ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de setembro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 13.o, n.o 2 — Direito de residência dos membros da família de um cidadão da União — Casamento entre um cidadão da União e um nacional de um país terceiro — Conservação, em caso de divórcio, do direito de residência de um nacional de um país terceiro vítima de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge — Obrigação de demonstrar a existência de recursos suficientes — Inexistência de tal obrigação na Diretiva 2003/86/CE — Validade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 20.o e 21.o — Igualdade de tratamento — Diferença de tratamento consoante o requerente do reagrupamento seja cidadão da União ou nacional de um país terceiro — Falta de comparabilidade das situações»

No processo C‑930/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica), por Decisão de 13 de dezembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de dezembro de 2019, no processo

X

contra

État belge,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Prechal, M. Vilaras, N. Piçarra e A. Kumin, presidentes de secção, M. Safjan, D. Šváby, S. Rodin, K. Jürimäe, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, I. Jarukaitis e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de dezembro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação de X, por J. Wolsey e E. Didi, advogados,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, M. Jacobs, e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidas por E. Derriks, K. de Haes e G. van Witzenburg, advogados,

em representação do Parlamento Europeu, por D. Warin e R. van de Westelaken, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por S. Boelaert e R. Meyer, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e E. Montaguti, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), à luz dos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X ao État belge, a propósito da conservação do seu direito de residência no território belga.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/38

3

Nos termos dos considerandos 1 a 3, 5, 10 e 15 da Diretiva 2004/38:

«(1)

A cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e condições estabelecidas no Tratado [FUE] e às medidas adotadas em sua execução.

(2)

A livre circulação das pessoas constitui uma das liberdades fundamentais do mercado interno que compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a liberdade é assegurada de acordo com as disposições do Tratado [FUE].

(3)

A cidadania da União deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.

[…]

(5)

O direito de todos os cidadãos da União circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros implica, para que possa ser exercido em condições objetivas de liberdade e de dignidade, que este seja igualmente concedido aos membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade. […]

[…]

(10)

As pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão, contudo, tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência Em consequência, o direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por períodos superiores a três meses deverá estar sujeito a condições.

[…]

(15)

Os membros da família deverão ter proteção jurídica em caso de morte do cidadão da União, de divórcio, de anulação do casamento ou de cessação da parceria. É assim necessário, no respeito da vida familiar e da dignidade humana, e mediante certas condições para evitar abusos, tomar medidas para assegurar que em tais circunstâncias os membros da família que já residam no território do Estado‑Membro de acolhimento conservam o seu direito de residência exclusivamente numa base pessoal.»

4

Sob a epígrafe «Objeto», o artigo 1.o da Diretiva 2004/38 prevê:

«A presente diretiva estabelece:

a)

As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

b)

O direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias;

c)

As restrições aos direitos a que se referem as alíneas a) e b), por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.»

5

O artigo 7.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», dispõe, nos n.os 1 e 2:

«1.   Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)

Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)

esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)

Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.   O direito de residência disposto no n.o 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.o 1.»

6

O artigo 13.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência dos membros da família, em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada», tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do segundo parágrafo, o divórcio, a anulação do casamento ou a cessação da parceria registada na aceção da alínea b) do ponto 2) do artigo 2.o não afeta o direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro.

Antes de adquirir o direito de residência permanente, as pessoas em questão devem preencher as condições previstas nas alíneas a), b), c) ou d) do n.o 1 do artigo 7.o

2.   Sem prejuízo do segundo parágrafo do n.o 1, o divórcio, a anulação do casamento ou a cessação da parceria registada não implica a perda do direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, desde que:

a)

Até ao início do processo de divórcio ou de anulação ou até à cessação da parceria registada na aceção da alínea b) do ponto 2) do artigo 2.o, o casamento ou a parceria registada tenha durado, pelo menos, três anos, dos quais um ano no Estado‑Membro de acolhimento; […]

[…]

c)

Tal seja justificado por circunstâncias particularmente difíceis, como violência doméstica enquanto se mantinha o casamento ou a parceria registada; […]

[…]

Antes de adquirir o direito de residência permanente, o direito de residência das pessoas em questão continua sujeito à condição do exercício de uma atividade assalariada ou não assalariada, ou de disporem, para si próprios e para os membros da sua família, de recursos suficientes para não se tornarem uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, bem como de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, ou ainda à condição de ser membro da família, já constituída no Estado‑Membro de acolhimento, de uma pessoa que preencha estas condições. Os “recursos suficientes” são os definidos no n.o 4 do artigo 8.o

Tais membros da família conservam o seu direito de residência numa base exclusivamente pessoal.»

7

Sob a epígrafe «Disposições nacionais mais favoráveis», o artigo 37.o da mesma diretiva prevê:

«As disposições da presente diretiva não afetam disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado‑Membro que sejam mais favoráveis às pessoas abrangidas pela presente diretiva.»

