CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 7 de março de 2018 ( 1 )

Processo C‑1/17

Petronas Lubricants Italy SpA

contra

Livio Guida

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte d’appello di Torino (Tribunal de Recurso de Turim, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Competência em matéria de contratos individuais de trabalho — Empregador demandado nos tribunais do Estado‑Membro onde tem o seu domicílio — Pedido reconvencional do empregador — Determinação do tribunal competente»

1.

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 2 ).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Livio Guida, com domicílio na Polónia, ao seu ex‑empregador, a sociedade de direito italiano Petronas Lubricants Italy SpA (a seguir «PL Italy»), com sede em Itália, a propósito do despedimento que lhe foi notificado por esta sociedade.

3.

O Tribunal de Justiça terá assim a oportunidade de, pela primeira vez, definir o conceito de «pedido reconvencional» constante de uma das disposições especiais do capítulo II, secção 5, do Regulamento (CE) n.o 44/2001, que define as regras da competência em matéria de contratos individuais de trabalho, à luz da muito recente jurisprudência relativa a tal conceito, definido no artigo 6.o, n.o 3, deste regulamento, incluído na secção 2 do mesmo capítulo, consagrado às competências especiais.

4.

No final da nossa análise, limitada à segunda questão prejudicial, em conformidade com o solicitado pelo Tribunal de Justiça, proporemos que se interpretem as disposições do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 no sentido de que este artigo confere ao empregador o direito de deduzir um pedido reconvencional no tribunal validamente escolhido pelo trabalhador e que este tribunal pode decidir sobre tal pedido na condição de este incidir sobre todas as pretensões recíprocas com uma origem comum.

I. Quadro jurídico

5.

Os considerandos 11, 13 e 15 do Regulamento n.o 44/2001 enunciam:

«(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

[…]

(13)

No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.

[…]

(15)

O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes. Importa prever um mecanismo claro e eficaz para resolver os casos de litispendência e de conexão e para obviar aos problemas resultantes das divergências nacionais quanto à data a partir da qual um processo é considerado pendente. Para efeitos do presente regulamento, é conveniente fixar esta data de forma autónoma.»

6.

Nos termos do artigo 6.o, n.o 3, deste regulamento, incluído no seu capítulo II, secção 2, intitulada «Competências especiais», uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro «[s]e se tratar de um pedido reconvencional que derive do contrato ou do facto em que se fundamenta a ação principal, perante o tribunal onde esta última foi instaurada».

7.

A secção 5 do capítulo II deste regulamento, que integra os artigos 18.o a 21.o deste, enuncia as regras de competência relativas aos litígios que têm por objeto contratos individuais de trabalho.

8.

O artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 dispõe:

«Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o»

9.

O artigo 19.o deste regulamento prevê:

«Uma entidade patronal que tenha domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada:

1.

Perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território tiver domicílio; ou

2.

Noutro Estado‑Membro:

a)

Perante o tribunal do lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho; ou

b)

Se o trabalhador não efetua ou não efetuou habitualmente o seu trabalho no mesmo país, perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.»

10.

Nos termos do artigo 20.o do referido regulamento:

«1.   Uma entidade patronal só pode intentar uma ação perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador tiver domicílio.

2.   O disposto na presente secção não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional perante o tribunal em que tiver sido instaurada a ação principal, nos termos da presente secção.»

11.

O artigo 21.o do Regulamento n.o 44/2001 estabelece o seguinte:

«As partes só podem convencionar derrogações ao disposto na presente secção, desde que tais convenções:

1.

Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou

2.

Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção.»

II. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

12.

L. Guida foi contratado no decurso do ano de 1982 pela sociedade PL Italy, através de contrato regido pela lei italiana e foi destacado em 1996 para trabalhar na empresa polaca associada Petronas Lubricants Poland sp.zo.o. (a seguir «PL Poland»), desempenhando desde então as funções de diretor‑geral, com a classificação de dirigente desde 1998. Em 2001, celebrou com a PL Poland um contrato de trabalho «paralelo» a termo certo, regido pela lei polaca, que foi renovado diversas vezes, a última das quais com o prazo fixado em 30 de abril de 2016. Através de duas cartas datadas de 17 e 29 de abril de 2014, foram‑lhe notificados vários ilícitos disciplinares. L. Guida foi de seguida despedido pela PL Italy por «alegada justa causa», por carta de 28 de maio de 2014. Através de uma outra carta com a mesma data, foi informado da cessação da sua relação laboral com a PL Poland.

