ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

30 de abril de 2019 ( *1 ) ( 1 )

«Auxílios estatais — Regime de isenção do imposto sobre as sociedades executado pela França em benefício dos seus portos — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno — Auxílios existentes — Conceito de atividade económica — Dever de fundamentação — Distorções da concorrência e afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros — Princípio da boa administração»

No processo T‑747/17,

Union des ports de France — UPF, com sede em Paris (França), representada por C. Vannini e E. Moraïtou, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2017/2116 da Comissão, de 27 de julho de 2017, relativa ao regime de auxílios SA.38398 (2016/C, ex 2015/E) executado pela França — Tributação dos portos em França (JO 2017, L 332, p. 24),

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: G. Berardis (relator), presidente, S. Papasavvas e O. Spineanu‑Matei, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

No decurso de 2013, os serviços da Comissão Europeia enviaram a todos os Estados‑Membros um questionário sobre o funcionamento e a tributação dos seus portos, a fim de obter uma panorâmica geral nessa matéria e de clarificar a situação dos portos à luz das regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais. Posteriormente, os serviços da Comissão trocaram alguma correspondência sobre esta questão com as autoridades francesas.

2

Por carta de 9 de julho de 2014, em aplicação do artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1), a Comissão informou as autoridades francesas da sua avaliação preliminar das regras relativas à tributação dos portos quanto à sua possível qualificação como auxílios estatais e sua compatibilidade com o mercado interno. Como conclusão desta carta, a Comissão considerava, a título preliminar, que a isenção do imposto sobre as sociedades (a seguir «IS») concedida aos portos franceses constituía um auxílio estatal existente e incompatível na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e convidava as autoridades francesas a apresentarem as suas observações sobre essa avaliação preliminar.

3

As autoridades francesas enviaram as suas observações por carta de 7 de novembro de 2014. Em 12 de dezembro de 2014, teve lugar uma reunião entre os serviços da Comissão e as autoridades francesas. Em 15 de janeiro de 2015, estas últimas enviaram à Comissão observações adicionais. Por carta de 1 de junho de 2015, os serviços da Comissão responderam a essa carta, esclarecendo que mantinham, nessa fase, o ponto de vista preliminar expresso na carta de 9 de julho de 2014.

4

Por carta de 21 de janeiro de 2016, a Comissão confirmou a sua posição e propôs às autoridades francesas, com base no artigo 108.o, n.o 1, TFUE e no artigo 22.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), a título de medidas adequadas, a supressão da isenção do IS de que beneficiavam os portos até ao limite dos rendimentos das respetivas atividades económicas, a partir do início do ano fiscal de 2017. As autoridades francesas foram convidadas a pronunciar‑se no prazo de dois meses, incondicional e inequivocamente, sobre a proposta da Comissão, nos termos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

5

As autoridades francesas transmitiram as suas observações à Comissão, por carta de 11 de abril de 2016. Em 27 de junho de 2016, teve lugar uma reunião entre as autoridades francesas e os serviços da Comissão.

6

Na medida em que as autoridades francesas recusaram incondicional e inequivocamente as medidas adequadas propostas pela Comissão, esta decidiu dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, em aplicação do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589. A decisão da Comissão de dar início ao procedimento foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2016, C 302, p. 23, a seguir «decisão de início»). A Comissão convidou a República Francesa a apresentar as suas observações sobre o conteúdo da decisão. Convidou também as partes interessadas a apresentarem as suas observações sobre a medida em causa.

7

As autoridades francesas enviaram as suas observações por carta de 19 de setembro de 2016. A Comissão recebeu observações de diversas partes interessadas, nomeadamente da recorrente, a Union des ports de France — UPF. A Comissão enviou estas observações à República Francesa, dando‑lhe a possibilidade de as comentar. Recebeu os comentários desta por carta de 3 de novembro de 2016. Em 16 de novembro de 2016, teve lugar uma reunião entre as autoridades francesas e os serviços da Comissão.

8

Em 27 de julho de 2017, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2017/2116, relativa ao regime de auxílios SA.38398 (2016/C, ex 2015/E) executado pela França — Tributação dos portos em França (JO 2017, L 332, p. 24, a seguir «decisão impugnada»).

9

A decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 14 de dezembro de 2017. Esta decisão foi igualmente notificada à recorrente, na sua qualidade de parte interessada que apresentou observações durante o procedimento formal de investigação, por carta de 6 de setembro de 2017.

10

O artigo 1.o da decisão impugnada dispõe o seguinte:

«A isenção do imposto sobre as sociedades concedida aos portos autónomos (alguns dos quais se tornaram grandes portos marítimos), às câmaras de comércio marítimas, às câmaras de comércio e indústria que exploram instalações portuárias, aos municípios concessionários de equipamentos públicos do Estado nos portos marítimos e às empresas que possam substituí‑los na exploração desses equipamentos constitui um regime de auxílio estatal existente incompatível com o mercado interno.»

11

Nos termos do artigo 2.o da decisão impugnada:

«1.   A França deve suprimir a isenção do imposto sobre as sociedades a que se refere o artigo 1.o e sujeitar ao imposto sobre as sociedades as entidades beneficiárias dessa isenção.

2.   A medida através da qual a França executará as suas obrigações decorrentes do n.o 1 deve ser adotada antes do final do ano civil em curso à data da notificação da presente decisão. Essa medida deve ser aplicada, o mais tardar, aos rendimentos das atividades económicas gerados a partir do início do ano fiscal seguinte à sua adoção.»

Tramitação processual e pedidos das partes

12

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de novembro de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso.

13

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

14

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

15

A Comissão contesta a admissibilidade do presente recurso. Na sequência do Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), a Comissão clarificou a sua posição na audiência, alegando que, embora a decisão impugnada constituísse um ato regulamentar, comportava medidas de execução relativamente aos membros da recorrente, pelo que estes deviam demonstrar ser direta e individualmente afetados por esta decisão.

16

Em seguida, no que diz respeito à afetação individual dos membros da recorrente, a Comissão alega que esses membros pertencem a um círculo aberto de entidades suscetíveis de beneficiarem da isenção do IS e têm a qualidade de meros beneficiários potenciais do regime em causa. Por outro lado, considera que a decisão impugnada não altera direitos adquiridos pelos referidos membros, na medida em que, em princípio, não existe qualquer direito adquirido à manutenção de um regime fiscal para o futuro. Por conseguinte, esses membros não podiam pretender ser individualmente afetados pela decisão impugnada.

17

Por último, a Comissão sustenta que a recorrente não pode invocar as suas missões de defesa e representação dos interesses dos seus membros perante os órgãos da União previstos nos seus estatutos internos para fazer prova da afetação dos seus próprios interesses, uma vez que esse ato não constitui uma disposição legal de direito da União que lhe reconheça expressamente determinadas prerrogativas processuais. Do mesmo modo, considera que a simples participação da recorrente no procedimento formal de investigação do regime de auxílios em causa não é suscetível de lhe conferir legitimidade ativa.

18

A recorrente contesta estes argumentos e alega que os seus membros são direta e individualmente afetados pela decisão impugnada, de modo que ela própria tem legitimidade ativa.

19

A este propósito, há que recordar que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE prevê dois casos concretos nos quais é reconhecida legitimidade ativa a uma pessoa singular ou coletiva para interpor recurso contra um ato do qual não é destinatária. Por um lado, esse recurso pode ser interposto na condição de esse ato lhe dizer direta e individualmente respeito. Por outro lado, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução se o mesmo lhe disser diretamente respeito (v. Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 44 e jurisprudência referida).

20

Em seguida, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência, os recursos interpostos por associações, como a recorrente, encarregadas de defender os interesses coletivos dos seus membros, são admissíveis, em três situações, a saber, quando representam os interesses de membros que tenham legitimidade por si próprios, quando sejam individualizadas em razão da afetação dos seus interesses próprios enquanto associação, nomeadamente porque a sua posição negocial foi afetada pelo ato cuja anulação é pedida, ou ainda quando uma disposição legal lhes reconheça expressamente uma série de faculdades de caráter processual (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Forum 187/Comissão, T‑189/08, EU:T:2010:99, n.o 58 e jurisprudência referida, e Despacho de 26 de abril de 2016, EGBA e RGA/Comissão, T‑238/14, não publicado, EU:T:2016:259, n.o 50 e jurisprudência referida).

21

No caso em apreço, há que constatar, à semelhança da Comissão, que nenhuma disposição legal do direito da União reconhece explicitamente à recorrente faculdades de caráter processual. O mero facto de os seus estatutos a investirem da missão de defender os interesses gerais dos seus membros e de os representar perante os órgãos da União não parece bastar a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130, n.o 54 e jurisprudência referida).

22

Além disso, a legitimidade da recorrente não pode ser inferida da sua mera participação no procedimento formal de investigação na sua qualidade de parte interessada, mesmo que tal facto possa constituir um elemento relevante no âmbito da apreciação da legitimidade dessa empresa (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão, C 260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 56, e de 5 de novembro de 2014, Vtesse Networks/Comissão, T‑362/10, EU:T:2014:928, n.o 53).

23

Por outro lado, a recorrente não considera que a sua posição de negociadora tenha sido afetada pela decisão impugnada, como no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de fevereiro de 1988, Kwekerij van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, EU:C:1988:38).

24

Por conseguinte, importa verificar se a recorrente tem legitimidade ativa, na medida em que representa os interesses dos seus membros que têm legitimidade por si próprios, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 20, supra.

25

Há que esclarecer, a este propósito, que, segundo a jurisprudência, nessa hipótese, a legitimidade da associação é baseada na consideração de que a interposição do recurso pela associação apresenta vantagens processuais, uma vez que permite evitar a interposição de um número elevado de recursos diferentes contra os mesmos atos, tendo‑se a associação substituído a um ou a vários dos seus membros cujos interesses representa, esses membros estão eles próprios em situação de interpor um recurso admissível (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130, n.o 60, e de 15 de setembro de 2016, Molinos Río de la Plata e o./Conselho, T‑112/14 a T‑116/14 e T‑119/14, não publicado, EU:T:2016:509, n.o 35).

26

Assim, uma associação não pode invocar o facto de representar os interesses dos seus membros que interpuseram os seus próprios recursos, porquanto estes representam os seus próprios interesses (v. Acórdão de 15 de setembro de 2016, Molinos Río de la Plata e o./Conselho, T‑112/14 a T‑116/14 e T‑119/14, não publicado, EU:T:2016:509, n.o 36 e jurisprudência referida). Daqui resulta que o presente recurso não pode ser declarado admissível com o fundamento da representação da chambre de commerce et d’industrie métropolitaine Bretagne‑ouest (port de Brest) pela recorrente, uma vez que aquela interpôs o seu próprio recurso contra a decisão impugnada, no processo T‑754/17, Chambre de commerce et d’industrie métropolitaine Bretagne‑ouest (port de Brest)/Comissão, e sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a admissibilidade do recurso interposto por esta última (v., neste sentido, Despacho de 29 de março de 2012, Asociación Española de Banca/Comissão, T‑236/10, EU:T:2012:176, n.o 30).