Diretiva 2003/86/CE

8

Nos termos dos considerandos 3, 4, 6 e 15 da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12):

«(3)

O Conselho Europeu reconheceu, na sua reunião especial realizada em Tampere, em 15 e 16 de outubro de 1999, a necessidade de harmonizar as legislações nacionais relativas às condições de admissão e de residência dos nacionais de países terceiros. Neste contexto, afirmou em particular que a União Europeia deve assegurar um tratamento equitativo aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros e que uma política mais dinâmica em matéria de integração deverá ter por objetivo proporcionar a estas pessoas direitos e deveres comparáveis aos dos cidadãos da União Europeia. […]

(4)

O reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade [Europeia] consagrado no Tratado [CE].

[…]

(6)

A fim de assegurar a proteção da família e a manutenção ou a criação da vida familiar, é importante fixar, segundo critérios comuns, as condições materiais necessárias ao exercício do direito ao reagrupamento familiar.

[…]

(15)

Deve ser promovida a integração dos membros da família. Para o efeito, estes últimos devem ter acesso a um estatuto independente do requerente do reagrupamento, em particular em caso de rutura de laços familiares, e à educação, ao emprego e à formação profissional nas mesmas condições que o requerente, nos termos relevantes.»

9

O artigo 15.o da mesma diretiva enuncia:

«[…]

3.   Em caso de viuvez, divórcio, separação ou óbito de ascendentes ou descendentes diretos em primeiro grau, poderá ser concedida, mediante pedido se exigido, uma autorização de residência autónoma a pessoas admitidas ao abrigo do reagrupamento familiar. Os Estados‑Membros devem aprovar disposições que garantam a concessão de uma autorização de residência autónoma sempre que se verifiquem circunstâncias particularmente difíceis.

4.   As condições relativas à concessão e ao prazo de validade da autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.»

Direito belga

10

O artigo 42.o‑C, §§ 1 e 4, da loi sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers (Lei Relativa ao Acesso ao Território, à Residência, à Instalação e ao Afastamento de Estrangeiros), de 15 de dezembro de 1980 (Moniteur belge de 31 de dezembro de 1980, p. 14584), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei de 15 de dezembro de 1980»), que visa transpor para o direito belga o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, prevê que o ministro responsável pelo acesso ao território, à residência, à instalação e ao afastamento de estrangeiros (a seguir «ministro»), ou a pessoa em quem este delegue, pode revogar o direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não sejam, eles próprios, cidadãos da União e que residam no país na qualidade de membros da família do cidadão da União, no período de cinco anos após a concessão desse direito de residência, caso seja dissolvido o casamento com o cidadão da União que esses membros da família acompanharam ou a quem se reuniram ou caso cesse a comunhão de habitação, a não ser que o membro da família em causa demonstre a existência de uma situação particularmente difícil, como o facto de ter sido vítima de atos de violência doméstica na constância do casamento ou da parceria registada e na condição de o interessado demonstrar que é trabalhador assalariado ou não assalariado na Bélgica, ou que dispõe de recursos suficientes para não se tornar um encargo para o regime de segurança social belga durante o período de residência, e que dispõe de seguro de doença que cobre todos os riscos na Bélgica, ou que é membro de uma família já constituída neste Estado‑Membro de uma pessoa que preencha estas condições.

11

O artigo 11.o, § 2, da Lei de 15 de dezembro de 1980, que visa transpor para o direito belga o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, prevê que o ministro ou a pessoa em quem este delegue pode pôr termo, no período de cinco anos após a emissão do título de residência ou, consoante o caso, a emissão do documento comprovativo da apresentação do pedido do título de residência, ao direito de residência dos membros da família de um nacional de um país terceiro, autorizado ou admitido à residência, quando não tiverem ou tiverem deixado de ter uma vida conjugal ou familiar efetiva, a não ser que o membro da família em causa prove ter sido vítima de violência doméstica na constância do casamento ou da parceria.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

O recorrente no processo principal, X, nacional argelino, casou com uma nacional francesa em 26 de setembro de 2010, em Alger (Argélia), antes de ir para a Bélgica, em 22 de fevereiro de 2012, munido de um visto de curta duração, para se reunir à sua mulher, que residia no território deste Estado‑Membro.

13

Em 20 de abril de 2012, da união entre o recorrente no processo principal e a sua mulher nasceu uma filha, a qual, como a sua mãe, tem nacionalidade francesa.

14

Em 7 de maio de 2013, o recorrente no processo principal apresentou um pedido de cartão de residência de membro da família de um cidadão da União, na qualidade de cônjuge de uma nacional francesa, tendo-lhe esse cartão sido concedido em 13 de dezembro de 2013 seguinte, válido até 3 de dezembro de 2018.

15

Após quase cinco anos de casamento, dos quais dois anos de vida em comum na Bélgica, o recorrente no processo principal foi forçado a abandonar o domicílio conjugal, devido a atos de violência doméstica de que era vítima por parte da sua mulher. Instalou‑se inicialmente num «refúgio», antes de encontrar um alojamento em Tournai (Bélgica), onde fixou residência em 22 de maio de 2015. Em 2 de março de 2015, o recorrente no processo principal apresentou também uma queixa relativa aos atos de violência doméstica de que tinha sido vítima.

16

Na sequência de um relatório de coabitação elaborado em 30 de outubro de 2015 e que concluiu pela inexistência de coabitação do recorrente no processo principal e da sua mulher, a qual residia em França com a filha desde 10 de setembro de 2015, o Estado belga, por Decisão de 2 de março de 2016, pôs termo ao direito de residência do recorrente no processo principal ordenando‑lhe que abandonasse o território belga. Contudo, esta decisão foi anulada por Acórdão do Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica), de 16 de setembro de 2016.

