ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

12 de dezembro de 2018 ( *1 )

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Distribuição televisiva — Decisão que torna os compromissos vinculativos — Exclusividade territorial — Avaliação preliminar — Lesão dos direitos contratuais de terceiros — Proporcionalidade»

No processo T‑873/16,

Groupe Canal + SA, com sede em Issy‑les‑Moulineaux (França), representada por P. Wilhelm, P. Gassenbach e O. de Juvigny, advogados,

recorrente,

apoiada por

República Francesa, representada por D. Colas, J. Bousin, E. de Moustier e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

por

Union des producteurs de cinéma (UPC), com sede em Paris (França), representada por É. Lauvaux, advogado,

por

C More Entertainment AB, com sede em Estocolmo (Suécia), representada por L. Johansson e A. Acevedo, advogados,

e por

European Film Agency Directors — EFADs, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por O. Sasserath, advogado,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Dawes, C. Urraca Caviedes e L. Wildpanner, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), com sede em Bruxelas, representado por A. Fratini, advogado,

interveniente,

que tem por objeto um pedido, nos termos do artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão da Comissão, de 26 de julho de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.40023 — Acesso transfronteiriço a conteúdos televisivos pagos), que torna juridicamente vinculativos os compromissos propostos pela Paramount Pictures International Limited e pela Viacom Inc., no quadro dos contratos de licença sobre conteúdos audiovisuais que estas celebraram com a Sky UK Ltd e a Sky plc,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente, A. Dittrich e I. Ulloa Rubio, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

Em 13 de janeiro de 2014, a Comissão Europeia deu início a um inquérito sobre eventuais restrições à prestação de serviços de televisão paga no âmbito dos contratos de licença entre seis estúdios americanos e os principais organismos de radiodifusão de conteúdo televisivo pago da União Europeia.

2

Em 23 de julho de 2015, a Comissão adotou uma comunicação de objeções, tendo como destinatários a Paramount Pictures International Ltd, com sede em Londres (Reino Unido), e a Viacom Inc., com sede em Nova Iorque (Nova Iorque, Estados Unidos), sociedade‑mãe da primeira (a seguir designadas em conjunto «Paramount»). Nesta comunicação, a Comissão expôs a sua conclusão preliminar sobre a compatibilidade com o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) de determinadas cláusulas incluídas nos contratos de licença que a Paramount tinha celebrado com a Sky UK Ltd e a Sky plc (a seguir designadas em conjunto «Sky»).

3

No âmbito do seu inquérito, a Comissão centrou‑se em duas cláusulas conexas destes contratos de licença. A primeira tinha por objeto proibir ou limitar a possibilidade de a Sky responder positivamente a pedidos não solicitados relativos à compra de serviços de distribuição televisiva provenientes de consumidores residentes no EEE, mas fora do Reino Unido e da Irlanda. A segunda impunha à Paramount, no âmbito dos contratos que concluía com os organismos de radiodifusão estabelecidos no EEE, mas fora do Reino Unido, proibir ou limitar a possibilidade de estes últimos responderem positivamente a pedidos não solicitados relativos à compra de serviços de distribuição televisiva provenientes de consumidores residentes no Reino Unido ou na Irlanda.

4

Por decisão do Auditor em determinados procedimentos de concorrência, de 24 de novembro de 2015, a recorrente, Groupe Canal +, foi admitida a intervir no processo enquanto terceiro interessado na aceção do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18).

5

Por carta de 4 de dezembro de 2015, intitulada «Informação sobre a natureza e o objeto do processo, nos termos do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 773/2004», a Comissão comunicou à recorrente, nomeadamente, a sua apreciação jurídica relativa à aplicação do artigo 101.o TFUE aos factos em apreço, seguida de uma conclusão preliminar a este respeito. Segundo esta conclusão preliminar, a Comissão tinha a intenção de adotar uma decisão dirigida à Sky e a cada um dos estúdios objeto do inquérito para declarar que tinham infringido o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE, para lhes aplicar coimas e para lhes ordenar que pusessem termo à infração e se abstivessem de qualquer medida suscetível de ter um objetivo ou efeito semelhante.

6

Em 15 de abril de 2016, a Paramount propôs compromissos em resposta às objeções da Comissão em matéria de concorrência nos termos do artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1). Após ter recolhido observações de outros terceiros interessados, incluindo a recorrente, a Comissão adotou a decisão de 26 de julho de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.40023 — Acesso transfronteiriço a conteúdos televisivos pagos) (a seguir «decisão impugnada»).

7

Resulta do artigo 1.o da decisão impugnada que os compromissos enumerados no seu anexo são obrigatórios para a Paramount, bem como para os seus sucessores legais e para as suas filiais, por um período de cinco anos a contar da data de notificação da decisão em causa.

8

A cláusula 1, nono parágrafo, do anexo da decisão impugnada prevê diversos tipos de cláusulas que são objeto do processo (a seguir «cláusulas relevantes»). Por um lado, no que se refere à transmissão por satélite, estão em causa, em primeiro lugar, a cláusula segundo a qual a receção fora do território abrangido pelo contrato de licenciamento (overspill) não constitui um incumprimento do contrato por parte do organismo de radiodifusão se este não tiver autorizado essa receção com conhecimento de causa e, por outro, a cláusula segundo a qual a receção com destino ao território abrangido pelo contrato de licença não constitui um incumprimento do contrato por parte da Paramount se esta não tiver autorizado a disponibilização de descodificadores provenientes de terceiros nesse território. Por outro lado, no que diz respeito à transmissão pela Internet, estão em causa, em primeiro lugar, a cláusula que impõe aos organismos de radiodifusão que impeçam o descarregamento ou a difusão em contínuo (streaming) de conteúdos televisivos fora do território abrangido pelo contrato de licença, em segundo lugar, a cláusula segundo a qual a visualização pela Internet (Internet overspill) com destino ao território abrangido pelo contrato de licença não constitui um incumprimento do contrato por parte da Paramount se esta obrigou os organismos de radiodifusão a utilizar tecnologias que impedem tal visualização e, em terceiro lugar, a cláusula segundo a qual a visualização de conteúdos televisivos pela Internet fora do território abrangido pelo contrato de licença não constitui um incumprimento do contrato por parte do organismo de radiodifusão se este utiliza tecnologias que impedem tal visualização.

9

Além disso, resulta da cláusula 1, terceiro parágrafo, do anexo da decisão impugnada que a expressão «obrigação do organismo de radiodifusão» visa as cláusulas relevantes ou cláusulas equivalentes que proíbam um organismo de radiodifusão de dar resposta a pedidos não solicitados de consumidores que residem no EEE, mas fora do território para o qual o organismo de radiodifusão goze de um direito de difusão. Correlativamente, a expressão «obrigações da Paramount» designa as cláusulas relevantes ou cláusulas equivalentes que exigem à Paramount que proíba os organismos de radiodifusão que se encontram no EEE, mas fora dos territórios para os quais um organismo de radiodifusão goza de direitos exclusivos, de dar resposta a pedidos não solicitados de consumidores que residem nesses territórios.

10

Segundo a cláusula 2 do anexo da decisão impugnada, a partir da data de notificação da mesma, a Paramount está sujeita a diversos compromissos. Antes de mais, a Paramount não celebrará, renovará ou prorrogará a aplicação das cláusulas relevantes no âmbito dos contratos de licença tal como estes são definidos no mesmo anexo (n.o 2.1). Em seguida, no que respeita aos contratos de licença vigentes para a produção de conteúdos televisivos pagos (existing Pay‑TV Output Licence Agreements), não agirá judicialmente para fazer cumprir as obrigações dos organismos de radiodifusão [n.o 2.2, alínea a)]. No que se refere aos mesmos contratos, não respeitará nem agirá para que se respeitem, direta ou indiretamente, as «obrigações da Paramount» [n.o 2.2, alínea b)]. Por último, comunicará à Sky no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão impugnada, e a qualquer outro organismos de radiodifusão estabelecido no EEE no prazo de um mês a contar dessa notificação, que não agirá judicialmente para fazer cumprir as cláusulas relevantes aos organismos de radiodifusão (n.o 2.3).

11

A recorrente tinha celebrado com a Paramount um contrato de licença relativo à produção de conteúdos televisivos pagos (Pay Television Agreement), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014 (a seguir «contrato de 1 de janeiro de 2014»). O artigo 12.o do referido contrato prevê que o território abrangido por este se divide em territórios «exclusivos», entre os quais se inclui nomeadamente a França, e um território «não exclusivo» que abrange a Maurícia. O artigo 3.o do contrato de 1 de janeiro de 2014 prevê, além disso, que a Paramount não exercerá por si própria nem autorizará terceiros a exercer direitos de retransmissão para os territórios exclusivos. O anexo A.IV do referido contrato estabelece, por sua vez, as obrigações que impendem sobre a recorrente no que concerne ao emprego das tecnologias de filtro geográfico que impedem a retransmissão fora dos territórios para os quais a licença foi concedida.