27

Em contrapartida, a recorrente pode validamente representar os interesses dos seus membros que não interpuseram os seus próprios recursos, desde que os mesmos tenham, por si, legitimidade, o que importa analisar.

28

Em primeiro lugar, importa constatar que os membros da recorrente não são os destinatários da decisão impugnada, uma vez que esta está dirigida à República Francesa.

29

Em segundo lugar, uma vez que a decisão impugnada é aplicável a situações determinadas objetivamente e que comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de forma geral e abstrata, a decisão impugnada constitui um ato regulamentar (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484, n.os 49 e 52).

30

No entanto, há que declarar que a decisão impugnada não pode produzir efeitos jurídicos relativamente a operadores que estão ativos no setor portuário, como os membros da recorrente, sem a adoção de medidas de execução pelas autoridades francesas (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2014, Royal Scandinavian Casino Århus/Comissão, T‑615/11, não publicado, EU:T:2014:838, n.o 51 e jurisprudência referida). O artigo 2.o da decisão impugnada prevê, com efeito, que «[a] França deve suprimir a isenção do imposto sobre as sociedades a que se refere o artigo 1.o e sujeitar ao imposto sobre as sociedades as entidades beneficiárias dessa isenção». Na falta da adoção dessas medidas de execução, o regime fiscal em vigor, que prevê a isenção do IS em benefício, nomeadamente, dos portos autónomos e das câmaras de comércio e indústria (CCI) responsáveis pela exploração de infraestruturas portuárias, continuaria a ser aplicável.

31

Além disso, como alegou a Comissão na audiência, a supressão da isenção do IS, em execução da decisão impugnada, traduzir‑se‑á, em princípio, para os membros da recorrente, na adoção de aviso de liquidação que reflita essas alterações. Tais avisos constituem medidas de execução relativamente aos membros da recorrente, que podem, segundo a Comissão, ser objeto de recurso para os órgãos jurisdicionais nacionais, os quais podem, se for caso disso, interpelar o Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, em caso de dúvidas quanto à validade da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484, n.os 55 e 61).

32

Daqui resulta que a decisão impugnada comporta medidas de execução relativamente aos membros da recorrente, de modo que estes devem demonstrar ser direta e individualmente afetados pela decisão impugnada.

33

No que respeita, por um lado, à afetação direta dos membros da recorrente, que não é contestada no caso em apreço, há que salientar que, embora a decisão impugnada seja dirigida às autoridades francesas, não lhes deixa nenhuma margem de apreciação, obrigando‑as a suprimir a isenção de IS de que beneficiam as entidades como os membros da recorrente (artigo 2.o, n.o 1, da decisão impugnada) em relação aos rendimentos das suas atividades económicas, o mais tardar no início do ano fiscal seguinte à sua adoção (artigo 2.o, n.o 2, da decisão impugnada). Por conseguinte, os membros da recorrente são diretamente afetados pela decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1999, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão, T‑288/97, EU:T:1999:125, n.o 32 e jurisprudência referida).

34

No que respeita, por outro lado, à afetação individual dos membros da recorrente, há que constatar, antes de mais, que estes não são identificados ou individualmente designados pela decisão impugnada. O artigo 1.o da decisão impugnada visa, com efeito, de forma geral, os portos autónomos (alguns dos quais se tornaram grandes portos marítimos), as câmaras de comércio marítimas, as CCI que exploram instalações portuárias, os municípios concessionários de equipamentos públicos do Estado nos portos marítimos e as empresas que possam substituí‑los na exploração desses equipamentos.

35

Ora, segundo a jurisprudência, os terceiros que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se lhes for aplicável devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, assim, os individualiza de modo análogo ao destinatário (v. Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 57 e jurisprudência referida).

36

A este propósito, a simples possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos jurídicos a quem se aplica uma medida de modo algum implica que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, a partir do momento em que se verifique que essa aplicação se fica a dever a uma situação objetiva de direito ou de facto que é definida pelo ato em causa (v. Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 58 e jurisprudência referida).

37

Não obstante, quando a decisão diz respeito a um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis no momento em que esse ato foi adotado, em função de critérios próprios aos membros do grupo, esse ato pode dizer individualmente respeito a essas pessoas, na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos, e que tal pode ser o caso, designadamente, quando a decisão altere os direitos adquiridos pelo particular antes da sua adoção (v. Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 59 e jurisprudência referida).

38

A este propósito, há que observar, primeiro, que os membros da recorrente são todos portos ou grandes portos marítimos franceses ou CCI gestoras desses portos que beneficiaram legalmente do regime de isenção do IS até que este seja posto em causa pela Comissão na sequência da adoção da decisão impugnada.

39

Segundo, como recordou a recorrente na audiência, os beneficiários do regime de auxílios em causa no caso em apreço são pessoas coletivas de direito público criadas por decreto, criação que não se enquadra na iniciativa privada.

40

Por conseguinte, há que constatar que os membros da recorrente fazem parte de um círculo fechado de operadores, que eram identificáveis no momento da adoção da decisão impugnada.

41

A este propósito, contrariamente ao que alegou a Comissão na audiência, esse círculo não é suscetível de ser ainda alargado, visto que, mesmo admitindo que um outro porto ou uma CCI pudessem ser criados por decreto no futuro, não seriam entidades que pudessem invocar a qualidade de beneficiária efetiva do regime de auxílios existentes antes da adoção da decisão impugnada, ao contrário dos membros da recorrente.

42

Terceiro, a situação dos membros da recorrente também deve ser distinguida da dos membros das recorrentes no processo que deu origem ao Despacho de 26 de abril de 2016, EGBA e RGA/Comissão (T‑238/14, não publicado, EU:T:2016:259), referido pela Comissão. Com efeito, ao contrário do que acontece no presente processo, que diz respeito a um regime de auxílios existente, a decisão que era impugnada nesse processo incidia sobre um regime de auxílios novo, relativo a um projeto de imposição parafiscal sobre as apostas hípicas virtuais destinada a financiar uma missão de serviço público confiada às sociedades de corridas. Os membros das recorrentes, que eram todos operadores no setor dos jogos de fortuna ou azar, só podiam, por conseguinte, invocar a sua qualidade de concorrentes dos futuros beneficiários desse regime, dado que este ainda não tinha sido executado no momento da adoção da decisão que era impugnada. Consequentemente, como declarou o Tribunal Geral nesse processo, essa decisão afetava os interesses de todos os intervenientes presentes no setor das apostas hípicas virtuais em França: os que estavam presentes no mercado antes da adoção da decisão impugnada, os que tinham entrado neste mercado depois da adoção desta decisão e os que entrassem futuramente no mercado. Os membros das recorrentes faziam assim parte de um conjunto indeterminado de operadores económicos, cujo círculo podia ser alargado depois da adoção da decisão que era impugnada. Não faziam parte de um círculo fechado, isto é, de um grupo que já não podia ser alargado depois da adoção do ato impugnado. Assim, os membros das recorrentes só eram afetados pela decisão que era impugnada na sua qualidade objetiva de sujeitos passivos de uma imposição parafiscal, nos mesmos termos que qualquer outro concorrente no setor em causa (v., neste sentido, Despacho de 26 de abril de 2016, EGBA e RGA/Comissão, T‑238/14, não publicado, EU:T:2016:259, n.os 66 e 67).

43

Tendo em atenção todas estas considerações, há que concluir que os membros da recorrente são individualmente afetados pela decisão impugnada no caso em apreço, na medida em que fazem parte de um círculo fechado de operadores identificáveis no momento da adoção da decisão impugnada.

44

Assim, uma vez que os membros da recorrente têm legitimidade ativa para recorrer da decisão impugnada no caso em apreço, a recorrente tem também, por essa razão, legitimidade ativa na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, na medida em que representa os interesses dos seus membros que não tenham eles próprios interposto o seu próprio recurso contra esta decisão.

Quanto ao mérito

45

Em apoio do recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos, relativos, em primeiro lugar, a um erro de direito ao qualificar de auxílio estatal a medida fiscal na sua totalidade, em segundo lugar, a um erro de direito ao apreciar o caráter económico das atividades realizadas pelos portos franceses, em terceiro lugar, a um erro de apreciação quanto aos requisitos do falseamento da concorrência e da afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros no que diz respeito aos portos franceses em geral e, em especial, aos portos insulares e aos portos ultramarinos e de falta de fundamentação no âmbito desse exame, em quarto lugar, a um erro de direito na condução do procedimento de fiscalização dos auxílios existentes e na violação do artigo 108.o, n.os 1 e 2, TFUE, relativos ao «procedimento de medidas adequadas», conjugado com o princípio da proporcionalidade, e, em quinto lugar, à violação do princípio da boa administração.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito, na medida em que a Comissão qualificou, erradamente, o regime de isenção do IS concedido aos portos franceses de auxílio estatal na sua totalidade

46

A recorrente recorda que uma entidade que realiza simultaneamente atividades ligadas ao exercício de prerrogativas de autoridade pública e atividades económicas está sujeita ao cumprimento das regras em matéria de auxílios estatais apenas em relação às suas atividades económicas. Sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito, ao não especificar que a qualificação de auxílio considerada se limitava apenas às atividades económicas dos portos franceses. Portanto, pede ao Tribunal Geral que se digne anular a decisão impugnada quanto a esta questão ou, pelo menos, alterar o dispositivo dessa decisão para excluir expressamente da obrigação de sujeição ao IS as atividades económicas exercidas pelos portos franceses.

47

A Comissão contesta estes argumentos.

48

Em primeiro lugar, há que constatar que resulta claramente da redação do dispositivo da decisão impugnada (v. n.os 10 e 11, supra) que a medida de auxílio diz respeito à isenção do IS das entidades beneficiárias, em relação apenas aos rendimentos das suas atividades económicas. Por conseguinte, o primeiro fundamento da recorrente assenta numa leitura errada do dispositivo da decisão impugnada.

49

Por outro lado, uma vez que a medida fiscal em causa é aplicável indistintamente aos rendimentos das entidades beneficiárias, independentemente da natureza das suas atividades, a Comissão podia logicamente exigir a supressão desse regime enquanto tal, a fim de assegurar que a isenção do IS de que essas entidades beneficiavam quanto aos rendimentos resultantes das suas atividades económicas, que tinha sido declarada incompatível com o mercado interno, desaparece.

