ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

1 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Direitos fundamentais — Direito à ação — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Política de asilo — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 11.o, n.o 1, artigo 23.o, n.o 1, e artigo 46.o, n.os 1 e 3 — Acesso às informações constantes do processo do requerente — Processo completo — Metadados — Transmissão do processo na forma de ficheiros eletrónicos individuais não estruturados — Informação por escrito — Cópia digitalizada da decisão com assinatura manuscrita — Gestão do processo eletrónico sem arquivar um processo em papel»

No processo C‑564/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden, Alemanha), por Decisão de 3 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 ssetembro de 2021, no processo

BU

contra

Bundesrepublik Deutschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente de secção, I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de BU, por J. Leuschner, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F. Erlbacher e L. Grønfeldt, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, do artigo 23.o, n.o 1, do artigo 45.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 46.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe BU, requerente de asilo, à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha), representada pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para a Migração e os Refugiados, Alemanha) (a seguir «BAMF»), a propósito do indeferimento do pedido de proteção internacional do recorrente no processo principal, em cujo âmbito o representante deste último formulou um pedido de medidas provisórias, destinado à transmissão do seu processo administrativo completo, na forma de um ficheiro único em formato PDF (Portable Document Format) e com as páginas sequencialmente numeradas.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos dos considerandos 25 e 50 da Diretiva 2013/32:

«(25)

Para que seja possível identificar corretamente as pessoas que necessitam de proteção enquanto refugiados na aceção do artigo 1.o da Convenção [Relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], conforme completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967,] ou enquanto pessoas elegíveis para proteção subsidiária, os requerentes deverão ter acesso efetivo aos procedimentos, a possibilidade de cooperarem e comunicarem devidamente com as autoridades competentes de forma a exporem os factos relevantes da sua situação e garantias processuais suficientes para defenderem o seu pedido em todas as fases do procedimento. Acresce que o procedimento de apreciação de um pedido de proteção internacional deverá normalmente proporcionar ao requerente, pelo menos, […] o direito a uma notificação adequada da decisão, a fundamentação dessa decisão em matéria de facto e de direito, a oportunidade de recorrer aos serviços de um advogado ou outro consultor e o direito de ser informado da sua situação jurídica nos momentos decisivos do procedimento, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, bem como, no caso de uma decisão de indeferimento, o direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional.

[…]

(50)

Um dos princípios fundamentais do direito da União implica que as decisões relativas a um pedido de proteção internacional, a uma recusa de reabertura de um pedido após o termo da apreciação e à retirada do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária sejam passíveis de recurso efetivo perante um órgão jurisdicional».

4

O artigo 11.o desta diretiva, sob a epígrafe «Condições aplicáveis às decisões do órgão de decisão», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que as decisões relativas a pedidos de proteção internacional sejam proferidas por escrito».

5

O artigo 23.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito da assistência jurídica e da representação», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que o advogado ou outro consultor, como tal admitido ou autorizado ao abrigo do direito interno, que assista ou represente um requerente nos termos do direito interno, tenha acesso às informações constantes do processo do requerente nas quais se baseia ou baseará a decisão».

6

O artigo 45.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Regras processuais», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que, caso a autoridade competente considere a retirada da proteção internacional de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida de acordo com os artigos 14.o e 19.o da Diretiva 2011/95/UE[do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9)], a pessoa em causa beneficie das seguintes garantias:

a)

Ser informada por escrito de que a autoridade competente está a reapreciar o preenchimento das condições para beneficiar de proteção internacional, bem como das razões que estão na base dessa reapreciação; […]

[…]»

7

O artigo 46.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Direito a um recurso efetivo», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)

Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)

que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária;

[…]

3.   Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95], pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância».

Direito alemão

Lei Relativa ao Asilo

8

O § 31 da Asylgesetz (Lei Relativa ao Asilo), de 26 de junho de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 1126), conforme publicada em 2 de setembro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 1798), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, sob a epígrafe «Decisão do Serviço Federal sobre pedidos de asilo», dispõe, no seu n.o 1:

«A decisão do Serviço Federal é proferida e deve ser fundamentada por escrito. As decisões suscetíveis de recurso devem ser notificadas às partes interessadas sem demora […].»

