ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

9 de dezembro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/88/CE — Organização do tempo de trabalho — Proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores — Artigo 7.o, n.o 1 — Direito a férias anuais remuneradas — Nível de remuneração — Remuneração reduzida devido a uma incapacidade para o trabalho»

No processo C‑217/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Overijssel (Tribunal de Primeira Instância de Overijssel, Países Baixos), por Decisão de 20 de maio de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de maio de 2020, no processo

XXXX

contra

Staatssecretaris van Financiën,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, I. Ziemele (relatora), T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo neerlandês, por M. A. M. de Ree, M. K. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por H. van Vliet e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o recorrente no processo principal ao Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos) a respeito do montante da remuneração a que o recorrente tem direito a título de férias anuais remuneradas.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2 e 4 a 6 da Diretiva 2003/88 enunciam:

«(2)

O artigo 137.o [CE] prevê que a Comunidade apoie e complete a ação dos Estados‑Membros tendo em vista a melhoria do ambiente de trabalho, a fim de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores. […]

[…]

(4)

A melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objetivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica.

(5)

Todos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes. […]

(6)

Deve ter‑se em conta os princípios da Organização Internacional do Trabalho em matéria de organização do tempo de trabalho, incluindo os relativos ao trabalho noturno.»

4

O artigo 1.o desta diretiva, com a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», prevê:

«1.   A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.   A presente diretiva aplica‑se:

a)

Aos períodos mínimos de descanso […] anual […]

[…]»

5

O artigo 7.o da referida diretiva, com a epígrafe «Férias anuais», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.   O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

Direito neerlandês

6

Por força do artigo 22.o, n.o 1, do Algemeen Rijksambtenarenreglement (Regulamento Geral dos Trabalhadores da Função Pública), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «ARAR»), os funcionários públicos têm direito a férias anuais com remuneração integral.

7

O artigo 37.o do ARAR prevê:

«1.   Em caso de incapacidade para o trabalho por motivo de doença, os funcionários públicos têm o direito de continuar a receber a sua remuneração durante um período de 52 semanas. No caso de a incapacidade para o trabalho persistir, têm o direito de continuar a receber 70 % da sua remuneração.

[…]

5.   Em derrogação do disposto no n.o 1, após o termo do período de 52 semanas referido no n.o 1, os funcionários públicos têm o direito de continuar a receber a sua remuneração pelo número de horas que realizaram ou que teriam realizado se lhes tivesse sido proposto um trabalho adequado.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8

O recorrente no processo principal é empregado da Belastingdienst (Administração Fiscal, Países Baixos). Está, desde 24 de novembro de 2015, em situação de baixa parcial de longa duração por doença e beneficia de uma medida de reintegração profissional.

9

Em conformidade com o artigo 37.o, n.o 1, do ARAR, o recorrente no processo principal recebeu a totalidade da sua remuneração durante o primeiro ano de incapacidade para o trabalho, a saber, até 24 de novembro de 2016, e depois 70 % do respetivo montante a partir dessa data. No entanto, em aplicação deste artigo 37.o, n.o 5, manteve a totalidade da sua remuneração pelas horas em que foi considerado apto para trabalhar.

10

Durante as férias anuais de que o recorrente no processo principal beneficiou entre 25 de julho e 17 de agosto de 2017, foi‑lhe paga uma indemnização de um montante equivalente ao da remuneração recebida depois de 24 de novembro de 2016, a saber, 70 % da sua remuneração a título das horas correspondentes à sua incapacidade para o trabalho e 100 % da mesma a título das horas em que foi considerado apto para trabalhar.

11

Por reclamação apresentada ao Secretário de Estado das Finanças, o recorrente no processo principal contestou o montante dessa remuneração, alegando que, durante essas férias, deveria ter recebido a totalidade da sua remuneração. Uma vez que, por Decisão de 13 de outubro de 2017, o Secretário de Estado das Finanças indeferiu essa reclamação, o recorrente no processo principal interpôs recurso dessa decisão no Rechtbank Overijssel (Tribunal de Primeira Instância de Overijssel, Países Baixos), o órgão jurisdicional de reenvio.

