CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 30 de abril de 2020 ( 1 )

Processo C‑243/19

A

contra

Veselības ministrija

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Senado do Supremo Tribunal, Letónia)]

Reenvio prejudicial — Segurança social — Seguro médico — Regulamento n.o 883/2004 — Artigo 20.o, n.o 2 — Autorização para receber tratamentos fora do Estado‑Membro de residência — Autorização concedida quando o tratamento figura entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro de residência e quando a pessoa não pode receber tal tratamento num prazo útil fundamentado do ponto de vista médico — Diretiva 2011/24/UE — Artigo 7.o — Artigo 8.o, n.o 5 — Reembolso de cuidados de saúde transfronteiriços — Despesas médicas incorridas noutro Estado‑Membro — Recusa — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 10.o, n.o 1 e artigo 21.o, n.o 1 — Artigo 56.o TFUE»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial é relativo à interpretação do artigo 56.o TFUE, do artigo 10.o ( 2 ) e do artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social ( 3 ) e do artigo 8.o, n.o 5, da Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços ( 4 ).

2.

As questões submetidas no presente pedido de decisão prejudicial exigem que o Tribunal de Justiça aprecie em que medida os Estados‑Membros, quando aplicam o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e os artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24, devem ter em consideração a escolha pessoal do doente no âmbito da prestação pública de cuidados de saúde transfronteiriços. O Tribunal de Justiça deve designadamente analisar a questão de saber em que medida a escolha do doente baseada em motivos religiosos deve ser aceite neste contexto — se for de todo possível — tendo especialmente em conta o disposto no artigo 10.o, n.o 1, da Carta ( 5 ) (que prevê que todas as pessoas têm direito à liberdade de religião) e no artigo 21.o, n.o 1, da Carta (que proíbe a discriminação em razão da religião) ( 6 ). Estas questões surgem no seguinte contexto.

3.

O pedido foi apresentado no litígio entre A, pai de um menor, B, e o Veselības ministrija (a seguir «Ministério da Saúde») da Letónia. B nasceu com uma doença cardiovascular cujo tratamento exigia uma operação cirúrgica. Esse tipo de operação podia ser realizado na Letónia, mas envolvia necessariamente uma transfusão de sangue. Além disso, a operação figurava entre os tratamentos previstos pela legislação letã relativa ao sistema nacional de saúde. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que não existiam razões médicas para B não poder realizar a operação em causa na Letónia.

4.

A é Testemunha de Jeová e, por este motivo, opõe‑se a transfusões de sangue, mesmo quando, como sucede no presente processo, a operação em causa constituía um tratamento médico essencial para salvar a vida do seu filho menor, B. As Testemunhas de Jeová encaram a proibição de transfusões de sangue como uma imposição das Escrituras à luz da exortação constante dos Atos 15:29, que obriga os cristãos a «abster[em]‑se de coisas sacrificadas a ídolos, de sangue, do que foi estrangulado […]», mas também no sentido de que, quando são confrontadas com tal situação, lhes é colocado um teste de fé prático.

5.

Em primeiro lugar, pode dizer‑se que não é possível um tribunal laico como o Tribunal de Justiça ou o órgão jurisdicional de reenvio decidir em matérias deste tipo. A diversidade de convicções religiosas e filosóficas é a essência da liberdade de pensamento, de consciência e de religião garantida pelo artigo 10.o, n.o 1, da Carta. A própria letra desta disposição — que reflete um profundo compromisso, que também consta das Constituições dos Estados‑Membros relativamente à liberdade de pensamento filosófico e à liberdade religiosa — pressupõe que os Estados‑Membros não podem ser impositivos quanto ao que nesta matéria deve ser visto como ortodoxo ou normal.

6.

Isto significa que os órgãos jurisdicionais devem estar especialmente preparados para proteger a diversidade de pontos de vista em matérias de consciência, religião e liberdade de pensamento. É este o contexto geral do presente processo. No entanto, importa salientar que as questões relativas ao artigo 10.o, n.o 1, e ao artigo 21.o, n.o 1, da Carta são, não obstante, apresentadas de um modo ligeiramente difuso e menos aprofundado do que o que sucedeu em muitos processos anteriores submetidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais nacionais que envolviam as Testemunhas de Jeová. Em muitos destes processos, a questão era relativa ao direito de os órgãos jurisdicionais nacionais intervirem e ordenarem a realização de uma transfusão de sangue a menores que necessitavam de uma intervenção cirúrgica para sobreviverem.

7.

Esta questão não se coloca no caso vertente uma vez que, felizmente, a operação para salvar a vida do menor foi efetivamente realizada, ainda que na Polónia e não na Letónia. De facto, a operação realizada na Polónia em abril de 2017 não exigia uma transfusão de sangue e foi por esta razão específica que B viajou para esse Estado‑Membro.

8.

Assim, a questão em causa é de certa forma mais prosaica, consistindo, nomeadamente, em saber se A tem o direito de pedir ao Serviço Nacional de Saúde lituano o reembolso de uma parte ou da totalidade dos custos da operação realizada na Polónia. Para o efeito, A pediu que o Serviço Nacional de Saúde lituano emitisse o designado «formulário S2» autorizando assim o seu filho a beneficiar de determinados cuidados de saúde realizados noutro Estado‑Membro da União Europeia, num Estado do Espaço Económico Europeu (EEE) ou na Suíça em conformidade com a legislação nacional que transpôs, nomeadamente, o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004. Essa autorização teria garantido que os custos relacionados com a operação em causa na Polónia seriam suportados pelo orçamento estatal da Letónia. Contudo, a autorização foi recusada com base no facto de que a operação poderia ter sido realizada na Letónia — embora, ao contrário do que sucedeu na Polónia, isso tivesse implicado a utilização de uma transfusão de sangue — e de que não existiam fundamentos médicos que justificassem a realização da operação a B sem uma transfusão de sangue.

9.

A considera que sofreu uma discriminação indireta em razão da religião, uma vez que a maioria das pessoas e dos seus filhos podem beneficiar dos cuidados de saúde necessários sem comprometerem as suas convicções religiosas ou morais.

10.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é chamado a conhecer da questão de saber se a alegada discriminação indireta em razão da religião pode ser legítima e, assim, necessária e proporcional, tendo particularmente em atenção o facto de a adaptação do tratamento médico a fim de ter em conta tais convicções religiosas poder criar um encargo acrescido para o orçamento global da saúde.

11.

O Tribunal de Justiça deve examinar, em particular, se os critérios médicos são os únicos que um Estado‑Membro está obrigado a ter em conta nos termos do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 8.o, n.o 6, alínea d), da Diretiva 2011/24 ou se também devem ser equacionadas convicções religiosas genuínas.

12.

No entanto, antes de abordar estas questões, importa começar por referir a legislação relevante e outras disposições.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Regulamento n.o 883/2004

13.

O artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Viagem com o objetivo de receber prestações em espécie — Autorização para receber tratamento adequado fora do Estado‑Membro de residência», estabelece:

«1.   Salvo disposição em contrário no presente regulamento, uma pessoa segurada que viaje para outro Estado‑Membro com o objetivo de receber prestações em espécie durante a estada deve pedir autorização à instituição competente.

2.   A pessoa segurada autorizada pela instituição competente a deslocar‑se a outro Estado‑Membro para aí receber o tratamento adequado ao seu estado beneficia das prestações em espécie concedidas, a cargo da instituição competente, pela instituição do lugar de estada, de acordo com as disposições da legislação por ela aplicada, como se fosse segurada de acordo com essa legislação. A autorização deve ser concedida sempre que o tratamento em questão figure entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro onde o interessado reside e onde esse tratamento não possa ser prestado dentro de um prazo clinicamente seguro, tendo em conta o seu estado de saúde atual e a evolução provável da doença.

3.   Os n.os 1 e 2 aplicam‑se, com as devidas adaptações, aos familiares da pessoa segurada.

[…]»

2.   Diretiva 2011/24

14.

O artigo 7.o da Diretiva 2011/24, sob a epígrafe «Princípios gerais de reembolso dos custos», estabelece:

«1.   Sem prejuízo do Regulamento (CE) n.o 883/2004 e dos artigos 8.o e 9.o, o Estado‑Membro de afiliação assegura o reembolso dos custos suportados pela pessoa segurada que receba cuidados de saúde transfronteiriços se os cuidados de saúde em questão figurarem entre as prestações a que a pessoa segurada tem direito no Estado‑Membro de afiliação.

[…]

3.   Cabe ao Estado‑Membro de afiliação determinar, a nível local, regional ou nacional, os cuidados de saúde a cuja assunção de custos a pessoa segurada tem direito e o limite de assunção desses custos, independentemente do local de prestação dos cuidados de saúde em causa.

4.   Os custos dos cuidados de saúde transfronteiriços são reembolsados e pagos diretamente pelo Estado‑Membro de afiliação até ao limite que teria sido assumido pelo Estado‑Membro de afiliação caso esses cuidados tivessem sido prestados no seu território, sem exceder contudo os custos reais dos cuidados de saúde recebidos.

Caso a totalidade dos custos incorridos com cuidados de saúde transfronteiriços exceda o nível que os custos teriam tido se os cuidados de saúde tivessem sido prestados no seu território, o Estado‑Membro de afiliação pode, ainda assim, decidir reembolsar a totalidade dos custos.

[…]

8.   O Estado‑Membro de afiliação não pode sujeitar o reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços a autorização prévia, exceto nos casos previstos no artigo 8.o

9.   O Estado‑Membro de afiliação pode restringir a aplicação das regras relativas ao reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços com base em razões imperiosas de interesse geral, tais como requisitos de planeamento relacionados com o objetivo de garantir um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de tratamentos de elevada qualidade no Estado‑Membro em questão ou com o desejo de controlar os custos e evitar, tanto quanto possível, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos.

[…]»

15.

