ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

7 de fevereiro de 2024 ( *1 )

«Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelos Países Baixos à KLM no contexto da pandemia de COVID‑19 — Garantia de Estado para um empréstimo bancário e um empréstimo subordinado do Estado — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Recurso de anulação — Legitimidade — Afetação substancial da posição do recorrente no mercado — Admissibilidade — Determinação do beneficiário do auxílio no contexto de um grupo de sociedades»

No processo T‑146/22,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por E. Vahida, F.‑C. Laprévote, V. Blanc, D. Pérez de Lamo e S. Rating, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por C. Georgieva, J. Carpi Badía e M. Farley, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Francesa, representada por T. Stéhelin, B. Fodda, T. Lechevallier e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

por

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, C. Schillemans, E. Besselink e J. Langer, na qualidade de agentes, assistidos por S. Corrijn, advogado,

por

Société Air França, com sede em Tremblay‑en‑França (França),

e

Air França‑KLM, com sede em Paris (França),

representadas por J. Derenne e D. Vallindas, advogados,

e por

Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV, com sede em Amstelveen (Países Baixos), representada por K. Schillemans, P. Huizing e E. de Krom, advogados,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: A. Kornezov (relator), presidente, G. De Baere e D. Petrlík, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 7 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Por meio do seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, a Ryanair DAC, pede a anulação da Decisão C(2021) 5437 final da Comissão, de 16 de julho de 2021, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID‑19: Garantia do Estado sobre um empréstimo e empréstimo do Estado a favor da KLM (a seguir «decisão impugnada»).

Antecedentes do litígio e contexto em que se insere a medida em causa

2

A Koninklijke Luchtvaart Maatschappij (a seguir «KLM») faz parte do grupo Air France‑KLM. À frente do referido grupo, encontra‑se a holding Air France‑KLM (a seguir «holding Air France‑KLM»). Segundo a decisão impugnada, este grupo inclui, além disso, nomeadamente, a Société Air France S.A. (a seguir «Air France»), a «Air France‑KLM International Mobility (Suíça)», a «Blueteam V (França)», a «BigBlank (França)», a «Air France‑KLM Finance (França)» e a «Transavia Company (França)».

3

Segundo a decisão impugnada, a República Francesa e o Reino dos Países Baixos detêm, respetivamente, 14,3 % e 14 % do capital da holding Air France‑KLM. Por sua vez, a holding Air France‑KLM detém 100 % das participações da Air France e, direta e indiretamente, 93,84 % do capital social da KLM. Além disso, a referida holding detém 99,7 % dos direitos económicos, ou seja, dos direitos aos dividendos, e 49 % dos direitos de voto da KLM. A mesma holding detém 100 % das participações das outras filiais enumeradas no n.o 2, supra.

4

A decisão impugnada inscreve‑se no contexto de uma série de outras medidas de auxílio de Estado destinadas a apoiar o setor da aviação e, mais especificamente, as sociedades que fazem parte do grupo Air France‑KLM.

5

Em especial, em 4 de maio de 2020, a Comissão Europeia autorizou um auxílio individual concedido pela República Francesa à Air France, sob a forma, por um lado, de uma garantia de Estado de 90 % sobre um empréstimo no montante de 4 mil milhões de euros concedido por um consórcio de bancos e, por outro, de um empréstimo acionista no montante máximo de 3 mil milhões de euros (a seguir «empréstimo acionista») [Decisão C(2020) 2983 final, de 4 de maio de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57082 (2020/N) — França — COVID‑19: quadro temporário (artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE) — Garantia e empréstimo acionista em benefício da Air France]. Esta decisão foi corrigida duas vezes, uma primeira vez, em 17 de dezembro de 2020 [Decisão C(2020) 9384 final da Comissão], e, uma segunda vez, em 26 de julho de 2021 [Decisão C(2021) 5701 final da Comissão] (a seguir «Decisão Air France»). Nessa mesma decisão, a Comissão considerou que os beneficiários da medida de auxílio objeto da referida decisão eram a Air France e as filiais por ela controladas. Em contrapartida, nem a holding Air France‑KLM nem as suas outras filiais, incluindo a KLM e as sociedades por esta última controladas, foram consideradas beneficiárias desta medida.

6

Em 26 de junho de 2020, o Reino dos Países Baixos notificou à Comissão, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, um auxílio de Estado a favor da KLM, que consistia, por um lado, numa garantia de Estado para um empréstimo que lhe seria concedido por um consórcio de bancos e, por outro, num empréstimo de Estado (a seguir «medida em causa»). O orçamento total do auxílio ascendia a 3,4 mil milhões de euros. O objetivo da medida em causa era fornecer temporariamente à KLM a liquidez de que necessitava para fazer face às repercussões negativas da pandemia de COVID‑19. O Reino dos Países Baixos considerava que, tendo em conta a importância da KLM para a sua economia e para o seu serviço aéreo, a insolvência desta teria exacerbado ainda mais a perturbação grave da sua economia causada por esta pandemia.

7

Em 13 de julho de 2020, com a Decisão C(2020) 4871 final, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID‑19: Garantia de Estado e empréstimo de Estado a favor da KLM, a Comissão considerou que a medida em causa, por um lado, constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, por outro, era compatível com o mercado interno com fundamento no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Segundo esta decisão, a KLM era a única beneficiária do auxílio, com exclusão das outras sociedades do grupo Air France‑KLM.

8

Em 5 de abril de 2021, a Comissão adotou a Decisão C(2021) 2488 final, relativa ao auxílio de Estado SA.59913 — França — COVID‑19 — Recapitalização da [Air France] e [da] holding Air France‑KLM (a seguir «Decisão Air France‑KLM e Air France»), na qual concluiu que um auxílio individual concedido pela República Francesa sob a forma de recapitalização da Air France e da holding Air France‑KLM, no montante total de 4 mil milhões de euros, era compatível com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e do quadro temporário. Este auxílio inclui, por um lado, uma participação da República Francesa num projeto de aumento de capital no montante máximo de mil milhões de euros e, por outro, a conversão do empréstimo acionista de 3 mil milhões de euros, que fazia parte da medida em causa na Decisão Air France, num instrumento híbrido equiparado a uma participação em capital próprio. Segundo a Decisão Air France‑KLM e Air France, os beneficiários dessas medidas eram a Air France e as suas filiais, bem como a holding Air France‑KLM e as filiais por esta controladas, com exclusão da KLM e das filiais desta última.

9

Por Acórdão de 19 de maio de 2021, Ryanair/Comissão (KLM; COVID‑19) (T‑643/20, EU:T:2021:286), o Tribunal Geral anulou a Decisão C(2020) 4871 final da Comissão, de 13 de julho de 2020, por enfermar de insuficiência de fundamentação no que respeita à determinação do beneficiário da medida em causa. Decidiu, além disso, suspender os efeitos da anulação da referida decisão até à adoção de uma nova decisão pela Comissão, ao abrigo do artigo 108.o TFUE.

10

Em 16 de julho de 2021, a Comissão adotou a decisão impugnada, na qual considerou que a medida em causa constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mas compatível com o mercado interno com fundamento no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, e que a KLM e as suas filiais eram as únicas beneficiárias do auxílio, com exclusão das outras sociedades do grupo Air France‑KLM.

Pedidos das partes

11

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

12

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

13

O Reino dos Países Baixos, a KLM, a Air France e a holding Air France‑KLM concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso e que a recorrente seja condenada nas despesas.

14

A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne julgar o recurso inadmissível, na parte em que a recorrente contesta o mérito da decisão impugnada, e negar‑lhe provimento quanto ao restante.

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

15

A recorrente alega, primeiro, que é parte interessada, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), e que, por conseguinte, tem legitimidade para defender os seus direitos processuais. Segundo, sustenta que a sua posição concorrencial no mercado foi substancialmente afetada pela medida em causa e que, por conseguinte, tem também legitimidade para contestar o mérito da decisão impugnada.

16

A Comissão, o Reino dos Países Baixos, a KLM, a holding Air France‑KLM e a Air France não contestam a admissibilidade da ação.

17

Em contrapartida, a República Francesa sustenta que a recorrente não tem legitimidade para contestar o mérito da decisão impugnada.

18

No caso em apreço, é pacífico que a recorrente é concorrente da KLM e não é contestado que, por conseguinte, deve ser considerada «parte interessada» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, que tem legitimidade para salvaguardar os direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

19

Quanto à legitimidade da recorrente para contestar o mérito da decisão impugnada, importa recordar que a admissibilidade de um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva de um ato do qual não é destinatária, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, está sujeita à condição de lhe ser reconhecida legitimidade, a qual se verifica em duas situações. Por um lado, esse recurso pode ser interposto se esse ato lhe disser direta e individualmente respeito. Por outro lado, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se o mesmo lhe disser diretamente respeito (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 59 e 91, e de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑244/16 P, EU:C:2018:177, n.o 39).

20

Uma vez que a decisão impugnada, que foi dirigida ao Reino dos Países Baixos, não constitui um ato regulamentar nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, porquanto não é um ato de alcance geral (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 56), cabe ao Tribunal Geral verificar se essa decisão diz direta e individualmente respeito ao recorrente, na aceção desta disposição.

21

A este propósito, resulta de jurisprudência constante que os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se a mesma os afetar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de maneira análoga à do destinatário dessa decisão (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223; de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 22; e de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 53).

22

Assim, se um recorrente puser em causa o mérito de uma decisão de apreciação do auxílio tomada com fundamento no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, ou no termo do procedimento formal de investigação, o simples facto de poder ser considerado «interessado», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, não basta para que o recurso seja julgado admissível. Deve então demonstrar que tem um estatuto específico, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 21, supra. É o que acontece, nomeadamente, quando a posição do recorrente no mercado em causa é substancialmente afetada pelo auxílio objeto da decisão em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 37 e jurisprudência referida).

