ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2021 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 15 de março de 2022]

«Reenvio prejudicial — Decisão 2006/928/CE — Mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção — Natureza e efeitos jurídicos — Caráter vinculativo para a Roménia — Estado de direito — Independência dos juízes — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Luta contra a corrupção — Proteção dos interesses financeiros da União — Artigo 325.o, n.o 1, TFUE — Convenção “PIF” — Processos penais — Acórdãos da Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional, Roménia) relativos à legalidade da produção de determinadas provas e à composição de formações de julgamento em matéria de corrupção grave — Obrigação de os juízes nacionais conferirem pleno efeito às decisões da Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional) — Responsabilidade disciplinar dos juízes em caso de não cumprimento destas decisões — Faculdade de não aplicar as decisões da Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional) que não sejam conformes com o direito da União — Princípio do primado do direito da União»

Nos processos apensos C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19,

que têm por objeto cinco pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia), por Decisões de 6 de maio de 2019 (C‑357/19), 13 de maio de 2019 (C‑547/19), 31 de outubro de 2019 (C‑811/19) e 19 de novembro de 2019 (C‑840/19), que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 6 de maio, 15 de julho, 4 de novembro e 19 de novembro de 2019, bem como pelo Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor, Roménia), por Decisão de 14 de maio de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de maio de 2019 (C‑379/19),

nos processos penais contra

PM (C‑357/19),

RO (C‑357/19),

SP (C‑357/19),

TQ (C‑357/19),

KI (C‑379/19),

LJ (C‑379/19),

JH (C‑379/19),

IG (C‑379/19),

FQ (C‑811/19),

GP (C‑811/19),

HO (C‑811/19),

IN (C‑811/19),

NC (C‑840/19),

sendo intervenientes:

Ministerul Public — Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi JustiţieDirecţia Naţională Anticorupţie (C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19),

QN (C‑357/19),

UR (C‑357/19),

VS (C‑357/19),

WT (C‑357/19),

Autoritatea Naţională pentru Turism (C‑357/19),

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală (C‑357/19),

SC Euro Box Promotion SRL (C‑357/19),

Direcţia Naţională AnticorupţieServiciul Teritorial Oradea (C‑379/19),

JM (C‑811/19),

e no processo

CY,

Asociaţia « Forumul Judecătorilor din România»

contra

Inspecţia Judiciară,

Consiliul Superior al Magistraturii,

Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (C‑547/19),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal e K. Jürimäe, S. Rodin, presidentes de secção, M. Ilešič, T. von Danwitz (relator), M. Safjan, F. Biltgen e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de PM, por V. Rădulescu e V. Tobă, avocați,

em representação de RO, por M. O. Ţopa e R. Chiriţă, avocați,

em representação de TQ, por M. Mareş, avocat,

em representação de KI e LJ, por R. Chiriță, F. Mircea e o. Chiriță, avocați,

em representação de CY, por P. Rusu, avocat e por C. Bogdan,

em representação da Asociația «Forumul Judecătorilor din România», por D. Călin e L. Zaharia,

em representação de FQ, por A. Georgescu, avocat,

em representação de NC, por D. Lupaşcu e G. Thuan Dit Dieudonné, advogados,

em representação do Ministerul Public — Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie — Direcţia Naţională Anticorupţie, por C. Nistor e D. Ana, na qualidade de agentes,

em representação da Direcția Națională Anticorupție — Serviciul Teritorial Oradea, por D. Ana, na qualidade de agente,

em representação da Inspecția Judiciară, por M. L. Netejoru, na qualidade de agente,

em representação do Consiliul Superior al Magistraturii, por L. Savonea, na qualidade de agente,

em representação do Governo romeno, inicialmente, por C.‑R. Canţăr e S.‑A. Purza, bem como por E. Gane, R. I. Haţieganu e L. Liţu, em seguida, por S.‑A. Purza e por E. Gane, R. I. Haţieganu e L. Liţu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, inicialmente, por J. Baquero Cruz, I. Rogalski, P. Van Nuffel, M. Wasmeier e H. Krämer, em seguida, por J. Baquero Cruz, I. Rogalski, P. Van Nuffel e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto, em substância, a interpretação do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, n.o 1, da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades, assinada em Bruxelas em 26 de julho de 1995 e anexa ao Ato do Conselho, de 26 de julho de 1995 (JO 1995, C 316, p. 48, a seguir «Convenção PIF»), da Decisão 2006/928/CE da Comissão, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção (JO 2006, L 354, p. 56) e do princípio do primado do direito da União.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de:

processos penais contra PM, RO, TQ e SP (C‑357/19), KI, LJ, JH e IG (C‑379/19), FQ, GP, HO e IN (C‑811/19), e NC (C‑840/19) por infrações, nomeadamente, por crimes de corrupção e fraude fiscal relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA);

um litígio que opõe CY e a Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» (a seguir «Fórum dos Juízes da Roménia») à Inspecţia Judiciară (Inspeção Judicial, Roménia), ao Consiliul Superior al Magistraturii (Conselho Superior da Magistratura, Roménia) e à Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia, a seguir «Tribunal Superior de Cassação e Justiça») a respeito da aplicação de uma sanção disciplinar a CY (C‑547/19).

Quadro jurídico

Direito da União

Convenção PIF

3

O artigo 1.o, n.o 1, da Convenção PIF tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente convenção, constitui fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias:

a)

Em matéria de despesas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos:

à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito o recebimento ou a retenção indevidos de fundos provenientes do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou dos orçamentos geridos pelas Comunidades Europeias ou por sua conta,

à não comunicação de uma informação em violação de uma obrigação específica, que produza o mesmo efeito,

ao desvio desses fundos para fins diferentes daqueles para que foram inicialmente concedidos;

b)

Em matéria de receitas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos:

à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição ilegal de recursos do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou dos orçamentos geridos pelas Comunidades Europeias ou por sua conta,

[…]»

4

O artigo 2.o, n.o 1, da referida convenção dispõe:

«Cada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.o, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.o 1 do artigo 1.o, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, incluindo, pelo menos nos casos de fraude grave, penas privativas de liberdade que possam determinar a extradição, entendendo‑se que se deve considerar fraude grave qualquer fraude relativa a um montante mínimo, a fixar em cada Estado‑Membro. Esse montante mínimo não pode ser fixado em mais de 50000 [euros].»

5

Por Ato de 27 de setembro de 1996, o Conselho estabeleceu o protocolo da Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades (JO 1996, C 313, p. 1). Em conformidade com os seus artigos 2.o e 3.o, este protocolo é aplicável aos atos de corrupção passiva e ativa.

Tratado de Adesão

6

O Tratado entre os Estados‑Membros da União Europeia e a República da Bulgária e a Roménia, relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia (JO 2005, L 157, p. 11, a seguir «Tratado de Adesão»), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, dispõe, no seu artigo 2.o, n.os 2 e 3:

«2.   As condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União, decorrentes desta, aplicáveis a partir da data de adesão até à data de entrada em vigor do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, constam do Ato anexo ao presente Tratado. As disposições desse Ato fazem parte integrante do presente Tratado.

3.   […]

Os atos adotados antes da entrada em vigor do Protocolo a que se refere o n.o 3 do artigo 1.o com base no presente Tratado ou no Ato a que se refere o n.o 2 permanecem em vigor e os seus efeitos jurídicos são salvaguardados até que esses atos sejam alterados ou revogados.»

Ato de Adesão

7

O Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203, a seguir «Ato de Adesão»), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, prevê, no seu artigo 2.o:

«A partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas Instituições e pelo Banco Central Europeu antes da adesão vinculam a Bulgária e a Roménia e são aplicáveis nesses Estados nos termos desses Tratados e do presente Ato.»

8

O artigo 37.o deste ato tem a seguinte redação:

«Se a Bulgária ou a Roménia não tiver dado cumprimento a compromissos assumidos no contexto das negociações de adesão, incluindo os assumidos em qualquer das políticas setoriais que dizem respeito às atividades económicas com incidência transfronteiriça, dando assim origem a uma grave perturbação ou a um risco de grave perturbação do funcionamento do mercado interno, a Comissão pode, mediante pedido fundamentado de um Estado‑Membro ou por iniciativa própria, tomar medidas adequadas, durante um período máximo de três anos a contar da adesão.

As medidas devem ser proporcionadas, dando‑se prioridade às que causem menor perturbação no funcionamento do mercado interno e, se adequado, à aplicação dos mecanismos setoriais de salvaguarda existentes. Essas medidas de salvaguarda não devem ser invocadas como meio de discriminação arbitrária ou de restrição dissimulada do comércio entre Estados‑Membros. A cláusula de salvaguarda pode ser invocada mesmo antes da adesão, com base nas conclusões do acompanhamento, devendo as medidas adotadas entrar em vigor logo no primeiro dia da adesão, a menos que estabeleçam uma data posterior. As medidas não podem ser mantidas por um período superior ao estritamente necessário e devem ser, de qualquer modo, levantadas quando tiver sido cumprido o compromisso em causa, podendo, porém, ser aplicadas para lá do período especificado no primeiro parágrafo enquanto não forem cumpridos os compromissos pertinentes. Em resposta aos progressos efetuados pelo novo Estado‑Membro em causa no cumprimento dos seus compromissos, a Comissão pode adaptar as medidas conforme for adequado. A Comissão deve informar o Conselho em tempo útil antes de revogar as medidas de salvaguarda, tendo devidamente em conta quaisquer observações do Conselho a este respeito.»

9

O artigo 38.o do Ato de Adesão dispõe:

«Se na Bulgária ou na Roménia se verificarem ou houver um risco iminente de se verificarem lacunas graves na transposição, no estado da aplicação ou na execução das decisões‑quadro ou de quaisquer outros compromissos, instrumentos de cooperação e decisões relativos ao reconhecimento mútuo no domínio do direito penal adotados ao abrigo do Título VI do Tratado UE e das diretivas e regulamentos relacionados com o reconhecimento mútuo em matéria civil ao abrigo do Título IV do Tratado CE, a Comissão pode, mediante pedido fundamentado de um Estado‑Membro ou por sua própria iniciativa, e após consulta aos Estados‑Membros, tomar as medidas adequadas e especificar as condições e regras de aplicação dessas medidas durante um período máximo de três anos a contar da adesão.

Essas medidas podem assumir a forma de suspensão temporária da aplicação das disposições e decisões relevantes nas relações entre a Bulgária ou a Roménia e quaisquer outros Estados‑Membros, sem prejuízo da continuação de uma estreita cooperação judiciária. A cláusula de salvaguarda pode ser invocada mesmo antes da adesão, com base nas conclusões do acompanhamento, devendo as medidas adotadas entrar em vigor logo no primeiro dia da adesão, a menos que estabeleçam uma data posterior. As medidas não podem ser mantidas por um período superior ao estritamente necessário e devem ser, de qualquer modo, levantadas quando as lacunas tiverem sido colmatadas, podendo, porém, ser aplicadas para além do período especificado no primeiro parágrafo enquanto subsistirem as referidas lacunas. Em resposta aos progressos efetuados pelo novo Estado‑Membro em causa na retificação das lacunas detetadas, a Comissão pode adaptar as medidas conforme for adequado, após consulta aos Estados‑Membros. A Comissão deve informar o Conselho em tempo útil antes de revogar as medidas de salvaguarda, tendo devidamente em conta quaisquer observações do Conselho a este respeito.»

10

O artigo 39.o, n.os 1 a 3, do Ato de Adesão prevê:

«1.   Se, com base no acompanhamento contínuo, pela Comissão, dos compromissos assumidos pela Bulgária e pela Roménia no contexto das negociações de adesão, e em especial nos relatórios de acompanhamento da Comissão, ficar claramente patente que o estado dos preparativos para a adoção e implementação do acervo na Bulgária ou na Roménia implica um sério risco de qualquer um destes Estados não estar manifestamente preparado para cumprir os requisitos necessários para se tornar membro da UE até à data da adesão — 1 de janeiro de 2007 — em vários domínios importantes, o Conselho poderá, deliberando por unanimidade com base numa recomendação da Comissão, decidir que a data de adesão desse país seja adiada por um ano, ou seja, para 1 de janeiro de 2008.

2.   Não obstante o n.o 1, o Conselho pode, deliberando por maioria qualificada, com base numa recomendação da Comissão, tomar a decisão referida no n.o 1 relativamente à Roménia se tiverem sido observadas lacunas graves no cumprimento, por parte deste país, de um ou vários dos compromissos e requisitos enumerados no anexo IX, parte I.

3.   Não obstante o n.o 1 e sem prejuízo do artigo 37.o, o Conselho pode, deliberando por maioria qualificada, com base numa recomendação da Comissão e depois de proceder, no outono de 2005, a uma avaliação circunstanciada dos progressos efetuados pela Roménia no domínio da política de concorrência, tomar a decisão referida no n.o 1 relativamente à Roménia se tiverem sido observadas lacunas graves no cumprimento, por parte deste país, das obrigações assumidas no âmbito do Acordo Europeu ou de um ou vários dos compromissos e requisitos enumerados no anexo IX, parte II.»

11

O anexo IX do Ato de Adesão, intitulado «Compromissos específicos assumidos e requisitos aceites pela Roménia aquando da conclusão das negociações de adesão em 14 de dezembro de 2004 (a que se refere o artigo 39.o do Ato de Adesão)», contém, no seu ponto I, a seguinte passagem:

«Relativamente ao n.o 2 do artigo 39.o

[…]

4)

Intensificar consideravelmente a luta contra a corrupção e designadamente contra a grande corrupção, assegurando uma execução rigorosa da legislação anticorrupção e a independência efetiva do Departamento do Ministério Público de Combate à Corrupção e apresentando um relatório anual convincente sobre as atividades deste organismo no domínio da luta contra a grande corrupção. Este Departamento deve ser dotado dos recursos humanos, financeiros e de formação e de todo o equipamento que o cumprimento da sua função vital exigir.

5)

[…] [A estratégia nacional de luta contra a corrupção] deve incluir o compromisso de rever, até ao final de 2005, o processo penal excessivamente moroso para assegurar que os processos de corrupção sejam tratados com celeridade e transparência, a fim de garantir a aplicação de sanções adequadas de efeito dissuasivo; […]

[…]»

Decisão 2006/928

12

A Decisão 2006/928 foi adotada, no contexto da adesão da Roménia à União Europeia prevista para 1 de janeiro de 2007, com base, nomeadamente, nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão. Os considerandos 1 a 6 e 9 desta decisão têm a seguinte redação:

«(1)

A União Europeia tem como fundamento o Estado de direito, um princípio comum a todos os Estados‑Membros.

(2)

O espaço de liberdade, segurança e justiça e o mercado interno, criados pelo Tratado da União Europeia e pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia, baseiam‑se na confiança mútua de que as decisões e as práticas administrativas e judiciais de todos os Estados‑Membros respeitam integralmente o Estado de direito.

(3)

Isto implica que todos os Estados‑Membros disponham de um sistema judiciário e administrativo imparcial, independente e eficaz, devidamente equipado, nomeadamente, para combater a corrupção.

(4)

Em 1 de janeiro de 2007, a Roménia tornar‑se‑á membro da União Europeia. Embora reconheça os esforços consideráveis envidados pela Roménia para completar os preparativos para a adesão, a Comissão identificou, no seu relatório de 26 de setembro de 2006, questões pendentes, em especial quanto à responsabilidade e eficácia do sistema judiciário e dos organismos responsáveis pela aplicação da lei, onde ainda são necessários mais progressos para assegurar a sua capacidade de executar e aplicar as medidas adotadas para estabelecer o mercado interno e o espaço de liberdade, segurança e justiça.

(5)

O artigo 37.o do Ato de Adesão autoriza a Comissão a tomar as medidas adequadas em caso de risco iminente de que a Roménia cause uma perturbação no funcionamento do mercado interno por não respeitar os compromissos assumidos. O artigo 38.o do Ato de Adesão autoriza a Comissão a tomar as medidas adequadas em caso de risco iminente de que a Roménia apresente deficiências graves a nível da transposição, execução ou aplicação de atos adotados no âmbito do Título VI do Tratado da UE e do Título IV do Tratado CE.

(6)

As restantes questões relativas à responsabilidade e eficácia do sistema judiciário e dos organismos responsáveis pela aplicação da lei justificam o estabelecimento de um mecanismo de cooperação e verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada.

[…]

(9)

A presente decisão será alterada se a avaliação da Comissão apontar para a necessidade de ajustamento dos objetivos de referência e será revogada quando todos os objetivos de referência forem satisfatoriamente atingidos.»

13

O artigo 1.o da Decisão 2006/928 prevê:

«A Roménia deve, até 31 de março de cada ano, e pela primeira vez até 31 de março de 2007, apresentar à Comissão um relatório sobre os progressos realizados relativamente a cada um dos objetivos de referência previstos no anexo.

A Comissão pode, a qualquer momento, prestar assistência técnica através de diferentes atividades ou recolher e trocar informações sobre os objetivos de referência. Além disso, a Comissão pode, a qualquer momento, enviar missões de peritos à Roménia com esta finalidade. Neste contexto, as autoridades romenas darão o apoio necessário.»

14

O artigo 2.o desta decisão dispõe:

«A Comissão comunicará ao Parlamento Europeu e ao Conselho as suas observações e conclusões relativas à Roménia, num relatório a elaborar pela primeira vez em junho de 2007.

Posteriormente, a Comissão elaborará relatórios consoante as necessidades, pelo menos com uma periodicidade semestral.»

15

O artigo 4.o da referida decisão enuncia:

«Os Estados‑Membros são os destinatários da presente decisão.»

16

O anexo dessa decisão tem a seguinte redação:

«Objetivos de referência a atingir pela Roménia, referidos no artigo 1.o:

1)

Garantir processos judiciais mais transparentes e eficazes, nomeadamente mediante o reforço das capacidades e da responsabilização do Conselho Superior da Magistratura. Apresentar relatórios e acompanhar o impacto dos novos Códigos de Processo Civil e Penal.

2)

Estabelecer, tal como previsto, uma Agência para a Integridade com responsabilidades de verificação dos ativos, incompatibilidades e potenciais conflitos de interesses, e com poderes para emitir decisões vinculativas, com base nas quais podem ser aplicadas sanções dissuasivas.

3)

Continuar, com base nos progressos já efetuados, a realizar inquéritos profissionais e imparciais sobre as alegações de corrupção de alto nível.

4)

Tomar medidas suplementares para prevenir e combater a corrupção, nomeadamente no âmbito da administração local.»

Direito romeno

Constituição romena

17

O título III da Constituția României (Constituição romena), intitulado «Autoridades públicas», inclui, nomeadamente, um capítulo VI, relativo às «autoridades judiciárias», no qual consta o artigo 126.o da mesma constituição. Este artigo dispõe:

«(1)   A justiça é administrada pelo Tribunal Superior de Cassação e Justiça e pelos outros órgãos jurisdicionais instituídos pela lei.

[…]

(3)   O Tribunal Superior de Cassação e Justiça garante a interpretação e a aplicação uniformes da lei pelos outros órgãos jurisdicionais, em conformidade com a sua competência.

(4)   A composição do Tribunal Superior de Cassação e Justiça e as suas regras de funcionamento são definidas por uma lei orgânica.

[…]

(6)   É assegurada a fiscalização jurisdicional dos atos administrativos das autoridades públicas mediante o procedimento do contencioso administrativo, com exceção dos atos relativos às relações com o Parlamento e dos atos de comando militar. Os tribunais administrativos são competentes para conhecer dos recursos interpostos pelos lesados, consoante os casos, por decretos ou por disposições de decretos declarados inconstitucionais.»

18

O título V da Constituição romena, relativo à Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional, Roménia) (a seguir «Tribunal Constitucional»), inclui os artigos 142.o a 147.o da mesma. O artigo 142.o, ele próprio intitulado «Estrutura», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«(1)   O Tribunal Constitucional é o garante do primado da Constituição.

(2)   O Tribunal Constitucional é composto por nove juízes, nomeados para um mandato de nove anos, que não pode ser prorrogado nem renovado.

(3)   Três juízes são nomeados pela Camera Deputaţilor [(Câmara dos Deputados)], três pelo Senat [(Senado)] e três pelo Preşedintele României [(presidente da Roménia)].»

19

O artigo 143.o da Constituição romena tem a seguinte redação:

«Os juízes do Tribunal Constitucional devem dispor de excelentes qualificações jurídicas, um elevado nível de competência profissional e, pelo menos, dezoito anos de experiência na área do direito ou do ensino superior de direito.»

20

O artigo 144.o da Constituição romena dispõe:

«As funções de juiz do Tribunal Constitucional são incompatíveis com quaisquer outras funções de caráter público ou privado, com exceção de funções de caráter pedagógico no ensino superior de direito.»

