CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 18 de março de 2021 ( 1 )

Processo C‑848/19 P

República Federal da Alemanha

contra

República da Polónia,

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Mercado interno do gás natural — Artigo 194.o, n.o 1, TFUE — Diretiva 2009/73/CE — Pedido da autoridade alemã (Bundesnetzagentur) para rever as condições de derrogação das normas da União relativas à exploração do gasoduto OPAL — Decisão da Comissão que revê as condições de derrogação das normas da União — Princípio da solidariedade energética»

1.

A República Federal da Alemanha recorreu do Acórdão do Tribunal Geral de 10 de setembro de 2019 ( 2 ), que anulou uma Decisão da Comissão Europeia, de 28 de outubro de 2016, que alterava as condições de derrogação (enunciadas numa decisão anterior), no que diz respeito ao gasoduto OPAL ( 3 ), das normas relativas ao acesso de terceiros e às tarifas ( 4 ).

2.

O Tribunal Geral anulou a decisão impugnada por considerar que foi adotada «em violação do princípio da solidariedade energética, tal como formulado no artigo 194.o, n.o 1, TFUE».

3.

A Comissão, recorrida no Tribunal Geral, não recorreu do acórdão, apesar de a sua decisão ter sido anulada. Quem o fez foi a República Federal da Alemanha alegando, a título principal, que a solidariedade energética é um mero conceito de natureza política e não um critério jurídico do qual possam decorrer diretamente direitos e deveres para a União ou para os Estados‑Membros.

4.

A Polónia, a Letónia e a Lituânia apoiam a interpretação do Tribunal Geral. Em seu entender, a solidariedade energética é um princípio que pode servir de parâmetro para a fiscalização jurisdicional das normas de direito derivado e das decisões no domínio da energia.

5.

Por conseguinte, o presente recurso obriga o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a existência do princípio da solidariedade energética e, eventualmente, sobre a sua natureza e o seu alcance ( 5 ).

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

6.

O artigo 194.o, n.o 1, TFUE, dispõe:

«No âmbito do estabelecimento ou do funcionamento do mercado interno e tendo em conta a exigência de preservação e melhoria do ambiente, a política da União no domínio da energia tem por objetivos, num espírito de solidariedade entre os Estados‑Membros:

a)

Assegurar o funcionamento do mercado da energia;

b)

Assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União;

c)

Promover a eficiência energética e as economias de energia, bem como o desenvolvimento de energias novas e renováveis; e

d)

Promover a interconexão das redes de energia».

7.

As regras comuns relativas ao mercado do gás e da eletricidade constam da Diretiva 2009/73/CE ( 6 ). O seu artigo 32.o, idêntico ao artigo 18.o da Diretiva 2003/55, diz respeito ao acesso de terceiros e prevê:

«1.   Os Estados‑Membros devem garantir a aplicação de um sistema de acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição e às instalações de [gás natural liquefeito (GNL)] baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os clientes elegíveis, incluindo as empresas de comercialização, e aplicadas objetivamente e sem discriminação aos utilizadores da rede. Os Estados‑Membros devem assegurar que essas tarifas, ou as metodologias em que se baseia o respetivo cálculo, sejam aprovadas em conformidade com o artigo 41.o pela entidade reguladora a que se refere o n.o 1 do artigo 39.o antes de entrarem em vigor, e que essas tarifas — e as metodologias, no caso de apenas serem aprovadas metodologias — sejam publicadas antes de entrarem em vigor.

2.   Se necessário ao exercício das suas atividades, incluindo o transporte transfronteiriço, os operadores das redes de transporte devem ter acesso às redes de transporte dos outros operadores.

3.   O disposto na presente diretiva não impede a celebração de contratos a longo prazo desde que respeitem as regras comunitárias em matéria de concorrência».

8.

O artigo 36.o da Diretiva 2009/73, relativo às novas infraestruturas, que substituiu o artigo 22.o da Diretiva 2003/55, enuncia:

«1.   As novas infraestruturas importantes do setor do gás, ou seja, as interligações, instalações de GNL e instalações de armazenamento, podem, apresentando pedido nesse sentido, beneficiar de derrogações, por um período definido, ao disposto nos artigos 9.o, 32.o, 33.o e 34.o e nos n.os 6, 8 e 10 do artigo 41.o, nas seguintes condições:

a)

O investimento deve promover a concorrência no fornecimento de gás e aumentar a segurança do abastecimento;

b)

O nível de risco associado ao investimento é de tal ordem que não haveria investimento se não fosse concedida a derrogação;

c)

A infraestrutura deve ser propriedade de uma pessoa singular ou coletiva separada, pelo menos em termos de forma jurídica, dos operadores em cujas redes a referida infraestrutura será construída;

d)

Têm de ser cobradas taxas de utilização aos utilizadores dessa infraestrutura; e

e)

A derrogação não prejudica a concorrência nem o bom funcionamento do mercado interno do gás natural ou o funcionamento eficiente do sistema regulado a que está ligada a infraestrutura.

[…]

3.   A entidade reguladora [nacional] pode decidir, caso a caso, sobre a derrogação referida nos n.os 1 e 2.

[…]

6.   A derrogação pode abranger a totalidade ou parte da capacidade da nova infraestrutura ou da infraestrutura existente com capacidade significativamente aumentada.

Ao decidir conceder uma derrogação, há que analisar, caso a caso, se é necessário impor condições no que se refere à duração da derrogação e ao acesso não discriminatório à infraestrutura. Aquando da decisão sobre essas condições, deve ter‑se em conta, nomeadamente, a capacidade adicional a construir ou a alteração da capacidade existente, o horizonte temporal do projeto e as circunstâncias nacionais.

[…]

8.   A entidade reguladora transmite à Comissão uma cópia de cada pedido de derrogação, imediatamente após a sua receção. A decisão deve ser imediatamente notificada pela autoridade competente à Comissão, acompanhada de todas as informações relevantes acerca da decisão. Essas informações podem ser apresentadas à Comissão de forma agregada, para que esta possa formular uma decisão bem fundamentada. As referidas informações devem incluir nomeadamente:

a)

As razões circunstanciadas em que a entidade reguladora ou o Estado‑Membro se basearam para conceder ou recusar a derrogação, juntamente com a referência ao n.o 1, incluindo a alínea ou alíneas pertinentes do mesmo número em que assenta essa decisão, incluindo as informações financeiras que a justificam;

b)

A análise realizada sobre os efeitos, em termos de concorrência e de eficácia de funcionamento do mercado interno do gás natural, que resultam da concessão dessa derrogação;

c)

As razões em que se fundamentam o período de derrogação e a percentagem da capacidade total da infraestrutura de gás em questão a que a mesma é concedida;

d)

Caso a derrogação diga respeito a uma interligação, o resultado da consulta com as entidades reguladoras em causa; e

e)

O contributo da infraestrutura para a diversificação do fornecimento de gás.

9.   No prazo de dois meses a contar do dia de receção de uma notificação, a Comissão pode tomar uma decisão que inste a entidade reguladora a alterar ou retirar a decisão de conceder uma derrogação. Esse prazo de dois meses pode ser prorrogado por mais dois meses se a Comissão pretender obter informações complementares. Esse prazo adicional começa a correr no dia seguinte ao da receção da informação completa. O prazo inicial de dois meses pode também ser prorrogado mediante o acordo conjunto da Comissão e da entidade reguladora.

[…]

A entidade reguladora deve cumprir a decisão da Comissão de alterar ou retirar a decisão de certificação no prazo de um mês e informar a Comissão em conformidade.

[…]»

9.

Posteriormente aos factos do litígio, a Diretiva 2009/73 foi alterada pela Diretiva (UE) 2019/692 ( 7 ).

B.   Direito alemão

10.

O § 28a, n.o 1, da Gesetz über die Elektrizitäts‑ und Gasversorgung (Energiewirtschaftsgesetz — EnWG), de 7 de julho de 2005 ( 8 ), na versão aplicável aos factos, permite à Bundesnetzagentur (Agência Federal das Redes, Alemanha; a seguir «BNetzA»), nomeadamente, isentar da aplicação das disposições sobre o acesso de terceiros às interconexões entre a República Federal da Alemanha e outros Estados. Os requisitos de aplicação desse artigo correspondem, em substância, aos do artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73.

II. Antecedentes da decisão impugnada

11.

Os antecedentes do litígio, até à decisão impugnada, estão descritos nos n.os 5 a 15 do acórdão recorrido, que não creio ser necessário transcrever na íntegra. Limitar‑me‑ei a referir os que considero mais significativos.

12.

Em 13 de março de 2009, a BNetzA, comunicou à Comissão duas decisões de 25 de fevereiro de 2009 através das quais excluía as capacidades de transporte transfronteiriças do projeto de gasoduto OPAL do âmbito de aplicação das regras de acesso de terceiros previstas no artigo 18.o da Diretiva 2003/55 e das regras tarifárias previstas no seu artigo 25.o, n.os 2 a 4 ( 9 ).

13.

Com a Decisão C(2009) 4694 (a seguir «decisão inicial»), de 12 de junho de 2009, a Comissão solicitou à BNetzA, nos termos do artigo 22.o, n.o 4, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/55 (atual artigo 36.o, n.o 9, da Diretiva 2009/73), que alterasse as suas decisões de 25 de fevereiro de 2009, acrescentando determinadas condições.

14.

Em 7 de julho de 2009, a BNetzA alterou as suas decisões de 25 de fevereiro de 2009, adaptando‑as às condições mencionadas no número anterior. A BNetzA concedeu a derrogação das regras relativas ao acesso de terceiros e às tarifas para um período de 22 anos.

15.

O gasoduto OPAL entrou em funcionamento a 13 de julho de 2011 ( 10 ).

16.

Ao abrigo da decisão inicial e das decisões da BNetzA de 25 de fevereiro de 2009, conforme alteradas pelas decisões de 7 de julho de 2009, as capacidades do gasoduto OPAL foram isentas, sob determinadas condições, da aplicação das regras comuns (relativas ao acesso regulamentado de terceiros e às tarifas) da Diretiva 2003/55.

17.

Na atual configuração técnica, o gás natural é fornecido no ponto de entrada do gasoduto próximo de Greifswald pelo gasoduto Nord Stream, utilizado pelo grupo Gazprom para transportar gás proveniente de jazidas russas. Uma vez que a Gazprom não implementou o programa de cessão de gás previsto na decisão inicial ( 11 ), os 50 % não reservados da capacidade desse gasoduto nunca foram utilizados, de modo que apenas se utilizava 50 % da sua capacidade de transporte.

18.

Em 12 de abril de 2013, a OGT, a OAO Gazprom e a Gazprom Eksport LLC pediram à BNetzA a alteração da derrogação concedida em 2009, não tendo recebido resposta favorável. A Gazprom organizou leilões, durante os meses de setembro de 2015 e de 2016, que não atraíram concorrentes, o que lhe deu argumentos para pedir novamente a alteração da decisão inicial ( 12 ).

19.

Em 13 de maio de 2016, com fundamento no artigo 36.o da Diretiva 2009/73, a BNetzA notificou a Comissão da sua intenção, na sequência do pedido apresentado pela OGT, a OAO Gazprom e a Gazprom Eksport, de alterar a derrogação concedida em 2009 relativamente à parte do gasoduto OPAL explorada pela OGT ( 13 ).

III. Decisão impugnada

20.

Em 28 de outubro de 2016, com base no artigo 36.o, n.o 9, da Diretiva 2009/73, a Comissão adotou a decisão impugnada dirigida à BNetzA.

21.