23

A este respeito, a demonstração, pelo recorrente, de que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada não implica uma decisão definitiva sobre a relação concorrencial entre esse recorrente e as empresas beneficiárias, mas apenas exige que o referido recorrente indique de forma pertinente as razões pelas quais a decisão da Comissão pode lesar os seus interesses legítimos, afetando substancialmente a sua posição no mercado em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 57 e jurisprudência referida).

24

Resulta assim da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a afetação substancial da posição concorrencial do recorrente no mercado em causa não resulta de uma análise aprofundada das diferentes relações de concorrência nesse mercado, que permita demonstrar com precisão a extensão da afetação da sua posição concorrencial, mas, em princípio, de uma constatação prima facie de que a concessão da medida visada na decisão da Comissão conduz a que esta posição seja substancialmente afetada (Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 58).

25

Daqui decorre que esta condição pode ser satisfeita se o recorrente apresentar elementos que permitam demonstrar que a medida em causa é suscetível de afetar substancialmente a sua posição no mercado em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 59 e jurisprudência referida).

26

Quanto aos elementos admitidos pela jurisprudência para demonstrar essa afetação substancial, importa recordar que a simples circunstância de um ato ser suscetível de exercer uma certa influência nas relações de concorrência existentes no mercado pertinente e de a empresa em causa se encontrar numa qualquer relação de concorrência com o beneficiário desse ato não pode bastar para se poder considerar que o referido ato diz individualmente respeito à empresa em questão. Assim, uma empresa não pode invocar unicamente a sua qualidade de concorrente da empresa beneficiária (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 60 e jurisprudência referida).

27

A prova de que a posição de um concorrente no mercado foi substancialmente lesada não se pode limitar à presença de determinados elementos que indiquem uma degradação dos resultados comerciais ou financeiros do recorrente, como uma importante redução do volume de negócios, perdas financeiras não negligenciáveis ou ainda uma diminuição significativa da quota de mercado na sequência da concessão do auxílio em questão. A concessão de um auxílio de Estado pode lesar a situação concorrencial de um operador também de outras formas, designadamente originando lucros cessantes ou uma evolução menos favorável do que a que se verificaria se o auxílio em causa não tivesse existido (Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 61).

28

Além disso, a jurisprudência não exige que o recorrente apresente elementos quanto à dimensão ou à extensão geográfica dos mercados em causa, ou ainda quanto às suas quotas de mercado ou às do beneficiário da medida em causa ou de eventuais concorrentes nesses mercados (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 65).

29

É à luz destes princípios que importa analisar se a recorrente apresentou elementos que permitam demonstrar que a medida em causa é suscetível de afetar substancialmente a sua posição no mercado em questão.

30

A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente alega que, em 2021, tinha transportado cerca de 1,3 milhões de passageiros e explorava 37 linhas aéreas provenientes de e com destino a três aeroportos situados nos Países Baixos. Em especial, afirma que estava em concorrência direta com a KLM em treze dessas linhas aéreas, nas quais tinha transportado cerca de 185000 passageiros em 2021, o que as outras partes não contestam.

31

Além disso, os dados expostos no anexo A.3.6 da petição, que também não são contestados, demonstram que o número de lugares disponibilizados pela recorrente nas referidas treze linhas aéreas era frequentemente comparável ao oferecido pela KLM, chegando mesmo, em certos casos, a ser superior. A concorrência entre elas era, portanto, em número de lugares disponibilizados, também significativa.

32

Por outro lado, segundo a afirmação, não contestada, da recorrente, as treze linhas aéreas em que se encontrava em concorrência direta com a KLM eram servidas por poucas outras companhias aéreas.

33

Em segundo lugar, a recorrente alega, no essencial, sem ter sido contraditada, que planeava uma expansão comercial no mercado neerlandês, como comprova o facto de ter encomendado 210 aeronaves Boeing 737 Max que se juntariam à sua frota em junho de 2021, o que lhe permitiria prosseguir o seu plano de expansão.

34

Em terceiro lugar, resulta de um relatório da Fundação para a Inovação Política, apresentado pela recorrente, intitulado «Before COVID‑19, air transportation in Europe: an already fragile sector» (Transporte aéreo na Europa antes da pandemia de COVID‑19: um setor já frágil), datado de maio de 2020, e cujo teor não é contestado pelas outras partes, que era «provável que a Ryanair […] saí[sse] da crise da COVID‑19 sem demasiados danos e dispon[do] mesmo de recursos financeiros suficientes, nomeadamente graças ao endividamento e à aquisição de sociedades em situação de insolvência, para partici[par] na provável reestruturação do transporte aéreo na Europa». Daqui decorre que a recorrente se encontrava numa posição relativamente forte em relação às companhias aéreas tradicionais como a KLM, que estava confrontada com um risco de insolvência ou mesmo de saída do mercado.

35

Com efeito, o risco de insolvência da KLM, no caso de não aplicação da medida em causa, decorre da decisão impugnada, que especifica que o objetivo dessa medida era fornecer à KLM a liquidez de que necessitava para fazer face à escassez de liquidez na sequência das repercussões negativas da crise sanitária da COVID‑19 e evitar, assim, a insolvência da KLM.

36

Em quarto lugar, a recorrente alega que a relação concorrencial entre ela e o grupo Air France‑KLM, considerada no seu todo, é ainda mais acentuada. Assim, a recorrente é a primeira companhia aérea a nível da União em número de passageiros transportados, ao passo que o grupo Air France‑KLM é apenas a quarta, o que não é contestado pelas outras partes.

37

Além disso, resulta de um relatório da Exane BNP Paribas, intitulado «European Airlines, Blinded by the light» (Companhias aéreas europeias, Ofuscadas pela luz), de 15 de julho de 2020, apresentado pela recorrente e cujo teor não é contestado pelas outras partes, que as companhias aéreas do grupo Air France‑KLM se tinham tornado, graças ao apoio do Estado, as companhias aéreas na Europa que, em conjunto, dispunham do maior volume de liquidez e que, ainda segundo a alegação não contestada da recorrente, a suplantaram enquanto companhia aérea europeia que, depois de julho de 2020, podia suportar o mais longo período de imobilização completa da sua frota antes do esgotamento total da sua tesouraria.

38

Os elementos referidos nos n.os 30 a 37, supra, considerados conjuntamente, permitem concluir que a recorrente demonstrou que a concessão da medida em causa era suscetível de reforçar a posição concorrencial da KLM em detrimento da sua e de conduzir, prima facie, a afetar substancialmente a sua posição concorrencial no mercado, provocando, nomeadamente, lucros cessantes ou uma evolução menos favorável do que a que teria sido registada se essa medida não tivesse existido (v. jurisprudência referida no n.o 27, supra).

39

Esta conclusão não é posta em causa pela objeção da República Francesa, segundo a qual a recorrente não é a principal concorrente da KLM no mercado neerlandês.

40

Com efeito, a jurisprudência não exige que a recorrente seja a principal concorrente do beneficiário de uma medida de auxílio para que a sua posição concorrencial possa ser considerada substancialmente afetada por esta.

41

Também não se pode considerar procedente a objeção da República Francesa, segundo a qual a recorrente não demonstrou que a decisão impugnada a afeta devido a uma situação de facto que a distingue de todos os outros concorrentes da KLM.

42

Com efeito, o requisito da afetação substancial da sua posição concorrencial é um elemento específico do recorrente, que deve ser avaliado apenas em relação à sua posição no mercado anteriormente à concessão da medida em causa, ou na falta dessa concessão. Não se trata, portanto, de comparar a situação de todos os concorrentes presentes no mercado em causa (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2020:862, n.o 58). Por outro lado, como recordado no n.o28, supra, o Tribunal de Justiça especificou que não era necessário que o recorrente apresentasse elementos relativos às suas quotas de mercado ou às do beneficiário ou de eventuais concorrentes nesse mercado. Daqui decorre que, para demonstrar uma afetação substancial da sua posição concorrencial, não se pode exigir ao recorrente que demonstre, com base em provas, qual a situação concorrencial de todos os seus concorrentes e que a sua situação é distinta desta.

43

Além disso, importa salientar que a jurisprudência referida no n.o 21, supra, prevê dois critérios distintos para demonstrar que uma decisão diz individualmente respeito a sujeitos que não sejam destinatários da mesma, a saber, que a decisão impugnada os afeta em razão de «determinadas qualidades que lhes são específicas» ou de «uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa». Esta jurisprudência não exige, portanto, que um recorrente demonstre, em todos os casos, que a sua situação de facto é distinta da de qualquer outra pessoa. Com efeito, basta que a decisão impugnada afete o recorrente em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas.

44

É o que acontece no caso em apreço. Com efeito, todos os elementos mencionados nos n.os 30 a 37, supra, tendem a demonstrar, de forma suficientemente plausível, que a posição da recorrente nos mercados em causa se caracterizava por certas qualidades que lhe eram específicas, a saber, o facto de a recorrente se encontrar em concorrência direta com a beneficiária num número considerável de linhas aéreas, nas quais, além disso, explora um número significativo de lugares, que planeava uma expansão comercial no mercado neerlandês e que, na falta da medida em causa, existia um risco de a KLM se tornar insolvente ou, pelo menos, significativamente enfraquecida, ao passo que a situação financeira da recorrente parecia ser relativamente forte comparada com a da beneficiária, colocando‑a assim numa posição suscetível de lhe permitir, na falta do auxílio, ganhar quotas de mercado em detrimento da KLM.

45

Em face do exposto, há que concluir que a recorrente fez prova bastante de que a medida em causa era suscetível de afetar de forma substancial a sua posição concorrencial no mercado em causa.

