ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

13 de julho de 2017 ( *1 )

«Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca nominativa da União Europeia MONTORSI F. & F. — Marca nominativa nacional anterior Casa Montorsi — Motivo relativo de nulidade — Risco de confusão — Artigo 53.o, n.o 1, alínea a), e artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Acordo de coexistência das marcas — Alcance — Artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009»

No processo T‑389/16,

Agricola italiana alimentare SpA (AIA), com sede em San Martino Buon Albergo (Itália), representada por S. Rizzo, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por L. Rampini, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Casa Montorsi Srl, com sede em Vignola (Itália), representada por S. Verea, K. Muraro e M. Balestriero, advogados,

que tem por objeto um recurso da decisão da Primeira Câmara de Recurso do EUIPO de 28 de abril de 2016 (processo R 1239/2014‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Casa Montorsi e a AIA,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, M. Kancheva e J. Passer (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de julho de 2016,

vista a resposta do EUIPO entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de outubro de 2016,

vista a resposta da interveniente entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de outubro de 2016,

visto as partes principais não terem requerido a marcação de uma audiência no prazo de três semanas após a notificação do encerramento da fase escrita, tendo assim sido decidido, nos termos do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

Em 12 de fevereiro de 2007, a Montorsi Francesco & Figli SpA apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), nos termos do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1)].

2

A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo Montorsi F. & F.

3

Os produtos para que o registo foi pedido pertencem à classe 29 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça; extratos de carne; frutas e legumes enlatados, secos e cozidos; geleias, doces, ovos, leite e produtos lácteos; óleos e gorduras».

4

O pedido de marca da União Europeia foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 38/2007, de 30 de julho de 2007, e a correspondente marca foi registada em 18 de janeiro de 2008.

5

Em 28 de dezembro de 2010, a interveniente, a Casa Montorsi Srl, requereu, nos termos do artigo 53.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, a declaração de nulidade da marca controvertida para todos os produtos enumerados no n.o 3, supra.

6

O pedido de declaração de nulidade baseava‑se na marca nominativa italiana anterior Casa Montorsi, apresentada em 24 de fevereiro de 1995, registada em 2 de junho de 1998 com o número 751820, em seguida renovada, e que designa, nomeadamente, os produtos da classe 29, que correspondem à seguinte descrição: «Carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça; extratos de carne; frutas e legumes enlatados, secos e cozidos; geleias, doces, compotas; ovos, leite e produtos lácteos; óleos e gorduras».

7

O motivo invocado em apoio do pedido de declaração de nulidade é o previsto no artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, relativo à existência de um risco de confusão.

8

Durante o procedimento administrativo, a marca controvertida foi transferida para a Negroni SpA e, em seguida, para a recorrente, a Agricola italiana alimentare SpA (AIA).

9

A recorrente requereu o indeferimento do pedido de declaração de nulidade por ser contrário a um documento particular que ela e a interveniente assinaram em 4 de maio de 2000 (a seguir «acordo»), em que aceitaram a coexistência das respetivas marcas no mercado italiano e se comprometeram reciprocamente a não se opor à exploração das mesmas. A recorrente também requereu as provas da utilização da marca anterior.

10

Em 20 de março de 2014, a Divisão de Anulação declarou a nulidade da marca controvertida para os produtos «carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça; ovos», mas confirmou a sua validade para os restantes produtos visados nessa marca, a saber: «extratos de carne; frutas e legumes enlatados, secos e cozidos; geleias, doces, leite e produtos lácteos; óleos e gorduras», bem como para outros produtos não mencionados na lista dos produtos cobertos pela marca controvertida.

