CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 24 de janeiro de 2019 ( 1 )

Processo C‑720/17

Mohammed Bilali

contra

Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal administrativo, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretiva 2011/95/UE — Normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional — Proteção subsidiária — Artigo 19.o — Revogação do estatuto da proteção subsidiária — Alcance dos fundamentos — Legislação nacional que prevê a revogação do estatuto devido a um erro da administração relativo às circunstâncias de facto — Admissibilidade — Anulação do ato de concessão do estatuto da proteção subsidiária — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade»

I. Introdução

1.

Pode uma autoridade nacional competente revogar o estatuto da proteção subsidiária de um apátrida com base nas disposições previstas no artigo 19.o da Diretiva 2011/95/UE ( 2 ), e tal com fundamento numa apreciação errada das necessidades de proteção internacional de que é a única responsável?

2.

Este é, no essencial, o objeto da questão prejudicial submetida pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria).

3.

A presente questão foi suscitada no âmbito do litígio que opõe Mohammed Bilali, que se apresenta como apátrida, ao Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Serviço Federal de Estrangeiros e Asilo, Áustria, a seguir «Bundesasylamt») relativamente à decisão adotada por este último de revogar oficiosamente o estatuto que lhe tinha sido conferido da proteção subsidiária devido à determinação incorreta do seu país de origem.

4.

A referida questão é inédita e a resposta do Tribunal de Justiça permitirá pôr fim à incerteza existente nas práticas nacionais que o último relatório publicado pelo Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo ( 3 ) realça de forma especialmente clara ( 4 ).

5.

O exame da questão submetida exige, num primeiro momento, que se analise o sentido e o alcance das disposições previstas no artigo 19.o da Diretiva 2011/95, o qual enumera de forma exaustiva os fundamentos pelos quais os Estados‑Membros podem ou devem revogar o estatuto da proteção subsidiária. Após este exame, concluiremos que o referido artigo se opõe à revogação do estatuto numa situação como a que está aqui em causa em que, devido a um erro cometido pela autoridade nacional competente, o interessado beneficiou indevidamente desta proteção.

6.

O exame da questão submetida exige, num segundo momento, que se clarifique o objeto e a natureza da decisão que a autoridade nacional competente deve adotar nestas circunstâncias.

7.

A este respeito, explicaremos que, numa situação como a que está aqui em causa, em que a decisão de concessão do estatuto da proteção subsidiária foi proferida em violação das regras de direito e, em especial, dos critérios de elegibilidade requeridos, e em que esta violação teve um impacto determinante no resultado do exame do pedido de proteção internacional, é necessário proceder à anulação do estatuto da proteção subsidiária. Esta solução apresenta, com efeito, a dupla vantagem de não exigir uma interpretação extensiva das disposições muito rigorosas da Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951, conforme completada pelo Protocolo relativo ao estatuto dos refugiados de 31 de janeiro de 1967 ( 5 ), assegurando simultaneamente o máximo de garantias processuais e o pleno respeito da equidade que é devida a uma pessoa que não tem qualquer responsabilidade pelo erro cometido pela administração. É igualmente essencial para garantir a integridade do sistema europeu comum de asilo, devendo todo o reconhecimento indevido ser corrigido para garantir que a proteção internacional só é concedida às pessoas que realmente necessitam dela.

8.

Uma vez que o direito da União não prevê qualquer disposição especial relativa às regras e modalidades processuais aplicáveis à anulação do estatuto da proteção subsidiária por motivo de erro cometido pela administração, explicaremos que estas regras decorrem, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, da ordem jurídica nacional, sem prejuízo, não obstante, do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2011/95

9.

As disposições constantes do capítulo V da Diretiva 2011/95, intitulado «Condições de elegibilidade para proteção subsidiária», assim como as do capítulo VI da mesma diretiva, intitulado «Estatuto de proteção subsidiária», articulam‑se de forma a garantir que só as pessoas que preenchem as condições materiais especificamente exigidas beneficiem do estatuto da proteção internacional e dos direitos associados a este estatuto.

10.

O capítulo V da Diretiva 2011/95 contém os artigos 15.o a 17.o Enquanto o artigo 15.o desta diretiva define as «[o]fensas graves», o artigo 16.o enuncia a chamada cláusula de «Cessação», a qual dispõe o seguinte:

«1.   O nacional de um país terceiro ou o apátrida deixa de ser elegível para proteção subsidiária quando as circunstâncias que levaram à concessão de proteção subsidiária tiverem cessado ou se tiverem alterado a tal ponto que a proteção já não seja necessária.

2.   Para efeitos da aplicação do n.o 1, os Estados‑Membros examinam se a alteração das circunstâncias é suficientemente significativa e duradoura para que a pessoa elegível para proteção subsidiária já não se encontre perante um risco real de ofensa grave.

[…]»

11.

O artigo 17.o da Diretiva 2011/95 enuncia, por sua vez, uma cláusula de «[e]xclusão». O artigo tem o seguinte teor:

«1.   O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária se existirem motivos sérios para considerar que:

a)

Praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes;

b)

Praticou um crime grave;

c)

Praticou atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.o e 2.o da Carta das Nações Unidas.

d)

Representa um perigo para a comunidade ou para a segurança do Estado‑Membro onde se encontra.

2.   O n.o 1 aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou atos nele referidos.

3.   Os Estados‑Membros podem excluir um nacional de um país terceiro ou um apátrida da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária se, antes de ter sido admitida no Estado‑Membro em causa, essa pessoa tiver cometido um ou mais crimes não abrangidos pelo n.o 1, que seriam puníveis com pena de prisão caso tivessem sido praticados no Estado‑Membro em causa, e tiver deixado o seu país de origem unicamente com o objetivo de evitar sanções decorrentes desses crimes.»

12.

No capítulo VI desta diretiva, o artigo 18.o determina as condições de «concessão do estatuto da proteção subsidiária». Estabelece:

«Os Estados‑Membros concedem o estatuto de proteção subsidiária ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida elegível para proteção subsidiária nos termos dos capítulos II e V.»

13.

