CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 3 de maio de 2018 ( 1 )

Processo C‑153/17

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs

contra

Volkswagen Financial Services (UK) Ltd

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Tribunal Supremo do Reino Unido, Reino Unido)]

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 168.o e 173.o — Dedução do imposto pago a montante — Operações de locação financeira de veículos — Bens e serviços utilizados simultaneamente para operações tributáveis e para operações isentas — Constituição e alcance do direito à dedução — Pro rata de dedução»

Introdução

1.

As partes no processo principal opõem‑se quanto ao direito da recorrida deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a montante, pago sobre os bens e os serviços utilizados para efeitos das suas operações de locação financeira («hire purchase») ( 2 ).

2.

No âmbito deste litígio, afigura‑se que ambas as partes têm muito bons argumentos para fundamentar os seus pontos de vista. Todavia, tenho a impressão de que conduzem esta discussão sem ver, segundo uma locução inglesa bem conhecida, «o elefante na sala» («elephant in the room»). Este elefante é a qualificação fiscal, em meu entender errada, aplicada no Reino Unido aos contratos de locação financeira.

3.

Com efeito, por força da legislação deste Estado‑Membro, tais contratos são tratados como duas operações distintas, sendo uma a entrega de um veículo tributada e a outra uma operação de concessão de crédito isenta. Uma vez que o preço do veículo faturado ao cliente deve obrigatoriamente ser limitado ao preço de compra exato deste veículo pelo locador ao fornecedor, o montante do IVA cobrado a jusante é também exatamente idêntico ao do IVA relativo ao referido veículo pago a montante e integralmente dedutível a título dessa entrega. Em contrapartida, as restantes despesas do locador, bem como a sua margem de lucro são cobertas pelas receitas da operação de concessão de crédito que está isenta. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre as modalidades de dedução do IVA a montante relativo às despesas gerais do locador, na parte utilizada para efeitos da operação tributada de entrega do veículo, mas que é efetivamente financiada pelas receitas provenientes da operação de concessão de crédito que, sendo isenta, não está sujeita a qualquer IVA a jusante.

4.

No entanto, afigura‑se‑me impossível dar uma resposta correta a esta questão sem abordar o problema da decomposição dos contratos de locação financeira em duas operações distintas, cuja conformidade com o direito da União em matéria de IVA me suscita sérias dúvidas.

Quadro jurídico

Direito da União

5.

O artigo 1.o, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ( 3 ), dispõe:

«O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

6.

O artigo 73.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o ( 4 ), o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

7.

Nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva:

«1.   Os Estados—Membros isentam as seguintes operações:

[…]

b)

A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;»

8.

Em conformidade com o artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;»

9.

Por último, nos termos do artigo 173.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.o, 169.o e 170.o, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.»

10.

Os diferentes métodos de cálculo da proporção referida nesta disposição (designada «pro rata de dedução») são regulados pelo artigo 173.o, n.o 2, e pelo artigo 174.o da mesma diretiva.

Direito do Reino Unido

11.

As disposições de transposição para o direito do Reino Unido da Diretiva 2006/112 encontram‑se principalmente no Value Added Tax Act 1994 (Lei do IVA de 1994) e no Value Added Tax Regulations 1995 (Regulamento do IVA de 1995). O direito à dedução do IVA a montante é regulado pelo artigo 26.o da Lei do IVA de 1994, assim como pelos artigos 101.o e 102.o do Regulamento do IVA de 1995. Nomeadamente, o artigo 102.o do Regulamento do IVA de 1995 permite aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Tributária e Aduaneira, Reino Unido; a seguir «Administração Tributária») adotar um método especial para determinar o pro rata de dedução do IVA a montante para os sujeitos passivos que efetuam simultaneamente operações tributadas e operações isentas.

12.

O artigo 31.o, n.o 1, da Lei do IVA de 1994 institui uma isenção para as entregas de bens e as prestações de serviços enumeradas no anexo 9 desta lei. O grupo 5 é relativo aos serviços financeiros, entre os quais se encontram:

«2.   A concessão de um adiantamento ou de um crédito.

[…]

3.   A prestação de um serviço de crédito com um reembolso escalonado no tempo num contrato de hire‑purchase, num contrato de venda condicionada ou num contrato de venda a crédito, serviço em relação ao qual são faturadas e comunicadas ao destinatário da entrega de bens despesas distintas.»

Segundo uma nota explicativa constante do mesmo anexo, grupo 5:

«O n.o 2 abrange o serviço de crédito efetuado por uma pessoa em relação a uma entrega de bens ou a uma prestação de serviços efetuada por essa mesma pessoa, serviço em relação ao qual são faturadas e comunicadas ao destinatário da prestação de serviços e da entrega de bens despesas distintas.»

13.

Quanto aos contratos de locação financeira, estão, no direito do Reino Unido, sujeitos ao Consumer Credit Act 1974 (Lei relativa ao crédito aos consumidores de 1974). Segundo a recorrida no processo principal, a legislação do Reino Unido obriga o locador, num contrato de locação financeira de um veículo, a indicar separadamente ao locatário o preço do veículo, conforme pago pelo locador para aquisição do mesmo. Qualquer outro montante faturado ao locatário constitui o preço do serviço de concessão de crédito.

Factos, tramitação do processo e questões prejudiciais

14.

A Volkswagen Financial Services (UK) Ltd (a seguir «VWFS») é uma sociedade com sede no Reino Unido, que faz parte do grupo alemão Volkswagen AG. A sua atividade abrange, nomeadamente, as operações de locação financeira a particulares de veículos das marcas pertencentes a esse grupo.

15.

Neste âmbito, a VWFS propõe diferentes tipos de contratos que podem conduzir à aquisição da propriedade do veículo pelo cliente ou consistir simplesmente no gozo deste durante um determinado período. Para efeitos destas prestações de locação financeira, a VWFS compra veículos a revendedores que, em seguida, disponibiliza em seu próprio nome aos clientes, aos quais presta igualmente alguns serviços conexos. A contrapartida paga pelo cliente no âmbito de um contrato de locação financeira está dividida em duas partes: o preço do veículo, que é igual ao preço pago pela VWFS ao revendedor, e o «preço do financiamento», que inclui todas as outras despesas e provisões, bem como uma margem de lucro.

16.

Do ponto de vista do IVA, estes contratos de locação financeira são tratados como duas operações distintas: uma entrega de bens tributada e uma operação de concessão de crédito isenta. No âmbito da operação de entrega de bens, apenas o preço do veículo, tal como pago pela VWFS e faturado ao cliente, é considerado contrapartida. Assim, este preço inclui o IVA, cujo montante é igual ao que foi pago pela VWFS a montante sobre a aquisição do veículo. O remanescente dos montantes recebidos do cliente não inclui qualquer IVA.

17.

O IVA a montante pago pela VWFS sobre a aquisição dos veículos é integralmente deduzido do IVA a jusante cobrado aos clientes. O litígio que opõe a VWFS à Administração Tributária é relativo ao direito à dedução do IVA a montante que onerou as diferentes despesas gerais da VWFS, na medida em que os bens e os serviços que originam estas despesas foram utilizados para efeitos das operações tributadas da VWFS, ou seja, das operações de entrega de veículos.

18.

