ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

17 de maio de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/18/CE — Processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços — Existência de ligações entre proponentes que apresentaram propostas distintas no mesmo concurso — Obrigações dos proponentes, da entidade adjudicante e do órgão jurisdicional nacional»

No processo C‑531/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), por decisão de 11 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de outubro de 2016, no processo

Šiaulių regiono atliekų tvarkymo centras,

«Ecoservice projektai» UAB, anteriormente «Specializuotas transportas» UAB,

sendo interveniente:

«VSA Vilnius» UAB,

«Švarinta» UAB,

«Specialus autotransportas» UAB,

«Ecoservice» UAB,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász (relator), K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Šiaulių regiono atliekų tvarkymo centras, por L. Songaila, advokatas,

em representação da «Ecoservice projektai» UAB, por J. Elzbergas, advokatas, assistido por V. Mitrauskas,

em representação da «VSA Vilnius» UAB, por D. Krukonis, advokatas,

em representação da «Švarinta» UAB, por K. Smaliukas, advokatas,

em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, G. Taluntytė e R. Butvydytė, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, T. Müller e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 45.o, 56.o e 101.o TFUE, do artigo 2.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), bem como do artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, e do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos (JO 1989, L 395, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007 (JO 2007, L 335, p. 31) (a seguir «Diretiva 89/665»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «VSA Vilnius» UAB ao Šiaulių regiono atliekų tvarkymo centras (Centro de Tratamento de Resíduos da Região de Šiauliai, Lituânia) a respeito da adjudicação, por este centro, de um contrato público que tinha por objeto o serviço de recolha de resíduos urbanos no município de Šiauliai e o seu transporte para o seu local de tratamento.

Quadro jurídico

Diretiva 89/665

3

A Diretiva 89/665 prevê, no seu artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18/CE, as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.o a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito [da União] em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.»

4

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva:

«Os Estados‑Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.o prevejam poderes para:

[…]

b)

Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

[…]»

Diretiva 2004/18

5

O artigo 2.o da Diretiva 2004/18 tem a seguinte redação:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

6

O artigo 45.o, n.o 2, desta diretiva dispõe:

«Pode ser excluído do procedimento de contratação [qualquer operador económico que]:

a)

Se encontre em situação de falência, de liquidação, ou de cessação de atividade, ou se encontre sujeito a qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

b)

Tenha pendente processo de declaração de falência, de liquidação, de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou qualquer outro processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

c)

Tenha sido condenado por sentença com força de caso julgado nos termos da lei do país, por delito que afete a sua honorabilidade profissional;

d)

Tenha cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam evocar;

e)

Não tenha cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de contribuições para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do país da entidade adjudicante;

f)

Não tenha cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos e contribuições, de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do país da entidade adjudicante;

g)

Tenha prestado, com culpa grave, falsas declarações ao fornecer as informações que possam ser exigidas nos termos da presente secção ou não tenha prestado essas informações.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7

Em 9 de julho de 2015, o Centro de Tratamento de Resíduos da Região de Šiauliai publicou um anúncio de concurso público aberto relativo ao serviço de recolha dos resíduos urbanos do município de Šiauliai e ao seu transporte para o local de tratamento.

8

Quatro proponentes apresentaram propostas, a saber, a «Specializuotas transportas» UAB (a seguir «proponente B»), a «Ekonovus» UAB, a «Specialus autotransportas» UAB (a seguir «proponente A») e o agrupamento de operadores constituído pela VSA Vilnius e pela «Švarinta» UAB.

9

Os proponentes A e B são filiais da sociedade «Ecoservice» UAB, que detém 100% e 98,12% do seu capital, respetivamente. Os órgãos de administração dos proponentes A e B são compostos pelas mesmas pessoas singulares.

10

A legislação nacional aplicável no momento da publicação do anúncio do concurso não previa expressamente a obrigação de o proponente declarar as suas ligações com outros operadores que participem no mesmo concurso, nem a obrigação de a entidade adjudicante verificar, apreciar ou ter em conta essas ligações nas suas decisões. O caderno de encargos também não impunha tais obrigações.

