelo juiz das medidas provisórias do Tribunal de Justiça no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigo 279.o TFUE. As sanções pecuniárias compulsórias foram, portanto, aplicadas no âmbito de um processo de medidas provisórias acessório a uma ação por incumprimento intentada com base no artigo 258.o TFUE. |
29 |
Os presentes recursos, interpostos com base no artigo 263.o TFUE, são da competência do Tribunal Geral, uma vez que as derrogações previstas no artigo 256.o TFUE, conforme precisado pelo artigo 51.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não são aplicáveis ao caso em apreço. |
30 |
Em especial, contrariamente ao que a Comissão alegou na audiência, a derrogação relativa aos recursos de anulação de um ato da Comissão relativo à não execução de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE não é aplicável, por analogia, ao caso em apreço. Com efeito, comportando uma derrogação ao princípio geral da competência do Tribunal Geral nos termos do artigo 256.o, n.o 1, TFUE, o artigo 51.o, alínea c), do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia deve ser objeto de interpretação estrita. |
31 |
Por conseguinte, a exceção de incompetência arguida pela Comissão deve ser julgada improcedente por falta de fundamento legal. |
Quanto ao mérito
Quanto ao pedido, formulado a título principal, para a anulação da totalidade das decisões impugnadas
32 |
A República da Polónia invoca um único fundamento de recurso para os pedidos de anulação da totalidade das decisões impugnadas, relativo à violação dos artigos 101.o e 102.o do Regulamento Financeiro, conjugados com o artigo 98.o do mesmo regulamento, na parte em que a Comissão aplicou um procedimento de cobrança por compensação apesar da inexistência da dívida da República da Polónia. |
33 |
Para demonstrar que um dos requisitos para a aplicação da compensação, a saber, a existência da própria dívida, não está preenchido, a República da Polónia apresenta dois tipos de argumentos. |
34 |
Em primeiro lugar, a República da Polónia invoca o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia), processo P 7/20, no qual esse órgão jurisdicional declarou que, ao adotar, com base no artigo 279.o TFUE, medidas provisórias relativas à organização e à competência dos tribunais polacos, bem como ao processo perante estes últimos, e ao impor, desse modo, obrigações à República da Polónia, o Tribunal de Justiça decidiu ultra vires. Consequentemente, essas medidas não estão abrangidas pelos princípios do primado e da aplicabilidade direta do direito da União, enunciados no artigo 91.o, n.os1 a 3, da Constituição da República da Polónia. |
35 |
A República da Polónia alega, em substância, que, à luz do Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) no processo P 7/20, o Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), é contrário à ordem constitucional polaca. Em consequência, a República da Polónia não estava obrigada a executar as medidas provisórias que lhe foram aplicadas nesse despacho. Acrescenta que a interpretação segundo a qual os tribunais constitucionais dos Estados‑Membros são competentes para fiscalizar os atos ultra vires da União, incluindo os acórdãos do Tribunal de Justiça, foi adotada pelos tribunais constitucionais de vários Estados‑Membros. |
36 |
A este respeito, basta recordar que as disposições nacionais relativas à organização judiciária nos Estados‑Membros podem ser objeto de uma fiscalização à luz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, no contexto de uma ação por incumprimento, bem como, consequentemente, no de medidas provisórias destinadas, nomeadamente, à suspensão dessas disposições, ordenadas pelo Tribunal de Justiça, com base no artigo 279.o TFUE, no mesmo contexto (Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia, C‑204/21 R, EU:C:2021:593, n.o 54). Como a vice‑presidente do Tribunal de Justiça já salientou no n.o 23 do Despacho de 6 de outubro de 2021, Polónia/Comissão (C‑204/21 R, EU:C:2021:834), o facto de um tribunal constitucional nacional declarar que tais medidas provisórias são contrárias à ordem constitucional do Estado‑Membro em causa em nada altera esta apreciação. |
37 |
Resulta do exposto que o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) no processo P 7/20 não é suscetível de pôr em causa as apreciações que figuram no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), nem, por conseguinte, a realidade dos créditos controvertidos. |
38 |
Em segundo lugar, a República da Polónia alega que, devido à entrada em vigor, em 15 de julho de 2022, da Lei de 9 de junho de 2022, as disposições nacionais referidas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), deixaram de se aplicar e que, portanto, a contabilização das sanções pecuniárias compulsórias diárias pela Comissão, relativamente aos períodos posteriores a 15 de julho de 2022, não encontra fundamento no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878). |
39 |