Regulamento dos Tribunais Administrativos

9

O § 99 do Verwaltungsgerichtsordnung (Regulamento dos Tribunais Administrativos), de 21 de janeiro de 1960 (BGBl. 1960 I, p. 17), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe, no seu n.o 1:

«As autoridades públicas são obrigadas a apresentar documentos ou processos, a transmitir documentos eletrónicos e a prestar informações. Quando a divulgação do conteúdo destes documentos, processos, documentos eletrónicos ou informações possa causar danos ao bem‑estar da federação ou de um Land ou quando as ocorrências devam ser mantidas em sigilo por força de uma lei ou pela sua natureza, a autoridade suprema de supervisão pode recusar a apresentação de documentos ou processos, a transmissão de documentos eletrónicos e a prestação de informações.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

O recorrente no processo principal apresentou um pedido de proteção internacional que foi indeferido pelo BAMF por Decisão de 18 de dezembro de 2019 (a seguir «Decisão de 18 de dezembro de 2019»). Esta decisão baseia‑se particularmente no parecer de um funcionário do BAMF responsável pelas questões específicas do país de que BU é nacional. O conteúdo deste parecer foi retomado na forma de citação na exposição dos factos constante da referida decisão.

11

Em conformidade com a prática administrativa do BAMF, o funcionário que se pronunciou sobre o pedido de proteção internacional do recorrente no processo principal apôs a sua assinatura manuscrita na Decisão de 18 de dezembro de 2019, digitalizou‑a e guardou o documento resultante da digitalização desta decisão no processo administrativo eletrónico do interessado. O recorrente no processo principal recebeu uma versão impressa deste documento. Em contrapartida, o original da referida decisão foi destruído após ser digitalizado.

12

O recorrente no processo principal interpôs recurso da Decisão de 18 de dezembro de 2019 para o órgão jurisdicional de reenvio.

13

No decurso da fase judicial do processo principal, o BAMF respondeu apresentando o processo eletrónico do recorrente no processo principal, completado pelo referido parecer, na forma de vários documentos distintos em formato PDF e de um conjunto de dados estruturais em formato XML (Extensible Markup Language), que requerem a utilização de um programa informático adequado para reproduzir a estrutura inicial do processo, conforme se apresenta ao BAMF. Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que os órgãos jurisdicionais nacionais em causa dispõem deste programa informático, que é acessível ao público e pode ser descarregado gratuitamente da Internet por outras pessoas, incluindo os representantes dos requerentes. Contudo, mesmo utilizando este programa informático, o processo em causa não apresenta uma paginação sequencial.

14

O representante do recorrente no processo principal pediu ao BAMF que lhe transmitisse o respetivo processo administrativo completo, apresentado na forma de um ficheiro único em formato PDF e com uma paginação sequencial. Na sequência do indeferimento deste pedido, apresentou ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de medidas provisórias a este respeito.

15

O BAMF alegou, para o efeito, que os processos não têm obrigatoriamente de ser transmitidos às pessoas em causa no mesmo formato em que se apresentam no próprio BAMF. Sustenta que a disponibilização do conteúdo dos processos ao abrigo do direito da União também pode ser efetuada mediante concessão de acesso ao requerente para consulta. Por outro lado, é razoável exigir que o representante do requerente descarregue um programa informático que é disponibilizado gratuitamente. Além disso, a paginação sequencial comprometeria a eficácia da transmissão digital estruturada dos processos.

16

Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o pedido do representante do recorrente no processo principal é procedente, uma vez que o processo eletrónico deste último não é acessível nem apresentado na íntegra, em aplicação do § 99, n.o 1, do Regulamento dos Tribunais Administrativos.

17

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a gestão correta dos processos pela Administração é essencial para garantir a transparência da atividade pública e a possibilidade de fiscalizar esta última, para garantir a obrigação de responsabilização de um Estado de direito democrático. Esta obrigação implica, em seu entender, uma documentação objetiva de todos os acontecimentos pertinentes essenciais que compõem o procedimento administrativo, nomeadamente com o intuito de permitir a fiscalização do poder executivo pelos tribunais administrativos. Observa que o legislador partiu do princípio de que a Administração respeita a lei e, por conseguinte, não conferiu a estes tribunais a possibilidade de obrigá‑la a apresentar processos administrativos. Consequentemente, a Administração em causa deve, por força dos princípios do Estado de direito e do processo equitativo, cumprir com diligência a obrigação de transmitir estes processos na íntegra, conforme estão à disposição da Administração, a todas as partes num processo. Só nesse caso é que se consideram cumpridos os requisitos do artigo 23.o da Diretiva 2013/32.

