ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

19 de abril de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos de serviços — Serviços de saúde e de caráter social — Atribuição à margem das regras de adjudicação de contratos públicos — Necessidade de respeitar os princípios da transparência e da igualdade de tratamento — Conceito de “interesse transfronteiriço certo” — Diretiva 92/50/CEE — Artigo 27.o»

No processo C‑65/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por decisão de 7 de junho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2017, no processo

Oftalma Hospital Srl

contra

Commissione Istituti Ospitalieri Valdesi (CIOV),

Regione Piemonte,

sendo intervenientes:

Azienda Sanitaria Locale di Torino (TO1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: C. Vajda, presidente de secção, E. Juhász (relator) e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Oftalma Hospital Srl, por M. Moretto e P. Bianco, avvocati,

em representação da Regione Piemonte, por M. Scisciot, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Sclafani, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e A. Tokár, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1997 (JO 1997, L 328, p. 1) (a seguir «Diretiva 92/50»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Oftalma Hospital Srl (a seguir «Oftalma») à Commissione Istituti Ospitalieri Valdesi (CIOV) (Comissão dos estabelecimentos hospitalares do cantão de Vaud, Itália) e à Regione Piemonte (Região do Piemonte, Itália), a respeito da remuneração dos serviços de cuidados de saúde prestados pela Oftalma ao abrigo de um contrato celebrado com a CIOV (a seguir «contrato em causa»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 92/50

3

A Diretiva 92/50 define, no seu título II, uma aplicação dita «a dois níveis». Por força do seu artigo 8.o, os contratos que tenham por objeto serviços enumerados no anexo I A desta diretiva serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI da mesma, isto é, nos artigos 11.o a 37.o da referida diretiva. Em contrapartida, nos termos do artigo 9.o da mesma diretiva, «[o]s contratos que tenham por objeto serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.o e 16.o».

4

O artigo 14.o da Diretiva 92/50 figura no respetivo título IV, que diz respeito às regras comuns no domínio técnico.

5

O artigo 16.o desta diretiva, que faz parte do título V da mesma diretiva, com a epígrafe «Regras comuns de publicidade», prevê, no seu n.o 1, que as entidades adjudicantes que tenham adjudicado um contrato público ou organizado um concurso enviarão um anúncio com os resultados do processo de adjudicação ao Serviço das Publicações da União Europeia.

6

O artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 92/50 dispõe:

«Quando as entidades adjudicantes adjudiquem um contrato na sequência de um procedimento por negociação, nos termos do n.o 2 do artigo 11.o, o número de candidatos admitidos à negociação não pode ser inferior a três, desde que haja um número suficiente de candidatos adequados.»

7

O anexo I B desta diretiva enumera uma série de categorias de serviços, entre os quais figuram, na categoria 25, os serviços de saúde e de caráter social.

Diretiva 2004/18/CE

8

Nos termos dos artigos 20.o e 21.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), os contratos que tenham por objeto os serviços referidos no anexo II A desta diretiva são adjudicados de acordo com os seus artigos 23.o a 55.o, ao passo que a adjudicação dos contratos que tenham por objeto os serviços referidos no anexo II B da mesma diretiva está sujeita apenas ao artigo 23.o e ao artigo 35.o, n.o 4, desta última.

9

O anexo II B desta mesma diretiva enumera uma série de categorias de serviços, entre os quais figuram, na categoria 25, os serviços de saúde e de caráter social.

10

O artigo 82.o da Diretiva 2004/18, com a epígrafe «Revogações», prevê, nomeadamente, que a Diretiva 92/50 é revogada com efeitos a partir de 31 de janeiro de 2006 e que as referências feitas para esta diretiva devem entender‑se como sendo feitas para a Diretiva 2004/18.

Direito italiano

11

O decreto legislativo n.o 157 — Attuazione della direttiva 92/50/CEE in materia di appalti pubblici di servizi (Decreto Legislativo n.o 157, que transpõe a Diretiva 92/50/CEE relativa aos contratos públicos de serviços), de 17 de março de 1995 (suplemento ordinário do GURI n.o 104, de 6 de maio de 1995), na sua versão aplicável à data dos factos no processo principal (a seguir «Decreto Legislativo n.o 157/95»), dispõe, no seu artigo 3.o:

«1.   Os contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante, que têm por objeto os serviços constantes dos anexos 1 e 2.