13.

L. Guida, então, demandou a PL Italy no Tribunale di Torino (Tribunal de Turim, Itália) invocando a extemporaneidade e o caráter genérico das repreensões disciplinares, bem como afirmando que não se verificaram os factos que lhe eram imputados. Pediu ao referido tribunal que, por um lado, declarasse o seu despedimento, ordenado pela PL Italy, injustificado e, em todo o caso, ilícito e, por outro, condenasse esta sociedade ao pagamento das indemnizações previstas no direito italiano em caso de despedimento abusivo. L. Guida, para além do já referido, peticionou a condenação da PL Italy a indemnizar o dano não patrimonial sofrido pelo caráter injurioso do despedimento.

14.

Em 5 de dezembro de 2014, a PL Italy compareceu nesse tribunal e contestou as pretensões do recorrente. Especificando que se tinha subrogado nos créditos da PL Poland relativamente a L. Guida por cessão datada de 3 de dezembro de 2014, esta sociedade peticionou, a título reconvencional, que L. Guida fosse condenado a devolver 143816,29 euros indevidamente recebidos a título de reembolsos de despesas com deslocações profissionais, de indemnizações compensatórias de férias não gozadas e do pagamento excessivo de quantias por aplicação de taxas de câmbio zlóti/euro erradas.

15.

L. Guida, invocando o artigo 6.o, n.o 3, e o artigo 20.o do Regulamento n.o 44/2001, deduziu uma exceção de incompetência do tribunal italiano para conhecer do pedido reconvencional deduzido pela PL Italy.

16.

Por sentença publicada em 14 de setembro de 2015, o Tribunale di Torino (Tribunal de Turim) condenou a PL Italy a pagar a L. Guida 100000 euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes do caráter injurioso do despedimento e declarou‑se incompetente para conhecer do pedido reconvencional da PL Italy a favor dos tribunais polacos.

17.

Após ter reconhecido que L. Guida tinha apresentado prova de estar domiciliado na Polónia, o Tribunale di Torino (Tribunal de Turim) considerou, no entanto, que, apesar de o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 prever uma derrogação à obrigação de a entidade patronal demandar os seus trabalhadores no país em que estes têm o seu domicílio, esta derrogação não é aplicável quando os créditos que o empregador pretende recuperar não emirjam diretamente da sua esfera jurídica, mas lhe tenham sido cedidos por via contratual.

18.

A PL Italy interpôs recurso dessa sentença para a Corte d’appello di Torino (Tribunal de Recurso de Turim, Itália), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a anulação da sua condenação no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais e reiterou o seu pedido reconvencional.

19.

Esse órgão jurisdicional considera que importa saber se o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 permite que uma entidade patronal formule, perante os tribunais do Estado‑Membro do seu domicílio, um pedido reconvencional contra o trabalhador que contra ela tenha intentado validamente uma ação nesses mesmos tribunais, em conformidade com o artigo 19.o do mesmo regulamento.

20.

Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as consequências que se devem retirar da constatação de que o pedido reconvencional deduzido pelo empregador tem por objeto um crédito que pertencia originariamente a um terceiro, sendo este, ao mesmo tempo, empregador do mesmo trabalhador em virtude de um contrato de trabalho «paralelo», e que o pedido reconvencional se funda num contrato de cessão de créditos celebrado entre o empregador e o titular original do crédito numa data posterior à apresentação da petição em juízo por parte do trabalhador.

21.

