ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

23 de maio de 2019 ( *1 )

«Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marcas nominativa e figurativa da União Europeia ANN TAYLOR e AT ANN TAYLOR — Motivo de nulidade absoluta — Artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2017/1001 — Má‑fé»

Nos processos apensos T‑3/18 e T‑4/18,

Holzer y Cia, SA de CV, com sede na Cidade do México (México), representada por N. Fernández Fernández‑Pacheco e A. Fernández Fernández‑Pacheco, advogados,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Lukošiūtė e H. O’Neill, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Annco, Inc., com sede em Nova Iorque, Nova Iorque (Estados Unidos), representada por D. Rose, J. Warner e E. Preston, solicitors, e P. Roberts, QC,

que têm por objeto dois recursos de duas decisões da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 2 e 8 de novembro de 2017 (processos R 2370/2016‑2 e R 2371/2016‑2), relativas a dois processos de declaração de nulidade entre a Annco e a Holzer y Cia,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente, I. Labucka e I. Ulloa Rubio, juízes,

secretário: N. Schall, administradora,

vistas as petições entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de janeiro de 2018,

vistas as respostas do EUIPO apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de março de 2018,

vistas as respostas da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de março de 2018,

vista a decisão, de 22 de outubro de 2018, que ordena a apensação dos processos T‑3/18 e T‑4/18 para efeitos da fase oral e da decisão que põe termo à instância,

após a audiência de 22 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

[Omissis]

Questão de direito

[Omissis]

24

Quanto ao mérito, a recorrente invoca um fundamento único, relativo, em substância, à violação do artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2017/1001, na medida em que, em seu entender, a Câmara de Recurso considerou, erradamente, que as marcas controvertidas tinham sido depositadas de má‑fé. Em apoio deste fundamento, invoca três argumentos, relativos a erros de apreciação respeitantes, respetivamente, à existência de uma semelhança entre os sinais em conflito, que gera um risco de confusão, e ao conhecimento, pelo titular das marcas controvertidas, da existência de um marca idêntica ou semelhante, à intenção do titular das marcas controvertidas no momento do seu depósito e ao valor probatório dos elementos apresentados pela interveniente em apoio do seu pedido de declaração de nulidade, bem como ao ónus da prova.

25

A interveniente sustenta que, ao aduzir estes argumentos, a recorrente não respeita as disposições do artigo 72.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2017/1001, na medida em que não invoca nenhum erro de direito ou de processo por parte da Câmara de Recurso, mas limita‑se a contestar as apreciações e as conclusões desta última.

26

A este respeito, por um lado, há que recordar que, nos termos do artigo 72.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2017/1001, o recurso contra as decisões das Câmaras de Recurso está aberto, nomeadamente, por violação deste regulamento.

27

Ora, como se indica no n.o 24, supra, o presente recurso baseia‑se num fundamento único, relativo, em substância, à violação de uma disposição do Regulamento n.o 2017/1001, a saber, o seu artigo 59.o, n.o 1, alínea b).

28

Por outro lado, decorre da jurisprudência que, no âmbito do artigo 72.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2017/1001, o Tribunal Geral pode proceder a uma fiscalização total da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do EUIPO, avaliando, caso seja necessário, se estas deram uma classificação jurídica exata à matéria de facto do litígio ou se a apreciação dos elementos de facto que lhes foram submetidos não padece de erros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Les Éditions Albert René/IHMI, C‑16/06 P, EU:C:2008:739, n.o 39).

29

Por conseguinte, no âmbito do seu fundamento único, a recorrente pode pedir ao Tribunal Geral que fiscalize a exatidão das apreciações de direito e de facto em que se baseiam as decisões impugnadas.

30

Em particular, contrariamente ao que a interveniente sustentou na audiência, a recorrente tem o direito de pedir ao Tribunal Geral que examine, no âmbito da sua fiscalização da legalidade das decisões controvertidas, os elementos de prova apresentados pelas partes no EUIPO, a fim de verificar se a Câmara de Recurso os tomou suficientemente em consideração e apreciou corretamente a sua importância e o seu valor probatório respetivo, e se, nessa base, teve razão ao concluir que as marcas controvertidas tinham sido depositadas de má‑fé.

31

A este respeito, embora o conceito de má‑fé não esteja definido na legislação da União, pode deduzir‑se do seu sentido corrente bem como do contexto e dos objetivos do artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 que, como a advogada‑geral E. Sharpston expôs no n.o 60 das suas Conclusões no processo Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:148), esse conceito é relativo a uma motivação subjetiva da pessoa que pede o registo de marca em causa, a saber, uma intenção desonesta ou outro motivo causador de dano, e implica um comportamento que se afasta dos princípios reconhecidos como os que pautam um comportamento ético ou os usos honestos em matéria industrial ou comercial [Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:148, n.o 60, e Acórdão de 7 de julho de 2016, Copernicus‑Trademarks/EUIPO — Maquet (LUCEO), T‑82/14, EU:T:2016:396, n.o 28].

32

Este conceito não é, portanto, aplicável quando se pode considerar que o pedido de registo responde a um objetivo legítimo e a intenção do requerente não é contrária à função essencial da marca, que consiste em garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço em causa, permitindo‑lhe distinguir sem confusão possível esse produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.os 44 a 49, e de 7 de julho de 2016, LUCEO, T‑82/14, EU:T:2016:396, n.o 29).

33

Assim, o artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 responde ao objetivo de interesse geral de impedir os registos de marca abusivos ou contrários aos usos honestos em matéria industrial e comercial (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 3 de junho de 2010, Internetportal und Marketing, C‑569/08, EU:C:2010:311, n.os 36 e 37). Com efeito, esses registos são contrários ao princípio segundo o qual a aplicação do direito da União não pode ser estendida ao ponto de cobrir as práticas abusivas de operadores económicos que não permitem alcançar o objetivo prosseguido pela legislação em causa (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Emsland‑Stärke, C‑110/99, EU:C:2000:695, n.os 51 e 52, e de 7 de julho de 2016, LUCEO, T‑82/14, EU:T:2016:396, n.o 52).