21

Segundo o artigo 145.o da Constituição romena:

«Os juízes do Tribunal Constitucional são independentes no exercício das suas funções e não podem ser destituídos durante o seu mandato.»

22

O artigo 146.o da Constituição romena prevê:

«O Tribunal Constitucional tem as seguintes funções:

[…]

d) Decidir sobre as exceções de inconstitucionalidade das leis e dos decretos, suscitadas perante os tribunais judiciais ou de arbitragem comercial; a exceção de inconstitucionalidade pode ser diretamente suscitada pelo advogado do povo [provedor de justiça];

e) Resolver de conflitos jurídicos de natureza constitucional entre as autoridades públicas, a pedido do presidente da Roménia, de um dos presidentes das duas Câmaras, do primului‑ministru [(primeiro‑ministro)] ou do presidente do [Conselho Superior da Magistratura];

[…]»

23

Artigo 147.o da Constituição romena enuncia, no seu n.o 4:

«As decisões do Tribunal Constitucional são publicadas no Monitorul Oficial al României [(Jornal Oficial da Roménia)]. A partir da data de publicação, as decisões têm força obrigatória geral e só produzem efeitos jurídicos para o futuro.»

24

O artigo 148.o, n.os 2 a 4, da Constituição romena dispõe:

«(2)   Na sequência da adesão, as disposições dos Tratados constitutivos da União Europeia e as outras regulamentações comunitárias vinculativas prevalecem sobre as disposições em contrário da legislação nacional, em conformidade com o disposto no Ato de Adesão.

(3)   O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável, por analogia, à adesão aos atos de revisão dos Tratados constitutivos da União Europeia.

(4)   O Parlamento, o presidente da Roménia, o Governo e a autoridade judiciária garantem o cumprimento das obrigações decorrentes do Ato de Adesão e do disposto no n.o 2.»

Código Penal

25

Artigo 154.o, n.o 1, do Codul penal (Código Penal romeno) prevê:

«Os prazos de prescrição para a responsabilidade penal são:

a)

15 anos, quando a infração cometida é punível por lei com pena de prisão perpétua ou com pena de prisão superior a 20 anos;

b)

10 anos, quando a infração cometida é punível por lei com pena de prisão não inferior a 10 anos e não superior a 20 anos;

c)

8 anos, quando a infração cometida é punível por lei com pena de prisão não inferior a 5 anos e não superior a 10 anos;

d)

5 anos, quando a infração cometida é punível por lei com pena de prisão não inferior a 1 ano e não superior a 5 anos;

e)

3 anos, quando a infração cometida é punível por lei com pena de prisão inferior a 1 ano ou com sanção pecuniária.»

26

O artigo 155.o, n.o 4, deste código dispõe:

«Caso os prazos de prescrição previstos no artigo 154.o sejam novamente ultrapassados, consideram‑se que decorreram independentemente do número de interrupções.»

Código de Processo Penal

27

O artigo 40.o, n.o 1, do Codul de procedură penală (Código de Processo Penal romeno) dispõe:

«Compete ao Tribunal Superior de Cassação e Justiça conhecer, em primeira instância, dos crimes de alta traição, e das infrações cometidas pelos senadores, deputados e membros romenos do Parlamento Europeu, pelos membros do Governo, juízes do Tribunal Constitucional, membros do Conselho Superior da Magistratura, juízes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça e procuradores do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça)].»

28

O artigo 142.o, n.o 1, deste Código, na versão em vigor antes de 14 de março de 2016, tinha a seguinte redação:

«O procurador procede à vigilância técnica ou pode ordenar que esta seja efetuada pelo órgão de instrução criminal, por agentes de polícia especializados, ou por outros órgãos especializados do Estado.»

29

Nos termos do artigo 281.o, n.o 1, do referido código:

«É sempre nula a violação de disposições relativas:

[…]

b)

à competência ratione materiae e a ratione personae dos órgãos jurisdicionais, quando a decisão tiver sido proferida por um órgão jurisdicional de grau inferior ao órgão jurisdicional legalmente competente;

[…]»

30

O artigo 342.o do Código de Processo Penal enuncia:

«A audiência preliminar destina‑se a verificar, após a remessa do processo a um tribunal, a competência e a legalidade da instauração do processo nesse tribunal, bem como a verificar a legalidade da obtenção das provas e da prática dos atos dos órgãos responsáveis pela investigação criminal.»

31

O artigo 426.o, n.o 1, deste código dispõe:

«[P]ode ser interposto recurso extraordinário de anulação das decisões definitivas em processos penais nos seguintes casos:

[…]

d) Quando a composição do tribunal de recurso não seja conforme à lei ou quando exista um caso de incompatibilidade;

[…]»

32

O artigo 428.o, n.o 1, do referido código prevê:

«Pode ser interposto recurso extraordinário de anulação pelos motivos previstos no artigo 426.o, alíneas a) e c) a h), no prazo de 30 dias a contar da data de notificação da decisão do tribunal de recurso.»

Lei n.o 47/1992

33

O artigo 3.o da Legea nr. 47/1992 privind organizarea și funcționarea Curții Constituționale (Lei n.o 47/1992 Relativa à Organização e ao Funcionamento do Tribunal Constitucional), de 18 de maio de 1992 (republicada no Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 807 de 3 de dezembro de 2010), prevê:

«1.   As competências do Tribunal Constitucional são as previstas pela Constituição e pela presente lei.

2.   No exercício dos poderes que lhe são conferidos, o Tribunal Constitucional é o único que pode decidir sobre a sua competência.

3.   A competência do Tribunal Constitucional, estabelecida nos termos previstos no n.o 2, não pode ser contestada por nenhuma autoridade pública.»

34

O artigo 34.o, n.o 1, desta lei enuncia:

«O Tribunal Constitucional resolve os conflitos jurídicos de natureza constitucional entre as autoridades públicas, a pedido do presidente da Roménia, de um dos presidentes das duas Câmaras do Parlamento, do primeiro‑ministro ou do presidente do Conselho Superior da Magistratura.»

Lei n.o 78/2000

35

O artigo 5.o da Legea nr. 78/2000 pentru prevenirea, descoperirea și sancționarea faptelor de corupție (Lei n.o 78/2000 Relativa à Prevenção, Deteção e Punição dos Atos de Corrupção), de 18 de maio de 2000 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 219), dispõe, no seu n.o 1:

«Para efeitos da presente lei, as infrações previstas nos artigos 289.o a 292.o do Código Penal, constituem crimes de corrupção, incluindo quando são cometidas pelas pessoas referidas no artigo 308.o do Código Penal.»

36

Os artigos do Código Penal mencionados no artigo 5.o, n.o 1, da Lei n.o 78/2000 referem‑se, respetivamente, aos crimes de corrupção passiva (artigo 289.o), de corrupção ativa (artigo 290.o), de tráfico de influência (artigo 291.o) e de tráfico de influência sob a forma ativa (artigo 292.o).

37

O artigo 29.o, n.o 1, desta lei prevê:

«São constituídas formações de julgamento especializadas para se pronunciarem em primeira instância sobre as infrações previstas na presente lei.»

Lei n.o 303/2004

38

O artigo 99.o da Legea nr. 303/2004 privind statutul judecătorilor şi procurorilor (Lei n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores), de 28 de junho de 2004 (republicada no Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 826 de 13 de setembro de 2005), conforme alterada pela Legea nr. 24/2012 (Lei n.o 24/2012), de 17 de janeiro de 2012 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 51 de 23 de janeiro de 2012) (a seguir «Lei n.o 303/2004»), prevê:

«Constituem infrações disciplinares:

[…]

o)

a inobservância das disposições relativas à distribuição aleatória dos processos;

[…]

ș)

a inobservância das decisões do Tribunal Constitucional […];

[…]».

39

O artigo 100.o desta lei prevê, no seu n.o 1:

«As sanções disciplinares que podem ser aplicadas aos juízes e aos procuradores, proporcionalmente à gravidade dos factos, são:

[…]

e) Expulsão da magistratura.»

40

O artigo 101.o da referida lei dispõe:

«As sanções disciplinares previstas no artigo 100.o são aplicadas pelas secções do Conselho Superior da Magistratura, nas condições definidas na sua lei orgânica.»

Lei n.o 304/2004

41

A Legea nr. 304/2004 privind organizarea judiciară (Lei n.o 304/2004 Relativa à Organização Judiciária), de 28 de junho de 2004 (republicada no Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 827 de 13 de setembro de 2005), foi alterada, nomeadamente, pela:

Legea nr. 202/2010 privind unele măsuri pentru accelerarea soluționării proceselor (Lei n.o 202/2010 sobre Determinadas Medidas para Acelerar a Resolução do Processo), de 25 de outubro de 2010 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 714 de 26 de outubro de 2010);

Legea nr. 255/2013 pentru punerea în aplicare a Legii nr. 135/2010 privind Codul de procedură penală şi pentru modificarea şi completarea unor acte normative care cuprind dispoziţii procesual penale (Lei n.o 255/2013 Relativa à Aplicação da Lei n.o 135/2010, que Aprova o Código de Processo Penal e Altera e Complementa Determinados Atos Normativos que Adotam Disposições Relativas ao Processo Penal), de 19 de julho de 2013 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 515 de 14 de agosto de 2013);

Legea nr. 207/2018 pentru modificarea și completarea Legii nr. 304/2004 privind organizarea judiciară (Lei n.o 207/2018 que Altera e Complementa a Lei n.o 304/2004 Relativa à Organização Judiciária), de 20 de julho de 2018 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 636);

42

O artigo 19.o, n.o 3, da Lei n.o 304/2004, conforme alterada, em último lugar, pela Lei n.o 207/2018 (a seguir «Lei n.o 304/2004 alterada»), dispõe:

«No início de cada ano, o Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, sob proposta do presidente ou do vice‑presidente deste, pode aprovar a constituição de formações de julgamento especializadas no âmbito das secções do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, em função do número e da natureza dos processos, do volume de atividade de cada secção, bem como da especialização e da necessidade de valorizar a sua experiência profissional.»

43

O artigo 24.o, n.o 1, desta lei prevê:

«Compete às formações de julgamento de cinco juízes conhecer dos recursos interpostos das decisões proferidas em primeira instância pela Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, proferir decisão sobre os recursos de cassação liminarmente admitidos interpostos das decisões tomadas em sede de recurso pelas formações de cinco juízes, tramitar os recursos interpostos das decisões proferidas pela Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça nos processos em primeira instância, decidir, nos termos da lei, os processos disciplinares e outros processos no âmbito das competências que lhes são legalmente conferidas.»

44

O artigo 29.o, n.o 1, da referida lei tem a seguinte redação:

«Compete ao Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça:

a)

Aprovar o Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo, bem como os quadros de efetivos e de pessoal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça;

[…]

f)

Exercer as restantes competências previstas no Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça.»

45

O artigo 31.o, n.o 1, da mesma lei enuncia:

«Em matéria penal, as formações de julgamento têm a seguinte composição:

a)

Nos processos em que, em conformidade com a lei, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça conheça em primeira instância, a formação de julgamento é composta por três juízes;

[…]»

46

O artigo 32.o da Lei n.o 304/2004 alterada prevê:

«(1)   No início de cada ano, sob proposta do presidente ou dos vice‑presidentes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, o Conselho Diretivo aprova o número e a composição das formações de cinco juízes.

[…]

(4)   Os juízes que compõem essas formações de julgamento são selecionados por sorteio, durante uma sessão pública, pelo presidente ou, na sua ausência, por um dos dois vice‑presidentes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça. Os membros das formações de julgamento apenas podem ser substituídos a título excecional, tendo em conta critérios objetivos estabelecidos pelo Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

(5)   As formações de julgamento de cinco juízes são presididas pelo presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, por um dos vice‑presidentes, ou pelos presidentes das secções, caso tenham sido designados nos termos do n.o 4 para fazerem parte da formação de julgamento em causa.

(6)   Caso nenhuma das pessoas acima mencionadas tenha sido designada para integrar uma formação de julgamento de cinco juízes, cada juiz presidirá de forma rotativa a uma formação de julgamento, em função da sua antiguidade na magistratura.

(7)   Os processos da competência de formações de julgamento de cinco juízes são atribuídos aleatoriamente através de um sistema informatizado.»

47

Na versão resultante da Lei n.o 202/2010, o artigo 32.o da Lei n.o 304/2004 dispunha:

«(1)   Em matéria penal, no início de cada ano, são constituídas duas formações de julgamento de cinco juízes compostas apenas por membros da Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

[…]

(4)   O Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça aprova a composição das formações de julgamento de cinco juízes. Os juízes que compõem essas formações de julgamento são designados pelo presidente ou, na sua ausência, pelo vice‑presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça. Os membros das formações de julgamento só podem ser substituídos a título excecional, com base em critérios objetivos estabelecidos pelo Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

(5)   As formações de julgamento de cinco juízes são presididas pelo presidente ou pelo vice‑presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça. Na sua ausência, as formações de julgamento podem ser presididas por um dos presidentes de secção designado para esse efeito pelo presidente ou, na ausência deste, pelo vice‑presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

(6)   Os processos da competência das formações de julgamento previstas nos n.os 1 e 2 são atribuídos aleatoriamente através de um sistema informatizado.»

48

Na versão resultante da Lei n.o 255/2013, os n.os 1 e 6 do artigo 32.o da Lei n.o 304/2004 foram redigidos em termos praticamente idênticos aos da versão referida no número anterior, ao passo que os n.os 4 e 5 deste artigo previam:

«(4)   O Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça aprova o número e a composição das formações de julgamento de cinco juízes, sob proposta do presidente da Secção Penal. Os juízes que compõem essas formações de julgamento são selecionados por sorteio, durante uma sessão pública, pelo presidente ou, na sua ausência, pelo vice‑presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça. Os membros das formações de julgamento apenas podem ser substituídos a título excecional, com base critérios objetivos estabelecidos pelo Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

(5)   As formações de julgamento compostas por cinco juízes são presididas pelo presidente ou pelo vice‑presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, caso tenham sido selecionados nos termos do n.o 4 para fazerem parte da formação de julgamento em causa, pelo presidente da Secção Penal ou pelo decano, consoante o caso.»

49

O artigo 33.o da Lei n.o 304/2004 alterada tem a seguinte redação:

«(1)   O presidente ou, na sua ausência, um dos vice‑presidentes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça preside ao Pleno, às formações de julgamento competentes para conhecer dos recursos interpostos no interesse da lei e às formações competentes para proferir decisão sobre questões de direito, às formações de julgamento de cinco juízes e a qualquer formação de julgamento no âmbito das secções, quando participa no julgamento.

[…]

(3)   Os presidentes de secção podem presidir a qualquer formação de julgamento dessa secção, ao passo que os outros juízes presidem de forma rotativa.»

50

O artigo 33.o, n.o 1, da Lei n.o 304/2004, na versão resultante da Lei n.o 202/2010, previa:

«O presidente ou, na sua ausência, o vice‑presidente do Tribunal Superior de Cassação e Justiça preside ao Pleno, às formações de julgamento de cinco juízes e a qualquer formação de julgamento no âmbito das secções, quando participa no julgamento.»

51

Nos termos deste artigo 33.o, n.o 1, da Lei n.o 304/2004, na versão resultante da Lei n.o 255/2013:

«O presidente ou, na sua ausência, um dos vice‑presidentes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça preside ao Pleno, às formações de julgamento competentes para conhecer dos recursos interpostos no interesse da lei, às formações competentes para proferir decisão sobre questões de direito, às formações de julgamento de cinco juízes e a qualquer formação de julgamento no âmbito das secções, quando participa no julgamento.»

Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça

52

O artigo 28.o do Regulamentul privind organizarea şi funcţionarea administrativă a Înaltei Curţi de Casaţie şi Justiţie (Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça), de 21 de setembro de 2004 (a seguir «Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo»), conforme alterado pela Hotărârea nr. 3/2014 pentru modificarea şi completarea Regulamentului privind organizarea şi funcţionarea administrativă a Înaltei Curţi de Casaţie şi Justiţie (Decisão n.o 3/2014 que Altera e Complementa o Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo), de 28 de janeiro de 2014 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.o 75 de 30 de janeiro de 2014), dispunha:

«1.   O Tribunal Superior de Cassação e Justiça é composto por formações de julgamento de cinco juízes cuja competência jurisdicional é atribuída por lei.

[…]

4.   As formações de julgamento de cinco juízes são presididas, consoante o caso, pelo presidente, pelos vice‑presidentes, pelo presidente da Secção Penal ou pelo decano.»

53

O artigo 29.o, n.o 1, deste regulamento dispunha:

«Para a constituição de formações de julgamento de cinco juízes em matéria penal, o presidente ou, na sua ausência, um dos vice‑presidentes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça designa anualmente, por sorteio, durante uma sessão pública, quatro ou, consoante o caso, cinco juízes da Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça para cada formação de julgamento.»

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

Elementos comuns aos litígios nos processos principais

54

Os litígios nos processos principais inscrevem‑se no prolongamento de uma profunda reforma em matéria de justiça e de luta contra a corrupção na Roménia. Esta reforma é objeto de um acompanhamento à escala da União desde 2007 ao abrigo do mecanismo de cooperação e de verificação instituído pela Decisão 2006/928 por ocasião da adesão da Roménia à União Europeia (a seguir «MCV»).

55

Estes litígios referem‑se a processos penais no âmbito dos quais os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber se podem, ao abrigo do direito da União, não aplicar determinados acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional entre 2016 e 2019, a saber, os Acórdãos n.o 51/2016, de 16 de fevereiro de 2016 (Processo C‑379/19), n.o 302/2017, de 4 de maio de 2017 (Processo C‑379/19), n.o 685/2018, de 7 de novembro de 2018 (Processos C‑357/19, C‑547/19 e C‑840/19), n.o 26/2019, de 16 de janeiro de 2019 (Processo C‑379/19), e n.o 417/2019, de 3 de julho de 2019 (Processos C‑811/19 e C‑840/19).

56

Os órgãos jurisdicionais de reenvio observam que, por força do direito nacional, as decisões do Tribunal Constitucional têm força obrigatória geral e a sua inobservância pelos magistrados constitui uma infração disciplinar, nos termos do artigo 99.o, alínea ș), da Lei n.o 303/2004. Ora, conforme resulta da Constituição romena, o Tribunal Constitucional não faz parte do sistema judicial romeno e tem o caráter de um órgão político‑jurisdicional. Além disso, o Tribunal Constitucional, ao proferir os acórdãos em causa no processo principal, excedeu as competências que lhe são atribuídas pela Constituição romena e o invadiu as competências dos tribunais comuns, prejudicando a independência destes últimos. Por outro lado, os Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019 comportam um risco sistémico de impunidade em matéria de luta contra a corrupção.

57

Neste contexto, os órgãos jurisdicionais de reenvio referem‑se, nomeadamente, aos relatórios da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos realizados pela Roménia no âmbito do Mecanismo de Cooperação e de Verificação, de 27 de janeiro de 2016 [COM(2016) 41 final], de 13 de novembro de 2018 [COM(2018) 851 final, a seguir «relatório MCV de novembro de 2018»], e de 22 de outubro de 2019 [COM(2019) 499 final].

58

Por último, os referidos órgãos jurisdicionais também referem o Acórdão n.o 104/2018 do Tribunal Constitucional, do qual resulta que o direito da União não prevalece sobre a ordem constitucional romena e que a Decisão 2006/928 não pode constituir uma norma de referência no âmbito de uma fiscalização da constitucionalidade nos termos do artigo 148.o da Constituição romena.

Processo C‑357/19

59

Por Acórdão de 28 de março de 2017 proferido por uma Secção Penal composta por três juízes, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça condenou, entre outros, PM, que era ministro à data dos factos imputados, RO, TQ e SP pela prática, entre 2010 e 2012, de crimes de corrupção e de abuso de funções relacionados com a gestão de fundos europeus, bem como de fraude fiscal relativa ao IVA. Aos recursos interpostos deste acórdão pelos interessados e pelo Ministerul Public — Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție — Direcția Națională Anticorupție (Ministério Público — Procurador junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça — Direção Nacional Anticorrupção, Roménia) (a seguir «DNA») foi negado provimento por Acórdão de 5 de junho de 2018 do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, proferido por uma formação de julgamento de cinco juízes. Esta formação de julgamento de cinco juízes era constituída pelo presidente da Secção Penal e por outros quatro juízes selecionados por sorteio, em conformidade com a prática do Tribunal Superior de Cassação e Justiça durante o período em causa, com base no Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo deste mesmo tribunal. O Acórdão de 5 de junho de 2018 transitou em julgado.

