ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de dezembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política económica e monetária — Decisão (UE) 2015/774 do Banco Central Europeu — Validade — Programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários — Artigos 119.o e 127.o TFUE — Atribuições do BCE e do Sistema Europeu de Bancos Centrais — Manutenção da estabilidade dos preços — Proporcionalidade — Artigo 123.o TFUE — Proibição do financiamento monetário dos Estados‑Membros da área do euro»

No processo C‑493/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha), por decisão de 18 de julho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de agosto de 2017, no processo instaurado por

Heinrich Weiss e o.

Bernd Lucke e o.,

Peter Gauweiler,

Johann Heinrich von Stein e o.,

sendo intervenientes:

Bundesregierung,

Bundestag,

Deutsche Bundesbank,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, T. von Danwitz, C. Toader e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas, E. Juhász, M. Ilešič, L. Bay Larsen (relator), M. Safjan, D. Šváby, C. G. Fernlund e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de julho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação de H. Weiss e o., por C. Degenhart,

em representação de B. Lucke e o., por H.‑D. Horn e G. Beck, barrister,

em representação de P. Gauweiler, por D. Murswiek,

em representação de J. H. von Stein e o., por M. C. Kerber, Rechtsanwalt,

em representação do Deutsche Bundesbank, por A. Guericke, na qualidade de agente, assistido por U. Soltész, C. von Köckritz e B. Herz, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e U. Häde, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por K. Boskovits, S. Charitaki e A. Magrippi, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas, D. Segoin e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. De Luca e P. Gentili, avvocati dello Stato,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo, T. Larsen e P. Machado, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por S. Hartikainen, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn, J.‑P. Keppenne, C. Ladenburger e B. Martenczuk, na qualidade de agentes,

em representação do Banco Central Europeu (BCE), por C. Zilioli, K. Kaiser e C. Kroppenstedt, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, Rechtsanwalt,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade da Decisão (UE) 2015/774 do Banco Central Europeu, de 4 de março de 2015, relativa a um programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários (JO 2015, L 121, p. 20), conforme alterada pela Decisão (UE) 2017/100 do Banco Central Europeu, de 11 de janeiro de 2017 (JO 2017, L 16, p. 51) (a seguir «Decisão 2015/774»), e a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, TUE e dos artigos 123.o e 125.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de quatro recursos de fiscalização da constitucionalidade interpostos por Heinrich Weiss e o., Bernd Lucke e o., Peter Gauweiler e Johann Heinrich von Stein e o., a respeito da aplicabilidade, na Alemanha, de diversas decisões do Banco Central Europeu (BCE), da participação do Deutsche Bundesbank (Banco Federal da Alemanha) na execução dessas decisões ou da sua alegada inércia face às referidas decisões, bem como da alegada inércia do Bundesregierung (Governo federal, Alemanha) e do Deutscher Bundestag (Parlamento Federal, Alemanha) face a essa participação e às mesmas decisões.

Quadro jurídico

Decisão 2015/774

3

Os considerandos 2 a 4 e 7 da Decisão 2015/774 têm a seguinte redação:

«(2)

Em 4 de setembro de 2014, o Conselho do BCE decidiu dar início a um terceiro programa de compra de obrigações com ativos subjacentes (covered bonds) (a seguir “CBPP3”) e a um programa de compra de instrumentos de dívida titularizados (a seguir “ABSPP”). Juntamente com as operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas introduzidas em setembro de 2014, estes programas de compra de ativos visam promover ainda mais a transmissão da política monetária, facilitar a disponibilização de crédito à economia da área do euro, melhorar as condições de acesso ao crédito das famílias e empresas e, ainda, contribuir para a retoma das taxas de inflação para níveis perto dos 2%, em linha com o objetivo primordial do BCE de manutenção da estabilidade de preços.

(3)

Em 22 de janeiro de 2015, o Conselho do BCE decidiu que as compras de ativos deveriam ser alargadas de modo a incluir um programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários (a seguir “PSPP”). Ao abrigo do PSPP, os [bancos centrais nacionais], na proporção das respetivas participações na tabela de repartição de capital do BCE, e o BCE, podem comprar em firme, a contrapartes elegíveis e em mercados secundários, títulos de dívida transacionáveis. Esta decisão foi tomada no âmbito da política monetária única devido a vários fatores que aumentaram substancialmente o risco de descida dos preços a médio prazo, colocando assim em causa a prossecução do objetivo primordial do BCE de manutenção da estabilidade de preços. Nesses fatores incluem‑se um estímulo monetário menor do que o esperado resultante das medidas de política monetária adotadas, uma tendência para a descida para mínimos históricos da inflação corrente e prevista na área do euro — tanto da inflação de base (headline) como da inflação sem levar em conta a variação dos preços mais voláteis (core), tais como os da energia e bens alimentares não transformados — e ainda os possíveis efeitos secundários de uma significativa descida dos preços do petróleo nos salários e na formação de preços.

(4)

O PSPP representa uma medida equilibrada para atenuar os riscos implícitos na previsão da evolução dos preços, uma vez que irá facilitar ainda mais as condições monetárias e financeiras, incluindo as que importam para o acesso ao crédito por parte das sociedades não financeiras e das famílias da área do euro, apoiando desse modo o consumo agregado e a[s] despesas de investimento na área do euro e, em última instância, contribuindo para a retoma, a médio prazo, das taxas de inflação para níveis inferiores mas próximos de 2%. Numa conjuntura em que as taxas diretoras do BCE se encontram no seu patamar mais baixo, e que se considera que, embora os programas de compra focados nos ativos do setor privado tenham tido um alcance expressivo, este foi insuficiente para eliminar os riscos de descida que ameaça a estabilidade de preços, torna‑se necessário acrescentar às medidas de política monetária do Eurosistema o PSPP, como instrumento capaz de potenciar significativamente a sua transmissão à economia real. Graças ao seu efeito estabilizador de carteiras, o considerável volume de compras do PSPP irá contribuir para se alcançar o objetivo de política monetária que lhe preside, que é o de induzir os intermediários financeiros a aumentarem a cedência de liquidez ao mercado interbancário, e de crédito à economia da área do euro.

[…]

(7)

Em termos de dimensão, a liquidez fornecida ao mercado pelas compras combinadas ao abrigo do PSPP, do ABSPP e do CBPP3 será de 60 mil milhões [de] EUR. As compras deverão prosseguir até ao final de setembro de 2016 e serão, em qualquer caso, realizadas até o Conselho do BCE constatar um ajustamento sustentado da tendência da inflação que seja compatível com o seu objetivo de atingir a médio prazo uma taxa [de] inflação de nível inferior mas próximo de 2%.»

4

O artigo 1.o desta decisão dispõe:

«O Eurosistema estabelece pelo presente o PSPP, um programa ao abrigo do qual os bancos centrais do Eurosistema comprarão em determinadas condições a contrapartes elegíveis, conforme definidas no artigo 7.o, títulos de dívida transacionáveis elegíveis, em mercados secundários, conforme definidos no artigo 3.o»

5

O artigo 3.o da referida decisão prevê:

«1.   Os instrumentos de dívida transacionáveis denominados em euros emitidos pelas administrações centrais, regionais ou locais de um Estado‑Membro cuja moeda seja o euro, por agências reconhecidas situadas na área do euro, por organizações internacionais situadas na área do euro e por bancos multilaterais de desenvolvimento situados na área do euro serão elegíveis para compra pelos bancos centrais do Eurosistema ao abrigo do PSPP, nas condições estabelecidas no artigo 3.o Em circunstâncias excecionais, se não se conseguir atingir o montante previsto para as compras, o Conselho do BCE poderá decidir comprar instrumentos de dívida transacionáveis emitidos por outras entidades situadas na área do euro […]

2.   Para poderem ser elegíveis para compra ao abrigo do PSPP, os instrumentos de dívida transacionáveis devem obedecer às mesmas condições de elegibilidade que as aplicáveis aos ativos transacionáveis em operações de crédito do Eurosistema previstas na parte 4 da Orientação (UE) 2015/510 do Banco Central Europeu[, de 19 de dezembro de 2014, relativa ao enquadramento para a implementação da política monetária do Eurosistema (BCE/2014/60) (JO 2015, L 91, p. 3)], nas seguintes condições:

a)

o emitente ou o garante dos instrumentos de dívida transacionáveis têm uma avaliação de qualidade de crédito mínima de nível 3 da escala de notação de crédito harmonizada do Eurosistema […]

[…]

d)

caso a avaliação de crédito atribuída […] ao emitente, ao garante ou à emissão não corresponda a uma avaliação de crédito mínima de nível 3 da escala de notação de crédito harmonizada do Eurosistema, os instrumentos de dívida transacionáveis apenas serão elegíveis se tiverem sido emitidos ou totalmente garantidos por administrações centrais de Estados‑Membros da área do euro sujeitos a um programa de assistência financeira, e a respeito dos quais o Conselho do BCE tenha suspendido a aplicação dos limites mínimos de avaliação de crédito […]

e)

se estiver em curso uma avaliação de um programa de assistência financeira, a elegibilidade para efeitos do PSPP fica suspensa, e só será retomada em caso de resultado positivo da avaliação.

3.   Para serem elegíveis ao abrigo do PSPP, os instrumentos de dívida, na aceção dos n.os 1 e 2 acima, devem ter, no momento da sua compra pelo banco central do Eurosistema em causa, um prazo de vencimento residual mínimo de um ano e máximo de 30 anos. Para facilitar a boa execução do programa, os instrumentos de dívida transacionáveis com um prazo de vencimento residual de 30 anos e 364 dias são elegíveis para efeitos do PSPP. Se não se conseguirem atingir os montantes previstos de compra de instrumentos de dívida transacionáveis emitidos por administrações centrais, regionais ou locais e agências reconhecidas, os bancos centrais nacionais devem também realizar compras substitutivas de instrumentos de dívida transacionáveis emitidos por organizações internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento.

[…]

5.   São permitidas compras de instrumentos de dívida negociáveis nominais de rendimento até ao vencimento (yield to maturity) (ou rendimento mínimo esperado/yield to worst) negativo, que seja igual ou superior à taxa de juro aplicável à facilidade permanente de depósito. São permitidas, na medida do necessário, as compras de instrumentos de dívida negociáveis nominais de rendimento até ao vencimento (ou rendimento mínimo esperado) negativo, que seja inferior à taxa de juro aplicável à facilidade permanente de depósito.»

