ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

24 de fevereiro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política externa e de segurança comum (PESC) — Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo (Eulex Kosovo) — Ação Comum 2008/124/PESC — Artigo 8.o, n.os 3 e 5, artigo 9.o, n.o 3, e artigo 10.o, n.o 3 — Qualidade de empregador do pessoal de missão — Artigo 16.o, n.o 5 — Efeito sub‑rogatório»

No processo C‑283/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal du travail francophone de Bruxelas (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 1 de outubro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de junho de 2020, no processo

CO e o.

contra

MJ,

Comissão Europeia,

Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE)

Conselho da União Europeia,

Eulex Kosovo,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, C. Lycourgos, I. Jarukaitis e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de junho de 2021,

vistas as observações apresentadas:

em representação de CO e o., por N. de Montigny, avocate,

em representação da Comissão Europeia, por B. Mongin, G. Gattinara e Y. Marinova, na qualidade de agentes,

em representação do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), por S. Marquardt, R. Spac e E. Orgován, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, inicialmente por P. Mahnič e A. Vitro, e em seguida por A. Vitro e K. Kouri, na qualidade de agentes,

em representação da Eulex Kosovo, por E. Raoult e M. Vicente Hernandez, avocates,

em representação do Governo espanhol, inicialmente por S. Jiménez García, e em seguida por M. J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.o, n.os 3 e 5, do artigo 9.o, n.o 3, e do artigo 10.o, n.o 3, da Ação Comum 2008/124/PESC do Conselho, de 4 de fevereiro de 2008, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo, Eulex Kosovo (JO 2008, L 42, p. 92).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CO e o., nomeadamente 45 membros ou antigos membros do pessoal civil internacional da Missão para o Estado de Direito no Kosovo, designada «Eulex Kosovo», referida no artigo 1.o da Ação Comum 2008/124 (a seguir «Eulex Kosovo»), a MJ, na sua qualidade de chefe da missão, à Comissão Europeia, ao Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e ao Conselho da União Europeia a respeito da alteração das suas condições de trabalho e, para alguns deles, da não renovação dos seus contratos de trabalho.

Quadro jurídico

Ação Comum 2008/124

3

O artigo 1.o da Ação Comum 2008/124, sob a epígrafe «Missão», prevê, no seu n.o 1:

«A União Europeia estabelece uma Missão da União Europeia para o Estado de direito no Kosovo, Eulex Kosovo (a seguir designada “Eulex Kosovo”).»

4

O artigo 2.o desta ação comum, sob a epígrafe «Mandato», dispõe:

«A Eulex Kosovo apoia as instituições, as autoridades judiciais e os serviços de aplicação da lei do Kosovo nos seus progressos na via da sustentabilidade e da responsabilização, bem como no desenvolvimento e reforço de um sistema judicial independente multiétnico e de uma polícia e um serviço aduaneiro multiétnicos, assegurando que estas instituições não sofram interferências políticas e adiram aos padrões internacionalmente reconhecidos e às melhores práticas europeias.

A Eulex Kosovo, em plena cooperação com os programas de assistência da Comissão Europeia, executa o seu mandato através de ações de acompanhamento, de orientação e de aconselhamento, mantendo ao mesmo tempo determinadas responsabilidades executivas.»

5

O artigo 8.o da referida ação comum, sob a epígrafe «Chefe de missão», prevê:

«1.   O chefe de missão assume a responsabilidade e exerce o comando e o controlo da Eulex Kosovo no teatro de operações.

[…]

3.   O chefe de missão emite instruções destinadas a todo o pessoal da Eulex Kosovo, incluindo neste caso o elemento de apoio em Bruxelas, para a eficaz condução da Eulex Kosovo no teatro de operações, assumindo a sua coordenação e gestão corrente, e segundo as instruções no plano estratégico do comandante da Operação Civil.

[…]

5.   O chefe de missão é responsável pela execução do orçamento da Eulex Kosovo. Para o efeito, o chefe de missão assina um contrato com a Comissão.

[…]

7.   O chefe de missão representa a Eulex Kosovo na zona de operações e assegura a devida visibilidade da Eulex Kosovo.

[…]»

6

O artigo 9.o da mesma ação comum, sob a epígrafe «Pessoal», enuncia:

«1.   O número de efetivos da Eulex Kosovo e as respetivas competências devem ser compatíveis com o mandato enunciado no artigo 2.o, as atribuições definidas no artigo 3.o e a estrutura da Eulex Kosovo estabelecida no artigo 6.o

2.   A Eulex Kosovo é constituída principalmente por pessoal destacado pelos Estados‑Membros ou pelas instituições da [União]. Cada Estado‑Membro ou instituição da [União] suporta os custos relacionados com o pessoal que destacar, nomeadamente as despesas de deslocação de e para o local de destacamento, os vencimentos, a cobertura médica e os subsídios, com exceção das ajudas de custo diárias e dos subsídios de risco e de penosidade aplicáveis.