12

Por carta de 25 de agosto de 2016, a Paramount notificou a recorrente do compromisso previsto no n.o 2.2, alínea a), do anexo da decisão impugnada (v. n.o 10 supra) e, consequentemente, clarificou que não agiria judicialmente para fazer respeitar pelo organismo de radiodifusão as cláusulas relevantes e que o dispensava de quaisquer obrigações decorrentes dessas cláusulas. A Paramount teve igualmente o cuidado de precisar, na mesma carta, que a expressão «obrigação do organismo de radiodifusão» tinha o mesmo significado que o constante do anexo da decisão impugnada. Por carta de 14 de outubro de 2016, a recorrente respondeu a esta notificação sublinhando que os compromissos assumidos no âmbito de um processo que envolvia apenas a Comissão e a Paramount não lhe eram oponíveis.

Tramitação processual e pedidos das partes

13

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de dezembro de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso.

14

Por despacho de 13 de julho de 2017, Groupe Canal +/Comissão (T‑873/16, não publicado, EU:T:2017:556), o Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC) foi admitido a intervir em apoio da Comissão. Pelo mesmo despacho, foram admitidas a intervir a Union des producteurs de cinema (UPC), a European Film Agency Directors (EFADs) e a C More Entertainment AB em apoio dos pedidos da recorrente. Além disso, por decisão do presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral, de 13 de julho de 2017, a República Francesa foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da recorrente.

15

No âmbito das medidas de organização do processo, ao recorrente foi convidada, em 2 de maio de 2018, a responder a uma questão escrita, tendo cumprido esse pedido em 15 de maio de 2018.

16

A recorrente e a C More Entertainment concluem pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular a decisão impugnada no que respeita ao mercado francês e aos contratos da recorrente;

condenar a Comissão nas despesas.

17

A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a decisão impugnada.

18

A UPC conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular a decisão impugnada no que respeita ao mercado francês;

condenar a Comissão nas despesas.

19

A EFADs conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular a decisão impugnada no que respeita ao mercado francês e aos contratos vigentes e futuros celebrados com a recorrente;

condenar a Comissão nas despesas.

20

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente, a República Francesa, a EFADs, a UPC e a C More Entertainment nas despesas.

21

O BEUC conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

Observações preliminares

22

Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos relativos, o primeiro, a um erro manifesto de apreciação no que respeita à compatibilidade das cláusulas pertinentes com o artigo 101.o TFUE e os efeitos dos compromissos impostos, o segundo, a uma violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 no respeitante à identificação das objeções a que obedecem os compromissos impostos, o terceiro, à violação do princípio da proporcionalidade e, o quarto, a um desvio de poder.

23

Como foi exposto no n.o 11 supra, a recorrente celebrou com a Paramount um contrato de distribuição televisiva, a saber, o contrato de 1 de janeiro de 2014, que incluía cláusulas equivalentes às cláusulas relevantes. Com efeito, como foi precisado pela recorrente em resposta a uma medida de organização do processo, a obrigação da Paramount de proibir os organismos de radiodifusão que se encontram no EEE, mas fora dos territórios para os quais a recorrente tinha direitos exclusivos, de procederem a vendas passivas nesses territórios resulta dos artigos 2.o e 3.o deste contrato. Resulta, nomeadamente, destas disposições que a Paramount concedeu à recorrente uma licença sobre várias formas de retransmissão televisiva exclusiva, que a Paramount conserva todos os direitos não especificamente concedidos e que esta última se comprometeu a não exercer ou autorizar qualquer terceiro a exercer esses direitos nos territórios relativamente aos quais a recorrente beneficiava de um direito exclusivo. Daqui resulta que, na medida em que qualquer terceiro necessita de uma autorização expressa da Paramount para exercer os direitos em causa, o compromisso que esta assumiu em relação à recorrente de não conceder esta autorização é equivalente às «obrigações da Paramount» tal como descritas no n.o 9 supra.

24

Em cumprimento da sua obrigação decorrente da decisão impugnada, a Paramount notificou a recorrente da sua decisão de deixar de agir no sentido de fazer respeitar as «obrigações do organismo de radiodifusão» a seu respeito e de a dispensar das suas obrigações enquanto estivessem abrangidas pelos compromissos tornados obrigatórios por força da decisão impugnada. Tal como será explicado mais detalhadamente no n.o 95 infra, tal atitude por parte da Paramount relativamente a todos os seus cocontratantes no EEE implica que esta deixa de cumprir as suas obrigações para com a recorrente decorrentes dos artigos 2.o e 3.o do contrato de 1 de janeiro de 2014 e que consistiam em não autorizar os seus cocontratantes a dar resposta a pedidos não solicitados de consumidores que residem em territórios para os quais a recorrente dispõe de um direito de difusão exclusiva.

25

Por conseguinte, a posição jurídica da recorrente foi afetada na sequência do cumprimento de uma obrigação da Paramount que a Comissão impôs a esta última por força da decisão impugnada. Tendo igualmente em conta o facto de que a recorrente foi admitida a participar no processo administrativo enquanto terceiro interessado e apresentou, com base num documento que lhe foi comunicado pela Comissão, observações a esse respeito (v. n.os 4 e 5 supra), há que constatar que tem legitimidade para agir contra a decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 90, e de 15 de setembro de 2016, Morningstar/Comisão, T‑76/14, EU:T:2016:481, n.os 31 a 34), o que a Comissão, aliás, não contesta.

26

Embora seja verdade que esta lesão confere à recorrente legitimidade para agir contra a decisão impugnada, não é menos certo que a questão de saber se a recorrente descreve corretamente os efeitos precisos decorrentes desta decisão a seu respeito constitui uma questão de mérito.

27

A este propósito, a recorrente suscita uma questão essencial sobre a natureza e o alcance dos efeitos decorrentes de uma decisão que torna obrigatórios os compromissos propostos por uma empresa, na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, quando os compromissos em questão consistem na declaração unilateral de deixar de respeitar determinadas cláusulas de um contrato entre esta e uma outra empresa que, não tendo sido objeto do inquérito da Comissão, não foi destinatária de uma comunicação de objeções e não propôs compromissos nem subscreveu a proposta de tais compromissos.

28

Esta questão é suscitada no âmbito do terceiro fundamento.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação no que respeita à compatibilidade das cláusulas pertinentes com o artigo 101.o TFUE e os efeitos dos compromissos impostos

29

Segundo a recorrente, em primeiro lugar, a Comissão não identificou, a respeito das cláusulas relevantes, objeções relacionadas com uma infração por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Na realidade, essas cláusulas têm por efeito favorecer a diversidade cultural sem prejudicar a concorrência, uma vez que a sua supressão conduziria a uma maior concentração no setor da produção cinematográfica.

30

Em segundo lugar, apoiado pela República Francesa, a recorrente alega que a proteção dos direitos de propriedade intelectual justifica, à luz das regras do Tratado, a imposição de limites geográficos como os que estão em causa. A este propósito, a UPC alega que as distinções entre exclusividade territorial «absoluta» e «relativa», por um lado, e as vendas «ativas» e «passivas», por outro, não podem ser aplicadas num contexto digital que não tem praticamente fronteiras. Além disso, tendo em conta as possibilidades atualmente oferecidas pela multiplicidade de plataformas de distribuição de conteúdos televisivos pagos via Internet, em DVD ou vídeo a pedido, as cláusulas relevantes não implicam, segundo a recorrente e a República Francesa, uma verdadeira exclusividade e, portanto, não afetam a concorrência. Ora, a Comissão devia ter procedido a uma análise detalhada do setor audiovisual cinematográfico, sem a qual a decisão impugnada dá lugar a uma inversão ilegal do ónus da prova.