6

O artigo 4.o, n.o 1, da mesma decisão enuncia:

«Para permitir a formação de um preço de mercado para os títulos de dívida elegíveis, não são permitidas, durante um período a determinar pelo Conselho do BCE (black‑out period) compras de títulos novos ou de emissão contínua (tapped) e de instrumentos de dívida transacionáveis com prazo residual de vencimento próximas no tempo (antes ou depois) do prazo de vencimento de instrumentos de dívida transacionáveis a emitir. […]»

7

O artigo 5.o, n.os 1 e 2, da Decisão 2015/774 tem a seguinte redação:

«1.   Com sujeição ao disposto no artigo 3.o, as compras de instrumentos de dívida transacionáveis que preencham os critérios do citado artigo efetuadas no âmbito do PSPP ficam sujeitas a um limite de ações por emissão com o mesmo número internacional de identificação de títulos [(international securities identification number) (ISIN)], após a consolidação das posições em todas as carteiras dos bancos centrais do Eurosistema. O limite de ações por emissão com o mesmo ISIN é o seguinte:

a)

50% no que se refere a instrumentos de dívida transacionáveis emitidos por organizações internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento elegíveis;

b)

33% por emissão com o mesmo ISIN em relação a outros títulos de dívida transacionáveis elegíveis […]

2.   Todos os instrumentos de dívida transacionáveis elegíveis para compra ao abrigo do PSPP, e com os prazos de vencimento residuais indicados no artigo 3.o, ficam sujeitos a um limite agregado, após a consolidação das posições em todas as carteiras dos bancos centrais do Eurosistema, de:

a)

50% do saldo vivo dos instrumentos de dívida de um emitente que seja uma organização internacional ou um banco multilateral de desenvolvimento elegível; ou

b)

33% do saldo vivo dos instrumentos de dívida de outro emitente que não seja uma organização internacional ou um banco multilateral de desenvolvimento elegível.»

8

O artigo 6.o desta decisão enuncia:

«1.   Do valor contabilístico das compras de instrumentos de dívida transacionáveis elegíveis ao abrigo do PSPP, 10% devem corresponder a instrumentos de dívida emitidos por organizações internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento elegíveis, e 90% a instrumentos de dívida emitidos por administrações centrais, regionais ou locais e agências reconhecidas elegíveis […]. Esta repartição de compras fica sujeita a revisão pelo Conselho do BCE. A compra de instrumentos de dívida emitidos por organizações internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento e administrações regionais e locais elegíveis apenas pode ser efetuada pelos BCN.

2.   A parcela do valor contabilístico das compras de instrumentos de dívida elegíveis ao abrigo do PSPP correspondente aos BCN é de 90%, competindo ao BCE a compra dos restantes 10%. A distribuição das compras pelas diferentes jurisdições será efetuada de acordo com a tabela de repartição do capital do BCE a que se refere o artigo 29.o dos Estatutos do [Sistema Europeu de Bancos Centrais].

3.   Os bancos centrais do Eurosistema aplicarão o princípio da especialização para a atribuição das compras de títulos de dívida transacionáveis ao abrigo do PSPP. O Conselho do BCE permitirá desvios ocasionais a este princípio se razões objetivas impedirem a sua concretização, ou se tais desvios forem aconselháveis para tornar possível alcançar os objetivos genéricos de política monetária do PSPP. Cada BCN comprará, em especial, os títulos de dívida elegíveis de emitentes da sua própria jurisdição. Todos os BCN podem comprar títulos de dívida elegíveis emitidos por organizações internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento. O BCE comprará títulos de dívida emitidos por administrações centrais e agências reconhecidas de todas as jurisdições.»

9

O artigo 8.o da referida decisão dispõe:

«1.   O Eurosistema publicará semanalmente, no comentário da sua situação financeira semanal, o valor contabilístico agregado dos títulos de dívida detidos ao abrigo do PSPP.

2.   O Eurosistema publicará mensalmente o prazo de vencimento residual médio ponderado das posições detidas ao abrigo do PSPP, desagregados por residência do emitente, tratando as organizações internacionais e os bancos multilaterais de desenvolvimento em separado dos outros emitentes.

3.   O valor contabilístico dos títulos de dívida detidos ao abrigo do PSPP será publicado semanalmente no sítio web do BCE, na secção dedicada às operações de mercado aberto.»

Decisão 2015/2464

10

Os considerandos 2 a 5 da Decisão (UE) 2015/2464 do Banco Central Europeu, de 16 de dezembro de 2015, que altera a Decisão 2015/774 (JO 2015, L 344, p. 1), enunciam:

«(2)

Em 3 de dezembro de 2015 o Conselho do BCE decidiu, em linha com o seu mandato para garantir a estabilidade de preços, rever certos elementos conceptuais do PSPP para garantir um ajustamento sustentado da inflação até esta atingir níveis inferiores, mas próximos, dos 2% a médio prazo. Estas revisões são compatíveis com o mandato do Conselho do BCE em matéria de política monetária, e refletem devidamente considerações que se prendem com a gestão do risco.

(3)

Assim sendo, e para atingir os objetivos do PSPP, o Conselho do BCE decidiu alargar o horizonte inicial das compras a efetuar ao abrigo do referido programa até ao final de março de 2017, ou mesmo para além dessa data, se necessário, e em qualquer caso até o Conselho do BCE observar um ajustamento sustentado da inflação compatível com o seu objetivo de atingir a médio prazo uma taxa de inflação inferior, mas próxima, dos 2%. Consequentemente, o Conselho do BCE decidiu também alargar o horizonte inicial das compras a efetuar ao abrigo do CBPP3 e do ABSPP.

(4)

O Conselho do BCE decidiu ainda que, para aumentar a flexibilidade do PSPP e, por essa via, apoiar a continuação das compras, sem sobressaltos, pelo menos até à data esperada para o seu termo, os títulos de dívida denominados em euros emitidos por administrações regionais e locais localizadas na área do euro serão elegíveis para as compras regulares ao abrigo do PSPP pelos bancos centrais nacionais da jurisdição em que a entidade emitente esteja localizada.

(5)

O Conselho do BCE decidiu igualmente reinvestir, pelo tempo que for necessário, os pagamentos de capital dos títulos de dívida adquiridos ao abrigo do APP [(expanded asset purchase programme)] à medida que os títulos subjacentes atinjam a maturidade, contribuindo desse modo para a criação de condições favoráveis de liquidez e para uma adequada atuação no domínio da política monetária.»

Decisão 2016/702

11

Os considerandos 2, 3 e 5 da Decisão (UE) 2016/702 do Banco Central Europeu, de 18 de abril de 2016, que altera a Decisão 2015/774 (JO 2016, L 121, p. 24), enunciam:

«(2)

A prossecução do mandato de manutenção da estabilidade dos preços conferido ao Conselho do BCE leva a que se modifiquem determinados aspetos do PSPP para garantia de um crescimento sustentado da taxa de inflação até um nível inferior, mas próximo, dos 2% a médio prazo. Estas alterações são compatíveis com o mandato do Conselho do BCE em matéria de política monetária e levam em devida conta aspetos ligados à gestão de riscos.

(3)

Mais concretamente, para serem alcançados os objetivos visados com o PSPP, o montante da liquidez a disponibilizar ao mercado por meio das compras mensais combinadas ao abrigo do APP deveria ser aumentado para 80 mil milhões de euros.

[…]

(5)

A repartição das compras entre instrumentos de dívida transacionáveis elegíveis emitidos por organizações internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento e outros instrumentos de dívida transacionáveis elegíveis para o PSPP deverá ser alterada a partir de abril de 2016, não só para serem alcançados os objetivos do PSPP, mas também para garantir o bom funcionamento do programa ao longo da sua duração, mesmo com o volume de compras aumentado.»

Decisão 2017/100

12

Os considerandos 3 a 6 da Decisão 2017/100 têm a seguinte redação:

«(3)

Em 8 de dezembro de 2016, o Conselho do BCE decidiu, de acordo com o seu mandato de garantir a estabilidade de preços, ajustar alguns parâmetros do APP, para efeitos da prossecução dos objetivos deste programa. Os ajustamentos estão em conformidade com o mandato do Conselho do BCE em matéria de política monetária, satisfazem plenamente as obrigações cometidas pelo Tratado aos bancos centrais do Eurosistema e refletem devidamente considerações de gestão do risco.

(4)

Mais especificamente, o horizonte inicial das compras a efetuar ao abrigo do APP deverá ser prorrogado até ao fim de dezembro de 2017, ou mesmo para além dessa data, se necessário, e, em qualquer caso, até que o Conselho do BCE considere que se verifica um ajustamento sustentado da trajetória da inflação que seja compatível com o seu objetivo de alcançar uma taxa inflação de nível inferior, mas próximo de 2% no médio prazo.

(5)

O montante da liquidez fornecida ao mercado pelas compras combinadas ao abrigo do APP deve continuar a totalizar 80 mil milhões de EUR até ao fim de março de 2017. A partir de abril de 2017, as compras combinadas ao abrigo do APP devem prosseguir ao ritmo de 60 mil milhões de EUR até ao fim de dezembro de 2017, ou mesmo para além dessa data, se necessário, e, em qualquer caso, até que o Conselho do BCE considere que se verifica um ajustamento sustentado da trajetória da inflação compatível com o seu objetivo em matéria de inflação. Se, entretanto, as perspetivas se apresentarem menos favoráveis, ou as condições financeiras se tornarem incompatíveis com maiores progressos no sentido de um ajustamento sustentado da trajetória da inflação, o Conselho do BCE pretende ampliar o programa em termos de dimensão e/ou de duração.

(6)

Para assegurar a realização regular contínua das compras ao abrigo do APP durante o horizonte temporal previsto, o intervalo de prazos de vencimento do PSPP deve ser alargado mediante a redução do prazo de vencimento residual mínimo dos títulos elegíveis de dois anos para um ano. Além disso, devem ser permitidas, na medida do necessário, as aquisições ao abrigo do APP de títulos com um rendimento até ao vencimento inferior à taxa de juro da facilidade de depósito do BCE.»

Litígio nos processos principais e questões prejudiciais

13

Vários grupos de particulares interpuseram, no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha), diferentes recursos de fiscalização da constitucionalidade a respeito de diversas decisões do BCE, da participação do Banco Federal da Alemanha na execução dessas decisões ou da sua alegada inércia face às referidas decisões, bem como da alegada inércia do Governo federal e do Parlamento Federal face a essa participação e às mesmas decisões.