11

Em particular, a Divisão de Anulação considerou que o acordo não obstava à admissibilidade do pedido de declaração de nulidade da interveniente porque o acordo, de teor impreciso quanto ao território e à duração, não podia ser considerado um consentimento expresso, na aceção do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009. Quanto à utilização da marca anterior, a Divisão de Anulação considerou que a interveniente tinha feito prova dessa utilização, mas apenas para os produtos «fiambre, salame e charcutaria», pertencentes à subcategoria «carnes». Quanto à comparação dos produtos, salientou que, entre os produtos da marca controvertida, só os produtos «carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça; ovos» eram idênticos ou semelhantes aos produtos para os quais a marca anterior foi utilizada, a saber, os produtos da subcategoria «carnes». Quanto à comparação dos sinais, salientou que a marca controvertida revelava um grau médio de semelhança com a marca anterior porque ambas as marcas ostentavam o mesmo apelido Montorsi. Por último, a Divisão de Anulação considerou que, tendo em conta a identidade ou a semelhança dos produtos e das marcas em conflito, havia um risco de confusão para o público italiano, quanto aos produtos «carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça; ovos» cobertos pela marca controvertida e que essa marca devia ser declarada nula relativamente a esses produtos.

12

Em 12 de maio de 2014, a recorrente interpôs recurso no EUIPO, nos termos dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009, contra a decisão da Divisão de Anulação, requerendo que a marca controvertida permanecesse registada para os produtos «carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça; ovos».

13

Por decisão de 28 de abril de 2016 (a seguir «decisão recorrida»), a Primeira Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso.

14

A Câmara de Recurso começou por assinalar que a recorrente não contestava perante si nenhuma das apreciações da Divisão de Anulação relativas à prova da utilização da marca anterior, à semelhança dos sinais e dos produtos e ao risco de confusão. O único argumento de recurso baseava‑se no acordo, que, segundo a recorrente, se opõe ao pedido de declaração de nulidade da marca impugnada por risco de confusão.

15

A Câmara de Recurso considerou que o EUIPO não estava vinculado ao acordo, o qual regulava interesses privados, mas que devia verificar se era possível deduzir desse acordo a existência de um «consentimento expresso para o registo», previsto no artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, ou a coexistência das marcas em conflito. A Câmara de Recurso considerou que o acordo não permitia estabelecer tal consentimento. Acrescentou que, mesmo que se tivesse em conta a parte do acordo na qual as partes no acordo «reconhec[ia]m que as respetivas marcas [podiam] coexistir», faltaria ainda provar que a coexistência se devia à inexistência de risco de confusão no espírito do público pertinente, prova que requeria a demonstração da utilização concomitante das marcas em conflito por um período suficientemente longo, anterior à data de apresentação da marca controvertida. A prova dessa utilização concomitante não foi feita e, ainda menos, a prova de que essa utilização concomitante não era criadora de risco de confusão. A Câmara de Recurso negou, assim, provimento ao recurso.

Pedidos das partes

16

A recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

anular a decisão recorrida;

condenar o EUIPO nas despesas.

17

O EUIPO e a interveniente concluem pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

18

A recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 53.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento, e, o segundo, à violação do artigo 53.o, n.o 3, deste regulamento.

19

Há que começar pela apreciação do segundo fundamento.

Quanto ao segundo fundamento de anulação, relativo à violação do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009

20

A recorrente alega que é incontestável que as partes no acordo aceitaram a coexistência no mercado italiano das respetivas marcas, presentes e futuras, o que impossibilita a interveniente de pedir a declaração de nulidade da marca controvertida.

21

A recorrente sustenta que a interveniente não pode de qualquer maneira impedir o registo da marca controvertida nos países da União Europeia diferentes da Itália, nem mesmo, tendo em conta o acordo, o registo dessa marca em Itália.

22

A recorrente critica a Câmara de Recurso por não ter tido em conta o «princípio de relativização» das causas de nulidade resultantes de direitos anteriores em conflito. Os motivos relativos de recusa protegem apenas os interesses privados. Ao passo que o consentimento do titular de um direito anterior não permite superar um motivo absoluto de recusa, tal consentimento já o permite tratando‑se de um motivo relativo de recusa. A este título, o conflito entre duas marcas afeta apenas as empresas concorrentes, não o consumidor, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Geral.

23

Quanto, mais precisamente, à violação do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, a recorrente, em primeiro lugar, contesta a afirmação da Câmara de Recurso, nas duas primeiras frases do n.o 25 da decisão recorrida, segundo a qual é necessário que o sinal a registar esteja identificado com exatidão para que o consentimento para o registo de uma marca se constitua, o que não sucede neste caso.