2.   Para os contratos de serviços referidos no anexo 2 e para os contratos em que o valor desses serviços é superior ao dos serviços referidos no anexo 1, o presente decreto aplica‑se apenas ao artigo 8.o, n.o 3, ao artigo 20.o e ao artigo 21.o»

12

O artigo 7.o deste decreto legislativo prevê, no seu n.o 1:

«Os contratos objeto do presente decreto podem ser adjudicados por ajuste direto, após publicação de um anúncio de concurso, nos seguintes casos:

a)

em caso de propostas irregulares apresentadas na sequência de um concurso, de um concurso limitado ou de um concurso público, ou em caso de propostas consideradas inaceitáveis à luz das disposições dos artigos 11.o, 12.o, n.o 2, 18.o, 19.o e 22.o a 25.o, desde que as condições do contrato não sejam substancialmente alteradas; as entidades adjudicantes publicam, neste caso, um anúncio de concurso, a menos que admitam ao procedimento por negociação todas as empresas que satisfaçam os critérios previstos nos artigos 11.o a 16.o e que, quando dos procedimentos acima referidos, tenham apresentado propostas conformes aos requisitos formais do procedimento de adjudicação dos contratos;

b)

Em casos excecionais, quando a natureza dos serviços ou os riscos inerentes não permitam uma fixação prévia e global do preço:

c)

quando, devido à natureza dos serviços objeto dos contratos, em especial se esses serviços forem de natureza intelectual ou pertencerem à categoria 6 do anexo 1, seja impossível estabelecer as especificações dos contratos com precisão suficiente para que estes possam ser adjudicados através da seleção da melhor proposta em conformidade com as regras dos procedimentos abertos ou limitados.»

13

O artigo 22.o do referido decreto legislativo dispõe, no seu n.o 3:

«No procedimento por ajuste direto iniciado ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, o número de candidatos não pode ser inferior a três, desde que haja um número suficiente de candidatos adequados.»

14

O anexo 2 do Decreto Legislativo n.o 157/95 refere, no seu ponto 25, os «Serviços de saúde e de caráter social».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Pelo contrato em causa datado de 2 de janeiro de 1999, que foi alterado por uma adenda em 2004 pela qual a Oftalma renunciava a recorrer ao procedimento de injunção de pagamento, a CIOV confiou à Oftalma a prestação de serviços especializados em oftalmologia no centro oftalmológico do Ospedale evangelico Valdese di Torino (Hospital Evangélico do cantão de Vaud de Turim, Itália).

16

Em 21 de abril de 2005, o Tribunale di Torino (Tribunal de Turim, Itália) ordenou à CIOV e à Região do Piemonte o pagamento à Oftalma do montante de 1727886,36 euros, acrescido de juros, a título de remuneração pelos serviços de cuidados de saúde prestados no ano de 2004.

17

A CIOV e a Região do Piemonte deduziram, individualmente, oposição a essa injunção de pagamento no Tribunale di Torino (Tribunal de Turim). No decurso dessa instância, a Região do Piemonte invocou, designadamente, a nulidade do contrato em causa, na medida em que, na sua opinião, este tinha sido celebrado em violação dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos, conforme regulados no Decreto Legislativo n.o 157/95.

18

Por Sentença de 5 de dezembro de 2007, o Tribunale di Torino (Tribunal de Turim) indeferiu as oposições deduzidas pela CIOV e pela Região do Piemonte e, consequentemente, julgou procedentes os pedidos da Oftalma.

19

Anteriormente a esta primeira instância, a Oftalma tinha, em 2004, intentado uma ação no Tribunale di Torino (Tribunal de Turim), destinada a obter a condenação da CIOV e da Região do Piemonte a pagar‑lhe a quantia de 1226535,07 euros, a título de uma regularização fundada nas tarifas aplicáveis aos serviços de cuidados de saúde prestados nos anos de 2002 e 2003, bem como no primeiro semestre de 2004.

20

Por Sentença de 9 de outubro de 2007, o Tribunale di Torino (Tribunal de Turim) julgou a ação da Oftalma improcedente.

21

A Oftalma e a Região do Piemonte interpuseram recurso das duas sentenças acima referidas.

