ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

13 de fevereiro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Harmonização das legislações fiscais — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Dedução do IVA — Determinação do sujeito passivo devedor do IVA — Aplicação retroativa de uma medida derrogatória — Princípio da segurança jurídica»

No processo C‑434/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Zalaegerszegi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Zalaegerszeg, Hungria), por decisão de 29 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de julho de 2017, no processo

Human Operator Zrt.

contra

Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Décima Secção, F. Biltgen e E. Levits (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por V. Bottka, A. Sipos e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão de Execução (UE) 2015/2349 do Conselho, de 10 de dezembro de 2015, que autoriza a Hungria a aplicar uma medida em derrogação ao artigo 193.o da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2015, L 330, p. 53, a seguir «Decisão de Execução»), interpretada em conjugação com o artigo 193.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2013/43/UE do Conselho, de 22 de julho de 2013 (JO 2013, L 201, p. 4) (a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Human Operator Zrt. ao Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional de Impostos e Alfândegas, Hungria, a seguir «Direção de Recursos») a propósito do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) por um sujeito passivo destinatário de prestações de serviços sujeitas a IVA.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva IVA

3

O artigo 193.o da Diretiva do IVA dispõe:

«O IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, com exceção dos casos em que o imposto é devido por outra pessoa nos termos dos artigos 194.o a 199.o B e 202.o»

4

Nos termos do artigo 199.o desta diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

a)

Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.o 3 do artigo 14.o;

b)

Colocação à disposição de pessoal que participe nas atividades abrangidas pela alínea a);

[…]»

5

O artigo 395.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados‑Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente diretiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.»

Decisão de Execução

6

Por ofícios registados junto dos serviços da Comissão Europeia em 23 de dezembro de 2014 e em 8 de maio de 2015, a Hungria solicitou autorização para introduzir uma medida especial derrogatória ao artigo 193.o da Diretiva IVA no que se refere ao devedor do IVA, e isto com o objetivo de combater certas práticas fraudulentas no setor das empresas de trabalho temporário. Pela Decisão de Execução, o Conselho deferiu esse pedido.

7

Nos termos do artigo 1.o da Decisão de Execução:

«Em derrogação ao artigo 193.o da [Diretiva IVA], a Hungria fica autorizada a designar como devedor do IVA devido o sujeito passivo destinatário da colocação à disposição de pessoal, cuja atividade não esteja abrangida pelo artigo 199.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva IVA].»

8

Nos termos do artigo 2.o da Decisão de Execução, esta caduca em 31 de dezembro de 2017.

Direito húngaro

9

O artigo 60.o da az általános forgalmi adóról szóló 2007. évi CXXVII. törvény (Lei CXXVII de 2007 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado), na sua versão aplicável ao processo principal, em vigor desde 1 de janeiro de 2015 (a seguir «Lei do IVA»), tem a seguinte redação:

«1.   No caso de entrega de bens ou de prestação de serviços pelos quais o adquirente do bem ou o destinatário do serviço está obrigado ao pagamento do imposto, este é determinado

a)

no momento da receção da fatura ou de outro documento que comprove que a operação foi executada,

b)

no momento do pagamento da contraprestação ou

c)

no dia quinze do mês seguinte à execução da operação.

2.   Das opções previstas no n.o 1 é aplicável a que ocorra primeiro.»

10

O artigo 142.o desta lei dispõe:

«1.   O imposto é pago pelo adquirente do bem ou pelo destinatário do serviço:

[…]

c)

em caso de prestação de serviços de trabalho temporário, de destacamento de trabalhadores, de colocação à disposição de pessoal ou de utilização de serviços de contratação de estudantes para entregas de bens ou prestações de serviços, incluindo quando tal não seja associado a uma licença de construção ou a um procedimento de declaração da intenção de construir;

[…]

3.   O n.o 1 é aplicável quando

a)

todas as partes intervenientes na execução da operação são sujeitos passivos registados no território nacional e

b)

nenhuma das partes intervenientes na execução da operação tem um estatuto jurídico regulado por esta lei em virtude do qual não está obrigada ao pagamento do imposto.

[…]»

11

O artigo 294.o, n.o 1, da referida lei prevê:

«O artigo 142.o, n.o 1, alínea c), da presente lei […] é aplicável, com as exceções previstas nos n.os 2 e 3, às operações executadas em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

A Human Operator é uma sociedade comercial com sede social na Hungria, que tem por atividade a colocação de mão de obra, a disponibilização de trabalhadores temporários e outras formas de disponibilização de recursos humanos.