24

O acordo refere‑se claramente não à marca MONTORSI propriamente dita mas aos registos ou utilizações, presentes ou futuros, do termo «montorsi», no contexto de um sinal distintivo no que se refere aos produtos da classe 29. Não faria sentido uma interpretação restritiva desta referência, já que, quando o acordo foi celebrado, nenhuma das partes nesse acordo era titular da marca MONTORSI stricto sensu. Consequentemente, a recorrente sustenta que, contrariamente ao que afirmou a Câmara de Recurso na decisão recorrida, as partes no acordo deram o seu consentimento expresso para o registo e utilização não só da marca MONTORSI stricto sensu mas também de qualquer sinal distintivo com o termo «montorsi», como sucede com a marca MONTORSI F. & F.

25

Em segundo lugar, a recorrente considera a interpretação da Câmara de Recurso excessivamente formalista, no seguimento do n.o 25 da decisão recorrida, segundo a qual não é possível deduzir do acordo o consentimento expresso para o registo da marca controvertida como marca da União Europeia. A validade do acordo está certamente limitada ao território italiano. Todavia, no presente caso, o consentimento expresso dado para o território italiano implica necessariamente o consentimento para o registo da marca controvertida ao nível da União. Uma vez que a interveniente deu o seu consentimento para a coexistência, no território italiano, das marcas, que inclui os registos futuros das marcas com o termo «montorsi», não seria lógico negar agora esse consentimento no que se refere à marca controvertida com base num hipotético conflito, precisamente limitado ao território italiano. A recorrente nada poderia dizer se a interveniente tivesse tentado anular o registo da marca controvertida com base em direitos anteriores em França, Espanha ou em países da União diferentes da Itália.

26

O EUIPO, apoiado pela interveniente, considera que os factos desmentem a afirmação de que o consentimento dado pela interveniente no acordo implica a impossibilidade de esta última fazer valer os seus direitos sobre a marca anterior. A recorrente alega com razão que, no caso dos motivos relativos de recusa, o titular do direito anterior pode optar por defender ou não a sua própria marca e, se assim o decidir, agir no seu interesse exclusivo. Contudo, no presente caso, a interveniente optou claramente por defender a marca anterior, visto que apresentou um pedido de declaração de nulidade da marca controvertida ao EUIPO. O facto de a interveniente ter assinado, anteriormente, um acordo e poder parecer que não cumpre as suas obrigações, como as previstas nesse documento particular, é da esfera privada das partes no acordo, que podem, eventualmente, invocar as consequências de qualquer eventual incumprimento nos órgãos jurisdicionais civis nacionais.

27

O argumento de que os motivos relativos de recusa só protegem interesses privados não afeta a conclusão relativa à exigência de consentimento expresso dado para efeitos de aplicação do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009. A jurisprudência mencionada pela recorrente refere‑se a uma questão diferente, a da capacidade de agir das pessoas que tencionam invocar motivos relativos de recusa contra o registo de uma marca da União Europeia.

28

Quanto à competência do EUIPO, este último deve efetivamente ter em conta o acordo em questão, por um lado, para verificar se é possível encontrar nesse ato um consentimento claro para o registo da marca controvertida na aceção do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 e, por outro, para verificar se as condições da coexistência das marcas em questão no mercado estão preenchidas enquanto fator pertinente no âmbito do artigo 53.o, n.o 1, alínea a), lido em conjugação com o artigo 8.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 207/2009.

29

Além disso, não decorre minimamente do acordo que a interveniente tenha dado o seu consentimento expresso para o registo da marca controvertida como marca da União Europeia. O EUIPO recorda que o artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 tem natureza derrogatória e, portanto, deve ser interpretado restritivamente. Consequentemente, para poder corresponder a um consentimento expresso para o registo da marca controvertida, o acordo deveria referir‑se a esta última de forma clara, manifesta e explicita, cabendo o ónus da prova a quem invoca o consentimento e não estando a outra parte no acordo obrigada a provar o seu desacordo.