Importa observar que, com esta argumentação, a República da Polónia alega, em substância, que a adoção da Lei de 9 de junho de 2022 era suficiente para assegurar a execução de todas as medidas provisórias enunciadas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). |
40 |
Ora, esta questão já foi examinada pelo juiz das medidas provisórias no Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334). Em especial, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça declarou que as medidas postas em prática pela República da Polónia posteriormente à assinatura do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), eram suscetíveis de garantir, em medida significativa, a execução das medidas provisórias enunciadas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). Concluiu, assim, que, apesar da adoção da Lei de 9 de junho de 2022, a República da Polónia não tinha cumprido plenamente as obrigações decorrentes desse despacho. |
41 |
Por conseguinte, à luz do Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), deve ser rejeitada a argumentação da República da Polónia relativa à Lei de 9 de junho de 2022. |
42 |
Daqui resulta que a análise da argumentação apresentada, a título principal, pela República da Polónia para a anulação da totalidade das decisões impugnadas não revelou nenhuma violação, por parte da Comissão, dos artigos 101.o e 102.o do Regulamento Financeiro, em conjugação com o artigo 98.o do mesmo regulamento. |
43 |
Por conseguinte, o pedido de anulação da totalidade das decisões impugnadas deve ser julgado improcedente. |
Quanto ao pedido, formulado a título subsidiário, para anulação parcial das decisões impugnadas
44 |
A título subsidiário, na sequência do Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), a República da Polónia pede ao Tribunal Geral que anule as decisões impugnadas na parte em que dizem respeito a 50 % dos créditos compensados. Como a República da Polónia confirmou na audiência em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, este pedido deve ser entendido como um pedido de anulação parcial das decisões impugnadas. |
45 |
A República da Polónia invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 279.o TFUE e dos princípios da proporcionalidade, da igualdade perante a lei e da tutela jurisdicional efetiva e, o segundo, à violação dos artigos 101.o e 102.o do Regulamento Financeiro, em conjugação com o artigo 98.o do mesmo regulamento, na medida em que a Comissão aplicou um procedimento de cobrança por compensação, quando as medidas implementadas pela República da Polónia garantiam em grande parte a execução das medidas provisórias aplicadas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). Tendo em conta a existência de sobreposições entre os dois fundamentos, há que examiná‑los em conjunto. |
46 |
A República da Polónia recorda que, por Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), o montante da sanção pecuniária compulsória aplicada no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), foi reduzido para 500000 euros por dia a contar da data da assinatura do referido despacho, isto é, em 21 de abril de 2023. A mesma alega que as circunstâncias que levaram à declaração da execução, em medida significativa, das medidas provisórias enunciadas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), e que justificaram a redução para metade do montante dessa sanção pecuniária compulsória diária eram anteriores ao Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334). Segundo a República da Polónia, a execução da sanção pecuniária compulsória pelo seu montante integral para o período de 15 de julho de 2022 a 28 de outubro de 2022 era, por conseguinte, contrária ao princípio da proporcionalidade e ao objetivo das medidas provisórias, que consiste em garantir a execução do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), bem como à eficácia do futuro acórdão do Tribunal de Justiça. |
47 |
Em especial, a República da Polónia alega que, ao contabilizar uma sanção pecuniária compulsória de 1000000 euros por dia para o período compreendido entre 15 de julho e 28 de outubro de 2022, apesar dos progressos realizados na execução das medidas provisórias, a Comissão foi além do necessário para atingir o objetivo de eficácia do futuro acórdão do Tribunal de Justiça. Assim, as sanções pecuniárias compulsórias diárias contabilizadas pela Comissão assumem a natureza de uma «meia sanção», o que é contrário ao artigo 279.o TFUE. A República da Polónia acrescenta que 50 % do crédito compensado já não constituía uma dívida existente, na aceção dos artigos 101.o e 102.o do Regulamento Financeiro. |
48 |
Segundo a República da Polónia, a Comissão estava obrigada, por força do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), que aplicou a sanção pecuniária compulsória em causa, a controlar de forma contínua o grau de execução das medidas provisórias e a tê‑lo em conta nas suas decisões de compensação. |
49 |
A Comissão contesta os argumentos da República da Polónia. |
