CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 21 de novembro de 2018 ( 1 )

Processo C‑563/17

Associação Peço a Palavra,

João Carlos Constantino Pereira Osório,

Maria Clara Marques Pires Sarmento Franco,

Sofia da Silva Santos Arauz,

Maria João Galhardas Fitas

contra

Conselho de Ministros,

outras partes no processo:

PARPÚBLICA — Participações Públicas, SGPS, SA,

TAP, SGPS, SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)]

«Questão prejudicial — Liberdade de estabelecimento — Sociedade de transporte aéreo — Processo de reprivatização — Condições — Obrigação de manutenção da sede e da direção efetiva — Obrigações de serviço público — Obrigação de manutenção do centro de operações nacional»

1. 

O Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) coloca ao Tribunal de Justiça algumas dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União de alguns requisitos do caderno de encargos do processo de privatização da companhia «TAP — Transportes Aéreos Portugueses, S.A.» (a seguir «TAP SA»), realizado em 2015.

2. 

Concretamente, esses requisitos dizem respeito à obrigação de manter em Portugal a sede e a direção efetiva da empresa, à capacidade de assumir o cumprimento das obrigações de serviço público, e ao compromisso de manter e desenvolver o centro de operações nacional.

3. 

Para dissipar as dúvidas do tribunal a quo será preciso dilucidar, antes de mais, se se aplica a este processo a Diretiva 2006/123/CE ( 2 ) ou o Regulamento (CE) n.o 1008/2008 ( 3 ). Seguidamente, há que analisar se a liberdade eventualmente afetada é a liberdade de estabelecimento, a liberdade de prestação de serviços ou a liberdade de circulação de capitais e, em qualquer caso, se os requisitos do caderno de encargos respeitam ou não essas liberdades.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2006/123

4.

Nos termos do considerando 21, «[o]s serviços de transporte, incluindo os transportes urbanos, os táxis e as ambulâncias, bem como os serviços portuários, deverão ser excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva».

5.

Segundo o artigo 1.o, n.o 2, «[a diretiva] não tem por objeto a liberalização dos serviços de interesse económico geral reservados a entidades públicas ou privadas, nem a privatização de entidades públicas prestadoras de serviços».

6.

De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), a diretiva não se aplica aos «[s]erviços no domínio dos transportes, incluindo os serviços portuários, abrangidos pelo âmbito do [t]ítulo V do Tratado».

7.

O capítulo IV, «Livre circulação de serviços», inclui, na sua secção 1 («Liberdade de prestação de serviços e exceções conexas»), duas disposições que, por um lado, garantem o direito de os prestadores de serviços prestarem serviços num Estado‑Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos (artigo 16.o) e, por outro, enumeram determinadas exceções a esse direito (artigo 17.o).

2. Regulamento n.o 1008/2008

8.

Os considerandos 10 a 12 dispõem:

«(10)

Para completar o mercado interno da aviação, é necessário suprimir restrições ainda existentes aplicadas entre Estados‑Membros, por exemplo restrições relativas à partilha de códigos em rotas com países terceiros ou à fixação dos preços em rotas com países terceiros com escalas intermédias noutro Estado‑Membro […].

(11)

Para ter em conta as características e os constrangimentos especiais das regiões ultraperiféricas, em particular o seu afastamento, insularidade e reduzida superfície, e a necessidade de as ligar devidamente às regiões centrais da Comunidade, podem justificar‑se disposições especiais no que respeita às regras sobre o prazo de validade dos contratos relativos a obrigações de serviço público que abranjam as rotas para essas regiões.

(12)

Deverão ser definidas, de forma clara e isenta de ambiguidades, as condições de imposição das obrigações de serviço público e os processos de concurso conexos deverão permitir a participação de um número suficiente de concorrentes. A Comissão deverá poder obter todas as informações necessárias para avaliar as justificações económicas das obrigações de serviço público em casos individuais.»

9.

O artigo 2.o define:

«1.

“Licença de exploração”: uma autorização concedida pela autoridade de licenciamento competente a uma empresa, que lhe permite prestar serviços aéreos como indicado na licença.

[…]

8)

“Certificado de operador aéreo” (COA): um certificado emitido para uma empresa atestando que o operador possui a competência profissional e a organização necessárias para garantir a segurança das operações especificadas no certificado, em conformidade com as disposições relevantes do direito comunitário ou do direito interno aplicáveis.

9)

“Controlo efetivo”: uma relação constituída por direitos, contratos ou quaisquer outros meios, que individual ou conjuntamente, e tendo em conta as circunstâncias de facto ou de direito envolvidas, conferem a possibilidade de exercer, direta ou indiretamente, uma influência determinante sobre uma empresa, em especial mediante:

a)

O direito de usufruto sobre a totalidade ou parte dos ativos da empresa;

b)

Direitos ou contratos que confiram uma influência determinante sobre a composição, as votações ou as decisões dos órgãos da empresa, ou que de outra forma confiram uma influência determinante sobre a gestão da empresa.

10)

“Transportadora aérea”: uma empresa titular de uma licença de exploração válida, ou equivalente.

11)

“Transportadora aérea comunitária”: uma transportadora aérea titular de uma licença de exploração válida concedida por uma autoridade de licenciamento competente em conformidade com o capítulo II.

[…]

14)

“Direito de tráfego”: o direito de explorar um serviço aéreo entre dois aeroportos comunitários.

[…]

26)

“Estabelecimento principal”: a sede efetiva ou a sede estatutária de uma transportadora aérea comunitária, situada no Estado‑Membro em que a transportadora aérea comunitária exerce as principais funções financeiras e a fiscalização das operações, incluindo a gestão contínua da aeronavegabilidade.»

10.

O artigo 4.o dispõe:

«Uma autoridade de licenciamento competente de um Estado‑Membro só concede uma licença de exploração a uma empresa se:

a)

O seu estabelecimento principal se situar nesse Estado‑Membro;

b)

For titular de um COA válido emitido por uma autoridade nacional do mesmo Estado‑Membro cuja autoridade de licenciamento competente é responsável pela concessão, indeferimento, revogação ou supressão da licença de exploração da transportadora aérea comunitária;

[…]

f)

Mais de 50% da empresa pertencer e for efetivamente controlada por Estados‑Membros e/ou nacionais de Estados‑Membros, direta ou indiretamente através de uma ou várias empresas intermediárias, exceto conforme previsto num acordo com um país terceiro no qual a Comunidade seja Parte;

[…]»

11.

O artigo 8.o estatui:

«1.   Uma licença de exploração é válida enquanto a transportadora aérea comunitária cumprir os requisitos previstos no presente capítulo.

Se tal lhe for solicitado, a transportadora aérea comunitária deve, em qualquer altura, ser capaz de demonstrar à autoridade de licenciamento competente que satisfaz todos os requisitos do presente capítulo.

[…]

5.   Qualquer transportadora aérea comunitária notifica a autoridade de licenciamento competente:

[…]

b)

Antecipadamente, das propostas relativas a qualquer fusão ou aquisição prevista […]

[…]

7.   No que respeita às transportadoras aéreas comunitárias a que tenham concedido uma licença de exploração, as autoridades de licenciamento competentes decidem se, em caso de alteração de um ou mais elementos que afetem a situação jurídica das transportadoras aéreas comunitárias e, especialmente, em caso de fusão ou aquisição de uma participação dominante, a licença de exploração deve ser novamente submetida a apreciação.

[…]»

12.

O artigo 15.o dispõe:

«1.   As transportadoras aéreas comunitárias estão autorizadas a explorar serviços aéreos intracomunitários.

