CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 11 de novembro de 2021 ( 1 )

Processo C‑531/20

NovaText GmbH

contra

Ruprecht‑Karls‑Universität Heidelberg

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Diretiva 2004/48/CE — Artigos 3.o e 14.o — Medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual — Custas judiciais — Outras despesas — Despesa com um agente da propriedade industrial — Interpretação de uma legislação segundo a qual as despesas com um agente da propriedade industrial estão incluídas na fixação das despesas independentemente da sua necessidade para o exercício útil do direito — Âmbito da fiscalização jurisdicional»

1.

No Acórdão United Video Properties ( 2 ), o Tribunal de Justiça abordou os problemas suscitados pelos artigos da Diretiva 2004/48/CE ( 3 ) relativos ao pagamento das custas e de outras despesas processuais no âmbito dos litígios relativos a direitos de propriedade intelectual (incluindo os direitos de propriedade industrial).

2.

O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) convida o Tribunal de Justiça a interpretar novamente o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 14.o da Diretiva 2004/48, e a clarificar as consequências do Acórdão United Video Properties.

3.

O órgão jurisdicional de reenvio pede esta nova diligência do Tribunal de Justiça para determinar se são conformes com o direito da União as normas que, na República Federal da Alemanha, impõem à parte vencida a obrigação de reembolsar necessariamente as despesas com a participação de um agente da propriedade industrial (Patentanwalt), mesmo que não tenha sido indispensável para o exercício útil do direito num litígio sobre marcas.

4.

Segundo a exposição sumária do seu direito feita pelo órgão jurisdicional de reenvio:

A regra geral relativa ao pagamento das custas judiciais e de outras despesas do processo dispõe que a parte vencida deve pagar à parte vencedora o custo dos atos processuais necessários.

Em contrapartida, nos litígios relativos a direitos de propriedade intelectual, o pagamento dos honorários pela participação de um agente da propriedade industrial inclui‑se sempre na fixação das despesas a suportar pela parte vencida, sem que o juiz possa ter em conta o facto de a participação desse agente ser necessária para o exercício útil do direito.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União. Diretiva 2004/48

5.

O artigo 1.o desta diretiva prevê:

«A presente diretiva estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. Para efeitos da presente diretiva, a expressão “direitos de propriedade intelectual” engloba os direitos da propriedade industrial.»

6.

O artigo 2.o da mesma («Âmbito de aplicação») dispõe:

«1.   Sem prejuízo dos meios já previstos ou que possam vir a ser previstos na legislação comunitária ou nacional e desde que esses meios sejam mais favoráveis aos titulares de direitos, as medidas, procedimentos e recursos previstos na presente diretiva são aplicáveis, nos termos do artigo 3.o, a qualquer violação dos direitos de propriedade intelectual previstos na legislação comunitária e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa.

[…]»

7.

O artigo 3.o da referida diretiva («Obrigação geral») estipula:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados.

2.   As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

8.

O artigo 14.o da mesma diretiva («Custas») tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que as custas judiciais e outras despesas, razoáveis e proporcionadas, da parte vencedora no processo, sejam geralmente custeadas pela parte vencida, exceto se, por uma questão de equidade, tal não for possível.»

B.   Direito alemão. Gesetz über den Schutz von Marken und sonstigen Kennzeichen — Markengesetz ( 4 )

9.

Nos termos do § 140, n.o 3, na sua versão aplicável ao litígio, de entre as despesas ocasionadas pela participação de um agente da propriedade industrial num litígio relativo a um sinal distintivo, devem ser reembolsados os honorários nos termos do § 13 da Gesetz über die Vergütung der Rechtsanwältinnen und Rechtsanwälte ( 5 ), bem como as despesas indispensáveis efetuadas por esse agente.

10.

Por força do § 125 e, n.o 5, o § 140, n.o 3, é aplicável com as devidas adaptações aos processos nos tribunais competentes em matéria de marcas da União Europeia.

II. Matéria de facto, litígio e questão prejudicial

11.

A Ruprecht‑Karls‑Universität Heidelberg (a seguir «Universidade») intentou no Landgericht Mannheim (Tribunal Regional de Mannheim, Alemanha) ( 6 ) uma ação inibitória contra a NovaText GmbH por contrafação das suas marcas da União Europeia que visa reconhecer os seus direitos sobre essas marcas.

