CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 25 de julho de 2018 ( 1 )

Processo C‑310/17

Levola Hengelo BV

contra

Smilde Foods BV

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/29/CE — Direitos de autor e direitos conexos — Conceito de “obra” — Sabor de um produto alimentar»

1. 

O presente pedido de decisão prejudicial de 23 de maio de 2017, entregue na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de maio de 2017 pelo Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden, Países Baixos), tem por objeto a interpretação dos artigos 2.o a 5.o da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação ( 2 ).

2. 

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Levola Hengelo BV (a seguir «Levola») à sociedade Smilde Foods BV (a seguir «Smilde»), duas empresas que produzem géneros alimentícios, a respeito da pretensa violação por parte da Smilde do direito de autor da Levola sobre o sabor de um queijo para barrar produzido com natas frescas e plantas aromáticas, designado «Heksenkaas» ou «Heks’nkaas» (a seguir «Heksenkaas») ( 3 ).

3. 

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, para decidir o litígio perante si submetido, necessita de saber, designadamente, se o direito da União, e em particular a Diretiva 2001/29, se opõe à proteção pelo direito de autor do sabor de um produto alimentar.

I. Quadro jurídico

A.   Direito internacional

1. Convenção de Berna

4.

O artigo 2.o da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»), dispõe:

«1.   Os termos “obras literárias e artísticas” compreendem todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão, tais como: os livros, folhetos e outros escritos; as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; as obras dramáticas ou dramático‑musicais; as obras coreográficas e as pantomimas; as composições musicais, com ou sem palavras; as obras cinematográficas, às quais são assimiladas as obras expressas por um processo análogo à cinematografia; as obras de desenho, pintura, arquitetura, escultura, gravura e litografia; as obras fotográficas, às quais são assimiladas as obras expressas por um processo análogo ao da fotografia; as obras das artes aplicadas; as ilustrações e as cartas geográficas; os planos, esboços e obras plásticas relativos à geografia, à topografia, à arquitetura ou às ciências.

2.   Fica, todavia, reservada às legislações dos países da União a faculdade de prescrever que as obras literárias e artísticas ou uma ou várias categorias de entre elas não são protegidas enquanto não forem fixadas num suporte material.

[…]

5.   As recolhas de obras literárias ou artísticas, tais como as enciclopédias e antologias, que, pela seleção ou disposição das matérias, constituem criações intelectuais, são protegidas como tais, sem prejuízo dos direitos dos autores sobre cada uma das obras que fazem parte dessas recolhas.

6.   As obras acima mencionadas gozam de proteção em todos os países da União. Esta proteção exerce‑se em benefício do autor e dos seus sucessores.

[…]»

5.

Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da Convenção de Berna:

«Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução das suas obras, de qualquer maneira e por qualquer forma.»

2. Tratado da OMPI sobre direito de autor

6.

Em 20 de dezembro de 1996, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra o Tratado da OMPI sobre Direito de Autor (a seguir «Tratado da OMPI sobre direito de autor»), que entrou em vigor em 6 de março de 2002 e que foi aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2000/278/CE do Conselho ( 4 ).

7.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre direito de autor, com a epígrafe «Relação com a Convenção de Berna»:

«As partes contratantes devem observar o disposto nos artigos 1.o a 21.o da Convenção de Berna e no respetivo anexo.»

8.

O artigo 2.o do Tratado da OMPI sobre direito de autor, intitulado «Âmbito da proteção conferida pelo direito de autor», dispõe:

«A proteção conferida pelo direito de autor abrange as expressões, e não as ideias, os processos, os métodos operacionais ou os conceitos matemáticos enquanto tal.»

9.

O artigo 4.o do Tratado da OMPI sobre direito de autor, intitulado «Programas de computador», prevê:

«Os programas de computador são protegidos como obras literárias na aceção do artigo 2.o da Convenção de Berna. Essa proteção aplica‑se aos programas de computador, independentemente do seu modo ou forma de expressão.»

10.

Nos termos do artigo 5.o do Tratado da OMPI sobre direito de autor, intitulado «Compilações de dados (bases de dados)»:

«Independentemente da forma que revistam, as compilações de dados ou de outros elementos que, em virtude da seleção ou da disposição do respetivo conteúdo, constituam criações intelectuais são protegidas como tal. Essa proteção não abrange os próprios dados ou elementos e não prejudica o direito de autor eventualmente aplicável aos dados ou elementos contidos na compilação.»

3. Acordos OMC e ADPIC

11.

O Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC), de 15 de abril de 1994 (JO 1994, L 336, p. 214, a seguir «acordo ADPIC»), que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) (JO 1994, L 336, p. 3, a seguir «Acordo OMC»), foi aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) ( 5 ).

12.

O artigo 9.o do acordo ADPIC, com a epígrafe «Relações com a Convenção de Berna» enuncia:

«1.   Os membros [da OMC] devem observar o disposto nos artigos 1.o a 21.o da Convenção de Berna (1971) e no respetivo anexo […].