17

Por carta de 10 março de 2017, o Estado belga solicitou ao recorrente no processo principal informações complementares, nomeadamente a prova dos seus meios de subsistência e da posse de um seguro de doença. Em 2 de maio seguinte, o recorrente no processo principal informou o Estado belga de que era vítima de atos de violência doméstica cometidos pela sua mulher e solicitou a conservação do seu direito de residência no território deste Estado‑Membro, em aplicação do artigo 42.o‑C, § 4, ponto 4, da Lei de 15 de dezembro de 1980.

18

Por Decisão de 14 de dezembro de 2017, o Estado belga pôs termo ao direito de residência do recorrente no processo principal, com o fundamento de que, embora este estivesse numa situação difícil, não fizera prova de que dispunha de recursos suficientes para prover às suas próprias necessidades. No entanto, a referida decisão não lhe ordenava que abandonasse o território belga. Em 26 de janeiro de 2018, o recorrente no processo principal interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Conseil du contentieux des étrangers.

19

Esse órgão jurisdicional salienta que o artigo 42.o‑C, § 4, da Lei de 15 de dezembro de 1980, que constitui a transposição para o direito belga do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, subordina, em caso de divórcio ou de cessação da comunhão de habitação dos cônjuges, a conservação do direito de residência de um nacional de um país terceiro que tenha sido vítima de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge cidadão da União, a determinadas condições entre as quais, nomeadamente, a de dispor de recursos suficientes e de um seguro de doença, quando, em idênticas circunstâncias, o artigo 11.o, n.o 2, da Lei de 15 de dezembro de 1980, que transpôs para o direito belga o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, subordina a concessão de uma autorização de residência autónoma ao cônjuge nacional de um país terceiro que tenha beneficiado do direito ao reagrupamento familiar com um nacional de um país terceiro que resida legalmente na Bélgica à mera prova da existência de atos de violência doméstica.

20

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os nacionais de países terceiros vítimas de violência doméstica por parte dos seus cônjuges são objeto de um tratamento diferente consoante tenham beneficiado de um reagrupamento familiar com um cidadão da União ou com um nacional de um país terceiro, e que tal diferença de tratamento tem origem nas disposições supramencionadas das Diretivas 2004/38 e 2003/86.

21

Nestas circunstâncias, o Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 13.o, n.o 2, da [Diretiva 2004/38] viola os artigos 20.o e 21.o da [Carta], na medida em que prevê que o divórcio, a anulação do casamento ou a cessação da parceria registada não implica a perda do direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, nomeadamente desde que tal seja justificado por circunstâncias particularmente difíceis, como violência doméstica durante o casamento ou a parceria registada, mas unicamente na condição de os interessados demonstrarem que exercem uma atividade assalariada ou não assalariada, ou que dispõem, para si próprios e para os membros da sua família, de recursos suficientes para não se tornarem uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, bem como de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, ou ainda [na] condição de ser membro da família, já constituída no Estado‑Membro de acolhimento, de uma pessoa que preencha estas condições, ao passo que o artigo 15.o, n.o 3, da [Diretiva 2003/86], que prevê a mesma possibilidade de conservar o direito de residência, não subordina tal manutenção a esta última condição?»

22

Por carta de 9 de setembro de 2020, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de setembro seguinte, em resposta ao pedido de informações que o Tribunal de Justiça tinha dirigido ao órgão jurisdicional de reenvio em 14 de agosto anterior, este último indicou que o recorrente no processo principal tinha apresentado um pedido de divórcio em 5 de julho de 2018 e que o divórcio do interessado e da sua mulher tinha sido decretado em 24 de julho seguinte.

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

23

O Governo belga sustenta que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à questão submetida, uma vez que, em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio suscita dúvidas sobre a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, não à luz de uma regra de direito da União, mas de uma regra de direito estabelecida pelo legislador nacional no âmbito da competência que lhe reconhece o artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/86, em segundo lugar, o incumprimento das condições enunciadas no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 viola as regras de repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros e, em terceiro lugar, as disposições da Carta não podem resultar numa alteração das competências da União e, por conseguinte, numa usurpação de competências que, na situação atual do direito da União, pertencem aos Estados‑Membros, tais como as relativas às condições de residência dos nacionais de países terceiros que não preenchem a condição de serem membros da família de um cidadão da União.

24

A este respeito, resulta do artigo 19.o, n.o 3, alínea b), TUE e do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE que o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação e a validade dos atos adotados pelas instituições da União, sem nenhuma exceção, e que esses atos devem ser plenamente compatíveis com as disposições dos Tratados e com os princípios constitucionais que deles decorrem, bem como com a Carta [Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 71 e jurisprudência referida].

25

No caso em apreço, considerando que, no que respeita às condições de conservação, nomeadamente, em caso de divórcio, do direito de residência dos nacionais de países terceiros vítimas de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge, o regime estabelecido no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 no que respeita aos nacionais de países terceiros cujo cônjuge é cidadão da União é menos favorável do que o estabelecido no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 no que respeita aos nacionais de países terceiros cujo cônjuge também é nacional de um país terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, à luz dos artigos 20.o e 21.o da Carta, que consagram o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

26

Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente para responder à questão submetida.