11

Não obstante, o proponente B apresentou, com a sua proposta, uma declaração de honra em que indicava que participava no concurso de forma autónoma e independente de quaisquer outros operadores a quem pudesse estar ligado e solicitava à entidade adjudicante que considerasse todos os outros operadores como seus concorrentes. Comprometeu‑se ainda a apresentar, se tal lhe fosse pedido pela entidade adjudicante, uma lista dos operadores com que estava interligado.

12

Em 24 de setembro de 2015, a entidade adjudicante rejeitou a proposta do proponente A pelo facto de os motores de dois dos seus veículos de recolha não corresponderem à norma de qualidade exigida. O proponente A não contestou esta decisão.

13

Em 22 de outubro de 2015, a entidade adjudicante informou os proponentes da classificação das propostas e da adjudicação do contrato ao proponente B.

14

A VSA Vilnius, que ficou classificada imediatamente a seguir ao proponente B, apresentou uma reclamação à entidade adjudicante, em que invocava que as propostas dos proponentes tinham sido avaliadas de maneira inadequada e a violação dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência. Considerava que os proponentes A e B tinham agido como grupo de empresas associadas, que as suas propostas constituíam variantes e que, uma vez que o anúncio de concurso proibia a apresentação de variantes, as suas propostas deveriam ter sido rejeitadas pela entidade adjudicante.

15

No seguimento do indeferimento da sua reclamação pela entidade adjudicante, a VSA Vilnius interpôs recurso para o Šiaulių apygardos teismas (Tribunal Regional de Šiauliai, Lituânia). Por Sentença de 18 de janeiro de 2016, esse órgão jurisdicional anulou as decisões da entidade adjudicante que estabeleciam a classificação das propostas e que adjudicavam o contrato ao proponente B. Em 5 de abril de 2016, o Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso da Lituânia) confirmou essa sentença.

16

Esses órgãos jurisdicionais de primeira instância e de recurso consideraram que a entidade adjudicante, embora tivesse conhecimento da ligação existente entre os proponentes A e B, nada fez para determinar a influência desta ligação na concorrência entre estes proponentes. Na sua opinião, apesar de a legislação nacional não prever tal obrigação, uma vez que tanto o proponente A como o proponente B tinham conhecimento da participação do outro no concurso, deveriam ter declarado à entidade adjudicante a sua ligação. A declaração de honra apresentada pelo proponente B era insuficiente para estabelecer que essa obrigação tinha sido cumprida corretamente.

17

Seguidamente, a VSA Vilnius e o proponente B interpuseram recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

18

Nestas circunstâncias, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem a livre circulação de pessoas e serviços, consagradas, respetivamente, nos artigos 45.o e 56.o [TFUE,] os princípios da igualdade de tratamento dos [operadores] e da transparência, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, e o princípio, que decorre dos princípios supramencionados, d[a] livre e leal concorrência entre operadores económicos (em conjunto ou isoladamente, mas não se limitando às referidas disposições) ser entendidos e interpretados no sentido de que:

se proponentes interligados, cujas relações económicas, de gestão, financeiras ou outras possam [objetivamente] suscitar dúvidas quanto à sua independência e à proteção de informações confidenciais e/ou possam proporcionar as (potenciais) condições prévias que lhes conferem uma vantagem sobre outros concorrentes, decidirem apresentar propostas separadas (independentes) no âmbito do mesmo concurso público, estão esses proponentes, para todos os efeitos, obrigados a revelar as ligações entre si à entidade adjudicante, mesmo que a entidade adjudicante não lhes solicite tal informação individualmente, independentemente de as normas jurídicas nacionais que regem os contratos públicos declararem, ou não, a existência dessa obrigação?

2)

No caso de a resposta à primeira questão:

a)

ser afirmativa (ou seja, os proponentes devem, para todos os efeitos, revelar as suas ligações à entidade adjudicante), o facto de essa obrigação não ter sido cumprida ou não ter sido devidamente cumprida é suficiente para que a entidade adjudicante considere, ou para que uma instância de recurso (tribunal) decida[,] que, efetivamente, a participação dos proponentes interligados que tenham apresentado propostas separadas no âmbito do mesmo concurso público não se processa num universo verdadeiramente concorrencial (e sim com base numa concorrência fictícia)?

b)

ser negativa (ou seja, os proponentes não têm qualquer obrigação adicional — que não esteja prevista na legislação ou nas condições do concurso — de revelar as suas ligações), deve o risco decorrente da participação de operadores económicos interligados e o risco das consequências geradas por esta situação ser então [suportados] pela entidade adjudicante, se esta não tiver indicado na documentação do concurso público que era imposta aos proponentes a obrigação de divulgação?