34

Cabe ao requerente da declaração de nulidade que pretenda basear‑se no artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 demonstrar as circunstâncias que permitem concluir que um pedido de registo de uma marca da União Europeia foi depositado de má‑fé, presumindo‑se a boa‑fé do depositante até prova em contrário [Acórdão de 8 de março de 2017, Biernacka‑Hoba/EUIPO — Formata Bogusław Hoba (Formata), T‑23/16, não publicado, EU:T:2017:149, n.o 45].

35

A este respeito, embora, na medida em que caracteriza a intenção do requerente no momento do depósito do pedido de registo de uma marca da União Europeia, o conceito de má‑fé, na aceção do artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001, constitua um elemento subjetivo, deve ser determinado por referência às circunstâncias objetivas do caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.o 42).

36

No entanto, quando o EUIPO constate que as circunstâncias objetivas do caso concreto invocadas pelo requerente da declaração de nulidade podem conduzir à inversão da presunção de boa‑fé de que goza o pedido de registo da marca controvertida, cabe ao titular desta última fornecer explicações plausíveis sobre os objetivos e a lógica comercial prosseguidos pelo pedido de registo da referida marca.

37

Com efeito, o titular da marca está em melhor posição para esclarecer o EUIPO acerca das intenções que o animavam no momento do pedido de registo dessa marca e para lhe fornecer elementos suscetíveis de o convencer de que, apesar da existência de circunstâncias objetivas como as visadas no n.o 36, supra, essa intenção era legítima [v., neste sentido, e por analogia, Acórdãos de 9 de novembro de 2016, Birkenstock Sales/EUIPO (Representação de um motivo de linhas onduladas entrecruzadas), T‑579/14, EU:T:2016:650, n.o 136, e de 5 de maio de 2017, PayPal/EUIPO — Hub Culture (VENMO), T‑132/16, não publicado, EU:T:2017:316, n.os 51 a 59].

38

É à luz destas considerações que devem ser examinados os diferentes argumentos da recorrente.

Quanto ao primeiro argumento, relativo a um erro de apreciação da Câmara de Recurso quanto à existência de uma semelhança entre os sinais em conflito, que gera um risco de confusão, e ao conhecimento pelo titular das marcas controvertidas da existência de uma marca semelhante

39

A recorrente afirma que a existência de uma semelhança entre os sinais em conflito, que gera um risco de confusão, e o conhecimento pelo titular das marcas controvertidas da existência de uma marca semelhante constituem duas condições necessárias para caracterizar a má‑fé do referido titular.

40

O presente argumento divide‑se em duas partes, uma, relativa a um erro na aplicação da primeira destas condições, a outra, relativa a um erro na aplicação da segunda.

41

No âmbito da primeira parte deste argumento, a recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao considerar que existia uma semelhança que gerava confusão entre os sinais em conflito, quando não existia qualquer identidade ou semelhança dos produtos abrangidos. A recorrente sustenta que resulta, com efeito, da prática do EUIPO que os artigos de vestuário e os relógios são produtos diferentes, pelo que o consumidor não estabelecerá nenhuma relação entre as marcas em causa. Considera, além disso, que a interveniente não fez prova bastante do prestígio da marca anterior.

42

No âmbito da segunda parte, a recorrente sustenta que, no caso vertente, no momento do depósito das marcas controvertidas, não tinha conhecimento da existência de uma marca idêntica ou semelhante suscetível de gerar confusão, isto é, o registo de uma marca anterior que contivesse os elementos nominativos «ann taylor» para produtos da classe 14. Além disso, a recorrente entende que, mesmo na hipótese de ter tido conhecimento da existência de uma marca dessas depositada para vestuário, essa circunstância seria irrelevante.

43

O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação.

44

As duas partes do presente argumento devem ser apreciadas sucessivamente.

Quanto à primeira parte, relativa a um erro de apreciação da Câmara de Recurso quanto à existência de uma semelhança entre os sinais em conflito, que gera um risco de confusão

45

Desde logo, há que salientar que a presente parte se baseia em três premissas.

46

Em primeiro lugar, a recorrente sustenta, tal como confirmou na audiência, que, à luz dos critérios estabelecidos pelo Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361), para provar a má‑fé, a interveniente tinha a obrigação de demonstrar a existência na União de um sinal idêntico ou semelhante ao sinal cujo registo é pedido, para um produto idêntico, e que dá lugar a um risco de confusão.

47

Em segundo lugar, a recorrente baseia‑se, implícita mas necessariamente, na premissa de que a Câmara de Recurso concluiu, no caso vertente, que existia na União um sinal idêntico ou semelhante dessa natureza, para um produto idêntico ou semelhante, que gerava um risco de confusão.

48

Em terceiro lugar, a recorrente considera que, para provar a má‑fé, a interveniente tinha de demonstrar o prestígio da marca anterior na União.

49

Ora estas três premissas são erradas.

50

A este respeito, antes de mais, no caso da primeira premissa, há que recordar que, segundo a jurisprudência, a existência da má‑fé do requerente no momento do depósito do pedido de registo deve ser apreciada globalmente, tendo em conta todos os fatores relevantes do caso em apreço (Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.os 35 e 37).

51

O Tribunal de Justiça declarou que podiam constituir fatores pertinentes dessa natureza, nomeadamente, o facto de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza, pelo menos num Estado‑Membro, um sinal idêntico ou semelhante para um produto idêntico ou semelhante suscetível de gerar confusão com o sinal cujo registo é pedido, a intenção do requerente de impedir esse terceiro de continuar a utilizar esse sinal, bem como o grau de proteção jurídica de que gozam o sinal do terceiro e o sinal cujo registo é pedido (Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.o 53).

52

Todavia, decorre dos fundamentos do Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361), que os três fatores enumerados no n.o 51, supra, mais não são do que exemplos de elementos suscetíveis de ser tomados em consideração para poder apreciar a eventual má‑fé de um requerente de marca no momento do depósito do pedido [Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Peeters Landbouwmachines/IHMI — Fors MW (BIGAB), T‑33/11, EU:T:2012:77, n.o 20]. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça limitou‑se a responder às questões do órgão jurisdicional nacional, que diziam respeito, em substância, à questão de saber se esses fatores eram pertinentes (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.os 22 e 38). Assim, a inexistência de um ou outro desses fatores não se opõe necessariamente, segundo as circunstâncias próprias do caso em apreço, à constatação da má‑fé do requente (v., neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 2016, LUCEO, T‑82/14, EU:T:2016:396, n.o 147).

