ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

29 de setembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços — Mercado único de seguros — Diretiva 2002/92/CE — Conceito de “mediador de seguros” — Atividade de “mediação de seguros” — Diretiva (UE) 2016/97 — Atividade de “distribuição de seguros” — Âmbito de aplicação destas diretivas — Adesão a um seguro de grupo — Cessão dos direitos decorrentes do contrato de seguro — Prestações de seguro em caso de doença ou acidente no estrangeiro — Remuneração paga pelo aderente em contrapartida da cobertura do seguro adquirida — Proteção dos consumidores — Igualdade de tratamento dos mediadores de seguros»

No processo C‑633/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), por Decisão de 15 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de novembro de 2020, no processo

Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband eV

contra

TC Medical Air Ambulance Agency GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de janeiro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband eV, por J. Kummer e P. Wassermann, Rechtsanwälte,

em representação da TC Medical Air Ambulance Agency GmbH, por B. Ackermann, Rechtsanwältin,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e P.‑L. Krüger, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por J. Očková, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Subrani, avvocatessa dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por D. Triantafyllou e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de dezembro de 2002, relativa à mediação de seguros (JO 2003, L 9, p. 3), conforme alterada pela Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (JO 2014, L 173, p. 349) (a seguir «Diretiva 2002/92»), e do artigo 2.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 8, da Diretiva (UE) 2016/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de janeiro de 2016, sobre a distribuição de seguros (JO 2016, L 26, p. 19), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/411 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2018 (JO 2018, L 76, p. 28) (a seguir «Diretiva 2016/97»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband eV (Federação das Associações de Consumidores, Alemanha) à TC Medical Air Ambulance Agency GmbH a respeito da atividade alegada de mediação de seguros exercida por esta última sem licença.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2002/92

3

Os considerandos 8, 9 e 11 da Diretiva 2002/92 enunciam:

«(8)

A coordenação das disposições nacionais relativas aos requisitos profissionais e ao registo de pessoas que iniciam a atividade de mediação de seguros ou exercem essa atividade pode assim contribuir para a realização do mercado único dos serviços financeiros e para o reforço da proteção dos consumidores neste domínio.

(9)

Vários tipos de pessoas e de instituições, tais como agentes, corretores e operadores de banca‑seguros, podem distribuir produtos de seguros. A igualdade de tratamento dos operadores e a proteção dos consumidores requerem que todas estas pessoas e instituições sejam abrangidas pela presente diretiva.

[…]

(11)

A presente diretiva é aplicável às pessoas cuja atividade consiste em prestar serviços de mediação de seguros a terceiros a troco de remuneração, que pode ser pecuniária ou revestir a forma de qualquer outra vantagem económica acordada e ligada à prestação fornecida por esses intermediários.»

4

O artigo 1.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», previa, no seu n.o 1:

«A presente diretiva estabelece normas relativas ao acesso à atividade de mediação de seguros ou de resseguros e ao seu exercício por pessoas singulares ou coletivas estabelecidas num Estado‑Membro ou que nele pretendam estabelecer‑se.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispunha:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

3)

“Mediação de seguros”, as atividades que consistem em apresentar, propor ou praticar outro ato preparatório da celebração de um contrato de seguro, ou em celebrar esses contratos, de apoiar a gestão e execução desses contratos, em especial em caso de sinistro.

Com exceção do capítulo III, secção A, da presente diretiva, estas atividades, quando exercidas por uma empresa de seguros ou por um empregado de uma empresa de seguros que atue sob a responsabilidade dessa empresa, não são consideradas como mediação ou distribuição de seguros.

[…]

[…]

5)

“Mediador de seguros”, qualquer pessoa singular ou coletiva que inicie ou exerça, mediante remuneração, a atividade de mediação de seguros;

[…]»

6

O artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da mesma diretiva previa:

«Os mediadores de seguros e de resseguros são registados no seu Estado‑Membro de origem, numa autoridade competente na aceção do n.o 2 do artigo 7.o»

Diretiva 2016/97

7

Os considerandos 5 a 7, 10 e 16 da Diretiva 2016/97 enunciam:

«(5)

Vários tipos de pessoas e de instituições […] podem distribuir produtos de seguros. A igualdade de tratamento dos operadores e a proteção dos consumidores requerem que todas estas pessoas e instituições sejam abrangidas pela presente diretiva.