3)

Independentemente da resposta à primeira questão, e tendo em conta o acórdão [de 12 de março de 2015, eVigilo (C‑538/13, EU:C:2015:166)], devem as disposições legais referidas na primeira questão, bem como o artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, e o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 89/665 (em conjunto ou isoladamente, mas não se limitando a essas disposições)[,] ser entendidos e interpretados no sentido de que:

a)

se, no decurso do processo de adjudicação de um contrato público, ficar claro, de qualquer forma, para a entidade adjudicante que existem ligações significativas entre determinados proponentes, essa entidade adjudicante deve, independentemente da sua própria apreciação desse facto e/ou de outras circunstâncias (por exemplo, a não semelhança dos aspetos formais e substanciais das propostas apresentadas pelos proponentes, o compromisso público assumido por um proponente de respeitar o princípio da concorrência leal com outros proponentes, etc.), dirigir‑se separadamente aos proponentes interligados e solicitar‑lhes que [clarifiquem] se e de que forma a sua situação pessoal é compatível com uma concorrência livre e leal entre proponentes?

b)

no caso de essa obrigação impender sobre a entidade adjudicante e no caso de esta não a cumprir, existe fundamento para o tribunal declarar ilegais os atos da entidade adjudicante, na medida em que não assegurou a transparência processual e a objetividade e não solicitou ao proponente essa informação nem tomou uma decisão, por iniciativa própria, sobre a eventual influência que a situação pessoal de [operadores] interligados possa ter sobre o resultado do concurso?

4)

Devem as disposições legais referidas na terceira questão e no artigo 101.o, n.o 1, [TFUE] (em conjunto ou isoladamente, mas não se limitando a essas disposições) ser entendidas e interpretadas à luz dos acórdãos [de 12 de março de 2015, eVigilo (C‑538/13, EU:C:2015:166); de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o. (C‑74/14, EU:C:2016:42), e de 21 de julho de 2016, VM Remonts e o. (C‑542/14, EU:C:2016:578)], no sentido de que:

a)

se um dos proponentes (o demandante) tiver tomado conhecimento da rejeição da proposta de preço mais baixo, no âmbito de um concurso público, apresentada por um dos dois proponentes interligados (proponente A)[,] e do facto de o outro proponente (proponente B) ter sido declarado o adjudicatário, e tendo também em conta outras circunstâncias relacionadas com esses proponentes e a sua participação no concurso (o facto de os proponentes A e B terem o mesmo conselho de administração; o facto de terem a mesma sociedade‑mãe, que não participou no concurso; o facto de os proponentes A e B não terem revelado a ligação que têm entre si à entidade adjudicante e não terem fornecido, em separado, esclarecimentos adicionais quanto a essa ligação, nomeadamente, por não lhes ter sido solicitada; o facto de o proponente A ter fornecido, na sua proposta, informações contraditórias sobre a conformidade dos meios [veículos] propostos — camiões de recolha de lixo — com a condição relativa à norma [Euro 5 do concurso]; o facto de o proponente, que apresentou a proposta com o preço mais baixo, [que foi rejeitada] devido a deficiências encontradas na mesma, não ter, primeiro, contestado a decisão da entidade adjudicante e, segundo, ter recorrido da decisão do tribunal de primeira instância, [contestando], designadamente, a legalidade da rejeição da sua proposta; etc.) e, no caso de a entidade adjudicante não ter tomado quaisquer medidas relativamente a todas estas circunstâncias, essa informação por si só é suficiente para fundamentar uma ação junto de uma instância de recurso, no sentido de considerar os atos da entidade adjudicante ilegais por não ter garantido a transparência e a objetividade processuais e, além disso, por não ter exigido a apresentação de provas concretas de que os proponentes A e B atuavam de forma desleal?

b)

os proponentes A e B não demonstraram à entidade adjudicante que participavam de forma verdadeira e leal no concurso público apenas pelo facto de o proponente B ter apresentado voluntariamente uma declaração de participação efetiva, de terem sido aplicadas pelo proponente B as normas de qualidade em matéria de gestão para a participação em concursos públicos, e, para além disso, de as propostas apresentadas pelos referidos proponentes não terem sido formal e substancialmente idênticas?