60

Por Acórdão n.o 685/2018, proferido em 7 de novembro de 2018, o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar‑se pelo primeiro‑ministro em aplicação do artigo 146.o, alínea e), da Constituição romena, declarou, em primeiro lugar, a existência de um conflito jurídico de natureza constitucional entre o Parlamento e o Tribunal Superior de Cassação e Justiça, gerado pelas decisões tomadas pelo Conselho Diretivo deste último e que consiste, de acordo com a referida prática, em selecionar por sorteio apenas quatro dos cinco membros das formações de julgamento de cinco juízes que decidem em sede de recurso, e não todos eles, violando o artigo 32.o da Lei n.o 304/2004 alterada; em segundo lugar, considerou que a decisão proferida num processo em sede de recurso por uma formação assim ilegalmente constituída era sancionada com a nulidade absoluta e, por último, indicou que, em aplicação do artigo 147.o, n.o 4, da Constituição romena, este acórdão era aplicável desde a data da sua publicação aos processos pendentes, aos processos em que foi proferida decisão, contanto que os sujeitos de direito ainda estivessem dentro do prazo para exercício das vias de recurso extraordinárias adequadas, bem como a situações futuras.

61

Na sequência da publicação do Acórdão n.o 685/2018 do Tribunal Constitucional, PM, RO, TQ e SP, bem como a DNA interpuseram, em aplicação do artigo 426.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, recursos extraordinários no Tribunal Superior de Cassação e Justiça, pedindo a anulação do Acórdão de 5 de junho de 2018 e a abertura de uma nova fase de julgamento dos recursos. Em apoio dos seus recursos, alegaram que o Acórdão n.o 685/2018 é vinculativo e produz efeitos jurídicos em relação ao Acórdão do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, de 5 de junho de 2018, uma vez que a formação de julgamento de cinco juízes que se pronunciou sobre estes recursos não tinha sido constituída de acordo com a lei, conforme interpretada pelo Tribunal Constitucional. O órgão jurisdicional de reenvio julgou admissíveis estes recursos extraordinários, nomeadamente pelo facto de terem sido interpostos no prazo legal de 30 dias a contar da notificação daquele acórdão, e decidiu suspender a execução das penas privativas de liberdade até à decisão dos mesmos.

62

Este órgão jurisdicional interroga‑se nomeadamente sobre a questão de saber se o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE e o artigo 1.o, n.o 1, alíneas a) e b), e o artigo 2.o, n.o 1, da Convenção PIF se opõem à aplicação do Acórdão n.o 685/2018 no processo principal, a qual teria por consequência a anulação das decisões judiciais transitadas em julgado antes da prolação deste acórdão e a abertura de um novo procedimento de recurso nos processos de fraude e de corrupção graves.

63

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais conferir pleno efeito, com o necessário respeito dos direitos fundamentais garantidos pela Carta e dos princípios gerais de direito, às obrigações decorrentes do artigo 325.o, n.o 1, TFUE e não aplicar as disposições do direito interno que obstem à aplicação de sanções efetivas e dissuasoras em matéria de fraudes lesivas dos interesses financeiros da União. Atendendo a essa jurisprudência, põe‑se a questão de saber se a obrigação dos Estados‑Membros decorrente do artigo 325.o, n.o 1, TFUE e do artigo 1.o, n.o 1, alíneas a) e b), e do artigo 2.o, n.o 1, da Convenção PIF também diz respeito à execução de sanções penais já aplicadas. Suscita‑se igualmente a questão de saber se os termos «e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União», que figuram no artigo 325.o, n.o 1, TFUE, incluem não só a corrupção em sentido próprio mas também a tentativa de fraude cometida no âmbito de um contrato público adjudicado de forma fraudulenta que se destinava a ser financiado por fundos europeus mas que, após a recusa de financiamento pela autoridade de gestão destes fundos, ficou inteiramente a cargo do orçamento nacional. Neste contexto, no presente caso, teria existido um risco de lesão dos interesses financeiros da União, embora esse risco não se tenha concretizado.

64

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por força dos artigos 2.o e 19.o TUE, os Estados‑Membros devem assegurar que as instâncias jurisdicionais que fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União satisfazem as exigências de independência para garantir aos particulares uma tutela jurisdicional efetiva. A garantia de independência pressupõe, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que os juízes possam exercer as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estarem sujeitos a nenhum vínculo hierárquico, para estarem salvaguardados contra interpelações e pressões externas suscetíveis de prejudicar a sua independência e de influenciar as suas decisões.

65

Além disso, atendendo, nomeadamente, à importância do princípio da legalidade, que exige que a lei seja previsível, precisa e não retroativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ver esclarecida a questão de saber se o conceito de «tribunal previamente estabelecido por lei» constante do artigo 47.o, n.o 2, da Carta se opõe à interpretação dada pelo Tribunal Constitucional quanto ao caráter ilegal da composição das suas secções de cinco juízes. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante dos Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105), e de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936), os órgãos jurisdicionais nacionais, quando tiverem de decidir não aplicar disposições de direito penal substantivo, estão obrigados a garantir que sejam respeitados os direitos fundamentais das pessoas acusadas de terem cometido uma infração penal, podendo aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto pela Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União.

66

No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o direito da União se opõe, nomeadamente, à aplicação do Acórdão n.o 685/2018, uma vez que este acórdão teria por efeito a anulação das decisões definitivas do Tribunal Superior de Cassação e Justiça proferidas em formações de julgamento de cinco juízes e privaria do seu caráter efetivo e dissuasor as penas aplicadas num número considerável de processos de fraude grave lesivos dos interesses financeiros da União. Considera que se criaria a aparência de impunidade e até implicaria um risco sistémico de impunidade decorrente do facto de os processos estarem sujeitos ao regime de prescrição, tendo em conta a complexidade e a duração do processo até à prolação de um acórdão definitivo na sequência da reapreciação dos processos em causa. Além disso, o princípio da independência do poder judicial e o princípio da segurança jurídica opõem‑se a que o Acórdão n.o 685/2018 produza efeitos jurídicos vinculativos relativamente a decisões penais que já se tenham tornado definitivas no momento em que esse acórdão é proferido, salvo se existirem motivos sérios suscetíveis de pôr em causa o respeito pelo direito a um processo equitativo nesses processos, o que é confirmado pelo relatório MCV de novembro de 2018.

67

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere que existe um risco sério de as respostas do Tribunal de Justiça às questões submetidas serem desprovidas de efeito no direito interno, atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional referida no n.o 58 do presente acórdão.

68

Nestas circunstâncias, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, o artigo 1.o, n.o 1, alíneas a) e b), e o artigo 2.o, n.o 1, da [Convenção PIF], bem como o princípio da segurança jurídica, ser interpretados no sentido de que se opõem a que um órgão não pertencente ao poder judicial, o [Tribunal Constitucional], profira uma decisão na qual se pronuncia sobre a legalidade da composição de secções de órgãos jurisdicionais, criando assim as condições necessárias à admissibilidade de recursos extraordinários de decisões definitivas proferidas num determinado período de tempo?

2)

Deve o artigo 47.o, segundo parágrafo, da [Carta] ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão não pertencente ao poder judicial, mediante decisão vinculativa por força do direito nacional, declare a falta de independência e de imparcialidade de uma secção de um órgão jurisdicional da qual faz parte um juiz com funções de direção, que não foi [designado] de forma aleatória mas com base numa regra transparente, conhecida e não contestada pelas partes, aplicável em todos os processos de que a referida secção conhece?

3)

Deve o primado do direito da União ser interpretado no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional não aplicar uma decisão do juiz constitucional, proferida num processo relativo a um litígio constitucional e vinculativa por força do direito nacional?»

Processo C‑379/19

69

Em 22 de agosto de 2016, a Direcţia Naţională Anticorupţie — Serviciul Teritorial Oradea (serviço territorial de Oradea da DNA, Roménia) instaurou no Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor, Roménia) processos penais contra KI, LJ, JH e IG, acusados da prática de crimes de suborno, de tráfico de influência, de corrupção ativa, de corrupção passiva, bem como de cumplicidade em suborno e em corrupção ativa.

70

No âmbito deste processo, KI e LJ pediram, em aplicação do artigo 342.o do Código de Processo Penal, que fossem excluídos do mesmo os meios de prova constituídos por atas de registo das escutas efetuadas pelo Serviciul Român de Informații (Serviço Romeno de Informações, a seguir «SRI»). Os interessados fundamentaram este pedido no Acórdão n.o 51/2016, pelo qual o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do artigo 142.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, na parte em que este autorizava a execução de medidas de vigilância, no âmbito de um processo penal, por «outros órgãos especializados do Estado» e, designadamente, pelo SRI.

71

Por Despacho de 27 de janeiro de 2017, a Secção Preliminar, do Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor) indeferiu os pedidos de KI e de LJ, nomeadamente pelo facto de, uma vez que o Acórdão n.o 51/2016 apenas produz efeitos para o futuro, as provas terem sido obtidas legalmente, e deu início à fase de julgamento de KI, LJ, JH e IG. Ao recurso interposto deste despacho foi negado provimento pela Curtea de Apel Oradea (Tribunal de Recurso de Oradea, Roménia), o qual também considerou que o Acórdão n.o 51/2016 não era aplicável às medidas de vigilância técnica ordenadas no caso em apreço, uma vez que este acórdão, que foi publicado no Monitorul Oficial al României de 14 de março de 2016, nos termos do artigo 147.o, n.o 4, da Constituição romena, apenas produzia efeitos para o futuro.

72

Durante o processo penal no órgão jurisdicional de reenvio, IG, KI, LJ e JH requereram, em substância, a nulidade absoluta das atas de registos das escutas no caso de o SRI ter participado na execução dos mandados de vigilância. Além do Acórdão n.o 51/2016, os interessados invocaram a este respeito os Acórdãos n.os 302/2017 e 26/2019, pelos quais o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o artigo 281.o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na parte em que este não sancionava com nulidade absoluta a violação das disposições em matéria de competência material e pessoal dos órgãos responsáveis pela investigação criminal (Acórdão n.o 302/2017), e declarou a existência de um conflito jurídico de natureza constitucional, nomeadamente, entre o Parlamento e o Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça), daqui resultando que os dois protocolos de cooperação que foram celebrados entre a DNA e o SRI nos anos de 2009 e 2016, em violação da competência constitucional da DNA, tinham por efeito uma violação do direito processual que rege a investigação criminal (Acórdão n.o 26/2019).

73

Após a verificação efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio junto da DNA, ficou demonstrado que foram executados nove mandados de vigilância com o suporte técnico do SRI e dois, após a publicação do Acórdão n.o 51/2016, sem a intervenção deste serviço.

74

O órgão jurisdicional de reenvio observa que é obrigado a pronunciar‑se, prioritariamente, sobre o pedido de exclusão dos meios de prova e interroga‑se, especialmente, sobre a questão de saber se deve aplicar os Acórdãos n.os 51/2016, 302/2017 e 26/2019. Efetivamente, mediante o efeito conjugado destes três acórdãos, basta que o juiz verifique a participação do SRI na execução de um mandado de vigilância para que as medidas de obtenção de prova se considerem feridas de nulidade absoluta e os correspondentes meios de prova sejam excluídos.

75

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, todavia, que, segundo as regras nacionais ainda vigentes, a admissibilidade de um pedido de exclusão de meios de prova está sujeita à condição de este pedido ter sido apresentado do encerramento da fase na Secção Preliminar. Além disso, as regras constitucionais conferem apenas um efeito ex nunc aos acórdãos do Tribunal Constitucional. Por conseguinte, este teria consagrado, por via jurisprudencial, a aplicação dos seus acórdãos aos processos pendentes, impondo assim aos órgãos jurisdicionais a obrigação de sancionar todos os atos processuais ou os meios de prova em causa, sem que haja possibilidade de proceder a uma apreciação casuística, mesmo quando esses atos tenham sido realizados, como no presente caso, com base em regras que beneficiam, no momento da sua aplicação, de presunção de constitucionalidade.

76

Ora, por um lado, a Roménia estava obrigada a combater a corrupção e a Comissão observou, no relatório MCV de novembro de 2018, que este Estado‑Membro devia continuar a implementar a estratégia nacional de luta contra a corrupção segundo o calendário fixado pelo Governo no mês de agosto de 2016. Por outro lado, o Tribunal Constitucional deve, de acordo com o artigo 146.o da Constituição romena, limitar‑se a fiscalizar a conformidade da lei com a Constituição romena e não ir além disso, interpretando a lei, aplicando‑a e instituindo normas jurídicas com efeito retroativo. Além disso, a pretensão do Tribunal Constitucional de garantir diretamente, através dos seus acórdãos, o respeito dos direitos processuais das partes no âmbito de um processo penal afigura‑se excessiva atendendo aos mecanismos de que dispõe o Estado romeno para esse efeito, como é o caso do Protocolo n.o 16 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 e que entrou em vigor em 1 de agosto de 2018 (a seguir «CEDH»). Por outro lado, o Tribunal de Justiça teria, na sua jurisprudência resultante do Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107), recusado reconhecer um limite ao primado do direito da União sobre os direitos fundamentais nacionais mais favoráveis.

77

No que respeita ao processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio considera que apresenta uma ligação suficientemente estreita com o direito da União, na medida em que diz respeito ao exercício da sua competência jurisdicional, em conformidade com os princípios do Estado de direito e da independência dos juízes, e que suscita questões relativas à natureza e aos efeitos do MCV e ao primado do direito da União sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Este teria limitado a competência, decorrente da Constituição romena e do direito da União, dos órgãos jurisdicionais romenos de fazer justiça, declarando, no Acórdão n.o 104/2018, referido no n.o 58 do presente acórdão, que a Decisão 2006/928 não pode constituir uma norma de referência no âmbito de uma fiscalização de constitucionalidade nos termos do artigo 148.o da Constituição romena.

78

Assim, é necessário que o Tribunal de Justiça precise se o MCV tem caráter vinculativo e, em caso afirmativo, se esse caráter deve ser reconhecido não apenas às medidas expressamente recomendadas nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo, mas também a todas as conclusões constantes desses relatórios, designadamente os que têm por objeto as medidas nacionais contrárias às recomendações da Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza) e do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO). Além disso, atendendo aos princípios do Estado de direito e da independência dos juízes, põe‑se a questão de saber se o juiz nacional pode, sem correr o risco de ser objeto de sanções disciplinares expressamente previstas na lei, afastar, no exercício da sua competência jurisdicional, os efeitos dos acórdãos do Tribunal Constitucional, na hipótese de este exceder os limites das suas competências.

79

Nestas circunstâncias, o Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O [MCV], estabelecido pela Decisão [2006/928], e as exigências formuladas nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo têm caráter vinculativo para a Roménia?

2)

Deve o artigo 2.o, conjugado com o n.o 3 do artigo 4.o TUE, ser interpretado no sentido de que a obrigação da Roménia de respeitar as exigências impostas pelos relatórios elaborados no âmbito do [MCV], estabelecido pela Decisão [2006/928], faz parte da obrigação do Estado‑Membro de respeitar os princípios do Estado de direito, incluindo no que diz respeito à abstenção de um tribunal constitucional, instituição político‑jurisdicional, de intervir para interpretar a lei e determinar as modalidades concretas e obrigatórias da sua aplicação pelos órgãos jurisdicionais, competência exclusiva atribuída à autoridade judicial, e de introduzir novas disposições legislativas, competência exclusiva atribuída à autoridade legislativa? O direito da União exige a supressão dos efeitos de uma tal decisão adotada por um tribunal constitucional? O direito da União opõe‑se a uma norma de direito nacional que regula a responsabilidade disciplinar de um magistrado que não aplique a decisão do Tribunal Constitucional?

3)

O princípio da independência dos juízes, consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 47.o da [Carta], conforme interpretado pelo [Tribunal de Justiça] [Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117)], opõe‑se a que as competências dos juízes sejam substituídas por decisões do [Tribunal Constitucional] (Acórdãos [n.o 51/2016, 302/2017 e 26/2019]) com a consequência de tornar o processo penal imprevisível (aplicação retroativa) e de impossibilitar a interpretação da lei e a sua aplicação a um processo concreto? O direito da União opõe‑se a uma norma de direito nacional que regula a responsabilidade disciplinar de um magistrado que não aplique a decisão do Tribunal Constitucional, no contexto da questão suscitada?»

80

Por carta de 27 de junho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de julho de 2019, o Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor) informou este último de que, por Despacho de 18 de junho de 2019, a Curtea de Apel de Oradea (Tribunal de Recurso de Oradea, Roménia) tinha, a pedido da DNA, anulado a decisão de suspender a instância e ordenado a prossecução do processo quanto às restantes problemáticas que não são objeto do pedido de decisão prejudicial. Questionado pelo Tribunal de Justiça, o Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor), por carta de 26 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2019, precisou que continuava a ser necessária uma resposta às questões submetidas. Com efeito, o processo de que conhece prosseguiu sem terem sido produzidas as provas obtidas através de mandados de vigilância referidas nas questões prejudiciais. Além disso, o Tribunalul Bihor (Tribunal Regional de Bihor) observou que a Inspeção Judicial tinha aberto um inquérito disciplinar contra o juiz de reenvio por inobservância dos acórdãos do Tribunal Constitucional, objeto das questões prejudiciais.

Processo C‑547/19

81

A Inspeção Judicial instaurou um processo disciplinar contra CY, juiz que exerce funções na Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucarest, Roménia), na secção disciplinar para os juízes do Conselho Superior da Magistratura, pela prática da infração disciplinar prevista no artigo 99.o, alínea o), da Lei n.o 303/2004.

82

Por Despacho de 28 de março de 2018, a secção disciplinar para os juízes do Conselho Superior da Magistratura indeferiu como inadmissível um pedido de intervenção acessório em apoio de CY apresentado pelo Fórum dos Juízes da Roménia. Este último e CY interpuseram recurso desse despacho para o Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

83

Por Decisão de 2 de abril de 2018, a secção disciplinar para os juízes do Conselho Superior da Magistratura aplicou a CY a sanção disciplinar de expulsão da magistratura, prevista no artigo 100.o, alínea e), da Lei n.o 303/2004. CY interpôs recurso desta decisão no Tribunal Superior de Cassação e Justiça.

84

Estes dois processos foram atribuídos aleatoriamente a uma formação de julgamento de cinco juízes do referido órgão jurisdicional e posteriormente apensos devido à sua conexão. Esta formação de julgamento tinha sido constituída por sorteio efetuado em 30 de outubro de 2017.

85

Em 8 de novembro de 2018, o Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, na sequência da prolação do Acórdão n.o 685/2018 referido no n.o 60 do presente acórdão, adotou uma decisão relativa ao sorteio dos membros das formações de julgamento de cinco juízes. Em dezembro de 2018, o Conselho Superior da Magistratura adotou duas decisões que estabelecem regras destinadas a assegurar a sua conformidade com as exigências formuladas nesse acórdão. Para dar cumprimento a essas decisões, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça procedeu novamente ao sorteio de outras formações de julgamento para 2018, incluindo processos já atribuídos nos quais não tinha sido ordenada nenhuma medida até ao fim desse ano, entre os quais os processos apensos em causa no processo principal.

86

Perante a nova formação de julgamento, CY suscitou, entre outras, uma exceção relativa à ilegalidade da composição dessa formação, contestando, nomeadamente, a compatibilidade com o artigo 2.o TUE do Acórdão n.o 685/2018 e das decisões consecutivas do Conselho Superior da Magistratura. A este respeito, CY observou que o Tribunal Constitucional e o Conselho Superior da Magistratura tinham excedido as respetivas competências e acrescentou que, não fora a intervenção destas duas autoridades na atividade do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, o princípio da continuidade das formações de julgamento não teria sido violado e o processo teria sido corretamente atribuído a uma das formações de julgamento de cinco juízes.

87

Para poder decidir a exceção de ilegalidade suscitada por CY, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se uma intervenção do Tribunal Constitucional no funcionamento da justiça, como a que resulta do Acórdão n.o 685/2018, é compatível com o Estado de direito referido no artigo 2.o TUE e com a independência da justiça garantida no artigo 19.o TUE e no artigo 47.o da Carta.

88

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, em primeiro lugar, a dimensão política da nomeação dos membros do Tribunal Constitucional, bem como a posição particular deste na arquitetura das autoridades do Estado.

89

Em segundo lugar, o processo para declarar a existência de um conflito jurídico de natureza constitucional entre as autoridades públicas, previsto no artigo 146.o, alínea e), da Constituição romena seria em si mesmo problemático, uma vez que, segundo esta mesma disposição, esse processo pode ser instaurado por órgãos políticos. Além disso, o limite entre a ilegalidade de um ato e a existência de um conflito jurídico de natureza constitucional é particularmente ténue e permite a um círculo restrito de sujeitos de direito de exercer vias de recurso paralelas às organizadas nos tribunais comuns. Esta circunstância, conjugada com a dimensão política da designação dos membros do Tribunal Constitucional, permite a este último intervir no funcionamento da justiça para fins políticos ou no interesse de pessoas influentes no plano político.