18

Ora, a parte impressa do processo administrativo eletrónico gerido pelo BAMF, que foi transmitida ao órgão jurisdicional de reenvio, não inclui o conteúdo integral deste processo. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera igualmente indispensável a transmissão, no âmbito do acesso ao processo, dos metadados nele contidos, como as consultas do processo, os aditamentos e a eliminação de documentos, o historial do processo, ligações a outros procedimentos relativos ao requerente ou aos seus familiares, que não estejam acessíveis ao tribunal nem ao representante do requerente.

19

Em suma, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o representante do requerente e o tribunal competente devem poder aceder em linha à totalidade do processo administrativo do interessado, conforme se encontra na Administração. Só assim é que o requisito previsto no artigo 23.o da Diretiva 2013/32, segundo o qual o representante do requerente de asilo deve ter acesso às «informações constantes do processo do requerente», e o princípio do direito a um processo equitativo são respeitados.

20

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que não são os originais dos atos administrativos em causa que são transmitidos. Com efeito, segundo a prática administrativa do BAMF, estes originais, que contêm a assinatura do autor da decisão em causa, devem ser primeiro digitalizados e depois destruídos, pelo que, em última análise, subsiste apenas uma cópia eletrónica dos mesmos.

21

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o requisito enunciado no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, segundo o qual as decisões relativas a pedidos de asilo devem ser proferidas por escrito, implica, em princípio, a assinatura manuscrita do autor desta decisão. Salienta que esta interpretação corresponde à definição do conceito de «forma escrita» que figura no § 126 do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) (Código Civil) e que, no Acórdão de 28 de maio de 2020, Asociación de fabricants de morcilla de Burgos/Comissão (C‑309/19 P, EU:C:2020:401), o Tribunal de Justiça declarou igualmente que uma assinatura digitalizada não constitui uma assinatura original. Além disso, observa que o BAMF não recorre à assinatura eletrónica, que poderia permitir cumprir o requisito de assinatura, conforme demonstra o artigo 25.o do Regulamento (UE) n.o 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança nas transações eletrónicas no mercado interno e que revoga a Diretiva 1999/93/CE (JO 2014, L 257, p. 73).

22

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, no caso de o original de uma decisão relativa a um pedido de asilo ser destruído e de subsistir apenas uma cópia digitalizada desta decisão, esta última não reveste a forma escrita exigida pela Diretiva 2013/32. Particularmente, embora uma cópia possa ter a aparência jurídica de uma reprodução do original do ato administrativo em causa, a sua integridade não é certa.

23

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, apesar de o original de um ato administrativo ter sido destruído, o facto de subsistir apenas uma cópia deste ato pode determinar a sua anulação e se, no caso em apreço, deve indeferir o pedido do representante do recorrente no processo principal para aceder à totalidade do processo administrativo do interessado e ordenar ao BAMF, no âmbito do processo principal, que adote uma nova decisão por escrito.

24

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Decorre do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 47.o da [Carta] que os autos do procedimento administrativo a apresentar pela autoridade no contexto de um exame do processo ou da fiscalização jurisdicional — mesmo em formato eletrónico — devem ser apresentados de maneira completa e com as páginas sequencialmente numeradas, permitindo assim rastrear as modificações?

2)

Os artigos 23.o, n.o 1, e 46.o, n.os 1 a 3, da Diretiva [2013/32], opõem‑se a uma prática administrativa nacional segundo a qual as autoridades apresentam regularmente ao representante legal do requerente de asilo e ao tribunal apenas um excerto de um sistema de gestão de documentos que contém uma série incompleta, não estruturada e não ordenada cronologicamente de dados eletrónicos em formato PDF, sem que estes tenham uma estrutura e uma sequência cronológica das ocorrências, e muito menos reproduzam o conteúdo completo dos ficheiros eletrónicos?

3)

Decorre dos artigos 11.o, n.o 1, e 45.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2013/32] que uma decisão deve ser assinada à mão pelo decisor da autoridade competente em matéria de asilo, arquivada nos autos ou notificada ao requerente em documento também assinado à mão?

4)

Está garantida a forma escrita na aceção dos artigos 11.o, n.o 1, e 45.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2013/32], se o decisor assina a decisão mas depois a digitaliza e destrói o original, pelo que a decisão apenas é parcialmente proferida por escrito?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

25

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça, as quais gozam de uma presunção nesse sentido. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação ou à validade de uma regra do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se se afigurar que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às referidas questões (Acórdão de 22 de abril de 2021, Profit Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 38 e jurisprudência referida).