Nestas condições, a Corte d’appello di Torino (Tribunal de Recurso de Turim) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 […] inclui a possibilidade de uma entidade patronal domiciliada no território de um Estado‑Membro da [União], que seja demandada em juízo por um ex‑trabalhador nos tribunais do Estado‑Membro em que este tem domicílio (na aceção do artigo 19.o do [mesmo regulamento]), formular um pedido reconvencional contra o trabalhador no mesmo tribunal onde tiver sido instaurada a ação principal?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 ser interpretado no sentido de que o tribunal que conhece do pedido principal também é competente no caso de o pedido reconvencional deduzido pela entidade patronal não ter por objeto um crédito originariamente próprio da entidade patronal, mas um crédito originariamente próprio de um sujeito diverso (que é, ao mesmo tempo, entidade patronal do mesmo trabalhador por força de um contrato de trabalho paralelo), e de o pedido reconvencional se basear num contrato de cessão de créditos, celebrado entre a entidade patronal e a pessoa titular originária do crédito, numa data posterior à apresentação do pedido principal pelo trabalhador?»

III. Análise

22.

Antes de expormos a nossa análise do conceito de «pedido reconvencional», incluído no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 ( 3 ), parece‑nos essencial especificar certos elementos que constituem a base da nossa reflexão. Em primeiro lugar, deve‑se fazer notar que as condições de aplicação desta disposição não são colocadas em causa. É, portanto, pacífico que o litígio incide sobre um «contrato individual de trabalho», no sentido conferido pelo artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento ( 4 ), celebrado entre L. Guida e a PL Italy no ano de 1982 e tendo aquele trabalhador celebrado outros contratos de trabalho, a partir de 2001, com a PL Poland, «empresa associada» à PL Italy, após ter sido destacado para esta sociedade polaca a partir de 1996. É também pacífico que a PL Italy, empregadora e ré, foi demandada no tribunal do Estado‑Membro do seu domicílio, competente em razão da escolha do trabalhador ao abrigo do disposto no artigo 19.o do mencionado regulamento, formulando um pedido tendente a uma condenação autónoma do autor e não como forma de defesa por impugnação ( 5 ).

23.

Em segundo lugar, não existe qualquer dúvida de que tanto o empregador como o trabalhador têm a possibilidade de deduzir um pedido reconvencional, o que justifica a resposta afirmativa à primeira questão prejudicial. Seria, na verdade, antagónico com uma interpretação literal das disposições do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 ( 6 ) deduzir, na falta de restrição legislativa, que a faculdade de formular um pedido reconvencional está reservada ao trabalhador ( 7 ). Parece‑nos que esta igualdade processual entre trabalhador e o empregador já foi salientada indiretamente pelo Tribunal de Justiça ( 8 ). A referida igualdade responde ao objetivo geral de uma boa administração da justiça, que implica o respeito pelo princípio da economia processual ( 9 ).

24.

Desta forma, admite‑se que, através de um pedido reconvencional, o empregador possa deduzir uma pretensão, dirigida contra o trabalhador, e que esta seja examinada por um tribunal de um Estado‑Membro não coincidente com o do domicílio do trabalhador, mas que este escolheu por considerar que apresenta a conexão mais próxima com os seus interesses ( 10 ).

25.

Estando isto assente, convém explicar como pode ser definido o conceito de «pedido reconvencional», no sentido do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001, tal como o órgão jurisdicional de reenvio, em substância, solicita através da sua segunda questão.

26.

Desde logo, convém notar que o legislador da União adotou uma redação diferente da do artigo 6.o, n.o 3, deste regulamento, incluído no capítulo II, secção 2, que prevê regras de competências derivadas, e que concorrem com a competência de princípio do tribunal do Estado‑Membro onde o réu tem domicílio. Com efeito, nesta disposição foi acrescentado que se deve tratar de um pedido «que derive do contrato ou do facto em que se fundamenta a ação principal» ( 11 ). Estes termos, que se mantiveram intocados desde a entrada em vigor da Convenção de Bruxelas, também não figuram nas secções aí consagradas às regras de competência de proteção dos segurados ou dos consumidores. Esta especificação não foi acrescentada nem à altura da inserção, no capítulo II do Regulamento n.o 44/2001, de uma secção 5, consagrada à competência em matéria de contratos individuais de trabalho ( 12 ), nem aquando da redação do Regulamento n.o 1215/2012, aplicável a partir de 10 de janeiro de 2015.

27.