O Tribunal Geral (n.os 16 e 17 do acórdão recorrido) sintetizou nestes termos as condições da decisão impugnada:

«[…] Quanto aos requisitos materiais que deve preencher tal alteração, a Comissão considerou que, na falta de cláusulas de revisão específicas, as alterações no alcance de uma derrogação anteriormente concedida ou às condições que regem essa derrogação deviam ser justificadas e que, a este respeito, novos desenvolvimentos factuais que tiveram lugar após a decisão inicial de isenção podiam constituir um motivo válido para proceder a uma reapreciação dessa decisão inicial.

Quanto ao mérito, a Comissão aprovou, pela decisão impugnada, as alterações ao regime derrogatório, previstas pela BNetzA, sob reserva de algumas modificações, a saber, nomeadamente:

a oferta inicial de capacidades leiloadas devia incidir sobre 3200000 kWh/h (cerca de 2,48 mil milhões de m3/ano) de capacidades FZK e sobre 12664532 kWh/h (cerca de 9,83 mil milhões de m3/ano) de capacidades DZK;

um aumento do volume das capacidades FZK leiloadas devia ocorrer, no ano seguinte, logo que a procura ultrapassasse, num leilão anual, 90 % das capacidades oferecidas e devia efetuar‑se em parcelas de 1600000 kWh/h (cerca de 1,24 mil milhões de m3/ano), até ao limite máximo de 6400000 kWh/h (cerca de 4,97 mil milhões de m3/ano), e

uma empresa ou um grupo de empresas que detivesse uma posição dominante na República Checa ou que controlasse mais de 50 % do gás que chegasse a Greifswald apenas podia participar em leilões de capacidades FZK ao preço de base, que não devia ser superior ao preço de base médio da tarifa regulada na rede de transportes da zona Gaspool para a República Checa relativamente a produtos comparáveis no mesmo ano».

22.

O Tribunal Geral (n.o 18 do acórdão recorrido) acrescentou que «[e]m 28 de novembro de 2016, a BNetzA alterou a derrogação concedida pela sua decisão de 25 de fevereiro de 2009 relativamente à quota‑parte do gasoduto OPAL explorada pela OGT, em conformidade com a decisão impugnada, mediante a celebração de um contrato de direito público com esta última que, segundo o direito alemão, produz os efeitos de uma decisão administrativa».

23.

Na prática, a decisão impugnada favorecia o controlo pelo grupo Gazprom dos fluxos do gasoduto OPAL e, nessa mesma medida, uma eventual diminuição dos fluxos de gás pelos gasodutos Yamal e Broterhood ( 14 ), bem como um reforço da posição da Gazprom nos mercados do gás dos países da Europa Central e Oriental ( 15 ).

IV. Contencioso relativo ao gasoduto OPAL

24.

A decisão impugnada aumentou o receio de certos operadores do mercado do gás e de certos governos dos países da Europa Central e de Leste de um maior controlo da Gazprom nesse mercado, o que explica o seu interesse em pedir a anulação daquela decisão.

25.

Foi o que fizeram, sem sucesso, o operador de gás polaco Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo, coproprietário da parte polaca do gasoduto Yamal‑Europe ( 16 ), e uma filial alemã (PGNiG Supply Trading GmbH) do operador de gás polaco ( 17 ).

26.

O Tribunal de Justiça confirmou, em sede de recurso, os despachos de inadmissibilidade proferidos pelo Tribunal Geral ( 18 ).

27.

A República da Polónia interpôs ainda outro recurso de anulação da decisão impugnada no Tribunal Geral, que deu origem ao acórdão ora recorrido.

V. Recurso da República da Polónia da decisão impugnada e acórdão recorrido

28.

A República da Polónia invocou seis fundamentos relativos à nulidade da decisão impugnada baseados: o primeiro, na violação do artigo 36.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/73, em conjugação com o artigo 194.o, n.o 1, alínea b), TFUE, e com o princípio da solidariedade; o segundo, na falta de competência da Comissão e na violação do artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73; o terceiro, na violação do artigo 36.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2009/73; o quarto, na violação do artigo 36.o, n.o 1, alíneas a) e e), da Diretiva 2009/73; o quinto, na violação das convenções internacionais de que a União é parte; e o sexto, na violação do princípio da segurança jurídica.

29.

O Tribunal Geral julgou procedente o primeiro fundamento de recurso, sem se pronunciar sobre os demais, e anulou a decisão impugnada.

30.

Na sua análise do «alcance do princípio da solidariedade energética», o Tribunal Geral afirmou que o mesmo não se limita a situações extraordinárias, mas que «acarreta […] uma obrigação geral, por parte da União e dos Estados‑Membros […]», de modo que aquela e estes últimos «devem, no âmbito do exercício das suas competências ao abrigo desta política, evitar tomar medidas suscetíveis de afetar os interesses da União e dos outros Estados‑Membros, no que diz respeito à segurança do abastecimento, à sua viabilidade económica e política e à diversificação do abastecimento ou das suas fontes, e isto a fim de assumir a sua interdependência e solidariedade de facto» ( 19 ).

31.

O Tribunal Geral matizou as asserções anteriores, salientando que «[a] aplicação do princípio da solidariedade energética não significa, porém, que a política energética da União não deva, em circunstância alguma, ter incidências negativas nos interesses particulares de um Estado‑Membro em matéria de energia. No entanto, as instituições da União e os Estados‑Membros devem, no âmbito da execução da referida política, ter em conta os interesses tanto da União como dos diferentes Estados‑Membros e ponderar esses interesses em caso de conflito». ( 20 ).

32.

Ao avaliar «se a decisão impugnada viola o princípio da solidariedade energética», o Tribunal Geral considerou que este princípio não é aí mencionado e que a Comissão o violou, uma vez que:

«não procedeu, nomeadamente, a uma análise do impacto da alteração do regime de exploração do gasoduto OPAL na segurança do abastecimento da Polónia» ( 21 );

«não se afigura que a Comissão tenha analisado quais poderiam ser as consequências, a médio prazo, designadamente, para a política energética da República da Polónia, da transferência para a via de trânsito Nord Stream 1/OPAL de uma parte dos volumes de gás natural anteriormente transportados pelos gasodutos Yamal e Braterstwo, nem que tenha ponderado esses efeitos com o aumento da segurança do abastecimento ao nível da União por ela verificado» ( 22 ).

33.

O Tribunal Geral deduziu dessas premissas que «a decisão impugnada foi adotada em violação do princípio da solidariedade energética, tal como formulado no artigo 194.o, n.o 1, TFUE» ( 23 ).

VI. Ocorrências posteriores ao acórdão recorrido e efeitos da Diretiva (UE) 2019/692

34.

Mesmo que não digam diretamente respeito à decisão sobre o recurso, importa registar alguns desenvolvimentos posteriores ao acórdão do Tribunal Geral suscetíveis de afetar a sua execução.

35.

Em 13 de setembro de 2019, a BNetzA executou o acórdão recorrido ( 24 ), o que implicou regressar às restrições introduzidas pela decisão inicial de 2009 e eliminar a situação fixada na decisão impugnada.

36.

O impacto imediato desta medida parece ter sido o facto de a Gazprom ter deixado de utilizar cerca de 12 ou 13 milhares de milhões de metros cúbicos anuais de capacidade no gasoduto OPAL, que compensa com um maior fluxo através dos gasodutos que atravessam a Ucrânia ( 25 ).

37.

A jurisprudência do acórdão recorrido poderia igualmente ter impacto noutros gasodutos, como o Nord Stream 2 e o seu prolongamento terrestre EUGAL ( 26 ), e o gasoduto Turk Stream II ( 27 ). Se a tese do Tribunal Geral sobre o princípio da solidariedade energética fosse corroborada, a Gazprom e as suas empresas alinhadas poderiam ter mais dificuldades em obter uma derrogação temporária à aplicação das regras da União (que impõem a liberalização completa dos fluxos de gás) ao gasoduto Nord Stream 2, sobre o qual existem igualmente litígios pendentes no Tribunal de Justiça ( 28 ).

38.

Além disso, há que recordar que, com a Diretiva 2019/692, foi alterada a Diretiva 2009/73 com o objetivo de (segundo o seu considerando 3) «eliminar os obstáculos à plena realização do mercado interno do gás natural que decorrem da não aplicação das regras de mercado da União aos gasodutos com início e término em países terceiros. As alterações introduzidas pela presente diretiva têm por objetivo assegurar que as regras aplicáveis aos gasodutos que ligam dois ou mais Estados‑Membros sejam também aplicáveis, na União, aos gasodutos com início e término em países terceiros» ( 29 ).

39.

Contudo, por derrogação a esta liberalização, a Diretiva 2019/692 aditou à Diretiva 2009/73 o artigo 49.o‑A, n.o 1, que admite conceder derrogações aos gasodutos de transporte entre um Estado‑Membro e um país terceiro concluídos antes de 23 de maio de 2019 ( 30 ).

40.

As sociedades Nord Stream e Nord Stream 2 interpuseram recurso de anulação da Diretiva 2019/692, mas o Tribunal Geral julgou inadmissíveis os seus recursos, por falta de legitimidade ativa, com o fundamento de que esta diretiva não lhes dizia direta e individualmente respeito, uma vez que necessitava de medidas nacionais de transposição ( 31 ).

41.

Em 15 de maio de 2020, a BNetzA indeferiu o pedido de derrogação apresentado pela Nord Stream 2 ao abrigo do (novo) artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73. O indeferimento baseou‑se no facto de a construção física do gasoduto não ter sido concluída antes de 23 de maio de 2019 e, além disso, no facto de o legislador da União ter pretendido excluir a requerente do âmbito de aplicação do regime de derrogação do artigo 49.o‑A ( 32 ).

42.

Outro elemento com incidência no contencioso relativo ao gasoduto OPAL é o relatório do painel da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 10 de agosto de 2018 ( 33 ), elaborado no âmbito de um diferendo em que a Rússia contestava a compatibilidade com o direito da OMC de vários elementos da regulamentação da União relativa à comercialização do gás natural. Entre estes elementos figurava a aplicação do regime das derrogações do artigo 36.o da Diretiva 2009/73 ao gasoduto OPAL.

43.

A maior parte das reclamações russas foi indeferida pelo painel da OMC. Contudo, este considerou incompatíveis com o artigo XI, n.o 1, do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) de 1994 as duas condições relativas ao gasoduto OPAL constantes da decisão inicial (de 2009), ou seja, o limite máximo de capacidade de 50 % (que limita a atribuição de capacidades de transporte à Gazprom e às suas empresas coligadas) e o programa de cessão de gás que obriga a Gazprom e as suas empresas coligadas a ceder 3 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano para ultrapassar esse limite.

44.

A Rússia sustentava que estas condições implicam, de facto, uma restrição quantitativa do volume do gás importado. O painel da OMC concluiu que as mesmas limitavam as possibilidades de concorrência na importação de gás natural russo na União Europeia ( 34 ).

45.

A União Europeia notificou o Órgão de Recurso da OMC, em 21 de setembro de 2018, da sua decisão de recorrer de determinadas questões de direito e interpretações jurídicas abordadas no relatório do painel ( 35 ). O bloqueio do Órgão de Recurso da OMC devido à não renovação dos seus membros impede, por agora, que este se pronuncie no referido processo.

46.

A decisão impugnada poderia conduzir à eliminação quase total dos eventuais fatores de incompatibilidade do regime aplicado ao gasoduto Nord Stream/OPAL com o direito da OMC. Contudo, tendo sido anulada pelo Tribunal Geral, o regime de derrogação da decisão inicial (de 2009), que foi declarado incompatível com o artigo XI, n.o 1, do GATT de 1994, é novamente aplicável. Consequentemente, pode ser necessário avaliar a eventual colisão da solução adotada com o direito da OMC.

