ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

20 de dezembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/38/CE — Pessoa que cessou uma atividade não assalariada — Manutenção do estatuto de trabalhador não assalariado — Direito de residência — Legislação de um Estado‑Membro que reserva a concessão de um subsídio para candidatos a emprego às pessoas que disponham de direito de residência no território desse Estado‑Membro»

No processo C‑442/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), por decisão de 29 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2016, no processo

Florea Gusa

contra

Minister for Social Protection,

Irlanda,

Attorney General,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, E. Levits, A. Borg Barthet e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação de F. Gusa, por V. Nahoi, advocate, M. Flanagan, BL, e D. Shortall, BL,

em representação do Minister for Social Protection, da Irlanda e do Attorney General, por A. Morrissey, E. Creedon e E. McKenna, na qualidade de agentes, assistidos por D. Dodd, BL, e S. Woulfe, SC,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Pavliš e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, N. Lyshøj e C. Thorning, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e E. E. Sebestyén, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, T. Buley e C. Crane, na qualidade de agentes, assistidos por D. Blundell, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 7.o e 14.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 299, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), e do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO 2009, L 284, p. 43) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Florea Gusa ao Minister for Social Protection (Ministro da Segurança Social, Irlanda), à Irlanda e ao Attorney General a propósito da recusa de concessão a F. Gusa de um subsídio para candidatos a emprego.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/38

3

Os considerandos 3 e 4 da Diretiva 2004/38 enunciam:

«(3)

[…] É […] necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.

(4)

Com vista a remediar esta abordagem setorial e fragmentada do direito de livre circulação e residência e a facilitar o exercício deste direito, é necessário aprovar um único ato legislativo que altere, em parte, o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade [(JO 1968, L 257, p. 2), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 2434/92 do Conselho, de 27 de julho de 1992 (JO 1992, L 245, p. 1)], e que revogue os seguintes atos: a Diretiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade [(JO 1968, L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88)], a Diretiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços [(JO 1973, L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132)], a Diretiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência [(JO 1990, L 180, p. 26)], a Diretiva 90/365/CEE do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua atividade profissional [(JO 1990, L 180, p. 28)], e a Diretiva 93/96/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes [(JO 1993, L 317, p. 59)].»

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece:

a)

As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

[…]»

5

O artigo 7.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)

Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento, ou

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)

— esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado […] com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente […] que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência;

[…]

3.   Para os efeitos da alínea a) do n.o 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

[…]

b)

Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

[…]»

6

O artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência», prevê, no seu n.o 4:

«[…] sem prejuízo do disposto no capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União […] se:

[…]

b)

Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União […] não podem ser afastados enquanto comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados».

Regulamento n.o 883/2004

7

O artigo 3.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 883/2004 prevê:

«1.   O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

[…]

h)

Prestações de desemprego;

[…]

3.   O presente regulamento aplica‑se igualmente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo abrangidas pelo artigo 70.o»

8

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

9

O artigo 70.o do referido regulamento, que figura no capítulo 9, sob o título «Prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo», do seu título III, tem a seguinte redação:

«1.   O presente artigo aplica‑se às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo concedidas nos termos de uma legislação que, devido ao seu âmbito de aplicação pessoal, aos seus objetivos e/ou condições de aquisição de direito, tenha características tanto de legislação de segurança social referida no n.o 1 do artigo 3.o, como de legislação de assistência social.

2.   Para efeitos do presente capítulo, a expressão “prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo” designa as prestações:

a)

Que se destinem a:

i)

abranger a título complementar, supletivo ou acessório os riscos correspondentes aos ramos de segurança social referidos no n.o 1 do artigo 3.o, e que garantam aos interessados um rendimento mínimo de subsistência tendo em conta a situação económica e social no Estado‑Membro em causa;

[…]

e

b)

Cujo financiamento derive exclusivamente de uma tributação obrigatória destinada a cobrir a despesa pública geral, e cujas condições de concessão e de cálculo não dependam de qualquer contribuição por parte do beneficiário. […]

e

c)

Que sejam inscritas no anexo X.

[…]

4.   As prestações referidas no n.o 2 são concedidas exclusivamente no Estado‑Membro da residência do interessado e de acordo com a respetiva legislação. […]»

10

O anexo X do mesmo regulamento, que enumera as prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo previstas no seu artigo 70.o, n.o 2, inclui, para a Irlanda, o «[s]ubsídio para candidatos a emprego (Lei consolidada de 2005 relativa à segurança social, parte III, capítulo 2)».