50

Em segundo lugar, deve recordar‑se que o dispositivo de um ato é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adoção (Acórdãos de 15 de maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, EU:C:1997:241, n.o 21, e de 2 de março de 2012, Países Baixos/Comissão, T‑29/10 e T‑33/10, EU:T:2012:98, n.o 146).

51

Ora, nos considerandos 42 a 61 da decisão impugnada, a Comissão procurou demonstrar em que medida os portos exerciam, pelo menos em parte, atividades económicas e, consequentemente, constituíam empresas na aceção das disposições do Tratado FUE relativas às regras de concorrência.

52

No considerando 44 da decisão impugnada, a Comissão esclareceu que não contestava que se podia delegar nos portos o exercício de determinadas missões de poder público ou de natureza não económica, como o controlo e a segurança do tráfego marítimo ou a vigilância antipoluição, nem que, no exercício dessas missões, os portos não eram empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A Comissão especificou, a este respeito, que a isenção do IS visada pelo presente procedimento só era, por isso, suscetível de constituir um auxílio estatal se incidisse sobre rendimentos gerados por atividades económicas. Em contrapartida, segundo a Comissão, o facto de uma entidade exercer uma ou mais atividades de poder público ou não económicas não permite que se lhe retire, de uma maneira geral, a classificação como «empresa». Um porto será, assim, considerado uma «empresa» se — e na medida em que — exercer efetivamente uma ou mais atividades económicas.

53

No considerando 45 da decisão impugnada, a Comissão expôs, em seguida, vários tipos de atividades económicas correspondentes à prestação de diferentes serviços em diversos mercados, suscetíveis de serem realizadas pelos portos franceses. Em primeiro lugar, os portos prestam um serviço geral aos navios ao dar‑lhes acesso à infraestrutura portuária a troco de uma remuneração. Em segundo lugar, alguns portos prestam serviços mais específicos aos navios, nomeadamente de pilotagem, elevação, manutenção e atracagem, igualmente a troco de remuneração. Nestes dois primeiros casos, a remuneração recebida pelo porto é geralmente denominada «taxa portuária». Em terceiro lugar, os portos, mediante remuneração, colocam determinadas infraestruturas ou determinados terrenos à disposição de empresas que utilizam esses espaços para satisfazerem as suas necessidades ou para prestarem aos navios alguns dos serviços portuários acima referidos.

54

Assim, a Comissão concluiu, no considerando 61 da decisão impugnada, que «[o]s portos autónomos […], as câmaras de comércio marítimas, as câmaras de comércio e indústria que gerem instalações portuárias, os municípios concessionários de equipamentos públicos do Estado nos portos marítimos e as empresas que [pudessem] substituí‑los na exploração desses equipamentos, que explora[va]m as infraestruturas diretamente ou presta[va]m serviços num porto, [eram], no que respeita[va] às suas atividades económicas […], empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

55

Resulta, portanto, claramente dos fundamentos da decisão impugnada que só no que se refere às suas atividades económicas é que as entidades beneficiárias foram consideradas empresas, às quais se aplicam as disposições do Tratado FUE relativas aos auxílios de Estado.

56

Em terceiro lugar, na medida em que a recorrente pede ao Tribunal Geral que altere o dispositivo da decisão impugnada a fim de excluir expressamente da obrigação de sujeição ao IS as atividades económicas realizadas pelos portos franceses, importa recordar que, por força de jurisprudência constante, não compete ao juiz da União dirigir injunções às instituições da União ou substituir‑se a estas últimas no âmbito da fiscalização da legalidade que exerce (v. Acórdão de 12 de maio de 2016, Hamr — Sport/Comissão, T‑693/14, não publicado, EU:T:2016:292, n.o 91 e jurisprudência referida).

57

Em todo o caso, essa alteração do dispositivo da decisão impugnada não tem qualquer fundamento, dado que assenta numa leitura errada da decisão impugnada, uma vez que esta apenas exige que as entidades beneficiárias da isenção em causa sejam sujeitas ao IS relativamente aos lucros que retiram das suas atividades económicas.

58

Assim, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito na apreciação do caráter económico das atividades assumidas pelos portos franceses

59

Com este fundamento, a recorrente acusa, em substância, a Comissão, por um lado, de não ter efetuado uma análise pormenorizada das atividades dos portos, a fim de determinar que tipos de atividades constituíam atividades económicas ou não, e, por outro, de ter erradamente qualificado determinadas atividades de económicas quando não tinham essa natureza.

60

A este propósito, importa recordar antes de mais que, no caso de uma decisão relativa a um regime de auxílios, como no caso em apreço, a Comissão pode‑se limitar a estudar, de forma geral e abstrata, as características do regime em causa para apreciar, nos fundamentos da decisão, se, em razão das modalidades que esse programa prevê, constitui, em princípio, um auxílio estatal para os beneficiários. Assim, a Comissão não está obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com base nesse regime (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63, e de 26 de novembro de 2015, Navarra de Servicios y Tecnologías/Comissão, T‑487/13, não publicado, EU:T:2015:899, n.o 66).

61

Em seguida, há que recordar, à semelhança da Comissão no considerando 42 da decisão impugnada, que, segundo a jurisprudência, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento A este respeito, constitui uma atividade económica qualquer atividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado (Acórdão de 12 de setembro de 2000, Pavlov e o., C‑180/98 a C‑184/98, EU:C:2000:428, n.os 74 e 75; v., também, neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, EU:C:1987:283, n.o 7, e de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser, C‑41/90, EU:C:1991:161, n.o 21).

62

No caso em apreço, a Comissão reconheceu, de maneira geral, que os portos podiam realizar simultaneamente atividades económicas e não económicas. Assim, afirmou que os portos franceses podiam realizar vários tipos de atividades económicas, que enumerou em especial no considerando 45 da decisão impugnada (v. n.os 51 a 54, supra).

63

Ora, por um lado, importa constatar que a recorrente não põe minimamente em causa esta enumeração, mas limita‑se a afirmar que determinadas atividades dos portos são de natureza não económica ou que a análise da Comissão não tinha sido suficientemente detalhada a esse respeito.

64

Por outro lado, como a Comissão salientou no considerando 44 da decisão impugnada, não se contesta que se possa delegar nos portos o exercício de determinadas missões de poder público ou de natureza não económica, como o controlo e a segurança do tráfego marítimo ou a vigilância antipoluição, nem que, no exercício dessas missões, os portos não sejam empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, o facto de uma entidade exercer uma ou mais atividades de poder público ou não económicas não basta para que se lhe retire, de uma maneira geral, a classificação como «empresa». Com efeito, para determinar se as atividades em causa são as de uma empresa na aceção do Tratado FUE, há que analisar qual é a natureza dessas atividades. Consequentemente, um porto será considerado uma «empresa» se — e na medida em que — exercer efetivamente uma ou mais atividades económicas (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.os 74 e 75, e de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, EU:C:2012:449, n.o 37).

65

Além disso, a jurisprudência reconheceu que a exploração comercial e a construção de infraestruturas aeroportuárias ou portuárias com vista a essa exploração comercial constituíam atividades económicas (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 78; de 19 de dezembro de 2012, Mitteldeutsche Flughafen e Flughafen Leipzig‑Halle/Comissão, C‑288/11 P, EU:C:2012:821, n.os 40 a 43; e de 15 de março de 2018, Naviera Armas/Comissão, T‑108/16, pendente de recurso, EU:T:2018:145, n.o 78).

66

Foi, portanto, corretamente que a Comissão afirmou, no considerando 61 da decisão impugnada, que «[o]s portos autónomos […], as câmaras de comércio marítimas, as câmaras de comércio e indústria que gerem instalações portuárias, os municípios concessionários de equipamentos públicos do Estado nos portos marítimos e as empresas que [pudessem] substituí‑los na exploração desses equipamentos, que explora[va]m as infraestruturas diretamente ou presta[va]m serviços num porto, [eram], no que respeita às suas atividades económicas […], empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE».

67

Nenhum dos argumentos da recorrente é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

68

Primeiro, a recorrente alega que, relativamente à infraestrutura portuária em geral, a Comissão se baseou, erradamente, numa distinção entre as infraestruturas de acesso marítimas em função da sua localização no interior ou no exterior dos portos para concluir no sentido da aplicação das regras em matéria de auxílios estatais. A este propósito, o critério determinante não é o da localização geográfica das infraestruturas, mas o de saber se beneficiam toda a comunidade marítima ou, pelo contrário, apenas a exploração económica do porto. A recorrente acusa a Comissão, por um lado, de se ter afastado, sem fundamento, da decisão de início na qual tinha qualificado os investimentos públicos em vias de acesso marítimo, em instalações de transporte terrestre no interior da zona portuária e em outras infraestruturas marítimas que beneficiam a comunidade no conjunto das suas atividades não económicas.

69

Há que concluir que um tal argumento é inoperante, na medida em que não põe em causa a conclusão da Comissão no considerando 61 da decisão impugnada, que se baseia no facto de que os portos e as outras entidades beneficiárias exercem, pelo menos em parte, atividades económicas, como as que são identificadas no considerando 45 da decisão impugnada, independentemente da localização dessas atividades.

70

Em todo o caso, há que observar que a Comissão, na decisão impugnada, não se afastou da sua abordagem «tradicional» segundo a qual a construção, a manutenção, a substituição ou modernização de infraestruturas de acesso aos portos são normalmente consideradas medidas gerais de natureza não económica, quando são colocadas à disposição de todos os utilizadores de forma não discriminatória e sem contrapartidas. Com efeito, como a Comissão salientou no considerando 53 da decisão impugnada, esta hipótese refere‑se à situação em que o acesso à infraestrutura é efetuado gratuitamente, sem contrapartida financeira, o que não se verifica no caso em apreço. Por conseguinte, a análise da Comissão que consta do mesmo considerando da decisão impugnada, segundo a qual, a menos que determinadas particularidades do processo imponham uma conclusão em contrário, as infraestruturas de acesso situadas no exterior dos portos beneficiam a comunidade marítima no seu conjunto ao passo que o financiamento público de infraestruturas de acesso situadas no interior de um porto beneficia especificamente a exploração do próprio porto, não está em contradição com esta abordagem e, consequentemente, não está viciada de nenhum erro de direito.

71

Segundo, a recorrente acusa a Comissão de se ter afastado dos fundamentos que constam da decisão de início e processos precedentes, nos quais considerou que a construção, a manutenção, a substituição ou a modernização de infraestruturas que eram colocadas à disposição dos utilizadores gratuitamente e sem discriminação não constituíam atividades económicas. Por conseguinte, considera que a Comissão devia excluir das atividades económicas dos portos determinadas operações específicas de construção.

