ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)
21 de setembro de 2023 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Artigos 102.o e 106.o TFUE — Empresas públicas — Liberdade de empresa — Liberdade de estabelecimento — Empresa detida inteiramente por um Estado‑Membro e que beneficia de concessões exclusivas de exploração de água mineral natural na sequência de uma adjudicação sem concurso — Legislação nacional que permite a prorrogação ilimitada da concessão»
No processo C‑510/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia), por Decisão de 14 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de julho de 2022, no processo
Romaqua Group SA
contra
Societatea Națională a Apelor Minerale SA,
Agenția Națională pentru Resurse Minerale,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),
composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e S. Rodin, juízes,
advogado‑geral: A. M. Collins,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação da Romaqua Group SA, por L. Retegan e S. Tîrnoveanu, avocats, |
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em representação do Governo Romeno, por M. Chicu e E. Gane, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por L. Armati, M. Mataija e I. Rogalski, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 49.o, 102.o, 106.o e 119.o TFUE, bem como do artigo 3.o da Diretiva 2009/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, relativa à exploração e à comercialização de águas minerais naturais (JO 2009, L 164, p. 45). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Romaqua Group SA à Societatea Națională a Apelor Minerale SA (Sociedade Nacional das Águas Minerais, Roménia) (a seguir «SNAM») e à Agenția Națională pentru Resurse Minerale (Agência Nacional dos Recursos Minerais, Roménia) (a seguir «ANRM») a respeito do indeferimento do seu pedido tendente ao lançamento de um concurso público para a adjudicação de duas concessões de exploração de águas minerais. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
O artigo 3.o da Diretiva 2009/54 dispõe: «As nascentes das águas minerais naturais devem ser exploradas e as suas águas acondicionadas nos termos do anexo II.» |
Direito romeno
4 |
O artigo 40.o, n.o 1, da Legea nr. 219 privind regimul concesiunilor (Lei n.o 219 relativa ao Regime das Concessões), de 25 de novembro de 1998 (Monitorul Oficial al României, n.o 459, de 30 de novembro de 1998), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, dispunha: «Os bens pertencentes à propriedade pública ou privada do Estado, do departamento, da cidade ou do município, bem como as atividades e os serviços públicos de interesse nacional ou local, são adjudicados por ajuste direto, por contrato de concessão, a sociedades comerciais ou companhias nacionais ou a sociedades nacionais criadas pela reorganização de empresas autónomas que geriram esses bens, atividades ou serviços. O contrato de concessão é celebrado com a entidade adjudicante competente por um período a determinar por decisão do governo ou do conselho departamental ou municipal que cria a sociedade comercial em causa.» |
5 |
O artigo 46.o da Legea minelor nr. 61 (Lei relativa à Indústria Extrativa n.o 61), de 5 de março de 1998 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 113, de 16 de março de 1998), previa: «1) As instituições públicas, as sociedades de exploração mineira nacionais e as sociedades comerciais continuarão as suas atividades apenas nos locais que estejam a explorar e nos quais, à data da publicação da presente lei, estejam a realizar trabalhos de prospeção, desenvolvimento ou exploração autorizados. 2. No prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente lei, as instituições públicas, as sociedades de exploração mineira e as sociedades comerciais que exercem atividades mineiras completam a delimitação dos perímetros de prospeção, desenvolvimento e exploração dos locais previstos no n.o 1 e requerem à autoridade competente a sua adjudicação em regime de gestão ou de concessão, em conformidade com a presente lei.» |
6 |
A Lei relativa à Indústria Extrativa n.o 61, de 5 de março de 1998, foi revogada e substituída pela Legea minelor nr. 85 (Lei relativa à Indústria Extrativa n.o 85), de 18 de março de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 197, de 27 de março de 2003). O artigo 20.o, n.o 2, desta última lei, conforme alterada e completada posteriormente (a seguir «Lei relativa à Indústria Extrativa n.o 85/2003), enuncia: «A licença de exploração é concedida por um período máximo de 20 anos, podendo ser prorrogada por períodos sucessivos de 5 anos.» |
7 |
O artigo 32.o, n.o 1, das Normele pentru aplicarea Legii minelor nr. 85/2003 din 14.10.2003 (Normas de aplicação da Lei relativa à Indústria Extrativa n.o 85/2003 de 14 de outubro de 2003), conforme aprovadas pelo Hotărârea Guvernului nr. 1208/2003 (Decreto do Governo n.o 1208/2003, Monitorul Oficial al României, partie I, n.o 772, de 4 de novembro de 2003), dispõe: «O titular da licença de exploração pode pedir a prorrogação do seu prazo de validade, dentro do âmbito concedido, apresentando à ANRM os documentos referidos no artigo 20.o, n.o 1, da Lei relativa à Indústria Extrativa [n.o 85/2003].» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