22

Após ter apensado estes dois processos, a Corte d’appello di Torino (Tribunal de Recurso de Turim, Itália), por Acórdão de 7 de junho de 2010, declarou o contrato em causa nulo e consequentemente condenou a Oftalma a restituir os montantes pagos em execução da injunção de pagamento.

23

Esse tribunal considerou que o contrato em causa tenha sido celebrado em violação da Diretiva 92/50 e do Decreto Legislativo n.o 157/95 que a tinha transposto, porquanto a celebração desse contrato não tinha sido precedida de um procedimento de concurso público, apesar de a CIOV ser, nos termos do artigo 2.o do Decreto Legislativo n.o 157/95, lido à luz do artigo 1.o da Diretiva 92/50, um organismo de direito público que tem a qualidade de entidade adjudicante.

24

A Oftalma interpôs recurso desse acórdão no órgão jurisdicional de reenvio, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália).

25

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, nomeadamente, que o artigo 3.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 157/95, assim como a Diretiva 92/50, não impõe um procedimento de publicidade e de concurso prévio à celebração de contratos relativos a serviços de saúde e que este decreto legislativo também não prevê expressamente que a adjudicação de tais contratos está sujeita ao respeito dos princípios da eficácia, da imparcialidade, da igualdade de tratamento e da transparência.

26

Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre o mérito da jurisprudência dos tribunais administrativos italianos, segundo a qual os contratos de prestação de serviços de saúde, embora não estejam diretamente abrangidos pela regulamentação aplicável em matéria de contratos públicos de serviços, não deixam de estar sujeitos a um concurso prévio, mesmo informal, em aplicação das regras gerais de direito interno e dos princípios de direito da União decorrentes dos artigos 49.o, 56.o e 106.o TFUE.

27

O referido órgão jurisdicional observa, no entanto, que o artigo 22.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 157/95, que transpõe o artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 92/50, prevê que, mesmo em caso de concurso limitado, o número de candidatos não pode ser inferior a três. Ao mesmo tempo que sublinha que estas disposições se aplicam aos contratos de prestação de serviços sujeitos na totalidade às disposições desta diretiva, alega todavia que tal disposição nacional «pode ser considerada a expressão de um princípio geral», cuja aplicação se estende igualmente às prestações de serviços que apenas estão parcialmente sujeitas a essas disposições. Segundo esse mesmo órgão jurisdicional, tal interpretação é conforme com os objetivos da Diretiva 92/50, que consistem em realizar o mercado interno através de uma boa coordenação dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos de serviços.

28

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que esta interpretação está em conformidade com um dos objetivos da Diretiva 92/50, que é harmonizar as regras de adjudicação de contratos com as relativas aos contratos de empreitada e de fornecimento. A este respeito, sublinha que tanto a Diretiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO 1971, L 185, p. 5; EE 17 F1 p. 9), conforme alterada pela Diretiva 89/440/CEE do Conselho, de 18 de julho de 1989 (JO 1989, L 210, p. 1), como a Diretiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO 1993, L 199, p. 1), impõem que as entidades adjudicantes garantam uma concorrência real, incluindo nos procedimentos por negociação.

29

Esse órgão jurisdicional observa que, sujeitar os contratos de prestação de serviços de saúde a esta obrigação é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual os princípios fundamentais do Tratado FUE são aplicáveis aos contratos de prestação de serviços excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 92/50.

30

Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 9.o da Diretiva [92/50], que prevê que os contratos que tenham por objeto serviços enumerados no anexo I B [desta diretiva] serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.o e 16.o [da mesma], ser interpretado no sentido de que os referidos contratos continuam, em todo o caso, sujeitos aos princípios [da] liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, da transparência e da não discriminação, consagrados nos artigos [49.o, 56.o e 106.o TFUE]?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o artigo 27.o da Diretiva [92/50], que prevê que, em caso de adjudicação na sequência de um procedimento por negociação, o número de candidatos admitidos à negociação não pode ser inferior a três, desde que haja um número suficiente de candidatos adequados, ser interpretado no sentido de que também é aplicável aos contratos que tenham por objeto os serviços enumerados no anexo I B da [mesma] diretiva?