53

A este respeito, importa sublinhar, como a advogada‑geral E. Sharpston salientou no n.o 60 das suas Conclusões no processo Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:148), que o conceito de má‑fé, na aceção do artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2017/1001, não pode ser confinado a uma categoria limitada de circunstâncias específicas. Com efeito, o objetivo de interesse geral destas disposições de impedir os registos de marca abusivos ou contrários aos usos honestos em matéria industrial e comercial, recordado no n.o 33, supra, ficaria comprometido se a má‑fé apenas pudesse ser demonstrada pelas circunstâncias enumeradas de forma taxativa no Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361) (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 3 de junho de 2010, Internetportal und Marketing, C‑569/08, EU:C:2010:311, n.o 37).

54

Assim, é jurisprudência constante que, no âmbito da apreciação global da existência da má‑fé do requerente, se pode igualmente ter em conta a origem do sinal impugnado e o seu uso desde a sua criação, a lógica comercial em que se insere o depósito do pedido de registo do sinal como marca da União Europeia, bem como a cronologia dos acontecimentos que caracterizaram a ocorrência do referido depósito (v. Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Pangyrus/IHMI — RSVP Design (COLOURBLIND), T‑257/11, não publicado,EU:T:2015:115, n.o 68 e jurisprudência aí referida).

55

Por outro lado, importa salientar que, contrariamente ao artigo 60.o do Regulamento 2017/1001, que enumera as causas de nulidade relativa de uma marca da União Europeia e que visa assim proteger os interesses privados dos titulares de certos direitos anteriores que entram em conflito com a marca em causa, o artigo 59.o, n.o 1, do mesmo regulamento, que prevê, nomeadamente, que a má‑fé do requerente no momento do depósito de um pedido de marca constitui uma causa de nulidade absoluta, visa proteger o interesse de todos. Consequentemente, as apreciações pertinentes para constatar a existência de uma das causas de nulidade relativas acima referidas não são necessariamente transponíveis para a constatação da existência da má‑fé (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2015, BGW, C‑20/14, EU:C:2015:714, n.os 23 a 34).

56

Em especial, não se pode exigir sistematicamente ao requerente da declaração de nulidade que invoca a má‑fé que demonstre a existência de um risco de confusão, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001, entre a marca anterior de que é titular e a marca controvertida. Com efeito, tal como o EUIPO e a interveniente salientaram na audiência, por um lado, isso privaria, em grande medida, do seu efeito útil as disposições do artigo 59.o, n.o 1, alíneas b), do Regulamento n.o 2017/1001. Por outro lado, estas disposições, que visam proteger o interesse geral, podem ser invocados por qualquer pessoa singular ou coletiva, e não apenas pelos titulares de direitos anteriores.

57

No caso vertente, basta observar que, para provar a má‑fé da recorrente no momento do depósito das marcas controvertidas, a interveniente invocou perante o EUIPO circunstâncias relativas ao depósito e à utilização no México, pela primeira daquelas duas empresas, de marcas idênticas às referidas marcas controvertidas, circunstâncias essas que, em seu entender, traduziam a intenção da referida empresa de se apropriar, de forma desonesta, da sua marca semelhante, depositada para vestuário nos Estados Unidos. Ora, é manifesto que as condições estabelecidas pelo artigo 8.o, n.o 1, alíneas b), do Regulamento n.o 2017/1001 não podem constituir critérios adequados para apreciar a pertinência destas circunstâncias.

58

Em seguida, quanto à segunda premissa desta parte do argumento, importa salientar que, no caso em apreço, a Câmara de Recurso apenas constatou a identidade ou a semelhança das marcas controvertidas e dos sinais da interveniente e a existência de uma correlação entre os relógios da classe 14, visados pelas referidas marcas, e os produtos do setor do vestuário da classe 25 para os quais os sinais acima referidos eram utilizados. Em contrapartida, como a própria recorrente salientou, a Câmara de Recurso indicou expressamente, no n.o 26 das decisões impugnadas, que estes produtos não podiam ser considerados semelhantes na aceção do Acórdão de 29 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), o qual dizia respeito à questão de saber em que condições a semelhança de produtos ou de serviços podia dar lugar à existência de um risco de confusão. Não se pode, pois, acusar a Câmara de Recurso de ter fundamentado as decisões impugnadas em considerações factuais erradas por ter, erradamente, constatado a existência de um risco de confusão no caso em apreço.

59

Por último, quanto à terceira premissa desta parte do argumento, cabe sublinhar que o prestígio da marca anterior constitui, nomeadamente, uma condição para a aplicação do artigo 8.o, n.o 5, e do artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2017/1001, que pode ser invocado quando existe um risco de que a utilização da marca pedida beneficie indevidamente do caráter distintivo ou do prestígio da marca anterior, ou possa prejudicá‑los. Segundo jurisprudência constante, as diferentes violações visadas por estas disposições constituem a consequência de um certo grau de semelhança entre a marca anterior e a marca cujo registo é pedido, em razão do qual o público em causa efetua uma aproximação entre as duas, isto é, estabelece uma ligação entre elas, embora não as confunda necessariamente [v. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Coca‑Cola/IHMI — Mitico (Master), T‑480/12, EU:T:2014:1062, n.o 26 e jurisprudência aí referida].

60

Em contrapartida, por razões análogas às invocadas nos n.os 55 e 56, supra, embora o prestígio de um sinal anterior na União possa, consoante as circunstâncias do caso, constituir um elemento pertinente para efeitos de apreciação da má‑fé, não se pode exigir ao requerente da declaração de nulidade que invoca essa má‑fé que demonstre sistematicamente o referido prestígio, a exemplo do que é exigido ao requerente da declaração de nulidade que invoca as condições do artigo 60.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento 2017/1001. Em particular, como foi recordado no n.o 35, supra, a má‑fé caracteriza a intenção do requerente no momento do depósito da marca controvertida. Em contrapartida, como salientou a interveniente na audiência, os potenciais efeitos da utilização dessa marca no prestígio de uma marca anterior não são necessariamente pertinentes.