2.   Os Estados‑Membros não podem submeter a exploração de serviços aéreos comunitários por uma transportadora aérea comunitária a qualquer licença ou autorização. Os Estados‑Membros não exigem às transportadoras aéreas comunitárias a apresentação de documentos ou informações já fornecidos pelas mesmas à autoridade de licenciamento competente, desde que as informações pertinentes possam ser obtidas atempadamente da autoridade de licenciamento competente.

[…]

4.   Quando explora serviços aéreos intracomunitários, uma transportadora aérea comunitária é autorizada a combinar serviços aéreos e a celebrar acordos de partilha de código, sem prejuízo das regras de concorrência comunitárias aplicáveis às empresas.

As presentes disposições prevalecem sobre quaisquer restrições à liberdade de as transportadoras aéreas comunitárias explorarem serviços aéreos intracomunitários decorrentes de acordos bilaterais entre Estados‑Membros.

5.   Não obstante as disposições de acordos bilaterais entre Estados‑Membros e no respeito das regras de concorrência comunitárias aplicáveis às empresas, as transportadoras aéreas comunitárias são autorizadas pelos Estados‑Membros interessados a combinar serviços aéreos e a celebrar acordos de partilha de código com qualquer transportadora aérea relativamente a serviços aéreos com partida ou destino em qualquer ponto em países terceiros, que cheguem, partam ou façam escala em qualquer aeroporto no seu território.

[…]»

13.

Nos termos do artigo 16.o:

«1.   Após consulta de outros Estados‑Membros interessados e depois de ter informado a Comissão, os aeroportos interessados e as transportadoras aéreas que operam na rota em questão, um Estado‑Membro pode impor uma obrigação de serviço público, no que se refere aos serviços aéreos regulares, entre um aeroporto da Comunidade e um aeroporto que sirva uma região periférica ou em desenvolvimento do seu território ou numa rota de fraca densidade de tráfego para qualquer aeroporto do seu território, se a rota em causa for considerada vital para o desenvolvimento económico e social da região que o aeroporto serve. Esta obrigação apenas pode ser imposta, na medida do necessário, para assegurar a prestação nessa rota de serviços aéreos regulares mínimos que satisfaçam normas estabelecidas de continuidade, regularidade, fixação de preços e capacidade mínima que as transportadoras aéreas não respeitariam se atendessem apenas aos seus interesses comerciais.

As normas estabelecidas impostas à rota sujeita à obrigação de serviço público devem ser definidas de forma transparente e não discriminatória.

[…]

4.   Sempre que um Estado‑Membro pretenda impor uma obrigação de serviço público, deve comunicar o texto da obrigação de serviço público prevista à Comissão, aos outros Estados‑Membros interessados, aos aeroportos interessados e às transportadoras aéreas que operam na rota em questão.

A Comissão publica numa nota informativa no Jornal Oficial da União Europeia:

a)

A identificação dos dois aeroportos ligados pela rota em questão e de eventuais pontos de escala intermédios;

b)

A referência da data de entrada em vigor da obrigação de serviço público; e

c)

O endereço completo em que o texto e quaisquer informações e/ou documentação relacionadas com a obrigação de serviço público são postos à disposição imediata e gratuitamente pelo Estado‑Membro interessado.

[…]»

B.   Direito nacional

14.

Através do Decreto‑Lei n.o 181/‑A/2014 ( 4 ), de 24 de dezembro , o Governo português aprovou o processo de reprivatização indireta do capital social da TAP SA, através de uma venda direta de referência de até 61% das ações representativas do capital social da TAP — Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. (a seguir «TAP SGPS»), e de uma oferta de venda destinada aos seus trabalhadores de até 5% do capital social daquela sociedade. Adicionalmente, ficou ainda estabelecida uma opção de venda a favor do Estado, que pode alienar o capital remanescente da TAP SGPS ao adquirente na venda direta de referência, podendo ainda ser acordada com este uma opção de compra, nos termos do caderno de encargos da operação.

15.

Através da Resolução n.o 4‑A/2015, de 15 de janeiro ( 5 ), o Conselho de Ministros aprovou o caderno de encargos da venda direta de referência de até 61% das ações representativas do capital social da TAP SGPS.

16.

O artigo 1.o do caderno de encargos dispõe:

«1.   O presente caderno de encargos regula os termos e as condições da venda direta de referência de ações representativas do capital social da [TAP SGPS], a realizar no âmbito do processo de reprivatização indireta do capital social da [TAP SA].

2.   A venda direta de referência compreende a alienação, por negociação particular, de um ou mais lotes indivisíveis de ações representativas do capital social da [TAP SGPS], a um ou mais investidores nacionais ou estrangeiros, individualmente ou em agrupamento.

3.   A venda direta de referência das ações indicadas no número anterior é contratada com um ou mais proponentes que venham a ser selecionados como adquirentes das ações objeto da venda direta.

4.   No âmbito da venda direta de referência, as ações a adquirir pelo proponente ou proponentes selecionados são alienadas pela PARPÚBLICA — Participações Públicas (SGPS), S.A. [a seguir “Parpública”].»

17.

O artigo 5.o do caderno de encargos enumera os seguintes «critérios de seleção»:

«a)

A contribuição para o reforço da capacidade económico‑financeira da [TAP SGPS], e da [TAP SA], e da sua estrutura de capital, designadamente a qualidade do plano de capitalização e a sua execução através de novos ativos e recursos no que concerne ao proponente, assim como as condições associadas à disponibilização dos mesmos, de modo a contribuir para a sustentabilidade e valorização das empresas e para o crescimento da sua atividade, bem como a preservação do valor e do peso relativo do capital remanescente detido pelo Estado e do valor da opção de venda;

b)

O valor apresentado para a aquisição das ações representativas do capital social da [TAP SGPS], objeto da venda direta de referência, designadamente, o preço por ação, o encaixe financeiro global, a qualidade e valor dos métodos e fórmulas de majoração das opções de venda e de compra e, em geral, a possibilidade de concretização da venda direta em prazo, condições de pagamento e demais termos adequados para a salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado;

c)

A apresentação e garantia de execução de um adequado e coerente projeto estratégico, tendo em vista a preservação e promoção do crescimento da [TAP SA], com respeito pelo cumprimento dos objetivos delineados pelo Governo para o processo de reprivatização, a promoção do reforço da sua posição concorrencial enquanto operador de transporte aéreo à escala global nos mercados atuais e em novos mercados, a manutenção da integridade, identidade empresarial e autonomia do Grupo TAP, designadamente conservando a marca TAP e a sua associação a Portugal e assegurando que a sede e a direção efetiva do Grupo TAP continuam a estar localizadas em Portugal, a contribuição para a preservação e desenvolvimento das qualidades operacionais e comerciais do Grupo TAP, e a valorização e desenvolvimento dos seus recursos humanos;

d)

A capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações de serviço público que incumbam à [TAP SA], incluindo no que concerne às ligações aéreas entre os principais aeroportos nacionais e das regiões autónomas, quando aplicável, bem como a continuidade e reforço das rotas que sirvam as regiões autónomas, a diáspora e os países e comunidades de expressão ou língua oficial portuguesa;

e)

A contribuição para o crescimento da economia nacional, incluindo no que respeita à manutenção e ao desenvolvimento do atual hub nacional, como plataforma de crucial importância estratégica nas relações entre a Europa, África e a América Latina;

f)

A ausência de condicionantes jurídicas ou económico‑financeiras do proponente para a concretização da venda direta de referência, nomeadamente a minimização de conflitos de interesse entre as atividades do proponente e as do Grupo TAP, bem como a mitigação de riscos para os interesses patrimoniais do Estado e para a prossecução dos objetivos relativos aos critérios das alíneas anteriores;

g)

A respetiva experiência técnica e de gestão no setor da aviação, a sua idoneidade e capacidade financeira, bem como as garantias eventualmente prestadas para cumprimento dos critérios constantes das alíneas anteriores;

h)

A assunção de compromissos em matéria de estabilidade laboral, designadamente a expressa vinculação ao cumprimento, nos termos legais e constitucionais, do acordo entre o Governo, sindicatos e a [TAP SGPS], bem como o respeito por todos os acordos coletivos vigentes;

i)

A contribuição para o reforço da estrutura e da estabilidade acionista da [TAP SGPS], e da [TAP SA], nomeadamente através da implementação de um modelo de governo societário que tenha em conta a específica natureza da [TAP SGPS], a atividade desenvolvida pela [TAP S.A.], e os objetivos delineados pelo Governo para o processo de reprivatização.»