14

Em apoio desses recursos, os recorrentes nos processos principais alegam, em substância, que as decisões do BCE em causa constituem, em conjunto, um ato ultra vires, na medida em que infringem a repartição de competências entre a União Europeia e os Estados‑Membros, prevista no artigo 119.o TFUE, por não se enquadrarem no mandato do BCE, definido no artigo 127.o, n.os 1 e 2, TFUE e nos artigos 17.o a 24.o do Protocolo (n.o 4) relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu (a seguir «Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE»), e violam o artigo 123.o TFUE. Sustentam igualmente que essas decisões violam o princípio da democracia consagrado na Grundgesetz (Lei Fundamental alemã) e põem em causa, por esta razão, a identidade constitucional alemã.

15

O Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) salienta que deverá acolher estes diferentes recursos se a Decisão 2015/774 exceder o mandato do BCE ou violar o artigo 123.o TFUE. Isto também é válido se o regime de repartição das perdas que resulta dessa decisão afetar o poder orçamental do Parlamento Federal.

16

Nestas condições, o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A Decisão […] 2015/774 […] com a redação que lhe foi dada pela Decisão […] 2016/702 […], ou a forma como é executada, viola o artigo 123.o, n.o 1, [TFUE]?

Há, nomeadamente, uma violação do artigo 123.o, n.o 1, [TFUE], quando, no quadro do programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários (a seguir “PSPP”):

a)

São comunicados detalhes das compras de forma a criar nos mercados a certeza de que o Eurosistema adquirirá em parte os títulos que os Estados‑Membros vão emitir?

b)

Não se dê a conhecer, nem sequer a posteriori, qualquer detalhe sobre o respeito de prazos mínimos entre a emissão de um título no mercado primário e a sua compra nos mercados secundários de tal modo que, neste aspeto, não é possível qualquer fiscalização jurisdicional?

c)

A totalidade dos títulos adquiridos não é revendida mas conservada até ao seu vencimento, sendo desta forma retirada do mercado?

d)

O Eurosistema adquire títulos de dívida transacionáveis nominais de rendimento negativo no vencimento?

2)

A Decisão referida na primeira questão viola o artigo 123.o TFUE, se a continuação da sua execução, devido a modificações na situação nos mercados financeiros, nomeadamente devido à escassez de títulos de dívida suscetíveis de serem adquiridos, implicar a contínua flexibilização das normas inicialmente aplicáveis às compras e os limites estabelecidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça aos programas de compra de ativos como o previsto no PSPP ficarem privados de efeito?

3)

A Decisão […] 2015/774 […] na sua versão atual […] viola os artigos 119.o e 127.o, n.os 1 e 2, [TFUE,] bem como os artigos 17.o a 24.o do Protocolo relativo ao [SEBC e ao BCE], por exceder o mandato do [BCE] em matéria de política monetária, regulado nas referidas disposições, e usurpar a competência dos Estados‑Membros?

O [BCE] ultrapassou os limites do seu mandato nomeadamente pelo facto de:

a)

A decisão referida na primeira questão, devido ao volume do PSPP, que, em 12 de maio de 2017, ascendia a 1534,8 mil milhões de euros, ter uma influência considerável sobre as condições de refinanciamento dos Estados‑Membros?

b)

A decisão referida na primeira questão, dada a melhoria das condições de refinanciamento dos Estados‑Membros a que se faz referência na alínea a) e dos seus efeitos sobre a banca comercial, não só ter consequências indiretas em matéria de política económica, mas também os seus efeitos, objetivamente verificáveis, permitirem pensar que, além do objetivo de política monetária, o programa prossegue, pelo menos ao mesmo nível, um objetivo de política económica?

c)

A decisão referida na primeira questão violar o princípio da proporcionalidade devido ao seu forte impacto em matéria de política económica?

d)

A decisão referida na primeira questão, devido à ausência de fundamentação específica, durante a sua execução que dura há mais de dois anos, ser insindicável do ponto de vista da sua necessidade e proporcionalidade?

4)

A decisão referida na primeira questão viola, em qualquer caso, os artigos 119.o e 127.o, n.os 1 e 2, [TFUE], bem como os artigos 17.o a 24.o do Protocolo relativo ao [SEBC e ao BCE], pelo facto de o seu volume e a sua execução continuada desde há mais de dois anos, assim como os efeitos de política económica que daí derivam, incitarem a uma mudança na avaliação da necessidade e da proporcionalidade do PSPP, e que assim, a partir de um determinado momento, ela excede o mandato do [BCE] em matéria de política monetária?

5)

A repartição ilimitada de riscos entre os bancos centrais nacionais do Eurosistema que a decisão referida na primeira questão eventualmente estabeleceu em caso de não pagamento dos títulos emitidos pelos Governos centrais e por emitentes a eles equiparados, viola os artigos 123.o e 125.o [TFUE] e o artigo 4.o, n.o 2, [TUE], se por esse facto vier a ser necessária uma recapitalização dos bancos centrais nacionais mediante recursos orçamentais?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

17

O Governo italiano sustenta que o presente pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível, na sua totalidade, pelo Tribunal de Justiça.

18

A este respeito, esse Governo considera, antes de mais, que o órgão jurisdicional de reenvio solicita, na realidade, um parecer do Tribunal de Justiça, dado que não reconhece valor vinculativo à resposta que pode vir a ser dada a este pedido de decisão prejudicial e considera, pelo contrário, que lhe cabe a responsabilidade última de se pronunciar sobre a validade da Decisão 2015/774 à luz das condições e dos limites impostos pela Lei Fundamental alemã.

19

Todavia, essas alegações não podem justificar a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, na medida em que, por um lado, este pedido tem diretamente por objeto a interpretação do direito da União e a validade de atos da União e, por outro, um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça vincula o juiz nacional quanto à interpretação desse direito ou à validade de tais atos, para a resolução do litígio no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 14 e 16).

20

O Governo italiano sustenta, em seguida, que o processo nacional que está na origem do referido pedido é contrário ao sistema de fiscalização da validade dos atos da União instituído nos artigos 263.o e 267.o TFUE. Com efeito, em seu entender, esse processo contorna o referido sistema, na medida em que abre uma via de recurso direto contra a validade de um ato da União, perante os órgãos jurisdicionais nacionais, ao passo que estes órgãos jurisdicionais só podem validamente submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a validade de um ato da União quando esse pedido tenha origem em atos nacionais de aplicação desse ato.

21

A este respeito, resulta todavia de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que um pedido de decisão prejudicial que tem por objeto a validade de um ato da União é admissível quando o órgão jurisdicional de reenvio seja chamado a conhecer, como é o caso nos processos principais, de um litígio real em que se coloque, a título incidental, a questão da validade de um ato da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 29 e jurisprudência referida).

22

Por último, o Governo italiano afirma que as questões submetidas assentam em alegações que põem em causa as escolhas efetuadas pelo BCE no âmbito do seu poder discricionário, quando da execução da Decisão 2015/774. Ora, a fiscalização do Tribunal de Justiça não pode ser exercida sobre a execução dessa decisão, limitando‑se, no domínio da política monetária, aos aspetos processuais.

23

A este respeito, importa, antes de mais, recordar que, em conformidade com o princípio da atribuição de competências enunciado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) deve atuar nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo direito primário e, portanto, não pode validamente adotar e executar um programa suscetível de exorbitar do domínio atribuído à política monetária pelo direito primário. A fim de garantir o respeito deste princípio, os atos do SEBC estão sujeitos, nas condições previstas pelos Tratados, à fiscalização jurisdicional do Tribunal de Justiça (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 41).

24

Em seguida, é certo que se deve reconhecer ao SEBC um amplo poder de apreciação, na medida em que, quando elabora e executa um programa de operações de open market, é chamado a efetuar escolhas de natureza técnica, previsões e apreciações complexas,. No entanto, não é menos verdade que o Tribunal de Justiça é chamado a verificar, no âmbito da sua fiscalização do caráter proporcionado das medidas que tal programa comporta, face aos objetivos de política monetária, se o SEBC cometeu um erro manifesto de apreciação a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 68, 74, 81 e 91).

25

Por último, as considerações que precedem referem‑se ao alcance do exame da validade da Decisão 2015/774 a que o Tribunal de Justiça deve proceder. Em contrapartida, não são suscetíveis de pôr em causa a obrigação de o Tribunal de Justiça proceder a esse exame quando lhe seja submetida uma questão prejudicial para o efeito e, portanto, não podem justificar a inadmissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial.

26

Por conseguinte, não há que declarar o pedido de decisão prejudicial inadmissível na sua totalidade.

Quanto às questões primeira a quarta

27

Com as suas questões primeira a quarta, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, em substância, que aprecie a validade da Decisão 2015/774 à luz do artigo 119.o, do artigo 123.o, n.o 1, do artigo 127.o, n.os 1 e 2, e do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, bem como dos artigos 17.o a 24.o do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE.

28

A título preliminar, importa sublinhar que, atendendo aos fundamentos da decisão de reenvio e como salientou o advogado‑geral nos n.os 31 e 32 das suas conclusões, para responder a estas questões, há que ter em conta não só as decisões do BCE referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio mas também as Decisões 2015/2464 e 2017/100.

Quanto ao respeito do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE

29

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o respeito, pelo BCE, do dever de fundamentação decorrente do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, em razão, por um lado, da alegada falta de fundamentação específica das decisões do BCE relativas ao PSPP, em especial quanto à necessidade, ao volume e à duração dos efeitos de política económica desse programa, e, por outro, da não publicação, a posteriori, de pormenores sobre o «black‑out period», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão 2015/774.

30

A este respeito, no que se refere à alegada falta de fundamentação específica das decisões do BCE relativas ao PSPP, importa recordar que, nos casos, como o que está em causa no presente processo, em que uma instituição da União dispõe de um amplo poder de apreciação, a fiscalização do respeito das garantias processuais, das quais faz parte a obrigação de o SEBC examinar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos pertinentes da situação em causa e fundamentar suficientemente as suas decisões, reveste uma importância fundamental (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 68 e 69).

31

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora a fundamentação de um ato da União, exigida pelo artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, deva revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do autor do ato em causa, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, não se exige, porém, que essa fundamentação especifique todos os elementos de direito ou de facto pertinentes (Acórdãos de 19 de novembro de 2013, Comissão/Conselho, C‑63/12, EU:C:2013:752, n.o 98, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 70).

32

Em especial, quando se trate de um ato destinado a uma aplicação geral que revele o essencial do objetivo prosseguido pelas instituições, não pode ser exigida uma fundamentação específica para cada uma das escolhas técnicas efetuadas (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 67; de 12 de dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑380/03, EU:C:2006:772, n.o 108; e de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 76).