3)

O artigo 27.o da Diretiva [92/50], que prevê que, em caso de adjudicação na sequência de um procedimento por negociação, o número de candidatos admitidos à negociação não pode ser inferior a três, desde que haja um número suficiente de candidatos adequados, opõe‑se à aplicação da legislação interna que, para os contratos públicos celebrados antes da adoção da Diretiva [2004/18], e que tenham por objeto os serviços enumerados no anexo I B da Diretiva [92/50], não assegura a abertura à concorrência, em caso de adoção do procedimento por negociação?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

31

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a questão de saber se, quando adjudica um contrato público de serviços, que está abrangido pelo artigo 9.o da Diretiva 92/50, e que, consequentemente, está, em princípio, sujeito apenas aos artigos 14.o e 16.o desta diretiva, uma entidade adjudicante deve igualmente conformar‑se com as regras fundamentais e com os princípios gerais do Tratado FUE, em especial, com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como com a obrigação de transparência deles decorrente.

32

Nos termos do artigo 9.o da Diretiva 92/50, «[o]s contratos que tenham por objeto serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.o e 16.o». Estes artigos contêm obrigações relativas, respetivamente, às especificações técnicas de um contrato e ao envio de um anúncio relativo aos resultados do procedimento de adjudicação de um contrato.

33

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, quando os contratos são relativos a serviços abrangidos pelo anexo I B, as entidades adjudicantes apenas estão sujeitas às obrigações de definir as especificações técnicas com referência a normas nacionais que transponham normas europeias que devem constar dos documentos gerais ou contratuais próprios de cada contrato e de enviar ao Serviço das Publicações da União Europeia um anúncio a comunicar os resultados do processo de adjudicação desses contratos (Acórdão de 17 de março de 2011, Strong Segurança, C‑95/10, EU:C:2011:161, n.o 34).

34

Também declarou que a classificação dos serviços nos anexos I A e I B da Diretiva 92/50 é conforme com o sistema instituído por esta diretiva, que prevê uma aplicação em dois níveis das suas disposições (Acórdão de 17 de março de 2011, Strong Segurança, C‑95/10, EU:C:2011:161, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

35

Com efeito, o Tribunal de Justiça indicou que o legislador da União partiu da presunção de que os contratos relativos a serviços abrangidos pelo anexo I B da Diretiva 92/50 não têm, a priori, tendo em conta a sua natureza específica, um interesse transfronteiriço suficiente suscetível de justificar que a sua adjudicação se faça na sequência de um procedimento de concurso que vise permitir a empresas de outros Estados‑Membros tomarem conhecimento do anúncio de concurso e apresentarem propostas (Acórdão de 17 de março de 2011, Strong Segurança, C‑95/10, EU:C:2011:161, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

36

Contudo, o Tribunal de Justiça considerou que tais contratos, quando tenham não obstante um interesse transfronteiriço certo, estão sujeitos às regras fundamentais e aos princípios gerais do Tratado FUE, em especial aos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como à obrigação de transparência deles decorrente (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2011, Strong Segurança, C‑95/10, EU:C:2011:161, n.o 35 e jurisprudência aí referida). Sem impor necessariamente uma obrigação de proceder a um concurso, a referida obrigação implica a garantia de um grau de publicidade adequado que permita, por um lado, uma abertura à concorrência e, por outro, o controlo da imparcialidade do procedimento de adjudicação (Acórdão de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant, C‑324/07, EU:C:2008:621, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

37

Na falta de circunstâncias especiais, cuja existência não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, a apreciação da existência de um interesse transfronteiriço certo deve ser efetuada, por razões de segurança jurídica, à data de adjudicação do contrato público em causa (v., por analogia, Acórdão de 10 de novembro de 2005, Comissão/Áustria, C‑29/04, EU:C:2005:670, n.o 38). A este respeito, o facto de, no processo principal, o contrato em causa ter sido, subsequentemente, objeto de uma adenda não é suscetível de alterar a data em que a existência desse interesse deve ser apreciada, quando essa adenda não seja de natureza a alterar substancialmente a economia geral do contrato, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

38

Incumbe, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a uma apreciação circunstanciada de todos os elementos pertinentes relativos ao contrato em causa, para verificar a existência de um interesse transfronteiriço certo à data de adjudicação do contrato em causa no processo principal.