90

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que é problemático a constatação efetuada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.o 685/2018, da existência de um conflito jurídico de natureza constitucional entre o poder judicial e o poder legislativo. Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional contrapôs a sua própria interpretação de disposições ambíguas de natureza infraconstitucional, a saber os artigos 32.o e 33.o da Lei n.o 304/2004 alterada, à adotada pelo Tribunal Superior de Cassação e Justiça no exercício da sua competência e acusou este último órgão jurisdicional de uma inobservância sistemática da vontade do legislador, para poder declarar a existência desse conflito jurídico de natureza constitucional.

91

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a questão que se põe é, assim, a de saber se os artigos 2.o e 19.o TUE, bem como o artigo 47.o da Carta se opõem a que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a jurisprudência do Tribunal Superior de Cassação e Justiça possa ser fiscalizada e sancionada mediante uma intervenção do Tribunal Constitucional. O órgão jurisdicional de reenvio considera que uma intervenção arbitrária deste, na forma de uma fiscalização da legalidade da atividade do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, que se substitui aos processos jurisdicionais legais, como o recurso contencioso administrativo ou as exceções processuais suscitadas no âmbito de ações judiciais, pode ter um impacto negativo na independência da justiça e nos próprios fundamentos do Estado de direito referido no artigo 2.o TUE, uma vez que o Tribunal Constitucional não faz parte do sistema judicial e não está investido de competências judiciais.

92

Nestas circunstâncias, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 2.o [TUE], o artigo 19.o, n.o 1, [TUE] e o artigo 47.o da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a que um tribunal constitucional (que, nos termos do direito nacional, não é uma instituição judicial), intervenha no que respeita ao modo como o tribunal supremo interpretou e aplicou a legislação infraconstitucional à atividade de constituição das formações de julgamento?»

Processo C‑811/19

93

Por Acórdão de 8 de fevereiro de 2018 proferido em primeira instância por uma formação de julgamento de três juízes, a Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça condenou FQ, GP, HO, IN e JM a penas de dois a oito anos de prisão por crimes de corrupção e de branqueamento de capitais e por crimes equiparados aos crimes de corrupção, cometidos entre 2009 e 2013, relacionados com contratos públicos celebrados no âmbito de um projeto maioritariamente financiado por fundos da União não reembolsáveis. Quatro dos arguidos, entre os quais figura uma pessoa que foi sucessivamente presidente da câmara, senador e ministro, e a DNA interpuseram recurso deste acórdão.

94

No recurso, os recorrentes pediram ao Tribunal Superior de Cassação e Justiça que declarasse a nulidade do Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, pelo facto de este ter sido proferido por uma formação de julgamento que não era, em violação das disposições legais, especializada em matéria de corrupção.

95

Os recorrentes invocaram a este respeito o Acórdão n.o 417/2019, proferido em 3 de julho de 2019 a requerimento do presidente da Câmara dos Deputados, que, à data, era ele próprio objeto de um processo penal, por factos abrangidos pelo âmbito da Lei n.o 78/2000, perante uma formação de julgamento de cinco juízes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça enquanto tribunal de recurso. Com este acórdão, em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional declarou a existência de um conflito jurídico de natureza constitucional entre o Parlamento e o Tribunal Superior de Cassação e Justiça, gerado pelo facto de este último não ter constituído formações de julgamento especializadas no julgamento em primeira instância das infrações previstas no artigo 29.o, n.o 1, da Lei n.o 78/2000, em segundo lugar, considerou que a decisão de um processo por uma formação não especializada levava à nulidade absoluta da decisão proferida e, por último, ordenou que todos os processos decididos pelo Tribunal Superior de Cassação e Justiça em primeira instância antes de 23 de janeiro de 2019 e que não tinham transitado em julgado fossem reapreciados por formações especializadas constituídas em conformidade com esta disposição. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal Constitucional considerou que, se, em 23 de janeiro de 2019, o Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça tivesse adotado uma decisão segundo a qual todas as suas formações de julgamento de três juízes deviam ser consideradas especializadas para conhecer dos processos de corrupção, esta decisão só era suscetível de evitar a inconstitucionalidade a partir da data da sua adoção e não para o passado.

96

Em apoio do seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere que as infrações em causa no processo principal, como os crimes de corrupção relacionados com os processos de adjudicação de contratos públicos maioritariamente financiados por fundos europeus e os crimes de branqueamento de capitais, lesam ou são suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União.

97

Segundo o referido órgão jurisdicional, em primeiro lugar, põe‑se a questão de saber se o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, o artigo 4.o da Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (JO 2017, L 198, p. 29), e o artigo 58.o da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão (JO 2015, L 141, p. 73), devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um órgão jurisdicional nacional aplique uma decisão de uma autoridade que não faz parte do sistema judicial, como o Acórdão n.o 417/2019 do Tribunal Constitucional, que se pronunciou sobre o mérito num recurso ordinário ao ordenar a remessa dos processos, com a consequência de a abertura de uma nova fase de julgamento em primeira instância pôr em causa a investigação criminal. Com efeito, os Estados‑Membros estão obrigados a tomar medidas efetivas e dissuasoras para combater as atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União.

98

Neste contexto, importa igualmente definir se a expressão «e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União», que figura no artigo 325.o, n.o 1, TFUE abrange os crimes de corrupção propriamente ditos, nomeadamente na medida em que o artigo 4.o da Diretiva 2017/1371 define as infrações de «corrupção passiva» e «corrupção ativa». Esta clarificação é necessária tendo em conta que um dos arguidos no processo principal, na sua qualidade de senador e de ministro, exerceu a sua influência sobre funcionários públicos, incitando‑os a agir em violação das respetivas atribuições e obteve uma percentagem significativa do valor dos contratos públicos maioritariamente financiados por fundos europeus.

99

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, como no processo C‑357/19, Eurobox Promotion e o., também se põe a questão de saber se o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, se opõe a que o funcionamento da justiça seja afetado por uma intervenção como a que resulta do Acórdão n.o 417/2019. Com o referido acórdão, o Tribunal Constitucional, que não dispõe de competências jurisdicionais, adotou medidas vinculativas que implicavam a abertura de novos processos de julgamento devido à alegada falta de especialização em matéria de crimes de corrupção das formações de julgamento da Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, quando todos os juízes dessa Secção Penal preenchiam, pela sua própria qualidade de magistrados deste órgão jurisdicional, esse requisito de especialização.

100

Em segundo lugar, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça e à importância do princípio da legalidade, importa clarificar o sentido do conceito de «tribunal previamente estabelecido por lei», que figura no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, para determinar se esta disposição se opõe à interpretação dada pelo Tribunal Constitucional quanto ao caráter ilegal da composição do órgão jurisdicional.

101

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o juiz nacional está obrigado a não aplicar o Acórdão n.o 417/2019 para assegurar o pleno efeito das normas da União. Mais genericamente, há igualmente que averiguar se devem ser excluídos os efeitos das decisões do Tribunal Constitucional que violem o princípio da independência dos juízes nos processos regulados s apenas pelo direito nacional. Estas questões põem‑se, nomeadamente, pelo facto de o regime disciplinar romeno prever a aplicação de uma sanção disciplinar a um juiz quando este exclui os efeitos das decisões do Tribunal Constitucional.

102

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o Acórdão n.o 417/2019, que tem como consequência a anulação dos acórdãos proferidos em primeira instância antes de 23 de janeiro de 2019 pelas formações de julgamento de três juízes da Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, viola o princípio da efetividade das sanções penais em caso de atividades ilegais graves lesivas dos interesses financeiros da União. Com efeito, o referido acórdão cria, por um lado, uma aparência de impunidade e implica, por outro, um risco sistémico de impunidade em matéria de infrações graves devido às disposições nacionais que regulam a prescrição do procedimento criminal, tendo em conta a complexidade e a duração do processo até à prolação de um acórdão definitivo na sequência da reapreciação dos processos em causa. Assim, no processo principal, o processo judicial já teria, pela sua complexidade, demorado aproximadamente quatro anos na primeira instância. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o princípio da independência dos juízes consagrado pelo direito da União se opõe à instituição, por decisão de um órgão jurisdicional não pertencente ao poder judicial, de medidas processuais que obrigam a uma reapreciação em primeira instância de determinados processos, com a consequência de pôr em causa as investigações, não havendo motivos sérios suscetíveis para suscitar dúvidas sobre o respeito do direito dos arguidos a um processo equitativo. Ora, no presente caso, não se pode considerar que o facto de as formações de julgamento da Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça serem compostas por juízes que, aquando da sua nomeação para este órgão jurisdicional, eram especializados em processo penal viole o direito a um processo equitativo e o direito de acesso à justiça.

103

Nestas circunstâncias, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, o artigo 58.o da Diretiva [2015/849] [e o] artigo 4.o da Diretiva [2017/1371] ser interpretados no sentido de que se opõem a que um órgão não pertencente ao poder judicial, o [Tribunal Constitucional], profira uma decisão sobre uma exceção processual relativa à eventual composição ilegal da formação de julgamento, à luz do princípio da especialização dos juízes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça (princípio não previsto na Constituição romena) e que obriga um órgão jurisdicional a remeter os processos, que se encontram em fase de recurso (devolutivo), para reapreciação em primeira instância no mesmo órgão jurisdicional?

2)

Devem o artigo 2.o TUE e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a que um órgão não pertencente ao poder judicial declare ilegal a composição da formação de julgamento de uma secção do órgão jurisdicional supremo (formação composta por juízes em funções que, no momento da sua promoção, preenchiam, entre outros, o requisito da especialização exigido para a promoção à secção criminal do órgão jurisdicional supremo)?

3)

Deve o primado do direito da União ser interpretado no sentido de que permite que o órgão jurisdicional nacional não aplique uma decisão do Tribunal Constitucional que interpreta uma norma de grau inferior à Constituição, relativa à organização do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, constante da lei interna relativa à prevenção, deteção e punição dos atos de corrupção, norma que foi interpretada de forma constante no mesmo sentido, durante dezasseis anos, por um órgão jurisdicional?

4)

Em conformidade com o artigo 47.o da [Carta], o princípio do livre acesso à justiça inclui a especialização dos juízes e a constituição de juízos especializados num órgão jurisdicional supremo?»

Processo C‑840/19

104

Por Acórdão de 26 de maio de 2017 proferido por uma formação de três juízes, a Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça condenou NC, entre outras, a uma pena de quatro anos de prisão pela prática, no exercício das suas funções parlamentares e ministeriais, do crime de tráfico de influência, previsto no artigo 291.o, n.o 1, do Código Penal, conjugado com o artigo 6.o e o artigo 7.o, alínea a), da Lei n.o 78/2000, relativamente à adjudicação de contrato público maioritariamente financiado por fundos europeus. Uma vez que a DNA e NC interpuseram recurso deste acórdão, a Secção Penal do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, por Acórdão de 28 de junho de 2018 proferido por uma formação de cinco juízes, confirmou a condenação e negou provimento ao recurso. Este acórdão transitou em julgado.

105

Após a publicação do Acórdão n.o 685/2018 referido no n.o 60 do presente acórdão, NC e a DNA interpuseram recursos extraordinários de anulação, invocando, em substância, a irregularidade da composição da formação de cinco juízes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça que decidiu os recursos interpostos do Acórdão de 26 de maio de 2017, pelo facto de apenas quatro dos cinco membros desta formação terem sido selecionados por sorteio.

106

Por Acórdãos de 25 de fevereiro e de 20 de maio de 2019, proferidos por uma formação de cinco juízes, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça, à luz do Acórdão n.o 685/2018, deu provimento aos recursos extraordinários, anulou a condenação de NC e remeteu para reapreciação os recursos interpostos por este e pela DNA.

107

Enquanto o processo de recurso estava na fase de reapreciação por uma formação de cinco juízes no Tribunal Superior de Cassação e Justiça, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.o 417/2019 referido no n.o 95 do presente acórdão.

108

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade desse acórdão com o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, o artigo 47.o da Carta e o artigo 4.o da Diretiva 2017/1371. Designadamente quanto ao artigo 325.o TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio alega, em substância, os mesmos fundamentos formulados no processo C‑811/19. O referido órgão jurisdicional acrescenta que, no processo principal, os processos judiciais duraram aproximadamente quatro anos e que, em consequência da aplicação do Acórdão n.o 685/2018, o processo encontra‑se na fase de reapreciação do recurso. Além disso, a aplicação do Acórdão n.o 417/2019 tem por efeito a reabertura da fase de julgamento sobre o mérito do processo em primeira instância, com a consequência de que o mesmo processo seria apreciado duas vezes em primeira instância e três vezes em sede de recurso.

109

O órgão jurisdicional de reenvio observa que o Acórdão n.o 417/2019 adotou medidas processuais vinculativas que exigem a abertura de uma nova fase de julgamento devido à falta de especialização das formações de julgamento em primeira instância no que respeita às infrações previstas pela Lei n.o 78/2000. Assim, por causa desse e acórdão existe um risco de impunidade num número considerável de processos relativos a infrações graves. Nestas circunstâncias, seria violada a exigência de efetividade prevista no artigo 325.o TFUE e o direito fundamental do arguido de ser julgado num prazo razoável.

110

Do mesmo modo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, como nos processos C‑357/19, C‑547/19 e C‑811/19, há que interrogar o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade da intervenção do Tribunal Constitucional com o princípio do Estado de direito. Salientando, assim, a importância de respeitar os acórdãos do referido tribunal, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a sua questão não tem por objeto a jurisprudência do Tribunal Constitucional em geral, mas apenas o Acórdão n.o 417/2019. Neste acórdão, o Tribunal Constitucional contrapôs a sua própria interpretação à do Tribunal Superior de Cassação e Justiça quanto às disposições respetivas divergentes constantes da Lei n.o 78/2000 e da Lei n.o 304/2004 alterada, relativas à constituição de formações especializadas, e interferiu com as competências deste órgão jurisdicional ao ordenar a reapreciação de determinados processos.

111

Nestas circunstâncias, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE e o artigo 4.o da Diretiva [2017/1371], adotada nos termos do artigo 83.o, n.o 2, TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem a que um órgão não pertencente ao poder judicial, o [Tribunal Constitucional], profira uma decisão que ordena a reapreciação dos processos de corrupção julgados durante um determinado período e que se encontrem em fase de recurso, devido a não terem sido constituídas, no âmbito do órgão jurisdicional supremo, secções especializadas nessa matéria, ainda que reconhecendo a especialização dos juízes que o compunham?

2)

Devem o artigo 2.o TUE e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a que um órgão não pertencente ao poder judicial declare ilegal a composição da formação de julgamento de uma secção do órgão jurisdicional supremo (formação composta por juízes titulares que, no momento da sua promoção, preenchiam, designadamente, o requisito da especialização exigido para a promoção ao órgão jurisdicional supremo)?

3)

Deve o primado do direito da União ser interpretado no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional não aplicar uma decisão do juiz constitucional, proferida num processo relativo a um litígio constitucional e vinculativa por força do direito nacional?»

Quanto à tramitação do processo no Tribunal de Justiça

Quanto à apensação

112

Por Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2020, os processos C‑357/19 e C‑547/19, por um lado, e os processos C‑811/19 e C‑840/19, por outro, foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão. Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de maio de 2021, esses processos, bem como o processo C‑379/19, atendendo à sua conexão, foram apensos para efeitos do acórdão.

Quantos aos pedidos de tramitação acelerada e tratamento prioritário

113

Os órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos C‑357/19, C‑379/19, C‑811/19 e C‑840/19 pediram ao Tribunal de Justiça que os reenvios prejudiciais nesses processos fossem submetidos a tramitação acelerada nos termos do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

114

Para fundamentar os seus pedidos, os órgãos jurisdicionais de reenvio alegaram, em substância, que a situação dos arguidos no âmbito dos processos principais exigia uma resposta dentro de prazos curtos. Mais especificamente quanto aos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19, alegaram igualmente que o decurso do tempo podia comprometer a eventual execução da pena.

115

A este respeito, recorde‑se que o artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo dispõe que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições do referido regulamento.

116

A este respeito, importa recordar que essa tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária. Por outro lado, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a tramitação acelerada pode não ser aplicada quando o caráter sensível e complexo dos problemas jurídicos colocados por um processo dificilmente se preste à aplicação dessa tramitação, nomeadamente quando não se afigura adequado encurtar a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 32 e jurisprudência referida].

117

No presente caso, no que respeita aos processos C‑357/19 e C‑379/19, por Decisões de 23 de maio e de 17 de junho de 2019, respetivamente, o presidente do Tribunal de Justiça, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidiu indeferir os pedidos de tramitação acelerada. Com efeito, por um lado, a razão de estes pedidos serem relativos a processos penais e, por tal motivo, exigirem uma resposta célere para clarificar a situação jurídica das pessoas investigadas no âmbito dos processos na causa principal não era suficiente, por si só, para justificar que esses processos fossem sujeitos à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, uma vez que essas circunstâncias não eram suscetíveis de gerar uma situação de urgência extraordinária como a referida no n.o 116 do presente acórdão (v., por analogia, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, Minister for Justice and Equality, C‑508/18 e C‑509/18, não publicado, EU:C:2018:766, n.o 11 e jurisprudência referida).

118

Por outro lado, se as questões submetidas, que se prendem com disposições fundamentais do direito da União, são a priori suscetíveis de assumir uma importância fundamental para o bom funcionamento do sistema jurisdicional da União, para o qual é essencial a independência dos órgãos jurisdicionais nacionais, o caráter sensível e complexo dessas questões, que se inscrevem no âmbito de uma reforma de envergadura em matéria de justiça e de luta contra a corrupção na Roménia, dificilmente se presta à aplicação da tramitação acelerada [v., por analogia, Acórdãos de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 105 e de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 34].

119

No entanto, tendo em conta a natureza das questões submetidas, o presidente do Tribunal de Justiça, por Decisão de 18 de setembro de 2019, concedeu aos processos C‑357/19 e C‑379/19 tratamento prioritário, nos termos do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

120

Quanto aos processos C‑811/19 e C‑840/19, há que salientar que destes, considerados em conjunto com os processos C‑357/19 e C‑379/19, resulta que existe uma incerteza por parte dos órgãos jurisdicionais romenos quanto à interpretação e à aplicação do direito da União num elevado número de processos de direito penal nos quais estão em causa o decurso do prazo de prescrição e, por conseguinte, um risco de impunidade. Nestas circunstâncias, e atendendo à fase adiantada dos processos C‑357/19, C‑379/19 e C‑547/19, que suscitam questões de interpretação do direito da União similares, o presidente do Tribunal de Justiça, por Decisão de 28 de novembro de 2019, decidiu submeter os processos C‑811/19 e C‑840/19 a tramitação acelerada.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

121

A audiência de alegações comum prevista nos presentes processos foi, devido à crise sanitária ligada à pandemia de COVID‑19, adiada três vezes e, finalmente, acabou por ser anulada por Decisão de 3 de setembro de 2020. Em conformidade com o artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Grande Secção do Tribunal de Justiça decidiu converter em perguntas para resposta escrita as perguntas para a audiência de alegações comunicadas às partes e aos interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que tinham apresentado observações escritas. CY, PM, RO, KI, LJ, NC, FQ, o Fórum dos Juízes da Roménia, a DNA, o serviço territorial de Oradea da DNA, o Governo romeno e a Comissão enviaram ao Tribunal de Justiça as suas respostas a estas questões nos prazos fixados.

122

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de abril de 2021, PM pediu que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo. Para fundamentar o seu pedido, PM alegou, em substância, referindo‑se aos artigos 19.o, 20.o, 31.o e 32.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e aos artigos 64.o, 65.o, 80.o e 81.o do Regulamento de Processo, que o facto de não ter sido realizada a audiência de alegações violava seu direito a um processo equitativo e ao princípio do contraditório.

123

A este respeito, importa recordar que o direito de ser ouvido, consagrado no artigo 47.o da Carta, não estabelece uma obrigação absoluta de realização de uma audiência pública em todos os processos. É o que acontece, nomeadamente, quando o processo não suscita questões de facto ou de direito que possam ser adequadamente resolvidas com base no procedimento administrativo e nas observações escritas das partes (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko,C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 40 e jurisprudência referida).

124

Assim, no que se refere à fase oral do processo no Tribunal de Justiça, o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo prevê que este pode, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir não realizar audiência de alegações se, lidos os articulados ou observações apresentadas durante a fase escrita do processo, considerar que dispõe das informações suficientes para se pronunciar. Em conformidade com o n.o 3 desse artigo 76.o, essa disposição não é, todavia, aplicável quando um pedido de audiência de alegações tiver sido apresentado, fundamentadamente, por um interessado referido no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que não tenha participado na fase escrita do processo. Contudo, no presente caso não foi apresentado nenhum pedido por esse interessado.