Segundo a VWFS, as entregas de veículos aos clientes e as prestações diretamente relacionadas com estas entregas exigem necessariamente a utilização de determinados recursos sob forma, nomeadamente, da aquisição de bens e de serviços que constituem, em parte, as despesas gerais do seu funcionamento. O IVA a montante pago sobre tais bens e serviços deve, assim, ser dedutível do IVA devido ao Tesouro Público pela VWFS a título das suas operações tributadas ou, na ausência de IVA a jusante suficiente, ser reembolsado. Por conseguinte, a VWFS propôs um método de cálculo desta parte dedutível do IVA a montante que onera as suas despesas gerais. Este método baseia‑se no número de operações a jusante efetuadas, sendo cada contrato de locação financeira calculado como se se tratasse de duas operações, uma das quais tributada. Deste modo, uma parte das despesas gerais é afetada a esta operação tributada referente a um contrato de locação financeira.

19.

A Administração Tributária, por sua vez, adotou um método de cálculo da proporção do IVA sobre as despesas gerais dedutível baseado no valor das operações tributadas e das operações isentas. Estando o preço do veículo faturado ao cliente excluído do cálculo do valor das operações relativas aos contratos de locação financeira ( 5 ), o valor remanescente das operações tributadas relativas aos contratos de locação financeira é praticamente igual a zero ( 6 ), tal como a proporção do IVA sobre as despesas gerais dedutível.

20.

Com base neste método de cálculo do IVA dedutível, a Administração Tributária, por decisões de 16 de junho e 30 de setembro de 2008, fixou o IVA devido pela VWFS.

21.

A VWFS impugnou esta decisão no First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], que deu provimento ao seu recurso por decisão proferida em 18 de agosto de 2011. A Administração Tributária interpôs recurso no Upper Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária), Reino Unido]. Esse órgão jurisdicional proferiu uma decisão em que deu provimento a este recurso, em 12 de novembro de 2012. A Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Reino Unido) deu provimento ao recurso interposto pela VWFS, por decisão de 28 de julho de 2015.

22.

O órgão jurisdicional de reenvio autorizou a Administração Tributária a interpor um recurso em 23 de dezembro de 2015 e apreciou este recurso em 3 de novembro de 2016. No âmbito desta apreciação, o Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Quando as despesas gerais imputadas a operações de venda a prestações (que se traduzem em concessões de financiamento, que são operações isentas, e em operações de fornecimento de veículos, que são operações tributáveis) tenham sido incorporadas unicamente no preço das operações de financiamento, isentas, realizadas pelo sujeito passivo, pode o sujeito passivo deduzir uma parte ou a totalidade do imposto suportado, relativo a essas despesas?

2)

Como interpretar corretamente o n.o 31 do Acórdão Midland Bank, proferido no processo C‑98/98 (EU:C:2000:300), e, especificamente, a declaração de que as referidas despesas “faz[em] parte dos custos gerais do sujeito passivo e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa”?

Em especial:

a)

Deve esse excerto ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro deve imputar sempre uma parte do imposto suportado a cada operação realizada, seja qual for o método especial adotado por força do artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da [Diretiva 2006/112]?

b)

Será também assim mesmo quando, de facto, as despesas gerais não são incorporadas no preço das operações tributáveis realizadas pela empresa?

3)

O facto de as despesas gerais terem sido, pelo menos em certa medida, efetivamente efetuadas para realização de operações [de] fornecimento de veículos, que são operações tributáveis,

a)

significa que uma parte do imposto suportado relativo a essas despesas deva ser dedutível?

b)

será também assim mesmo quando, de facto, as despesas gerais não são incorporadas no preço das operações de fornecimento de veículos, que são operações tributáveis?

4)

É legítimo, em princípio, ignorar as operações de fornecimento de veículos, que são operações tributáveis (ou o seu valor) para alcançar um método especial na aceção do artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da [Diretiva 2006/112]?»

23.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de março de 2017. A VWFS, o Governo do Reino Unido e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As mesmas partes estiverem representadas na audiência realizada em 8 de fevereiro de 2018.

Análise

Observações preliminares

24.

A questão jurídica que o reenvio prejudicial coloca no presente processo pode ser resumida da seguinte forma: um sujeito passivo que efetua simultaneamente operações tributadas e operações isentas estreitamente relacionadas com estas operações tributadas tem direito à dedução de uma proporção do IVA a montante pago sobre os bens e serviços utilizados, de forma indissociável, tanto para efeitos das operações tributadas como das operações isentas, não obstante o facto de as despesas de aquisição desses bens e serviços não estarem em parte alguma incluídas no preço das operações tributadas, mas serem integralmente cobertas pelas receitas das operações isentas?

25.

Esta questão põe em confronto dois princípios fundamentais do sistema do IVA: o princípio de que qualquer operação que está abrangida pelo âmbito de aplicação deste sistema e não está expressamente isenta deve ser tributada em cada fase do ciclo económico até à entrega ao consumidor que suporta integralmente o encargo do imposto, e o princípio de que essa tributação deve ser perfeitamente neutra para todos os operadores distintos do consumidor, ou seja, devem apenas cobrar o imposto na fase (de produção ou distribuição) em que intervêm, sem suportarem o seu encargo económico.

26.

Assim, no que respeita às despesas gerais suportadas pela VWFS relacionadas com as suas operações tributadas, o IVA correspondente deve ser normalmente pago ao Tesouro Público. Simultaneamente, a VWFS deve ser liberada do encargo económico desse IVA. Afigura‑se que não é possível alcançar este resultado numa situação como a que está em causa no processo principal. Qualquer resposta que possa ser dada ao órgão jurisdicional de reenvio será, assim, imperfeita do ponto de vista da coerência do sistema do IVA.

27.

Em meu entender, esta contradição resulta da transposição e da aplicação erradas, no direito do Reino Unido, das disposições da Diretiva 2006/112 aos contratos de locação financeira. Com efeito, vários argumentos, decorrentes tanto da lógica do sistema do IVA e da finalidade das suas disposições como da jurisprudência do Tribunal de Justiça, indicam, em minha opinião, que estes contratos constituem operações únicas que não devem ser decompostas em diferentes operações tratadas, cada uma, diferentemente do ponto de vista do IVA. Esta decomposição das operações de locação financeira implica a violação da neutralidade do imposto para os sujeitos passivos, uma diminuição das receitas fiscais e distorções da concorrência.

28.

Assim, nas presentes conclusões, proporei ao Tribunal de Justiça que, além de analisar as questões prejudiciais tal como foram colocadas, aborde o problema do tratamento fiscal dos contratos de locação financeira.

29.

Tenho consciência de que esta análise ultrapassa o âmbito do pedido de decisão prejudicial no presente processo. No entanto, permanece ainda nos limites do litígio no processo principal, cujo objeto é a tributação das operações de locação financeira efetuadas pela VWFS. Ora, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode entender que é necessário ter em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não faça referência no enunciado da sua questão ( 7 ). Em minha opinião, o presente processo exige tal abordagem.

Quanto às questões prejudiciais

30.

Recorde‑se que, com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o sujeito passivo que efetua prestações decompostas, para efeitos da aplicação do IVA, em duas operações distintas, uma tributada e a outra isenta, de maneira que as despesas gerais das referidas prestações são totalmente integradas no preço das operações isentas, tem direito à dedução de uma parte do IVA a montante sobre essas despesas gerais por serem parcialmente utilizadas para efeitos das operações tributadas. Como já referi nas minhas observações preliminares, esta questão deve ser analisada à luz de dois princípios fundamentais do IVA: o princípio da neutralidade do imposto para os sujeitos passivos e o princípio da generalidade da tributação.

Neutralidade fiscal e direito à dedução

31.