2.   A proteção do direito de autor abrangerá as expressões, e não as ideias, processos, métodos de execução ou conceitos matemáticos enquanto tal.»

13.

O artigo 10.o do acordo ADPIC, intitulado «Programas de computador e compilações de dados», dispõe:

«1.   Os programas de computador, quer sejam expressos em código fonte ou em código objeto, serão protegidos enquanto obras literárias ao abrigo da Convenção de Berna (1971).

2.   As compilações de dados ou de outros elementos, quer sejam fixadas num suporte legível por máquina ou sob qualquer outra forma, que, em virtude da seleção ou da disposição dos respetivos elementos constitutivos, constituam criações intelectuais, serão protegidas enquanto tal. Essa proteção, que não abrangerá os próprios dados ou elementos, não prejudicará os eventuais direitos de autor aplicáveis a esses dados ou elementos.»

B.   Direito da União

14.

O artigo 2.o da Diretiva 2001/29, intitulado «Direito de reprodução», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)

Aos autores, para as suas obras;

[…]»

15.

O artigo 3.o da Diretiva 2001/29, intitulado «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[…]»

16.

O artigo 4.o da Diretiva 2001/29, intitulado «Direito de distribuição», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.

[…]»

C.   Direito neerlandês

17.

O artigo 1.o da Auteurswet (Lei neerlandesa sobre direitos de autor, a seguir «Lei sobre direitos de autor») dispõe:

«O direito de autor é o direito exclusivo do autor de uma obra literária, científica ou artística, ou dos seus sucessores, de a divulgar e reproduzir, sob reserva das limitações previstas pela lei.»

18.

O artigo 10.o da Lei sobre direitos de autor tem a seguinte redação:

«1.   Para efeitos da presente lei, entende‑se por obra literária, científica ou artística:

1)

os livros, folhetos, jornais, revistas e todos os outros escritos;

2)

as obras dramáticas ou dramático‑musicais;

3)

as conferências e alocuções;

4)

as obras coreográficas e as pantominas;

5)

as composições musicais com ou sem palavras;

6)

as obras de desenho, pintura, arquitetura, escultura, litografia, gravuras e outras;

7)

os mapas geográficos;

8)

os projetos, esboços e obras plásticas relativos à arquitetura, à geografia, à topografia ou a outras ciências;

9)

as obras fotográficas;

10)

as obras cinematográficas;

11)

as obras de artes aplicadas e os desenhos e modelos industriais;

12)

os programas informáticos e o material preparatório;

e de um modo geral todas as produções do domínio literário, científico ou artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão.

[…]»

II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19.

O Heksenkaas é um queijo‑creme em cuja composição são utilizadas natas frescas e plantas aromáticas. Foi criado por um negociante neerlandês de produtos hortícolas e produtos frescos em 2007. Por contrato celebrado em 2011, e a título de contrapartida de uma remuneração ligada ao volume de negócios a realizar através da sua venda, o seu criador cedeu à Levola os seus direitos de propriedade intelectual sobre este produto.

20.

Em 10 de julho de 2012 o método de produção do Heksenkaas foi patenteado e a marca nominativa «Heksenkaas» foi depositada em meados de 2010.

21.

Desde janeiro de 2014, a Smilde fabrica um produto denominado «Witte Wievenkaas» para uma cadeia de supermercados nos Países Baixos.

22.

Considerando que a produção e a venda do Witte Wievenkaas viola os seus direitos de autor sobre o «sabor» do Heksenkaas, a Levola intentou no rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância de Gelderland, Países Baixos) uma ação contra a Smilde. A Levola definiu o direito de autor sobre um sabor como a «impressão de conjunto provocada pelo consumo de um produto alimentar nos órgãos sensoriais do paladar, incluindo a sensação na boca percecionada pelo sentido do toque».

23.

A Levola pediu ao rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância de Gelderland) que declare, por um lado, que o sabor do Heksenkaas constituiu uma criação intelectual própria do seu fabricante e beneficia, por conseguinte, da proteção a título do direito de autor na qualidade de «obra», na aceção do artigo 1.o da Lei sobre o direito de autor, e, por outro, que o sabor do produto fabricado pela Smilde constitui uma reprodução desta «obra». Também pediu ao mesmo órgão jurisdicional que ordenasse à Smilde a cessação e a proibição de qualquer violação dos seus direitos de autor, incluindo a produção, a compra, a venda e qualquer outra comercialização do produto denominado «Witte Wievenkaas».

24.

Por Sentença de 10 de junho de 2015, o rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância de Gelderland) considerou que, sem que fosse necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se o sabor do Heksenkaas era suscetível de ser protegido a título de direito de autor, as pretensões da Levola, deviam, em todo o caso, ser julgadas improcedentes, uma vez que esta última não tinha indicado quais os elementos ou qual a combinação de elementos do sabor do Heksenkaas que lhe conferiam um caráter próprio original e um cunho pessoal.