VII. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

47.

No seu recurso do acórdão do Tribunal Geral, a República Federal da Alemanha pede que o Tribunal de Justiça se digne:

Anular o Acórdão do Tribunal Geral de 10 de setembro de 2019 no Processo T‑883/16.

Remeter o Processo T‑883/16 ao Tribunal Geral.

Reservar para final a decisão sobre as despesas.

48.

A República da Polónia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

Negar provimento ao recurso na sua totalidade e declarar o terceiro fundamento inadmissível.

Condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

49.

A República da Letónia e a República da Lituânia pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso da decisão do Tribunal Geral.

50.

Na audiência, a Comissão declarou‑se favorável a que o primeiro fundamento fosse julgado procedente.

51.

Em apoio do seu recurso, a República Federal da Alemanha invoca cinco fundamentos, dos quais, em síntese, o primeiro e segundo dizem respeito ao princípio da solidariedade energética e à sua não aplicação na decisão impugnada. Os terceiro, quarto e quinto fundamentos (invocados para o caso de o Tribunal de Justiça entender que este princípio é aplicável) criticam o facto de o Tribunal Geral ter considerado que a Comissão não tomou em consideração o princípio da solidariedade energética.

VIII. Primeiro fundamento: falta de caráter jurídico do princípio da solidariedade energética

A.   Preliminares

52.

Antes de me pronunciar sobre este fundamento, parece‑me oportuno examinar a articulação jurídica da solidariedade no direito da União e o seu reflexo nas regras relativas à política energética.

1. Solidariedade no direito primário da União

53.

Além do artigo 194.o TFUE, existem referências à solidariedade noutras regras do direito primário da União, tanto do Tratado UE como do Tratado FUE.

54.

O Tratado UE refere este conceito no preâmbulo («Desejando aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, cultura e tradições»). Fá‑lo igualmente no seu artigo 2.o enquanto característica da sociedade que partilha os valores comuns aos Estados‑Membros da União ( 36 ) e no seu artigo 3.o, ao proclamar que «[a] União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados‑Membros» (n.o 3) ( 37 ).

55.

O artigo 21.o, n.o 1, TUE, consagra a solidariedade como um dos princípios orientadores da ação externa da União. Entre as disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum, o artigo 24.o, n.os 2 e 3, TUE, refere‑se à «solidariedade política mútua» dos Estados‑Membros ( 38 ).

56.

Quanto ao Tratado FUE, o seu artigo 67.o, n.o 2, associa a política comum de asilo, de imigração e de controlo das fronteiras externas à solidariedade entre os Estados‑Membros, o que é corroborado pelo artigo 80.o TFUE ( 39 ).

57.

No domínio da política económica, o artigo 122.o, n.os 1 e 2, TFUE, contém igualmente uma referência explícita ao espírito de solidariedade entre os Estados‑Membros ( 40 ). O artigo 194.o, n.o 1, TFUE, em causa neste processo, e o artigo 222.o TFUE apelam igualmente ao espírito de solidariedade ( 41 ).

58.

O título IV da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia reúne, sob a epígrafe solidariedade, um certo número de direitos sociais e de trabalho (artigos 27.o a 34.o), a proteção da saúde, o acesso a serviços de interesse económico geral, a proteção do ambiente ou dos consumidores (artigos 35.o a 38.o).

59.

Além dessas, existem outras regras do direito primário às quais a solidariedade está subjacente. É o que acontece com o mecanismo de assistência financeira aos países da União não pertencentes à zona euro (artigo 143.o TFUE) ou com as disposições relativas à coesão económica, social e territorial (artigos 174.o a 178.o TFUE).

60.

No entanto, é difícil inferir deste conjunto de disposições uma conceção completa e abrangente da solidariedade no direito da União. É um conceito que surge associado tanto às relações horizontais (entre Estados‑Membros, entre instituições, entre povos ou gerações e entre Estados‑Membros e países terceiros) como às relações verticais (entre a União e os seus Estados‑Membros), em domínios heterogéneos ( 42 ).

61.

Importa pelo contrário sublinhar que a solidariedade se manifesta no direito primário da União, num grau que poderia ser qualificado de materialmente constitucional, como um valor (artigo 2.o TUE) e como um objetivo (artigo 3.o TUE) que a União deve promover. Nesta mesma medida, é chamada a inspirar as escolhas políticas e económicas da própria União, com uma intensidade cada vez maior ( 43 ).

62.

Em certas disposições do Tratado FUE, acima referidas, refere‑se um «espírito de solidariedade», ao passo que noutras se utiliza diretamente a expressão «princípio da solidariedade» (artigo 80.o TFUE).

63.

A questão fundamental consiste em saber se a solidariedade tem o estatuto de princípio jurídico e, em caso afirmativo, quais são a sua natureza e o seu alcance. A alternativa seria que este conceito teria um valor puramente simbólico, desprovido de força jurídica.

64.

Do ponto de vista doutrinário, o debate estabelece‑se entre aqueles que recusam reconhecer à solidariedade a qualidade de princípio jurídico (ou, pelo menos, de princípio geral de direito) ( 44 ) e os que defendem a sua qualidade de princípio constitucional ou estrutural ( 45 ), ou princípio geral de direito, estreitamente ligado ao da cooperação leal ( 46 ), cujos contornos foram mais bem definidos.

2. Solidariedade na jurisprudência do Tribunal de Justiça

65.

O Tribunal de Justiça utilizou o princípio da solidariedade na sua jurisprudência, mas sem determinar os seus contornos de forma geral. Normalmente, realizou‑o no âmbito de litígios em que se apreciavam medidas estatais contrárias a este princípio.

66.

Foi o que aconteceu, inicialmente, num caso relativo a auxílios de Estado, tratado no Acórdão Comissão/França ( 47 ), ou noutro posterior, resolvido no Acórdão Comissão/Itália ( 48 ), relativo ao incumprimento das regras da União em matéria de política agrícola. Nesta última, o Tribunal de Justiça garantiu que o «incumprimento dos deveres de solidariedade que assumiram os Estados‑Membros pela sua adesão à Comunidade afeta os fundamentos mais essenciais do ordenamento jurídico comunitário».

67.

A solidariedade entre produtores foi igualmente referida num acórdão para justificar a repartição de encargos e lucros imposta por normas da União, sem, contudo, a identificar como princípio geral do direito ( 49 ) e noutros relativos à cidadania da União e a medidas sociais, embora de forma limitada. Este conceito não foi utilizado, pelo menos expressamente, nos acórdãos relativos às medidas de assistência financeira na sequência da crise económica de 2008 ( 50 ).

68.

O âmbito material em que o Tribunal de Justiça salienta a utilização do conceito de solidariedade pelo Tribunal de Justiça, enquanto elemento‑chave para a interpretação de um artigo do Tratado FUE, é o relativo às políticas em matéria de imigração, de asilo e de controlo das fronteiras (artigo 80.o TFUE).

69.

Com efeito, o Tribunal de Justiça referiu‑se expressamente ao princípio da solidariedade quando foi chamado a decidir a respeito da repartição das quotas de requerentes de proteção internacional entre os Estados‑Membros ( 51 ). Após ter constatado que, «em conformidade com o artigo 80.o TFUE, [o princípio da solidariedade] rege a política da União em matéria de asilo» ( 52 ), o Tribunal de Justiça retirou daí consequências jurídicas relevantes, ao ponto de determinarem o provimento dos recursos interpostos pela Comissão contra os Estados‑Membros que não tinham cumprido as suas obrigações neste domínio.

70.

Esta análise sumária da jurisprudência revela que, embora o princípio da solidariedade apresente diferentes facetas e níveis de precisão, a sua importância, no direito primário, como valor e como objetivo do processo de integração europeia ( 53 ) permite atribuir‑lhe um significado adequado para gerar consequências jurídicas.

71.

Como pano de fundo desta abordagem jurisprudencial encontra‑se uma certa conceção do valor jurídico dos Tratados: as suas disposições têm a vocação de qualquer norma de nível constitucional, sendo que compete a quem é chamado a interpretá‑las (em última instância, ao Tribunal de Justiça) discernir o conteúdo imperativo que lhes é próprio.

72.

É certo que a heterogeneidade das manifestações do princípio da solidariedade torna mais difícil a sua aplicação em todos os domínios de competência da União com uma articulação ou uma intensidade idênticas. Ora, insisto, nada se opõe a que, em alguns desses domínios de competência, o seu potencial lhe seja reconhecido como princípio que «rege» o comportamento correspondente da União, com consequências na sua operacionalidade jurídica.

73.

É o que sucede com o princípio da solidariedade no domínio da política de asilo e deve, na minha opinião, ser também o caso, de forma análoga, no domínio da política energética.

3. Princípio da solidariedade energética

74.

O artigo 194.o, n.o 1, TFUE, dispõe:

«[…] a política da União no domínio da energia tem por objetivos, num espírito de solidariedade entre os Estados‑Membros:

a)

Assegurar o funcionamento do mercado da energia;

b)

Assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União;

c)

Promover a eficiência energética e as economias de energia, bem como o desenvolvimento de energias novas e renováveis; e

d)

Promover a interconexão das redes de energia.»

75.

O artigo 194.o TFUE foi introduzido pelo Tratado de Lisboa como base jurídica para o desenvolvimento das competências da União em matéria de energia ( 54 ).

76.

O «espírito de solidariedade» deve impregnar os objetivos da política energética da União e favorecer o seu desenvolvimento. Deste ponto de vista, a solidariedade energética não pode ser identificada com a simples segurança energética (ou «segurança do aprovisionamento energético»), que constitui apenas uma das suas manifestações ( 55 ).

77.

A solidariedade está subjacente a todos os outros objetivos da política da União no domínio da energia, agrupando‑os e conferindo‑lhes coerência. Em especial:

Quanto ao «funcionamento do mercado da energia», que deve contribuir para um abastecimento em melhores condições de concorrência nos Estados‑Membros.

Quanto à promoção da «interconexão das redes de energia», essencial para a realização de um mercado interno da energia.

Quanto à «eficiência energética e as economias de energia», e ao «desenvolvimento de energias novas e renováveis», que permitam uma maior solidariedade energética entre os Estados‑Membros, compatível com uma melhor proteção do ambiente.

78.

A inserção do espírito de solidariedade energética num texto de direito primário foi matizada pela Declaração n.o 35 anexa ao Tratado UE e ao Tratado FUE, segundo a qual «[a] Conferência considera que o artigo 194.o não afeta o direito de os Estados‑Membros tomarem as disposições necessárias para garantir o seu aprovisionamento energético nas condições previstas no artigo 347.o». Na realidade, esta declaração pressupunha uma proteção da soberania do Estado no domínio da energia, que acrescia à que decorre do artigo 194.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE ( 56 ).

79.

A previsão dessas garantias de soberania do Estado face ao desenvolvimento das competências da União em matéria de energia, através de normas de direito primário, compreende‑se melhor à luz da consagração de uma política da União no domínio da energia inspirada no princípio da solidariedade, também ela especificamente plasmada no direito primário. O caráter jurídico deste princípio parece‑me tão incontestável quanto o das garantias de soberania do Estado que foram introduzidas para o modular.

80.

O Tribunal de Justiça tinha reconhecido anteriormente que a segurança do abastecimento energético de um país constituía uma razão imperiosa de interesse geral ( 57 ) incluída na segurança nacional (competência exclusiva dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE).

81.

Apesar destas garantias de soberania do Estado em matéria de energia, a União desenvolveu progressivamente a sua política energética através de normas de direito derivado nas quais a solidariedade energética foi ganhando protagonismo. A mesma foi, além disso, impulsionada na estratégia da Comissão para obter a União da Energia ( 58 ), que está na base da adoção das recentes regras da União relativas ao mercado do gás natural.