O IVA é um imposto sobre o consumo. Embora os sujeitos passivos cobrem e paguem o imposto ao Tesouro Público, não devem, por conseguinte, suportar o encargo económico, uma vez que este recai inteiramente sobre o consumidor. É assim que é definida a neutralidade fiscal em matéria de IVA. Esta neutralidade é obtida através de dois mecanismos: a soma do IVA sobre as entregas ou as prestações do sujeito passivo ao seu preço (IVA a jusante) e a dedução do IVA pago pelo mesmo sujeito passivo no preço dos bens e serviços que adquiriu para efeitos das suas atividades tributadas (IVA a montante). Estes mecanismos são repetidos em cada fase de produção e de distribuição (ou de prestação de serviços) até ao consumidor que, não tendo direito à dedução, suporta na íntegra o encargo do imposto. Se o sujeito passivo não estiver em condições de deduzir o IVA a montante, a cadeia é quebrada e cabe‑lhe suportar o encargo. Na realidade, na maioria dos casos, este sujeito passivo irá, em seguida, integrar esse IVA, de forma dissimulada, no preço das suas próprias entregas ou prestações. Assim, este IVA, doravante integrado no valor dos bens ou dos serviços, irá aumentar artificialmente o IVA sobre os bens e os serviços mais a jusante na cadeia de produção ou distribuição, criando o efeito de cascata (ou «imposto sobre imposto»), efeito conhecido noutros sistemas de impostos indiretos que o IVA devia precisamente eliminar. Assim, a inexistência de direito à dedução é prejudicial não apenas para o sujeito passivo em questão mas, mais genericamente, para todos os operadores envolvidos e para o funcionamento de todo o sistema. Embora este efeito negativo seja assumido no caso das isenções ( 8 ), deve ser evitado na medida do possível no caso das operações tributadas.

32.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça atribui uma importância especial ao direito de dedução dos sujeitos passivos. Segundo jurisprudência assente, o direito dos sujeitos passivos de deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. O IVA é aplicável a cada operação de produção ou de distribuição, pelo que cada operação deve, assim, ser objeto de uma avaliação em si mesma, independentemente do IVA devido por operações anteriores ou posteriores. Os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributadas e, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo. Desde que estas duas condições estejam preenchidas, um sujeito passivo tem, em princípio, direito à dedução do IVA pago a montante. O resultado da operação económica não é relevante, à luz do direito à dedução, desde que a própria atividade esteja sujeita a IVA. Por conseguinte, se o preço de entrega for inferior ao preço de custo, a dedução não pode ser limitada na proporção da diferença entre este preço e o custo, ainda que o referido preço seja consideravelmente menos elevado do que o preço de custo, salvo se for puramente simbólico ( 9 ).

33.

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é, em princípio, necessária para que o direito a dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito. Todavia, o Tribunal de Justiça admitiu igualmente um direito à dedução do IVA a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando as despesas incorridas fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo. Estas despesas têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo. Em contrapartida, quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo são utilizados para operações isentas ou não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante ( 10 ).

34.

No processo principal, é pacífico que uma parte dos bens e dos serviços que constituem as despesas gerais da VWFS é utilizada para efeitos das operações tributadas desta, ou seja, as operações de entrega de veículos. Isto afigura‑se lógico, uma vez que tais operações não podem ser efetuadas sem a intervenção da VWFS, sendo que esta intervenção exige necessariamente a utilização de determinados recursos. Assim, afigura‑se evidente que a VWFS deve beneficiar do direito à dedução do IVA a montante sobre as suas despesas gerais na medida em que estas são utilizadas para efeitos das operações de entrega de veículos efetuadas pela VWFS.

35.

No entanto, uma vez que estas despesas gerais não são incorporadas no preço de tais operações tributadas, mas no preço das operações isentas de concessão de crédito, o direito à dedução é contrário ao princípio da generalidade da tributação.

Direito à dedução, preço das prestações e generalidade da tributação

36.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, da Diretiva 2006/112, o IVA é um imposto geral. É exigível relativamente a cada transação e calculado sobre o preço do bem ou do serviço que é objeto da operação. Para que cada operação seja efetivamente sujeita a um imposto calculado sobre o preço e que o imposto pago a montante possa ser simultaneamente deduzido, os custos das operações anteriores devem necessariamente ser incorporados neste preço. Aliás, é o que afirma expressamente o artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, ao estabelecer que o IVA «é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço» ( 11 ).

37.

As únicas operações que podem escapar à tributação ( 12 ) são as que se encontram isentas nos termos das disposições da Diretiva 2006/112. Todavia, as operações isentas não conferem, em princípio, direito à dedução. As únicas exceções são as operações com um elemento transfronteiriço: as entregas intracomunitárias (que, no entanto, serão tributadas no Estado‑Membro da aquisição), as exportações, algumas operações no âmbito do transporte internacional, as operações a favor das organizações internacionais ou das embaixadas, etc. Em contrapartida, no que respeita às operações efetuadas no território de um Estado‑Membro e não relacionadas com o comércio internacional, a Diretiva 2006/112 não prevê isenções com direito à dedução, exceto a manutenção temporária de algumas isenções já em vigor em diferentes Estados‑Membros, nos termos dos artigos 109.o a 129.o desta diretiva.

38.

Se o Tribunal de Justiça não impôs explicitamente como requisito do direito à dedução que o custo dos bens e serviços utilizados para efeitos das operações tributadas do sujeito passivo deve figurar entre os elementos constitutivos do preço das operações a jusante, foi porque esta exigência decorre necessariamente da própria lógica do sistema do IVA.

39.

O Tribunal de Justiça trata esta exigência como um dado adquirido, como observou com razão o órgão jurisdicional de reenvio na sua segunda questão prejudicial. Assim, segundo a jurisprudência, o direito à dedução do IVA que onera a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução ( 13 ). O mesmo sucede quando as despesas incorridas fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo ( 14 ).

40.

Evidentemente, na realidade da atividade económica os preços podem por vezes, em determinadas situações específicas, não cobrir a totalidade dos custos. Estas situações não podem ser a regra, uma vez que a atividade não seria rentável. No entanto, é bastante frequente, sobretudo no início da atividade, a empresa efetuar investimentos cujo montante ultrapassa o montante das vendas. Terá então direito à dedução e ao reembolso do IVA a montante sobre tais investimentos, mas este reembolso será, em seguida, coberto pelo IVA a jusante sobre as operações futuras da empresa. Uma empresa em fim de vida económica pode também ser levada a vender bens abaixo do preço de custo, por exemplo no âmbito de uma liquidação. Isto constitui assim necessariamente uma situação puramente temporária. Um sujeito passivo sem fins lucrativos, como um município, pode, por diversas razões, vender um bem a um preço inferior ao custo da sua aquisição ( 15 ). Em tais situações, o Tribunal de Justiça reconhece plenamente o direito à dedução do sujeito passivo ( 16 ).

41.

Contudo, estas situações não podem ser comparadas à situação existente no presente processo, na qual um sujeito passivo misto financia, de forma regular e constante, de acordo com as disposições do direito interno do seu Estado‑Membro, as despesas da atividade tributada com as receitas provenientes da atividade isenta. Reconhecer o direito à dedução em tal caso equivaleria a subvencionar este sujeito passivo, ou mesmo todo um setor de atividade, através de reembolsos sistemáticos do IVA a montante, dedutível em princípio, mas não dedutível na prática por falta de IVA a jusante.

42.