Quanto à questão prejudicial

27

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 é válido à luz dos artigos 20.o e 21.o da Carta.

28

Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, ao submeter, em caso de divórcio, a conservação do direito de residência dos nacionais de países terceiros vítimas de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge cidadão da União às condições enunciadas no artigo 13.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38, entre as quais, nomeadamente, a condição relativa ao caráter suficiente dos recursos, quando o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 não impõe essas condições para efeitos da concessão, nas mesmas circunstâncias, de uma autorização de residência autónoma aos nacionais de países terceiros vítimas de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge igualmente nacional de um país terceiro, o legislador da União estabeleceu uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de nacionais de países terceiros vítimas de atos de violência doméstica, em detrimento da primeira delas, em violação dos artigos 20.o e 21.o da Carta.

29

A título preliminar, importa salientar que, sem arguir formalmente a inadmissibilidade da questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, a Comissão Europeia, nas suas observações escritas, e o Parlamento Europeu, nas suas observações orais, manifestaram dúvidas quanto à aplicabilidade do artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), desta Diretiva 2004/38 em circunstâncias como as do litígio no processo principal.

30

Estas dúvidas baseiam‑se no Acórdão de 30 de junho de 2016, NA (C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 51), no qual o Tribunal de Justiça declarou que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que um nacional de um país terceiro, divorciado de um cidadão da União, do qual foi vítima de atos de violência doméstica durante o casamento, não pode conservar o seu direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, com base nesta disposição, se o início do processo de divórcio for posterior à partida do cônjuge cidadão da União deste Estado‑Membro.

31

Ora, como foi salientado nos n.os 16 e 22 do presente acórdão, embora o recorrente no processo principal tenha sido vítima, durante o seu casamento, de atos de violência doméstica cometidos pela sua ex‑mulher, cidadã da União, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, esta reside, com a filha de ambos, em França desde 10 de setembro de 2015. O processo judicial de divórcio só foi instaurado quase três anos após a partida destas últimas da Bélgica, ou seja, em 5 de julho de 2018, e conduziu ao divórcio em 24 de julho seguinte.

32

É neste contexto que cumpre determinar o âmbito de aplicação do artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38 antes de apreciar a validade do artigo 13.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta diretiva à luz dos fundamentos mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio.

33

Antes de mais, a este respeito, resulta dos termos utilizados quer na epígrafe quer na redação do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 que a conservação do direito de residência de que beneficiam os membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, com base nesta disposição, está prevista, nomeadamente, em caso de divórcio e que, por conseguinte, quando estão preenchidas as condições enunciadas nesta disposição, esse divórcio não implica a perda do referido direito de residência (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 40).

34

Em seguida, no que respeita ao contexto desta disposição, o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 constitui uma derrogação ao princípio segundo o qual esta diretiva não confere direitos de entrada e de residência num Estado‑Membro a todos os nacionais de países terceiros, mas apenas aos que são «membro[s] da família», na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da referida diretiva, de um cidadão da União que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, tendo tal princípio sido estabelecido na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 41 e jurisprudência referida).

35

Com efeito, o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 refere‑se aos casos excecionais em que o divórcio não implica a perda do direito de residência dos nacionais de países terceiros em causa, ao abrigo da Diretiva 2004/38, quando, na sequência do respetivo divórcio, os referidos nacionais já não preencham as condições enunciadas no artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva, nomeadamente, a relativa ao estatuto de «membro da família» de um cidadão da União, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, alínea a), da referida diretiva (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 42).

36

Por último, no que diz respeito à finalidade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, esta disposição responde ao objetivo, enunciado no considerando 15 da mesma diretiva, de conferir proteção jurídica aos membros da família em caso de divórcio, de anulação do casamento ou de cessação da parceria registada, tomando, para o efeito, medidas para assegurar que, em tais circunstâncias, os membros da família que já residam no território do Estado‑Membro de acolhimento conservem o seu direito de residência a título pessoal (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 45).

37

A este propósito, resulta da génese da Diretiva 2004/38 e, mais especialmente, da exposição de motivos da Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros [COM(2001) 257 final] que, nos termos do direito da União anterior à Diretiva 2004/38, o cônjuge divorciado podia ser privado do direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 46).

38

Neste contexto, essa proposta de diretiva precisa que a disposição prevista, o atual artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, visa proporcionar um certo nível de proteção jurídica aos nacionais de países terceiros cujo direito de residência depende do vínculo familiar constituído pelo casamento e que poderiam, por esse facto, estar sujeitos a chantagem em caso de divórcio e que essa proteção só é necessária em caso de divórcio irrevogavelmente proferido, uma vez que, em caso de separação de facto, o direito de residência do cônjuge nacional de um país terceiro não é afetado (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 47).

39

Com efeito, enquanto o casamento persistir, o cônjuge, nacional de um país terceiro, conserva a sua qualidade de membro da família do cidadão da União, tal como definido no artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38, e beneficia, a esse título, de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento ou, se for caso disso, no Estado‑Membro de que o cidadão da União é nacional (Acórdão de 12 de março de 2014, O. e B., C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 61).