82.

Devido às características, técnicas e económicas, destes mercados, a afirmação do princípio da solidariedade é essencial para que a política da União no domínio da energia possa atingir os seus objetivos, atualmente cada vez mais interligados com a proteção do ambiente ( 59 ).

83.

Em especial, o desenvolvimento de infraestruturas de gás transnacionais e com países terceiros pode ser considerado indispensável para permitir a solidariedade energética entre os Estados‑Membros, razão pela qual a União incentivou ativamente essas infraestruturas ( 60 ).

84.

São nomeadamente reflexo do princípio da solidariedade em normas jurídicas, nesta e noutras perspetivas:

O Regulamento (UE) 2017/1938 ( 61 ), que substituiu o Regulamento (UE) n.o 994/2010 ( 62 ). Neste último, estava previsto um mecanismo de resposta às crises de fornecimento de gás natural com medidas excecionais cuja responsabilidade final incumbia aos Estados ( 63 ). Esse mecanismo foi melhorado pelo Regulamento 2017/1938 ( 64 ), aumentando assim a eficiência do princípio da solidariedade energética ( 65 ).

O Regulamento (UE) 2019/452 ( 66 ), que estabelece um sistema de cooperação entre os Estados‑Membros e entre os Estados‑Membros e a Comissão, permite aos Estados apresentar observações e à Comissão emitir pareceres sobre o impacto dos investimentos diretos estrangeiros e prevê a possibilidade de limitar tais investimentos nos respetivos territórios ou em toda a União. Estão em causa, entre outros, os investimentos em «infraestruturas críticas, sejam elas físicas ou virtuais, incluindo a energia», e o «aprovisionamento de fatores de produção críticos, incluindo a energia […]».

85.

O que foi dito até agora confirma que o legislador da União não hesitou em adotar o princípio da solidariedade energética como guia da sua política nesta matéria. Resta decidir se, além desta função, este princípio, ao qual o advogado‑geral P. Mengozzi já tinha conferido um caráter «constitucional» ( 67 ), pode produzir efeitos para além do plano legislativo.

86.

É à luz destas considerações que abordarei a análise do primeiro fundamento de recurso.

B.   Argumentos das partes

87.

Com o seu primeiro fundamento, a República Federal da Alemanha acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao afirmar que a solidariedade energética, prevista no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, é um princípio jurídico que implica direitos e obrigações tanto para a União como para os Estados‑Membros.

88.

Segundo a recorrente, a solidariedade energética é um mero «conceito puramente político» e não um critério jurídico de que se possam inferir direitos e obrigações para a União ou para os Estados‑Membros. Devido ao seu caráter abstrato e indeterminado, a solidariedade no setor da energia não pode ser «invocada em juízo» ( 68 ).

89.

A República Federal da Alemanha alega que a Comissão, enquanto órgão executivo da União, só estava obrigada a aplicar o direito derivado (concretamente o artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73). Este artigo constituiria o único parâmetro da fiscalização da legalidade da decisão impugnada. Outros aspetos do princípio da solidariedade energética «não devem ser examinados nem constituem critérios das decisões da Comissão».

90.

Em todo o caso, esse princípio apenas vincularia «quando muito, o legislador da União». A Comissão, insiste a República Federal da Alemanha, «não está vinculada pelo artigo 194.o TFUE nem pelo princípio da solidariedade energética» ao adotar as decisões derrogatórias do artigo 36.o da Diretiva 2009/73.

91.

A Comissão, que não recorreu do acórdão do Tribunal Geral e foi convidada a intervir na audiência pelo Tribunal de Justiça, sustentou que a solidariedade energética constitui um princípio orientador da política da União no domínio da energia, que se impõe ao legislador da União no âmbito da adoção das normas de direito derivado.

92.

Contudo, segundo a Comissão, a solidariedade do artigo 194.o TFUE é um conceito demasiado geral e abstrato para operar como princípio autónomo que possa ser utilizado na fiscalização da legalidade dos seus atos. A decisão impugnada devia limitar‑se a dar execução ao artigo 36.o da Diretiva 2009/73, afastando qualquer ponderação adicional exclusivamente baseada no princípio da solidariedade.

93.

Todavia, a Comissão reconheceu que a fiscalização da legalidade das suas decisões poderia ser efetuada «à luz do princípio da solidariedade energética», enquanto critério de interpretação das normas de direito derivado.

94.

As Repúblicas da Polónia, da Letónia e da Lituânia contestaram os argumentos da República Federal da Alemanha e da Comissão.

C.   Apreciação

95.

Na minha opinião, foi com razão que o Tribunal Geral entendeu, sem incorrer em erro, que o princípio da solidariedade energética «implica direitos e obrigações tanto para a União como para os Estados‑Membros» ( 69 ).

96.

Considero que o princípio da solidariedade energética previsto no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, produz efeitos jurídicos e não meramente efeitos políticos: a) enquanto critério de interpretação das normas de direito derivado adotadas em execução das competências da União em matéria de energia; b) enquanto elemento para preencher as lacunas detetadas nessas mesmas normas; e c) enquanto parâmetro de fiscalização jurisdicional, quer da legalidade dessas normas de direito derivado quer das decisões dos órgãos da União nesse domínio.

97.

Quando, nos Tratados, se pretendeu sublinhar a vertente meramente política da solidariedade, tal foi expressamente feito. É o que acontece nas disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum, de entre as quais o artigo 24.o, n.os 2 e 3, TUE se refere à «solidariedade política mútua» dos Estados‑Membros.

98.

O mesmo não acontece com o princípio da solidariedade aplicável no domínio da política de asilo (artigo 67.o TFUE) ou no domínio da energia (artigo 194.o TFUE). Se o primeiro, como também recordei, permitiu ao Tribunal de Justiça reconhecer o valor jurídico de tal princípio para daí retirar determinadas consequências, o mesmo deveria suceder em relação ao segundo ( 70 ).

99.

Por conseguinte, estou de acordo com o Tribunal Geral quanto ao caráter jurídico do princípio da solidariedade energética, que o torna suscetível de aplicação jurídica. Enquanto tal, ao contrário das simples normas, o referido princípio é suscetível de produzir efeitos, dependendo da sua natureza, não só quando encontra expressão numa norma de direito derivado, mas, eventualmente, na falta desta, e, certamente, no âmbito da revisão jurisdicional das decisões tomadas no âmbito material para o qual foi instituído.

100.

Consequentemente, não partilho da tese, defendida pela República Federal da Alemanha e pela Comissão na audiência, segundo a qual o princípio da solidariedade energética é demasiado abstrato para ser utilizado na fiscalização da legalidade dos atos da Comissão.

101.

Na audiência, a Comissão admitiu que o princípio da solidariedade energética poderia ser invocado para contestar a legalidade do artigo 36.o da Diretiva 2009/73, no âmbito de uma exceção de ilegalidade, e para interpretar, à luz do mesmo, os atos aos quais se aplica esta disposição. Nestas condições, não vejo razão para rejeitar que este princípio possa operar como parâmetro autónomo de fiscalização da legalidade dos recursos diretos de decisões da Comissão.

102.

O acórdão recorrido afirma que o princípio da solidariedade energética vincula a União e os Estados‑Membros que, no âmbito do exercício das suas respetivas competências, devem ter em conta os interesses dos outros intervenientes ( 71 ). Dado que o litígio se limita à reapreciação judicial de uma decisão da Comissão, não é indispensável, para o resolver, analisar as implicações do princípio em causa na atuação (unilateral ou mútua) dos Estados‑Membros, mas apenas analisar a sua força vinculativa no que respeita à Comissão.

103.

O argumento segundo o qual este princípio vincula apenas, sendo caso disso, o legislador da União (Conselho da União Europeia e Parlamento Europeu aquando da adoção de normas de direito derivado), mas não a Comissão, parece‑me desprovido de fundamento. Pelo contrário, considero que o princípio, na sua dimensão «constitucional» acima referida, se impõe a todas as instituições e organismos da União, salvo disposição expressa em contrário no direito primário, que não existe no domínio da energia.

104.

Como já referi, o princípio da solidariedade energética não se esgota na garantia da segurança do abastecimento, referida no artigo 36.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/73. Um maior fornecimento de gás não implicará necessariamente uma maior solidariedade no mercado interno do gás: se o aumento do fornecimento se concentrar em apenas alguns Estados e se permanecer nas mãos de uma empresa dominante que possa falsear a concorrência nesse mercado, é possível que cause prejuízo aos interesses de algum ou alguns Estados‑Membros de forma injustificada (não solidária).

105.

É certo que o artigo 36.o da Diretiva 2009/73 não refere expressamente a solidariedade energética entre os elementos a ter em conta no momento da concessão de uma derrogação (das regras relativas ao acesso de terceiros e às tarifas) aos novos gasodutos, a fim de promover os investimentos na sua construção. Contudo, esta falta de menção expressa não dispensava a Comissão de avaliar o impacto do princípio da solidariedade energética nas suas decisões derrogatórias, uma vez que o seu respeito é imposto pelo artigo 194.o TFUE ( 72 ).

106.

Com efeito, como salientou a República da Polónia na audiência, a prática administrativa da Comissão, posterior ao acórdão recorrido, integrou, sem grandes problemas, a aplicação do princípio da solidariedade energética a outras decisões derrogatórias análogas à impugnada neste caso ( 73 ).

107.

A avaliação indispensável das consequências do princípio da solidariedade energética nas decisões da Comissão foi favorecida pela alteração introduzida pela Diretiva 2019/692 no artigo 36.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2009/73.

108.

Essa alteração explicita o que, na minha opinião, já se podia deduzir do texto anterior, lido à luz do princípio da solidariedade energética: a derrogação não deve prejudicar «a concorrência nos mercados pertinentes que são suscetíveis de serem afetados pelo investimento, nem o bom funcionamento do mercado interno do gás natural, o funcionamento eficiente dos sistemas regulados em questão nem a segurança do abastecimento de gás natural na União».

109.

Assim, o princípio da solidariedade energética é tido em conta e, além disso, a sua aplicação é facilitada após consulta das autoridades dos Estados‑Membros ou dos países terceiros abrangidos pela derrogação ( 74 ).

110.

A falta de informações que a Comissão invocou na audiência como justificação para não apreciar, na decisão impugnada, o princípio da solidariedade energética não me parece constituir um argumento sólido. Num domínio de tanta importância para o mercado interno do gás como a derrogação do gasoduto OPAL, os serviços da Comissão não podem invocar a falta de informações, por parte dos Estados‑Membros, para não avaliar a incidência do princípio da solidariedade energética.

111.

Não ignoro que, tal como a maioria dos princípios jurídicos, o da solidariedade energética comporta um certo nível de abstração, que dificulta a sua aplicação.

112.

Por definição, este caráter relativamente abstrato implica que nem sempre será fácil inferir soluções unívocas do princípio da solidariedade energética, uma vez que na sua aplicação prática coexistirão, junto a zonas de certeza, outras mais cinzentas que o intérprete terá de ponderar cuidadosamente.

113.

O que este princípio exige, em meu entender (de novo, coincidente com o do Tribunal Geral), é que compete a quem tem de o aplicar — neste processo, a Comissão — proceder a uma apreciação casuística dos interesses em jogo. Não se trata de adotar uma abordagem que abstraia da singularidade de cada situação, ou seja, que prejudique a obtenção de determinado resultado em todos os casos ( 75 ).

114.