O artigo 8.o da Diretiva 2011/24, sob a epígrafe «Cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia», estabelece o seguinte:

«1.   O Estado‑Membro de afiliação pode prever um sistema de autorização prévia para o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, nos termos do presente artigo e do artigo 9.o O sistema de autorização prévia, incluindo os critérios e a aplicação dos mesmos e as decisões individuais de recusa da concessão de autorização prévia, não deve ir além do necessário e deve ser proporcional ao objetivo visado e não pode constituir um meio de discriminação arbitrária ou um entrave injustificado à livre circulação dos doentes.

2.   Os cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia ficam limitados aos cuidados de saúde que:

a)

Estejam sujeitos a requisitos de planeamento relacionados com o objetivo de garantir um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de tratamentos de elevada qualidade no Estado‑Membro em questão ou com o desejo de controlar os custos e evitar, tanto quanto possível, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos, e:

i)

que impliquem o internamento hospitalar do doente durante, pelo menos, uma noite, ou

ii)

exijam o recurso a infraestruturas ou equipamentos médicos altamente especializados e onerosos;

[…]

5.   Sem prejuízo do disposto nas alíneas a) a c) do n.o 6, o Estado‑Membro de afiliação não pode recusar conceder uma autorização prévia se o doente tiver direito aos cuidados de saúde em questão, nos termos do artigo 7.o, e se os cuidados de saúde em causa não puderem ser prestados no seu território num prazo útil fundamentado do ponto de vista médico, com base numa avaliação objetiva da situação clínica do doente, da história e da evolução provável da sua doença, do grau de dor por ele suportado e/ou da natureza da sua incapacidade no momento em que foi apresentado ou renovado o pedido de autorização.

6.   O Estado‑Membro de afiliação pode recusar conceder uma autorização prévia pelas seguintes razões:

[…]

d)

Se os cuidados de saúde em causa puderem ser prestados no seu território num prazo útil fundamentado do ponto de vista médico, tendo em conta o estado de saúde e a evolução provável da doença do paciente em causa.»

B. Direito letão

16.

O artigo 310.o do Ministru kabineta 2013. gada 17. decembra noteikumi Nr. 1529 «Veselības aprūpes organizēšanas un finansēšanas kārtība» (Regulamento n.o 1529 do Conselho de Ministros, de 17 de dezembro de 2013, relativo à Organização e ao Financiamento dos Cuidados de Saúde) (a seguir «Regulamento n.o 1529») estabelece:

«310.o O Serviço Nacional de Saúde deve emitir o formulário S2 às pessoas que tenham o direito de beneficiar de cuidados de saúde cobertos pelo orçamento de Estado e que pretendam receber cuidados de saúde planeados noutro Estado‑Membro da [UE], no [EEE] ou na Suíça, se estiverem preenchidos os seguintes requisitos cumulativos:

310.o 1 Os cuidados de saúde devem estar abrangidos pelo orçamento de Estado em conformidade com as regras aplicáveis a tais cuidados;

310.o 2 À data da apreciação do pedido, nenhum dos prestadores de cuidados de saúde referidos no artigo 7.o deste regulamento puder garantir tais cuidados de saúde, tendo o prestador em causa emitido um parecer fundamentado nesse sentido;

310.o 3. Os cuidados em causa forem necessários para que as funções vitais ou o estado de saúde da pessoa não sofram uma deterioração irreversível, tendo em consideração o estado de saúde da pessoa no momento em que é examinada e a evolução previsível da doença.»

17.

O artigo 328.o do Regulamento n.o 1529 estabelece:

«328.o O [Serviço Nacional de Saúde] reembolsa as pessoas com direito a receber na Letónia cuidados de saúde cobertos pelo Tesouro Público das despesas de saúde que tenham suportado com os seus próprios recursos, por cuidados de saúde recebidos noutro Estado‑Membro da [EU] ou do [EEE] ou na Suíça;

328.o1. Nos termos do disposto no Regulamento n.o 883/2004 e no Regulamento n.o 987/2009 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 l ( 7 )] e nas condições aplicadas aos custos dos cuidados de saúde pelo Estado em que as referidas pessoas tenham recebido os cuidados, e em conformidade com a informação recebida da instituição competente do Estado‑Membro da [EU] ou do [EEE] ou da Suíça relativamente ao montante a reembolsar às referidas pessoas, quando:

[…]

328.o 1.2. O [Serviço Nacional de Saúde] tenha adotado a decisão de emitir às referidas pessoas um formulário S2 mas estes tenham suportado com os seus próprios recursos os custos dos cuidados de saúde recebidos,

328.2. Em conformidade com a tabela de preços dos serviços de saúde em vigor no momento em que as referidas pessoas receberam esses serviços, ou em conformidade com o montante das compensações previsto na legislação sobre o procedimento de compensação pelos custos de aquisição de medicamentos e dispositivos médicos destinados a tratamentos ambulatórios no momento da aquisição dos medicamentos e dispositivos médicos em questão, quando:

328.2.1. As referidas pessoas tenham recebido cuidados de saúde planeados (incluindo os que necessitam de autorização prévia), com exceção da situação a que se refere o artigo 328.1.2., e, em conformidade com o procedimento previsto no presente regulamento, na República da Letónia os referidos cuidados de saúde sejam cobertos pelo Tesouro Público.

[…]»

III. Factos no processo principal e questões prejudiciais

18.

O filho (a seguir «B») do recorrente (a seguir «A») nasceu com uma doença cardiovascular fatal que exigia uma cirurgia para impedir uma deterioração irreversível da sua saúde. É pacífico entre as partes que a operação era medicamente necessária. Esta cirurgia específica podia ser realizada na Letónia e estava incluída na lista de tratamentos abrangidos pelo serviço público de saúde do Estado letão.

19.

Conforme referi, a questão coloca‑se por A ser Testemunha de Jeová e, por esta razão, não aceitar transfusões sanguíneas. Uma vez que na Letónia tal operação não pode ser realizada sem uma transfusão de sangue, A pediu ao Nacionālais veselības dienests (a seguir «Serviço Nacional de Saúde») que emitisse um formulário S2 ao seu filho de modo a que o tratamento médico e o seu respetivo pagamento fossem autorizados noutro Estado‑Membro. Por Decisão de 29 de março de 2016, o Serviço Nacional de Saúde recusou conceder a referida autorização. Esta decisão foi confirmada por Decisão de 15 de julho de 2016 do Ministério da Saúde.

20.

A intentou uma ação no Administratīvā rajona tiesa, Rīgas tiesu nams (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Secção de Riga, Letónia) na qual pedia a adoção de um ato administrativo que concedesse ao seu filho o direito a receber determinados cuidados de saúde planeados. Por sentença de 9 de novembro de 2016, este órgão jurisdicional julgou a ação improcedente.

21.

Após ter analisado o recurso do recorrente, e aderindo ao raciocínio do tribunal de primeira instância, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo, Letónia) negou provimento ao recurso por acórdão de 10 de fevereiro de 2017. Este órgão jurisdicional declarou que a operação médica em causa constitui um tratamento financiado pelo orçamento de Estado e que é necessária para evitar um dano irreversível nas funções vitais ou na saúde do filho de A. A operação poderia ser realizada na Letónia, mas apenas mediante um procedimento que incluía uma transfusão de sangue. A alegou estar a ser discriminado com fundamento no facto de «a maioria das pessoas na sociedade poderem beneficiar de cuidados médicos sem renunciarem às suas convicções religiosas». Por esta razão, A afirmou estar numa situação diferente da de outros doentes.

22.

O Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo) considerou que não estava preenchido um dos requisitos cumulativos necessários para a emissão do formulário S2 nos termos do artigo 310.o 2 do Regulamento n.o 1529. A este respeito, o órgão jurisdicional observou que o facto de os hospitais na Letónia utilizarem um método de tratamento que implica a transfusão de produtos sanguíneos e de A recusar tal tratamento não significa que estes hospitais não possam prestar os cuidados de saúde especificamente em causa.

23.

Em segundo lugar, este órgão jurisdicional afirmou que, uma vez que o método de tratamento se deve basear em critérios médicos, ao recusar emitir uma autorização para um tratamento que está disponível na Letónia, o Serviço Nacional de Saúde não limitou o direito de A a escolher no que diz respeito à receção de um tratamento para a doença do seu filho, e que a decisão do Serviço de Saúde não está relacionada com as convicções religiosas de A. Os doentes têm direito a recusar receber um tratamento específico e escolher outro, mas, nesse caso, o Estado não é obrigado a cobrir esse tratamento alternativo.

24.

Em terceiro lugar, para que os custos sejam reembolsados de acordo com os preços estabelecidos na Letónia, é necessário que o Serviço de Saúde emita uma autorização prévia, que A não pediu. Por conseguinte, A afirma erradamente que não é possível receber o reembolso do tratamento numa instituição de cuidados de saúde polaca, uma vez que não apresentou um pedido de autorização à autoridade pública em conformidade com o procedimento estabelecido.

25.

Em quarto lugar, a liberdade religiosa não é um direito absoluto e, em determinadas circunstâncias, é possível limitá‑la. Por outro lado, trata‑se da liberdade religiosa de A, e não da do seu filho, B. Além disso, a liberdade de os pais decidirem questões importantes pelos seus filhos pode ser limitada para proteger o superior interesse dos menores.

26.

A interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio. Neste recurso indicou que, para evitar prejudicar a saúde do menor, a operação tinha sido efetivamente realizada, na Polónia, em 22 de abril de 2017.

27.

A alega, nomeadamente, que o Estado deve criar um sistema de cuidados de saúde adaptado à situação pessoal do doente, incluindo as convicções religiosas dos pais ou dos tutores dos menores. O tratamento dos doentes deve ser assegurado tomando plenamente em consideração a dignidade do doente, incluindo os seus valores morais e convicções religiosas. No entanto, segundo A, a Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo) apenas analisou as referidas convicções no que diz respeito ao direito de os pais escolherem o tipo de tratamento médico que o seu filho receberá. Não foi analisada a questão de saber se, ao fazê‑lo, as autoridades não estão indiretamente a obrigar os pais a renunciar às suas convicções religiosas. A considera que foi violada a proibição de discriminação, afirmando que, embora tratando‑se de uma situação distinta, o Estado o tratou do mesmo modo que trata outros doentes ‑ que se encontram em circunstâncias diferentes e não precisam de uma adaptação dos métodos de tratamento.