5)

Podem as atuações dos operadores económicos interligados (sendo ambos filiais da mesma empresa) que participam em separado no mesmo concurso público, cujo valor atinja o valor de concurso público internacional e em que a sede da entidade adjudicante que anunciou o concurso e o local onde os serviços devem ser prestados não diste muito de outro Estado‑Membro (a República da Letónia), ser avaliadas em princípio — tendo em conta, nomeadamente, a declaração apresentada voluntariamente por um dos operadores económicos sobre a sua participação em condições de concorrência leal — ao abrigo do disposto no artigo 101.o [TFUE] e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que interpreta esta disposição?»

Quanto às questões prejudiciais

19

A título preliminar, importa salientar que, no âmbito das questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio se refere aos artigos 45.o e 56.o TFUE sem, contudo, explicar em que medida a interpretação destes artigos é necessária para as respostas a dar às referidas questões. Além disso, conforme resulta da decisão de reenvio, a Diretiva 2004/18 é relevante para a resolução do litígio no processo principal. Nestas condições, não há que proceder a uma interpretação dos artigos 45.o e 56.o TFUE.

Quanto à primeira e segunda questões

20

Com a primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, na falta de uma disposição normativa expressa ou de uma condição específica no anúncio de concurso ou no caderno de encargos que regula as condições de adjudicação de um contrato público, os proponentes interligados, que apresentem propostas separadas no mesmo procedimento, são obrigados a declarar à entidade adjudicante, por sua própria iniciativa, as suas ligações.

21

A este respeito, importa, antes de mais, recordar que o direito da União, em particular a Diretiva 2004/18, não prevê uma proibição geral de as empresas interligadas apresentarem propostas num processo de adjudicação de contratos públicos. Além disso, resulta da jurisprudência que, atendendo ao interesse da União de que seja assegurada a maior participação possível de proponentes num concurso, seria contrário a uma aplicação eficaz do direito da União excluir sistematicamente empresas interligadas do direito de participar num mesmo processo de adjudicação de um contrato público (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.os 26 e 28).

22

O Tribunal de Justiça já sublinhou igualmente que os agrupamentos de empresas podem revestir formas e objetivos variáveis, e não excluem forçosamente que as empresas dominadas gozem de uma certa autonomia na condução da sua política comercial e das suas atividades económicas, designadamente no domínio da participação em adjudicações públicas. Além do mais, as relações entre empresas de um mesmo grupo podem ser regidas por disposições particulares, por exemplo de ordem contratual, suscetíveis de garantir tanto a independência como a confidencialidade aquando da elaboração de propostas que são simultaneamente apresentadas pelas empresas em causa no âmbito de um mesmo concurso (Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 31).

23

Em seguida, quanto à questão de saber se, na falta de uma disposição normativa expressa ou de uma condição específica no anúncio de concurso ou no caderno de encargos que regule as condições de adjudicação de um contrato público, os proponentes são, ainda assim, obrigados a declarar à entidade adjudicante as suas ligações, importa salientar que o Tribunal de Justiça declarou que os princípios da transparência e da igualdade de tratamento que regem todos os processos de adjudicação de contratos públicos exigem que as condições de fundo e de processo respeitantes à participação num concurso sejam claramente definidas previamente e tornadas públicas, em especial as obrigações dos proponentes, a fim de que estes possam conhecer exatamente as restrições do processo e certificar‑se de que as mesmas exigências se aplicam a todos os concorrentes (Acórdão de 2 de junho de 2016, Pizzo, C‑27/15, EU:C:2016:404, n.o 37 e jurisprudência referida).

24

Ora, o facto de impor aos proponentes que declarem por iniciativa própria as suas ligações com outros proponentes, embora tal obrigação não figure no direito nacional aplicável nem no anúncio de concurso, nem no caderno de encargos, não constitui uma condição claramente definida na aceção da jurisprudência referida no número precedente. Com efeito, nesse caso, seria difícil para os proponentes determinarem o alcance exato dessa obrigação, e, além disso, sempre seria possível, pela própria natureza do processo de adjudicação, conhecer a identidade de todos os proponentes no mesmo concurso antes da data‑limite para apresentação das propostas.