31

Em terceiro lugar, a recorrente salienta que a exclusividade territorial prosseguida pelas cláusulas relevantes apenas se refere a uma parte dos conteúdos presentes no mercado dos conteúdos televisivos pagos, pelo que não pode eliminar a concorrência nesse mercado. Assim, apoiada pela UPC e a República Francesa, a recorrente alega que as cláusulas relevantes permitem conceder uma remuneração adequada absolutamente necessária para os titulares dos direitos de autor no âmbito de uma concorrência com base no mérito adaptada às características de cada mercado nacional segundo as oportunidades de exploração adaptadas. Além disso, também garantem a sobrevivência do modelo de negócio aplicado pelos operadores como a recorrente. Este modelo permite uma repartição objetiva do risco gerado pelo financiamento da produção cinematográfica da União, ao qual a recorrente está obrigada a dedicar uma parte significativa dos seus recursos totais. Segundo a UPC, o modelo em questão corresponde à regulamentação em vigor em alguns ordenamentos jurídicos nacionais, sem que, no entanto, a Comissão tenha levado a cabo uma análise a esse respeito.

32

Por conseguinte, em quarto lugar, a inaplicabilidade das cláusulas relevantes afeta indireta mas certamente todas as relações contratuais do setor e dá lugar ao aparecimento de licenças de considerável envergadura a nível da União, comprometendo o equilíbrio da negociação em detrimento dos produtores da União. A disponibilidade de financiamento para a produção audiovisual da União, designadamente através das contribuições que os radiodifusores pagam às entidades nacionais do setor audiovisual, seria radicalmente reduzida em conformidade, pelo que a qualidade e a diversidade da oferta aos consumidores e, em última instância, a diversidade cultural protegida por força do artigo 3.o TUE e do artigo 167.o, n.o 4, TFUE ficariam comprometidas. Ora, indicando simplesmente que, na sequência dos compromissos assumidos, a Paramount poderia continuar a conceder licenças numa base territorial, a Comissão não fundamentou suficientemente a sua decisão quanto à pertinência desta circunstância à luz das consequências identificadas pela recorrente.

33

A Comissão, apoiada pelo BEUC, contesta a procedência deste fundamento.

34

Há que recordar que o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 tem a seguinte redação:

«Quando a Comissão tencione aprovar uma decisão que exija a cessação de uma infração e as empresas em causa assumirem compromissos suscetíveis de dar resposta às objeções expressas pela Comissão na sua apreciação preliminar, esta pode, mediante decisão, tornar estes compromissos obrigatórios para as empresas. Esta decisão pode ser aprovada por um período de tempo determinado e deve concluir pela inexistência de fundamento para que a Comissão tome medidas.»

35

Além disso, o considerando 13 do Regulamento n.o 1/2003 dispõe o seguinte:

«Quando, no âmbito de um processo suscetível de conduzir à proibição de um acordo ou de uma prática, as empresas assumirem perante a Comissão compromissos suscetíveis de dar resposta às suas objeções, a Comissão deverá poder aprovar uma decisão que obrigue as empresas a esses compromissos. As decisões relativas a compromissos deverão concluir pela inexistência de fundamento para que a Comissão tome medidas sem daí se inferir que tenha ou não havido, ou ainda haja, infração. […]»

36

Assim, no âmbito da aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, o papel da Comissão limita‑se à verificação de que os compromissos propostos respondem às objeções que comunicou às empresas em causa e de que estas últimas não propuseram compromissos menos gravosos que respondessem de forma igualmente adequada a estas objeções (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 41).

37

Há que referir igualmente que, como resulta do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, a apreciação preliminar a que se refere esta disposição (v. n.o 34 supra) se destina às empresas visadas pelo inquérito da Comissão e tem por objetivo permitir às referidas empresas aferira oportunidade para propor compromissos adequados que deem resposta às objeções de concorrência identificadas pela Comissão. Com efeito, o arquivamento do procedimento de infração iniciado contra estas empresas permite‑lhes evitar a declaração de uma violação do direito da concorrência e a eventual aplicação de uma coima (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 48).

38

Resulta destas considerações que, embora a fundamentação de uma decisão adotada em virtude do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 deva incluir a apreciação preliminar que motivou a abertura de uma negociação bem‑sucedida sobre os compromissos, esta fundamentação não pode, em caso algum, incluir todos os elementos necessários para provar a existência de uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, nem, por maioria de razão, os elementos que justifiquem que se considere que o n.o 3 desta disposição não pode ser aplicado em relação ao comportamento inicialmente imputado.

39

Por conseguinte, como alega a Comissão, a fiscalização da legalidade da decisão impugnada pode incidir apenas sobre a questão de saber se as circunstâncias expostas na decisão impugnada suscitam objeções em matéria de concorrência, se, em caso afirmativo, os compromissos tornados obrigatórios respondem a estas objeções e, por último, se a Paramount não propôs compromissos menos gravosos, que respondam a tais objeções de uma forma igualmente adequada.

40

A este respeito, a Comissão expôs, nos considerandos 37 a 44 da decisão impugnada, que os acordos conducentes a uma exclusividade territorial absoluta restabeleciam a compartimentação de mercados nacionais e eram contrários ao objetivo do Tratado de criar um mercado único. Considera, portanto, que estas cláusulas têm por objetivo restringir a concorrência, a menos que outras circunstâncias do seu contexto económico e jurídico permitam concluir que as mesmas não são suscetíveis de produzir este resultado. Quanto a este último aspeto, a proteção do direito de autor tem por finalidade assegurar uma remuneração adequada para este último e não a remuneração mais elevada possível decorrente de acordos que excluam a prestação transfronteiriça de serviços de radiodifusão televisiva e assim impliquem uma proteção territorial absoluta.

41

Ora, como a Comissão expôs nos considerandos 46 a 49 da decisão impugnada, tendo em conta o seu conteúdo, os seus objetivos e o seu contexto económico e jurídico, as cláusulas relevantes destinam‑se a excluir qualquer concorrência transfronteiriça e a conceder uma proteção territorial absoluta aos organismos de radiodifusão cocontratantes da Paramount.

42

Há que constatar que os fundamentos expostos nos n.os 40 e 41 supra são procedentes e bastam para justificar as objeções sobre a compatibilidade das cláusulas relevantes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Contrariamente, portanto, ao que alegam a recorrente, a República Francesa, a EFADs, a UPC e a C More Entertainment, a decisão impugnada está suficientemente fundamentada e isenta de erros quanto à procedência dos seus fundamentos.

43

Em especial, é certo que num contexto factual caracterizado por obstáculos importantes que limitam seriamente as possibilidades de distribuição televisiva transfronteiriça, o facto de o titular do direito de autor conceder a um único concessionário o direito exclusivo de difundir conteúdos audiovisuais no território de um Estado‑Membro e, portanto, de proibir, durante um período determinado, a transmissão por outros operadores que não tenham obtido a autorização dos titulares dos direitos em causa nem pago uma remuneração a estes, não constitui base suficiente para concluir que um tal contrato deve ser considerado como o objeto, o meio ou a consequência de um acordo proibido pelo Tratado (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 1982, Coditel e o., 262/81, EU:C:1982:334, n.os 15 e 16, e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 137).

44

Por conseguinte, um titular de direitos de autor pode conceder, em princípio, a um único concessionário o direito exclusivo de radiodifundir por satélite, durante um período determinado, um objeto protegido por esse direito a partir de um único Estado‑Membro de emissão ou a partir de vários Estados‑Membros (Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 138).

45

Em contrapartida, quando os contratos celebrados pelo titular do direito de autor contêm cláusulas em virtude das quais o referido titular está obrigado a partir desse momento a proibir todos os seus cocontratantes no mercado do EEE de procederem a vendas passivas com destino aos mercados geográficos situados fora do Estado‑Membro para o qual lhes concede uma licença exclusiva, estas cláusulas conferem uma exclusividade territorial absoluta contratualmente estipulada e violam, por conseguinte, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

46

Com efeito, um acordo que pretende reconstituir a compartimentação dos mercados nacionais no comércio entre os Estados‑Membros pode contrariar o objetivo do Tratado de realizar a integração dos mercados nacionais através do estabelecimento de um mercado único. Assim, os acordos destinados a compartimentar os mercados nacionais segundo as fronteiras nacionais ou a tornar mais difícil a interpenetração dos mercados nacionais devem ser considerados, em princípio, como acordos que têm por objetivo restringir a concorrência, na aceção do n.o 1 do artigo 101.o TFUE (Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 139).

47

A este respeito, há que ter em conta a evolução do direito da União ocorrida, sobretudo, em resultado da adoção da Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO 1989, L 298, p. 23), e da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO 1993, L 248, p. 15), que se destinam a garantir a passagem dos mercados nacionais para um mercado único da produção e da distribuição de programas (Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 121).

48

Neste contexto, quando um contrato de licença visa proibir ou limitar a prestação transfronteiriça de serviços de radiodifusão, tem de se presumir que o mesmo tem por objeto restringir a concorrência, a menos que outras circunstâncias do seu contexto económico e jurídico permitam concluir que esse contrato não é suscetível de afetar a concorrência (Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 140).