(6)

Os consumidores deverão beneficiar do mesmo nível de proteção, apesar das diferenças entre os canais de distribuição. A fim de garantir que seja aplicado o mesmo nível de proteção e que os consumidores possam beneficiar de normas comparáveis, nomeadamente no domínio da divulgação de informações, é essencial promover a igualdade de condições entre os distribuidores.

(7)

A aplicação da Diretiva [2002/92] veio demonstrar que diversas disposições terão de ser [mais bem] esclarecidas com vista a facilitar o exercício de distribuição de seguros e que a proteção dos consumidores exige o alargamento do âmbito de aplicação da referida diretiva a todas as vendas de produtos de seguros. […]

[…]

(10)

[…] É conveniente […] reforçar a confiança dos clientes e tornar mais uniforme o tratamento regulatório da distribuição dos produtos de seguros, de modo a garantir um nível adequado de proteção dos clientes em toda a União [Europeia]. O nível de proteção dos consumidores deve ser reforçado em relação à Diretiva [2002/92], para reduzir a necessidade de aplicar medidas nacionais distintas. […]

[…]

(16)

A presente diretiva deverá garantir a aplicação do mesmo nível de proteção dos consumidores e a possibilidade de todos os consumidores beneficiarem de normas comparáveis. A presente diretiva deverá promover a igualdade de condições e a concorrência entre os mediadores, quer estejam ligados a uma empresa de seguros quer não. É vantajoso para os consumidores que os produtos de seguros sejam distribuídos através de diferentes canais e de mediadores com diferentes formas de cooperação com empresas de seguros, desde que apliquem regras semelhantes em matéria de proteção dos consumidores. Os Estados‑Membros deverão ter em consideração este aspeto na aplicação da presente diretiva.»

8

O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece normas relativas ao acesso à atividade de distribuição de seguros ou de resseguros e ao seu exercício na União.»

9

O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Distribuição de seguros”, as atividades que consistem em prestar aconselhamento, propor ou praticar outros atos preparatórios da celebração de contratos de seguro, em celebrar esses contratos ou em apoiar a gestão e a execução desses contratos, em especial em caso de sinistro, incluindo a prestação de informações sobre um ou mais contratos de seguro, de acordo com os critérios selecionados pelos clientes através de um sítio na Internet ou de outros meios e a compilação de uma lista de classificação de produtos de seguros, incluindo a comparação de preços e de produtos ou um desconto sobre o preço de um contrato de seguro, quando o cliente puder celebrar direta ou indiretamente um contrato de seguro recorrendo a um sítio na Internet ou a outros meios;

[…]

3)

“Mediador de seguros”, uma pessoa singular ou coletiva, com exceção de empresas de seguros ou resseguros e dos seus empregados e de mediadores de seguros a título acessório, que inicie ou exerça, mediante remuneração, a atividade de distribuição de seguros;

[…]

8)

“Distribuidor de seguros”, um mediador de seguros, um mediador de seguros a título acessório ou uma empresa de seguros;

9)

«Remuneração», uma comissão, honorários, encargos ou outro pagamento, incluindo um benefício económico de qualquer espécie, ou qualquer outra vantagem ou incentivo financeiros ou não financeiros, oferecidos ou concedidos em contrapartida de atividades de distribuição de seguros ou de resseguros;

[…]»

10

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Os mediadores de seguros, de resseguros e de seguros a título acessório são registados no seu Estado‑Membro de origem, numa autoridade competente.

[…]»

11

O artigo 44.o da Diretiva 2016/97 tem a seguinte redação:

«A Diretiva [2002/92], com as alterações introduzidas pelas diretivas enumeradas no anexo II, parte A, é revogada com efeitos a partir de 1 de outubro de 2018, sem prejuízo das obrigações dos Estados‑Membros relativas aos prazos de transposição para o direito nacional das diretivas indicadas no anexo II, parte B, da presente diretiva.

As remissões para a diretiva revogada entendem‑se como sendo feitas para a presente diretiva e devem ler‑se nos termos da tabela de correspondência que consta do anexo III.»