72

A este propósito, importa antes de mais recordar que, segundo jurisprudência constante, a prática decisória da Comissão em relação a outros processos não pode afetar a validade da decisão impugnada, que só pode ser apreciada à luz das regras objetivas do Tratado FUE (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2014, Alemanha/Comissão, T‑295/12, não publicado, EU:T:2014:675, n.o 181, e de 9 de junho de 2016, Magic Mountain Kletterhallen e o./Comissão, T‑162/13, não publicado, EU:T:2016:341, n.o 59).

73

Em seguida, há que salientar que, no n.o 21 da decisão de início, a Comissão considerou, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, que determinadas atividades assumidas pelos portos (investimentos públicos em vias de acesso marítimas — quebra‑mares, eclusas, canais navegáveis, dragagens — em instalações de transporte terrestre dentro da zona portuária e em outras infraestruturas marítimas que beneficiam a comunidade marítima no seu conjunto) não constituíam atividades económicas, fazendo referência, a esse propósito, ao n.o 35 da sua Decisão de 20 de outubro de 2004, relativa ao auxílio estatal 520/2003 — Bélgica — Auxílio financeiro para trabalhos de infraestruturas nos portos flamengos (JO 2005, C 176, p. 11).

74

No entanto, no considerando 53 da decisão impugnada, a Comissão explicou, em resposta às observações do grande porto marítimo do Havre (França), que se referia à decisão mencionada no n.o 72, supra, que a sua prática tinha evoluído desde 2004, paralelamente à jurisprudência do Tribunal de Justiça. A Comissão refere também a sua Decisão de 30 de abril de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.39608 — Ampliação do porto de Wismar (JO 2015, C 203, p. 1), e a dois pontos da sua grelha de análise das infraestruturas portuárias no sítio Internet da DG «Concorrência».

75

Ora, há que recordar que a instauração do procedimento formal de investigação visa precisamente permitir à Comissão reunir todos os pareceres necessários para poder adotar uma decisão definitiva sobre a qualificação de uma medida de auxílio estatal (v. Acórdão de 23 de outubro de 2002, Diputación Foral de Guipúzcoa e o./Comissão, T‑269/99, T‑271/99 e T‑272/99, EU:T:2002:258, n.o 47 e jurisprudência referida). Portanto, as apreciações formuladas pela Comissão no âmbito de tal decisão revestem necessariamente um caráter provisório que visa determinar se apresenta a natureza de um auxílio e expor as razões que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2015, Diputación Foral de Bizkaia/Comissão, T‑397/12, não publicado, EU:T:2015:291, n.o 58). Daqui resulta que a decisão final pode apresentar determinadas divergências com a decisão de início da investigação, sem que estas por essa razão viciem a decisão final (Acórdãos de 4 de março de 2009, Itália/Comissão, T‑424/05, não publicado, EU:T:2009:49, n.o 69, e de 19 de maio de 2015, Diputación Foral de Bizkaia/Comissão, T‑397/12, não publicado, EU:T:2015:291, n.o 59).

76

Só na hipótese de a Comissão se aperceber, após a adoção de uma decisão de início do procedimento formal de investigação, que esta última se baseia ou em factos incompletos ou numa qualificação jurídica errada desses factos é que deve ter a possibilidade, ou mesmo a obrigação, de adaptar a sua posição, adotando uma decisão de retificação ou uma nova decisão de início, a fim de permitir ao Estado‑Membro em causa e às partes interessadas apresentarem utilmente as suas observações (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2011, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão, T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, EU:T:2011:493, n.os 71 e 72).

77

Com efeito, só quando a Comissão altera a sua argumentação, na sequência da decisão de início da investigação sobre factos ou uma qualificação jurídica destes factos, que se revelam determinantes para a sua apreciação quanto à existência de um auxílio ou da sua compatibilidade com o mercado interno, é que deve retificar a decisão de início ou de extensão, a fim de permitir ao Estado‑Membro em causa e às partes interessadas apresentarem utilmente as suas observações.

78

Todavia, tal não é o caso em apreço no que se refere às apreciações formuladas pela Comissão no considerando 53 da decisão impugnada. Com efeito, embora essas apreciações revelem uma certa evolução da sua prática na forma de abordar o caráter económico ou não do acesso à infraestrutura portuária em geral, não se trata de uma questão determinante na apreciação da Comissão quanto à existência de um auxílio ou quanto à qualificação de «empresas» dos portos beneficiários no caso em apreço, uma vez que não se contesta que estes exercem atividades económicas, que são enumeradas nomeadamente no considerando 45 da decisão impugnada.

79

Além disso, essas apreciações não divergem fundamentalmente da abordagem seguida pela Comissão, nomeadamente no n.o 21 da decisão de início. Com efeito, como a Comissão explicou nos seus articulados, o critério que utilizou para distinguir entre as atividades económicas e as atividades não económicas, como resulta dos considerandos 53 e 56 da decisão impugnada, foi o de saber se as infraestruturas são utilizáveis por todos os utilizadores sem discriminação e sem contrapartida, enquanto medida geral a cargo do Estado no âmbito das suas responsabilidades em matéria de desenvolvimento do transporte marítimo. Foi só como medida de simplificação que esclareceu que o critério de localização, consoante a infraestrutura se encontrava no interior ou no exterior do porto, permitia, em princípio, exceto em casos especiais, determinar o caráter económico ou não dessa infraestrutura.

80

Terceiro, a recorrente alega que, na medida em que a Comissão não analisou, de forma suficientemente detalhada, a natureza de cada uma das atividades realizadas pelos portos franceses, não pôde determinar o caráter acessório ou principal das suas atividades económicas, condição que subordina a aplicabilidade das regras relativas aos auxílios de Estado perante infraestruturas que são objeto de uma utilização mista, como no caso em apreço.

81

A este propósito, há que recordar que a circunstância de que uma entidade disponha, para o exercício de uma parte das suas atividades, de prerrogativas de autoridade pública não impede, por si só, que seja qualificada de empresa na aceção das disposições do Tratado relativas às regras de concorrência para o resto das suas atividades económicas (Acórdão de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 74, e de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 25).

82

É certo que, segundo a jurisprudência, na medida em que uma entidade pública exerça uma atividade económica que possa ser dissociada do exercício das suas prerrogativas de poder público, esta entidade, em relação a esta atividade, atua como empresa, ao passo que, se a referida atividade económica for indissociável do exercício das suas prerrogativas de poder público, todas as atividades exercidas pela referida entidade continuarão a ser atividades associadas ao exercício destas prerrogativas (Acórdãos de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, EU:C:2012:449, n.o 38, e de 12 de setembro de 2013, Alemanha/Comissão, T‑347/09, não publicado, EU:T:2013:418, n.o 29; v., também, neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2009, SELEX Sistemi Integrati/Comissão, C‑113/07 P, EU:C:2009:191, n.os 71 a 80).

83

No entanto, não existe nenhum limiar abaixo do qual se deverá considerar que todas as atividades de uma entidade são atividades não económicas, quando as atividades económicas são minoritárias. Com efeito, segundo a jurisprudência, se a atividade económica da entidade em causa é dissociável do exercício das suas prerrogativas de poder público, essa entidade deve ser qualificada de empresa para esta parte das suas atividades (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.os 44 a 63).

84

Ora, no caso em apreço, a recorrente não apresentou nenhum facto para demonstrar que as atividades económicas realizadas pelos portos, tal como identificadas pela Comissão no considerando 45 da decisão impugnada, a saber, nomeadamente, o fornecimento de um acesso à infraestrutura portuária a troco de uma remuneração, são indissociáveis das prerrogativas de poder público dos portos, como o controlo e a segurança do tráfego marítimo ou a vigilância antipoluição. Como a Comissão alegou na audiência, o mero facto de poder haver uma relação económica entre essas atividades, na medida em que as atividades económicas dos portos permitem financiar, no todo ou em parte, as suas atividades não económicas, não basta para declarar o caráter indissociável das atividades, na aceção da jurisprudência.

85

Na medida em que a recorrente invoca a Comunicação da Comissão relativa ao enquadramento dos auxílios estatais à investigação, desenvolvimento e inovação (JO 2014, C 198, p. 1), que prevê um limiar de 80 % para as atividades das infraestruturas de investigação, além do qual essas atividades são consideradas não económicas no seu conjunto, basta constatar, à semelhança da Comissão, que não se trata de modo algum, no caso em apreço, de auxílios à investigação, ao desenvolvimento ou à inovação, de modo que essa comunicação não é aplicável.

86

Depois, relativamente ao n.o 207 da Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (JO 2016, C 262, p. 1), este prevê que, «[s]e, em caso de utilização mista, a infraestrutura for utilizada quase exclusivamente para uma atividade de natureza não económica, a Comissão considera que o seu financiamento pode não ser abrangido pelas regras em matéria de auxílios estatais na sua totalidade, desde que a utilização económica continue a ser meramente auxiliar, ou seja, uma atividade que esteja diretamente relacionada e seja necessária à exploração da infraestrutura ou esteja intrinsecamente ligada à sua principal utilização não económica». Por conseguinte, como alega a Comissão, este número visa o financiamento de infraestruturas que são quase exclusivamente utilizadas para fins não económicos. Em contrapartida, no caso em apreço, a medida de auxílio em causa é uma isenção fiscal sem relação direta com o financiamento de infraestruturas e independentemente das atividades — económicas ou não — para as quais essas infraestruturas são utilizadas.

87

Em todo o caso, não se afigura que as atividades económicas dos portos franceses sejam meramente acessórias das suas atividades não económicas. Pelo contrário, resulta da nota de pé de página n.o 39 da decisão impugnada que a proporção respetiva das taxas portuárias e das receitas dominiais, isto é, o essencial das receitas provenientes das atividades económicas dos portos, representava 55 % dos custos de exploração para o grande porto marítimo de Bordéus. Por outro lado, a Comissão confirmou na audiência que esses valores eram representativos do conjunto do setor.

88

Assim, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo, no essencial, a erros de apreciação e à falta de fundamentação no que respeita aos requisitos relativos à distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros

89

A recorrente sustenta, a título principal, que a decisão impugnada enferma de vários erros de «direito» no que diz respeito à apreciação dos requisitos relativos à distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros. A título subsidiário, no caso de o Tribunal Geral concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito, a recorrente sustenta que a decisão está viciada de insuficiência de fundamentação.

90

A Comissão contesta estes argumentos.

91

A título preliminar, há que recordar que, segundo a jurisprudência, no que respeita aos requisitos de distorção da concorrência e de afetação das trocas comerciais, para efeitos da qualificação de uma medida nacional de auxílio de Estado, não é necessário demonstrar uma incidência real do auxílio em causa sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros nem uma distorção efetiva da concorrência, mas apenas examinar se o auxílio é suscetível de afetar essas trocas e de falsear a concorrência (v. Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 65 e jurisprudência referida).

92

Em particular, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, deve entender‑se que tais trocas comerciais são influenciadas pelo auxílio (v. Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 66 e jurisprudência referida).

