ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

22 de junho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Diretiva 2004/38/CE — Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros — Artigo 15.o — Fim da residência temporária de um cidadão da União no território do Estado‑Membro de acolhimento — Decisão de afastamento — Partida física desse cidadão da União desse território — Efeitos no tempo dessa decisão de afastamento — Artigo 6.o — Possibilidade de o referido cidadão da União beneficiar de um novo direito de residência quando regressa ao referido território»

No processo C‑719/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 25 de setembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2019, no processo

FS

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan (relator) e N. Piçarra, presidentes de secção, M. Safjan, D. Šváby, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, P. G. Xuereb, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 16 de novembro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação de FS, por V. Senczuk, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por M. Van Regemorter e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e A. Pagáčová, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, P. Jespersen e M. S. Wolff, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e E. Montaguti, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de fevereiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe FS, cidadão da União que abandonou o território dos Países Baixos na sequência da adoção de uma decisão de afastamento a seu respeito, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado») a respeito de uma decisão pela qual esse cidadão da União foi colocado em detenção administrativa após ter regressado ao território do Estado‑Membro de acolhimento.

Quadro jurídico

Direito da União

Código das Fronteiras Schengen

3

O Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1), prevê, no seu artigo 22.o, sob a epígrafe «Passagem das fronteiras internas»:

«As fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controlo das pessoas, independentemente da sua nacionalidade.»

Diretiva 2004/38

4

Os considerandos 1 a 3, 10 e 16 da Diretiva 2004/38 enunciam:

«(1)

A cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e condições estabelecidas no Tratado [FUE] e às medidas adotadas em sua execução.

(2)

A livre circulação das pessoas constitui uma das liberdades fundamentais do mercado interno que compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a liberdade é assegurada de acordo com as disposições do Tratado [FUE].

(3)

A cidadania da União deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.

[…]

(10)

As pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão, contudo, tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência. Em consequência, o direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por períodos superiores a três meses deverá estar sujeito a condições.

[…]

(16)

Os titulares do direito de residência não podem ser afastados enquanto não se tornarem um encargo excessivo para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. […]»

5

O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Titulares», prevê, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

6

O artigo 5.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Direito de entrada», dispõe:

«1.   Sem prejuízo das disposições em matéria de documentos de viagem aplicáveis aos controlos nas fronteiras nacionais, os Estados‑Membros devem admitir no seu território os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido, e os membros das suas famílias que, não tendo a nacionalidade de um Estado‑Membro, estejam munidos de um passaporte válido.

[…]

5.   O Estado‑Membro pode exigir à pessoa em questão que comunique a sua presença no seu território num prazo razoável e não discriminatório. O incumprimento desta obrigação pode ser passível de sanções proporcionadas e não discriminatórias.»

7

O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência até três meses», prevê, no seu n.o 1:

«Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.»

8

O artigo 7.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», prevê, no seu n.o 1:

«Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)

Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)

esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

d)

disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

[…]»

9

O artigo 8.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Formalidades administrativas para os cidadãos da União», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do n.o 5 do artigo 5.o, para períodos de residência superiores a três meses, o Estado‑Membro de acolhimento pode exigir que os cidadãos da União se registem junto das autoridades competentes.»

10

Nos termos do artigo 14.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência»:

«1.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.o, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

2.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

Em casos específicos em que haja dúvidas razoáveis quanto a saber se um cidadão da União ou os membros da sua família preenchem as condições a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o, os Estados‑Membros podem verificar se tais condições são preenchidas. Esta verificação não é feita sistematicamente.

3.   O recurso ao regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento por parte de um cidadão da União ou dos membros da sua família não deve ter como consequência automática uma medida de afastamento.

4.   Em derrogação dos n.os 1 e 2 e sem prejuízo do disposto no capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União ou membros das suas famílias se:

[…]

b)

Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União e os membros das suas famílias não podem ser afastados enquanto os cidadãos da União comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados.»

11

O artigo 15.o desta diretiva, sob a epígrafe «Garantias processuais», tem a seguinte redação:

«1.   Os procedimentos previstos nos artigos 30.o e 31.o aplicam‑se, por analogia, a todas as decisões de restrição da livre circulação dos cidadãos da União e membros das suas famílias, por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

[…]

3.   O Estado‑Membro de acolhimento não pode impor uma proibição de entrada no território no contexto de uma decisão de afastamento a que se aplica o n.o 1.»

12

O artigo 16.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Regra geral para os cidadãos da União e membros das suas famílias», prevê, no seu n.o 1:

«Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. […]»

13

O artigo 17.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Derrogação para os trabalhadores que tiverem cessado a sua atividade no Estado‑Membro de acolhimento e membros das suas famílias», prevê, nomeadamente, derrogações à regra geral de elegibilidade prevista no artigo 16.o desta diretiva para efeitos da aquisição do direito de residência permanente.

14

O artigo 21.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Continuidade da residência», dispõe:

«Para os efeitos da presente diretiva, a continuidade da residência pode ser atestada por qualquer meio de prova utilizado no Estado‑Membro de acolhimento. A continuidade da residência é interrompida por qualquer decisão válida de afastamento da pessoa em questão que seja executada.»

15

O artigo 24.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», prevê, no seu n.o 2:

«Em derrogação do n.o 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.o 4 do artigo 14.o, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

16

O artigo 27.o desta diretiva, sob a epígrafe «Princípios gerais», dispõe, no seu n.o 1:

«Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.»

17

Nos termos do artigo 30.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Notificação das decisões»:

«1.   Qualquer decisão nos termos do n.o 1 do artigo 27.o deve ser notificada por escrito às pessoas em questão, de uma forma que lhe permita compreender o conteúdo e os efeitos que têm para si.

[…]

3.   A notificação deve especificar o tribunal ou autoridade administrativa perante o qual a pessoa em questão pode impugnar a decisão, o prazo de que dispõe para o efeito e, se for caso disso, o prazo concedido para abandonar o território do Estado‑Membro. Salvo motivo de urgência devidamente justificado, o prazo para abandonar o território não pode ser inferior a um mês a contar da data da notificação.»

18

O artigo 31.o desta diretiva, sob a epígrafe «Garantias processuais», prevê, no seu n.o 4:

«Os Estados‑Membros podem recusar a presença da pessoa em questão no seu território durante a impugnação, mas não podem impedir que apresente pessoalmente a sua defesa, a não ser que a sua presença seja suscetível de provocar grave perturbação da ordem pública ou da segurança pública ou quando a impugnação disser respeito à recusa de entrada no território.»