50 |
Com a sua argumentação, a República da Polónia acusa a Comissão, em substância, de ter recuperado a totalidade dos montantes devidos no âmbito das sanções pecuniárias compulsórias diárias no período compreendido entre 15 de julho e 28 de outubro de 2022, ao passo que, como confirmou o Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), a República da Polónia executou, em grande parte, através da Lei de 9 de junho de 2022, as medidas provisórias que lhe foram aplicadas no Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). |
51 |
A título preliminar, uma vez que a República da Polónia se refere ao Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), que é posterior às decisões impugnadas e, portanto, não pôde ser tomado em consideração no momento da sua adoção, importa recordar que um pedido apresentado nos termos do artigo 163.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não visa obter do juiz das medidas provisórias a anulação retroativa de um despacho que concedeu uma medida provisória mas apenas a sua alteração ou revogação, podendo esse juiz das medidas provisórias reconsiderar, apenas para o futuro, o tal despacho, inclusivamente, se for caso disso, através de uma nova apreciação, à luz das circunstâncias existentes à data da sua decisão, dos fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificaram a concessão da medida provisória em causa [v. Despacho de 19 de maio de 2022, República Checa/Polónia (Mina de Turów), C‑121/21 R, não publicado, EU:C:2022:408, n.o 22 e jurisprudência referida]. |
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Daqui resulta que um pedido apresentado nos termos desta disposição não pode ter por objeto pôr em causa os efeitos passados de um despacho que concedeu uma medida provisória [Despacho de 19 de maio de 2022, República Checa/Polónia (Mina de Turów), C‑121/21 R, não publicado, EU:C:2022:408, n.o 23]. |
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Como foi recordado no n.o 18, supra, pelo n.o 113 do Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), o montante da sanção pecuniária compulsória aplicada pelo Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), foi futuramente reduzido para 500000 euros por dia, a partir de 21 de abril de 2023, data da assinatura do Despacho Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334). |
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No caso em apreço, as partes reconhecem que o Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334), tem efeitos ex nunc. Com efeito, a redução da sanção pecuniária compulsória aplicada no Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), só produzia efeitos para o futuro. Esta redução só diz, portanto, respeito aos montantes devidos a partir de 21 de abril de 2023, e não aos devidos no período anterior. |
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Todavia, as partes estão em desacordo quanto à questão do alcance do papel da Comissão, enquanto instituição responsável pela execução do orçamento da União em conformidade com o artigo 317.o TFUE, na execução das sanções pecuniárias compulsórias ordenadas nos termos do artigo 279.o TFUE. A República da Polónia considera que a Comissão estava obrigada, por força do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), que aplica a sanção pecuniária compulsória em causa, a controlar o grau de execução das medidas provisórias e a tê‑lo em conta nas suas decisões de compensação, ao passo que, segundo a Comissão, esta não podia renunciar unilateralmente a contabilizar uma sanção pecuniária compulsória diária nem reduzir o seu montante. |
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A este propósito, no que respeita às obrigações da Comissão, importa sublinhar que o Tratado FUE não estabelece as modalidades de execução do pagamento das sanções pecuniárias compulsórias aplicadas nos termos do artigo 279.o TFUE. |
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No entanto, uma vez que, nos termos do artigo 279.o TFUE, o juiz das medidas provisórias condena um Estado‑Membro a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória diária e que, nos termos do artigo 317.o TFUE, a Comissão executa o orçamento da União, cabe a esta recuperar as quantias que seriam devidas ao orçamento da União em execução do despacho que obriga ao pagamento dessa sanção pecuniária compulsória, em conformidade com as disposições dos regulamentos adotados em execução do artigo 322.o TFUE. |
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No caso em apreço, o Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), fixou o montante da sanção pecuniária compulsória diária, que permaneceu inalterado até 21 de abril de 2023, bem como a duração dessa sanção pecuniária compulsória. Em especial, fixou, como ponto de partida para a sanção pecuniária compulsória, a data da notificação desse despacho e, como termo, o dia em que a República da Polónia cumpriria plenamente as obrigações decorrentes do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), ou, na sua falta, o dia da prolação do acórdão que poria termo à instância no processo C‑204/21. |