Direito alemão

12

O § 34d, n.o 1, da Gewerbeordnung (Lei da Regulamentação das Atividades Profissionais, a seguir «GewO»), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, dispunha que quem pretendesse servir de intermediário a título profissional, na qualidade de corretor de seguros ou de agente de seguros, com vista à celebração de contratos de seguro (mediador de seguros), deve obter a licença da Câmara de Comércio e Indústria competente, que devia indicar se era concedida a um corretor ou a um agente de seguros.

13

Segundo o § 34d, n.o 1, primeiro período, da GewO, na sua versão aplicável a partir de 23 de fevereiro de 2018, «quem pretender servir de intermediário a título profissional com vista à celebração de contratos de seguro ou de resseguro (mediador de seguros) deve obter a licença da Câmara de Comércio e Indústria competente».

14

O § 34d, n.o 1, segundo período, pontos 1 e 2, da GewO, na sua versão aplicável a partir de 23 de fevereiro de 2018, precisa que um mediador de seguros é «qualquer pessoa que, na qualidade de agente de seguros de uma ou mais companhias de seguros ou de um agente de seguros, esteja encarregada de servir de mediador ou de celebrar contratos de seguros ou que, na qualidade de corretor de seguros, assegure a mediação ou a celebração de contratos de seguro por conta do comitente sem ser encarregada de o fazer por uma empresa de seguros ou por um agente de seguros».

15

Por força deste § 34d, nas suas versões aplicáveis tanto antes como a partir de 23 de fevereiro de 2018, a pessoa que obteve uma licença em conformidade com o § 34d, n.o 1, da GewO deve ser inscrita no registo dos intermediários.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

16

A demandada no processo principal confia a empresas de publicidade a tarefa de propor aos consumidores, através de visitas porta a porta, a adesão, mediante pagamento, a um regime de seguro coletivo.

17

Para este efeito, subscreveu, junto da W. Versicherungs‑AG, um contrato de seguro de grupo que incluía uma cobertura contra os riscos de doença e de acidente aquando das viagens ao estrangeiro e uma cobertura das despesas de repatriamento no estrangeiro e no território nacional.

18

A demandada no processo principal, sendo pacífico que age como tomador do seguro, paga os prémios devidos à companhia de seguros.

19

Por outro lado, está contratualmente vinculada à F. r. AG, uma sociedade que, com a ajuda do seu pessoal médico e de um avião, fornece, mediante remuneração, prestações que consistem, por um lado, na organização e execução do repatriamento em caso de doença ou acidente ocorrido no estrangeiro e, por outro, na organização de uma central de emergência.

20

Os clientes da demandada no processo principal que aderem ao seguro de grupo subscrito por ela remuneram‑na e obtêm, em contrapartida, o direito a diversas prestações em caso de doença ou acidente no estrangeiro, que incluem o reembolso das despesas relativas aos cuidados médicos e aos transportes em ambulância, a organização e a realização dos transportes correspondentes, bem como a gestão de uma central de emergência.

21

As prestações de seguro garantidas aos clientes da demandada no processo principal são fornecidas, nomeadamente, através de créditos que esta cede a esses clientes.

22

Como resulta da decisão de reenvio, a atividade da demandada no processo principal não se destina à celebração de um contrato de seguro, mas visa permitir aos consumidores aderir ao seguro de grupo que a demandada subscreveu e dar‑lhes a possibilidade de beneficiarem das prestações cobertas por esse seguro.

23

Nem a demandada no processo principal nem as empresas de publicidade a que a primeira recorre dispõem da licença prevista no direito nacional para o exercício da atividade de mediação de seguros.

24

Considerando que a atividade da demandada no processo principal corresponde à de um mediador de seguros e deve, a esse título, ser objeto dessa licença, a demandante no processo principal intentou no Landgericht Koblenz (Tribunal Regional de Coblença, Alemanha) uma ação destinada a fazer cessar essa atividade.

25

Este tribunal julgou esta ação procedente.

26

A demandada no processo principal interpôs recurso da decisão do Landgericht Koblenz (Tribunal Regional de Coblença) para o Oberlandesgericht Koblenz (Tribunal Regional Superior de Coblença, Alemanha), o qual revogou a referida decisão, considerando que não podia ser qualificada de «mediador de seguros» na aceção do § 34d, n.o 1, da GewO, nas versões aplicáveis aos factos no processo principal.