30

Do acordo não consta nenhum consentimento claro e preciso para o registo da marca controvertida como marca da União Europeia pelos fundamentos precisamente expostos na decisão recorrida. O acordo é vago e impreciso. O alcance territorial e o prazo de aplicação do acordo não estão expressamente especificados. Em particular, a marca MONTORSI F. & F. não está corretamente identificada no acordo. Com efeito, em primeiro lugar, não é mencionada no documento particular. Em segundo lugar, a palavra «comunitário» ou «europeu» nunca é citada no acordo, que menciona apenas os registos italianos e um litígio pendente no Tribunale di Modena (Tribunal de Modena, Itália). Por fim, o n.o 2 do acordo enuncia que «as partes reconhecem que os sinais distintivos de cada uma delas até agora registados e/ou utilizados para os produtos da classe internacional 29 podem coexistir». Como o registo da marca controvertida foi concedido em 18 de janeiro de 2008, este aspeto fundamental do acordo leva também a concluir que não se pode considerar que a marca controvertida faz certamente parte do acordo. Consequentemente, antes parece que os acordos sobre a coexistência das marcas e seu registo visam unicamente os registos italianos, como foi corretamente observado na decisão recorrida. Em todo o caso, o EUIPO entende que o facto de a marca controvertida não ter sido claramente identificada no acordo é, nem que seja em si mesmo, um motivo suficiente para excluir que a interveniente tenha dado o seu acordo explícito para o registo dessa marca na União.

31

Além disso, contrariamente às afirmações da recorrente, existe um litígio entre as partes no acordo sobre a interpretação de alguns elementos essenciais desse acordo, em particular sobre a questão de saber se respeita apenas às marcas nacionais ou também às marcas estrangeiras, internacionais ou da União Europeia.

32

A interpretação discordante do acordo é confirmada pelo comportamento das partes no EUIPO e nos tribunais nacionais. Tal comportamento não corresponde a uma linha de conduta clara, coerente e pacífica.

33

Par concluir, o acordo não revela um «consentimento expresso» da interveniente para o registo da marca controvertida. A Câmara de Recurso não violou o artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009.

34

A interveniente alega que, como aliás confirmam a decisão da Divisão de Anulação e a decisão recorrida, os eventuais acordos privados entre as partes não são em caso algum vinculativos para o EUIPO. Não há base jurídica neste sentido. Tal decorre também do facto de os contratos terem um efeito relativo entre as partes, pelo que são incompatíveis com os efeitos erga omnes de uma decisão de oposição ou de nulidade. Há, portanto, um interesse público a proteger. Assim, a Câmara de Recurso teve razão em afirmar que o EUIPO não estava vinculado ao acordo mas que devia verificar se era possível deduzir do acordo a existência de um consentimento ou a coexistência des marcas.

35

A interveniente alega igualmente que a existência de consentimento não está demonstrada, por um lado, principalmente devido à formulação imprecisa do acordo, como indica a Câmara de Recurso, e, por outro, porque a oposição deduzida pela recorrente contra o pedido da interveniente apresentado em 15 de abril de 2008 de registo da marca CASA MONTORSI como marca da União Europeia com o número 6832125 não faria então sentido nenhum. Os argumentos da recorrente seriam incoerentes.

36

Em todo o caso, a marca controvertida não está especificamente mencionada no acordo e, como indicado corretamente na decisão recorrida, o acordo também não menciona as expressões «marca comunitária», «registo comunitário» ou «marca europeia». O consentimento não pode ser implícito nem presumido. Não é a Câmara de Recurso que é «excessivamente formalista». A recorrente quer a todo o custo interpretar o acordo como lhe convém.

37

Recorde‑se que o artigo 53.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 dispõe, nomeadamente, que «[a] marca [da União Europeia] é declarada nula na sequência de pedido apresentado ao Instituto […] sempre que exista uma marca anterior, referida no n.o 2 do artigo 8.o, e que se encontrem preenchidas as condições enunciadas no n.o 1 […] do mesmo artigo».

38

O artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 dispõe que «[a] marca [da União Europeia] não pode ser declarada nula se o titular de um direito referido nos n.os 1 ou 2 der o seu consentimento expresso ao registo dessa marca antes da apresentação do pedido de nulidade ou do pedido reconvencional».