8 |
Em 1997, o Governo Romeno criou a SNAM para suceder à Regia Autonomă a Apelor Minerale din România (Direção Autónoma das Águas Minerais da Roménia), que foi dissolvida. |
9 |
Em 1999, o mesmo Governo aprovou a adjudicação direta pela ANRM à SNAM da concessão da exploração de todos os recursos de águas minerais explorados na Roménia por um período de 20 anos. |
10 |
Através do Acórdão n.o 136/2001, de 3 de maio de 2001, a Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional, Roménia) declarou que as disposições do artigo 40.o, n.o 1, primeiro período, da Lei n.o 219 relativa ao Regime das Concessões eram inconstitucionais na medida em que impunham às autoridades públicas locais que adjudicassem diretamente, através de um contrato de concessão, os bens pertencentes ao setor público ou as atividades e serviços públicos de interesse local a pessoas coletivas nominalmente designadas. |
11 |
Em 19 de julho de 2016, o Romaqua Group pediu à ANRM, por um lado, que transferisse imediatamente as licenças de exploração dos perímetros Borsec e Stânceni (Roménia) e, por outro, que não renovasse, no termo do seu prazo previsto para o final de 2018, as licenças anteriormente adjudicadas diretamente à SNAM e lançasse um concurso público para a concessão de novas licenças. |
12 |
A ANRM indeferiu esses pedidos alegando, por um lado, que a transferência das licenças de concessão só poderia ser efetuada pelo concessionário (a SNAM), com o acordo prévio do concessor (ANRM), em conformidade com o artigo 24.o da relativa à Indústria Extrativa n.o 85/2003, e que, por outro, o lançamento de um concurso público para a designação de novas sociedades concessionárias só seria possível se a SNAM não solicitasse, como tem a possibilidade de o fazer de cinco em cinco anos, a prorrogação das licenças em curso, não podendo o concessor opor‑se a tal pedido. |
13 |
A SNAM informou, por seu lado, que não pretendia transferir os direitos e obrigações associados às suas licenças de exploração. |
14 |
Por petição entrada em 2 de novembro de 2016, a Romaqua Group pediu à Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia) que declarasse que a recusa da ANRM em dar seguimento ao seu pedido era injustificada e que ordenasse à ANRM que lançasse, no termo das licenças de concessão, um concurso público com vista à adjudicação dessas concessões para o período seguinte. |
15 |
Por Sentença de 11 de junho de 2019, este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso da Romaqua Group. |
16 |
A Romaqua Group interpôs recurso de cassação para o Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio, invocando a incompatibilidade com várias disposições do direito da União da legislação nacional que prevê a manutenção, de facto, sem limite temporal, através de prorrogações sucessivas à disposição do beneficiário da adjudicação direta, de um direito exclusivo concedido a uma sociedade cujo capital é integralmente detido pelo Estado. |
17 |
Nestas circunstâncias, o Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
Quanto à admissibilidade
18 |
Segundo o Governo Romeno, resulta do pedido de decisão prejudicial no seu conjunto que, na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretendeu referir‑se não ao artigo 106.o, n.o 1, TFUE considerado isoladamente, que, de resto, não tem alcance autónomo, mas a esse artigo lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, que proíbe a exploração de forma abusiva de uma posição dominante numa parte substancial do mercado interno, na medida em que seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu ao Tribunal de Justiça as informações indispensáveis para lhe permitir apreciar a existência desse abuso de posição dominante no caso em apreço. |
19 |
A este respeito, há que recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 24, e de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 31). |
20 |
Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 25, e de 7 de fevereiro de 2018, American ExpressC‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 32). |
21 |
No caso em apreço, é verdade que o Tribunal de Justiça não dispõe de todos os elementos necessários para apreciar se a situação da SNAM caracteriza um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE. |
22 |
Todavia, importa salientar que a primeira questão prejudicial não tem por objeto a situação da SNAM, que não cabe, aliás, na competência de apreciação do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial. Com efeito, resulta da fundamentação do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio interroga, em substância, o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se o artigo 106.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional aplicável a essa empresa. Embora também não caiba ao Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pronunciar‑se ele próprio sobre a eventual incompatibilidade da legislação nacional em causa no processo principal com esses artigos do Tratado FUE, este é, em contrapartida, competente para os interpretar. |
23 |
Ora, não é necessário que o Tribunal de Justiça disponha, para esse efeito, de uma informação completa sobre a situação concreta da SNAM. |
24 |