12.

O representante da Universidade indicou na petição inicial a participação de uma agente da propriedade industrial.

13.

O litígio terminou com acordo das partes por transação escrita nos termos do § 278, n.o 6, do Zivilprozessordnung (ZPO) (Código de Processo Civil alemão). Em 23 de maio de 2017, o tribunal de primeira instância proferiu o despacho de transação judicial.

14.

Nessa mesma data, o tribunal de primeira instância fixou o valor da ação em 50000 euros e condenou a NovaText nas despesas do processo. A reclamação da NovaText contra esta decisão foi indeferida.

15.

Por Despacho de 8 de dezembro de 2017, o órgão jurisdicional de primeira instância fixou o montante das despesas que a NovaText devia reembolsar à Universidade em 10528,95 euros. Desse montante, 4867,70 euros diziam respeito a despesas com a agente da propriedade industrial no âmbito da ação em primeira instância e 325,46 euros eram relativos à sua participação no processo de reclamação da decisão sobre as despesas ( 7 ).

16.

A NovaText interpôs recurso no Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe, Alemanha), pedindo a anulação do despacho de fixação das despesas, na parte em que lhe fixou despesas relativas à intervenção da agente da propriedade industrial.

17.

O tribunal de recurso negou provimento ao recurso da NovaText pelos motivos seguintes:

Tratando‑se de um processo relativo a marcas e sinais, o § 140, n.o 3, da MarkenG não permite determinar se a participação da agente da propriedade industrial foi necessária para exercer utilmente o direito, ou se essa agente prestou um «serviço adicional» em relação ao serviço prestado pelo advogado mandatado pela Universidade.

O § 140, n.o 3, da MarkenG não pode ser interpretado em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, e com o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 com o objetivo de apreciar se a colaboração da agente da propriedade industrial foi necessária.

Esse artigo também não viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 3.o, n.o 1, da Grundgesetz (Constituição alemã).

18.

A decisão proferida pela segunda instância foi objeto de recurso de revista (Revision) no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal). Este órgão jurisdicional, depois de expor a exegese predominante do § 140, n.o 3, da MarkenG ( 8 ), deduz do Acórdão United Video Properties a eventual incompatibilidade dessa disposição com o artigo 3.o, n.o 1, e com o artigo 14.o da Diretiva 2004/48, em conjugação com o seu considerando 17.

19.

Na sua opinião, a imposição automática à parte vencida do reembolso das despesas com um agente da propriedade industrial, independentemente da necessidade da sua participação, suscita problemas a três níveis:

Em primeiro lugar, o reembolso das despesas relativas à atividade de um agente da propriedade industrial cuja participação não seja necessária para efeitos do exercício útil do direito poderia ser desnecessariamente oneroso, em violação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48.

Em segundo lugar, o reembolso dessas despesas poderia não ser proporcionado, na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, se a participação do agente da propriedade industrial não apresentasse uma relação direta e estreita com a ação judicial que vise assegurar o respeito do direito de marca.

Em terceiro lugar, o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 obriga a que o tribunal chamado a decidir quanto às despesas pondere as características específicas do caso (Acórdão United Video Properties, n.o 23). Ora, o reembolso das despesas com agentes da propriedade industrial, independentemente da questão de saber se a sua participação foi necessária para exercer utilmente o direito, não tem suficientemente em conta as características específicas do caso concreto.

20.

Neste contexto, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) submete ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 14.o da Diretiva 2004/48[…] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que prevê a obrigação de a parte vencida suportar as despesas efetuadas pela parte vencedora com a participação de um agente da propriedade industrial num processo judicial em matéria de direito das marcas, independentemente da questão de saber se a participação do referido agente da propriedade industrial era necessária para exercer utilmente o direito?»

III. Tramitação do Tribunal de Justiça

21.

O pedido de decisão prejudicial foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de outubro de 2020.

22.

Apresentaram observações escritas a NovaText e a Comissão Europeia.

23.

Não foi considerada necessária a realização de audiência.

IV. Apreciação

A.   Observações preliminares

24.

