ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

19 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Mercado interno da eletricidade — Regras comuns — Diretiva 2003/54/CE — Artigo 3.o, n.o 2 — Diretiva 2009/72/CE — Artigo 3.o, n.o 2 — Obrigações de serviço público — Conceito — Regulamentação nacional — Financiamento de planos de eficiência energética — Designação de produtores de energia elétrica — Contribuição obrigatória»

No processo C‑523/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha), por Decisão de 9 de julho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2018, no processo

Engie Cartagena SL

contra

Ministerio para la Transición Ecológica, anteriormente Ministerio de Industria, Energía y Turismo,

sendo intervenientes:

Endesa Generación SA,

EDP España SAU,

Bizkaia Energía, SL,

Iberdrola Generación SAU,

Tarragona Power SL,

Bahia de Bizkaia Electricidad SL,

Viesgo Generación SL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász, M. Ilešič e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de junho de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Engie Cartagena SL, por G. Martínez‑Villaseñor, G. Rubio Hernández‑Sampelayo, abogados, e A. Cano Lantero, procuradora,

em representação da Endesa Generación SA, por J. J. Lavilla Rubira, abogado,

em representação da EDP España SAU, por J. Expósito Blanco, abogada,

em representação da Bizkaia Energía SL, por J. Abril Martínez, abogado, e J. Briones Méndez, procurador,

em representação da Iberdrola Generación SAU e da Tarragona Power SL, por J. Giménez Cervantes e F. Löwhagen, abogados,

em representação da Bahia de Bizkaia Electricidad SL, por F. González Ruiz, procuradora, J. García Sanz e D. Sarmiento Ramírez‑Escudero, abogados,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet, I. Galindo Martín e E. Sanfrutos Cano, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37), e do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Engie Cartagena SL ao Ministerio para la Transición Ecológica, anteriormente Ministerio de Industria, Energía y Turismo (Ministério para a Transição Ecológica, anteriormente Ministério da Indústria, da Energia e do Turismo, Espanha) a respeito da legalidade da contribuição que as empresas produtoras de energia elétrica devem efetuar para efeitos do financiamento do plano de ação nacional de poupança e eficiência energética (a seguir «contribuição obrigatória»).

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento (CEE) n.o 1191/69

3

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 1191/69 do Conselho, de 26 de junho de 1969, relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO 1969, L 156, p. 1; EE 08 F1 p. 131), dispunha que, por obrigações de serviço público, «entendem‑se as obrigações que a empresa de transporte, se considerasse os seus próprios interesses comerciais, não assumiria ou não teria assumido na mesma medida ou nas mesmas condições».

Regulamento (CEE) n.o 3577/92

4

O Regulamento (CEE) n.o 3577/92 do Conselho, de 7 de dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados‑Membros (cabotagem marítima) (JO 1992, L 364, p. 7), dispõe, no seu artigo 2.o, ponto 4:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

4)

“Obrigações de serviço público”: as obrigações que, atendendo aos seus próprios interesses comerciais, o armador [da União Europeia] em questão não assumiria ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições.

[…]»

Diretivas relativas ao mercado interno da eletricidade

5

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2003/54 dispunha:

«Tendo plenamente em conta as disposições pertinentes do Tratado, nomeadamente do seu artigo 86.o, os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor da eletricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público em matéria de segurança, incluindo a segurança do fornecimento, de regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, assim como de proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética e a proteção do clima. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor da energia elétrica da União Europeia aos consumidores nacionais. Relativamente à segurança do fornecimento, à eficiência energética/gestão da procura e ao cumprimento dos objetivos ambientais referidos no presente número, os Estados‑Membros podem instaurar um sistema de planeamento a longo prazo, tendo em conta a possibilidade de terceiros procurarem aceder à rede.»

6

A Diretiva 2009/72 revogou a Diretiva 2003/54 com efeitos a partir de 3 de março de 2011.