13

Para prestar estes serviços à sua clientela, a Human Operator recorreu, através de contratos de prestação de serviços, a outras sociedades comerciais, que colocaram os seus trabalhadores à disposição dos clientes da Human Operator.

14

A Human Operator aceitou as faturas emitidas por essas sociedades nos termos da regra de tributação normal, que mencionavam, como objeto dos serviços em causa, «outras formas de disponibilização de recursos humanos», e que indicavam o IVA, cujo montante foi deduzido pela Human Operator.

15

A Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Vas Megyei Adóigazgatósága (Direção Provincial de Vas da Administração Nacional de Impostos e Alfândegas, Hungria) (a seguir «Autoridade Tributária de Primeiro Nível») efetuou uma inspeção à Human Operator para verificar as suas declarações de IVA relativas a janeiro de 2015.

16

Na sequência da referida inspeção, a Autoridade Tributária de Primeiro Nível emitiu, em 22 de agosto de 2016, uma decisão na qual declarou a existência de um diferencial de IVA, no montante de 46065000 forints húngaros (HUF) (cerca de 150000 euros), e ordenou à Human Operator que pagasse esse montante.

17

A Autoridade Tributária de Primeiro Nível considerou que, por força do artigo 60.o da Lei do IVA, a Human Operator era devedora do IVA relativamente a todas as operações mencionadas nas declarações referentes ao mês de janeiro de 2015 e determinou o montante de IVA devido tomando como base de cálculo os montantes indicados nas faturas aceites pela Human Operator relativas às prestações de serviços em causa no processo principal.

18

A Autoridade Tributária de Primeiro Nível baseou‑se, a este respeito, na Decisão de Execução, que habilita o Governo húngaro, em derrogação ao artigo 193.o da Diretiva IVA, a aplicar o mecanismo de tributação por autoliquidação, tal como previsto no artigo 142.o, n.o 1, alínea c), da Lei do IVA. A referida autoridade deduziu desta disposição, tal como esta entrou em vigor em 1 de janeiro de 2015, que essa autoliquidação era aplicável a contar desta data, tanto mais que o Governo húngaro, no seu pedido mencionado no n.o 6 do presente acórdão, tinha solicitado expressamente que a derrogação se aplicasse a contar da referida data.

19

Por decisão de 25 de janeiro de 2017, a Direção de Recursos, para a qual a Human Operator recorreu, confirmou a decisão mencionada no n.o 16 do presente acórdão.

20

A Autoridade Tributária de Primeiro Nível procedeu a outras inspeções junto da Human Operator, respeitantes a outros períodos, e emitiu seis outras decisões que cobriam o período compreendido entre 1 de fevereiro de 2015 e 31 de julho de 2015. Através destas decisões, ordenou à Human Operator que pagasse o montante total de 387714000 HUF (cerca de 1,27 milhões de euros) a título de IVA referente a esse período.

21

Em 13 e 25 de janeiro de 2017, a Direção de Recursos, para a qual a Human Operator recorreu novamente, confirmou as decisões da Autoridade Tributária de Primeiro Nível referidas no número anterior.

22

Por considerar que, na falta de disposições expressas sobre a sua aplicação retroativa, a Decisão de Execução não podia ser aplicada pelo Governo húngaro antes da sua notificação à Hungria, que teve lugar em 11 de dezembro de 2015, a Human Operator recorreu das decisões referidas nos n.os 19 e 21 do presente acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

23

Segundo esse órgão jurisdicional, a decisão do litígio no processo principal requer a determinação da data de entrada em vigor da Decisão de Execução e, por conseguinte, da data a partir da qual a autorização prevista nessa decisão se tornou aplicável.

24

Nestas circunstâncias, o Zalaegerszegi Közigazgatási És Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Zalaegerszeg, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve a [Decisão de Execução ser interpretada no sentido de que se opõe à prática da Hungria segundo a qual se considera que a disposição da legislação nacional, que, nos termos da autorização concedida pela] referida Decisão de Execução, […] estabelece uma derrogação ao artigo 193.o da [Diretiva IVA e que] entrou em vigor em 1 de janeiro de 2015, data a partir da qual é aplicável, apesar de a referida Decisão de Execução não conter nenhuma disposição relativa à retroatividade dos seus efeitos ou da sua aplicabilidade e de, no seu pedido de autorização para estabelecer a derrogação, a Hungria ter indicado esta data como data inicial de aplicação?»