93

A este respeito, não é necessário que a própria empresa beneficiária participe nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Com efeito, quando um Estado‑Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros penetrarem no mercado deste Estado‑Membro são diminuídas (v. Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 67 e jurisprudência referida).

94

Por outro lado, segundo a jurisprudência, não existe limiar ou percentagem abaixo dos quais se possa considerar que as trocas comerciais entre Estados‑Membros não são afetadas. Com efeito, a importância relativamente fraca de um auxílio ou a dimensão relativamente modesta da empresa beneficiária não excluem a priori a eventualidade de as trocas comerciais entre Estados‑Membros serem afetadas (v. Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 68 e jurisprudência referida).

95

No que se refere, mais precisamente, ao requisito da afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros, resulta da jurisprudência que se deve considerar que a concessão de um auxílio por um Estado‑Membro, sob a forma de uma redução fiscal, a certos sujeitos passivos é suscetível de afetar essas trocas e, por conseguinte, que preenche esse requisito, sempre que os referidos sujeitos passivos exerçam uma atividade económica que seja objeto de tais trocas ou que não se possa excluir que estejam em concorrência com operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros (v. Acórdão de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 51 e jurisprudência referida).

96

Quanto ao requisito da distorção da concorrência, importa lembrar que os auxílios que visam libertar uma empresa dos custos que devia normalmente suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais falseiam, em princípio, as condições de concorrência (v. Acórdão de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 54 e jurisprudência referida).

97

No caso em apreço, a Comissão analisou os dois requisitos nos considerandos 79 a 93 da decisão impugnada. Os considerandos 82 e 83 da decisão impugnada dispõem, em especial, o seguinte:

«[A] vantagem fiscal de que os portos em causa beneficiam liberta‑os de uma despesa corrente que deveriam suportar normalmente, podendo favorecê‑los em relação aos portos franceses e aos portos estrangeiros da União Europeia que dela não beneficiam. Por conseguinte, é suscetível de afetar as trocas intracomunitárias e de falsear a concorrência.

Com efeito, existe concorrência no setor portuário e essa concorrência é exacerbada pela natureza e as características próprias do transporte, nomeadamente marítimo e por vias navegáveis interiores. Mesmo que se possa considerar que os portos beneficiam de um monopólio legal para oferecerem os serviços portuários no interior do porto que exploram, os serviços de transporte que oferecem concorrem, pelo menos em certa medida, com os oferecidos por ou noutros portos, bem como por outras empresas de transporte, tanto em França como noutros Estados‑Membros.»

98

No que respeita, em especial, à situação dos portos insulares e dos portos ultramarinos, a Comissão limitou‑se a constatar, no considerando 84 da decisão impugnada, que, «[u]ma vez que exist[ia]m, ou poderiam existir, outras soluções para transportar bens nas regiões ultramarinas, a medida pod[ia], também no caso desses portos distantes da metrópole ou de outros portos europeus, suscitar uma distorção da concorrência e afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros». No entanto, a Comissão teve o cuidado de precisar, no considerando 92 da decisão impugnada, que não excluía que, «no caso específico de alguns portos — em particular aqueles que preenchem as condições impostas pela sua prática decisória —, se possa considerar que a medida em apreço não afeta as trocas comerciais». No entanto, uma vez que se trata de um regime de auxílios, relativo a uma isenção geral do IS para todos os beneficiários referidos nas decisões ministeriais de 1942 e 1943, a Comissão entendeu, no considerando 93 da decisão impugnada, que essa medida era, enquanto tal, suscetível de falsear a concorrência no interior da União e de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

99

Em primeiro lugar, há que constatar que, contrariamente ao que a recorrente alega a título subsidiário, essa fundamentação é suficiente para lhe permitir compreender o raciocínio seguido pela Comissão e permitir ao Tribunal exercer a sua fiscalização.

100

Em segundo lugar, importa analisar os argumentos da recorrente segundo os quais a decisão impugnada está viciada de erros de apreciação quanto aos requisitos relativos à distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros.

101

A este propósito, a recorrente alega, primeiro, que a decisão impugnada não contém nenhum elemento de prova concreto que permita alicerçar a sua argumentação relativa aos efeitos da medida fiscal em causa sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e a concorrência. Ora, segundo a jurisprudência, o efeito de uma medida ou de um regime de auxílios sobre a concorrência e as trocas comerciais entre os Estados‑Membros não pode ser meramente hipotético ou presumido.

102

Ora, como alega a Comissão no considerando 87 da decisão impugnada, no caso de um regime de auxílio aplicável a portos muito diferentes quanto à dimensão, à situação geográfica, ao tipo (porto interior, porto marítimo) ou às suas atividades, não é necessário demonstrar caso a caso que essa medida implica, para cada porto, uma distorção da concorrência e que tem efeitos sobre as trocas comerciais, para determinar que se trata de um auxílio estatal. No caso de um regime de auxílios, a Comissão pode‑se limitar a estudar as características do regime em causa, para apreciar, nos fundamentos da decisão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem sensível aos beneficiários relativamente aos seus concorrentes e é suscetível de beneficiar essencialmente empresas que participam nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, numa decisão que incide sobre um regime dessa natureza, a Comissão não está obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com base nesse regime (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63, e de 26 de novembro de 2015, Navarra de Servicios y Tecnologías/Comissão, T‑487/13, não publicado, EU:T:2015:899, n.o 66).

103

Além disso, há que observar que, embora, à luz da jurisprudência referida no n.o 91, supra, a Comissão não seja obrigada a provar que a medida de auxílio em causa era suscetível de produzir um efeito real ou previsível sobre a concorrência e as trocas comerciais entre Estados‑Membros, como a recorrente alega, resulta da decisão impugnada que, no que respeita à maioria dos portos referidos, em particular os grandes portos franceses como o do Havre, de Rouen ou de Marselha, não é contestado que estão em concorrência com outros portos da União, pelo que a medida tem um efeito real sobre a concorrência e as trocas comerciais entre Estados‑Membros (v. considerando 88 da decisão impugnada). Em relação aos pequenos portos, em especial os que se situam perto de uma zona fronteiriça, foi sem cometer erro de apreciação que a Comissão pôde considerar que estes também estavam sujeitos a uma concorrência transfronteiriça eficaz (v. considerando 91 da decisão impugnada). Ora, há que constatar que tal análise geral da existência de uma distorção da concorrência e da afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros para certas categorias de portos é suficiente tendo em conta as obrigações que incumbem à Comissão no que diz respeito à investigação de um regime de auxílios (n.o 102, supra).

104

Segundo, é erradamente que a recorrente considera que a Comissão tinha a obrigação de provar que a medida fiscal em causa de que beneficiavam os criadores ou os proprietários das infraestruturas portuárias também tinha proporcionado uma vantagem económica aos operadores e utilizadores finais dessas infraestruturas.

105

Com efeito, a decisão impugnada identifica claramente os beneficiários da medida de auxílio em causa como sendo «[os] portos autónomos (alguns dos quais se tornaram grandes portos marítimos), [as] câmaras de comércio marítimas, [as] câmaras de comércio e indústria que exploram instalações portuárias, [os] municípios concessionários de equipamentos públicos do Estado nos portos marítimos e [as] empresas que possam substituí‑los na exploração desses equipamentos» (artigo 1.o da decisão impugnada). Por conseguinte, foi com razão que a Comissão verificou se as condições relativas à existência de um auxílio, em especial as relativas à distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros, estavam preenchidas para esses beneficiários e não para outras categorias de operadores, como os operadores ou os utilizadores finais das infraestruturas portuárias. Em todo o caso, na medida em que a recorrente representa portos franceses e CCI responsáveis pela sua exploração, é difícil perceber em que medida uma eventual falta de fundamentação da decisão impugnada quanto a um eventual auxílio indireto em benefício de outras categorias de operadores poderia afetar a validade da decisão no que diz respeito aos seus membros.

106

Terceiro, a recorrente entende que, mesmo admitindo que a medida fiscal em causa pudesse exercer influência sobre o nível dos preços praticados pelos portos franceses, não é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência, na medida em que o preço não constitui um elemento determinante da atratividade dos portos, uma vez que esta está ligada a muitos outros fatores, tais como a dimensão e a qualidade das suas ligações com o interior, a sua situação geográfica ou os benefícios que estes podem trazer ao sistema logístico mais global.

107

A este propósito, basta constatar, à semelhança da Comissão no considerando 85 da decisão impugnada, que não é contestado que o nível dos preços praticados constitui um elemento, entre outros, da competitividade dos portos. Por conseguinte, o facto de outros elementos poderem ter uma influência mais ou menos importante na atratividade de um porto não é suscetível de pôr em causa a conclusão da Comissão a este respeito. Além disso, importa recordar que, segundo a jurisprudência, não existe limiar ou percentagem abaixo dos quais se possa considerar que as trocas comerciais entre Estados‑Membros não são afetadas (n.o 94, supra). Por conseguinte, as estatísticas apresentadas pela recorrente, relativas às quotas de mercado dos portos franceses por comparação com outros portos da União, não são suscetíveis de pôr em causa as conclusões da Comissão a este respeito.

108

Quarto, segundo a recorrente, em todo o caso, os requisitos relativos à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros e à distorção da concorrência não estão preenchidos no que respeita aos portos insulares e aos portos ultramarinos. Quanto aos portos insulares, sustenta que a Comissão devia ter em conta a situação específica destes portos, em conformidade com a sua Comunicação sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, atendendo à sua finalidade principal relativa, nomeadamente, à manutenção da continuidade entre o continente e a ilha. Quanto aos portos ultramarinos, invoca, por um lado, o afastamento geográfico dos territórios ultramarinos em relação ao território da União e, por outro, a inexistência de um papel significativo desempenhado por esses portos no sistema de transportes da União, conforme resulta da possibilidade prevista pelo Regulamento (UE) 2017/352 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de fevereiro de 2017, que estabelece o regime da prestação de serviços portuários e regras comuns relativas à transparência financeira dos portos (JO 2017, L 57, p. 1), de excluir esses portos do respetivo âmbito de aplicação. Além disso, a recorrente entende que a Comissão considerou erradamente, no considerando 84 da decisão impugnada, que a medida fiscal em causa incitara determinadas empresas a privilegiar o transporte por vias navegáveis, e não por via aérea para o encaminhamento das suas mercadorias nas regiões ultramarinas e assim tinha suscitado uma distorção da concorrência e afetado as trocas comerciais entre Estados‑Membros no que respeita aos portos ultramarinos.

