ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção alargada)
1 de março de 2023 ( *1 )
«Subvenções — Importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito — Regulamento de execução (UE) 2020/870 — Direito de compensação definitivo e cobrança definitiva do direito de compensação provisório — Direitos de defesa — Imputabilidade da subvenção — Erro manifesto de apreciação — Sistema de devolução de direitos de importação — Tratamento fiscal das perdas cambiais — Cálculo da margem de subcotação»
No processo T‑540/20,
Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE, com sede em Ain Soukhna (Egito), representada por B. Servais e V. Crochet, advogados,
recorrente,
contra
Comissão Europeia, representada por P. Kienapfel, G. Luengo e P. Němečková, na qualidade de agentes,
recorrida,
apoiada por
Association des producteurs de fibres de verre européens (APFE), com sede em Ixelles (Bélgica), representada por L. Ruessmann e J. Beck, advogados,
interveniente,
O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção alargada),
composto, na deliberação, por: H. Kanninen, presidente, M. Jaeger, N. Półtorak, O. Porchia e M. Stancu (relatora), juízes,
secretária: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora
vistos os autos,
após a audiência de 22 de março de 2022,
profere o presente
Acórdão ( 1 )
1 |
Com o seu recurso baseado no artigo 263.o do TFUE, a recorrente, a Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE, pede a anulação do Regulamento de Execução (UE) 2020/870 da Comissão, de 24 de junho de 2020, que institui um direito de compensação definitivo e cobra definitivamente o direito provisório instituído sobre as importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito e que estabelece a cobrança do direito de compensação definitivo sobre as importações registadas de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito (JO 2020, L 201, p. 10, a seguir «regulamento de execução impugnado»), na medida em que lhe diz respeito. |
I. Antecedentes do litígio
2 |
A recorrente é uma sociedade constituída em conformidade com a legislação da República Árabe do Egito, cujos acionistas são entidades chinesas. A atividade da recorrente consiste na produção e exportação de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro (a seguir «TFV») e produtos de fibra de vidro de filamento contínuo (a seguir «MFV»), constituindo estes últimos a principal matéria‑prima utilizada para produzir TFV. Estes produtos são vendidos, nomeadamente na União Europeia. |
A. Quanto à Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez
3 |
A recorrente está estabelecida na Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez (Egito) (a seguir «Zona CECS»). A zona CECS foi criada conjuntamente pela República Árabe do Egito e pela República Popular da China. As suas origens remontam aos anos noventa. Em 1997, os primeiros‑ministros da China e do Egito assinaram um protocolo de acordo, em que os dois países acordaram «cooperar no desenvolvimento da zona económica livre no norte do Golfo de Suez». |
4 |
Em 2002, uma zona geográfica mais vasta de 20 km2, que incluía a Zona CECS, foi classificada como zona económica especial pelo Governo do Egito, tornando assim aplicável à Zona CECS a Lei n.o 83/2002 do Egito relativa às Zonas Económicas Especiais (a seguir «Lei n.o 83/2002»). |
5 |
Em seguida, as entidades públicas chinesas e egípcias criaram a empresa Egypt TEDA Investment Co. (a seguir «Egypt TEDA»), da qual a China detém 80 % das ações e o Egito os restantes 20 %. |
6 |
Em 2012, durante uma visita do presidente do Egito à China, este último descreveu a zona CECS como um projeto‑chave para a cooperação bilateral entre os dois países. Manifestou igualmente a intenção de que cada vez mais empresas chinesas investissem na Zona CECS, participando assim no programa de recuperação do Egito. |
7 |
Em 2013, a Zona CECS foi alargada em 6 km2, ao abrigo de um contrato entre a Egypt TEDA e as autoridades egípcias. A partir do mesmo ano, a Zona CECS foi desenvolvida no âmbito da iniciativa chinesa «Uma Cintura, Uma Rota». Segundo as Orientações do Conselho de Estado Chinês sobre a Promoção da Cooperação Internacional para a Capacidade de Produção e Fabrico de Equipamento, de 13 de maio de 2015, esta iniciativa inclui a possibilidade de empresas «que se decidam pelo estrangeiro» beneficiarem de políticas fiscais e apoio financeiro, empréstimos em condições preferenciais, apoio financeiro concedido através de empréstimos sindicados, créditos à exportação e financiamento de projetos, investimentos em capitais próprios e seguros de crédito à exportação. |