26

Em primeiro lugar, nas suas observações escritas, o Governo alemão exprime as suas dúvidas quanto à pertinência das primeira e segunda questões, na medida em que dizem respeito ao alcance do direito de acesso ao processo. Estas dúvidas baseiam‑se na consideração de que o acesso aos metadados, que parece estar em causa no litígio no processo principal, não é necessário para que o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncie sobre o mérito da decisão de indeferimento do pedido de proteção internacional que foi chamado a apreciar.

27

Ora, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio não submeteu ao Tribunal de Justiça este pedido para se pronunciar sobre a legalidade da referida decisão de indeferimento, mas para se pronunciar sobre o pedido de medidas provisórias do recorrente no processo principal, destinado à apresentação de um processo administrativo completo, na forma de um ficheiro único em formato PDF e com uma paginação sequencial. Por conseguinte, para o órgão jurisdicional de reenvio é pertinente saber se tal processo pode ser considerado completo, mesmo que não contenha os metadados que estão à disposição da Administração quando utiliza o processo.

28

Em segundo lugar, nas suas observações escritas, a Comissão Europeia interroga‑se igualmente sobre a pertinência das primeira e segunda questões. Assim, refere não compreender o nexo entre o princípio do direito a um processo equitativo e a realidade ou o objeto do litígio no processo principal. Por outro lado, uma vez que não resulta da decisão de reenvio que o representante do requerente não estava em condições de descarregar o programa informático para consultar o processo deste último e, assim, de representar o seu cliente, tem dúvidas de que a questão de saber se o direito da União se opõe a uma prática nacional que exige que o representante do requerente de proteção internacional descarregue um programa informático para consultar o processo do interessado seja necessária para resolver o litígio no processo principal quanto ao seu mérito.

29

Por um lado, quanto às considerações do órgão jurisdicional de reenvio sobre o princípio do direito a um processo equitativo, resulta da fundamentação do pedido de decisão prejudicial que este órgão jurisdicional considera que tal princípio, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, exige o acesso à totalidade do processo do requerente, conforme este processo está na posse da Administração. Ora, o referido órgão jurisdicional interroga‑se precisamente sobre se, atendendo ao modo de transmissão das informações que figuram no processo do requerente no processo principal, em causa no litígio que lhe foi submetido, se pode considerar assegurado o acesso à totalidade do processo. Por conseguinte, a pertinência destas considerações neste caso não suscita dúvidas.

30

Por outro lado, quanto à interpretação das primeira e segunda questões, defendida pela Comissão, segundo a qual estas questões visam, nomeadamente, determinar se o direito da União se opõe a uma prática nacional que exige que o representante do requerente de proteção internacional descarregue um programa informático para consultar o seu processo, há que salientar que as referidas questões não dizem respeito à impossibilidade material de o representante do requerente aceder ao seu processo, mas ao acesso integral a este processo e de uma maneira que lhe permita compreendê‑lo do mesmo modo que a Administração em causa. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução adotada no caso em apreço pelo BAMF, que exige, nomeadamente, o descarregamento de um programa informático gratuito pelo representante do requerente, não permite cumprir estes requisitos.

31

Por conseguinte, as primeira e segunda questões são admissíveis.

32

Em terceiro lugar, há que constatar, todavia, relativamente às terceira e quarta questões, que é possível salientar, na medida em que a decisão impugnada pelo recorrente no processo principal é uma decisão de indeferimento do seu pedido de proteção internacional, a resolução do litígio no processo principal não parece exigir, enquanto tal, a interpretação do artigo 45.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2013/32, visada nestas questões. Com efeito, esta disposição aplica‑se aos casos em que a autoridade competente pretende retirar a proteção internacional a uma pessoa à qual a mesma já foi concedida. Assim, só a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, desta diretiva, que se aplica às decisões relativas aos pedidos de proteção internacional e que é igualmente visada nas terceira e quarta questões, parece ser útil para a resolução do litígio no processo principal. De resto, o órgão jurisdicional de reenvio não fornece nenhuma explicação que permita compreender em que medida é que a interpretação deste artigo 45.o, n.o 1, alínea a), é necessária para lhe permitir decidir este litígio. Daqui resulta que as terceira e quarta questões são inadmissíveis na parte em que têm por objeto a interpretação do referido artigo 45.o, n.o 1, alínea a).