61

Em qualquer caso, admitindo que o prestígio das marcas da interveniente seja pertinente no caso em apreço, não é o seu prestígio na União, mas o prestígio de que possam gozar nos Estados Unidos e no México, que deve ser tomado em consideração, atendendo às circunstâncias invocadas pela interveniente. Ora, como as suas observações na audiência confirmaram, a recorrente invoca unicamente o facto de as marcas da interveniente não gozarem de prestígio no território da União.

62

Resulta das considerações anteriores que a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de direito ou de apreciação por inexistência, no caso vertente, de um sinal idêntico ou semelhante para um produto idêntico ou semelhante, que suscite confusão com os sinais cujo registo é pedido, ou por os sinais anteriores da interveniente não gozarem de prestígio na União.

63

No entanto, não obstante o caráter errado das premissas desta parte do argumento, há que examinar o seu mérito na medida em que visa o erro alegadamente cometido pela Câmara de Recurso ao considerar que existia uma relação entre os produtos visados pelas marcas controvertidas e os produtos abrangidos pelos sinais utilizados pela interveniente, e que esta relação era pertinente para efeitos da constatação da má‑fé do requerente no momento do depósito dessas marcas.

64

A este respeito, em primeiro lugar, deve salientar‑se que a existência de sinais idênticos ou semelhantes utilizados para produtos pertencentes a um segmento de mercado vizinho dos produtos para os quais a marca controvertida foi registada pode ser relevante na demonstração da má‑fé do requerente.

65

Com efeito, embora, nessa hipótese, os produtos designados pelos sinais idênticos ou semelhantes sejam diferentes, a proximidade dos segmentos de mercado pode oferecer ao requerente da marca controvertida a oportunidade de, se for essa a sua intenção, pôr em prática estratégias de exploração dessa marca contrárias à ética ou aos usos honestos em matéria industrial e comercial. Por exemplo, terá a oportunidade de a explorar para gerar deliberadamente, no espírito dos profissionais do setor ou do público, uma associação com a empresa proprietária ou utilizadora dos sinais idênticos ou semelhantes, ou ainda para impedir o alargamento das atividades dessa empresa ao segmento de mercado para o qual a sua marca está registada, quando esse alargamento de atividades podia constituir, para a referida empresa, uma estratégia de expansão comercial legítima.

66

Em segundo lugar, as apreciações da Câmara de Recurso relativas, por um lado, à exploração pela interveniente do sinal ANN TAYLOR (ou do sinal muito semelhante ANNTAYLOR) e, por outro, à identidade ou à semelhança das marcas controvertidas e desses sinais não contêm erros.

67

A este respeito, por um lado, basta referir que, à luz das provas fornecidas pela interveniente no âmbito do processo de declaração de nulidade, a Câmara de Recurso pôde constatar a utilização por essa empresa, desde 1954, pelo menos nos Estados Unidos, da marca ANN TAYLOR, nomeadamente para artigos de vestuário, bem como a existência de vários registos de marcas idênticas ou semelhantes detidas por ela em cerca de 90 países, em particular para os mesmos produtos. Sublinhe‑se, nomeadamente, que a interveniente depositou, antes do depósito das marcas controvertidas, pedidos de marcas junto do EUIPO e das autoridades de certos Estados‑Membros para o sinal ANN TAYLOR ou para sinais muito semelhantes.

68

Por outro lado, é forçoso constatar a identidade da marca nominativa controvertida e da marca nominativa ANN TAYLOR de que é titular a interveniente, bem como a sua semelhança com uma das suas outras marcas nominativas, ANNTAYLOR, residindo a única diferença, neste último caso, no espaço entre o elemento «ann» e o elemento «taylor». Além disso, é exato que, como decorre das apreciações da Divisão de Anulação, confirmadas pela Câmara de Recurso, a impressão geral criada pela marca figurativa controvertida não difere grandemente da suscitada pelas marcas da interveniente acima mencionadas, em razão da inclusão do elemento em letras maiúsculas «ANN TAYLOR» na referida marca figurativa e da posição distintiva autónoma e dominante que aí ocupa.

69

Em terceiro lugar, resulta da jurisprudência que, independentemente da questão de saber se os produtos da classe 14, como os relógios, e os produtos da classe 25, como os produtos do setor do vestuário, são semelhantes na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2017/1001, estes produtos pertencem a segmentos de mercado próximos. Com efeito, em particular no domínio dos artigos de luxo, esses produtos são vendidos sob marcas famosas de criadores e de fabricantes de prestígio, e os fabricantes de artigos de vestuário viram‑se, portanto, para o mercado dos produtos da classe 14, incluindo o dos relógios [v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Compagnie des montres Longines, Francillon/IHMI — Cheng (B), T‑505/12, EU:T:2015:95, n.os 47 à 49 e jurisprudência aí referida].

70

Além disso, decorre da jurisprudência que, mesmo que não seja possível constatar a existência de um nexo de complementaridade entre os relógios e os artigos de vestuário a fim de estabelecer se esses produtos são semelhantes, não é menos verdade que têm em comum o facto de contribuírem para a aparência física de uma pessoa, pelo que a sua aquisição pode ser motivada, pelo menos em parte, pela imagem que lhe irão conferir, inclusive através da busca de uma certa «complementaridade estética» [v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 9 de julho de 2015, CMT/IHMI — Camomilla (Camomilla), T‑98/13 e T‑99/13, não publicado, EU:T:2015:480, n.o 75, e de 28 de setembro de 2016, The Art Company B & S/EUIPO — G‑Star Raw (THE ART OF RAW), T‑593/15, não publicado, EU:T:2016:572, n.o 42].

71

Por conseguinte, a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de direito ao declarar que existia uma correlação entre os produtos visados pelas marcas controvertidas e os produtos do setor do vestuário para os quais as marcas da interveniente foram usadas ou depositadas. Além disso, a Câmara de Recurso pôde concluir acertadamente que a prática dos criadores de moda, de alargar a sua oferta a produtos pertencentes a segmentos de mercado vizinhos do vestuário, era ilustrada no caso vertente pelo alargamento da gama de produtos designados pelas marcas da interveniente a outros produtos além de artigos de vestuário, como sapatos, joias, óculos de sol, perfumes e relógios.