No âmbito deste litígio, não se contesta o facto de os honorários e de outras despesas com um agente da propriedade industrial poderem ser abrangidos, em princípio, pelas rubricas do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, quer como «custas judiciais», quer como «outras despesas […] da parte vencedora no processo». Essa qualificação cabe ao órgão jurisdicional de reenvio ( 9 ).

25.

Admitir esta premissa contribuirá para a clarificação do debate. Ao circunscrever a sua questão aos limites estritos do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, o órgão jurisdicional de reenvio afasta a possibilidade de a participação do agente da propriedade industrial estar abrangida pelo conceito de despesas de investigação (ou de natureza análoga) cujo reembolso não estaria em conformidade com este artigo, mas sim com o que regula a indemnização por perdas e danos sofridos pelo titular do direito.

26.

Como afirmei nas minhas Conclusões no processo United Video Properties, «sob o conceito de despesas cobradas pela intervenção de peritos, especialistas ou consultores técnicos podem acolher‑se realidades diferentes, algumas das quais não se enquadram necessariamente na categoria de “despesas do processo”. Esta última não abrange qualquer despesa que tenha uma maior ou menor “relação” com o facto de se intentar a ação ou “com o momento” em que a mesma é intentada, mas sim as que tenham a sua origem direta e imediata no próprio processo. Uma pessoa, singular ou coletiva, pode efetuar diligências preliminares, ou até mesmo contactar previamente determinados consultores ou especialistas, sem que os respetivos custos tenham que constar das “despesas do processo”. Segundo o considerando 26 da diretiva, os “encargos de investigação e identificação” suportados no âmbito da defesa dos direitos de propriedade intelectual pertencem ao capítulo da indemnização por perdas e danos (artigo 13.o) e não ao das custas judiciais (artigo 14.o)» ( 10 ).

27.

Por conseguinte, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio não dizem propriamente respeito à qualificação das despesas ligadas à participação do agente da propriedade industrial ( 11 ), mas sim ao automatismo com que são imputadas à parte vencida no processo.

28.

Em rigor, também não se contesta que a interpretação da norma nacional milita a favor desse automatismo:

Contrariamente ao regime comum de pagamento das custas no âmbito do processo civil alemão ( 12 ) (nos termos do qual as despesas ocasionadas com a participação de um agente da propriedade industrial só são reembolsáveis se forem necessárias para o exercício útil do direito pela parte vencedora) ( 13 ), o § 140, n.o 3, da MarkenG institui um regime especial para os litígios em matéria de propriedade intelectual.

Em consequência deste regime especial, segundo a interpretação do direito interno dada pelo órgão jurisdicional de reenvio, o reembolso das despesas com um agente da propriedade industrial seria quase automático: basta apenas que o representante da parte vencedora certifique que o agente da propriedade industrial participou efetivamente no processo ( 14 ).

Por conseguinte, não seria necessário que a participação do agente da propriedade industrial constituísse um valor adicional relativamente ao serviço prestado pelo advogado designado pela parte interessada.

29.

O órgão jurisdicional de reenvio não forneceu elementos de apreciação que permitam deduzir a viabilidade de uma interpretação conforme da sua lei nacional com o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 (possibilidade que o órgão jurisdicional de recurso parece contestar).

30.

Uma vez que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) tem a última palavra sobre as possibilidades hermenêuticas do seu próprio direito, o seu silêncio sobre esse ponto, a que acabo de me referir, implica que estas conclusões não abordem essa hipótese.

31.

Dado ultrapassarem os termos em que é formulada a questão prejudicial submetida, também não analisarei os efeitos que poderiam resultar da eventual incompatibilidade entre o § 140, n.o 3 da MarkenG e o direito da União. A questão circunscreve‑se, apenas, à dúvida quanto à existência dessa incompatibilidade.

B.   Razoabilidade, proporcionalidade e fiscalização jurisdicional na aplicação do artigo 14.o da Diretiva 2004/48

32.

A Diretiva 2004/48 visa «aproximar [as legislações dos Estados‑Membros] a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo».

33.