125

Atendendo ao exposto, o Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 76.o, n.os 2 e 3, do Regulamento de Processo, sem violar as exigências decorrentes do artigo 47.o da Carta, decidiu não realizar audiência nos presentes processos. Aliás, como se referiu no n.o 121 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça fez, às partes e aos interessados que apresentaram observações escritas, perguntas para resposta escrita, que lhes permitiram, assim, apresentar elementos adicionais para apreciação do Tribunal de Justiça, faculdade exercida nomeadamente por PM.

126

É certo que, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, nomeadamente, quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes interessadas.

127

Ora, o pedido de reabertura da fase oral do processo que PM formulou após a apresentação das conclusões do advogado‑geral não revelou nenhum facto novo suscetível de poder influenciar a decisão que lhe cabe proferir. Além disso, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe, no termo do processo ali tramitado, de todos os elementos necessários para decidir o pedido de decisão prejudicial no processo C‑357/19.

128

À luz das considerações precedentes, ouvido o advogado‑geral, há que indeferir o pedido de PM de que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

129

As partes nos processos principais PM, RO, TQ, KI, LJ e NC, bem como o Governo polaco manifestam dúvidas quanto à competência do Tribunal de Justiça para responder a determinadas questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio.

130

As interrogações, a este respeito, de PM, RO e TQ dizem respeito às questões submetidas no processo C‑357/19, as de KI e LJ às questões submetidas no processo C‑379/19 e as de NC às questões submetidas no processo C‑840/19. O Governo polaco põe em causa a competência do Tribunal de Justiça para responder às questões submetidas nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19 e à terceira questão submetida no processo C‑379/19.

131

Estas partes no processo principal e o Governo polaco apresentam três séries de argumentos. Primeiro, as interrogações suscitadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio relativas à compatibilidade com o direito da União da jurisprudência estabelecida nos acórdãos do Tribunal Constitucional em causa no processo principal incidiam sobre a organização do sistema judicial, domínio no qual a União não dispõe de nenhuma competência. Segundo, o direito da União não contém nenhuma norma relativa ao alcance e aos efeitos dos acórdãos proferidos por um tribunal constitucional nacional, uma vez que essas interrogações não diziam respeito ao direito da União, mas ao direito nacional. Por último, os órgãos jurisdicionais de reenvio pediam efetivamente ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre a legalidade desses acórdãos do Tribunal Constitucional e sobre determinados elementos de facto que este teve em consideração, o que não é da competência do Tribunal de Justiça.

132

A este respeito, há que constatar que os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do direito da União, quer se trate de disposições de direito primário, neste caso, o artigo 2.o, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o artigo 325.o TFUE e o artigo 47.o da Carta, ou de disposições de direito derivado, nomeadamente a Decisão 2006/928. Estes pedidos têm também por objeto a Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, a saber, a convenção PIF, que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar.

133

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, no exercício desta competência os Estados‑Membros são obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 111 e jurisprudência referida). O mesmo sucede no domínio da responsabilidade disciplinar dos juízes por inobservância das decisões do tribunal constitucional nacional.

134

No que respeita à argumentação de que os pedidos de decisão prejudicial pedem, em substância, ao Tribunal de Justiça que aprecie o alcance, os efeitos e a legalidade dos acórdãos do Tribunal Constitucional em causa no processo principal e que se pronuncie sobre determinados elementos de facto que este teve em consideração, há que recordar, por um lado, que, se no âmbito de um processo previsto no artigo 267.o TFUE, baseado numa evidente separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional é o único competente para verificar e apreciar os factos do litigio no processo principal e interpretar e aplicar o direito nacional, cabe em contrapartida ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional nacional que lhe submeteu um reenvio prejudicial os elementos de interpretação do direito da União que se possam revelar necessários à resolução do litígio no processo principal, tendo em conta as indicações constantes da decisão de reenvio quanto ao direito nacional aplicável a esse litígio e aos factos que o caracterizam [Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 78 e jurisprudência referida].

135

Por outro lado, embora não lhe caiba pronunciar‑se, no âmbito desse processo prejudicial, sobre a compatibilidade de disposições ou de uma prática do direito nacional com as regras do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em contrapartida, competente para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação decorrentes desse direito que possam permitir que este aprecie essa conformidade com vista à decisão do processo que lhe foi submetido [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação), C 487/19, EU:C:2021:798, n.o 79 e jurisprudência referida].

136

Tendo em conta o exposto, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões submetidas nos presentes processos, incluindo as referidas no n.o 130 do presente acórdão.

Quanto à admissibilidade

Processo C‑379/19

137

KI invoca a inadmissibilidade de cada uma das três questões prejudiciais submetidas no processo C‑379/19. Quanto à primeira questão, alega que a respetiva resposta se impõe claramente, salientando que nem a Decisão 2006/928 nem as recomendações formuladas nos relatórios da Comissão adotados com base nesta decisão foram invocadas no âmbito do processo principal. Quanto à segunda e terceira questões, KI entende que as interrogações que suscitam não têm nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio, na realidade, pretende apenas eximir‑se da sua obrigação de aplicar, sob pena de responsabilizar disciplinarmente os seus membros, a jurisprudência estabelecida nos acórdãos do Tribunal Constitucional em causa no processo principal.

138

A este respeito, quanto ao facto de a interpretação correta do direito da União se impor, no presente caso, com uma evidência que não deixa margem para nenhuma dúvida razoável, basta recordar que, embora esse facto, quando é certo, possa levar o Tribunal de Justiça a decidir por despacho nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo, o mesmo facto não pode impedir um órgão jurisdicional nacional de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial e não tem por efeito, assim, tornar inadmissível a questão submetida [v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 96].

139

Por outro lado, é jurisprudência constante que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. A rejeição pelo Tribunal de Justiça de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdãos de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 116, e de 2 de setembro de 2021, INPS (Subsídio de nascimento e de maternidade, para os titulares de uma autorização única), C‑350/20, EU:C:2021:659, n.o 39 e jurisprudência referida].

140

No presente caso, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio foi chamado a pronunciar‑se, no âmbito de um processo penal relativo, nomeadamente, a crimes de corrupção, sobre um pedido apresentado pelos arguidos com vista a serem excluídos do processo, em aplicação de vários acórdãos do Tribunal Constitucional, meios de prova que consistem em atas de registo de escutas. Ora, é precisamente devido às dúvidas suscitadas quanto à compatibilidade destes acórdãos, cuja inobservância por um órgão jurisdicional nacional é, além disso, suscetível de desencadear a responsabilidade disciplinar dos juízes que participaram na decisão do referido órgão jurisdicional, com a exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que decorre do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a questionar o Tribunal de Justiça, no âmbito da segunda e terceira questões prejudiciais, nomeadamente sobre a interpretação desta disposição. Quanto à Decisão 2006/928, referida na primeira questão prejudicial, cumpre salientar que, atendendo ao considerando 3 desta decisão, ao qual se refere o pedido de decisão prejudicial, esta exigência de independência é concretizada pelos objetivos de referência enunciados no anexo dessa decisão e pelas recomendações formuladas nos relatórios da Comissão adotados com base na mesma. A ligação entre o processo principal e as três questões submetidas resulta, assim, claramente do pedido de decisão prejudicial.

141

Resulta das considerações precedentes que as questões prejudiciais no processo C‑379/19 são admissíveis.

Processo C‑547/19

142

A Inspeção Judicial contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial com base na inaplicabilidade ao processo principal dos artigos 2.o e 19.o TUE, bem como do artigo 47.o da Carta, cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

143

A este respeito, cumpre referir que o litígio no processo principal no processo C‑547/19 se refere a um recurso interposto por um juiz no órgão jurisdicional de reenvio da sanção disciplinar de expulsão da magistratura que lhe foi aplicada, recurso no âmbito do qual o interessado impugna a legalidade da composição desse tribunal, constituído segundo as exigências do Acórdão n.o 685/2018 do Tribunal Constitucional. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a decidir sobre esta exceção processual e, nesse âmbito, a pronunciar‑se sobre a legalidade da sua própria composição, tendo em conta a jurisprudência estabelecida neste acórdão que, na sua opinião, é suscetível de pôr em causa a sua independência.

144

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio é um órgão judicial que pode decidir, enquanto órgão jurisdicional, sobre questões que tenham por objeto a aplicação ou a interpretação do direito da União e que se enquadram, por conseguinte, nos domínios abrangidos pelo direito da União. No caso vertente, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é assim aplicável ao órgão jurisdicional de reenvio, o qual deve assegurar, por força desta disposição, que o regime disciplinar aplicável aos juízes dos órgãos jurisdicionais nacionais que fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União respeite o princípio da independência dos juízes, designadamente garantindo que as decisões proferidas no âmbito dos procedimentos disciplinares instaurados contra os juízes dos referidos órgãos jurisdicionais sejam fiscalizadas por uma instância que satisfaça ela própria as garantias inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva, incluindo a da independência [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 80 e jurisprudência referida]. No âmbito da interpretação desta disposição, há que ter em consideração tanto o artigo 2.o TUE como o artigo 47.o da Carta.

145

Daqui resulta que é admissível o pedido de decisão prejudicial no processo C‑547/19.

Processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19

146

No que diz respeito ao processo C‑357/19, PM, RO e TQ, bem como o Governo polaco invocam a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Antes de mais, PM e RO observam que a sua situação jurídica pessoal não tem nenhuma ligação com as infrações que lesam os interesses financeiros da União e, portanto, com o artigo 325.o, n.o 1, TFUE. Depois, RO e TQ referem que, ao declarar admissíveis os recursos extraordinários, o órgão jurisdicional de reenvio já se pronunciou sobre a questão da aplicabilidade do Acórdão n.o 685/2018 do Tribunal Constitucional, pelo que, na sua opinião, já não é necessário esclarecer esta questão com vista à resolução do litígio no processo principal. Por último, o Governo polaco considera que o processo C‑357/19 não é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União e, portanto, no da Carta.

147

No que diz respeito ao processo C‑811/19, o Governo polaco contesta igualmente a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, alegando que o referido processo também não é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União e que, portanto, a Carta não é aplicável.

148

No que diz respeito ao processo C‑840/19, NC pede que o pedido de decisão prejudicial seja declarado inadmissível. Quanto à primeira questão, considera que o artigo 325.o TFUE não é aplicável ao referido a este processo, pelo facto de a infração em causa no processo principal não afetar os interesses financeiros da União. No que respeita à terceira questão, NC alega que, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao princípio do primado do direito da União, a resposta a esta questão não deixa margem para nenhuma dúvida razoável. Mais em geral, além de considerar que a decisão do processo principal não depende das respostas às questões submetidas, NC alega que as informações e as apreciações do órgão jurisdicional de reenvio relativas ao Tribunal Constitucional, nomeadamente ao seu Acórdão n.o 417/2019, são incompletas e parcialmente erradas. Por seu lado, o Governo polaco considera, pelas mesmas razões já alegadas no processo C‑811/19, que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑840/19 é inadmissível.

149

Sobre estes diversos aspetos, já se recordou no n.o 139 do presente acórdão que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência.

150

No que diz respeito ao processo C‑357/19, resulta das indicações constantes do pedido de decisão prejudicial que este tem origem num processo penal instaurado contra vários arguidos por crimes de corrupção relacionados com a gestão de fundos europeus e crimes de fraude fiscal em matéria de IVA. No que respeita aos processos C‑811/19 e C‑840/19, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que os processos penais na causa principal têm por objeto crimes de corrupção relacionados com a adjudicação de contratos públicos celebrados no âmbito de projetos financiados por fundos europeus. Atendendo a estes elementos cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, afigura‑se que se deve considerar que os processos na causa principal dizem respeito, em parte, a fraudes em matéria de IVA suscetíveis lesar os interesses financeiros da União e aos quais é aplicável o artigo 325.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida). Quanto aos crimes de corrupção relacionados com a adjudicação de contratos públicos celebrados no âmbito de projetos financiados por fundos europeus, os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam‑se nomeadamente sobre a questão de saber se o artigo 325.o, n.o 1, TFUE é aplicável a essas infrações, apesar de o argumento relativo a uma eventual inaplicabilidade desta disposição não poder pôr em causa a admissibilidade das questões submetidas a esse respeito.

151

Além disso, por considerar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional que resulta dos Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019 poderia prejudicar a independência dos juízes e obstar à luta contra a corrupção, o órgão jurisdicional de reenvio nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19 questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação, nomeadamente, do artigo 325.o, n.o 1, TFUE e do artigo 19.o, n.o 1, TUE, bem como do princípio do primado do direito da União para poder decidir se deve aplicar ou, pelo contrário, não aplicar os referidos acórdãos. De acordo com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a aplicabilidade destes acórdãos teria por consequência o provimento do recurso ou a reabertura da fase de julgamento quanto ao mérito. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que se afigure que a interpretação solicitada do artigo 325.o TFUE, do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, aos quais se referem os pedidos de decisão prejudicial, não tem relação alguma com a apreciação dos recursos no processo principal.

152

No que respeita ao facto de a resposta à terceira questão no processo C‑840/19 não deixar margem para dúvida, este tipo de circunstância não pode, como resulta do n.o 138 do presente acórdão, impedir um órgão jurisdicional nacional de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça nem ter por efeito tornar inadmissível a questão submetida.

153

Por conseguinte, são admissíveis os pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19.

Quanto ao mérito

154

Com os seus pedidos de decisão prejudicial, os órgãos jurisdicionais de reenvio pedem ao Tribunal de Justiça a interpretação de vários princípios e disposições do direito da União, como o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, o princípio do primado do direito da União, o artigo 2.o da Convenção PIF e a Decisão 2006/928. As questões que suscitam, a este respeito, têm por objeto, em substância:

a questão de saber se a Decisão 2006/928 e os relatórios elaborados com base nesta decisão têm um caráter vinculativo para a Roménia (primeira questão no processo C‑379/19);

a conformidade com o direito da União, nomeadamente com o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF, de uma regulamentação ou de uma prática nacional segundo a qual as decisões em matéria de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA que não foram proferidas, em primeira instância, por formações de julgamento especializadas nesta matéria ou, em sede de recurso, por formações de julgamento cujos membros foram selecionados por sorteio, estão feridas de nulidade absoluta, pelo que os processos de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA em causa devem, se assim se considerar na sequência de um recurso extraordinário interposto de decisões de recurso definitivas, ser reapreciados em primeira e/ou em segunda instância (primeira questão nos processos C‑357/19 e C‑840/19 e a primeira e quarta questões no processo C‑811/19), e

A conformidade com o direito da União, nomeadamente, por um lado, com o artigo 2.o e com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como com a Decisão 2006/928 e, por outro, com o princípio do primado do direito da União, de uma regulamentação ou de uma prática nacional segundo a qual os tribunais comuns nacionais estão vinculados por decisões do tribunal constitucional nacional relativas à admissibilidade de determinadas provas e a legalidade da composição das formações de julgamento que decidem em matéria de corrupção, de fraude fiscal em matéria de IVA e disciplinar da magistratura, e não podem, por este facto e sob pena de cometer uma infração disciplinar, não aplicar, por sua iniciativa, a jurisprudência estabelecida nestas decisões, quando considerem que esta jurisprudência é contrária às disposições do direito da União (segunda e terceira questões nos processos C‑357/19, C‑379/19, C‑811/19 e C‑840/19 e a questão única no processo C‑547/19).

Quanto à primeira questão no processo C‑379/19

155

Com a sua primeira questão submetida no processo C‑379/19, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se a Decisão 2006/928 e as recomendações formuladas nos relatórios da Comissão adotadas com base nesta decisão são vinculativas para a Roménia.

156

Importa referir desde logo que a Decisão 2006/928 é um ato adotado por uma instituição da União, concretamente a Comissão, com base no Ato de Adesão, que faz parte do direito primário da União, e constitui, mais concretamente, uma decisão na aceção do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE. Quanto aos relatórios da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, elaborados ao abrigo do MCV instituído por esta decisão, devem igualmente ser considerados atos adotados por uma instituição da União, que têm como base jurídica o direito da União, concretamente o artigo 2.o da referida decisão (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 149).

157

Como resulta dos seus considerandos 4 e 5, a Decisão 2006/928 foi adotada no contexto da adesão da Roménia à União, que ocorreu em 1 de janeiro de 2007, com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão, os quais habilitavam a Comissão a adotar medidas adequadas em caso, respetivamente, de risco iminente de grave perturbação do funcionamento do mercado interno decorrente do incumprimento, pela Roménia, de compromissos assumidos no contexto das negociações de adesão e de risco iminente de incumprimentos graves da Roménia do direito da União relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça.

158

Ora, a Decisão 2006/928 foi adotada devido à existência de riscos iminentes da natureza dos referidos nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão. Com efeito, como resulta do relatório de acompanhamento da Comissão, de 26 de setembro de 2006, sobre o estado de preparação para a adesão à União Europeia da Bulgária e da Roménia [COM(2006) 549 final], a que se refere o considerando 4 da Decisão 2006/928, esta instituição observou que persistiam deficiências na Roménia, nomeadamente nos domínios da justiça e da luta contra a corrupção, e propôs ao Conselho que subordinasse a adesão deste Estado à União à instituição de um mecanismo de cooperação e de verificação para fazer face a essas deficiências. Para este efeito, a referida decisão, conforme resulta, nomeadamente, dos seus considerandos 4 e 6, instituiu o MCV e aprovou, em matéria de reforma do sistema judicial e de luta contra a corrupção, os objetivos de referência previstos no artigo 1.o e expostos no anexo da mesma decisão (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 157 e 158).

159

A este respeito, e como enunciam os considerandos 2 e 3 da Decisão 2006/928, o espaço de liberdade, segurança e justiça e o mercado interno baseiam‑se na confiança mútua entre os Estados‑Membros de que as suas decisões e as suas práticas administrativas e judiciais respeitam integralmente o Estado de direito, o que implica a existência, em todos os Estados‑Membros, de um sistema judicial e administrativo imparcial, independente e eficaz, dotado de meios suficientes, designadamente, para combater a corrupção (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 159).

160

Ora, o artigo 49.o TUE, que prevê a possibilidade de qualquer Estado europeu pedir para se tornar membro da União, precisa que esta agrupa Estados que aderiram livre e voluntariamente aos valores comuns atualmente referidos no artigo 2.o TUE, que respeitam esses valores e que estão empenhados em promovê‑los. Decorre, especialmente, do artigo 2.o TUE que a União se funda em valores, como o Estado de direito, que são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, designadamente, pela justiça. A este respeito, cumpre salientar que a confiança mútua entre os Estados‑Membros e, em particular, entre os seus órgãos jurisdicionais assenta na premissa fundamental segundo a qual os Estados‑Membros partilham de uma série de valores comuns em que a União se funda, como precisado nesse artigo (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 160 e jurisprudência referida).

161

Assim, o respeito dos valores referidos no artigo 2.o TUE constitui uma condição prévia à adesão à União de qualquer Estado europeu que peça para se tornar membro da União. É neste contexto que o MCV foi instituído pela Decisão 2006/928 a fim de garantir o respeito do princípio do Estado de direito na Roménia (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 161).

162

Por outro lado, o respeito por parte de um Estado‑Membro dos valores referidos no artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo de todos os direitos que decorrem da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro. Um Estado‑Membro não pode, portanto, alterar a sua legislação de modo que implique uma regressão da proteção do princípio do Estado de direito, princípio que é concretizado, nomeadamente, pelo artigo 19.o TUE. Os Estados‑Membros devem, assim, evitar qualquer regressão, à luz desse princípio, da sua legislação em matéria de organização da justiça, abstendo‑se de adotar regras que venham a prejudicar a independência dos juízes [Acórdãos de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 162 e jurisprudência referida, bem como de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 51].

163

Neste contexto, importa salientar que os atos adotados pelas instituições da União antes da adesão, entre os quais figura a Decisão 2006/928, vinculam a Roménia desde a data da sua adesão à União, por força do artigo 2.o do Ato de Adesão, e continuam em vigor, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 3, do Tratado de Adesão, até à sua revogação (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 163).

164

No que se refere, mais especificamente, às medidas adotadas com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão, embora seja verdade que o primeiro parágrafo de cada um desses artigos autorizou a Comissão a adotar as medidas que visam «durante um período máximo de três anos a contar da adesão», o segundo parágrafo de cada um desses artigos previu expressamente que as medidas assim adotadas podiam ser aplicadas além do referido período enquanto não fossem cumpridos os compromissos pertinentes ou subsistissem as lacunas verificadas, e só seriam levantadas quando tivessem sido cumpridos os compromissos pertinentes ou colmatadas as lacunas em causa. Aliás, a Decisão 2006/928 precisa, no seu considerando 9, que «será revogada quando todos os objetivos de referência forem satisfatoriamente atingidos».

165

Por conseguinte, a Decisão 2006/928 continua a produzir efeitos para além da data da adesão da Roménia à União enquanto não for revogada (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 165).