33

O respeito do dever de fundamentação deve, por outro lado, ser apreciado não só à luz do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdãos de 19 de novembro de 2013, Comissão/Conselho, C‑63/12, EU:C:2013:752, n.o 99, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 70).

34

No caso em apreço, os considerandos 3 e 4 da Decisão 2015/774 indicam, simultaneamente, o objetivo prosseguido pelo PSPP, o contexto económico que justificou a instituição deste programa e os mecanismos pelos quais o mesmo é chamado a produzir os seus efeitos.

35

Embora as exposições de motivos das Decisões 2015/2464, 2016/702 e 2017/100 não reproduzam esses elementos de fundamentação relativos ao PSPP, incluem, em contrapartida, explicações sobre as considerações que justificaram as alterações às regras que regem o PSPP, introduzidas por estas decisões.

36

Além disso, diversos documentos publicados pelo BCE quando da adoção de cada uma dessas decisões completam a fundamentação das referidas decisões expondo em pormenor as análises económicas subjacentes às mesmas, as diferentes opções consideradas pelo Conselho do BCE e as razões que justificaram as escolhas efetuadas, à luz, nomeadamente, dos efeitos observados e esperados do PSPP.

37

Assim, como salientou o advogado‑geral nos n.os 133 a 138 e 144 a 148 das suas conclusões, as sucessivas decisões do BCE relativas ao PSPP foram sistematicamente clarificadas com a publicação de comunicados de imprensa, declarações introdutórias do presidente do BCE em conferências de imprensa, completadas com respostas às questões colocadas pela imprensa, e de atas das reuniões de política monetária do Conselho do BCE que resumem os debates realizados nesse órgão.

38

A este respeito, importa sublinhar, em especial, que essas atas incluem, nomeadamente, justificações da evolução, em alta e depois em baixa, do montante mensal da compra de obrigações, bem como do reinvestimento das quantias recebidas na data de vencimento das obrigações compradas e revelam, nesse contexto, a tomada em consideração dos potenciais efeitos secundários do PSPP, incluindo as suas eventuais consequências para as opções orçamentais dos Estados‑Membros em causa.

39

O presidente do BCE explicou, em conferências de imprensa sucessivas, que foram as taxas de inflação excecionalmente baixas, comparadas com o objetivo de manutenção da estabilidade dos preços mediante um regresso a taxas anuais de inflação mais próximas dos 2%, que justificaram a instituição do PSPP e os ajustamentos regulares introduzidos neste programa. Com efeito, antes da adoção das Decisões 2015/774, 2015/2464, 2016/702 e 2017/100, a taxa anual de inflação era de, respetivamente, ‑0,2%, 0,1%, 0,3% e 0,6%. Foi só na conferência de imprensa de 7 de setembro de 2017 que o presidente do BCE anunciou que a taxa anual de inflação tinha atingido 1,5%, aproximando‑se assim do objetivo pretendido.

40

Aos diversos documentos referidos no n.o 37 do presente acórdão, que foram apresentados quer quando da instituição do PSPP quer por ocasião das revisões e alterações desse programa, acresce ainda a publicação, no Boletim Económico do BCE, de análises gerais sobre a situação monetária da área do euro e vários estudos específicos consagrados aos efeitos do APP e do PSPP.

41

Resulta do conjunto destes elementos que o SEBC explicou em que medida o facto de a inflação se ter mantido num nível insuficiente durante um longo período de tempo e o esgotamento dos instrumentos normalmente utilizados para conduzir a sua política monetária o levaram a considerar necessária a adoção e, posteriormente, a execução, a partir de 2015, de um programa de compra de ativos com as características do PSPP, tanto no seu princípio como nas suas diversas modalidades.

42

À luz dos princípios recordados nos n.os 31 a 33 do presente acórdão, estes elementos permitem demonstrar que o BCE fundamentou suficientemente a Decisão 2015/774.

43

Quanto à não publicação, a posteriori, de pormenores sobre o black‑out period, há que salientar que, na medida em que essa publicação teria por objetivo expor o conteúdo preciso das medidas adotadas pelo SEBC, e não as justificações dessas medidas, não pode ser imposta a título do dever de fundamentação.

44

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a Decisão 2015/774 não padece de uma falta de fundamentação suscetível de implicar a sua invalidade.

Quanto ao artigo 119.o e ao artigo 127.o, n.os 1 e 2, TFUE, e quanto aos artigos 17.o a 24.o do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE

45

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a Decisão 2015/774 se enquadra nas atribuições do SEBC, conforme definidas pelo direito primário, à luz, designadamente, da extensão dos seus efeitos, que decorrem do volume das obrigações que podem ser compradas ao abrigo do PSPP e da duração deste programa.

– Quanto às atribuições do SEBC

46

Importa salientar que, por força do artigo 119.o, n.o 2, TFUE, a ação dos Estados‑Membros e da União comporta uma moeda única, o euro, e a definição e condução de uma política monetária e de uma política cambial únicas (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 48, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 34).

47

No que diz mais especificamente respeito à política monetária, resulta do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), TFUE que a União dispõe de competência exclusiva neste domínio para os Estados‑Membros cuja moeda seja o euro (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 50, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 35).

48

Por força do artigo 282.o, n.o 1, TFUE, o BCE e os bancos centrais dos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro, que constituem o Eurosistema, conduzem a política monetária da União. Segundo o artigo 282.o, n.o 4, TFUE, o BCE adota as medidas necessárias ao desempenho das suas atribuições nos termos dos artigos 127.o a 133.o e 138.o TFUE e em conformidade com as condições estabelecidas nos Estatutos do SEBC e do BCE (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 49, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 36).

49

Neste contexto, cabe ao SEBC, em aplicação do artigo 127.o, n.o 2, do artigo 130.o e do artigo 282.o, n.o 3, TFUE, definir e executar esta política de forma independente, no respeito do princípio da atribuição que incumbe ao Tribunal de Justiça assegurar, nas condições previstas pelos Tratados, através da sua fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2003, Comissão/BCE, C‑11/00, EU:C:2003:395, n.o 134, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 37, 40 e 41).

50

A este respeito, cumpre salientar que o Tratado FUE não contém nenhuma definição precisa de política monetária, mas define simultaneamente os objetivos da política monetária e os meios de que o SEBC dispõe para a executar (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 53, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 42).

51

Assim, por força do artigo 127.o, n.o 1, e do artigo 282.o, n.o 2, TFUE, o objetivo primordial da política monetária da União é a manutenção da estabilidade dos preços. Por outro lado, estas mesmas disposições preveem que, sem prejuízo deste objetivo, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União, tendo em vista contribuir para a realização dos objetivos desta, tal como se encontram definidos no artigo 3.o TUE (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 54, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 43).

52

Quanto aos meios atribuídos ao SEBC pelo direito primário para realizar esses objetivos, importa salientar que o capítulo IV do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, que precisa as funções monetárias e as operações asseguradas pelo SEBC, enumera os instrumentos aos quais o SEBC pode recorrer no âmbito da política monetária (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 45).

– Quanto à delimitação da política monetária da União

53

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar se uma medida faz parte da política monetária, importa ter principalmente em conta os objetivos dessa medida. Os meios que esta implementa com vista a alcançar esses objetivos são igualmente pertinentes (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.os 53 e 55, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 46).

54

Em primeiro lugar, no que respeita aos objetivos da Decisão 2015/774, resulta do considerando 4 desta decisão que a mesma visa contribuir para a retoma, a médio prazo, das taxas de inflação para níveis inferiores, mas próximos de 2%.

55

A este respeito, importa sublinhar que os autores dos Tratados optaram por definir o objetivo primordial da política monetária da União, a saber, a manutenção da estabilidade dos preços, de maneira geral e em abstrato, sem determinar exatamente o modo como o referido objetivo devia ser concretizado no plano quantitativo.

56

Ora, não se afigura que a concretização do objetivo de manutenção da estabilidade dos preços, mediante a manutenção, a médio prazo, de taxas de inflação inferiores, mas próximas de 2%, utilizada desde 2003 pelo SEBC, esteja viciada por um erro manifesto de apreciação e exorbite do quadro estabelecido pelo Tratado FUE. Como afirmou o BCE, tal escolha pode ser validamente fundada, nomeadamente, na imprecisão dos instrumentos de medida da inflação, na existência de diferenças sensíveis a nível da inflação na área do euro e na necessidade de guardar uma margem de segurança para prevenir a eventual ocorrência de um risco de deflação.

57

Daqui se conclui, como sustenta o BCE e salienta, de resto, o órgão jurisdicional de reenvio, que o objetivo específico enunciado no considerando 4 da Decisão 2015/774 pode estar associado ao objetivo primordial da política monetária da União, tal como resulta do artigo 127.o, n.o 1, e do artigo 282.o, n.o 2, TFUE.

58

Esta conclusão não pode ser posta em causa pela circunstância, evidenciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o PSPP ter efeitos consideráveis no balanço dos bancos comerciais e nas condições de financiamento dos Estados‑Membros da área do euro.

59

No caso em apreço, é pacífico que, pelo seu princípio e pelas suas modalidades, o PSPP é suscetível de influenciar tanto o balanço dos bancos comerciais como o financiamento dos Estados‑Membros abrangidos por este programa e que tais efeitos poderiam eventualmente ser procurados através de medidas da política económica.

60

A este respeito, importa sublinhar que o artigo 127.o, n.o 1, TFUE prevê nomeadamente que, por um lado, sem prejuízo do seu objetivo primordial de manutenção da estabilidade dos preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União e que, por outro, o SEBC atuará observando os princípios definidos no artigo 119.o TFUE. Daqui decorre que, no quadro do equilíbrio institucional estabelecido pelas disposições do título VIII do Tratado FUE, no qual se insere a independência garantida ao SEBC pelo artigo 130.o e pelo artigo 282.o, n.o 3, TFUE, os autores dos Tratados não pretenderam estabelecer uma separação absoluta entre as políticas económica e monetária.

61

Neste contexto, há que recordar que uma medida de política monetária não pode ser equiparada a uma medida de política económica apenas porque é suscetível de produzir efeitos indiretos que podem igualmente ser procurados no âmbito da política económica (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 56, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 52).

62

Não pode ser acolhida a conceção do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual qualquer efeito de um programa de operações de open market conscientemente aceite e previsível com certeza pelo SEBC quando do estabelecimento deste programa não deve ser considerado um «efeito indireto» do mesmo.