46

Há que observar que a decisão impugnada também dizia diretamente respeito à recorrente, uma vez que não existem dúvidas quanto à vontade do Reino dos Países Baixos de pagar um auxílio à KLM e que tal pagamento é suscetível de colocar a recorrente numa situação concorrencial desvantajosa e afetar assim o seu direito a não sofrer uma concorrência falseada por esse auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 43 e jurisprudência referida).

47

Por conseguinte, a Ryanair tem legitimidade para contestar o mérito da decisão impugnada.

Quanto ao mérito

48

Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos, relativos, em substância, o primeiro, a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação quanto à exclusão da holding Air France‑KLM e da Air France do perímetro de beneficiários da medida em causa, o segundo, a uma violação das disposições do Tratado FUE e dos princípios gerais do direito relativos à não discriminação, à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, o terceiro, a uma aplicação errada do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, o quarto, a uma violação dos seus direitos processuais e, o quinto, a uma violação do dever de fundamentação.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à exclusão da holding Air France‑KLM e da Air France do perímetro dos beneficiários da medida em causa

49

A recorrente contesta a determinação do beneficiário da medida em causa. Alega que a Comissão considerou erradamente que só a KLM e as sociedades por ela controladas eram beneficiários da medida em causa, com exclusão da holding Air France‑KLM e da Air France. A este respeito, apresenta vários elementos para demonstrar que a holding Air France‑KLM e a Air France eram também beneficiárias, potenciais ou indiretas, da medida em causa. Estes elementos dizem respeito, em substância, às relações de capital, orgânicas, funcionais e económicas entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM, ao quadro contratual com base no qual a medida em causa foi concedida, bem como ao contexto em que esta se insere.

50

A Comissão contesta os argumentos da recorrente sublinhando, com base nos elementos salientados na decisão impugnada, que a Air France e a KLM beneficiam de facto de uma grande autonomia funcional, económica e orgânica, tanto uma em relação à outra como em relação à holding Air France‑KLM. Além disso, a Comissão alega que a estrutura empresarial e de governação do grupo Air France‑KLM evitava também qualquer risco de transferência indireta do auxílio entre a Air France e a KLM. Por outro lado, a medida em causa incluía mecanismos contratuais equivalentes a uma cláusula de afetação, que faziam chegar a vantagem financeira e económica real da referida medida exclusivamente à KLM.

51

A República Francesa, o Reino dos Países Baixos, a KLM, a Air France e a holding Air France‑KLM subscrevem as observações da Comissão.

52

Na decisão impugnada, a Comissão considerou que os beneficiários da medida em causa eram a KLM e as filiais controladas por esta. Em contrapartida, embora a KLM faça parte do grupo Air France‑KLM, nem a sua sociedade‑mãe, a saber, a holding Air France‑KLM, nem as suas sociedades‑irmãs, incluindo a Air France e as filiais controladas por esta última, eram beneficiárias da referida medida.

53

O presente fundamento suscita assim, em substância, a questão da determinação do beneficiário de uma medida de auxílio no contexto de um grupo de sociedades.

54

A este respeito, resulta da jurisprudência que se pode considerar que várias entidades jurídicas distintas formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado. Com efeito, neste domínio, a questão de saber se existe uma unidade económica entre várias entidades juridicamente distintas coloca‑se, designadamente, quando se trata de identificar o beneficiário de um auxílio [v., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, EU:C:1984:345, n.os 11 e 12, e de 19 de maio de 2021, Ryanair/Comissão (KLM; COVID‑19), T‑643/20, EU:T:2021:286, n.o 46 e jurisprudência referida].

55

Entre os elementos tidos em conta pela jurisprudência para determinar a existência ou inexistência de uma unidade económica no domínio dos auxílios de Estado figuram, nomeadamente: a participação da empresa em causa num grupo de sociedades cujo controlo é exercido direta ou indiretamente por uma delas, a prossecução de atividades económicas idênticas ou paralelas e a falta de autonomia económica das sociedades em causa (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2004, Pollmeier Malchow/Comissão, T‑137/02, EU:T:2004:304, n.os 68 a 70); a formação de um grupo único controlado por uma entidade, apesar da constituição de novas sociedades que possuem cada uma personalidade jurídica distinta (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, EU:C:1984:345, n.o 11); a possibilidade de uma entidade que detém participações de controlo noutra sociedade exercer, além de um simples investimento de capitais por um investidor, funções de controlo, de impulso e de apoio financeiro em relação a essa sociedade, bem como a existência de relações orgânicas e funcionais entre elas [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Comissão, C‑480/09 P, EU:C:2010:787, n.o 51, e de 19 de maio 2021, Ryanair/Comissão (KLM; COVID‑19), T‑643/20, EU:T:2021:286, n.o 47]; e a existência de cláusulas contratuais pertinentes (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Comissão, C‑480/09 P, EU:C:2010:787, n.o 57).

56

Além disso, o tipo de medida de auxílio concedida, os eventuais compromissos assumidos pelo Estado‑Membro em causa e o contexto em que essa medida se insere podem, consoante o caso, constituir também elementos pertinentes para determinar a existência ou inexistência de uma unidade económica no domínio dos auxílios de Estado.

57

Por outro lado, a Comissão precisou a sua interpretação do conceito de «empresa» na sua Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal» nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (JO 2016, C 262, p. 1; a seguir «Comunicação sobre a noção de “auxílio estatal”»). Esta comunicação, embora não possa vincular o Tribunal Geral, pode, porém, servir de fonte de inspiração útil [v. Acórdão de 6 de abril de 2022, Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific) e o./Comissão, T‑508/19, EU:T:2022:217, n.o 93 e jurisprudência referida].

58

A Comissão reconheceu, no n.o 11 da Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal», que se pode considerar que várias entidades jurídicas distintas formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado. Para o efeito, de acordo com esse número, deve tomar‑se em consideração a existência de uma participação de controlo e de outras ligações funcionais, económicas e orgânicas.

59

Neste contexto, foi declarado que a Comissão dispunha de um amplo poder de apreciação para determinar se as sociedades que fazem parte de um grupo deviam ser consideradas uma unidade económica ou unidades jurídica e financeiramente autónomas para efeitos de aplicação do regime dos auxílios de Estado. Este poder de apreciação da Comissão implica a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos. Uma vez que o juiz da União não pode substituir a apreciação do autor da decisão pela sua própria apreciação dos factos, em particular de ordem económica, a fiscalização do Tribunal Geral deve, a este respeito, limitar‑se à verificação do respeito pelas regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. Acórdão de 8 de setembro de 2009, AceaElectrabel/Comissão, T‑303/05, não publicado, EU:T:2009:312, n.os 101 e 102 e jurisprudência referida).

60

Todavia, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes a tomar em consideração na apreciação de uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões que deles se retiram (v. Acórdão de 20 de setembro de 2018, Espanha/Comissão, C‑114/17 P, EU:C:2018:753, n.o 104).

61

Além disso, incumbe à Comissão examinar com especial atenção as relações entre as sociedades que pertencem ao mesmo grupo, quando haja razões para recear os efeitos de um cúmulo de auxílios de Estado dentro do mesmo grupo na concorrência [v., Acórdão de 19 de maio 2021, Ryanair/Comissão (KLM; COVID‑19), T‑643/20, EU:T:2021:286, n.o 48 e jurisprudência referida].

62

Tendo em conta os critérios desenvolvidos na jurisprudência e os argumentos das partes, há que examinar sucessivamente as relações de capital, orgânicas, funcionais e económicas entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM e as respetivas filiais, os contratos com base nos quais a medida em causa foi concedida, bem como o tipo de medida de auxílio concedida e o contexto em que esta se insere.

– Quanto às relações de capital e orgânicas entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM

63

A título preliminar, a Comissão alega que, na petição, a recorrente sustenta que o facto de uma sociedade‑mãe ter a possibilidade de jure de exercer um controlo sobre a sua filial bastava «por si só» para considerar que a sociedade‑mãe devia ser incluída enquanto beneficiária de uma medida de auxílio. Ora, na réplica, a recorrente sustenta que a Comissão não teve em conta o poder de controlo da holding Air France‑KLM sobre as suas filiais no âmbito da sua apreciação. Segundo a Comissão, uma vez que este último argumento da recorrente não constitui um desenvolvimento do argumento que figura na petição, é, portanto, inadmissível, porquanto foi suscitado pela primeira vez na réplica.

64

Há que afastar a argumentação da Comissão relativa à inadmissibilidade do argumento apresentado pela recorrente na réplica segundo o qual a Comissão não teve em conta, no âmbito da sua apreciação, o poder de controlo da holding Air France‑KLM sobre as suas filiais, uma vez que a referida argumentação procede de uma leitura parcial da petição. Com efeito, na sua petição, a recorrente sustenta, por um lado, que a Comissão não apreciou corretamente o impacto do facto de a holding Air France‑KLM ter a possibilidade estatutária de exercer funções de controlo, de impulso e de apoio financeiro sobre a sua filial KLM e, por outro, critica a apreciação feita pela Comissão de vários outros fatores relativos às relações orgânicas, funcionais, económicas e contratuais entre as diferentes entidades do grupo Air France‑KLM. Os argumentos expostos na petição não se limitam, portanto, a invocar a simples possibilidade de jure da holding Air France‑KLM de exercer um controlo sobre a KLM. Por conseguinte, dado que o argumento que figura na réplica acima referido constitui uma ampliação dos argumentos expostos na petição, não é inadmissível.

65

Feita esta precisão, importa salientar, em primeiro lugar, no que respeita às relações de capital entre as diferentes entidades pertencentes ao grupo Air France‑KLM, que, como recordado no n.o3, supra, a Air France é detida a 100 % pela holding Air France‑KLM e esta última detém 93,84 % do capital social, 99,7 % dos direitos económicos e 49 % dos direitos de voto da KLM.