3.   A Eulex Kosovo pode também recrutar, em função das necessidades, pessoal internacional e pessoal local numa base contratual.

[…]»

7

O artigo 10.o da Ação Comum 2008/124, sob a epígrafe «Estatuto da Eulex Kosovo e do seu pessoal», dispõe, no seu n.o 3:

«As condições de trabalho e os direitos e deveres do pessoal civil internacional e contratado no local são estipulados nos contratos entre o chefe de missão e os membros do pessoal.»

Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2014/349/PESC

8

A Ação Comum 2008/124 foi alterada, nomeadamente, pela Decisão 2014/349/PESC do Conselho, de 12 de junho de 2014 (JO 2014, L 174, p. 42) (a seguir «Ação Comum 2008/124, conforme alterada»), e prorrogada por esta até 14 de junho de 2016.

9

Nos termos do considerando 6 da Decisão 2014/349:

«6)

A Eulex Kosovo será conduzida no contexto de uma situação que poderá vir a deteriorar‑se e ser prejudicial aos objetivos da ação externa da União enunciados no artigo 21.o do Tratado [UE]».

10

O artigo 15.o‑A da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, tem a seguinte redação:

«A Eulex Kosovo tem a capacidade de adquirir serviços e fornecimentos, celebrar contratos e convénios administrativos, contratar pessoal, ser titular de contas bancárias, adquirir e alienar bens, liquidar obrigações e estar em juízo, na medida do que for necessário para dar execução à presente ação comum.»

11

O artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, prevê:

«A Eulex Kosovo responde pelas reclamações e obrigações decorrentes da execução do mandato com início em 15 de junho de 2014, com exceção das reclamações relacionadas com faltas graves do Chefe de Missão, pelas quais este é responsável.».

12

Nos termos do artigo 20.o da Ação Comum 2008/124, conforme alterada:

«A presente ação comum entra em vigor na data da sua aprovação.

A presente ação comum caduca em 14 de junho de 2016. […]»

13

Em conformidade com o artigo 2.o da Decisão 2014/349, esta entrou em vigor na data da sua adoção, em 12 de junho de 2014.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14

Segundo decorre da decisão de reenvio, os demandantes no processo principal estiveram, ou ainda estão, ao serviço da Eulex Kosovo na qualidade de membros do pessoal internacional civil, com base em contratos de trabalho a termo certo, que foram sucessivamente renovados. Estes contratos incluem uma cláusula atributiva de competência aos tribunais de Bruxelas (Bélgica). Em relação a alguns dos contratos em causa, esta cláusula foi posteriormente substituída por uma cláusula que atribui essa competência, a partir do mês de outubro de 2014, ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

15

MJ ocupou o cargo de chefe da missão entre 1 de fevereiro de 2013 e 14 de outubro de 2014, segundo as modalidades indicadas, nomeadamente, nos contratos que celebrou com a Comissão em 1 de fevereiro e 7 de junho de 2013.

16

Na primavera de 2012 procedeu‑se a uma reclassificação das diferentes funções existentes na Eulex Kosovo, o que conduziu, segundo os demandantes no processo principal, a uma alteração da descrição do seu posto de trabalho e a uma redução significativa da sua remuneração. A esta reclassificação seguiram‑se três «vagas» de não renovação de contratos, designadamente, na primavera e durante o verão de 2013, no outono de 2014 e no outono de 2016.

17

Por petição apresentada em 6 de agosto de 2013, alguns dos demandantes no processo principal interpuseram no Tribunal Geral da União Europeia, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, um recurso contra a Comissão, o SEAE e a Eulex Kosovo, pedindo a anulação das decisões tomadas por MJ, na qualidade de chefe da missão, de não renovar o contrato de trabalho desses demandantes após uma determinada data.

18

Por Despacho de 30 de setembro de 2014, Bitiqi e o./Comissão e o. (T‑410/13, não publicado, EU:T:2014:871), o Tribunal Geral negou provimento a esse recurso por falta de competência com o fundamento de que a relação jurídica objeto do litígio se inseria num contexto contratual e, por conseguinte, estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula constante dos contratos de trabalho que atribui competência aos tribunais de Bruxelas para apreciarem os litígios decorrentes desses contratos ou relativos aos mesmos.