63

Efetivamente, em primeiro lugar, tanto no Acórdão de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756), como no Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400), o Tribunal de Justiça considerou como efeitos indiretos, sem consequências para a qualificação das medidas em causa nos processos que deram origem a esses acórdãos, efeitos que, desde a adoção dessas medidas, constituíam consequências previsíveis das referidas medidas, que deviam, portanto, ter sido conscientemente aceites quando dessa adoção.

64

Em segundo lugar, recorde‑se que a condução da política monetária implica que se atue em permanência sobre as taxas de juro e as condições de refinanciamento dos bancos, o que tem necessariamente consequências para as condições de financiamento do défice público dos Estados‑Membros (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 110).

65

Mais precisamente, como referiu o BCE perante o Tribunal de Justiça, as medidas de política monetária do SEBC influenciam a evolução dos preços, nomeadamente, pela facilitação da concessão de crédito à economia e pela modificação dos comportamentos dos operadores económicos e dos particulares em matéria de investimento, de consumo e de poupança.

66

Por conseguinte, para influenciar as taxas de inflação, o SEBC é necessariamente levado a adotar medidas que têm determinados efeitos na economia real, que poderiam igualmente ser procurados, para outros fins, no âmbito da política económica. Em especial, quando a manutenção da estabilidade dos preços impõe que o SEBC atue no sentido de aumentar a inflação, as medidas que o SEBC deve adotar para facilitar, para o efeito, as condições monetárias e financeiras na área do euro podem implicar uma intervenção sobre as taxas de juro das obrigações soberanas, em razão, nomeadamente, do papel determinante dessas taxas de juro na fixação das taxas de juro aplicáveis aos diferentes atores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 78 e 108).

67

Nestas condições, excluir qualquer possibilidade de o SEBC adotar essas medidas quando os seus efeitos são previsíveis e conscientemente assumidos impedi‑lo‑ia, na prática, de utilizar os meios postos à sua disposição pelos Tratados para realizar os objetivos da política monetária e poderia, nomeadamente no contexto de uma situação de crise económica que implique um risco de deflação, constituir um obstáculo à realização da missão que lhe incumbe por força do direito primário.

68

Em segundo lugar, no que se refere aos meios mobilizados no âmbito da Decisão 2015/774 para alcançar o objetivo de manutenção da estabilidade dos preços, é pacífico que o PSPP assenta na compra de obrigações soberanas em mercados secundários.

69

Ora, resulta claramente do artigo 18.o, n.o 1, do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, que figura no capítulo IV do mesmo, que, a fim de alcançarem os objetivos e de desempenharem as atribuições do SEBC, como resultam do direito primário, o BCE e os bancos centrais dos Estados‑Membros podem, em princípio, intervir nos mercados financeiros comprando e vendendo firme instrumentos negociáveis, denominados em euros. Daí decorre que as operações previstas pela Decisão 2015/774 utilizam um dos instrumentos da política monetária previstos pelo direito primário (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 54).

70

Face a estes elementos, afigura‑se que, tendo em conta o objetivo da Decisão 2015/774 e os meios previstos para o alcançar, esta decisão se enquadra no domínio da política monetária.

– Quanto à proporcionalidade dos objetivos da política monetária

71

Decorre do artigo 119.o, n.o 2, e do artigo 127.o, n.o 1, TFUE, conjugados com o artigo 5.o, n.o 4, TUE, que um programa de compra de obrigações no âmbito da política monetária só pode ser validamente adotado e executado desde que as medidas que comporta sejam proporcionadas aos objetivos dessa política (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 66).

72

O princípio da proporcionalidade exige, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, que os atos das instituições da União sejam adequados à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do que é necessário à realização desses objetivos (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 67 e jurisprudência referida).

73

No que toca à fiscalização jurisdicional do respeito destas condições, sendo o SEBC chamado, quando elabora e executa um programa de operações de open market como o previsto na Decisão 2015/774, a efetuar escolhas de natureza técnica e previsões e apreciações complexas, há que lhe reconhecer, nesse âmbito, um amplo poder de apreciação (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 68 e jurisprudência referida).

74

No que respeita, em primeiro lugar, à aptidão do PSPP para alcançar os objetivos prosseguidos pelo SEBC, resulta do considerando 3 da Decisão 2015/774, dos documentos publicados pelo BCE quando da adoção desta decisão e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que esta decisão foi adotada à luz de vários fatores que aumentavam claramente o risco de descida dos preços a médio prazo, no contexto de uma crise económica que implicava um risco de deflação.

75

Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, não obstante as medidas de política monetária adotadas, as taxas anuais de inflação da área do euro eram então largamente inferiores ao objetivo de 2% fixado pelo SEBC, não ultrapassando os ‑0,2% em dezembro de 2014, e que as previsões de evolução destas taxas, disponíveis nessa data, indicavam que as mesmas se manteriam num nível muito baixo ou negativo nos meses seguintes. Embora as condições monetárias e financeiras da área do euro tenham em seguida evoluído progressivamente, não deixa de ser verdade que, à data da adoção da Decisão 2017/100, as taxas anuais de inflação efetivas permaneciam sensivelmente aquém de 2%, com uma taxa de 0,6% em novembro de 2016.

76

Neste contexto, decorre do considerando 4 da Decisão 2015/774 que, para alcançar o objetivo de taxas de inflação inferiores, mas próximas de 2%, o PSPP visa facilitar as condições monetárias e financeiras, incluindo as das sociedades não financeiras e das famílias, com vista a apoiar o consumo agregado e as despesas de investimento na área do euro e, em última instância, contribui para a retoma, a médio prazo, das taxas de inflação pretendidas.

77

O BCE remete, a este propósito, para a prática de outros bancos centrais e para diversos estudos, que demonstram que a compra maciça de obrigações soberanas é suscetível de contribuir para a realização deste objetivo através da facilitação do acesso aos financiamentos úteis à expansão da atividade económica, dando um sinal claro do compromisso do SEBC de alcançar o objetivo de inflação fixado, favorecendo a redução das taxas de juro reais e, ao mesmo tempo, incentivando os bancos comerciais a conceder mais crédito para reequilibrar as respetivas carteiras.

78

Por conseguinte, considerando os elementos na posse do Tribunal de Justiça, não se afigura que a análise económica do SEBC segundo a qual o PSPP era suscetível, nas condições monetárias e financeiras da área do euro, de contribuir para a realização do objetivo de manutenção da estabilidade dos preços esteja viciada por um erro manifesto de apreciação.

79

Importa, portanto, em segundo lugar, verificar se o PSPP não vai manifestamente além do que é necessário para alcançar esse objetivo.

80

A este respeito, saliente‑se que este programa foi adotado num contexto descrito pelo BCE como marcado, por um lado, por um baixo nível de inflação prolongado, que podia criar o risco de desencadear um ciclo de deflação, e, por outro, por uma incapacidade para neutralizar esse risco através da utilização de outros instrumentos de que o SEBC dispunha para assegurar um aumento das taxas de inflação. Quanto a este último ponto, afigura‑se, designadamente, que as taxas diretoras estavam fixadas a um nível próximo dos limites possíveis e que o SEBC já tinha implementado, há vários meses, um programa de compra maciça de ativos do setor privado.

81

Nestas condições, atendendo aos efeitos previsíveis do PSPP e dado que não se afigura que o objetivo prosseguido pelo SEBC poderia ser alcançado com outro tipo de medidas de política monetária que implicavam uma ação mais limitada do mesmo, há que considerar que, pela sua própria natureza, o PSPP não vai manifestamente além do que é necessário para realizar esse objetivo.

82

Quanto às modalidades de aplicação do PSPP, a arquitetura deste programa contribui igualmente para garantir que os seus efeitos se limitem ao que é necessário para atingir o referido objetivo, na medida em que, designadamente, a inexistência de seletividade do referido programa assegura que a ação do SEBC produzirá efeitos nas condições financeiras de toda a área do euro e não responderá às necessidades específicas de financiamento de determinados Estados‑Membros desta área.

83

Do mesmo modo, a opção enunciada no artigo 3.o da Decisão 2015/774, de subordinar a compra de obrigações ao abrigo do PSPP ao respeito de critérios elevados de elegibilidade, restringe o impacto deste programa no balanço dos bancos comerciais, ao excluir que a sua execução tenha por efeito permitir a esses bancos revender ao SEBC títulos com um nível de risco importante.

84

Além disso, o PSPP foi concebido, desde o início, para ser executado apenas durante o período necessário para alcançar o objetivo pretendido e, portanto, é temporário.

85

Assim, resulta do considerando 7 da Decisão 2015/774 que o seu período de aplicação previsível se estendia inicialmente até ao final de setembro de 2016. Este período foi em seguida prorrogado até ao final de março de 2017 e, depois, até ao final de dezembro de 2017, como enunciam, respetivamente, o considerando 3 da Decisão 2015/2464 e o considerando 4 da Decisão 2017/100. As decisões tomadas a este propósito foram, para o efeito, inscritas no artigo 2.o, n.o 2, das orientações relativas a um programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários (BCE/2015/NP3) (a seguir «orientações»), que vinculam os bancos centrais dos Estados‑Membros, por força do artigo 12.o, n.o 1, do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE.

86

Não se afigura que esta duração inicial ou as suas prorrogações sucessivas ultrapassem manifestamente o que era necessário para alcançar o objetivo pretendido, uma vez que cobriram sempre períodos relativamente curtos e foram decididas tendo em conta o facto de que a evolução observada das taxas de inflação era insuficiente para alcançar o objetivo visado pela Decisão 2015/774.

87

Quanto ao volume das obrigações que podiam ser compradas no âmbito do PSPP, importa, antes de mais, sublinhar que foram aprovadas uma série de regras para o limitar antecipadamente.

88

Assim, esse volume foi, desde o início, restringido pela fixação de um montante mensal de compra de ativos no âmbito do APP. Este montante, que foi regularmente revisto a fim de o limitar ao estritamente necessário para alcançar o objetivo anunciado, figura no considerando 7 da Decisão 2015/774, no considerando 3 da Decisão 2016/702 e no considerando 5 da Decisão 2017/100 e foi inscrito no artigo 2.o, n.o 2, das orientações. Resulta igualmente desta última disposição que é dada prioridade às obrigações emitidas por operadores privados para atingir o montante mensal de compra de ativos no âmbito do APP, globalmente considerado.

89

Além disso, a amplitude da potencial intervenção do SEBC nos mercados secundários, no âmbito do PSPP, está também restringida pelas regras enunciadas no artigo 5.o da Decisão 2015/774, que estabelecem limites rigorosos de compra por emissão e por emitente.