39

A este respeito, importa sublinhar que, nesse exame, a existência de um interesse transfronteiriço certo não pode ser deduzida hipoteticamente de determinados elementos que, considerados de maneira abstrata, poderiam constituir indícios nesse sentido, mas deve decorrer de maneira positiva de uma apreciação concreta das circunstâncias do contrato em causa no processo principal. Isto implica que não se pode considerar que está constituído um interesse transfronteiriço certo com base em elementos que não excluem a sua existência, mas deve ser considerado como tal quando a sua natureza transfronteiriça é demonstrada com base em elementos objetivos e concordantes (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2016, Tecnoedi Costruzioni, C‑318/15, EU:C:2016:747, n.o 22).

40

O Tribunal de Justiça já declarou que podiam constituir critérios objetivos suscetíveis de caracterizar a existência de um interesse transfronteiriço certo a importância económica do contrato em causa, conjugada com o local de execução das obras ou ainda as características técnicas do contrato e as características específicas dos produtos em causa. Neste contexto, pode igualmente ser tomada em conta a existência de denúncias apresentadas por operadores situados em Estados‑Membros diferentes do da entidade adjudicante, na condição de que seja verificado que estas são reais e não fictícias (Acórdão de 6 de outubro de 2016, Tecnoedi Costruzioni, C‑318/15, EU:C:2016:747, n.o 20 e jurisprudência aí referida). Além disso, a circunstância de, à data de adjudicação do contrato em causa no processo principal, estarem ou não já assegurados serviços de saúde similares por entidades estabelecidas noutros Estados‑Membros pode também constituir um elemento a tomar em consideração.

41

No entanto, importa recordar que, no que respeita mais especificamente a uma atividade de saúde, o Tribunal de Justiça considerou, no âmbito de uma ação por incumprimento, que o interesse transfronteiriço certo não estava estabelecido pelo simples facto de os contratos em causa terem importância económica (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2010, Comissão/Alemanha, C‑160/08, EU:C:2010:230, n.os 18, 54 e 123).

42

Ora, no caso em apreço, como a Oftalma salientou nas suas observações escritas, importa observar que a decisão de reenvio não contém nenhum elemento suscetível de indicar que o contrato em causa no processo principal apresentava um interesse transfronteiriço certo à data da sua adjudicação.

43

Na hipótese de, não obstante, se demonstrar a existência de um interesse transfronteiriço certo e de, consequentemente, a falta de transparência ter podido provocar uma diferença de tratamento em detrimento das empresas situadas num Estado‑Membro diferente do da entidade adjudicante, essa diferença de tratamento pode ser justificada por circunstâncias objetivas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 Spezzino e o., C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 52 e jurisprudência aí referida).

44

No que se refere a essa justificação, a Oftalma invoca, nas suas observações escritas, o n.o 57 do Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 Spezzino e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo de manter, por razões de saúde pública, um serviço médico e hospitalar equilibrado e acessível a todos pode ser abrangido por uma das derrogações por razões de saúde pública.

45

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta a jurisprudência que figura nos dois números anteriores, examinar, na hipótese de ficar demonstrada a existência de um interesse transfronteiriço certo, se a adjudicação do contrato em causa no processo principal era justificada.

46

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que, quando adjudica um contrato público de serviços, que está abrangido pelo artigo 9.o da Diretiva 92/50, e que, consequentemente, está, em princípio, sujeito apenas aos artigos 14.o e 16.o desta diretiva, uma entidade adjudicante deve todavia conformar‑se igualmente com as regras fundamentais e com os princípios gerais do Tratado FUE, em especial, com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como com a obrigação de transparência deles decorrente, desde que, na data da sua adjudicação, esse contrato apresente um caráter transfronteiriço certo, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

47

Acresce que, na mesma hipótese, a Oftalma deduz objeção aos pedidos da Região do Piemonte e da CIOV, referindo‑se ao princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Afirma que, se a celebração da convenção que subscreveu é ilegal, essa ilegalidade é imputável à Região do Piemonte e à CIOV. Além disso, alega que a rejeição da remuneração dos seus serviços efetiva e regularmente prestados conferiria uma vantagem indevida à CIOV.

48

A este respeito, importa declarar que tais princípios devem ser apreciados pelo órgão jurisdicional de reenvio no quadro da aplicação do direito nacional.

Quanto à segunda e terceira questões

49

Com a sua segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos contratos públicos de serviços abrangidos pelo anexo I B desta diretiva.

