ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)
24 de março de 2022 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum (PAC) — Financiamento pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) — Regulamento (UE) n.o 1305/2013 — Artigo 17.o, n.o 1, alínea b) — Apoio ao investimento que incida na transformação, comercialização e desenvolvimento dos produtos agrícolas abrangidos pelo anexo I do Tratado FUE — Conceito de “produtos agrícolas” — Conceitos de “plantas vivas” e de “produtos de floricultura” — Relva em rolos para a execução de telhados verdes»
No processo C‑726/20,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), por Decisão de 4 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de dezembro de 2020, no processo
CT,
Ferme de la Sarte SPRL
contra
Région wallonne,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),
composto por: N. Jääskinen, presidente de secção, M. Safjan e N. Piçarra (relator), juízes,
advogado‑geral: A. M. Collins,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
considerando as observações apresentadas:
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em representação de CT e da Ferme de la Sarte SPRL, por A. Grégoire, avocat, |
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em representação do Governo belga, por C. Pochet, Van Regemorter e P. Cottin, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente, |
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em representação da Comissão Europeia, por A. Dawes e M. Kaduczak, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o do Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 487; retificação no JO 2016, L 130, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2017/2393 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 350, p. 15) (a seguir «Regulamento n.o 1305/2013»). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CT e a Ferme de la Sarte SPRL à Région wallonne (Bélgica) a respeito do indeferimento, por esta última, de um pedido de apoio à instalação e de dois pedidos de apoio ao investimento apresentados pela Ferme de la Sarte. |
Quadro jurídico
Regulamento n.o 1305/2013
3 |
O artigo 4.o do Regulamento n.o 1305/2013, sob a epígrafe «Objetivos», dispõe: «No quadro global da PAC [política agrícola comum], o apoio ao desenvolvimento rural, incluindo às atividades nos setores alimentar e não alimentar e na silvicultura, contribui para atingir os seguintes objetivos: […]
[…]» |
4 |
Sob a epígrafe «Investimentos em ativos físicos», o artigo 17.o deste regulamento, que faz parte do capítulo I do título III, respeitante às medidas de apoio ao desenvolvimento rural, dispõe, no n.o 1: «O apoio concedido a título desta medida abrange os investimentos corpóreos e/ou incorpóreos que: […]
[…]» |
NC
5 |
O capítulo 6 do anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1; a seguir «NC»), na versão resultante do Regulamento de Execução (UE) 2017/1925 da Comissão, de 12 de outubro de 2017 (JO 2017, L 282, p. 1), aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, tem o título «Plantas vivas e produtos de floricultura» e inclui uma nota 1 com a seguinte redação: «Sob reserva da segunda parte do texto da posição 0601, o presente capítulo compreende apenas os produtos fornecidos habitualmente pelos horticultores, viveiristas ou floristas, para plantio ou ornamentação. […]» |
6 |
A posição 0602 deste capítulo 6 abrange «Outras plantas vivas (incluindo as suas raízes), estacas e enxertos; micélios de cogumelos». |
7 |
A subposição 06029050 refere‑se às «Outras plantas de ar livre». Segundo as Notas Explicativas da NC (JO 2015, C 76, p. 1), adotadas nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2658/87, «[e]sta subposição compreende também rolos e placas de relva para relvados». |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
8 |
Com o objetivo de integrar a exploração agrícola familiar, CT adquiriu 25,20 % das participações sociais da Ferme de la Sarte, antes de ser nomeado gerente da referida sociedade. Em 23 de fevereiro de 2018, celebrou um acordo de retoma da exploração com o seu pai a fim de desenvolver a produção de relva em rolos para a execução de telhados verdes. |
9 |
Em 21 de março de 2018, a Ferme de la Sarte apresentou à Région wallonne um pedido de apoio à instalação para a retoma de uma exploração existente e dois pedidos de apoio ao investimento relativos, respetivamente, à construção de um armazém para guardar temporariamente a colheita de relva em rolos e à aquisição de um corta‑relva cilíndrico. |
10 |
Tendo estes três pedidos sido indeferidos por Decisões de 20 e 28 de junho de 2018, CT e a Ferme de la Sarte interpuseram, em 31 de julho de 2018, recurso dessas decisões para o Organismo Pagador da Valónia. |
11 |
Por Decisões de 26 e 30 de novembro de 2018 (a seguir «decisões controvertidas»), o diretor do referido organismo indeferiu o recurso, considerando que os apoios pedidos não se destinavam a retomar uma exploração agrícola, mas a desenvolver na referida exploração uma atividade secundária, concretamente a produção de relva ou de telhados verdes, que não se enquadra no domínio agrícola. |
12 |
Quanto, em especial, aos dois pedidos de apoio ao investimento, uma vez que, segundo os esclarecimentos prestados pela Ferme de la Sarte, respeitavam unicamente à produção de relva, não se pode considerar que estivessem relacionados com uma atividade agrícola, tendo em conta, nomeadamente, que esse produto não é mencionado no anexo I do Tratado FUE. Por conseguinte, os pedidos em causa não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 17.o do Regulamento n.o 1305/2013, conforme aplicado pela Région wallonne. |
13 |
Em 25 de janeiro de 2019, CT e a Ferme de la Sarte interpuseram no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) um recurso de anulação das decisões controvertidas, alegando que a relva constitui um produto agrícola abrangido pelo anexo I do Tratado FUE. Consideram que as referidas decisões interpretam restritivamente o artigo 38.o TFUE, ao limitar ao setor alimentar o conceito de «produtos agrícolas» que figura na referida disposição, quando as «[p]lantas vivas e produtos da floricultura» mencionadas no capítulo 6 do referido anexo, para o qual remete o artigo 38.o TFUE, não fazem parte do referido setor. Ora, a relva é uma planta viva que necessita de trabalhos hortícolas e pode ser destinada à ornamentação. |