27

Chamado a conhecer de um recurso de «Revision», o órgão jurisdicional de reenvio, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), considera que a resolução do litígio no processo principal depende da questão de saber se a demandada no processo principal deve ser qualificada de «mediador de seguros» na aceção das Diretivas 2002/92 e 2016/97.

28

Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma empresa que, na qualidade de tomador de seguros, mantém junto de uma empresa de seguros, à disposição dos seus clientes, um seguro de grupo, o qual contém um seguro de doença em viagem e um seguro de transporte de regresso ao domicílio em caso de doença, tanto a partir do estrangeiro como do território nacional, que promove junto dos consumidores a adesão ao referido seguro de grupo, o qual confere o direito de beneficiar das prestações de seguro em caso de doença ou acidente no estrangeiro, e que é remunerada, pelos membros do seguro de grupo, pelo facto de ter contratado a cobertura de seguro em causa, é um mediador de seguros, na aceção do artigo 2.o, n.os 3 e 5, da Diretiva 2002/92[…] e do artigo 2.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 8, da Diretiva […] 2016/97?»

Quanto à questão prejudicial

29

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2002/92 e o artigo 2.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 8, da Diretiva 2016/97 devem ser interpretados no sentido de que está abrangida pelo conceito de «mediador de seguros» e, consequentemente, de «distribuidor de seguros», na aceção destas disposições, uma pessoa coletiva cuja atividade consiste em propor aos seus clientes a adesão numa base voluntária, em contrapartida de uma remuneração que recebe dos mesmos, a um seguro de grupo que a pessoa coletiva subscreveu previamente junto de uma companhia de seguros, uma vez que esta adesão confere a estes clientes o direito a prestações de seguro em caso, nomeadamente, de doença ou de acidente no estrangeiro.

30

A título preliminar, importa recordar, como resulta do artigo 44.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2016/97, que a Diretiva 2002/92 foi revogada com efeitos a partir de 1 de outubro de 2018. No entanto, resulta da decisão de reenvio que, para se pronunciar sobre o pedido de cessação da atividade da demandada no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio deve examinar essa atividade à luz tanto das disposições do direito da União em vigor à data dos factos no processo principal como das que estão em vigor no momento em que esse órgão jurisdicional decidirá sobre esse pedido. Daqui resulta que há que responder à questão submetida à luz destas duas diretivas.

31

Como resulta do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/92 e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/97, estas diretivas estabelecem normas relativas ao acesso, respetivamente, à atividade de mediação de seguros e de resseguros e à atividade de distribuição de seguros ou de resseguros e ao seu exercício na União.

32

A atividade de «mediação de seguros» é definida no artigo 2.o, ponto 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2002/92 como as atividades que consistem em apresentar, propor ou praticar outro ato preparatório da celebração de um contrato de seguro, ou em celebrar esses contratos, de apoiar a gestão e execução desses contratos, em especial em caso de sinistro.

33

Por outro lado, o artigo 2.o, ponto 5, desta diretiva define o mediador de seguros como qualquer pessoa singular ou coletiva que inicie ou exerça, mediante remuneração, a atividade de mediação de seguros.

34

Nos termos do considerando 11 da referida diretiva, esta remuneração pode ser pecuniária ou revestir a forma de qualquer outra vantagem económica acordada e ligada à prestação fornecida.

35

A Diretiva 2016/97 define, por sua vez, o conceito de «distribuição de seguros», no seu artigo 2.o, n.o 1, ponto 1, como as atividades que consistem em prestar aconselhamento, propor ou praticar outros atos preparatórios da celebração de contratos de seguro, em celebrar esses contratos ou em apoiar a gestão e a execução desses contratos, em especial em caso de sinistro.

36

O conceito de «mediador de seguros» é definido, no artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, desta diretiva, como referindo-se a uma pessoa singular ou coletiva, com exceção de empresas de seguros ou resseguros e dos seus empregados e de mediadores de seguros a título acessório, que inicie ou exerça, mediante remuneração, a atividade de distribuição de seguros.