49

Importa, portanto, examinar tanto o objeto como o contexto económico e jurídico em que se inserem as cláusulas relevantes.

50

A este respeito, como resulta dos n.os 3, 8, 9, 11 e 23 supra, as obrigações recíprocas previstas ao abrigo das cláusulas relevantes entre a Paramount e os seus cocontratantes, incluindo a recorrente, têm precisamente por objetivo eliminar a prestação transfronteiriça dos serviços de radiodifusão de conteúdos audiovisuais que são objeto dos contratos correspondentes. Estas cláusulas conferem, portanto, por via contratual, uma proteção territorial absoluta e têm por objetivo eliminar qualquer concorrência transfronteiriça entre os diferentes radiodifusores no domínio dos serviços que propõem. Por conseguinte, atendendo às considerações expostas nos n.os 43 a 48 supra, estas cláusulas eram suscetíveis de suscitar, à Comissão, objeções devido ao seu objeto anticoncorrencial, proibido pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 142 e 144).

51

Além disso, no que se refere ao contexto económico e jurídico das cláusulas relevantes, contrariamente ao que foi alegado pela recorrente, a República Francesa, a EFADs, a UPC e a C More Entertainment, o facto de os contratos de distribuição televisiva em causa dizerem respeito a obras protegidas pelo direito de autor não permite concluir que não são suscetíveis de afetar a concorrência.

52

Com efeito, por um lado, os compromissos tornados vinculativos em virtude da decisão impugnada não afetam a concessão em si de licenças exclusivas para a difusão de conteúdos televisivos, de cujos direitos a Paramount é titular. Pelo contrário, os compromissos em causa destinam‑se a pôr termo à aplicação das cláusulas relevantes, que conduzem a uma exclusividade territorial absoluta e têm por objetivo eliminar qualquer concorrência entre os diferentes radiodifusores relativamente a obras abrangidas por esses direitos, nomeadamente em virtude de um conjunto de obrigações recíprocas estabelecido nos contratos de distribuição televisiva.

53

Por outro lado, embora seja verdade que o objeto específico da propriedade intelectual visa designadamente assegurar aos titulares dos direitos dela resultantes a faculdade de os explorar comercialmente, não o é menos que este objeto não garante a estes últimos a possibilidade de reivindicarem a remuneração mais elevada possível, mas apenas uma remuneração adequada. Esta conclusão é confirmada pelo considerando 10 da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10), bem como pelo considerando 5 da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO 2006, L 376, p. 28) (Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os107 e 108).

54

Uma remuneração adequada do titular desse direito é a que tem uma relação razoável com o número real ou potencial de pessoas que usufruem ou desejam usufruir da prestação fornecida. Assim, em matéria de radiodifusão televisiva, essa remuneração deve designadamente ter uma relação razoável com os parâmetros das emissões em causa, como a sua audiência efetiva, a sua audiência potencial e a versão linguística. Esta abordagem é confirmada pelo considerando 17 da Diretiva 93/83 (Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 109 e 110).

55

A este respeito, há que constatar que, no âmbito de um sistema de licenças desprovidas de cláusulas que visam compartimentar os mercados segundo as fronteiras nacionais, nada se opõe a que o titular de direitos negoceie um montante que tenha em conta a audiência potencial quer no Estado‑Membro para o qual a licença exclusiva é concedida quer em qualquer outro Estado‑Membro em que as emissões objeto do contrato de distribuição sejam igualmente recebidas. Com efeito, a tecnologia necessária para a receção das obras protegidas pelos direitos em questão permite determinar a audiência efetiva e potencial, discriminadas por país de origem do pedido de compra (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 112 e 113). Esta mesma tecnologia permite também modular as medidas de promoção ativa, a fim de as limitar ao território para o qual é concedida uma licença exclusiva.

56

Neste contexto, nada impede que o titular dos direitos possa exigir um suplemento em troca de uma licença que tenha em conta a audiência efetiva e potencial em todo o EEE. Em contrapartida, o suplemento necessariamente maior pago para efeitos de exclusividade territorial absoluta justifica‑se pelas diferenças artificiais de preços entre os mercados nacionais compartimentados, inconciliáveis com o objetivo essencial do Tratado, que é a realização do mercado interno. Nesta medida, este suplemento vai além do necessário para assegurar a estes titulares uma remuneração adequada (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 114 a 116).

57

Correlativamente, no que respeita à atividade de um operador como a recorrente, a eventual diminuição dos preços das assinaturas no território francês, até então configurados num determinado nível graças à proteção territorial absoluta garantida ao abrigo das cláusulas relevantes, pode ser compensada pelo facto de, em cumprimento dos compromissos tornados vinculativos por força da decisão impugnada, a Paramount ter declarado a sua intenção de não prosseguir com a aplicação das referidas cláusulas. Esta declaração implica que a recorrente é agora livre de se dirigir a uma clientela situada em todo o EEE e não só em França. Esta posição está em consonância com o objetivo essencial prosseguido pelo Tratado ao estabelecer um mercado sem fronteiras internas, em que a concorrência não é falseada por acordos, decisões ou práticas concertadas proibidas pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, ainda que a recorrente afete uma parte das suas receitas ao financiamento de produtos do setor audiovisual que precisam de apoio específico, o jogo normal da concorrência, agora aberto à escala do EEE, oferece‑lhe possibilidades que as cláusulas relevantes lhe negavam enquanto a Paramount tinha a intenção de exigir a observância destas.

58

Daqui resulta que os argumentos da recorrente, da República Francesa, da EFADs, da UPC e da C More Entertainment baseados no alegado caráter lícito das cláusulas relevantes à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v. n.os 29 a 32 supra) devem ser rejeitados. Pelas razões expostas no n.o 55 supra, o mesmo se aplica à alegada impossibilidade de fazer uma distinção entre vendas ativas e vendas passivas fora do território exclusivo num contexto digital (v. n.o 30 supra).

59

Além disso, na medida em que se deve entender que os argumentos de que as cláusulas relevantes promovem a produção e a diversidade culturais e que a sua supressão colocará alegadamente em perigo a produção cultural da União (v. n.os 30 a 32 supra) se baseiam na aplicabilidade do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, no que diz respeito às cláusulas em questão, tais argumentos não podem ser acolhidos.

60

Certamente que o objetivo destes argumentos é alegar que as cláusulas relevantes contribuem para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos do setor audiovisual.

61

Contudo, como resulta dos fundamentos expostos nos n.os 34 a 39 supra, o procedimento conducente a uma aceitação de compromissos propostos rege‑se pelo princípio segundo o qual as empresas objeto do inquérito são informadas das objeções da Comissão e avaliam a oportunidade de propor compromissos para o futuro em troca de a Comissão não declarar a existência de uma infração relativamente ao passado. A Comissão, por seu turno, avalia a oportunidade de renunciar à declaração de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e poupar assim os recursos que devia ter dedicado ao processo em causa, em troca de compromissos que, por definição, se referem ao futuro e dissipam todas as suas objeções sobre a matéria.

62

Neste contexto, a questão de saber se o comportamento que suscitou as objeções em questão satisfaz as condições cumulativas de aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, revela‑se estranha à própria natureza de uma decisão como a decisão impugnada. Com efeito, por um lado, a aplicação desta disposição pressupõe uma declaração de infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Por outro lado, a aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE consiste em determinar os efeitos pró‑concorrenciais do contrato que viola o artigo 101.o, n.o 1, TFUE e se tais efeitos pró‑concorrenciais prevalecem sobre os efeitos anticoncorrenciais (Acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, EU:T:2003:281, n.o 107).

63

Ora, em primeiro lugar, como se expôs nos n.os 34 e 35 supra, se a Comissão considerar que o compromisso proposto responde às suas objeções, pode torná‑lo obrigatório, por via de decisão, para a empresa que o propôs, sem que esta instituição possa declarar, na decisão em causa, se existiu ou se continua a existir uma infração.

64

Em segundo lugar, o facto de tornar obrigatórios os compromissos propostos tem precisamente por objetivo dissipar as objeções de concorrência expressas pela Comissão, ao excluir qualquer violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE para o futuro, o que deixaria de fazer sentido se se aplicasse o artigo 101.o, n.o 3, TFUE. Com efeito, esta última disposição não pretende obrigar a empresa objeto do inquérito a alterar o seu comportamento relativamente ao qual a Comissão manifestou objeções em matéria de concorrência, mas precisamente declarar a inaplicabilidade do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, permitindo assim a esta empresa prosseguir a ação que levou à abertura do inquérito.