Quanto às primeira e segunda questões

33

Com as primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o, n.o 1, e o artigo 46.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2013/32, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática administrativa nacional nos termos da qual a autoridade administrativa que se pronunciou sobre um pedido de proteção internacional transmite ao representante do requerente uma cópia do processo eletrónico relativo a este pedido na forma de uma sequência não estruturada de ficheiros distintos em formato PDF, sem uma paginação sequencial, e cuja estrutura pode ser visualizada através de um programa informático gratuito e de livre acesso na Internet.

34

A este respeito, antes de mais, há que salientar que o artigo 23.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 concretiza o direito de acesso ao processo no âmbito dos procedimentos relativos a pedidos de proteção internacional, prevendo que o advogado que assiste ou representa o requerente tem acesso às informações constantes do processo nas quais se baseia ou baseará a decisão.

35

Em seguida, relativamente ao artigo 46.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2013/32, esta disposição materializa o princípio da proteção jurisdicional efetiva ao prever que os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95, pelo menos no âmbito no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

36

Por último, importa recordar que, no âmbito da proteção dos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta garante o direito a um processo equitativo, do qual um dos aspetos específicos é constituído pelo respeito pelos direitos de defesa, que implicam, nos termos deste parágrafo, a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. Estes devem ser respeitados em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e suscetível de culminar num ato que afete os seus interesses. O exercício efetivo destes direitos tem como corolário necessário o direito de acesso ao processo (Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.os 59 a 61 e jurisprudência referida).

37

No entanto, resulta de jurisprudência constante que os direitos fundamentais, como o respeito pelos direitos de defesa, ao abrigo deste artigo 47.o, incluindo o direito à divulgação dos documentos pertinentes para a defesa, não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de estas corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não implicarem, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.os 62 e 68 e jurisprudência referida).

38

No que concerne especificamente ao direito de acesso ao processo, resulta de jurisprudência assente que este implica que a pessoa a quem o ato causa prejuízo tenha a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes à sua defesa. Estes incluem elementos de prova tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras pessoas, dos documentos internos da autoridade que adotou o ato e outras informações confidenciais (Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 66 e jurisprudência referida).

39

Quanto aos documentos que devem ser incluídos no processo de instrução, há que salientar que resulta igualmente de jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora não caiba unicamente à autoridade que adotou a decisão lesiva determinar os documentos úteis à defesa da pessoa em causa, é‑lhe, contudo, permitido excluir os elementos que não têm qualquer relação com os elementos de facto e de direito que fundamentam a decisão e que, por conseguinte, são completamente irrelevantes para efeitos da sua adoção (Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 67 e jurisprudência referida).

40

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que a existência de uma violação dos direitos de defesa, incluindo o direito de acesso ao processo, deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, nomeadamente da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das regras jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 97 e jurisprudência referida).

41

Mais precisamente, sendo as primeira e segunda questões relativas ao acesso ao processo no contexto de um processo judicial, há que salientar que, tendo em conta os requisitos específicos enunciados no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, os autos do processo que são transmitidos ao órgão jurisdicional competente, pelo menos em primeira instância, pela autoridade que se pronunciou sobre o pedido de proteção internacional em causa devem ser completos e abranger todos os atos procedimentais, os documentos e as peças que esta autoridade teve à sua disposição para o efeito, ou mesmo, se for o caso, elementos posteriores a tal decisão e que sejam relevantes para a adoção da mesma.

42

Além disso, o âmbito da fiscalização jurisdicional de uma decisão relativa a um pedido de proteção internacional tem necessariamente um impacto decisivo no alcance exigido do acesso ao processo para permitir ao interessado exercer utilmente os seus direitos de defesa.

43

Com efeito, sem prejuízo dos elementos relativamente aos quais a autoridade em causa pede confidencialidade, por objetivos de interesse geral devidamente expostos, como os referidos nos n.os 37 e 38 do presente acórdão, e dos documentos que não sejam relevantes para a decisão do pedido de proteção internacional, o representante do requerente deve beneficiar de um acesso completo ao processo tal como é apresentado ao órgão jurisdicional competente, a fim de poder discutir, no âmbito de um debate contraditório, tanto os elementos de facto como os elementos de direito que são decisivos para o desfecho do procedimento. Este requisito é necessário para garantir plenamente os direitos de defesa do requerente e o respeito pela natureza contraditória do procedimento, os quais estão relacionados com o direito a um processo equitativo (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.os 55 a 57 e jurisprudência referida).