37

O «distribuidor de seguros» é, por seu turno, definido, no artigo 2.o, n.o 1, ponto 8, da referida diretiva, como «um mediador de seguros, um mediador de seguros a título acessório ou uma empresa de seguros».

38

Quanto ao conceito de «remuneração», este é definido no artigo 2.o, n.o 1, ponto 9, da Diretiva 2016/97, como referindo‑se a uma comissão, honorários, encargos ou outro pagamento, incluindo um benefício económico de qualquer espécie, ou qualquer outra vantagem ou incentivo financeiros ou não financeiros, oferecidos ou concedidos em contrapartida de atividades de distribuição de seguros ou de resseguros.

39

A fim de determinar se uma pessoa coletiva como a demandada no processo principal está abrangida pelo conceito de «mediador de seguros» e, portanto, pelo de «distribuidor de seguros» na aceção do artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2002/92 e do artigo 2.o, n.o 1, pontos 3 e 8, da Diretiva 2016/97, na medida em que exerce as atividades enumeradas no artigo 2.o, ponto 3, primeiro parágrafo, da primeira diretiva e no artigo 2.o, n.o 1, ponto 1, da segunda diretiva, há que ter em conta não só os termos destas disposições mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag e o., C‑542/16, EU:C:2018:369, n.o 39).

40

No que respeita, antes de mais, à redação do artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2002/92 e à do artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2016/97, há que salientar, por um lado, que o mediador de seguros é definido como uma pessoa que, «mediante remuneração», inicie ou exerça a atividade de mediação de seguros, ou de distribuição de seguros e, por outro, que o conceito de «mediador de seguros» é definido por referência às atividades, respetivamente, de mediação de seguros e de distribuição de seguros, como especificadas no artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92 e no artigo 2.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva 2016/97.

41

Numa situação como a que está em causa no processo principal, a condição relativa à existência de uma remuneração deve considerar‑se preenchida uma vez que cada adesão de um cliente da pessoa coletiva que subscreveu o contrato de seguro de grupo com a companhia de seguros e que paga, a esse título, os prémios de seguro a esta última, dá lugar a um pagamento a favor dessa pessoa coletiva. No caso em apreço, a demandada no processo principal contribui assim, como contrapartida desta remuneração, para a obtenção por terceiros, a saber, os seus clientes, das coberturas de seguro previstas no contrato que celebrou com uma companhia de seguros. A perspetiva desta remuneração representa, para uma pessoa coletiva como a demandada no processo principal, um interesse económico próprio, distinto do interesse dos aderentes na obtenção das coberturas de seguro resultantes do contrato em causa, que é suscetível de a encorajar, tendo em conta o caráter facultativo da adesão ao referido contrato, a suscitar um grande número de adesões a este, o que, aliás, atesta no caso em apreço o recurso pela demandada no processo principal a empresas de publicidade que propõem essa adesão através de uma visita porta a porta.

42

Tendo em conta a conceção ampla do conceito de «remuneração» que decorre tanto do considerando 11 da Diretiva 2002/92 como do artigo 2.o, n.o 1, ponto 9, da Diretiva 2016/97, é irrelevante que o pagamento, em cada adesão ao contrato de seguro de grupo, a favor da pessoa coletiva que celebrou esse contrato com a companhia de seguros, seja efetuado pelos aderentes como contrapartida dos direitos às prestações de seguro que lhes são cedidos por essa pessoa, e não pelo segurador sob a forma, por exemplo, de uma comissão. De resto, tal circunstância não põe em causa o próprio interesse económico da referida pessoa numa adesão o mais ampla possível dos seus clientes ao referido contrato para que esses diferentes pagamentos financiem, ou mesmo excedam, o montante dos prémios que ela própria paga à seguradora no âmbito do mesmo contrato.

43

Quanto às atividades para as quais remetem as definições do conceito de «mediador de seguros», previstas no artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2002/92 e no artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2016/97, o Tribunal de Justiça já declarou que resulta do facto de as atividades enumeradas nessas disposições serem apresentadas como alternativas que cada uma constitui, por si só, uma atividade de mediação de seguros. Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou que estas atividades estão formuladas em termos gerais e que, em especial, consistem não só na apresentação e proposta mas também na prática de outros atos preparatórios da celebração de contratos de seguro, sem que a natureza dos atos preparatórios referidos seja limitada de qualquer modo (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag e o., C‑542/16, EU:C:2018:369, n.os 37 e 53).