II. Matéria de facto

18.

A «Associação Peço a Palavra» e outros interpuseram no Supremo Tribunal Administrativo um recurso requerendo a anulação do caderno de encargos aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.o 4‑A/2015, de 15 de janeiro de 2015.

19.

Os recorrentes alegam que o artigo 5.o, alínea c), do referido caderno de encargos é contrário aos artigos 49.o e 54.o TFUE, na medida em que exige a manutenção da sede e da direção efetiva do grupo TAP. Além disso, na opinião dos recorrentes, o artigo 5.o, alíneas d) e e), do caderno de encargos viola os artigos 56.o e 57.o TFUE e os artigos 16.o e 17.o da Diretiva 2006/123, ao impor como requisitos o cumprimento das obrigações de serviço público e a manutenção e desenvolvimento do atual centro operacional nacional.

III. Questões prejudiciais

20.

Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) submeteu as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Se o Direito da União admite, em especial os seus artigos 49.o e 54.o do TFUE e princípios nos mesmos plasmados, que, no âmbito de procedimento relativo a processo de reprivatização indireta do capital social de sociedade de capitais públicos e que tem como objeto a atividade de transporte aéreo, se inclua, nos documentos conformadores daquele procedimento, a exigência de manutenção da sede e da direção efetiva daquela sociedade no Estado‑Membro onde foi constituída como critério de seleção das intenções de aquisição dos potenciais investidores e de escolha das propostas objeto de adjudicação?

2)

Se o Direito da União admite, em especial os seus artigos 56.o e 57.o do TFUE e princípios nos mesmos plasmados e, bem assim, os princípios da não discriminação, da proporcionalidade e da necessidade, que, no âmbito de procedimento relativo a processo de reprivatização indireta do capital social da mesma sociedade, se inclua, nos documentos conformadores daquele procedimento, a exigência do cumprimento das obrigações de serviço público por parte da entidade adquirente como critério de seleção das intenções de aquisição dos potenciais investidores e de escolha das propostas objeto de adjudicação?

3)

Se o Direito da União admite, em especial os seus artigos 56.o e 57.o do TFUE e princípios nos mesmos plasmados, que, no âmbito de procedimento relativo a processo de reprivatização indireta do capital social da mesma sociedade, se inclua, nos documentos conformadores daquele procedimento, a exigência da manutenção e do desenvolvimento do atual hub nacional por parte da entidade adquirente como critério de seleção das intenções de aquisição dos potenciais investidores e de escolha das propostas objeto de adjudicação?

4)

Se tendo em conta a atividade desenvolvida pela mesma sociedade, cuja alienação do capital social é objeto do procedimento reprivatizador, a mesma deve ser considerada como serviço no mercado interno sujeito ao disposto na Diretiva 2006/123/CE uma vez presente a exceção, prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da referida diretiva, relativa aos serviços no domínio dos transportes, e se, em decorrência, também aquele procedimento se mostra ou não sujeito a tal diretiva?

5)

Em caso de resposta afirmativa à questão 4), se o disposto nos artigos 16.o e 17.o daquela diretiva admitem que, no âmbito de procedimento relativo a processo de reprivatização indireta do capital social da mesma sociedade, se inclua, nos documentos conformadores daquele procedimento, a exigência do cumprimento das obrigações de serviço público por parte da entidade adquirente como critério de seleção das intenções de aquisição dos potenciais investidores e de escolha das propostas objeto de adjudicação?

6)

Em caso de resposta afirmativa à questão 4), se o disposto nos artigos 16.o e 17.o daquela diretiva admitem que, no âmbito de procedimento relativo a processo de reprivatização indireta do capital social da mesma sociedade, se inclua, nos documentos conformadores daquele procedimento, a exigência da manutenção e do desenvolvimento do atual hub nacional por parte da entidade adquirente como critério de seleção das intenções de aquisição dos potenciais investidores e de escolha das propostas objeto de adjudicação?»

IV. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e posições das partes

21.

O pedido prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de setembro de 2017. Foram apresentadas observações escritas pela Parpública, pelos Governos português, italiano e neerlandês, bem como pela Comissão, que também estiveram presentes na audiência realizada em 13 de setembro de 2018.

22.

A Parpública alega que à primeira questão deve ser dada resposta negativa. Em seu entender, as exigências em causa não limitam ou restringem a liberdade de estabelecimento e, se o fizessem, tratar‑se‑ia de uma restrição justificada. No que respeita à segunda e terceira questões, sustenta que os artigos 56.o e 57.o TFUE não são aplicáveis aos serviços de transporte aéreo, em conformidade com os artigos 58.o, n.o 1, 90.o e 100.o, n.o 2, TFUE. Quanto à quarta questão, alega que a atividade da TAP não pode ser considerada um serviço sujeito à Diretiva 2006/123, tendo em conta a exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea d). Considera que é por isso desnecessário responder à quinta e sexta questões.

23.

Segundo o Governo português, no que diz respeito à primeira questão, a condição a que se refere deriva do regime de concessão de licenças de exploração do Regulamento n.o 1008/2008 e não implica uma restrição à liberdade de estabelecimento, uma vez que não se aplica aos potenciais investidores. No que se refere à segunda e terceira questões, concorda com a posição da Parpública, alegando que, de qualquer modo, os critérios de seleção não são contrários ao direito derivado em matéria de serviços de transporte aéreo. Subscreve também a posição da Parpública a propósito da quarta, quinta e sexta questões, acrescentando que é aplicável o Regulamento n.o 1008/2008.

24.

O Governo italiano considera que deve ser dada uma resposta conjunta às três primeiras questões, no sentido de que os artigos 49.o, 54.o, 56.o e 57.o TFUE não se opõem à imposição de condições como as que estão em causa no processo de reprivatização. As condições impugnadas não são requisitos que restrinjam as liberdades de estabelecimento ou de prestação de serviços, nem, a sê‑lo, deixariam de ser justificadas por razões imperiosas de interesse público.

25.

O Governo italiano concorda com a Parpública e com o Governo português no que respeita à quarta, à quinta e à sexta questões, acrescentando que a Diretiva 2006/123 não é aplicável a este processo, embora não baseie esta afirmação no artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da referida diretiva, mas no seu artigo 1.o, n.o 2. A título subsidiário, alega que, como o processo de privatização não respeita ao capital da transportadora aérea, mas ao da sociedade que a controla, haveria que examinar se os serviços desta última se enquadram no âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123. Não é assim, em sua opinião, dado tratar‑se de «investimentos» na aceção da exceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da referida diretiva. Se fosse uma atividade de transporte, aplicar‑se‑ia o disposto na alínea d) da referida disposição.

26.

O Governo neerlandês considera, quanto à primeira questão, que as condições controvertidas restringem a liberdade de estabelecimento, apesar de poderem ser justificadas. No que se refere à segunda questão, subscreve a posição da Parpública e do Governo português sobre a inaplicabilidade dos artigos 56.o e 57.o TFUE. Relativamente à quarta, à quinta e à sexta questões, considera também que a Diretiva 2006/123 não é aplicável, em conformidade com o seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d).