166

No que respeita à questão de saber se e em que medida a Decisão 2006/928 é obrigatória para a Roménia, há que recordar que o artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE prevê, à semelhança do artigo 249.o, quarto parágrafo, CE, que uma decisão «é obrigatória em todos os seus elementos» para os destinatários que designa.

167

Em conformidade com o seu artigo 4.o, a Decisão 2006/928 tem por destinatários a totalidade dos Estados‑Membros, o que inclui a Roménia a partir da sua adesão. Esta decisão tem caráter vinculativo em todos os seus elementos para este Estado‑Membro desde a sua adesão à União. Assim, a referida decisão impõe à Roménia a obrigação de atingir os objetivos de referência que figuram no seu anexo e de, por força do seu artigo 1.o, primeiro parágrafo, apresentar anualmente à Comissão um relatório sobre os progressos realizados neste domínio (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 167 e 168).

168

No que respeita, especialmente, a esses objetivos de referência, importa acrescentar que os mesmos foram definidos, como resulta dos n.os 157 a 162 do presente acórdão, devido às deficiências constatadas pela Comissão antes da adesão da Roménia à União nos domínios, nomeadamente, das reformas do sistema judicial e de luta contra a corrupção, e visam assegurar que esse Estado‑Membro respeite o princípio do Estado de direito enunciado no artigo 2.o TUE, condição para o gozo de todos os direitos decorrentes da aplicação dos tratados ao referido Estado‑Membro. Além disso, esses objetivos de referência concretizam os compromissos específicos assumidos pela Roménia e as exigências que aceitou aquando da conclusão das negociações de adesão em 14 de dezembro de 2004, que figuram no anexo IX do Ato de Adesão, respeitantes, nomeadamente, aos domínios da justiça e da luta contra a corrupção. Por conseguinte, como resulta dos considerandos 4 e 6 da Decisão 2006/928, a implementação do MCV e a fixação dos objetivos de referência tiveram por finalidade concluir o processo de adesão da Roménia à União, a fim de corrigir as deficiências constatadas pela Comissão antes da referida adesão nesses domínios (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 169 a 171).

169

Daqui resulta que os objetivos de referência têm caráter vinculativo para a Roménia, pelo que este Estado‑Membro está vinculado à obrigação específica de atingir esses objetivos e de tomar as medidas adequadas para a realização dos mesmos o mais rapidamente possível. Do mesmo modo, o referido Estado‑Membro tem de se abster de aplicar qualquer medida suscetível de comprometer a realização desses mesmos objetivos (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 172).

170

Quanto aos relatórios elaborados pela Comissão com base na Decisão 2006/928, importa recordar que, para determinar se um ato da União produz efeitos jurídicos vinculativos, importa atender à substância desse ato e apreciar os seus efeitos em função de critérios objetivos, como o conteúdo desse mesmo ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da sua adoção e os poderes da instituição que dele é autora (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 173 e jurisprudência referida).

171

No caso em apreço, é certo que os relatórios elaborados com base na Decisão 2006/928 são, por força do seu artigo 2.o, primeiro parágrafo, não são dirigidos à Roménia, mas sim ao Parlamento e ao Conselho. Além disso, embora esses relatórios incluam uma análise da situação na Roménia e formulem exigências em relação a esse Estado‑Membro, as conclusões que aí figuram transmitem «recomendações» ao referido Estado‑Membro baseando‑se nessas exigências.

172

Contudo, como resulta de uma leitura conjugada dos artigos 1.o e 2.o da referida decisão, esses relatórios destinam‑se a analisar e a avaliar os progressos realizados pela Roménia à luz dos objetivos de referência que esse Estado‑Membro deve atingir. No que respeita, principalmente, às recomendações que figuram nesses relatórios, estas são formuladas com vista à realização desses objetivos e a fim de guiar as reformas do referido Estado‑Membro a este respeito (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 175).

173

Quanto a este aspeto, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta do princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, que os Estados‑Membros estão obrigados a adotar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União e eliminar as consequências ilícitas de uma violação deste direito, e que essa obrigação incumbe, no âmbito das suas competências, a cada órgão do Estado‑Membro em causa (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 176 e jurisprudência referida).

174

Nestas condições, para dar cumprimento aos objetivos de referência enunciados no anexo da Decisão 2006/928, a Roménia deve ter devidamente em conta as exigências e as recomendações formuladas nos relatórios elaborados pela Comissão ao abrigo dessa decisão. Em particular, este Estado‑Membro não pode adotar ou manter medidas nos domínios abrangidos pelos objetivos de referência que sejam suscetíveis de comprometer o resultado que eles prescrevem. No caso de a Comissão manifestar duvidas, nesse relatório, quanto à compatibilidade de uma medida nacional com um dos objetivos de referência, incumbe à Roménia colaborar de boa‑fé com esta instituição para, no pleno respeito desses objetivos de referência e das disposições dos Tratados, transpor as dificuldades encontradas em relação à realização dos referidos objetivos de referência (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 177).

175

Atendendo às considerações anteriores, há que responder à primeira questão no processo C‑379/19 que a Decisão 2006/928, enquanto não for revogada, é obrigatória em todos os seus elementos para a Roménia. Os objetivos de referência que figuram no seu anexo visam assegurar que este Estado‑Membro respeita o princípio do Estado de direito enunciado no artigo 2.o TUE e assumem caráter vinculativo para o referido Estado‑Membro, no sentido de que este deve tomar as medidas adequadas para a realização desses objetivos, tendo devidamente em conta, ao abrigo do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os relatórios elaborados pela Comissão com base na referida decisão, sobretudo as recomendações formuladas nos referidos relatórios.

Quanto à primeira questão nos processos C‑357/19 e C‑840/19 e à primeira e quarta questões no processo C‑811/19

176

Com a primeira questão nos processos C‑357/19 e C‑840/19 e a primeira e quarta questões no processo C‑811/19, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual as decisões em matéria de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA, que não foram proferidas, em primeira instância, por formações de julgamento especializadas nesta matéria ou, em sede de recurso, por formações de julgamento cujos membros foram selecionados por sorteio, estão feridas de nulidade absoluta pelo que os processos de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA devem, se assim se considerar na sequência de um recurso extraordinário interposto de decisões definitivas, ser reapreciados em primeira e/ou em segunda instância.

177

A título preliminar, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio nestes processos sublinha a importância dos efeitos que a jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019, relativa à composição das formações de julgamento do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, poderia ter sobre a efetividade dos processos penais, das sanções e da execução das sanções em matéria de crimes de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA como os de que são objeto os arguidos, entre os quais figuram pessoas que ocuparam os mais altos cargos do Estado romeno à época dos factos imputados. Assim, questiona o Tribunal de Justiça, em substância, quanto à compatibilidade dessa jurisprudência com o direito da União.

178

Embora as questões submetidas a este respeito se refiram formalmente ao artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF, sem mencionar a Decisão 2006/928, esta e os objetivos de referência constantes do seu anexo são pertinentes para efeitos da resposta a dar a essas questões. Em contrapartida, embora o órgão jurisdicional de reenvio também se refira, nas suas questões, ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e às Diretivas 2015/849 e 2017/1371, para responder às interrogações veiculadas pelas referidas questões não se afigura necessária uma análise que incida, além disso, sobre estas últimas disposições. Quanto a estas diretivas, importa, de resto, salientar que o período pertinente nos processos principais é anterior à entrada em vigor destas.

179

Nestas circunstâncias, há que responder às referidas questões à luz tanto do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF, como da Decisão 2006/928.

180

A este respeito, conforme recordado no n.o 133 do presente acórdão, no estado atual do direito da União, este não prevê regras destinadas a regular a organização da justiça nos Estados‑Membros e, particularmente, a composição das formações de julgamento em matéria de corrupção e de fraude. Por conseguinte, estas regras são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros. Contudo, no exercício desta competência, esses Estados são obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União.

181

Quanto às obrigações decorrentes do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, esta disposição obriga os Estados‑Membros a combaterem as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União por meio de medidas efetivas e dissuasoras (Acórdãos de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 50 e jurisprudência referida, e de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C‑310/16, EU:C:2019:30, n.o 25).

182

Neste contexto, para assegurar a proteção dos interesses financeiros da União, incumbe, nomeadamente, aos Estados‑Membros tomar as medidas necessárias para garantir uma cobrança eficaz e completa dos recursos próprios que são as receitas provenientes da aplicação de uma taxa uniforme à matéria coletável harmonizada do IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida, e de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.os 51 e 52). Do mesmo modo, os Estados‑Membros estão obrigados a tomar medidas efetivas que permitam recuperar os montantes indevidamente pagos ao beneficiário de uma subvenção parcialmente financiada pelo orçamento da União (Acórdão de 1 de outubro de 2020, Úrad špeciálnej prokuratúry,C‑603/19, EU:C:2020:774, n.o 55).

183

Por conseguinte, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 94 e 95 das suas conclusões nos processos C‑357/19 e C‑547/19, o conceito de «interesses financeiros» da União, na aceção do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, engloba não apenas as receitas disponibilizadas ao orçamento da União, mas também as despesas por ele abrangidas. Esta interpretação é corroborada pela definição do conceito de «fraude lesiva dos interesses financeiros [da União]», que figura no artigo 1.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Convenção PIF e que visa diversos atos ou omissões intencionais em matéria quer de despesas quer de receitas.

184

Por outro lado, quanto à expressão «quaisquer outras atividades ilegais», que figura no artigo 325.o, n.o 1, TFUE, recorde‑se que os termos «atividades ilegais» designam habitualmente comportamentos contrários à lei, ao passo que o pronome indefinido «quaisquer» indica que todos estes comportamentos são indiferenciadamente visados. De resto, tendo em conta a importância que deve ser reconhecida à proteção dos interesses financeiros da União, que constitui um dos seus objetivos, este conceito de «atividade ilegal» não pode ser restritivamente interpretado (Acórdão de 2 de maio de 2018, Scialdone,C‑574/15, EU:C:2018:295, n.o 45 e jurisprudência referida).

185

Assim, como o advogado‑geral referiu, em substância, no n.o 100 das suas conclusões nos processos C‑357/19 e C‑547/19, o referido conceito de «atividades ilegais» abrange nomeadamente qualquer ato de corrupção dos funcionários públicos ou qualquer desvio de poder por parte destes, suscetível lesar os interesses financeiros da União, por exemplo, sob a forma de uma apropriação ilegítima dos seus fundos. Neste contexto, é irrelevante que os atos de corrupção se traduzam num ato ou numa omissão do funcionário público em causa, tendo em conta que uma omissão pode ser tão prejudicial para os interesses financeiros da União com um ato e estar intrinsecamente relacionada com esse ato, como, por exemplo, a omissão de um funcionário público de efetuar as fiscalizações e as verificações exigidas para despesas abrangidas pelo orçamento da União ou a autorização de gastos indevidos ou incorretos de fundos da União.

186

O facto de o artigo 2.o, n.o 1, da Convenção PIF, conjugado com o artigo 1.o, n.o 1, desta convenção, se referir apenas às fraudes lesivas dos interesses financeiros da União não é suscetível de pôr em causa essa interpretação do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, cujos termos referem expressamente «as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União». Além disso, conforme resulta do artigo 1.o, alínea a), da referida convenção, um desvio de fundos provenientes do orçamento da União para fins diferentes daqueles para que foram inicialmente concedidos constitui uma fraude, desvio que também pode estar na origem ou resultar de um ato de corrupção. Tudo isto equivale a demonstrar que os atos de corrupção podem estar relacionados com casos de fraude e, inversamente, a prática de uma fraude pode ser facilitada por atos de corrupção, pelo que uma eventual lesão dos interesses financeiros pode, em determinados casos, resultar da conjugação de uma fraude fiscal em matéria de IVA e de atos de corrupção. Como o advogado‑geral referiu, em substância, no n.o 98 das suas conclusões nos processos C‑357/19 e C‑547/19, a eventual existência dessa ligação é confirmada pelo Protocolo adicional à Convenção PIF, que abrange, nos termos dos seus artigos 2.o e 3.o, os atos de corrupção passiva e ativa.

187

Há igualmente que salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que mesmo as irregularidades que não tenham um impacto financeiro preciso podem lesar seriamente os interesses financeiros da União (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Chambre de commerce et d’industrie de l’Indre, C‑465/10, EU:C:2011:867, n.o 47 e jurisprudência referida). Por conseguinte, como o advogado‑geral referiu no n.o 103 das suas conclusões nos processos C‑357/19 e C‑547/19, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE pode abranger não só os atos que causam efetivamente uma perda de recursos próprios mas também as tentativas de praticar esses atos.

188

Neste contexto, cumpre acrescentar que, no que respeita à Roménia, a obrigação de combater a corrupção lesiva dos interesses financeiros da União, conforme decorre do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, é completada pelos compromissos específicos que este Estado‑Membro assumiu aquando da conclusão das negociações de adesão em 14 de dezembro de 2004. Com efeito, em conformidade com o ponto I, 4, do anexo IX do Ato de Adesão, o referido Estado‑Membro comprometeu‑se, nomeadamente, a «[i]ntensificar consideravelmente a luta contra a corrupção e designadamente contra a grande corrupção, assegurando uma execução rigorosa da legislação anticorrupção». Este compromisso específico foi, posteriormente, concretizado pela adoção da Decisão 2006/928, que fixa os objetivos de referência a fim de corrigir as deficiências constatadas pela Comissão antes da adesão da Roménia à União, nomeadamente no domínio da luta contra a corrupção. Assim, o anexo desta decisão, que prevê estes objetivos de referência, refere, no seu n.o 3, o objetivo de «[c]ontinuar a realizar inquéritos profissionais e imparciais sobre as alegações de corrupção de alto nível», e, no seu n.o 4, o objetivo de «[t]omar medidas suplementares para prevenir e combater a corrupção, nomeadamente no âmbito da administração local».

189

Como recordado no n.o 169 do presente acórdão, os objetivos de referência que a Roménia se comprometeu assim a atingir têm caráter vinculativo para este Estado‑Membro, no sentido de que o mesmo está vinculado à obrigação específica de atingir esses objetivos e de tomar as medidas adequadas para a realização dos mesmos o mais rapidamente possível. Do mesmo modo, o referido Estado‑Membro tem de se abster de aplicar qualquer medida suscetível de comprometer a realização desses mesmos objetivos. Ora, a obrigação de combater eficazmente a corrupção e, designadamente, a grande corrupção, que decorre dos objetivos de referência previstos no anexo da Decisão 2006/928, conjugados com os compromissos específicos da Roménia, não se limita apenas aos casos de corrupção lesivos dos interesses financeiros da União.

190

Além disso, decorre, por um lado, das disposições do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, que obrigam a combater as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União e, por outro, das da Decisão 2006/928, que exigem prevenir e combater a corrupção em geral, que a Roménia deve prever a aplicação de sanções efetivas e dissuasivas em caso de incumprimento dessas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 53).

191

A este respeito, embora este Estado‑Membro disponha de liberdade de escolha das sanções aplicáveis, as quais podem assumir a forma de sanções administrativas, de sanções penais ou de uma combinação de ambas, deve assegurar, em conformidade com o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, que os crimes de fraude e de corrupção graves lesivos dos interesses financeiros da União sejam passíveis de sanções penais de natureza efetiva e dissuasiva (v., neste sentido, Acórdãos de5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 54 e jurisprudência referida, e de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C‑310/16, EU:C:2019:30, n.o 27). Além disso, quanto aos crimes de corrupção em geral, a obrigação de a Roménia prever sanções penais de natureza efetiva e dissuasiva decorre da Decisão 2006/928, na medida em que, como se referiu no n.o 189 do presente acórdão, esta decisão obriga o referido Estado‑Membro a combater, de modo efetivo e independentemente de uma eventual lesão dos interesses financeiros da União, a corrupção e, designadamente, a grande corrupção.

192

Além disso, cabe à Roménia assegurar que as suas regras de direito penal e processual penal permitam uma repressão efetiva dos crimes de fraude lesivos dos interesses financeiros da União e dos de corrupção em geral. Assim, embora as sanções previstas e os processos penais instaurados no âmbito do combate a estes crimes sejam da competência deste Estado‑Membro, esta competência é limitada não apenas pelos princípios da proporcionalidade e da equivalência, mas também pelo princípio da efetividade, que impõe que as referidas sanções tenham um caráter efetivo e dissuasivo (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de maio de 2018, Scialdone, C‑574/15, EU:C:2018:295, n.o 29, e de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C‑310/16, EU:C:2019:30, n.os 29 e 30). Esta exigência de efetividade estende‑se necessariamente quer aos processos penais e às sanções dos crimes de fraude lesiva dos interesses financeiros da União e dos de corrupção em geral quer à execução das penas aplicadas, na medida em que, na falta de uma execução efetiva das sanções, estas não podem ter um caráter efetivo e dissuasor.

193

Neste contexto, incumbe, em primeiro lugar, ao legislador nacional tomar as medidas necessárias. Cumpre‑lhe, se for caso disso, alterar a sua regulamentação e garantir que o regime processual aplicável à repressão e à sanção dos crimes de fraude lesivos dos interesses financeiros da União e dos crimes de corrupção em geral não seja concebido de tal modo que represente, por razões inerentes a esse regime, um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos de tais infrações, assegurando, no entanto, a proteção dos direitos fundamentais dos arguidos (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 65, e de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C‑310/16, EU:C:2019:30, n.o 31).

194

Quanto aos órgãos jurisdicionais nacionais, incumbe‑lhes conferir pleno efeito às obrigações decorrentes do artigo 325.o, n.o 1, TFUE e da Decisão 2006/928 e não aplicar as disposições internas que, no âmbito de um processo por crimes graves de fraude lesiva dos interesses financeiros da União ou por crimes de corrupção em geral, obstem à aplicação de sanções efetivas e dissuasivas para combater esses crimes (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 39 e jurisprudência referida, de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C‑310/16, EU:C:2019:30, n.o 32, e de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 249 e 251).

195

No presente caso, resulta das indicações constantes dos pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19, resumidos nos n.os 60, 95 e 107 do presente acórdão, que, com o seu Acórdão n.o 417/2019 proferido em 3 de julho de 2019 a requerimento do presidente da Câmara dos Deputados, o Tribunal Constitucional ordenou que todos os processos cuja decisão em primeira instância, proferida pelo Tribunal Superior de Cassação e Justiça antes de 23 de janeiro de 2019, não tivesse transitado em julgado na data desse acórdão fossem reapreciados por formações especializadas em matéria de luta contra a corrupção, constituídas em conformidade com o artigo 29.o, n.o 1, da Lei n.o 78/2000, na interpretação do Tribunal Constitucional. Segundo essas mesmas indicações, os ensinamentos retirados do Acórdão n.o 417/2019 implicam uma reapreciação em primeira instância, designadamente, de todos os processos que, em 23 de janeiro de 2019, estavam pendentes em sede de recurso ou nos quais a decisão em sede de recurso podia, nessa mesma data, vir a ser objeto de um recurso extraordinário. Das referidas indicações, decorre ainda que, no seu Acórdão n.o 685/2018, proferido em 7 de novembro de 2018 a requerimento do primeiro‑ministro, o Tribunal Constitucional declarou que a seleção por sorteio de apenas quatro dos cinco membros das formações de cinco juízes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, que decidem em sede de recurso, era contrária ao artigo 32.o da Lei n.o 304/2004 alterada, precisando que, a contar da data da sua publicação, este acórdão era aplicável, nomeadamente, aos processos pendentes e aos processos em que foi proferida decisão, contanto que os arguidos ainda estivessem dentro do prazo para exercício das vias de recurso extraordinário adequadas, e que a jurisprudência estabelecida no referido acórdão exige que todos esses processos sejam objeto de reapreciação em sede de recurso por uma formação de julgamento cujos membros tenham sido todos selecionados por sorteio.

196

Por outro lado, conforme resulta do n.o 108 do presente acórdão, a jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos acórdãos mencionados no número anterior pode ser aplicável sucessivamente, o que pode determinar, para um arguido que esteja numa situação como a de NC, a necessidade de uma dupla reapreciação do processo em primeira instância e, eventualmente, de uma tripla apreciação em sede de recurso.

197

Assim, a necessidade de proceder à reapreciação dos processos de corrupção em causa, que decorre desta jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem necessariamente por efeito o prolongamento da duração dos processos penais correspondentes. Ora, além do facto de a Roménia se ter comprometido, como resulta do n.o I, 5, do anexo IX do Ato de Adesão, a «rever, até ao final de 2005, o processo penal excessivamente moroso para assegurar que os processos de corrupção sejam tratados com celeridade e transparência, a fim de garantir a aplicação de sanções adequadas de efeito dissuasivo», o Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta as obrigações específicas que incumbem a este Estado‑Membro por força da Decisão 2006/928 em matéria de luta contra a corrupção, a regulamentação e a prática nacionais nesta matéria não podem ter por consequência prolongar a duração dos inquéritos relativos às infrações por corrupção ou enfraquecer de qualquer outra forma a luta contra a corrupção (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 214).