No que respeita a este ponto, não partilho da ideia expressa pela VWFS nas suas observações, segundo a qual o Tesouro Público não sofreria qualquer perda financeira, uma vez que o IVA a montante controvertido era pago pela VWFS e declarado pelos fornecedores. Com efeito, este IVA foi pago e declarado, uma vez que é devido por força das disposições fiscais. É verdade que o mecanismo do IVA, bastante complexo, faz com que a sua aplicação se assemelhe a um intercâmbio de vaivém entre os sujeitos passivos e a Administração Tributária, mas no termo deste intercâmbio o Tesouro Público deve, em regra, continuar a ter saldo positivo: é a natureza de qualquer tributação. Por conseguinte, se tem de reembolsar o IVA a montante que não será compensado pelo IVA a jusante, sofre indubitavelmente um prejuízo sob a forma de uma diminuição das receitas fiscais.

43.

A Comissão, nas suas observações, procura explicar a situação da VWFS, propondo que se considere que esta efetua as entregas de veículos com prejuízo, ao qual pode permitir‑se enquanto membro de um grupo, uma vez que o grupo pode compensar tal prejuízo. Assim, segundo a Comissão, a parte das despesas gerais da VWFS relativa às entregas de veículos é incorporada no preço das referidas entregas, o que justifica o direito à dedução do IVA a montante sobre esta parte das despesas gerais, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada supra ( 17 ).

44.

Esta proposta artificial carece de relevância por, pelo menos, duas razões.

45.

Em primeiro lugar, esta proposta é contrária à legislação do Reino Unido tal como descrita pelas partes no processo principal, que exige que apenas seja faturado ao cliente, enquanto preço da entrega do veículo, o preço exato da aquisição deste pelo locador ao fornecedor, com exclusão de qualquer outro custo. Assim, o locador não tem liberdade para incluir no preço da entrega outro montante, mesmo que diminua simultaneamente o preço do veículo para um valor inferior ao preço que ele próprio pagou. A finalidade desta exigência consiste na informação correta do cliente e não pode ser alcançada se o locador manipular o preço de aquisição do veículo.

46.

Em segundo lugar, a proposta da Comissão é materialmente inexata. Com efeito, no processo principal, é pacífico que a VWFS não efetua qualquer entrega com prejuízo, mas que financia as despesas gerais relativas à entrega através dos rendimentos da prestação de concessão de crédito isenta, da qual essas despesas gerais são um elemento constitutivo do preço. A pertença da VWFS a um grupo não tem qualquer impacto na rentabilidade das prestações de locação financeira.

47.

Por fim, afigura‑se que reconhecer à VWFS o direito à dedução do IVA a montante sobre as despesas gerais financiadas através das receitas das operações isentas equivaleria a aplicar a estas operações, em parte, uma isenção com direito de dedução, contrária ao artigo 1.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112.

Conclusão desta parte

48.

Por um lado, a VWFS utiliza, sem qualquer dúvida, uma parte dos bens e dos serviços que constituem as suas despesas gerais para efeitos das suas operações tributadas, pelo que deve, assim, poder beneficiar do direito à dedução do IVA a montante que onerou a sua aquisição. Por outro, este direito à dedução é contrário a outros princípios fundamentais do sistema do IVA. Por conseguinte, afigura‑se impossível encontrar uma solução correta para o problema suscitado pelas questões prejudiciais no presente processo sem examinar mais detalhadamente o tratamento fiscal dado no direito do Reino Unido aos contratos de locação financeira à luz da Diretiva 2006/112.

Qualificação dos contratos de locação financeira do ponto de vista do IVA

49.

As disposições do direito da União em matéria de IVA foram já várias vezes interpretadas pelo Tribunal de Justiça no contexto dos contratos de locação financeira. No entanto, nesses processos, tratava‑se, na maioria dos casos, de determinar se tal contrato devia ser qualificado de entrega de bens ou de prestação de serviços. Quanto à questão de saber se esse contrato constitui uma única operação ou se se trata de várias operações distintas, há que referir, em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às operações complexas.

Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às operações complexas

50.

A Diretiva 2006/112 não inclui regras específicas que regulem as operações complexas. Pelo contrário, resulta do artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, que, em princípio, cada operação deve ser tratada como sendo distinta e independente. Contudo, a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA ( 18 ). Esta alteração do sistema do IVA seria ainda mais grave se um dos elementos de uma operação complexa devesse ser isento, como sucede no presente processo.

51.

Por conseguinte, numa jurisprudência bem assente, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de ser fornecidas separadamente e, assim, de dar lugar, separadamente, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes. Está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial. Para determinar se uma operação que envolve várias prestações constitui uma operação única para efeitos do IVA, o Tribunal de Justiça tem em consideração o objetivo económico dessa operação, assim como o interesse dos destinatários das prestações ( 19 ).

52.

Por outro lado, o facto de ser faturado um preço único ou de terem sido contratualmente previstos preços distintos não tem importância decisiva para determinar se se deve concluir pela existência de duas ou várias operações distintas e independentes ou de uma operação económica única. Assim, a operação pode muito bem ser considerada uma operação única, mesmo que sejam faturados aos clientes preços distintos para os diferentes elementos constitutivos da referida operação ( 20 ).

53.

Por conseguinte, para saber se uma prestação constitui uma operação única complexa ou se se trata de operações distintas, há que determinar se cada componente desta prestação constitui, economicamente, um fim em si mesmo para o cliente ou se o seu interesse apenas é relativo à prestação complexa na íntegra ( 21 ).

54.

Por último, embora caiba aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se o sujeito passivo fornece uma prestação única num caso específico e fazer todas as apreciações de facto definitivas a esse respeito, incumbe ao Tribunal de Justiça fornecer aos referidos órgãos jurisdicionais todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhes foi submetido ( 22 ).

55.

No que respeita aos contratos de locação financeira como os que estão em causa no processo principal, afigura‑se‑me, contrariamente ao que afirmam o Governo do Reino Unido e a Comissão nos seus articulados, que à luz da jurisprudência suprarreferida devem ser considerados operações únicas cuja decomposição reveste um caráter artificial.

56.

Com efeito, nem a obtenção de um crédito, nem a aquisição ou a locação de um veículo constituem um fim em si mesmo para o locatário de um contrato de locação financeira. O que tal parte pretende é a utilização do veículo em condições que são específicas a um contrato de locação financeira e que não estão reunidas em qualquer outra forma de aquisição do veículo. Assim, por um lado, o locatário recebe um veículo novo, em relação ao qual deve especificar todas as características, uma vez que o locador compra o veículo segundo as necessidades de um dado cliente. Em seguida, o locatário dispõe do veículo de forma autónoma e exclusiva (salvo algumas restrições menores) e, por outro lado, tem normalmente a possibilidade de se tornar proprietário no termo do contrato. Estas características distinguem a locação financeira de uma locação simples. Por outro, o locatário não é obrigado a adiantar a totalidade do preço do veículo, uma vez que o pagamento é efetuado em prestações em prazos estabelecidos. Também não suporta os riscos económicos relacionados com a propriedade do veículo, tais como o risco de avaria, acidente ou necessidade de dispor do veículo no final da sua vida económica útil, uma vez que, enquanto não tiver exercido a opção de compra, estes riscos são suportados pelo locador. Por último, o locatário beneficia frequentemente de prestações acessórias, como os serviços de manutenção do veículo. Assim, do ponto de vista do locatário, um contrato de locação financeira distingue‑se igualmente da simples aquisição do veículo.

57.

Por conseguinte, não partilho da opinião da Comissão, segundo a qual um contrato de locação financeira é equivalente à aquisição de um veículo mediante a obtenção de um empréstimo para o efeito, o que deveria levar a considerar este contrato como duas operações distintas, uma operação de concessão de crédito e uma operação de entrega do veículo. É verdade que a aquisição de um veículo pode ser efetuada de diferentes formas, incluindo a contratação de um empréstimo bancário.