7

Nos termos do considerando 50 da Diretiva 2009/72:

«As obrigações de serviço público, incluindo as que dizem respeito ao serviço universal, e as normas mínimas comuns daí decorrentes têm de ser reforçadas, para garantir a todos os consumidores, em particular aos consumidores vulneráveis, os benefícios da concorrência e de preços mais justos. Os requisitos de serviço público deverão ser definidos a nível nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais. A legislação [da União] deverá ser, todavia, respeitada pelos Estados‑Membros. Os cidadãos da União e, sempre que os Estados‑Membros considerem adequado, as pequenas empresas deverão poder beneficiar das obrigações de serviço público, designadamente em matéria de segurança de fornecimento e de manutenção de preços razoáveis. […]»

8

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, que retoma, em substância, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2003/54, tem a seguinte redacção:

«Tendo plenamente em conta as disposições aplicáveis do Tratado, nomeadamente o artigo 86.o, os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor da eletricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público, nomeadamente em matéria de segurança, incluindo a segurança do fornecimento, de regularidade, de qualidade e de preço dos fornecimentos, assim como de proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética, a energia a partir de fontes renováveis e a proteção do clima. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor da energia elétrica da [União Europeia] aos consumidores nacionais. Relativamente à segurança do fornecimento, à eficiência energética/gestão da procura e para o cumprimento dos objetivos ambientais e dos objetivos da energia a partir de fontes renováveis referidos no presente número, os Estados‑Membros podem instaurar um sistema de planeamento a longo prazo, tendo em conta a possibilidade de terceiros procurarem aceder à rede.»

Regulamento (CE) n.o 1370/2007

9

O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1), dispõe, no seu n.o 1:

«O presente regulamento tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito [da União], as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.

Para este fim, o presente regulamento define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público.»

10

Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o, alínea e), desse regulamento enuncia:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

e)

“Obrigação de serviço público”, a imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas.»

Regulamento (UE) 2017/352

11

O artigo 2.o, ponto 14, do Regulamento (UE) 2017/352 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de fevereiro de 2017, que estabelece o regime da prestação de serviços portuários e regras comuns relativas à transparência financeira dos portos (JO 2017, L 57, p. 1), define as «obrigaç[ões] de serviço público» para efeitos deste regulamento como sendo «uma imposição definida ou determinada destinada a assegurar a prestação de serviços portuários ou a realização de atividades de interesse geral que um operador que tivesse em consideração os seus próprios interesses comerciais não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições».

Direito espanhol

Decreto‑Lei 14/2010

12

O quarto considerando do Real Decreto‑ley 14/2010, por el que se establecen medidas urgentes para la corrección del déficit tarifario del sector eléctrico (Real Decreto‑Lei 14/2010, que Estabelece Medidas Urgentes para a Correção do Défice Tarifário do Setor da Eletricidade), de 23 de dezembro de 2010 (a seguir «Decreto‑Lei 14/2010») (BOE n.o 312, de 24 de dezembro de 2010, p. 106386), prevê:

«Em segundo lugar, a fim de reduzir os custos imputáveis à tarifa, estabelece‑se que as empresas produtoras que operam sob o regime ordinário financiarão o Plano de Ação de 2008‑2012, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros de 8 de julho de 2005, que aplica as medidas previstas no documento “Estratégia para Poupanças de Energias e Eficiência Energética em Espanha no período de 2004‑2012”. Além disso, as percentagens da contribuição de cada empresa para o seu financiamento são fixadas, sendo as disposições da Ley de Presupuestos Generales del Estado de 2011 [Orçamento Geral do Estado de 2011] alteradas em conformidade».

13

Em conformidade com a disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010, sob a epígrafe «Financiamento de planos de poupança e de eficiência energética para os anos de 2011, 2012 e 2013»:

«1.

Os montantes a cargo do sistema do setor elétrico destinados ao financiamento do Plano de Ação de 2008‑2012, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros de 8 de julho de 2005, que concretiza as medidas do documento denominado “Estratégia de poupança e eficiência energética em Espanha 2004‑2012” aprovado por Resolução do Conselho de Ministros, de 28 de novembro de 2003, previstos para os anos de 2011 e 2012 em 270 milhões de euros e 250 milhões de euros respetivamente, serão financiados através da contribuição de cada uma das empresas produtoras, de acordo com as percentagens constantes da tabela seguinte:

Empresa

Percentagem

Endesa Generación SA

34,66

Iberdrola Generación SA

32,71

GAS Natural SDG SA

16,37

Hidroeléctrica del Cantábrico SA

4,38

E.ON Generación SL

2,96

AES Cartagena SRL

2,07

Bizkaia Energía SL

1,42

Castelnou Energía SL

1,58

Nueva Generadora del Sur SA

1,62

Bahía de Bizkaia Electricidad SL

1,42

Tarragona Power SL

0,81

Total

100,00

2.

