ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

28 de fevereiro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Processos de adjudicação de contratos no setor dos transportes — Diretiva 2004/17/CE — Âmbito de aplicação — Artigo 5.o — Atividades que visam a disponibilização ou a exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho de ferro — Adjudicação, por uma empresa ferroviária nacional pública que presta serviços de transportes, de contratos de prestação de serviços de limpeza dos comboios pertencente à referida sociedade — Falta de publicação prévia de um anúncio de concurso»

No processo C‑388/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo, Suécia), por Decisão de 21 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de junho de 2017, no processo

Konkurrensverket

contra

SJ AB,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente da Décima Secção, exercendo funções de presidente da Nona Secção, E. Juhász (relator) e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Konkurrensverket, por N. Otte Widgren, P. Karlsson e K. Sällfors, na qualidade de agentes,

em representação da SJ AB, por A. Ulfsdotter Forssell, advokat, e M. Bogg, jurista,

em representação da Comissão Europeia, por E. Ljung Rasmussen, G. Tolstoy, P. Ondrůšek e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de dois litígios que opõem o Konkurrensverket (Autoridade da Concorrência, Suécia) à SJ AB, a respeito da alegada violação, por esta sociedade, da regulamentação relativa aos processos de adjudicação de contratos públicos no momento da adjudicação de contratos de serviços de limpeza.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/17

3

O artigo 2.o da Diretiva 2004/17, sob a epígrafe «Entidades adjudicantes», dispõe, no seu n.o 2:

«A presente diretiva é aplicável às entidades adjudicantes:

a)

que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das atividades definidas nos artigos 3.o a 7.o;

b)

que, no caso de não serem poderes públicos ou empresas públicas, incluam entre as suas atividades uma ou mais das atividades mencionadas nos artigos 3.o a 7.o e beneficiem de direitos especiais ou exclusivos concedidos por uma autoridade competente de um Estado‑Membro.»

4

O artigo 5.o da Diretiva 2004/17, sob a epígrafe «Serviços de transporte», prevê:

«1.   A presente diretiva aplica‑se às atividades que visam a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho de ferro, sistemas automáticos, elétricos, tróleis, autocarros ou cabo.

No que diz respeito aos serviços de transporte, considera‑se que existe uma rede quando o serviço é prestado nas condições estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, tais como, por exemplo, as condições relativas a itinerários a seguir, capacidade de transporte disponível ou frequência do serviço.

2.   A presente diretiva não é aplicável às entidades que forneçam serviços públicos de transporte em autocarro, que já se encontravam excluídos do âmbito da Diretiva 93/38/CEE [do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO 1993, L 199, p. 84)] nos termos do n.o 4 do seu artigo 2.o»

Diretiva 2012/34/UE

5

A Diretiva 2012/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que estabelece um espaço ferroviário europeu único (JO 2012, L 343, p. 32), reúne numa só regulamentação diversas diretivas em matéria de transporte ferroviário que foram objeto de uma reformulação. Entre estas diretivas encontra‑se a Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO 2001, L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO 2007, L 315, p. 44). A Diretiva 2012/34 entrou em vigor em 15 de dezembro de 2012, em conformidade com o seu artigo 66.o

6

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Empresa ferroviária”, uma empresa de estatuto privado ou público, detentora de uma licença nos termos da presente diretiva, cuja atividade principal consiste na prestação de serviços de transporte de mercadorias e/ou de passageiros por caminho de ferro, desde que a tração seja assegurada pela própria empresa; incluem‑se nesta definição as empresas que apenas prestem serviços de tração;

2)

“Gestor de infraestrutura”, uma entidade ou empresa concretamente responsável pela instalação, gestão e manutenção da infraestrutura ferroviária, incluindo a gestão do tráfego e o controlo‑comando e sinalização; as funções do gestor de infraestrutura de uma rede, ou de parte de uma rede, podem ser repartidas por diferentes entidades ou empresas;

[…]

18)

“Repartição”, a afetação da capacidade de uma infraestrutura ferroviária pelo gestor de infraestrutura;