72

Por conseguinte, a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que o facto de as marcas idênticas ou muito semelhantes às marcas controvertidas serem exploradas e protegidas desde 1954 em relação a produtos pertencentes a um segmento de mercado vizinho constituía, no caso em apreço, um fator relevante para apreciar a existência da má‑fé do requerente no momento do depósito das marcas controvertidas.

73

Os argumentos da recorrente e os elementos apresentados em apoio desses argumentos não podem pôr em causa esta conclusão.

74

Por um lado, se é verdade que, tendo em conta os princípios da igualdade de tratamento e da boa administração, o IHMI deve ter em consideração as decisões já adotadas sobre pedidos similares e interrogar‑se, com especial atenção, sobre a questão de saber se deve ou não decidir no mesmo sentido, também é verdade que a aplicação desses princípios tem de ser conciliada com o princípio da legalidade (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, EUIPO/Puma, C‑564/16 P, EU:C:2018:509, n.o 61 e jurisprudência aí referida).

75

No caso vertente, primeiro, a recorrente refere no Tribunal Geral duas decisões que são posteriores às decisões impugnadas. Consequentemente, não se pode criticar a Câmara de Recurso por não as ter tido em consideração. Além disso, segundo jurisprudência constante, o recurso para o Tribunal Geral previsto no artigo 65.o do Regulamento n.o 2017/1001 tem por finalidade a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso, e, no contencioso de anulação, a legalidade do ato impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o ato foi praticado. Assim, a função do Tribunal Geral não é examinar de novo as circunstâncias de facto à luz das provas que sejam apresentadas perante si pela primeira vez [Acórdão de 21 de março de 2012,Feng Shen Technology/IHMI — Majtczak (FS), T‑227/09, EU:T:2012:138, n.o 25, confirmado por Despacho de 7 de fevereiro de 2013, Majtczak/Feng Shen Technology e IHMI, C‑266/12 P, não publicado, EU:C:2013:73, n.o 45].

76

Segundo, no que respeita às decisões do EUIPO que invocou no âmbito do processo de declaração de nulidade, a recorrente limita‑se a alegar que o número dessas decisões era superior a cinquenta e que concluíam todas pela existência de uma diferença entre os relógios e os artigos de vestuário, sem se referir especificamente a nenhuma delas em particular. Ora, estas considerações não podem, evidentemente, ser suficientes para demonstrar que a Câmara de Recurso devia ter tomado em consideração essas decisões. Além disso, segundo jurisprudência constante, uma remissão global para outros documentos não pode suprir a falta dos elementos essenciais da argumentação jurídica, que devem constar da própria petição. Assim, no âmbito de um recurso contra uma decisão de uma Câmara de Recurso do EUIPO, não compete ao Tribunal procurar nos autos do processo do EUIPO os argumentos que a recorrente poderia ter evocado nem apreciá‑los [v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2008, El Corte Inglés/IHMI — Abril Sánchez e Ricote Saugar (BoomerangTV), T‑420/03, EU:T:2008:203, n.os 92 e 93 e jurisprudência aí referida].

77

Terceiro, nas decisões invocadas pela recorrente tanto no EUIPO como no Tribunal Geral, as considerações relativas à diferença entre os relógios e os artigos de vestuário são efetuadas no âmbito da aplicação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2017/1001 ou do artigo 8.o, n.o 5, do mesmo regulamento. Por conseguinte, pelas razões invocadas nos n.os 55 a 61, supra, essas decisões não são pertinentes.

78

Por outro lado, as considerações da recorrente relativas à inexistência de uma relação entre as marcas controvertidas e as marcas anteriores da interveniente, devido ao facto de serem constituídas por um nome próprio feminino e um apelido correntes, só podem ser rejeitadas. Com efeito, como a Câmara de Recurso acertadamente constatou no n.o 25 das decisões impugnadas, o facto de o nome próprio Ann e o apelido Taylor serem de uso corrente nos países anglófonos não significa necessariamente que a sua combinação seja corrente. Além disso, tal como a Câmara de Recurso constatou igualmente, não foi alegado que terceiros utilizam no mercado outras marcas com esta combinação. Essa circunstância também não resulta dos autos do processo de declaração de nulidade no EUIPO. Por conseguinte, a relação entre as marcas controvertidas e as marcas da interveniente, que são idênticas ou muito semelhantes, não é enfraquecido em razão do grau de caráter distintivo intrínseco dessas marcas ou da sua utilização.

79

Resulta das considerações anteriores que a primeira parte do primeiro argumento deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte do primeiro argumento, relativo a um erro da Câmara de Recurso quanto ao conhecimento, pela recorrente, das marcas idênticas ou semelhantes da interveniente no momento do depósito das marcas controvertidas

[Omissis]

83

No caso em apreço, a Câmara de Recurso considerou que o conhecimento, pela recorrente, dos direitos de que a interveniente era titular de um direito sobre sinais idênticos ou semelhantes às marcas controvertidas, para artigos de vestuário, foi estabelecido com base nas circunstâncias que seguem.

84

Em primeiro lugar, nos n.os 33 a 37 das decisões impugnadas, a Câmara de Recurso salientou, com base em declarações escritas prestadas sob juramento por advogados que defenderam os interesses da interveniente e num correio eletrónico do advogado da recorrente dirigido a um dos consultores da interveniente acima referidos, que estava demonstrado que o dirigente da recorrente, A. Holzer, tinha tentado contactar os responsáveis da interveniente a fim de obter um acordo de licença mundial no início dos anos 2000. A Câmara de Recurso constatou que estes factos eram anteriores à apresentação no México, em 2003, da marca ANN TAYLOR, primeira marca da recorrente registada nesse país e que contém o elemento nominativo «ann taylor», em que esta se baseia para justificar a sua estratégia de expansão comercial para a União. A Câmara de Recurso considerou que, apesar dos seus argumentos, a recorrente tinha admitido a existência dessa tentativa.