Os trabalhos preparatórios ensinam‑nos que «[a]s competências previstas nesta secção substituem as previstas nas secções 1 e 2» ( 13 ) e que «[a]s disposições relativas à competência jurisdicional em matéria de contratos de trabalho são pouco modificadas na substância, mas sobretudo reagrupadas numa secção específica, tal como se previu para os contratos de seguro e de consumo» ( 14 ). Desta forma, deduz‑se que o legislador não escolheu disposições particulares para o contencioso laboral não obstante o almejado objetivo da proteção da parte mais fraca, o que poderia ter justificado condições particulares quanto à pretensão do empregador, tal como foi sugerido pelo L. Guida nas suas observações escritas.

28.

Em seguida, há que recordar os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no caso de ser solicitada a interpretação de um dos quatro artigos (18.o a 21.o) incluídos no capítulo II, secção 5, do Regulamento n.o 44/2001, consagrada à «[c]ompetência em matéria de contratos individuais de trabalho»:

esta secção enuncia uma série de regras que, como resulta do considerando 13 deste regulamento, têm por objetivo proteger a parte contratante mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos interesses dessa parte ( 15 );

resulta do texto das disposições inseridas na dita secção que estas apresentam caráter não só específico mas também exaustivo ( 16 ), e,

para assegurar a plena eficácia do Regulamento n.o 44/2001, os conceitos jurídicos que nele figuram devem ser interpretados de uma maneira autónoma que seja comum à totalidade dos Estados‑Membros ( 17 ).

29.

Por último, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça salientou que a regra prevista pelas disposições do artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, referente ao caso de um pedido reconvencional, foi incluída no artigo 20.o, n.o 2, deste regulamento, operando, desta forma, uma aproximação entre estas disposições ( 18 ).

30.

O Tribunal de Justiça também já decidiu que, tratando‑se da expressão «[que] derive do contrato ou do facto em que se fundamenta a ação principal», esta deve ser objeto de uma interpretação autónoma, tendo em consideração os objetivos do referido regulamento ( 19 ).

31.

A este respeito, o Tribunal de Justiça sublinhou que é com uma preocupação de boa administração da justiça que o foro especial em matéria de pedido reconvencional permite às partes regularizar, dentro do mesmo processo e perante o mesmo juiz, todas as suas pretensões recíprocas com uma origem comum. Assim, evitam‑se processos supérfluos e múltiplos ( 20 ). Já foi decidido que, «nas circunstâncias do processo principal, deve considerar‑se que o pedido reconvencional de reembolso, baseado num enriquecimento sem causa, deriva do contrato de locação financeira que esteve na origem da ação inicial do locador. Com efeito, o alegado enriquecimento no montante pago em execução do acórdão entretanto anulado não teria ocorrido sem o referido contrato» ( 21 ). A conexão estrita com a substância do litígio aparece, portanto, como elemento determinante.

32.

Nestas condições, a proteção devida ao trabalhador, enquanto parte mais fraca do contrato, e na falta de disposição específica inserida no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001, justifica que se faça uma interpretação diferenciada do conceito de «pedido reconvencional»? À semelhança da Comissão, consideramos que o conceito de «pedido reconvencional» deve ser uniforme no caso da aplicação das regras de competência dos tribunais europeus tanto mais que os critérios em caso de competência derivada não suscitaram, até hoje, muitas dificuldades de interpretação e que conseguem, igualmente, dar resposta, como nos casos de conexão, ao objetivo de evitar soluções que pudessem ser inconciliáveis se os processos fossem julgados em separado ( 22 ).

33.

Como consequência, esta solução apresenta a vantagem de evitar ter que recorrer a conceitos mais difíceis de colocar em prática como o da existência de uma «ligação objetiva decorrente do objeto ou da causa», proposto pelo Governo italiano. No entanto, uma conceção demasiado estrita do «pedido derivado do contrato de trabalho», tal como proposta pela Comissão, suportando‑se na «relação laboral invocada pelo trabalhador no seu pedido inicial», não nos parece que deva ser adotada por diversas razões.

34.

Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça já adotou uma interpretação lata do conceito de «pedido derivado do contrato» ( 23 ), ao admitir que um pedido de reembolso, baseado num enriquecimento sem causa, deriva do contrato de locação financeira celebrado entre as partes no processo principal, em circunstâncias processuais particulares. Com efeito, tratava‑se de um pedido de reembolso que tinha por objeto uma quantia correspondente ao montante convencionado no âmbito de um acordo extrajudicial, e que tal pedido tinha sido feito no decurso de uma nova ação judicial entre as mesmas partes, na sequência da anulação da decisão proferida na ação inicial entre estas e cuja execução deu lugar a esse acordo extrajudicial. Desta forma, pode‑se sublinhar que o Tribunal de Justiça deu menos importância à ligação direta com o contrato do que ao facto de que não teria existido enriquecimento sem causa sem esse contrato, o que evidencia que «as [pretensões se baseiam] em elementos factuais comuns» ( 24 ).

35.

Em segundo lugar, deve‑se ter em conta as interligações das relações contratuais de trabalho ( 25 ), o que é frequente em caso de destacamento, situação em que o contrato de trabalho inicial pode ser mantido e coexistir com o contrato de trabalho local.

36.

No caso em análise, resulta das observações concordantes das partes que a PL Italy detia a 100% a PL Poland, e que, a partir do mês de julho de 2001, foi celebrado um contrato «paralelo» específico com a PL Poland para fixar as condições particulares desta relação de trabalho. Acresce que também se pode sublinhar que o processo iniciado pelo L. Guida tinha por objeto o contrato inicial e não o último contrato outorgado com a PL Poland.

37.

Em terceiro lugar, resulta dos motivos do despedimento e do pedido pecuniário da PL Italy que ambos têm por base os mesmos factos, respeitantes às duas sociedades de forma indiferenciada. No caso vertente, era imputado a L. Guida, por um lado, o facto de ter por diversas vezes recebido indevidamente da PL Poland o reembolso de despesas de deslocações profissionais e de indemnizações compensatórias de férias não gozadas e, por outro, o facto de ter induzido em erro a PL Italy, aquando da liquidação do montante da sua remuneração, ao indicar uma taxa de câmbio zlóti/euro que lhe era mais favorável do que a oficial. É seguro que estes factos fundaram a decisão da PL Italy e da PL Poland de terminar as relações de trabalho e que o pedido reconvencional tem por objeto a restituição das quantias correspondentes recebidas indevidamente.

38.

Esta relação estreita entre a contestação do trabalhador dos motivos do despedimento e o pedido de reembolso apresentado pelo empregador leva a que se afastem os argumentos de L. Guida, bem como da Comissão, sobre a imprevisibilidade do pedido do réu reconduzido à cessão de créditos que sustenta tal pedido.

39.

Em quarto lugar, tem de se observar que L. Guida optou por contestar a fundamentação de uma só decisão de cessação da sua relação de trabalho, a que existiu com a PL Italy, e de a demandar, não perante o tribunal do Estado‑Membro onde tinha habitualmente prestado trabalho como lhe permitia o artigo 19.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001, mas perante o tribunal do local onde a PL Italy tem o seu domicílio. Esta escolha não deve ter consequências sobre a interpretação autónoma do conceito de «pedido reconvencional». Importa recordar, a este propósito, que, apesar da escolha do legislador da União de enunciar diversas regras de competências protetoras do trabalhador, não se decidiu fixar critérios que restrinjam a faculdade do empregador de deduzir um pedido reconvencional.

40.

Pelos mesmos motivos, o argumento extraído da lei aplicável ao contrato de trabalho, que, segundo L. Guida e a Comissão, justificaria uma interpretação estritamente limitada ao contrato de trabalho objeto do pedido original, deve ser afastado. Ainda que, tratando‑se da determinação da competência em razão do lugar de execução do contrato de trabalho que justifica favorecer a coincidência das competências judiciária e legislativa, o Tribunal de Justiça tenha julgado oportuno ter em conta as disposições correspondentes incluídas na Convenção de Roma ( 26 ) de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais ( 27 ), há que considerar que a questão da competência jurisdicional, em caso de pedido reconvencional, deve ser claramente independente daquela relativa à lei aplicável à substância.

41.