25.

A Levola interpôs recurso desta sentença no órgão jurisdicional de reenvio.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a questão central colocada no processo é a de saber se o sabor de um produto alimentar pode ser protegido a título de direito de autor. Acrescenta que as partes no processo defendem posições diametralmente opostas sobre esta questão.

27.

Segundo a Levola, o sabor de um produto alimentar pode ser qualificado de obra literária, científica ou artística protegida a título de direito de autor. A Levola baseia‑se, nomeadamente, no Acórdão de 16 de junho de 2006 do Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), Lancôme (ECLI:NL:HR:2006:AU8940), no qual este último órgão jurisdicional admitiu, em princípio, a possibilidade de reconhecer um direito de autor sobre o cheiro de um perfume.

28.

Em contrapartida, segundo a Smilde, a proteção dos sabores não é conforme com o regime do direito de autor que incida apenas sobre as criações visuais e sonoras. Por outro lado, a instabilidade de um produto alimentar e o caráter subjetivo da perceção gustativa obstam à qualificação de um sabor de um produto alimentar como obra protegida a título de direito de autor. Além disso, os direitos exclusivos do autor de uma obra de propriedade intelectual e as suas limitações são praticamente inaplicáveis aos sabores.

29.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) rejeitou categoricamente a possibilidade de uma proteção de um cheiro a título de direito de autor, nomeadamente no seu Acórdão de 10 de dezembro de 2013 (ECLI:FR:CCASS:2013:CO01205) ( 6 ). A jurisprudência dos órgãos jurisdicionais supremos nacionais da União Europeia é, assim, diferente, quanto à questão, semelhante à que está no cerne do processo que se encontra pendente no órgão jurisdicional de reenvio, da proteção de um cheiro a título do direito de autor.

30.

Foi assim que o Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

a)

O direito da União opõe‑se a que o sabor de um produto alimentar — enquanto criação intelectual do próprio autor — seja protegido por direitos de autor? Mais especificamente:

b)

O conceito de “obras literárias e artísticas” previsto no artigo 2.o, n.o 1, da Convenção de Berna, que é vinculativa para todos os Estados‑Membros da União, abrange efetivamente “todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o modo ou a forma de expressão”, mas os exemplos mencionados nesta disposição apenas se referem a criações que podem ser observadas com os sentidos da visão e da audição. Esta circunstância opõe‑se a uma proteção ao abrigo dos direitos de autor?

c)

A (eventual) instabilidade de um produto alimentar e/ou o caráter subjetivo da experiência do sabor obstam a que o sabor de um produto alimentar possa ser considerado uma obra protegida por direitos de autor?

d)

O regime de direitos e exceções previsto nos artigos 2.o a 5.o da Diretiva 2001/29/CE opõe‑se à proteção dos direitos de autor do sabor de um produto alimentar?

2.

Em caso de resposta negativa à questão l.a):

a)

Quais são os requisitos aplicáveis à proteção dos direitos de autor do sabor de um produto alimentar?

b)

A proteção dos direitos de autor de um sabor baseia‑se apenas no sabor enquanto tal ou (também) na receita do produto alimentar?

c)

O que deve alegar a parte que, num processo (por infração dos direitos de autor), declara ter criado um sabor protegido pelos direitos de autor de um produto alimentar? Para o efeito, é suficiente que esta parte apresente o produto alimentar, na audiência, ao órgão jurisdicional para que este o possa provar e cheirar e, assim, formar uma ideia sobre a questão de saber se o sabor do produto alimentar cumpre os requisitos relativos à proteção dos direitos de autor? Ou deve a demandante apresentar (em conjugação ou não com o que antecede) uma descrição das escolhas criativas da composição do sabor e/ou da receita, com base nas quais o sabor pode ser considerado uma criação intelectual do fabricante?

d)

Como deve o órgão jurisdicional determinar, num processo de infração, se o sabor do produto alimentar da parte demandada corresponde de tal modo ao sabor do produto alimentar da demandante que existe uma violação dos direitos de autor? É (também) determinante, para o efeito, que a impressão geral dos dois sabores coincida?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31.

Apresentaram observações escritas a Levola, a Smilde, os Governos francês, italiano e do Reino Unido, bem como a Comissão Europeia. A Levola, a Smilde, os Governos neerlandês, francês e do Reino Unido, bem como a Comissão, apresentaram observações orais na audiência de 4 de junho de 2018.

IV. Análise

32.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o sabor de um produto alimentar constitui uma «obra» e pode ser protegido a título de direito de autor pela Diretiva 2001/29 ( 7 ).

A.   Quanto à admissibilidade

33.