66

Embora este facto constitua um primeiro elemento pertinente para a análise da existência de uma unidade económica entre essas entidades, a jurisprudência em matéria de auxílios de Estado exige, além disso, que se verifique se a sociedade‑mãe exerce efetivamente um controlo, intervindo direta ou indiretamente na gestão das suas filiais, e participa, por conseguinte, na atividade económica exercida pela empresa controlada (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Comissão, C‑480/09 P, EU:C:2010:787, n.o 49 e jurisprudência referida).

67

Com efeito, na falta de tal análise, uma simples cisão de uma empresa em duas entidades distintas, em que a primeira prossegue diretamente a atividade económica em causa e a segunda controla a primeira ao mesmo tempo que intervém na sua gestão, bastaria para privar as normas do direito da União relativas aos auxílios de Estado de efeito útil. Tal permitiria à segunda entidade beneficiar de subvenções ou outros benefícios concedidos pelo Estado ou provenientes de recursos estatais e utilizá‑los, no todo ou em parte, em proveito da primeira, no interesse, também, da unidade económica formada pelas duas entidades (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Comissão, C‑480/09 P, EU:C:2010:787, n.o 50 e jurisprudência referida).

68

No caso em apreço, resulta do n.o 33 da decisão impugnada que a holding Air France‑KLM detém um poder de controlo sobre a KLM graças aos direitos de veto de que dispõe, por um lado, sobre os planos de negócios e os orçamentos da KLM e, por outro, sobre a remuneração, a nomeação e a destituição dos seus dirigentes, incluindo a nomeação e a destituição dos membros do Conselho de Administração da KLM. Assim, a referida holding deve aprovar as decisões relativas, nomeadamente, às opções estratégicas, ao orçamento e ao plano de investimento do «grupo Air France‑KLM, incluindo a KLM» antes de estas serem adotadas ou executadas.

69

Resulta também dos n.os 40 e 51 da decisão impugnada que a holding Air France‑KLM dispõe de direito de aprovação no que respeita as operações de financiamento das suas filiais que ultrapassem os 150 milhões de euros. Este direito revelou‑se relevante no caso em apreço, tendo em conta que, como a Comissão reconhece na decisão impugnada, o financiamento concedido pelo Reino dos Países Baixos ultrapassava o limiar de 150 milhões de euros, pelo que teve de ser aprovado pela holding Air France‑KLM antes de ser concedido.

70

Em segundo lugar, no que respeita às relações orgânicas entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM, a recorrente faz referência, nomeadamente, ao documento de registo universal 2019 da referida holding, depositado junto da Autorité des marchés financiers (AMF) (Autoridade dos Mercados Financeiros, França) em aplicação do Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativo ao prospeto a publicar em caso de oferta de valores mobiliários ao público ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado, e que revoga a Diretiva 2003/71/CE (JO 2017, L 168, p. 12) (a seguir«documento de registo universal 2019»), do qual apresenta um extrato no Tribunal Geral e que foi debatido na audiência. Em conformidade com os artigos 9.o e 21.o do Regulamento 2017/1129, o documento de registo universal é um documento disponibilizado ao público que descreve a organização, a atividade, a situação financeira, os resultados e perspetivas, a governação e a estrutura acionista do emitente em causa.

71

Resulta do documento de registo universal 2019 que existem, ao nível do grupo Air France‑KLM, vários órgãos mistos, compostos por representantes de alto nível da holding Air France‑KLM, da Air France e da KLM, encarregados de controlar e coordenar certas decisões importantes a tomar no referido grupo.

72

Por exemplo, no grupo Air France‑KLM, todos os investimentos superiores a cinco milhões de euros, à semelhança das operações relativas à frota e das operações de aquisição de participações e de cessão, estão sujeitos à aprovação de um «Comité Executivo Grupo», composto nomeadamente pelos diretores‑gerais da holding Air France‑KLM, da Air France e da KLM, como aliás confirmou a referida holding na audiência.

73

Além disso, segundo esse documento de registo universal 2019, embora a gestão dos investimentos seja assegurada ao nível de cada sociedade do grupo Air France‑KLM, o processo de tomada de decisão é coordenado por um «Group Investment Committee (GIC)», composto pelo diretor‑geral adjunto «Economia e Finanças» da holding Air France‑KLM, pelo diretor‑geral adjunto «Economia e Finanças» da Air France e pelo «Chief Financial Officer» da KLM.

74

Do mesmo modo, resulta do documento de registo universal 2019 que a gestão dos riscos de mercado no grupo Air France‑KLM é dirigida por um «Risk Management Committee», composto também por altos dirigentes da holding Air France‑KLM, da Air France e da KLM, que decide e supervisiona os riscos financeiros do referido grupo e determina as coberturas necessárias a implementar.

75

Resulta também desse documento que as decisões tomadas por esses órgãos mistos no âmbito do grupo Air France‑KLM são, em seguida, executadas por cada entidade do grupo.

76

Daqui se conclui que as relações de capital e orgânicas no grupo Air France‑KLM tendem a demonstrar que a holding Air France‑KLM exerce efetivamente um controlo, intervindo direta ou indiretamente na gestão da Air France e da KLM, e participa, por conseguinte, na sua atividade económica. Daqui resulta também que existe, no âmbito do referido grupo, um procedimento de tomada de decisão centralizado e uma certa coordenação, assegurados por meio de órgãos mistos que reúnem representantes de alto nível da holding Air France‑KLM, da Air France e da KLM, pelo menos no que respeita à tomada de certas decisões importantes.

77

As relações de capital e orgânicas no grupo Air France‑KLM são assim, como alega a recorrente, um primeiro elemento suscetível de demonstrar que as entidades jurídicas distintas dentro do referido grupo formam uma única unidade económica, para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado.

– Quanto às relações funcionais entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM

78

Em primeiro lugar, a Comissão salientou no n.o 36 da decisão impugnada que a holding Air France‑KLM empregava os seus próprios trabalhadores e «[contava]» com empregados destacados junto dela pela Air France e pela KLM. Além disso, referiu nos n.os 33 e 112 dessa decisão, conforme recordado no n.o 68, supra, que a referida holding dispunha de direitos de veto quanto à remuneração, à nomeação e à destituição dos dirigentes da KLM e da Air France. Daqui resulta que existe um certo grau de integração entre os empregados desta holding e das suas filiais e que a mesma holding está envolvida nas decisões mais importantes relativas aos dirigentes das suas filiais.

79

Em segundo lugar, no n.o 37 da decisão impugnada, a Comissão explicou que a holding Air France‑KLM não operava «diretamente» nos mercados do transporte aéreo em que a Air France e a KLM operavam, constatando que o papel da referida holding era prestar apoio às suas filiais «em matéria de informática, de recursos humanos, de marketing, digital, de comunicação e de inovação».

80

Todavia, no n.o 42 da decisão impugnada, a Comissão declarou que a Air France e a KLM, sob a égide da holding Air France‑KLM, se coordenavam no «domínio das vendas e da gestão dos preços e das receitas com base na estratégia determinada ao nível da holding [Air France‑KLM]», com o auxílio dos empregados da Air France e da KLM destacados para esse efeito na referida holding. Tal constatação resulta também do n.o 112 da referida decisão.

81

Daqui decorre que, embora seja certo que a holding Air France‑KLM não presta, ela própria, serviços de transporte aéreo, não é menos certo que desempenha um papel estratégico na prestação desses serviços, nomeadamente no domínio das vendas e da gestão dos preços e das receitas, e que, além disso, está envolvida na tomada de decisões sobre as operações relativas à frota (v. n.o 72, supra), o que confirma a existência de um grau de integração entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM.

82

A existência de uma certa coordenação funcional no grupo Air France‑KLM é, além disso, ilustrada pelo exemplo da «Transavia», invocado pela recorrente. Como resulta das respostas da Comissão às questões colocadas a propósito de uma medida de organização do processo, no âmbito do referido grupo, existem várias sociedades com o nome «Transavia», algumas das quais operam no mercado dos serviços de transporte aéreo de passageiros. Trata‑se da Transavia France SAS e da Transavia Airlines CV, designadas, respetivamente, «Transavia France» e «Transavia Netherlands» na decisão impugnada. A «Transavia France» e a «Transavia Netherlands» são filiais, respetivamente, da Air France e da KLM. A Comissão referiu a este respeito que, embora estas duas sociedades disponham das suas próprias «licenças, certificados, direitos de tráfego, faixas horárias, ativos, pessoal e direção», apresentam‑se no mercado sob a mesma marca Transavia e partilham o mesmo sítio Internet. Além disso, como alega a recorrente, a «Transavia» é frequentemente mencionada como uma empresa única no documento de registo universal 2019 e no documento de registo universal 2020 da holding Air France‑KLM apresentado à Autoridade dos Mercados Financeiros francesa em aplicação do Regulamento 2017/1129 (a seguir «documento de registo universal 2020»), quando esses documentos se referem ao segmento «low cost» da atividade comercial deste grupo. Este exemplo demonstra, assim, uma certa cooperação funcional e comercial entre duas filiais da Air France e da KLM.

83

Em terceiro lugar, resulta dos n.os 38 a 40 e 112 da decisão impugnada que a holding Air France‑KLM assume também funções financeiras para as necessidades da Air France e da KLM. Por um lado, dá, nomeadamente, instruções orçamentais às suas filiais. Por outro lado, pode, «ocasionalmente», nos termos da decisão impugnada, angariar capitais nos mercados financeiros (dívida ou capital próprio) em benefício das suas filiais e em função das respetivas necessidades individuais.