Embora não tenha qualquer dúvida quanto à improcedência deste fundamento, admito que se deve avaliar cuidadosamente a intensidade da fiscalização que o Tribunal Geral (ou, se for caso disso, o Tribunal de Justiça) pode exercer sobre decisões da Comissão como a ora impugnada, ao abrigo do princípio da solidariedade energética.

115.

Essa fiscalização deve ser limitada, uma vez que se trata de decisões relativas a questões técnicas complexas, em que a Comissão, mais que os tribunais, possui uma elevada capacidade de análise, quer técnica quer económica. Por conseguinte, e como exigido pelo acórdão recorrido, a Comissão deve avaliar todas as consequências, económicas e outras, inerentes às condições e no âmbito de utilização de um gasoduto, bem como o seu impacto no mercado europeu e nos mercados nacionais do gás.

116.

A fiscalização jurisdicional destas decisões necessita, antes de mais, que se determine se as instituições da União realizaram uma ponderação dos interesses em presença compatível com a solidariedade energética, tomando em consideração, repito, tanto os interesses dos Estados‑Membros como os do conjunto da União. Caso, nesta ponderação da situação, a situação de um ou mais Estados‑Membros seja manifestamente descurada, a decisão da Comissão não obedece às exigências daquele princípio.

117.

Como sucedeu com outros princípios do direito da União, esta apreciação dos interesses à luz do princípio da solidariedade energética terá de ir sendo delineada, à medida que tal princípio vá sendo sujeito ao escrutínio do Tribunal de Justiça, e apresentará um caráter evolutivo, que também será influenciado pelo desenvolvimento futuro da política energética da União ( 76 ).

118.

As considerações anteriores levam‑me a propor que o primeiro fundamento de recurso seja julgado improcedente.

IX. Segundo fundamento: limitação do princípio da solidariedade energética às situações de crise

A.   Argumentos das partes

119.

A República Federal da Alemanha alega que o princípio da solidariedade no setor da energia não era aplicável na decisão impugnada. Este princípio só é válido em situações de crise de aprovisionamento e não pode ser entendido no sentido de que exige uma «lealdade incondicional» relativamente aos interesses de todos os Estados‑Membros. Se assim não fosse, haveria um bloqueio das decisões em matéria de política energética.

120.

As referências à solidariedade do artigo 194.o, n.o 1, TFUE, imporiam que se tivesse em conta o artigo 222.o TFUE para precisar o conteúdo desta definição, pelo que a solidariedade energética apenas determinaria uma obrigação de assistência mútua em situações de crise. Tal seria corroborado pelo artigo 13.o do Regulamento 2017/1938.

121.

As Repúblicas da Polónia, da Letónia e da Lituânia contestam estas afirmações.

B.   Apreciação

122.

Não partilho da argumentação da República Federal da Alemanha. Pelo contrário, estou de acordo com o Tribunal Geral, quanto ao facto de o princípio da solidariedade energética ser suscetível de produzir efeitos jurídicos para lá das situações de crise do artigo 222.o TFUE.

123.

O Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao afirmar, no acórdão recorrido, que «o princípio da solidariedade energética não se pode restringir a tais situações extraordinárias, que são da exclusiva competência do legislador da União» e que «acarreta também uma obrigação geral, por parte da União e dos Estados‑Membros, no âmbito do exercício das suas respetivas competências, de terem em conta os interesses dos outros intervenientes» (n.os 71 e 72).

124.

O artigo 222.o TFUE é uma (mas não a única) das concretizações do princípio da solidariedade no direito primário da União. Este artigo prevê a assistência mútua entre Estados‑Membros em caso de ataque terrorista ou de catástrofe natural ou humana.

125.

No entanto, não vejo razões convincentes para sustentar que a referência à solidariedade energética prevista no artigo 194.o, n.o 1, TFUE se deva limitar às situações críticas do artigo 222.o TFUE.

126.

Por um lado, um ataque terrorista ou uma catástrofe natural ou de origem humana não têm necessariamente de originar uma crise de energia que afete os interesses vitais de um Estado‑Membro.

127.

Por outro, a solidariedade energética entre os Estados pode ser indispensável em situações diferentes dos ataques ou das catástrofes previstas no artigo 222.o TFUE.

128.

Tal seria o caso, pelo menos, perante uma conjuntura económica grave (caso em que a referência às dificuldades no domínio da energia do artigo 122.o, n.o 1, TFUE desempenha um papel) ou na presença de uma redução significativa de abastecimento por divergências entre um país terceiro exportador de gás e um país terceiro de trânsito (crise entre a Ucrânia e a Rússia de 2006, por exemplo).

129.

Já expliquei que, na minha opinião, a solidariedade energética vai além da simples segurança do abastecimento de energia. No entanto, mesmo que se limite a esta última, tal princípio ajuda a evitar as crises de abastecimento, como sugere a Polónia nas suas observações, o que explica que a maior parte dos mecanismos previstos pelo Regulamento 2017/1938 sejam preventivos. É preferível que a solidariedade energética opere para prevenir as crises e não apenas para se refletir nos mecanismos de reação às mesmas.

130.

Também não partilho do argumento com que a República Federal da Alemanha critica o Tribunal Geral, por ter considerado que o princípio da solidariedade energética exprime uma obrigação de lealdade incondicional, em particular, a de ponderar os interesses de todos os Estados‑Membros.

131.

Este argumento não corresponde a uma leitura adequada do acórdão recorrido, cujo n.o 77 enuncia que «(a) aplicação do princípio da solidariedade energética não significa, porém, que a política energética da União não deva, em circunstância alguma, ter incidências negativas nos interesses particulares de um Estado‑Membro em matéria de energia».

132.

Por conseguinte, contrariamente ao que alega a República Federal da Alemanha, o Tribunal Geral não afirmou que o princípio da solidariedade energética tenha de implicar uma lealdade incondicional que respeite os interesses de todos os Estados‑Membros.

133.

O que se defende no acórdão recorrido (e é uma apreciação que compartilho) é que este princípio impõe uma ponderação dos interesses em jogo dos diferentes Estados‑Membros e da União aquando da adoção de decisões no domínio da energia.

134.

Consequentemente, o segundo fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

X. Terceiro fundamento: erro do Tribunal Geral ao considerar que a Comissão não observou o princípio da solidariedade energética

A.   Argumentos das partes

135.

Segundo a República Federal da Alemanha, o Tribunal Geral considerou erradamente que a Comissão não ponderou as consequências do princípio da solidariedade energética e da decisão impugnada no mercado polaco do gás.

136.

Em seu entender, a Comissão apreciou essa incidência, facto que seria demonstrado pelos seguintes elementos de prova:

A apresentação pela Polónia, em 2013, de observações no procedimento consultivo prévio à adoção da decisão impugnada.

O facto de um grupo de trabalho, com representantes do Ministério da Energia da Federação Russa, da Comissão, da BNetzA e da Gazprom, ter estudado a exploração mais eficaz do gasoduto OPAL.

O conteúdo do comunicado de imprensa da Comissão sobre a decisão impugnada.

A situação factual da Polónia no que respeita ao fornecimento de gás e ao conteúdo do seu contrato de trânsito com a Gazprom até 2022.

O impacto da utilização reforçada do gasoduto OPAL na utilização do gasoduto Yamal.

A percentagem de importação de gás russo na Polónia e a crescente utilização de gás natural liquefeito, com o qual a Polónia pretende ser independente do gás russo em 2022/2023.

Os benefícios da decisão impugnada no mercado polaco do gás, no comércio transfronteiriço e na segurança do abastecimento.

137.

Com base nestes elementos de facto, a República Federal da Alemanha considera que a Comissão teve corretamente em conta, na decisão impugnada, a situação do mercado polaco do gás, sem que fosse necessário analisá‑la de forma aprofundada.

138.

A República da Polónia considera que o fundamento é inadmissível na medida em que tem por objeto simples apreciações factuais do Tribunal Geral e que, se fosse acolhido, deveria ser julgado improcedente, em concordância com o que alega a República da Letónia.

139.

A República da Lituânia aborda este fundamento conjuntamente com o quarto e defende também que o mesmo seja julgado improcedente.

B.   Apreciação

140.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, por aplicação do princípio da solidariedade, «incumbia à Comissão, no âmbito da decisão impugnada, apreciar se a alteração do regime de exploração do gasoduto OPAL, proposta pela entidade reguladora alemã, podia afetar os interesses, em matéria de energia, de outros Estados‑Membros e, na afirmativa, ponderar esses interesses com o interesse que a referida alteração apresentava para a República Federal da Alemanha e, se for o caso, para a União» ( 77 ).

141.

Segundo o Tribunal Geral, a decisão impugnada não contém tal análise: «além de o princípio da solidariedade não estar mencionado na decisão impugnada, não resulta da mesma que a Comissão tenha, de facto, procedido a uma análise deste princípio» ( 78 ).

142.

O Tribunal Geral reconhece que «no ponto 4.2 da decisão impugnada (considerandos 48 a 53), a Comissão fez observações sobre o critério […] da segurança do abastecimento» da União em geral ( 79 ). Contudo, afirma que esta análise não avaliou «[o] impacto da alteração do regime de exploração do gasoduto OPAL na segurança do abastecimento da Polónia».

143.

Como já referi ( 80 ), o Tribunal Geral acrescentou que, na decisão impugnada, «não se afigura que a Comissão tenha analisado quais poderiam ser as consequências, a médio prazo, designadamente, para a política energética da República da Polónia, da transferência para a via de trânsito Nord Stream 1/OPAL de uma parte dos volumes de gás natural anteriormente transportados pelos gasodutos Yamal e Braterstwo, nem que tenha ponderado esses efeitos com o aumento da segurança do abastecimento ao nível da União por ela verificado» ( 81 ).

144.

A Comissão, destinatária direta das críticas feitas no acórdão do Tribunal Geral quanto a este ponto, não as contestou.

145.

Resulta do artigo 256.o, n.o 1, TFUE, e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito.

146.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao Tribunal Geral constatar e apreciar os factos e, em princípio, analisar as provas que considera sustentarem esses factos. Se estes elementos tiverem sido obtidos regularmente e os princípios gerais de direito e as regras de processo aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, cabe exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Esta apreciação não constitui, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça ( 82 ).

147.

Para poder ser censurada pelo Tribunal de Justiça, a desvirtuação dos elementos de prova deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem necessidade de se proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas ( 83 ).

148.

Ora, antes de mais, no âmbito deste fundamento, a República Federal da Alemanha não invocou uma desvirtuação dos factos e dos elementos de prova declarada pelo Tribunal Geral.

149.

O fundamento de recurso limita‑se a fornecer a versão dos factos que a recorrente considera provados, para daí deduzir que a decisão impugnada «não comprometia a segurança do abastecimento da República da Polónia».

150.

Segundo a recorrente, uma vez demonstrada a segurança do abastecimento na Polónia, «não havia nenhuma razão para analisar as consequências [da decisão impugnada] de forma mais aprofundada para a República da Polónia, ou seja, numa medida comparável à da República Checa».

151.

Este ponto de partida (n.os 38 e 39 da petição) prejudica o desenvolvimento posterior do fundamento, por não referir que:

Por um lado, o Tribunal Geral negou expressamente que a Comissão tenha avaliado, na sua análise, «[o] impacto da alteração do regime de exploração do gasoduto OPAL na segurança do abastecimento da Polónia».

Por outro lado, a crítica que o Tribunal Geral fez à decisão impugnada não se limitava à segurança do abastecimento energético da Polónia. O Tribunal Geral, quanto a este ponto, criticou a Comissão por não ter abordado os «aspetos mais amplos do princípio da solidariedade energética».

152.

O terceiro fundamento, na medida em que contesta estas afirmações do acórdão recorrido sem alegar a desvirtuação dos factos apurados pelo Tribunal Geral, é inadmissível.