28.

O Ministério da Saúde concorda com o Serviço Nacional de Saúde no que diz respeito ao facto de, para o formulário S2 poder ser emitido, o interessado ter de preencher uma série de requisitos cumulativos, concretamente: (i) que exista a obrigação de os cuidados de saúde em causa serem cobertos pelo Tesouro Público; (ii) que os cuidados sejam necessários para evitar a deterioração irreversível das funções vitais e; (iii) que aqueles cuidados de saúde específicos não possam ser prestados na Letónia. Essa disposição, prevista quer na legislação nacional quer no Regulamento n.o 883/2004, é imperativa e não deixa às autoridades qualquer poder discricionário na adoção do ato administrativo. Por conseguinte, o último destes requisitos não está preenchido, uma vez que, neste caso, o tratamento necessário pode ser prestado na Letónia, embora, por razões religiosas, A se oponha à transfusão de componentes sanguíneos. O Ministério da Saúde afirma que a legislação prevê limitações razoáveis à adaptação dos cuidados de saúde, a fim de assegurar, na medida do possível, a afetação racional dos recursos económicos e de proteger o interesse da sociedade em geral na existência de serviços de saúde de qualidade na Letónia.

29.

Além disso, o Ministério da Saúde afirma que não se justifica a aplicação da Diretiva 2011/24, uma vez que o recorrente não pediu a autorização prévia com o objetivo de receber um reembolso de acordo com os preços estabelecidos na Letónia. Por último, o Ministério da Saúde afirma que a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços se reflete na Diretiva 2011/24, que, no entanto, prevê o reembolso dos custos dos referidos serviços no montante estabelecido na Letónia e não de acordo com o preço estabelecido no Estado em que tenha sido recebido o serviço em questão.

30.

O órgão jurisdicional de reenvio afirma que é proibido aplicar as mesmas regras a situações diferentes, uma vez que tal equivaleria a uma discriminação indireta, salvo se tal aplicação for necessária para prosseguir um objetivo legítimo e se a medida for proporcional ao objetivo prosseguido. No caso em apreço, o objetivo da aplicação de um tratamento igual, ou de um critério aparentemente neutro, poderia ser a proteção da saúde pública e dos direitos de terceiros, ou seja, a necessidade de manter uma oferta suficiente, equilibrada e permanente de cuidados hospitalares de qualidade no território nacional, bem como a necessidade de garantir a estabilidade financeira do sistema de segurança social. Uma vez que, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, da adaptação do tratamento às convicções religiosas pode decorrer um encargo acrescido para o orçamento global da saúde, tal poderia constituir um objetivo legítimo.

31.

No que diz respeito à relação de proporcionalidade, o órgão jurisdicional de reenvio declara que os cuidados hospitalares aos doentes estão associados a custos consideráveis e que o Estado dispõe de um amplo poder de apreciação, em especial na alocação dos recursos. No entanto, a fim de apreciar este princípio no contexto da liberdade de religião, há que determinar se foi alcançado um equilíbrio justo entre os interesses individuais e os interesses coletivos, mesmo que tal resulte em custos adicionais para o Estado. Em conclusão, o órgão jurisdicional de reenvio admite que, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, interpretado à luz do artigo 21.o, n.o 1, da Carta, um Estado‑Membro pode recusar a autorização em questão quando o tratamento hospitalar que está disponível no Estado em que a pessoa em causa reside, e cuja eficácia médica não é contestada, for contrário às convicções religiosas da referida pessoa.

32.

O órgão jurisdicional de reenvio também tem dúvidas de que o requisito da proporcionalidade razoável esteja preenchido quando nenhum dos custos relacionados com cuidados de saúde recebidos pela pessoa noutro Estado‑Membro for reembolsado quando essa pessoa não puder receber o tratamento hospitalar necessário no Estado‑Membro de residência devido às suas convicções religiosas.

33.

O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 dispõe que, sem prejuízo do Regulamento n.o 883/2004 e dos artigos 8.o e 9.o da mesma diretiva, o Estado‑Membro de afiliação deve reembolsar os custos dos cuidados de saúde transfronteiriços até ao montante dos custos que teriam sido cobertos no referido Estado‑Membro. No entanto, o tratamento hospitalar pode ser sujeito a autorização prévia nos termos do artigo 8.o da Diretiva 2011/24, a qual pode ser recusada quando um tratamento igualmente eficaz puder ser realizado no seu território. O órgão jurisdicional de reenvio observa que em conformidade com o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2011/24, os custos em causa não são superiores aos custos que o tratamento teria se fosse realizado na Letónia. Além disso, o considerando 29 da Diretiva 2011/24 prevê expressamente que a assunção de tais custos não deve ter qualquer efeito significativo no financiamento dos sistemas nacionais de saúde. Em contrapartida, as consequências negativas para doentes aos quais é recusado o reembolso podem ser desproporcionadamente elevadas.

34.

Neste contexto, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 883/2004] lido em conjugação com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta […], ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode recusar a autorização prevista no artigo 20.o, n.o 1, do referido regulamento quando no Estado de residência da pessoa está disponível um tratamento hospitalar cuja eficácia médica não é posta em causa mas cujo método de tratamento utilizado não é compatível com as convicções religiosas da referida pessoa?

2)

Deve o artigo 56.o do [TFUE] e o artigo 8.o, n.o 5, da Diretiva [2011/24], lido em conjugação com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta […], ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode recusar a autorização prevista no artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva quando no Estado‑Membro de afiliação da pessoa está disponível um tratamento hospitalar cuja eficácia médica não é posta em causa mas cujo método de tratamento utilizado não é compatível com as convicções religiosas da referida pessoa?»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

35.

A, o Ministério da Saúde, os Governos letão, italiano e polaco, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas relativas às questões submetidas pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal).

36.

Na audiência realizada no Tribunal de Justiça em 13 de fevereiro de 2020, A, o Ministério da Saúde, os Governos letão e polaco, bem como a Comissão apresentaram alegações.

V. Análise

A. Âmbito do pedido de decisão prejudicial

37.

No presente processo está em causa a emissão do designado formulário S2 a B para que este possa beneficiar de cuidados de saúde transfronteiriços noutro Estado‑Membro. Aparentemente, a emissão deste formulário baseia‑se, nomeadamente, nas disposições nacionais que transpuseram o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 26.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social ( 8 ) e não nas disposições da Diretiva 2011/24 ou mesmo no artigo 56.o TFUE. No entanto, uma vez que os cuidados de saúde transfronteiriços também podem ser reembolsados ao abrigo da Diretiva 2011/24, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que é igualmente necessário ter em conta esta última diretiva e a sua segunda questão refere, nomeadamente, o artigo 56.o TFUE e o artigo 8.o, n.o 5, da Diretiva 2011/24 ( 9 ).

38.

O Ministério da Saúde e os Governos letão e polaco afirmam, no entanto, que a Diretiva 2011/24 não é relevante no presente processo, uma vez que A não pediu autorização prévia para cuidados de saúde transfronteiriços relativos a B de acordo com esta diretiva. Acresce que na audiência de 13 de fevereiro de 2020 foi igualmente afirmado que A não pediu o reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços recebidos por B no prazo de um ano, conforme exigido pela legislação nacional que transpôs a Diretiva 2011/24. Além disso, na sequência de várias questões colocadas às partes pelos membros do Tribunal de Justiça na audiência, afigura‑se que o sistema de autorização prévia previsto na legislação nacional que transpôs, nomeadamente, o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 foi revogado a partir de 1 de setembro de 2018.

39.

O acima exposto parece sugerir que esta autorização prévia constituía um requisito para efeitos do reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços ( 10 ) ao abrigo da legislação nacional que transpunha o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 à data dos factos relevantes no processo principal. Na audiência, A afirmou contudo que, durante o período relevante, na Letónia não estava disponível informação adequada sobre as regras relativas à aplicação do artigo 8.o da Diretiva 2011/24 e ao requisito de autorização prévia ( 11 ).

40.

Em meu entender, estas matérias são questões de facto e de aplicação da legislação e prática nacionais, que compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar. Por conseguinte não é possível afirmar que a interpretação pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio em relação à sua segunda questão é necessariamente hipotética ( 12 ).

41.

Importa igualmente observar que a aplicabilidade do Regulamento n.o 883/2004 e da Diretiva 2011/24 ( 13 ) aos factos controvertidos e o facto de a legislação nacional poder estar em conformidade com as disposições desta legislação secundária não produzem o efeito de excluir esta legislação nacional do âmbito das disposições da TFUE e, por extensão, das regras relativas à liberdade de prestação de serviços ou mesmo, em meu entender, das disposições da Carta ( 14 ).

42.

Por conseguinte, considero que todas as disposições do direito da União referidas nas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são relevantes no caso em apreço ( 15 ). As questões submetidas exigem que se aprecie a natureza e o âmbito do requisito de obtenção de autorização (prévia) previsto no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 8.o da Diretiva 2011/24 para determinar se existe o direito ao reembolso no Estado‑Membro de afiliação da totalidade ou de parte dos custos dos cuidados de saúde hospitalares transfronteiriços. A apreciação deve ser efetuada, em particular, à luz do direito à liberdade de religião previsto no artigo 10.o, n.o 1 e do direito à não discriminação em razão da religião previsto no artigo 21.o, n.o 1, da Carta.

43.

Resulta do pedido de decisão prejudicial que a recusa de emitir o formulário S2 para o tratamento de B se baseava apenas no facto de que o tratamento médico em causa poderia ter sido prestado na Letónia. Assim, as outras limitações ao direito a cuidados de saúde transfronteiriços que podem ser impostas ao direito de receber o reembolso no interesse geral são irrelevantes ( 16 ).