58.

No entanto, em primeiro lugar, não se trataria nesse caso das mesmas partes, uma vez que a VWFS, segundo as informações constantes das suas próprias observações, não efetua entregas de veículos fora dos contratos de locação financeira e apenas fornece financiamento para a aquisição de tais veículos no âmbito deste tipo de contratos. O locatário deveria então dirigir‑se a uma instituição de crédito, por um lado, e posteriormente a um revendedor de veículos, por outro.

59.

Em segundo lugar, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir, o facto de um terceiro poder, em princípio, fornecer certas prestações de serviços análogos não é determinante para efeitos da qualificação de uma operação complexa. Com efeito, a possibilidade de os elementos de uma prestação única serem, noutras circunstâncias, fornecidos isoladamente é inerente ao conceito de operação única composta ( 23 ).

60.

Em terceiro lugar, a aquisição da propriedade de um veículo, seja ou não mediante um empréstimo bancário, não permite dispor da viatura nas mesmas condições, mais vantajosas em muitos aspetos, que as de um contrato de locação financeira descritas no n.o 56 das presentes conclusões.

61.

Por último, em quarto lugar, segundo jurisprudência recente do Tribunal de Justiça ( 24 ) e em conformidade com as afirmações do Governo do Reino Unido expressas na sua resposta à questão escrita do Tribunal de Justiça no presente processo, alguns tipos de contratos de locação financeira propostos pela VWFS devem ser tratados não como entregas de bens mas como serviços, aproximando‑se assim ainda mais da locação simples. Ora, segundo a lógica da decomposição, cada operação de locação pode ser tratada no sentido de que compreende uma prestação de concessão de crédito, na medida em que a renda paga por um locatário cobre normalmente não só a amortização do objeto do contrato, mas igualmente outras despesas do proprietário, incluindo eventuais despesas de financiamento.

62.

Também não partilho da preocupação da Comissão segundo a qual o facto de se qualificar um contrato de locação financeira de única operação tributada conduziria a uma desigualdade de tratamento em relação às operações de concessão de crédito, que estão isentas. Com efeito, os prestadores de serviços financeiros isentos de IVA encontram‑se numa situação diferente da dos prestadores de serviços como a disponibilização de veículos ao abrigo de contratos de locação financeira ( 25 ). Por conseguinte, a sua tributação não conduz à violação do princípio da neutralidade fiscal, muito pelo contrário, uma vez que os sujeitos passivos tributados podem beneficiar do direito à dedução ( 26 ).

63.

A conclusão de que um contrato de locação financeira deve ser qualificado de operação única em vez de duas operações distintas é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao tratamento fiscal das operações de entrega acompanhadas de um financiamento.

Jurisprudência relativa às entregas acompanhadas de financiamento

64.

É verdade que, como assinalou o Governo do Reino Unido, o Tribunal de Justiça declarou, no âmbito de um processo relativo a um contrato de aquisição de um terreno e de construção de um imóvel, que um fornecedor de bens ou um prestador de serviços que autoriza o seu cliente a diferir o pagamento do preço, mediante o pagamento de juros, concede, em princípio, um crédito isento de imposto, na aceção das disposições relativas ao IVA ( 27 ). Esta interpretação assenta principalmente na exigência da igualdade de tratamento entre um comprador que obtém um crédito (sob forma de diferimento de pagamento) junto do seu fornecedor e um comprador que obtém um empréstimo bancário ( 28 ).

65.

No entanto, não me parece que exista o risco de tal desigualdade de tratamento no caso de contratos de locação financeira tais como os que estão em causa no processo principal. Com efeito, em conformidade com a propriedade distributiva da multiplicação relativamente à adição, a despesas de financiamento constantes (em termos de percentagem do valor do bem financiado), o custo para o comprador será o mesmo se financiar com um empréstimo isento a compra do bem com IVA ou se pagar o preço do bem sem IVA mais as despesas de financiamento e o IVA for acrescentado ao custo total ( 29 ). O raciocínio do Tribunal de Justiça no referido acórdão não é, assim, em minha opinião, diretamente transponível para o presente processo.

66.

Além disso, a jurisprudência evoluiu consideravelmente desde a prolação do acórdão acima referido. Há dois acórdãos que se afiguram particularmente relevantes.

67.

O primeiro é o Acórdão Stock’94 ( 30 ). Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que «uma operação […] que preveja que um operador económico entregue bens a um agricultor e lhe conceda um empréstimo destinado à compra desses bens, constitui uma operação única para efeitos da [Diretiva 2006/112], na qual a entrega dos bens é a prestação principal. O valor tributável da referida operação única é constituído tanto pelo preço dos referidos bens como pelos juros pagos sobre os empréstimos concedidos aos agricultores» ( 31 ). Nesse processo estava em causa uma relação de cooperação agrícola, em que um operador concedia aos agricultores um crédito que apenas podia ser utilizado para a compra, por parte destes agricultores, de sementes e de outros meios de produção ao mesmo operador. Além do preço dos bens adquiridos, os agricultores pagavam juros sobre o empréstimo concedido. Assim, tratava‑se de saber, como no presente processo, se esta prestação constituía duas operações distintas, uma operação de entrega de bens tributada e uma operação de concessão de crédito isenta, ou uma operação única complexa.

68.

O Tribunal de Justiça considerou, em primeiro lugar, que a concessão de tais empréstimos não constituía uma prestação com interesse autónomo na perspetiva dos agricultores, na medida em que esses recursos financeiros não podiam ser livremente utilizados; em segundo lugar, que o operador em questão, dado que não dispunha de uma autorização para atuar na qualidade de estabelecimento de crédito, não podia conceder empréstimos aos agricultores que não fossem destinados à compra de bens ao próprio ( 32 ) e, em terceiro lugar, que a entrega de bens e o empréstimo prosseguiam o mesmo objetivo económico ( 33 ). Neste contexto, a prestação no seu todo constituía, segundo o Tribunal de Justiça, uma operação única do ponto de vista do IVA.

69.

Em resposta a uma questão colocada na audiência, a Comissão referiu que considerava esse acórdão «estranho». No entanto, não encontro nele nada de estranho: muito simplesmente, o Tribunal de Justiça adotou uma abordagem funcional da relação em causa para determinar a sua natureza real.

70.

Ora, se o Tribunal de Justiça pôde assim decidir, numa situação em que, além da entrega dos bens, existia um verdadeiro fluxo financeiro entre o fornecedor e o comprador, o mesmo deve acontecer, por maioria de razão, no caso de um contrato de locação financeira, em que o único «fluxo» é constituído pela entrega do veículo e em que o seu locatário paga o preço com os seus próprios fundos. Deste modo, de forma análoga ao referido acórdão, nos contratos de locação financeira em causa no processo principal não existe concessão de crédito com um interesse autónomo em relação à entrega do veículo, o locador não oferece financiamento fora dos contratos de locação financeira e todos os elementos destes contratos prosseguem o mesmo objetivo económico, a saber, dispor do veículo nas condições específicas de um contrato de locação financeira. O raciocínio do Tribunal de Justiça no Acórdão Stock’94 é, assim, plenamente transponível para o presente processo.

71.