Quanto à questão prejudicial

25

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União se opõe a uma legislação nacional que prevê a aplicação de uma medida derrogatória ao artigo 193.o da Diretiva IVA antes de o ato da União que autoriza a referida derrogação ter sido notificado ao Estado‑Membro que a solicitou, quando, por um lado, esse ato da União é omisso no que respeita à sua entrada em vigor ou à data de início da sua aplicação, e, por outro, o referido Estado‑Membro manifestou o desejo de a referida derrogação se aplicar retroativamente.

26

A este respeito, o artigo 1.o da Decisão de Execução permite à Hungria derrogar a regra geral de tributação, prevista no artigo 193.o da Diretiva IVA, ao designar como devedor do IVA o sujeito passivo destinatário da disponibilização de pessoal no âmbito de atividades não abrangidas pelo artigo 199.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva.

27

Assim, o artigo 142.o, n.o 1, alínea c), da Lei do IVA prevê que o destinatário do serviço é devedor do IVA em caso de prestação de serviços de trabalho temporário, de destacamento de trabalhadores, de colocação à disposição de pessoal ou de utilização de serviços de contratação de estudantes para entregas de bens ou prestações de serviços. Esta disposição entrou em vigor em 1 de janeiro de 2015 e, segundo a decisão de reenvio, as autoridades fiscais húngaras aplicam‑na a partir dessa data.

28

Ora, a Decisão de Execução, que permite essa derrogação ao artigo 193.o da Diretiva IVA, só foi notificada ao Governo húngaro em 11 de dezembro de 2015.

29

Além disso, essa decisão não faz nenhuma menção da data da sua entrada em vigor ou da data a partir da qual a derrogação que prevê é aplicável. Também não especifica o período durante o qual se produzem os seus efeitos, limitando‑se a prever a data do seu termo, que é fixada em 31 de dezembro de 2017.

30

A este respeito, há que salientar, antes de mais, que, no tocante ao artigo 199.oda Diretiva IVA, que permite aos Estados‑Membros recorrer, nas situações indicadas no n.o 1, alíneas a) a g), ao mecanismo de autoliquidação, em virtude do qual o devedor de IVA é o sujeito passivo destinatário da operação sujeita a IVA, o Tribunal de Justiça declarou que essa disposição constitui uma exceção ao princípio que consta do artigo 193.o desta diretiva e deve, por isso, ser interpretada de forma estrita, o que não pode levar a que fique privada dos seus efeitos (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de junho de 2013, Promociones y Construcciones BJ 200, C‑125/12, EU:C:2013:392, n.os 23 e 31 e jurisprudência aí referida, e de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 25).

31

Por conseguinte, na falta, na Decisão de Execução, de disposições que fixem a data da sua entrada em vigor ou uma data para início da aplicação da derrogação nela prevista, há que recorrer, para determinar a sua aplicação no tempo, aos princípios de interpretação geralmente reconhecidos no que respeita quer aos seus termos quer à sua finalidade e à sua economia (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o., 212/80 a 217/80, EU:C:1981:270, n.o 8).

32

Assim, em conformidade com o artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, que constitui uma regra geral relativa à entrada em vigor das decisões que indicam um destinatário, essas decisões produzem efeitos mediante a notificação aos respetivos destinatários. No caso em apreço, visto que a Decisão de Execução foi notificada ao Governo húngaro em 11 de dezembro de 2015, deve considerar‑se que entrou em vigor nessa data.

33

Esta conclusão não é posta em causa pelas observações do Governo húngaro. Contrariamente ao que sugere esse Governo, são irrelevantes para a determinação da data a partir da qual a Decisão de Execução produziu efeitos, em primeiro lugar, o facto de a Comissão, na sua proposta de Decisão de Execução do Conselho que autoriza a Hungria a aplicar uma medida em derrogação ao artigo 193.o da Diretiva 2006/112 [COM(2015) 557 final], referir expressamente que tinha sido informada de que a Hungria havia começado a aplicar a derrogação solicitada sem ter esperado pela adoção da Decisão de Execução, em segundo lugar, o facto de o artigo 2.o da referida decisão ter fixado o termo desta última em 31 de dezembro de 2017 e, em terceiro lugar, o facto de, num ofício enviado à Hungria pela Comissão, esta referir a sua intenção de deferir o pedido desse Estado‑Membro quanto ao prazo de aplicação da derrogação solicitada e ter recomendado que esse prazo fosse fixado em três anos.

34

Com efeito, há que recordar que o princípio da segurança jurídica, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige, designadamente, que as regras de direito sejam claras, precisas e previsíveis quanto aos seus efeitos (Acórdão de 18 de novembro de 2008, Förster, C‑158/07, EU:C:2008:630, n.o 67).