Em contrapartida, o artigo 19.o da Diretiva 2011/95, cuja interpretação é aqui solicitada, determina as condições em que os Estados‑Membros devem revogar, suprimir ou recusar renovar o referido estatuto. Tem a seguinte redação:

«1.   Relativamente aos pedidos de proteção internacional apresentados após a entrada em vigor da Diretiva 2004/83/CE[ ( 6 )], os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de proteção subsidiária de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida concedido por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial se essa pessoa tiver deixado de ser elegível para essa proteção nos termos do artigo 16.o

2.   Os Estados‑Membros podem revogar, suprimir ou recusar renovar o estatuto de proteção subsidiária de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida concedido por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial se, após ter‑lhe sido concedida proteção subsidiária, a pessoa tiver deixado de ser elegível para proteção subsidiária nos termos do artigo 17.o, n.o 3.

3.   Os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de proteção subsidiária de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida se:

a)

Após este ter recebido o estatuto de proteção subsidiária, se apurar que deveria ter sido ou foi excluído da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária nos termos do artigo 17.o, n.os 1 e 2;

b)

A sua deturpação ou omissão de factos, incluindo a utilização de documentos falsos, tiver sido decisiva para receber o estatuto de proteção subsidiária.

4.   Sem prejuízo do dever do nacional de um país terceiro ou do apátrida de, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, dar a conhecer todos os factos pertinentes e fornecer toda a documentação pertinente ao seu dispor, o Estado‑Membro que tenha concedido o estatuto da proteção subsidiária deve provar, caso a caso, que a pessoa em causa deixou de ser ou não é elegível para proteção subsidiária, nos termos dos n.os 1, 2 e 3 do presente artigo.»

2. Diretiva 2013/32/UE

14.

Conforme resulta do seu artigo 1.o, a Diretiva 2013/32/UE ( 7 ) estabelece as regras procedimentais comuns para a concessão e retirada, em conformidade com a Diretiva 2011/95/UE, da proteção internacional.

15.

O artigo 2.o, alínea o), da Diretiva 2013/32 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

o)

“Retirada do estatuto de proteção internacional”, a decisão proferida por uma autoridade competente que revoga, suprime ou recusa a renovação do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária a uma pessoa, nos termos da Diretiva [2011/95].»

16.

No capítulo IV, intitulado «Procedimentos de retirada de proteção internacional», o artigo 44.o da Diretiva 2013/32 tem o seguinte teor:

«Os Estados‑Membros asseguram a possibilidade de dar início a uma apreciação com vista à retirada da proteção internacional de determinada pessoa quando surjam novos elementos ou provas que indiquem haver motivo para reapreciar a validade da proteção internacional.»

17.

O artigo 45.o desta diretiva enuncia as garantias de que beneficia a pessoa em questão caso a autoridade competente considere a retirada da proteção internacional que lhe foi concedida de acordo com os artigos 14.o e 19.o da Diretiva 2011/95.

B.   Direito austríaco

18.

O § 8 da Bundesgesetz über die Gewährung von Asyl (Lei relativa à concessão de asilo) ( 8 ), de 16 de agosto de 2005, prevê:

«(1)   O estatuto de beneficiário da proteção subsidiária deve ser concedido a um estrangeiro

1.

que tenha apresentado um pedido de proteção internacional na Áustria, quando este pedido tenha sido indeferido em relação ao reconhecimento do estatuto de beneficiário de asilo […]

[…]

(6)   Se o país de origem do requerente de asilo não puder ser determinado, o pedido de proteção internacional relativo à concessão do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária deve ser indeferido. Neste caso, deve ser adotada uma decisão de regresso, desde que esta não seja ilícita por força do § 9, n.os 1 e 2, [da Bundesgesetz, mit dem die allgemeinen Bestimmungen über das Verfahren vor dem Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl zur Gewährung von internationalem Schutz, Erteilung von Aufenthaltstiteln aus berücksichtigungswürdigen Gründen, Abschiebung, Duldung und zur Erlassung von aufenthaltsbeendenden Maßnahmen sowie zur Ausstellung von österreichischen Dokumenten für Fremde geregelt werden (lei de processo relativa ao Bundesasylamt) ( 9 ), de 16 agosto de 2012].

[…]»

19.

O § 9 da AsylG 2005 dispõe:

«(1)   Deve ser tomada uma decisão oficiosa de revogação do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária concedido a um estrangeiro quando

1.

não estejam reunidas ou deixarem de estar reunidas as condições de concessão do estatuto da proteção subsidiária (§ 8, n.o 1);

[…]

(2)   Se o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária não tiver de ser revogado por força do n.o 1, deverá, apesar disso, decidir‑se a revogação se

1.

se verificar um dos fundamentos previstos no artigo 1.o, parte F, da [Convenção de Genebra];

2.

o estrangeiro constituir uma ameaça para a comunidade ou para a segurança da República da Áustria ou

3.

o estrangeiro tiver sido condenado definitivamente por um tribunal nacional por uma infração penal […]

[…]»

III. Matéria de facto do processo principal e questão prejudicial

20.

M. Bilali, que se apresenta como sendo apátrida, apresentou um pedido de proteção internacional no Bundesasylamt em 27 de outubro de 2009.

21.

Considerando que o país de origem deste último era a Argélia, o Bundesasylamt indeferiu o pedido por Decisão de 15 de março de 2010 e ordenou, por outro lado, o afastamento do interessado para o referido país. Por Acórdão de 8 de abril de 2010, o Asylgerichtshof (Tribunal em matéria de asilo, Áustria) anulou a decisão que indeferiu o pedido de proteção internacional e reenviou o processo ao Bundesasylamt para nova apreciação.

22.

Por Decisão de 27 de outubro de 2010, o Bundesasylamt indeferiu o pedido do interessado de concessão do estatuto de refugiado, mas concedeu‑lhe, não obstante, o benefício do estatuto da proteção subsidiária. Resulta desta decisão que a identidade do mesmo não tinha sido determinada e que este era «provavelmente um nacional argelino».

23.

O interessado apresentou recurso da decisão que indeferiu o seu pedido de concessão do estatuto de refugiado. A decisão de concessão do estatuto da proteção subsidiária tornou‑se, entretanto, definitiva.