Os montantes a cargo do sistema do setor elétrico destinados ao plano aprovado por resolução do Conselho de Ministros, com base no n.o 1, devem ser financiados em 2013 por contribuições das empresas produtoras, de acordo com as percentagens estabelecidas no n.o 1, até um montante máximo de 150 milhões de euros.»

Plano de Ação de 2008‑2012

14

A síntese do Plano de Ação de 2008‑2012, adotado por decisão do Conselho de Ministros de 8 de julho de 2005, prevê:

«[A]s políticas de poupança e de eficiência energética são um vetor de progresso da sociedade, uma vez que: contribuem para o bem‑estar social; constituem um elemento de responsabilidade social; orientam as atividades humanas para um desenvolvimento sustentável; estabelecem um novo quadro para o desenvolvimento da competitividade das empresas; e, em suma, respondem ao princípio da solidariedade entre os cidadãos e entre os povos.

Estes princípios orientadores devem traduzir‑se em programas, como o que está exposto no presente documento, cujas orientações devem ter em vista alcançar os seguintes objetivos estratégicos:

1.

Considerar a poupança e a eficiência energética um instrumento de crescimento económico e de bem‑estar social.

2.

Implementar as condições adequadas para que os conhecimentos em matéria de poupança e de eficiência energética sejam alargados e se desenvolvam na sociedade.

3.

Ter em consideração a poupança e a eficiência energética em todas as estratégias nacionais e principalmente na estratégia espanhola de alterações climáticas.

4.

Fomentar a concorrência no mercado sob o princípio orientador da poupança e da eficiência energética.

5.

Consolidar a posição de Espanha na vanguarda da poupança e da eficiência energética.»

15

Resulta desta síntese que, paralelamente a tais estratégias nacionais, «a [União] implementou políticas que vão no mesmo sentido. É o caso da Diretiva [2006/32/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa à eficiência na utilização final de energia e aos serviços energéticos e que revoga a Diretiva 93/76/CEE do Conselho (JO 2006, L 114, p. 64)]».

16

É igualmente indicado na referida síntese que, no plano económico, o Plano de Ação de 2008‑2012 requer recursos financeiros muito significativos para que o incentivo à poupança e à eficiência energética produza um verdadeiro efeito de impulso dos investimentos privados, que são economicamente rentáveis na maioria dos casos, mas que exigem uma decisão de investir fundos cuja disponibilidade é sempre limitada. Os fundos públicos necessários para a execução do plano têm uma origem tripartida: i) os fundos afetados ao plano pela Administração espanhola, por intermédio do Instituto para la Diversificación y Ahorro de la Energía (IDAE) (Instituto para a Diversificação e Poupança da Energia), que sucedeu ao Centro de Estudios de la Energía (Centro de Estudos sobre Energia) e dos organismos equivalentes das comunidades autónomas; ii) os recursos provenientes dos fundos estruturais, como o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), e iii) os fundos reinvestidos dos setores da eletricidade e do gás «tendo em vista favorecer a melhoria da eficácia nesses setores».

Despacho impugnado e IDAE

17

Em aplicação da disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010, o legislador nacional adotou a Orden IET/75/2014, por la que se regulan las transferencias de fondos, con cargo a las empresas productoras de energía eléctrica, de la cuenta específica de la Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia al Instituto para la Diversificación y Ahorro de la Energía, en el año 2013, para la ejecución de las medidas del Plan de Acción de Ahorro y Eficiencia Energética 2011‑2020, y los criterios para la ejecución de las medidas contempladas en dicho plan (Despacho IET/75/2014, que Regula as Transferências de Fundos, Provenientes das Empresas Produtoras de Energia Elétrica no ano de 2013, da conta específica da Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência para o Instituto para a Diversificação e Poupança da Energia, para a execução das medidas do Plano de Ação de Poupança e Eficiência Energética de 2011‑2020, e os critérios para a execução das medidas contempladas no referido plano), de 27 de janeiro de 2014 (BOE n.o 25, de 29 de janeiro de 2014, p. 5875) (a seguir «despacho impugnado»).