44

Por outro lado, este direito de acesso ao processo pode igualmente abranger o acesso aos metadados do processo administrativo do requerente, isto é, dados que integram a estrutura deste processo e que visam descrever, explicar, localizar ou facilitar de outro modo o acesso a tal conteúdo. Com efeito, não se pode excluir que, atendendo à sua natureza e conteúdo, estes metadados constituam «informações constantes do processo do requerente nas quais se baseia ou baseará a decisão», na aceção do artigo 23.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32. Isto pode incluir, nomeadamente, ligações a outros procedimentos relativos ao requerente ou aos seus familiares. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se não existem objetivos de interesse geral, como os referidos no n.os 37 e 38 do presente acórdão, que se opõem à divulgação destes metadados, procurando um equilíbrio entre os direitos de defesa do requerente e os interesses relacionados com a manutenção da confidencialidade das informações (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 69 e jurisprudência referida).

45

Quanto ao formato mediante o qual os diferentes elementos do processo são transmitidos ao representante do requerente e à sua estrutura, há que salientar, antes de mais, que a redação do artigo 23.o, n.o 1, e do artigo 46.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2013/32 não contém nenhuma regra que enquadre expressamente as modalidades práticas e técnicas do acesso ao processo pelo representante do requerente.

46

Além disso, conforme resulta da jurisprudência recordada no n.o 37 do presente acórdão, a proteção dos direitos de defesa, ao abrigo do artigo 47.o da Carta, incluindo o direito de acesso ao processo, implica que a legislação ou a prática nacionais em causa não constituam uma intervenção excessiva e intolerável, que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos.

47

No presente caso, conforme foi salientado no n.o 13 do presente acórdão, em linha com a prática administrativa nacional em causa, o representante do requerente recebeu o processo eletrónico do recorrente no processo principal, na forma de vários documentos distintos em formato PDF e de um conjunto de dados estruturais em formato XML, que requerem a utilização de um programa informático adequado, que pode ser descarregado gratuitamente da Internet, para reproduzir a estrutura inicial do processo. Em contrapartida, a sua transmissão não abrange os metadados relativos a este processo, como as consultas do processo pelo pessoal da Administração, o historial do processo ou ligações a outros procedimentos relativos ao requerente ou aos seus familiares.

48

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, ao contrário da transmissão de um ficheiro único em formato PDF com uma paginação sequencial, um modo de transmissão como o adotado pelo BAMF não permite rastrear as modificações do processo administrativo do recorrente no processo principal e garantir que o processo apresentado corresponde ao processo gerido pela Administração. Em seu entender, este modo de transmissão não está em conformidade com o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Observa, nomeadamente, que, uma vez que a apresentação de todos os documentos em formato PDF transmitidos pela Administração por ordem cronológica exige o descarregamento de um programa informático específico, não se pode excluir que esta apresentação seja diferente para o juiz competente e para o representante do interessado, pelo que a disponibilização a todas as partes no procedimento de asilo em causa de um processo com um conteúdo e uma forma idênticos não está garantida.

49

Por sua vez, nas suas observações escritas, o Governo alemão sustenta que os dados estruturais que acompanham os ficheiros individuais em formato PDF permitem, com o auxílio do programa informático adequado, reproduzir a disposição inicial do processo. Além disso, os nomes dos ficheiros individuais, com uma numeração e uma descrição por palavras‑chaves, permitem determinar qual a ordem em que os diferentes documentos foram juntos ao processo em causa, a natureza destes diferentes documentos e o número de documentos que este processo contém. Assim, é possível verificar se o referido processo foi transmitido na íntegra.

50

A este respeito, decorre da jurisprudência recordada nos n.os 38, 39 e 43 do presente acórdão que, para determinar se um modo de transmissão do processo, como o adotado pelo BAMF, é conforme com o direito de acesso ao processo, garantido no artigo 47.o da Carta, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o referido modo de transmissão garante uma reprodução fiel, tanto quanto possível, da estrutura deste processo e da cronologia em que foram apresentadas as diferentes peças constantes do mesmo, para que o representante do requerente esteja em condições de verificar se o mesmo reúne todos os documentos que são pertinentes para a defesa deste requerente e, se for o caso, pedir a transmissão das peças em falta ou o motivo da sua ausência. Com efeito, tais peças em falta podem, se for o caso, revelar‑se úteis para a defesa do requerente, se contiverem elementos essenciais do procedimento administrativo ou elementos que permitam dar uma interpretação aos factos pertinentes diferente da adotada pela autoridade que se pronunciou sobre o pedido de proteção internacional.