24.

Por Acórdão de 16 de julho de 2012, o Asylgerichtshof (Tribunal em matéria de asilo) anulou novamente a decisão que indeferiu o seu pedido de concessão do estatuto de refugiado, com o fundamento, nomeadamente, de que, no que se refere ao país de origem do interessado, apenas tinham sido formuladas suposições. Reenviou novamente o processo ao Bundesasylamt para nova apreciação.

25.

No âmbito desta nova apreciação e na sequência das respostas formuladas pelo Staatendokumentation (serviço de informação sobre o país de origem, Áustria), o Bundesasylamt concluiu que o interessado podia invocar não a nacionalidade argelina, mas, devido aos seus vínculos de filiação, as nacionalidades marroquina e mauritana.

26.

Por conseguinte, por Decisão de 24 de outubro de 2012 ( 10 ), o Bundesasylamt indeferiu o pedido do interessado de concessão do estatuto de refugiado. Por outro lado, depois de ter constatado que «as condições de concessão da proteção subsidiária nunca foram reunidas» e se basearam «na suposição errada» de que a Argélia era o país de origem do interessado, o Bundesasylamt revogou oficiosamente o estatuto da proteção subsidiária concedido em 27 de outubro de 2010 e retirou ao interessado a autorização de residência temporária que lhe tinha sido concedida ao abrigo do referido estatuto. Por fim, o Bundesasylamt indeferiu o pedido formulado pelo interessado de concessão do estatuto da proteção subsidiária relativamente a Marrocos como país de origem e ordenou o seu afastamento para este país.

27.

O interessado interpôs recurso no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), o qual deu origem à anulação apenas da decisão que ordenou o afastamento.

28.

Neste contexto, o interessado interpôs um recurso extraordinário de revista [Revision] no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo).

29.

Este tribunal tem dúvidas quanto à interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2011/95, que define os casos em que o estatuto da proteção subsidiária pode ser revogado.

30.

O Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu assim suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições do direito da União, em especial o artigo 19.o, n.o 3, da [Diretiva 2011/95], opõem‑se a uma disposição do direito nacional de um Estado‑Membro […], nos termos da qual o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária pode ser revogado sem que as circunstâncias factuais que determinaram a concessão desse estatuto em si mesmas se tenham alterado, tendo apenas sofrido alteração o estado do conhecimento delas por parte da autoridade competente, e sem ter existido, a este respeito, uma deturpação nem uma omissão de factos por parte do nacional do país terceiro ou do apátrida que tenha sido decisiva para obter o [referido] estatuto […]?»

31.

O recorrente e os Governos austríaco, húngaro, neerlandês, polaco e do Reino Unido, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas.

IV. Observações preliminares

32.

Antes de proceder ao exame da questão que o juiz de reenvio dirige ao Tribunal de Justiça, é essencial clarificar os termos desta questão e, em especial, precisar as normas de direito visadas e o fundamento em que se baseia a decisão controvertida. Com efeito, este fundamento tem consequências para a natureza da decisão e para a aplicabilidade da Diretiva 2011/95.

33.

Em primeiro lugar, no que se refere às normas de direito cuja interpretação é aqui solicitada, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre quais são os termos em que um Estado‑Membro pode revogar o estatuto da proteção subsidiária à luz das «disposições do direito da União» e, em especial, do artigo 19.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95. Tendo em conta os termos da decisão de reenvio, entendemos que o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) se refere mais especificamente às disposições previstas no artigo 19.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva, o qual prevê a revogação do estatuto da proteção subsidiária devido ao comportamento fraudulento do interessado. A este respeito, o juiz de reenvio considera que a hipótese visada na disposição não abrange, a priori, o caso em que a revogação do estatuto da proteção subsidiária é proferida devido à obtenção de novos resultados de investigação, mas sem que o interessado tenha cometido qualquer fraude.

34.

Além disso, com base na leitura da decisão de reenvio, constatamos que o juiz de reenvio pretende igualmente e sobretudo obter a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, o qual prevê a revogação do referido estatuto por força da aplicação da cláusula de cessação prevista no artigo 16.o desta diretiva. Com efeito, o mesmo pergunta se a hipótese visada no artigo 19.o, n.o 1, da referida diretiva é suscetível de abranger o caso em que o interessado deixa de ser uma pessoa elegível para proteção subsidiária em virtude da «mudança do estado do conhecimento das autoridades sobre circunstâncias factuais».

35.

Em segundo lugar, quanto ao fundamento em que se baseia a decisão controvertida, embora decorra do teor da questão submetida que o estatuto conferido ao interessado foi revogado devido a uma mudança que afeta «o estado do conhecimento» do Bundesasylamt, decorre, na realidade, muito claramente da decisão de reenvio e das peças que constam do processo nacional de que dispõe o Tribunal de Justiça que esta mudança não resulta de elementos ou de factos novos, mas de medidas de investigação mais aprofundadas realizadas pelo Bundesasylamt para colmatar as insuficiências do seu primeiro exame e corrigir o «erro» e a «suposição errada» que tinha formulado relativamente ao país de origem do interessado ( 11 ).

36.

Resulta, assim, da decisão de reenvio que o Bundesasylamt não conseguiu determinar, de forma correta, a nacionalidade do interessado devido à insuficiência ou inadequação das investigações realizadas, motivo pelo qual os factos só foram conhecidos após a tomada de decisão. Tal como observa o juiz de reenvio, «nunca estiveram reunidos os pressupostos para o reconhecimento da [proteção subsidiária]» ( 12 ). É, portanto, pacífico, no presente processo, desde o início, que o Bundesasylamt não deveria ter concedido o benefício deste estatuto ao interessado, pois, tendo em conta o país de origem, o mesmo não era elegível para a referida proteção internacional.

37.

Por conseguinte, tendo em conta estes elementos, pensamos que a questão que o juiz de reenvio dirige ao Tribunal de Justiça visa, no essencial, determinar se o direito da União e, em especial, o artigo 19.o, n.o 1, e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2011/95 devem ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro pode revogar o estatuto da proteção subsidiária quando a autoridade nacional competente cometeu um erro, que lhe é exclusivamente imputável, relativamente às circunstâncias que justificaram a concessão dessa proteção.