19

O artigo 32.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Duração da proibição de entrada no território», tem a seguinte redação:

«1.   As pessoas proibidas de entrar no território por razões de ordem pública ou de segurança pública podem apresentar um pedido de levantamento da proibição de entrada no território após um prazo razoável, em função das circunstâncias, e, em todo o caso, três anos após a execução da decisão definitiva de proibição que tenha sido legalmente tomada nos termos do direito [da União], invocando meios suscetíveis de provar que houve uma alteração material das circunstâncias que haviam justificado a proibição de entrada no território.

O Estado‑Membro em causa deve tomar uma decisão sobre este pedido no prazo de seis meses a contar da sua apresentação.

2.   As pessoas referidas no n.o 1 não têm direito de entrada no território do Estado‑Membro em causa durante o período de apreciação do seu pedido.»

Direito neerlandês

Vw 2000

20

O artigo 1.o da Wet tot algehele herziening van de Vreemdelingenwet (Vreemdelingenwet 2000) (Lei de 2000 sobre os Estrangeiros), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 495), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Vw 2000»), tem o seguinte teor:

«Na aceção da presente lei e das disposições aprovadas com base na mesma, entende‑se por:

[…]

[nacionais da União]:

1° [Os nacionais da União] Europeia que, ao abrigo do Tratado FUE, estejam autorizados a entrar e a residir no território de outro Estado‑Membro;

[…]

cidadão estrangeiro: qualquer pessoa que não possua a nacionalidade neerlandesa e que não possa ser equiparada a um nacional neerlandês nos termos de uma disposição legal.»

21

O artigo 8.o da Vw 2000 dispõe:

«Um cidadão estrangeiro só tem o direito de residir em situação regular nos Países Baixos:

[…]

e.

na qualidade de nacional da União, na medida em que resida nos Países Baixos ao abrigo de uma regulamentação adotada ao abrigo do Tratado FUE ou do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE)».

22

O artigo 50.o da Vw 2000 prevê:

«1.   Os funcionários encarregados da vigilância das fronteiras e do controlo dos estrangeiros estão habilitados, quer em razão de factos e circunstâncias que, segundo critérios objetivos, permitem razoavelmente presumir uma residência irregular, quer no âmbito da luta contra a residência irregular após a passagem das fronteiras, a interpelar pessoas para verificar a sua identidade, nacionalidade e condições de residência. Qualquer pessoa que afirme ter a nacionalidade neerlandesa, sem o poder provar, pode ser objeto das medidas de coação referidas nos n.os 2 e 5. Um decreto de alcance geral precisa os documentos de que um cidadão estrangeiro deve dispor para fins de verificação da sua identidade, nacionalidade e condições de residência.

[…]

3.   Se a identidade da pessoa interpelada puder ser imediatamente verificada e se se constatar que não tem um direito de residência regular, ou se não se constatar imediatamente que tem um direito de residência regular, pode ser transferida para um local previsto para uma audição. Poderá aí ser mantida por um período não superior a seis horas, não tendo em conta o período entre a meia‑noite e as nove horas da manhã.

[…]»

23

Nos termos do artigo 59.o da Vw 2000:

«1.   Se o interesse da ordem pública ou da segurança nacional o exigir, o ministro pode colocar em detenção, com vista ao seu afastamento, o estrangeiro que:

a. não se encontre em situação de residência regular;

[…]»

24

O artigo 61.o da Vw 2000 tem a seguinte redação:

«1.   O cidadão estrangeiro que não esteja ou tenha deixado de estar em situação de residência regular deve abandonar por iniciativa própria o território dos Países Baixos no prazo fixado no artigo 62.o

[…]»

25

O artigo 62.o da Vw 2000 dispõe:

«1.   Após a adoção de uma decisão de regresso tomada relativamente a um cidadão estrangeiro ou, se se tratar de um nacional da União, após o termo da residência regular deste último, o interessado deve abandonar por iniciativa própria o território dos Países Baixos no prazo de quatro semanas.

[…]»

26

O artigo 63.o da Vw 2000 prevê:

«1.   O cidadão estrangeiro que não esteja em situação de residência regular e que não tenha abandonado por iniciativa própria o território dos Países Baixos no prazo fixado pela presente lei pode ser expulso.

[…]»

27

Nos termos do artigo 72.o da Vw 2000:

«[…]

3.   Para efeitos da presente secção, é igualmente equiparado a uma decisão o ato de uma autoridade administrativa relativo a um cidadão estrangeiro enquanto tal, […]

[…]»

28

O artigo 106.o da Vw 2000 tem a seguinte redação:

«1.   Se o rechtbank [(Tribunal de Primeira Instância)] ordenar o levantamento de uma medida privativa de liberdade ou se a privação ou a restrição da liberdade já tiver sido levantada antes da apreciação do pedido de levantamento dessa medida, este pode conceder ao cidadão estrangeiro uma indemnização a cargo do Estado. […]

2.   O n.o 1 aplica‑se por analogia quando a Afdeling bestuursrechtspraak van de Raad van State [(Secção de Contencioso Administrativo do Conselho de Estado)] ordena o levantamento de uma medida privativa ou restritiva de liberdade.»

29

O artigo 112.o da Vw 2000 dispõe:

«Em aplicação de um tratado internacional ou da decisão de uma organização internacional que vincule o Reino dos Países Baixos, podem ser estabelecidas regras relativas à residência regular de cidadãos estrangeiros, através ou em virtude de um decreto de alcance geral, que possam derrogar, a favor desses cidadãos, a presente lei.»

Vreemdelingenbesluit 2000

30

O artigo 8.7 da Besluit tot uitvoering van de Vreemdelingenwet 2000 (Vreemdelingenbesluit 2000) (Decreto de 2000 sobre os Estrangeiros), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 497), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, figura na segunda subsecção da segunda secção do capítulo 8 deste decreto, que compreende, nomeadamente, os artigos 8.8, 8.11, 8.12 e 8.16. O artigo 8.7 dispõe:

«1.   A presente subsecção é aplicável aos cidadãos estrangeiros que tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro da União ou de um Estado parte no Acordo EEE, ou a nacionalidade suíça, e que se dirijam para os Países Baixos ou aí residam.