[Omissis]

91

Além disso, a recorrente contesta a validade, por um lado, das declarações escritas prestadas sob juramento pelos advogados da interveniente, com o fundamento de que os referidos advogados eram empregados por esta última, e, por outro, do correio eletrónico de um dos seus advogados, com o fundamento de que o advogado não tinha um conhecimento direto do conteúdo e da finalidade das diligências de A. Holzer e que o caráter confidencial desse correio obstava a que o EUIPO o tivesse em conta.

92

No caso em apreço, por um lado, importa salientar que nenhum elemento dos autos permite concluir que os advogados de que emanam as referidas declarações e que representam os interesses da interveniente sejam empregados por esta última ou que estejam ligados a ela de outra forma.

93

Em contrapartida, resulta dos anexos do pedido de declaração de nulidade que contêm essas declarações que dois desses advogados são associados no escritório de advogados F., Z., L. e Z., com sede em Nova Iorque, Nova Iorque (Estados Unidos), e que os outros dois são associados em dois escritórios de advogados com sede no México, o primeiro, na sociedade A. & L., e o segundo, na sociedade O. & Cia.

94

Há, pois, que concluir que esses advogados são independentes e terceiros relativamente à interveniente.

95

Além disso, os advogados estão, em princípio, sujeitos a uma disciplina profissional que lhes impõe, nomeadamente, que atuem com probidade, sob pena de ser alvo de um processo disciplinar (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o., C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 42 e 45).

96

Consequentemente, o valor probatório das declarações prestadas sob juramento em causa é necessariamente mais elevado do que as de empregados da interveniente ou de pessoas ligadas de uma maneira ou de outra a esta última [v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2012, Süd‑Chemie/IHMI — Byk‑Cera (CERATIX), T‑312/11, não publicado EU:T:2012:296, n.o 30].

[Omissis]

102

Além disso, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, a confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes deve ser objeto de proteção ao nível da União, desde que o contacto com o advogado esteja relacionado com a defesa do cliente e o referido advogado seja independente (v. Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o., C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 40 e 41 e jurisprudência aí referida). Em matéria de concorrência, essa proteção tem por efeito subtrair as referidas comunicações aos poderes de investigação da Comissão e de se opor a que esta baseie nelas uma decisão que impõe uma coima por infração ao direito da concorrência da União (Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑267/12, não publicado, EU:T:2016:110, n.o 49).

103

Ora, admitindo que esta jurisprudência é aplicável aos elementos de prova utilizados no âmbito dos processos no EUIPO, o correio eletrónico do advogado da recorrente referido no n.o 84, supra, é dirigido a um dos advogados da interveniente. Não se trata, portanto, de uma comunicação entre advogados e clientes, na aceção da jurisprudência referida no n.o 102, supra. Embora esse correio eletrónico mencione elementos que foram levados ao conhecimento do advogado da recorrente por esta última, esta não alega que não tinha autorizado a divulgação desses elementos a representantes da interveniente nem à própria interveniente, o que, de resto, não resulta de forma alguma do referido correio. A advertência, em nota de pé de página desse correio eletrónico, que figura habitualmente nas correspondências profissionais, opõe‑se apenas à sua divulgação a terceiros ou à sua publicação e não pode, por si só, obstar à sua utilização no âmbito do processo de declaração de nulidade litigioso, que diz respeito à recorrente e à interveniente propriamente ditas.

104

Em todo o caso, os elementos respeitantes ao objeto das diligências de A. Holzer junto da interveniente, transmitidos nesse correio eletrónico, figuravam igualmente nas declarações prestadas sob juramento pelos advogados da interveniente e foram reproduzidos, em parte, pela própria recorrente nas suas declarações no EUIPO, como foi salientado no n.o 87, supra. Estes elementos não tinham, por isso, em si mesmos, caráter confidencial.

105

Por conseguinte, a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que as declarações escritas prestadas sob juramento pelos advogados da interveniente e o correio eletrónico de um dos seus advogados constituíam elementos válidos e probatórios para identificar o objeto das diligências de A. Holzer junto da interveniente antes do registo da marca ANN TAYLOR no México.

106

De resto, embora conteste que essas diligências visavam a celebração de um acordo para a comercialização de relógios sob a marca ANN TAYLOR, a recorrente não apresentou nenhuma explicação sobre a finalidade e o conteúdo das referidas diligências, cuja existência, não obstante, reconhece. Ora, é ela que estava na melhor posição para esclarecer a Câmara de Recurso acerca das intenções subjacentes a essas medidas e convencê‑la, apesar dos elementos de prova acima mencionados, de que as referidas diligências não estavam relacionadas com a exploração comercial da marca ANN TAYLOR.

[Omissis]

Quanto ao segundo argumento, relativo a um erro de apreciação da Câmara de Recurso quanto à intenção da recorrente no momento do depósito das marcas controvertidas

111

O segundo argumento contém duas partes.

112

Por um lado, a recorrente sustenta que as circunstâncias que a Câmara de Recurso teve em conta para concluir que havia por parte do titular das marcas controvertidas uma intenção deliberada de criar uma associação entre elas e as marcas da interveniente não podem ser tomadas em consideração, pois não lhe eram imputáveis diretamente e estavam fora do seu controlo ou da sua influência.

113

Por outro lado, a recorrente sustenta que a Câmara de Recurso não teve em conta outras circunstâncias suscetíveis de explicar o seu comportamento e de provar a sua boa‑fé. A este respeito, em primeiro lugar, alega que não pode ser acusada de ter explorado abusivamente o prestígio da marca da interveniente, dada a inexistência desse prestígio, a diferença entre os produtos protegidos pelos sinais em conflito e a exploração séria e contínua das duas marcas controvertidas. Em segundo lugar, afirma que não existe nenhum elemento de natureza a demonstrar que o registo das marcas controvertidas, que constituía uma etapa lógica da sua estratégia comercial, tinha por objetivo impedir terceiros de entrarem no mercado. Em terceiro lugar, sustenta que não foi demonstrada nenhuma relação anterior com a interveniente, constituindo as marcas controvertidas uma criação independente.

114

O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação.