Direito irlandês

11

O artigo 139.o da Social Welfare Consolidation Act 2005 (as amended) [Lei consolidada de 2005, relativa à segurança social (conforme alterada) (a seguir «Lei de 2005»)] institui, numa lista de prestações de assistência social, um subsídio para candidatos a emprego.

12

Em conformidade com o artigo 141.o, n.os 1 e 9, desta lei, a concessão deste subsídio está sujeita a um critério de recursos e ao requisito de a pessoa em causa residir habitualmente na Irlanda à data em que solicita essa concessão.

13

O artigo 246.o, n.o 5, da referida lei prevê:

«[…] Uma pessoa que não tenha o direito de residir na Irlanda não é considerada residente habitual nesse Estado para efeitos da aplicação da referida lei.»

14

O artigo 246.o, n.o 6, da mesma lei enumera as pessoas a quem se reconhece o direito de residir na Irlanda para efeitos da aplicação do n.o 5 deste artigo. Entre elas figuram os cidadãos irlandeses e as pessoas que têm o direito de entrar e de residir neste Estado‑Membro ao abrigo do European Communities (Free Movement of Persons) (No. 2) Regulations 2006 [Regulamento relativo às Comunidades Europeias (livre circulação de pessoas) (n.o 2) de 2006] (a seguir «Regulamento de 2006»), que transpõe a Diretiva 2004/38 para o direito irlandês.

15

O artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento de 2006 prevê:

«(a)

Sem prejuízo do disposto no artigo 20.o, um cidadão da União pode residir mais de três meses no Estado:

i)

se tiver um emprego ou exercer uma atividade não assalariada no Estado,

[…]

(c)

Sem prejuízo do disposto no artigo 20.o, uma pessoa à qual seja aplicável a alínea a), i), pode permanecer no Estado após ter cessado a atividade referida na mesma alínea a), i):

[…]

ii)

Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado, depois de ter tido emprego durante mais de um ano, e estiver inscrita como candidata a um emprego no serviço de emprego competente do Department of Social and Family Affairs [Ministério dos Assuntos Sociais e Familiares, Irlanda] e da FÁS [Autoridade responsável pela formação e pelo emprego, Irlanda],

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

F. Gusa, nacional romeno, entrou no território da Irlanda em outubro de 2007. Durante o primeiro ano de residência nesse Estado‑Membro, a sua subsistência foi assegurada pelos seus filhos maiores que também ali residiam. De outubro de 2008 a outubro de 2012, exerceu a atividade independente de estucador e pagou, nessa qualidade, no referido Estado‑Membro, os seus impostos, a contribuição social correspondente aos rendimentos e os outros encargos aplicáveis aos seus rendimentos.

17

Cessou a sua atividade em outubro de 2012, invocando falta de trabalho devido ao abrandamento económico, e inscreveu‑se como candidato a emprego junto das autoridades irlandesas competentes. Nessa altura, já não dispunha de rendimentos, uma vez que os seus filhos tinham deixado a Irlanda e já não lhe prestavam ajuda financeira.

18

Em novembro de 2012, apresentou um pedido destinado à obtenção de um subsídio para candidatos a emprego, com base na Lei de 2005.

19

Contudo, esse pedido foi indeferido por decisão de 22 de novembro de 2012, por F. Gusa não ter demonstrado que, naquela data, dispunha ainda de direito de residência na Irlanda. Com efeito, a partir da cessação da sua atividade independente de estucador, F. Gusa deixou de preencher os requisitos previstos, para efeitos de concessão desse direito, no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento de 2006, que transpõe o artigo 7.o da Diretiva 2004/38 para o direito irlandês.

20

Após um recurso gracioso infrutífero contra esta decisão, F. Gusa contestou a mesma perante a High Court (Tribunal Superior, Irlanda), alegando nomeadamente que, embora tivesse cessado o exercício da sua atividade independente, tinha conservado o estatuto de trabalhador não assalariado e o direito de residência na Irlanda, em conformidade com o artigo 7.o da Diretiva 2004/38. Por acórdão de 17 de outubro de 2013, a High Court (Tribunal Superior) negou provimento àquele recurso. F. Gusa interpôs recurso deste acórdão para a Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), que transferiu esse recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

21

A título preliminar, este último órgão jurisdicional salienta que F. Gusa não afirma dispor de recursos suficientes para assegurar a sua subsistência ou de uma cobertura extensa de seguro de doença e, por conseguinte, não sustenta que beneficia de direito de residência na Irlanda nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38. Tampouco alega que adquiriu, em novembro de 2012, direito de residência permanente nesse Estado‑Membro.