90

Em seguida, embora seja verdade que, apesar destes diversos limites, o volume total das obrigações que podem ser compradas ao abrigo do PSPP continua a ser importante, o BCE alegou, pertinentemente, que a eficácia de tal programa, através dos mecanismos descritos no n.o 77 do presente acórdão, reside na compra e na conservação de um grande volume de obrigações soberanas, o que implica não só que as compras devem ser realizadas em volume suficiente mas também que se pode revelar necessário, com vista a realizar o objetivo pretendido pela Decisão 2015/774, conservar por um período de tempo prolongado as obrigações compradas e reinvestir as quantias obtidas com o reembolso destas, no seu vencimento.

91

A este respeito, importa recordar que a circunstância de esta análise fundamentada ser objeto de contestações não é suficiente, enquanto tal, para demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação pretensamente cometido pelo SEBC, dado que, tendo em conta o caráter controverso que habitualmente revestem as questões de política monetária e o amplo poder de apreciação do SEBC, não se pode exigir a este último mais do que a utilização dos seus conhecimentos económicos e dos meios técnicos necessários de que dispõe para efetuar a referida análise com diligência e precisão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 75).

92

Por último, importa sublinhar que, à luz dos elementos contidos nos autos na posse do Tribunal de Justiça e do amplo poder de apreciação de que dispõe o SEBC, não se afigura manifesto que um programa de compra de obrigações soberanas com um volume ou uma duração mais limitados teria podido, de maneira tão eficaz e rápida como o PSPP, assegurar uma evolução da inflação semelhante à pretendida pelo SEBC, com vista a realizar o objetivo primordial da política monetária fixado pelos autores dos Tratados.

93

Em terceiro lugar, como salientou o advogado‑geral no n.o 148 das suas conclusões, afigura‑se que o SEBC ponderou os diferentes interesses em presença, de modo a evitar efetivamente que pudessem produzir‑se, na execução do PSPP, inconvenientes manifestamente desproporcionados ao objetivo prosseguido por este programa.

94

Em especial, embora, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar no n.o 125 do Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400), as operações de open market autorizadas pelos autores dos Tratados comportem inevitavelmente um risco de perdas, não deixa de ser verdade que o SEBC adotou diversas medidas destinadas a limitar e a ter em conta esse risco.

95

Assim, as regras mencionadas nos n.os 83 e 89 do presente acórdão têm igualmente por efeito diminuir o referido risco, ao limitarem a exposição do SEBC ao eventual incumprimento, pelo emitente, de uma parte das obrigações compradas e ao garantirem que obrigações com um risco significativo de incumprimento não poderão ser compradas no âmbito do PSPP. Resulta, aliás, do artigo 4.o, n.o 3, das orientações que o BCE assegura um controlo constante do respeito destas regras pelos bancos centrais dos Estados‑Membros.

96

Além disso, para evitar que a situação de um banco central de um Estado‑Membro possa ficar fragilizada em caso de incidente de reembolso de um emitente de outro Estado‑Membro, o artigo 6.o, n.o 3, da Decisão 2015/774 dispõe que cada banco central nacional comprará títulos de dívida elegíveis de emitentes da sua própria jurisdição.

97

Se, apesar destas medidas preventivas, a compra de títulos no âmbito do PSPP conduzir a perdas, eventualmente, significativas, resulta das indicações fornecidas ao Tribunal de Justiça que as regras de repartição das perdas, que foram estabelecidas desde o início deste programa e que foram subsequentemente mantidas, preveem, no que se refere às eventuais perdas de um banco central nacional relativas àquele programa, a partilha apenas das perdas com origem em títulos emitidos por emitentes internacionais, os quais correspondem a 10% do volume total do PSPP nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão 2015/774. Em contrapartida, não foi adotada pelo SEBC nenhuma regra que permita a partilha das perdas de um banco central de um Estado‑Membro decorrentes de títulos emitidos por emitentes deste último. Por outro lado, o SEBC também não anunciou a adoção de tal regra.

98

Resulta do que precede que o SEBC tomou devidamente em consideração os riscos a que o importante volume de compras de ativos realizadas ao abrigo do PSPP podia, eventualmente, expor os bancos centrais dos Estados‑Membros e que, atendendo aos interesses em presença, entendeu que não devia instituir uma regra geral de partilha das perdas.

99

Quanto às eventuais perdas do BCE relativas ao PSPP, designadamente na hipótese de este comprar, no limite da quota‑parte de 10% que lhe é atribuída pelo artigo 6.o, n.o 2, da Decisão 2015/774, exclusiva ou essencialmente títulos emitidos por autoridades nacionais, importa salientar que, além das garantias contra esse risco conferidas tanto pelos elevados critérios de elegibilidade enunciados no artigo 3.o desta decisão como pelos limites de detenção por emissão e por emitente resultantes do artigo 5.o da referida decisão, o SEBC não adotou nenhuma regra derrogatória do regime geral de repartição das perdas do BCE que decorre da aplicação conjugada do artigo 32.o, n.o 5, e do artigo 33.o do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, donde resulta, em substância, que tais perdas são cobertas pelo fundo de reserva geral do BCE e, se necessário, por decisão do Conselho do BCE, pelos proveitos monetários do exercício financeiro correspondente, proporcionalmente e até aos montantes repartidos entre os bancos centrais nacionais, de acordo com a regra de repartição proporcional às participações que respetivamente tiverem realizado no capital do BCE.

100

Resulta destas considerações que a Decisão 2015/774 não viola o princípio da proporcionalidade.

Quanto ao artigo 123.o, n.o 1, TFUE

101

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade da Decisão 2015/774 com o artigo 123.o, n.o 1, TFUE.

102

Decorre da redação do artigo 123.o, n.o 1, TFUE que esta disposição proíbe a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma pelo BCE ou pelos bancos centrais dos Estados‑Membros em benefício de autoridades e de organismos públicos da União e dos Estados‑Membros, bem como a compra direta de títulos de dívida a essas entidades.

103

Daqui se conclui que a referida disposição proíbe toda e qualquer assistência financeira do SEBC a um Estado‑Membro, sem, porém, excluir, de maneira geral, a faculdade de o SEBC recomprar aos credores desse Estado títulos previamente emitidos por este último (Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 132, e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 95).

104

No que respeita à Decisão 2015/774, importa salientar que o SEBC está autorizado, no âmbito do PSPP, a comprar obrigações não diretamente às autoridades e organismos públicos dos Estados‑Membros, mas apenas indiretamente, nos mercados secundários. A intervenção do SEBC prevista por este programa não pode, portanto, ser equiparada a uma medida de assistência financeira a um Estado‑Membro.

105

No entanto, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 123.o, n.o 1, TFUE impõe dois limites suplementares ao SEBC quando este adota um programa de compra de obrigações emitidas pelas autoridades e organismos públicos da União e dos Estados‑Membros.

106

Por um lado, o SEBC não pode validamente comprar obrigações nos mercados secundários em condições que, na prática, confeririam à sua intervenção um efeito equivalente ao da compra direta de obrigações às autoridades e aos organismos públicos dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 97).

107

Por outro lado, o SEBC deve rodear a sua intervenção de garantias suficientes para a conciliar com a proibição do financiamento monetário decorrente do artigo 123.o TFUE, assegurando‑se que esse programa não é suscetível de desincentivar os Estados‑Membros em causa a conduzirem uma política orçamental sólida, que esta disposição visa instaurar (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 100 a 102 e 109).

108

As garantias que o SEBC deve prever para que sejam respeitados estes dois limites dependem simultaneamente das próprias características do programa em causa e do contexto económico em que se insere a adoção e execução desse programa. Sendo caso disso, o Tribunal de Justiça deve posteriormente verificar a suficiência dessas garantias, quando esta seja contestada.

– Quanto à alegada equivalência entre a intervenção do PSPP e a compra de obrigações nos mercados primários

109

O órgão jurisdicional de reenvio considera que as modalidades do PSPP podem gerar, nos operadores privados, a certeza factual de que o SEBC recomprará futuramente, nos mercados secundários, as obrigações que eles possam adquirir aos Estados‑Membros.

110

A este respeito, importa recordar que a intervenção do SEBC seria incompatível com o artigo 123.o, n.o 1, TFUE se os operadores suscetíveis de comprar obrigações soberanas nos mercados primários tivessem a certeza de que o SEBC vai proceder à recompra dessas obrigações num prazo e em condições que permitam a estes operadores atuar, de facto, como intermediários do SEBC na compra direta das referidas obrigações às autoridades e organismos públicos do Estado‑Membro em causa (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 104).

111

No caso em apreço, a previsibilidade da intervenção do SEBC no âmbito do PSPP é, com efeito, deliberadamente acentuada pela publicação antecipada de uma série de características deste programa, que, como sublinharam a Comissão e o BCE, se destina a contribuir para a sua eficácia e proporcionalidade, limitando o volume das obrigações que devem ser efetivamente compradas para realizar o objetivo pretendido.

112

Em especial, o anúncio, tanto nas decisões do SEBC como nas comunicações destinadas ao público, dos montantes mensais projetados de compra de ativos ao abrigo do APP, da duração previsível desse programa, das modalidades de repartição desses montantes entre os diferentes bancos centrais dos Estados‑Membros ou ainda dos critérios de elegibilidade que condicionam a compra de uma obrigação é suscetível de permitir aos operadores privados anteciparem, em certa medida, aspetos importantes das futuras intervenções do SEBC nos mercados secundários.

113

No entanto, o SEBC instituiu diferentes garantias para evitar que um operador privado possa atuar como intermediário do SEBC.

114

Assim, o respeito, controlado pelo BCE nos termos do artigo 9.o das orientações, do black‑out period previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Decisão 2015/774 assegura que as obrigações emitidas por um Estado‑Membro não poderão ser recompradas pelo SEBC imediatamente após a respetiva emissão.

115

Embora esta disposição não precise a duração exata desse período, que é fixada no artigo 15.o das orientações, o BCE indicou, nas suas observações escritas, que a referida duração se media em dias e não em semanas. Todavia, tal duração não pode gerar, nos operadores suscetíveis de comprar obrigações soberanas nos mercados primários, a certeza de que o SEBC vai proceder, a muito breve prazo, à recompra dessas obrigações soberanas.