Consequentemente, a questão prévia de inadmissibilidade invocada pelo Governo Romeno deve ser rejeitada. |
Quanto ao mérito
25 |
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 106.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que concede ao titular de um direito exclusivo de exploração de uma nascente de água mineral a possibilidade de obter, sem concurso, a prorrogação da sua licença de exploração por períodos sucessivos de cinco anos. |
26 |
Antes de mais, há que recordar que o artigo 106.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, só é suscetível de se opor a tal legislação nacional se esta estiver abrangida pelo âmbito de aplicação desses dois artigos. |
27 |
A este respeito, no que respeita ao artigo 106.o, n.o 1, TFUE, este obriga os Estados‑Membros a não tomar nem manter nenhuma medida contrária ao disposto nos Tratados, designadamente ao disposto no artigo 102.o TFUE, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos. |
28 |
A este título, o Tribunal de Justiça já declarou que se pode considerar que uma medida estatal atribui um direito especial ou exclusivo na aceção do artigo 106.o, n.o 1, TFUE quando confere proteção a um número limitado de empresas e quando é suscetível de afetar substancialmente a capacidade de outras empresas exercerem a atividade económica em causa no mesmo território, em condições substancialmente equivalentes (Acórdão de 27 de março de 2019, Pawlak, C‑545/17, EU:C:2019:260, n.o 43 e jurisprudência aí referida). |
29 |
No caso em apreço, uma vez que, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal confere a certas empresas um direito exclusivo de exploração de nascentes de água mineral situadas no território da Roménia, há que considerar que a mesma está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 106.o, n.o 1, TFUE. |
30 |
Em segundo lugar, no que respeita ao artigo 102.o TFUE, este proíbe práticas que consistam em explorar de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste. |
31 |
Nos termos do artigo 102.o TFUE, um abuso de posição dominante pressupõe a reunião de três condições. |
32 |
Primeiro, a empresa em causa deve ter uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste. A este respeito, há que recordar que uma empresa pode ser colocada em tal posição dominante quando lhe são concedidos direitos especiais ou exclusivos que lhe permitem determinar se e, eventualmente, em que condições outras empresas podem aceder ao mercado em causa e aí exercerem as suas atividades (Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 38). No entanto, o Tribunal de Justiça também já declarou que a existência de direitos especiais ou exclusivos não implica necessariamente a existência de uma posição dominante no mercado relevante (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2007, United Pan‑Europe Communications Belgium e o., C‑250/06, EU:C:2007:783, n.o 21). Em todo o caso, a delimitação do mercado relevante, quer do ponto de vista do produto ou do serviço em causa quer do ponto de vista geográfico, é necessária para apreciar a existência de uma posição dominante (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 31 e jurisprudência aí referida). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar esse exame com base nos elementos de facto e de direito de que dispõe. |
33 |
Segundo, a posição dominante deve ser explorada de maneira abusiva. É esse o caso quando a empresa em posição dominante torna mais difícil a penetração ou a manutenção no mercado em causa de concorrentes igualmente eficientes recorrendo a meios diferentes dos que são próprios de uma concorrência baseada no mérito. Deve abster‑se, nomeadamente, de utilizar a sua posição dominante para se estender a outro mercado por meios diferentes dos de uma concorrência com base no mérito. Deve ser considerado como constituindo um meio diferente dos que são próprios de uma concorrência baseada no mérito qualquer prática para a execução da qual uma empresa dominante não tem, efetivamente, nenhum interesse económico que não seja o de eliminar os seus concorrentes para poder, a seguir, aumentar os seus preços aproveitando‑se da sua situação de monopólio (Acórdão de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.os 76 e 77). |
34 |
Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu que um Estado‑Membro viola as proibições estabelecidas no artigo 106.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, quando adota uma medida legislativa, regulamentar ou administrativa que cria uma situação em que uma empresa pública ou uma empresa à qual conferiu direitos especiais ou exclusivos seja levada, pelo simples exercício dos direitos privilegiados que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo, ou quando esses direitos possam criar uma situação em que essa empresa seja levada a cometer esses abusos. (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C‑179/90, EU:C:1991:464, n.o 17, e de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 54). A este respeito, não é necessário que se verifique realmente um abuso (Acórdãos de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 49, e de 17 de julho de 2014, Comissão/DEI, C‑553/12 P, EU:C:2014:2083, n.o 41). |
35 |