27.

A Comissão propõe, como resposta à primeira questão, que o artigo 49.o TFUE não se opõe às condições discutidas no processo, desde que a conservação dos direitos de tráfego da companhia esteja subordinada, por força de acordos bilaterais concluídos entre Portugal e certos Estados terceiros, à permanência da sede e da sua atividade principal em Portugal.

28.

No que se refere à segunda questão, a Comissão indica que a exigência poderia ser admissível ao abrigo dos artigos 16.o, 17.o e 18.o do Regulamento n.o 1008/2008. Quanto à terceira questão, considera que a obrigação de manter e desenvolver o centro de operações nacional poderia ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, mas não por contribuir para o crescimento da economia nacional. Quanto à quarta, à quinta e à sexta questões, entende que a Diretiva 2006/123 não é aplicável devido ao seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), se o objeto do litígio disser respeito ao domínio dos transportes, ou devido ao seu artigo 5.o, n.o 4, se se inscrever no quadro dos contratos públicos.

V. Análise

29.

O Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) deve dilucidar se são compatíveis com o direito da União três dos requisitos do caderno de encargos aprovado pelo Governo português no processo de reprivatização da transportadora aérea TAP ( 6 ).

30.

A título preliminar, há que precisar que, para os efeitos que aqui importam, se trata efetivamente de «requisitos» ou «condições», ainda que formalmente se apresentem no caderno de encargos sob a epígrafe «Critérios de seleção».

31.

A Parpública insistiu, na audiência, que o tribunal a quo cometeu o erro de qualificar de requisitos determinantes da aptidão dos proponentes o que eram simples «critérios seletivos». Tal erro terá «contaminado», em sua opinião, o resto do pedido de decisão prejudicial.

32.

Entendo que se deve atender à qualificação jurídica assumida pelo tribunal de reenvio, que de forma explícita e reiterada utiliza o vocábulo «exigências» ( 7 ) quando se refere às circunstâncias indicadas como «critérios» no caderno de encargos. Pode discutir‑se o maior ou menor acerto do tribunal de reenvio nessa apreciação, mas apenas na perspetiva do direito nacional, em cuja interpretação o Tribunal de Justiça não pode interferir, obrigado que está a ater‑se aos termos do despacho de reenvio quanto à situação de facto e de direito que delimita o objeto do processo de origem.

33.

Assim, a resposta prejudicial não seria diferente se se aceitasse que o caderno de encargos continha verdadeiros critérios de seleção, uma vez que também a conformidade destes critérios com o direito da União pode ser objeto de fiscalização, como é habitual nos acórdãos do Tribunal de Justiça sobre os cadernos de encargos na contratação pública.

34.

Em última análise, quer fossem critérios seletivos ou verdadeiros requisitos, no final o seu conteúdo adquiriria força vinculativa no processo de privatização, de modo que o comprador das ações teria de satisfazer as correspondentes exigências, agora inseridas no contrato de aquisição das referidas ações.

35.

Recordo que os três requisitos controvertidos se traduziam na obrigação de a) manter em Portugal a sede e a direção efetiva da empresa; b) cumprir as obrigações de serviço público; e c) manter e desenvolver o atual centro de operações (hub) nacional.

36.

Invertendo a ordem proposta pelo tribunal de reenvio, e de acordo com a opinião de várias partes, é preferível abordar, antes de mais, a quarta questão prejudicial. Da sua resposta vai depender a resolução do problema de fundo através da aplicação da Diretiva 2006/123 ou nos termos de outras disposições do direito da União.

A.   Aplicabilidade da Diretiva 2006/123 (quarta, quinta e sexta questões)

37.

O tribunal de reenvio resume as suas dúvidas acerca da aplicabilidade da Diretiva 2006/123 ao facto de a reprivatização da TAP afetar o capital de uma sociedade que se dedica ao transporte aéreo. Em sua opinião, poder‑se‑ia aplicar, em razão dessa atividade, a exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123, uma vez que esta não é aplicável aos «serviços no domínio dos transportes».

38.

Praticamente todas as partes estão de acordo em considerar que a Diretiva 2006/123 não é aplicável, uma vez que o presente processo se circunscreve à privatização de uma companhia aérea, verificando‑se, por conseguinte, a exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da referida diretiva.

39.

O Governo italiano defende, no entanto, que a inaplicabilidade da Diretiva 2006/123 tem, pelo contrário, por causa a exceção acolhida no seu artigo 1.o, n.o 2, nos termos do qual a referida diretiva não tem por objeto «a privatização de entidades públicas prestadoras de serviços» ( 8 ).

40.

Partilho desta apreciação ( 9 ). Trata‑se, com efeito, da privatização de uma sociedade até então pública, de forma que essa simples circunstância, sejam quais forem os serviços prestados pela entidade privatizada, basta para descartar a aplicabilidade da Diretiva 2006/123.

41.

Se, além disso, como argumento adicional, se atentar na natureza da atividade exercida pela TAP SA, ou seja, pela sociedade na qual participa a entidade cujo capital é reprivatizado (TAP SGPS), constata‑se que também se verifica a exceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123.

42.

Como recordava o Tribunal de Justiça no processo Grupo Itevelesa e o. ( 10 ), «decorre dos trabalhos preparatórios para a adoção da diretiva sobre os serviços que a exclusão relativa aos “serviços no setor dos transportes” foi intencionalmente redigida em termos que correspondessem à letra do artigo 51.o CE, atual artigo 58.o TFUE, cujo n.o 1 enuncia que “a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes”».

43.

Para o Tribunal de Justiça, «o conceito de “serviço no domínio dos transportes” abrange não só os serviços de transporte, considerados enquanto tais, mas também qualquer serviço intrinsecamente ligado a um ato físico de movimentar pessoas ou mercadorias de um local para outro através de um meio de transporte» ( 11 ). Ao abrigo de uma tão ampla definição, a atividade própria da TAP SA pode enquadrar‑se naturalmente naquele conceito e, logicamente, também a atividade da TAP SPGS. Esta última é apenas uma holding detentora do capital da TAP SA, cuja reprivatização constitui o objeto do processo.

44.

Deste modo, a Diretiva 2006/123 é duplamente inaplicável no caso em apreço, o que torna desnecessária a resposta à quinta e sexta questões prejudiciais. No entanto, considero que deve prevalecer a causa de exclusão da aplicação prevista no artigo 1.o, n.o 2, da diretiva, por se referir a uma circunstância logicamente anterior, uma vez que, como o artigo 2.o da Diretiva 2006/123 diz respeito ao seu âmbito de aplicação, o artigo 1.o delimita o seu objeto normativo, fora do qual a diretiva não se aplica. Não é necessário, portanto, excecionar uma aplicabilidade que, por definição, não seria possível.

B.   Quanto à liberdade afetada no processo principal

45.

A privatização de uma companhia aérea implica a alienação de parte do seu capital social, até esse momento em mãos públicas, aos investidores (particulares) que adquirem as correspondentes ações. O caráter de privatização da venda das ações prevalece sobre a atividade material da entidade privatizada. A questão inscreve‑se, portanto, no âmbito do artigo 345.o TFUE, que consagra o princípio da neutralidade dos Tratados no que toca ao regime de propriedade nos Estados‑Membros.

46.

Todavia, aquele artigo «não tem por efeito subtrair os regimes de propriedade existentes nos Estados‑Membros às regras fundamentais do Tratado FUE, como, nomeadamente, a não discriminação, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de movimento de capitais» ( 12 ).

47.

Tendo em conta as exigências do caderno de encargos em causa, considero que a liberdade em questão é a liberdade de estabelecimento, mais do que a liberdade de circulação de capitais ou a liberdade de prestação de serviços.

48.