[…]»

31

Nos termos do artigo 8.11 do referido decreto:

«1.   O cidadão estrangeiro, mencionado no artigo 8.7, n.o 1, está em situação de residência regular durante um período de três meses a contar da sua entrada, se:

a.

for titular de um bilhete de identidade ou de um passaporte válido; ou

b.

apresentar, inequivocamente, por outros meios, a prova da sua identidade e da sua nacionalidade.

[…]»

32

O artigo 8.12 do mesmo decreto tem a seguinte redação:

«1.   O cidadão estrangeiro, mencionado no artigo 8.7, n.o 1, está em situação de residência regular no território dos Países Baixos por um período superior a três meses a contar da sua entrada, se:

a.

for trabalhador assalariado ou não assalariado nos Países Baixos ou tiver entrado nos Países Baixos para procurar emprego, estiver em condições de fazer prova disso e tiver hipóteses reais de ser contratado;

b.

dispuser, para si próprio e para os membros da sua família, de recursos suficientes e de um seguro de doença com uma cobertura extensa nos Países Baixos;

c.

estiver inscrito numa formação elencada no Centraal register opleidingen hoger onderwijs (Registo Central das Formações do Ensino Superior, Países Baixos) […];

[…]

2.   A residência regular do cidadão estrangeiro, mencionado na alínea a) do n.o 1, não cessa pelo simples facto de esse cidadão deixar de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada:

a.

em caso de incapacidade temporária para o trabalho resultante de doença ou acidente;

b.

se estiver desempregado, independentemente da sua vontade, depois de ter exercido atividades como trabalhador assalariado ou não assalariado durante pelo menos um ano e estiver inscrito como candidato a emprego no Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen [(Instituto de Gestão dos Seguros dos Trabalhadores Assalariados, Países Baixos)];

c.

durante um período de pelo menos seis meses, após ter ficado desempregado, independentemente da sua vontade, no termo de um contrato de trabalho de duração inferior a um ano, ou após ficar em situação de desemprego involuntário durante os primeiros doze meses, se estiver inscrito como candidato a emprego no Instituto de Gestão dos Seguros dos Trabalhadores Assalariados;

d.

se decidir seguir uma formação profissional que, salvo em caso de desemprego independentemente da sua vontade, apresente uma ligação com a sua atividade profissional anterior.

[…]»

33

O artigo 8.16, n.o 1, do Decreto de 2000 sobre os Estrangeiros dispõe:

«Sem prejuízo dos artigos 8.22 e 8.23, a residência regular não termina enquanto o cidadão estrangeiro preencher as condições referidas nos artigos 8.12 a 8.15. Em certos casos específicos, quando sejam admissíveis dúvidas, o ministro pode examinar se as condições estão preenchidas. O exame não é sistemático. O recurso à assistência pública não põe automaticamente termo à residência regular.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

34

Por decisão de 1 de junho de 2018, o Secretário de Estado considerou que FS, de nacionalidade polaca, estava em situação irregular no território dos Países Baixos.

35

O Secretário de Estado baseou esta decisão no facto de ter resultado de um inquérito que, apesar de ter trabalhado durante um período de cinco meses nos Países Baixos, FS já não exercia nenhuma atividade assalariada ou não assalariada, não tinha demonstrado estar involuntariamente desempregado ou ser candidato a emprego e não seguia estudos. Além disso, o referido inquérito revelou que FS não tinha demonstrado dispor de recursos suficientes para poder prover às suas necessidades. Finalmente, foi tido em conta que FS tinha sido detido com regularidade pela polícia por suspeita de furtos em lojas e de furto de carteiras.

36

Por conseguinte, o Secretário de Estado considerou, na referida decisão, que FS não preenchia as condições previstas no artigo 7.o da Diretiva 2004/38.

37

Por decisão de 25 de setembro de 2018 (a seguir «decisão de afastamento de FS»), o Secretário de Estado indeferiu como infundada a reclamação que este tinha apresentado contra a sua decisão de 1 de junho de 2018.

38

O Secretário de Estado baseou a decisão de afastamento de FS no facto de os elementos invocados pelo interessado na sua reclamação não exigirem uma apreciação diferente da que o levou à adoção da sua decisão de 1 de junho de 2018. O Secretário de Estado considerou, nomeadamente, que FS também não tinha demonstrado, na sua reclamação, estar involuntariamente desempregado ou à procura de emprego. O Secretário de Estado também considerou que não foi examinado se o comportamento de FS constituía uma ameaça atual, real e grave para um interesse fundamental da sociedade. Assim, a decisão de afastamento de FS não se baseou no artigo 27.o da Diretiva 2004/38.

39

Na decisão de afastamento de FS, o Secretário de Estado fixou um prazo de quatro semanas a contar da data de notificação dessa decisão para a sua partida voluntária e indicou que este podia ser expulso se não cumprisse esse prazo. Tendo em conta a data de notificação desta decisão, o referido prazo expirou em 23 de outubro de 2018.

40

FS não interpôs recurso da referida decisão de afastamento, pelo que esta decisão se tornou definitiva.

41

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, FS abandonou o território dos Países Baixos, em todo o caso, o mais tardar em 23 de outubro de 2018, dado que a polícia alemã o deteve nessa data por suspeita de furto em lojas.

42

FS declarou residir com amigos em Kaldenkirchen (Alemanha) desde que abandonou o território dos Países Baixos. Esta localidade fica imediatamente a seguir à fronteira entre esses dois Estados‑Membros. Além disso, FS declarou estar dependente da marijuana e deslocar‑se diariamente aos Países Baixos para a comprar.

43

Por último, declarou ter entrado no território dos Países Baixos em 21 de novembro de 2018, porque tinha recebido uma notificação para comparecer no dia 23 de novembro seguinte perante um juiz. Em 22 de novembro de 2018, FS foi detido num supermercado de Venlo (Países Baixos) por um furto. Detido pelos serviços de polícia neerlandeses por não ter podido apresentar um documento de identificação, FS foi objeto de uma medida de detenção policial com vista à sua audição, em aplicação do artigo 50.o da Vw 2000.

44

O Secretário de Estado decidiu colocar FS em detenção administrativa, nos termos do artigo 59.o, n.o 1, parte introdutória e alínea a), da Vw 2000. Essa detenção administrativa é destinada aos cidadãos estrangeiros que estavam em situação irregular no território dos Países Baixos, enquanto aguardam o afastamento para o seu país de origem.

