ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de janeiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea c) — Prestações de serviços a título oneroso — Artigo 26.o, n.o 1 — Operações equiparadas a prestações de serviços a título oneroso — Artigo 56.o, n.o 2 — Determinação do lugar de conexão fiscal — Locação de meios de transporte — Disponibilização de viaturas a trabalhadores»

No processo C‑288/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht des Saarlandes (Tribunal Tributário do Land do Sarre, Alemanha), por Decisão de 18 de março de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de abril de 2019, no processo

QM

contra

Finanzamt Saarbrücken,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da QM, por G. Hagemeister, A. Pogodda‑Grünwald e F. Schöter, Steuerberater, assistidos por F.‑J. Müller e F. von Itter, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e S. Eisenberg, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por R. Pethke e N. Gossement, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 56.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva 2006/112»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a QM, uma sociedade, ao Finanzamt Saarbrücken (Administração Tributária de Saarbrücken, Alemanha), a respeito da decisão deste último de sujeitar ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a disponibilização de veículos por essa sociedade a dois dos seus trabalhadores que trabalham no Luxemburgo e residem na Alemanha.

Quadro jurídico

Direito da União

Sexta Diretiva

3

Nos termos do artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995 (JO 1995, L 102, p. 18) (a seguir «Sexta Diretiva»), os Estados‑Membros isentarão de IVA «[a] locação de bens imóveis».

4

O artigo 6.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva prevê:

«São equiparadas a prestações de serviços efetuadas a título oneroso:

a)

A utilização de bens afetos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do [IVA];

b)

As prestações de serviços a título gratuito efetuadas pelo sujeito passivo, para seu uso privado ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa.»

Diretiva 2006/112

5

O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 dispõe:

«1.   Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[…]

c)

as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

6

Segundo o artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva, entende‑se por «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.

7

Nos termos do artigo 24.o, n.o 1, dessa diretiva, entende‑se por «prestação de serviços»«qualquer operação que não constitua uma entrega de bens».

8

O artigo 26.o, n.o 1, da referida diretiva define as operações assimiladas a prestações de serviços a título oneroso nos seguintes termos:

«a)

A utilização de bens afetos à empresa para uso próprio do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins alheios à empresa, quando esses bens tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA;

b)

A prestação de serviços a título gratuito efetuada pelo sujeito passivo, para uso próprio ou do seu pessoal ou, em geral, para fins alheios à empresa.»

9

O artigo 56.o dessa diretiva enuncia:

«1.   O lugar das prestações de serviços de locação de curta duração de um meio de transporte é o lugar onde tal meio de transporte é efetivamente colocado à disposição do destinatário.

2.   O lugar da locação de um meio de transporte a pessoas que não sejam sujeitos passivos, com exceção da locação de curta duração, é o lugar onde o destinatário está estabelecido ou tem domicílio ou residência habitual.

[…]

3.   Para efeitos do disposto nos n.os 1 e 2, entende‑se por “curta duração” a posse ou utilização contínua do meio de transporte durante um período não superior a trinta dias e, tratando‑se de embarcações, durante um período não superior a noventa dias.»

Regulamento de Execução

10

Nos termos do artigo 38.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO 2001, L 77, p. 1, a seguir «Regulamento de Execução»):

«1.   Os “meios de transporte” a que se referem o artigo 56.o e a alínea g) do primeiro parágrafo do artigo 59.o da [Diretiva 2006/112] incluem veículos […].

2.   Os meios de transporte a que se refere o n.o 1, incluem, nomeadamente, os seguintes veículos:

a)

veículos terrestres, tais como carros […]

[…]»

Direito alemão

11

O § 1, n.o 1, da Umsatzsteuergesetz (Lei relativa ao Imposto sobre o Volume de Negócios), conforme alterada pela Gesetz zur Umsetzung der Amtshilferichtlinie sowie zur Änderung steuerlicher Vorschriften (Amtshilferichtlinie‑Umsetzungsgesetz (Lei de Transposição da Diretiva relativa à Assistência Mútua e de Alteração de Disposições Tributárias), de 26 de junho de 2013 (BGBl. I 2013, p. 1809) (a seguir «UStG»), prevê que as entregas e as outras prestações que um empresário, no âmbito da sua empresa, efetua a título oneroso no território nacional estão sujeitas ao imposto sobre o volume de negócios.