Assim, a venda de ações representativas de até 61% do capital social da TAP SGPS permite ao seu adquirente exercer uma influência efetiva na gestão dessa sociedade e da sua participada (TAP SA). Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este fator é decisivo para assegurar que a liberdade exercida é a liberdade de estabelecimento ( 13 ).

49.

Como descrito no despacho de reenvio ( 14 ), pouco tempo depois de ter concluído o acordo de venda com a empresa selecionada, o Governo português ( 15 ) encetou um processo de negociação para reconfigurar os termos e as condições da participação do Estado na TAP SGPS. Ao concluir esta negociação, a sociedade adquirente aceitou vender à Parpública as ações necessárias para que esta detivesse 50% do capital social da TAP SGPS.

50.

Nesta (nova) configuração, embora o capital nas mãos da sociedade escolhida no processo de reprivatização ainda seja substancial, já não lhe garante a possibilidade de exercer uma influência determinante na gestão da TAP SGPS, como sucederia se conservasse 61% do capital da empresa ( 16 ). No entanto, o critério adotado pela jurisprudência referida não é o da influência determinante ou decisiva, mas o da «influência real», isto é, a que se pode fazer valer de maneira ativa na gestão da sociedade como é, em minha opinião, a que se pode exercer com 45% do capital social ( 17 ).

51.

De qualquer modo, o Tribunal de Justiça deve ater‑se ao que o tribunal de reenvio submeteu nas suas questões, isto é, às condições originais do processo de reprivatização. Sem recorrer a razões distintas da presunção de pertinência que o Tribunal de Justiça reconhece às questões prejudiciais ( 18 ), basta salientar que a viabilidade da operação de resgate do capital social da TAP SGPS pela Parpública podia, por sua vez, ser condicionada pela validade do processo de privatização inicial. Continua assim a fazer sentido responder às questões colocadas no contexto de uma privatização que ascendeu a 61% do capital social da companhia até então pública e que, por isso, era suficiente para conferir ao adquirente uma influência, já não apenas real, mas, na verdade, decisiva.

52.

As normas relevantes para determinar a compatibilidade das cláusulas do caderno de encargos com o direito da União são, por conseguinte, os artigos 49.o e 54.o TFUE. Nesta perspetiva, a primeira, segunda e terceira questões devem ser reformuladas, de modo a que cada um dos critérios de seleção a que se referem seja confrontado com aquelas disposições do TFUE.

53.

Haverá que tomar também em consideração o Regulamento n.o 1008/2008 (em que se incluem as «disposições adequadas para os transportes […] aéreos» estabelecidas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho no uso da faculdade prevista no artigo 100.o, n.o 2, TFUE), na medida em que algumas das suas normas de harmonização sobre a regulamentação dos serviços aéreos têm incidência no presente litígio ( 19 ).

C.   Quanto ao caráter restritivo das condições, à luz da liberdade de estabelecimento

54.

Em minha opinião, os três critérios a que alude o despacho de reenvio contêm, em si mesmos, uma restrição à liberdade de estabelecimento. Recordo que, para o Tribunal de Justiça, «[d]evem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, dificultem, ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade» ( 20 ).

55.

Pode conceder‑se que as condições impostas pelo Governo português ao processo de privatização não chegam ao extremo de proibir o exercício dessa liberdade; nem mesmo a criar obstáculos tais a esse exercício que sejam suscetíveis de o impedir. Mas tornam‑no, no mínimo, menos atrativo.

56.

Estas condições não são de pequena importância. Implicam que quem adquira até 61% do capital da TAP SGPS será impedido de gerir a companhia aérea livremente e em função dos seus próprios interesses económicos, pois não poderá deixar de cumprir obrigações de serviço público, nem decidir da deslocalização da sua sede ou da sua direção efetiva, nem prescindir do atual centro de operações.

57.

Embora o Governo italiano insista em estabelecer as diferenças relativamente às limitações fruto do exercício das prerrogativas associadas às chamadas «golden shares» ( 21 ), parece‑me que existe uma proximidade considerável entre essas prerrogativas e as condições aqui em causa.

58.

As «golden shares» que um Estado‑Membro se reservava nos processo de privatização de empresas até então públicas, e sobre as quais o Tribunal de Justiça já se pronunciou ( 22 ), conferiam ao seu titular «uma influência na gestão da [empresa] não justificada pela amplitude da participação que detém nesta sociedade [e que] é suscetível de desencorajar os operadores de outros Estados‑Membros de efetuar investimentos diretos na [mesma], na medida em que não podem concorrer na gestão e no controlo desta sociedade na proporção do valor das suas participações» ( 23 ). Comportavam, em suma, «o risco de o Estado[‑Membro] exercer os seus direitos especiais na prossecução de interesses que não são concordantes com os interesses económicos da sociedade em questão», com o consequente desincentivo ( 24 ).

59.

As condições que agora nos ocupam não implicam simplesmente o risco de o Governo português «[bloquear] as decisões, preconizadas pelos órgãos sociais [da sociedade] como sendo do interesse económico [da mesma]» ( 25 ), mas constituem a materialização dessa possibilidade. Os órgãos da empresa privatizada não podem sequer preconizar decisões que, como a transferência da sede e da direção efetiva, tenham sido afastadas antecipadamente, como consequência de uma condição imposta de forma inevitável ao novo proprietário da empresa.

60.

Tanto a Parpública ( 26 ) como o Governo português ( 27 ) defendem o critério de seleção que consiste na manutenção da sede da empresa em Portugal, invocando o Acórdão Yellow Cab Verkehrsbetrieb ( 28 ), no qual se declarou que «a obrigação de dispor de uma sede ou de outro estabelecimento no território do Estado‑Membro de acolhimento não pode logicamente constituir, enquanto tal, um entrave ou uma restrição à liberdade de estabelecimento», uma vez que «esta obrigação não comporta a menor limitação à liberdade de operadores económicos estabelecidos noutros Estados‑Membros criarem agências ou outros estabelecimentos neste território» ( 29 ).

61.

Naquele processo, a obrigação em causa consistia em dispor de uma sede ou de outro estabelecimento no território de um Estado‑Membro como condição para a obtenção de uma autorização de exploração de uma linha urbana de transporte público de passageiros em autocarro. Não sendo essa obrigação, em si mesma, contrária à liberdade de estabelecimento, a circunstância de natureza cronológica na qual era exigido o seu cumprimento (antes da concessão da autorização) tornava‑a, contudo, incompatível com essa liberdade ( 30 ).

62.

No presente processo, pelo contrário, não se trata apenas da obrigação de possuir uma sede ou um estabelecimento estável em Portugal, mas de manter a sede e a direção efetiva da empresa no território desse Estado‑Membro.

63.

Para o Tribunal de Justiça, a liberdade de estabelecimento compreende «o direito de uma sociedade constituída em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro se transformar numa sociedade sujeita ao direito de outro Estado‑Membro […], desde que cumpridas as condições definidas pela legislação desse outro Estado‑Membro» ( 31 ). Por conseguinte, a obrigação de manter a sede da empresa em Portugal também consubstancia, em minha opinião, uma restrição à liberdade de estabelecimento.

64.

O mesmo acontece com a sujeição a obrigações de direito público e com a imposição da manutenção em Portugal do centro de operações (hub) da empresa privatizada. Ambas as exigências são suscetíveis de dissuadir o potencial comprador de adquirir a maioria do seu capital social, uma vez que tais condições determinam em grande medida as decisões empresariais posteriores.

65.

A partir desta premissa, há que examinar se as condições controvertidas podem ser justificadas em conformidade com o direito da União, além de serem adequadas para alcançar o objetivo que eventualmente as justifique e de não serem desproporcionadas para o efeito.

66.