45

O Secretário de Estado baseou esta decisão no facto de ser necessária uma medida de detenção no interesse da ordem pública, dado o risco de FS se subtrair ao controlo aplicável a estrangeiros e de impedir a preparação da sua partida ou do seu processo de afastamento. Com efeito, em primeiro lugar, FS, em violação da legislação neerlandesa sobre estrangeiros, subtraiu‑se durante algum tempo ao controlo aplicável a estrangeiros; em segundo lugar, FS foi anteriormente notificado de uma decisão da qual resulta que tinha a obrigação de abandonar o território dos Países Baixos e não a acatou no prazo fixado; em terceiro lugar, FS não tinha domicílio ou residência fixa; em quarto lugar, FS não dispunha de recursos suficientes; e, em quinto lugar, FS era suspeito de ter praticado um crime ou um delito ou já tinha sido condenado a esse título.

46

Por Decisão de 7 de dezembro de 2018, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats Groningen (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Groningen, Países Baixos) negou provimento ao recurso interposto por FS da decisão de detenção e, em especial, ao pedido de indemnização enxertado no recurso.

47

FS interpôs recurso desta decisão para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos).

48

Em 18 de dezembro de 2018, FS apresentou reclamação, com fundamento no artigo 72.o, n.o 3, da Vw 2000, contra o seu afastamento para a Polónia em 21 de dezembro seguinte. Pediu igualmente ao voorzieningenrechter van de rechtbank Den Haag (Juiz das Providências Cautelares do Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) que ordenasse a suspensão do seu afastamento.

49

Por Decisão de 20 de dezembro de 2018, o voorzieningenrechter van de rechtbank Den Haag (Juiz das Providências Cautelares do Tribunal de Primeira Instância de Haia) acolheu o pedido de medidas provisórias de FS e proibiu assim o seu afastamento para a Polónia antes do termo do prazo de quatro semanas a contar da data de notificação da decisão tomada sobre a reclamação de FS. No mesmo dia, dado que, com base na referida decisão de providências cautelares, o afastamento de FS para a Polónia tinha sido provisoriamente proibido, o Secretário de Estado revogou a medida de detenção que tinha tomado contra FS.

50

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, apesar de o Secretário de Estado ter revogado a referida medida de detenção, FS mantém interesse no recurso atualmente pendente neste órgão jurisdicional, uma vez que, nos termos do artigo 106.o da Vw 2000, FS tem direito a uma indemnização se se demonstrar que foi ilegalmente colocado em detenção.

51

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a decisão de afastamento de FS, pela qual o Secretário de Estado considerou que o interessado não tinha direito de residência no território dos Países Baixos, por não cumprir as condições previstas no artigo 7.o da Diretiva 2004/38, e lhe impôs a obrigação de abandonar esse território no prazo de quatro semanas a contar da data de notificação dessa decisão, sob pena de afastamento, é uma decisão de afastamento, na aceção do artigo 15.o desta diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio refere que é atualmente pacífico, no quadro do litígio nele pendente, que FS abandonou voluntariamente o território dos Países Baixos no prazo que lhe foi fixado.

52

Segundo este órgão jurisdicional, a questão de saber se foi com razão que FS foi detido, em 23 de novembro de 2018, na sequência do seu regresso ao território dos Países Baixos, implica esclarecer se beneficiava de novo de um direito de residência nesse território nessa data, o que exige a determinação dos efeitos jurídicos produzidos pela decisão de afastamento de FS.

53

Ora, não resulta da redação do artigo 15.o da Diretiva 2004/38, nem da sua economia, que uma decisão de afastamento continua a produzir efeitos jurídicos por um determinado período após o abandono pela pessoa em causa do território do Estado‑Membro de acolhimento ou que, pelo contrário, se deve considerar a decisão plenamente executada na data em que tal pessoa abandona esse território.

54

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, por um lado, resulta do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2004/38 que um Estado‑Membro não pode obrigar, através de uma decisão de afastamento, um cidadão da União a residir fora do seu território durante mais de três meses após a partida ou o afastamento do interessado desse território. Se assim não fosse, uma decisão de afastamento equivaleria, de facto, a uma proibição de entrada no território do Estado‑Membro que adotou essa decisão, a qual seria contrária a esta disposição, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de setembro de 2019, Chenchooliah (C‑94/18, EU:C:2019:693).

55

Por outro lado, uma decisão de afastamento visa, de maneira geral, que o cidadão da União objeto dessa decisão resida de forma duradoura fora do território do Estado‑Membro de acolhimento. Esse objetivo não poderia ser alcançado se, no próprio dia em que esse cidadão da União abandonou esse território, pudesse voltar a entrar no referido território ao abrigo do artigo 5.o da Diretiva 2004/38 e aí residir ao abrigo do artigo 6.o desta diretiva. Nesse caso, seria legítimo duvidar do efeito útil de uma decisão de afastamento tomada nos termos do artigo 15.o da referida diretiva.

56

Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 15.o, n.o 1, da [Diretiva 2004/38] ser interpretado no sentido de que a decisão de afastamento de um cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento, tomada com base nesta disposição, foi cumprida e deixa de produzir efeitos jurídicos assim que esse cidadão da União tiver abandonado comprovadamente o território desse Estado‑Membro de acolhimento, no prazo de partida voluntária estipulado na referida decisão?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, esse cidadão da União, se regressar imediatamente ao Estado‑Membro de acolhimento, tem o direito, previsto no artigo 6.o, n.o 1, da [Diretiva 2004/38], de residência por um período máximo de três meses, ou pode o Estado‑Membro de acolhimento tomar uma nova decisão de afastamento para impedir que o cidadão da União entre no Estado‑Membro de acolhimento, mesmo por um curto período?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, deve esse cidadão da União residir fora do território do Estado‑Membro de acolhimento durante um determinado período, e qual a duração desse período?»

