ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

7 de março de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Competência judiciária em matéria civil e comercial — Competências exclusivas — Artigo 22.o, ponto 2 — Validade das decisões dos órgãos de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede no território de um Estado‑Membro — Competência exclusiva dos tribunais desse Estado‑Membro — Deliberação da assembleia geral de uma sociedade que ordena a transferência obrigatória dos títulos dos acionistas minoritários dessa sociedade para o acionista maioritário da mesma sociedade e que fixa o montante da contrapartida que lhes deve ser paga por este — Processo judicial que tem por objeto fiscalizar o caráter razoável dessa contrapartida»

No processo C‑560/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa), por decisão de 20 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2016, no processo

E.ON Czech Holding AG

contra

Michael Dědouch,

Petr Streitberg,

Pavel Suda,

sendo interveniente:

Jihočeská plynárenská, a.s.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E.ON Czech Holding AG, por D. Vosol, advokát,

em representação de M. Dědouch, P. Streitberg e P. Suda, por P. Zima, advokát,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e J. Hradil, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), e ponto 3, e do artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a E.ON Czech Holding AG (a seguir «E.ON») a Michael Dědouch, Petr Streitberg e Pavel Suda a respeito da fiscalização do caráter razoável da contrapartida que, no âmbito de um processo de exclusão dos acionistas minoritários, a E.ON. lhes deveria pagar na sequência da transferência obrigatória dos títulos que detinham na Jihočeská plynárenská, a.s.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 11 e 12 do Regulamento n.o 44/2001 enunciam:

«(2)

Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento.

[…]

(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

(12)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, em especial, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.»

5

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

6

O artigo 5.o do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

[…]

3)

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[…]»

7

O artigo 6.o do Regulamento n.o 44/2001 prevê:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode também ser demandada:

1)

Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente;

[…]»

8

O artigo 22.o deste regulamento dispõe:

«Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:

[…]

2)

Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras pessoas coletivas que tenham a sua sede no território de um Estado‑Membro, ou de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos, os tribunais desse Estado‑Membro. Para determinar essa sede, o tribunal aplicará as regras do seu direito internacional privado;

[…]»

Direito checo

9

O § 183i da zákon č. 513/1991 Sb., obchodní zákoník (Lei n.o 513/1991, relativa ao Código das Sociedades Comerciais), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«(1)   A pessoa que detenha títulos de participação numa sociedade: a) cujo valor nominal agregado represente, pelo menos, 90% do capital social dessa sociedade, ou b) que substitua títulos de participação numa sociedade cujo valor nominal agregado represente pelo menos 90% do capital nominal da sociedade, ou c) que detenha pelo menos 90% dos direitos de voto da sociedade (“acionista maioritário”), tem o direito de solicitar ao conselho de administração a convocação de uma assembleia geral, na qual deve ser tomada a decisão sobre a transferência de todos os outros títulos de participação da sociedade para essa pessoa.

[…]

(3)   A deliberação da assembleia geral incluirá a identificação do acionista maioritário, elementos que demonstrem que esse acionista é o acionista maioritário e indicará o montante da contrapartida […] bem como o prazo dentro do qual a contrapartida deve ser entregue.»

10

O § 183k desta lei prevê:

«(1)   Os detentores de títulos de participação têm a faculdade, a partir da data em que recebam o convite para participar na assembleia geral ou da notificação da realização dessa assembleia geral, de solicitar a um tribunal que proceda à fiscalização do caráter razoável da contrapartida; […]

[…]

(3)   Uma decisão judicial que conceda o direito a um montante diferente para a contrapartida vincula o acionista maioritário e a sociedade no que diz respeito à base do direito concedido, bem como face aos outros detentores de títulos de participação. […]

(4)   A conclusão de que a contrapartida não constitui uma contrapartida razoável não invalida a deliberação da assembleia geral aprovada nos termos do § 183i(1).

(5)   A conclusão de que a contrapartida não constitui uma contrapartida razoável não pode ser invocada como fundamento de um recurso nos termos do § 131 para declarar inválida a deliberação aprovada em assembleia geral.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Por deliberação de 8 de dezembro de 2006, a assembleia geral da Jihočeská plynárenská aprovou a transferência obrigatória de todos os títulos de participação dessa sociedade para o seu acionista maioritário, a E.ON.

12

Essa deliberação especificava o montante da contrapartida que esta última deveria pagar aos acionistas minoritários na sequência da transferência.