40

Decorre do exposto que da redação, do contexto e da finalidade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 resulta que a aplicação desta disposição, incluindo o direito decorrente do artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38, depende do divórcio dos interessados (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 48).

41

No n.o 62 do Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o. (C‑218/14, EU:C:2015:476), o Tribunal de Justiça declarou que, na hipótese de, antes do início do processo judicial de divórcio, o cidadão da União deixar o Estado‑Membro onde reside o seu cônjuge, para se instalar noutro Estado‑Membro ou num país terceiro, o direito de residência derivado do nacional de um país terceiro, baseado no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, cessou com a partida do cidadão da União e deixa de poder ser mantido com base no artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), desta diretiva.

42

Todavia, no caso previsto no artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38, exigir, para a manutenção do direito de residência do nacional de um país terceiro que tenha sido vítima de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge cidadão da União, que o processo judicial de divórcio seja iniciado antes da partida desse cidadão da União do Estado‑Membro de acolhimento poderia oferecer a este último um meio de pressão manifestamente contrário ao objetivo de assegurar a proteção da vítima desses atos e expor, desse modo, como salientou o advogado‑geral nos n.os 87 e 88 das suas conclusões, esta vítima a chantagem em caso de divórcio ou em caso de partida.

43

Por conseguinte, contrariamente ao que foi declarado no n.o 51 do Acórdão de 30 de junho de 2016, NA (C‑115/15, EU:C:2016:487), há que considerar que, para efeitos da conservação do direito de residência com base no artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38, o processo judicial de divórcio pode ser iniciado após a partida do cidadão da União do Estado‑Membro de acolhimento. Todavia, a fim de garantir a segurança jurídica, um nacional de um país terceiro que tenha sido vítima de atos de violência doméstica cometidos pelo seu cônjuge cidadão da União cujo processo judicial de divórcio não foi iniciado antes da partida deste último do Estado‑Membro de acolhimento só pode invocar a conservação do seu direito de residência ao abrigo dessa disposição se esse processo for iniciado num prazo razoável após essa partida.

44

Com efeito, importa conceder ao nacional em causa do país terceiro, cônjuge de um cidadão da União, tempo suficiente para escolher entre as duas opções que a Diretiva 2004/38 lhe oferece para manter um direito de residência ao abrigo desta diretiva, concretamente a instauração de um processo judicial de divórcio para beneficiar de um direito de residência pessoal ao abrigo do artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da referida diretiva, ou a sua instalação no Estado‑Membro onde reside o cidadão da União para manter o seu direito derivado de residência. A este respeito, há que acrescentar que o cônjuge não tem necessariamente de viver de forma permanente com o cidadão da União para ser titular de um direito derivado de residência (Acórdãos de 13 de fevereiro de 1985, Diatta, 267/83, EU:C:1985:67, n.os 20 e 22, e de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, EU:C:2012:691, n.o 58).

45

No caso em apreço, como foi salientado no n.o 31 do presente acórdão, o recorrente no processo principal não se reuniu à sua mulher no seu Estado‑Membro de origem. Instaurou o processo judicial de divórcio em 5 de julho de 2018, ou seja, quase três anos após a partida da sua mulher e da filha de ambos do Estado‑Membro de acolhimento, o que não parece corresponder a um prazo razoável.

46

No entanto, e em qualquer caso, resulta da decisão de reenvio que, por força da regulamentação nacional que visa transpor o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, um nacional de um país terceiro que se encontre na situação do recorrente no processo principal beneficia da conservação do seu direito de residência, sob reserva do cumprimento da obrigação prevista no segundo parágrafo deste artigo.

47

Nestas condições, não é manifesto que a questão submetida, na medida em que tem por objeto a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal.

48

Por conseguinte, a questão submetida é admissível.

Quanto à validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38

49

Há que verificar previamente se os artigos 20.o e 21.o da Carta são pertinentes quando se trata, como o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, de analisar se o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 é suscetível de conduzir a uma discriminação dos nacionais de países terceiros, vítimas de atos de violência doméstica, cujo cônjuge é um cidadão da União, em relação àqueles cujo cônjuge também é nacional de um país terceiro.

50

A este propósito, no que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 21.o da Carta, dado que a diferença de tratamento que o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 institui se baseia na nacionalidade do cônjuge autor dos atos de violência doméstica, importa recordar que o artigo 21.o, n.o 2, da Carta, nos termos do qual, «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade», corresponde, segundo as Anotações Relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), ao artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE e deve ser aplicado em conformidade com esta última disposição.

51

Ora, como o Tribunal de Justiça declarou, o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE abrange as situações que integram o âmbito de aplicação do direito da União em que o nacional de um Estado‑Membro é tratado de forma discriminatória relativamente aos nacionais de outro Estado‑Membro devido à sua nacionalidade e não se destina a ser aplicado no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os dos países terceiros (Acórdão de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze, C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.o 52).

52

Por conseguinte, esta disposição também não se destina a ser aplicada no caso de uma eventual diferença de tratamento entre duas categorias de nacionais de países terceiros, como as duas categorias de vítimas de atos de violência doméstica referidas, respetivamente, no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 e no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86.