1.   Exposição da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de liberdade de prestação de serviços — artigo 56.o TFUE — cuidados de saúde transfronteiriços — requisito de autorização prévia

44.

Segundo jurisprudência assente as prestações médicas efetuadas mediante remuneração estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à livre prestação de serviços, inclusive quando os cuidados de saúde são dispensados em quadro hospitalar ( 17 ). A livre prestação de serviços inclui a liberdade de os destinatários de serviços, designadamente as pessoas que devam receber tratamento médico, se deslocarem a outro Estado‑Membro para aí beneficiarem desses serviços ( 18 ).

45.

O Tribunal de Justiça declarou que o requisito da autorização prévia ao qual está subordinada a tomada cargo, pela instituição competente, segundo o regime de cobertura em vigor no Estado‑Membro a que pertence, dos cuidados programados noutro Estado‑Membro constitui um entrave à livre prestação de serviços, tanto para os pacientes como para os prestadores, visto que esse sistema demove os ditos pacientes ou até os impede de se dirigirem a prestadores de serviços médicos estabelecidos noutro Estado‑Membro, para receber os cuidados em causa ( 19 ).

46.

Não obstante, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que ainda que uma autorização prévia constitua, tanto para os pacientes como para os prestadores, um obstáculo à livre prestação de serviços, o artigo 56.o TFUE não se opõe, em princípio, a que o direito que assiste a um paciente de obter tratamentos hospitalares noutro Estado‑Membro a cargo do sistema pelo qual está abrangido seja submetido a um requisito de autorização prévia ( 20 ). Tais requisitos de autorização prévia destinam‑se a (i) evitar um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social (ii) manter um serviço médico e hospitalar equilibrado e acessível a todos (iii) manter capacidade de tratamento ou uma especialidade médica no território nacional e (iv) permitir uma planificação que garanta, no Estado‑Membro em causa, uma acessibilidade suficiente e permanente a uma gama equilibrada de cuidados hospitalares de qualidade ( 21 ).

47.

No n.o 44 do Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581), o Tribunal de Justiça declarou que embora o direito da União não se oponha, em princípio, a um sistema de autorização prévia, é contudo necessário que as condições estabelecidas para a concessão dessa autorização sejam justificadas à luz dos imperativos acima referidos, que não excedam o que é objetivamente necessário a esse fim e que o mesmo resultado não possa ser obtido por regras menos restritivas. Um sistema desse tipo deve, além disso, ser fundamentado em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais, a fim de este não ser utilizado de modo arbitrário.

2.   Normas estabelecidas no Regulamento n.o 883/2004 e na Diretiva 2011/24

48.

Conforme já referi, o presente processo é relativo, nomeadamente, a dois regimes jurídicos estabelecidos pelo direito da União, nos termos dos quais uma pessoa segurada pode receber cuidados de saúde transfronteiriços, nomeadamente, o artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e os artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24. Não obstante, apesar das semelhanças, existem diferenças significativas entre estes regimes jurídicos.

a)   Regulamento n.o 883/2004

49.

Nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, uma pessoa segurada que viaje para outro Estado‑Membro com o objetivo de receber prestações deve ( 22 ) pedir autorização prévia à instituição competente. Apesar da linguagem imperativa utilizada nesta disposição, o Tribunal de Justiça declarou que o único objetivo do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 é identificar as circunstâncias em que se exclui que a instituição competente possa recusar a autorização solicitada com base no artigo 20.o ( 23 ). Assim, o Tribunal de Justiça declarou no n.o 53 do Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581), que o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 estabelece duas condições cumulativas cujo preenchimento torna obrigatória a concessão, pela instituição competente, da autorização prévia pedida com base neste artigo.

50.

A primeira condição exige que o tratamento em causa figure entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro em cujo território reside o beneficiário da segurança social ( 24 ). Resulta do pedido de decisão prejudicial que o tratamento médico em causa no processo principal figura entre os tratamentos financiados pelo orçamento de Estado letão. A este respeito, importa observar que nada no pedido prejudicial nem nos autos apresentados no Tribunal de Justiça demonstra que o Ministério da Saúde tenha recusado reembolsar o tratamento de B com o fundamento de que esta condição não foi preenchida ( 25 ).

51.

O órgão jurisdicional de reenvio declarou que está em causa a segunda condição estabelecida no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004. Esta condição exige que o tratamento que a pessoa segurada planeia realizar num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de residência não possa ser prestado no prazo normalmente necessário para a obtenção do tratamento em causa neste último Estado‑Membro, tendo em conta o seu atual estado de saúde e a evolução provável da sua doença ( 26 ).

52.

Nos n.os 65 e 66 do Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:58), o Tribunal de Justiça declarou que a autorização não pode ser recusada quando a primeira condição está satisfeita e não pode ser prestado um tratamento idêntico ou que apresente o mesmo grau de eficácia em tempo útil no Estado‑Membro em cujo território a pessoa segurada reside. Para verificar se um tratamento que apresenta o mesmo grau de eficácia para o doente pode ser obtido em tempo útil no Estado‑Membro de residência, a instituição competente é obrigada a atender a todas as circunstâncias que caracterizam cada caso concreto, tendo devidamente em conta não apenas a situação médica do paciente no momento em que a autorização é solicitada e, eventualmente, o grau de dor ou a natureza da sua deficiência, que possa, por exemplo, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício de uma atividade profissional por parte dessa pessoa, mas igualmente os seus antecedentes clínicos ( 27 ).

53.

Quando as duas condições em causa estiverem preenchidas, o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 estabelece que a pessoa segurada tem o direito ao reembolso do custo do tratamento em conformidade com as disposições da legislação do Estado em que o tratamento foi prestado. Se o montante do reembolso das despesas incorridas com serviços hospitalares fornecidos num Estado‑Membro diferente do da residência, que resulta da aplicação das regras em vigor neste Estado, for inferior ao montante que teria resultado da aplicação da legislação em vigor no Estado‑Membro de residência em caso de hospitalização neste último, deve ainda ser concedido pela instituição competente, por força do artigo 56.o TFUE conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, um reembolso complementar correspondente à diferença entre esses dois montantes ( 28 ).

54.

Em meu entender, a segunda condição imposta pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 exige que o doente demonstre que os cuidados de saúde transfronteiriços têm de ser prestados devido a uma necessidade médica iminente. Assim, o Estado‑Membro de afiliação está obrigado a emitir o formulário S2 e a suportar os custos associados ( 29 ), uma vez que não pode atender adequadamente às necessidades médicas em causa em tempo útil apesar de se ter comprometido a satisfazê‑las, como evidenciado pelo facto de a primeira condição do artigo 20.o, n.o 2, ter sido preenchida. Deste modo, é possível afirmar que o regime previsto pelo Regulamento n.o 883/2004 diz exclusivamente respeito a necessidades médicas e não, enquanto tal, à escolha pessoal do doente em causa.

55.

Por conseguinte, daqui decorre que uma vez que a segunda condição prevista no Regulamento n.o 883/2004 diz exclusivamente respeito a uma necessidade médica genuína e não implica qualquer escolha pessoal (seja por razões religiosas ou outras), a decisão das autoridades letãs de recusarem emitir o formulário S2 não pode, em princípio e sob reserva da aplicação da Carta, ser criticada com base nesta condição específica.

56.

No entanto, isto não é necessariamente determinante no que diz respeito ao pedido de B relativo ao reembolso de custos de cuidados de saúde prestados na Polónia, uma vez que, em seguida, a situação deve ser apreciada à luz da Diretiva 2011/24.

b)   Diretiva 2011/24

57.

O efeito geral dos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24 é simultaneamente codificar e desenvolver a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços a fim de garantir maior segurança jurídica e transparência nesta matéria ( 30 ).

58.

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 estabelece que o Estado‑Membro de afiliação assegura o reembolso dos custos suportados pela pessoa segurada que receba cuidados de saúde transfronteiriços se os cuidados de saúde em questão figurarem entre as prestações a que a pessoa segurada tem direito no Estado‑Membro de afiliação.

59.

Ao contrário do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, o primeiro parágrafo do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2011/24 estabelece que os custos cuidados de saúde transfronteiriços são reembolsados e pagos diretamente pelo Estado‑Membro de afiliação até ao limite que teria sido assumido por este Estado‑Membro, sem exceder contudo os custos reais dos cuidados de saúde recebidos ( 31 ).

60.

Assim, uma pessoa segurada pode pedir o reembolso até ao montante dos custos que o seu Estado‑Membro de afiliação teria suportado em relação, por exemplo, à consulta de um médico generalista ou de um dentista noutro Estado‑Membro desde que os cuidados de saúde em causa figurem entre as prestações a que a pessoa segurada tem direito no Estado‑Membro de afiliação ( 32 ).

61.

Deste modo, o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 confirma que os doentes, em princípio, têm a possibilidade de efetuar uma escolha real e efetiva do Estado‑Membro em que podem receber cuidados de saúde. Daqui resulta que, desde que os cuidados de saúde em causa figurem entre as prestações a que a pessoa segurada tem direito no Estado‑Membro de afiliação, devem ser reembolsados como se esta escolha tivesse sido efetuada nesse Estado‑Membro. Com efeito, os doentes têm o direito de receber cuidados de saúde transfronteiriços e, em meu entender, as suas escolhas a este respeito não necessitam de ser exclusivamente motivadas por razões médicas.

62.

Há uma clara diferença entre o funcionamento do Regulamento n.o 883/2004, por um lado, e o funcionamento da Diretiva 2011/24, por outro.

63.

Por conseguinte, em virtude do regime estabelecido pela Diretiva 2011/24 um doente pode deslocar‑se a um Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de afiliação e receber cuidados de saúde, por exemplo, por razões de proximidade ou de simples preferência, ou, como sucede no presente processo, por razões de convicções religiosas ( 33 ). É evidente que muitos doentes podem escolher não beneficiar de cuidados de saúde transfronteiriços por várias razões. Muitas destas razões são provavelmente do foro pessoal do doente. Podem decidir, por exemplo, receber tratamento médico no seu Estado de origem por razões de conveniência pessoal ou de familiaridade geral com o sistema médico e o seu pessoal.