V. Análise

38.

A resposta à questão submetida divide‑se, a nosso ver, em duas partes. Em primeiro lugar, importa apresentar os motivos pelos quais o artigo 19.o da Diretiva 2011/95 se opõe, tendo em conta o sentido e o alcance do referido artigo, à revogação do estatuto da proteção subsidiária devido a um erro de apreciação cometido pela autoridade nacional competente quanto às circunstâncias que justificaram a concessão da referida proteção. Em segundo lugar, importa examinar a natureza da decisão a adotar numa situação como a que está aqui em causa e o regime jurídico que lhe é aplicável.

A.   Âmbito do procedimento de revogação previsto no artigo 19.o da Diretiva 2011/95

39.

O sistema europeu comum de asilo assenta num conjunto completo de regras harmonizadas ao nível da União. De acordo com o artigo 78.o, n.o 1, TFUE e com o artigo 18.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, este sistema baseia‑se na aplicação integral e global da Convenção de Genebra, a qual constitui a «pedra angular» do regime jurídico internacional de proteção dos refugiados ( 13 ).

40.

A Diretiva 2011/95 tem, assim, por finalidade auxiliar as instâncias nacionais competentes a aplicar a Convenção de Genebra, baseando‑se em noções e critérios comuns de concessão e de retirada da proteção internacional ( 14 ).

41.

De acordo com a jurisprudência constante, as disposições da Diretiva 2011/95 devem, portanto, ser interpretadas não só à luz da sua sistemática e da sua finalidade, mas também em conformidade com a Convenção de Genebra ( 15 ), constituindo, para o efeito, as consultas junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ( 16 ) uma fonte de orientações úteis ( 17 ).

42.

Assim, as regras relativas à retirada da proteção internacional previstas no âmbito do sistema europeu comum de asilo baseiam‑se, em especial, nos princípios enunciados na Convenção de Genebra quanto à cessação e à exclusão do benefício da proteção internacional. Uma vez que a Convenção de Genebra não estabelece os mecanismos processuais que permitem retirar a proteção, estas regras baseiam‑se, em segundo lugar, em procedimentos cuja natureza é precisada nos artigos 14.o e 19.o da Diretiva 2011/95 e cujas modalidades resultam dos artigos 44.o e 45.o da Diretiva 2013/32.

1. Os fundamentos em que se baseia a retirada da proteção internacional

43.

O artigo 19.o da Diretiva 2011/95 estabelece os mecanismos processuais que permitem garantir, em conformidade com a Convenção de Genebra, a retirada ( 18 ) do estatuto da proteção subsidiária. Este artigo enumera, assim, de forma exaustiva os fundamentos com base nos quais os Estados‑Membros podem ou devem revogar, suprimir ou não renovar este estatuto.

44.

Estes fundamentos decorrem, por um lado, das cláusulas de cessação enunciadas no artigo 1.o, secção C, da Convenção de Genebra e das cláusulas de exclusão visadas no artigo 1.o, secções D a F, desta convenção.

45.

De acordo com as diretrizes do ACNUR, as cláusulas são enumeradas de forma exaustiva e devem ser interpretadas de forma estrita, uma vez que a cessação e exclusão da qualidade de beneficiário da proteção internacional põem fim a esta proteção e aos direitos que lhe estão associados. Deste modo, não pode ser invocada nenhuma outra cláusula, para além das expressamente previstas no artigo 1.o, secções C a F, da Convenção de Genebra, para justificar o facto de a proteção internacional já não ser necessária ( 19 ).

46.

O legislador da União transpôs as referidas cláusulas para o direito da União nos artigos 11.o e 12.o da Diretiva 2011/95, que preveem, respetivamente, os fundamentos de cessação e de exclusão da qualidade de refugiado.

47.

Na medida em que o direito da União prevê uma forma subsidiária de proteção internacional, o legislador da União previu igualmente, nos artigos 16.o e 17.o da Diretiva 2011/95, fundamentos de cessação e de exclusão da qualidade conferida pela proteção subsidiária, decalcados dos fundamentos previstos no artigo 11.o, n.o 1, alíneas e) e f), e n.o 2, e no artigo 12.o, n.os 2 e 3, desta diretiva.

48.

Na medida em que o legislador da União tende a assegurar a coerência e a uniformidade entre as duas formas de proteção internacional ( 20 ), a interpretação dos fundamentos em que se baseia a retirada da proteção subsidiária deve ser igualmente efetuada à luz da Convenção de Genebra. Por conseguinte, os fundamentos com base nos quais um Estado‑Membro pode ou deve retirar o estatuto conferido por esta proteção devem ser objeto de uma interpretação estrita, em conformidade com esta convenção.

49.

Ora, como veremos, nenhum dos fundamentos previstos pelo legislador da União no artigo 19.o da Diretiva 2011/95 habilita um Estado‑Membro a retirar o estatuto conferido pela proteção internacional por uma razão diferente das aí previstas pelo referido legislador de forma expressa e taxativa e, em especial, em caso de erro pelo qual a sua administração é a única responsável.

50.

Em primeiro lugar, em aplicação do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, o estatuto da proteção subsidiária pode ser revogado quando o interessado deixa de ser elegível para esta proteção internacional no sentido do artigo 16.o da diretiva.

51.

Recorde‑se que o artigo 16.o, n.o 1, da referida diretiva prevê o seguinte:

«O nacional de um país terceiro ou o apátrida deixa de ser elegível para proteção subsidiária quando as circunstâncias que levaram à concessão de proteção subsidiária tiverem cessado ou se tiverem alterado a tal ponto que a proteção já não seja necessária.»

52.

Esta disposição integra no direito da União a quinta e sexta cláusulas de cessação previstas no artigo 1.o, secção C, da Convenção de Genebra.

53.

Além disso, o artigo 16.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 precisa que, «[p]ara efeitos da aplicação do n.o 1, os Estados‑Membros examinam se a alteração das circunstâncias é suficientemente significativa e duradoura para que a pessoa elegível para proteção subsidiária já não se encontre perante um risco real de ofensa grave».