116

Com efeito, a não publicação, a priori ou a posteriori, de informações sobre a duração deste período e o facto de se tratar apenas de um prazo mínimo no termo do qual é autorizada a compra de uma obrigação são suscetíveis de evitar que um operador privado possa, de facto, atuar como intermediário do SEBC, uma vez que limitam a previsibilidade, no plano temporal, das intervenções do SEBC nos mercados secundários. A circunstância de a recompra poder, assim, ocorrer vários meses ou vários anos após a emissão de uma obrigação aumenta tanto mais as incertezas dos operadores privados quanto o SEBC tem a faculdade de diminuir o montante mensal de compra de obrigações ao abrigo do APP, faculdade que, aliás, o SEBC já exerceu diversas vezes.

117

Além disso, o SEBC estabeleceu um certo número de garantias que permitem especificamente impedir os operadores privados de prever com certeza se determinadas obrigações serão efetivamente recompradas, nos mercados secundários, no âmbito do PSPP.

118

Antes de mais, embora o SEBC comunique o montante total das compras previstas ao abrigo do APP, o mesmo não acontece com o volume das obrigações emitidas por autoridades e organismos públicos de um Estado‑Membro, que serão normalmente recompradas no decurso de um determinado mês, no âmbito do PSPP. Além disso, o SEBC estabelece regras destinadas a evitar que esse volume possa ser determinado com precisão antecipadamente.

119

A este respeito, por um lado, resulta das regras enunciadas no artigo 2.o, n.o 2, das orientações, segundo as quais o montante que aí figura é válido para todo o APP e as compras ao abrigo do PSPP só devem ser realizadas a título residual, que o montante dessas compras que devem ser realizadas pode variar mensalmente em função do volume de obrigações emitidas por operadores privados disponíveis nos mercados secundários. Esta disposição também autoriza o Conselho do BCE a afastar‑se, a título excecional, do montante mensal previsto, quando condições específicas de mercado o exijam.

120

Por outro lado, embora o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão 2015/774 preveja que as compras são repartidas entre os bancos centrais dos Estados‑Membros de acordo com a tabela de repartição para a subscrição do capital do BCE, não se pode deduzir daí com certeza que o montante assim atribuído a um banco central de um Estado‑Membro será consagrado, na medida prevista no artigo 6.o, n.o 1, desta decisão, à compra de obrigações provenientes das autoridades e organismos públicos desse Estado‑Membro. Com efeito, a repartição dos títulos comprados ao abrigo do PSPP, prevista nesta última disposição, fica sujeita, de acordo com o segundo período da mesma, a revisão pelo Conselho do BCE. Além disso, a referida decisão compreende diversos mecanismos que introduzem uma certa flexibilidade na realização das compras ao abrigo do PSPP, designadamente ao permitir, no seu artigo 3.o, n.os 3 e 4, a realização de compras de substituição e, no seu artigo 6.o, n.o 3, a autorização, pelo Conselho do BCE, de desvios ocasionais ao princípio da especialização para a atribuição das compras de títulos ao abrigo do PSPP. O artigo 2.o, n.o 3, das orientações autoriza os bancos centrais do Eurosistema a desviarem‑se das recomendações mensais de compra para reagir de forma adequada às condições do mercado.

121

Em seguida, resulta do artigo 3.o, n.os 1, 3 e 5, da Decisão 2015/774 que o SEBC autorizou a compra de obrigações diversificadas ao abrigo do PSPP, limitando com isso as possibilidades de determinar previamente a natureza das compras a realizar para alcançar os objetivos mensais de compra deste programa.

122

Assim, neste contexto, podem ser compradas não só obrigações emitidas pelas administrações centrais mas também obrigações emitidas pelas administrações regionais ou locais. Do mesmo modo, o vencimento destas obrigações pode ir de 1 ano a 30 anos e 364 dias, e o seu rendimento pode, eventualmente, ser negativo ou mesmo inferior à taxa de juro da facilidade permanente de depósito.

123

Além disso, importa salientar que as Decisões 2015/2464 e 2017/100 alteraram precisamente, nestes pontos, o dispositivo previsto inicialmente para alargar as possibilidades de compra de ativos. Estas decisões limitaram, assim, ainda mais, face à evolução das condições do mercado, a previsibilidade das compras, pelo SEBC, de obrigações emitidas por Estados‑Membros.

124

Por último, o artigo 5.o, n.os 1 e 2, da Decisão 2015/774 prevê que os bancos centrais do Eurosistema não podem deter mais de 33% de uma determinada emissão de obrigações das administrações centrais de um Estado‑Membro ou de 33% do saldo vivo de títulos de uma dessas administrações.

125

Decorre destes limites de detenção, cuja aplicação é controlada diariamente pelo BCE em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, das orientações, que o SEBC não está autorizado a comprar a totalidade das obrigações emitidas por esse emitente nem tão‑pouco a totalidade de uma determinada emissão destas obrigações. Como salientaram os Governos que intervieram no presente processo e o BCE, daí resulta que, quando da compra de obrigações a uma administração central de um Estado‑Membro, um operador privado fica necessariamente exposto ao risco de não as poder revender ao SEBC nos mercados secundários, estando em qualquer caso excluída a aquisição de todas as obrigações emitidas.

126

A incerteza criada a este respeito pelos referidos limites de detenção é reforçada pelas restrições, impostas pelo artigo 8.o da Decisão 2015/774, à publicação de informações sobre as obrigações detidas pelo SEBC, de que resulta que apenas são publicadas informações agregadas, com exclusão de qualquer indicação quanto à parte das obrigações provenientes de uma determinada emissão atualmente detida pelo SEBC.

127

Tendo em conta o conjunto destes elementos, afigura‑se que, admitindo que o SEBC seja confrontado com a forte escassez das obrigações emitidas por certos Estados‑Membros, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, o que foi firmemente contestado pelo BCE, as garantias que rodeiam o PSPP asseguram que um operador privado não pode ter a certeza, no momento da compra de obrigações emitidas por um Estado‑Membro, que estas serão efetivamente recompradas pelo SEBC num futuro previsível.

128

Por conseguinte, há que declarar, como observou o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, que a circunstância de as modalidades do PSPP permitirem antecipar, a nível macroeconómico, a compra de um volume considerável de obrigações emitidas pelas autoridades e organismos públicos dos Estados‑Membros não é suscetível de criar num determinado operador privado certezas que lhe permitam atuar, de facto, como intermediário do SEBC na compra direta de obrigações a um Estado‑Membro.

– Quanto ao alegado desincentivo à condução de uma política orçamental sólida

129

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a Decisão 2015/774 é compatível com o artigo 123.o, n.o 1, TFUE, na medida em que as certezas criadas por esta decisão quanto à intervenção do SEBC são suscetíveis de falsear as condições do mercado, ao diminuírem o incentivo à condução de uma política orçamental sólida pelos Estados‑Membros.

130

Importa recordar que a circunstância de a execução de um programa de operações de open market facilitar, em certa medida, o financiamento dos Estados‑Membros em causa não pode ser determinante, uma vez que a condução da política monetária implica que se atue permanentemente sobre as taxas de juro e as condições de refinanciamento dos bancos, o que tem necessariamente consequências para as condições do financiamento do défice público dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 108 e 110).

131

Por conseguinte, embora a circunstância de um programa deste tipo poder conduzir a antecipar o facto de que, nos próximos meses, uma parte não negligenciável das obrigações emitidas por um Estado‑Membro deverá provavelmente ser recomprada pelo SEBC seja certamente suscetível de facilitar o financiamento desse Estado‑Membro, a mesma não implica, por si só, a incompatibilidade desse programa com o artigo 123.o, n.o 1, TFUE.

132

Em contrapartida, para evitar desincentivar os Estados‑Membros a conduzirem uma política orçamental sólida, a adoção e a execução de tal programa não podem validamente gerar certezas quanto à futura recompra das obrigações emitidas pelos Estados‑Membros, em consequência das quais estes poderiam adotar uma política orçamental que não tivesse em conta o facto de que, em caso de défice, seriam levados a procurar financiamento nos mercados, ou seriam protegidos das consequências que, neste particular, pode ter a evolução da respetiva situação macroeconómica ou orçamental (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 113 e 114).

133

Neste contexto, há que declarar, em primeiro lugar, que resulta do considerando 7 da Decisão 2015/774 que a execução do PSPP só está prevista até o Conselho do BCE constatar um ajustamento sustentado da tendência da inflação que seja compatível com o seu objetivo de atingir a médio prazo uma taxa de inflação de nível inferior, mas próximo de 2%. Embora a duração concreta da aplicação previsível do PSPP tenha sido, todavia, prorrogada várias vezes, esta prorrogação foi sempre decidida sem pôr em causa este princípio, como confirmam o considerando 3 da Decisão 2015/2464 e o considerando 5 da Decisão 2017/100.

134

Daqui resulta que o SEBC, nas suas decisões sucessivas, só previu a compra de obrigações soberanas na medida necessária à manutenção da estabilidade dos preços, reviu regularmente o volume do PSPP e manteve constantemente o caráter temporário deste programa.

135

Este caráter temporário é, aliás, reforçado pela faculdade que o SEBC mantém, por força do artigo 12.o, n.o 2, das orientações, de revender a qualquer momento as obrigações compradas, o que lhe permite adaptar o seu programa em função da atitude dos Estados‑Membros em causa e impede os operadores implicados de terem a certeza de que o SEBC não exercerá essa faculdade (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 117 e 118).

136

Por conseguinte, a Decisão 2015/774 não é suscetível de permitir aos Estados‑Membros adotar uma política orçamental que não tenha em conta o facto de que, a médio prazo, a continuidade da execução do PSPP não está de maneira nenhuma assegurada e que, portanto, em caso de défice, serão levados a procurar financiamento nos mercados, sem poderem beneficiar das condições de financiamento mais favoráveis que a execução do PSPP pode implicar (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 112 e 114).

137

Em segundo lugar, importa salientar que a Decisão 2015/774 e as orientações incluem uma série de garantias destinadas a limitar os efeitos do PSPP no incentivo à condução de uma política orçamental sólida.

138

Antes de mais, a amplitude do efeito do PSPP nas condições de financiamento dos Estados‑Membros da área do euro é limitada pelas medidas que restringem o volume das obrigações de um Estado‑Membro que podem ser compradas no âmbito do PSPP (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 116).

139

A este respeito, decorre das considerações constantes do n.o 88 do presente acórdão que o volume total dessas obrigações é limitado, de jure, quer pela fixação de um montante mensal de compras ao abrigo do APP quer pelo caráter subsidiário do PSPP no âmbito do APP, que resultam do artigo 2.o, n.o 2, das orientações.