Conjuntamente com esse objetivo, o Tribunal de Justiça salienta que o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 pretende «evitar que uma parte lesada seja dissuadida de intentar um processo judicial para salvaguarda dos seus direitos de propriedade intelectual. […] [O] responsável pela violação dos direitos de propriedade intelectual deve, em geral, suportar integralmente as consequências financeiras da sua conduta» ( 15 ).

34.

Todavia, o enunciado deste artigo não é incondicional uma vez que, além de se tratar de uma «regra geral», obriga os Estados‑Membros a assegurarem apenas o reembolso das custas judiciais razoáveis ( 16 ) e proporcionadas ( 17 ).

35.

Como afirmei nas Conclusões no processo United Video Properties, «[o]s qualificativos “razoáveis e proporcionados” são, assim, indispensáveis para decidir se os honorários [custeados por] uma das partes devem ser suportados pela parte condenada no pagamento das despesas. Ambos os qualificativos devem contribuir para que a regra do artigo 14.o seja aplicável, princípio coerente com o artigo 3.o da diretiva, nos termos do qual as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual devem ser “justos e equitativos”» ( 18 ).

36.

A razoabilidade e a proporcionalidade devem ser avaliadas em cada caso, competindo ao juiz fazer essa ponderação. Nos termos do considerando 17 da Diretiva 2004/48, «[a]s medidas, procedimentos e recursos previstos […] deverão ser determinados, em cada caso, de modo a ter devidamente em conta as características específicas desse mesmo caso».

37.

Se a rubrica controvertida é classificada, como de facto acontece, entre as despesas do artigo 14.o, recordo que, segundo o Tribunal de Justiça, a diligência relativa a essas despesas deve apresentar uma relação direta e estreita com o processo judicial.

38.

À luz destas considerações, entendo que as reflexões do órgão jurisdicional de reenvio quanto à aplicação dos critérios do Acórdão United Video Properties ao processo nele pendente são corretas.

39.

Em primeiro lugar, a aplicação automática da regra interna em causa pode significar que, em certos casos, haja violação da proibição estabelecida no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, a saber, que os procedimentos estabelecidos pelos Estados‑Membros «não [sejam] desnecessariamente […] onerosos».

40.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça refere‑se expressamente à exclusão «do reembolso [de] montantes […] devido à prestação […] de serviços que não são considerados necessários para assegurar o respeito do direito de propriedade intelectual em causa», como justificação dos limites que a legislação nacional pode impor desde que vise «assegurar o caráter razoável das despesas a reembolsar» ( 19 ).

41.

A conexão da necessidade com a razoabilidade das despesas surge igualmente quando o Tribunal de Justiça define as despesas que podem ser abrangidas pelo artigo 14.o da Diretiva 2004/48: «na medida em que os serviços, independentemente da sua natureza, de um perito técnico, sejam indispensáveis para poder utilmente intentar uma ação judicial destinada, num caso concreto, a assegurar o respeito desse direito, as despesas ligadas ao trabalho desse perito inserem‑se nas “outras despesas” que […] devem ser custeadas pela parte vencida […]» ( 20 ).

42.

Por conseguinte, a apreciação sobre a «razoabilidade» deve ter em conta a ideia de «exigibilidade razoável» que sugere a versão alemã do artigo 14.o da Diretiva 2004/48 ( 21 ). As despesas cujo reembolso é reclamado à parte vencida podem muito bem ser limitadas às «despesas indispensáveis» suportadas pela parte vencedora no litígio.

43.

A natureza «indispensável» de uma despesa pode ser determinada, antes de mais, pela própria lei interna (por exemplo, exigindo a intervenção de um advogado). Mas essa natureza poderá igualmente ser atribuída a diligências que se, em abstrato, pudessem ser dispensadas, no caso concreto contribuíram de modo adequado para o êxito da ação, a ponto de que, sem elas, esta não teria sido bem‑sucedida.

44.

Em segundo lugar, concordo igualmente com o órgão jurisdicional de reenvio quando considera que o reembolso automático dessas despesas poderia não ser proporcionado, na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, se a participação do agente da propriedade industrial não tivesse uma relação direta e estreita com a ação que visa assegurar o respeito do direito de marca.

45.