Quanto às questões prejudiciais

57

Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão de afastamento de um cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento, adotada com fundamento nessa disposição, por esse cidadão da União ter deixado de beneficiar de um direito de residência temporária nesse território em virtude desta diretiva, é plenamente executada pelo simples facto de o referido cidadão da União ter abandonado fisicamente esse território no prazo fixado nessa decisão de afastamento para a sua partida voluntária e, sendo a resposta afirmativa, se, por um lado, em caso de regresso imediato ao mesmo território, esse cidadão da União pode beneficiar de um novo direito de residência ao abrigo do n.o 1 do artigo 6.o da referida diretiva ou se, por outro, o Estado‑Membro de acolhimento pode adotar uma nova decisão de afastamento para impedir a entrada repetida do mesmo cidadão da União no seu território durante um curto período. Se a resposta for negativa, esse órgão jurisdicional pergunta se o mesmo cidadão da União deve residir durante um determinado período mínimo fora do território do Estado‑Membro de acolhimento para poder invocar um novo direito de residência no seu território ao abrigo desta última disposição e, em caso afirmativo, qual a duração desse período.

58

Antes de mais, importa recordar que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva e são titulares dos direitos por esta conferidos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro diferente daquele de que são nacionais, bem como os membros das suas famílias, como definidos no artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva, que os acompanhem ou que a eles se reúnam (Acórdão de 10 de setembro de 2019, Chenchooliah, C‑94/18, EU:C:2019:693, n.o 54 e jurisprudência referida).

59

No caso em apreço, é pacífico que FS, nacional polaco e, por conseguinte, cidadão da União, exerceu a sua liberdade de circulação ao deslocar‑se e ao residir num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, a saber, os Países Baixos. Em especial, resulta da decisão de reenvio que FS trabalhou durante um período de cinco meses nos Países Baixos antes de ser objeto da decisão de afastamento. Esta decisão baseou‑se no facto de que, à data da sua adoção, FS já não preenchia as condições previstas no artigo 7.o da Diretiva 2004/38 e estava, por conseguinte, em situação irregular no território dos Países Baixos.

60

Ora, resulta dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, no âmbito da acusação única que deduz perante o órgão jurisdicional de reenvio, FS alega que, uma vez que demonstrou ter abandonado voluntariamente o território dos Países Baixos no prazo de quatro semanas que lhe tinha sido fixado para abandonar esse território, que expirou em 23 de outubro de 2018, podia invocar um novo direito de residência ao abrigo do artigo 6.o da Diretiva 2004/38 no seu regresso ao referido território. Segundo FS, foi, por conseguinte, erradamente que o Secretário de Estado o colocou em detenção administrativa em 23 de novembro seguinte, com vista ao seu afastamento.

61

Assim, embora a questão da legalidade desta detenção administrativa se coloque perante o órgão jurisdicional de reenvio, decorre dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que nem a legalidade da própria decisão de afastamento de FS, que se tornou definitiva, nem o facto de FS ter cumprido voluntariamente esta decisão no prazo fixado são contestados no litígio no processo principal.

62

Daqui resulta que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se unicamente sobre as circunstâncias em que um cidadão da União que foi objeto de uma decisão de afastamento, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, pode invocar um novo direito de residência, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, no Estado‑Membro de acolhimento.

63

Após estes esclarecimentos preliminares, há que examinar, em primeiro lugar, se a mera partida física do cidadão da União do Estado‑Membro de acolhimento basta para que se possa considerar que uma decisão de afastamento tomada em relação a este por esse Estado‑Membro foi plenamente executada, pelo que esta decisão já não lhe é oponível por ocasião do seu regresso imediato ao território do referido Estado‑Membro. Se a simples partida física do cidadão da União não for suficiente para esse efeito, há que apreciar, em segundo lugar, a pertinência do período de ausência desse cidadão da União do Estado‑Membro de acolhimento e os outros critérios eventualmente pertinentes neste contexto. Em terceiro e último lugar, há que examinar as consequências da não execução de uma decisão de afastamento.

Quanto à partida física do cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento

64

Há que salientar que a Diretiva 2004/38 não contém apenas as regras que regem as condições de obtenção de um dos diferentes tipos de direitos de residência nela previstos e as condições a preencher para poder conservar a titularidade dos direitos em causa. Esta diretiva prevê, além disso, um conjunto de regras destinadas a regular a situação resultante da perda da titularidade de um desses direitos (Acórdão de 10 de setembro de 2019, Chenchooliah, C‑94/18, EU:C:2019:693, n.o 70).

65

A este respeito, o artigo 15.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Garantias processuais», aplica‑se a uma decisão de afastamento tomada, como no processo principal, por razões sem relação alguma com um qualquer perigo para a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2019, Chenchooliah, C‑94/18, EU:C:2019:693, n.o 73).

66

Com efeito, esta disposição, que consta do capítulo III da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Direito de residência», prevê o regime que é aplicável quando um direito de residência temporária ao abrigo desta diretiva termina, em especial quando um cidadão da União ou um membro da sua família que, no passado, beneficiou de um direito de residência até três meses ou superior a três meses em virtude, respetivamente, do artigo 6.o ou do artigo 7.o da referida diretiva deixa de preencher as condições do direito de residência em causa e pode, portanto, em princípio, ser afastado pelo Estado‑Membro de acolhimento (Acórdão de 10 de setembro de 2019, Chenchooliah, C‑94/18, EU:C:2019:693, n.o 74).

67

Em especial, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, os procedimentos previstos nos seus artigos 30.o e 31.o aplicam‑se por analogia a essa decisão de afastamento.

68

Além disso, o artigo 15.o, n.o 3, desta diretiva prevê que o Estado‑Membro de acolhimento não pode impor uma proibição de entrada no seu território no contexto de uma decisão de afastamento a que se aplica o n.o 1 deste artigo.

69

Todavia, há que observar que os efeitos no tempo de uma decisão de afastamento adotada nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da referida diretiva não resultam do teor desta última disposição nem do teor das outras disposições da mesma diretiva.

70

Uma vez que o teor da Diretiva 2004/38 não permite, por si só, responder às questões submetidas, há que ter em conta, para efeitos da interpretação do artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva, o objetivo desta disposição e o contexto em que se insere, bem como a finalidade da própria diretiva (v., por analogia, Acórdão de 12 de novembro de 2019, Haqbin, C‑233/18, EU:C:2019:956, n.o 42 e jurisprudência referida).

71

A este respeito, importa salientar que o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 oferece ao Estado‑Membro de acolhimento, nomeadamente, a possibilidade de afastar do seu território um cidadão da União que deixou de beneficiar de um direito de residência ao abrigo do artigo 6.o ou do artigo 7.o desta diretiva. Daqui resulta que o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 visa, em particular, permitir ao Estado‑Membro de acolhimento garantir que a residência no seu território de cidadãos da União que não beneficiam de um direito de residência permanente nesse território respeita o alcance dos direitos de residência temporária previstos nesta diretiva.