39

O artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 requer assim que o titular de um direito anterior tenha dado o seu consentimento expresso para o registo de uma marca da União Europeia para impedir que se apresente posteriormente um pedido de declaração de nulidade dessa marca.

40

Assim, num processo em que o titular de marcas controvertidas sustentava que as partes que requeriam a declaração de nulidade dessas marcas, devido ao risco de confusão, tinham consentido no registo das mesmas através, nomeadamente, de um coexistência pacífica e de um acordo de coexistência, o Tribunal Geral recordou que o acordo do titular do direito deve ser expresso para permitir o registo de um sinal suscetível de criar um risco de confusão. O Tribunal Geral deduziu, por um lado, que a coexistência pacífica das marcas não vale consentimento expresso na aceção do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009. Por outro, quanto ao acordo de coexistência, o Tribunal Geral, após ter verificado que não tinha por objeto as marcas controvertidas mas uma outra marca, enunciou que esse acordo não podia ser interpretado num sentido que excedesse o seu âmbito de aplicação, sem consentimento expresso das partes, na aceção do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009. O Tribunal Geral declarou a inexistência de tal consentimento expresso [acórdão de 3 de junho de 2015, Pensa Pharma/IHMI — Ferring e Farmaceutisk Laboratorium Ferring (PENSA PHARMA e pensa), T‑544/12 e T‑546/12, não publicado, EU:T:2015:355, n.os 35, 37, 40, 49 e 51].

41

No presente caso, o acordo evoca, na parte introdutória (letras A a C), um litígio entre as partes no Tribunale di Modena (Tribunal de Modena) sobre a utilização do termo «montorsi» no setor das carnes secas, bem como negociações entre elas para resolver esse conflito e evitar futuros litígios sobre esse termo relativamente a todos os produtos da classe 29. Essa parte introdutória do acordo menciona marcas italianas com o termo «montorsi».

42

No n.o 2, primeiro parágrafo, do acordo estipula‑se que «as partes reconhecem que os sinais distintivos de cada uma delas até agora registados e/ou utilizados para os produtos da classe internacional 29 (nomeadamente para as carnes, o peixe, a carne de aves e carnes de caça, extratos de carne, frutas e legumes enlatados, secos e cozidos, geleias, doces, compotas, ovos, leite e produtos lácteos, óleos e gorduras) podem coexistir». No n.o 2, segundo parágrafo, do acordo estipula‑se que, «[c]onsequentemente, as partes, para elas próprias e para os seus sucessores, renunciam reciprocamente a contestar os respetivos registos desses sinais como marcas e a se oporem à utilização desses sinais — quer seja enquanto nome de empresa, marca, insígnia ou outra função atípica — pela outra parte». No n.o 3 do acordo estipula‑se ainda que «[a]s partes renunciam a qualquer pretensão que possam ter quanto à utilização do sinal distintivo MONTORSI pela outra parte até agora».

43

Como refere o EUIPO, o acordo menciona sinais e registos italianos e um litígio em Itália. Não se refere à União nem ao direito da União. O acordo menciona o termo «montorsi» mas não o sinal nominativo MONTORSI F. & F., em causa no caso em apreço. Além disso, a coexistência das marcas e a renúncia à contestação mencionadas no acordo dizem respeito aos sinais registados ou utilizados «até agora», ou seja, até 4 de maio de 2000. Por fim, nos termos do acordo, as partes renunciam a qualquer pretensão que possam ter quanto à utilização do «sinal distintivo MONTORSI pela outra parte até agora».

44

Resulta do exposto que, como salientaram, em substância, a Divisão de Anulação e a Câmara de Recurso, o acordo parece estar limitado aos sinais registados ou utilizados até à data da sua celebração e a um contexto italiano. Como assinala, com razão, a Câmara de Recurso, a formulação do acordo deixa inevitavelmente supor que os acordos relativos à coexistência das marcas e seu registo versam apenas sobre os títulos italianos. O acordo não menciona o sinal MONTORSI F. & F., em causa no presente caso, e ainda menos um futuro registo desse sinal — nem de resto qualquer sinal com o termo «montorsi» — como marca da União Europeia.