13

Por recurso interposto em 26 de janeiro de 2007, M. Dědouch, P. Streitberg e P. Suda pediram ao Krajský soud v Českých Budějovicích (Tribunal Regional de České Budějovice, República Checa) que fiscalizasse o caráter razoável dessa contrapartida.

14

Na pendência desse processo, a E.ON arguiu uma exceção de incompetência dos tribunais checos, sustentando que, dada a localização da sua sede, apenas os tribunais alemães tinham competência internacional.

15

Por Despacho de 26 de agosto de 2009, o Krajský soud v Českých Budějovicích (Tribunal Regional de České Budějovice) julgou essa exceção improcedente por considerar que os tribunais checos eram competentes, com fundamento no artigo 6.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001, para conhecer do recurso.

16

A E.ON interpôs recurso desse despacho no Vrchní soud v Praze (Tribunal Superior de Praga, República Checa), que, por Despacho de 22 de junho de 2010, declarou que o litígio que lhe era submetido se enquadrava no artigo 22.o, ponto 2, desse regulamento e que, tendo em conta a localização da sede da Jihočeská plynárenská, a competência internacional pertencia aos tribunais checos.

17

Em sede de recurso de constitucionalidade interposto pela E.ON, o Ústavní soud (Tribunal Constitucional, República Checa), por Acórdão de 11 de setembro de 2012, anulou esse despacho e remeteu o processo ao Vrchní soud v Praze (Tribunal Superior de Praga).

18

Por Despacho de 2 de maio de 2014, o Vrchní soud v Praze (Tribunal Superior de Praga) considerou que os tribunais checos eram competentes para conhecer do litígio com fundamento no artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001.

19

A E.ON interpôs recurso desse despacho no órgão jurisdicional de reenvio.

20

Foi neste contexto que o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«(1)

Deve o artigo 22.o, [ponto] 2, do Regulamento [n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável ao processo de fiscalização do caráter razoável da contrapartida — que um acionista maioritário é obrigado a pagar aos anteriores detentores dos títulos de participação —, enquanto valor equivalente dos títulos de participação, que tenham sido transferidos para o acionista maioritário em consequência de uma deliberação adotada pela assembleia geral de uma sociedade anónima (processo dito de “exclusão”), quando a deliberação assim adotada determina igualmente o montante da contrapartida razoável e quando existe uma decisão judicial que concede o direito a um montante diferente para a contrapartida, decisão que é vinculativa para o acionista maioritário e para a sociedade, no que diz respeito à base do direito concedido, bem como para os restantes detentores dos títulos de participação?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, deve o artigo 5.o, [ponto] 1, alínea a), do Regulamento [n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável ao processo de fiscalização do caráter razoável da contrapartida descrita na primeira questão?

3)

Em caso de resposta negativa às duas questões anteriores, deve o artigo 5.o, [ponto] 3, do Regulamento [n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável ao processo de fiscalização do caráter razoável da contrapartida referido na primeira questão?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que um recurso como o do processo principal, que tem por objeto a fiscalização do caráter razoável da contrapartida que um acionista principal de uma sociedade tem de pagar aos acionistas minoritários da mesma no caso de transferência obrigatória das ações destes para o acionista principal, se enquadra na competência exclusiva dos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situa a sede dessa sociedade.

22

A este respeito, deve recordar‑se que, no processo principal, embora a deliberação da assembleia geral da Jihočeská plynárenská tenha tido por objeto tanto a transferência das ações desta para o acionista principal como a fixação do montante da contrapartida a pagar aos acionistas minoritários, M. Dědouch, P. Streitberg e P. Suda limitam‑se a contestar, no seu recurso, o caráter razoável desse montante.

23

Ora, admitindo que este recurso dê lugar a uma decisão segundo a qual o referido montante não é razoável, o direito checo exclui expressamente a possibilidade de essa decisão ter por efeito tornar inválida a deliberação da assembleia geral na parte em que se refere àquela transferência ou ainda de poder ser invocada para efeitos de um recurso destinado à declaração de invalidade dessa deliberação.

24

Por conseguinte, segundo uma interpretação literal da redação do artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001, não é certo que tal recurso se integre nesta disposição, uma vez que a regra de competência nela estabelecida é aplicável em matéria de «validade das decisões [dos] órgãos» das sociedades ou outras pessoas coletivas.

25

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições do Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas de maneira autónoma, por referência ao sistema e aos objetivos deste (Acórdãos de 13 de julho de 2006, Reisch Montage, C‑103/05, EU:C:2006:471, n.o 29; de 2 de outubro de 2008, Hassett e Doherty, C‑372/07, EU:C:2008:534, n.o 17; e de 16 de janeiro de 2014, Kainz, C‑45/13, EU:C:2014:7, n.o 19).