84

Importa acrescentar, à semelhança da recorrente e como resulta dos n.os 70 a 75, supra, que a holding Air France‑KLM está envolvida na coordenação e aprovação dos investimentos importantes das suas filiais, nas operações de aquisição de participações e de cessão e na gestão dos riscos financeiros e das coberturas necessárias a implementar, que são objeto de um acompanhamento contínuo e permanente ao nível do grupo Air France‑KLM.

85

No caso em apreço, o papel financeiro assumido pela holding Air France‑KLM é ilustrado pelo facto, salientado no n.o 40 da decisão impugnada, de que esta dispõe do direito de aprovação das operações de financiamento das suas filiais que ultrapassem os 150 milhões de euros, e que, consequentemente, teve de aprovar a medida em causa.

86

Na decisão impugnada e na audiência, a Comissão, embora reconhecendo o papel financeiro desempenhado pela holding Air France‑KLM em benefício das suas filiais, relativizou a sua importância, qualificando‑o de «limitado» (n.o 38 da decisão impugnada).

87

No entanto, resulta dos n.os 68 a 85, supra, que as decisões importantes ou estratégicas em matéria de financiamento, de investimento e de frota são coordenadas, ou mesmo aprovadas, pela holding Air France‑KLM.

88

Esta conclusão é corroborada pelos dados que figuram nos documentos de registo universais 2019 e 2020, dos quais resulta que a holding Air France‑KLM realizou uma série de emissões de obrigações de montantes significativos, que «a estratégia financeira é decidida pelo grupo [Air France‑KLM] em coordenação com a [Air France] e com a [KLM]», que a referida holding era o emitente «principal» das obrigações e que o referido grupo previa um «recurso sistemático aos financiamentos nos mercados [através da] Air France‑KLM».

89

Apesar disso, na decisão impugnada, a Comissão considerou que a Air France e a KLM eram «funcionalmente autónomas», baseando‑se nos elementos seguintes (n.o 41 da decisão impugnada).

90

Primeiro, a Air France e a KLM dispõem de «equipas de gestão distintas» (n.o 41, primeiro travessão, da decisão impugnada). Todavia, esta afirmação deve ser fortemente matizada pelos elementos referidos nos n.os 68 a 75, supra, dos quais resulta que a holding Air France‑KLM tem direito de veto quanto à remuneração, à nomeação e à destituição dos dirigentes das suas filiais, que órgãos mistos no grupo Air France‑KLM estão encarregados do controlo e da coordenação de determinadas decisões importantes relativas às suas filiais e que a referida holding conta com empregados da Air France e da KLM destacados junto dela.

91

Segundo, a KLM é «independente e plenamente responsável» pela «maior parte» dos principais elementos das suas atividades comerciais, nomeadamente os recursos humanos, a frota, o desenvolvimento da rede, a experiência cliente, a gestão dos passageiros e da carga, as atividades de manutenção, as operações aéreas, os serviços a bordo e a comercialização (n.o 41, primeiro travessão, da decisão impugnada). No entanto, estas afirmações não têm em conta o papel desempenhado pela holding Air France‑KLM, tanto no que respeita as operações relativas à frota (v. nos 68 e 72, supra) como no que respeita à prestação de serviços de transporte aéreo, em especial em matéria de vendas e de gestão dos preços e das receitas, cuja estratégia é determinada ao nível da referida holding (v. n.os 80 a 82, supra).

92

Terceiro, a KLM dispõe de «uma organização financeira independente», no que respeita, nomeadamente, ao financiamento e ao controlo dos relatórios internos e externos, da tesouraria, da auditoria e da fiscalidade (n.o 41, segundo travessão, da decisão impugnada). No n.o 40 da decisão impugnada, a Comissão referiu, além disso, que as atividades financeiras «quotidianas» são efetuadas pela Air France e pela KLM de forma independente. No entanto, estas afirmações colidem com o facto de que qualquer financiamento acima do limiar de 150 milhões de euros ou qualquer investimento superior a cinco milhões de euros tem de ser aprovado pela holding Air France‑KLM. Por outro lado, a circunstância de as atividades financeiras «quotidianas» serem geridas pela Air France e pela KLM não contradiz o que precede.

93

Quarto, a KLM gere as suas necessidades de liquidez «de forma independente, sem a intervenção da Air France». A holding Air France‑KLM não tem nenhum controlo sobre os fundos da KLM. Por exemplo, certas decisões são tomadas ao nível do Conselho de Administração da KLM e não ao nível da referida holding. Também não existe um «mecanismo de partilha de lucros e perdas nem um acordo de partilha de tesouraria entre a Air France e a KLM» (n.o 40, segundo travessão, e n.o 41, terceiro travessão, da decisão impugnada).

94

Todavia, por um lado, o facto de a Air France e a KLM gerirem de forma independente a sua liquidez deve também ser matizado, uma vez que a holding Air France‑KLM angaria capital nos mercados em benefício das suas filiais (v. n.o 83, supra), aprova as operações de financiamento superiores a 150 milhões de euros e dá instruções orçamentais às suas filiais. Do mesmo modo, a afirmação de que determinadas decisões são tomadas ao nível do Conselho de Administração da KLM e não ao nível da holding Air France‑KLM deve ser relativizada à luz das circunstâncias referidas no n.o 72, supra, das quais resulta que a holding está envolvida na tomada de decisões importantes e estratégicas em matéria de financiamento, de investimento e de operações relativas à frota.

95

Por outro lado, embora a Comissão tenha afirmado que não existia um mecanismo de partilha de lucros e perdas nem um acordo de partilha de tesouraria entre a Air France e a KLM, salientou, ainda assim, no n.o 47 da decisão impugnada, que existiam «acordos de partilha de custos» entre a Air France e a KLM e as suas filiais. Resulta do mesmo número que existem «atividades comuns desenvolvidas em comum pela Air France e pela KLM ou pelas suas filiais». Estes elementos confirmam a existência de uma certa integração e cooperação funcionais entre estas últimas no grupo Air France‑KLM.

96

Assim, a conclusão a que chegou a Comissão, a saber, que a Air France e a KLM têm autonomia funcional, é posta em causa por todas as considerações que figuram nos n.os 78 a 95, supra.

97

Por conseguinte, as relações funcionais entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM constituem um segundo elemento suscetível de demonstrar que estas entidades formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado.

– Quanto às relações económicas entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM

98

Nos n.os 43 a 46 e 113 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a holding Air France‑KLM, a KLM e a Air France gozavam de facto de autonomia económica, pelas seguintes razões.

99

Antes de mais, a holding Air France‑KLM não tem nenhuma atividade geradora de receitas externas, pelo que não pode apoiar de forma autónoma a Air France e a KLM. As receitas da referida holding são geradas exclusivamente ao nível interno junto das suas filiais, por uma comissão de gestão que cobre as despesas de gestão dessa holding, de taxas de marcas e de certos mecanismos de redistribuição de custos (n.os 43 e 44 da decisão impugnada). Em seguida, embora a holding Air France‑KLM possa prestar certos serviços financeiros à KLM, estes serviços não implicam a prestação de um apoio financeiro à KLM e à Air France (n.o 45 da referida decisão). Por último, as relações comerciais entre a Air France e a KLM são levadas a cabo em condições normais de mercado e negociadas por equipas de direção autónomas. No que respeita aos acordos de partilha de custos entre estas duas sociedades, estes preveem uma chave de repartição baseada nas «normas do mercado» (n.os 46 e 47 dessa decisão).

100

A este respeito, primeiro, como alega a recorrente, o facto de a holding Air France‑KLM gerar as suas receitas unicamente junto das suas filiais demonstra que existe uma certa interdependência económica entre a referida holding e as suas filiais. Isto é corroborado, nomeadamente, pelo facto de a Air France e a KLM se esforçarem por obter sinergias por meio da coordenação das respetivas atividades, sob a égide da holding Air France‑KLM, em especial no domínio das vendas e da gestão dos preços e das receitas (v. n.o 80, supra), e pelo facto de esta holding estar envolvida no financiamento das suas filiais de forma coordenada (v. n.os 83 a 87, supra).

101

Segundo, mesmo admitindo que a holding Air France‑KLM atua nos mercados financeiros unicamente como «intermediária» entre as suas filiais e os investidores, isso confirma o facto de a referida holding agir no interesse das suas filiais, angariando fundos para as suas necessidades nesses mercados financeiros. Este facto revela que esta holding negoceia os termos do financiamento nos mercados financeiros com base na posição financeira do grupo Air France‑KLM no seu conjunto. Por conseguinte, é graças à holding Air France‑KLM que as sinergias no interior do referido grupo são realizadas.

102

Isto é comprovado pela circunstância, invocada pela recorrente, de a holding Air France‑KLM ter anunciado publicamente, em julho de 2021, uma encomenda comum de um número importante de aeronaves para as necessidades da KLM, da «Transavia Netherlands» e da «Transavia França». Interrogada a este respeito no âmbito de uma medida de organização do processo e na audiência, a Comissão confirmou a existência dessa encomenda comum, explicando que a referida holding tinha negociado os termos da mesma, para obter um acordo mais favorável. Assim, ainda que os contratos tenham sido assinados e pagos separadamente pela KLM, a «Transavia Netherlands» e a «Transavia France», não é menos certo que foi graças à holding Air France‑KLM que a KLM, a «Transavia Netherlands» e a «Transavia France» puderam beneficiar de um acordo mais favorável.

103

Terceiro, como salientado no n.o 95, supra, o facto, admitido pela Comissão, de existirem acordos de partilha de custos entre a Air France e a KLM, bem como atividades desenvolvidas em comum pela Air France e pela KLM e as suas filiais, confirma a existência de uma certa integração e cooperação económica entre elas.