44

Embora a redação do artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2002/92 e a do artigo 2.o, n.o 1, pontos 1 e 3, da Diretiva 2016/97 não mencionem expressamente uma atividade como a visada pela questão submetida, as definições que estas disposições contêm devem ser lidas como englobando tal atividade.

45

É indiferente, a este respeito, como salientaram, nomeadamente, o Governo alemão e a Comissão Europeia, que a pessoa coletiva que leva a cabo uma atividade como a que está em causa no processo principal não vise a celebração de contratos de seguro através dos quais os tomadores de seguros pretendem obter a cobertura de riscos por um segurador mediante o pagamento de prémios, mas a adesão voluntária dos seus próprios clientes, como contrapartida de uma remuneração, a um contrato de seguro de grupo que celebrou previamente com um segurador para efeitos de fornecimento dessa cobertura a esses clientes. Tal atividade é, com efeito, comparável à atividade remunerada de um mediador de seguros ou de um distribuidor de seguros que se destina à celebração, por tomadores de seguros, de contratos de seguro com um segurador que tem por objeto a cobertura de determinados riscos como contrapartida do pagamento de um prémio de seguro.

46

Do mesmo modo, não é determinante a circunstância de a pessoa coletiva que exerce uma atividade como a que está em causa no processo principal ser ela própria parte, na qualidade de tomador do seguro, do contrato de seguro de grupo a que pretende incentivar os seus clientes a aderir. Com efeito, do mesmo modo que a qualidade de distribuidor de seguros não é, ao abrigo do artigo 2.o, n.o 1, ponto 8, da Diretiva 2016/97, incompatível com a de segurador, a qualidade de mediador de seguros e, logo, de distribuidor de seguros não é incompatível com a de tomador do seguro [v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, A e o. (Contratos de seguro unit‑linked), C‑143/20 e C‑213/20, EU:C:2022:118, n.os 87 e 88].

47

No que respeita, em seguida, ao contexto em que se inscrevem as disposições sujeitas a interpretação, decorre do considerando 9 da Diretiva 2002/92 e do considerando 5 da Diretiva 2016/97 que os produtos de seguros podem ser distribuídos por vários tipos de pessoas e de instituições e que é necessário, para garantir a igualdade de tratamento dos operadores e a proteção dos consumidores, que todas essas pessoas e instituições sejam abrangidas por essas diretivas.

48

Por outro lado, como está refletido no seu considerando 7, a Diretiva 2016/97, tendo em conta as imprecisões que viciavam diversas disposições da Diretiva 2002/92, alargou o âmbito de aplicação desta última diretiva a todas as vendas de produtos de seguros.

49

Como enunciado nos considerandos 6 e 16 da Diretiva 2016/97, os consumidores deverão beneficiar do mesmo nível de proteção, apesar das diferenças entre os canais de distribuição. Como está igualmente refletido no considerando 16 desta diretiva, é vantajoso para os consumidores que os produtos de seguros sejam distribuídos através de diferentes canais e de mediadores com diferentes formas de cooperação com empresas de seguros, desde que apliquem regras semelhantes em matéria de proteção dos consumidores, e isto por razões atinentes igualmente à necessidade de instituir a igualdade de condições e a concorrência entre todos os mediadores de seguros e distribuidores de seguros.

50

Tendo em conta este contexto, e tendo em conta o que foi salientado nos n.os 41, 42, 45 e 46 do presente acórdão, os conceitos contidos no artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2002/92 e no artigo 2.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 8, da Diretiva 2016/97 devem ser interpretados no sentido de que englobam uma pessoa coletiva que se dedica a uma atividade como a que está em causa no processo principal.

51

Por último, tal interpretação está em conformidade com os objetivos prosseguidos por essas diretivas.

52

A este respeito, como se reflete, em substância, nos considerandos 8 e 9 da Diretiva 2002/92, esta tem por finalidade, nomeadamente, assegurar a igualdade de tratamento de todas as categorias de mediadores de seguros e reforçar a proteção dos consumidores no domínio dos seguros (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2013, EEAE e o., C‑555/11, EU:C:2013:668, n.os 27 e 29). Estas finalidades são prosseguidas, de maneira reforçada, pela Diretiva 2016/97, como decorre, nomeadamente, dos seus considerandos 5, 7, 10 e 16.