51

Além disso, importa sublinhar que não se pode presumir a existência de uma solução técnica única suscetível de garantir a efetividade dos direitos de defesa e de uma proteção jurisdicional efetiva, em conformidade com o artigo 47.o da Carta. Com efeito, na falta de uma norma uniforme ao nível da União Europeia que regule este modo de transmissão, e no contexto das novas tecnologias, não se pode excluir a existência de várias soluções funcionalmente equivalentes e capazes de fornecer garantias suficientes para a proteção do direito de acesso ao processo (v., por analogia, Acórdão de 5 de julho de 2012, Content Services, C‑49/11, EU:C:2012:419, n.os 39 a 42).

52

Particularmente, não se pode excluir que a transmissão do processo em causa na forma de ficheiros individuais em formato PDF possa assegurar, de modo equivalente à transmissão de um ficheiro único neste formato e com uma paginação sequencial, a efetividade dos direitos de defesa do requerente, desde que esta transmissão seja acompanhada de modalidades formais e técnicas que ofereçam uma representação tão fiel quanto possível da totalidade do processo do interessado e da sua organização, eventualmente através de um programa informático descarregável de fácil acesso e que ofereça garantias de segurança suficientes, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

53

Especialmente, o órgão jurisdicional de reenvio poderá verificar se o programa informático utilizado para visualizar a estrutura do processo transmitido pela autoridade nacional competente para se pronunciar sobre o pedido de proteção internacional do requerente garante ao seu representante uma representação da sua organização equivalente àquela de que dispõe a referida autoridade, na medida em que esta equivalência é necessária para lhe permitir exercer utilmente, em nome do referido requerente, os direitos de defesa perante este órgão jurisdicional.

54

Além disso, cabe‑lhe verificar se, como sugere o Governo alemão nas suas observações escritas, os dados estruturais e os ficheiros em formato PDF através dos quais o processo do requerente é transmitido ao seu representante fornecem informações suficientes para compreender a estrutura deste processo e se a utilização de um programa informático para visualização desta estrutura não é indispensável. Do mesmo modo, poderá verificar se, como afirma este Governo, o programa informático de visualização em causa, utilizável por este representante, é o mesmo de que dispõem os órgãos jurisdicionais competentes para decidir dos recursos das decisões relativas aos pedidos de proteção internacional e se, como também alega, a utilização deste programa informático acarreta apenas diferenças de apresentação menores, não alterando assim a capacidade deste representante para exercer utilmente os direitos de defesa em nome do requerente.

55

De resto, importa salientar que, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que a necessidade de o representante do requerente descarregar esse programa informático para poder visualizar a estrutura do processo desse requerente por ordem cronológica constitui, em si mesma, uma intervenção excessiva e intolerável, suscetível de atentar contra a própria substância dos direitos de defesa deste último.

56

Atentas todas as considerações precedentes, há que responder às primeira e segunda questões que o artigo 23.o, n.o 1, e o artigo 46.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2013/32, lidos em conjugação com o artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma prática administrativa nacional nos termos da qual a autoridade administrativa que se pronunciou sobre um pedido de proteção internacional transmite ao representante do requerente uma cópia do processo eletrónico relativo a este pedido na forma de uma sequência de ficheiros distintos em formato PDF, sem uma paginação sequencial, e cuja estrutura pode ser visualizada através de um programa informático gratuito e de livre acesso na Internet, desde que, por um lado, este modo de transmissão garanta um acesso à totalidade das informações pertinentes para a defesa do requerente, constantes deste processo, com base nas quais a decisão relativa a esse pedido foi adotada, e, por outro, o referido modo de transmissão ofereça uma representação tão fiel quanto possível da estrutura e da cronologia do referido processo, sem prejuízo dos casos em que objetivos de interesse geral se oponham à divulgação de certas informações ao representante do requerente.

Quanto às terceira e quarta questões

57

Com as terceira e quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que é necessário que uma decisão relativa a um pedido de proteção internacional contenha a assinatura manuscrita do funcionário da autoridade competente autora desta decisão para que se considere que a mesma foi proferida por escrito na aceção desta disposição e, em caso afirmativo, se esta se opõe a uma prática administrativa que consiste em digitalizar o original assinado de tal decisão, em destruí‑lo de seguida e em conservar a versão digitalizada da decisão num processo eletrónico.