18

O artigo 1.o, n.o 1, do despacho impugnado esclarece que este tem por objeto definir o procedimento de transferência entre a conta específica da Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência) e o IDAE no que respeita aos fundos previstos pela disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010.

19

O IDAE é financiado, nomeadamente, pelas contribuições económicas efetuadas pelas empresas sujeitas a esta última disposição, e é no âmbito deste instituto que são, em parte, executados os planos de ação e de eficiência adotados pelo Governo. O IDAE foi criado pela disposição adicional vigésima primeira da Ley 46/1985, de Presupuestos Generales del Estado para 1986 (Lei 46/1985, relativa ao Orçamento Geral do Estado), de 27 de dezembro de 1985 (BOE n.o 311, de 28 de dezembro de 1985, p. 40637), enquanto entidade de direito público, para efeitos de gestão e desenvolvimento da política de poupança, de conservação e de diversificação da energia.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20

Em 31 de janeiro de 2014, a GDF Suez Cartagena Energía SL, atualmente Engie Cartagena, interpôs um recurso na Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha) destinado à anulação do despacho impugnado, por ilegalidade, e à concessão de uma indemnização correspondente aos montantes pagos em cumprimento desse despacho. A Engie Cartagena contesta, nomeadamente, o montante que deve tomar a seu cargo no âmbito do financiamento do Plano de Ação de 2008‑2012 determinado com base no Decreto‑Lei 14/2010.

21

A Engie Cartagena sustenta, em particular, que os critérios estabelecidos pelos Acórdãos de 20 de abril de 2010, Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), e de 7 de setembro de 2016, ANODE (C‑121/15, EU:C:2016:637), que devem reger a execução de uma obrigação de serviço público, não estão preenchidos pela legislação nacional em causa.

22

A Audiencia Nacional (Audiência Nacional) salienta que, ao instituir a contribuição obrigatória prevista na disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010, em execução da qual o decreto impugnado foi adotado, o legislador nacional pretendia reduzir o défice tarifário do setor elétrico, evitando que o financiamento desse custo fosse imputado a todo o sistema elétrico. Com efeito, segundo os seus considerandos, «o objetivo do presente decreto‑lei é remediar, de maneira urgente, o défice tarifário no setor da eletricidade». De facto, o Decreto‑Lei 14/2010 e, particularmente, essa disposição adicional terceira inscrevem‑se entre as várias disposições que o legislador nacional adotou em matéria de correção do défice tarifário no setor elétrico.

23

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade desta contribuição obrigatória com os princípios estabelecidos no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, e interroga‑se, em particular, sobre a questão de saber se a referida contribuição obrigatória constitui uma obrigação de serviço público imposta pelo Estado de maneira transparente, não discriminatória e que garanta às empresas a igualdade de acesso aos consumidores.

24

Segundo o referido órgão jurisdicional, resulta desse artigo 3.o, n.o 2, que, no interesse económico geral, os Estados‑Membros têm a faculdade de instituir obrigações de serviço público que podem, nomeadamente, ter por objeto a proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética, a energia produzida a partir de fontes renováveis e a proteção do clima, em conformidade com a Diretiva 2004/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, relativa à promoção da cogeração com base na procura de calor útil no mercado interno da energia e que altera a Diretiva 92/42/CEE (JO 2004, L 52, p. 50), bem como com a Diretiva 2006/32, no contexto das quais foram adotados os planos de poupança e de eficiência energética para os anos de 2011 a 2013, bem como o Decreto‑Lei 14/2010.

25

Em Espanha, estas medidas encontram‑se no Plano de Ação de 2011‑2020 em matéria de poupança e de eficiência energética, cuja gestão é centralizada pelo IDAE, que é um organismo público. Para efeitos deste plano de ação, são instituídos a dotação e a transferência económica previstos na disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010, com a exigência de uma prestação patrimonial que assenta nas onze empresas visadas pela lei que instituiu a contribuição obrigatória. Esta transferência económica tem por objetivo satisfazer os objetivos do IDAE.