12

Este último salienta que, por força do artigo 22.o, n.o 1, do ARAR, os funcionários públicos têm direito a férias anuais com «remuneração integral». Considera que este conceito de «remuneração integral» se refere à remuneração devida durante o período de trabalho anterior ao período em relação ao qual são pedidas as férias anuais (a seguir «período de referência»), a saber, no caso do processo principal, a remuneração referida no n.o 10 do presente acórdão. Por conseguinte, a posição do Secretário de Estado das Finanças está em conformidade com a regulamentação nacional.

13

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, embora a Diretiva 2003/88 garanta o direito de beneficiar de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, incluindo em caso de incapacidade total para o trabalho, não contém nenhuma indicação quanto ao montante da remuneração a pagar durante essas férias anuais.

14

Esse órgão jurisdicional recorda que, nos seus Acórdãos de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o. (C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177), e de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18), o Tribunal de Justiça considerou que, durante as suas férias anuais, o trabalhador deve receber a sua remuneração «normal». A este respeito, o referido órgão jurisdicional indica que o montante da remuneração auferida pelo recorrente no processo principal durante as suas férias anuais é o mesmo que recebeu durante o período de referência.

15

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio indica igualmente que o Tribunal de Justiça, no n.o 25 do Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18), precisou que a finalidade do direito a férias anuais difere da finalidade do direito a baixa por doença.

16

Atendendo a esta consideração, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o facto de se ter em conta, para determinar o montante da remuneração devida durante um período de férias anuais remuneradas, a redução da remuneração decorrente de uma situação de incapacidade para o trabalho afeta o direito a férias anuais remuneradas do trabalhador em causa.

17

Nestas condições, o Rechtbank Overijssel (Tribunal de Primeira Instância de Overijssel) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva [2003/88] ser interpretado no sentido de que o trabalhador não perde a sua remuneração, ou parte dela, devido ao exercício do seu direito a férias anuais? Ou deve esta disposição ser interpretada no sentido de que o trabalhador mantém a sua remuneração durante o exercício do direito a férias anuais, seja qual for a causa da não prestação de trabalho durante as férias?

2)

Deve o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2003/88] ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições e práticas nacionais segundo as quais o trabalhador incapacitado para o trabalho por motivo de doença, quando exerce o seu direito a férias, aufere uma remuneração correspondente àquela que auferia imediatamente antes de gozar férias, ainda que esta última remuneração seja, devido à [longa duração da] sua incapacidade […] para o trabalho, inferior à que auferiria se estivesse plenamente apto para trabalhar?

3)

Deve o direito a férias anuais remuneradas de todos os trabalhadores ser interpretado, com fundamento no artigo 7.o da Diretiva [2003/88], e na jurisprudência assente da União Europeia, no sentido de que é contrária a esse direito a redução da remuneração durante as férias, por incapacidade para o trabalho?»

Quanto às questões prejudiciais

18

Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições e práticas nacionais por força das quais, quando um trabalhador em situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença exerce o seu direito a férias anuais remuneradas, a redução, consecutiva à incapacidade para o trabalho, do montante da remuneração que auferiu durante o período de referência é tida em conta para determinar o montante da remuneração que lhe será paga a título das suas férias anuais remuneradas.

19

Em primeiro lugar, importa recordar que, como resulta da própria redação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, esta disposição consagra o direito de todos os trabalhadores beneficiarem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas. Este direito deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste especial importância, cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes apenas pode ser efetuada dentro dos limites expressamente enunciados pela própria Diretiva 2003/88 (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e Iccrea Banca SpA, C‑762/18 e C‑37/19, EU:C:2020:504, n.o 53 e jurisprudência referida).

20

Em segundo lugar, uma vez que o direito a férias anuais remuneradas está consagrado no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, importa salientar que as disposições desta diretiva visam, como resulta do seu considerando 4, a melhoria da segurança, da higiene e da saúde dos trabalhadores no trabalho.

21

O considerando 5 desta diretiva precisa, além disso, que «[t]odos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes».

22

Consequentemente, o artigo 1.o da referida diretiva prevê que esta última estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho e que se aplica, nomeadamente, aos períodos mínimos de descanso anual.

23

Tendo em conta estes objetivos, é ponto assente que o direito a férias anuais, consagrado no artigo 7.o da Diretiva 2003/88, tem uma dupla finalidade, a saber, permitir ao trabalhador descansar da execução das tarefas que lhe incumbem segundo o seu contrato de trabalho, por um lado, e dispor de um período de descontração e de lazer, por outro (Acórdão de 25 de junho de 2020, Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e Iccrea Banca SpA, C‑762/18 e C‑37/19, EU:C:2020:504, n.o 57 e jurisprudência referida).