A Smilde alega que o presente pedido de decisão prejudicial é inadmissível. Considera que, para além do facto de a Levola não ter cumprido com a sua obrigação de alegação e de prova no processo principal, este processo pode também, desde já, ser encerrado com base no facto de o sabor do produto Heksenkaas não ser original.

34.

Na minha opinião, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Smilde não pode ser acolhida pelas seguintes razões.

35.

Compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, aos quais é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar, à luz das particularidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daqui decorre que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. A rejeição pelo Tribunal de Justiça de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 8 ).

36.

Importa sublinhar que o presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do direito da União e, mais concretamente, a interpretação dos artigos 2.o a 5.o da Diretiva 2001/29. Não havendo nenhum indício, ou inclusivamente uma alegação, de que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que o problema é hipotético, considero que as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativas à interpretação desta diretiva e o conceito de «obra» não podem ser consideradas inadmissíveis pelo simples facto de uma das partes no processo principal considerar que o processo principal deve ser resolvido com base noutros fundamentos e argumentos.

B.   Quanto ao mérito

1. Conceito de «obra» — conceito «uniforme e autónomo do direito da União»

37.

O conceito de «obra», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, não é definido por esta diretiva ( 9 ). Além disso, estas disposições não contêm nenhuma remissão para o direito nacional no que respeita ao conceito de «obra» ( 10 ).

38.

Perante tal circunstância, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente encontrar, em toda a União Europeia, uma interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 11 ).

39.

Resulta desta jurisprudência que se deve considerar que o termo «obra» corresponde a um conceito autónomo do direito da União, cujo sentido e alcance devem ser idênticos em todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça conferir a este termo uma interpretação uniforme no ordenamento jurídico da União ( 12 ).

40.

Daqui resulta que o conceito de «obra», enquanto conceito autónomo do direito da União, não permite que os Estados‑Membros prevejam, a este propósito, normas diferentes ou adicionais. O direito da União opõe‑se, por conseguinte, a uma regulamentação nacional que, fora do quadro previsto pela Diretiva 2001/29 ( 13 ), previsse a possibilidade de proteger os sabores dos produtos alimentares ( 14 ) a título de direito de autor.

2. Conceito de «obra» e exigência de uma criação intelectual

41.

O Governo francês considera que, para determinar se um sabor alimentar pode beneficiar da proteção conferida a título de direito de autor pela Diretiva 2001/29, há que determinar se a medida pode ser considerada uma obra, ou seja, um objeto que seja original no sentido de que é uma criação intelectual própria do seu autor.

42.

O Tribunal de Justiça salientou no n.o 34 do Acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465), que «resulta da sistemática geral da Convenção de Berna, designadamente do seu artigo 2.o, quinto e oitavo parágrafos, que a proteção de determinados objetos enquanto obras literárias e artísticas pressupõe que constituam criações intelectuais» ( 15 ). Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o direito de autor, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29, só era suscetível de se aplicar em relação a um objeto que seja original, no sentido de que é uma criação intelectual própria do seu autor ( 16 ).

43.

No n.o 88 do Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer (C‑145/10, EU:C:2011:798), o Tribunal de Justiça declarou que uma criação intelectual é própria do respetivo autor quando reflete a sua personalidade. De acordo com o n.o 39 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de março de 2012, Football Dataco e o. (C‑604/10, EU:C:2012:115), o critério da originalidade não é cumprido quando a constituição da base de dados é ditada por considerações técnicas, regras ou limitações que não deixam margem a uma liberdade criativa. Além disso, no n.o 42 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de a constituição da base de dados ter exigido, independentemente da criação dos dados que contém, um trabalho e uma perícia significativos do seu autor, não pode, enquanto tal, justificar a sua proteção pelo direito de autor se esse trabalho e essa perícia não exprimirem nenhuma originalidade na seleção ou disposição dos referidos dados.

44.

Porém, considero que embora o facto de um objeto ser original seja uma condição necessária para beneficiar da proteção do direito de autor, esta condição não me parece suficiente. Para além da exigência de que o objeto em causa seja original, deve ser uma «obra».

45.

No n.o 33 do Acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465), o Tribunal de Justiça declarou que «[o] artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29 prevê que os autores dispõem do direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções no todo ou em parte das suas obras. Do mesmo resulta que a proteção do direito de autorizar ou de proibir a reprodução de que goza o autor tem por objeto uma “obra”» ( 17 ).

46.

Resulta claramente desta jurisprudência que o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29 exige, por um lado, a existência de uma «obra» ( 18 ) e, por outro, que essa obra seja original. É importante não fundir ou amalgamar estes dois conceitos que são distintos.

47.

Por conseguinte, considero, à semelhança da Comissão, que o facto de uma «obra só poder ser protegida a título de direito de autor nos termos do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29 se cumprir este critério de originalidade não poderia, no entanto, ser interpretado no sentido de que implica, pelo contrário, que qualquer objeto que satisfaça este critério deva ser “automaticamente” considerado, por este motivo, uma “obra” protegida pelo direito de autor na aceção da referida diretiva» ( 19 ).