64.

No entanto, uma vez que o reembolso nos termos da Diretiva 2011/24 é limitado ao montante que seria reembolsado no Estado‑Membro de afiliação, o Tribunal de Justiça declarou que estas circunstâncias são suscetíveis de limitar o eventual impacto financeiro no sistema de segurança social de um Estado‑Membro e, por exemplo, suprimir a exigência de autorização prévia no que respeita aos cuidados dispensados no consultório do médico estrangeiro ( 34 ).

65.

Apesar do caráter aberto do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24, o artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva dispõe, não obstante, que um Estado‑Membro de afiliação pode ( 35 ) prever um sistema de autorização prévia para o reembolso dos custos de determinados cuidados de saúde transfronteiriços, especialmente cuidados que impliquem internamento hospitalar ou cuidados que exijam o recurso a equipamentos altamente especializados ( 36 ). Todavia, em conformidade com artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24, as limitações impostas não devem ir além do necessário e devem ser proporcionais ao objetivo visado. Tais restrições não podem constituir um meio de discriminação arbitrária ou um entrave injustificado à livre circulação dos doentes. Resulta da linguagem utilizada no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 que o sistema de autorização prévia — e, assim, a possibilidade de restringir o acesso a cuidados de saúde transfronteiriços — tem uma natureza excecional e, por conseguinte, deve ser interpretada de forma restritiva.

66.

A este respeito, o artigo 8.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/24 estabelece que os cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia ficam limitados aos cuidados de saúde que, nomeadamente, estejam sujeitos a requisitos de planeamento relacionados com o objetivo de garantir um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de tratamentos de elevada qualidade no Estado‑Membro em questão ou com o desejo de controlar os custos e evitar, tanto quanto possível, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos, e que impliquem o internamento hospitalar do doente durante, pelo menos, uma noite, ou exijam o recurso a infraestruturas ou equipamentos médicos altamente especializados e onerosos ( 37 ).

67.

Em todo o caso, o artigo 8.o, n.o 5, da Diretiva 2011/24 estabelece, nomeadamente, que o Estado‑Membro de afiliação não pode recusar conceder uma autorização prévia se o doente tiver direito aos cuidados de saúde em questão, nos termos do artigo 7.o, e se os cuidados de saúde em causa não puderem ser prestados no seu território num prazo útil fundamentado do ponto de vista médico ( 38 ). Assim, nos termos do artigo 8.o, n.o 6, alínea d), da Diretiva 2011/24, o Estado‑Membro de afiliação pode recusar conceder uma autorização prévia se os cuidados de saúde em causa puderem ser prestados no seu território num prazo útil fundamentado do ponto de vista médico.

68.

Por conseguinte, daqui decorre que os Estados‑Membros podem incorrer em diferentes obrigações financeiras consoante estejam em causa o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 ou os artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24. Trata‑se de mais uma diferença entre estes dois regimes jurídicos.

3.   Aplicação do Regulamento n.o 883/2004, da Diretiva 2011/24 e dos artigos 10.o, n.o 1, e 20.o, n.o 1, da Carta ao processo principal

69.

Conforme observei, todas as partes concordam que a operação de B era necessária para evitar uma deterioração irreversível do seu estado de saúde. Embora não exista uma razão médica para que B, filho de A, não pudesse beneficiar do tratamento disponível na Letónia, já vimos que as convicções religiosas de A proibiam B de receber os cuidados de saúde em causa ( 39 ). Assim, o processo principal diz respeito ao reembolso, por parte do Ministério da Saúde letão, dos custos dos cuidados de saúde hospitalares recebidos por B na Polónia ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, na medida em que o Ministério da Saúde recusou conceder a autorização prévia em relação a estes cuidados de saúde através da recusa de emissão do formulário S2, e, possivelmente, ao abrigo dos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24 ( 40 ).

70.

Importa recordar que, para que os cuidados de saúde transfronteiriços possam ser reembolsados, tanto o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 como o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 exigem que os cuidados de saúde em causa figurem entre as prestações previstas pelo Estado‑Membro de afiliação. Uma vez que no caso da operação realizada a B esta condição estava satisfeita, não se trata de exigir a um Estado‑Membro, no presente processo a República da Letónia, o pagamento de um tratamento a que uma pessoa segurada (no caso em apreço, B) não teria direito no Estado‑Membro de afiliação.

71.

Por conseguinte, daqui decorre que a questão de saber se um Estado‑Membro como a República da Letónia pode eventualmente ser chamado a assumir obrigações financeiras adicionais e, eventualmente, dispendiosas, mediante a prestação de cuidados de saúde que não figuram entre as prestações previstas pelo Estado‑Membro de afiliação para garantir efetivamente o direito de uma pessoa a praticar a sua religião ou a não sofrer outro tipo de discriminação em razão da religião, simplesmente não se coloca no presente processo, uma vez que a primeira condição do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 estava, em todo o caso, satisfeita.

72.

Quanto à segunda condição prevista no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e aos termos do artigo 8.o, n.o 6, alínea d), da Diretiva 2011/24, trata‑se de disposições que efetivamente permitem aos Estados‑Membros recusar autorizar ou reembolsar cuidados de saúde transfronteiriços caso não exista uma necessidade médica iminente. Considero que a redação destas disposições é inequívoca e que os únicos critérios nelas especificamente previstos têm natureza médica.

73.

No entanto, importa salientar que em conformidade com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta, os Estados‑Membros, quando apliquem o direito da União, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a aplicação das disposições da Carta, incluindo os artigos 10.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1 ( 41 ).

74.

Afigura‑se, cabendo ao órgão jurisdicional de reenvio verificá‑lo, que as normas nacionais em causa no processo principal — baseadas, nomeadamente, no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 8.o, n.o 6, alínea d), da Diretiva 2011/24 —, relativas ao requisito de existência de uma necessidade médica iminente para que os custos do tratamento de B na Polónia sejam reembolsados, não constituem diretamente um entrave à prática da religião nem dão origem a uma discriminação direta em razão da religião. Tais regras são perfeitamente neutras a este respeito.

75.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se estas regras nacionais constituem indiretamente um entrave à prática da religião ou introduzem uma diferença de tratamento que é indiretamente baseada na religião ou em convicções ( 42 ). No entanto, é evidente que as regras em causa não constituem um entrave injustificado à prática da religião nem correspondem a uma discriminação indireta, se forem objetivamente justificadas por uma finalidade legítima, e se os meios para atingir esta finalidade forem adequados e necessários ( 43 ).

76.

Em última análise, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar esta questão ( 44 ). No entanto, considero que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à necessidade de autorização prévia e de livre circulação de serviços médicos nos termos do artigo 56.o TFUE fornece orientações significativas sobre esta matéria.

77.

A este respeito, importa recordar que segundo jurisprudência assente ( 45 ) o artigo 56.o TFUE não se opõe, em princípio, a que o direito que assiste a um paciente de obter tratamentos hospitalares noutro Estado‑Membro a cargo do sistema pelo qual está abrangido seja submetido a uma autorização prévia ( 46 ) com vista (i) a não implicar um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social (ii) a manter um serviço médico e hospitalar equilibrado e acessível a todos (iii) a manter capacidade de tratamento ou uma especialidade médica no território nacional e (iv) a permitir uma planificação que garanta, no Estado‑Membro em causa, uma acessibilidade suficiente e permanente a uma gama equilibrada de cuidados hospitalares de qualidade ( 47 ).

a)   Falta de justificação da recusa de autorização (prévia) baseada em razões organizacionais ou estruturais nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 8.o, n.os 2 e 6, alínea d), da Diretiva 2011/24

78.

Deixando de lado, por um momento, o primeiro critério, que é puramente financeiro e que se refere ao custo da prestação de cuidados de saúde, os outros critérios, em meu entender, têm natureza organizacional ou estrutural e são relativos à prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde eficazes pelo Estado‑Membro de afiliação a todas as pessoas seguradas ( 48 ). Os critérios em causa são igualmente aplicáveis no que diz respeito à justificação da autorização prévia para reembolso sendo que as razões para a sua recusa constam simultaneamente do artigo 20.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 8.o, n.os 2 e 6, alínea d), da Diretiva 2011/24.

79.

Tendo em conta que aparentemente a República da Letónia suprimiu o requisito de autorização prévia em conformidade com a legislação nacional que transpôs o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 em 1 de setembro de 2018 ( 49 ), é no mínimo discutível, circunstância que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, se a recusa do Ministério da Saúde de emitir um formulário S2 ( 50 ) a B por Decisão de 29 de março de 2016 — menos de 18 meses antes — poderia efetivamente ser justificada por razões organizacionais ou estruturais ( 51 ).

80.

Em meu entender, se não existirem razões organizacionais ou estruturais suscetíveis de justificar uma limitação à livre prestação de serviços de cuidados de saúde garantida pelo artigo 56.o TFUE, considero improvável que semelhantes critérios possam justificar uma limitação do direito de praticar uma religião ou de não sofrer uma discriminação em razão da religião, garantido pela Carta, exceto se tal for suscetível de originar um aumento dos pedidos para cuidados de saúde transfronteiriços baseados em motivos religiosos e for suscetível de afetar de forma significativa a prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde na Letónia.

81.

A este respeito, importa observar que, nas alegações escritas apresentadas no Tribunal de Justiça, o Ministério da Saúde e o Governo letão invocaram, a título principal, os recursos financeiros limitados disponíveis na República da Letónia para cuidados de saúde como justificação para a recusa de autorização prévia. As razões organizacionais ou estruturais, enquanto tais, não constituíam uma justificação para a recusa de autorização de cuidados de saúde transfronteiriços em caso de inexistência de uma necessidade médica iminente.

b)   Justificação de recusa de autorização (prévia) baseada no custo

82.