26

Esse órgão jurisdicional indica que a disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010 impõe que o financiamento assenta, atualmente, apenas em certas empresas do setor, em vez de prever uma repartição geral a cargo do sistema ou um financiamento por via orçamental, o que implica que o Estado‑Membro em causa exija e imponha a essas empresas uma obrigação de serviço público, nos termos das Diretivas 2003/54 e 2009/72. Assim, aos olhos do referido órgão jurisdicional, quando o financiamento dos planos de eficiência passe de um financiamento geral a cargo do sistema para um financiamento a cargo de determinados produtores de energia, imposto de maneira vinculativa por uma lei, essa exigência de financiamento constitui uma obrigação de serviço público, na medida em que se trata de uma decisão de caráter económico e financeiro, cujo objetivo e finalidade direta são, contudo, a adoção de medidas relacionadas com a proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética e a proteção do clima.

27

Ora, a Audiencia Nacional (Audiência Nacional) considera que, contrariamente às exigências decorrentes do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, o Decreto‑Lei 14/2010 não fornece qualquer precisão sobre o critério aplicado para a fixação dos montantes da contribuição obrigatória, nem sobre a fundamentação da repartição das percentagens, nem sobre a questão de saber se o volume e a importância dessas empresas no setor foram determinantes e, em caso afirmativo, sobre a natureza dos critérios utilizados para determinar essa importância.

28

Assim, a disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010 estabelece uma obrigação de serviço público sem apresentar qualquer indicação ou justificação para além da relativa à redução legítima do défice tarifário, o que se pode revelar contrário aos princípios decorrentes das Diretivas 2003/54 e 2009/72 no que respeita às exigências de serviço público no setor da eletricidade. Portanto, caso constitua uma obrigação de serviço público, esta medida, tal como foi introduzida, pode implicar uma discriminação entre as empresas no que respeita aos seus direitos e obrigações, que não está suficientemente justificada e que, além disso, não respeita os princípios aplicáveis a este tipo de obrigações no setor da eletricidade.

29

Nestas circunstâncias, a Audiencia Nacional (Audiência Nacional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Constitui uma obrigação de serviço público, na aceção do estabelecido nos artigos 3.o, n.o 2, das Diretivas [2003/54] e [2009/72], a previsão legal constante da disposição adicional terceira do Real Decreto‑Lei 14/2010 “Financiamento de planos de poupança e [de] eficiência energética para os anos de 2011, 2012 e 2013”: “[…] [o]s montantes a cargo do sistema do setor da eletricidade destinados ao financiamento do Plano de Ação de 2008‑2012, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros de 8 de julho de 2005, que concretiza as medidas do documento denominado ‘Estratégia de poupança e eficiência energética em Espanha 2004‑2012’ também ele aprovado por Resolução do Conselho de Ministros, de 28 de novembro de 2003, previstas para os anos [de] 2011 e 2012, de 270 milhões de euros e 250 milhões de euros respetivamente, serão financiad[o]s através da contribuição de cada uma das empresas produtoras, de acordo com as percentagens constantes [do quadro] seguinte:

Empresa Percentagem

[…]

[Engie] Cartagena 2,07

[…]”

2)

Se, de facto, constitui uma obrigação de serviço público, foi definida com clareza, é transparente, não é discriminatória e é verificável?»

Quanto às questões prejudiciais

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72 deve ser interpretado no sentido de que uma contribuição financeira, imposta a certas empresas produtoras de energia elétrica para efeitos do financiamento de planos de poupança e de eficiência energética geridos por uma autoridade pública, constitui uma obrigação de serviço público abrangida por esta disposição.

31

A título preliminar, há que salientar, em primeiro lugar, que, no âmbito desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio se refere igualmente ao artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2003/54. Assim sendo, na medida em que, por um lado, resulta do pedido de decisão prejudicial que, à data do recurso interposto pela Engie Cartagena no órgão jurisdicional de reenvio contra o despacho impugnado, a Diretiva 2009/72 era aplicável e, por outro, que essa disposição não sofreu alterações substanciais no seguimento da adoção desta última diretiva, a resposta do Tribunal de Justiça à referida questão terá apenas por objeto o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72.

32

Em segundo lugar, tendo em conta os debates que tiveram lugar na audiência a respeito da eventual natureza fiscal da contribuição obrigatória, importa salientar que os elementos constantes do pedido de decisão prejudicial não permitem ao Tribunal de Justiça determinar com certeza se essa contribuição obrigatória tem essa natureza. Todavia, há que recordar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio considere, atendendo à interpretação do direito nacional aplicável, que tal é efetivamente o caso, a Diretiva 2009/72, incluindo o seu artigo 3.o, n.o 2, não se aplica à legislação nacional que institui a referida contribuição obrigatória (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, UNESA e o., C‑80/18 a C‑83/18, EU:C:2019:934, n.o 56).

