DESPACHO DA VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6 de outubro de 2021 ( *1 )
«Processo de medidas provisórias — Despacho relativo a medidas provisórias — Artigo 163.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Alteração de circunstâncias — Inexistência — Competência da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) — Regime disciplinar aplicável aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), dos tribunais comuns e dos tribunais administrativos — Modalidades processuais da fiscalização das condições de independência desses juízes — Suspensão da aplicação de disposições nacionais»
No processo C‑204/21 R‑RAP,
que tem por objeto um pedido de revogação de um despacho relativo a medidas provisórias, ao abrigo do artigo 163.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, apresentado em 16 de agosto de 2021,
República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,
requerente,
contra
Comissão Europeia,
requerida,
A VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
ouvido o advogado‑geral, G. Hogan,
profere o presente
Despacho
1 |
Com o seu pedido, a República da Polónia pede ao Tribunal de Justiça que revogue o Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia (C‑204/21 R, a seguir «Despacho de 14 de julho de 2021», EU:C:2021:593). |
2 |
Nesse despacho, a vice‑presidente do Tribunal de Justiça ordenou à República da Polónia que, até à prolação do acórdão que porá termo à instância no processo C‑204/21:
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3 |
A República da Polónia, considerando que ocorreu uma alteração de circunstâncias após a prolação do Despacho de 14 de julho de 2021, apresentou, ao abrigo do artigo 163.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o presente pedido. Por outro lado, esse Estado‑Membro solicitou o exame deste pedido pela Grande Secção do Tribunal de Justiça. |
Quanto ao pedido da República da Polónia de que o processo seja remetido à Grande Secção do Tribunal de Justiça
4 |
A República da Polónia considera que, atendendo à importância do presente processo e ao facto de que este constituirá um precedente, o pedido de que o Despacho de 14 de julho de 2021 seja revogado deve ser examinado pela Grande Secção do Tribunal de Justiça. |
5 |
A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 161.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, lido em conjugação com o artigo 1.o da Decisão 2012/671/UE do Tribunal de Justiça, de 23 de outubro de 2012, relativa às funções jurisdicionais do vice‑presidente do Tribunal de Justiça (JO 2012, L 300, p. 47), o vice‑presidente do Tribunal de Justiça decide sobre os pedidos de suspensão da execução ou de medidas provisórias ou submete sem demora esses pedidos a decisão do Tribunal. |
6 |
Assim, em aplicação destas disposições, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça dispõe de uma competência de atribuição para conhecer de qualquer pedido de medidas provisórias ou, quando considere que circunstâncias particulares exigem o seu reenvio a uma formação de julgamento, para submeter tal pedido ao Tribunal de Justiça (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2021, República Checa/Polónia, C‑121/21 R, EU:C:2021:752, n.o 10). |
7 |
Daqui resulta que compete exclusivamente ao vice‑presidente do Tribunal de Justiça apreciar, caso a caso, se os pedidos de medidas provisórias que lhe são submetidos exigem o reenvio ao Tribunal de Justiça para efeitos de atribuição a uma formação de julgamento (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2021, República Checa/Polónia, C‑121/21 R, EU:C:2021:752, n.o 11). |
8 |
No caso em apreço, o pedido da República da Polónia de que o Despacho de 14 de julho de 2021 seja revogado não revela nenhum elemento suscetível de requerer a sua atribuição a uma formação de julgamento, pelo que não há que submeter este pedido ao Tribunal de Justiça. |
Quanto ao mérito
Argumentação
9 |
Em apoio do seu pedido, a República da Polónia invoca uma alteração de circunstâncias resultante do Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) de 14 de julho de 2021, proferido no processo P 7/20 [a seguir «Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional)»]. |
10 |
Nesse acórdão, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) declarou, nomeadamente, que o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 279.o TFUE, é incompatível com os artigos 2.o e 7.o, o artigo 8.o, n.o 1, e o artigo 90.o, n.o 1, da Constituição polaca, lidos em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, desta última, uma vez que o Tribunal de Justiça excedeu as suas próprias competências, isto é, decidiu ultra vires, ao ter imposto à la República da Polónia, considerada na sua qualidade de Estado‑Membro da União, medidas provisórias relativas à organização e à competência dos órgãos jurisdicionais polacos, bem como ao procedimento a seguir nesses órgãos jurisdicionais, pelo que os princípios do primado e da aplicação direta do direito da União enunciados no artigo 91.o, n.os 1 a 3, da referida Constituição não são aplicáveis a essas medidas. |
11 |
Segundo a República da Polónia, à luz do Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional), o Despacho de 14 de julho de 2021 é contrário à ordem constitucional polaca. |
12 |
A este respeito, a República da Polónia recorda que o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) declarou que lhe incumbe proteger a Constituição polaca, a qual, em conformidade com o seu artigo 8.o, é a lei suprema desse Estado‑Membro, e que, consequentemente, nos processos fundamentais relativos à ordem constitucional, esse tribunal deve ser considerado o «órgão jurisdicional com a última palavra». |
13 |