65

Por conseguinte, embora seja verdade que a Comissão pode aceitar e tornar obrigatório um compromisso proposto por força do qual um acordo, uma decisão ou uma prática concertada que suscitam objeções à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE são alterados de modo a preencher os requisitos do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, não é obrigada a apreciar se tal acordo, decisão ou prática concertada preenchem estes requisitos quando o compromisso proposto consiste simplesmente, como no caso em apreço, no abandono puro e simples desse comportamento.

66

Resulta do que precede que não compete ao Tribunal, no âmbito da fiscalização da legalidade que o artigo 263.o TFUE lhe atribui, pronunciar‑se sobre os argumentos da recorrente baseados no facto de as cláusulas pertinentes promoverem a produção e a diversidade culturais e de a sua supressão colocar alegadamente em perigo a produção cultural da União. Estes argumentos podem, em contrapartida, ser invocados pela recorrente perante o juiz nacional no âmbito de um processo intentado contra a Paramount com base no contrato de 1 de janeiro de 2014, podendo a esse respeito o referido juiz recorrer à Comissão nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 1/2003, bem como ao Tribunal de Justiça por força do artigo 16.o do mesmo regulamento e do artigo 267.o TFUE (v. n.o 102 infra).

67

Em todo o caso, não se pode deixar de observar que as considerações acima expostas nos n.os 53 a 57 excluem a aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, uma vez que as cláusulas pertinentes impõem restrições que vão além do que é necessário para a produção e distribuição de obras audiovisuais que necessitam de proteção dos direitos de propriedade intelectual e, por esse motivo, não preenchem pelo menos um dos requisitos cumulativos previstos no artigo 101.o, n.o 3, TFUE, a saber, o de não impor às empresas interessadas restrições não indispensáveis para a proteção desses direitos (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 145).

68

Em especial, por um lado, uma proteção territorial absoluta vai manifestamente além do que é indispensável para a melhoria da produção ou da distribuição ou para a promoção do progresso técnico ou económico exigido pelo artigo 101.o, n.o 3, TFUE, como o demonstra a proibição, pretendida pelas partes nos contratos em causa, de qualquer prestação transfronteiriça dos serviços de difusão televisiva, mesmo tratando‑se de obras relativamente às quais foi concedida uma licença pela própria Paramount e divulgadas no território de um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, EU:C:1982:211, n.o 77).

69

Ora, resulta das considerações expostas no n.o 57 supra, que uma eventual diminuição das receitas da recorrente provenientes dos clientes situados em França pode ser compensada pelo facto de, graças à implementação dos compromissos tornados vinculativos por força da decisão impugnada, a recorrente estar agora livre de se dirigir a uma clientela situada em todo o EEE e não só em França.

70

Por outro lado, o argumento segundo o qual as cláusulas relevantes não eliminam toda a concorrência relativamente às obras por elas abrangidas, uma vez que estas últimas também estão disponíveis em suportes fora do âmbito destas cláusulas, refere‑se ao requisito estabelecido no artigo 101.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Ora, os motivos expostos nos n.os 53 a 56 e 67 a 69 supra, bastam para afastar a aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE no processo em apreço (Acórdão de 8 de junho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, EU:C:1982:211, n.os 74, 75 e 78).

71

A Comissão expôs, em substância, essas apreciações nos considerandos 40 a 44 da decisão impugnada, no âmbito da sua análise preliminar relativa à aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

72

Daqui resulta que, mesmo que devesse considerar‑se que a Comissão tinha a obrigação de examinar a aplicabilidade do artigo 101.o, n.o 3, TFUE no processo controvertido, a conclusão que figura no considerando 52 da decisão impugnada, segundo a qual o seu exame preliminar conduziu à conclusão de que os requisitos cumulativos de aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE não estavam preenchidos, deve ser lida à luz dos fundamentos expostos nos considerandos 40 a 44 da decisão impugnada. Esta apreciação da Comissão deve, portanto, ser considerada isenta de erros.

73

Por conseguinte, em primeiro lugar, a decisão impugnada está suficientemente fundamentada no que diz respeito à questão de saber se os compromissos propostos pela Paramount no caso em apreço, que consistem em deixar de cumprir as cláusulas relevantes, eram adequados para dissipar as objeções da Comissão em matéria de concorrência e, em segundo lugar, esta instituição não cometeu um erro ao responder afirmativamente a esta mesma questão.

74

Há, portanto, que julgar improcedente o primeiro fundamento.

75

Importa agora analisar o terceiro fundamento.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do princípio da proporcionalidade

76

O terceiro fundamento divide‑se em duas partes, sendo a primeira relativa à violação do princípio da proporcionalidade devido ao caráter manifestamente desproporcionado dos compromissos tornados vinculativos (v. n.os 77 e 78 infra) e a segunda à lesão indevida dos direitos contratuais de terceiros, como a recorrente (v. n.o 79 infra).

77

Com efeito, apoiada pela República Francesa, a recorrente alega que o princípio da proporcionalidade se aplica em matéria de compromissos, mesmo que estes se baseiem numa proposta da parte objeto do inquérito. Neste contexto, a Comissão devia verificar se os compromissos respondiam às objeções que ela tinha identificado e se a empresa em causa não tinha proposto compromissos menos gravosos que respondessem de uma forma igualmente adequada a essas objeções.

78

Ora, por um lado, a Comissão tornou vinculativos compromissos que não respondem às objeções expressas na sua apreciação preliminar, mesmo que manifestamente mais gravosos do que teria sido necessário para colmatar as objeções efetivamente identificadas. Esta apreciação justifica‑se tanto mais quanto os compromissos controvertidos têm um efeito adverso sobre a diversidade cultural em todo o EEE devido à perda das receitas que os organismos de radiodifusão poderiam afetar à realização de filmes europeus.

79

Por outro lado, apoiada pela República Francesa, a recorrente alega que os compromissos tornados vinculativos em virtude da decisão impugnada afetam os interesses de terceiros na medida em que constituem uma alteração unilateral do contrato de 1 de janeiro de 2014 no que respeita a cláusulas que lhe conferem direitos, sem que o procedimento administrativo tenha incidido sobre o contrato em questão, o que afetou negativamente os seus direitos processuais. Ora, resulta da Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o TFUE e 102.o do TFUE (JO 2011, C 308, p. 6) que, para ser aceite, um compromisso deve em especial aplicar‑se diretamente, no sentido de que não deve depender da vontade de terceiros a ele não vinculados. Por conseguinte, quando o compromisso consista na alteração de uma relação contratual que exija o consentimento das partes contratantes, como no caso em apreço, a proposta de compromisso deve ser rejeitada pela Comissão. Uma vez que a Comissão se afastou da sua própria comunicação sem apresentar qualquer justificação na decisão impugnada, esta deve ser anulada.

80

Em primeiro lugar, a Comissão sustenta de novo que os compromissos propostos respondiam de maneira adequada às objeções que ela tinha identificado em matéria de concorrência, pelo que não estava obrigada a procurar, ela própria, soluções menos onerosas ou menos gravosas.

81

Em segundo lugar, a Comissão alega ter tido devidamente em conta os interesses de terceiros, convidando‑os a apresentar as suas observações e analisando estas últimas.

82

Em terceiro lugar, apoiada pelo BEUC, a Comissão sustenta que a decisão impugnada não privou a recorrente dos seus direitos contratuais nem afetou o valor das cláusulas relevantes. Pelo contrário, foi apenas a vontade da Paramount que teve como consequência que esta deixasse de cumprir as cláusulas em questão ou de estar vinculada por elas. A este respeito, em quarto lugar, a Comissão sublinha que a decisão impugnada não produz efeitos erga omnes e que não prejudica em nada uma eventual ação da recorrente contra a Paramount por violação das suas obrigações contratuais. Examinados sob este prisma, os compromissos propostos pela Paramount não dependiam da vontade de um terceiro na aceção do n.o 128 da Comunicação sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE. Além disso, o contrato de 1 de janeiro de 2014 não contém uma cláusula equivalente à descrita no considerando 2, alínea b), da decisão impugnada.

83

Cabe examinar, em primeiro lugar, a segunda parte do terceiro fundamento, relativa à lesão, em violação do princípio da proporcionalidade, dos direitos contratuais de terceiros, como a recorrente.

84

Em contrapartida, os argumentos apresentados no âmbito da primeira parte do presente fundamento e relativos à violação do princípio da proporcionalidade na medida em que os compromissos tornados vinculativos não assentam numa exposição de objeções adequada e vão além do que é necessário para suprir as objeções efetivamente expostas (v. n.os 77 e 78 supra) confundem‑se, na realidade, com os invocados em apoio do segundo fundamento. Serão, portanto, analisados no âmbito deste último.