3. Um sabor constitui uma obra?

48.

Não definindo a Diretiva 2001/29 o conceito de obra, considero que é oportuno tomar em consideração as disposições da Convenção de Berna. Com efeito, não obstante o facto de a União não ser parte contratante na Convenção de Berna, «está, não obstante, obrigada, por força do artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre direito de autor, no qual ela é parte, que faz parte da sua ordem jurídica, e que a Diretiva 2001/29 visa implementar, a observar os artigos 1.o a 21.o da Convenção de Berna» ( 20 ).

49.

Por conseguinte, a União tem de observar, designadamente, o artigo 2.o, n.o 1, da Convenção de Berna que define o âmbito das obras «literárias e artísticas» que podem ser protegidas a título do direito de autor. De acordo com esta disposição, a expressão «obras literárias e artísticas», «compreende[m] todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão». Além disso, o artigo 2.o, n.o 1, da Convenção de Berna estabelece uma lista não exaustiva ( 21 ) das obras «literárias e artísticas» que são protegidas ( 22 ).

50.

Esta lista não faz nenhuma referência aos sabores, da mesma forma que não se refere às obras análogas aos sabores, como os cheiros ou perfumes, mas não os exclui expressamente.

51.

Saliento, no entanto, que, não obstante o facto de, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Convenção de Berna, «a expressão “obras literárias e artísticas” compreend[erem] todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão», esta disposição refere‑se apenas às obras que são percecionadas por meios visuais ou sonoros, como os livros e as composições musicais, com exclusão dos produtos que podem ser percecionados por outros sentidos, como o palato, o olfato ou o tato.

52.

Além disso, em caso de dúvidas persistentes sobre a proteção de certas produções pelo direito de autor, a comunidade internacional deve ser regularmente instada a esclarecer claramente que estas «obras» estavam protegidas pelo direito de autor — desde que fossem originais — através da introdução de alterações à Convenção de Berna ou da adoção de outros acordos multilaterais ( 23 ).

53.

Foi assim que o Tratado da OMPI sobre o direito de autor, que é um acordo particular na aceção da Convenção de Berna, foi adotado, nomeadamente, para proteger as obras no ambiente digital ( 24 ), tais como os programas de computador e as compilações de dados ou de outros elementos (bases de dados) ( 25 ).

54.

O sabor de um produto alimentar não pode ser comparado a alguma das «obras» protegidas por este Tratado e, tanto quanto me é dado a conhecer, nenhuma outra disposição do direito internacional protege, através do direito de autor, o sabor de um produto alimentar ( 26 ).

55.

Além disso, considero, em conformidade com as observações do Governo francês e da Comissão, que embora o processo de elaboração de um sabor alimentar ou de um perfume exija um trabalho e constitua o resultado de um know‑how, estes constituem objetos cuja proteção só poderia ser assegurada pelo direito de autor se fossem originais ( 27 ). A proteção conferida a título do direito de autor alarga‑se às expressões originais e não às ideias, aos procedimentos, aos métodos de funcionamento ou aos conceitos matemáticos, enquanto tais ( 28 ). Considero que, embora a forma nos termos da qual uma receita é expressa (a expressão) possa ser protegida pelo direito de autor se a expressão for original, o direito de autor não protege a receita enquanto tal (a ideia). Esta distinção é denominada em inglês «idea/expression dichotomy».

56.

Acresce que estas expressões originais devem ser identificáveis com suficiente precisão e objetividade. Foi assim que, no Acórdão de 12 de dezembro de 2002, Sieckmann (C‑273/00, EU:C:2002:748, n.o 55), que diz respeito à questão de saber se um sinal, no caso concreto um cheiro, que não é, em si mesmo, suscetível de ser visualmente percetível, pode constituir uma marca, o Tribunal de Justiça declarou que era possível «desde que possa ser objeto de representação gráfica, nomeadamente através de figuras, de linhas ou de carateres, que seja clara, precisa, completa por si própria, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objetiva» ( 29 ).

57.

Ora, afigura‑se que no estado atual da técnica, a identificação precisa e objetiva de um sabor ou de um cheiro é atualmente impossível. A este respeito, o Governo italiano salienta que «não obstante os esforços científicos desenvolvidos até à data para definir inequivocamente as propriedades organoléticas dos produtos alimentares, no estado atual das coisas, o “sabor” é essencialmente um elemento qualitativo, ligado, em primeiro lugar, ao caráter subjetivo da experiência gustativa. As propriedades organoléticas dos alimentos destinam‑se, com efeito, a serem percecionadas e avaliadas pelos órgãos sensoriais, principalmente o palato e o olfato, mas igualmente o tato, com base na experiência subjetiva e nas impressões suscitadas pelo alimento sobre os referidos órgãos sensoriais. Não existe ainda uma caracterização objetiva de tais experiências» ( 30 ). Não excluo que, no futuro, as técnicas para a identificação precisa e objetiva de um sabor ou de um cheiro possam evoluir, o que poderia conduzir o legislador a intervir e a protegê‑los a título do direito de autor ou de outros meios.