104

Quarto, a Comissão alega, nos n.os 44 e 46 da decisão impugnada, que as relações financeiras e comerciais entre a holding Air‑France e as suas filiais Air France e KLM, assim como entre estas últimas, ocorrem «em condições normais de mercado». Em especial, quanto às relações entre a Air France e a KLM, a Comissão faz referência, neste contexto, ao facto de continuarem a ser tributáveis, respetivamente, em França e nos Países Baixos, que as legislações fiscais francesa e neerlandesa preveem que todas as transações dentro do grupo devem ser efetuadas como se tivessem sido celebradas entre partes independentes e que, portanto, nenhuma vantagem pode passar de uma para a outra por essa via (n.o 46, primeiro travessão, da decisão impugnada). É certo que, embora estes elementos pareçam relevantes para efeitos da tributação fiscal dessas sociedades ao nível dos Estados‑Membros, não bastam para demonstrar a existência de autonomia económica entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM no grupo Air France‑KLM, tendo em conta os elementos indicados nos n.os 100 a 103, supra.

105

Além disso, importa recordar que a concessão da medida em causa era justificada, nomeadamente, pela necessidade de apoiar a KLM num momento de grave escassez de liquidez e risco de incumprimento (n.os 12 e 13 da decisão impugnada). Nestas circunstâncias, a vantagem desta medida traduz‑se concretamente na disponibilização de montantes significativos de liquidez que não estavam disponíveis em condições de mercado. Assim, por um lado, essa medida tem por efeito reforçar a posição financeira do grupo Air France‑KLM no seu conjunto, uma vez que evita o risco de incumprimento de uma das suas principais filiais, a saber, a KLM, e tranquilizar desse modo os credores das sociedades do referido grupo, especificando-se, além disso, que o empréstimo do Estado, que fazia parte da medida em causa, estava subordinado aos empréstimos bancários ou obrigacionistas não garantidos e não subordinados (n.o 81 da referida decisão). Por outro lado, tendo em conta o papel financeiro da holding Air France‑KLM nesse grupo, esta poderia eventualmente obter, no interesse das suas filiais e para as suas necessidades, um financiamento nos mercados, o qual lhe estaria inacessível na falta do auxílio ou em condições menos favoráveis.

106

Por outro lado, na falta da medida em causa, a KLM provavelmente não teria podido prosseguir as suas atividades e, desse modo, teria também posto em perigo a prossecução das atividades desenvolvidas em comum com a Air France (v. n.os 80 a 82, 95, 102 e 103, supra). Ao permitir, portanto, a prossecução das atividades da KLM, a referida medida permite também, implícita mas necessariamente, a prossecução das atividades desenvolvidas em comum pela Air France e pela KLM.

107

Por conseguinte, as relações funcionais entre a holding Air France‑KLM, a Air France e a KLM constituem um segundo elemento suscetível de demonstrar que essas entidades formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado.

– Quanto aos contratos com base nos quais a medida em causa foi concedida

108

Nos n.os 53 e 114 da decisão impugnada, a Comissão considerou, em substância, que os mecanismos contratuais, com base nos quais a medida em causa tinha sido concedida, garantiam que a KLM e as suas filiais eram as únicas beneficiárias da mesma.

109

A recorrente alega, em substância, fazendo referência ao teor de certas cláusulas dos contratos em questão, que estes últimos não conseguem garantir que a KLM seja a única beneficiária da medida em causa.

110

A Comissão responde que os mecanismos contratuais em causa são equivalentes a uma cláusula de afetação, que faz com que o benefício financeiro e económico real da medida em causa chegue exclusivamente à KLM.

111

Há que observar que a medida em causa devia ser concedida com base, nomeadamente, nos seguintes contratos, descritos no n.o 18 da decisão impugnada: primeiro, um acordo‑quadro celebrado entre o Estado Neerlandês, a KLM e a holding Air France‑KLM (a seguir«acordo‑quadro»), segundo, um acordo relativo a uma linha de crédito renovável celebrado entre a KLM e um consórcio de bancos (a seguir «acordo sobre o empréstimo bancário»); e, terceiro, um contrato relativo a um empréstimo do Estado celebrado entre o Estado Neerlandês e a KLM (a seguir «acordo sobre o empréstimo do Estado»).

112

Importa observar, à semelhança da recorrente, que a holding Air France‑KLM é parte contratante no acordo‑quadro que estabelece as condições gerais que regem a concessão da medida em causa. Enquanto tal, a referida holding assumiu direitos e obrigações contratuais perante os seus cocontratantes no contexto da execução da medida em causa.

113

Com efeito, primeiro, como resulta do n.o 51 da decisão impugnada, o acordo‑quadro é o fundamento jurídico pelo qual o financiamento proveniente da medida em causa é aprovado pela holding Air France‑KLM, uma vez que todas as operações de financiamento que ultrapassem 150 milhões de euros estão sujeitas à sua aprovação.

114

Segundo, resulta dos n.os 85 a 90 da decisão impugnada que as autoridades neerlandesas impõem «condições adicionais» para a concessão da medida em causa. Ora, resulta das respostas dadas pela Comissão a uma medida de organização do processo e na audiência que essas «condições adicionais» figuram no acordo‑quadro e que, por conseguinte, a holding Air France‑KLM se comprometeu especificamente a aplicá‑las enquanto condições para a concessão da medida em causa.

115

Assim, por exemplo, resulta das respostas da Comissão à medida de organização do processo que a holding Air‑France‑KLM devia dar o seu acordo relativamente a um plano de reestruturação da KLM, o qual, segundo o n.o 89 da decisão impugnada, devia ser elaborado, o mais tardar, até 1 de outubro de 2020, a fim de melhorar a margem de rendimento da KLM.

116

Além disso, a holding Air France‑KLM tinha consentido em alterar, no acordo‑quadro, certas disposições dos acordos celebrados entre o Estado Neerlandês, a referida holding e a KLM no momento da aprovação da concentração entre a Air France e a KLM em 2004. Estas alterações tiveram como efeito alargar para cinco anos o prazo de pré‑aviso para a rescisão dos compromissos assumidos pelas partes ao abrigo desses acordos relativos, nomeadamente, ao lugar de estabelecimento da KLM, à sua base de afetação nos Países Baixos e à manutenção das suas licenças de exploração existentes.

117

A holding Air France‑KLM aceitou também a implementação de outras condições previstas no acordo‑quadro relativas, nomeadamente, ao direito do trabalho, à qualidade da rede e à sustentabilidade.

118

Daqui resulta que várias condições para a concessão da medida em causa estão expressamente sujeitas à aprovação da holding Air France‑KLM ou são objeto de um compromisso da sua parte. Isto demonstra que os contratos com base nos quais a medida em causa foi concedida impõem à referida holding importantes direitos e obrigações contratuais no âmbito da concessão e da execução da referida medida.

119

Apesar do exposto, a Comissão considerou, nos n.os 53 e 114 da decisão impugnada, que vários mecanismos contratuais garantiam que a medida em causa apenas beneficiava a KLM e as suas filiais.

120

Primeiro, a Comissão constatou, no n.o 53, primeiro travessão, da decisão impugnada, que uma das cláusulas do acordo sobre o empréstimo do Estado previa que esse empréstimo só poderia ser utilizado para as necessidades gerais corporativas da KLM e das suas filiais e que nenhum montante proveniente desse empréstimo poderia ser «subemprestado» à Air France ou à holding Air France‑KLM.

121

Ora, há que constatar, à semelhança da recorrente, que a cláusula referida no n.o 120, supra, se limita, segundo a redação tal como exposta na decisão impugnada, a proibir que o empréstimo em causa seja «subemprestado» à holding Air France‑KLM ou à Air France, sem, no entanto, excluir que estas últimas possam beneficiar de outra forma, ainda que apenas indiretamente, da medida em causa.

122

Segundo, de acordo com outra cláusula do acordo‑quadro, a holding Air France‑KLM e a KLM comprometem‑se a que os recursos da medida em causa não sejam utilizados para o benefício «direto» da holding ou da Air France. Além disso, o Estado Neerlandês nomeia um agente para supervisionar a utilização pela KLM dos fundos provenientes da medida em causa e, nomeadamente, para garantir que estes não sejam utilizados para o benefício «direto» da referida holding ou da Air France (n.o 53, segundo e sexto travessões, da decisão impugnada).

123

Todavia, como alega, no essencial, a recorrente, a cláusula referida no n.o 122, supra, diz apenas respeito aos benefícios «diretos», sem, no entanto, excluir que a holding ou a Air France possam beneficiar indiretamente da medida em causa.

124

Segundo a jurisprudência, uma empresa que beneficia de uma vantagem indireta deve também ser considerada beneficiária do auxílio. Com efeito, uma vantagem diretamente concedida a certas pessoas singulares ou coletivas pode constituir uma vantagem indireta e, portanto, um auxílio de Estado para outras pessoas coletivas que são empresas (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 26, e de 13 de junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C‑382/99, EU:C:2002:363, n.os 60 a 66).

125

A este respeito, basta observar que, no documento de registo universal 2020, do qual a recorrente apresentou um excerto no Tribunal Geral, o grupo Air France‑KLM reconheceu expressamente que as medidas de auxílio concedidas pela República Francesa e pelo Reino dos Países Baixos e aprovadas pela Comissão, no montante global de 10,4 mil milhões de euros, «permitiram uma melhoria da posição de liquidez do grupo». Daqui resulta que, na opinião do referido grupo, as referidas medidas, incluindo a medida em causa, beneficiaram esse grupo no seu conjunto, e não apenas a KLM.

126

Com efeito, ao garantir a viabilidade da KLM, que é uma das duas filiais principais da holding Air France‑KLM, a medida em causa reforça também a viabilidade desta última. Na falta dessa medida, o risco de incumprimento da KLM poderia ter contaminado a referida holding e, desse modo, todo o grupo Air France‑KLM.