8 |
Em 2015, a zona económica especial referida no n.o 4, supra, da qual a Zona CECS fazia parte, foi oficialmente incluída na Zona Económica do Canal do Suez (a seguir «Zona CS»), uma zona mais vasta, que engloba a região em torno do Canal do Suez e regulada pela Lei n.o 83/2002, no contexto do «Plano de Desenvolvimento do Corredor do Canal do Suez» lançado pelo Egito. |
9 |
Em 2016, os presidentes da China e do Egito inauguraram oficialmente o projeto de alargamento do setor de expansão de 6 km2 da Zona CECS e, em 21 de janeiro de 2016, assinaram um acordo entre os Governos da China e do Egito (a seguir «acordo de cooperação de 2016»), que clarificou a importância e o estatuto jurídico da Zona CECS. |
10 |
Em conformidade com o acordo de cooperação de 2016, os Governos dos dois países desenvolvem conjuntamente a Zona CECS. A sua execução decorre no quadro das respetivas estratégias nacionais, a saber, por um lado, relativamente à China, a iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota», e, por outro, relativamente ao Egito, o Plano de Desenvolvimento do Corredor do Canal de Suez. Para o efeito, o Governo do Egito disponibiliza terrenos e mão de obra e providencia algumas isenções fiscais; ao passo que as empresas chinesas ativas na zona exploram as instalações de produção com os seus ativos e os seus gestores. Para compensar a falta de fundos do Egito, o Governo da China apoia ainda este projeto disponibilizando os recursos financeiros necessários à Egypt TEDA e às empresas chinesas ativas na Zona CECS. |
B. Quanto ao processo que levou à adoção do regulamento de execução impugnado
11 |
Em 24 de abril de 2019, a interveniente, a Associação Europeia de Produtores de Fibra de Vidro (APFE) apresentou na Comissão uma denúncia, em nome de produtores que representam 71 % da produção total da União, nos termos da qual as importações de MFV originárias do Egito foram objeto de subvenções e causaram prejuízo à indústria da União. |
12 |
Na sequência desta denúncia, a Comissão deu início, com base no artigo 10.o do Regulamento (UE) 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 55, a seguir «regulamento antissubvenções de base»), a um inquérito antissubvenções relativo às importações de MFV e, mais especificamente, como resulta do ponto 2 do aviso de início desse inquérito, de fios cortados de fibra de vidro, de comprimento não superior a 50 mm; de mechas ligeiramente torcidas (rovings) de fibra de vidro, exceto as mechas (rovings) impregnadas e revestidas, com perda por incineração superior a 3 % (como determina a norma ISO 1887), e de esteiras (mats) de filamentos de fibra de vidro, com exclusão das esteiras (mats) de lã de vidro. |
13 |
O inquérito relativo às subvenções e ao prejuízo abrangeu o período compreendido entre 1 de abril de 2018 e 31 de março de 2019, ao passo que a análise das tendências pertinentes para a avaliação do prejuízo abrangeu o período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e o final do período de inquérito. |
14 |
Durante o período de inquérito, a recorrente vendeu MFV a clientes independentes, tanto no Egito como no estrangeiro. Vendeu igualmente MFV a três clientes coligados na União, a saber, a Jushi Spain SA, a Jushi France SAS e a Jushi ltalia Srl, bem como à Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE (a seguir «Hengshi»), igualmente situada na Zona CECS. |
15 |
Em 24 de junho de 2019, a recorrente apresentou à Comissão as suas observações sobre as subvenções e o prejuízo, e, em julho de 2019, apresentou a sua resposta ao questionário antissubvenções. A Comissão também procedeu a uma visita de verificação nas instalações da recorrente. |
16 |
Em 7 de agosto de 2019, o Governo do Egito também apresentou a sua resposta ao questionário antissubvenções. |
17 |
Em 12 de fevereiro de 2020, a Comissão alterou o aviso de início de 7 de junho de 2019, uma vez que reuniu elementos de prova adicionais de subvenções que deviam ser tidos conta no âmbito do inquérito antissubvenções, a saber, empréstimos preferenciais alegadamente concedidos por bancos chineses públicos ou controlados pelo Estado à recorrente, e considerou que se justificava incluir essas subvenções no âmbito do inquérito em curso, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 7, do regulamento antissubvenções de base. A Comissão acrescentou que examinaria ainda se a cooperação entre o Governo do Egito e o Governo da China tinha afetado outros programas de subvenções. |