72

Note‑se que esta possibilidade de o Estado‑Membro de acolhimento afastar o cidadão da União que deixou de estar em situação de residência regular no seu território se insere no objetivo específico da Diretiva 2004/38, expresso nos seus artigos 6.o e 7.o, lidos em conjugação com o seu artigo 14.o, bem como no seu considerando 10, que consiste em evitar que os cidadãos da União e os membros das suas famílias que exerçam um direito de residência ao abrigo desta se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante a sua residência temporária.

73

Ora, se o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 fosse interpretado no sentido de que a simples partida física do cidadão da União é suficiente para efeitos da execução de uma decisão de afastamento tomada a seu respeito ao abrigo desta disposição, esse cidadão da União apenas teria de atravessar a fronteira do Estado‑Membro de acolhimento para poder regressar imediatamente ao território desse Estado‑Membro e invocar um novo direito de residência ao abrigo do artigo 6.o desta diretiva. Agindo desta forma repetidamente, o referido cidadão da União poderia obter numerosos direitos de residência, um após o outro, no território de um mesmo Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo deste último artigo, apesar de, na realidade, esses diferentes direitos serem reconhecidos para efeitos de uma única e mesma residência efetiva.

74

Tal interpretação equivaleria a privar de efeito útil a possibilidade de o Estado‑Membro de acolhimento pôr termo à residência de um cidadão da União, a título do artigo 6.o da Diretiva 2004/38, quando este último chega ao termo da sua residência de três meses no território desse Estado‑Membro, permitindo‑lhe, na prática, uma residência por mais de três meses nesse território, apesar de ter sido adotada uma decisão de afastamento contra si e de as condições previstas no artigo 7.o desta diretiva não estarem preenchidas. Com efeito, segundo esta interpretação, pelo simples facto de atravessar a fronteira do Estado‑Membro de acolhimento de três em três meses, é reconhecido a esse cidadão da União um direito de residência, na realidade, de duração ilimitada, embora, por um lado, possa não respeitar as condições previstas no artigo 7.o da referida diretiva e, por outro, o artigo 6.o da mesma diretiva, por sua vez, que invocaria para efeitos dessa estada sem limite temporal real, apenas tenha sido concebido para regular a residência até três meses, como se depreende da própria epígrafe deste último artigo.

75

A referida interpretação, que não exige que o cidadão da União em causa termine a sua residência no Estado‑Membro de acolhimento de maneira real e efetiva, poderia, além disso, comprometer o equilíbrio que a Diretiva 2004/38 visa estabelecer entre, por um lado, o direito à liberdade de circulação e de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias e, por outro, a proteção do regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento relativamente a encargos não razoáveis que podem ser causados pela residência temporária dessas pessoas no seu território.

76

Além disso, há que observar que, para adquirir um direito de residência permanente no território do Estado‑Membro de acolhimento, o cidadão da União deve, segundo o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, ter residido legalmente nesse território por um período ininterrupto de cinco anos, sem prejuízo das derrogações previstas no artigo 17.o desta diretiva para os trabalhadores que cessaram a sua atividade no referido território. Ora, resulta do artigo 21.o da referida diretiva que a continuidade da residência é interrompida por qualquer decisão de afastamento validamente executada contra o interessado.

77

Por conseguinte, considerar que a simples partida física do cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento é suficiente para efeitos da execução de uma decisão de afastamento tomada em relação ao interessado teria igualmente por consequência privar de uma parte do seu efeito útil a distinção claramente feita pela Diretiva 2004/38 entre a residência temporária e a residência permanente. Com efeito, tal consideração permitiria a esse cidadão da União invocar múltiplas estadas temporárias sucessivas nesse Estado‑Membro para aí residir, na realidade, de forma perene, embora não preencha as condições de um direito de residência permanente previstas nessa diretiva.

78

A interpretação que figura no n.o 73 do presente acórdão não seria assim coerente com o contexto global da Diretiva 2004/38, a qual, como o Tribunal de Justiça declarou repetidamente, previu um sistema gradual no que respeita ao direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, que, retomando no essencial as etapas e as condições previstas nos diferentes instrumentos do direito da União e a jurisprudência anteriores a esta diretiva, conduz ao direito de residência permanente [Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (Cessação da atividade depois de atingir a idade de reforma), C‑32/19, EU:C:2020:25, n.o 33 e jurisprudência referida].

79

Além disso, há que recordar que, por força do artigo 30.o, n.o 3, da Diretiva 2004/38, o prazo fixado para abandonar o território do Estado‑Membro de acolhimento não pode ser inferior a um mês a contar da data de notificação da decisão de afastamento ao interessado, exceto em caso de urgência devidamente justificada. Sendo esta disposição, como resulta do n.o 67 do presente acórdão, aplicável «por analogia» a uma decisão tomada com base no artigo 15.o desta diretiva, o referido prazo também é aplicável às decisões de afastamento, como a que está em causa no processo principal, tomadas por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

80

Ora, como sustenta o Governo neerlandês, a concessão de um prazo mínimo de um mês a contar da notificação da decisão de afastamento para a executar, na medida em que permite nomeadamente ao interessado preparar a sua partida, milita a favor da interpretação segundo a qual a execução de uma decisão de afastamento não se efetua pela mera partida física da pessoa em causa do território do Estado‑Membro de acolhimento, mas pelo facto de esta pôr um termo real e efetivo à sua residência nesse território.

81

Atendendo ao que precede, deve considerar‑se que, como foi igualmente salientado pelo advogado‑geral no n.o 77 das suas conclusões, a simples partida física do cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento não é suficiente para executar plenamente uma decisão de afastamento tomada contra ele nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. Para poder invocar um novo direito de residência nesse território, a título do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, o cidadão da União deve não apenas abandonar fisicamente o referido território mas igualmente terminar a sua residência no mesmo território, de maneira real e efetiva, de modo que, por ocasião do seu regresso ao território do Estado‑Membro de acolhimento, a sua residência não pode ser considerada, na realidade, uma continuação da sua residência anterior no mesmo território.