85

Resulta da argumentação das partes que estas concordam com a premissa de que um ato como a decisão impugnada não pode ter legitimamente por efeito, em relação à recorrente, a supressão das cláusulas relevantes do contrato de 1 de janeiro de 2014. Com efeito, em resposta ao argumento que a recorrente invocou a este respeito (v. n.o 79 supra), a Comissão sustenta que a decisão impugnada não produz esse efeito, mas obriga simplesmente a Paramount a informar os seus cocontratantes da sua intenção de deixar de cumprir as cláusulas relevantes. Segundo a Comissão, esta obrigação em nada prejudica a apreciação que possa formular o juiz nacional quanto à validade das cláusulas em questão na sequência de um recurso que a recorrente decida interpor contra a Paramount perante o referido juiz.

86

Com efeito, o direito de os operadores económicos configurarem as suas relações em função da sua vontade, tal como expressa nos contratos que celebram, resulta da liberdade contratual. Esta liberdade, que inclui a possibilidade de escolher o seu parceiro económico e determinar o conteúdo de um contrato, é garantida pelo artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que consagra a liberdade de empresa (Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.os 42 e 43).

87

Embora seja verdade que a liberdade de empresa não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomada em consideração à luz da sua função na sociedade, não o é menos que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, a sua limitação deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial dessa liberdade (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.os 45 a 48).

88

A este respeito, resulta do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 (v. n.o 34 supra) que a proposta efetuada por uma empresa ao abrigo desta disposição deve constituir um «compromisso». Deve consistir numa concessão, ou seja, numa limitação do leque de comportamentos que a empresa estaria inclinada a adotar. Este compromisso pode consistir tanto numa obrigação de agir de uma determinada forma como numa obrigação de abstenção de uma ação.

89

Além disso, quando a Comissão considera que o compromisso proposto responde às suas objeções, pode torná‑lo obrigatório, mediante decisão, para a empresa que fez a proposta, sem que esta instituição possa, no entanto, estabelecer, na decisão em questão, se existiu ou se continua a existir uma infração. Esta decisão é dirigida, como no caso em apreço, apenas às empresas que propuseram o compromisso e só é obrigatória para estas, em conformidade com o artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE.

90

Há, portanto, que constatar, à semelhança do que alegam a recorrente e a Comissão, que uma decisão adotada com base no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 não pode ter por objeto ou por efeito tornar um compromisso, no sentido exposto no n.o 88 supra, obrigatório para operadores que não o tenham proposto e que não o tenham subscrito.

91

Com efeito, tal possibilidade seria contrária à letra do artigo 9.o e do considerando 13 do Regulamento n.o 1/2003 (v. n.o 35 supra), dos quais resulta que os compromissos aceites pela Comissão têm caráter obrigatório para as empresas que os propuseram. Esta abordagem está igualmente refletida no n.o 115 da Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE. Segundo este número, «se a Comissão aceitar [os] compromissos, pode adotar uma decisão que os declare obrigatórios para as partes objeto do processo». Ora, é pacífico que, na qualidade de terceiro que não recebeu uma comunicação de objeções, a recorrente não foi «objeto do processo» que a Comissão iniciou exclusivamente contra a Paramount e a Sky. Por conseguinte, quando o compromisso consiste em não aplicar uma cláusula contratual que confere direitos a um terceiro, reconhecer à Comissão o poder de o tornar obrigatório para o referido terceiro, sem que este o tenha proposto e sem que o processo da Comissão tenha sido intentado contra ele, constituiria uma ingerência na liberdade contratual do operador em causa que iria além do disposto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

92

Esta conclusão é, aliás, confirmada pelo n.o 128 da Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, que dispõe o seguinte:

«Os compromissos devem ser inequívocos e de aplicação direta [ou seja, a aplicação dos compromissos não deve depender da vontade de terceiros a eles não vinculados] […]. Além disso, quando alguns compromissos não possam ser aplicados sem o acordo de terceiros (por exemplo, se um terceiro que, em conformidade com os compromissos, não é um comprador idóneo for titular de direitos de preferência), a empresa deve comprovar o acordo de tais terceiros.»

93

Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se, tendo em conta a sua redação e o contexto jurídico em que foi adotada, a decisão impugnada tem por objeto ou efeito que o compromisso proposto pela Paramount se assemelhe, em violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, a um compromisso que a recorrente teria proposto.

94

A este respeito, há que referir, em primeiro lugar, que, segundo o artigo 1.o da decisão impugnada, os compromissos previstos no seu anexo são obrigatórios para a Paramount, bem como para os sucessores e filiais desta. Não resulta, portanto, da decisão impugnada que esta impõe qualquer obrigação aos cocontratantes da Paramount, como a recorrente.

95

Em segundo lugar, o facto de a Paramount se comprometer de forma geral a não agir judicialmente para fazer respeitar a obrigação dos organismos de radiodifusão de não efetuarem vendas passivas fora do seu território exclusivo, tal como prevista no n.o 2.2, alínea a), do anexo da decisão impugnada, implica automaticamente que a Paramount não cumpre a sua obrigação de proibir essas vendas, como previsto no n.o 2.2, alínea b), do mesmo anexo. Este compromisso implica automaticamente, por sua vez, que se ponha em causa o direito contratual de que gozam os organismos de radiodifusão cocontratantes da Paramount em relação a esta última, que consiste na garantia dada a cada um deles, pela Paramount, de uma exclusividade territorial absoluta no que respeita ao objeto de cada contrato de licença relativo à produção de conteúdos televisivos pagos.

96

Ora, a questão que se coloca neste contexto é a de saber se este resultado é gerado pela própria decisão impugnada, tratando‑se nesse caso de um efeito irremediável em relação a um terceiro que não tenha proposto nem subscrito o compromisso tornado obrigatório, ou se, como alega a Comissão, a declaração da Paramount de deixar de cumprir as cláusulas pertinentes é essencialmente um ato que esta adota por sua conta e risco e que em nada afeta a possibilidade de os seus cocontratantes recorrerem ao juiz nacional a fim de fazerem cumprir as referidas cláusulas ou de lhes ser concedida uma indemnização por perdas e danos.

97

Importa recordar, a este respeito, que, segundo o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, «[q]uando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] ou [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão».

98

No entanto, o Regulamento n.o 1/2003 refere, no seu considerando 13, que as decisões relativas a compromissos «não prejudicam a competência das autoridades responsáveis em matéria de concorrência e dos tribunais dos Estados‑Membros de fazer [declarações sobre a questão de saber se existiu ou se continua a existir uma infração] e decidir sobre a questão». Do mesmo modo, o considerando 22 do Regulamento n.o 1/2003 enuncia que «[a]s decisões relativas a compromissos aprovadas pela Comissão não afetam a competência dos tribunais e das autoridades responsáveis pela concorrência dos Estados‑Membros relativamente à aplicação dos artigos [101.o] e [102.o TFUE]».

99

Com efeito, contrariamente às decisões adotadas em virtude do artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003, uma decisão que torne os compromissos obrigatórios em conformidade com o artigo 9.o deste regulamento não contém fundamentos que qualifiquem o comportamento em causa como infração ao artigo 101.o TFUE nem implica que esta última disposição se aplique a esse comportamento. O artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 baseia‑se em considerações de economia processual e visa assegurar uma aplicação eficaz das regras da concorrência previstas pelo Tratado FUE, através da aprovação de decisões que tornam obrigatórios os compromissos propostos pelas partes e considerados adequados pela Comissão, a fim de dar uma solução mais rápida aos problemas da concorrência por ela identificados. Neste contexto, o papel da Comissão limita‑se à análise e à eventual aceitação dos compromissos propostos pelas empresas em causa, à luz dos problemas que identificou na sua apreciação preliminar e dos objetivos que prossegue (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.os 38 e 40; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2017, Gasorba e o., C‑547/16, EU:C:2017:891, n.o 25).

100

Daqui resulta que, como a Comissão alega, quando a decisão impugnada impõe à Paramount deixar de cumprir as cláusulas relevantes nas suas relações com os seus cocontratantes, esta obrigação não prejudica em nada o poder dos órgãos jurisdicionais nacionais, a quem seja submetido um recurso interposto pela recorrente, de apreciar se essas cláusulas são efetivamente contrárias ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, sendo caso disso, tirar as consequências que se impõem por força do n.o 2 do mesmo artigo, bem como do direito nacional. Neste contexto, a decisão impugnada poderá, quando muito, influenciar as apreciações do órgão jurisdicional nacional na medida, apenas, em que contém uma apreciação preliminar que este deve ter em conta somente como indício do caráter contrário à concorrência do acordo analisado à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 23 de novembro de 2017, Gasorba e o., C‑547/16, EU:C:2017:891, n.os 27 e 29). Assim, uma apreciação da Comissão em matéria de direito da concorrência numa decisão adotada ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, atendendo ao seu caráter sumário e provisório, não pode, em última análise, impedir que um tribunal nacional chegue a uma conclusão total ou parcialmente diferente sobre o mesmo assunto, com base numa investigação mais abrangente e numa apreciação mais aprofundada (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Gasorba e o., C‑547/16, EU:C:2017:692, n.os 33 e 35).