140

Além disso, como alega o BCE, a repartição, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão 2015/774, dessas compras entre os bancos centrais nacionais de acordo com a tabela de repartição para a subscrição do capital do BCE, enunciada no artigo 29.o do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, e não em função de outros critérios, como, designadamente, o peso da dívida respetiva de cada Estado‑Membro, conjugada com a regra enunciada no artigo 6.o, n.o 3, dessa decisão, segundo a qual cada banco central nacional comprará os títulos de emitentes públicos da sua própria jurisdição, implica que o aumento sensível do défice de um Estado‑Membro, que a eventual renúncia a uma política orçamental sólida acarretaria, diminuiria a parcela das obrigações desse Estado‑Membro compradas pelo SEBC. A execução do PSPP não é, portanto, suscetível de permitir a um Estado‑Membro eximir‑se às consequências, em matéria de financiamento, da alteração da sua trajetória orçamental.

141

Por outro lado, os limites de detenção por emissão e por emitente enunciados no artigo 5.o, n.os 1 e 2, desta decisão implicam, em todos os casos, que apenas uma minoria das obrigações emitidas por um Estado‑Membro podem ser compradas pelo SEBC no âmbito do PSPP, o que impõe que esse Estado‑Membro recorra principalmente aos mercados para financiar o seu défice orçamental.

142

Em seguida, o artigo 3.o, n.o 2, da Decisão 2015/774 prevê critérios elevados de elegibilidade baseados numa avaliação da qualidade do crédito, que só é possível derrogar se o Estado‑Membro em causa for objeto de um programa de assistência financeira. O artigo 13.o, n.o 1, das orientações prevê, além disso, que, em caso de degradação da notação das obrigações de um Estado‑Membro ou de resultado negativo de um exame de tal programa, o Conselho do BCE deverá decidir se as obrigações já compradas do Estado‑Membro em causa devem ser revendidas.

143

Daqui resulta, como salientou o advogado‑geral no n.o 87 das suas conclusões, que um Estado‑Membro não se pode basear nas facilidades de financiamento que podem decorrer da execução do PSPP, para renunciar a conduzir uma política orçamental sólida, sem correr o risco, em definitivo, de ver as obrigações que emite serem excluídas deste programa, em razão da degradação da sua notação, ou de se expor a uma revenda, pelo SEBC, das obrigações emitidas pelo mesmo Estado‑Membro, que tinha anteriormente comprado.

144

Resulta do que precede que a Decisão 2015/774 não tem por efeito desincentivar os Estados‑Membros em causa a conduzirem uma política orçamental sólida.

– Quanto à detenção de obrigações até ao seu vencimento e quanto à compra de obrigações com um rendimento negativo no vencimento

145

O órgão jurisdicional de reenvio manifestou dúvidas acerca da compatibilidade da Decisão 2015/774 com o artigo 123.o, n.o 1, TFUE, à luz de uma eventual conservação, pelo SEBC, das obrigações compradas até ao seu vencimento, por um lado, e da aquisição de obrigações com um rendimento negativo no vencimento, por outro.

146

No que diz respeito, em primeiro lugar, à eventual conservação até ao seu vencimento, pelo SEBC, das obrigações compradas ao abrigo do PSPP, importa recordar que tal prática não está de modo algum excluída pelo artigo 18.o, n.o 1, do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE e não implica a renúncia ao pagamento, pelo Estado‑Membro emitente, da sua dívida após o vencimento da obrigação (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 118).

147

O SEBC está, portanto, habilitado a avaliar, em função dos objetivos e das características de um programa de operações de open market, se há que prever a conservação das obrigações compradas no âmbito desse programa, sem que a sua revenda deva ser considerada o princípio e a sua conservação uma derrogação a esse princípio.

148

No caso em apreço, embora a Decisão 2015/774 não adiante informações precisas sobre a eventual revenda das obrigações compradas ao abrigo do PSPP, resulta claramente do artigo 12.o, n.o 2, das orientações que o SEBC mantém a faculdade de revender essas obrigações a qualquer momento e sem condições específicas.

149

Além disso, o facto de não haver uma obrigação de proceder à revenda das obrigações compradas não basta para demonstrar a existência de uma violação do artigo 123.o, n.o 1, TFUE.

150

Com efeito, por um lado, a simples faculdade de proceder, se for caso disso, à revenda de todas ou de parte das obrigações compradas contribui para preservar o incentivo à condução de uma política orçamental sólida, na medida em que, como salientado no n.o 135 do presente acórdão, essa faculdade permite ao SEBC adaptar o seu programa em função da atitude dos Estados‑Membros em causa.

151

Por outro lado, a eventual conservação dessas obrigações pelo SEBC não é, por si só, suscetível de tirar tal incentivo aos Estados‑Membros em causa, na medida em que, nomeadamente, como sublinhou o BCE, não é acompanhada da obrigação de o SEBC comprar novas obrigações que deverão inevitavelmente ser emitidas por um Estado‑Membro que renuncie a conduzir uma política orçamental sólida.

152

Embora seja verdade que essa conservação é, não obstante, suscetível de exercer uma certa influência no funcionamento dos mercados primários e secundários da dívida soberana, recorde‑se que se trata de um efeito inerente às compras nos mercados secundários, autorizadas pelo direito primário, sendo este efeito, de resto, indispensável para permitir a utilização eficaz dessas compras no âmbito da política monetária (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 108), e, deste modo, contribuir para o objetivo de manutenção da estabilidade dos preços, recordado no n.o 51 do presente acórdão.

153

No que respeita, em segundo lugar, à compra de obrigações soberanas com um rendimento negativo no vencimento, importa, antes de mais, sublinhar que o artigo 18.o, n.o 1, do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE permite a realização de operações de open market, sem prever que essas operações devem incidir sobre obrigações com um rendimento mínimo.

154

Em seguida, o artigo 123.o, n.o 1, TFUE não pode ser interpretado no sentido de que obsta à aquisição, pelo SEBC, de tais obrigações no âmbito do PSPP.

155

Com efeito, embora a emissão de obrigações com um rendimento negativo no vencimento seja vantajosa no plano financeiro para os Estados‑Membros em causa, há que declarar que essas obrigações só podem ser compradas, no âmbito do PSPP, nos mercados secundários e, por conseguinte, não dão lugar à concessão de um crédito a descoberto ou de outro tipo de crédito às autoridades e organismos públicos dos Estados‑Membros, ou à compra direta de instrumentos da respetiva dívida a essas entidades.

156

No que diz respeito à questão de saber se a compra, pelo SEBC, de obrigações soberanas com um rendimento negativo no vencimento tem um efeito equivalente ao da compra direta de obrigações às autoridades e organismos públicos dos Estados‑Membros, há que salientar que, no contexto económico em que a Decisão 2015/774 foi adotada, autorizar a compra de obrigações com um rendimento negativo no vencimento não é suscetível de facilitar a identificação, pelos operadores privados, das obrigações que o SEBC deverá comprar, sendo, pelo contrário, suscetível de limitar as certezas desses operadores quanto a este aspeto, ao alargar o âmbito das obrigações elegíveis para compra no âmbito do PSPP. A flexibilização dos critérios de rendimento efetuada pela Decisão 2017/100 é, aliás, suscetível de reforçar as garantias adotadas pelo BCE a este respeito.

157

Além disso, como o BCE salientou, uma vez que as obrigações com um rendimento negativo só podem ser emitidas por Estados‑Membros cuja situação financeira seja objeto de uma apreciação positiva pelos operadores dos mercados da dívida soberana, não se pode considerar que a compra dessas obrigações desincentiva os Estados‑Membros a conduzirem uma política orçamental sólida.

158

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, importa responder às questões primeira a quarta que o seu exame não revelou elementos suscetíveis de afetar a validade da Decisão 2015/774.

Quanto à quinta questão

159

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma decisão do BCE que prevê a repartição, entre os bancos centrais dos Estados‑Membros, da integralidade das perdas que um destes bancos centrais pode vir a sofrer na sequência do eventual incumprimento de um Estado‑Membro, num contexto em que a importância dessas perdas imponha a recapitalização desse banco central, é compatível com o artigo 4.o, n.o 2, TUE e com os artigos 123.o e 125.o TFUE.

160

O Governo italiano sustenta que esta questão é inadmissível na medida em que tem um caráter manifestamente hipotético.

161

Por seu lado, sem alegarem formalmente que a referida questão é inadmissível, os Governos grego, francês, português e finlandês, a Comissão e o BCE salientam que a mesma apresenta um caráter hipotético ou, pelo menos, tem por objeto uma evolução incerta do direito da União. O Governo português e a Comissão sublinham, além disso, que seria inapropriado que o Tribunal de Justiça se pronunciasse sobre tal evolução, uma vez que constitui uma simples eventualidade.

162

A este respeito, importa salientar que o direito primário não contém regras que preveem a repartição, entre os bancos centrais dos Estados‑Membros, das perdas sofridas por um destes bancos centrais quando da realização de operações de open market.

163

Além do mais, é pacífico que o BCE decidiu não adotar uma decisão que implique uma partilha da integralidade das perdas realizadas pelos bancos centrais dos Estados‑Membros quando da execução do PSPP. Como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, o BCE só previu, até à data, no que se refere a tais perdas, a partilha das que têm origem em títulos emitidos por emitentes internacionais.

164

Daqui resulta, por um lado, que o potencial volume dessas perdas está restringido pela regra, enunciada no artigo 6.o, n.o 1, da Decisão 2015/774, que limita a percentagem desses títulos a 10% do valor contabilístico das compras ao abrigo do PSPP e, por outro, que as perdas suscetíveis de ser, eventualmente, partilhadas entre os bancos centrais dos Estados‑Membros não podem ser a consequência direta do incumprimento de um Estado‑Membro a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio.

165

A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, embora as questões relativas ao direito da União gozem de uma presunção de pertinência, o Tribunal deve recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação solicitada de uma regra da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan todistajat, C‑25/17, EU:C:2018:551, n.o 31 e jurisprudência referida).

166

Assim, o Tribunal de Justiça não pode, sem exceder a sua função, responder à quinta questão formulando uma opinião consultiva sobre um problema que, nesta fase, é hipotético (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Private Equity Insurance Group, C‑156/15, EU:C:2016:851, n.o 56, e de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 194).

167

Por conseguinte, a quinta questão deve ser declarada inadmissível.

Quanto às despesas

168

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O exame das questões primeira a quarta não revelou elementos suscetíveis de afetar a validade da Decisão (UE) 2015/774 do Banco Central Europeu, de 4 de março de 2015, relativa a um programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários, conforme alterada pela Decisão (UE) 2017/100 do Banco Central Europeu, de 11 de janeiro de 2017.

 

2)

A quinta questão prejudicial é inadmissível.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.