XI. Quarto fundamento: a Comissão não era obrigada a considerar expressamente o princípio da solidariedade energética na decisão impugnada

A.   Argumentos das partes

153.

A República Federal da Alemanha sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 79 do acórdão recorrido, que «além de o princípio da solidariedade não estar mencionado na decisão impugnada, não resulta da mesma que a Comissão tenha, de facto, procedido a uma análise deste princípio».

154.

Para a recorrente, não se pode exigir que a Comissão refira expressamente o princípio da solidariedade energética. Ao adotar as suas decisões, a Comissão não está obrigada a fornecer uma fundamentação exaustiva; é suficiente uma exposição das considerações jurídicas fundamentais para a compreensão do raciocínio que justifica a decisão.

155.

As Repúblicas da Polónia e da Lituânia contestam estas afirmações.

B.   Apreciação

156.

O quarto fundamento é inoperante na medida em que se dirige contra uma afirmação do Tribunal Geral que não constitui a ratio do seu dispositivo.

157.

O Tribunal Geral — que, é certo, salientou a falta de referência ao princípio da solidariedade energética na decisão impugnada — não a anulou devido à inexistência dessa referência, mas sim porque a Comissão não tinha procedido a uma análise adequada das exigências desse princípio.

158.

Como já repeti, para o Tribunal Geral, esta análise obrigava a Comissão a tomar em consideração o impacto da utilização completa do gasoduto OPAL no mercado polaco do gás, noutros Estados‑Membros e na União no seu todo.

159.

Por conseguinte, o que importava não era a simples citação do princípio ( 84 ), mas sim a apreciação adequada das suas implicações nos interesses em jogo na derrogação do gasoduto OPAL. O Tribunal Geral não considera que essa ponderação tenha sido feita, independentemente do facto de, se tivesse sido efetuada, poder ou não ter conduzido à liberalização completa do gasoduto OPAL em benefício da Gazprom e das suas empresas aliadas.

160.

Consequentemente, o quarto fundamento baseia‑se numa compreensão incorreta do acórdão recorrido, que, repito, não anula a decisão impugnada devido à falta de referência expressa ao princípio da solidariedade energética.

161.

O acórdão recorrido poderia ser acusado de formalismo ( 85 ) se a omissão da referência a esse princípio tivesse sido determinante para a anulação e, além disso, fosse contrabalançada por um conteúdo da decisão que revelasse a sua tomada em consideração efetiva para todos os atores em jogo. Na verdade, é este último aspeto que o Tribunal Geral rejeita.

162.

Com efeito, o Tribunal Geral salienta que a Comissão analisou, em substância, o impacto da extensão da derrogação do gasoduto OPAL no mercado checo do gás, mas descurou a análise da sua incidência, pertinente, no mercado polaco do gás e nos mercados de outros Estados da Europa Central e Oriental ( 86 ).

163.

Por conseguinte, o quarto fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

XII. Quinto fundamento: alegados erros de forma

A.   Argumentos das partes

164.

Em primeiro lugar, a República Federal da Alemanha defende que, ainda que a fundamentação da decisão impugnada seja considerada insuficiente, esse erro não teve incidência na decisão de mérito. Por conseguinte, a decisão não deveria ter sido anulada pelo Tribunal Geral ( 87 ).

165.

Em segundo lugar, alega que o pedido de anulação deveria ter sido apresentado relativamente à decisão inicial (de 2009). O Tribunal Geral teria cometido um erro processual ao tomar em consideração o argumento — que a Alemanha considera intempestivo — apresentado pela República da Polónia, relativo à violação do princípio da solidariedade energética pela decisão impugnada.

166.

As Repúblicas da Polónia e da Lituânia contestam estas afirmações.

B.   Apreciação

167.

O primeiro argumento do quinto fundamento deve ser julgado improcedente, uma vez que o Tribunal Geral não anulou a decisão impugnada por insuficiência de fundamentação, mas sim por violação do princípio da solidariedade energética, conforme resulta do artigo 194.o, n.o 1, TFUE.

168.

Há que rejeitar igualmente o segundo argumento, na medida em que com o mesmo se contesta, sem fundamento, o direito da Polónia de pedir a anulação em tempo útil da decisão impugnada, com base no facto de esse Estado‑Membro não ter, à época, interposto recurso da decisão inicial (de 2009).

169.

Tal argumento pressupõe, pelo menos, que a Polónia tinha interesse na anulação da decisão inicial e, sobretudo, que a decisão impugnada reproduzia o conteúdo daquela.

170.

O argumento não pode ser acolhido, uma vez que a decisão de 2016 (a decisão impugnada) alterou precisamente as condições da derrogação reconhecidas na decisão inicial, o que abre a porta à sua fiscalização jurisdicional, independente do que poderia ter resultado da decisão de 2009.

171.

Por conseguinte, o quinto fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

XIII. Despesas

172.

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

173.

Neste processo, a República da Polónia pediu a condenação da recorrente nas despesas.

XIV. Conclusão

174.

Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça:

1)

Julgue improcedentes os primeiro, segundo, quarto e quinto fundamentos do recurso interposto pela República Federal da Alemanha.

2)

Declare inadmissível o terceiro fundamento do recurso interposto pela República Federal da Alemanha.

3)

Condene a República Federal da Alemanha nas suas despesas, bem como nas da República da Polónia.


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Acórdão do processo Polónia/Comissão (T‑883/16, EU:T:2019:567; a seguir «acórdão recorrido»).

( 3 ) OPAL é o acrónimo de Ostseepipeline‑Anbindungsleitung. O gasoduto OPAL é a secção terrestre, a oeste, do gasoduto Nord Stream, cujo ponto de entrada se encontra nas proximidades da localidade de Lubmin, perto de Greifswald, na Alemanha, e o ponto de saída na localidade de Brandov, na República Checa. O gasoduto Nord Stream transporta, através do mar Báltico, o gás proveniente de jazidas russas até à Alemanha. O Nord Stream dispõe de outro prolongamento terrestre, o gasoduto NEL (Nordeuropäische Erdgasleitung), com uma capacidade de 20 milhões de metros cúbicos, que vai de Greifswald aos Países Baixos e ao resto do noroeste da Europa.

( 4 ) Decisão C(2016) 6950 final da Comissão, de 28 de outubro de 2016, que revê as condições de derrogação das normas relativas ao acesso de terceiros e à regulamentação tarifária, estabelecidas pela Diretiva 2003/55/CE, no que diz respeito ao gasoduto OPAL (a seguir «decisão impugnada»). A versão alemã faz fé e existe apenas uma versão adicional em inglês. Foi publicada no sítio Internet da Comissão em 3 de janeiro de 2017.

( 5 ) Confirmar o caráter operativo do princípio da solidariedade energética poderia não só ter repercussões no desenvolvimento da política da União no domínio da energia, cada vez mais interligada à sua política climática, como também ter outras implicações, quer geopolíticas (no que respeita ao abastecimento de gás na Europa pela Rússia e pela sua empresa estatal Gazprom) quer económicas (quanto à utilização dos gasodutos que abastecem a Europa e as empresas que os exploram).

( 6 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94; a seguir «Diretiva 2009/73»), que revogou e substituiu a Diretiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO 2003, L 176, p. 57).

( 7 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que altera a Diretiva 2009/73/CE que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural (JO 2019, L 117, p. 1).

( 8 ) Lei Alemã Relativa ao Fornecimento de Eletricidade e de Gás (BGBl. 2005 I, p. 1970, 3621).

( 9 ) As duas decisões eram referentes às quotas‑partes respetivamente detidas pelos dois proprietários do gasoduto OPAL, que é detido pela WIGA Transport Beteiligungs‑GmbH & Co. (a seguir «WIGA», anteriormente W & G Beteiligungs‑GmbH & Co. KG, anteriormente Wingas GmbH & Co. KG), numa quota‑parte de 80 %, e pela E.ON Ruhrgas AG, numa quota‑parte de 20 %. A WIGA é controlada em conjunto pela OAO Gazprom e pela BASF SE. A sociedade que explora a parte do gasoduto OPAL pertencente à WIGA é a OPAL Gastransport GmbH & Co. KG (a seguir «OGT»).

( 10 ) O gasoduto OPAL possui uma capacidade de cerca de 36,5 mil milhões de m3/ano na sua parte norte, entre Greifswald e o ponto de entrada de Groß‑Köris a sul de Berlim (Alemanha). Na parte sul, entre Groß‑Köris e o ponto de saída em Brandov, tem uma capacidade de 32 mil milhões de m3/ano. A diferença de 4,5 mil milhões de m3/ano destinava‑se a ser vendida na zona de comércio Gaspool, que abarca o norte e o leste da Alemanha.

( 11 ) Segundo Ridley, A., «Gazprom refused to provide a gas release programme because it would have resulted in an open auction for gas with third parties. In such an auction, the prices set at market could have been used against Gazprom. For example, customers with long term supply contracts with Gazprom, with price review clauses, could have been incentivised to use the evidence of those auctions to take Gazprom to arbitration to force a reduction in the price they themselves paid for gas. Therefore, Gazprom and its German ally were limited to using no more than half of the pipeline capacity» (Ridley, A.: «The ‘principle of solidarity’: OPAL, Nord Stream, and the shadow over Gazprom», Atlantic Council, 17 de outubro de 2019, https://www.atlanticcouncil.org/blogs/energysource/the‑principle‑of‑solidarity‑opal‑nord‑stream‑and‑the‑shadow‑over‑gazprom/).

( 12 ) Yafimava, K.: «The OPAL Exemption Decision: past, present, and future», Oxford Institute for Energy Studies, 2017, pp. 10 a 13, disponível em https://www.oxfordenergy.org/wpcms/wp‑content/uploads/2017/01/The‑OPAL‑Exemption‑Decision‑past‑present‑and‑future‑NG‑117.pdf.

( 13 ) Em substância, a alteração prevista pela BNetzA consistia em substituir a limitação das capacidades que podiam ser reservadas por empresas dominantes, imposta por força da decisão inicial, pela obrigação, para a OGT, de oferecer, no âmbito de leilões, pelo menos 50 % da capacidade por ela explorada, ou seja, 15864532 kWh/h (cerca de 12,3 mil milhões de m3/ano), dos quais 14064532 kWh/h (cerca de 10,98 mil milhões de m3/ano) sob a forma de capacidades firmes dinamicamente atribuíveis (feste dynamisch zuordenbare Kapazitäten; a seguir «DZK») e 1800000 kWh/h (cerca de 1,38 mil milhões de m3/ano) sob a forma de capacidades firmes livremente atribuíveis (feste frei zuordenbare Kapazitäten; a seguir «FZK»), no ponto de saída de Brandov. Caso a procura de capacidades FZK excedesse, durante dois anos consecutivos, a oferta inicial de 1800000 kWh/h, a OGT era obrigada, sob determinadas condições, a aumentar a oferta dessas capacidades até ao limite máximo de 3600000 kWh/h (cerca de 2,8 mil milhões de m3/ano).

( 14 ) O gasoduto Brotherhood sai da Rússia, atravessa a Ucrânia e a Eslováquia e entra na República Checa, de onde o gás é igualmente encaminhado, através de gasodutos ligados, para outros Estados‑Membros. A Gazprom fornece igualmente gás através do gasoduto Yamal, que passa pela Bielorrússia, entra nos países bálticos, atravessa a Polónia, entra na Alemanha e prossegue para lá desta região.