12

O § 3, n.o 9a da UStG equipara às outras prestações a título oneroso:

«1.   a utilização por um empresário de um bem afeto à empresa, que tenha conferido direito a uma dedução total ou parcial do imposto pago a montante, para fins alheios à empresa ou para uso privado do seu pessoal, desde que não se trate de pequenas prestações em espécie; […]

2.   o fornecimento a título gratuito pelo empresário de outra prestação para fins alheios à empresa ou para uso privado do seu pessoal, desde que não se trate de pequenas prestações em espécie.»

13

O § 3a da UStG rege a determinação do lugar das outras prestações, ao indicar:

«(1)

Sem prejuízo dos n.os 2 a 8 e dos §§ 3b, 3e e 3f, outra prestação considera‑se executada no lugar onde o empresário exerce a atividade da sua empresa. […]

(2)

Sem prejuízo dos n.os 3 a 8 e dos §§ 3b, 3e e 3f, outra prestação que seja executada em benefício de um empresário para uso da sua empresa é executada no lugar onde o seu beneficiário exerce a atividade da sua empresa. [Se a referida] prestação for executada em benefício de um estabelecimento de um empresário, é, em contrapartida, o lugar do estabelecimento que é determinante. Os períodos 1 e 2 aplicam‑se mutatis mutandis no caso de outra prestação efetuada em benefício de uma pessoa coletiva que exerça exclusivamente atividades não empresariais a quem tenha sido atribuído um número de identificação para efeitos de imposto sobre o volume de negócios e no caso de outra prestação em benefício de uma pessoa coletiva que exerça atividades quer económicas quer não económicas; tal não se aplica às outras prestações exclusivamente destinadas a uso privado do pessoal ou de um sócio.

(3)

Em derrogação dos n.os 1 e 2 [com efeitos a partir de 30 de junho de 2013]:

[…]

2.   A locação de curta duração de um meio de transporte é executada no lugar onde esse meio de transporte é efetivamente colocado à disposição do beneficiário. É considerada de curta duração, na aceção do primeiro período, uma locação relativa a um período ininterrupto

a)

que não exceda 90 dias no que respeita aos meios de transporte marítimo,

b)

que não exceda 30 dias no que respeita aos outros meios de transporte.

Caso a locação de um meio de transporte não possa ser considerada de curta duração na aceção do segundo período, efetuada em benefício de um destinatário que não seja um empresário para cuja empresa a prestação é adquirida nem uma pessoa coletiva que exerça uma atividade não económica à qual tenha sido atribuído um número de identificação para efeitos de imposto sobre o volume de negócios, é executada no lugar em que o beneficiário tem o seu domicílio ou sede. […]»

14

Nos termos do § 3f da UStG, as «entregas», na aceção do § 3, n.o 1b, e as «outras prestações», na aceção do § 3, n.o 9a, são executadas no lugar onde o empresário exerce a atividade da sua empresa.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

A QM, sociedade de gestão de fundos de investimento com sede no Luxemburgo, colocou dois veículos à disposição de dois dos seus colaboradores, que exercem a sua atividade no Luxemburgo e têm o seu domicílio na Alemanha. Estes veículos são utilizados para fins profissionais e privados.

16

Em 2013 e 2014, essa disponibilização foi efetuada, para um desses colaboradores, a título gratuito, ao passo que a QM efetuou, como contrapartida, uma retenção do montante anual de 5688 euros no salário do outro colaborador.

17

A QM está inscrita no procedimento simplificado de tributação no Luxemburgo. Neste Estado‑Membro, a disponibilização dos dois veículos não foi sujeita a IVA e também não conferiu direito à dedução do IVA pago a montante relativo a esses dois veículos.

18

Em novembro de 2014, a QM inscreveu‑se na Alemanha para efeitos de IVA. Em 2015, declarou para efeitos de IVA, no que respeita à disponibilização desses veículos, prestações tributáveis no montante de 7904 euros, relativas ao ano de 2013, e de 20767 euros, relativas ao ano de 2014.

19

Essas declarações foram aceites pela Administração Tributária de Saarbrücken, mas, em 30 de julho de 2015, a QM apresentou uma reclamação contra os avisos de liquidação relativos a essas declarações.

20

Essa reclamação foi indeferida pela Administração Tributária de Saarbrücken, em 2 de maio de 2016.