82

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, com base numa apreciação global de todas as circunstâncias do litígio que lhe foi submetido, se o cidadão da União em causa pôs termo à sua residência no território do Estado‑Membro de acolhimento de maneira real e efetiva, pelo que a decisão de afastamento de que foi objeto foi plenamente executada. No entanto, cabe ao Tribunal de Justiça fornecer indicações úteis a esse respeito, para que o órgão jurisdicional de reenvio possa dirimir o litígio que lhe é submetido (v., por analogia, Acórdão de 4 de julho de 2019, Kirschstein, C‑393/17, EU:C:2019:563, n.o 32 e jurisprudência referida).

Quanto aos elementos pertinentes para efeitos da apreciação da execução de uma decisão de afastamento

83

Em primeiro lugar, há que determinar se, para que se considere que o cidadão da União pôs termo à sua residência temporária no território do Estado‑Membro de acolhimento de maneira real e efetiva, tem de residir fora desse território durante um determinado período mínimo, como, por exemplo, de três meses, como preconiza o Governo neerlandês.

84

É verdade que, como decorre dos n.os 66 e 74 do presente acórdão, o período de três meses já desempenha um papel importante no âmbito da Diretiva 2004/38, em especial na medida em que este período permite distinguir entre os dois tipos de direito de residência temporária previstos nos artigos 6.o e 7.o desta diretiva.

85

Todavia, esta consideração não justifica que se interprete o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 no sentido de que esta disposição estabelece uma condição de execução de uma decisão de afastamento, como a contemplada no n.o 83 do presente acórdão.

86

Em especial, como o Tribunal de Justiça já declarou por diversas vezes e como resulta dos considerandos 1 e 2 da Diretiva 2004/38, a cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e das restrições fixadas pelos Tratados e das medidas adotadas em sua aplicação, constituindo, por outro lado, a livre circulação de pessoas uma das liberdades fundamentais do mercado interno, consagrada no artigo 45.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 27 e jurisprudência referida).

87

Além disso, como resulta do considerando 3 da Diretiva 2004/38, esta visa facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros que é conferido diretamente aos cidadãos da União pelo Tratado FUE e tem, nomeadamente, por objeto reforçar o referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 28 e jurisprudência referida).

88

Acresce que, sendo a livre circulação de pessoas um dos fundamentos da União, as disposições que a consagram devem ser interpretadas em sentido lato, enquanto as exceções e as derrogações à mesma devem, pelo contrário, ser interpretadas de forma estrita (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de junho de 1986, Kempf, 139/85, EU:C:1986:223, n.o 13, e de 10 de julho de 2008, Jipa, C‑33/07, EU:C:2008:396, n.o 23).

89

Ora, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 91 e 93 das suas conclusões, interpretar o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 no sentido de que o cidadão da União que foi objeto de uma decisão de afastamento tomada nos termos desta disposição é obrigado, em todos os casos, a abandonar o Estado‑Membro de acolhimento por um período mínimo, por exemplo, de três meses, a fim de poder beneficiar de um novo direito de residência no território desse Estado‑Membro, nos termos do n.o 1 do artigo 6.o desta diretiva, equivaleria a subordinar o exercício desse direito fundamental a uma limitação não prevista nem nos Tratados nem na Diretiva 2004/38.

90

Todavia, mesmo que a duração do período passado pelo cidadão da União fora do território do Estado‑Membro de acolhimento na sequência da adoção de uma decisão de afastamento tomada a seu respeito nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 não seja, em si mesma, determinante para apreciar se o interessado pôs termo à sua residência nesse território de maneira real e efetiva, essa duração pode revestir uma certa importância no âmbito da apreciação global referida no n.o 82 do presente acórdão. Com efeito, quanto mais longa for a ausência do interessado do território do Estado‑Membro de acolhimento, mais esta indicia o caráter real e efetivo da cessação da sua residência. Em contrapartida, a mera ausência muito breve, de alguns dias ou mesmo de algumas horas, tende antes a demonstrar que a residência que o cidadão da União invoca, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, por ocasião do seu regresso ao território do Estado‑Membro de acolhimento, se inscreve, na realidade, no mesmo período de residência nesse território.

91

Em segundo lugar, como sustenta a Comissão Europeia, para determinar se um cidadão da União pôs termo de maneira real e efetiva à sua residência ao abrigo do artigo 7.o da Diretiva 2004/38, há que ter em conta, por um lado, todos os elementos que comprovam uma rutura dos laços entre o cidadão da União em causa e o Estado‑Membro de acolhimento. Podem nomeadamente revestir uma certa pertinência, a este respeito, um pedido de cancelamento da inscrição num registo da população, a rescisão de um contrato de arrendamento ou de um contrato de prestação de serviços públicos, como a água ou a eletricidade, uma mudança de morada, o cancelamento da inscrição num serviço de inserção profissional ou a cessação de outras relações que pressupõem uma certa integração do cidadão da União nesse Estado‑Membro.

92

A este respeito, importa sublinhar que a pertinência desses elementos, que pode variar consoante as circunstâncias, deve ser apreciada pela autoridade nacional competente à luz de todas as circunstâncias concretas que caracterizam a situação específica do cidadão da União em causa. Em especial, há que ter em conta o seu grau de integração no Estado‑Membro de acolhimento, a duração da sua residência no território deste imediatamente antes da adoção da decisão de afastamento tomada a seu respeito, bem como a sua situação familiar e económica.

93

Além dos elementos precedentes, relativos a uma eventual rutura dos laços que unem o cidadão da União em causa ao Estado‑Membro de acolhimento, importa, por outro lado, ter em conta todos os elementos referentes ao período de ausência deste do território desse Estado‑Membro após a adoção de uma decisão de afastamento tomada a seu respeito, que tendem a esclarecer se se pode considerar que esse cidadão da União residiu efetivamente fora do referido território durante esse período. A este respeito, em todo o caso, há que tomar em consideração, quando a sua residência no Estado‑Membro de acolhimento se baseava no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, os indícios que sugerem que o referido cidadão da União deslocou o seu centro de interesses pessoais, profissionais ou familiares para outro Estado durante o referido período.

Quanto às consequências da não execução de uma decisão de afastamento

94

Resulta do exposto que a decisão de afastamento de um cidadão da União não é executada enquanto, tendo em conta todas as circunstâncias que caracterizam a situação desse cidadão, não se puder considerar que este último pôs termo à sua residência temporária no território do Estado‑Membro de acolhimento de maneira real e efetiva. Na falta de execução da sua decisão de afastamento, este cidadão da União permanece assim em situação irregular nesse território, mesmo quando, depois de o ter abandonado de forma passageira, volta a entrar nele. Por conseguinte, nesse caso, esse Estado‑Membro não é obrigado a adotar uma nova decisão de afastamento com base nos mesmos factos que deram origem à decisão de afastamento já tomada contra esse cidadão da União, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, mas pode basear‑se nesta última decisão a fim de o obrigar a abandonar o seu território.