As despesas que a parte vencida deve reembolsar à parte vencedora devem estar, repito, «direta e estreitamente ligadas ao processo judicial em causa» ( 22 ). Geralmente, esta apreciação exigirá uma ponderação prévia da sua necessidade e que, em função dessa avaliação, se determine em que medida essa conexão existe.

46.

A conexão direta e estreita entre as despesas e o processo não existirá se as primeiras forem dispensáveis, no sentido de a atividade de que decorrem não acrescentar nada de significativo ao processo que não tivesse já sido demonstrado por outros fatores ou por outros elementos de prova ( 23 ).

47.

Em terceiro lugar, todas estas operações exigem, naturalmente, a decisão judicial, que deve ter uma margem de autonomia para aferir em cada caso quando uma rubrica de despesas é, além de necessária no sentido já exposto, razoável e proporcionada.

48.

Acrescente‑se, para dissipar qualquer dúvida sobre os poderes de modulação do juiz, que, em última análise, os seus poderes são reforçados pela regra subsidiária do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, que o autoriza a decidir que, apesar de tudo, as despesas não sejam custeadas pela parte vencida, quando, «a equidade não permite» ( 24 ).

49.

A inclusão incondicional e automática de despesas como as que estão em causa, sem a passagem pelo crivo da apreciação judicial da sua necessidade, da sua razoabilidade e da sua proporcionalidade em relação ao litígio específico, poderia dar origem ao exercício abusivo do direito pelos demandantes. Ficaria à disposição destes, através da simples declaração do seu representante, imputar à parte vencida o reembolso de despesas eventualmente fúteis, dispensáveis ou excessivas.

50.

Por conseguinte, o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado em conformidade com o sistema da própria diretiva que, embora pretenda assegurar uma proteção elevada do titular do direito de propriedade intelectual, o procura fazer sem negligenciar outras garantias ligadas ao direito à ação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

51.

Em suma, proponho que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio que os artigos 3.o e 14.o da Diretiva 2004/48 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que prevê a obrigação de a parte vencida suportar as despesas efetuadas pela parte vencedora em razão da participação de um agente da propriedade industrial num processo judicial em matéria de direito das marcas, independentemente da questão de saber se a participação do referido agente era necessária para exercer utilmente o direito.

V. Conclusão

52.

Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) nos seguintes termos:

«Os artigos 3.o e 14.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que prevê a obrigação de a parte vencida suportar as despesas efetuadas pela parte vencedora em razão da participação de um agente da propriedade industrial num processo judicial em matéria de direito das marcas, independentemente da questão de saber se a participação do referido agente era necessária para exercer utilmente o direito.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Acórdão de 28 de julho de 2016 (C‑57/15, EU:C:2016:611, a seguir «Acórdão United Video Properties»). O Tribunal de Justiça tinha‑se pronunciado sobre as custas judiciais no âmbito de processos relativos à proteção dos direitos de propriedade intelectual nos Acórdãos de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.os 48 e 49), e de 16 de julho de 2015, Diageo Brands (C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 72), mas sem abordar o que aqui é discutido.

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45).

( 4 ) Lei relativa à Proteção das Marcas e de Outros Sinais Distintivos, de 25 de outubro de 1994, a seguir «MarkenG» (BGB l. 1994 I, p. 3082).

( 5 ) Rechtsanwaltsvergütungsgesetz (Lei dos Honorários dos Advogados), de 5 de maio de 2004 (BGB l. 2004 I, p. 718).

( 6 ) No caso em apreço, os tribunais de primeira e de segunda instância atuavam como tribunais de marcas da União Europeia.

( 7 ) O representante da Universidade certificou que a agente da propriedade industrial tinha participado efetivamente no processo e que cada articulado apresentado em tribunal tinha sido objeto de concertação com ela. A agente teria participado igualmente nas negociações de transação.