26

No que se refere ao sistema e à economia geral do Regulamento n.o 44/2001, importa recordar que a competência prevista no artigo 2.o deste regulamento, ou seja, a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do requerido, constitui a regra geral. Só por exceção a essa regra geral é que o referido regulamento prevê regras de competência especial e exclusiva, em casos taxativamente enumerados em que o requerido pode ou deve, conforme o caso, ser demandado perante um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro (Acórdãos de 13 de julho de 2006, Reisch Montage, C‑103/05, EU:C:2006:471, n.o 22, e de 12 de maio de 2011, BVG, C‑144/10, EU:C:2011:300, n.o 30).

27

Por conseguinte, estas regras de competência especial e exclusiva devem ser objeto de interpretação estrita. Com efeito, enquanto exceção à regra geral de competência, as disposições do artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001 não devem ser interpretadas em termos mais amplos do que os requeridos pelo seu objetivo (Acórdãos de 2 de outubro de 2008, Hassett e Doherty, C‑372/07, EU:C:2008:534, n.os 18 e 19, e de 12 de maio de 2011, BVG, C‑144/10, EU:C:2011:300, n.o 30).

28

No que diz respeito aos objetivos e à finalidade do Regulamento n.o 44/2001, deve recordar‑se que, conforme resulta dos seus considerandos 2 e 11, este visa unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, por meio de regras de competência que apresentem um elevado grau de certeza jurídica. Este regulamento prossegue, assim, um objetivo de segurança jurídica que consiste em reforçar a proteção jurídica das pessoas estabelecidas na União, permitindo simultaneamente ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele em que pode ser demandado (Acórdãos de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch, C‑533/07, EU:C:2009:257, n.os 21 e 22; de 17 de março de 2016, Taser International, C‑175/15, EU:C:2016:176, n.o 32; e de 14 de julho de 2016, Granarolo, C‑196/15, EU:C:2016:559, n.o 16).

29

Por outro lado, conforme resulta do considerando 12 do referido regulamento, as regras de competência que derrogam a regra geral de competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do requerido completam esta última quando haja um vínculo estreito entre a jurisdição designada por estas regras e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.

30

Em especial, as regras de competência exclusiva previstas nas disposições do artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001 têm por objetivo reservar os litígios visados nestas disposições aos órgãos jurisdicionais que têm com eles uma proximidade material e jurídica [v., no que se refere ao artigo 16.o da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), cujas disposições são, em substância, idênticas às do artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001, Acórdão de 13 de julho de 2006, GAT, C‑4/03, EU:C:2006:457, n.o 21], ou seja, atribuir uma competência exclusiva aos tribunais de um Estado‑Membro nas circunstâncias particulares em que, relativamente à matéria em causa, esses tribunais estão mais bem colocados para decidir os litígios que aí decorrem, em razão do vínculo particularmente estreito entre esses litígios e o referido Estado‑Membro (Acórdão de 12 de maio de 2011, BVG, C‑144/10, EU:C:2011:300, n.o 36).

31

Assim, o objetivo essencial prosseguido pelo artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001 é centralizar a competência para evitar decisões contraditórias no que respeita à existência de sociedades e à validade das deliberações dos seus órgãos (Acórdão de 2 de outubro de 2008, Hassett e Doherty, C‑372/07, EU:C:2008:534, n.o 20).

32

Na verdade, os tribunais do Estado‑Membro no qual a sociedade tem a sede afiguram‑se como os mais adequados para conhecer destes litígios, dado que é nesse Estado que decorrem as formalidades de publicidade da sociedade. Por conseguinte, a atribuição desta competência exclusiva a esses tribunais é efetuada no interesse da boa administração da justiça (Acórdão de 2 de outubro de 2008, Hassett e Doherty, C‑372/07, EU:C:2008:534, n.o 21).

33

No entanto, o Tribunal de Justiça decidiu que não se pode daí deduzir que, para que o artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001 seja aplicável, basta que uma ação judicial apresente uma qualquer relação com uma decisão tomada por um órgão de uma sociedade (Acórdão de 2 de outubro de 2008, Hassett e Doherty, C‑372/07, EU:C:2008:534, n.o 22), e que o âmbito de aplicação desta disposição abrange unicamente os litígios nos quais uma parte contesta a validade de uma decisão de um órgão de uma sociedade à luz do direito das sociedades aplicável ou das disposições estatutárias relativas ao funcionamento dos seus órgãos (Acórdãos de 2 de outubro de 2008, Hassett e Doherty, C‑372/07, EU:C:2008:534, n.o 26; e de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.o 40).