109

A este propósito, há que recordar que a decisão da Comissão não incide sobre auxílios individuais, que visam a situação concreta dos portos insulares ou dos portos ultramarinos, mas sobre um regime de auxílios cujos beneficiários são identificados de forma geral por decisões ministeriais de 1942 e de 1943, como sendo «[os] portos autónomos (alguns dos quais se tornaram grandes portos marítimos), [as] câmaras de comércio marítimas, [as] câmaras de comércio e indústria que exploram instalações portuárias, [os] municípios concessionários de equipamentos públicos do Estado nos portos marítimos e [as] empresas que possam substituí‑los na exploração desses equipamentos» (artigo 1.o da decisão impugnada).

110

Ora, a este propósito, tendo em conta os requisitos exigidos pela jurisprudência (v. n.os 91 a 96 e 102, supra), o raciocínio que consta dos considerandos 82 a 93 da decisão impugnada é suficiente para demonstrar que os requisitos de distorção da concorrência e de afetação das trocas comerciais estão preenchidos.

111

Com efeito, mesmo admitindo que a apreciação da situação individual de determinados portos insulares ou ultramarinos pudesse revelar que esses requisitos não estão preenchidos a seu respeito, no caso de um regime de auxílios existente, como no caso em apreço, essa apreciação deve ser efetuada pelo Estado‑Membro na fase da recuperação dos auxílios ou numa fase posterior, no respeito do princípio da cooperação leal entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.os 63 e 125).

112

Por conseguinte, os argumentos da recorrente relativos à situação individual dos portos insulares e dos portos ultramarinos devem ser julgados inoperantes, sem que seja necessário decidir quanto ao mérito da análise que consta do considerando 84, último período, da decisão impugnada, uma vez que essa análise tem caráter acessório.

113

Atendendo a estas considerações, há que concluir que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada e não está ferida de qualquer erro de apreciação no que diz respeito às condições de distorção da concorrência e de afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros.

114

Assim, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito na condução do procedimento de fiscalização dos auxílios existentes e à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o princípio da proporcionalidade

115

A recorrente alega que a Comissão violou as disposições do artigo 108.o, n.os 1 e 3, TFUE, em conjugação com o princípio da proporcionalidade.

116

A este propósito, a recorrente considera, antes de mais, que a Comissão cometeu um erro de direito na condução do procedimento de fiscalização do regime de auxílio em causa. Mais especificamente, segundo a recorrente, considerando que incumbia às autoridades francesas demonstrar a compatibilidade da medida fiscal em causa com o mercado interno, a Comissão agiu como se tivesse sido chamada a pronunciar‑se sobre um pedido de aprovação de um novo auxílio estatal, ao passo que estava perante um auxílio estatal existente, cujo ónus da prova da não conformidade lhe incumbia por força do artigo 108.o, n.os 1 e 2, TFUE.

117

Em seguida, a recorrente alega que, no âmbito do procedimento de medidas adequadas, previsto pelo artigo 22.o do Regulamento 2015/1589, a Comissão não pode pedir a supressão de um regime de auxílios existente se a simples alteração de algumas das suas características basta para sanar a incompatibilidade constatada. Consequentemente, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, a supressão de um regime de auxílios só deve ser considerada se for totalmente impossível que as alterações suscetíveis de serem introduzidas nesse regime possam torná‑lo conforme com as regras do Tratado. Assim, segundo a recorrente, a Comissão devia ter verificado se, com algumas alterações do regime em causa, a isenção podia ter preenchido os requisitos relativos ao financiamento de serviços de interesse económico geral (SIEG) e, por conseguinte, ser considerada compatível com o mercado interno nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

118

Por outro lado, a recorrente sustenta que a Comissão desvirtuou o sentido do artigo 93.o TFUE ao considerar que os auxílios autorizados com o seu fundamento deviam estar relacionados com determinados custos e ser limitados e restringindo o âmbito de aplicação material desta disposição aos auxílios ao investimento, com exclusão dos auxílios ao funcionamento. Invoca em apoio deste argumento a Decisão da Comissão SA.37402, de 18 de dezembro de 2014, relativa ao auxílio atribuído ao porto de Budapeste (Hungria) (JO 2014, C 141, p. 1), e a Comunicação C(2004) 43 da Comissão — Orientações comunitárias sobre auxílios estatais aos transportes marítimos (JO 2004, C 13, p. 3).

119

Pelas mesmas razões, a recorrente considera que a Comissão afastou erradamente a aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alíneas a) e b), TFUE e do artigo 349.o TFUE, apenas pelo facto de a medida fiscal não ser orientada para a realização de um projeto de interesse europeu nem para os portos ultramarinos.

120

Por último, a recorrente alega que a violação do artigo 108.o, n.os 1 e 2, TFUE, conjugado com o princípio da proporcionalidade, é tanto mais evidente quanto a decisão impugnada foi adotada depois da entrada em vigor de dois regulamentos relativos aos portos, a saber, o Regulamento 2017/352 e o Regulamento 2017/1084 da Comissão, de 14 de junho de 2017, que altera o Regulamento (UE) n.o 651/2014 no que se refere aos auxílios às infraestruturas portuárias e aeroportuárias, aos limiares de notificação para os auxílios a favor da cultura e da conservação do património e para os auxílios a infraestruturas desportivas e recreativas multifuncionais, bem como aos regimes de auxílio regional ao funcionamento nas regiões ultraperiféricas e que altera o Regulamento (UE) n.o 702/2014 no que se refere ao cálculo dos custos elegíveis (JO 2017, L 156, p. 1), enquanto este último previa uma extensão do regulamento geral de isenção por categoria às infraestruturas portuárias, bem como a possibilidade de conceder auxílios ao funcionamento nas regiões ultraperiféricas.

121

A Comissão contesta estes argumentos.

122

Em primeiro lugar, há que recordar que o artigo 108.o, n.o 1, TFUE prevê que «[a] Comissão procederá, em cooperação com os Estados‑Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados» e que «[a] Comissão proporá também aos Estados‑Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno». O artigo 108.o, n.o 2, TFUE prevê, em seguida, que, «[s]e a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar».

123

O Regulamento 2015/1589 especifica, no seu capítulo VI, o procedimento relativo aos regimes de auxílios existentes. O artigo 21.o do Regulamento 2015/1589 esclarece, antes de mais, o mecanismo de cooperação entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, previsto pelo artigo 108.o, n.o 1, TFUE. Em seguida, o artigo 22.o do Regulamento 2015/1589 prevê o tipo de medidas adequadas que a Comissão pode propor ao Estado‑Membro, quando considerar que um regime de auxílios existente não é ou deixou de ser compatível com o mercado interno. Essas medidas podem consistir especialmente na alteração do conteúdo de regime de auxílios ou na supressão do regime de auxílios em questão. Por último, o artigo 23.o do Regulamento 2015/1589 explica as consequências jurídicas de uma proposta de medidas adequadas. Assim, prevê que, quando o Estado‑Membro em causa não aceitar as medidas propostas e a Comissão, tendo em conta os argumentos do Estado‑Membro, continuar a considerar que essas medidas são necessárias, dará início a um procedimento formal de investigação. Além disso, esclarece‑se que os artigos relativos ao procedimento formal de investigação e aos tipos de decisões que podem ser adotadas pela Comissão na sequência deste procedimento são aplicáveis mutatis mutandis.

124

Por conseguinte, tendo em atenção a redação destas disposições, há que considerar que a Comissão não inverteu o ónus da prova nem violou o procedimento a seguir no âmbito da investigação de um regime de auxílios existente.

125

Com efeito, no caso em apreço, há que recordar que a Comissão procedeu antes de mais ao exame do regime de auxílios em cooperação com as autoridades francesas, em seguida, depois de ter proposto medidas adequadas, que foram recusadas por essas autoridades, decidiu dar início ao procedimento formal de investigação, em conformidade com o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589 e o artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v. n.os 2 a 7, supra).

126

Ora, embora as disposições referidas no n.o 122, supra, estabeleçam efetivamente um mecanismo de cooperação entre o Estado‑Membro e a Comissão durante a fase de informações e da proposta de medidas adequadas, preveem explicitamente que, quando a Comissão decide dar início ao procedimento formal de investigação, as disposições relativas à tramitação deste processo, aplicáveis normalmente aos novos auxílios, são também aplicáveis, mutatis mutandis, no âmbito de um processo relativo a um regime de auxílios existente.

127

Portanto, como alega a Comissão, não existe nenhuma razão para distinguir, na fase do procedimento formal de investigação, o procedimento aplicável aos novos auxílios e aos auxílios existentes.

128

A fortiori, também não há nenhuma razão para considerar que o ónus da prova se inverte no que diz respeito ao exame da compatibilidade de um regime de auxílios com o mercado interno. Como alega a Comissão, o Estado‑Membro em causa e as partes interessadas podem contestar o raciocínio provisório da Comissão a este respeito no decurso do procedimento formal de investigação. O Estado‑Membro e, em menor medida, as partes interessadas estão, em geral, melhor colocados para estabelecer a existência de um objetivo de interesse geral que era prosseguido aquando da adoção da medida em causa, que permitia declará‑la total ou parcialmente compatível.

129

A este propósito, há que concluir que a Comissão analisou os diversos fundamentos de compatibilidade invocados durante o procedimento formal de investigação na decisão impugnada e que explicou as razões pelas quais nenhum deles permitia declarar, mesmo parcialmente, a medida em causa compatível com o mercado interno.

130

Primeiro, quanto ao artigo 93.o TFUE, este dispõe que «[s]ão compatíveis com os Tratados os auxílios que vão ao encontro das necessidades de coordenação dos transportes ou correspondam ao reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público».

131

A este propósito, a Comissão entendeu, no considerando 97 da decisão impugnada, que, embora os portos interiores franceses desempenhassem um papel importante no desenvolvimento do transporte multimodal, nem todos os investimentos dos portos eram abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 93.o TFUE, circunscrito aos auxílios que vão ao encontro das necessidades de coordenação dos transportes. De resto, segundo a Comissão, a isenção do IS não constitui um auxílio ao investimento, mas sim um auxílio ao funcionamento não orientado para o investimento. A medida também não é orientada para o reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público, como já foi dito. Por outro lado, a vantagem retirada de uma isenção fiscal pura e simples não se limita ao montante necessário para assegurar a coordenação dos transportes, nem o reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público e não garante, assim, a observância do princípio da proporcionalidade. Além disso, não tem um efeito de incentivo claramente identificado, nomeadamente porque a isenção beneficia sobretudo os portos mais rentáveis e que, por isso, têm mais meios — e menos necessidade de incentivos. Por conseguinte, segundo a Comissão, o artigo 93.o TFUE não é aplicável.

132

Contrariamente ao que a recorrente alega, este raciocínio não está viciado de nenhum erro manifesto de apreciação. Com efeito, a recorrente não explica, nomeadamente, em que medida a isenção do IS em benefício dos portos estaria intrinsecamente ligada e seria necessária à coordenação dos transportes.