18 |
Depois de ter alterado o aviso de início, em 12 de fevereiro de 2020, a Comissão enviou um pedido de informações à recorrente e ao Governo do Egito sobre os programas de subvenções adicionais incluídos no âmbito do inquérito. |
19 |
Em 14 de fevereiro de 2020, a Comissão enviou o seu documento de divulgação prévia, informando a recorrente da sua intenção de aplicar medidas de compensação provisórias sobre as importações de MFV. No mesmo dia, a Comissão publicou igualmente o Regulamento de Execução (UE) 2020/199, de 13 de fevereiro de 2020, que sujeita a registo as importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito (JO 2020, L 42, p. 10). A recorrente apresentou as suas observações sobre essa divulgação em 19 de fevereiro de 2020. |
20 |
Em 17 de fevereiro de 2020, o Governo do Egito apresentou as suas observações em resposta ao pedido de informações da Comissão, nas quais solicitava que esse pedido de informações fosse retirado, uma vez que não tinha autoridade legal para coordenar a resposta das entidades chinesas situadas fora do seu território soberano. Em 20 de fevereiro de 2020, a Comissão respondeu à carta do Governo do Egito insistindo no facto de as informações solicitadas poderem ser prestadas apenas por esse Governo ou em cooperação com o Governo da China. Em 27 de fevereiro de 2020, o Governo do Egito enviou uma carta adicional reiterando o seu pedido para que a Comissão retirasse o seu pedido de informações, com o fundamento de que os atos das entidades chinesas não podiam ser legalmente atribuídos ao Governo do Egito e que a Comissão violava os seus direitos de defesa. Nessa carta, pediu igualmente uma audição com o conselheiro auditor, que se realizou a 1 de abril de 2020. |
21 |
Em 5 de março de 2020, o Governo do Egito e a recorrente apresentaram finalmente as suas respostas ao pedido de informações da Comissão. |
22 |
Em 4 de março de 2020, a Comissão enviou a sua divulgação prévia à recorrente. No dia seguinte, adotou o Regulamento de Execução (UE) 2020/379, que institui um direito de compensação provisório sobre as importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito (JO 2020, L 69, p. 14, a seguir «regulamento de execução provisório»). Este regulamento de execução foi publicado em 6 de março de 2020 no Jornal Oficial da União Europeia e aplicou à recorrente um direito de compensação provisório de 8,7 %. |
23 |
Por carta de 18 de março de 2020, a Comissão informou a recorrente de que, com base nas suas respostas ao pedido de informações, tencionava aplicar as disposições do artigo 28.o do regulamento antissubvenções de base no que diz respeito a algumas das informações pedidas. A recorrente respondeu a esta carta em 20 de março de 2020. |
24 |
Igualmente em 18 de março de 2020, a recorrente apresentou as suas observações sobre o regulamento de execução provisório e, seguidamente, teve lugar uma audição com a Comissão relativa a esse regulamento de execução. |
25 |
Em 29 de abril de 2020, a Comissão enviou a sua divulgação final à recorrente, acerca da qual esta apresentou as suas observações em 9 de maio de 2020. Em seguida, teve lugar uma audição com a Comissão sobre a referida divulgação. |
26 |
Em 24 de junho de 2020, a Comissão adotou o regulamento de execução impugnado. O referido regulamento de execução institui um direito de compensação definitivo de 13,1 % sobre as importações das MFV da recorrente com destino à União. |
II. Pedidos das partes
27 |
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:
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28 |
A Comissão e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:
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III. Questão de direito
[Omissis]
A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 2.o, alíneas a) e b), do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do artigo 4.o, n.os 2 e 3, e do artigo 28.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base
[Omissis]
2. Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do regulamento antissubvenções de base
38 |