O custo é um fator importante no âmbito do presente processo. Ainda que a liberdade de religião seja essencial numa sociedade livre em que as diferenças de convicções religiosas e crenças filosóficas devem, sempre que possível, ser admitidas e protegidas pelos Estados‑Membros, a concessão de apoio financeiro por parte do Tesouro Público para esses fins é uma questão completamente diferente. As garantias de liberdade religiosa mais amplas — tais como as que figuram no artigo 10.o, n.o 1, da Carta, no artigo 9.o da CEDH e, com efeito, nas Constituições nacionais dos Estados‑Membros —, por si só, não obrigam estes Estados a instituir um sistema de apoio financeiro que permita aos indivíduos praticarem as suas convicções religiosas. Não é possível defender, por exemplo, que um Estado‑Membro está obrigado a fornecer transporte para que um praticante idoso e sem recursos de uma determinada fé participe em serviços religiosos, mesmo que seja plausivelmente possível demonstrar que, se não o fizer, este praticante não consegue cumprir suas obrigações religiosas.

83.

Por conseguinte, o custo é um fator que deve ser necessariamente tido em conta para avaliar se, e em que medida, as convicções religiosas devem ser incluídas na complexa equação entre cuidados de saúde transfronteiriços e reembolso dos respetivos custos.

1) Regulamento n.o 883/2004

84.

Quanto à questão do custo, é possível estabelecer uma clara distinção entre o requisito de autorização prévia para cuidados de saúde transfronteiriços em conformidade com artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, por um lado, e o artigo 8.o da Diretiva 2011/24, por outro. O encargo financeiro que o Estado‑Membro de afiliação pode ter de suportar relativamente aos cuidados de saúde transfronteiriços que tenham sido autorizados em conformidade com artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 é potencialmente mais oneroso do que o encargo financeiro que resultaria da aplicação dos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24.

85.

Ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, o Estado‑Membro de afiliação deve suportar os custos destes cuidados de saúde prestados no Estado‑Membro de tratamento, ao passo que no caso dos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24, as obrigações do Estado‑Membro de afiliação visam simplesmente cobrir os custos que o seu sistema público de saúde teria de qualquer modo de suportar se o tratamento fosse prestado neste Estado‑Membro.

86.

Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir, após apreciação desses fatores financeiros, que, para satisfazer convicções religiosas e não necessidades médicas iminentes ( 52 ), o sistema de cuidados de saúde letão corre o risco de ficar sob pressão, daí resultando um potencial aumento significativo dos custos em prejuízo da prestação de cuidados de saúde a terceiros, isto significa que tal satisfação de convicções religiosas não é necessária nem proporcional.

87.

Nestas circunstâncias, o facto de as convicções religiosas não serem tomadas em consideração ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 não constitui, por si só, um entrave injustificado ao direito a praticar uma religião nem corresponde a uma discriminação indireta em razão da religião. Pelo contrário, tal é objetivamente justificável por uma finalidade legítima sendo os meios para alcançá‑la adequados e necessários.

88.

Por conseguinte, considero que, em tais circunstanciais, os Estados‑Membros não estão obrigados a assumir obrigações financeiras positivas que acresceriam àquelas que se baseiam numa necessidade médica existente ( 53 ).

89.

Daqui decorre, em meu entender, que o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, e com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode recusar conceder a autorização referida no artigo 20.o, n.o 1, deste regulamento quando cuidados hospitalares, cuja eficácia médica não é contestada, estiverem disponíveis no Estado‑Membro de afiliação da pessoa em causa, mesmo que o método de tratamento utilizado seja contrário às convicções religiosas desta pessoa, desde que a recusa tenha um objetivo legítimo e os meios para alcançar este objetivo sejam adequados e necessários. Na falta de requisitos organizacionais e estruturais relativos à prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde eficazes no Estado‑Membro de afiliação, este Estado‑Membro pode recusar, nos termos da segunda condição prevista pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, ter em consideração as convicções religiosas se daí puder resultar um aumento significativo dos custos para o Estado‑Membro de afiliação em prejuízo da prestação de cuidados de saúde eficazes a terceiros. Trata‑se de uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

2) Diretiva 2011/24

90.

Quanto à justificação da recusa de conceder autorização prévia com base no critério financeiro, tendo em conta que em conformidade com o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2011/24, a República da Letónia (o Estado‑Membro de afiliação) tem de assegurar que os custos suportados por B, que recebeu cuidados de saúde transfronteiriços, são reembolsados até ao limite que teria sido assumido por este Estado‑Membro caso estes cuidados tivessem sido prestados no seu território, afigura‑se, cabendo igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio verificá‑lo, que não existia uma justificação financeira para recusar a autorização prévia a B em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 ( 54 ).

91.

Importa recordar que tanto o artigo 7.o como o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 são norteados, em princípio, pela liberdade de escolha ( 55 ) da pessoa que recebe cuidados de saúde transfronteiriços ( 56 ). Nesta medida, a Diretiva 2011/24 distingue‑se do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, salvo no que se refere, conforme vimos, ao facto de o artigo 8.o, n.o 6, alínea d), desta diretiva permitir — mas não obrigar — que os Estados‑Membros imponham requisitos de autorização prévia por razões organizacionais e estruturais.

92.

No processo principal, tendo em conta a aparente inexistência de qualquer razão financeira, organizacional ou estrutural para recusar conceder a autorização (prévia) a B para receber cuidados de saúde transfronteiriços nos termos da Diretiva 2011/24, esta autorização (prévia) não poderia legitimamente ter sido recusada apenas com base no facto de a operação estar disponível e poder ter sido realizada pelo sistema público de saúde letão.

93.

Concluir o contrário significaria que a questão da escolha do doente, independentemente de ter por base razões de convicções religiosas ou outras, não seria simplesmente tida em consideração. No entanto, dada a aparente inexistência de qualquer razão financeira, organizacional ou estrutural para recusar conceder a autorização (prévia) a B para receber cuidados de saúde transfronteiriços nos termos dos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24, afigura‑se que tal recusa não é necessária no interesse geral, nem proporcional, conforme exigido pelo artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

94.

No processo principal, existem várias incertezas quanto à matéria de facto relacionadas com a questão de saber se A poderia ter pedido a autorização (prévia) para o tratamento de B na Polónia em conformidade com as disposições nacionais que transpuseram o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 e se um pedido posterior de reembolso seria extemporâneo por ter decorrido o prazo de um ano referido na audiência.

95.

Contudo, se no processo principal tivesse sido apresentado um pedido de autorização prévia em conformidade com o sistema em vigor na Letónia, antes de setembro de 2018, como permite o artigo 8.o, n.o 6, da Diretiva 2011/24, então, tendo em conta a primazia da escolha do doente prevista nesta diretiva e as razões profundas subjacentes a esta escolha no processo principal, é muito pouco provável que as autoridades letãs pudessem legitimamente ter recusado deferir tal pedido.

96.

Nestas circunstâncias, para apreciar a questão geral do reembolso, o órgão jurisdicional de reenvio deve perguntar‑se se o sistema letão permitia, na teoria ou na prática, pedidos extemporâneos de autorização para tratamentos transfronteiriços nos termos da Diretiva 2011/24 que implicavam operações complexas e internamento hospitalar noutro Estado‑Membro.

97.

Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio deve anular a decisão de recusa do reembolso à luz da primazia da escolha do doente nos termos da Diretiva 2011/24 (e das razões profundas para o seu exercício no processo principal), a menos que este órgão jurisdicional considere que, em 2016, existiam razões administrativas e organizacionais genuínas no processo principal como aquelas que atualmente justificam a recusa das autoridades de saúde pública letãs admitirem um pedido extemporâneo deste tipo.

98.

Por conseguinte, considero que, na falta de requisitos organizacionais ou estruturais relativos à prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde eficazes no Estado‑Membro de afiliação, o artigo 56.o TFUE, o artigo 8.o, n.os 2, 5, e 6, alínea d), da Diretiva 2011/24, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, e com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro de afiliação não pode recusar conceder a autorização referida no artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva quando cuidados hospitalares, cuja eficácia médica não é contestada, estiverem disponíveis no Estado‑Membro de afiliação da pessoa em causa, mas o método de tratamento utilizado for contrário às convicções religiosas genuínas desta pessoa, exceto se tal puder dar origem a um aumento dos pedidos para cuidados de saúde transfronteiriços baseados em motivos religiosos suscetível de pôr em causa de forma significativa a prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde neste Estado‑Membro. Trata‑se de uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

VI. Conclusão

99.

Tendo em consideração o exposto, proponho responder às duas questões prejudiciais submetidas pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Senado do Supremo Tribunal, Letónia) o seguinte:

1)

O artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, e com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode recusar conceder a autorização referida no artigo 20.o, n.o 1, deste regulamento quando cuidados hospitalares, cuja eficácia médica não é contestada, estiverem disponíveis no Estado‑Membro de afiliação da pessoa em causa, mesmo que o método de tratamento utilizado seja contrário às convicções religiosas desta pessoa, desde que a recusa tenha um objetivo legítimo e os meios para alcançar este objetivo sejam adequados e necessários. Na falta de requisitos organizacionais e estruturais relativos à prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde eficazes no Estado‑Membro de afiliação, este Estado‑Membro pode recusar, nos termos da segunda condição prevista pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, ter em consideração as convicções religiosas se daí puder resultar um aumento significativo dos custos para o Estado‑Membro de afiliação, em prejuízo da prestação de cuidados de saúde eficazes a terceiros. Trata‑se de uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

2)

Na falta de requisitos organizacionais ou estruturais relativos à prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde eficazes no Estado‑Membro de afiliação, o artigo 56.o TFUE, o artigo 8.o, n.os 2, 5 e 6, alínea d), da Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, e com o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro de afiliação não pode recusar conceder a autorização referida no artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva quando cuidados hospitalares, cuja eficácia médica não é contestada, estiverem disponíveis no Estado‑Membro de afiliação da pessoa em causa, mas o método de tratamento utilizado for contrário às convicções religiosas genuínas desta pessoa, exceto se tal puder dar origem a um aumento dos pedidos para cuidados de saúde transfronteiriços baseados em motivos religiosos suscetível de pôr em causa de forma significativa a prestação organizada e equilibrada de cuidados de saúde neste Estado‑Membro. Trata‑se de uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Embora as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não façam qualquer referência ao artigo 10.o, n.o 1, da Carta, terei em consideração esta disposição por razões de exaustividade. Observo que, no âmbito do presente processo, não estabeleço, e, efetivamente, sendo que as partes não a invocaram, qualquer distinção significativa entre a proteção concedida a A e B pelo artigo 10.o, n.o 1, e pelo artigo 21.o, n.o 1, da Carta, tendo A, no essencial, alegado no processo principal e no processo perante o Tribunal de Justiça que sofreu uma discriminação indireta com base na sua religião. No entanto, não excluo, em abstrato, que o âmbito do artigo 10.o, n.o 1, e do artigo 21.o, n.o 1, da Carta possa ser diferente noutro contexto.