O segundo é o Acórdão Part Service ( 34 ), que respeita aos contratos de locação financeira e à sua decomposição em operações distintas de forma ainda mais direta. Nesse processo, estavam em causa contratos de locação financeira de veículos decompostos em várias operações, de maneira que o locador do crédito recebia do locatário, a título de uma operação tributada, um montante igual em substância ao preço de compra do veículo ao fornecedor. A parte restante era paga pelo locatário a outro operador, pertencente ao mesmo grupo que o locatário, ao abrigo de um contrato de seguro e de garantia, operação que está isenta. Em seguida, estes montantes eram pagos ao locador do crédito. A Administração Tributária italiana considerou que os diferentes compromissos assumidos pelas partes interessadas, apesar de figurarem em contratos distintos, constituíam no seu conjunto um contrato único concluído entre três partes. Em seu entender, a contrapartida paga pelo utilizador para locação financeira tinha sido artificialmente fracionada para reduzir a matéria coletável, sendo o papel de locador partilhado entre o próprio locador do crédito e o outro operador ( 35 ).

72.

O Tribunal de Justiça analisou os contratos em causa à luz da sua jurisprudência relativa às operações complexas ( 36 ). Declarou, nomeadamente, que as operações em causa se caracterizavam pelos elementos seguintes:

as duas sociedades que participavam na operação de locação financeira faziam parte do mesmo grupo;

a própria prestação da sociedade de locação financeira era objeto de um fracionamento, estando o elemento característico de financiamento confiado a outra sociedade para ser decomposto em prestações de crédito, de seguro e de intermediação;

a prestação da sociedade de locação financeira ficava, assim, reduzida a uma prestação de locação do veículo;

as rendas pagas pelo locatário elevavam‑se no total a um montante pouco superior ao custo de aquisição do bem;

esta prestação, considerada isoladamente, parecia, assim, desprovida de rentabilidade económica, de modo que a viabilidade da empresa não podia ser assegurada unicamente através dos contratos celebrados com os locatários;

a sociedade de locação financeira só recebia a contrapartida da operação de locação financeira graças ao cúmulo das rendas pagas pelo locatário e dos montantes pagos pela outra sociedade do mesmo grupo ( 37 ).

73.

Em seguida, o Tribunal de Justiça considerou esta prática contrária ao objetivo do artigo 11.o, A, n.o 1, da Sexta Diretiva ( 38 ), ou seja, a tributação de tudo o que constitua a contrapartida recebida ou a receber do locatário. Com efeito, uma vez que a locação de veículos mediante contratos de locação financeira constitui uma prestação de serviços na aceção do artigo 6.o da Sexta Diretiva ( 39 ), tal operação está normalmente sujeita a IVA, cuja matéria coletável deve ser determinada em conformidade com o artigo 11.o, A, n.o 1, da Sexta Diretiva. Assim, o resultado pretendido era a obtenção de uma vantagem fiscal decorrente da isenção, em virtude do artigo 13.o, B, alíneas a) e d), da Sexta Diretiva ( 40 ), das prestações confiadas à sociedade cocontratante da sociedade de locação financeira ( 41 ).

74.

No processo Part Service as questões prejudiciais foram colocadas da perspetiva do abuso de direito e, assim, o Tribunal de Justiça não respondeu de forma categórica, deixando ao órgão jurisdicional de reenvio a apreciação do seu eventual objetivo abusivo. No processo principal, a VWFS não pode ser acusada de qualquer abuso, uma vez que aparentemente a decomposição dos contratos de locação financeira é admitida ou até exigida pela legislação do Reino Unido. Não deixa de ser verdade que a análise de tal prática efetuada pelo Tribunal de Justiça no n.o 57 do Acórdão Part Service ( 42 ) se adequa perfeitamente à situação em causa no processo principal, com a exceção de que não estão aqui sequer em causa dois prestadores e dois contratos, mas um único contrato com um único prestador, fazendo‑se a decomposição apenas no momento da apresentação da renda ao locatário. O caráter artificial desta decomposição é ainda mais manifesto.

75.

Os ensinamentos decorrentes do acórdão referido no número anterior são, em minha opinião, totalmente atuais nas circunstâncias do processo principal. O facto de se tratar de uma prática admitida ou exigida pelo direito do Reino Unido em nada altera esta conclusão. Com efeito, o Tribunal de Justiça aprecia a conformidade de uma prática não com o direito nacional de um Estado‑Membro mas com as disposições do direito da União. Por conseguinte, se o Tribunal de Justiça considerou que a decomposição de um contrato de locação financeira em diferentes operações separadas era contrária ao princípio da tributação da totalidade da contrapartida recebida a título de uma operação, uma vez que confere uma vantagem fiscal indevida sob a forma de isenção, esta constatação é aplicável tanto às práticas abusivas dos sujeitos passivos como às disposições do direito interno que exigem tal decomposição.

76.

Para concluir esta parte do meu raciocínio, afigura‑se‑me que a análise supra da jurisprudência relativa ao tratamento fiscal das prestações complexas, incluindo, mais concretamente, dos contratos de locação financeira, já é suficiente para constatar que a decomposição dos contratos de locação financeira em causa no processo principal em operações de entregas de bens tributáveis e em operações de concessão de crédito isentas, admitida ou exigida pela legislação do Reino Unido, é contrária às disposições da Diretiva 2006/112 como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

77.

Este tratamento desses contratos parece‑me igualmente contrário à finalidade da isenção das operações de crédito prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 e ao princípio da interpretação restritiva das exceções.

Finalidade da isenção das operações de crédito

78.

O sistema do IVA assenta na tributação generalizada de todos os bens e serviços em cada fase da produção e da distribuição (ou da prestação do serviço). Não obstante, o IVA é um imposto sobre o consumo, ou seja, o encargo económico do imposto é suportado nesta fase. Assim, este encargo é diferido em cada fase do ciclo económico para a fase seguinte, até à fase do consumo. Graças ao mecanismo da dedução do imposto a montante, a acumulação do encargo do imposto apenas incide sobre o valor acrescentado em cada fase, permanecendo o imposto neutro para os operadores económicos.

79.

Cada isenção rompe esta cadeia, impedindo assim o funcionamento correto do mecanismo de tributação e introduzindo distorções de concorrência resultantes da violação da neutralidade. Com efeito, se um bem ou um serviço está isento, o imposto a montante não pode ser deduzido por falta de imposto a jusante. Por conseguinte, um operador isento é tratado como um consumidor e suporta, ele próprio, o encargo do imposto. Por este motivo, todas as isenções de IVA devem ser interpretadas de forma estrita, ou seja, de modo a serem limitadas ao mínimo necessário do ponto de vista da sua finalidade e dos motivos da sua introdução ( 43 ).

80.

Os considerandos da Diretiva 2006/112 não explicam os motivos que levaram o legislador da União Europeia a isentar os serviços financeiros, nomeadamente, os serviços de concessão de crédito. Não obstante, tal isenção verifica‑se na maioria dos Estados que introduziram o IVA. Na doutrina, é comummente admitido que estes serviços, que respeitam apenas aos movimentos financeiros, são muito difíceis de tributar devido à dificuldade de estabelecer a matéria coletável ( 44 ).

81.

Tais dificuldades não se verificam no caso dos contratos de locação financeira. Neste tipo de contrato, existe, por um lado, uma prestação bem definida que consiste na disponibilização do bem que é objeto do contrato, com, eventualmente, a possibilidade de adquirir a sua propriedade, e, por outro, a contrapartida pecuniária sob a forma de rendas e de eventuais pagamentos adicionais. A base de tributação é, assim, facilmente determinável — é constituída pela totalidade dos pagamentos que o locador recebe do locatário. O facto de estes pagamentos cobrirem várias despesas do locador, além das despesas de aquisição do objeto do contrato, as despesas de financiamento, as despesas gerais ou o custo das prestações acessórias, em nada altera a referida conclusão, uma vez que todas estas despesas são suportadas em relação com a prestação de disponibilização do bem em questão.