Consequentemente, consideramos que as circunstâncias do processo principal demonstram que o conceito de «pedido reconvencional» não deve ser interpretado limitando‑o somente ao quadro contratual. A concordância dos factos em que o pedido original se baseia deve, igualmente, ser tida em consideração. Desta forma, no caso que nos é apresentado, admitir, à luz de uma preocupação de boa administração da justiça, que o mesmo tribunal possa examinar a realidade dos factos que justificaram o despedimento e daí retirar consequências pecuniárias não nos parece contrário aos interesses do trabalhador. A falta de contradição nas decisões fica igualmente garantida, de acordo com o objetivo enunciado no considerando 15 do Regulamento n.o 44/2001. Nestas condições, não é relevante que a cessão de créditos, de que se prevalece o empregador, tenha ocorrido após se ter solicitado a pronúncia do tribunal competente.

42.

Assim, parece‑nos possível dar‑se uma interpretação a este conceito de «pedido reconvencional», em termos genéricos por uma questão de clareza e de eficácia, que implique que os tribunais nacionais afiram o caráter comum da origem das pretensões das partes, seja contratual, seja factual, tomando em consideração o conjunto das circunstâncias do caso em análise.

43.

Resulta do conjunto destes elementos que é proposto ao Tribunal de Justiça que declare que o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que confere tanto ao empregador como ao trabalhador o direito de deduzir um pedido reconvencional no tribunal validamente escolhido para a ação principal e que esse tribunal é competente para conhecer de tal pedido na condição de este incidir sobre todas as pretensões recíprocas das partes com uma origem comum, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

IV. Conclusão

44.

Tendo em consideração o exposto, propomos que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pela Corte d’appello di Torino (Tribunal de Recurso de Turim, Itália) da maneira seguinte:

O artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que confere tanto ao empregador como ao trabalhador o direito de deduzir um pedido reconvencional no tribunal validamente escolhido para a ação principal e que esse tribunal é competente para conhecer de tal pedido na condição de este incidir sobre todas as pretensões recíprocas das partes com uma origem comum, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2001, L 12, p. 1.

( 3 ) Aplicável no processo principal, uma vez que a ação do trabalhador foi apresentada em tribunal antes de 10 de janeiro de 2015. Tal como foi recordado no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Concurrence (C‑618/15, EU:C:2016:976, n.o 9), o Regulamento n.o 44/2001 foi revogado pelo artigo 80.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1). E, por força do artigo 66.o, n.o 1, deste regulamento, o mesmo só é aplicável às ações judiciais propostas a partir de 10 de janeiro de 2015.

( 4 ) Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 34).

( 5 ) Acórdão de 13 de julho de 1995, Danværn Production (C‑341/93, EU:C:1995:239, n.os 15 e 18).

( 6 ) Deve ser sublinhado que as mesmas disposições aparecem nas outras secções que enunciam regras de competência protetoras de uma parte mais fraca (artigo 12.o, n.o 2, em matéria de seguros, artigo 16.o, n.o 3, em matéria de contratos celebrados com consumidores). A redação destes artigos, que decorre dos artigos 11.o e 14.o da Convenção, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32), conforme alterada pelas sucessivas Convenções sobre a adesão dos novos Estados‑Membros a esta Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), também foi mantida inalterada nos artigos 14.o e 18.o do Regulamento n.o 1215/2012.

( 7 ) A doutrina é unânime neste ponto, qualquer que seja o regulamento aplicável, v., nomeadamente, Gaudemet‑Tallon, H., Compétence et exécution des jugements en Europe, Matières civile et commerciale, Règlements 44/2001 et 1215/2012, Conventions de Bruxelles (1968) et de Lugano (1998 et 2007), 5.a ed., Librairie générale de droit et de jurisprudence, coleção Droit des affaires, Paris, 2015, p. 394, ponto 302, n.o 2; Blanco‑Morales Limones, P., Garau Sobrino, F. F., Lorenzo Guillén M. L., Montero Muriel, F. J., Comentario al Reglamento (UE) n.o 1215/2012 relativo a la competencia judicial, el reconocimiento y la ejecución de resoluciones judiciales en materia civil y mercantil, Reglamento BruselasI refundido, Thomson Reuters Aranzadi, Madrid, 2016, p. 495, ponto 2, n.o 7; Magnus, U., Mankowski, P., European Commentaries on Private International Law, Brussels Ibis Regulation, volume 1, Sellier European Law Publishers, Otto Schmidt, Colónia, 2015, p. 554, ponto 5; Czernich, D., Kodek, G., Mayr, P., Europäisches Gerichtsstands‑ und Vollstreckungsrecht, Brüssel Ia‑Verordnung (EuGVVO, 2012) und Übereinkommen von Lugano 2007 Herausgeber, LexisNexis, Viena, 2015, p. 296, n.o 3.