101

Por conseguinte, o facto de os compromissos individuais propostos por uma empresa terem sido tornados obrigatórios pela Comissão não implica que outras empresas sejam privadas da possibilidade de proteger os seus direitos eventuais no quadro das suas relações com esta empresa (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 49).

102

Neste contexto, caso o juiz nacional entenda, no termo da sua análise e após ter examinado a possibilidade de recurso às vias previstas nos artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 1/2003, que as cláusulas relevantes infringem o artigo 101.o, n.o 1, TFUE sem satisfazerem os requisitos do n.o 3 do mesmo artigo, incumbir‑lhe‑á declarar a sua nulidade em virtude do artigo 101.o, n.o 2, TFUE. Em contrapartida, se considerar que as cláusulas relevantes não infringem o artigo 101.o, n.o 1, TFUE ou que preenchem os requisitos do n.o 3 deste artigo, incumbir‑lhe‑á, conforme o caso, apreciar o mérito do pedido que lhe foi submetido, não se opondo o artigo 101.o TFUE à aplicação das cláusulas relevantes.

103

Nesta última hipótese, se o resultado do processo perante o juiz nacional levar a Paramount ao incumprimento do compromisso tornado obrigatório por força da decisão impugnada, caberá à Comissão, no caso concreto, reabrir o inquérito nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003, caso em que essa instituição não ficará vinculada pela decisão do juiz nacional (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Masterfoods e HB, C‑344/98, EU:C:2000:689, n.o 48, e de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 27).

104

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a decisão impugnada não afeta a possibilidade de a recorrente recorrer ao juiz nacional a fim de fazer declarar a compatibilidade das cláusulas relevantes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE e de retirar, em relação à Paramount, as consequências previstas no direito nacional, sem que se exclua a possibilidade de o referido juiz decretar as medidas provisórias que sejam necessárias para salvaguardar os interesses das partes até que profira uma decisão definitiva (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2000, Masterfoods e HB, C‑344/98, EU:C:2000:689, n.o 58).

105

Há que acrescentar que a recorrente se teria encontrado numa situação substancialmente semelhante se a Paramount, ao proceder a uma análise autónoma e antes de qualquer intervenção da Comissão, tivesse concluído que as cláusulas relevantes poderiam parecer problemáticas à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e tivesse declarado a sua intenção de deixar de as cumprir, invocando para o efeito o artigo 101.o, n.o 2, TFUE.

106

Por conseguinte, ao adotar a decisão impugnada, a Comissão agiu no âmbito das competências que lhe foram conferidas pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 e salvaguardou o objetivo deste, que se baseia em considerações de economia processual e de eficácia (v. n.o 99 supra), sem afetar os direitos contratuais ou processuais da recorrente de uma forma que vai além do necessário para alcançar esses objetivos.

107

Neste contexto, não deve entender‑se o n.o 128 da Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (v. n.o 92 supra) no sentido de que implica que uma decisão adotada em virtude do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 relativa às relações contratuais da empresa que propôs um compromisso com terceiros produz, por si só, efeitos sobre os direitos contratuais destes, mas sim como um requisito destinado a garantir a efetividade do compromisso para que a Comissão o aceite. Assim, a inclusão do n.o 128 na comunicação da Comissão em causa não teve por objeto nem por efeito excluir que, num caso como o vertente, a Comissão aceite, no exercício da competência de apreciação de que goza na matéria, um compromisso, por parte da Paramount, de declarar aos seus cocontratantes a sua intenção de tornar inaplicáveis as cláusulas relevantes, mesmo que continue a ser possível que o juiz nacional, chamado a pronunciar‑se pela recorrente, conclua que as cláusulas em causa não violam o artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

108

Por conseguinte, ao tornar obrigatórios para a Paramount os compromissos que figuram nos pontos 2.2 e 2.3 do anexo da decisão impugnada, a Comissão não excedeu as competências que lhe são conferidas pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 e não violou o princípio da proporcionalidade a este respeito, pelo que a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 no que respeita à identificação das preocupações a que obedecem os compromissos impostos

109

Apoiada pela República Francesa, a recorrente alega que os compromissos aceites pela Comissão não correspondem a preocupações em matéria de concorrência expressas na apreciação preliminar que essa instituição efetuou. Em especial, a decisão impugnada teria por objeto analisar os contratos celebrados entre a Paramount e a Sky relativos à distribuição de obras audiovisuais no Reino Unido e na República da Irlanda. Ora, a Comissão tornou obrigatórios compromissos relativos a todo o EEE, e isto sem analisar o contexto jurídico e económico dos contratos celebrados entre a Paramount, por um lado, e os organismos de radiodifusão diferentes da Sky que operam no EEE, por outro. Partindo da premissa de que qualquer análise preliminar relativa ao mercado do Reino Unido e da República da Irlanda podia ser implicitamente extrapolada para o mercado francês, que não foi objeto de análise, a Comissão cometeu um erro manifesto que conduz a um erro de direito. Além disso, a Comissão impôs as mesmas consequências à Sky e à recorrente, quando estes dois organismos de radiodifusão não gozam dos mesmos direitos processuais, o que deu origem a uma violação dos direitos de defesa da recorrente. A abordagem da Comissão tornar‑se‑ia ainda mais paradoxal após a saída do Reino Unido do EEE, uma vez que os compromissos tornados obrigatórios se aplicariam exclusivamente em mercados que não foram objeto de qualquer análise preliminar por parte da Comissão.

110

A recorrente e a República Francesa acrescentam que, nesse contexto, a Comissão devia ter aberto um processo para todos os acordos de distribuição celebrados pela Paramount e dado assim a todas as partes contratantes a possibilidade de responderem a uma comunicação de objeções. Além disso, na mesma ordem de ideias, a Comissão deveria ter declarado obrigatória uma parte dos compromissos da Paramount, deixando a esta a tarefa de se desvincular das suas obrigações em relação a terceiros. Donde se conclui que, ao tornar os compromissos propostos vinculativos para o conjunto das relações contratuais da Paramount no EEE, a Comissão excedeu as suas competências e infringiu, assim, o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

111

A Comissão contesta a procedência deste fundamento.

112

Tal como foi exposto no n.o 84 supra, há que examinar conjuntamente os argumentos apresentados no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento, relativos à violação do princípio da proporcionalidade, bem como os invocados em apoio do segundo fundamento. Com efeito, todos estes argumentos dizem respeito à questão de saber se, ao adotar a decisão impugnada, a Comissão afetou a posição da recorrente de forma desproporcionada ou injustificada à luz da natureza e do alcance geográfico das preocupações em matéria de concorrência que esta instituição manifestou.

113

Há que recordar que as características específicas dos mecanismos previstos nos artigos 7.o e 9.o do Regulamento n.o 1/2003 e os meios de ação previstos neste regulamento em cada uma destas disposições são diferentes, o que implica que a obrigação de assegurar o respeito do princípio da proporcionalidade, que incumbe à Comissão, tem um âmbito e um conteúdo diferentes consoante seja considerada no quadro de um destes artigos ou do outro (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 38).

114

Em especial, a aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 limita‑se à verificação de que os compromissos propostos respondem às preocupações que a Comissão comunicou às empresas em causa e de que estas últimas não propuseram compromissos menos gravosos que respondessem de forma igualmente adequada a estas preocupações. É neste contexto que a Comissão deve ter em consideração os interesses de terceiros, sem que seja obrigada a procurar, ela própria, soluções menos rigorosas ou mais moderadas do que os compromissos que lhe foram propostos (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.os 41 e 61).

115

Com efeito, por um lado, as empresas que propõem compromissos com fundamento no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 aceitam conscientemente que as concessões facultadas possam ir além do que a própria Comissão lhes poderia impor numa decisão que aprovasse nos termos do artigo 7.o deste regulamento, após um exame aprofundado. Em contrapartida, o arquivamento do procedimento de infração iniciado contra estas empresas permite‑lhes evitar a declaração de uma violação do direito da concorrência e a eventual aplicação de uma coima (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 48).