58.

Na minha opinião, a possibilidade de confiar a identificação de um sabor a um juiz ou a um perito por aquele designado, como a Levola sugere nas suas observações escritas, nada retira ao facto de que esta identificação ( 31 ) continuaria, pela sua própria natureza, a ser um exercício subjetivo ( 32 ). Ora, a possibilidade de identificar, com suficiente precisão e objetividade, uma obra e, por conseguinte, o âmbito da sua proteção a título do direito de autor é imperativa para respeitar o princípio da segurança jurídica no interesse do titular de direito de autor e, em especial, dos terceiros que podem ficar sujeitos a ações judiciais, nomeadamente a ações penais ou de contrafação ( 33 ), por violação do direito de autor.

59.

Que os produtos alimentares sejam potencialmente instáveis não é em si mesmo convincente. Com efeito, importa sublinhar que, para além do facto de a Diretiva 2001/29 não prever nenhuma obrigação de fixar uma obra ( 34 ), não é o suporte em que ou no qual uma obra é fixada que é objeto do direito de autor, mas a obra em si mesma.

60.

No entanto, o facto de os sabores serem, eles próprios, efémeros, voláteis e instáveis milita, na minha opinião, contra a sua identificação precisa e objetiva e, por conseguinte, a sua qualificação como obras para efeitos do direito de autor.

61.

Por conseguinte, considero que o sabor de um produto alimentar não constitui uma «obra» na aceção da Diretiva 2001/29. Daqui resulta que um sabor não pode beneficiar do direito de reprodução ( 35 ), do direito de comunicação de obras ao público e do direito de colocar à disposição do público outros objetos protegidos ( 36 ), e do direito de distribuição ( 37 ), na aceção da Diretiva 2001/29, os quais visam apenas as obras. Além disso, há que salientar que as exceções e limitações previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29 visam apenas as obras protegidas por estes direitos.

62.

Resulta das considerações que precedem que a Diretiva 2001/29 se opõe à proteção a título do direito de autor do sabor de um produto alimentar. Uma vez que a segunda questão só foi colocada para a hipótese de a Diretiva 2001/29 não se opor à proteção a título de direito de autor do sabor de um produto alimentar e incide, nomeadamente, sobre as condições para beneficiar dessa proteção e sobre o alcance dessa proteção, não há que lhe dar resposta.

V. Conclusão

63.

Atendendo a todas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden, Países Baixos) do seguinte modo:

A Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, opõe‑se à proteção a título de direito de autor do sabor de um produto alimentar.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2001, L 167, p. 10.

( 3 ) Em português «Queijo das Bruxas».

( 4 ) Decisão do Conselho de 16 de março de 2000, relativ[a] à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre direito de autor e do Tratado OMPI sobre prestações e fonogramas (JO 2000, L 89, p. 6).

( 5 ) JO 1994, L 336, p. 1.

( 6 ) Cour de cassation, chambre commerciale, 10 de dezembro de 2013, n.o 11‑19.872, não publicado (ECLI:FR:CCASS:2013:CO01205).

( 7 ) Segundo a Levola «[o] desafio no litígio […] entre a Levola e a Smilde consiste na proteção a título de direito de autor do sabor do Heksenkaas enquanto tal. Trata‑se da impressão sensorial por que passa a experiência deste sabor enquanto tal, e não dos meios através dos quais esta impressão é criada. Não se pede assim a proteção de uma substância concreta ou de uma lista de ingredientes. A obra cuja proteção é pedida é o sabor em si mesmo, e não o seu suporte» (n.o 9 das suas observações). A Levola acrescenta que «não é de excluir que o sabor possa ser reproduzido através de outro suporte, da mesma forma que a imagem criada pelo artista com a pintura a óleo pode ser imitada e ser reproduzida noutro suporte. Com efeito, uma obra protegida pelo direito de autor é constituída pela expressão imaterial e não pelo suporte físico referente a essa expressão» (n.o 86 das suas observações).

( 8 ) V. Acórdão de 1 de julho de 2010, Sbarigia (C‑393/08, EU:C:2010:388, n.os 19 e 20 e jurisprudência referida).

( 9 ) Além disso, a proteção, pelo direito de autor, do sabor de um produto alimentar não é especificamente regulada pela legislação da União.