19

Por petições apresentadas em 11 de julho, 14 de julho e 21 de outubro de 2014, os demandantes no processo principal intentaram ações no órgão jurisdicional de reenvio, o tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), através das quais contestaram a requalificação das suas funções e/ou a não renovação dos seus contratos de trabalho, bem como o estatuto que lhes foi aplicado, nomeadamente em matéria de segurança social, e pediram uma indemnização.

20

Numa primeira fase, essas ações foram intentadas contra MJ na qualidade de chefe da missão, o Conselho, a Comissão e o SEAE. No entanto, estes quatro demandados no processo principal alegaram que, por força da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, apenas a Eulex Kosovo devia responder pelas reclamações e obrigações decorrentes da execução do mandato, tanto para o futuro como em relação ao passado, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 5, dessa ação comum, conforme alterada.

21

Em resposta, os demandantes no processo principal apresentaram pedidos de intervenção provocada para que a Eulex Kosovo fosse chamada ao processo no órgão jurisdicional de reenvio. No entanto, esse órgão jurisdicional dissociou a apreciação de tais pedidos da apreciação das questões prévias de admissibilidade e de natureza processual suscitadas pelos pedidos principais apresentados pelos demandantes no processo principal contra os primeiros quatro demandados no mesmo processo.

22

Por Decisão interlocutória de 1 de junho de 2018, o órgão jurisdicional de reenvio declarou que MJ devia ser afastado do processo no que respeita ao período posterior a 12 de junho de 2014, tendo em conta que a Decisão 2014/349 tinha sido adotada nessa data e que, por conseguinte, devia considerar‑se que este já não agia, a partir dessa data, em seu nome próprio, mas apenas na qualidade de «representante» da Eulex Kosovo. O órgão jurisdicional de reenvio declarou igualmente que o Conselho, a Comissão e o SEAE deviam ser afastados do processo no que respeita a esse período, uma vez que nessa altura tinha sido conferida à Eulex Kosovo uma personalidade jurídica própria e que os atos em causa tinham sido praticados em seu nome. No entanto, no que respeita ao período anterior a 12 de junho de 2014, o órgão jurisdicional de reenvio ordenou a reabertura dos debates para que as partes pudessem apresentar as suas observações sobre a existência do mandato de que MJ e os seus antecessores teriam sido investidos durante esse período na sua qualidade de chefe da missão.

23

Após ter ouvido as observações das partes, o órgão jurisdicional de reenvio indica que continua a ter dúvidas quanto à questão de saber se MJ agiu em nome próprio ou por conta de uma ou de mais instituições.

24

Nestas condições, o tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem [o artigo 8.o, n.o 3,] e [o artigo 10.o, n.o 3,] da [Ação Comum 2008/124,] e, se necessário, em conjugação com quaisquer outras disposições que possam ser pertinentes, ser interpretados no sentido de que conferem ao chefe da missão, em nome pessoal e por sua própria conta, o estatuto de empregador do pessoal civil internacional ao serviço da [Eulex Kosovo] durante o período anterior a 12 de junho de 2014, ou, tendo designadamente em conta [o artigo 8.o, n.o 5,] e [o artigo 9.o, n.o 3,] da Ação Comum [2008/124], no sentido de que conferem a qualidade de empregador à [União] e/ou a uma instituição da [União], como a [Comissão], o [SEAE], o [Conselho] ou qualquer outra instituição, por conta da qual o chefe da missão tenha agido até essa data ao abrigo de um mandato, de uma delegação de poderes ou de qualquer outra modalidade de representação a determinar eventualmente?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

25

A Comissão alega que o presente pedido de decisão prejudicial é inadmissível, uma vez que não é pertinente para a resolução do litígio no processo principal.

26

Por um lado, este pedido tem por objeto disposições do direito da União que já não estavam em vigor no momento da apresentação das petições nesse órgão jurisdicional. Com efeito, resulta do artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, entrada em vigor em 12 de junho de 2014, que, com início em 15 de junho de 2014, a Eulex Kosovo, dotada de capacidade jurídica, responde pelas reclamações e obrigações decorrentes da execução do mandato da missão. Além disso, por este motivo, os demandantes no processo principal instauraram um processo paralelo, no mesmo tribunal nacional, assente nos mesmos factos, contra a Eulex Kosovo.

27

Por outro lado, a Comissão põe em causa, com base nos n.os 34 a 51 do Acórdão de 5 de julho de 2018, Jenkinson/Conselho e o. (C‑43/17 P, EU:C:2018:531), a distinção efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio entre os períodos anteriores e posteriores a 12 de junho de 2014.