54.

No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio adota uma interpretação ampla do conceito de «circunstâncias», pois considera que a hipótese prevista no artigo 19.o, n.o 1, desta diretiva pode abranger o caso em que o interessado deixa de ser elegível para proteção subsidiária devido a uma «mudança do estado de conhecimento das autoridades sobre circunstâncias factuais».

55.

Esta interpretação deve, desde logo, ser rejeitada, na medida em que se opõe à interpretação muito rigorosa das cláusulas de cessação enunciadas no artigo 1.o, secção C, da Convenção de Genebra.

56.

Tal como referiu expressamente o ACNUR nas suas diretrizes ( 21 ), «[a]s cláusulas de cessação enunciam condições negativas e a enumeração destas condições é exaustiva. Por conseguinte, estas cláusulas devem ser interpretadas de forma restritiva e não pode ser invocada por analogia nenhuma outra razão para justificar a retirada do estatuto de refugiado» ( 22 ). O ACNUR acrescenta, assim, que, no caso de se verificar posteriormente que uma determinada pessoa nunca deveria ter sido reconhecida como refugiado, quando se verifica posteriormente que o estatuto de refugiado foi concedido com base numa interpretação errada dos factos ou que o interessado possui outra nacionalidade, não se deve decretar a cessação do estatuto de refugiado, mas a sua anulação ( 23 ).

57.

A interpretação proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio não tem em conta o sentido extremamente preciso do conceito de «circunstâncias» utilizado no âmbito da cláusula de cessação, bem como a sistemática e a finalidade do texto em que este conceito se insere.

58.

Estas «circunstâncias» são as que, de acordo com o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95, levaram a autoridade nacional competente a reconhecer a qualidade conferida pela proteção subsidiária ( 24 ). Trata‑se de circunstâncias objetivas que existem no país de origem do interessado, com base nas quais se conclui pela existência de um risco real de ofensas graves em caso de regresso a este país.

59.

Estas circunstâncias são, por conseguinte, determinantes para a concessão da proteção subsidiária porque demonstram a incapacidade de o país de origem do requerente assegurar uma proteção contra essas ofensas e justificam os receios deste último ( 25 ). De forma simétrica, a evolução destas circunstâncias é decisiva para a cessação da referida proteção ( 26 ).

60.

À semelhança do artigo 1.o, secção C, n.os 5 e 6, da Convenção de Genebra e a fim de preservar a integridade do regime de proteção internacional, o artigo 16.o da Diretiva 2011/95 prevê, assim, a cessação da proteção subsidiária quando as circunstâncias que levaram à concessão desta proteção «tiverem cessado» ou «se tiverem alterado» a tal ponto que resolveram as causas na origem do reconhecimento desta qualidade. O legislador da União exige, assim, que a alteração seja «suficientemente profunda e duradoura» para evitar que os estatutos concedidos sejam constantemente postos em causa devido a alterações passageiras da situação existente no país de origem dos beneficiários, assegurando a estabilidade da sua situação.

61.

É evidente, face a estes elementos, que a cessação da qualidade de beneficiário da proteção subsidiária só pode dizer respeito às pessoas a quem o estatuto foi legitimamente conferido devido a circunstâncias existentes no respetivo país de origem, mas que, por motivos objetivos respeitantes à evolução destas últimas, deixaram então de necessitar de proteção internacional. Por conseguinte, a cessação da proteção subsidiária não visa corrigir os erros da administração e não pode, evidentemente, depender de um critério tão subjetivo e evolutivo como o estado do conhecimento da autoridade nacional competente sobre estas circunstâncias.

62.

Tendo em conta estas considerações, entendemos que o fundamento de revogação enunciado no artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 não permite à autoridade nacional competente revogar o estatuto da proteção subsidiária numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a mesma cometeu um erro de determinação do país de origem do interessado pelo qual é a única responsável.

63.

Em segundo lugar, em aplicação do artigo 19.o, n.o 2 e n.o 3, alínea a), da Diretiva 2011/95, o estatuto da proteção subsidiária pode ser revogado quando o interessado, apesar de preencher as condições exigidas para ser reconhecido como pessoa elegível para beneficiar desta proteção, está, não obstante, excluído dessa qualidade devido ao perigo que representa para a comunidade ou para a segurança do Estado‑Membro ou devido aos atos especialmente graves, referidos no artigo 17.o desta diretiva, que terá praticado ou em que terá participado (cláusula de exclusão).

64.

Esta disposição integra no direito da União o artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra.

65.

É evidente que, na falta de um comportamento criminoso do interessado ou de uma qualquer ameaça que este possa representar para a Áustria, o exame desta disposição é irrelevante.

66.

Em terceiro e último lugar, o estatuto da proteção subsidiária pode ser revogado devido ao comportamento fraudulento do beneficiário.

67.

Nos termos do artigo 19.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2011/95, expressamente referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, os Estados‑Membros estão, com efeito, obrigados a revogar o estatuto da proteção subsidiária se, devido a deturpação ou omissão de factos imputável ao interessado, a autoridade nacional competente concedeu indevidamente este estatuto.

68.

Dado que o fundamento em que se baseia a revogação prevista nesta disposição não procede no presente processo, pois M. Bilali não deturpou nem omitiu os factos que lhe dizem respeito, é evidente que o teor da disposição não permite revogar o seu estatuto.

69.

É forçoso constatar que, à semelhança dos fundamentos enunciados no artigo 1.o, secções D a F, da Convenção de Genebra, nenhum dos fundamentos de revogação expressa e taxativamente previstos no artigo 19.o da Diretiva 2011/95 permite à autoridade nacional competente revogar o estatuto da proteção subsidiária do interessado devido a um erro de determinação do país de origem do mesmo que lhe seja exclusivamente imputável.

2. Mecanismos processuais previstos para a retirada da proteção internacional

70.