45

Atendendo a estes elementos, que, no mínimo, revelam a falta de determinação, no acordo, da posição das partes quanto à questão do registo ao nível da União de marcas com o termo «montorsi», e tendo em conta que o consentimento previsto no artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser expresso, foi com razão que a Câmara de Recurso concluiu que não era possível deduzir do acordo um consentimento expresso da interveniente para o registo do sinal MONTORSI F. & F. como marca da União Europeia.

46

Esta conclusão da Câmara de Recurso não é, contrariamente ao que a recorrente sustenta, excessivamente formalista. Decorre dos termos do acordo e das exigências do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009. Além disso, a própria recorrente aceita que a validade do acordo está limitada ao território italiano. Como assinala em substância a interveniente, é a recorrente que tenta conferir ao acordo um significado que extravasa os seus termos.

47

A recorrente afirma contudo que esta conclusão não é muito lógica, já que poderia, por outro lado, registar a marca controvertida em países da União diferentes da Itália, visto que a interveniente não detém direitos anteriores nesses países, ou até em Itália, por força do acordo. A recorrente acrescenta que não seria lógico invalidar a marca controvertida, registada ao nível da União, pelo risco de confusão invocado e verificado apenas em Itália, dado que, através do acordo, a interveniente renunciou precisamente a contestar a marca em Itália e, por conseguinte, assumiu expressamente o risco eventual de confusão em Itália.

48

Estes argumentos da recorrente não põem em causa a posição da Câmara de Recurso.

49

Com efeito, a circunstância de, por motivos económicos, estratégicos ou outros, próprios à interveniente, esta ter preferido, em vez de prosseguir uma ação judicial contra a recorrente, acordar com esta última a coexistência em Itália dos respetivos sinais e marcas existentes à data do acordo, não implica uma renúncia da interveniente em opor‑se a uma marca da União Europeia. Tal consentimento não implica que se deva considerar o eventual risco de confusão, contratualmente aceite no contexto italiano e nos limites do acordo de coexistência, igualmente aceite fora desse contexto e, mais precisamente, no caso de uma marca da União Europeia. Relativamente a essa marca, cujo alcance e efeitos são mais amplos que os de uma marca nacional, a interveniente podia, na falta precisamente de um consentimento expresso para o registo dessa marca, invocar o risco de confusão.

50

É de salientar aliás que a recorrente negou esse direito à interveniente e, ao mesmo tempo, reivindicou‑o para si. Com efeito, como decorre do processo do EUIPO e como assinalam o EUIPO e a interveniente, no presente caso, a recorrente recusou à interveniente o direito de pedir a nulidade da marca controvertida e, ao mesmo tempo, não hesitou em opor‑se a um pedido da interveniente de registo do sinal CASA MONTORSI como marca da União Europeia. No entanto, não decorre minimamente do acordo que este preveja compromissos assimétricos entre as partes. Pelo contrário, o acordo prevê um consentimento recíproco das partes para a coexistência dos respetivos sinais e marcas existentes à data da sua celebração.

51

Quanto, em seguida, à afirmação de que os motivos relativos de recusa protegem apenas interesses privados e de que o consentimento do titular de um direito anterior é, assim, vinculativo para o EUIPO, basta salientar que, em todo o caso, tal consentimento para o registo da marca controvertida não foi dado in casu.

52

Ademais, e como assinalam em substância o EUIPO e a interveniente, o acórdão invocado pela recorrente em apoio desta afirmação não respeita à questão do alcance, relativamente ao EUIPO, de um acordo de coexistência de marcas. Esse acórdão prende‑se com a questão, diferente e irrelevante para o caso, de saber que pessoas podem invocar um motivo, absoluto ou relativo, de recusa de registo de uma marca da União Europeia [acórdão de 8 de julho de 2008, Lancôme/IHMI — CMS Hasche Sigle (COLOR EDITION), T‑160/07, EU:T:2008:261, n.os 20 a 26].

53

Resulta de todas as considerações expostas que o segundo fundamento de anulação é infundado e deve ser julgado improcedente.