53

Daqui resulta que o artigo 21.o da Carta não é pertinente para efeitos da apreciação da validade solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

54

No que respeita, em segundo lugar, ao artigo 20.o da Carta, este artigo, que dispõe que «[t]odas as pessoas são iguais perante a lei», não prevê nenhuma limitação expressa do seu âmbito de aplicação e, portanto, aplica‑se a todas as situações reguladas pelo direito da União, como as abrangidas pelas Diretivas 2004/38 e 2003/86 [v., neste sentido, Parecer 1/17 (Acordo ECG UE Canadá), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 171 e jurisprudência referida].

55

Por conseguinte, o artigo 20.o da Carta é pertinente para efeitos da apreciação da validade solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

56

Nestas condições, é apenas à luz do artigo 20.o da Carta que deve ser apreciada a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38.

57

Como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade perante a lei, enunciado no artigo 20.o da Carta, é um princípio geral do direito da União que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento diferente for objetivamente justificado (Acórdão de 17 de outubro de 2013, Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 76 e jurisprudência referida).

58

A exigência relativa ao caráter comparável das situações, para determinar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, deve ser apreciada atendendo a todos os elementos que as caracterizam e, nomeadamente, à luz do objeto e da finalidade prosseguida pelo ato que institui a distinção em causa, entendendo‑se que devem ser tidos em conta, para este efeito, os princípios e os objetivos do domínio em que esse ato se integra. Na medida em que as situações não sejam comparáveis, uma diferença de tratamento das situações em causa não viola a igualdade perante a lei consagrada no artigo 20.o da Carta [Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canadá), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 177 e jurisprudência referida].

59

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, na medida em que institui um regime diferente do previsto no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, embora ambos se apliquem, em seu entender, em situações idênticas.

60

A este respeito, no que se refere, em primeiro lugar, ao regime estabelecido no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, o artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta diretiva dispõe que o divórcio não implica a perda do direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, nomeadamente quando circunstâncias particularmente difíceis o exijam, como violência doméstica enquanto se mantinha o casamento. Como especificado no artigo 13.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da referida diretiva, tais membros da família conservam o seu direito de residência numa base exclusivamente pessoal.

61

O benefício da conservação do direito de residência desses membros da família, antes de adquirir um direito de residência permanente, está, todavia, sujeito às condições enunciadas no artigo 13.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38, concretamente que o interessado demonstre que exerce uma atividade ou que dispõe, para si próprio e para os membros da sua família, de recursos suficientes para não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período da sua residência, e que tem uma cobertura extensa de seguro de doença nesse Estado‑Membro, ou ainda que é membro da família, já constituída no referido Estado‑Membro, de uma pessoa que preencha estas condições.

62

Importa salientar que estas condições correspondem às enunciadas no artigo 7.o, n.o 1, alíneas a), b) e d), da Diretiva 2004/38, que os próprios cidadãos da União estão obrigados a satisfazer para beneficiar de um direito de residência temporária, com uma duração superior a três meses, no território do Estado‑Membro de acolhimento.

63

Por último, resulta do considerando 10 desta diretiva que as mesmas condições visam, nomeadamente, evitar que essas pessoas se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

64

No que respeita, em segundo lugar, ao regime estabelecido no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, resulta desta disposição que, em caso de divórcio, poderá ser concedida, mediante pedido se exigido, uma autorização de residência autónoma a pessoas admitidas ao abrigo do reagrupamento familiar e que os Estados‑Membros devem aprovar disposições que garantam a concessão de uma autorização de residência autónoma sempre que se verifiquem «circunstâncias particularmente difíceis». A este respeito, o ponto 5, n.o 3, da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86 [COM(2014) 210 final], refere como exemplo de «circunstância particularmente difícil» os casos de violência doméstica.

65

O artigo 15.o, n.o 4, desta diretiva esclarece que as condições relativas à concessão e ao prazo de validade dessa autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.

66

Afigura‑se, assim, que o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 e o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 instituem regimes e condições diferentes.

67

Por conseguinte, há que verificar se, por um lado, os nacionais de países terceiros, cônjuges de um cidadão da União, que foram vítimas de atos de violência doméstica cometidos por este último e estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, e, por outro, os nacionais de países terceiros, cônjuges de um nacional de um país terceiro, que foram vítimas de atos de violência doméstica cometidos por este último e estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, se encontram numa situação comparável no que respeita à conservação do seu direito de residência num Estado‑Membro, tendo em conta todos os elementos que caracterizam as duas situações.

Quanto às finalidades do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 e do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86

68

Quanto à finalidade prosseguida pelo artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38, como salientado nos n.os 36 a 38 do presente acórdão, esta disposição visa proteger, em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada, um nacional de um país terceiro, que tenha sofrido atos de violência doméstica por parte do seu cônjuge ou do seu parceiro, cidadão da União, enquanto se mantinha o casamento ou a parceria registada, concedendo‑lhe um direito de residência a título pessoal no Estado de acolhimento.