( 10 ) Segundo a Levola, «[s]e o direito da União conhece um conceito uniforme e autónomo de obra que não deixa aos Estados‑Membros a liberdade de definirem a nível nacional requisitos adicionais para conceder uma proteção a título do direito de autor […], o direito da União deve igualmente resolver a questão de saber se os Estados‑Membros devem conceder a proteção, a título de direito de autor, a criações originais que são percecionadas de outra forma, que não apenas através da visão ou da audição, como um sabor ou um cheiro ou se não podem conceder a proteção a título de direito de autor a essas criações de sabor ou de cheiro, ainda que esse sabor ou esse cheiro resultem de um trabalho intelectual criativo através do qual o autor deu expressão à sua criatividade pessoal» (n.o 41 das suas observações). «Contudo, se o Tribunal de Justiça pretendeu apenas estabelecer um limiar mínimo qualitativo para efeitos da proteção a título do direito de autor sob a forma de uma exigência de “criação intelectual própria”— como, por exemplo, admitido pela jurisprudência alemã — é então evidente que os Estados‑Membros são livres de conceder ou não a proteção a título do direito de autor a uma obra que consista no sabor de uma criação culinária, se este sabor puder, pelo menos, ser qualificado de criação intelectual do próprio autor. Com efeito, o limiar qualitativo mínimo fixado de “criação intelectual própria”não exclui necessariamente nenhum dos sentidos humanos, pelo que a determinação da pertinência da forma sensorial através da qual é percecionada uma criação intelectual própria seria deixada à discrição dos Estados‑Membros» (n.o 42 das suas observações).

( 11 ) V. Acórdão de 16 de junho de 2011, Omejc (C‑536/09, EU:C:2011:398, n.o 19). V., também, Acórdão Padawan (C‑467/08, EU:C:2010:620, n.o 32 e jurisprudência referida).

( 12 ) V., neste sentido, Acórdão Padawan (C‑467/08, EU:C:2010:620, n.o 33).

( 13 ) Ou através de outra disposição do direito da União que pudesse eventualmente ser adotada se essa fosse a decisão do legislador da União.

( 14 ) V., por analogia, Acórdãos de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465, n.os 27 a 29), e de 21 de outubro de 2010, Padawan (C‑467/08, EU:C:2010:620, n.os 29 a 37).

( 15 ) No seu Acórdão Feist Publications, Inc. v. Rural Telephone Service Co., Inc. 499 U.S. 340, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos declarou que o sine qua non do direito de autor era a originalidade.

( 16 ) N.o 37 do Acórdão Infopaq International. Segundo o Tribunal de Justiça, «obras como os programas de computador, as bases de dados ou as fotografias só são protegidas pelo direito de autor se forem originais, na aceção de que são a criação intelectual do próprio autor» (n.o 35 do referido acórdão e o sublinhado é meu).

( 17 ) O artigo 3.o da Diretiva 2001/29 relativo ao «direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material» e o artigo 4.o da referida diretiva sobre o «direito de distribuição» referem‑se igualmente a uma «obra».

( 18 ) Segundo o Governo do Reino Unido, seria totalmente errado interpretar o Acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465), «no sentido de que qualquer tipo de obra, independentemente de qual seja, deve ser protegido por um direito de autor, quando se trate de uma criação intelectual do autor. O raciocínio do n.o 37 deve ser lido à luz dos n.os 34 a 36, nos quais se afirma claramente que o sistema que a Diretiva 2001/29 protege só é válido para determinados objetos classificados como obras literárias ou artísticas ao abrigo da Convenção de Berna ou de outro elemento do direito da União, como a diretiva relativa aos programas de computador» (n.o 19 das suas observações).

( 19 ) N.o 33 das observações escritas do Reino Unido. No Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 96 a 99), o Tribunal de Justiça declarou que os eventos desportivos não podem ser considerados como criações intelectuais qualificáveis como obras porque para revestir essa qualificação é necessário que o objeto em causa fosse original no sentido de constituir uma criação intelectual própria do seu autor. Se é verdade que a redação destes números do acórdão em questão dá a impressão de que uma «obra» é sinónimo de uma «criação intelectual» e que a única exigência para fazer valer um direito de autor é a existência de uma «criação intelectual», considero que decorre deste acórdão que os eventos desportivos, em particular os jogos de futebol, não estão protegidos por direitos de autor, uma vez que são enquadrados por regras de jogo, que não deixam margem para uma liberdade criativa na aceção do direito de autor. Com efeito, os eventos desportivos, enquanto tais, não têm originalidade. A questão de saber se os acontecimentos desportivos constituem «obras» (não‑originais) não foi examinada pelo Tribunal de Justiça.

( 20 ) V. Acórdão de 9 de fevereiro de 2012, Luksan (C‑277/10, EU:C:2012:65, n.o 59).

( 21 ) Na minha opinião, a expressão «telles que», na versão em língua francesa, e «such as», na versão em língua inglesa, indicam a natureza não exaustiva e, por conseguinte, exemplificativa das obras «literárias e artísticas» que podem ser protegidas a título do direito de autor.