50

Importa salientar que, com a adoção do artigo 9.o da Diretiva 92/50, o legislador da União previu expressamente que só os artigos 14.o e 16.o desta diretiva eram aplicáveis aos serviços enumerados no anexo I B. Na falta de qualquer indicação em contrário pelo referido legislador, há que considerar que é esse o caso mesmo quando um contrato público relativo a um serviço desse tipo apresente um interesse transfronteiriço certo.

51

Daqui se conclui que submeter os serviços enumerados no anexo I B da Diretiva 92/50 a outros artigos diferentes daqueles para que remete expressamente o artigo 9.o desta diretiva conduziria a uma interpretação contrária à redação, clara, deste artigo e iria contra a vontade do legislador da União.

52

Daí resulta que as obrigações decorrentes do artigo 27.o, n.o 3, da referida diretiva não se aplicam a um contrato público relativo a um serviço enumerado no anexo I B da mesma diretiva, mesmo que este último apresente um interesse transfronteiriço certo.

53

Assim, o respeito das regras fundamentais e dos princípios gerais da União, bem como das obrigações daí decorrentes, como reconhecido, relativamente aos contratos públicos que apresentam um interesse transfronteiriço certo, na jurisprudência referida no n.o 36 do presente acórdão, não implica, enquanto tal, a admissão de um número mínimo de candidatos num procedimento por negociação, conforme previsto no referido artigo 27.o, n.o 3.

54

A isto acresce o facto de que adotar a interpretação segundo a qual, em presença de um interesse transfronteiriço certo, o artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 92/50 seria aplicável a um litígio como o que está em causa no processo principal, poderia conduzir à aplicação, aos contratos de serviços abrangidos pelo anexo I B da Diretiva 92/50, de outras disposições desta diretiva unicamente aplicáveis aos serviços enumerados no anexo I A da mesma, o que poderia privar de efeito útil a distinção existente entre os serviços do anexo I A e os abrangidos no anexo I B desta diretiva (v., neste sentido, quanto aos anexos II A e II B da Diretiva 2004/18 que correspondem aos anexos I A e I B da Diretiva 92/50, Acórdão de 17 de março de 2011, Strong Segurança, C‑95/10, EU:C:2011:161, n.o 42).

55

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica aos contratos públicos de serviços abrangidos pelo anexo I B desta diretiva.

Quanto à limitação no tempo dos efeitos do acórdão a proferir

56

Nas suas observações, a Oftalma pede ao Tribunal de Justiça que limite no tempo os efeitos do acórdão a proferir, na hipótese de as regras fundamentais e de os princípios gerais da União, bem como de a obrigação de transparência deles decorrente, serem interpretados no sentido de que a adjudicação de um contrato, como o que está em causa no processo principal, deve ser precedida de um grau de publicidade adequado quando esse contrato apresente um interesse transfronteiriço certo. Segundo a Oftalma, este acórdão poderia ser suscetível de pôr em causa a validade de todas as convenções celebradas por entidades privadas com as autoridades públicas para prestação de cuidados de saúde e, consequentemente, desestabilizar todo o sistema de saúde italiano.

57

A este respeito, importa recordar que só a título excecional o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Tal limitação só pode ser admitida, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no próprio acórdão que decide sobre a interpretação solicitada (Acórdão de 17 de julho de 2008, Krawczyński, C‑426/07, EU:C:2008:434, n.os 42 e 43).

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Ora, como resulta do n.o 36 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já tinha declarado que os contratos relativos a serviços abrangidos pelo anexo I B da Diretiva 92/50, quando apresentem um interesse transfronteiriço certo, estão sujeitos às regras gerais e aos princípios gerais do Tratado FUE, dos quais decorre a obrigação de transparência.

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Por conseguinte, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

Quando adjudica um contrato público de serviços, que está abrangido pelo artigo 9.o da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, conforme alterada pela Diretiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1997, e que, consequentemente, está, em princípio, sujeito apenas aos artigos 14.o e 16.o desta diretiva, uma entidade adjudicante deve todavia conformar‑se igualmente com as regras fundamentais e com os princípios gerais do Tratado FUE, em especial, com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como com a obrigação de transparência deles decorrente, desde que, na data da sua adjudicação, esse contrato apresente um caráter transfronteiriço certo, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica aos contratos públicos de serviços abrangidos pelo anexo I B desta diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.