[…]

20)

“Infraestrutura congestionada”, um elemento da infraestrutura relativamente ao qual a procura de capacidade de infraestrutura não pode ser integralmente satisfeita durante determinados períodos, mesmo após a coordenação dos vários pedidos de reserva de capacidade;

[…]

22)

“Coordenação”, o processo através do qual o gestor de infraestrutura e os candidatos procuram resolver situações de conflito entre vários pedidos de capacidade de infraestrutura;

[…]

25)

“Rede”, o conjunto da infraestrutura ferroviária gerida por um gestor de infraestrutura;

26)

“Especificações da rede”, a relação pormenorizada das regras gerais, dos prazos, dos procedimentos e dos critérios relativos aos regimes de tarifação e de repartição da capacidade, incluindo todas as outras informações necessárias para viabilizar os pedidos de capacidade de infraestrutura;

27)

“Canal horário”, a capacidade de infraestrutura necessária para a circulação de um comboio entre dois pontos em determinado momento;

[…]»

7

Nos termos do artigo 27.o da Diretiva 2012/34, sob a epígrafe «Especificações da rede», que reproduz, em substância, as disposições do artigo 3.o da Diretiva 2001/14, conforme alterada pela Diretiva 2007/58:

«1.   Após consulta às partes interessadas, o gestor de infraestrutura deve elaborar e publicar as especificações da rede, que podem ser obtidas contra o pagamento de uma taxa não superior ao seu custo de publicação. As especificações da rede devem ser publicadas pelo menos em duas línguas oficiais da União. O conteúdo das especificações da rede deve ser disponibilizado gratuitamente, em formato eletrónico, no portal Web do gestor de infraestrutura, e deve ser acessível através de um portal Web comum. Esse portal Web deve ser criado pelos gestores de infraestrutura no âmbito da sua cooperação nos termos dos artigos 37.o e 40.o

2.   As especificações da rede devem enunciar as características da infraestrutura à disposição das empresas ferroviárias e conter informações que precisem as condições de acesso à infraestrutura ferroviária e às instalações de serviço em causa. As especificações da rede devem também estabelecer as condições de acesso às instalações de serviço ligadas à rede do gestor de infraestrutura e as condições de prestação de serviços nessas instalações, ou indicar um sítio Web em que essas informações sejam disponibilizadas gratuitamente, em formato eletrónico. O conteúdo das especificações da rede consta do anexo IV.

3.   As especificações da rede devem ser atualizadas e, se necessário, alteradas.

4.   As especificações da rede devem ser publicadas o mais tardar quatro meses antes do termo do prazo de apresentação dos pedidos de capacidade de infraestrutura.»

8

O artigo 44.o da Diretiva 2012/34, sob a epígrafe «Pedidos», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os candidatos podem apresentar ao gestor de infraestrutura, no âmbito do direito público ou privado, pedidos de celebração de acordos para a concessão de direitos de utilização da infraestrutura, em contrapartida de uma taxa prevista no capítulo IV, secção 2.

2.   Os pedidos respeitantes ao horário regular de serviço devem respeitar os prazos estabelecidos no anexo VII.»

9

O artigo 45.o desta diretiva, sob a epígrafe «Planificação», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Na medida do possível, o gestor de infraestrutura deve satisfazer todos os pedidos de capacidade de infraestrutura, nomeadamente os pedidos de canais horários que atravessem mais de uma rede, e ter em conta os condicionalismos que afetam os candidatos, nomeadamente as incidências económicas na sua atividade.

2.   O gestor de infraestrutura pode dar prioridade a serviços específicos no quadro dos processos de planificação e coordenação, mas unicamente nos termos dos artigos 47.o e 49.o»

10

O artigo 46.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Processo de coordenação», prevê:

«1.   Caso surjam conflitos entre diferentes pedidos durante a planificação a que se refere o artigo 45.o, o gestor de infraestrutura deve esforçar‑se por assegurar, através da coordenação dos pedidos, o melhor ajustamento possível de todos eles.