A este respeito, partilho da opinião do Governo dos Países Baixos ( 32 ), que propõe que seja analisada em primeiro lugar a condição que consiste no cumprimento das obrigações de serviço público. A razão, que subscrevo, é a de que a condição relativa à manutenção da sede e da direção efetiva da empresa em Portugal pode estar associada àquela, da qual constituiria, na realidade, um prolongamento.

D.   Cumprimento das obrigações de serviço público (segunda questão prejudicial)

67.

Segundo o artigo 5.o, alínea d), do caderno de encargos, entre os critérios de seleção figura «[a] capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações de serviço público que incumbam à [TAP SA], incluindo no que concerne às ligações aéreas entre os principais aeroportos nacionais e das regiões autónomas, quando aplicável, bem como a continuidade e reforço das rotas que sirvam as regiões autónomas, a diáspora e os países e comunidades de expressão ou língua oficial portuguesa».

68.

A restrição à liberdade de estabelecimento, como já referi, decorre do facto de, com esta cláusula, serem impostas ao adquirente de 61% do capital reprivatizado obrigações que, em princípio, o dissuadiriam de proceder à compra, ao limitar a sua capacidade empresarial de ação autónoma.

69.

Ora, é pacífico na jurisprudência do Tribunal de Justiça que a garantia de um serviço de interesse geral pode constituir uma razão imperiosa suscetível de justificar um obstáculo às liberdades consagradas nos Tratados ( 33 ).

70.

Na minha opinião, assegurar o serviço aéreo nos termos do artigo 5.o, alínea d), do caderno de encargos — que insistem particularmente nas ligações com as regiões autónomas portuguesas, isto é, com regiões ultraperiféricas, na aceção do artigo 349.o TFUE ( 34 ), representa um motivo de interesse público suficiente para justificar a restrição à liberdade de estabelecimento.

71.

A Comissão centrou as suas alegações na questão de saber se a TAP SA está realmente condicionada por obrigações de serviço público e se estas foram fixadas em conformidade com o artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008. A não ser assim, afirma, seriam incompatíveis com o referido regulamento ( 35 ).

72.

Nessa mesma linha, o Governo dos Países Baixos «deduz» que recai sobre a TAP SA uma obrigação de serviço público imposta com base no artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008 ( 36 ). Mais precisamente, a Parpública refere‑se às obrigações de serviço público vigentes para a TAP SA em 20 de janeiro de 2015, ou seja, na data da publicação oficial do caderno de encargos ( 37 ).

73.

Esta abordagem das partes levou o debate para o âmbito das obrigações de serviço público que incumbem à TAP SA, partindo do princípio de que já existem (Governo dos Países Baixos), ou alegando que estão efetivamente em vigor (Parpública), ou que apenas se dispõe de informações parciais sobre a sua existência (Comissão) ( 38 ).

74.

Na minha opinião, esta abordagem tem como consequência desviar a atenção do problema de fundo que está na origem do pedido prejudicial e da própria questão do órgão jurisdicional de reenvio.

75.

Importa voltar à redação da condição descrita no artigo 5.o, alínea d), do caderno de encargos. Fala‑se aí, no conjuntivo, da «capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações de serviço público que incumbam à [TAP SA]» ( 39 ). Não são mencionadas as obrigações que incumbem à empresa, isto é, as que na realidade lhe dizem respeito, mas as que lhe incumbam, isto é, as que eventualmente a possam afetar.

76.

O critério de seleção não é, pois, a capacidade para continuar a assegurar o cumprimento das obrigações de serviço público que já recaem sobre a TAP SA (sejam estas quais forem), mas para assumir as que lhe possam vir a ser impostas uma vez adquirida parte do seu capital por quem for escolhido no processo de reprivatização.

77.

É certo que o artigo 5.o, alínea d), do caderno de encargos remete também, em especial, para o «que concerne às ligações aéreas entre os principais aeroportos nacionais e das regiões autónomas, quando aplicável, bem como [à] continuidade e reforço das rotas que sirvam as regiões autónomas […]». Refere‑se, assim, aos serviços a que a TAP SA já está obrigada, nos termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008. Mas, além de não ser expressamente invocada essa obrigação existente, creio que a cláusula comporta uma obrigação de caráter eventual, uma vez que fala das ligações com as regiões autónomas «quando aplicável» ( 40 ).

78.

Se esta interpretação fosse demasiado literal ou formalista, e se quisesse aceitar que o caderno de encargos visa garantir o cumprimento das obrigações de serviço público que vinculam a TAP SA, a verdade é que o órgão jurisdicional de reenvio se refere na sua questão ao «cumprimento das obrigações de serviço público por parte da entidade adquirente». Não menciona, portanto, a capacidade desta para assumir as obrigações específicas de serviço público que recaem sobre a entidade adquirida.

79.

É possível que «as obrigações» de que trata esta parte do despacho de reenvio sejam as que já existem para a TAP SA. Mas — e é isto que, na minha opinião, é o mais importante — o tribunal a quo não submete questões sobre essas obrigações em especial (obrigações que, como se referiu, parecem ter deixado de existir em 2015) nem questiona se foram impostas à TAP SA nos termos do Regulamento n.o 1008/2008 ou se, caso contrário, a garantia do seu cumprimento poderia ser, apesar disso, um critério de seleção. A sua questão limita‑se, estritamente, à questão de saber se a exigência de capacidade para dar cumprimento às obrigações de serviço público pode constituir um critério de seleção compatível com o direito da União.

80.

Nestes termos, bastante abstratos, a resposta deveria ignorar as obrigações específicas de serviço público em vigor para a TAP aquando da sua privatização. Sobre este ponto, nada pergunta, repito, o tribunal de reenvio, a quem, de resto, cabe determinar se essas obrigações foram impostas, ou não, de maneira juridicamente regular (e com que consequências, no segundo caso). Desde, evidentemente, que no atinente a esta questão específica tivesse sido apresentado um pedido de declaração de nulidade no processo a quo, o que não parece ter acontecido.

81.

Por conseguinte, exigir à entidade adquirente a capacidade de assumir as obrigações de serviço público para as rotas aéreas que ligam os principais aeroportos nacionais com os aeroportos das regiões autónomas constitui um requisito que, mesmo restringindo a liberdade de estabelecimento, se justifica, uma vez que com ele se atende a uma razão imperiosa de interesse geral. Razão que, em definitivo, mais não é do que a razão que sustenta a própria legitimidade da imposição desse tipo de obrigações, que têm o apoio expresso do artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008.

82.

Por esse motivo, o requisito em causa, além de justificado, é pertinente e adequado, pois assegura o cumprimento das obrigações de serviço público que possam incumbir à empresa privatizada, sem ir além do que é estritamente indispensável para alcançar esse fim.

E.   Obrigação de manter em Portugal a sede e a direção efetiva da companhia aérea (primeira questão prejudicial)

83.

Nos termos do artigo 5.o, alínea c), do caderno de encargos, é um critério de seleção «[a] apresentação e garantia de execução de um adequado e coerente projeto estratégico», tendo em vista a preservação e promoção do crescimento da TAP, SA, mantendo a sua integridade, identidade e autonomia. Salienta‑se a necessidade de conservar «a marca TAP e a sua associação a Portugal» e manter neste Estado‑Membro a sua sede e direção efetivas.

84.

Para o Governo dos Países Baixos, este requisito pode encontrar justificação suficiente no desígnio de garantir o cumprimento das obrigações de serviço público impostas (ou que possam vir a impor‑se) à sociedade adquirente ( 41 ). A sua argumentação, no entanto, não me convence totalmente.

85.