33

Feitas estas observações preliminares, importa salientar que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, tendo plenamente em conta as disposições aplicáveis do Tratado CE, nomeadamente o artigo 86.o CE (atual artigo 106.o TFUE), os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor da eletricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público, nomeadamente em matéria de segurança, incluindo a segurança do fornecimento, de regularidade, de qualidade e de preço dos fornecimentos, assim como de proteção do ambiente. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, bem como verificáveis, e devem garantir a igualdade de acesso das empresas do setor da energia elétrica da União aos consumidores nacionais.

34

No que se refere ao conceito de «obrigações de serviço público», importa observar que, uma vez que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72 não procede a qualquer remissão para os direitos nacionais no que respeita ao significado a reter deste conceito, deve considerar‑se, para efeitos de aplicação desta diretiva, que a referida disposição contém um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado uniformemente no território desta última (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication, C‑426/05, EU:C:2008:103, n.o 26, e de 9 de novembro de 2016, Wathelet, C‑149/15, EU:C:2016:840, n.o 29).

35

É verdade que, nos termos do considerando 50 da Diretiva 2009/72, os requisitos de serviço público devem ser definidos a nível nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais, devendo, todavia, a legislação da União ser respeitada pelos Estados‑Membros. Contudo, estes termos apenas remetem para a possibilidade de os Estados‑Membros decidirem, com base no seu direito nacional, impor ou não obrigações de serviço público a certas empresas, bem como determinar o conteúdo dessas obrigações, desde que estas sejam compatíveis com o direito da União.

36

Assim, a remissão para os direitos dos Estados‑Membros, que figura no referido considerando, diz unicamente respeito à aplicação do conceito de «obrigações de serviço público».

37

Para efeitos da interpretação do referido conceito, importa, em primeiro lugar, salientar que, embora nem o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72 nem qualquer outra disposição desta diretiva comportem uma definição do conceito de «obrigações de serviço público», é, todavia, possível extrair dos termos dessa disposição elementos constitutivos desse conceito, na aceção da referida diretiva.

38

Com efeito, por um lado, pode deduzir‑se do facto de, segundo os termos do primeiro período do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, os Estados‑Membros poderem impor, no interesse económico geral, obrigações de serviço público «às empresas do setor da eletricidade» que essas obrigações devem ser no sentido de levar essas empresas a contribuírem por si para que seja alcançado o objetivo de interesse económico geral determinado pelo Estado‑Membro em causa.

39

Por outro lado, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72 remete explicitamente para o artigo 86.o CE (atual artigo 106.o TFUE), no sentido de que os Estados‑Membros devem, em especial, ter plenamente em conta esta disposição do Tratado quando impõem obrigações de serviço público, na aceção desta disposição da Diretiva 2009/72.

40

Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 106.o, n.o 2, TFUE, que tem por objeto as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, visa conciliar os interesses dos Estados‑Membros em utilizar certas empresas como instrumentos de política económica ou social com o interesse da União em que sejam respeitadas as regras de concorrência e preservada a unidade do mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 1999, Albany, C‑67/96, EU:C:1999:430, n.o 103, e de 7 de setembro de 2016, ANODE, C‑121/15, EU:C:2016:637, n.o 43).

41

Esta jurisprudência constitui, portanto, uma confirmação do facto de as empresas em causa deverem estar na obrigação de atuar elas próprias para alcançar o objetivo de interesse económico geral prosseguido.

42

Além disso, resulta da remissão para o artigo 106.o TFUE, efetuada no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, que as obrigações de serviço público, que esta última disposição autoriza, derrogam as regras de concorrência. Afigura‑se assim que, como indica a Comissão Europeia nas suas observações escritas, uma obrigação de serviço público, na aceção da referida disposição, constitui uma intervenção pública no funcionamento do mercado, a fim de alcançar um objetivo de interesse económico geral, que obriga as empresas do setor da eletricidade a atuar no mercado com base em critérios impostos pelas autoridades públicas.