Quanto ao primeiro fundamento de anulação, relativo à violação do artigo 53.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento

54

A recorrente alega que a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual a recorrente devia ter provado a aceitação da coexistência das marcas e ainda que essa coexistência era devida à inexistência de risco de confusão é errada.

55

Com efeito, o artigo 53.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 têm por objeto a proteção dos interesses dos titulares dos direitos anteriores e não os interesses do consumidor. A existência de um eventual risco de confusão não é pertinente, dado que, como no presente caso, o titular do direito anterior aceitou expressamente a coexistência das marcas em Itália. No caso dos motivos relativos de recusa, o titular do direito anterior pode optar por defender ou não a sua marca e, se assim o decidir, agir no seu interesse exclusivo. O eventual benefício para o público é um mero efeito colateral do recurso do titular.

56

Em todo o caso, o sucesso do presente recurso e, portanto, a manutenção da marca controvertida para os produtos «carnes, peixe, carne de aves e carnes de caça», não altera a realidade do mercado italiano, onde a marca anterior e a marca italiana MONTORSI F. & F. continuariam a coexistir.

57

O EUIPO e a interveniente contestam a posição da recorrente.

58

O EUIPO alega que, embora a coexistência de duas marcas no mercado possa, eventualmente, reduzir o risco de confusão entre as duas marcas, tal eventualidade só pode ser tida em conta se, pelo menos, durante o procedimento administrativo, o requerente da marca da União Europeia demonstre que a coexistência assenta na inexistência de risco de confusão. Além disso, o período de coexistência teria de ser suficientemente longo para poder influenciar a perceção do consumidor.

59

Assim, a recorrente devia ter demonstrado que o consumidor italiano pertinente tinha sido exposto à utilização concomitante das marcas com o termo «montorsi» e que essa utilização não tinha criado confusão. Uma vez que não foi feita prova suficiente da coexistência no mercado das marcas em conflito e do facto de essa coexistência ser devida à inexistência de confusão, a coexistência invocada pela recorrente não pode ser considerada um fator a ter em conta na apreciação do risco de confusão.

60

Além disso, a apreciação da existência ou não de um risco de confusão pressupõe a tomada em consideração do conjunto de fatores pertinentes, como a coexistência das marcas em causa e, também, o grau de semelhança das marcas e dos produtos.

61

A interveniente alega que a linha de raciocínio da recorrente, segundo a qual o risco de confusão não é uma questão pertinente, visto que apenas se trata da proteção dos interesses privados de um titular de uma marca, se baseia num postulado errado, a saber, que os motivos relativos de recusa não se destinam à proteção dos interesses dos consumidores, mas apenas à proteção dos interesses dos titulares dos direitos anteriores.

62

A interveniente assinala, por outro lado, que a hipótese de coexistência das marcas implica, normalmente, a existência de um risco de confusão no espírito do público devido à eventual interferência dos sinais no mercado e que é indubitável que os acordos de coexistência não devem prejudicar o objetivo de proteção do consumidor, que não deve ser exposto ao risco de confusão.

63

Independentemente destas considerações, há que notar que o pedido de declaração de nulidade tem, neste caso, por objeto uma marca da União Europeia que é, em todos os aspetos, uma marca estrangeira por oposição a uma marca nacional, cuja validade se estende a todos os países da União, e que, de resto, uma marca nacional pode validamente opor‑se a uma marca da União Europeia. O território relevante para o presente litígio não é a Itália mas a União. Nenhuma «reflexão jurídica» poderia ser ilógica ao ponto de levar a pensar que um eventual consentimento para o registo para um só país estende, de per se, o seu alcance aos outros 27 Estados‑Membros.

64

Por outro lado, a data de apresentação da marca controvertida corresponde ao dia 12 de fevereiro de 2007, pelo que a eventual transformação dessa marca em marca nacional italiana em aplicação do artigo 112.o do Regulamento n.o 207/2009 seria, de qualquer modo posterior ao acordo. Segue‑se que a marca nacional resultante dessa transformação não poderia de qualquer modo coexistir com os «sinais distintivos até agora registados e/ou utilizados por cada uma [das partes] para produtos da classe internacional 29» (n.o 2 do acordo), visto que, na assinatura do acordo, em 4 de maio de 2000, não existia. A este respeito, a referência à marca italiana idêntica da recorrente, objeto de registo nacional sob o número 1205683, é inoperante, dado que também se trata de uma marca posterior ao acordo, apresentada em 22 de novembro de 2006 e registada a 1 de julho de 2009, pelo que não faz parte dos «sinais distintivos até agora registados e/ou utilizados por cada uma [das partes] para produtos da classe internacional 29».