198

Cumpre acrescentar que o órgão jurisdicional de reenvio nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19 fez referência não apenas à complexidade e à duração dessa reapreciação no Tribunal Superior de Cassação e Justiça mas também às disposições nacionais que regulam a prescrição, designadamente a enunciada no artigo 155.o, n.o 4, do Código Penal, segundo a qual o prazo de prescrição começa a correr, independentemente do número de interrupções, o mais tardar, no dia em que tiver decorrido um período igual ao dobro do prazo legal de prescrição em causa. Considera, assim, que a aplicação da jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019 pode, num número considerável de casos, levar à prescrição das infrações, pelo que implica um risco sistémico de impunidade em matéria de infrações graves de fraude lesiva dos interesses financeiros da União ou de corrupção em geral.

199

Por último, segundo as indicações constantes dos pedidos de decisão prejudicial, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça dispõe de competência exclusiva para conhecer de todos os crimes de fraude suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União e de corrupção em geral, cometidos por pessoas que ocuparam os mais altos cargos do Estado romeno, no âmbito dos poderes executivo, legislativo e judicial.

200

A este respeito, importa salientar que não se pode excluir a existência de um risco sistémico de impunidade quando a aplicação da jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019, conjugada com a das disposições nacionais em matéria de prescrição, tem por efeito evitar que uma determinada categoria de pessoas seja punida de forma efetiva e dissuasora, no caso vertente pessoas que ocuparam os mais altos cargos do Estado romeno e que foram condenadas pela prática, no exercício das suas funções, de atos fraudulentos e/ou de corrupção graves por decisão em primeira instância e/ou em sede de recurso do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, decisão que, todavia, foi objeto de recurso e/ou de um recurso extraordinário para o mesmo Tribunal.

201

Com efeito, embora limitados no plano temporal, estes acórdãos do Tribunal Constitucional são suscetíveis de ter um impacto direto e generalizado sobre essa categoria de pessoas, uma vez que, ao ferirem de nulidade absoluta uma sentença condenatória do Tribunal Superior de Cassação e Justiça e ao exigirem uma reapreciação dos processos de fraude e/ou de corrupção em causa, os referidos acórdãos podem ter por efeito o prolongamento da duração dos processos penais correspondentes para lá do termo dos prazos de prescrição aplicáveis, tornando, assim, sistémico o risco de impunidade quanto à referida categoria de pessoas.

202

Ora, esse risco iria pôr em causa o objetivo de combater a grande corrupção através de sanções efetivas e dissuasoras, prosseguido tanto pelo artigo 325.o, n.o 1, TFUE como pela Decisão 2006/928.

203

Daqui resulta que, na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio, nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19, chegar à conclusão de que a aplicação da jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019, conjugada com a das disposições nacionais em matéria de prescrição e, nomeadamente, com a aplicação do prazo de prescrição absoluto previsto no artigo 155.o, n.o 4, do Código Penal, implica um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos de crimes graves de fraude lesivos dos interesses financeiros da União ou de corrupção em geral, as sanções previstas pelo direito nacional para combater essas infrações não podem ser consideradas efetivas e dissuasoras, o que seria incompatível com o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF, e com a Decisão 2006/928.

204

No entanto, na medida em que os processos penais na causa principal aplicam o artigo 325.o, n.o 1, TFUE e/ou a Decisão 2006/928 e, portanto, o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, este órgão jurisdicional de reenvio deve assegurar também que os direitos fundamentais garantidos pela Carta às pessoas em causa nos processos principais, especialmente os garantidos no artigo 47.o desta, são respeitados. No domínio penal, o respeito destes direitos deve ser garantido não só na fase de inquérito, a partir do momento em que a pessoa é acusada, mas também na fase judicial do processo (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.os 68 e 71 e jurisprudência referida, e de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C‑310/16, EU:C:2019:30, n.o 33) e no âmbito da execução das penas.

205

A este respeito, importa recordar que o artigo 47.o, segundo parágrafo, primeiro período, da Carta, consagra o direito de qualquer pessoa a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Ao exigir que o tribunal seja «previamente estabelecido por lei», esta disposição tem por objetivo assegurar que a organização do sistema judicial seja regulada por uma lei adotada pelo poder legislativo em conformidade com as regras que enquadram o exercício da sua competência, para evitar que essa organização seja deixada à discricionariedade do poder executivo. Esta exigência aplica‑se à base legal da própria existência do tribunal e ainda a qualquer outra disposição de direito interno cujo desrespeito leve à irregularidade da participação de um ou mais juízes no exame do processo, como é o caso das disposições que regulam a composição das formações de julgamento [v. por analogia, por referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.o da CEDH, Acórdãos de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX—II e C‑543/18 RX—II, EU:C:2020:232, n.o 73, e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 129].

206

Ora, há que observar que uma irregularidade cometida na composição das formações de julgamento implica uma violação do artigo 47.o, segundo parágrafo, primeiro período, da Carta, nomeadamente quando essa irregularidade seja de uma natureza e de uma gravidade tais que cria um risco real de que outros ramos do poder, particularmente o executivo, possam exercer um poder discricionário indevido que ponha em perigo a integridade do resultado a que conduz o processo de composição das formações de julgamento e semeie, assim, uma dúvida legítima no espírito dos sujeitos de direito quanto à independência e à imparcialidade do ou dos juízes em causa, o que sucede quando estão em causa regras fundamentais que fazem parte integrante do estabelecimento e do funcionamento desse sistema judicial [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX—II e C‑543/18 RX—II, EU:C:2020:232, n.o 75, e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 130].

207

No presente caso, embora o Tribunal Constitucional tenha declarado, nos acórdãos em causa nos processos principais, que a prática anterior do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, baseada, nomeadamente no Regulamento Relativo à Organização e ao Funcionamento Administrativo, quanto à especialização e à composição das formações de julgamento em matéria de corrupção, não estava em conformidade com as disposições nacionais aplicáveis, não se afigura que essa prática constitua uma violação manifesta de uma regra fundamental do sistema judicial da Roménia suscetível de pôr em causa a natureza de tribunal «previamente estabelecido por lei» das formações de julgamento em matéria de corrupção do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, constituídas em conformidade com a referida prática anterior a estes acórdãos do Tribunal Constitucional.

208

Além disso, como resulta do n.o 95 do presente acórdão, em 23 de janeiro de 2019, o Conselho Diretivo do Tribunal Superior de Cassação e Justiça adotou uma decisão segundo a qual todas as suas formações de julgamento de três juízes eram especializadas de forma a poderem conhecer dos processos de corrupção, decisão que, segundo o Tribunal Constitucional, apenas podia evitar a inconstitucionalidade a partir da data da sua adoção, mas não para o passado. Esta decisão, conforme interpretada pelo Tribunal Constitucional, refere que a prática anterior do Tribunal Superior de Cassação e Justiça relativa à especialização não constitui uma violação manifesta de uma regra fundamental do sistema judicial da Roménia, uma vez que a exigência de especialização resultante do Acórdão n.o 417/2019 do Tribunal Constitucional foi considerada cumprida pela simples adoção de um ato formal, como a Decisão de 23 de janeiro de 2019, que apenas confirma que os juízes do Tribunal Superior de Cassação e Justiça que integravam as formações de julgamento em matéria de corrupção antes da adoção desta decisão eram especializados nessa matéria.

209

Além do mais, importa distinguir os processos C‑357/19, C‑840/19 e C‑811/19 daquele que deu origem ao Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936), no qual o Tribunal de Justiça declarou que, se o juiz nacional considerar que a obrigação de não aplicar as disposições nacionais em causa colide com o princípio da legalidade dos crimes e das penas, como consagrado no artigo 49.o da Carta, não é obrigado a conformar‑se com essa obrigação (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 61). Em contrapartida, as exigências decorrentes do artigo 47.o, segundo parágrafo, primeiro período, da Carta não obstam à não aplicação da jurisprudência estabelecida nos Acórdãos n.os 685/2018 e 417/2019 nos processos C‑357/19, C‑840/19 e C‑811/19.

210

Na sua resposta a uma questão do Tribunal de Justiça no processo C‑357/19, PM alegou que a exigência de que as decisões de recursos em matéria de corrupção devam ser proferidas por formações de julgamento em que todos os membros sejam selecionados por sorteio constitui um padrão nacional de proteção dos direitos fundamentais. Por sua vez, o Governo romeno e a Comissão consideram, todavia, que essa qualificação está errada no que respeita quer a essa exigência quer à relativa à instituição de formações especializadas em matéria de infrações de corrupção.

211

A este respeito, basta recordar que, mesmo supondo que estas exigências constituem esse padrão nacional de proteção, quando um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é chamado a fiscalizar a conformidade com os direitos fundamentais de uma disposição ou de uma medida nacional que, numa situação em que a ação dos Estados‑Membros não é inteiramente determinada pelo direito da União, aplica o direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, o artigo 53.o da Carta confirma que as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto pela Carta nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 29, de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 60, e de 29 de julho de 2019, Pelham e o., C‑476/17, EU:C:2019:624, n.o 80).

212

Ora, na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio nos processos C‑357/19, C‑811/19 e C‑840/19 chegar à conclusão referida no n.o 203 do presente acórdão, a aplicação do padrão nacional de proteção invocado por PM, admitindo‑o demonstrado, seria suscetível de comprometer o primado, a unidade e efetividade do direito da União, nomeadamente do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF e da Decisão 2006/928. Com efeito, nesta hipótese, a aplicação desse padrão nacional de proteção implicaria um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos de infrações graves de fraude lesiva dos interesses financeiros da União ou de corrupção em geral, por inobservância da exigência, resultante daquelas disposições, de prever sanções efetivas e dissuasoras para combater as infrações desta natureza.

213

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão nos processos C‑357/19 e C‑840/19 e à primeira e quarta questões no processo C‑811/19 que o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção PIF, e a Decisão 2006/928 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual as decisões em matéria de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA que não foram proferidas, em primeira instância, por formações de julgamento especializadas nesta matéria ou, em sede de recurso, por formações de julgamento em que todos os membros tenham sido selecionados por sorteio, estão feridas de nulidade absoluta pelo que os processos de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA em causa devem, se assim se considerar na sequência de um recurso extraordinário interposto de decisões definitivas, ser reapreciados em primeira e/ou em segunda instância, na medida em que a aplicação dessa regulamentação ou dessa prática nacional seja suscetível de criar um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos de infrações graves de fraude lesiva dos interesses financeiros da União ou de corrupção em geral. A obrigação de assegurar que essas infrações são objeto de sanções penais de natureza efetiva e dissuasora não dispensa o órgão jurisdicional de reenvio de verificar o necessário respeito dos direitos fundamentais garantidos no artigo 47.o da Carta, sem que este possa aplicar um padrão nacional de proteção dos direitos fundamentais que implique o referido risco sistémico de impunidade.

Quanto à segunda e terceira questões nos processos C‑357/19, C‑379/19, C‑811/19 e C‑840/19 e à questão única no processo C‑547/19

214

Com a segunda e terceira questões nos processos C‑357/19, C‑379/19, C‑811/19 e C‑840/19 e com a questão única no processo C‑547/19, as quais devem ser apreciadas conjuntamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se, por um lado, o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o artigo 47.o da Carta e a Decisão 2006/928 e, por outro, o princípio do primado do direito da União conjugado com as referidas disposições e o artigo 325.o, n.o 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual os tribunais comuns estão vinculados pelas decisões do tribunal constitucional nacional e não podem, por este facto e sob pena de cometerem uma infração disciplinar, não aplicar, por sua iniciativa, a jurisprudência estabelecida nessas decisões, quando consideram, à luz de um acórdão da Tribunal de Justiça, que esta jurisprudência é contrária às referidas disposições do direito da União.

– Quanto à garantia da independência dos juízes

215

Os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram que a jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos acórdãos em causa no processo principal pode pôr em causa a sua independência e é, por tal motivo, incompatível com o direito da União, nomeadamente com as garantias previstas no artigo 2.o e no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE bem como com o artigo 47.o da Carta e com a Decisão 2006/928. A este respeito, entendem que o Tribunal Constitucional, que não faz parte do sistema judicial romeno, excedeu as suas competências ao proferir os acórdãos em causa no processo principal, o que representa uma ingerência nas competências dos tribunais comuns, designadamente as de interpretar e aplicar a legislação infraconstitucional. Os órgãos jurisdicionais de reenvio referem ainda que, no direito romeno, a inobservância dos acórdãos do Tribunal Constitucional constitui uma infração disciplinar, de modo que se interrogam, em substância, sobre a questão de saber se podem, ao abrigo do direito da União, não aplicar o acórdão em causa no processo principal sem recearem a instauração de um processo disciplinar.

216

A este respeito, como recordado no n.o 133 do presente acórdão, se a organização judiciária dos Estados‑Membros, incluindo a criação, a composição e o funcionamento de um tribunal constitucional, é da sua própria competência, estes não deixam de estar obrigados, no exercício dessa competência, a respeitar as obrigações que lhes cabem por força do direito da União.

217

O artigo 19.o TUE, que concretiza o princípio do Estado de direito proclamado no artigo 2.o TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça a missão de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional que esse direito confere aos particulares [Acórdãos de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 98 e jurisprudência referida, e de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes do Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 108].

218

Particularmente, como confirmado pelo considerando 3 da Decisão 2006/928, o princípio do Estado de direito «implica que todos os Estados‑Membros disponham de um sistema judiciário e administrativo imparcial, independente e eficaz, devidamente equipado, nomeadamente, para combater a corrupção».

219

A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o respeito do direito da União é inerente ao Estado de direito. Para este efeito, como enunciado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, cabe aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. O princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, a que se refere o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado nos artigos 6.o e 13.o da CEDH e que é atualmente proclamado no artigo 47.o da Carta (Acórdão de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 189 e 190 e jurisprudência referida).

220

Daqui resulta que, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, qualquer Estado‑Membro deve assegurar que as instâncias que, na qualidade de «órgãos jurisdicionais» a aceção do direito da União, são chamadas a decidir questões decorrentes da aplicação ou da interpretação deste direito e que, assim, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União, satisfaçam as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva, especificando‑se que esta disposição visa os «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem esse direito na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.os 101 e 103 e jurisprudência referida, de 20 de abril de 2021, Repubblika,C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 36 e 37, e de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 191 e 192].

221

Ora, para garantir que as instâncias que podem ser chamadas a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União possam assegurar a proteção jurisdicional efetiva exigida pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, é fundamental que seja preservada a sua independência, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que menciona o acesso a um tribunal «independente» entre as exigências ligadas ao direito fundamental a um recurso efetivo [Acórdãos de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 115 e jurisprudência referida, e de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 194].

222

Esta exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que reveste importância essencial enquanto garante da proteção de todos os direitos que o direito da União confere aos particulares e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do princípio do Estado de direito [Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 116 e jurisprudência referida].

223

Do mesmo modo, como decorre, designadamente, do considerando 3 da Decisão 2006/928 e dos objetivos de referência previstos nos n.os 1 a 3 do anexo dessa decisão, a existência de um sistema judicial imparcial, independente e eficaz é de particular importância na luta contra a corrupção, nomeadamente na de alto nível.

224

Ora, a exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que decorre do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto deste. Este último aspeto exige o respeito pela objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio, que não seja a estrita aplicação da regra de direito [v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 121 e 122 e jurisprudência referida].

225

Estas garantias de independência e de imparcialidade exigidas pelo direito da União postulam a existência de regras que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2006, Wilson, C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 53 e jurisprudência referida, de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 196, e de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 59 e jurisprudência referida].

226

A este respeito, importa que os juízes estejam ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em risco a sua independência. As regras aplicáveis ao estatuto dos juízes e ao exercício das suas funções devem, em especial, permitir excluir não só qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa, e afastar, assim, uma falta de aparência de independência ou de imparcialidade desses juízes que possa pôr em causa a confiança que a justiça deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática e num Estado de direito [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 119 e 139 e jurisprudência referida].

227

No que respeita, mais especificamente, às regras que regulam o regime disciplinar, a exigência de independência impõe, segundo jurisprudência constante, que esse regime apresente as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização do mesmo enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. Para este efeito, afigura‑se essencial que o facto de uma decisão judicial comportar um eventual erro na interpretação e aplicação das regras de direito nacional e da União, ou na apreciação dos factos e na avaliação das provas, não pode, por si só, implicar a responsabilidade disciplinar do juiz em causa [v., neste sentido, Acórdãos de18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 198 e 234 e jurisprudência referida, e de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 134 e 138]. Por outro lado, o facto de os juízes nacionais não serem expostos a processos ou a sanções disciplinares por terem exercido o seu direito de reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o qual é da sua competência exclusiva, constitui uma garantia inerente à sua independência [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.os 17 e 25, de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 59, e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 91].

228

Além disso, em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito, a independência dos órgãos jurisdicionais deve designadamente ser garantida em relação aos poderes legislativo e executivo [Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 124 e jurisprudência referida, e de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 118].

229

Ora, apesar de nem o artigo 2.o nem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, nem nenhuma outra disposição do direito da União impor aos Estados‑Membros um modelo constitucional específico que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, nomeadamente no que respeita à definição e aos limites das respetivas competências, esses Estados‑Membros não podem deixar de respeitar, nomeadamente, as exigências de independência dos órgãos jurisdicionais decorrentes dessas disposições do direito da União [v., por referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativo ao artigo 6.o da CEDH, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 130].

230

Nestas circunstâncias, o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como a Decisão 2006/928 não se opõem a uma regulamentação ou prática nacional segundo a qual as decisões do tribunal constitucional vinculam os tribunais comuns, desde que o direito nacional garanta a independência desse tribunal constitucional, designadamente perante os poderes legislativo e executivo, como exigem aquelas disposições. Em contrapartida, se o direito nacional não garantir esta independência, estas disposições do direito da União opõem‑se a tal regulamentação ou prática nacional, uma vez que esse tribunal constitucional não está em condições de assegurar a tutela jurisdicional efetiva exigida pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

231

No caso em apreço, as questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio em relação à exigência de independência dos juízes que decorre destas disposições do direito da União têm por objeto, por um lado, um conjunto de aspetos relativos ao estatuto, à composição e ao funcionamento do Tribunal Constitucional que proferiu os acórdãos em causa nos processos principais. Especialmente, estes órgãos jurisdicionais observam que, segundo a Constituição romena, o referido tribunal não faz parte do sistema judicial, que os seus membros são nomeados por organismos que pertencem aos poderes legislativo e executivo, que estão igualmente habilitados a chamá‑lo a pronunciar‑se, ou, ainda, que excedeu o limite das suas competências e procedeu a uma interpretação arbitrária da regulamentação nacional pertinente.

232

No que respeita ao facto de, segundo a Constituição romena, o Tribunal Constitucional não fazer parte do sistema judicial, foi referido no n.o 229 do presente acórdão que o direito da União não impõe aos Estados‑Membros um modelo constitucional específico que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, nomeadamente no que respeita à definição e aos limites das respetivas competências. A este respeito, importa precisar que o direito da União não se opõe à criação de um tribunal constitucional cujas decisões vinculem os tribunais comuns, desde que este respeite as exigências de independência previstas nos n.os 224 a 230 do presente acórdão. Ora, dos pedidos de decisão prejudicial não se resulta nenhum elemento suscetível de sugerir que o Tribunal Constitucional, ao qual é atribuída, nomeadamente, a fiscalização da constitucionalidade das leis e dos decretos, bem como a decisão de conflitos jurídicos de natureza constitucional entre as autoridades públicas, em aplicação do artigo 146.o, alíneas d) e e), da Constituição romena, não satisfaz essas exigências.

233

Quanto às condições de nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o simples facto de os juízes em causa serem, como os juízes do Tribunal Constitucional por força do artigo 142.o, n.o 3, da Constituição romena, nomeados pelos poderes legislativo e executivo não é suscetível de criar uma dependência daqueles juízes em relação a esses poderes nem de gerar dúvidas quanto à sua imparcialidade, se, uma vez nomeados, os interessados não estiverem sujeitos a nenhuma pressão e não receberem instruções no exercício das suas funções [v., por analogia, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 133 e jurisprudência referida].

234

Se é certo que pode ser necessário garantir que as condições materiais e as modalidades processuais que presidem à adoção das referidas decisões de nomeação sejam tais que não possam criar, no espírito dos particulares, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto, uma vez nomeados os interessados, e que importa, nomeadamente, para este fim, que as referidas condições e modalidades sejam concebidas de forma que satisfaçam as exigências recordadas no n.o 226 do presente acórdão [Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 123 e jurisprudência referida], e que não resulta das indicações constantes dos pedidos de decisão prejudicial que as condições em que ocorreram as nomeações dos juízes do Tribunal Constitucional que adotou os acórdãos em causa nos processos principais não cumprem as referidas exigências.