82.

A qualificação de tal contrato, ainda que parcialmente, como uma operação de concessão de crédito ultrapassa, assim, o âmbito necessário da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 e não responde ao objetivo desta isenção. Por conseguinte, tal qualificação viola o princípio da generalidade da tributação estabelecido no artigo 1.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta diretiva. De resto, o Tribunal de Justiça desenvolveu o mesmo raciocínio no Acórdão Velvet & Steel Immobilien, no qual considerou que a finalidade da isenção dessas operações financeiras era minimizar as dificuldades ligadas à determinação da matéria coletável, assim como do montante de IVA dedutível e evitar um aumento do custo do crédito ao consumo. Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que «[d]ado que a sujeição a IVA da aceitação de uma obrigação de renovação de um imóvel não apresenta essas dificuldades, esta operação não é abrangida pela isenção» ( 45 ).

83.

Importa acrescentar a este respeito que o facto de uma operação ser qualificada, no direito interno de um Estado‑Membro, de prestação de concessão de crédito não é suficiente, por si só, para que lhe seja concedida a isenção prevista na Diretiva 2006/112. Com efeito, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, as isenções referidas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado‑Membro para outro ( 46 ).

84.

Em meu entender, o artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 não constitui, assim, um fundamento suficiente para permitir a isenção parcial de uma operação de locação financeira como as que estão em causa no processo principal.

Conclusão desta parte

85.

Em meu entender, resulta claramente destas considerações que à luz das diferentes disposições da Diretiva 2006/112, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça, as operações de locação financeira do tipo das que estão em causa no processo principal não devem ser decompostas em operações distintas da entrega de bens e da concessão de crédito. A isenção parcial que decorre desta decomposição prejudica os fornecedores de tais prestações, uma vez que os priva do direito à dedução do IVA a montante sobre uma parte das suas despesas, diminui as receitas fiscais tanto do orçamento do Estado‑Membro em causa como da União e pode provocar distorções de concorrência se as mesmas prestações forem tratadas de diferentes formas em diferentes Estados‑Membros ( 47 ).

86.

Não nego o direito do legislador do Reino Unido exigir que os prestadores de locação financeira, por razões de proteção dos consumidores, indiquem separadamente ao locatário os montantes relativos ao preço da aquisição de veículos. No entanto, esta forma de apresentar o preço não é determinante e não deve conduzir à decomposição dessas prestações para efeitos de tributação em IVA, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 52 das presentes conclusões ( 48 ).

Observações finais

87.

Em meu entender, a única resposta correta que pode ser dada às questões prejudiciais no presente processo é que os contratos de locação financeira como os que estão em causa no processo principal constituem operações únicas complexas que devem ser sujeitas a tributação, entendendo‑se que os prestadores têm o direito de deduzir a totalidade do IVA a montante sobre os bens e os serviços utilizados para efeitos destas prestações.

88.

É evidente que tal solução poderá ser plenamente aplicável no futuro. No que respeita às situações anteriores, incluindo o litígio no processo principal, o problema é mais complicado.

89.

Por um lado, os fornecedores das prestações de locação financeira beneficiaram da isenção parcial das suas prestações devido à decomposição destas em duas operações distintas, uma das quais isenta. Por outro, uma vez que esta isenção é contrária ao direito da União, na ordem normal das coisas deveriam ter beneficiado do direito à dedução de todo o IVA a montante relativamente a estas prestações. Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se devem beneficiar deste direito de dedução apesar da isenção em causa.

90.

Existem indicações para responder a esta questão na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Segundo esta, mesmo quando uma isenção prevista pelo direito nacional é incompatível com a Diretiva 2006/112, o artigo 168.o desta diretiva não permite que um sujeito passivo beneficie desta isenção e invoque, em simultâneo, o direito a dedução ( 49 ). É verdade que o Tribunal de Justiça assim considerou quanto à dedução do IVA a montante sobre os bens e os serviços utilizados pelo sujeito passivo unicamente para efeitos das operações isentas. No entanto, considero que a mesma solução deve prevalecer no que respeita ao IVA a montante sobre bens e serviços que, ainda que parcialmente utilizados para efeitos das operações tributadas, formam na sua totalidade um elemento do preço das operações isentas. Com efeito, a mesma lógica do sistema do IVA é aplicável nas duas situações, ou seja, que a dedução dos impostos pagos a montante está ligada à cobrança dos impostos a jusante ( 50 ).

91.

Em alternativa, uma vez que, em meu entender, as disposições da Diretiva 2006/112 segundo as quais as prestações de locação financeira devem ser tratadas como operações únicas tributáveis, nomeadamente o seu artigo 73.o, são, em meu entender, suficientemente precisas e incondicionais para que os sujeitos passivos as possam invocar diretamente, os sujeitos passivos podem solicitar a tributação das suas prestações de locação financeira no seu conjunto, a fim de poderem beneficiar do direito à dedução do IVA a montante ( 51 ). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, na prática, isto é possível no processo principal.

Conclusão

92.

Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pelo Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido):

As disposições da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretadas no sentido de que os contratos de locação financeira como os que estão em causa no processo principal constituem operações únicas complexas que devem ser sujeitas a tributação, tendo os prestadores o direito de deduzir a totalidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a montante sobre os bens e serviços utilizados para efeitos destas prestações.

Os sujeitos passivos que beneficiaram da isenção parcial destas operações nos termos do direito nacional não têm direito à dedução do IVA a montante que onerou os bens e os serviços utilizados para efeitos destas operações, cujo custo foi incorporado no preço das operações isentas. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é possível estes sujeitos passivos pedirem a tributação plena das referidas operações a fim de poderem beneficiar do direito à dedução.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Trata‑se de contratos, com diferentes designações em diferentes sistemas jurídicos («hire purchase» em inglês, «location‑vente» ou «crédit‑bail» em francês, sendo o termo inglês «leasing» utilizado em vários sistemas, nomeadamente, no alemão e no polaco), através dos quais empresas especializadas adquirem bens segundo as especificações dos seus clientes e, reservando a propriedade destes bens, cedem o seu gozo a esses clientes, mediante o pagamento de uma retribuição calculada de forma a amortizar o valor dos bens e a cobrir as despesas de financiamento. Os contratos reservam normalmente aos locatários uma opção de compra dos bens locados, que estes podem exercer no fim da locação contra pagamento de um preço correspondente ao valor residual presumido do bem.

( 3 ) JO 2006, L 347, p. 1.

( 4 ) Estes artigos não têm importância para efeitos do presente processo.

( 5 ) Com efeito, este preço apenas representa o valor do veículo, e o IVA a montante que onera a aquisição do veículo é integralmente deduzido do IVA a jusante sobre o mesmo veículo.

( 6 ) Este valor é igual a zero, com exceção de alguns pagamentos não incluídos no preço do veículo, tais como as indemnizações por liquidação antecipada ou as despesas de exercício da opção de compra, que são considerados relativos às operações tributadas.

( 7 ) V., recentemente, Acórdão de 13 de outubro de 2016, M. e S. (C‑303/15, EU:C:2016:771, n.o 16 e jurisprudência referida).

( 8 ) V., quanto à finalidade da isenção das operações financeiras, n.o 78 e seguintes das presentes conclusões.

( 9 ) V., recentemente, Acórdão de 22 de junho de 2016, Gemeente Woerden (C‑267/15, EU:C:2016:466, n.os 30 a 35, 40 e 41).

( 10 ) V., recentemente, Acórdão de 22 de outubro de 2015, Sveda (C‑126/14, EU:C:2015:712, n.os 27, 28 e 32).