69

A Diretiva 2003/86 partilha desta mesma finalidade de proteção dos membros da família vítimas de violência doméstica, uma vez que prevê no artigo 15.o, n.o 3, que, nomeadamente em caso de divórcio ou separação, poderá ser concedida uma autorização de residência autónoma a pessoas admitidas ao abrigo do reagrupamento familiar e que os Estados‑Membros devem aprovar disposições que garantam a concessão da referida autorização de residência sempre que se verifiquem circunstâncias particularmente difíceis.

70

Por conseguinte, o artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38 e o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 partilham o objetivo de assegurar uma proteção dos membros da família que são vítimas de violência doméstica. Todavia, como resulta da jurisprudência evocada no n.o 58 do presente acórdão, a comparabilidade das situações deve ser apreciada à luz de todos os elementos que as caracterizam.

Quanto aos domínios abrangidos pelas Diretivas 2004/38 e 2003/86

71

No que respeita aos domínios abrangidos pelas Diretivas 2004/38 e 2003/86, há que observar que a Diretiva 2004/38 foi adotada com base nos artigos 12.o, 18.o, 40.o, 44.o e 52.o CE, que passaram, respetivamente, a artigos 18.o, 21.o, 50.o e 59.o TFUE, ou seja, no domínio da livre circulação de pessoas, e se inscreve assim no objetivo da União, previsto no artigo 3.o TUE, de estabelecer um mercado interno, que compreende um espaço sem fronteiras internas no qual esta liberdade fundamental é assegurada de acordo com as disposições do Tratado FUE.

72

Importa recordar que resulta dos considerandos 1 e 2 da Diretiva 2004/38 que a cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e condições estabelecidas nos Tratados e às medidas adotadas em sua execução, e que, por outro lado, a livre circulação de pessoas constitui uma das liberdades fundamentais do mercado interno, consagrada no artigo 45.o da Carta dos Direitos Fundamentais [Acórdão de 22 de junho de 2021, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (Medidas preventivas tendo em vista o afastamento), C‑718/19, EU:C:2021:505, n.o 54 e jurisprudência referida].

73

O direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros é, por outro lado, conferido aos membros da família dos cidadãos da União, independentemente da sua nacionalidade.

74

Neste contexto, há que recordar que os direitos conferidos aos nacionais de países terceiros pelas disposições do direito da União relativas à cidadania da União não são direitos autónomos destes nacionais, mas direitos derivados do exercício da liberdade de circulação e de residência por parte de um cidadão da União. A finalidade e a justificação destes direitos derivados têm por base a constatação de que não reconhecer tais direitos pode afetar a liberdade de circulação dos cidadãos da União, dissuadindo‑os de exercer os seus direitos de entrada e de residência no território do Estado‑Membro de acolhimento (Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o., C‑218/14, EU:C:2015:476, n.o 50 e jurisprudência referida).

75

No que respeita à Diretiva 2003/86, esta foi adotada com base no artigo 63.o, ponto 3, alínea a), CE, atual artigo 79.o TFUE, ou seja, ao abrigo da política comum da imigração da União, política que visa assegurar, em todas as fases, uma gestão eficaz dos fluxos migratórios, um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros, bem como uma prevenção da imigração ilegal e do tráfico de seres humanos e um reforço do combate aos mesmos.

76

A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 122 das suas conclusões, a competência da União em matéria migratória é uma competência de harmonização. São, portanto, adotadas regras comuns através de diretivas, como a Diretiva 2003/86, que os Estados‑Membros têm a obrigação de transpor para o seu direito interno, mas estes podem legislar sobre as questões não abrangidas pelo direito da União e derrogar as regras comuns na medida em que este último o permita.

Quanto aos objetivos das Diretivas 2004/38 e 2003/86

77

Quanto aos objetivos das Diretivas 2004/38 e 2003/86, há que salientar que, em conformidade com o artigo 1.o da Diretiva 2004/38, esta última estabelece as condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias, o direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias e as restrições aos direitos por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

78

Com efeito, como decorre da própria redação dos artigos 20.o e 21.o TFUE, o direito de os cidadãos da União e dos membros das suas famílias circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros não é incondicional, podendo estar sujeito às limitações e condições previstas no Tratado FUE e nas disposições adotadas em sua aplicação [Acórdão de 22 de junho de 2021, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (Medidas preventivas tendo em vista o afastamento), C‑718/19, EU:C:2021:505, n.o 45 e jurisprudência referida]. Por conseguinte, foi pela Diretiva 2004/38 que o legislador da União, em conformidade com estes artigos do Tratado FUE, regulamentou essas limitações e condições.

79

No que respeita à Diretiva 2003/86, esta tem por objeto, em conformidade com o seu artigo 1.o, lido em conjugação com o considerando 6, fixar, segundo critérios comuns, as condições materiais em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.

80

Assim, com a Diretiva 2003/86, o legislador da União pretendeu assegurar a harmonização das legislações nacionais relativas às condições de admissão e de residência dos nacionais de países terceiros, como decorre do considerando 3 desta diretiva.

Quanto aos objetivos das Diretivas 2004/38 e 2003/86

81

Quanto aos objetivos das Diretivas 2004/38 e 2003/86, há que salientar que, como resulta dos considerandos 3 e 4 da Diretiva 2004/38, esta visa facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE confere diretamente aos cidadãos da União e reforçar esse direito fundamental (Acórdão de 2 de outubro de 2019, Bajratari, C‑93/18, EU:C:2019:809, n.o 47 e jurisprudência referida).