28

A este respeito, há que recordar, no entanto, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 54 e jurisprudência referida).

29

Daqui decorre que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 55 e jurisprudência referida).

30

No caso em apreço, há que constatar que a alegada inaplicabilidade ao litígio no processo principal das disposições cuja interpretação é solicitada não resulta manifestamente dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça. Em especial, a existência de um ato processual separado dirigido contra a Eulex Kosovo não parece ser suscetível de demonstrar que as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio sobre as referidas disposições não são reais ou que a sua interpretação não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do processo principal.

31

É certo que, nos n.os 34 a 51 do Acórdão de 5 de julho de 2018, Jenkinson/Conselho e o. (C‑43/17 P, EU:C:2018:531), o Tribunal de Justiça declarou que a competência do Tribunal Geral para apreciar um pedido de requalificação do último contrato de trabalho celebrado por um membro do pessoal afeto à Eulex Kosovo implicava que esse órgão jurisdicional tivesse em conta os contratos anteriormente celebrados por esse membro do pessoal, mesmo que esse órgão jurisdicional não fosse competente ratione temporis para apreciar esses contratos. No entanto, esta solução não é suscetível de tornar hipotética a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, a referida questão não tem por objeto a competência ratione temporis desse órgão jurisdicional para decidir o litígio no processo principal, mas a identificação da entidade responsável pela execução da missão Eulex Kosovo e, por conseguinte, da entidade que tem a qualidade de demandada no processo principal.

32

Atendendo ao exposto, há que declarar que a questão submetida não pode ser considerada desprovida de pertinência para efeitos da resolução do processo principal e que, assim, é admissível.

Quanto ao mérito

33

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado das referidas questões [Acórdão de 5 de dezembro de 2019, Centraal Justitieel Incassobureau (Reconhecimento e execução das sanções pecuniárias), C‑671/18, EU:C:2019:1054, n.o 26 e jurisprudência referida].

34

No caso em apreço, por um lado, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura identificar a entidade responsável pela execução da missão Eulex Kosovo antes de 12 de junho de 2014 e que, por conseguinte, deve ser‑lhe reconhecida a qualidade de demandada no processo principal.

35

Por outro lado, importa salientar que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a interpretação não só do artigo 8.o, n.os 3 e 5, do artigo 9.o, n.o 3, e do artigo 10.o, n.o 3, da Ação Comum 2008/124, mas também de «qualquer outra disposição que possa ser pertinente» lida em conjugação com estas. Ora, o artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, precisa que, com início em 15 de junho de 2014, a Eulex Kosovo responde pelas reclamações e obrigações decorrentes da execução da missão que lhe tenha sido confiada, com exceção das reclamações relacionadas com faltas graves do chefe da missão.

36

Por conseguinte, para dar uma resposta útil à questão submetida, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.os 3 e 5, o artigo 9.o, n.o 3, e o artigo 10.o, n.o 3, da Ação Comum 2008/124, bem como o artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, devem ser interpretados no sentido de que designam, como tendo a qualidade de empregador do pessoal da Eulex Kosovo no período anterior a 12 de junho de 2014, o chefe da missão, agindo em seu nome pessoal e por sua própria conta, e/ou a Comissão, o SEAE, o Conselho ou qualquer outra entidade.

37

No caso em apreço, no que respeita ao alcance do artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, o órgão jurisdicional de reenvio considera que há uma ambiguidade quanto ao âmbito de aplicação temporal desta disposição, na medida em que, em substância, a expressão «com início em 15 de junho de 2014» pode ser entendida no sentido de que se refere à data em que a Eulex Kosovo passou a responder pelas reclamações e obrigações decorrentes da execução do seu mandato, incluindo as reclamações e obrigações resultantes de atos praticados anteriormente, ou, em alternativa, no sentido de que imputa à Eulex Kosovo a responsabilidade exclusiva pelas situações jurídicas constituídas a partir dessa data.

38

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que tomar em consideração os seus termos, o seu contexto, assim como os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Ne bis in idem), C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 69 e jurisprudência referida].

39

No que respeita à redação do artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, esta dispõe que a Eulex Kosovo responde pelas reclamações e obrigações decorrentes da execução do mandato com início em 15 de junho de 2014, com exceção das reclamações relacionadas com faltas graves do chefe da missão, pelas quais este é responsável.