14 |
A Région wallonne precisa que, segundo as informações que figuram no sítio Internet oficial da Comissão Europeia, o capítulo 6 do anexo I do Tratado FUE engloba apenas «árvores, arbustos e silvados vivos, bem como outros produtos habitualmente fornecidos por horticultores, viveiristas ou floristas para plantação ou ornamentação», excluindo, portanto, a relva. |
15 |
O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o fundamento determinante das decisões controvertidas assenta numa interpretação segundo a qual o artigo 17.o do Regulamento n.o 1305/2013 exclui do seu âmbito de aplicação a produção de relva ou de telhados verdes. Ora, uma vez que os pedidos de apoio em causa estão abrangidos pela PAC, importa, segundo o mesmo órgão jurisdicional, evitar desenvolver uma jurisprudência relativa ao conceito de «produtos agrícolas» que possa não ser conforme com o direito da União. |
16 |
Nestas circunstâncias, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Deve o artigo 17.o [do Regulamento n.o 1305/2013] ser interpretado no sentido de que exclui do seu âmbito de aplicação a produção de relva ou de telhados verdes?» |
Quanto à questão prejudicial
17 |
Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1305/2013 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «produtos agrícolas abrangidos pelo anexo I do Tratado [FUE]», que figura neste artigo, compreende as plantas utilizadas para a execução de telhados verdes, como a relva em rolos, pelo que os investimentos materiais respeitantes às mesmas são suscetíveis beneficiar de um apoio a título da medida de apoio ao desenvolvimento rural prevista na referida disposição. |
18 |
Resulta do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1305/2013, que o apoio a título da medida «Investimentos em ativos físicos» abrange os investimentos corpóreos e/ou incorpóreos que «[i]ncidam na transformação, comercialização e desenvolvimento dos produtos agrícolas abrangidos pelo anexo I do [Tratado FUE] ou do algodão, com exceção dos produtos da pesca». |
19 |
O artigo 38.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE define, em termos gerais, o conceito de «produtos agrícolas» como abrangendo os produtos do solo, da pecuária e da pesca, bem como os produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos. Os produtos agrícolas, na aceção desta disposição, são enumerados na lista que é objeto do anexo I do Tratado FUE, para o qual remete o artigo 38.o, n.o 3, TFUE. |
20 |
O anexo I do Tratado FUE contém um capítulo 6, intitulado «Plantas vivas e produtos de floricultura». Uma vez que este capítulo, que abrange os mesmos produtos que o capítulo 6 da NC, não contém explicações sobre tais conceitos, temos de nos reportar, para a respetiva interpretação, às interpretações adquiridas e aos métodos de interpretação consagrados no que respeita à NC (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho,C‑164/97 e C‑165/97, EU:C:1999:99, n.o 18 e jurisprudência referida). |
21 |
A NC contém, no seu capítulo 6, intitulado «Plantas vivas e produtos de floricultura», uma posição 0602, denominada «Outras plantas vivas (incluindo as suas raízes), estacas e enxertos; micélios de cogumelos», com uma subposição 06029050, denominada «Outras plantas de ar livre». Em conformidade com a nota 1 relativa a este capítulo, esta posição e esta subposição compreendem os produtos fornecidos habitualmente pelos horticultores, viveiristas ou floristas, para plantio ou ornamentação. |
22 |
Segundo as notas explicativas da NC relativas à subposição pautal 06029050, esta compreende, entre outros, rolos e placas de relva para relvados. Apesar de não terem força vinculativa, estas notas explicativas constituem, no entanto, um instrumento importante para assegurar uma aplicação uniforme da NC e fornecem elementos válidos para a sua interpretação (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2021, Samohýl group,C‑941/19, EU:C:2021:192, n.o 30 e jurisprudência referida). |
23 |
Daqui decorre que a relva em rolos é suscetível de estar abrangida pelo capítulo 6 do anexo I do Tratado FUE e, portanto, pelo conceito de «produtos agrícolas», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1305/2013. |
24 |
Esta constatação é corroborada pelos objetivos do Regulamento n.o 1305/2013. Com efeito, na medida em que a produção de relva para instalação em telhados de edifícios contribui para o objetivo previsto no artigo 4.o, alínea b), do referido regulamento, que consiste em assegurar a gestão sustentável dos recursos naturais e ações no domínio do clima, uma interpretação do conceito de «produtos agrícolas» no sentido de que abrange a relva em rolos e de que, consequentemente, os investimentos a ela respeitantes são suscetíveis de beneficiar de um apoio a título do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento é conforme com esse objetivo. |
25 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1305/2013 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «produtos agrícolas abrangidos pelo anexo I do Tratado [FUE]», que figura neste artigo, compreende as plantas utilizadas para a execução de telhados verdes, como a relva em rolos, pelo que os investimentos materiais respeitantes às mesmas são suscetíveis de beneficiar de um apoio a título da medida de apoio ao desenvolvimento rural prevista na referida disposição. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara: |
O artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «produtos agrícolas abrangidos pelo anexo I do Tratado [FUE]», que figura neste artigo, compreende as plantas utilizadas para a execução de telhados verdes, como a relva em rolos, pelo que os investimentos materiais respeitantes às mesmas são suscetíveis de beneficiar de um apoio a título da medida de apoio ao desenvolvimento rural prevista na referida disposição. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: francês.