25

Além disso, importa esclarecer que, na falta de uma obrigação de os proponentes informarem a entidade adjudicante das suas eventuais ligações com outros proponentes, a entidade adjudicante deve, ao longo de todo o procedimento, tratar a proposta do proponente em causa como uma proposta regular em conformidade com as disposições da Diretiva 2004/18, desde que não existam indícios de que as propostas apresentadas pelos proponentes interligados são coordenadas ou concertadas.

26

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido que, na falta de uma disposição normativa expressa ou de uma condição específica no anúncio de concurso ou no caderno de encargos que regule as condições de adjudicação de um contrato público, os proponentes interligados, que apresentem propostas separadas no mesmo procedimento, não são obrigados a declarar à entidade adjudicante, por sua própria iniciativa, as suas ligações.

Quanto à terceira a quinta questões

27

Com a terceira a quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 101.o TFUE é aplicável, e se o artigo 2.o da Diretiva 2004/18, bem como o artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, e o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 89/665, devem ser interpretados no sentido de que a entidade adjudicante, quando disponha de elementos que ponham em causa o caráter autónomo das propostas apresentadas por certos proponentes, é obrigada a verificar, se necessário exigindo a esses proponentes informações suplementares, se as suas propostas são efetivamente autónomas e, caso não o faça, se a inatividade da entidade adjudicante é suscetível de viciar o processo de adjudicação em curso.

28

No que respeita ao artigo 101.o TFUE, importa recordar que este artigo não se aplica quando os acordos ou práticas concertadas que prevê são executados por empresas que constituem uma unidade económica (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de maio de 1988, Bodson, 30/87, EU:C:1988:225, n.o 19, e de 11 de abril de 1989, Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro, 66/86, EU:C:1989:140, n.o 35). Contudo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os proponentes A e B constituem uma unidade económica.

29

No caso de as sociedades em causa não constituírem uma unidade económica, não exercendo a sociedade‑mãe uma influência determinante sobre as suas filiais, há que salientar que, em qualquer caso, o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 2.o da Diretiva 2004/18 é violado caso se admita que os proponentes interligados podem apresentar propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, que sejam suscetíveis de, desta forma, lhes conferirem vantagens injustificadas face aos outros proponentes, não sendo necessário examinar se a apresentação de tais propostas constitui também um comportamento contrário ao artigo 101.o TFUE.

30

Por conseguinte, para responder à terceira a quinta questões, não é necessário aplicar nem interpretar o artigo 101.o TFUE no presente processo.

31

No que se refere à obrigação que incumbe, nos termos do referido artigo 2.o da Diretiva 2004/18, às entidades adjudicantes, o Tribunal de Justiça já declarou que é atribuído um papel ativo às entidades adjudicantes na aplicação dos princípios de adjudicação dos contratos públicos enunciados no referido artigo (v., neste sentido, Acórdão de 12 de março de 2015, eVigilo, C‑538/13, EU:C:2015:166, n.o 42).

32

Uma vez que este dever das entidades adjudicantes corresponde à própria essência das diretivas relativas aos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, o Tribunal de Justiça declarou que a entidade adjudicante está, em todas as situações, obrigada a verificar a existência de eventuais conflitos de interesses com base na análise de um perito da entidade adjudicante e a tomar as medidas adequadas para evitar, detetar e remediar estes conflitos de interesses (Acórdão de 12 de março de 2015, eVigilo, C‑538/13, EU:C:2015:166, n.o 43).

33

Tendo em conta o constatado no n.o 29 do presente acórdão, esta jurisprudência é transponível para situações, como a que está em causa no processo principal, caracterizadas pela participação de proponentes interligados num procedimento de adjudicação. Portanto, uma entidade adjudicante que toma conhecimento de elementos objetivos que ponham em causa o caráter autónomo e independente de uma proposta é obrigada a examinar todas as circunstâncias relevantes que levaram à apresentação da proposta em causa para evitar, detetar e remediar os elementos suscetíveis de viciarem o procedimento de adjudicação, inclusivamente pedindo, se for caso disso, às partes que forneçam determinadas informações e elementos de prova (v., por analogia, Acórdão de 12 de março de 2015, eVigilo, C‑538/13, EU:C:2015:166, n.o 44).