53

Ora, incluir no âmbito de aplicação destas diretivas pessoas que operam no mercado dos seguros com base num modelo económico como o visado pela questão submetida é suscetível de favorecer a realização dessas duas finalidades.

54

Com efeito, por um lado, a inclusão, nesse âmbito de aplicação, dessas pessoas, cuja atividade se assemelha, como resulta dos n.os 41, 42 e 45 do presente acórdão, a uma atividade de mediação de seguros ou de distribuição de seguros na aceção das referidas diretivas evita que se prejudique o objetivo que consiste em assegurar a igualdade de tratamento de todas as categorias de mediadores e de distribuidores de produtos de seguros, conforme enunciado nos considerandos das mesmas diretivas mencionadas no n.o 52 do presente acórdão.

55

Assim, na medida em que as atividades mencionadas no número anterior são de natureza comparável, as obrigações de licença e de registo previstas pela Diretiva 2002/92 e pela Diretiva 2016/97, que visam, nomeadamente, garantir que os mediadores de seguros disponham da fiabilidade e da competência técnica necessárias em matéria de mediação e de aconselhamento em matéria de seguros, devem aplicar‑se do mesmo modo aos agentes económicos que exercem essas atividades.

56

Por outro lado, incluir, no âmbito de aplicação das Diretivas 2002/92 e 2016/97, as pessoas coletivas cuja atividade corresponde à referida na questão submetida, impondo‑lhes assim o respeito das regras previstas por essas diretivas, contribui para o objetivo de reforço da proteção dos consumidores no domínio dos seguros.

57

Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 83 e 84 das suas conclusões, a fim de assegurar que a atividade do mediador de seguros garante um nível adequado de proteção dos consumidores, esse mediador é obrigado, em conformidade com as referidas diretivas, a respeitar, nomeadamente, um conjunto de exigências de natureza profissional, financeira e organizacional, regras de conduta como as que visam prevenir o risco de um conflito de interesses decorrente de eventuais ligações entre o referido mediador e uma determinada seguradora, bem como obrigações de informação e de aconselhamento em relação a esses consumidores.

58

Ora, como sublinhou a demandante no processo principal, esta necessidade de proteção dos consumidores é tão importante em relação a uma pessoa coletiva que incentiva estes últimos, através de um modelo económico como o que está em causa no processo principal, a aderir a um contrato de seguro de grupo que subscreveu com um segurador, como em relação a um mediador de seguros ou a um distribuidor de seguros cuja atividade remunerada se destina à celebração direta de contratos de seguro por esses consumidores.

59

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2002/92 e o artigo 2.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 8, da Diretiva 2016/97 devem ser interpretados no sentido de que está abrangida pelo conceito de «mediador de seguros» e, consequentemente, de «distribuidor de seguros», na aceção destas disposições, uma pessoa coletiva cuja atividade consiste em propor aos seus clientes a adesão numa base voluntária, em contrapartida de uma remuneração que recebe dos mesmos, a um seguro de grupo que a pessoa coletiva subscreveu previamente junto de uma companhia de seguros, uma vez que esta adesão confere a estes clientes o direito a prestações de seguro em caso, nomeadamente, de doença ou de acidente no estrangeiro.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de dezembro de 2002, relativa à mediação de seguros, conforme alterada pela Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, e o artigo 2.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 8, da Diretiva (UE) 2016/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de janeiro de 2016, sobre a distribuição de seguros, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/411 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2018,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

está abrangida pelo conceito de «mediador de seguros» e, consequentemente, de «distribuidor de seguros», na aceção destas disposições, uma pessoa coletiva cuja atividade consiste em propor aos seus clientes a adesão numa base voluntária, em contrapartida de uma remuneração que recebe dos mesmos, a um seguro de grupo que a pessoa coletiva subscreveu previamente junto de uma companhia de seguros, uma vez que esta adesão confere a estes clientes o direito a prestações de seguro em caso, nomeadamente, de doença ou de acidente no estrangeiro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.