95

Disto isto, há que precisar que uma alteração material das circunstâncias que permita ao cidadão da União preencher as condições previstas no artigo 7.o da referida diretiva privaria a decisão de afastamento de que é objeto de qualquer efeito e implicaria, não obstante a não execução desta, que se considerasse regular a sua residência no território do Estado‑Membro em causa.

96

É certo que o facto de, no Espaço Schengen, os controlos nas fronteiras internas serem, em princípio, proibidos, nos termos do artigo 22.o do Código das Fronteiras Schengen, torna mais difícil a possibilidade de as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento verificarem se o cidadão da União objeto de uma decisão de afastamento, adotada nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, a executou plenamente.

97

É igualmente verdade que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, sem prejuízo das disposições em matéria de documentos de viagem aplicáveis aos controlos nas fronteiras nacionais, os Estados‑Membros devem admitir no seu território os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido. Do mesmo modo, o direito do cidadão da União de residir até três meses no território de outro Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, não está sujeito a nenhuma condição ou formalidade além da exigência de ser titular desse documento.

98

Todavia, outras disposições da Diretiva 2004/38 visam permitir que o Estado‑Membro de acolhimento assegure que a residência temporária dos nacionais de outros Estados‑Membros nos seus territórios esteja em conformidade com esta diretiva.

99

Em especial, como a Comissão sustentou na audiência, se é certo que, por força do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, a possibilidade de o Estado‑Membro de acolhimento impor que os cidadãos da União se registem junto das autoridades competentes só se aplica, segundo os próprios termos desta disposição, a períodos de residência superiores a três meses, o artigo 5.o, n.o 5, desta diretiva dispõe que o Estado‑Membro pode exigir à pessoa em questão que comunique a sua presença no seu território num prazo razoável e não discriminatório e que o incumprimento desta obrigação, como o incumprimento da obrigação de registo, pode ser passível de sanções proporcionadas e não discriminatórias.

100

Na mesma ótica, há que salientar que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o cidadão da União entra em contacto com as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento pouco tempo após o termo do prazo previsto para a sua partida voluntária do referido território, esse Estado‑Membro pode verificar se a presença desse cidadão da União no seu território se justifica em virtude da referida diretiva.

101

Por último, importa acrescentar que uma decisão de afastamento tomada em aplicação do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que ainda não tenha sido executada não obsta ao direito de o cidadão da União em causa entrar no território do Estado‑Membro de acolhimento, ao abrigo do artigo 5.o da Diretiva 2004/38.

102

Com efeito, embora o direito de entrada previsto no artigo 5.o da Diretiva 2004/38 permita ao cidadão da União ser admitido no território de um Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional para aí residir ao abrigo de outra disposição desta diretiva, esse direito de entrada pode igualmente ser exercido autonomamente quando esse cidadão da União, que não dispõe de um direito de residência nesse território ao abrigo da referida diretiva, pretende, não obstante, deslocar‑se pontualmente para o referido território para fins diferentes de aí residir. Ora, como decorre do n.o 68 do presente acórdão, o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2004/38 prevê que o Estado‑Membro de acolhimento não pode impor uma proibição de entrada no seu território no contexto de uma decisão de afastamento a que se aplica o n.o 1 deste artigo.

103

Daqui resulta que uma decisão de afastamento tomada contra um cidadão da União, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, não lhe pode ser oposta enquanto a sua presença no território do Estado‑Membro de acolhimento se justificar ao abrigo do artigo 5.o desta diretiva.

104

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão de afastamento de um cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento, adotada com fundamento nessa disposição, pelo facto de esse cidadão da União ter deixado de beneficiar de um direito de residência temporária nesse território em virtude desta diretiva, não é plenamente executada com o abandono físico desse território por parte do referido cidadão da União no prazo fixado nessa decisão para a sua partida voluntária. Para beneficiar de um novo direito de residência no mesmo território, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, o cidadão da União que foi objeto dessa decisão de afastamento deve não só ter abandonado fisicamente o território do Estado‑Membro de acolhimento mas também ter posto termo à sua residência nesse território de maneira real e efetiva, de modo que, por ocasião do seu regresso ao referido território, a sua residência não possa ser considerada, na realidade, uma continuação da sua residência anterior no mesmo território. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso tendo em conta todas as circunstâncias concretas que caracterizam a situação específica do cidadão da União em causa. Se resultar dessa verificação que o cidadão da União não pôs termo à sua residência temporária no território do Estado‑Membro de acolhimento de maneira real e efetiva, esse Estado‑Membro não é obrigado a adotar uma nova decisão de afastamento com base nos mesmos factos que deram origem à decisão de afastamento já tomada contra esse cidadão da União, mas pode basear‑se nesta última decisão para o obrigar a abandonar o seu território.

Quanto às despesas

105

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que uma decisão de afastamento de um cidadão da União do território do Estado‑Membro de acolhimento, adotada com fundamento nessa disposição, pelo facto de esse cidadão da União ter deixado de beneficiar de um direito de residência temporária nesse território em virtude desta diretiva, não é plenamente executada com o abandono físico desse território por parte do referido cidadão da União no prazo fixado nessa decisão para a sua partida voluntária. Para beneficiar de um novo direito de residência no mesmo território, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, o cidadão da União que foi objeto dessa decisão de afastamento deve não só ter abandonado fisicamente o território do Estado‑Membro de acolhimento mas também ter posto termo à sua residência nesse território de maneira real e efetiva, de modo que, por ocasião do seu regresso ao referido território, a sua residência não possa ser considerada, na realidade, uma continuação da sua residência anterior no mesmo território. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso tendo em conta todas as circunstâncias concretas que caracterizam a situação específica do cidadão da União em causa. Se resultar dessa verificação que o cidadão da União não pôs termo à sua residência temporária no território do Estado‑Membro de acolhimento de maneira real e efetiva, esse Estado‑Membro não é obrigado a adotar uma nova decisão de afastamento com base nos mesmos factos que deram origem à decisão de afastamento já tomada contra esse cidadão da União, mas pode basear‑se nesta última decisão para o obrigar a abandonar o seu território.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.