43

Esta interpretação do conceito de «obrigação de serviço público» é corroborada pelas definições deste conceito que figuram noutros atos de direito da União. Com efeito, na inexistência de uma definição do referido conceito na Diretiva 2009/72, e uma vez que se trata de um conceito utilizado pelo legislador da União em numerosos atos de direito derivado, em particular, no âmbito dos domínios de competência previstos no artigo 4.o TFUE, como a energia ou os transportes, tais atos, que não a Diretiva 2009/72, constituem referências úteis para efeitos de uma interpretação desse mesmo conceito, na aceção desta diretiva.

44

Ora, a este respeito, como recordou o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, resulta, nomeadamente, do artigo 2.o, alínea e), do Regulamento n.o 1370/2007, que revogou o Regulamento n.o 1191/69, e do artigo 2.o, ponto 4, do Regulamento n.o 3577/92, relativo ao domínio dos transportes, e do artigo 2.o ponto 14, do Regulamento 2017/352, relativo ao fornecimento dos serviços portuários, que o conceito de «obrigações de serviço público» utilizado pelo legislador da União para efeitos da aplicação destes regulamentos visa, em substância, obrigações impostas pelos poderes públicos a um operador que não assumiria essas obrigações na mesma medida ou nas mesmas condições se apenas tivesse em consideração os seus próprios interesses comerciais.

45

Daqui decorre que, à luz tanto da redação do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72 como da definição do conceito de «obrigações de serviço público», tal como é dada de forma convergente no âmbito desses atos adotados pelo legislador da União em domínios que não o do mercado da eletricidade, este conceito, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, corresponde a medidas de intervenção pública no funcionamento desse mercado, que impõem a empresas do setor da eletricidade, para efeitos da prossecução de um interesse económico geral, que atuem no referido mercado com base em critérios impostos pelas autoridades públicas. A liberdade destas empresas de atuar no mercado da eletricidade é assim limitada, no sentido de que, à luz apenas do seu interesse comercial, estas empresas não teriam fornecido determinados bens ou serviços, ou não os teriam fornecido na mesma medida ou nas mesmas condições.

46

Em segundo lugar, importa salientar que esta definição do conceito de «obrigações de serviço público» se coaduna com o sistema instaurado pela Diretiva 2009/72.

47

Com efeito, resulta da sua economia geral que esta diretiva tem por objetivo prosseguir a realização de um mercado interno da eletricidade plena e efetivamente aberto e concorrencial no qual todos os consumidores possam escolher livremente os seus comercializadores e no qual todos os comercializadores possam fornecer livremente os seus produtos aos seus clientes (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de novembro de 2018, Solvay Chimica Italia e o., C‑262/17, C‑263/17 e C‑273/17, EU:C:2018:961, n.os 36 e 55, e de 17 de outubro de 2019, Elektrorazpredelenie Yug, C‑31/18, EU:C:2019:868, n.o 39).

48

Todavia, neste quadro, a Diretiva 2009/72 permite aos Estados‑Membros, sob reserva das condições que indica, impor, no interesse económico geral, obrigações de serviço público, que prejudicam a liberdade de os operadores em causa agirem no mercado em causa e afetam assim o processo concorrencial aberto nesse mercado. É precisamente por as obrigações de serviço público serem suscetíveis de constituir restrições à realização de um mercado interno da eletricidade plena e efetivamente aberto e concorrencial que o legislador da União impôs aos Estados‑Membros condições que estes devem respeitar quando submetam esses operadores a tais obrigações. Com efeito, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, dessa diretiva, as obrigações em questão devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor da energia elétrica da União aos consumidores nacionais.

49

É à luz destas considerações que há que examinar se a contribuição obrigatória está abrangida pelo conceito de «obrigações de serviço público», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72.

50

A este respeito, importa observar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, com a introdução da contribuição obrigatória prevista na disposição adicional terceira do Decreto‑Lei 14/2010, em execução da qual o despacho impugnado foi adotado, o legislador nacional pretendia reduzir o défice tarifário do setor elétrico, evitando que o financiamento dessa redução fosse imputado a todo o sistema elétrico e, portanto, aos consumidores. Esse órgão jurisdicional esclarece que as receitas resultantes dessa contribuição são utilizadas para financiar os planos de ação geridos pelo IDAE, o que, na opinião da Engie Cartagena e das sociedades intervenientes no processo principal, confirma que o objetivo prosseguido pela contribuição obrigatória é a proteção do ambiente e a obtenção de poupanças de energia.