( 15 ) Segundo Ridley, A., «In December 2016, Gazprom —with the assistance and approval of the German energy regulator— was able to obtain an amendment to the 2009 OPAL exemption from the European Commission. In essence, the cap was lifted. 50 percent of OPAL’s capacity would be exempt from third party access and tariff regulation. The rest of the pipeline’s capacity would be subject to two auction regimes. However, as Gazprom was dominant in the marketplace, the reality was that Gazprom or Gazprom’s allies would take up all the auctioned capacity. In essence, Gazprom was gifted the rest of the capacity by the Commission. The actual operation of the pipeline after December 2016 demonstrated that this is exactly what happened. OPAL wholly became a route for flooding Gazprom‑controlled gas from Nord Stream 1, while gas flows through the Ukrainian transit route along the Brotherhood pipeline network fell» (Ridley, A.: «The ‘principle of solidarity’: OPAL, Nord Stream, and the shadow over Gazprom», Atlantic Council, 17 de outubro de 2019, https://www.atlanticcouncil.org/blogs/energysource/the‑principle‑of‑solidarity‑opal‑nord‑stream‑and‑the‑shadow‑over‑gazprom/).

( 16 ) O Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso de anulação interposto por esta empresa contra a decisão impugnada, por falta de legitimidade, considerando que essa decisão não lhe dizia direta nem individualmente respeito e não constituía um ato regulamentar. Despacho do Tribunal Geral de 15 de março de 2018, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (T‑130/17, não publicado, EU:T:2018:155).

( 17 ) O Tribunal Geral também julgou este recurso inadmissível, igualmente por falta de legitimidade, no Despacho de 14 de dezembro de 2017, PGNiG Supply & Trading/Comissão (T‑849/16, EU:T:2017:924).

( 18 ) Acórdãos de 4 de dezembro de 2019, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (C‑342/18 P, não publicado, EU:C:2019:1043) e de 4 de dezembro de 2019, PGNiG Supply & Trading/Comissão (C‑117/18 P, não publicado, EU:C:2019:1042); e Despacho de 4 de dezembro de 2019, Polónia/Comissão (C‑181/18 P, não publicado, EU:C:2019:1041).

( 19 ) Acórdão recorrido, n.os 71 a 73.

( 20 ) Ibidem, n.o 77.

( 21 ) Ibidem, n.o 81.

( 22 ) Ibidem, n.o 82.

( 23 ) Ibidem, n.o 83.

( 24 ) «Bundesnetzagentur orders immediate implementation of OPAL judgment of European Court», www.bundesnetzagentur.de/SharedDocs/Pressemitteilungen/EN/2019/20190913_Opal.html.

( 25 ) Em especial, em 30 de dezembro de 2019, a Gazprom e a Naftogaz Ukrainy assinaram acordos de trânsito de gás russo através da Ucrânia para o período de 2020 a 2024, num volume de 65 bcm em 2020, e de 40 bcm/ano no período de 2021‑2024 (ou seja, 225 bcm), com disposições para o envio de volumes adicionais se necessário. V., a este respeito, Pirani, S., e Sharples, J.: «The Russia‑Ukraine gas transit deal: opening a new chapter», Energy Insight: 64, Oxford Institute for Energy Studies, fevereiro de 2020, disponível em https://www.oxfordenergy.org/wpcms/wp‑content/uploads/2020/02/The‑Russia‑Ukraine‑gas‑transit‑deal‑Insight‑64.pdf.

( 26 ) O gasoduto Nord Stream 2 é composto por duas condutas e permitirá levar gás de Vyborg (Rússia) até Lubmin (Alemanha), perto de Greifswald (Alemanha). Uma vez atingido o território alemão, o gás canalizado pela Nord Stream 2 será transportado pelo gasoduto terrestre ENEL e pelo gasoduto terrestre EUGAL, recentemente construído, ambos sujeitos à regulamentação na Alemanha por força da Diretiva 2009/73.

( 27 ) V. a análise de Pirani, S., Sharples, J., Yafimava, K., e Yermakov, V.: «Implications of the Russia‑Ukraine Gas Transit Deal for Alternative Pipeline Routes and the Ukrainian and European markets», Energy Insight: 65, Oxford Institute for Energy Studies, março de 2020, disponível em https://www.oxfordenergy.org/wpcms/wp‑content/uploads/2020/03/Insight‑65‑Implications‑of‑the‑Russia‑Ukraine‑gas‑transit‑deal‑for‑alternative‑pipeline‑routes‑and‑the‑Ukrainian‑and‑European‑markets.pdf.

( 28 ) V. nota 31 destas conclusões.

( 29 ) O artigo 2.o, n.o 17, da Diretiva 2009/73, conforme alterada, passou a prever que o conceito de «interligação» abrange não só «[qualquer] conduta de transporte que atravessa ou transpõe uma fronteira entre Estados‑Membros com a finalidade de ligar as redes de transporte nacionais desses Estados‑Membros», mas também «[qualquer] conduta de transporte entre um Estado‑Membro e um país terceiro até ao território dos Estados‑Membros ou ao mar territorial desse Estado‑Membro».

( 30 ) Concretamente, o artigo 49.o‑A, n.o 1, da Diretiva 2019/692 dispõe que «[n]o que se refere aos gasodutos entre um Estado‑Membro e um país terceiro concluídos antes de 23 de maio de 2019, o Estado‑Membro em que estiver localizado o primeiro ponto de ligação de uma conduta de transporte desse tipo com a rede [desse] Estado‑Membro pode decidir derrogar [determinadas disposições da Diretiva 2009/73], no que diz respeito às secções desses gasodutos situadas no seu território ou mar territorial, por razões objetivas, como possibilitar a recuperação do investimento feito, ou por razões de segurança do abastecimento, desde que a derrogação não prejudique a concorrência, o bom funcionamento do mercado interno do gás natural nem a segurança do abastecimento energético na União». O artigo 49.o‑A, n.o 1, prevê igualmente, por um lado, que essa derrogação «é limitada a um período máximo de 20 anos objetivamente fundamentado, renovável se tal se justificar e pode ser sujeita a condições que contribuam para o cumprimento das referidas condições», e, por outro, que «[e]ssas derrogações não se aplicam às condutas de transporte entre um Estado‑Membro e um país terceiro que tenha a obrigação de transpor a [Diretiva 2009/73, conforme alterada, à sua ordem jurídica]».

Além disso, a Diretiva 2019/692 alterou o artigo 36.o da Diretiva 2009/73 passando a prever, no seu n.o 1, alínea e), que a derrogação concedida em conformidade com essa norma às novas infraestruturas existentes não prejudica, em especial, «a segurança do abastecimento de gás natural na União».

( 31 ) Despachos do Tribunal Geral de 20 de maio de 2020, Nord Stream/Parlamento e Conselho (T‑530/19, EU:T:2020:213); e Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (T‑526/19, EU:T:2020:210), este último objeto de recurso no Processo C‑348/20 P, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, ainda pendente.

( 32 ) Decisão BK7‑20‑004 da BNetzA, de 15 maio de 2020, disponível em: https://www.bundesnetzagentur.de/DE/Beschlusskammern/1_GZ/BK7-GZ/2020/BK7-20-0004/BK7-20-0004_Beschluss_EN_download.pdf?_blob=publicationFile&v=3.

( 33 ) Processo WT/DS476/R, União Europeia e seus Estados‑Membros — Diversas medidas relativas ao setor da energia. As informações relativas a este diferendo encontram‑se na Internet da OMC.

( 34 ) Op. cit., em especial, parágrafos 7.1000 a 7.1003. V. a análise de Pogoretsky, V., e Talus, K.: «The WTO Panel Report in EU‑Energy Package and its implications for the EU's gas market and energy security», World Trade Review, 2020, n.o 4, pp. 531 a 549.

( 35 ) A decisão do grupo especial da OMC deixa claro que o programa de cessão das capacidades do gasoduto OPAL teria permitido à Gazprom utilizar toda a capacidade do gasoduto, ainda que, para tal, tivesse de leiloar quase metade do gás natural transportado, situação que evitou porque, aparentemente, como já expliquei, de um ponto de vista comercial essa solução não lhe interessava.

( 36 ) Os valores em que se funda a União «são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres» (o sublinhado é meu).

( 37 ) O sublinhado é meu. O artigo 3.o TUE inclui também a «solidariedade entre as gerações» (n.o 3) e a «solidariedade e o respeito mútuo entre os povos» (n.o 5).

( 38 ) Nos termos do n.o 2 desta disposição, «a União conduz, define e executa uma política externa e de segurança comum baseada no desenvolvimento da solidariedade política mútua entre os Estados‑Membros». O n.o 3 prevê que «[o]s Estados‑Membros apoiarão ativamente e sem reservas a política externa e de segurança da União, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua […]. Os Estados‑Membros atuarão de forma concertada a fim de reforçar e desenvolver a solidariedade política mútua».

( 39 ) Estas políticas e a sua execução «são regidas pelo princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros, inclusive no plano financeiro. Sempre que necessário, os atos da União adotados por força do presente capítulo conterão medidas adequadas para a aplicação desse princípio».

( 40 ) O n.o 1 desta disposição permite à União «decidir, num espírito de solidariedade entre os Estados‑Membros, das medidas adequadas à situação económica, nomeadamente em caso de dificuldades graves no aprovisionamento de certos produtos, designadamente no domínio da energia». Nos termos do n.o 2, a União pode conceder ajuda financeira a um Estado‑Membro «(s]empre que um Estado‑Membro se encontre em dificuldades ou sob grave ameaça de dificuldades devidas a calamidades naturais ou ocorrências excecionais que não possa controlar».

( 41 ) «A União e os seus Estados‑Membros atuarão em conjunto, num espírito de solidariedade, se um Estado‑Membro for alvo de um ataque terrorista ou vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana».

( 42 ) Para uma visão geral e interdisciplinar da solidariedade no direito da União, v. a obra de Coman, R., Fromont, L., e Weyembergh, A. (eds.): Les solidarités européennes. Entre enjeux, tensions et reconfigurations, Bruylant, Bruxelas, 2019.

( 43 ) A aprovação ao Conselho Europeu, de 10 e 11 de dezembro de 2020, do Quadro Financeiro Plurianual 2021‑2027 e do Instrumento de Reabilitação da União Europeia (Next Generation EU) constitui, eventualmente, o maior progresso da União em termos de solidariedade de toda a sua história. Pela primeira vez, a União vai endividar‑se angariando dinheiro nos mercados de capitais para financiar mediante subvenções e empréstimos em grande escala a recuperação económica dos Estados‑Membros, em função do impacto da COVID‑19.

( 44 ) Van Cleynenbreugel, P., refere‑se à solidariedade como «a background inspirational value for EU law and policy initiatives, without, however, being fundamentally guiding as a legal principle […]» (Van Cleynenbreugel, P.: «Typologies of solidarity in EU law: a non‑shifting landscape in the wake of economic crise», em Biondi, E., Dagilyté, E., e Küçük, E. (eds.): Solidarity in EU Law. Legal principle in the making, Edward Elgar, Cheltenham, 2018, pp. 25 e 36. Por seu turno, Dagilyté, E.: «Solidarity: a general principle of EU law? Two variations on the solidarity theme», em Biondi, E., Dagilyté, E., e Küçük, E. (eds.): op. cit., p. 62, afirma: «although solidarity is inherent in the EU legal order as a foundational value, it cannot (yet) be defined as a general principle of EU law».

( 45 ) Levade, A.: «La valeur constitutionnelle du principe de solidarité», em Boutayeb, C. (dir.): La solidarité dans l’Union européenne: éléments constitutionnels et matériels, Dalloz, París, 2011, pp. 41 e segs.; Ross, M.: «Solidarity: A new constitutional paradigm for the EU?», em Ross, M., e Borgmann‑Prebil, Y. (eds.): Promoting Solidarity in the European Union, Oxford University Press, Oxford, 2010, pp. 23 a 45.