( 8 ) Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o tribunal de segunda instância interpretou o § 140, n.o 3, da MarkenG em consonância com a jurisprudência constante do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), em harmonia com a posição da doutrina dominante. De acordo com essa jurisprudência e doutrina, as despesas com a participação de um agente da propriedade industrial num processo relativo a sinais distintivos devem ser reembolsadas independentemente da questão de saber se essa participação foi necessária para exercer utilmente o direito. Todavia, salienta que, no que respeita aos procedimentos extrajudiciais, e nomeadamente à participação de um agente da propriedade industrial numa notificação para cumprir a título do direito das marcas, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) considerou que não se podia aplicar por analogia o § 140, n.o 3, da MarkenG, e que, por conseguinte, as despesas relativas a essa participação só são reembolsáveis se essa colaboração for necessária.

( 9 ) Parece resultar da argumentação do órgão jurisdicional de reenvio que os qualifica de «outras despesas».

( 10 ) Conclusões no processo United Video Properties (C‑57/15, EU:C:2016:201, n.o 79). O Tribunal de Justiça considerou no que respeita aos «“encargos de investigação e identificação”, muitas vezes pagos a montante de um processo judicial, [que] não estão necessariamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 14.o da referida diretiva» (Acórdão United Video Properties, n.o 35).

( 11 ) Neste aspeto, o caso em apreço diverge do processo Koch Media (C‑559/20), cujas conclusões também apresento hoje. No âmbito deste último, importa delimitar com maior precisão os conceitos de «custas judiciais», «outras despesas» e «indemnização por perdas e danos».

( 12 ) Previsto no § 91 do ZPO, segundo o n.o 10 da decisão de reenvio.

( 13 ) Segundo a decisão de reenvio, este mesmo esquema é seguido no que respeita às interpelações extrajudiciais em matéria de propriedade intelectual.

( 14 ) N.o 2 da decisão de reenvio.

( 15 ) Acórdão de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 49).

( 16 ) Acórdão United Video Properties, n.o 24: «[…] o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 obriga os Estados‑Membros a assegurarem apenas o reembolso das custas judiciais “razoáveis”. Além disso, o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe, nomeadamente, que os processos previstos pelos Estados‑Membros não devem ser desnecessariamente onerosos».

( 17 ) Ibidem, n.o 29: «o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 prevê que as custas judiciais custeadas pela parte vencida devem ser “proporcionadas”. Ora, a questão de saber se essas custas são proporcionadas não pode ser apreciada sem ter em conta as despesas que a parte vencedora do processo suportou efetivamente com o mandato de um advogado, desde que estas sejam razoáveis na aceção do n.o 25 do presente acórdão».

( 18 ) Processo C‑57/15 (EU:C:2016:201, n.o 51). Chamava igualmente a atenção para o facto de que «[a]lgumas versões linguísticas da diretiva atribuem ambos os qualificativos tanto às custas como às restantes despesas do processo. Outras, pelo contrário (a francesa, a espanhola e a italiana), aplicam‑nos só às custas». Como então, penso que «[o] sentido da norma aconselha a sua extensão a ambas as categorias, tal como sucede nas versões inglesa, alemã, portuguesa ou neerlandesa» (nota 18 daquelas conclusões).

( 19 ) Acórdão United Video Properties, n.o 25. O sublinhado é meu.

( 20 ) Ibidem, n.o 39. O sublinhado é meu.

( 21 ) A versão alemã do artigo 14.o da Diretiva 2004/48 faz referência aos «Prozesskosten und sonstigen Kosten […] soweit sie zumutbar und angemessen sind» (o sublinhado é meu).

( 22 ) Acórdão United Video Properties, n.o 36.

( 23 ) A priori, é difícil determinar que elementos de prova o juiz considerará necessários. Regra geral, seriam dispensáveis os que dizem respeito a factos constitutivos já provados que ninguém contesta. Todavia, quando se trata de contestar a posição da parte contrária e impugnar a validade dos elementos de prova que tenha apresentado, é natural que o esforço de produção de prova seja intensificado. Nesta situação, o facto de os elementos de prova adicionais não parecerem necessários ao juiz porque os apresentados inicialmente são suficientes não deveria implicar a perda do direito ao reembolso do seu custo (dos elementos de prova adicionais).

( 24 ) Acórdão United Video Properties, n.o 31: a exclusão por motivos de equidade «visa as regras nacionais que permitem ao juiz, num caso especifico em que a aplicação do regime geral em matéria de custas judiciais conduziria a um resultado considerado injusto, afastar‑se, a título de exceção, desse regime».