Quanto à primeira parte do segundo argumento, relativa à tomada em consideração errada de circunstâncias não imputáveis à recorrente

[Omissis]

124

Em primeiro lugar, há que salientar que, como resulta dos n.os 87 a 105, supra, a Câmara de Recurso pôde considerar sem incorrer em erro que tinha sido feita prova bastante de que, antes do depósito da primeira marca mexicana ANN TAYLOR, a recorrente tentara obter o direito de comercializar relógios sob uma marca idêntica detida pela interveniente, e que esta última tinha recusado dar seguimento a essas diligências.

125

Por conseguinte, a Câmara de Recurso podia considerar que tais circunstâncias constituíam um primeiro indício da má‑fé da recorrente. Com efeito, a sequência de factos que caracteriza estas circunstâncias sugere que a utilização da marca ANN TAYLOR pela recorrente tem origem na intenção de se apropriar deste sinal para a comercialização de relógios e de gerar uma associação com as marcas anteriores idênticas ou semelhantes da interveniente sem o consentimento desta última, dado não ter obtido esse consentimento, e apesar de esta se ter expressamente oposto a essa utilização da marca acima mencionada.

126

Em segundo lugar, como foi recordado no n.o 54, supra, a utilização do sinal contestado pode constituir um elemento a ter em conta para identificar a intenção que presidia ao pedido de registo desse sinal, incluindo um uso posterior à data de apresentação desse pedido. Consequentemente, a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que, apesar de se terem verificado posteriormente ao depósito das marcas controvertidas, as circunstâncias invocadas pela interveniente no que respeita ao uso das marcas mexicanas da recorrente eram de natureza a esclarecer as suas intenções no momento do referido depósito e deviam ser tidas em conta a esse título [v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 16 de maio de 2017, Airhole Facemasks/EUIPO — sindustrysurf (AIR HOLE FACE MASKS YOU IDIOT), T‑107/16, EU:T:2017:335, n.o 41].

[Omissis]

Quanto à segunda parte do segundo argumento, relativa ao facto de a Câmara de Recurso não ter tido em conta as circunstâncias invocadas pela recorrente como sendo suscetíveis de provar a sua boa‑fé

157

A recorrente baseia‑se na alegada inexistência, no caso vertente, de circunstâncias que a jurisprudência anterior considerou suscetíveis de constituir uma prova de má‑fé, como a tentativa de se colocar na esteira do prestígio da marca anterior ou de retirar proveito da reputação da marca anterior [Acórdão de 8 de maio de 2014, Simca Europe/IHMI — PSA Peugeot Citroën (Simca), T‑327/12, EU:T:2014:240, n.o 56], o facto de pedir o registo de uma marca unicamente com o objetivo de impedir a entrada de um terceiro no mercado e de utilizar a sua própria marca (Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.o 44), o facto de pedir uma compensação financeira (Acórdão de 8 de maio de 2014, Simca, T‑327/12, EU:T:2014:240, n.o 72), assim como as circunstâncias em que o sinal impugnado foi criado, o uso que lhe foi dado desde a sua criação, a lógica comercial subjacente ao pedido de registo do sinal como marca da União Europeia e a cronologia dos acontecimentos que conduziram a esse depósito.

158

A este respeito, em primeiro lugar, resulta da jurisprudência citada no n.o 52, supra, que a inexistência de um fator que, no contexto particular do litígio ou da questão que tinham sido chamados a resolver, o Tribunal Geral ou a Tribunal de Justiça havia considerado pertinente para estabelecer a má‑fé do requerente não impede, necessariamente, que a má‑fé do requerente de marca seja declarada em circunstâncias diferentes. Com efeito, como foi recordado no n.o 53, supra, o conceito de má‑fé, na aceção do artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2017/1001, não pode ser confinado a uma categoria limitada de circunstâncias específicas.

159

Em segundo lugar, ao contrário do que a recorrente sustenta, tanto as circunstâncias em que o sinal impugnado foi criado como a utilização que dele foi feita, bem como a lógica comercial subjacente ao depósito das marcas controvertidas e a cronologia dos acontecimentos que conduziram a esse depósito são, neste caso, elementos pertinentes, suscetíveis de demonstrar a sua má‑fé.

160

Com efeito, na medida em que, como a própria recorrente indica, as marcas controvertidas têm por objetivo alargar a proteção das marcas idênticas depositadas, pela primeira vez, no México, a Câmara de Recurso teve razão ao tomar em consideração as circunstâncias em que estas últimas foram criadas, a utilização que delas tinha sido feita, a lógica comercial subjacente, bem como a cronologia dos acontecimentos que conduziram ao seu depósito. Como resulta dos n.os 124 a 155, supra, da sequência de factos que caracteriza a criação da primeira marca mexicana ANN TAYLOR da recorrente a Câmara de Recurso pôde deduzir que ela traduzia a intenção de explorar a marca idêntica da interveniente sem o seu consentimento, mediante a criação de uma associação com esta última, e da utilização da referida marca mexicana pôde deduzir que foi implementada uma estratégia comercial que tinha por efeito suscitar essa associação.

161

O facto de estas circunstâncias não dizerem diretamente respeito ao depósito das marcas controvertidas e à sua utilização na União é irrelevante, uma vez que a recorrente não apresentou nenhum elemento suscetível de indicar que o referido depósito e a referida utilização respondiam a objetivos diferentes dos objetivos do depósito e da utilização das marcas que tinha registado no México. Pelo contrário, segundo as declarações da própria recorrente, o depósito das marcas controvertidas faz parte de uma estratégia comercial destinada a alargar a proteção das suas marcas mexicanas anteriores.

162

Em terceiro lugar, o raciocínio da recorrente segundo o qual não lhe pode ser censurado o facto de procurar colocar‑se na esteira do prestígio da marca ANN TAYLOR da interveniente visto que esse prestígio é inexistente não pode ser aceite.

163

Com efeito, por um lado, os elementos de prova em que a Câmara de Recurso se baseou demonstram, na falta de uma explicação alternativa credível, que a exploração de uma associação entre a marca americana ANN TAYLOR da interveniente e a marca mexicana idêntica da recorrente fazia parte da estratégia comercial desta última. Por conseguinte, deve necessariamente inferir‑se daí que a recorrente considerava que tinha interesse nessa exploração, independentemente da questão de saber se o prestígio da marca da interveniente tinha sido demonstrado.