( 46 ) Berrandane, A.: «Solidarité, loyauté dans le droit de l’Union européenne», m Boutayeb, C. (dir.): La solidarité dans l’Union européenne: éléments constitutionnels et matériels, Dalloz, Paris, 2011, pp. 55 e segs.

( 47 ) Acórdão de 10 de dezembro de 1969 (6/69 e 11/69, não publicado, EU:C:1969:68, n.o 16).

( 48 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1973 (39/72, EU:C:1973:13, n.o 25).

( 49 ) Acórdãos de 22 de janeiro de 1986, Eridania zuccherifici nazionali e o. (250/84, EU:C:1986:22, n.o 20); de 29 de setembro de 1987, Fabrique de fer de Charleroi e Dillinger Hüttenwerke/Comissão (351/85 e 360/85, EU:C:1987:392, n.o 21); e de 11 de maio de 2000, Gascogne Limousin viandes (C‑56/99, EU:C:2000:236, n.os 40 e 42).

( 50 ) Remeto para a análise de Küçük, E.: «Solidarity in EU law: an elusive political statement or a legal principle with substance?», em Biondi, A.; Dagilyté, E., e Küçük, E. (eds.): Solidarity in EU Law. Legal principle in the making, Edward Elgar, Cheltenham, 2018, pp. 56 a 60.

( 51 ) Acórdão de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257, n.os 80 e 181). Do mesmo modo, o Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 291).

( 52 ) N.os 80 e 181 do Acórdão de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257): «[…] os encargos que comportam as medidas provisórias previstas nas Decisões 2015/1523 e 2015/1601, dado que estas foram adotadas nos termos do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, a fim de ajudar a República Helénica e a República Italiana a enfrentarem melhor uma situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros aos seus territórios, devem, em princípio, ser repartidos entre todos os outros Estados‑Membros, em conformidade com o princípio da solidariedade e da partilha equitativa das responsabilidades entre os Estados‑Membros, uma vez que, em conformidade com o artigo 80.o TFUE, esse princípio rege a política da União em matéria de asilo».

( 53 ) A advogada‑geral E. Sharpston, nas suas Conclusões de 31 de outubro de 2019 nos processos apensos Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2019:917, n.o 253), afirmava que «[a] solidariedade constitui a essência do projeto europeu».

( 54 ) Parece que os países bálticos e os países da Europa Central e Oriental exerceram pressão para que fosse incluída a referência à solidariedade, após o perigo de desaprovisionamento de gás na sequência da crise entre a Rússia e a Ucrânia de 2006. V. Andoura, S.: «La solidarité énergétique en Europe: de l’indépendance à l’interdépendance», Notre Europe, julho de 2013, pp. 33 a 35.

( 55 ) A República Federal da Alemanha e a Comissão reconheceram‑no na audiência.

( 56 ) Nos termos desta disposição, as regras da União «[n]ão afetam o direito de os Estados‑Membros determinarem as condições de exploração dos seus recursos energéticos, a sua escolha entre diferentes fontes energéticas e a estrutura geral do seu aprovisionamento energético, sem prejuízo da alínea c) do n.o 2 do artigo 192.o». No Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 48 e 49) o Tribunal de Justiça considerou que, com base nesta disposição, a escolha da energia nuclear pertence aos Estados‑Membros.

( 57 ) Acórdãos de 10 de julho de 1984, Campus Oil e o. (72/83, EU:C:1984:256, n.os 34 e 35), e de 4 de junho de 2002, Comissão/Bélgica (C‑503/99, EU:C:2002:328, n.o 46).

( 58 ) COM(2015) 080 final, de 25 de fevereiro de 2015, Comunicação da Comissão alo Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento relativa a uma estratégia‑quadro para uma União da Energia resiliente dotada de uma política em matéria de alterações climáticas virada para o futuro. Nesta estratégia, a Comissão considera que «[o] espírito de solidariedade em matéria de energia é explicitamente mencionado no Tratado e está no cerne da União da Energia.» (p. 4).

( 59 ) V. Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática, que altera os Regulamentos (CE) n.o 663/2009 e (CE) n.o 715/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, as Diretivas 94/22/CE, 98/70/CE, 2009/31/CE, 2009/73/CE, 2010/31/UE, 2012/27/UE e 2013/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, as Diretivas 2009/119/CE e (UE) 2015/652 do Conselho, e revoga o Regulamento (UE) n.o 525/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2018, L 328, p. 1), e os documentos COM(2020) 80 final, de 4 de março de 2020, proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o quadro para alcançar a neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima) e COM(2019) 640 final, de 11 de dezembro de 2019, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativo ao Pacto Ecológico Europeu.

( 60 ) Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2013, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga a Decisão n.o 1364/2006/CE e altera os Regulamentos (CE) n.o 713/2009 (CE) n.o 714/2009 e (CE) n.o 715/2009 (JO 2013, L 115, p. 39).

( 61 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2017, relativo a medidas destinadas a garantir a segurança do aprovisionamento de gás e que revoga o Regulamento (UE) n.o 994/2010 (JO 2017, L 280, p. 1).

( 62 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativo a medidas destinadas a garantir a segurança do aprovisionamento de gás e que revoga a Diretiva 2004/67/CE do Conselho (JO 2010, L 295, p. 1).

( 63 ) Sobre este mecanismo, v. Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Eni e o. (C‑226/16, EU:C:2017:1005).

( 64 ) O artigo 13.o do Regulamento 2017/1938 prevê um mecanismo de solidariedade que protege um Estado‑Membro que se encontre em situação de crise por não dispor de gás suficiente para abastecer os seus clientes protegidos. Nesse caso, o Estado ou os Estados‑Membros a que está ligado o Estado afetado pela crise têm a obrigação de fornecer gás a este último para abastecer os seus clientes protegidos, até mesmo reduzindo o abastecimento dos clientes não protegidos do seu território. O mecanismo só é ativado quando o Estado em crise não tenha estado em condições de lhe fazer face, aplicando as medidas constantes do seu plano nacional de emergência. Além disso, deve pagar uma compensação justa ao Estado‑Membro que lhe fornece o gás.

( 65 ) O Regulamento (UE) 2019/941 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo à preparação para riscos no setor da eletricidade e que revoga a Diretiva 2005/89/CE (JO 2019, L 158, p. 1), instituiu um mecanismo paralelo de auxílio em caso de crise de fornecimento de eletricidade.

( 66 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de março de 2019, que estabelece um regime de análise dos investimentos diretos estrangeiros na União (JO 2019, L 79, p. 1).

( 67 ) Nas suas Conclusões no processo Eni e o. (C‑226/16, EU:C:2017:616, n.os 33 e 34) o advogado‑geral P. Mengozzi afirmava: «[e]sta referência à solidariedade entre Estados‑Membros [no artigo 194.o, n.o 1, TFUE], que foi aditada na redação do texto do Tratado de Lisboa, insere‑se num contexto em que o princípio da solidariedade entre Estados‑Membros assumiu um caráter que pode ser definido como “princípio constitucional”. […] [O] princípio da solidariedade entre Estados‑Membros assume especial relevância no que respeita ao aprovisionamento no domínio da energia».

( 68 ) Na audiência, a República Federal da Alemanha matizou esta afirmação e reconheceu que a solidariedade energética constitui um princípio jurídico, mas que o Tribunal Geral o tinha aplicado incorretamente no acórdão recorrido.

( 69 ) Acórdão recorrido, n.o 70.

( 70 ) Não seria fácil explicar aos Estados corretamente acusados de desconhecimento das exigências jurídicas do princípio da solidariedade, no que respeita à recolocação de requerentes de proteção internacional, que esse princípio não produz efeitos jurídicos quando se trata da solidariedade energética.

( 71 ) Ibidem, n.os 70 a 72.

( 72 ) O Tribunal de Justiça declarou, no âmbito dos auxílios de Estado, que quando violam princípios gerais do direito da União esses auxílios não podem ser declarados compatíveis com o mercado interno. V., neste sentido, os Acórdãos de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast (C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 50 e 51), e de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.o 44). Neste último, relativo a um auxílio de Estado à central nuclear de Hinkley Point (Reino Unido), o Tribunal de Justiça (n.o 49) apreciou a possibilidade de anular a decisão da Comissão que o autorizava, aplicando os princípios da proteção do ambiente, da precaução, do poluidor‑pagador e da sustentabilidade. No entanto, considerou que esses princípios gerais não se opõem, em todas as circunstâncias, a que sejam concedidos auxílios de Estado a favor da construção ou da exploração de uma central nuclear, que o Tratado Euratom prevê.

( 73 ) Decisão da Comissão C(2020) 8377 final, de 25 de novembro de 2020, relativa à derrogação das normas relativas ao acesso de terceiros e à regulamentação tarifária do Terminal GNL do Sistema Independente de Gás Natural de Alexandroupolis (n.os 29 a 32); e Decisão da Comissão C(2020) 8948 final, de 8 de dezembro de 2020, relativa à derrogação das normas relativas ao acesso de terceiros e à regulamentação tarifária do Terminal GNL de South Hook em aplicação do artigo 36.o da Diretiva 2009/73/CE (n.os 43 a 46).

( 74 ) Após a sua alteração, o novo artigo 36.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/73 dispõe:

«Antes da adoção da decisão sobre a derrogação, a entidade reguladora nacional ou, consoante o caso, outra entidade competente desse Estado‑Membro, consulta:

a) As entidades reguladoras nacionais dos Estados‑Membros cujos mercados sejam suscetíveis de ser afetados pela nova infraestrutura; e

b) As autoridades competentes dos países terceiros, se a infraestrutura em questão estiver ligada à rede da União e se encontrar sob a jurisdição de um Estado‑Membro e tiver origem ou termo num ou mais países terceiros».

( 75 ) V. Buschle, D., e Talus, K.: «One for All and All for One? The General Court Ruling in the OPAL Case», Oil, Gas & Energy Law Intelligence, 2019, n.o 5, p. 8.

( 76 ) Boute, A.: «The principle of solidarity and the geopolitics of energy: Poland v. Commission (OPAL pipeline)», Common Market Law Review, n.o 3, 2020, pp. 889 a 914, especialmente p. 912.

( 77 ) Acórdão recorrido, n.o 78.

( 78 ) Ibidem, n.o 79.

( 79 ) Ibidem, n.os 80 e 81.

( 80 ) N.o 32 destas conclusões.

( 81 ) Acórdão recorrido, n.o 82.

( 82 ) Acórdãos de 9 junho de 2016, Repsol Lubricantes y Especialidades e o./Comissão (C‑617/13 P, EU:C:2016:416, n.o 63); e de 26 de março de 2020, Larko/Comissão (C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.o 25).

( 83 ) Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.o 41).

( 84 ) A decisão impugnada é um texto de nove artigos, mas com uma fundamentação muito aprofundada, quase exaustiva, de 170 considerandos. Chama a atenção o facto de essa fundamentação não incluir uma única referência ao princípio da solidariedade energética e às suas repercussões nas medidas tomadas.

( 85 ) Crítica ao acórdão recorrido de Boute, A.: «The principle of solidarity and the geopolitics of energy: Poland v. Commission (OPAL Pipeline)», Common Market Law Review, 2020, p. 913.

( 86 ) V., a este respeito, as críticas relativas à apreciação da Comissão de Szydło M.: «Disputes over the pipelines importing Russian gas to the EU: how to ensure consistency in EU energy law and policy?», Baltic Journal of Law & Politics, 2018, n.o 11, pp. 95 a 126.

( 87 ) Refere‑se, nomeadamente, ao Acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o. (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 51).