( 3 ) JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1.

( 4 ) JO 2011, L 88, p. 45.

( 5 ) O direito garantido no artigo 10.o, n.o 1, da Carta corresponde ao direito garantido no artigo 9.o da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), da qual todos os Estados‑Membros são signatários e, nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem o mesmo significado e alcance. Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 27). A CEDH e a Carta utilizam o termo «religião» em sentido amplo, na medida em que nele incluem a liberdade das pessoas manifestarem a sua religião. O conceito de «religião» que figura no artigo 10.o, n.o 1, e no artigo 21.o, n.o 1, da Carta deve, assim, ser interpretado no sentido de que é suscetível de abranger quer o forum internum, isto é, o facto de se ter convicções, quer o forum externum, ou seja, a manifestação em público da fé religiosa. V., por analogia, Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 28). V., igualmente, Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan todistajat (C‑25/17, EU:C:2018:551, n.o 47).

( 6 ) No n.o 55 do Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198), o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral de direito da União, agora consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado. Uma diferença de tratamento é justificada sempre que se baseie num critério objetivo e razoável, isto é, sempre que estiver relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e for proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão.

( 7 ) JO 2009, L 284, p. 1

( 8 ) JO 2009, L 284, p. 1.

( 9 ) Isto é também evidenciado pelos considerandos 30 e 31 da Diretiva 2011/24 que exigem que os dois sistemas em causa devem ser aplicados de forma coerente. Um doente apenas pode beneficiar de um sistema no que respeita a um determinado tratamento, contudo, se os requisitos do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 estiverem preenchidos deve, em princípio, aplicar‑se o sistema mais favorável. V., igualmente, artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24.

( 10 ) Como o que está em causa no processo principal.

( 11 ) V. considerando 48 da Diretiva 2011/24, relativo à necessidade de informação adequada sobre todos os aspetos essenciais dos cuidados de saúde transfronteiriços.

( 12 ) Segundo jurisprudência assente, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Todavia, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que, em circunstâncias excecionais, lhe cabe examinar as condições em que é chamado a pronunciar‑se pelo juiz nacional, a fim de verificar a sua própria competência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União pedida não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto da lide principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas. Acórdão de 19 de novembro de 2009, Filipiak (C‑314/08, EU:C:2009:719, n.os 40 a 42 e jurisprudência referida).

( 13 ) A base jurídica da Diretiva 2011/24 é o artigo 114.o TFUE. V. considerando 2 desta diretiva. O artigo 168.o TFUE também é particularmente relevante. V. considerando 1 desta diretiva. Não obstante, considero que os artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24 são em grande medida baseados na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de liberdade de prestação de cuidados de saúde nos termos do artigo 56.o TFUE. V. considerando 8 da Diretiva 2011/24. Por conseguinte, considero que existe uma sobreposição considerável entre a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 56.o TFUE nesta matéria e os artigos 7.o e 8.o da Diretiva 2011/24.

( 14 ) V., por analogia, Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 38). V., igualmente, Acórdão de 16 de maio de 2006, Watts (C‑372/04, EU:C:2006:325, n.os 46 e 47). Nos n.os 31 e 34 do Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281), o Tribunal de Justiça declarou que o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à atuação dos Estados‑Membros, está definido no artigo 51.o, n.o 1, da mesma, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União. A aplicabilidade do direito da União implica a aplicabilidade dos direitos fundamentais garantidos pela Carta. Daqui resulta que quando os Estados‑Membros aplicam o Regulamento n.o 883/2004 e a Diretiva 2011/24, as disposições da Carta são aplicáveis. Além disso, no n.o 3[5] do Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281), o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de algum Estado‑Membro invocar razões imperiosas de interesse geral para justificar uma regulamentação suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços, esta justificação, prevista pelo direito da União, deve ser interpretada à luz dos princípios gerais de direito e, nomeadamente, dos direitos fundamentais doravante garantidos pela Carta. Assim, a regulamentação nacional em causa só poderá beneficiar das exceções previstas se se conformar com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça.

( 15 ) O artigo 22.o da Carta que estabelece que a União respeita, nomeadamente, a diversidade religiosa é igualmente relevante.

( 16 ) V., por exemplo, artigo 8.o, n.o 6, alíneas a) a c), da Diretiva 2011/24.

( 17 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 18 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 37 e jurisprudência referida). Nos n.os 26 a 28 do Acórdão de 21 de junho de 2012, Susisalo e o. (C‑84/11, EU:C:2012:374), o Tribunal de Justiça declarou que em conformidade com o artigo 168.o, n.o 7, TFUE, o direito da União não afeta a competência dos Estados‑Membros para regularem os seus sistemas de segurança social e para adotarem, em particular, disposições destinadas a organizar serviços de saúde. Contudo, no exercício desta competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, designadamente as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais. As referidas disposições incluem a proibição de os Estados‑Membros introduzirem ou manterem restrições injustificadas ao exercício dessas liberdades no domínio dos cuidados de saúde. Na apreciação da observância desta obrigação, importa ter em conta o facto de que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar no rol dos bens ou interesses protegidos pelo Tratado, e que compete aos Estados‑Membros decidir a que nível pretendem assegurar a proteção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que esse nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação.

( 19 ) Acórdão de 27 de outubro de 2011, Comissão/Portugal (C‑255/09, EU:C:2011:695, n.o 60 e jurisprudência referida).

( 20 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 41).

( 21 ) A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que não se pode excluir que um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social possa constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar um entrave à livre prestação de serviços. Recordou que reconhecia também que o objetivo de manutenção de um serviço médico e hospitalar equilibrado e acessível a todos pode igualmente ser abrangido por derrogações com base em razões de saúde pública previstas no artigo 56.o TFUE, na medida em que esse objetivo contribua para a realização de um nível elevado de proteção da saúde. Precisou ainda que o mesmo artigo 56.o TFUE permite aos Estados‑Membros restringir a livre prestação de serviços médicos e hospitalares, na medida em que a manutenção da capacidade de tratamento ou de uma especialidade médica no território nacional seja essencial para a saúde pública, ou mesmo para a sobrevivência da sua população. O Tribunal de Justiça também considerou que o número de infraestruturas hospitalares, a sua repartição geográfica, a sua organização e os equipamentos de que dispõem, ou ainda a natureza dos serviços médicos que estão em condições de oferecer, devem poder ser objeto de uma planificação que responda, em regra, a diversas preocupações. Por um lado, esta planificação prossegue o objetivo de garantir, no território do Estado‑Membro em causa, uma acessibilidade suficiente e permanente a uma gama equilibrada de cuidados hospitalares de qualidade. Por outro lado, exprime a vontade de garantir um controlo dos custos e de evitar, na medida do possível, qualquer desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos. Esse desperdício seria, com efeito, tanto mais prejudicial quanto é certo que o setor dos cuidados hospitalares gera custos consideráveis e deve responder a necessidades crescentes, e os recursos financeiros que podem ser consagrados aos cuidados de saúde não são, independentemente do modo de financiamento utilizado, ilimitados. V., Acórdão de 5 outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 42 e 43).

( 22 ) V., contudo, Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 45 e 46), relativo à exceção em casos urgentes.

( 23 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 39).

( 24 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 54). O Tribunal de Justiça declarou que o direito da União não prejudica a competência dos Estados‑Membros para organizar os seus sistemas de segurança social e que, na falta de uma harmonização ao nível da União, compete à legislação de cada Estado‑Membro determinar as condições de concessão das prestações em matéria de segurança social. V. considerando 7 da Diretiva 2011/24 e Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 40 e 56). Assim, em princípio, não é incompatível com o direito da União que um Estado‑Membro proceda à elaboração de listas limitativas das prestações médicas tomadas a cargo pelo seu sistema de segurança social e que esse direito não possa, em princípio, ter por efeito obrigar um Estado‑Membro a alargar essas listas de prestações. Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 58 e jurisprudência referida).

( 25 ) Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a primeira condição estabelecida no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 foi preenchida. V. n.o 15 do pedido de decisão prejudicial. Assim sendo, é pacífico que está a ser pedido ao Ministério da Saúde o pagamento de cuidados de saúde no estrangeiro que não estão previstos na legislação letã.

( 26 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 63).

( 27 ) No n.o 70 do Acórdão de 16 de maio de 2006, Watts (C‑372/04, EU:C:2006:325), o Tribunal de Justiça declarou que se o prazo resultante dos objetivos gerais de planificação não exceder o tempo clinicamente aceitável, a instituição competente tem o direito de considerar que a segunda condição não está preenchida e de recusar a concessão da autorização solicitada pelo interessado.

( 28 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 77 e 78). Quando um beneficiário da segurança social apresentou um pedido de autorização ao abrigo dessa disposição e esse pedido foi indeferido pela instituição competente e a natureza infundada desse indeferimento foi ulteriormente demonstrada ou pela própria instituição competente ou através de decisão jurisdicional, esse beneficiário tem o direito de ser diretamente reembolsado pela instituição competente num montante equivalente ao que, normalmente, seria tomado a cargo caso a autorização tivesse sido devidamente concedida desde o início. Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 48).