127

Assim, tendo em conta o nível de integração no grupo Air France‑KLM e, mais concretamente, a gestão coordenada e centralizada dos investimentos mais significativos, as operações na frota e a gestão dos riscos financeiros ao nível do referido grupo (v. n.os 68 a 75, supra), a medida em causa é suscetível de reforçar, pelo menos indiretamente, a posição financeira deste grupo no seu conjunto. Do mesmo modo, ao melhorar a posição de liquidez do grupo no seu conjunto, como admite expressamente o documento de registo universal 2020, a referida medida é suscetível de reforçar a capacidade da holding Air France‑KLM de angariar fundos nos mercados financeiros para as necessidades das suas filiais, incluindo a Air France, como afirma acertadamente a recorrente.

128

Terceiro, nos termos do acordo sobre o empréstimo bancário, a KLM pode contrair empréstimos das quantias da linha de crédito renovável apenas por um curto período, em função das suas necessidades de liquidez. Assim, se tal necessidade deixasse de existir, a KLM não poderia refinanciar os empréstimos existentes e teria de os reembolsar. O mesmo acontece, de forma indireta, com o acordo sobre o empréstimo do Estado. Além disso, segundo o acordo‑quadro e o acordo sobre o empréstimo do Estado, este empréstimo devia ser abonado em tranches, e a KLM devia, em cada pedido de pagamento, confirmar que estavam respeitadas as condições que figuravam no acordo sobre o empréstimo do Estado, nomeadamente a relativa à proibição de «subemprestar» o referido empréstimo à holding Air France‑KLM e à Air France (n.o 53, terceiro e quarto travessões, da decisão impugnada).

129

Todavia, o facto de, segundo o acordo sobre o empréstimo do Estado, este empréstimo ser abonado em tranches ou de, segundo o acordo sobre o empréstimo bancário, este empréstimo assumir a forma de uma linha de crédito renovável consoante as necessidades de liquidez da KLM não exclui, de modo nenhum, pelas razões expostas nos n.os 125 a 127, supra, que estes empréstimos pudessem, ainda que indiretamente, beneficiar o grupo no seu conjunto.

130

Quarto, a KLM está proibida de pagar dividendos ou outros rendimentos do capital durante o período da medida em causa, o que impede a KLM de transferir o auxílio assim obtido para a holding ou para a Air France sob a forma de dividendos (n.o 53, quinto travessão, da decisão impugnada).

131

Todavia, a proibição em causa, que visa, a título principal, evitar que os fundos públicos sejam desviados em benefício dos acionistas do beneficiário sob a forma de dividendos ou de outros rendimentos do capital, não põe em causa as considerações expostas nos n.os 125 a 127, supra.

132

Em face do exposto, há que concluir que os mecanismos contratuais referidos na decisão impugnada não permitem determinar que os únicos beneficiários da medida em causa sejam a KLM e as suas filiais, com exclusão da holding Air France‑KLM e da Air France, e das filiais por estas controladas.

133

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da Comissão, segundo o qual a jurisprudência admitiu que o beneficiário de um auxílio de Estado só pode ser uma das sociedades que fazem parte de um grupo, quando existam cláusulas de afetação que façam chegar a vantagem do auxílio a uma das sociedades do referido grupo, com exclusão das outras sociedades desse grupo.

134

A este respeito, como acima salientado nos n.os 55 e 56, supra, devem ser examinados vários fatores, consoante o caso, para determinar se se pode considerar que entidades jurídicas distintas formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado, como as relações de capital, orgânicas, funcionais e económicas entre essas entidades, os contratos com base nos quais a medida de auxílio foi concedida, bem como o tipo de medida de auxílio concedida e o contexto em que se insere. Trata‑se, portanto, de uma apreciação global de vários fatores, próprios de cada caso concreto. No que respeita, em especial, aos contratos com base nos quais a medida de auxílio foi concedida, a apreciação destes depende manifestamente do seu teor concreto. Assim, o facto de os órgãos jurisdicionais da União terem concluído, ou não, num determinado processo, com base em elementos concretos próprios desse processo, que a beneficiária de uma determinada medida de auxílio era uma única entidade pertencente a um grupo de sociedades, com exclusão das outras entidades desse grupo, não pode servir de base a uma conclusão geral em qualquer dos sentidos.

135

Em todo o caso, as circunstâncias particulares na origem dos processos que deram lugar aos acórdãos referidos pela Comissão não são comparáveis às que estão na origem do presente processo.

136

Primeiro, no Acórdão de 3 de julho de 2003, Bélgica/Comissão (C‑457/00, EU:C:2003:387), o Tribunal de Justiça precisou, nos n.os 56 e 57, que, para determinar o beneficiário de uma medida de auxílio, havia que ter em conta, nomeadamente, a existência e a formulação de cláusulas de afetação e que era possível que essa análise levasse à conclusão de que o beneficiário do auxílio não é o mutuário do empréstimo controvertido. Assim, em conformidade com esse acórdão, o resultado da referida análise depende da existência e do teor preciso das cláusulas contratuais pertinentes. Ora, no caso em apreço, como resulta dos n.os 111 a 132, supra, é precisamente em função do teor das diferentes cláusulas contratuais aplicáveis no presente processo que o Tribunal Geral considera que estas não permitem concluir que os únicos beneficiários da medida em causa são a KLM e as suas filiais, com exclusão da holding Air France‑KLM, da Air France e das filiais por estas controladas. Além disso, a holding Air France‑KLM detém, no caso em apreço, importantes direitos e obrigações contratuais no âmbito da medida em causa e está, portanto, diretamente envolvida na gestão desta.

137

Segundo, existem várias diferenças factuais importantes entre o presente processo e o que deu origem ao Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140). Com efeito, as relações orgânicas, funcionais e económicas entre as entidades do grupo Air France‑KLM salientadas no presente processo não são comparáveis às existentes entre as sociedades em causa no processo acima referido. Por exemplo, no caso em apreço, a holding Air France‑KLM manteve todas as suas prerrogativas estratégicas em matéria de financiamento, investimento e operações relativas à frota, o que não foi o caso da holding no processo acima citado. Além disso, a referida holding não detinha nenhum direito ou prerrogativa comparável aos detidos pela holding Air France‑KLM relativamente à concessão da medida em causa.

138

Terceiro, o processo que deu origem ao Acórdão de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão (T‑111/01 e T‑133/01, EU:T:2005:166), dizia respeito a uma situação muito diferente da que está em causa no presente processo. Com efeito, esse processo dizia respeito à obrigação de recuperar um auxílio junto de certas filiais de um grupo de empresas que tinham sido designadas beneficiárias iniciais desse auxílio. A este respeito, foi declarado, nos n.os 125 e 126 desse acórdão, que, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, a Comissão não podia lícita e automaticamente imputar às referidas filiais a obrigação de restituição de uma parte do auxílio controvertido, apenas por estas terem sido designadas beneficiárias iniciais do auxílio controvertido, na falta de demonstração de que estas o receberam efetivamente. Ora, esta situação é alheia ao presente processo, pelo que não se pode retirar daí nenhuma conclusão útil para a solução do presente litígio.

139

Por conseguinte, o quadro contratual com base no qual foi concedida a medida em causa não permite concluir que os únicos beneficiários da medida em causa sejam a KLM e as suas filiais.

– Quanto ao tipo de medida de auxílio concedida e ao contexto em que se insere

140

Quanto ao tipo de medida de auxílio concedida e ao contexto em que a mesma se insere, a recorrente critica, no essencial, o facto de a Comissão não ter procedido a uma análise do efeito cumulativo dos auxílios objeto da Decisão Air France, da Decisão Air France‑KLM e Air France e da decisão impugnada.

141

A este respeito, não se pode deixar de observar que a decisão impugnada menciona unicamente a medida de auxílio objeto da Decisão Air France. A Comissão reproduz, de forma resumida, as considerações que invocou nesta decisão para concluir que nem a holding Air France‑KLM nem a KLM podem ser consideradas beneficiárias dessa medida (n.os 118 a 123 da decisão impugnada).

142

Em contrapartida, a decisão impugnada não menciona a medida de auxílio objeto da Decisão Air France‑KLM e Air France. Nesta decisão, a Comissão considerou tanto a holding Air France‑KLM e as suas filiais como a Air France e as suas filiais, com exclusão da KLM e das filiais desta última, beneficiárias da medida de auxílio objeto desta decisão.

143

Ora, a Decisão Air France‑KLM e Air France foi adotada em 5 de abril de 2021, ou seja, mais de três meses antes da decisão impugnada no presente processo, de 16 de julho de 2021, pelo que constituía um elemento de contexto pertinente que a Comissão conhecia no momento da adoção da decisão impugnada.

144

Com efeito, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, não se pode deixar de observar que existia uma ligação cronológica, estrutural e económica entre a medida em causa e as medidas objeto da Decisão Air France e da Decisão Air France‑KLM e Air France. Com efeito, por um lado, todas estas medidas foram concedidas paralelamente num curto lapso de tempo. Por outro lado, pela sua natureza, o tipo de medidas de auxílio objeto da decisão impugnada e da Decisão Air France é semelhante. Além disso, como resulta da Decisão Air France e da Decisão Air France‑KLM e Air France, o empréstimo acionista objeto desta primeira decisão foi transformado, alguns meses mais tarde, num instrumento híbrido do mesmo montante, objeto desta segunda decisão.

145

Além disso, como salientado no n.o 125, supra, foi o efeito cumulado dessas diversas medidas de auxílio que se considerou, no documento universal de registo 2020, que melhorava a posição de liquidez do grupo Air France‑KLM no seu conjunto.

146

Por conseguinte, nestas circunstâncias específicas do caso em apreço, e tendo em conta a jurisprudência acima recordada no n.o 61, incumbia à Comissão ter também em conta o contexto em que a medida em causa se insere, especialmente a Decisão Air France‑KLM e Air France, o que não fez.