235

Por outro lado, importa salientar que, segundo as mesmas indicações, a Constituição romena prevê, no seu artigo 142.o, n.o 2, que os juízes do Tribunal Constitucional sejam «nomeados para um mandato de nove anos que não pode ser prorrogado nem renovado», e especifica, no seu artigo 145.o, que estes juízes são «independentes no exercício do seu mandato e não podem ser destituídos durante o seu mandato». Por outro lado, o artigo 143.o da referida Constituição define as condições de nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional exigindo, para este efeito, que disponham de «excelentes qualificações jurídicas, um elevado nível de competência profissional e, pelo menos, 18 anos de experiência na área do direito ou do ensino superior de direito», ao passo que o artigo 144.o da mesma Constituição estabelece o princípio da incompatibilidade das funções de juiz do Tribunal Constitucional «com quaisquer outras funções de caráter público ou privado, com exceção de funções de caráter pedagógico no ensino superior de direito».

236

No caso em apreço, há que acrescentar que o facto de o Tribunal Constitucional poder ser chamado a pronunciar‑se por organismos que pertencem aos poderes legislativo e executivo decorre da natureza e das funções de um tribunal instituído para decidir litígios de ordem constitucional e não pode, por si só, constituir um elemento que permita pôr em causa a sua independência em relação a esses poderes.

237

Quanto à questão de saber se o Tribunal Constitucional não agiu de forma independente e imparcial nos processos que deram origem aos acórdãos em causa nos processos principais, o único facto invocado pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, de que o Tribunal Constitucional excedeu os limites das suas competências em detrimento da autoridade judicial romena e fez uma interpretação arbitrária da regulamentação nacional pertinente, admitindo que está provado, não é suscetível de demonstrar que o Tribunal Constitucional não cumpriu as exigências de independência e imparcialidade, referidas nos n.os 224 a 230 do presente acórdão. Com efeito, os pedidos de decisão prejudicial não contêm nenhum outro elemento circunstanciado do qual resulte que estes acórdãos foram proferidos num contexto que suscite dúvidas legítimas quanto ao pleno respeito dessas exigências pelo Tribunal Constitucional.

238

Por outro lado, no que respeita ao facto de, nos termos da regulamentação nacional em causa, os juízes dos tribunais comuns poderem ser disciplinarmente responsabilizados por inobservância das decisões do Tribunal Constitucional, é certo que a salvaguarda da independência dos órgãos jurisdicionais não pode, nomeadamente, ter como consequência a total exclusão de uma possível responsabilidade disciplinar dos juízes, em determinados casos absolutamente excecionais, devido a decisões judiciais que tenham proferido. Com efeito, a referida exigência de independência não se destina, evidentemente, a justificar eventuais condutas graves e totalmente indesculpáveis de juízes, como, por exemplo, a violação de forma deliberada e de má fé, ou com negligência especialmente grave e grosseira, das normas do direito nacional e da União cujo respeito devem assegurar, ou a adoção de uma conduta arbitrária ou de denegação de justiça, quando, enquanto depositários da função de julgar, os juízes são chamados a dirimir litígios que lhes são submetidos pelos particulares [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 137].

239

Contudo, para preservar essa mesma independência e assim evitar que o regime disciplinar possa ser desviado das suas finalidades legítimas e utilizado para fins de controlo político das decisões judiciais ou de pressão sobre os juízes, afigura‑se essencial que o facto de uma decisão judicial comportar um eventual erro na interpretação e aplicação das normas do direito nacional e da União, ou na apreciação dos factos e avaliação das provas, não possa, por si só, implicar a responsabilidade disciplinar do juiz em causa [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 138 e jurisprudência referida].

240

Por conseguinte, é necessário que a responsabilidade disciplinar de um juiz com fundamento numa decisão judicial seja limitada a casos absolutamente excecionais, como os referidos no n.o 238 do presente acórdão, e enquadrada, a este respeito, por critérios objetivos e verificáveis, relativos a imperativos resultantes da boa administração da justiça, bem como por garantias destinadas a evitar qualquer risco de pressões externas sobre o conteúdo das decisões judiciais e a afastar, assim, no espírito dos sujeitos de direito, qualquer dúvida legítima quanto à impermeabilidade dos juízes em causa e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 139 e jurisprudência referida].

241

No caso em apreço, das indicações constantes dos pedidos de decisão prejudicial não resulta que a responsabilidade disciplinar dos juízes nacionais dos tribunais comuns pela inobservância das decisões do Tribunal Constitucional, prevista no artigo 99.o, alínea s), da Lei n.o 303/2004 cuja redação não inclui nenhum outro requisito, seja limitada aos casos excecionais evocados no n.o 238 do presente acórdão, contrariamente à jurisprudência referida nos n.os 239 e 240 deste acórdão.

242

Daqui resulta que o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como a Decisão 2006/928 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação ou prática nacional segundo a qual as decisões do tribunal constitucional vinculam os tribunais comuns, desde que o direito nacional garanta a independência desse tribunal constitucional, designadamente perante os poderes legislativo e executivo, como exigem aquelas disposições. Em contrapartida, essas disposições do Tratado UE e a referida decisão devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual qualquer inobservância das decisões do tribunal constitucional nacional é suscetível de dar origem a responsabilidade dos mesmos.

243

Nestas circunstâncias, e quanto aos processos em que a regulamentação ou a prática nacional em causa no processo principal aplica o direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, não se afigura necessária uma análise separada do artigo 47.o da Carta, que não poderia deixar de corroborar a conclusão já enunciada no número anterior, à resposta às questões dos órgãos jurisdicionais de reenvio e à solução dos litígios que lhes foram submetidos.

– Quanto ao primado do direito da União

244

Os órgãos jurisdicionais de reenvio observam que a jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos acórdãos em causa nos processos principais, a qual lhes suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito da União, tem, em conformidade com o artigo 147.o, n.o 4, da Constituição romena, caráter vinculativo e deve ser respeitada pelos órgãos jurisdicionais nacionais, sob pena de vir a ser aplicada aos seus membros uma sanção disciplinar nos termos do artigo 99.o, alínea s), da Lei n.o 303/2004. Nestas circunstâncias, pretendem saber se o princípio do primado do direito da União se opõe à referida regulamentação ou prática nacional e autoriza um órgão jurisdicional nacional a não aplicar jurisprudência dessa natureza, sem que os seus membros corram o risco de ser objeto de uma sanção disciplinar.

245

A este respeito, há que recordar que, na sua jurisprudência constante relativa ao Tratado CEE, o Tribunal de Justiça já declarou que os tratados relativos à União Europeia, diversamente dos tratados internacionais ordinários, instituíram, por ocasião da sua entrada em vigor, um ordenamento jurídico próprio integrado no sistema jurídico dos Estados‑Membros e que vincula os respetivos órgãos jurisdicionais. Esta nova ordem jurídica, em benefício da qual os Estados‑Membros limitaram, em âmbitos definidos pelos Tratados, os seus direitos soberanos e cujos sujeitos não são apenas os Estados‑Membros, mas também os seus nacionais, é dotada de instituições próprias (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de fevereiro de 1963, van Gend & Loos, 26/62, EU:C:1963:1, p. 23, e de 15 de julho de 1964, Costa, 6/64, EU:C:1964:66, pp. 1158 e 1159).

246

Assim, no Acórdão de 15 de julho de 1964, Costa (6/64, EU:C:1964:66, pp. 1158 a 1160), o Tribunal de Justiça estabeleceu o princípio do primado do direito comunitário, entendido no sentido da consagração da prevalência deste direito sobre o direito dos Estados‑Membros. A este respeito, declarou que a instituição de uma ordem jurídica própria pelo Tratado CEE, aceite pelos Estados‑Membros numa base de reciprocidade, tem por corolário que não podem fazer prevalecer contra essa ordem jurídica uma medida unilateral posterior, nem opor ao direito emergente do Tratado CEE quaisquer regras de direito nacional, sem que perca a sua natureza comunitária e sem pôr em causa os fundamentos jurídicos da própria Comunidade. Além disso, a força executiva do direito comunitário não pode variar de um Estado‑Membro para outro em função de legislação interna posterior, sem pôr em perigo a realização dos objetivos do Tratado CEE, nem provocar uma discriminação em razão da nacionalidade que este Tratado proíbe.

247

No n.o 21 do seu Parecer 1/91 (Acordo EEE — I), de 14 de dezembro de 1991 (EU:C:1991:490), o Tribunal de Justiça considerou, assim, que, embora concluído sob a forma de acordo internacional, o Tratado CEE constitui a carta constitucional de uma comunidade de direito e que as características essenciais da ordem jurídica comunitária assim constituída são em especial o seu primado relativamente aos direitos dos Estados‑Membros e o efeito direto de toda uma série de disposições aplicáveis aos seus nacionais e a eles próprios.

248

Estas características essenciais da ordem jurídica da União e a importância do respeito que lhe é devido foram, de resto, confirmadas pela ratificação, sem reservas, dos Tratados que alteram o Tratado CEE e, nomeadamente, do Tratado de Lisboa. Com efeito, aquando da adoção deste Tratado, a Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros fez questão de recordar expressamente, na sua Declaração n.o 17 relativa ao primado, anexada à Ata final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa (JO 2012, C 326, p. 346), que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Tratados e o direito adotado pela União com base nos Tratados primam sobre o direito dos Estados‑Membros, nas condições estabelecidas por essa jurisprudência.

249

Cabe acrescentar que o artigo 4, n.o 2, TUE prevê que a União respeite a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados. Ora, a União só pode respeitar essa igualdade se os Estados‑Membros, por força do princípio do primado do direito da União, não puderem fazer prevalecer, contra a ordem jurídica da União, uma qualquer medida unilateral.

250

Após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça confirmou, de forma constante, a jurisprudência anterior relativa ao princípio do primado do direito da União, princípio que impõe a todas as instâncias dos Estados‑Membros que confiram pleno efeito às diferentes normas da União, não podendo o direito dos Estados‑Membros afetar o efeito reconhecido a essas diferentes normas no território dos referidos Estados [Acórdãos de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 244 e jurisprudência referida, de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 156, e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 78 e jurisprudência referida].

251

Assim, por força do princípio do primado do direito da União, o facto de um Estado‑Membro invocar disposições de direito nacional, ainda que de ordem constitucional, não pode prejudicar a unidade e a eficácia do direito da União. Com efeito, em conformidade com jurisprudência assente, os efeitos decorrentes do princípio do primado do direito da União impõem‑se a todos os órgãos de um Estado‑Membro, sem que, nomeadamente, as disposições internas, incluindo de ordem constitucional, se possam opor‑lhes [Acórdãos de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 245 e jurisprudência referida, de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 157, e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 79 e jurisprudência referida].

252

A este respeito, cumpre, nomeadamente, recordar que o princípio do primado impõe ao juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União, a obrigação de, na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme às exigências do direito da União, garantir o pleno efeito das mesmas no litígio de que conhece, não aplicando, se necessário e por sua própria iniciativa, qualquer regulamentação ou prática nacional, mesmo que posterior, que seja contrária a uma disposição do direito da União com efeito direto, sem ter de pedir ou esperar pela revogação, por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional, dessa regulamentação ou prática nacional [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 247 e 248, e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 80].

253

Ora, quanto às disposições do direito da União objeto dos presentes pedidos de decisão prejudicial, recorde‑se que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE e os objetivos de referência enunciados no anexo da Decisão 2006/928 são formulados em termos claros e precisos e não estão sujeitos a nenhuma condição, pelo que têm efeito direto (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 38 e 39, e de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 249 e 250).

254

Neste contexto, importa precisar que, em conformidade com o artigo 19.o TUE, embora caiba aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça garantir a aplicação plena do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos particulares pelo referido direito, o Tribunal de Justiça detém uma competência exclusiva para fornecer a interpretação definitiva do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, República da Moldávia, C‑741/19, EU:C:2021:655, n.o 45). Ora, no exercício desta competência, caberá, em última análise, ao Tribunal de Justiça precisar o alcance do princípio do primado do direito da União à luz das disposições pertinentes deste direito, não podendo esse alcance depender da interpretação de disposições do direito nacional, nem da interpretação de disposições do direito da União adotada por um órgão jurisdicional nacional, que não coincida com a do Tribunal de Justiça. Para este efeito, o processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, que constitui a pedra angular do sistema jurisdicional instituído pelos Tratados, institui um diálogo de juiz para juiz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros que tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União, permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter adequado do direito instituído pelos Tratados (Acórdãos de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 37 e jurisprudência referida, e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 27).

255

No caso em apreço, os órgãos jurisdicionais de reenvio referem que, por força da Constituição romena, estão vinculados pela jurisprudência estabelecida nos acórdãos do Tribunal Constitucional em causa nos processos principais e não podem, sob pena de os seus membros serem expostos a processos ou a sanções disciplinares, não aplicar esta jurisprudência, embora considerem, à luz de um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, que a referida jurisprudência é contrária ao direito da União.

256

A este respeito, há que recordar que uma decisão proferida a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça vincula o juiz nacional, quanto à interpretação das disposições do direito da União em causa, para a solução do litígio no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 38 e jurisprudência referida).

257

Assim, o juiz nacional que exerceu a faculdade ou cumpriu a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE não pode ser impedido de dar, imediatamente, ao direito da União uma aplicação conforme à decisão ou à jurisprudência do Tribunal de Justiça, sob pena de diminuir o efeito útil desta disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 20, e de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 39). Cumpre acrescentar que o poder de, no próprio momento dessa aplicação, fazer tudo o que for necessário para não aplicar uma regulamentação ou uma prática nacional que eventualmente obstem à plena eficácia das normas do direito da União faz parte integrante das funções de juiz da União que incumbe ao juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as normas do direito da União, pelo que o exercício deste poder constitui uma garantia inerente à independência dos juízes decorrente do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 59, e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 91].

258

Assim, seria incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União qualquer regulamentação ou prática nacional que tenha por efeito diminuir a eficácia do direito da União pelo facto de recusar ao juiz competente para aplicar esse direito o poder de fazer, no próprio momento dessa aplicação, tudo o que for necessário para não aplicar uma disposição ou uma prática nacional que eventualmente obstem à plena eficácia das normas da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 44 e jurisprudência referida, de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 41, e de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána, C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 36).

259

Ora, uma regulamentação ou uma prática nacional segundo a qual os acórdãos do tribunal constitucional nacional vinculam os tribunais comuns, quando estes últimos consideram, à luz de um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, que a jurisprudência estabelecida nesses acórdãos constitucionais é contrária ao direito da União, é suscetível de impedir estes órgãos jurisdicionais de garantir o pleno efeito das exigências deste direito, eficácia preclusiva que pode ser reforçada pelo facto de o direito nacional qualificar de infração disciplinar a eventual inobservância desta jurisprudência constitucional.

260

Neste contexto, há que salientar que o artigo 267.o TFUE se opõe a qualquer regulamentação ou prática nacional suscetível de impedir os órgãos jurisdicionais nacionais, consoante o caso, de fazer uso da referida faculdade ou de dar cumprimento à obrigação, previstas nesse artigo 267.o, de se dirigir ao Tribunal de Justiça a título prejudicial [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.os 32 a 34 e jurisprudência referida, de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 103, e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 93]. De resto, segundo a jurisprudência referida no n.o 227 do presente acórdão, o facto de os juízes nacionais não serem expostos a processos ou a sanções disciplinares por terem exercido o seu direito de reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, que é da sua competência exclusiva, constitui uma garantia inerente à sua independência. O mesmo acontece na hipótese em que, na sequência da resposta do Tribunal de Justiça, o juiz nacional de um tribunal comum considera que a jurisprudência do tribunal constitucional nacional é contrária ao direito da União, pelo que o facto de não aplicar a referida jurisprudência, em conformidade com o princípio do primado deste direito, não pode, de modo algum, dar origem a responsabilidade disciplinar dos mesmos.

261

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que foram instaurados processos disciplinares nos termos do artigo 99.o, alínea s), da Lei n.o 303/2004 contra alguns juízes dos órgãos jurisdicionais de reenvio após estes terem submetido os respetivos pedidos de decisão prejudicial. Além disso, no caso de a resposta do Tribunal de Justiça levar esses órgãos jurisdicionais a não aplicar a jurisprudência do Tribunal Constitucional estabelecida nos acórdãos em causa nos processos principais, não parece poder excluir‑se, atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional referida no n.o 58 do presente acórdão, que os juízes que compõem esses órgãos jurisdicionais corram o risco de ser objeto de sanções disciplinares.

262

Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual os tribunais comuns nacionais estão vinculados pelos acórdãos do tribunal constitucional nacional e não podem, por este facto e sob pena de cometerem uma infração disciplinar, não aplicar, por sua iniciativa, a jurisprudência estabelecida nesses acórdãos, quando considerem, à luz de um acórdão do Tribunal de Justiça, que essa jurisprudência é contrária ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ao artigo 325.o, n.o 1, TFUE ou à Decisão 2006/928.

263

Em face do exposto, há que responder à segunda e terceira questões nos processos C‑357/19, C‑379/19, C‑811/19 e C‑840/19 e à questão única no processo C‑547/19 que

O artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como a Decisão 2006/928 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual as decisões do tribunal constitucional nacional vinculam os tribunais comuns, desde que o direito nacional garanta a independência desse tribunal constitucional, designadamente perante os poderes legislativo e executivo, como exigem aquelas disposições. Em contrapartida, essas disposições do Tratado UE e a referida decisão devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual qualquer inobservância das decisões do tribunal constitucional nacional é suscetível de dar origem a responsabilidade disciplinar dos mesmos;

O princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual os tribunais comuns nacionais estão vinculados por decisões do tribunal constitucional nacional e não podem, por este facto e sob pena de cometerem uma infração disciplinar, não aplicar, por sua iniciativa, a jurisprudência estabelecida nessas decisões, quando considerem, à luz de um acórdão do Tribunal de Justiça, que essa jurisprudência é contrária ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ao artigo 325.o, n.o 1, TFUE ou à Decisão 2006/928.

Quanto às despesas

264

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

A Decisão 2006/928/CE da Comissão, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção, é, enquanto não for revogada, obrigatória em todos os seus elementos para a Roménia. Os objetivos de referência que figuram no seu anexo visam assegurar que este Estado‑Membro respeite o princípio do Estado de direito enunciado no artigo 2.o TUE e assumem caráter vinculativo para o referido Estado‑Membro, no sentido de que este último deve tomar as medidas adequadas para a realização desses objetivos, tendo devidamente em conta, ao abrigo do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os relatórios elaborados pela Comissão Europeia com base na referida decisão, sobretudo as recomendações formuladas nos referidos relatórios.

 

2)

[Conforme alterado por Despacho de 15 de março de 2022] O artigo 325.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 2.o da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades, assinada em Bruxelas em 26 de julho de 1995, e com a Decisão 2006/928 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual as decisões em matéria de corrupção e de fraude fiscal em matéria de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que não foram proferidas, em primeira instância, por formações de julgamento especializadas nesta matéria ou, em sede de recurso, por formações de julgamento cujos membros tenham sido selecionados por sorteio estão feridas de nulidade absoluta, de modo que os processos de corrupção e de fraude fiscal em matéria de IVA em causa devem, se assim se considerar na sequência de um recurso extraordinário interposto de decisões definitivas, ser reapreciados em primeira e/ou em segunda instância, na medida em que a aplicação dessa regulamentação ou dessa prática nacional é suscetível de criar um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos de infrações graves de fraude lesivas dos interesses financeiros da União ou de corrupção em geral. A obrigação de assegurar que essas infrações sejam objeto de sanções penais de caráter efetivo e dissuasor não dispensa o órgão jurisdicional de reenvio de verificar o necessário respeito dos direitos fundamentais garantidos no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sem que este órgão jurisdicional possa aplicar um padrão nacional de proteção dos direitos fundamentais que implique um risco sistémico de impunidade.

 

3)

O artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como Decisão 2006/928 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual as decisões do tribunal constitucional nacional vinculam os tribunais comuns, desde que o direito nacional garanta a independência desse tribunal constitucional, designadamente perante os poderes legislativo e executivo, como exigem aquelas disposições. Em contrapartida, estas disposições do Tratado UE e a referida decisão devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual qualquer inobservância das decisões do tribunal constitucional nacional é suscetível de dar origem a responsabilidade disciplinar dos mesmos.

 

4)

O princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional segundo a qual os tribunais comuns nacionais estão vinculados por decisões do tribunal constitucional nacional e não podem, por este facto e sob pena de cometerem uma infração disciplinar, não aplicar, por sua iniciativa, a jurisprudência estabelecida nessas decisões, quando considerem, à luz de um acórdão do Tribunal de Justiça, que esta jurisprudência é contrária ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ao artigo 325.o, n.o 1, TFUE ou à Decisão 2006/928.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua de processo: romeno.