( 29 ) Os quais poderão ser consideravelmente superiores aos custos que, de outro modo, seriam suportados pelo Estado‑Membro de afiliação. Com efeito, é possível deduzir das alegações do Ministério da Saúde e do Governo letão que os custos dos cuidados de saúde hospitalares noutros Estados‑Membros são consideravelmente superiores aos custos de cuidados equivalentes na Letónia. No entanto, em abstrato, não é possível excluir que os custos suportados pelo Estado‑Membro de afiliação possam ser inferiores.

( 30 ) V. considerandos 26 e 27 da Diretiva 2011/24. V., igualmente, artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2011/24.

( 31 ) V., igualmente, Acórdão de 27 de outubro de 2011, Comissão/Portugal (C‑255/09, EU:C:2011:695, n.o 79). Quanto a exceções a esta limitação em matéria de reembolso, v. segundo e terceiro parágrafo do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2011/24. No n.o 70 do Acórdão de 27 de outubro de 2011, Comissão/Portugal (C‑255/09, EU:C:2011:695), o Tribunal de Justiça recordou, com efeito, o facto de uma medida nacional poder ser eventualmente conforme com uma disposição de direito derivado tal como o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 não tem por efeito fazer com que essa medida escape ao disposto no Tratado. Além disso, o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 visa permitir ao segurado, que está autorizado pela instituição competente a deslocar‑se a outro Estado‑Membro para aí receber cuidados adequados ao seu estado, beneficiar das prestações de doença em espécie, por conta da instituição competente, mas segundo as disposições da legislação do Estado onde as prestações são efetuadas, designadamente no caso de a transferência ser necessária tendo em conta o estado de saúde do interessado, e isto sem incorrer em despesas adicionais. Em contrapartida, há que constatar que o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, interpretado à luz da sua finalidade, não tem como objetivo regulamentar — e, portanto, não impede de modo nenhum — o reembolso pelo Estado‑Membro de inscrição, segundo as tarifas em vigor no dito Estado‑Membro, das despesas motivadas por tratamentos efetuados noutro Estado‑Membro, mesmo sem autorização prévia.

( 32 ) V., neste sentido, n.os 90‑95 do Acórdão de 27 de outubro de 2011, Comissão/Portugal (C‑255/09, EU:C:2011:695).

( 33 ) Em contrapartida, resulta da segunda condição prevista no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 que o direito a cuidados de saúde transfronteiriços nele previsto está sujeito a autorização prévia que, de acordo com esta disposição, pode ser recusada pelo Estado‑Membro de afiliação na falta de necessidade médica iminente.

( 34 ) V. n.o 97 do Acórdão de 13 de maio de 2003, Müller‑Fauré e van Riet (C‑385/99, EU:C:2003:270).

( 35 ) A República da Letónia parece ter aplicado esse sistema de autorização prévia em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 até 1 de setembro de 2018, circunstância que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

( 36 ) V. artigo 8.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/24. V., igualmente, artigo 7.o, n.o 9, da Diretiva 2011/24 que estabelece que o Estado‑Membro de afiliação pode restringir o reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços com base em razões imperiosas de interesse geral.

( 37 ) À luz destas condições, considero que se pode razoavelmente presumir que o artigo 8.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/24 está relacionado com os cuidados de saúde transfronteiriços recebidos por B na Polónia. V., igualmente, redação das questões do órgão jurisdicional de reenvio. V., igualmente, artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2011/24. Trata‑se de uma questão de facto que cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

( 38 ) V. artigo 8.o, n.o 6, alínea d), da Diretiva 2011/24. Esta disposição reflete estritamente o disposto no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004.

( 39 ) A sinceridade destas convicções religiosas e a necessidade de B procurar tratamento fora da Letónia para garantir o respeito por tais convicções não foi questionada nas alegações perante o Tribunal de Justiça. Na audiência de 13 de fevereiro de 2020, A salientou que o tratamento em causa era um procedimento que salvava a vida de B que não era de forma alguma motivado por razões de «turismo médico».

( 40 ) Nada nos autos sugere que o direito de B receber serviços transfronteiriços foi de algum modo violado. No entanto, uma vez que os cuidados de saúde transfronteiriços podem ser dispendiosos, a existência de um direito ao reembolso pode ser crucial para que uma pessoa efetivamente beneficie daquele direito.

( 41 ) A proibição de qualquer discriminação em razão da religião ou crença é obrigatória enquanto princípio geral do direito da União. Esta proibição, estabelecida no artigo 21.o, n.o 1, da Carta confere aos indivíduos um direito invocável em litígios relativos a matérias abrangidas pelo direito da União. Quando seja detetada uma discriminação contrária ao direito da União as pessoas prejudicadas devem ser colocadas na mesma situação das pessoas que beneficiam da vantagem em causa. V. Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43, n.os 76 e 79). Importa observa que ao contrário dos factos no referido processo, os factos em causa no processo principal dizem respeito a uma relação vertical entre A e B, por um lado, e o Ministério da Saúde letão, por outro.

( 42 ) Em meu entender, é possível que A e B tenham sofrido, como alega A, uma discriminação indireta em razão da religião e que o seu direito de praticarem a sua religião tenha sido entravado devido à aplicação da legislação nacional que transpôs a segunda condição do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, na medida em que o pedido de emissão do formulário S2 relativamente a B foi indeferido e, por conseguinte, este não teve o direito de receber o reembolso de cuidados de saúde, prestados em conformidade com as convicções religiosas genuínas de A, que apenas estavam disponíveis noutro Estado‑Membro. Além disso, o órgão jurisdicional deve verificar se A e/ou B apresentaram, ou deveriam ter apresentado, um pedido de autorização para receber cuidados de saúde transfronteiriços nos termos do artigo 8.o da Diretiva 2011/24. Se um requisito de autorização prévia tiver sido imposto pela legislação nacional nos termos do artigo 8.o da Diretiva 2011/24 e as condições para a sua concessão não tiveram em conta as convicções religiosas de A e B, pode ter sido indiretamente imposta uma limitação ao exercício, por parte destes, dos direitos e liberdades reconhecidos pelo artigo 10.o, n.o 1, da Carta e podem ter sofrido uma discriminação indireta nos termos do artigo 21.o, n.o 1, da Carta.

( 43 ) V., por analogia, Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 35). Importa salientar que nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser impostas limitações ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos, nomeadamente, pelos artigos 10.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1, da Carta quando tais limitações estejam previstas por lei e respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Além disso, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Por conseguinte, concordo com as alegações do Governo polaco segundo as quais o direito de praticar uma religião não é uma prerrogativa absoluta, podendo ser limitada por lei por razões de utilidade pública de forma adequada.

( 44 ) Quando avalia tais meios, o órgão jurisdicional de reenvio deve adotar uma abordagem global que tenha em conta todas as confissões religiosas presentes em números relevantes na Letónia e não ter apenas em consideração o impacto do caso de B no sistema de saúde letão. Assim, no n.o 74 do Acórdão de 13 de maio de 2003, Müller‑Fauré e van Riet (C‑385/99, EU:C:2003:270), o Tribunal de Justiça declarou que é óbvio que a tomada a cargo de um tratamento isolado, dispensado num Estado‑Membro que não o de estabelecimento da caixa de seguro de doença a que pertence determinado segurado, nunca pode ter consequências significativas no financiamento do sistema de segurança social. Por conseguinte, há que adotar necessariamente uma abordagem global das consequências da livre prestação de serviços em matéria de saúde.

( 45 ) V. Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 42 e 43 e jurisprudência referida).

( 46 ) Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 41).

( 47 ) Estes critérios foram reiterados, no essencial, no artigo 8.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/24. V., igualmente, n.o 46 e nota 20 das presentes conclusões.

( 48 ) É inquestionável que estes critérios também têm uma componente financeira indireta devido aos recursos limitados disponíveis em todos os Estados‑Membros no que diz respeito a cuidados de saúde públicos.

( 49 ) Com efeito, na audiência de 13 de fevereiro de 2020, o Governo letão referiu que a necessidade desta autorização prévia em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 2011/24 foi suprimida em 1 de setembro de 2018 por se ter revelado desnecessária.

( 50 ) Embora se baseasse nas disposições nacionais de transposição do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004.

( 51 ) Todavia, nas suas alegações, os Governos italiano e polaco sublinharam a importância destes critérios organizacionais e estruturais para assegurarem a prestação equilibrada de cuidados de saúde.

( 52 ) De acordo com a segunda condição prevista no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004.

( 53 ) Mesmo que os custos envolvidos não sejam efetivamente mais elevados, existe um elemento de incerteza e risco em relação aos custos que o Estado‑Membro de afiliação deve suportar, o qual pode dar origem a uma renitência legítima da sua parte em assumir tal encargo financeiro ou risco na falta de necessidade médica iminente. Além disso, conforme referido pelo Governo italiano nas suas alegações escritas, é possível que os sistemas nacionais de saúde possam ser potencialmente expostos a um grande número de pedidos de autorização para prestação de cuidados de saúde transfronteiriços apenas com base em motivos religiosos, e não em necessidades médicas iminentes. Em meu entender, trata‑se de questões de facto que exigem uma avaliação empírica por parte do órgão jurisdicional de reenvio no seu contexto nacional específico, tendo em consideração o número de potenciais pedidos, o custo e o risco financeiro potencialmente envolvido e a dimensão do orçamento nacional da saúde.

( 54 ) Saber se esta autorização foi pedida e se, na realidade, estava efetivamente disponível na Letónia em 2016 uma estrutura adequada para fornecer informações e para conceder tal autorização prévia nos termos da legislação nacional que transpôs o artigo 8.o da Diretiva 2011/24, é um facto que é contestado pelas partes no processo no Tribunal Justiça e que deve ser verificado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

( 55 ) Independentemente da motivação — religiosa ou outra.

( 56 ) O requisito de autorização prévia em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2011/24 constitui uma derrogação clara a este princípio que, por conseguinte, deve ser interpretado de maneira estrita.