Com efeito, a jurisprudência não costuma validar este tipo de imposições relativas à sede, pois, em geral, é possível recorrer a medidas menos restritivas ( 42 ). E se as obrigações de serviço público previstas no artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008 (ou seja, apenas as conexões intracomunitárias) se impõem diretamente quanto às rotas, seja qual for a empresa que as cubra, a tese antes descrita justificaria que qualquer empresa que quisesse servir essas rotas teria de ter a sua sede em Portugal, o que me parece excessivo.

86.

Além disso, uma das obrigações do artigo 5.o, alínea d), do caderno de encargos (a salvaguarda da «continuidade e reforço das rotas que sirvam as […] comunidades de expressão ou língua oficial portuguesa») não pode ser considerada, em si mesma, uma obrigação de serviço público, na aceção do já referido artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008.

87.

No entanto, como salientou a Comissão, uma prática habitual no setor do transporte aéreo consiste em inserir, nos acordos bilaterais celebrados quer pela União quer por Estados‑Membros com Estados terceiros, uma exigência relativa à nacionalidade ( 43 ). São desse tipo os acordos bilaterais entre Portugal e Estados terceiros pertencentes à comunidade linguística portuguesa, como Angola, o Brasil ou Moçambique ( 44 ), com os quais Portugal mantém uma especial relação histórica, cultural, social e política, para cuja manutenção e fortalecimento é indispensável um sistema de transporte aéreo estável, regular e suficiente.

88.

Nessa mesma linha, a Parpública sublinha que os acordos celebrados, entre outros, com Angola e Moçambique preveem que a companhia aérea designada para realizar as ligações com Portugal deve ter a sua sede em território português, de modo que a sua transferência para outro Estado implicaria a perda da licença e dos correspondentes direitos de tráfego ( 45 ), o que poderia prejudicar seriamente um dos elementos fundamentais de comunicação que está na base das relações tradicionais de Portugal com os países da comunidade lusitana de nações e que, para esse Estado‑Membro, representa um ativo cultural e político de primeira ordem.

89.

Se assim for, o que cabe ao juiz nacional verificar, considero que este critério de seleção constitui uma restrição necessária e não desproporcionada.

F.   Obrigação de manter e desenvolver o centro de operações nacional (terceira questão)

90.

O artigo 5.o, alínea e), do caderno de encargos exige da empresa adquirente «[a] contribuição para o crescimento da economia nacional, incluindo no que respeita à manutenção e ao desenvolvimento do atual hub nacional, como plataforma de crucial importância estratégica nas relações entre a Europa, África e a América Latina».

91.

Parece claro que a manutenção e o desenvolvimento do centro de operações estão associados a um objetivo puramente económico, isto é, o crescimento da economia nacional.

92.

Poderia, talvez, ser invocado a favor desse critério (como do anteriormente analisado), a sua idoneidade para assegurar a continuidade das relações com os países da comunidade histórica e linguística portuguesa. No entanto, a cláusula do caderno de encargos fala apenas da «importância estratégica [do centro de operações] nas relações entre a Europa, África e a América Latina», dando por assente que a relevância destas relações se justifica, no contexto da norma de privatização, por referência à economia nacional e como fator suscetível de contribuir para o seu crescimento.

93.

Tendo em conta esta dimensão puramente económica, o critério relativo à manutenção do centro de operações nacional não poderia justificar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a restrição que comporta para a liberdade de estabelecimento.

94.

Nos termos do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis ( 46 ), «é jurisprudência constante que motivos de natureza puramente económica, como a promoção da economia nacional ou o seu bom funcionamento, não podem servir de justificação a entraves proibidos pelo Tratado».

95.

Isto não significa que o Tribunal de Justiça seja insensível aos interesses económicos dos Estados‑Membros, quando são invocados para entravar a liberdade de estabelecimento em benefício de um objetivo legítimo de política social. Assim, no mesmo Acórdão AGET Iraklis afirma‑se que, «uma vez que a União tem não só uma finalidade económica mas também uma finalidade social, os direitos que resultam das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais devem ser ajustados aos objetivos prosseguidos pela política social, entre os quais figuram, como resulta do artigo 151.o, primeiro parágrafo, TFUE, a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua igualização no progresso, uma proteção social adequada, o diálogo social, o desenvolvimento dos recursos humanos tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro e a luta contra as exclusões» ( 47 ).

96.

No entanto, neste caso, não se vislumbra outra dimensão nesse critério a não ser a estritamente económica, única que invoca, a este respeito, o caderno de encargos. A sua aplicação cria um obstáculo à liberdade de estabelecimento que, sem justificação razoável, é incompatível com o direito da União.

VI. Conclusão

97.

Atendendo às considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao Supremo Tribunal Administrativo nos seguintes termos:

«1)

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, não é aplicável a um processo de reprivatização de uma entidade pública que é proprietária do capital social de uma empresa de transporte aéreo.

2)

O artigo 49.o TFUE e o artigo 54.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que, em circunstâncias como as que se verificam no presente litígio, entre os requisitos que regem o processo de reprivatização, se incluam:

a capacidade para garantir o cumprimento das obrigações de serviço público que incumbam à adquirente, e

a manutenção da sede e da direção efetiva da sociedade no Estado‑Membro no qual esta foi constituída, sempre que isso seja imprescindível para assegurar os direitos de tráfego aéreo reconhecidos em virtude de acordos bilaterais celebrados por esse Estado‑Membro com outros Estados terceiros com os quais tem particular laços históricos, linguísticos, culturais e sociais, quando estes acordos impliquem que a empresa titular da correspondente licença de exploração tenha a nacionalidade do Estado‑Membro signatário.

3)

O artigo 49.o TFUE e o artigo 54.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, entre os referidos requisitos, figure a “contribuição para o crescimento da economia nacional, incluindo no que respeita à manutenção e ao desenvolvimento do atual hub nacional”.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3).

( 4 ) Diário da República, 1.a série, n.o 248, de 24 de dezembro de 2014.

( 5 ) Diário da República, 1.a série, n.o 13, de 20 de janeiro de 2015.

( 6 ) O tribunal de reenvio utiliza, regra geral, a palavra «reprivatização», embora por vezes se sirva do substantivo «privatização» (v. n.os 1.1 e 3.1, ponto III, do despacho de reenvio). A diferença terminológica é, no entanto, irrelevante para o que aqui interessa, como se reconheceu na audiência.

( 7 ) Assim, na primeira questão refere‑se à «exigência de manutenção da sede e da direção efetiva». Na segunda e quinta questões menciona «a exigência do cumprimento das obrigações de serviço público», enquanto na terceira e sexta questões fala da «exigência da manutenção e do desenvolvimento do atual hub nacional» (os sublinhados são meus).

( 8 ) N.o 6 das observações escritas do Governo italiano.

( 9 ) O que, além disso, também parece fazer o tribunal de reenvio, segundo afirma no n.o 3.4, pontos XXXII e XXXIII, do despacho de reenvio.

( 10 ) Acórdão de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o. (C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 44).

( 11 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Asociación Profesional Elite Taxi (C‑434/15, EU:C:2017:981, n.o 41).

( 12 ) Acórdão de 22 de outubro de 2013, Essent e o. (C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 13 ) Nas palavras do Acórdão de 13 de abril de 2000, Baars (C‑251/98, EU:C:2000:205, n.o 22), «[e]xerce por isso o direito de estabelecimento o nacional de um Estado‑Membro que detém, no capital de uma sociedade com sede noutro Estado‑Membro, uma participação que lhe confere uma influência certa sobre as decisões dessa sociedade e lhe permite que determine as respetivas atividades». No mesmo sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 91), e de 10 de junho de 2015, X (C‑686/13, EU:C:2015:375, n.o 18). Em contrapartida, segundo o Acórdão de 7 de setembro de 2017, Eqiom e Enka (C‑6/16, EU:C:2017:641, n.o 41), «as disposições nacionais que se destinam a aplicar‑se a participações efetuadas com a única intenção de realizar uma aplicação financeira, sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa, devem ser examinadas exclusivamente à luz da livre circulação de capitais». Também Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Deister Holding e Juhler Holding (C‑504/16 e C‑613/16, EU:C:2017:1009, n.o 78).