Como vimos, o artigo 19.o da Diretiva 2011/95 estabelece os mecanismos processuais que permitem retirar o estatuto da proteção subsidiária em conformidade com a Convenção de Genebra. Este artigo enumera, assim, de forma exaustiva os fundamentos pelos quais os Estados‑Membros podem ou devem revogar, suprimir ou não renovar o referido estatuto, estando as regras processuais aplicáveis especificadas nos artigos 44.o e 45.o da Diretiva 2013/32.

71.

Resulta muito claramente dos termos do artigo 19.o da Diretiva 2011/95, bem como da natureza das decisões a que se refere o legislador da União, que estas são relativas às pessoas cujo estatuto foi legitimamente conferido, mas que, devido a uma evolução no seu país de origem (cláusula de cessação) ou no seu próprio comportamento (cláusula de exclusão), deixaram de poder beneficiar desta proteção. Por conseguinte, as decisões a que se refere o legislador da União no artigo 19.o da Diretiva 2011/95 não se destinam a reger a situação das pessoas que não deviam ter beneficiado de proteção internacional devido, por exemplo, à determinação errada da necessidade de proteção internacional. A priori, uma situação como a que está aqui em causa não deveria, portanto, estar abrangida pelas disposições previstas no artigo 19.o da diretiva.

72.

As disposições processuais relativas à «retirada da proteção internacional» previstas no capítulo IV da Diretiva 2013/32 também não o permitem.

73.

Recorde‑se que, por força do artigo 44.o da referida diretiva, os Estados‑Membros «asseguram a possibilidade de dar início a uma apreciação com vista à retirada da proteção internacional de determinada pessoa quando surjam novos elementos ou provas que indiquem haver motivo para reapreciar a validade da proteção internacional».

74.

Apesar de o legislador da União utilizar aqui uma noção jurídica (a noção de «retirada») distinta das previstas nos artigos 14.o e 19.o da Diretiva 2011/95 e considerar, de uma forma especialmente ampla, o aparecimento de «novos elementos ou factos», é forçoso constatar que a noção de «retirada do estatuto de proteção internacional» é definida no artigo 2.o, alínea o), da Diretiva 2013/32, como a «decisão proferida por uma autoridade competente que revoga, suprime ou recusa a renovação do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária a uma pessoa, nos termos da Diretiva [2011/95]».

75.

O que é expressamente confirmado pela remissão operada pelo artigo 45.o, n.o 1, e pelo artigo 46.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32.

76.

Tendo em conta estes elementos, podemos concluir que as únicas hipóteses em que o legislador da União decidiu permitir aos Estados‑Membros revogar ou retirar o estatuto da proteção subsidiária são as previstas no artigo 19.o da Diretiva 2011/95.

77.

Esta disposição opõe‑se, portanto, a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal que permite à autoridade nacional competente revogar o referido estatuto com base num motivo diferente dos expressa e taxativamente previstos pelo legislador da União na referida disposição.

78.

Face a todas as considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que se digne declarar que o artigo 19.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um Estado‑Membro pode revogar o estatuto da proteção subsidiária quando a autoridade nacional competente cometeu um erro, que lhe é exclusivamente imputável, relativamente às circunstâncias que justificaram a concessão da referida proteção.

B.   Regras jurídicas aplicáveis

79.

Para dar ao juiz de reenvio todos os elementos úteis que lhe permitam decidir o litígio que lhe foi submetido, somos da opinião de que o exame da questão submetida deve clarificar o objeto e a natureza da decisão que a autoridade nacional competente deve adotar quando, devido a um erro de apreciação que lhe é imputável, o interessado beneficiou indevidamente do estatuto da proteção subsidiária. Com efeito, o regime jurídico aplicável a esta decisão depende da sua qualificação jurídica.

80.

No presente processo, o Bundesasylamt revogou oficiosamente o referido estatuto em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, ponto 1, da AsylG 2005.

81.

Ora, é pacífico que, desde o início do processo, o Bundesasylamt não devia ter concedido o benefício do estatuto da proteção subsidiária ao interessado. Resulta, assim, da decisão de reenvio que este não conseguiu determinar, de forma correta, o país de origem do interessado porque não realizou as investigações adequadas e partiu de uma «consideração errónea», motivo pelo qual «nunca estiveram reunidos os pressupostos para o reconhecimento da [proteção subsidiária]» ( 27 ).

82.

Em circunstâncias como as que estão aqui em causa, em que a decisão de concessão do estatuto da proteção subsidiária foi proferida em violação das regras de direito, bem como, em especial, dos critérios de elegibilidade enunciados nos capítulos II e V da Diretiva 2011/95, e em que esta violação teve um impacto decisivo no resultado do exame do pedido de proteção internacional, é necessário, a nosso ver, proceder à anulação do estatuto da proteção subsidiária.

83.

Esta solução tem a vantagem de não exigir uma interpretação extensiva das disposições rigorosas da Convenção de Genebra e, assim, de não deturpar os termos e a finalidade do artigo 19.o da Diretiva 2011/95, assegurando o máximo de garantias processuais e o pleno respeito da equidade devida a uma pessoa que não tem qualquer responsabilidade pelo erro cometido pela administração.

84.

Esta solução impõe‑se igualmente para garantir a integridade do sistema europeu comum de asilo, devendo todo o reconhecimento indevido ser corrigido de modo a assegurar que a proteção internacional apenas seja concedida às pessoas que realmente necessitam dela. A este respeito, numa situação em que o estatuto foi erradamente concedido devido a um erro de direito ou de facto cometido pela entidade que instruiu o processo, o ACNUR recomenda a anulação ou a invalidação do ato de reconhecimento do estatuto no âmbito de um processo que respeite os princípios gerais do direito. Apesar de a anulação ou invalidação não estar expressamente prevista na Convenção de Genebra, o ACNUR considera que esta é, não obstante, plenamente conforme com o objeto e a finalidade da convenção e se impõe a fim de preservar a integridade da definição de refugiado ( 28 ).

85.