( 8 ) Acórdão de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 29).

( 9 ) Acórdãos de 10 de abril de 2003, Pugliese (C‑437/00, EU:C:2003:219, n.os 17 e 22); de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 27); e de 12 de outubro de 2016, Kostanjevec (C‑185/15, EU:C:2016:763, n.o 37).

( 10 ) Expressão retirada do Acórdão de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.o 50 e jurisprudência referida).

( 11 ) No relatório de P. Jenard sobre a Convenção [de Bruxelas] (JO 1979, C 59, p. 1), é especificado que, «para determinar a competência, o pedido reconvencional deve ter uma conexão com o pedido principal. Como a conexão não é conhecida em todas as legislações, o texto, inspirado no projeto do Código Judiciário belga, indica que o pedido reconvencional deve derivar quer do contrato, quer do facto que serve de fundamento ao pedido inicial» (p. 28).

( 12 ) V., para uma descrição detalhada do processo legislativo, Acórdãos de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.os 14 a 17), e de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.o 46).

( 13 ) Esta frase já foi citada no Acórdão de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 24).

( 14 ) V. proposta de regulamento (CE) do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial [COM(1999) 348 final], exposição de motivos.

( 15 ) Acórdãos de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.os 17 e 30), e de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.o 49 e jurisprudência referida).

( 16 ) Acórdãos de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 18), e de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.o 51 e jurisprudência referida).

( 17 ) V., no que diz respeito ao artigo 18.o do referido regulamento, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, UE:C:2015:574, n.os 36, 37 e jurisprudência referida), e, no que diz respeito ao artigo 19.o, n.o 2, do referido regulamento, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, UE:C:2017:688, n.os 47, 48 e jurisprudência referida).

( 18 ) Acórdão de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 22).

( 19 ) Acórdão de 12 de outubro de 2016, Kostanjevec (C‑185/15, EU:C:2016:763, n.o 36).

( 20 ) Acórdão de 12 de outubro de 2016, Kostanjevec (C‑185/15, EU:C:2016:763, n.o 37).

( 21 ) Acórdão de 12 de outubro de 2016, Kostanjevec (C‑185/15, EU:C:2016:763, n.o 38).

( 22 ) A comparar com o Acórdão de 11 de abril de 2013, Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.o 42), relativo ao artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, e com o Comentário de Czernich, D., Kodek, G., e Mayr, P., Europäisches Gerichtsstands‑ und Vollstreckungsrecht Brüssel Ia‑Verordnung (EuGVVO, 2012) und Übereinkommen von Lugano 2007 Herausgeber, LexisNexis, Viena, 2015, p. 296, n.o 3.

( 23 ) A comparar com a análise do disposto no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, v. Magnus, U., Mankowski, P., European Commentaries on Private International Law, Brussels Ibis Regulation, volume 1, Sellier European Law Publishers, Otto Schmidt, Colónia, 2015, p. 401, particularmente no que se refere à expressão «same contract» na versão em língua inglesa desse regulamento.

( 24 ) Esta expressão é utilizada nas Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kostanjevec (C‑185/15, EU:C:2016:397, n.o 44).

( 25 ) V., para uma panorâmica geral das particularidades do contrato de trabalho, Acórdão de 15 de janeiro de 1987, Shenavai (266/85, EU:C:1987:11, n.o 16). A título de exemplos de casos de diversas de relações contratuais, v. Acórdão de 10 de abril de 2003, Pugliese (C‑437/00, EU:C:2003:219, n.os 4 a 9); e, especialmente, tratando‑se de sociedades pertencentes ao mesmo grupo, Acórdãos de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.os 7 a 10), e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:C:2015:574, n.os 12 a 18).

( 26 ) A título de exemplo muito recente, v. Acórdão de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.o 55), relativo à interpretação autónoma do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001.

( 27 ) JO 1998, C 27, p. 34. O artigo 6.o desta Convenção é aplicável aos contratos celebrados até 17 de dezembro de 2009. Após esta data, o artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6), é aplicável em conformidade com o artigo 28.o deste regulamento.