34

No caso vertente, embora seja verdade que, à luz do direito checo, um processo como o que está em causa no processo principal não possa conduzir formalmente a uma decisão que tenha por efeito declarar inválida a deliberação de uma assembleia geral de uma sociedade sobre a transferência obrigatória dos títulos dos acionistas minoritários dessa sociedade para o seu acionista maioritário, também é verdade que, em conformidade com os requisitos da interpretação autónoma e da aplicação uniforme das disposições do Regulamento n.o 44/2001, o alcance do artigo 22.o, n.o 2, deste regulamento não pode depender das escolhas operadas no direito interno dos Estados‑Membros ou variar em função das mesmas.

35

Ora, por um lado, este processo tem origem na contestação do montante da contrapartida relativa a essa transferência e, por outro, tem por objeto a fiscalização do caráter razoável desse montante.

36

Daqui resulta que, à luz do artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001, um processo judicial como o que está em causa no processo principal tem por objeto a fiscalização da validade parcial de uma decisão de um órgão de uma sociedade e que esse processo é, por isso, suscetível de estar abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição, conforme previsto na sua redação.

37

Assim, na prática, um órgão jurisdicional a quem seja submetido tal pedido de fiscalização deve analisar a validade da decisão do órgão de uma sociedade no que se refere à fixação do montante da contrapartida, decidir se este apresenta um caráter razoável e, eventualmente, anular essa decisão nesse ponto e fixar um montante de contrapartida diferente.

38

Por outro lado, uma interpretação do artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001 segundo a qual esta disposição é aplicável a um processo como o que está em causa no processo principal é conforme ao objetivo essencial prosseguido pela referida disposição e não tem por efeito a ampliação do seu âmbito de aplicação além do que é requerido por esse objetivo.

39

A este respeito, é manifesta a existência de um vínculo estreito entre os órgãos jurisdicionais do Estado ‑Membro onde está estabelecida a Jihočeská plynárenská, neste caso os órgãos jurisdicionais checos, e o litígio em causa no processo principal.

40

Com efeito, além do facto de a Jihočeská plynárenská ser uma sociedade de direito checo, resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que tanto a deliberação da assembleia geral que fixou o montante da contrapartida que é objeto do processo principal como os atos e as formalidades relativos à mesma foram efetuados em conformidade com o direito checo e em língua checa.

41

De igual modo, não é contestado que o órgão jurisdicional competente deve aplicar o direito material checo ao litígio no processo principal.

42

Em consequência, tendo em conta o vínculo estreito existente entre o litígio no processo principal e os órgãos jurisdicionais checos, estes tribunais são os que estão mais bem colocados para conhecer deste litígio relativo à fiscalização da validade parcial da referida deliberação, e a atribuição, nos termos do artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001, de uma competência exclusiva a esses órgãos jurisdicionais é capaz de facilitar uma boa administração da justiça.

43

A atribuição dessa competência aos órgãos jurisdicionais checos também é conforme com os objetivos de previsibilidade das regras de competência e de segurança jurídica prosseguidos pelo Regulamento n.o 44/2001, uma vez que, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 35 das conclusões, os acionistas de uma sociedade, sobretudo o acionista principal, podem facilmente antecipar que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se situa a sede da referida sociedade sejam os competentes para dirimir qualquer diferendo interno da referida sociedade, relativo à fiscalização da validade parcial de uma decisão de um órgão de uma sociedade.

44

Além disso, na medida em que o acionista principal de uma sociedade pode mudar ao longo da existência dessa sociedade, uma aplicação da regra geral de competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do requerido, prevista no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, a uma situação como a que está em causa no processo principal não permite garantir a realização dos referidos objetivos.

45

Nestas circunstâncias, há que responder à primeira questão que o artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que um recurso como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto a fiscalização do caráter razoável da contrapartida que o acionista principal de uma sociedade tem de pagar aos acionistas minoritários da mesma em caso de transferência obrigatória das ações destes para o acionista principal, se enquadra na competência exclusiva dos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situa a sede da sociedade.

Quanto à segunda e à terceira questão

46

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda e à terceira questão.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 22.o, ponto 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que um recurso como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto a fiscalização do caráter razoável da contrapartida que o acionista principal de uma sociedade tem de pagar aos acionistas minoritários da mesma em caso de transferência obrigatória das ações destes para o acionista principal, se enquadra na competência exclusiva dos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situa a sede da sociedade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.