A República da Polónia sustenta que a interpretação segundo a qual os tribunais constitucionais dos Estados‑Membros são competentes para fiscalizar os atos ultra vires da União, incluindo os acórdãos do Tribunal de Justiça, foi adotada pelos tribunais constitucionais de numerosos Estados‑Membros. Em sua opinião, esses órgãos jurisdicionais consideraram unanimemente que as respetivas ordens jurídicas dispõem de uma identidade constitucional que lhes cabe definir com base nas suas disposições constitucionais, estando a União assim obrigada a respeitar essa identidade. |
14 |
Na apresentação oral dos fundamentos do Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional), o juiz‑relator afirmou que a missão jurisdicional confiada pelos Estados‑Membros ao Tribunal de Justiça termina quando uma interpretação dos Tratados deixa de ser inteligível e se torna objetivamente arbitrária. Segundo esse órgão jurisdicional, era precisamente esse o caso do Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia (C‑791/19 R, EU:C:2020:277). A esse respeito, o juiz‑relator precisou que o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) declarou que o Tribunal de Justiça tinha excedido os limites da sua competência, uma vez que nem o Tratado da União Europeia nem o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia conferem à União competência na organização, no estabelecimento e no funcionamento do poder judiciário de um Estado‑Membro, uma vez que este domínio continua a ser da competência soberana exclusiva dos Estados‑Membros. |
15 |
Segundo a República da Polónia, o Despacho de 14 de julho de 2021 foi adotado em violação do princípio da atribuição, consagrado no artigo 5.o TUE, pelo que o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) também é aplicável tendo em conta esse despacho. |
Apreciação
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Em conformidade com o artigo 163.o do Regulamento de Processo, a pedido de uma das partes, um despacho de medidas provisórias pode, a qualquer momento, ser alterado ou revogado em consequência de uma alteração de circunstâncias. O conceito de «alteração de circunstâncias» visa nomeadamente a ocorrência de qualquer elemento de ordem factual ou jurídica suscetível de pôr em causa as apreciações do juiz das medidas provisórias quanto às condições a que a concessão da suspensão ou da medida provisória está sujeita (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2021, República Checa/Polónia, C‑121/21 R, EU:C:2021:752, n.o 22). |
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Por conseguinte, há que examinar se o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) constitui uma «alteração de circunstâncias», na aceção desse artigo. |
18 |
A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio do primado do direito da União consagra a prevalência do direito da União sobre o direito dos Estados‑Membros. Este princípio impõe, assim, a todas as instâncias dos Estados‑Membros que confiram pleno efeito às diferentes normas da União, não podendo o direito dos Estados‑Membros afetar o efeito reconhecido a essas diferentes normas no território dos referidos Estados (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 244 e jurisprudência referida). |
19 |
Ora, como o Tribunal de Justiça salientou por diversas vezes, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, qualquer Estado‑Membro deve assegurar, nomeadamente, que as instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais» no sentido definido pelo direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União e que são, portanto, suscetíveis de se pronunciar, nessa qualidade, sobre a aplicação e a interpretação do direito da União, satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva [Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação dos juízes do Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 112 e jurisprudência referida]. |
20 |
Esta disposição impõe assim aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição no que respeita às exigências que devem caracterizar os órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 250 e jurisprudência referida). |
21 |
Assim, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão, todavia, obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 36 e jurisprudência referida). |
22 |
Daqui decorre que as disposições nacionais relativas à organização da justiça nos Estados‑Membros podem ser objeto de fiscalização à luz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, no contexto de uma ação por incumprimento, bem como, consequentemente, de medidas provisórias destinadas, nomeadamente, à suspensão das referidas disposições, ordenadas pelo Tribunal de Justiça, com base no artigo 279.o TFUE, no mesmo contexto (Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia, C‑204/21 R, EU:C:2021:593, n.o 54). |
23 |
O facto de um tribunal constitucional nacional declarar que tais medidas provisórias são contrárias à ordem constitucional do Estado‑Membro em causa em nada altera a apreciação que figura no número anterior. |
24 |
Com efeito, basta recordar que, por força do princípio do primado do direito da União, o facto de um Estado‑Membro invocar disposições de direito nacional, ainda que de ordem constitucional, não põe em causa a unidade e a eficácia do direito da União (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 245 e jurisprudência referida). |
25 |
Resulta do exposto que o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) não constitui uma «alteração de circunstâncias», na aceção do artigo 163.o do Regulamento de Processo, suscetível de pôr em causa as apreciações que figuram no Despacho de 14 de julho de 2021. |
26 |
Por conseguinte, há que indeferir o pedido da República da Polónia de revogação do Despacho de 14 de julho de 2021. |
Pelos fundamentos expostos, a vice‑presidente do Tribunal de Justiça decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: polaco.