A recorrente invoca três alegações principais em apoio desta parte do fundamento. Primeiro, na opinião dela, a interpretação do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base pela Comissão não é justificada à luz do direito da União. Segundo, a invocação pela Comissão do direito da Organização Mundial do Comércio (OMC) para interpretar o artigo 3.o, ponto 1), alínea a), deste regulamento não tem fundamento. Terceiro, a interpretação pela Comissão do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), 1), do Acordo sobre as subvenções e as medidas de compensação (a seguir «Acordo SMC») não respeita a jurisprudência da OMC e o direito internacional público. |
39 |
Em apoio da primeira alegação, a recorrente sustenta que decorre de uma interpretação literal do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base, cuja redação é clara e precisa e não necessita, aliás, de ser interpretada nem à luz da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (a seguir «Convenção de Viena»), nem do Projeto sobre a Responsabilidade dos Estados por atos internacionalmente ilícitos, conforme adotado em 2001 pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Internacional (a seguir «artigos da CDI»), que não só os poderes públicos que conferem a contribuição financeira, mas também a própria contribuição financeira, se devem situar no território do país de origem ou de exportação. Esta interpretação é sustentada pelo contexto global do regulamento antissubvenções de base, nomeadamente pelos seus artigos 10.o, n.o 7, e 13.o, n.o 1. |
40 |
Em apoio da segunda alegação, a recorrente alega que a Comissão errou ao interpretar o artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base à luz do direito da OMC. Indica que, embora, segundo a jurisprudência, o juiz da União possa fiscalizar a legalidade de um ato da União Europeia à luz das regras da OMC quando a União pretenda dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC, no presente caso, contudo, não pode ser invocada uma interpretação à luz do direito da OMC relativamente às disposições do regulamento antissubvenções de base que difiram das disposições do Acordo SMC. Ora, segundo a recorrente, os termos do Acordo SMC diferem claramente dos termos utilizados por esse regulamento no que diz respeito à definição do conceito de «subvenção». |
41 |
Em apoio da terceira alegação, a recorrente argumenta que, admitindo que o direito da OMC deve ser tido em conta na interpretação da expressão «poderes públicos» no regulamento antissubvenções de base, a interpretação feita pela Comissão do artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC continua a ser incorreta, uma vez que ignora o artigo 31.o, n.os 1 e 3, da Convenção de Viena. Com efeito, decorre claramente deste artigo do Acordo SMC que os atos do Estado de um país terceiro não podem ser atribuídos ao Estado do país de origem ou de exportação. Esta interpretação é confirmada por outras disposições do Acordo SMC, como o artigo 13.o, n.os 1, 2 e 4, e o artigo 18.o, n.o 1, alínea a). |
42 |
Além disso, o artigo 11.o da CDI não é uma regra de direito internacional «pertinente», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea c), da Convenção de Viena, para efeitos da interpretação do termo «Estado», que figura no artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC. O Órgão de Recurso da OMC não teve um entendimento diferente no processo «Estados Unidos — direitos antidumping e direitos de compensação definitivos sobre certos produtos provenientes da China» (WT/DS 379/AB/R). Na réplica, a recorrente acrescenta que, se a lei aplicável nesse inquérito tivesse sido o Acordo SMC em vez do regulamento antissubvenções de base, a Comissão poderia ter qualificado as contribuições financeiras concedidas pelas entidades chinesas à recorrente como subvenções, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Acordo SMC, sem ter de «atribuir» essas contribuições financeiras ao Estado egípcio com base no artigo 11.o da CDI. O artigo 11.o da CDI não seria, em todo o caso, aplicável ao presente processo, uma vez que se destina a regular a conduta de um Estado incorporado noutro Estado na sequência da aquisição de um território, que é imputável ao Estado sucessor, ou ainda a posterior adoção por um Estado de uma conduta privada ilícita que tenha sido ou esteja a ser cometida. Com efeito, são os artigos 16.o a 18.o da CDI que regulam a responsabilidade do Estado por atos de outro Estado, e não o artigo 11.o da CDI. |