133

Ora, há que recordar que, segundo a jurisprudência, a Comissão só pode declarar um auxílio compatível se puder estabelecer que o auxílio contribui para a realização de um dos objetivos referidos pela base jurídica da sua compatibilidade, objetivos que a empresa beneficiária não poderia alcançar pelos seus próprios meios em condições normais de mercado. Por outras palavras, para que um auxílio possa beneficiar de uma das derrogações previstas pelo Tratado, o auxílio deve não só ser conforme com um dos objetivos referidos pelo Tratado mas deve também ser necessário para alcançar esses objetivos (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.o 180 e jurisprudência referida).

134

Além disso, embora seja verdade que nem o artigo 93.o TFUE nem o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE distinguem os auxílios ao funcionamento dos auxílios ao investimento, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, os auxílios ao funcionamento, que se destinam à manutenção do statu quo ou a libertar uma empresa dos custos que normalmente deveria suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais, não podem, em princípio, ser considerados compatíveis com o mercado interno.

135

Com efeito, auxílios que se limitam a reduzir as despesas correntes e as habituais de exploração que as empresas têm, de qualquer modo, de suportar no âmbito das suas atividades normais não podem ser considerados como prosseguindo um objetivo de interesse público na aceção do artigo 93.o TFUE, nem do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Uma vez que esses auxílios beneficiariam essas empresas face aos seus concorrentes, sem que isso se justifique para a realização de um objetivo de interesse público, não podem ser declarados compatíveis com o mercado interno (Acórdão de 12 de julho de 2018, Áustria/Comissão, T‑356/15, pendente de recurso, EU:T:2018:439, n.o 581; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 1995, Siemens/Comissão, T‑459/93, EU:T:1995:100, n.o 76).

136

Por outro lado, é em vão que a recorrente invoca a Decisão da Comissão no processo SA.37402, de 18 de dezembro de 2014, relativa ao auxílio atribuído ao porto de Budapeste para tentar demonstrar a compatibilidade do regime de auxílios em causa com o mercado interno. Com efeito, como alega a Comissão, por um lado, a sua prática decisória não pode afetar a validade da decisão impugnada (v. n.o 72, supra). Em todo o caso, basta constatar que o auxílio em causa nesse processo era um auxílio ao investimento em infraestruturas portuárias, que prossegue um objetivo claramente estabelecido, contrariamente à medida em causa neste processo.

137

Por seu turno, a Comunicação da Comissão sobre auxílios estatais aos transportes marítimos, tal como o seu nome indica, diz unicamente respeito aos auxílios a favor dos transportes marítimos, e não os auxílios a favor dos portos ou das infraestruturas portuárias. Além disso, as medidas fiscais evocadas nessa comunicação não dizem respeito a uma isenção geral do IS, como no caso em apreço, mas à substituição de um determinado tipo de tributação por outro baseado na tonelagem, a fim de evitar as deslocalizações. Por conseguinte, a recorrente não pode retirar dessa comunicação um princípio geral segundo o qual os auxílios sob a forma de redução fiscal são compatíveis com o mercado interno. Essa comunicação demonstra, quando muito, que determinados auxílios ao funcionamento, sob a forma de desagravamentos fiscais, podem, em alguns casos excecionais, ser declarados compatíveis com o mercado interno, o que a Comissão não contesta (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2018, Áustria/Comissão, T‑356/15, pendente de recurso, EU:T:2018:439, n.o 583 e jurisprudência referida).

138

Segundo, no que respeita ao artigo 107.o, n.o 3, alíneas a) e b), TFUE e ao artigo 349.o TFUE, a Comissão analisou a aplicabilidade destas disposições nos considerandos 98 a 100 da decisão impugnada. Ora, a recorrente não explica em que medida esse raciocínio enferma de um erro manifesto de apreciação, mas limita‑se a afirmar que o artigo 349.o TFUE constituía incontestavelmente uma base jurídica suficiente para considerar que um regime de isenção fiscal dos portos ultramarinos era compatível com o Tratado.

139

A este propósito, importa, por um lado, salientar, no entanto, que a medida de auxílio em causa não está orientada para os portos ultramarinos, mas para o conjunto dos portos e das entidades beneficiárias, tal como identificados no artigo 1.o da decisão impugnada. Por outro lado, o artigo 349.o TFUE prevê que o legislador da União pode adotar medidas específicas destinadas, em especial, a estabelecer as condições de aplicação do Tratado às regiões aí referidas, tendo em conta que a sua situação económica e social estrutural é agravada por determinados fatores cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o seu desenvolvimento (Acórdão de 10 de setembro de 2009, Banco Comercial dos Açores/Comissão, T‑75/03, não publicado, EU:T:2009:322, n.o 3). Todavia, o artigo 349.o, terceiro parágrafo, TFUE prevê que o Conselho adotará as medidas a que se refere o primeiro parágrafo tendo em conta as características e os condicionalismos especiais das regiões ultraperiféricas, sem pôr em causa a integridade e a coerência do ordenamento jurídico da União, incluindo o mercado interno e as políticas comuns. Ora, há que concluir que a recorrente não invoca nenhuma disposição do direito derivado que refira que o Conselho tinha decidido autorizar auxílios sob a forma de uma isenção do IS a favor dos portos situados nos territórios ultramarinos.

140

Na medida em que a recorrente invoca o Regulamento 2017/352, basta referir, como fez a Comissão no considerando 111 da decisão impugnada, que este regulamento não tem por objetivo nem por efeito influenciar a ação da Comissão baseada nos artigos 107.o e 108.o TFUE. Pelo contrário, este regulamento, que tem por objetivo estabelecer o regime da prestação de serviços portuários e regras comuns relativas à transparência financeira dos portos, prevê que deve permitir «um controlo equitativo e eficaz dos auxílios estatais» (considerando 6), que «não deverá obstar a que as autoridades competentes concedam uma compensação pelas medidas tomadas em cumprimento das obrigações de serviço público, desde que essa compensação seja conforme com as regras aplicáveis aos auxílios estatais» (considerando 32) e que, «[em] qualquer caso, o cumprimento das regras aplicáveis aos auxílios estatais deverá ser assegurado» (considerando 43).

141

Quanto ao Regulamento 2017/1084, que também é invocado pela recorrente, altera o Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado (JO 2014, L 187, p. 1), acrescentando, nomeadamente, o artigo 56.o‑B e o artigo 56.o‑C, que preveem a possibilidade de isentar determinados auxílios em benefício dos portos marítimos e dos portos interiores. Ora, o Regulamento n.o 651/2014, que foi adotado com base no artigo 108.o, n.o 4, TFUE e no Regulamento (CE) n.o 994/98 do Conselho, de 7 de maio de 1998, relativo à aplicação dos artigos 92.o e 93.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia a determinadas categorias de auxílios estatais horizontais (JO 1998, L 142, p. 1), tem por objetivo permitir isentar os Estados‑Membros da sua obrigação de notificar determinadas categorias de auxílios, sob condições. Entretanto, como alega a Comissão, este regulamento não prevê outros pressupostos de compatibilidade diferentes dos previstos no Tratado. Por conseguinte, na medida em que a Comissão concluiu, nos considerandos 95 a 104 da decisão impugnada, que a medida em causa não podia ser declarada compatível com o mercado interno, sem ter cometido um erro manifesto de apreciação a este respeito (v. supra), não podia, a fortiori, declará‑la compatível com base no Regulamento n.o 651/2014. Além disso, o artigo 56.o‑B e o artigo 56.o‑C do Regulamento n.o 651/2014 preveem determinadas condições em termos, nomeadamente, de custos elegíveis, de intensidade do auxílio ou ainda da necessidade do auxílio, sem que a recorrente tenha tentado demonstrar que esses requisitos estavam preenchidos no caso em apreço.

142

Assim, há que julgar improcedente a acusação da recorrente, resultante da inobservância das especificidades do procedimento relativo aos auxílios existentes, da inversão do ónus da prova e de erros manifestos de apreciação no que diz respeito ao exame da compatibilidade do regime em causa com o mercado interno.

143

Em segundo lugar, a recorrente alega uma violação do princípio da proporcionalidade por a Comissão ter exigido a supressão pura e simples do regime em causa na decisão impugnada, em vez de pedir a sua adaptação ou declará‑lo compatível sob condições.

144

A este propósito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para alcançar o objetivo prosseguido, entendendo‑se que, quando há a possibilidade de escolher entre diversas medidas adequadas, há que recorrer à menos gravosa (v. Acórdão de 17 de julho de 2014, Westfälisch‑Lippischer Sparkassen‑ und Giroverband/Comissão, T‑457/09, EU:T:2014:683, n.o 346 e jurisprudência referida).

145

No caso em apreço, segundo a Comissão, uma vez que a medida analisada era manifestamente incompatível com o mercado interno, não se prestava nem a uma adaptação nem ao estabelecimento de condições suscetíveis de a tornar compatível com o mercado interno. Alega também que qualquer alteração do regime de auxílios em causa para o tornar compatível com o mercado interno teria sido especialmente complexa, uma vez que a própria natureza da vantagem, uma isenção do IS relativo ao lucro realizado, não se adequa com os critérios de compatibilidade, nomeadamente a proporcionalidade e a transparência da medida à luz de um objetivo definido.

146

A este propósito, há que observar, por um lado, que o artigo 22.o do Regulamento 2015/1589 prevê que a Comissão pode propor, a título de medidas adequadas, ou a alteração do conteúdo de regime de auxílios, ou a introdução de requisitos processuais ou ainda a supressão do regime de auxílios. Por conseguinte, a possibilidade de suprimir o regime de auxílios em questão está expressamente prevista na proposta de medidas adequadas que precede a fase formal de investigação.

147

Por outro lado, a possibilidade, atribuída à Comissão, de exigir a supressão pura e simples de um regime de auxílios existente, se concluir, no termo do procedimento formal de investigação, que este não é compatível com o mercado interno, não é acompanhada de nenhum requisito adicional em relação à análise de um novo regime de auxílios, tendo em conta o paralelismo existente entre esses dois procedimentos desde o início do procedimento formal de investigação (v. n.o 127, supra).

148

No entanto, como alega a recorrente, essa possibilidade deve ser exercida no respeito do princípio da proporcionalidade, o que implica que, se a alteração ou determinadas adaptações do regime em causa forem possíveis e permitam torná‑lo compatível com o mercado interno, a Comissão deve, pelo menos, analisar esta opção com o Estado‑Membro em questão na fase da sua proposta de medidas adequadas.