164

Por outro lado, há que recordar que a interveniente depositou pedidos de marcas junto do EUIPO e junto das autoridades dos Estados‑Membros para o sinal ANN TAYLOR ou para sinais semelhantes, antes do depósito das marcas controvertidas. Importa acrescentar que a interveniente forneceu elementos que indicam que a sua marca era conhecida entre certos profissionais do setor da moda no Reino Unido e que produtos comercializados sob essa marca tinham sido comprados por consumidores estabelecidos na União. Esses elementos indicam o desenvolvimento, pela interveniente, de uma estratégia comercial destinada aos consumidores da União, de que a recorrente pode beneficiar, tendo em conta a sua própria estratégia. Os referidos elementos não permitem, portanto, pôr em causa a argumentação da Câmara de Recurso segundo a qual o depósito das marcas controvertidas se inscreve na mesma estratégia comercial de associação com a marca ANN TAYLOR da interveniente que a que está subjacente ao depósito e à utilização das marcas mexicanas da recorrente, cuja proteção visam alargar.

[Omissis]

166

Em quinto lugar, nem a circunstância de a recorrente não ter pedido uma compensação financeira à interveniente nem o facto, mesmo admitindo que está provado, de ter havido uma exploração séria e continuada das marcas controvertidas desde o seu depósito não constituem, à luz das circunstâncias do caso concreto, elementos suscetíveis de demonstrar que o referido depósito respondia a intenções legítimas. Com efeito, o comportamento de má‑fé imputado à recorrente pela Câmara de Recurso não diz respeito nem à tentativa de obrigar a interveniente a remunerá‑la financeiramente nem ao depósito de uma marca puramente especulativa, mas à intenção de se apropriar do sinal ANN TAYLOR, sem o consentimento da interveniente, e de criar deliberadamente uma associação com as marcas anteriores idênticas ou semelhantes desta última.

[Omissis]

173

Consequentemente, a Câmara de Recurso podia considerar que as diligências da recorrente referidas nos n.os 169 e 170, supra, traduziam a sua intenção de impedir a interveniente de estender a utilização da sua marca ANN TAYLOR ao setor dos relógios na União, extensão essa que podia corresponder, se fosse essa a sua intenção, a uma estratégia comercial legítima da interveniente. Ao invés, uma vez que foi demonstrado que o depósito das marcas controvertidas se inscrevia numa estratégia de má‑fé destinada a apropriar‑se, sem o consentimento da interveniente, do sinal ANN TAYLOR e a criar uma associação com as marcas idênticas ou semelhantes desta última, não se pode considerar que a tentativa de obstrução da recorrente respondia ao objetivo legítimo de proteger as referidas marcas controvertidas contra a sua utilização desleal de um sinal idêntico ou semelhante por um operador recente no mercado (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.os 46 a 49).

174

Decorre de todas as considerações anteriores que se deve julgar improcedente a segunda parte do segundo argumento e, portanto, o segundo argumento na sua totalidade.

Quanto ao terceiro argumento, relativo a um erro de apreciação da Câmara de Recurso quanto ao valor probatório dos elementos apresentados pela interveniente em apoio do seu pedido de declaração de nulidade e ao ónus da prova

175

A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso baseia as suas conclusões em elementos de prova secundários, frágeis e duvidosos e que impõe sobre ela uma obrigação de provar a inexistência de factos, a chamada probatio diabolica.

176

O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação.

177

A este respeito, basta salientar que, como demonstra a análise efetuada no âmbito do exame dos dois primeiros argumentos, os elementos de prova em que as conclusões da Câmara de Recurso se baseiam não podem ser considerados frágeis, secundários ou duvidosos.

178

Por um lado, resulta dos n.os 91 a 103, supra, que a recorrente não demonstrou que os elementos de prova reunidos pela interveniente para demonstrar a existência de uma tentativa de A. Holzer de obter da parte dela um acordo de licença não eram probatórios ou não deviam ser tomados em consideração pela Câmara de Recurso.

179

Por outro lado, como resulta dos n.os 126 a 152, supra, a Câmara de Recurso considerou acertadamente que os elementos de prova fornecidos pela interveniente no que respeita à exploração comercial da marca mexicana ANN TAYLOR da recorrente lhe eram imputáveis. Do mesmo modo, resulta dos n.os 153 a 155 e 169 a 173, supra, que a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que esses elementos de prova eram confirmados por elementos relativos, por um lado, ao depósito, pela recorrente, de marcas idênticas a marcas de prestígio anteriores, sem o consentimento dos titulares destas últimas, e, por outro, às suas diligências para se opor à utilização, na União, da marca ANN TAYLOR da interveniente para relógios.

180

Por conseguinte, a recorrente não pode sustentar que a Câmara de Recurso fez uma inversão do ónus da prova em seu detrimento e lhe impôs a obrigação de apresentar provas impossíveis de fornecer.

181

Com efeito, é verdade que, como recorda a recorrente, cabe a quem pede a declaração de nulidade demonstrar as circunstâncias que permitam concluir pela má‑fé do requerente da marca controvertida no momento do depósito do respetivo pedido de registo. Todavia, como foi referido no n.o 36, supra, compete a este último, que está em melhor posição a este respeito, fornecer explicações plausíveis de natureza a convencer o EUIPO de que, apesar de circunstâncias objetivas suscetíveis de elidir a presunção de boa‑fé associada a esse depósito, as suas intenções eram legítimas. Ora, no caso em apreço, existiam essas circunstâncias objetivas mas a recorrente não forneceu qualquer explicação plausível que permitisse à Câmara de Recurso concluir que, não obstante essas circunstâncias, o depósito das marcas controvertidas respondia a intenções legítimas.

182

Decorre das considerações anteriores que se deve julgar improcedente o terceiro argumento e, consequentemente, negar provimento aos recursos na sua totalidade.

[Omissis]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento aos recursos.

 

2)

A Holzer y Cia, SA de CV suportará as suas próprias despesas e as despesas do Instituto da Propriedade Intelectual da UE (EUIPO) e da Annco, Inc.

 

Gratsias

Labucka

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de maio de 2019.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.