21

Em 2 de junho de 2016, a QM intentou uma ação contra essa decisão no Finanzgericht des Saarlandes (Tribunal Tributário do Land do Sarre, Alemanha), na qual alegou que não estavam reunidos os requisitos para a sujeição a IVA da disponibilização dos veículos. Por um lado, não se trata de prestações a título oneroso e, quando muito, a disponibilização de um veículo a um dos dois colaboradores em causa que foi acompanhada de uma participação financeira poderia ser considerada uma prestação a título parcialmente oneroso. Por outro lado, também não se trata de locações de meios de transporte, na aceção do artigo 56.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112.

22

Nestas circunstâncias, o Finanzgericht des Saarlandes (Tribunal Tributário do Land do Sarre) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 56.o, n.o 2, da Diretiva [2006/112] ser interpretado no sentido de que por “locação de um meio de transporte a pessoas que não sejam sujeitos passivos” também se entende a cedência de um veículo afeto à empresa de um sujeito passivo (veículo de empresa) aos seus funcionários, nos casos em que estes não pagam, por essa cedência, nenhuma remuneração diferente da prestação (parcial) do seu trabalho, ou seja, não fazem nenhum pagamento nem utilizam uma parte da sua retribuição líquida para o fazer, nem tão pouco escolhem entre diferentes benefícios oferecidos pelo sujeito passivo, nos termos de um acordo entre as partes segundo o qual o direito à utilização de um veículo de empresa está associado à renúncia a outros benefícios?»

Quanto à questão prejudicial

23

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 56.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que é abrangida pelo seu âmbito de aplicação a disponibilização, por um sujeito passivo ao seu trabalhador, de um veículo afeto à empresa, quando esse trabalhador não efetua um pagamento nem consagra uma parte da sua remuneração como contrapartida, e o direito de utilizar esse veículo não implica a sua renúncia a outros benefícios.

24

Importa salientar que a aplicação do artigo 56.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112, que determina o lugar de tributação de IVA de um serviço de locação de um meio de transporte, pressupõe que a operação examinada seja sujeita a IVA.

25

A esse respeito, há que recordar que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 define a entrega de bens como «a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário».

26

Uma vez que esse requisito não está, a priori, preenchido no processo principal, a disponibilização dos veículos em causa não deve ser considerada «entrega de bens», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, mas «prestação de serviços», na aceção do seu artigo 24.o, n.o 1, que prevê que qualquer operação que não constitua uma entrega de bens, na aceção do referido artigo 14.o, é considerada uma prestação de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2010, Astra Zeneca UK, C‑40/09, EU:C:2010:450, n.o 26)

27

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, estão sujeitas ao IVA as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

28

No caso em apreço, é pacífico que a QM tem a qualidade de sujeito passivo e que agiu enquanto tal ao colocar veículos à disposição dos seus trabalhadores.

29

No entanto, resulta de jurisprudência constante que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, e só é, portanto, tributável, se entre o prestador de serviços e o beneficiário existir uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador de serviços o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário. É isso que se verifica se existir um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, San Domenico Vetraria, C‑94/19, EU:C:2020:193, n.o 21 e jurisprudência referida).

30

Esse nexo direto pode concretizar‑se, nas relações entre um empregador e o seu trabalhador, por uma parte da remuneração em numerário a que este deve renunciar como contrapartida de uma prestação concedida pelo primeiro (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 1997, Fillibeck, C‑258/95, EU:C:1997:491, n.os 14 e 15, e de 29 de julho de 2010, Astra Zeneca UK, C‑40/09, EU:C:2010:450, n.o 29).

31

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, na sua questão prejudicial, a uma cedência de veículo relativamente à qual o colaborador não efetua um pagamento nem consagra uma parte da sua remuneração em numerário e também não escolheu entre diferentes benefícios oferecidos pelo sujeito passivo, nos termos de um acordo entre as partes segundo o qual o direito de utilizar o veículo da sociedade estaria associado à renúncia a outros benefícios.

32

Assim, sem prejuízo das verificações factuais que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, essa prestação não pode, por conseguinte, ser qualificada de prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.

33

Quanto à questão de saber se esta operação deve ser equiparada a uma prestação de serviços a título oneroso nos termos do artigo 26.o, n.o 1, desta diretiva, importa recordar que este artigo equipara uma operação a uma prestação de serviços a título oneroso em duas situações. O primeiro caso, que figura no n.o 1, alínea a), diz respeito à utilização de bens afetos à empresa para uso próprio do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins alheios à empresa, quando esses bens tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA pago a montante; o segundo, que figura no referido n.o 1, alínea b), diz respeito à prestação de serviços efetuada a título gratuito pelo sujeito passivo, para uso próprio ou do seu pessoal ou, em geral, para fins alheios à empresa.