149

Todavia, há que salientar, à semelhança da Comissão, que essa alteração do regime de auxílios em causa, que, por outro lado, não parece ter sido considerada pela República Francesa, revelava‑se complexa para não dizer impossível no caso em apreço. Com efeito, tratando‑se de uma medida que prevê uma isenção incondicional do IS a favor de determinadas categorias gerais de beneficiários, sem nenhuma relação com um objetivo de interesse geral claramente definido, uma alteração desse regime teria implicado que a República Francesa notificasse um outro regime, fundamentalmente diferente do regime de auxílios existente analisado pela Comissão. Assim, era, designadamente, necessário limitar e condicionar o benefício e o seu montante aos custos não cobertos de determinados investimentos ou à compensação de eventuais custos dos SIEG, cuja natureza e dimensão deviam ser definidos por categorias de porto ou mesmo porto a porto numa base anual, tendo em conta especificidades financeiras dos cerca de 500 portos franceses e regras potencialmente diferentes em matéria de compatibilidade aplicáveis a cada um deles, nomeadamente aos portos ultramarinos.

150

Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, há que constatar que a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade ao não analisar se, através de determinadas alterações da medida de auxílio em causa, esta teria podido preencher as condições relativas ao financiamento dos SIEG e ser considerada compatível com o mercado interno.

151

É verdade que, como alega a recorrente, nas Decisões da Comissão de 15 de dezembro de 2009, relativa ao auxílio estatal SA.14175 (ex E 2/2005 e N 642/2009) — Países Baixos — Existing and special projet aid to housing corporations (JO 2010, C 31, p. 4), e de 30 de agosto de 2010, relativa ao auxílio estatal E/2005 — Países Baixos — Existing aid to housing corporations: decision amending paragraphs 22‑24 of the Comissão Decision of 15 December 2009 (JO 2010, C 250, p. 1), a Comissão propôs às autoridades neerlandesas não suprimir o regime de auxílios existente, mas alterá‑lo para o pôr em conformidade com as regras da União que regulam os auxílios estatais.

152

Todavia, nas decisões referidas no n.o 151, supra, relativas às habitações sociais neerlandeses, o Reino dos Países Baixos tinha proposto compromissos suscetíveis de responder às medidas adequadas propostas pela Comissão, para tornar o regime compatível com o mercado interno. A decisão final da Comissão tinha assim sido adotada com base no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, que previa as consequências jurídicas da aceitação, por parte do Estado‑Membro, das medidas adequadas da Comissão.

153

Em contrapartida, no caso em apreço, não tendo o Estado‑Membro aceitado as medidas adequadas propostas pela Comissão, nem, tal como a Comissão confirmou na audiência, proposto compromissos para dar resposta às objeções levantadas por esta, a decisão impugnada foi adotada no termo do procedimento formal de investigação, em conformidade com o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589. Por conseguinte, não pode ser efetuado nenhum paralelismo com as decisões referidas no n.o 151, supra.

154

Tendo em conta todas estas considerações, há que julgar improcedente o quarto fundamento.

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

155

Com este fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada foi adotada em violação da obrigação de imparcialidade objetiva que incumbe à Comissão por força do princípio da boa administração, garantido pelo artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Mais precisamente, critica a Comissão pela sua inação perante aos regimes de auxílios de que beneficiam determinados portos da União nos termos da regulamentação fiscal em vigor noutros Estados‑Membros, induzindo, consequentemente, novas distorções da concorrência em violação direta do seu papel de garante do bom funcionamento do mercado interno.

156

A Comissão contesta estes argumentos.

157

A título preliminar, importa analisar se, como alega a recorrente, uma eventual violação do princípio da boa administração, admitindo‑a demonstrada, constitui um vício de legalidade autónomo, suscetível, por si só, de provocar a anulação da decisão impugnada. Com efeito, a Comissão observa, a título principal, que uma violação desse princípio só poderia provocar a anulação da decisão impugnada em combinação com a violação de uma outra regra do direito da União. Refere, a este propósito, o n.o 43 do Acórdão de 6 de dezembro de 2001, Area Cova e o./Conselho e Comissão (T‑196/99, EU:T:2001:281), do qual resulta que o princípio da boa administração não faz parte das regras legais que têm por objeto conferir direitos aos particulares e cuja violação poderia ser invocada para determinar a responsabilidade extracontratual da União.

158

Todavia, importa notar que a jurisprudência invocada pela Comissão incide sobre a questão de saber se o direito a uma boa administração constitui uma regra de direito que tem por objeto conferir direitos aos particulares, questão que é pertinente no âmbito da ação de indemnização prevista no artigo 268.o TFUE, e não no âmbito de um recurso de anulação, com base no artigo 263.o TFUE, como no caso em apreço.

159

No âmbito do seu fundamento relativo à violação do direito a uma boa administração, a recorrente invoca, em substância, uma violação do dever de diligência e do dever de imparcialidade.

160

Segundo a jurisprudência, o dever de diligência é inerente ao princípio da boa administração. Aplica‑se, de modo geral, à ação da administração da União nas suas relações com o público e implica que a administração da União deve agir com cuidado e prudência e analisar com cuidado e imparcialidade todos os factos pertinentes do caso em apreço [v., designadamente, neste sentido, Acórdãos de16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.os 92 e 93, e de 15 de janeiro de 2015, Ziegler e Ziegler Relocation/Comissão, T‑539/12 e T‑150/13, não publicado, EU:T:2015:15, n.o 97].

161

Além disso, nos termos do artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, todas as pessoas têm direito, nomeadamente, a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições da União de forma imparcial. Esta exigência de imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa encarregada do processo deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito todas as dúvidas legítimas (v. Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 155 e jurisprudência referida).

162

Todavia, o dever de imparcialidade que recai sobre a Comissão não lhe pode impor, quando examina regimes de auxílios existentes em vários Estados‑Membros, a realização dessas investigações em simultâneo ou a adoção de decisões vinculativas no mesmo momento para todos os Estados‑Membros. No caso em apreço, embora seja verdade que resulta do comunicado de imprensa da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativo às isenções fiscais concedidas às empresas públicas neerlandesas, que, «em determinados Estados‑Membros, os portos não estão sujeitos ao imposto sobre as sociedades, mas a um outro regime fiscal suscetível de ser mais favorável», ao passo que «noutros Estados‑Membros os portos não pagam nenhum imposto sobre as sociedades porque são deficitários», a recorrente não pode deduzir destas considerações gerais que a Comissão tinha violado a exigência de imparcialidade, ao pronunciar‑se, antes de mais, sobre os regimes fiscais belga, neerlandês e francês e ao adotar decisões finais negativas relativamente a esses regimes antes de ter analisado o conjunto dos regimes fiscais dos outros Estados‑Membros que eventualmente também contivessem auxílios estatais.

163

Além disso, importa observar que foram analisados e julgados improcedentes argumentos semelhantes no processo que deu origem ao Acórdão de 31 de maio de 2018, Groningen Seaports e o./Comissão (T‑160/16, não publicado, EU:T:2018:317), relativamente ao recurso interposto por determinados portos neerlandeses contra a Decisão (UE) 2016/634 da Comissão, de 21 de janeiro de 2016, relativa à medida de auxílio estatal SA.25338 (2014/C) (ex E 3/2008 e ex CP 115/2004) implementada pelos Países Baixos — Isenção do imposto sobre o rendimento das sociedades para as empresas públicas (JO 2016, L 113, p. 148).

164

Com efeito, o Tribunal Geral declarou, nesse processo, que a eventual violação, por um Estado‑Membro, de uma obrigação que lhe incumbe por força do Tratado, designadamente da proibição do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, não se pode considerar justificada pelo facto de outros Estados‑Membros também não cumprirem essa obrigação e que o efeito de várias distorções da concorrência sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros não é o de se neutralizarem mutuamente, mas, pelo contrário, o de se cumularem, o que aumenta as consequências prejudiciais para o mercado interno (v. Acórdão de 31 de maio de 2018, Groningen Seaports e o./Comissão, T‑160/16, não publicado, EU:T:2018:317, n.o 97 e jurisprudência referida).

165

Assim, pressupondo que outros Estados‑Membros concedem auxílios estatais aos seus portos marítimos, não deixa de ser verdade que a Comissão, na decisão impugnada, em que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que ordena a sua supressão, visa restabelecer condições de concorrência equitativas no setor portuário e, por conseguinte, cumprir os objetivos das regras em matéria de auxílios estatais (v., por analogia, Acórdão de 31 de maio de 2018, Groningen Seaports e o./Comissão, T‑160/16, não publicado, EU:T:2018:317, n.o 98).

166

O Tribunal Geral também recordou que o respeito do princípio da igualdade de tratamento devia ser conciliado com o princípio da legalidade, o que implicava que ninguém podia invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de outrem (v. Acórdão de 31 de maio de 2018, Groningen Seaports e o./Comissão, T‑160/16, não publicado, EU:T:2018:317, n.o 116 e jurisprudência referida).

167

Por conseguinte, deve ser julgado improcedente o argumento da recorrente de que a Comissão tinha violado o princípio da boa administração, ao ter iniciado procedimentos de auxílios estatais apenas contra apenas três Estados, a República Francesa, o Reino da Bélgica e o Reino dos Países Baixos, quando resultava das respostas ao seu questionário que metade dos Estados‑Membros tinha reconhecido ter reservado aos seus portos regimes fiscais derrogatórios às regras de direito comum.

168

Em todo o caso, esse argumento é inoperante, na medida em que não é suscetível de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada enquanto tal, mas visa antes evidenciar uma eventual omissão da Comissão relativamente a regimes de auxílios semelhantes que também estão em vigor noutros Estados‑Membros. Ora, como alega a Comissão, nesse caso, compete à recorrente apresentar uma queixa junto da Comissão relativamente a regimes de auxílios que subsistam noutros Estados‑Membros e, em caso de omissão injustificada e prolongada desta, propor uma ação por omissão na aceção do artigo 265.o TFUE.

169

Assim, em face de todas estas considerações, há que julgar improcedente o quinto fundamento e negar provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

170

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas em conformidade com o pedido da Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Union des ports de France — UPF é condenada nas despesas.

 

Berardis

Papasavvas

Spineanu‑Matei

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de abril de 2019.

Assinaturas

Índice

 

Antecedentes do litígio

 

Tramitação processual e pedidos das partes

 

Questão de direito

 

Quanto à admissibilidade

 

Quanto ao mérito

 

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito, na medida em que a Comissão qualificou, erradamente, o regime de isenção do IS concedido aos portos franceses de auxílio estatal na sua totalidade

 

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito na apreciação do caráter económico das atividades assumidas pelos portos franceses

 

Quanto ao terceiro fundamento, relativo, no essencial, a erros de apreciação e à falta de fundamentação no que respeita aos requisitos relativos à distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros

 

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito na condução do procedimento de fiscalização dos auxílios existentes e à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o princípio da proporcionalidade

 

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: francês.

( 1 ) O último indicador e o n.o 131 do presente texto foram objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.