24

Com efeito, o trabalhador deve normalmente poder beneficiar de um descanso efetivo, a fim de preservar a sua segurança e saúde (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e.a., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 23).

25

Além disso, a finalidade do direito a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, que distingue estas férias de outros tipos de licenças que prosseguem finalidades diferentes, como o direito a baixa por doença que se destina a permitir ao trabalhador recuperar de uma doença (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, Sobczyszyn, C‑178/15, EU:C:2016:502, n.o 25), baseia‑se na premissa de que o trabalhador trabalhou efetivamente no período de referência. Com efeito, o objetivo desta diretiva, que consiste em permitir ao trabalhador dispor de um período de descanso, de descontração e de lazer, a fim de preservar a sua segurança e a sua saúde, pressupõe que esse trabalhador tenha anteriormente exercido uma atividade que justifique que lhe seja concedido o benefício desse período. Resulta daqui que os direitos a férias anuais remuneradas devem em princípio ser determinados em função dos períodos de trabalho efetivo cumpridos nos termos do contrato de trabalho (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e Iccrea Banca SpA, C‑762/18 e C‑37/19, EU:C:2020:504, n.o 58 e jurisprudência referida).

26

Em terceiro lugar, neste contexto, o Tribunal de Justiça precisou que a expressão «férias anuais remuneradas», que figura no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, significa que, no período das «férias anuais», na aceção desta diretiva, a remuneração deve ser mantida e que, por outras palavras, o trabalhador deve receber a remuneração normal em relação a esse período de descanso (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Hein, C‑385/17, EU:C:2018:1018, n.o 32 e jurisprudência referida).

27

Com efeito, o trabalhador deve ser colocado, quando exerce o seu direito a férias anuais remuneradas, numa situação que, quanto ao salário, seja comparável aos períodos de trabalho (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Hein, C‑385/17, EU:C:2018:1018, n.o 33 e jurisprudência referida).

28

Portanto, embora a composição da remuneração normal do trabalhador seja matéria que é regulada, enquanto tal, pelas disposições e práticas do direito dos Estados‑Membros, não pode ter, todavia, um impacto no direito de o trabalhador gozar, durante o seu período de repouso e de lazer, de condições económicas comparáveis àquelas de que dispõe durante o exercício do seu trabalho (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Hein, C‑385/17, EU:C:2018:1018, n.o 34 e jurisprudência referida).

29

Além disso, em determinadas situações específicas em que o trabalhador é incapaz de cumprir as suas funções, o direito a férias anuais remuneradas não pode ser subordinado por um Estado‑Membro à obrigação de ter efetivamente trabalhado (Acórdão de 25 de junho de 2020, Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e Iccrea Banca SpA, C‑762/18 e C‑37/19, EU:C:2020:504, n.o 59 e jurisprudência referida).

30

Tal aplica‑se, designadamente, no que diz respeito aos trabalhadores que entram de baixa por doença durante o período de referência. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, relativamente ao direito a férias anuais remuneradas, esses trabalhadores são equiparados aos trabalhadores que trabalharam efetivamente durante esse período (Acórdão de 25 de junho de 2020, Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e Iccrea Banca SpA, C‑762/18 e C‑37/19, EU:C:2020:504, n.o 60 e jurisprudência referida).

31

A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que a ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por motivo de doença é, em princípio, imprevisível e independente da vontade do trabalhador. É, em substância, o que resulta igualmente da Convenção n.o 132 da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de junho de 1970, relativa às férias anuais remuneradas, conforme revista, cujos princípios devem, por força do considerando 6 da Diretiva 2003/88, ser tidos em conta na interpretação desta. Com efeito, como resulta do artigo 5.o, n.o 4, desta Convenção, as faltas por doença devem ser consideradas faltas ao trabalho «por motivos independentes da vontade da pessoa empregada interessada», que devem ser «contadas no período de serviço» (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Dicu, C‑12/17, EU:C:2018:799, n.o 32).

32

Daqui se conclui que o direito do trabalhador a férias anuais mínimas remuneradas, garantido pelo direito da União, não pode ser restrito pelo facto de o trabalhador não ter podido cumprir a sua obrigação de trabalhar, devido a uma doença, durante o período de referência (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e Iccrea Banca SpA, C‑762/18 e C‑37/19, EU:C:2020:504, n.o 63 e jurisprudência referida).