43 |
A Comissão, apoiada pelo interveniente, contesta estes argumentos. |
44 |
Como decorre do n.o 39, supra, segundo a recorrente, a interpretação, pela Comissão, do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base, nomeadamente do conceito de «poderes públicos» do país de origem ou de exportação, não é justificada à luz do direito da União. |
45 |
Para responder a esta questão, há que recordar que, segundo a jurisprudência, cada disposição de direito da União deve ser colocada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições deste direito, das suas finalidades e do seu estado de evolução à data em que a aplicação da disposição em causa é feita (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement, C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 49 e jurisprudência referida). |
46 |
A este respeito, primeiro, importa recordar que o artigo 3.o do regulamento antissubvenções de base dispõe que se considera existir uma subvenção se as condições estabelecidas nos pontos 1 e 2 deste artigo estiverem preenchidas, a saber, se existir uma «contribuição financeira» dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, e se, por conseguinte, for conferida uma «vantagem». |
47 |
O artigo 2.o, alínea b), do referido regulamento define «poderes públicos» como as entidades públicas baseadas no território do país de origem ou de exportação. |
48 |
Ora, a definição de «poderes públicos» que figura neste artigo limita‑se a interpretar o conceito de «poderes públicos» no sentido de que inclui os organismos públicos do país de origem ou de exportação. Todavia, esta disposição não exclui que a contribuição financeira possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação do produto em causa, em função dos elementos de prova específicos disponíveis. |
49 |
Segundo, importa salientar que o considerando 5 desse regulamento prevê que, «[a]o determinar a existência de uma subvenção, é necessário demonstrar que houve uma contribuição financeira da parte das autoridades ou de uma entidade pública no território de um país, ou que houve qualquer forma de proteção dos rendimentos ou de manutenção dos preços na aceção do artigo XVI do GATT de 1994, daí advindo um benefício para a empresa beneficiária». |
50 |
Ora, a expressão «no território de um país» utilizada neste considerando não implica que a contribuição financeira tenha de provir diretamente dos poderes públicos do país de origem ou de exportação. Pelo contrário, a utilização desta expressão não exclui, como observa a Comissão, a possibilidade de se concluir que as contribuições financeiras podem ser imputadas aos poderes públicos do país de origem ou de exportação do produto em causa. |
51 |
Assim, o regulamento antissubvenções de base não exclui que, mesmo que a contribuição financeira não provenha diretamente dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, lhes possa ser imputada. |
52 |
A conclusão anterior é ainda mais pertinente no contexto específico da Zona CECS, onde está sediada a recorrente. |
53 |
Em primeiro lugar, no considerando 78 do regulamento de execução impugnado, a Comissão teve em conta duas declarações de dois presidentes egípcios, relativas à Zona CECS. A primeira, de 2012, descrevia essa zona como um projeto‑chave para a cooperação bilateral entre o Egito e a China. A segunda, de 2014, estava relacionada com a iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota» e precisava, nomeadamente, que esta iniciativa constituía uma oportunidade importante para a recuperação do Egito e que as autoridades egípcias estavam dispostas a participar ativamente e a dar o seu apoio. As autoridades egípcias pretendiam cooperar com a China no desenvolvimento, nomeadamente, dos projetos do corredor do Canal de Suez e da Zona CECS e encorajar as empresas chinesas a investir no Egito. |
54 |
A este respeito, o considerando 79 do regulamento de execução impugnado indica que as características da iniciativa chinesa «Uma Cintura, Uma Rota» são do domínio público e que, segundo as Orientações do Conselho de Estado sobre a Promoção da Cooperação Internacional para a Capacidade de Produção e Fabrico de Equipamento, de 13 de maio de 2015, as medidas de que as empresas «que se decidam pelo estrangeiro» podem beneficiar compreendem, nomeadamente, políticas de tributação e fiscalidade, empréstimos em condições preferenciais, apoio financeiro através de empréstimos sindicados, créditos à exportação e financiamento de projetos, investimentos em capitais próprios e, por último, seguros de crédito à exportação. |