( 22 ) V. artigo 2.o, n.o 6, da Convenção de Berna.

( 23 ) V., neste sentido, p. 25 do Guia dos Tratados sobre o direito de autor e os direitos conexos administrados pela OMPI, publicado em 2003, disponível no seguinte sítio web: http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/fr/copyright/891/wipo_pub_891.pdf.

( 24 ) V. considerando 15 da Diretiva 2001/29. O artigo 4.o do Tratado da OMPI sobre direito de autor prevê expressamente que os programas de computador são protegidos como obras literárias na aceção do artigo 2.o da Convenção de Berna. O artigo 5.o deste mesmo Tratado prevê que as bases de dados, seja qual for a sua forma, que, em virtude da seleção ou da disposição do respetivo conteúdo, constituam criações intelectuais, também são protegidas da mesma forma na mesma qualidade. V., igualmente, artigo 10.o do ADPIC.

( 25 ) A Diretiva 2001/29 tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos à exceção, nomeadamente, da proteção jurídica dos programas de computador e das bases de dados. Com efeito, a Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO 2009, L 111, p. 16) incide especificamente sobre a proteção jurídica dos programas de computador. Resulta do considerando 1 da Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO 1991, L 122, p. 42), que foi revogada e substituída pela Diretiva 2009/24, «que os programas de computador não estão hoje em dia claramente protegidos em todos os Estados‑Membros pela legislação vigente e que tal proteção, quando existe, apresenta diferentes características». Contudo, o código objeto de um programa de computador constitui uma produção precisa e estável que pode ser «lido» ou «percecionado» de forma concreta e objetiva por uma máquina. Além disso, a Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO 1996, L 77, p. 20), incide especificamente sobre a proteção jurídica das bases de dados. O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 96/9 sobre o direito de autor dispõe que «as bases de dados que, devido à seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do próprio autor, serão protegidas nessa qualidade pelo direito de autor. Não serão aplicáveis quaisquer outros critérios para determinar se estas podem beneficiar dessa proteção». O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 96/9 protege, por um direito sui generis, as bases de dados cuja obtenção, verificação ou apresentação do seu conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

( 26 ) Segundo a Smilde «[n]enhum legislador (nem os redatores da Convenção de Berna, nem os negociadores do Acordo ADPIC, nem os autores das convenções da OMPI sobre direito de autor, nem, certamente, as partes envolvidas no processo legislativo que conduziu à adoção da diretiva [2001/29] teve alguma vez a intenção de permitir a monopolização, através do direito de autor, de algo subjetivo, perecível, impreciso, variável, intocável e tecnicamente determinado como o sabor» (n.o 91 das suas observações).

( 27 ) Ou seja, as criações intelectuais. V. Acórdão de 1 de março de 2012, Football Dataco e o. (C‑604/10, EU:C:2012:115, n.o 42).

( 28 ) V., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2012, SAS Institute (C‑406/10, EU:C:2012:259, n.o 33). V., igualmente, artigo 2.o do Tratado da OMPI sobre direito de autor e artigo 9.o, n.o 2, do ADPIC.

( 29 ) É certo que o requisito de que um sinal possa ser objeto de representação gráfica já não existe no direito da União. No entanto, é importante notar que o artigo 3.o, alínea b), da Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2015, L 336, p. 1), que entrou em vigor em 12 de janeiro de 2016, e o Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária e o Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2869/95 da Comissão, relativo às taxas a pagar ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (JO 2015, L 341, p. 21), que entrou em vigor em 23 de março de 2016, exigem que os sinais possam ser representados no registo de uma forma que permita às autoridades competentes e ao público determinar, de forma clara e precisa, o objeto que beneficia da proteção conferida ao respetivo titular.

( 30 ) V. n.o 34 dessas observações.

( 31 ) Falo aqui da identificação da obra e não da avaliação da sua originalidade, o que é um exercício aberto a opiniões divergentes e implica um grau de subjetividade. No entanto, se a identificação precisa e objetiva de uma obra não for possível, a avaliação da originalidade é igualmente impossível.

( 32 ) A Comissão considera que as sensações e as impressões suscitadas pelo sabor «são […] subjetivas, não concretas e (por conseguinte) não reprodutíveis, em todo o caso com uma certeza, objetividade e especificidade suficientes para permitir uma proteção a título do direito de autor» (n.o 41 das suas observações).

( 33 ) O considerando 28 da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45 e retificação JO 2004, L 195, p. 16), prevê que «[p]ara além das medidas e procedimentos cíveis e administrativos previstos na presente diretiva, as sanções penais constituem também, em determinados casos, um meio de garantir o respeito pelos direitos de propriedade intelectual».

( 34 ) V., igualmente, artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Berna.

( 35 ) V. artigo 2.o da Diretiva 2001/29.

( 36 ) V. artigo 3.o da Diretiva 2001/29.

( 37 ) V. artigo 4.o da Diretiva 2001/29.