58

Antes de mais, importa salientar que o requisito de que a decisão relativa a um pedido de proteção internacional seja proferida por escrito, referido no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, não implica que esta decisão tenha de ser assinada pelo seu autor.

59

Com efeito, resulta da jurisprudência que a obrigação de apresentar um ato, nomeadamente uma decisão lesiva, por escrito, que está prevista em várias situações pelo direito da União [Acórdãos de 5 de junho de 2014, Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.os 41 a 49 e jurisprudência referida, e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento de requerentes de proteção internacional), C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.os 204 a 207 e 251], implica apenas que esta decisão se apresente na forma de sinais gráficos dotados de significado, independentemente do seu suporte manuscrito, impresso em papel ou registado de forma eletrónica (v., neste sentido, Acórdão de 12 de abril de 2018, Finnair, C‑258/16, EU:C:2018:252, n.os 33, 35 e 36). Assim, a expressão «por escrito», na aceção do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, deve ser interpretada no sentido de que exclui uma decisão tácita ou, como salientaram os Governos alemão e húngaro, uma decisão proferida oralmente.

60

Em contrapartida, a obrigação de esta decisão conter a assinatura do autor, quer na forma manuscrita, quer na forma de uma assinatura eletrónica, não decorre automaticamente da forma escrita da referida decisão.

61

Com efeito, embora o requisito de que um ato individual lesivo seja proferido por escrito e o de que este ato contenha a assinatura do seu autor, ou seja, da pessoa habilitada pela autoridade competente a fazê‑lo, correspondam ambos a objetivos de segurança jurídica e de proteção dos direitos processuais do destinatário, estes objetivos devem, no entanto, ser distinguidos. Com efeito, o requisito relativo à forma escrita do ato visa permitir, nomeadamente, ao seu destinatário tomar conhecimento do alcance jurídico deste ato, das suas modalidades de aplicação e da sua fundamentação para, se for o caso, poder impugná‑lo judicialmente em tempo útil (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2014, Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.os 44 a 46). Em contrapartida, a formalidade da autenticação do ato, em especial através de uma assinatura, quando exigida pelo direito aplicável, visa garantir que o ato é certo quanto ao seu autor e ao seu conteúdo, o que deve ser objeto de um controlo prévio a qualquer outro controlo, como, nomeadamente, o do respeito pelo dever de fundamentar os atos (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2021, Conselho/Hamas, C‑833/19 P, EU:C:2021:950, n.o 55).

62

Tendo em conta estas considerações, não é necessário responder à questão de saber se o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 se opõe a uma prática administrativa que consiste em digitalizar o original assinado de uma decisão relativa a um pedido de proteção internacional, em destruí‑lo em seguida e em conservar a versão digitalizada desta decisão num processo eletrónico.

63

Atentas todas as considerações precedentes, há que responder às terceira e quarta questões que o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que não é necessário que uma decisão relativa a um pedido de proteção internacional contenha a assinatura do funcionário da autoridade competente autora desta decisão para que se considere que a mesma foi proferida por escrito, na aceção desta disposição.

Quanto às despesas

64

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

1)

O artigo 23.o, n.o 1, e o artigo 46.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, lidos em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma prática administrativa nacional nos termos da qual a autoridade administrativa que se pronunciou sobre um pedido de proteção internacional transmite ao representante do requerente uma cópia do processo eletrónico relativo a este pedido na forma de uma sequência de ficheiros distintos em formato PDF (Portable Document Format), sem uma paginação sequencial, e cuja estrutura pode ser visualizada através de um programa informático gratuito e de livre acesso na Internet, desde que, por um lado, este modo de transmissão garanta um acesso à totalidade das informações pertinentes para a defesa do requerente, constantes deste processo, com base nas quais a decisão relativa a esse pedido foi adotada, e, por outro, o referido modo de transmissão ofereça uma representação tão fiel quanto possível da estrutura e da cronologia do referido processo, sem prejuízo dos casos em que objetivos de interesse geral se oponham à divulgação de certas informações ao representante do requerente.

 

2)

O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32

deve ser interpretado no sentido de que:

não é necessário que uma decisão relativa a um pedido de proteção internacional contenha a assinatura do funcionário da autoridade competente autora desta decisão para que se considere que a mesma foi proferida por escrito, na aceção desta disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.