55 |
Em segundo lugar, no considerando 81 do regulamento de execução impugnado, a Comissão teve em conta o facto de a Zona CECS ter sido objeto do acordo de cooperação de 2016 entre os Governos chinês e egípcio. Ora, esse acordo prevê, nomeadamente, no seu artigo 1.o, a possibilidade de a China aplicar a sua legislação nessa Zona CECS. O artigo 4.o, n.o 1, do referido acordo prevê que «[o] Governo chinês considera a Zona [CECS] como a zona de cooperação económica e comercial da China no estrangeiro» e que «[a] zona de cooperação, durante a construção, a captação de operadores e a exploração, tem direito a beneficiar da facilitação e do apoio estratégicos concedidos pelo Governo da RPC às zonas de cooperação económica e comercial no estrangeiro». O artigo 5.o, n.o 1, deste acordo dispõe igualmente que o Governo chinês presta apoio à zona de cooperação «incentivando as instituições financeiras pertinentes a disponibilizar mecanismos de financiamento para […] projetos de investimento localizados na Zona de Cooperação, desde que sejam respeitadas as condições de concessão de crédito e os requisitos de utilização do empréstimo». |
56 |
Em terceiro lugar, o considerando 48 do regulamento de execução impugnado indica que, a fim de assegurar a aplicação do acordo de cooperação de 2016, os Governos chinês e egípcio estabeleceram igualmente um mecanismo de consulta a três níveis, nomeadamente um acordo de cooperação relativo ao estabelecimento do Comité de Administração da Zona CECS, um comité de gestão da zona e a comunicação de problemas e dificuldades pela Egypt TEDA e pelos seus homólogos egípcios. Resulta, além disso, do considerando 40 do mesmo regulamento que 80 % das ações da Egypt TEDA são detidas pela China e 20 % pelo Egito e visa impulsionar o desenvolvimento da Zona CECS no Egito. |
57 |
Por último, resulta do considerando 173 do regulamento de execução impugnado que o apoio financeiro concedido à recorrente foi particularmente significativo. |
58 |
Por conseguinte, os Governos chinês e egípcio criaram, em estreita colaboração, a Zona CECS como uma área com características legais e económicas que permitiam que as autoridades públicas chinesas concedessem diretamente todas as facilidades inerentes à iniciativa chinesa «Uma Cintura, Uma Rota» às empresas chinesas estabelecidas na referida zona. |
59 |
Nestas circunstâncias, não se pode aceitar que uma estrutura económica e jurídica de tal magnitude como a da Zona CECS, concebida em estreita cooperação entre os Governos chinês e egípcio ao mais alto nível, seja subtraída ao regulamento antissubvenções de base sem que isso prejudique o seu efeito útil ou a sua finalidade e os seus objetivos. |
60 |
Terceiro, contrariamente ao que afirma a recorrente, a interpretação feita pela Comissão do artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base não é contrária nem ao artigo 10.o, n.o 7, nem ao artigo 13.o, n.o 1, deste mesmo regulamento. Com efeito, no que respeita ao artigo 10.o, n.o 7, o regulamento antissubvenções de base não exclui de modo nenhum que os poderes públicos do país de origem ou de exportação possam ser consultados sobre as contribuições financeiras que lhes são imputáveis. No caso em apreço, os autos revelam, aliás, que a Comissão convidou o Governo egípcio a abrir consultas sobre questões como os empréstimos preferenciais concedidos por entidades chinesas. |
61 |
No que respeita ao artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento, que permite, nomeadamente, ao país de origem ou de exportação eliminar ou limitar a subvenção ou tomar outras medidas relativas aos seus efeitos, essa possibilidade permanece válida nos casos em que a contribuição financeira possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação. Com efeito, no caso vertente, o Governo egípcio podia pôr termo à cooperação estreita com o Governo chinês em matéria de contribuições financeiras ou propor medidas destinadas a limitar os efeitos das subvenções em causa. |
62 |
Atendendo às considerações precedentes, deve concluir‑se que nem o artigo 3.o, ponto 1), alínea a), do regulamento antissubvenções de base nem a economia geral deste regulamento impedem que uma contribuição financeira concedida pelos poderes públicos de um país terceiro possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação numa situação como a presente, perante os elementos de prova específicos disponíveis, tal como são expostos nos n.os 53 a 58, supra. |