Terceiro, o abuso de posição dominante deve afetar o comércio entre os Estados‑Membros. Esta condição só pode ser satisfeita se, com base num conjunto de elementos objetivos de facto e de direito, for possível prever com um grau de probabilidade suficiente que o comportamento da empresa em posição dominante pode exercer uma influência direta ou indireta, atual ou potencial, sobre os fluxos comerciais entre os Estados‑Membros, de modo que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre os Estados‑Membros. Efeitos puramente hipotéticos que o comportamento dessa empresa possa ter não satisfazem este critério. Do mesmo modo, o efeito sobre as trocas intracomunitárias não deve ser insignificante (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 39 e jurisprudência aí referida). Por outro lado, o Governo Romeno salienta corretamente que, para estabelecer com certeza a existência de tal efeito no comércio entre os Estados‑Membros, é igualmente necessário determinar previamente o mercado em causa (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C‑179/90, EU:C:1991:464, n.os 15 e 20). |
36 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 106.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que concede ao titular de um direito de exploração exclusivo de nascentes de água mineral a possibilidade de obter, sem concurso, a prorrogação da sua licença de exploração por períodos sucessivos de cinco anos, quando essa legislação conduza esse titular, pelo simples exercício dos direitos privilegiados que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de forma abusiva numa parte substancial do mercado interno ou quando esses direitos forem suscetíveis de criar uma situação em que o referido titular é levado a cometer esses abusos, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar com base nos elementos de facto e de direito de que dispõe. |
Quanto à segunda questão
37 |
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 16.o da Carta, os artigos 49.o e 119.o TFUE e o artigo 3.o da Diretiva 2009/54 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal. |
38 |
A este respeito, importa recordar que, de acordo com o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o pedido de decisão prejudicial deve conter, sob pena de inadmissibilidade, a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão jurisdicional estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal. |
39 |
Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio invoca o artigo 49.o TFUE sem indicar em que medida a interpretação deste artigo poderia ser útil para a solução do litígio no processo principal, como exige o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo. Além disso, as disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento não são aplicáveis a uma situação em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (Acórdão de 20 de março de 2014, Caixa d’Estalvis i Pensions de Barcelona, C‑139/12, EU:C:2014:174, n.o 42). Ora, o litígio no processo principal, que diz respeito à exploração de duas nascentes de água mineral situadas na Roménia e cujas partes são duas sociedades romenas e a autoridade romena competente, não parece apresentar um elemento transfronteiriço que justifique que possa estar relacionado com a liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 49.o TFUE. Daqui resulta que a segunda questão prejudicial, na medida em que versa sobre a interpretação do artigo 49.o TFUE, é inadmissível. |
40 |
Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio também não fornece explicações sobre as razões que o levaram a interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 119.o TFUE e do artigo 3.o da Diretiva 2009/54, uma vez que esta última não estabelece, de resto, nenhuma regra relativa à concessão pelas autoridades nacionais de licenças de exploração dos recursos de água mineral nos Estados‑Membros. Na medida em que se refere a estes artigos, a segunda questão prejudicial também não satisfaz, assim, as exigências do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo e deve, portanto, ser igualmente rejeitada como inadmissível. |
41 |
Em terceiro e último lugar, a invocação do artigo 16.o da Carta, que garante a liberdade de empresa, também não é acompanhada de qualquer explicação. Por conseguinte, esta segunda questão é igualmente inadmissível na medida em que versa sobre a interpretação deste artigo. |
42 |
Resulta de tudo o que precede que a segunda questão prejudicial é inadmissível. |
Quanto às despesas
43 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara: |
O artigo 106.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que concede ao titular de um direito de exploração exclusivo de nascentes de água mineral a possibilidade de obter, sem concurso, a prorrogação da sua licença de exploração por períodos sucessivos de cinco anos, quando essa legislação conduza esse titular, pelo simples exercício dos direitos privilegiados que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de forma abusiva numa parte substancial do mercado interno ou quando esses direitos forem suscetíveis de criar uma situação em que o referido titular é levado a cometer esses abusos, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar com base nos elementos de facto e de direito de que dispõe. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: romeno.