( 14 ) N.o 3.1 VII dos despacho de reenvio.

( 15 ) A Resolução do Conselho de Ministros (91‑A/2015) que concluiu o processo de privatização data de 12 de novembro de 2015. O novo executivo, de sinal político diferente, que assumiu o poder em 26 de novembro desse ano, deu imediatamente início às negociações destinadas a reconfigurar aquele processo.

( 16 ) Na audiência, a Parpública reconheceu que o Estado português, agora maioritário no capital social da companhia aérea, conserva todos os direitos de voto inerentes à sua maioria acionista.

( 17 ) O Estado português é proprietário de 50% do capital social da TAP, e os trabalhadores da TAP dos restantes 5%.

( 18 ) V., designadamente, Acórdãos de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 35); de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 19); de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 54); e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 50 e 155).

( 19 ) Se a harmonização fosse absoluta, não se aplicariam as disposições gerais do TFUE relativas à livre prestação de serviços, devendo a regulamentação nacional ser apreciada à luz das disposições de harmonização e não do direito primário, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, plasmada, nomeadamente, no Acórdão de 17 de novembro de 2015, RegioPost (C‑115/14, EU:C:2015:760, n.o 57).

( 20 ) V., designadamente, Acórdão de 8 de março de 2017, Euro Park Service (C‑14/16, EU:C:2017:177, n.o 59).

( 21 ) N.os 17 e 18 das suas observações escritas.

( 22 ) Acórdãos de 4 de junho de 2002, Comissão/Portugal (C‑367/98, EU:C:2002:326), de 4 de junho de 2002, Comissão/França (C‑483/99, EU:C:2002:327); de 4 de junho de 2002,Comissão/Bélgica (C‑503/99, EU:C:2002:328); de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha (C‑463/00, EU:C:2003:272); de 13 de maio de 2003, Comissão/Reino Unido (C‑98/01, EU:C:2003:273); de 6 de dezembro de 2007, Federconsumatori e o. (C‑463/04 e C‑464/04, EU:C:2007:752); de 28 de setembro de 2006, Comissão/Países Baixos (C‑282/04 e C‑283/04, EU:C:2006:608); de 23 de outubro de 2007, Comissão/Alemanha (C‑112/05, EU:C:2007:623); de 26 de março de 2009, Comissão/Itália (C‑326/07, EU:C:2009:193); de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal (C‑171/08, EU:C:2010:412); de 11 de novembro de 2010, Comissão/Portugal (C‑543/08, EU:C:2010:669); e de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal (C‑212/09, EU:C:2011:717).

( 23 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal (C‑171/08, EU:C:2010:412, n.o 60).

( 24 ) Acórdão de 28 de setembro de 2006, Comissão/Países Baixos (C‑282/04 e C‑283/04, EU:C:2006:608, n.o 29).

( 25 ) Acórdão de 28 de setembro de 2006, Comissão/Países Baixos (C‑282/04 e C‑283/04, EU:C:2006:608, n.o 30).

( 26 ) N.o 81 das suas observações escritas.

( 27 ) N.os 63 e 64 das suas observações escritas.

( 28 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Yellow Cab Verkehrsbetrieb (C‑338/09, EU:C:2010:814).

( 29 ) Ibidem, n.o 34.

( 30 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Yellow Cab Verkehrsbetrieb (C‑338/09, EU:C:2010:814, n.o 37): «[E]xigir que um operador económico, estabelecido noutro Estado‑Membro e pretendente a uma autorização de exploração de uma linha regular de transporte de passageiros em autocarro no Estado‑Membro de acolhimento, disponha de uma sede ou de outro estabelecimento no território deste último Estado, mesmo antes de a exploração desta linha lhe ser concedida, comporta um efeito dissuasivo. Com efeito, um operador económico normalmente prudente não está disposto a fazer investimentos, eventualmente importantes, na total incerteza quanto à obtenção dessa autorização».

( 31 ) Acórdão de 25 de outubro de 2017, Polbud — Wykonawstwo (C‑106/16, EU:C:2017:804, n.o 33), que refere o Acórdão de 27 de setembro de 1988, Daily Mail and General Trust (81/87, EU:C:1988:456, n.o 17). Podem encontrar‑se mais referências no n.o 35 do Acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus (C‑371/10, EU:C:2011:785), onde se recordava que «[e]mbora, de acordo com a sua redação, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento se destinem a assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação».

( 32 ) N.o 25 das observações escritas do Governo dos Países Baixos.

( 33 ) Assim se decidiu relativamente ao serviço postal universal (Acórdão de 28 de setembro de 2006, Comissão/Países Baixos,C‑282/04 e C‑283/04, EU:C:2006:608, n.o 38) ou aos serviços regulares de transporte marítimo de, entre e para as ilhas (Acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o., C‑205/99, EU:C:2001:107, n.o 27).

( 34 ) Territórios que a declaração de princípio contida no artigo 1.o do Protocolo n.o 26 incorporado como anexo ao TFUE afeta de modo particular, no sentido de que os valores comuns da União no que respeita aos serviços de interesse económico geral, na aceção do artigo 14.o TFUE, incluem, em especial, inter alia, «a diversidade dos [referidos] serviços […] e as diferenças nas necessidades […] dos utilizadores que possam resultar das diversas situações geográficas […]».

( 35 ) N.o 71 das suas observações escritas.

( 36 ) N.os 26 e 27 das suas observações escritas. A «dedução» baseia‑se em duas comunicações da Comissão em conformidade com o Regulamento n.o 2408/92, antecessor do Regulamento n.o 1008/2008: a primeira, relativa à imposição de obrigações de serviço público a determinados serviços aéreos regulares em Portugal (JO 1995, C 200, p. 3), e a segunda, relativa à imposição de obrigações modificadas de serviço público a determinados serviços aéreos regulares em Portugal (JO 2004, C 248, p. 6).

( 37 ) N.o 107 das observações escritas da Parpública, em que se traz à colação a Comunicação da Comissão, de 20 de outubro de 2010, ex n.o 4 do artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008, sobre obrigações de serviço público no que respeita a serviços aéreos regulares (JO 2010, C 283, p. 14).

( 38 ) Na audiência garantiu‑se que a TAP não explora qualquer rota coberta por uma obrigação de serviço público desde 28 de março de 2015. A partir dessa data, vigora um sistema de prestação social em termos de mobilidade, aplicada ao bilhete de qualquer empresa que cubra determinadas rotas.

( 39 ) O sublinhado é meu.

( 40 ) Nesta linha, a disposição termina referindo «a continuidade e reforço das rotas que sirvam as regiões autónomas, a diáspora e os países e comunidades de expressão ou língua oficial portuguesa». Mais uma vez, a linguagem contém um elemento de eventualidade e, de qualquer modo, refere‑se a ligações aéreas diferentes das previstas no artigo 16.o do Regulamento n.o 1008/2008.

( 41 ) N.o 36 das observações escritas do Governo dos Países Baixos.

( 42 ) O Governo dos Países Baixos invoca o Acórdão de 7 de maio de 1998, Clean Car Autoservice (C‑350/96, EU:C:1998:205, n.os 36 e 37).

( 43 ) N.o 52 das suas observações escritas.

( 44 ) Ibidem, n.o 55.

( 45 ) N.os 40 e 41 das suas observações escritas.

( 46 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2016 (C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 72).

( 47 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis (C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 77).