2.   Em situações que exijam coordenação, o gestor de infraestrutura tem o direito de propor, dentro de limites razoáveis, capacidades de infraestrutura diferentes da solicitada.

3.   O gestor de infraestrutura deve esforçar‑se por resolver eventuais conflitos através de consultas com os candidatos em causa. Essas consultas devem basear‑se na divulgação, num prazo razoável, gratuitamente e por escrito ou em formato eletrónico, das seguintes informações:

[…]»

11

Nos termos do artigo 47.o desta mesma diretiva, sob a epígrafe «Infraestruturas congestionadas»:

«1.   Se, após a coordenação dos canais horários pedidos e a consulta dos candidatos, se verificar a impossibilidade de satisfazer adequadamente os pedidos de capacidade de infraestrutura, o gestor de infraestrutura declara imediatamente a secção de infraestrutura em causa como infraestrutura congestionada. Deve adotar‑se o mesmo processo relativamente a infraestruturas que irão previsivelmente sofrer de escassez de capacidade num futuro próximo.

2.   Caso uma infraestrutura tenha sido declarada congestionada, o gestor de infraestrutura deve proceder a uma análise da capacidade nos termos do artigo 50.o, exceto se já estiver a ser aplicado um plano de reforço da capacidade nos termos do artigo 51.o

[…]

4.   Os critérios de prioridade devem ter em conta a importância do serviço para a sociedade em relação a qualquer outro serviço que seja excluído em virtude do primeiro, bem como os efeitos noutros Estados‑Membros.

A fim de garantir, neste contexto, o desenvolvimento de serviços de transporte adequados, e em especial para satisfazer as exigências de serviço público ou para favorecer o desenvolvimento dos serviços de transporte ferroviário nacional e internacional de mercadorias, os Estados‑Membros podem adotar as medidas necessárias, em condições não discriminatórias, para que seja dada prioridade a esses serviços na atribuição das capacidades de infraestrutura.

Se for caso disso, os Estados‑Membros podem conceder ao gestor de infraestrutura uma compensação correspondente às eventuais perdas de receitas resultantes da necessidade de atribuir uma determinada capacidade a certos serviços em aplicação do segundo parágrafo.

Essas medidas e essa compensação devem ter em conta os efeitos desta exclusão noutros Estados‑Membros.

[…]»

12

O anexo IV desta diretiva, intitulado «Conteúdo das especificações da rede», prevê:

«As especificações da rede a que se refere o artigo 27.o incluem as seguintes informações:

1)

Um capítulo em que serão enunciadas as características da infraestrutura à disposição das empresas ferroviárias, bem como as condições de acesso à mesma. A informação fornecida deve ser conciliada anualmente com, ou remeter para, a contida no registo da infraestrutura a publicar nos termos do artigo 35.o da Diretiva 2008/57/CE.

2)

Um capítulo sobre os princípios de tarifação e o tarifário, que deve incluir todos os elementos relevantes do regime de tarifação, assim como informação suficientemente pormenorizada sobre as taxas aplicáveis e o acesso aos serviços enumerados no anexo II assegurados por um único prestador. Este capítulo deve apresentar pormenorizadamente a metodologia, as regras e, sendo o caso, as escalas utilizadas para a aplicação dos artigos 31.o a 36.o, no que respeita aos custos e às taxas, e deve conter informações sobre as alterações ao montante das taxas já decididas ou previstas para os próximos cinco anos, se estiverem disponíveis.