65

Por último, é preciso sublinhar que, de acordo com a sua linha de raciocínio, segundo a qual o acordo é válido apenas em Itália e o pedido de declaração de nulidade não é admissível porque se baseia numa anterioridade italiana, a recorrente admite que as suas marcas apresentadas ou registadas fora do território nacional podem, em princípio, ser livremente impugnadas pela interveniente, o que mostra que o problema não incide na validade ou admissibilidade do pedido de declaração de nulidade como tal, ou seja, como aplicação do princípio da proteção de um interesse público, mas apenas na eventual violação de um interesse privado fundado na existência de um acordo privado em relação ao qual o EUIPO não é competente.

66

Já foi observado, na análise do segundo fundamento de anulação, que o acordo não inclui nenhum consentimento expresso da interveniente para o registo da marca controvertida como marca da União Europeia. Consequentemente, referiu‑se que o artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 não obsta a que a interveniente peça a nulidade da marca controvertida com base num risco de confusão. Assim, é em vão que, através do presente fundamento, a recorrente afirma de novo que a aceitação da coexistência das marcas em Itália impede que se invoque utilmente um risco de confusão contra a marca controvertida.

67

Além do exposto, a recorrente sustenta que é errada a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual, para refutar o pedido de declaração de nulidade, devia ter provado a aceitação da coexistência das marcas e, também, que a coexistência era devida à inexistência de confusão.

68

Esta posição da recorrente não pode prosperar.

69

Em primeiro lugar, importa salientar que a Câmara de Recurso não mencionou que a recorrente devia provar a aceitação da coexistência das marcas, mas que a recorrente devia provar a coexistência das mesmas.

70

Em segundo lugar, importa salientar que, segundo a jurisprudência, embora não seja de excluir que a coexistência de marcas anteriores no mercado pode, eventualmente, reduzir o risco de confusão entre duas marcas em conflito, não deixa de ser verdade que essa eventualidade só pode ser tida em consideração se, durante o processo no EUIPO, o titular da marca da União Europeia controvertida demonstrar que a referida coexistência assentava na inexistência de risco de confusão, no espírito do público pertinente, entre as marcas anteriores que invoca e a marca anterior subjacente ao pedido de declaração de nulidade, sob reserva de as marcas anteriores em causa e as marcas em conflito serem idênticas [v., neste sentido, acórdãos de 11 de maio de 2005, Grupo Sada/IHMI — Sadia (GRUPO SADA), T‑31/03, EU:T:2005:169, n.o 86; de 7 de novembro de 2007, NV Marly/IHMI — Erdal (Top iX), T‑57/06, não publicado, EU:T:2007:333, n.o 97; de 20 de janeiro de 2010, Nokia/IHMI — Medion (LIFE BLOG), T‑460/07, EU:T:2010:18, n.o 68; e de 10 de abril de 2013, Höganäs/IHMI — Haynes (ASTALOY), T‑505/10, não publicado, EU:T:2013:160, n.o 48].

71

Assim, foi com razão que a Câmara de Recurso considerou que, para contestar o pedido de declaração de nulidade baseado no risco de confusão, a recorrente devia, mas não o fez, provar não só a coexistência das marcas mas também que essa coexistência era devida à inexistência de risco de confusão, mediante a apresentação de elementos de prova como sondagens de opinião, declarações de associações de consumidores ou outros.

72

O presente fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

73

Dado que nenhum dos fundamentos do presente recurso é procedente, há que lhe negar provimento.

Quanto às despesas

74

Por força do disposto no artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

75

Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos dos pedidos do EUIPO e da interveniente.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Agricola italiana alimentare SpA (AIA) é condenada nas despesas.

 

Collins

Kancheva

Passer

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de julho de 2017.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.