Este procedimento de anulação impõe‑se a fortiori no presente processo em que as suposições em que se baseou a autoridade nacional competente afetaram o conjunto do processo de análise do pedido de proteção internacional, ou seja, não só a legalidade da decisão de recusa do estatuto de refugiado, mas também a legalidade da decisão de concessão do estatuto da proteção subsidiária. Importa, com efeito, recordar que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 instaura um procedimento único, no âmbito do qual a autoridade nacional competente examina um pedido à luz das duas formas de proteção internacional, do ponto de vista, em primeiro lugar, das condições fixadas para obter o estatuto de refugiado, e, depois, das previstas para a concessão da proteção subsidiária, constituindo, além disso, a determinação do país de origem do requerente um critério de referência comum às duas formas de proteção internacional ( 29 ).

86.

No âmbito do recurso que lhe foi submetido, o Asylgerichtshof (Tribunal em matéria de asilo) decretou, de resto, a anulação da decisão pela qual o Bundesasylamt recusou conceder o benefício do estatuto de refugiado ao interessado precisamente devido às suposições com base nas quais este tinha realizado o seu exame.

87.

Nestas circunstâncias, em que todo o processo de análise do pedido de proteção internacional padecia de vícios, e em que, afinal, o beneficiário não era elegível para proteção subsidiária, teria sido a nosso ver mais adequado decretar a anulação da decisão de concessão do referido estatuto.

88.

O direito da União não prevê nenhuma disposição especial sobre as regras e modalidades processuais aplicáveis à anulação do estatuto da proteção subsidiária devido a um erro cometido pela administração.

89.

Por conseguinte, na falta de disposições expressas do direito da União, estas regras resultam, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, da ordem jurídica nacional e, em especial, das regras de direito administrativo desta última. Por conseguinte, um processo como o que está aqui em causa integra‑se no contencioso clássico da anulação de um ato criador de direitos devido a um erro da administração.

90.

Não obstante, trata‑se de um ato especial porque confere, por força do direito da União, uma proteção internacional à qual estão nomeadamente associados direitos de residência e de reagrupamento familiar que decorrem igualmente do direito da União.

91.

Este reenvio para a autonomia processual dos Estados‑Membros deve ser mitigado com a obrigação de respeitar, por um lado, os direitos fundamentais e, por outro, os princípios da equivalência e da efetividade ( 30 ).

92.

No que diz respeito ao princípio da equivalência, este implica que as pessoas que invocam direitos conferidos pela ordem jurídica da União não sejam desfavorecidas em relação aos que invocam direitos de natureza puramente interna.

93.

Numa situação como a ora em causa, o respeito deste princípio exige, portanto, que as regras e modalidades processuais aplicáveis à anulação do ato de concessão do estatuto da proteção subsidiária não sejam menos favoráveis do que as que regem a anulação do ato de concessão de um estatuto comparável por força do direito nacional.

94.

Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar a comparabilidade dos estatutos, tendo em conta, nomeadamente, o seu objeto e os direitos e benefícios associados aos referidos estatutos e, em especial, os benefícios económicos e sociais como a emissão de autorizações de residência, o acesso à proteção social, aos cuidados de saúde e ao mercado de trabalho. Na medida em que a Diretiva 2011/95 procede a uma harmonização exaustiva do domínio da proteção internacional, é necessário fazer referência aos estatutos conferidos discricionariamente pelos Estados‑Membros, por compaixão ou por motivos humanitários ( 31 ).

95.

Por outro lado, quanto às regras e modalidades processuais aplicáveis, é sabido que a maior parte dos Estados‑Membros impõem condições rigorosas à anulação de um ato criador de direitos com fundamento num erro pelo qual a autoridade administrativa é a única responsável. Se o requerente apresentou de boa‑fé o seu pedido e cooperou no procedimento de apreciação, e confiou legitimamente na bondade e na validade da decisão, os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima prevalecem normalmente sobre o interesse que pode ter um Estado na correção dos erros cometidos pelos respetivos órgãos de decisão.

96.

Nestas circunstâncias, cabe ao órgão jurisdicional nacional garantir, em especial, que a anulação do estatuto da proteção internacional ocorra com observância estrita das garantias da equidade do procedimento e do princípio da proporcionalidade. Para evitar que a anulação produza consequências desproporcionadas e de natureza gravemente prejudicial para a pessoa em questão, importa, a nosso ver, ter em conta todas as circunstâncias pertinentes e, nomeadamente, os direitos e vantagens de que esta beneficiou desde a concessão do estatuto e, em especial, o reagrupamento familiar de que beneficiou, a duração da residência e o grau de integração económico e social no Estado‑Membro e as dificuldades a que se arrisca a ser exposta em caso de anulação do estatuto de que beneficiou.

97.

No que diz respeito, agora, ao princípio da efetividade, o respeito deste último exige que as regras e modalidades processuais aplicáveis à anulação do ato de concessão do estatuto da proteção subsidiária não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União ( 32 ).

98.

O princípio da efetividade está estreitamente ligado ao direito à proteção jurisdicional efetiva e pressupõe que se um direito é reconhecido aos particulares em virtude do direito da União, os Estados‑Membros têm a responsabilidade de assegurar a sua proteção efetiva, o que implica, em princípio, a existência de um recurso jurisdicional.

99.

Embora caiba ao juiz de reenvio verificar o respeito do referido princípio, observamos que, no âmbito do processo principal, o interessado teve a possibilidade de interpor um recurso no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) e, posteriormente, um recurso extraordinário de Revision no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) relativamente ao processo de revogação do estatuto que lhe tinha sido conferido pela proteção subsidiária em relação à Argélia como país de origem.

100.

É com base em todas estas considerações que propomos ao Tribunal de Justiça que declare que, em circunstâncias como as do processo principal, em que a decisão de concessão do estatuto da proteção subsidiária foi proferida em violação das regras de direito, bem como, em especial, dos critérios de elegibilidade enunciados nos capítulos II e V da Diretiva 2011/95, e em que esta violação teve um impacto determinante no resultado do exame do pedido de proteção internacional, o Estado‑Membro está obrigado a anular o estatuto da proteção subsidiária.

101.

Por outro lado, na falta de disposições expressas do direito da União, importa precisar que as regras e modalidades processuais aplicáveis à anulação do estatuto da proteção subsidiária devido a um erro cometido pela administração decorrem, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, da ordem jurídica nacional, sem prejuízo, não obstante, do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade.