116

Por outro lado, como se expôs no n.o 101 supra, o facto de os compromissos individuais propostos por uma empresa terem sido tornados obrigatórios pela Comissão não implica que outras empresas sejam privadas da possibilidade de proteger os seus direitos eventuais no quadro das suas relações com esta empresa (Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 49). A este respeito, resulta das apreciações relativas aos efeitos da decisão impugnada em relação à recorrente (v. n.os 85 a 104 supra) que esta pode recorrer ao juiz nacional a fim de fazer declarar a compatibilidade das cláusulas relevantes com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE e de lhe solicitar que retire, em relação à Paramount, as consequências previstas no direito nacional, sem que se exclua a possibilidade de que o referido juiz decrete as medidas provisórias que sejam necessárias para salvaguardar os interesses das partes até proferir uma decisão definitiva (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2000, Masterfoods e HB, C‑344/98, EU:C:2000:689, n.o 58).

117

Daqui se conclui que a tomada em consideração do interesse de terceiros no âmbito de um procedimento relativo a compromissos implica que, entre vários tipos de compromissos propostos que respondam de forma igualmente adequada às preocupações manifestadas pela Comissão em matéria de concorrência, esta última deve tornar obrigatório aquele que, quando aplicado pelo destinatário da decisão, tenha para eles um efeito menos pronunciado.

118

Ora, em primeiro lugar, resulta dos elementos expostos nos n.os 43 a 58 supra que, pela sua natureza, as cláusulas relevantes têm por objeto compartimentar os mercados nacionais de todo o EEE, sem que o seu contexto económico e jurídico permita concluir que não são suscetíveis de afetar a concorrência. Por conseguinte, as preocupações expressas pela Comissão dizem validamente respeito à totalidade deste espaço geográfico, pelo que os compromissos propostos e tornados obrigatórios são coerentes com as mesmas, sem que a Comissão esteja obrigada a analisar, um por um, os mercados nacionais em causa. Os argumentos que a recorrente formulou a este respeito tanto no âmbito do segundo fundamento (v. n.o 109 supra) como no âmbito do terceiro fundamento (v. n.os 77 e 78 supra) são, portanto, irrelevantes.

119

Em segundo lugar, no caso em apreço, não foi proposto à Comissão qualquer compromisso que respondesse de forma igualmente adequada às preocupações por ela manifestadas em matéria de concorrência e cuja aplicação pela Paramount teria tido efeitos menos pronunciados em relação à recorrente. Em todo o caso, nenhum compromisso deste tipo se afigura manifestamente adequado para responder de forma igualmente eficaz às preocupações da Comissão sem obrigar a Paramount a deixar de cumprir as cláusulas relevantes.

120

Em terceiro lugar, o argumento relativo ao facto de os compromissos terem um efeito nefasto sobre a diversidade cultural em todo o EEE devido à perda das receitas que os organismos de radiodifusão poderiam afetar à realização de filmes europeus deve ser afastada pelas razões expostas nos n.os 57 e 69 supra.

121

Em quarto lugar, na medida em que, com os seus argumentos, a recorrente, a República Francesa, a EFADs, a UPC e a C More Entertainment alegam implicitamente a existência de barreiras intransponíveis de ordem prática que impedem a prestação de serviços de difusão transfronteiriça destinados ao mercado francês, constata‑se que não apresentam nenhum dado suscetível de demonstrar tal circunstância. Além disso, a inclusão do artigo 3.o no contrato de 1 de janeiro de 2014 constitui um indício especialmente conclusivo em sentido contrário (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.os 33 e 47).

122

Nestas condições, em quinto lugar, os argumentos baseados em especial no facto de a recorrente não ter beneficiado dos mesmos direitos processuais que a Sky, bem como na saída iminente do Reino Unido da União, são igualmente irrelevantes. Com efeito, a tomada em consideração do interesse de terceiros no âmbito de um procedimento relativo a compromissos tem o sentido exposto nos n.os 115 a 117 supra, pelo que o argumento relativo aos direitos processuais limitados da recorrente enquanto terceiro interessado deve ser rejeitado pelas razões que figuram no n.o 119 supra. Quanto à alegação relativa à saída iminente do Reino Unido da União, basta recordar que as cláusulas relevantes têm por objeto compartimentar os mercados nacionais em todo o EEE, pelo que a referida saída não afeta, em qualquer caso, a validade das preocupações manifestadas pela Comissão (v. n.o 118 supra).

123

Resulta das considerações precedentes que, ao adotar a decisão impugnada, a Comissão não excedeu as competências que lhe foram conferidas pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 nem violou o princípio da proporcionalidade, conforme alega a recorrente no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento.

124

O segundo fundamento e a primeira parte do terceiro fundamento devem, portanto, ser julgados improcedentes.

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um desvio de poder

125

Segundo a recorrente, o facto de ter assumido compromissos que abrangem todo o EEE e que não respondem a preocupações em matéria de concorrência, tal como foi exposto no âmbito do segundo fundamento, implica que a decisão impugnada foi adotada por um motivo ilícito, o que é igualmente constitutivo de desvio de poder. Além disso, a Comissão substituiu‑se ao legislador da União, que decide sobre a questão relativa ao filtro geográfico na difusão das obras audiovisuais, tendo assim usurpado as competências deste último ao antecipar as suas escolhas. O desenrolar do processo legislativo, mas também as implicações da decisão impugnada, muito mais amplas que o objeto desta última, demonstram uma vontade da Comissão de impor uma regulamentação de facto, antecipando igualmente o resultado de outros inquéritos em curso. A recorrente pede ainda ao Tribunal que solicite à Comissão que comunique os atos preparatórios relativos à decisão impugnada e ao processo legislativo em causa, a fim de que os indícios sérios relativos a um desvio de poder sejam confirmados em maior medida.

126

A EFADs alega que a Comissão não publicou uma versão integral dos compromissos propostos, nem permitiu o acesso de terceiros interessados à comunicação de objeções

127

A Comissão contesta a procedência do quarto fundamento.

128

Há que recordar que um desvio de poder ocorre quando uma instituição exerce as suas competências com a finalidade exclusiva ou, pelo menos, determinante de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.o 99).

129

Ora, como resulta do n.o 118 supra, os compromissos propostos e tornados obrigatórios são coerentes com as preocupações em matéria de concorrência expressas pela Comissão, e isto no que se refere a todo o EEE. Por conseguinte, o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão cometeu um desvio de poder na medida em que os compromissos em questão não respondiam às preocupações expressas assenta numa premissa errada.

130

Quanto aos outros argumentos da recorrente baseados na alegada ingerência no processo legislativo, há que constatar que um processo deste tipo, enquanto não tiver conduzido à adoção de um texto legislativo, não prejudica as competências de que a Comissão está investida ao abrigo do artigo 101.o TFUE e do Regulamento n.o 1/2003. Por conseguinte, o facto de a Comissão ter exercido essas competências ao tornar obrigatórios para a Paramount os compromissos que propôs quando estava em curso um processo legislativo sobre direitos como os que estão em causa no presente processo não é suscetível de demonstrar um desvio de poder.

131

Por último, há que constatar que as alegações da EFADs relativas à publicação dos compromissos propostos e ao acesso à comunicação de objeções são, na realidade, fundamentos que não foram invocados pela recorrente e devem, portanto, ser julgados inadmissíveis. Em todo o caso, as empresas e as outras entidades que não tenham a qualidade de parte interessada na aceção do artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 têm os direitos previstos no artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 e no artigo 13.o do Regulamento n.o 773/2004, que a Comissão respeitou no caso em apreço (v. n.os 4 e 5 supra).

132

Há, portanto, que julgar improcedente o quarto fundamento e que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

133

Por força do disposto no artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

134

Por outro lado, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo suportam as respetivas despesas e, nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suporte as suas próprias despesas.

135

Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas da Comissão, excluindo as relativas à intervenção da República Francesa, da EFADs, da UPC e da C More Entertainment, e nas despesas do BEUC, em conformidade com os seus pedidos.

136

Além disso, há que decidir que a República Francesa, a EFADs, a UPC e a C More Entertainment suportarão, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão em consequência das suas intervenções.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

 

1)

O recurso é julgado inadmissível.

 

2)

A Groupe Canal + SA, suportará, para além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, excluindo as relativas à intervenção da República Francesa, da European Film Agency Directors — EFADs, da Union des producteurs de cinéma (UPC) e da C More Entertainment AB, e pelo Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC).

 

3)

A República Francesa, a EFADs, a UPC e a C More Entertainment suportarão, para além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão em consequência das suas intervenções.

 

Gratsias

Dittrich

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de dezembro de 2018.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.