( 11 ) O sublinhado é meu.

( 12 ) Excetuando as atividades não abrangidas pelo sistema do IVA, uma vez que são desprovidas, por exemplo, de caráter oneroso.

( 13 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 57 e jurisprudência referida), e de 22 de outubro de 2015, Sveda (C‑126/14, EU:C:2015:712, n.o 27).

( 14 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 58 e jurisprudência referida), e de 22 de outubro de 2015, Sveda (C‑126/14, EU:C:2015:712, n.o 28).

( 15 ) Era o que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2016, Gemeente Woerden (C‑267/15, EU:C:2016:466).

( 16 ) V., n.o 32 das presentes conclusões.

( 17 ) V., n.os 32 e 33 das presentes conclusões.

( 18 ) V., Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP (C‑349/96, EU:C:1999:93, n.o 29).

( 19 ) V., nomeadamente, Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ‘94 (C‑208/15, EU:C:2016:936, n.os 26, 27 e 29 e jurisprudência referida).

( 20 ) V., nomeadamente, Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C‑276/09, EU:C:2010:730, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida).

( 21 ) V., Acórdãos de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C‑41/04, EU:C:2005:649, n.o 24); de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C‑276/09, EU:C:2010:730, n.o 30); e de 27 de setembro de 2012, Field Fisher Waterhouse (C‑392/11, EU:C:2012:597, n.o 25).

( 22 ) V., nomeadamente, Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ‘94 (C‑208/15, EU:C:2016:936, n.o 30).

( 23 ) Acórdão de 27 de setembro de 2012, Field Fisher Waterhouse (C‑392/11, EU:C:2012:597, n.o 26).

( 24 ) V., Acórdão de 4 de outubro de 2017, Mercedes‑Benz Financial Services UK (C‑164/16, EU:C:2017:734).

( 25 ) Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C‑276/09, EU:C:2010:730, n.o 31).

( 26 ) V., sobre as consequências das isenções sobre a neutralidade do IVA, n.os 78 e seguintes das presentes conclusões.

( 27 ) Acórdão de 27 de outubro de 1993, Muys’ en De Winter’s Bouw‑ en Aannemingsbedrijf (C‑281/91, EU:C:1993:855, dispositivo).

( 28 ) Acórdão de 27 de outubro de 1993, Muys’ en De Winter’s Bouw‑ en Aannemingsbedrijf (C‑281/91, EU:C:1993:855, n.o 14), e Conclusões do advogado‑geral F. Jacobs no processo Muys’ en De Winter’s Bouw‑ en Aannemingsbedrijf (C‑281/91, EU:C:1993:81, n.os 10 e 11).

( 29 ) Consideremos um bem no valor de 1000 euros sem imposto, o IVA a 20% e as despesas totais de financiamento de 30%. No caso do financiamento através de empréstimo bancário, teremos: preço do bem com IVA — 1200 euros, despesas de financiamento 360 euros, no total 1560 euros. No caso da locação financeira: preço do bem sem imposto mais despesas de financiamento — 1300 euros, mais IVA 260 euros, no total de 1560 euros. Esquematicamente: (a + ta) + s(a + ta) = (a + sa) + t(a + sa), em que a = preço do bem sem imposto, t = taxa de IVA, s = despesas de financiamento. Inspirei‑me nos cálculos de Pardon, J., La TVA et les opérations bancaires, Droit bancaire et financier, 2006, V, p. 274.

( 30 ) Acórdão de 8 de dezembro de 2016 (C‑208/15, EU:C:2016:936).

( 31 ) Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ‘94 (C‑208/15, EU:C:2016:936, primeiro travessão do dispositivo).

( 32 ) Isto constitui uma mudança clara em relação ao n.o 13 do Acórdão de 27 de outubro de 1993, Muys’ en De Winter’s Bouw‑ en Aannemingsbedrijf (C‑281/91, EU:C:1993:855), segundo o qual a expressão «concessão e negociação de créditos» utilizada para definir o âmbito da isenção é suficientemente ampla para incluir um crédito concedido por um fornecedor de bens sob a forma de diferimento do pagamento. Segundo o Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ‘94 (C‑208/15, EU:C:2016:936), tal crédito deverá normalmente ser tratado como sendo acessório à entrega de bens e, assim, não poderá beneficiar da isenção.

( 33 ) Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ‘94 (C‑208/15, EU:C:2016:936, n.os 32 a 34).

( 34 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C‑425/06, EU:C:2008:108).

( 35 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C‑425/06, EU:C:2008:108, n.os 8 a 17).

( 36 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C‑425/06, EU:C:2008:108, n.os 48 a 53).

( 37 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C‑425/06, EU:C:2008:108, n.o 57).

( 38 ) Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1), de que a Diretiva 2006/112 constitui uma reformulação. O artigo 11.o, A, n.o 1, da Sexta Diretiva é o atual artigo 73.o da Diretiva 2006/112.

( 39 ) Atualmente artigos 24.o a 29.o da Diretiva 2006/112. Há que observar que alguns contratos de locação financeira podem ser qualificados de entregas de bens na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2006/112, o que nada altera no que respeita à sua sujeição a imposto.

( 40 ) Atualmente artigo 135.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2006/112.

( 41 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C‑425/06, EU:C:2008:108, n.os 59 a 61).

( 42 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008 (C‑425/06, EU:C:2008:108).

( 43 ) V., no que respeita à isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112, Acórdão de 26 de maio de 2016, Bookit (C‑607/14, EU:C:2016:355, n.o 34).

( 44 ) V., nomeadamente, Tait, A., Value Added Tax. International Practice and Problems, International Monetary Fund, Washington 1988, p. 92 a 100. V., igualmente, Parolini, A., «Exemptions in VAT Law — Recent Case Law of the CJEU», in: Lang, M. (ed.), CJEU — Recent Developments in Value Added Tax 2015, Viena, 2016, p. 285, e Pardon, J., La TVA et les opérations bancaires, Droit bancaire et financier, 2006, V, p. 274.

( 45 ) Acórdão de 19 de abril de 2007, Velvet & Steel Immobilien (C‑455/05, EU:C:2007:232, n.o 24).

( 46 ) Acórdão de 26 de maio de 2016, Bookit (C‑607/14, EU:C:2016:355, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 47 ) A este respeito, observo, por exemplo, que, como no processo que deu origem ao Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698), os prestadores de serviços de locação e de locação financeira de veículos estabelecidos na Irlanda do Norte estão em concorrência direta com os prestadores dos mesmos serviços estabelecidos na Irlanda.

( 48 ) Na audiência, as partes alegaram que esta obrigação decorre da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66). Todavia, em primeiro lugar, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), desta diretiva, esta não se aplica aos «[c]ontratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado». Ora, de acordo com as informações fornecidas pelo Governo do Reino Unido em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, nenhum dos tipos de contratos de locação financeira utilizados pela VWFS inclui uma obrigação de compra, mas apenas uma opção. Em segundo lugar, se a obrigação em questão pode ser deduzida do artigo 10.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2008/48, trata‑se de uma obrigação de informação do locatário, que não pode determinar o tratamento fiscal da prestação.

( 49 ) Acórdão de 28 de novembro de 2013, MDDP (C‑319/12, EU:C:2013:778, n.o 45).

( 50 ) Acórdão de 28 de novembro de 2013, MDDP (C‑319/12, EU:C:2013:778, n.o 43).

( 51 ) V., Acórdão de 28 de novembro de 2013, MDDP (C‑319/12, EU:C:2013:778, n.os 47 e, por analogia, 56, segundo e terceiro parágrafos).