34

Como indicou o advogado‑geral no n.o 35 das suas conclusões, uma prestação de serviços que consiste na utilização de um bem afeto à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, mais genericamente, para fins alheios à própria empresa, que não pode ser equiparada a uma prestação a título oneroso, com fundamento no artigo 26.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, pelo facto de o bem em questão não ter conferido direito à dedução do IVA pago a montante, contrariamente ao que é exigido por esta, não pode, a título subsidiário, ser equiparada a essa prestação com fundamento no artigo 26.o, n.o 1, alínea b), dessa diretiva, sob pena de pôr em causa o efeito útil desse requisito relativo à dedução a montante prevista pela primeira dessas duas disposições.

35

No caso em apreço, resulta dos autos transmitidos ao Tribunal de Justiça que a QM estava sujeita ao regime de tributação simplificado no Luxemburgo, no âmbito do qual não podia invocar, relativamente aos anos em causa no processo principal, a dedução do imposto pago a montante relativo ao veículo colocado à disposição de um colaborador sem contrapartida.

36

No entanto, não resulta explicitamente dos referidos autos se esse direito à dedução não poderia ter sido adquirido na Alemanha.

37

No entanto, mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio considere que este requisito estava preenchido na Alemanha e que o mesmo acontecia com os outros requisitos de aplicação do artigo 26.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, a equiparação da disponibilização do veículo em causa no processo principal a uma prestação de serviços a título oneroso que daí resultaria não pode, em todo o caso, ser abrangida pelo artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112.

38

Com efeito, uma operação equiparada a uma prestação de serviços a título oneroso ao abrigo do artigo 26.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112 não pode constituir uma «locação de um meio de transporte», na aceção do seu artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo.

39

Na falta de definição na Diretiva 2006/112 ou de remissão para o direito dos Estados‑Membros, o conceito de «locação de um meio de transporte» na aceção do seu artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, constitui um conceito autónomo do direito da União que deve ser interpretado de modo uniforme no território da União, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados‑Membros (v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2020, AJPF Caraş‑Severin e DGRFP Timişoara, C‑716/18, EU:C:2020:540, n.o 30).

40

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma «locação de um bem imóvel», na aceção do artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva, pressupõe que estejam reunidos vários requisitos, ou seja, que o proprietário de um imóvel tenha cedido ao locatário, contra uma renda e por um prazo convencionado, o direito de ocupar o seu bem e de dele excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, Goed Wonen, C‑326/99, EU:C:2001:506, n.o 55, e de 18 de julho de 2013, Medicom e Maison Patrice Alard, C‑210/11 e C‑211/11, EU:C:2013:479, n.o 26 e jurisprudência referida).

41

Estas condições aplicam‑se, mutatis mutandis, para determinar o que constitui uma «locação de um meio de transporte», na aceção do artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112.

42

Daqui resulta que essa qualificação pressupõe que o proprietário do meio de transporte cede ao locatário, contra o pagamento de uma remuneração e por um prazo convencionado, o direito de o utilizar e de dele excluir outras pessoas.

43

Quanto ao requisito relativo à remuneração, importa precisar que a falta do seu pagamento não pode ser compensada pela circunstância de, a título do imposto sobre o rendimento, a utilização privativa do bem afeto à empresa em causa constituir um benefício em espécie quantificável e, portanto, de algum modo, uma fração da retribuição a que o beneficiário renunciou como contrapartida da disponibilização do bem em questão (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Medicom e Maison Patrice Alard, C‑210/11 e C‑211/11, EU:C:2013:479, n.o 28).

44

Com efeito, resulta da jurisprudência que o conceito de remuneração para efeitos da aplicação do artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112, não pode ser interpretado por analogia, ao se lhe equiparar um benefício em espécie, e pressupõe a existência de uma remuneração a ser paga em numerário (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Medicom e Maison Patrice Alard, C‑210/11 e C‑211/11, EU:C:2013:479, n.os 29 e 34).

45

Esse requisito não está preenchido no caso de uma utilização a título gratuito de um bem afeto à empresa, equiparada a uma prestação de serviços a título oneroso por força do artigo 26.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112.

46

Por conseguinte, essa operação não é abrangida pelo artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112.