– Quanto à diferença entre uma vantagem direta ou indireta, por um lado, e meros efeitos económicos secundários, por outro

147

A Comissão alega que a medida em causa tem, quando muito, «meros efeitos económicos secundários» relativamente à holding Air France‑KLM e à Air France, que são inerentes a qualquer auxílio de Estado, mas não podem ser qualificados de vantagem direta ou indireta em benefício destas últimas.

148

A recorrente responde que a Comissão não fez prova bastante de que a medida em causa não podia beneficiar as outras sociedades do grupo Air France‑KLM, por exemplo, reforçando a situação financeira da holding Air France‑KLM e, indiretamente, a da Air France. Esse efeito iria além do mero efeito secundário inerente a qualquer medida de auxílio.

149

A este respeito, há que distinguir o conceito de «vantagem indireta» do de «efeitos secundários inerentes a qualquer medida de auxílio».

150

Como foi recordado no n.o 124, supra, uma empresa que beneficia de uma vantagem indireta deve ser considerada beneficiária do auxílio. Com efeito, uma vantagem diretamente concedida a certas pessoas singulares ou coletivas pode constituir uma vantagem indireta e, portanto, um auxílio de Estado para outras pessoas coletivas que são empresas.

151

Por outro lado, nos termos do n.o 115 da Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal», uma «medida pode igualmente constituir uma vantagem direta para a empresa beneficiária e uma vantagem indireta para outras empresas, por exemplo, empresas que operam em níveis de subsequentes de atividade». A nota de rodapé n.o 179 desta comunicação especifica que, se uma empresa intermediária for um mero veículo para a transferência da vantagem para o beneficiário e não conservar nenhuma vantagem, não deve normalmente ser considerada destinatária de um auxílio de Estado.

152

O n.o 116 da Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal» indica, além disso, que as vantagens indiretas devem ser distinguidas de meros efeitos económicos secundários inerentes a quase todas as medidas de auxílio de Estado. Para este propósito, nos termos do referido número os efeitos previsíveis da medida devem ser examinados de um ponto de vista ex ante. Assim, existe uma vantagem indireta se a medida for concebida de forma a distribuir os seus efeitos secundários «a empresas ou grupos de empresas identificáveis». A nota de rodapé n.o 181 desta comunicação explica que, em contrapartida, um efeito económico meramente secundário, sob a forma de uma maior produção, que não constitui um auxílio indireto, pode verificar‑se quando o auxílio for simplesmente canalizado através de uma empresa, por exemplo, um intermediário financeiro, que o repercute plenamente no beneficiário do auxílio.

153

No caso em apreço, resulta da análise que figura nos n.os 111 a 132, supra, que o papel da holding Air France‑KLM não se limita a um «mero veículo para a transferência da vantagem para o beneficiário» ou a um «intermediário financeiro» na aceção dos n.os 115 e 116 da Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal». Com efeito, a referida holding exerce efetivamente um controlo sobre as suas filiais, interferindo direta ou indiretamente na gestão destas, e participa, por conseguinte, na atividade económica por elas exercida, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 66 e 67, supra, o que lhe permite controlar e dirigir as atividades das suas filiais em função dos seus próprios interesses e dos interesses do grupo em geral. A tese da Comissão segundo a qual a holding Air France‑KLM e a Air France apenas beneficiam de meros efeitos económicos secundários inerentes a qualquer auxílio de Estado deve, portanto, ser rejeitada.

154

Do mesmo modo, os efeitos previsíveis da medida em causa examinados de um ponto de vista ex ante sugerem, tendo em conta o tipo de medida de auxílio concedida e o contexto em que a mesma se insere, que consiste, em substância, numa solução de financiamento, que esta solução de financiamento era suscetível de beneficiar o grupo Air France‑KLM no seu conjunto, melhorando a sua posição financeira global, o que indica a existência, pelo menos, de uma vantagem indireta a favor de «um grupo de empresas identificáveis» na aceção do n.o 116 da Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal».

155

Com efeito, resulta nomeadamente do n.o 13 da decisão impugnada que, tendo em conta o impacto financeiro significativo e imediato da pandemia de COVID‑19, o Reino dos Países Baixos decidiu acompanhar a KLM num momento de grave escassez de liquidez e risco de incumprimento. Assim, uma vez que o objetivo da medida em causa é encontrar uma solução de financiamento para responder às necessidades de liquidez da KLM e que resulta dos autos que a holding Air France‑KLM desempenha um determinado papel no financiamento do grupo, a referida medida teria como efeitos previsíveis ex ante, por um lado, melhorar a situação financeira da referida holding, parte no acordo‑quadro e detentora de importantes direitos e obrigações contratuais a esse título, e desse modo do referido grupo no seu todo, e, por outro, garantir a estabilidade financeira, nomeadamente aos olhos dos mercados financeiros, desse grupo no seu conjunto, incluindo a Air France.

156

Além disso, como salientado no n.o 126, supra, na falta da medida em causa, o perigo imediato para a continuidade da atividade da KLM, constatado na decisão impugnada, poderia ter contaminado todo o grupo Air France‑KLM, dado que esta primeira constitui uma das principais filiais deste grupo, gerando uma parte importante das suas receitas.

157

Esta conclusão não é posta em causa pelo Despacho de 21 de janeiro de 2016, Alcoa Trasformazioni/Comissão (C‑604/14 P, não publicado, EU:C:2016:54), referido pela Comissão em apoio do seu argumento segundo o qual, quando calcula o montante do auxílio, não examina os efeitos secundários deste para os consumidores, os fornecedores, os investidores ou os empregados do beneficiário. Por um lado, como alega a recorrente, o processo que deu origem a esse despacho não dizia respeito a uma situação intragrupo. Por outro lado, como salientado nos n.os 153 a 156, supra, não se trata, no caso em apreço, dos efeitos económicos secundários de uma medida de auxílio sobre os consumidores, os fornecedores, os investidores ou os empregados.

158

Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da Comissão de que a medida em causa teria, quando muito, meros efeitos económicos secundários em relação à holding Air France‑KLM e às suas outras filiais, incluindo a Air France e as filiais desta última.

Conclusão

159

Em face do exposto, há que concluir que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os beneficiários da medida em causa eram a KLM e as suas filiais, com exclusão da holding Air France‑KLM e das suas outras filiais, incluindo a Air France e as filiais desta última, e, consequentemente, julgar procedente o primeiro fundamento.

160

Ora, o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE exige não só que o Estado‑Membro em causa depare efetivamente com uma perturbação grave da sua economia mas também que as medidas de auxílio adotadas para sanar essa perturbação sejam, por um lado, necessárias para esse fim e, por outro, apropriadas e proporcionadas para alcançar esse objetivo. Esta mesma exigência resulta também do n.o 19 do Quadro Temporário [Acórdão de 19 de maio de 2021, Ryanair/Comissão (KLM; COVID‑19), T‑643/20, EU:T:2021:286, n.o 74].

161

Além disso, e mais especificamente, em conformidade com o n.o 25, alínea d), do Quadro Temporário, os auxílios de Estado sob a forma de novas garantias públicas sobre os empréstimos são considerados compatíveis com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, desde que, para os empréstimos com vencimento depois de 31 de dezembro de 2020, o seu montante global por beneficiário não exceda o dobro da massa salarial anual do beneficiário para 2019 ou para o último ano disponível. O mesmo limiar é aplicável aos auxílios de Estado sob a forma de subvenções aos empréstimos públicos, em conformidade com o n.o 27, alínea d), do referido quadro [Acórdão de 19 de maio de 2021, Ryanair/Comissão (KLM; COVID‑19), T‑643/20, EU:T:2021:286, n.o 75].

162

Assim, o exame da necessidade e da proporcionalidade do auxílio, em geral, e do respeito das condições referidas a título de exemplo no n.o 161, supra, em especial, pressupõe que seja previamente identificado o beneficiário do auxílio. Com efeito, a identificação errada ou incompleta do beneficiário de uma medida de auxílio é suscetível de ter incidência em toda a análise da compatibilidade dessa medida com o mercado interno.

163

Por conseguinte, há que anular a decisão impugnada, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos de recurso.

164

Por último, no que respeita à possibilidade de os Estados‑Membros concederem auxílios de Estado a sociedades pertencentes a um grupo de sociedades com atividade em vários Estados‑Membros, importa recordar, para todos os efeitos úteis, que os Estados‑Membros e as instituições da União estão vinculados a deveres recíprocos de cooperação leal, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, TUE. A Comissão e os Estados‑Membros devem assim colaborar de boa‑fé com vista a assegurar o pleno respeito das disposições do Tratado FUE, nomeadamente as relativas aos auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Eslováquia, C‑507/08 P, EU:C:2010:802, n.o 44 e jurisprudência referida). Esta obrigação de cooperação leal e de coordenação impõe‑se ainda mais quando diferentes Estados‑Membros tencionam conceder concomitantemente auxílios a entidades pertencentes ao mesmo grupo de sociedades que opera de forma coordenada no mercado interno com vista a tirar plenamente as suas vantagens.

Quanto às despesas

165

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas da recorrente, em conformidade com o pedido desta última.

166

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1 e 3, do Regulamento de Processo, as partes intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

 

1)

A Decisão C(2021) 5437 final da Comissão, de 16 de julho de 2021, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID‑19: Garantia do Estado sobre um empréstimo e empréstimo do Estado a favor da KLM é anulada.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Ryanair DAC.

 

3)

A República Francesa, o Reino dos Países Baixos, a Air France‑KLM, a Société Air France e a Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV suportarão as suas próprias despesas.

 

Kornezov

De Baere

Petrlík

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de fevereiro de 2024.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.