82

A prossecução do objetivo de facilitar o exercício do direito fundamental de cada cidadão da União de circular e de residir livremente exige que sejam igualmente prosseguidos os objetivos de proteção da sua vida familiar e de integração da sua família no Estado‑Membro de acolhimento. Assim, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 confere um direito de residência aos membros da família desse cidadão. Do mesmo modo, declarou-se que as condições favoráveis à integração no Estado‑Membro de acolhimento dos membros da família dos cidadãos da União contribuem para realizar o objetivo da livre circulação (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de abril de 1986, Reed, 59/85, EU:C:1986:157, n.o 28, e de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld, C‑181/19, EU:C:2020:794, n.o 51). Todavia, estes objetivos de proteção e de integração são secundários relativamente ao objetivo principal da referida diretiva, que é facilitar a livre circulação dos cidadãos da União.

83

No que respeita à Diretiva 2003/86, esta última tem por objetivo geral facilitar a integração de nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, ao permitir a vida em família através do reagrupamento familiar, como resulta do seu considerando 4 (Acórdão de 21 de abril de 2016, Khachab, C‑558/14, EU:C:2016:285, n.o 26 e jurisprudência referida).

Quanto ao poder de apreciação reconhecido aos Estados‑Membros no âmbito da aplicação das condições fixadas nas Diretivas 2004/38 e 2003/86

84

Quanto ao poder de apreciação reconhecido aos Estados‑Membros no âmbito da aplicação da Diretiva 2004/38, esse poder é limitado, sem prejuízo da aplicação do artigo 37.o da mesma (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 83).

85

Em contrapartida, o poder de apreciação reconhecido aos Estados‑Membros no âmbito da Diretiva 2003/86 é amplo no que respeita, precisamente, às condições de concessão, com base no artigo 15.o, n.o 3, desta diretiva, de uma autorização de residência autónoma, em caso de divórcio, ao nacional de um país terceiro que entrou no território do Estado‑Membro em causa ao abrigo do reagrupamento familiar e que foi vítima de atos de violência doméstica cometidos durante o casamento pelo requerente do reagrupamento.

86

Com efeito, embora seja verdade que esta disposição exige aos Estados‑Membros que aprovem disposições que garantam, em tal hipótese, a concessão dessa autorização de residência ao nacional de um país terceiro afetado, não é menos verdade que, como salientado no n.o 65 do presente acórdão, o artigo 15.o, n.o 4, da referida diretiva esclarece que as condições relativas à concessão e ao prazo de validade dessa autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.

87

Assim, ao efetuar, no artigo 15.o, n.o 4, da Diretiva 2003/86, uma remissão para o direito nacional, o legislador da União indicou que pretendeu deixar ao critério de cada Estado‑Membro a tarefa de determinar as condições para a concessão de uma autorização de residência, em caso de divórcio, a um nacional de um país terceiro que entrou no seu território ao abrigo do reagrupamento familiar e que foi vítima de atos de violência doméstica cometidos durante o casamento pelo seu cônjuge (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2018, C e A, C‑257/17, EU:C:2018:876, n.o 49 e jurisprudência referida).

88

Em qualquer caso, o poder de apreciação reconhecido aos Estados‑Membros não deve ser utilizado de forma a prejudicar o objetivo da diretiva e o efeito útil desta ou a violar o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida).

89

Resulta do exposto que, não obstante o facto de o artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/38 e o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 partilharem o objetivo de assegurar uma proteção dos membros da família vítimas de violência doméstica, os regimes instituídos por estas diretivas pertencem a domínios diferentes cujos princípios, objetos e objetivos são igualmente diferentes. Além disso, os beneficiários da Diretiva 2004/38 gozam de um estatuto diferente e de direitos de natureza diferente daqueles que os beneficiários da Diretiva 2003/86 podem invocar, e o poder de apreciação reconhecido aos Estados‑Membros para aplicar as condições fixadas nessas diretivas não é o mesmo. Foi, designadamente, uma escolha efetuada pelas autoridades belgas no âmbito da aplicação do amplo poder de apreciação que lhes foi reconhecido pelo artigo 15.o, n.o 4, da Diretiva 2003/86 que conduziu ao tratamento diferente de que se queixa o recorrente no processo principal.

90

Por conseguinte, há que considerar que, no que respeita à conservação do seu direito de residência no território do Estado‑Membro em causa, os nacionais de países terceiros, cônjuges de um cidadão da União, que foram vítimas de atos de violência doméstica cometidos por este último e que são abrangidos pela Diretiva 2004/38, por um lado, e os nacionais de países terceiros, cônjuges de outro nacional de um país terceiro, que foram vítimas de atos de violência doméstica cometidos por este último e que são abrangidos pela Diretiva 2003/86, por outro, não se encontram numa situação comparável para efeitos da eventual aplicação do princípio da igualdade de tratamento cuja observância o direito da União e, nomeadamente, o artigo 20.o da Carta, garante.

91

Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar que o exame da questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 à luz do artigo 20.o da Carta.

Quanto às despesas

92

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O exame da questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, à luz do artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.