33

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o recebimento da remuneração normal durante o período de férias anuais remuneradas se destina a permitir que o trabalhador goze efetivamente os dias de férias a que tem direito. Ora, quando a remuneração paga ao abrigo do direito a férias anuais remuneradas previsto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 é inferior à remuneração normal que o trabalhador recebe durante os períodos de trabalho efetivo, este corre o risco de ser incentivado a não gozar as suas férias anuais remuneradas (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Hein, C‑385/17, EU:C:2018:1018, n.o 44).

34

No caso em apreço, é ponto assente que, por força das disposições e da prática nacionais aplicáveis ao processo principal, o montante da remuneração paga ao recorrente no processo principal durante as suas férias anuais remuneradas é o mesmo que recebeu durante o período de referência. Nas observações escritas que submeteu ao Tribunal de Justiça, o Governo neerlandês concluiu daqui que o recorrente no processo principal foi assim colocado, durante o período de férias anuais, numa situação económica comparável à que tinha durante o período de referência.

35

É certo que não se contesta que o recorrente no processo principal beneficiou, durante o período de férias anuais, de condições económicas comparáveis às que lhe são aplicáveis durante os seus períodos de trabalho, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 27 do presente acórdão.

36

Todavia, há que observar, em primeiro lugar, que uma regulamentação ou uma prática nacional por força da qual o montante da remuneração auferida por um trabalhador durante as suas férias anuais remuneradas é o mesmo que lhe foi pago durante o período de referência, sem ter em conta a circunstância de o montante dessa remuneração ter sido reduzido devido a uma situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença, equivale, em substância, a subordinar o direito a férias anuais remuneradas conferido pela Diretiva 2003/88 à obrigação de ter trabalhado a tempo inteiro durante esse período.

37

Em segundo lugar, como salientou o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, o facto de permitir que um trabalhador que exerce o seu direito a férias anuais remuneradas receba uma remuneração mais ou menos elevada consoante esteja ou não em situação de incapacidade para o trabalho quando exerce esse direito faria depender o valor do referido direito da data em que este é exercido.

38

Em terceiro lugar, embora, como salienta o Governo neerlandês, o recorrente no processo principal tenha recebido, durante as suas férias anuais remuneradas, uma remuneração cujo montante corresponde ao que lhe foi pago durante o período de referência, não é menos verdade que essa remuneração é inferior à que teria recebido se não estivesse em situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença durante esse período.

39

Ora, como resulta da jurisprudência recordada nos n.os 25 e 30 do presente acórdão, uma vez que a ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por motivo doença é, em princípio, imprevisível e independente da vontade do trabalhador em causa, há que considerar, relativamente ao direito a férias anuais remuneradas, que os trabalhadores que entram de baixa do trabalho por motivo de doença durante o período de referência são equiparados aos trabalhadores que efetivamente trabalharam nesse período. Por conseguinte, em tal situação, o direito a férias anuais remuneradas deve, em princípio, ser determinado em função dos períodos de trabalho efetivo cumpridos ao abrigo do contrato de trabalho, sem que seja tida em conta a circunstância de o montante dessa remuneração ter sido reduzido devido a uma situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença.

40

Além disso, tendo em conta a finalidade das férias anuais remuneradas, conforme recordada no n.o 25 do presente acórdão, a circunstância de a causa da incapacidade para o trabalho perdurar durante o período das referidas férias anuais remuneradas do trabalhador não pode ter incidência no direito de este último receber uma remuneração sem redução durante essas férias.

41

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições e práticas nacionais por força das quais, quando um trabalhador em situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença exerce o seu direito a férias anuais remuneradas, a redução, consecutiva à incapacidade para o trabalho, do montante da remuneração que auferiu durante o período de referência é tida em conta para determinar o montante da remuneração que lhe será paga a título das suas férias anuais remuneradas.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições e práticas nacionais por força das quais, quando um trabalhador em situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença exerce o seu direito a férias anuais remuneradas, a redução, consecutiva à incapacidade para o trabalho, do montante da remuneração que auferiu durante o período de trabalho anterior ao período em relação ao qual as férias anuais são pedidas é tida em conta para determinar o montante da remuneração que lhe será paga a título das suas férias anuais remuneradas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.