VI. Conclusão

102.

À luz das considerações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) do seguinte modo:

«1)

O artigo 19.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, opõe‑se a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um Estado‑Membro pode revogar o estatuto da proteção subsidiária se a autoridade nacional competente tiver cometido um erro, que lhe seja exclusivamente imputável, relativamente às circunstâncias que justificaram a concessão da referida proteção.

2)

Em circunstâncias como as que estão aqui em causa, em que a decisão de concessão do estatuto da proteção subsidiária foi proferida em violação das regras de direito, bem como, em especial, dos critérios de elegibilidade enunciados nos capítulos II e V da Diretiva 2011/95, e em que esta violação teve um impacto determinante no resultado do exame do pedido de proteção internacional, o Estado‑Membro está obrigado a anular o estatuto da proteção subsidiária.

Na falta de disposições expressas do direito da União, as regras e modalidades processuais aplicáveis à anulação do estatuto da proteção subsidiária devido a um erro cometido pela administração decorrem, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, da ordem jurídica nacional, sem prejuízo do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

( 3 ) V. Regulamento (UE) n.o 439/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 2010, que cria um Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (JO 2010, L 132, p. 11).

( 4 ) V. análise jurídica de 2018 intitulada «Fin de la protection internationale: articles 11, 14, 16 et 19 de la Directive Qualification (2011/95/UE)» [Fim da proteção internacional: artigos 11.o, 14.o, 16.o e 19.o da Diretiva Qualificação (2011/95/UE)] (em especial, o capítulo 4.1.3, p. 35).

( 5 ) A seguir «Convenção de Genebra».

( 6 ) Diretiva do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004 L 304, p. 12).

( 7 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

( 8 ) BGBl. I, 100/2005; a seguir «AsylG 2005».

( 9 ) BGBl. I, 87/2012.

( 10 ) A seguir «decisão controvertida».

( 11 ) V., nomeadamente, n.os 7, 20 e 22 da decisão de reenvio.

( 12 ) Sublinhado nosso.

( 13 ) V. considerandos 3 e 4 da Diretiva 2011/95.

( 14 ) V. considerandos 23 e 24 da Diretiva 2011/95.

( 15 ) V., por analogia, Acórdão de 31 de janeiro de 2017, Lounani (C‑573/14, EU:C:2017:71, n.os 41 e 42 e jurisprudência referida).

( 16 ) A seguir «ACNUR».

( 17 ) V. considerando 22 da Diretiva 2011/95.

( 18 ) Utilizamos o conceito de «retirada da proteção internacional» para nos alinharmos pela definição utilizada pelo legislador da União no artigo 2.o, alínea o), da Diretiva 2013/32, referindo‑se este conceito aos diferentes procedimentos visados no artigo 19.o da Diretiva 2011/95, a saber a «revogação», a «supressão» ou a «recusa de renovação» do estatuto da proteção subsidiária.

( 19 ) Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados do ACNUR (n.os 116 a 117). V., igualmente, quanto à interpretação da cláusula de cessação, Diretrizes sobre Proteção Internacional: Cessação do Estatuto de refugiado no contexto do artigo 1.o C, n.os 5 e 6, da Convenção de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados (cláusulas sobre «as circunstâncias que deixaram de existir») do ACNUR.

( 20 ) No âmbito da Diretiva 2011/95, o legislador da União institui um procedimento único de análise das necessidades de proteção internacional e tende a eliminar as diferenças existentes a nível dos direitos conferidos aos refugiados e aos beneficiários da proteção subsidiária.

( 21 ) V. nota de pé de página 19 das presentes conclusões.

( 22 ) N.o 116 das referidas diretrizes.

( 23 ) V., igualmente, Diretrizes sobre Proteção Internacional do ACNUR referidas na nota de pé de página 19 das presentes conclusões (n.o 4).

( 24 ) V., por analogia, Acórdão de 2 de março de 2010, Salahadin Abdulla e o. (C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, EU:C:2010:105), relativo à interpretação da cláusula de cessação da qualidade de refugiado, prevista no artigo 11.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2004/83.

( 25 ) De resto, no artigo 15.o da Diretiva 2011/95, o legislador da União começa por precisar quais são as «ofensas graves» suscetíveis de levar à concessão desta proteção.

( 26 ) V. Acórdão de 2 de março de 2010, Salahadin Abdulla e o. (C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, EU:C:2010:105, n.o 68).

( 27 ) V. n.o 7 da decisão de reenvio.

( 28 ) V. nota do ACNUR, de 22 de novembro de 2004, sobre a anulação do estatuto de refugiado; Kapferer, S., «Cancellation of refugee Status», UNHCR Legal and Protection Policy Research Series, março de 2003; bem como a nota de informação do ACNUR, de 4 de setembro de 2003, sobre a aplicação das cláusulas de exclusão: artigo 1.o F da Convenção de 1951, relativo ao estatuto dos refugiados (capítulo I, F).

( 29 ) O artigo 10.o, n.o 2, da diretiva 2013/32 prevê que «[a]o apreciar os pedidos de proteção internacional, o órgão de decisão deve determinar em primeiro lugar se os requerentes preenchem as condições necessárias para beneficiar do estatuto de refugiados e, caso contrário, determinar se os requerentes são elegíveis para proteção subsidiária». Importa recordar também que, de acordo com o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95, uma «pessoa elegível para proteção subsidiária» é uma pessoa que, nomeadamente, não pode ser considerada um refugiado.

( 30 ) V. por analogia, Acórdãos de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 85 e jurisprudência referida), de 10 de setembro de 2013, G. e R. (C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 35 e a jurisprudência referida), de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.o 41 e jurisprudência referida), de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 39 e jurisprudência referida), e de 4 de outubro de 2018, Kantarev (C‑571/16, EU:C:2018:807, n.os 123 e segs. e jurisprudência referida).

( 31 ) V., a este respeito, considerando 15 da Diretiva 2011/95.

( 32 ) V., designadamente, Acórdão de 27 de junho de 2018, Diallo (C‑246/17, EU:C:2018:499, n.o 59 e jurisprudência referida).