47

Todavia, há que acrescentar que resulta explicitamente da decisão de reenvio que o processo principal versa igualmente sobre a disponibilização de um veículo pela QM a um dos seus colaboradores, em contrapartida da qual este último pagou, ao longo dos anos em causa no processo principal, cerca de 5700 euros por ano, deduzidos da sua retribuição.

48

Embora esta prestação não tenha sido expressamente invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio na questão submetida, o Tribunal de Justiça entende necessário fornecer indicações suplementares a este respeito.

49

Nesta situação, pode, com efeito, tratar‑se de uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, suscetível, portanto, de ser abrangida pelo artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta os elementos de prova de que dispõe.

50

A este respeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que esse veículo foi colocado à disposição de uma pessoa que não é sujeito passivo por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e que se trata de um «meio de transporte», na aceção do artigo 38.o do Regulamento de Execução. Também se afigura pacífico que se trata de uma disponibilização com uma duração superior a 30 dias e que não constitui, portanto, uma cedência de «curta duração», na aceção do artigo 56.o, n.o 3, da Diretiva 2006/112, a qual, por conseguinte, está excluída do âmbito de aplicação do artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta diretiva.

51

Além disso, como salientou o advogado‑geral, no n.o 48 das suas conclusões, a circunstância de a QM não ser, em face do direito nacional, proprietária do veículo do ponto de vista jurídico e de o ter podido alugar a outro título, nomeadamente porque pode dele dispor ao abrigo de um contrato de leasing, não pode obstar a que essa disponibilização seja considerada uma prestação de serviços de locação desse veículo, a que se refere o artigo 56.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112.

52

Do mesmo modo, a dupla circunstância de a disponibilização do veículo não ter sido objeto de um contrato distinto do contrato de trabalho e de a duração da locação não ser delimitada de forma precisa no tempo, antes dependendo da existência da relação de trabalho entre a QM e o seu colaborador, também não obsta a essa qualificação, desde que essa duração seja, no entanto, superior a trinta dias.

53

Em contrapartida, incumbe ao órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se verificar a existência de um «verdadeiro acordo» entre essas pessoas sobre a duração do gozo e sobre o direito de utilizar o bem e de deles excluir outras pessoas, como foi declarado em matéria de habitação (v., por analogia, Acórdãos de 8 de maio de 2003, Seeling, C‑269/00, EU:C:2003:254, n.o 51, e de 29 de março de 2012, BLM, C‑436/10, EU:C:2012:185, n.o 29).

54

Além disso, embora o requisito relativo ao direito de o locatário poder utilizar o veículo e de dele excluir outras pessoas não requeira que o sujeito passivo esteja impossibilitado de impor a utilização do veículo para fins profissionais, pressupõe, no entanto, como referiu o advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, que esse veículo continue permanentemente à disposição do colaborador, incluindo para o seu uso privado.

55

Esta interpretação é corroborada pela lógica subjacente às disposições da Diretiva 2006/112, no que respeita ao lugar da prestação de serviços, segundo a qual a tributação se efetua, na medida do possível, no local onde os bens e os serviços são consumidos (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2019, Srf konsulterna, C‑647/17, EU:C:2019:195, n.o 29), o qual corresponde, por força do artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, dessa diretiva, ao lugar onde uma pessoa que não seja sujeito passivo à qual é alugado o veículo está estabelecida, tem domicílio ou residência habitual.

56

Tendo em conta o que precede, há que responder à questão submetida que o artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não é abrangida pelo seu âmbito de aplicação a disponibilização, por um sujeito passivo ao seu trabalhador, de um veículo afeto à empresa, se essa operação não constituir uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva. Em contrapartida, o referido artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, aplica‑se a essa operação se se tratar de uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do referido artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e se esse trabalhador dispuser, permanentemente, do direito de utilizar esse veículo para fins privados e de dele excluir outras pessoas, como contrapartida do pagamento de uma remuneração e por um prazo convencionado superior a trinta dias.

Quanto às despesas

57

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, deve ser interpretado no sentido de que não é abrangida pelo seu âmbito de aplicação a disponibilização, por um sujeito passivo ao seu trabalhador, de um veículo afeto à empresa, se essa operação não constituir uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva. Em contrapartida, o referido artigo 56.o, n.o 2, primeiro parágrafo, aplica‑se a essa operação se se tratar de uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do referido artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e se esse trabalhador dispuser, permanentemente, do direito de utilizar esse veículo para fins privados e de dele excluir outras pessoas, como contrapartida do pagamento de uma remuneração e por um prazo convencionado superior a trinta dias.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.