3)

Um capítulo sobre os princípios e os critérios de repartição das capacidades. que especifica as características gerais da capacidade de infraestrutura à disposição das empresas ferroviárias e as eventuais restrições à sua utilização, incluindo os condicionalismos previsíveis decorrentes da manutenção da rede. Deve especificar igualmente os procedimentos e prazos do processo de repartição de capacidade. Fixa os critérios específicos aplicáveis nesse processo, nomeadamente:

a)

As modalidades de apresentação de pedidos de capacidade ao gestor de infraestrutura pelos candidatos;

b)

Os requisitos a que os candidatos devem obedecer;

c)

Os prazos dos processos de candidatura e de repartição e os procedimentos a seguir para solicitar informações sobre a planificação, bem como os procedimentos para a planificação dos trabalhos de manutenção previstos e imprevistos;

d)

Os princípios que regem o processo de coordenação e o sistema de resolução de litígios disponível no quadro deste processo;

e)

Os procedimentos a seguir e os critérios a utilizar quando a infraestrutura esteja congestionada;

f)

Informações sobre as restrições à utilização da infraestrutura;

g)

As condições pelas quais são tidos em conta os anteriores níveis de utilização da capacidade para determinar prioridades no processo de repartição.

[…]»

Direito sueco

13

A lagen (2007:1092) om upphandling inom områdena vatten, energi, transporter och posttjänster [Lei (2007:1092) relativa à adjudicação dos contratos públicos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, a seguir «LUF»] transpõe para o direito nacional as disposições da Diretiva 2004/17.

14

Em conformidade com o disposto no § 8, primeiro parágrafo, do capítulo 1 da LUF, esta última é aplicável às atividades de disponibilização ou exploração de redes públicas de transportes, nomeadamente ferroviários. Resulta do segundo parágrafo do mesmo § 8 que existe uma rede de serviço público de transporte se o serviço for prestado em conformidade com as condições estabelecidas por uma autoridade competente e relativas a itinerários a seguir, à capacidade de transporte disponível, à frequência do serviço e a condições semelhantes.

15

O § 1 do capítulo 7 da LUF estabelece que uma entidade adjudicante que se propõe adjudicar um contrato ou celebrar um acordo‑quadro deve, salvo exceção, publicar o anúncio de concurso.

16

De acordo com os §§ 1 e 2 do capítulo 17 da LUF, a autoridade de fiscalização pode pedir ao Tribunal Administrativo a aplicação de uma coima específica a uma entidade adjudicante, caso esta tenha celebrado um contrato com um fornecedor sem publicação prévia de um anúncio de concurso.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

A SJ é uma sociedade anónima inteiramente detida pelo Estado sueco, que exerce a atividade de transporte ferroviário. Em janeiro de 2012, a SJ celebrou dois contratos, no montante respetivo de 56 milhões e de 60 milhões de coroas suecas (SEK) (cerca de 5502306 e 5895328 euros), através dos quais adjudicou os contratos dos serviços de limpeza dos comboios que explora, sem a realização de um concurso público para a adjudicação desses contratos.

18

Em janeiro de 2013, a Autoridade da Concorrência propôs no Förvaltningsrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo com sede em Estocolmo, Suécia) uma ação para que fosse aplicada a SJ uma coima, uma vez que esta empresa estava obrigada a dar cumprimento às obrigações de publicidade aquando da adjudicação de contratos públicos por exercer uma atividade de disponibilização ou de exploração de redes públicas de transporte, na aceção do § 8 do capítulo 1 da LUF. A SJ, por considerar que a sua atividade não estava abrangida pelo âmbito de aplicação desse § 8, contestou os pedidos da autoridade da concorrência. O tribunal julgou procedente a argumentação da SJ.

19

O Kammarrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Recurso de Estocolmo, Suécia) também negou provimento ao recurso interposto pela Autoridade da Concorrência.

20

Este órgão jurisdicional, à semelhança do órgão jurisdicional de primeira instância, considerou que, uma vez que o Trafikverket (Administração dos Transportes, Suécia), enquanto gestor da infraestrutura de transporte, concedia os canais horários necessários à realização da atividade de transporte ferroviário enquanto tal, dispondo de poucos meios para exercer uma influência ativa sobre a forma como a SJ presta os seus serviços de transporte, esta Administração não podia ser considerada como uma autoridade que impõe a esta sociedade as condições de exercício da sua atividade. Sendo assim, o órgão jurisdicional de recurso considerou que os serviços prestados pela SJ não podiam ser considerados prestados em conformidade com as condições estabelecidas por uma autoridade competente, na aceção do § 8 do capítulo 1 da LUF. Daí deduziu que esta sociedade não estava, portanto, obrigada a respeitar a LUF aquando da celebração dos contratos em questão.

21

A Autoridade da Concorrência interpôs recurso de cassação desse acórdão no Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo, Suécia), pedindo a esse órgão jurisdicional que submetesse ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

22

Foi nestas circunstâncias que o Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva [2004/17] ser interpretado no sentido de que existe uma rede de serviços de transporte quando são prestados serviços de transporte numa rede ferroviária, gerida pelo Estado, para o tráfego ferroviário nacional e internacional, em conformidade com as disposições de direito nacional que transpõem a Diretiva [2012/34] que têm por efeito que a repartição das capacidades de infraestrutura ferroviária se baseia nos pedidos das empresas ferroviárias e que, na medida do possível, todos esses pedidos devem ser satisfeitos?

2)

Deve o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/17 ser interpretado no sentido de que uma atividade exercida por uma empresa ferroviária, como referida na Diretiva 2012/34, e que consiste na prestação de serviços de transporte ao público numa rede ferroviária, constitui a disponibilização ou a exploração de uma rede para efeitos da referida disposição?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

23

Na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, a SJ, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de outubro de 2017, pediu a reabertura da fase oral do processo pelo facto de os números 81 e 82 das conclusões se basearem em certos aspetos que não foram analisados na fase escrita nem na fase oral do presente processo prejudicial, designadamente o artigo 30.o da Diretiva 2004/17.

24

A este respeito, o artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça permite‑lhe, ouvido o advogado‑geral, ordenar, a qualquer momento, a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido ou quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes.

25

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir sobre o pedido de decisão prejudicial que lhe foi submetido e que o processo não deve ser decidido com base no argumento apresentado no pedido de reabertura da fase oral do processo sobre a eventual aplicação do artigo 30.o da Diretiva 2004/17.

26

Consequentemente, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

27

Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar se a SJ estava obrigada a desencadear um processo de concurso público para a adjudicação dos contratos de serviços de limpeza dos comboios que explora.

28

A este respeito, como o advogado‑geral recorda no n.o 46 das conclusões, não é contestado que a SJ, enquanto sociedade inteiramente detida pelo Estado, seja uma empresa pública, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/17. Se se considerar que a SJ exerce uma das atividades previstas no artigo 5.o desta diretiva, pode, por conseguinte, ser entendida como uma entidade adjudicante, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da mesma.

29

A SJ alega que não exerce essa atividade. Por um lado, alega que não opera numa «rede», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da referida diretiva. Por outro lado, alega que as suas atividades de prestação de serviços de transporte não constituem atividades de «disponibilização» ou de «exploração» da rede, na aceção do referido artigo.

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/17 deve ser interpretado no sentido de que existe uma rede de serviços de transporte ferroviário, na aceção desta disposição, quando sejam disponibilizados serviços de transporte, em aplicação de uma legislação nacional que transpõe a Diretiva 2012/34, numa infraestrutura ferroviária gerida por uma autoridade nacional que reparte a capacidade dessa infraestrutura, estando obrigada a satisfazer os pedidos das empresas ferroviárias enquanto os limites dessa capacidade não forem atingidos.

31

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/17, «[n]o que diz respeito aos serviços de transporte, considera‑se que existe uma rede quando o serviço é prestado nas condições estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, tais como, por exemplo, as condições relativas a itinerários a seguir, capacidade de transporte disponível ou frequência do serviço».

32

Para apreciar se essas condições estão reunidas no processo pendente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a relevância da obrigação que incumbe à Administração dos Transportes, enquanto autoridade competente na aceção do artigo 5.o da Diretiva 2004/17, de satisfazer todos os pedidos de atribuição de capacidade de transporte apresentadas por empresas ferroviárias enquanto os limites dessa capacidade não forem atingidos.

33

A SJ observa, por sua vez, que presta serviços de transporte ferroviário em situação de plena concorrência no mercado e não beneficia de nenhum financiamento estatal, que obtém as receitas através da venda dos bilhetes, que não tem nenhuma prioridade na análise dos pedidos de capacidade ferroviária e que todo o transporte que efetua resulta da sua própria decisão.

34

Todavia, mesmo admitindo que estejam provados, só esses elementos não excluem que se possa declarar que as condições em que uma empresa ferroviária, como a SJ, presta os seus serviços foram determinadas por uma autoridade competente.

35

Com efeito, a análise da regulamentação aplicável demonstra que é esse o caso.

36

Importa salientar que o artigo 27.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2012/34 dispõe que o gestor da infraestrutura, neste caso, a Administração dos Transportes, deve elaborar e publicar as especificações da rede, as quais enunciam as características da infraestrutura e contêm informações que precisam as condições de acesso à infraestrutura ferroviária. O conteúdo das especificações de rede é definido no anexo IV dessa diretiva.

37

Segundo esse anexo IV, as especificações contêm os princípios e os critérios de repartição das capacidades, nomeadamente os requisitos a que os candidatos devem obedecer, os procedimentos a seguir e os critérios a utilizar quando a infraestrutura esteja congestionada ou ainda os pormenores sobre as restrições à utilização da infraestrutura.

38

Assim, qualquer pedido de capacidade da infraestrutura deve, por força da Diretiva 2012/34, ser apresentado ao gestor da infraestrutura por uma empresa ferroviária em conformidade com as especificações da rede, elaboradas por este, e deve respeitar os princípios e os requisitos indicados nessas especificações. Resulta destes elementos que a atribuição dos direitos de utilização da infraestrutura ferroviária está subordinada ao cumprimento, pelas empresas candidatas, de requisitos que incidem tanto sobre a sua capacidade para apresentar um pedido como sobre as condições em que estas irão explorar essas infraestruturas. Por conseguinte, tais requisitos reduzem consideravelmente a liberdade comercial das empresas candidatas.

39

No que respeita ao procedimento de análise dos pedidos enquanto tal, embora o gestor da infraestrutura ferroviária deva, segundo o artigo 45.o da Diretiva 2012/34, procurar satisfazer, na medida do possível, todos os pedidos de capacidade de infraestrutura, deve esforçar‑se, em caso de pedidos concorrentes, em conformidade com o artigo 46.o desta diretiva, coordenar esses pedidos, a fim de assegurar o melhor ajustamento possível de todos eles. Assim, pode, dentro de limites razoáveis, propor capacidades diferentes da solicitada, ou mesmo ser incapaz de responder favoravelmente a alguns pedidos.

40

O artigo 47.o da Diretiva 2012/34 prevê disposições em caso de congestionamento da infraestrutura ferroviária, no âmbito das quais o gestor de infraestrutura pode definir critérios de prioridade.

41

Nestas condições, mesmo admitindo que a empresa ferroviária goza de uma certa liberdade para estabelecer as condições de exercício da sua atividade de transporte, há que considerar, tendo em conta as obrigações e restrições, tomadas no seu conjunto, que sobre ela recaem, em especial a obrigação de obter canais horários e respeitar as condições que lhes estão associadas, que as condições em que presta o serviço de transporte são determinadas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, neste caso a Administração dos Transportes no litígio do processo principal, agindo enquanto gestor da infraestrutura.

42

Esta apreciação é igualmente corroborada pela análise da génese do artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/17.

43

Com efeito, como assinala a Comissão Europeia, o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 90/531/CEE do Conselho, de 17 de setembro de 1990, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO 1990, L 297, p. 1), que reproduz, em substância, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2004/17, foi introduzida a fim de sujeitar a adjudicação de contratos no setor dos serviços de transporte por autocarro às disposições da Diretiva 90/531 e permitiu precisar que uma rede de transportes não só existe se for constituída por uma infraestrutura física, como as vias férreas, mas também por um sistema coordenado das linhas em condições determinadas, por exemplo no domínio do transporte por autocarro. Em contrapartida, o legislador da União não teve a intenção de limitar, através desta disposição, o âmbito de aplicação dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos no domínio dos transportes efetuados numa rede física.

44

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/17 deve ser interpretado no sentido de que existe uma rede de serviços de transporte ferroviário, na aceção desta disposição, quando sejam disponibilizados serviços de transporte, em aplicação de uma legislação nacional que transpõe a Diretiva 2012/34, numa infraestrutura ferroviária gerida por uma autoridade nacional que reparte a capacidade dessa infraestrutura, mesmo que esteja obrigada a satisfazer os pedidos das empresas ferroviárias enquanto os limites dessa capacidade não forem atingidos.

Quanto à segunda questão

45

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/17 deve ser interpretado no sentido de que a atividade exercida por uma empresa ferroviária, que consiste em prestar serviços de transporte ao público utilizando a rede ferroviária, constitui uma «disponibilização» ou uma «exploração de redes» para efeitos desta diretiva.

46

Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/17, esta diretiva aplica‑se às atividades que visam a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho de ferro, sistemas automáticos, elétricos, tróleis, autocarros ou cabo.

47

Esta disposição visa, por conseguinte, dois tipos de atividade, a saber, a disponibilização de redes, por um lado, e a exploração de redes, por outro.

48

Segundo jurisprudência constante, o significado e o alcance dos termos para os quais o direito da União não forneça nenhuma definição deve fazer‑se de acordo com o sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 12 de junho de 2018, Louboutin e Christian Louboutin, C‑163/16, EU:C:2018:423, n.o 20).

49

A este respeito, o termo «exploração» deve ser entendido, em conformidade com o seu sentido habitual, como remetendo para a utilização de um objeto ou para o exercício de um direito com vista à obtenção de rendimento. Assim, para uma empresa de transporte ferroviário, a exploração de redes consiste no exercício do direito de utilizar a infraestrutura ferroviária com vista à obtenção de rendimentos.

50

Essa definição distingue‑se da que deve ser dada aos termos «disponibilização de redes».

51

Com efeito, como observa o advogado‑geral no n.o 65 das conclusões, a «disponibilização de redes» é uma prerrogativa do gestor da infraestrutura e não da empresa ferroviária.

52

Como observou a Comissão, os termos «disponibilização de redes» não figurava nas diretivas anteriores à Diretiva 2004/17, a saber, a Diretiva 90/531 e a Diretiva 93/38, tendo sido introduzidos na Diretiva 2004/17 para que os procedimentos de adjudicação nela previstos se apliquem igualmente à gestão das redes físicas, tais como as vias férreas, as instalações ferroviárias, os túneis, as pontes e as passagens de nível.

53

À luz do que precede, há que considerar que a atividade de «exploração de redes» se refere ao exercício do direito de utilização da rede ferroviária para a prestação dos serviços de transporte, ao passo que a atividade de «disponibilização de redes» remete para a gestão da rede.

54

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/17 deve ser interpretado no sentido de que a atividade exercida por uma empresa ferroviária, que consiste na prestação de serviços de transporte ao público mediante o exercício de um direito de utilização da rede ferroviária, constitui uma «exploração de redes» para efeitos desta diretiva.

Quanto às despesas

55

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, deve ser interpretado no sentido de que existe uma rede de serviços de transporte ferroviário, na aceção desta disposição, quando sejam disponibilizados serviços de transporte, em aplicação de uma legislação nacional que transpõe a Diretiva 2012/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que estabelece um espaço ferroviário europeu único, numa infraestrutura ferroviária gerida por uma autoridade nacional que reparte a capacidade dessa infraestrutura, mesmo que esteja obrigada a satisfazer os pedidos das empresas ferroviárias enquanto os limites dessa capacidade não forem atingidos.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/17 deve ser interpretado no sentido de que a atividade exercida por uma empresa ferroviária, que consiste na prestação de serviços de transporte ao público mediante o exercício de um direito de utilização da rede ferroviária, constitui uma «exploração de redes» para efeitos desta diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: sueco.