40

Daqui resulta que esta disposição visa precisar quem é responsável pelas reclamações e obrigações relativas à execução da missão confiada à Eulex Kosovo, o que significa que não visa determinar quem deve ser considerado o autor, com início em 15 de junho de 2014, dos atos que fazem parte dessa missão, mas quem deve responder a partir dessa mesma data.

41

Por conseguinte, os termos «com início em 15 de junho de 2014» devem ser entendidos no sentido de que precisam não a data em que eventuais atos, obrigações ou reclamações devem ter surgido ou ter sido criados para serem da responsabilidade da Eulex Kosovo, mas a data a partir da qual se deve considerar que esta responde pelos danos e obrigações que tenham surgido ou que possam surgir da execução da missão que lhe foi confiada e, por conseguinte, que, neste sentido, está sub‑rogada, a partir dessa data, nos direitos e obrigações da pessoa ou das pessoas anteriormente responsáveis pela execução dessa missão, com exceção das reclamações relacionadas com faltas graves do chefe da missão, pelas quais este é responsável.

42

Esta interpretação é corroborada tanto pelo contexto em que se insere o artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, como pelos objetivos prosseguidos por esta regulamentação.

43

No que respeita ao contexto em que se insere esta disposição, importa salientar que, na sequência da entrada em vigor, em 12 de junho de 2014, do artigo 15.o‑A da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, foi conferida à Eulex Kosovo a capacidade de adquirir serviços e fornecimentos, celebrar contratos e convénios administrativos, contratar pessoal, ser titular de contas bancárias, adquirir e alienar bens, liquidar obrigações e estar em juízo, na medida do que for necessário para dar execução a esta ação comum.

44

Resulta desta capacidade jurídica conferida à Eulex Kosovo pelo artigo 15.o‑A da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, que inclui a capacidade de ser parte em processos judiciais, que esta entidade estava, já antes de 15 de junho de 2014, investida de uma responsabilidade ligada à execução da missão que lhe foi confiada. Nestas condições, o artigo 16.o, n.o 5, desta ação comum, conforme alterada, não pode ser interpretado no sentido de que a responsabilidade imputada à Eulex Kosovo pela referida ação comum diz unicamente respeito a atos, obrigações ou reclamações que tenham surgido ou sido criados a partir de 15 de junho de 2014.

45

No que respeita aos objetivos prosseguidos pela Ação Comum 2008/124, conforme alterada, resulta do considerando 6 da Decisão 2014/349 que esta foi adotada para fazer face a uma situação que poderá vir a deteriorar‑se e ser prejudicial aos objetivos da ação externa da União enunciados no artigo 21.o do Tratado UE. A interpretação fornecida no presente acórdão, segundo a qual o artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, sub‑rogou a Eulex Kosovo nos direitos e obrigações da pessoa ou das pessoas anteriormente responsáveis pela execução da missão, está em conformidade com a finalidade da Decisão 2014/349 de reforçar a missão confiada à Eulex Kosovo.

46

Tendo em consideração o exposto, o artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, deve ser interpretado no sentido de que transfere, com início em 15 de junho de 2014, para a Eulex Kosovo, em princípio, a responsabilidade pelas reclamações e obrigações, que já tenham surgido ou que possam surgir, a título da execução do mandato confiado à Eulex Kosovo e, por conseguinte, no sentido de que sub‑roga, a partir dessa mesma data, a Eulex Kosovo nos direitos e obrigações da pessoa ou das pessoas anteriormente responsáveis pela execução dessa missão, incluindo nos processos contenciosos em curso.

47

Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124, conforme alterada, deve ser interpretado no sentido de que designa, com início em 15 de junho de 2014, a Eulex Kosovo como responsável e, assim, como demandada em qualquer ação relativa às consequências da execução da missão que lhe tenha sido confiada, independentemente de os factos subjacentes a essa ação terem ocorrido antes de 12 de junho de 2014, data da entrada em vigor da Decisão 2014/349.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 16.o, n.o 5, da Ação Comum 2008/124/PESC do Conselho, de 4 de fevereiro de 2008, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo, Eulex Kosovo, conforme alterada pela Decisão 2014/349/PESC do Conselho, de 12 de junho de 2014, deve ser interpretado no sentido de que designa, com início em 15 de junho de 2014, a Missão para o Estado de Direito no Kosovo, denominada «Eulex Kosovo», referida no artigo 1.o dessa ação comum, como responsável e, assim, como demandada em qualquer ação relativa às consequências da execução da missão que lhe tenha sido confiada, independentemente de os factos subjacentes a essa ação terem ocorrido antes de 12 de junho de 2014, data da entrada em vigor da Decisão 2014/349.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.