34

No que respeita às provas suscetíveis de demonstrar que as propostas dos proponentes interligados são, ou não, autónomas e independentes, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se questiona, nomeadamente, sobre a questão de saber se, no âmbito do processo jurisdicional, qualquer tipo de prova pode ser tomado em consideração ou se apenas podem ser consideradas as provas diretas.

35

Ora, o artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, e o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 89/665, aos quais se referem a terceira e quarta questões, limitam‑se a exigir, nomeadamente, que os Estados‑Membros estabeleçam vias de recurso rápidas e eficazes em matéria de adjudicação de contratos públicos. Nem estas disposições da Diretiva 89/665 nem qualquer outra disposição desta diretiva ou da Diretiva 2004/18 contêm regras que regulem a administração e a apreciação de provas de uma violação das regras de adjudicação dos contratos públicos da União.

36

Nestas condições e segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de regras da União na matéria, compete a cada Estado‑Membro definir as regras do procedimento administrativo e do processo judicial destinados a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União. Estas regras processuais não devem, todavia, ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares previstas para a proteção dos direitos conferidos pela ordem jurídica interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 12 de março de 2015, eVigilo, C‑538/13, EU:C:2015:166, n.o 39 e jurisprudência referida).

37

No que respeita ao nível de prova exigido para demonstrar a existência de propostas que não são autónomas nem independentes, o princípio da efetividade exige que a prova de uma violação das regras de adjudicação de contratos públicos da União possa ser feita não apenas através de provas diretas mas também através de indícios, desde que estes sejam objetivos e concordantes e que os proponentes interligados estejam em condições de apresentarem prova em sentido contrário (v., por analogia, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o., C‑74/14, EU:C:2016:42, n.o 37).

38

No que se refere a um caso como o que está em causa no processo principal, a constatação de que as ligações entre os proponentes tiveram uma influência sobre o conteúdo das propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento, em princípio, basta para que essas propostas não possam ser tidas em conta pela entidade adjudicante, uma vez que tais propostas devem ser apresentadas com total autonomia e independência quando provenham de proponentes interligados. Em contrapartida, a mera constatação de uma relação de domínio entre as empresas em causa, em razão de um direito de propriedade ou do número de direitos de voto que possam exercer nas assembleias‑gerais ordinárias, não basta para que a entidade adjudicante possa excluir automaticamente estas propostas do processo de adjudicação do contrato, sem verificar se tal relação teve uma incidência concreta na independência das referidas propostas (v., por analogia, Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 32).

39

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, à luz dos factos do litígio no processo principal, proceder às verificações e apreciações que se impõem a este respeito, bem como a respeito das circunstâncias assinaladas no âmbito da quarta questão, alínea a), e da força probatória da declaração espontânea feita por um proponente, mencionada nessa mesma questão, alínea b). Na hipótese de, após estas verificações e apreciações, esse órgão jurisdicional chegar à conclusão de que as propostas em causa no processo principal não foram apresentadas de maneira autónoma e independente, há que recordar que o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adjudicação de contrato aos proponentes que tenham apresentado tais propostas.

40

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à terceira a quinta questões que o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que a entidade adjudicante, quando disponha de elementos que ponham em causa o caráter autónomo e independente das propostas apresentadas por certos proponentes, é obrigada a verificar, se necessário exigindo a esses proponentes informações suplementares, se as suas propostas são efetivamente autónomas e independentes. Caso se conclua que estas propostas não são autónomas e independentes, o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 opõe‑se à adjudicação do contrato aos proponentes que tenham apresentado tais propostas.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 2.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que:

 

na falta de uma disposição normativa expressa ou de uma condição específica no anúncio de concurso ou no caderno de encargos que regule as condições de adjudicação de um contrato público, os proponentes interligados, que apresentem propostas separadas no mesmo procedimento, não são obrigados a declarar à entidade adjudicante, por sua própria iniciativa, as suas ligações.

a entidade adjudicante, quando disponha de elementos que ponham em causa o caráter autónomo e independente das propostas apresentadas por certos proponentes, é obrigada a verificar, se necessário exigindo a esses proponentes informações suplementares, se as suas propostas são efetivamente autónomas e independentes. Caso se conclua que as propostas não são autónomas e independentes, o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 opõe‑se à adjudicação do contrato aos proponentes que tenham apresentado tais propostas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.