63 |
Além disso, ao contrário do que a recorrente alega, esta conclusão é corroborada pelas disposições do artigo 1.o do Acordo SCM, à luz do qual o regulamento antissubvenções de base deve ser interpretado. A este respeito, cabe recordar que, no caso de a União pretender dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC ou no caso de o ato da União remeter expressamente para disposições precisas dos Acordos da OMC, incumbe ao juiz da União fiscalizar a legalidade do ato da União em causa à luz das regras da OMC (v., por analogia, Acórdão de 14 de julho de 2021, Interpipe Niko Tube e Interpipe Nizhnedneprovsky Tube Rolling Plant/Comissão, T‑716/19, EU:T:2021:457, n.o 95 e jurisprudência referida). |
64 |
Ora, resulta do considerando 3 do regulamento antissubvenções de base que este tem, nomeadamente, por objetivo «transpor» para o direito da União, «na medida do possível», as disposições do Acordo SMC. |
65 |
Por outro lado, já foi estabelecido pela jurisprudência que o artigo 3.o do regulamento antissubvenções de base, com a epígrafe «Definição de subvenção», e o artigo 1.o do Acordo SMC são em grande parte idênticos quanto à sua redação e totalmente idênticos quanto à sua substância (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 99). |
66 |
Além disso, não decorre dos considerandos do regulamento antissubvenções de base nenhuma intenção por parte do legislador de se afastar do conteúdo do artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC. Pelo contrário, como resulta do considerando 3 do referido regulamento, citado no n.o 64, supra, o legislador quis dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito do Acordo SMC, na aceção da jurisprudência citada no n.o 63, supra. |
67 |
Assim, contrariamente ao que sustenta a recorrente, as disposições do regulamento antissubvenções de base devem ser interpretadas, na medida do possível, à luz das disposições correspondentes do Acordo SCM (Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 101). O mesmo se diga em relação ao artigo 3.o desse regulamento, que visa dar execução ao conteúdo do artigo 1.o do Acordo SMC (Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 102). |
68 |
No que respeita ao artigo 1.o, n.o 1, alínea a, 1), do Acordo SMC, sublinhe‑se, em primeiro lugar, que este acordo define a subvenção como uma contribuição financeira do Estado ou de qualquer entidade pública no território de «um» membro da OMC. Esta formulação não exclui, portanto, a possibilidade de uma contribuição financeira concedida por um país terceiro ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação, desde que a contribuição financeira do Estado ou de qualquer entidade pública seja efetuada no território de «um» membro da OMC. |
69 |
Em segundo lugar, os artigos 13.o e 18.o do Acordo SCM, que têm por objeto, respetivamente, as consultas e os compromissos, não põem em causa as considerações acima referidas. Com efeito, a letra e o objeto destas disposições não excluem as situações em que a contribuição financeira é imputada a um membro da OMC, uma vez que, por um lado, os membros cujos produtos poderão ser objeto de um inquérito podem ser consultados relativamente às contribuições financeiras que lhes são imputáveis, e, por outro, os membros cujos produtos poderão ser objeto de um inquérito podem impor limitações às subvenções que lhes são imputáveis. |
70 |
Atendendo às considerações precedentes, importa salientar que, visto a Comissão ter interpretado corretamente o regulamento antissubvenções de base à luz do acordo SCM, a circunstância de ter tido ou não em conta o artigo 11.o da CDI é inoperante. Por conseguinte, há que julgar igualmente improcedente a terceira alegação da presente parte do primeiro fundamento e, consequentemente, esta parte na sua totalidade. [Omissis] [Omissis] [Omissis] [Omissis] [Omissis] |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção alargada) decide: |
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Kanninen Jaeger Półtorak Porchia Stancu Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de março de 2023. Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: inglês.
( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil.