ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

23 de janeiro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Auxílios de Estado — Auxílios existentes e auxílios novos — Qualificação — Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Artigo 1.o, alínea b), iv) e v) — Princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima — Aplicabilidade — Subvenções concedidas antes da liberalização de um mercado inicialmente fechado à concorrência — Ação de indemnização contra o Estado‑Membro intentada por um concorrente da sociedade beneficiária»

No processo C‑387/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por decisão de 10 de abril de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2017, no processo

Presidenza del Consiglio dei Ministri

contra

Fallimento Traghetti del Mediterraneo SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, A. Arabadjiev (relator), E. Regan, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Fallimento Traghetti del Mediterraneo SpA, por M. Contaldi, P. Canepa, V. Roppo e S. Sardano, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

em representação do Governo francês, por J. Bousin, P. Dodeller, D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Stancanelli e D. Recchia, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, alínea b), iv) e v), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), do artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 88.o, n.o 3, CE, que passou, por seu turno, a artigo 108.o, n.o 3, TFUE), e dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo que opõe a Presidenza del Consiglio dei Ministri (Presidência do Conselho de Ministros, Itália) à Fallimento Traghetti del Mediterraneo SpA (a seguir «FTDM») a propósito de um pedido de indemnização do prejuízo que essa sociedade alegadamente sofreu devido à concessão, entre os anos de 1976 a 1980, de subvenções à Tirrenia di Navigazione SpA (a seguir «Tirrenia»), empresa concorrente da FTDM.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 1.o do Regulamento n.o 659/1999, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)

“Auxílios existentes”:

[…]

iv)

Os auxílios considerados existentes nos termos do artigo 15.o,

v)

Os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação comunitária, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização;

[…]»

4

O artigo 15.o desse regulamento, com a epígrafe «Prazo de prescrição», previa:

«1.   Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

2.   O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer no âmbito de um regime de auxílios. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. O prazo de prescrição será suspenso enquanto a decisão da Comissão for objeto de um processo no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

3.   Qualquer auxílio cujo prazo de prescrição tenha caducado será considerado um auxílio existente.»

Direito italiano

5

As subvenções em causa no processo principal foram concedidas à Tirrenia, empresa de navegação concorrente da FTDM, de acordo com a legge n.o 684 — Ristrutturazione dei servizi marittimi di preminente interesse nazionale (Lei n.o 684 relativa à reestruturação dos serviços marítimos de superior interesse nacional), de 20 de dezembro de 1974 (GURI n.o 336, de 24 de dezembro de 1974, a seguir «Lei n.o 684»).

6

O artigo 7.o da Lei n.o 684 prevê o seguinte:

«O ministro da Marinha Mercante é autorizado a conceder subvenções destinadas à prestação dos serviços enunciados no artigo anterior, através da celebração de convenções ad hoc anuais, em concertação com os ministros do Tesouro e das Participações do Estado.

As subvenções indicadas no parágrafo anterior devem garantir, durante três anos, a gestão dos serviços em condições de equilíbrio económico. Estas subvenções são estabelecidas previamente com base nas receitas líquidas, na amortização dos investimentos, nos custos de exploração, nas despesas de funcionamento e nos encargos financeiros.

[…]»

7

O artigo 8.o da Lei n.o 684 dispõe:

«Os serviços de ligação com as ilhas maiores e menores, indicados no artigo 1.o, alínea c), bem como as eventuais extensões técnica e economicamente necessárias, devem garantir a satisfação das exigências relativas ao desenvolvimento económico e social das regiões em causa, em particular do Mezzogiorno.

O ministro da Marinha Mercante é, consequentemente, autorizado a conceder subvenções destinadas à prestação dos referidos serviços, através da celebração de convenções ad hoc, em concertação com os ministros do Tesouro e das Participações do Estado, por um período de vinte anos.»

8

Nos termos do artigo 9.o da Lei n.o 684:

«A convenção prevista no artigo anterior deve indicar:

1)

a lista das ligações a assegurar;

2)

a frequência de cada ligação;

3)

os tipos de navio a afetar a cada ligação;

4)

A subvenção, que deve ser fixada em função das receitas líquidas, da amortização dos investimentos, dos custos de exploração, das despesas de funcionamento e dos encargos financeiros.

Até 30 de junho de cada ano, proceder‑se‑á à adaptação da subvenção a pagar para esse ano, se, durante o ano anterior, pelo menos uma das componentes económicas indicadas na convenção tiver sofrido alterações que excedam a vigésima parte do valor tomado em conta para a mesma rubrica quando da fixação da subvenção anterior.»

9

O artigo 18.o da Lei n.o 684 dispõe:

«O encargo financeiro resultante da aplicação da presente lei será coberto, até ao valor de 93 mil milhões de liras, pelos fundos já inscritos no capítulo 3061 da previsão de despesas do Ministério da Marinha Mercante para o exercício de 1975 e pelos que serão inscritos nos capítulos correspondentes dos exercícios financeiros seguintes.»

10

O artigo 19.o da Lei n.o 684 estabelece o seguinte:

«Até à data de aprovação das convenções previstas pela presente lei, o ministro da Marinha Mercante, de acordo com o ministro do Tesouro, pagará, em mensalidades diferidas, adiantamentos cujo montante acumulado não excederá [noventa] por cento do montante total indicado no artigo 18.o»

11

O artigo 7.o do Decreto do presidente da República n.o 501, de 1 de junho de 1979 (GURI n.o 285, de 18 de outubro de 1979), adotado para dar execução à Lei n.o 684, precisa que os adiantamentos referidos no artigo 19.o da referida lei serão pagos às sociedades que prestam serviços de superior interesse nacional, até à data do registo, pela Corte dei conti (Tribunal de Contas, Itália), dos atos relativos à celebração das novas convenções.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Como resulta dos Acórdãos de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391), e de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo (C‑140/09, EU:C:2010:335), a FTDM e a Tirrenia são duas empresas de transporte marítimo que, nos anos 70, efetuavam ligações marítimas regulares entre a Itália continental e as ilhas da Sardenha e da Sicília.

13

Em 1981, a FTDM demandou a Tirrenia no Tribunale di Napoli (Tribunal de Primeira Instância de Nápoles, Itália) para obter a reparação do prejuízo que alega ter sofrido em consequência da política de preços baixos praticada por esta última entre 1976 e 1980. A FTDM sustentava que a Tirrenia abusou da sua posição dominante no mercado em questão, ao praticar tarifas muito inferiores ao preço de custo, graças à obtenção de subvenções públicas que violam o direito da União.

14

O pedido da FTDM foi julgado improcedente por Sentença do Tribunale di Napoli (Tribunal de Primeira Instância de Nápoles) de 26 de maio de 1993, confirmada pelo Acórdão da Corte d’appello di Napoli (Tribunal de Recurso de Nápoles, Itália) de 13 de dezembro de 1996.

15

Foi negado provimento ao recurso interposto desse acórdão pelo administrador de insolvência da FTDM, sociedade entretanto declarada em liquidação, por Acórdão da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) de 19 de abril de 2000, que, designadamente, indeferiu o pedido do recorrente no sentido de serem submetidas ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à compatibilidade da Lei n.o 684 com o direito da União, com o fundamento de que a solução adotada pelos juízes que conheceram do mérito respeitava as disposições pertinentes e era conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

16

Por petição de 15 de abril de 2002, o administrador de insolvência da FTDM demandou o Estado italiano no Tribunale di Genova (Tribunal de Primeira Instância de Génova, Itália), pedindo a responsabilização deste Estado a diversos títulos: na sua função legislativa, por ter concedido auxílios, ao abrigo da Lei n.o 684, incompatíveis com o Tratado CEE; na sua função jurisdicional, por ter infringido, com o Acórdão da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) de 19 de abril de 2000, a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à conformidade da Lei n.o 684 com o direito da União; e, por último, na sua função administrativa, por não ter informado a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) da abertura de um processo por infração perante a Comissão Europeia, relativo a essa lei, não cumprindo assim as obrigações de cooperação leal com as instituições europeias.

17

No seu recurso, a FTDM pediu a condenação do Estado italiano a pagar‑lhe a quantia de 9240000 euros em reparação do prejuízo sofrido.

18

Em 14 de abril de 2003, o Tribunale di Genova (Tribunal de Primeira Instância de Génova) submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. Este deu origem ao Acórdão de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391).

19

Na sequência desse acórdão, o Tribunale di Genova (Tribunal de Primeira Instância de Génova), por Sentença de 27 de fevereiro de 2009, declarou «a existência da ilegalidade cometida pelo Estado na sua função jurisdicional» e ordenou a prossecução dos autos, mediante despacho separado, para que fosse proferida decisão sobre o pedido de reparação dos prejuízos resultantes dessa ilegalidade. Foi nesta fase do referido processo que, questionando‑se sobre a interpretação do direito da União relativo aos auxílios de Estado, se dirigiu novamente ao Tribunal de Justiça.

20

Por Acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo (C‑140/09, EU:C:2010:335), o Tribunal de Justiça declarou que «[o] direito da União deve ser interpretado no sentido de que subvenções pagas nas circunstâncias que caracterizam o litígio no processo principal, ao abrigo de uma legislação nacional que prevê o pagamento de adiantamentos antes da aprovação de uma convenção, constituem auxílios de Estado se essas subvenções forem suscetíveis de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falsearem ou ameaçarem falsear a concorrência, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar».

21

Por Decisão de 30 de julho de 2012, o Tribunale di Genova (Tribunal de Primeira Instância de Génova) condenou a Presidência do Conselho de Ministros no pagamento, à FTDM, do montante de 2330355,78 euros, acrescido da reavaliação monetária e de juros legais, a título de reparação do prejuízo sofrido devido ao comportamento ilegal do Estado na sua função jurisdicional.

22

A Presidência do Conselho de Ministros, a título principal, e a FTDM, a título subordinado, recorreram desta decisão.

23

A Corte d’appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova, Itália), por Acórdão de 24 de julho de 2014, anulou a referida decisão e decidiu sobre o mérito da causa.

24

Esse órgão jurisdicional, tendo julgado improcedentes os pedidos de indemnização da FTDM baseados na responsabilidade do Estado italiano nas suas funções jurisdicional e administrativa, julgou procedente o pedido baseado na responsabilidade desse Estado na sua função legislativa, devido à adoção, pelo Parlamento italiano, da Lei n.o 684. Por conseguinte, condenou o referido Estado no pagamento, à FTDM, do montante de em 2330355,78 euros, acrescido da reavaliação monetária e dos juros legais, a título da reparação do prejuízo sofrido por aquela sociedade.

25

A Corte di appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) considerou, em especial, que as subvenções concedidas à Tirrenia podiam ter afetado o comércio entre Estados‑Membros porque, «por razões de proximidade geográfica, as rotas operadas pela Tirrenia podiam ter sido exploradas por transportadoras de outros Estados‑Membros (em particular [o Reino de Espanha] e [a República Francesa]), as quais estariam, todavia, em condições desvantajosas relativamente à primeira».

26

Além disso, esse órgão jurisdicional considerou que, na sua Decisão 2001/851/CEE, de 21 de junho de 2001, relativa aos auxílios estatais concedidos pela Itália à companhia de navegação Tirrenia di Navigazione (JO 2001, L 318, p. 9), a Comissão tinha constatado a presença de operadores de outros Estados‑Membros nas linhas operadas pela Tirrenia.

27

Além disso, o referido órgão jurisdicional constatou que, face ao valor importante das subvenções pagas durante os anos em questão, ou seja, cerca de 400 mil milhões de liras italianas (ITL), e ao facto de que a Tirrenia operava igualmente em ligações internacionais, essas subvenções estavam igualmente abrangidas pelo regime proibido das subvenções ditas cruzadas.

28

Nestas circunstâncias, a Corte di appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) considerou que as subvenções em causa no processo principal, por não serem anteriores à entrada em vigor do Tratado CEE, deviam ser consideradas auxílios novos, sujeitos à obrigação de notificação nos termos do artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE de modo que, na falta dessa notificação, se tinha verificado uma violação do direito da União.

29

A Presidência do Conselho de Ministros recorreu deste acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando designadamente que as subvenções concedidas à Tirrenia tinham sido erradamente qualificadas de auxílios novos e não de auxílios existentes.

30

O órgão jurisdicional de reenvio observa, em primeiro lugar, que, para efeitos da qualificação jurídica de um auxílio de Estado como auxílio existente ou auxílio novo concedido no contexto de um mercado não liberalizado, como o que está em causa no processo principal, importa analisar a aplicabilidade ratione temporis do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999, bem como o seu âmbito de aplicação.

31

Em seguida, esse órgão jurisdicional sublinha a importância de uma das características do mercado em questão, concretamente, a sua não liberalização. Assim, considera que o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, no n.o 143 do seu Acórdão de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão (T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, EU:T:2000:151), estabeleceu um princípio segundo o qual um regime de auxílios instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência deve ser considerado, quando da liberalização desse mercado, um regime de auxílios existente, e acrescenta que esse princípio foi confirmado pelo Tribunal de Justiça nos n.os 66 a 69 do Acórdão de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão (C‑298/00 P, EU:C:2004:240). Por conseguinte, para efeitos da qualificação jurídica das subvenções em causa no processo principal como auxílios existentes ou auxílios novos, cumpre analisar igualmente o âmbito de aplicação do referido princípio.

32

O órgão jurisdicional de reenvio observa também que, todavia, resulta de uma série de processos relativos às empresas do Gruppo Tirrenia di Navigazione, que deram origem ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de maio de 2005, Itália/Comissão (C‑400/99, EU:C:2005:275), e aos Acórdãos do Tribunal Geral de 20 de junho de 2007, Tirrenia di Navigazione e o./Comissão (T‑246/99, não publicado, EU:T:2007:186), e de 4 de março de 2009, Tirrenia di Navigazione e o./Comissão (T‑265/04, T‑292/04 e T‑504/04, não publicado, EU:T:2009:48), que a não liberalização do mercado de cabotagem marítima não tinha pertinência para a qualificação de determinadas medidas em causa nesses processos como auxílios existentes.

33

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à aplicabilidade do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento n.o 659/1999, lido em conjugação com o artigo 15.o deste regulamento, às subvenções concedidas antes da entrada em vigor do referido regulamento. Segundo esse órgão jurisdicional, resulta do Acórdão de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias (C‑690/13, EU:C:2015:235), que estas disposições podem ser aplicadas aos factos anteriores à entrada em vigor do mesmo regulamento.

34

Foi nessas circunstâncias que a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

[P]ara efeitos da qualificação dos referidos auxílios (de “existentes” e, portanto, não “novos”), é aplicável, e em que termos, o artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999, que dispõe: “[o]s auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação comunitária, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização”; ou é aplicável, e em que termos, o princípio (com alcance formalmente diferente do princípio de direito positivo atrás referido) — enunciado pelo Tribunal Geral no [Acórdão de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão (T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, EU:T:2000:151, n.o 143)], confirmado, quanto ao que ora está em causa, pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, [(C‑298/00 P, EU:C:2004:240, n.os 66 a 69)] — nos termos do qual “[…] um regime de auxílios instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência deve ser considerado, a partir do momento da liberalização deste mercado, um regime de auxílios existente, na medida em que não se encontra abrangido, no momento da sua instituição, pelo [âmbito] de aplicação do artigo 92.o, n.o 1, do Tratado [CEE, que passou a artigo 87.o, n.o 1, CE, que passou, por seu turno, a artigo 107.o, n.o 1, TFUE], o qual é apenas aplicável aos setores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros e às repercussões na concorrência”?

2)

[E]m qualquer caso, e sempre para efeitos da qualificação dos auxílios acima referidos, é aplicável, e em que termos, o artigo 1.o, alínea b), iv), do mesmo Regulamento n.o 659/1999, segundo o qual são “existentes”“[o]s auxílios considerados existentes nos termos do artigo 15.o” — disposição que, por sua vez, estabelece um prazo de prescrição de dez anos para a recuperação dos auxílios concedidos ilegalmente — ou são aplicáveis, e em que termos (análogos ou não ao princípio expresso pela referida norma de direito positivo), os princípios, reiteradamente afirmados pelo próprio [Tribunal de Justiça], da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

35

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as subvenções concedidas a uma empresa antes da data de liberalização do mercado em questão, como as que estão em causa no processo principal, podem ser qualificadas de auxílios existentes em razão da mera inexistência formal de liberalização do referido mercado no momento sua concessão.

36

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional como auxílio de Estado exige que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou mediante recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53).

37

Recordado este aspeto, há que verificar, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o mercado em questão não estava ainda formalmente aberto à concorrência, se, no momento da sua concessão, as subvenções em causa constituíam auxílios de Estado porque preenchiam os requisitos de afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros e de distorção da concorrência.

38

A este respeito, importa salientar que, embora seja verdade que um auxílio de Estado pode, em princípio, ser considerado existente porque pode ser demonstrado que não constituía um auxílio no momento da sua concessão, nomeadamente devido à inexistência de liberalização no mercado em questão, o Tribunal de Justiça já declarou que essa inexistência de liberalização não exclui necessariamente que uma medida de auxílio seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e que possa falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo, C‑140/09, EU:C:2010:335, n.o 49).

39

Com efeito, um auxílio de Estado pode afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, quando o próprio mercado em questão está apenas parcialmente aberto à concorrência.

40

Basta que, no momento da entrada em vigor de uma medida de auxílio, haja uma situação de concorrência efetiva no mercado em questão para que uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

41

No caso em apreço, como observou o advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, a circunstância de o mercado de cabotagem marítima em causa no processo principal só ter sido liberalizado por via regulamentar muito depois da concessão das subvenções em causa no processo principal não permite excluir que, antes dessa liberalização, estas constituíam auxílios de Estado que preenchiam os requisitos recordados no n.o 36 do presente acórdão.

42

A este respeito, há que recordar que, como resulta do n.o 50 do Acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo (C‑140/09, EU:C:2010:335), não se pode excluir, por um lado, que a Tirrenia tenha estado em concorrência com empresas de outros Estados‑Membros nas linhas internas em causa e, por outro, que tenha estado em situação de concorrência com essas empresas em linhas internacionais e que, não havendo uma contabilidade separada para as suas diferentes atividades, tenha existido um risco de subvenções cruzadas, ou seja, um risco de as receitas resultantes da sua atividade de cabotagem que beneficiaram das subvenções em causa no processo principal terem sido utilizadas em benefício de atividades exercidas por ela nas referidas linhas internacionais.

43

Assim, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, ainda que o mercado em questão não estivesse formalmente liberalizado, parece que esse mercado, à época dos factos no processo principal, era um mercado concorrencial e que as subvenções concedidas à Tirrenia podiam afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

44

Nestas circunstâncias, há que considerar que, na medida em que as subvenções em causa no processo principal estavam abrangidas, no momento da sua concessão, pelo conceito de «auxílio de Estado» pelo facto de preencherem todos os critérios necessários para esse efeito, em especial poderem afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, essas medidas não podem, em princípio, ser qualificadas de auxílio existente em razão unicamente da inexistência formal de liberalização do mercado em questão.

45

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que as subvenções concedidas a uma empresa antes da data de liberalização do mercado em questão, como as que estão em causa no processo principal, não podem ser qualificadas de auxílios existentes em razão da mera inexistência formal de liberalização do referido mercado no momento da sua concessão, na medida em que essas subvenções podiam afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

46

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, numa situação como a que está em causa no processo principal, para efeitos da qualificação das subvenções em causa como auxílios existentes ou auxílios novos, há que aplicar o artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento n.o 659/1999, ou se se deve basear nos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica.

47

No que diz respeito, em primeiro lugar, à aplicabilidade do artigo 1.o, alínea b), iv), desse regulamento, numa situação como a que está em causa no processo principal, importa, em primeiro lugar, salientar que o conceito de «auxílios existentes» previsto nessa disposição está estreitamente ligado ao papel e às funções e poderes específicos conferidos à Comissão no âmbito do sistema de controlo dos auxílios de Estado.

48

A este propósito, há que recordar que, nos termos da referida disposição, entende‑se por auxílio existente qualquer auxílio considerado existente em conformidade com o artigo 15.o do Regulamento n.o 659/1999.

49

Segundo o artigo 15.o, n.o 3, deste regulamento, qualquer auxílio cujo prazo de prescrição de dez anos tenha caducado será considerado um auxílio existente.

50

Por seu turno, o artigo 15.o, n.o 2, do referido regulamento prevê que o prazo de prescrição é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta e que cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo.

51

Resulta da redação dessas disposições que a qualificação de um auxílio de Estado de auxílio existente, na aceção do artigo 1.o, alínea b), iv), desse mesmo regulamento, depende, em princípio, da questão de saber se a Comissão tomou ou não medidas relativas ao auxílio em causa dentro do prazo de prescrição.

52

Além disso, segundo o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, são os poderes da Comissão para recuperar os auxílios de Estado que estão sujeitos ao prazo de prescrição de dez anos.

53

Em segundo lugar, importa sublinhar que, no âmbito do sistema de controlo dos auxílios de Estado, os órgãos jurisdicionais nacionais têm um papel especial e gozam de um certo nível de independência relativamente à Comissão, designadamente quando lhes é submetida uma ação de indemnização, sem que exista uma decisão da Comissão.

54

A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a execução desse sistema de controlo incumbe, por um lado, à Comissão e, por outro, aos órgãos jurisdicionais nacionais, sendo os respetivos papéis complementares, mas distintos (Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755 n.o 27 e jurisprudência referida).

55

Mais especificamente, a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado comum é da competência exclusiva da Comissão, que atua sob o controlo dos órgãos jurisdicionais da União, ao passo que os órgãos jurisdicionais nacionais zelam pela salvaguarda dos direitos dos particulares em caso de violação da obrigação de notificação prévia dos auxílios de Estado à Comissão, prevista no artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich, C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 38).

56

Cumprindo a sua missão, os órgãos jurisdicionais nacionais podem ser levados a julgar procedentes os pedidos de indemnização de danos causados pelo auxílio de Estado ilegal aos concorrentes do beneficiário.

57

Com efeito, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 82 e 84 das suas conclusões, no quadro de tais ações de indemnização, esses órgãos jurisdicionais, ao exercerem funções de proteção dos direitos dos particulares, gozam de uma certa independência relativamente à intervenção da Comissão, embora a possibilidade de reclamar uma indemnização seja, em princípio, independente de qualquer processo de exame paralelo levado a cabo pela Comissão relativo ao auxílio em causa.

58

A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o início do procedimento formal de investigação de auxílios de Estado pela Comissão não pode exonerar os órgãos jurisdicionais nacionais da sua obrigação de salvaguardarem os direitos dos particulares em caso de uma eventual violação do artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE (Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 32).

59

Do mesmo modo, recorde‑se, no que diz respeito ao nível de independência dos órgãos jurisdicionais nacionais, que, sob pena de pôr em causa o efeito direto do artigo 93.o, n.o 3, último período, do Tratado CEE e de não respeitar os interesses dos particulares que esses órgãos jurisdicionais têm por missão preservar, uma decisão da Comissão que declare um auxílio não notificado compatível com o mercado interno não tem como consequência a regularização a posteriori dos atos de execução que são inválidos por terem sido adotados em violação da interdição prevista nesta disposição. Qualquer outra interpretação conduziria a favorecer a inobservância, pelo Estado‑Membro em causa, dessa disposição e privá‑la‑ia do seu efeito útil (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich, C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 41 e jurisprudência referida).

60

Por conseguinte, quando um demandante consiga demonstrar perante um órgão jurisdicional nacional que sofreu um dano causado pela execução prematura do auxílio e, mais concretamente, pela vantagem temporal ilegal que dele retirou o beneficiário, a ação de indemnização pode ser julgada procedente mesmo que, no momento em que o órgão jurisdicional nacional decide sobre o pedido, a Comissão já tenha aprovado o auxílio em causa.

61

Resulta das considerações enunciadas nos n.os 47 a 60 do presente acórdão que, tendo em conta o papel que os órgãos jurisdicionais nacionais desempenham no sistema de controlo dos auxílios de Estado assim como o seu nível de independência em relação à Comissão, nomeadamente quando conhecem de uma ação de indemnização na inexistência de uma decisão da Comissão, importa considerar, como salientou o advogado‑geral no n.o 91 das suas conclusões, que o termo do prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 apenas limita no tempo os poderes da Comissão em matéria de recuperação dos auxílios de Estado.

62

Por conseguinte, o termo do prazo de prescrição previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 não pode ter por efeito regularizar retroativamente auxílios de Estado feridos de ilegalidade, pelo simples facto de se tornarem auxílios existentes na aceção do artigo 1.o, alínea b), v), e, em seguida, privar de fundamento jurídico uma ação de indemnização proposta contra o Estado‑Membro em causa por particulares e concorrentes afetados pela concessão do auxílio ilegal.

63

Qualquer outra interpretação equivaleria a reduzir o alcance da obrigação de notificação das medidas de auxílio pelos Estados‑Membros e, assim, a privar o artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE do seu efeito útil, designadamente, quando essa disposição não faz nenhuma referência ao papel e às funções e aos poderes específicos da Comissão.

64

No que diz respeito às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, resultantes do Acórdão de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias (C‑690/13, EU:C:2015:235), quanto à aplicabilidade do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento n.o 659/1999 para efeitos da qualificação das subvenções em causa no processo principal de auxílios existentes ou de auxílios novos, importa sublinhar, como salientou o advogado‑geral no n.o 102 das suas conclusões, que o processo que deu origem a esse acórdão não dizia respeito a uma ação de indemnização, mas à questão de saber se as disposições nacionais, que instituem privilégios potencialmente incompatíveis com as regras do direito da União em matéria de auxílios de Estado, deviam ou não ser objeto de uma notificação na aceção do artigo 88.o, n.o 3, CE e, em caso afirmativo, se essas disposições não deviam ser aplicadas.

65

Por conseguinte, não se pode invocar essa jurisprudência como argumento para considerar que a definição do conceito de «auxílio existente» que figura no artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento n.o 659/1999 é aplicável no âmbito de uma ação de indemnização como a que está em causa no processo principal.

66

Além disso, importa recordar que, na medida em que o Regulamento n.o 659/1999 contém regras de natureza processual que se aplicam a todos os processos administrativos em matéria de auxílios de Estados pendentes na Comissão, este codifica e alicerça a prática da Comissão em matéria de exame dos auxílios de Estado e não contém nenhuma disposição relativa aos poderes e às obrigações dos órgãos jurisdicionais nacionais, que continuam a reger‑se pelas disposições do Tratado, como interpretadas pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich, C‑368/04, EU:C:2006:644, n.os 34 e 35).

67

Resulta das considerações precedentes que a definição do conceito de «auxílio existente» constante do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento n.o 659/1999 não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal.

68

Em seguida, quanto à invocabilidade do princípio da proteção da confiança legítima, importa salientar que esse princípio não pode ser invocado por uma pessoa que violou o direito em vigor (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2005, ThyssenKrupp/Comissão, C‑65/02 P e C‑73/02 P, EU:C:2005:454, n.o 41).

69

Essa conclusão é, como salientou o advogado‑geral no n.o 109 das suas conclusões, ainda mais válida em relação às entidades estatais que concederam um auxílio de Estado sem cumprir o procedimento previsto no artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE.

70

Daqui decorre que, no caso de as subvenções terem sido concedidas em violação da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE, as entidades estatais não podem invocar o princípio da proteção da confiança legítima (v., nesse sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, EU:C:2005:774, n.o 104).

71

Por último, quanto à aplicação do princípio da segurança jurídica numa situação como a que está em causa no processo principal, há que recordar que os prazos de prescrição têm, em geral, por função garantir a segurança jurídica (Acórdão de 13 de junho de 2013, Unanimes e o., C‑671/11 a C‑676/11, EU:C:2013:388, n.o 31). Ora, para preencher a sua função de garantir a segurança jurídica, esses prazos devem ser fixados antecipadamente e qualquer aplicação «por analogia» de um prazo de prescrição deve ser suficientemente previsível para o destinatário (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 32 e jurisprudência referida).

72

A este respeito, e visto que não existe legislação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos que decorrem para os particulares do direito comunitário, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis que as relativas a direitos com origem na ordem jurídica interna (princípio de equivalência) e, por outro lado, que não tornem impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade) (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich, C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 45).

73

Assim, as únicas normas de prescrição aplicáveis no presente processo são as do direito nacional, interpretadas à luz dos princípios da efetividade e da equivalência.

74

Nesse contexto, seria contrário ao princípio da segurança jurídica aplicar por analogia o prazo de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 a uma ação de indemnização intentada contra o Estado‑Membro em causa por um concorrente da sociedade beneficiária dos auxílios de Estado.

75

Com efeito, não pode ser imposto a um particular um prazo de prescrição fixado por uma disposição que visa unicamente limitar no tempo os poderes da Comissão em matéria de recuperação dos auxílios de Estado. O termo de tal prazo não pode impedir que se exija perante o juiz nacional a responsabilidade do Estado por violação da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 93.o, n.o 3, do Tratado CEE.

76

Em face das considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento n.o 659/1999 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal. Na medida em que as subvenções em causa no processo principal foram concedidas em violação da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 93.o do Tratado CEE, as entidades estatais não podem invocar o princípio da proteção da confiança legítima. Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma ação de indemnização contra o Estado‑Membro é intentada por um concorrente da sociedade beneficiária, o princípio da segurança jurídica não permite impor ao demandante, por aplicação analógica, um prazo de prescrição como o fixado no artigo 15.o, n.o 1, desse regulamento.

Quanto às despesas

77

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

As subvenções concedidas a uma empresa antes da data de liberalização do mercado em questão, como as que estão em causa no processo principal, não podem ser qualificadas de auxílios existentes em razão da mera inexistência formal de liberalização do referido mercado no momento da sua concessão, na medida em que essas subvenções podiam afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE], deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal. Na medida em que as subvenções em causa no processo principal foram concedidas em violação da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 93.o do Tratado CEE, as entidades estatais não podem invocar o princípio da proteção da confiança legítima. Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma ação de indemnização contra o Estado‑Membro é intentada por um concorrente da sociedade beneficiária, o princípio da segurança jurídica não permite impor ao demandante, por aplicação analógica, um prazo de prescrição como o fixado no artigo 15.o, n.o 1, desse regulamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.