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Resulta assim do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), que a sanção pecuniária compulsória é devida e que, por conseguinte, a Comissão é obrigada a garantir a sua cobrança enquanto a República da Polónia não tiver cumprido integralmente as obrigações enumeradas no n.o 1, alíneas a) a e), do dispositivo do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593). |
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Em contrapartida, não resulta do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), que a Comissão pudesse reduzir o montante da sanção pecuniária compulsória diária em caso de execução parcial. Além disso, reconhecer à Comissão a faculdade, ou mesmo a obrigação, de modular o montante da sanção pecuniária compulsória diária em função do nível de execução, pela República da Polónia, das obrigações decorrentes do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), poria em causa a autoridade do Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), pelo qual o vice‑presidente do Tribunal de Justiça fixou o montante da sanção pecuniária compulsória diária em 1000000 euros. |
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Como recordado no n.o 10, supra, a Comissão, na carta de 20 de julho de 2022, considerou que, apesar dos progressos realizados, a Lei de 9 de junho de 2022 não garantia a plena execução das obrigações decorrentes do Despacho de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:593), o que, de resto, foi confirmado pelo juiz das medidas provisórias no Despacho de 21 de abril de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21 R‑RAP, EU:C:2023:334). Não tendo constatado uma execução integral das obrigações acima referidas, a Comissão procedeu, com razão, à execução da sanção pecuniária compulsória pelo seu montante integral para o período compreendido entre 15 de julho e 28 de outubro de 2022. |
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Além disso, deve igualmente ser rejeitada a argumentação da República da Polónia segundo a qual a execução da sanção pecuniária compulsória pelo seu montante integral para o período compreendido entre 15 de julho e 28 de outubro de 2022 era contrária aos princípios da proporcionalidade e da igualdade perante a lei. Com efeito, tal argumentação implicaria que a Comissão pudesse exercer uma fiscalização da proporcionalidade relativamente a um despacho de medidas provisórias do vice‑presidente do Tribunal de Justiça e modular o montante da sanção pecuniária compulsória aplicada, pondo assim em causa a autoridade desse despacho. Ora, nenhuma disposição do Tratado ou do direito derivado pode ser interpretada no sentido de conferir à Comissão esse poder. |
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Acresce ainda que, dado que a República da Polónia alega a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, há que recordar que a mesma dispunha, a partir de 15 de julho de 2022, data da entrada em vigor da Lei de 9 de junho de 2022, de uma via de recurso que permitia solicitar ao juiz das medidas provisórias que suprimisse ou reduzisse a sanção pecuniária compulsória diária nos termos do artigo 163.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Ora, a Comissão não apresentou um pedido destinado a revogar ou a alterar o Despacho de 27 de outubro de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, EU:C:2021:878), ao abrigo dessa disposição, imediatamente após a entrada em vigor da Lei de 9 de junho de 2022, mas apenas em 10 de março de 2023. |
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Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o exame dos fundamentos apresentados pela República da Polónia como base para o seu pedido de anulação parcial das decisões impugnadas, formulado a título subsidiário, não revelou nenhuma violação do artigo 279.o TFUE ou dos artigos 101.o e 102.o do Regulamento Financeiro, em conjugação com o artigo 98.o do mesmo regulamento, nem dos princípios da proporcionalidade, da igualdade perante a lei ou da tutela jurisdicional efetiva. |
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Por conseguinte, há que julgar improcedente o pedido de anulação parcial das decisões impugnadas e negar integral provimento aos recursos. |
Quanto às despesas
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Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. |
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Tendo a República da Polónia sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção Alargada) decide: |
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Marcoulli Schwarcz Tomljenović Valasidis Spangsberg Grønfeldt Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de fevereiro de 2025. Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: polaco.