35

O imperativo de segurança jurídica impõe‑se com especial vigor quando se trata de uma regulamentação suscetível de comportar encargos financeiros, a fim de permitir aos interessados que conheçam com exatidão o alcance das obrigações que lhes são impostas (Acórdão de 29 de abril de 2004, Sudholz, C‑17/01, EU:C:2004:242, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

36

Também foi declarado que, tendo em vista respeitar os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, as regras substantivas do direito da União devem, em princípio, ser interpretadas no sentido de que apenas se referem a situações adquiridas posteriormente à sua entrada em vigor (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.o 119). Assim, o princípio da segurança jurídica opõe‑se, regra geral, a que os efeitos de um ato da União no tempo retroajam a uma data anterior à da sua publicação ou notificação, consoante o caso, tendo o Tribunal de Justiça considerado que pode não ser assim, a título excecional, quando um objetivo do interesse geral o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 1982, Amylum/Conselho, 108/81, EU:C:1982:322, n.o 4; de 26 de abril de 2005, Goed Wonen, C‑376/02, EU:C:2005:251, n.o 33 e jurisprudência aí referida; e de 28 de novembro de 2006, Parlamento/Conselho, C‑413/04, EU:C:2006:741, n.o 75 e jurisprudência aí referida).

37

Por conseguinte, tendo em conta a regra prevista no artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, e na falta de qualquer indicação, na Decisão de Execução, relativa à sua aplicação retroativa, não se pode concluir que essa decisão poderia ser aplicada retroativamente. Daqui resulta que o Governo húngaro não estava em condições de introduzir a tributação por autoliquidação relativamente aos serviços não abrangidos pelo artigo 199.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA antes da notificação à Hungria da Decisão de Execução que autoriza essa tributação por autoliquidação.

38

Além disso, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio quanto à determinação do devedor do IVA nas circunstâncias do processo principal, importa recordar que, em todos os casos em que, atento o seu conteúdo, as disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, podem ser invocadas nos órgãos jurisdicionais nacionais contra o Estado‑Membro em causa, quer quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional nos prazos previstos, quer quando tenha feito uma transposição incorreta (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2014, E.ON Global Commodities, C‑323/12, EU:C:2014:53, n.o 56 e jurisprudência aí referida, e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C‑337/13, EU:C:2014:328, n.o 31 e jurisprudência aí referida). O Tribunal de Justiça também declarou que uma disposição de direito da União é incondicional quando prevê uma obrigação que não é acompanhada de condições nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer ato das instituições da União ou dos Estados‑Membros (Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C‑337/13, EU:C:2014:328, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

39

Neste caso, o artigo 193.o da Diretiva IVA prevê que o IVA é devido pelo sujeito passivo que efetua uma entrega de bens ou uma prestação de serviços tributáveis, com exceção dos casos em que o imposto é devido por outra pessoa em aplicação dos artigos 194.o a 199.o‑B e 202.o desta diretiva.

40

Por conseguinte, o Estado‑Membro não dispõe de nenhuma margem de apreciação quanto às condições de aplicação no tempo da regra geral estabelecida no artigo 193.o da Diretiva IVA.

41

Uma vez que as condições de aplicação da derrogação prevista no artigo 199.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA não estão preenchidas, os sujeitos passivos podem, portanto, invocar o artigo 193.o desta diretiva perante os tribunais nacionais contra o Estado‑Membro em causa. Assim, no caso em apreço, a regra geral prevista no artigo 193.o da referida diretiva é aplicável e os sujeitos passivos que tenham efetuado as prestações de serviços em causa no processo principal é que são, por conseguinte, devedores de IVA no que respeita ao período anterior à entrada em vigor da Decisão de Execução.

42

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o direito da União se opõe a uma legislação nacional que prevê a aplicação de uma medida derrogatória ao artigo 193.o da Diretiva IVA antes de o ato da União que autoriza a referida derrogação ter sido notificado ao Estado‑Membro que a solicitou, quando esse ato da União é omisso no que respeita à sua entrada em vigor ou à data de início da sua aplicação, e isto mesmo que o referido Estado‑Membro tenha manifestado o desejo de a referida derrogação se aplicar retroativamente.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O direito da União opõe‑se a uma legislação nacional que prevê a aplicação de uma medida derrogatória ao artigo 193.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2013/43/UE do Conselho, de 22 de julho de 2013, antes de o ato da União que autoriza a referida derrogação ter sido notificado ao Estado‑Membro que a solicitou, quando esse ato da União é omisso no que respeita à sua entrada em vigor ou à data de início da sua aplicação, e isto mesmo que o referido Estado‑Membro tenha manifestado o desejo de a referida derrogação se aplicar retroativamente.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.