51

Todavia, importa observar que, na medida em que a referida contribuição obrigatória não impõe qualquer exigência às empresas em causa que limite a sua liberdade de atuação no mercado da eletricidade, tal contribuição não pode estar abrangida pelo conceito de «obrigações de serviço público», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72. Em particular, a imposição dessa contribuição não força de forma alguma essas empresas a fornecer determinados bens ou serviços que não teriam fornecido, ou que não teriam fornecido na mesma medida ou nas mesmas condições se apenas tivessem em consideração o seu próprio interesse comercial.

52

Há que salientar, a este respeito, que a mera circunstância de as receitas da contribuição obrigatória serem transferidas para um fundo gerido pelo IDAE, encarregado da execução das medidas do plano de ação de poupança e eficiência energética, não implica, no entanto, que os operadores sujeitos à obrigação de pagamento dessa contribuição sejam encarregados de uma «obrigação de serviço público», na aceção da referida disposição.

53

Com efeito, esta circunstância diz unicamente respeito ao destino final das receitas da contribuição obrigatória, o que não pode bastar para considerar que o pagamento dessa contribuição constitui uma obrigação de serviço público, na aceção da referida disposição, conforme definida no n.o 45 do presente acórdão. O facto de o IDAE, eventualmente, prosseguir um objetivo de interesse económico geral não é, em si mesmo, relevante, uma vez que o pedido de decisão prejudicial tem por objeto a questão de saber se uma obrigação de serviço público é imposta não a este instituto, mas, pelo contrário, a empresas produtoras de energia elétrica.

54

De resto, a aceitação da posição defendida pela Engie Cartagena e pelas sociedades intervenientes no processo principal pressuporia que qualquer obrigação de contribuição financeira, prevista numa regulamentação nacional, imposta a operadores no mercado da eletricidade constituiria, à luz unicamente do destino do produto final dessa contribuição, uma «obrigação de serviço público», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72, o que manifestamente excederia o alcance desse conceito conforme empregue pelo legislador da União no âmbito dessa disposição.

55

De igual modo, não é suscetível de pôr em causa a conclusão que figura no n.o 51 do presente acórdão a circunstância, salientada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de os planos de ação em matéria de poupança e de eficiência energética terem sido anteriormente financiados como um custo que onera todo o sistema elétrico e, portanto, em último lugar, os consumidores finais, e não, como atualmente, certos produtores de energia elétrica. Com efeito, esta circunstância diz respeito às pessoas sujeitas a uma obrigação de contribuição para o financiamento desses planos, o que, como alegou a Comissão nas suas observações escritas, não se afigura, em princípio, suscetível de afetar a natureza da referida obrigação.

56

Por último, há que observar que, contrariamente às alegações da Engie Cartagena e das sociedades intervenientes no processo principal, a contribuição obrigatória é diferente da obrigação nacional em causa nos processos que deram origem aos Acórdãos de 20 de abril de 2010, Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), de 21 de dezembro de 2011, ENEL (C‑242/10, EU:C:2011:861), e de 7 de setembro de 2016, ANODE (C‑121/15, EU:C:2016:637). Com efeito, os processos que deram origem a esses acórdãos diziam respeito a medidas nacionais que impunham, respetivamente, exigências sobre os «preços de referência» para o fornecimento de gás natural, sobre a formulação das ofertas de fornecimento de eletricidade e sobre as tarifas regulamentadas de venda de gás natural. Todas estas medidas determinavam, assim, modalidades de fornecimento de bens ou de serviços pelas empresas em causa.

57

Resulta das considerações precedentes que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72 deve ser interpretado no sentido de que uma contribuição financeira imposta a certas empresas produtoras de energia elétrica para efeitos do financiamento de planos de poupança e de eficiência energética geridos por uma autoridade pública não constitui uma obrigação de serviço público abrangida por esta disposição.

58

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

59

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE, deve ser interpretado no sentido de que uma contribuição financeira imposta a certas empresas produtoras de energia elétrica para efeitos do financiamento de planos de poupança e de eficiência energética geridos por uma autoridade pública não constitui uma obrigação de serviço público abrangida por esta disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.