22

No entanto, o referido órgão jurisdicional pergunta‑se, antes de mais, se, embora tendo cessado a sua atividade independente de estucador, se deve considerar que F. Gusa manteve o seu estatuto de trabalhador não assalariado nos termos do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva ou de outra disposição do direito da União, de modo a beneficiar ainda de direito de residência na Irlanda em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva. Em particular, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a questão de saber se o referido artigo 7.o, n.o 3, alínea b), abrange unicamente as pessoas que estiverem em situação de desemprego involuntário, depois de terem exercido uma atividade assalariada durante mais de um ano, ou se esta disposição se aplica igualmente às pessoas que estiverem numa situação comparável, após terem exercido uma atividade independente durante igual período.

23

Em seguida, caso venha a ser considerado que F. Gusa perdeu o seu estatuto de trabalhador não assalariado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, contudo, se lhe deve reconhecer o direito de residência na Irlanda com base noutra disposição do direito da União, mesmo que ele não disponha de recursos suficientes nem de uma cobertura extensa de seguro de doença.

24

Por último, em caso de resposta negativa, este órgão jurisdicional questiona se a recusa de conceder a F. Gusa o subsídio para candidatos a emprego previsto na Lei de 2005, por não demonstrar ser titular desse direito de residência, viola o direito da União, em particular o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, especificando que este subsídio constitui uma «prestação pecuniária especial de caráter não contributivo» na aceção do artigo 70.o deste regulamento.

25

Nestas circunstâncias, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Um cidadão da União que: [i)] é nacional de outro Estado‑Membro; [ii)] residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante aproximadamente quatro anos; [iii)] cessou a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho e [iv)] se inscreveu no serviço de emprego competente como candidato a emprego, mantém o estatuto de trabalhador não assalariado nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), por força do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva [2004/38], ou de outra disposição?

2)

Em caso de resposta negativa, mantém o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento apesar de não preencher os critérios previstos no artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) ou c), da Diretiva [2004/38] ou só está protegido contra o afastamento nos termos do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da [mesma diretiva]?

3)

Em caso de resposta negativa, o indeferimento do pedido apresentado por essa pessoa de um subsídio para candidatos a emprego (que é uma prestação pecuniária especial de caráter não contributivo na aceção do artigo 70.o do Regulamento n.o [883/2004]), por não ter demonstrado ser titular do direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, é compatível com o direito da União e, em especial, com o artigo 4.o do Regulamento n.o [883/2004]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

26

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que mantém o estatuto de trabalhador não assalariado, para efeitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, um nacional de um Estado‑Membro que, após ter regularmente residido e exercido uma atividade como trabalhador não assalariado noutro Estado‑Membro, durante cerca de quatro anos, cessou essa atividade devido a falta de trabalho, por razões independentes da sua vontade, e se inscreveu como candidato a emprego no serviço de emprego competente desse último Estado‑Membro.

27

Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/38, beneficia de direito de residência por um período superior a três meses no território do Estado‑Membro de acolhimento qualquer cidadão da União que exerça uma atividade assalariada ou não assalariada nesse Estado‑Membro. O artigo 7.o, n.o 3, desta diretiva dispõe que, para os efeitos do referido artigo 7.o, n.o 1, alínea a), o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém, contudo, o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado, em quatro casos.

28

Entre esses casos, a alínea b) do referido artigo 7.o, n.o 3, prevê o de o cidadão da União em causa «est[ar] em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e est[ar] inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego».

29

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no caso em apreço, não se contesta que F. Gusa se tenha inscrito no serviço de emprego competente, na aceção dessa alínea b). No entanto, este órgão jurisdicional salienta, em substância, que se pode deduzir da redação da referida alínea b) que esta se aplica unicamente às pessoas que estejam em situação de desemprego involuntário devidamente registado, depois de terem exercido uma atividade assalariada durante mais de um ano, excluindo as pessoas que, como F. Gusa, estejam numa situação equiparável, depois de terem exercido uma atividade não assalariada durante igual período.

30

Todavia, essa interpretação não pode ser inferida de forma unívoca desta redação.

31

Em particular, a expressão «desemprego involuntário», contrariamente ao alegado pelos recorrentes no processo principal e pelo Governo do Reino Unido, é, em função do contexto em que seja utilizada, suscetível de remeter tanto para uma situação de inatividade devido à perda involuntária de um trabalho por conta de outrem, na sequência, nomeadamente, de um despedimento, como, de forma mais ampla, para uma situação de cessação de atividade profissional, assalariada ou não assalariada, devido a falta de trabalho por razões independentes da vontade da pessoa em causa, caso de uma situação de recessão económica.

32

Por outro lado, é verdade que os termos «depois de ter tido emprego», que são utilizados nomeadamente nas versões em língua inglesa («after having been employed») e francesa («après avoir été employé») do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 e que, conforme sublinharam designadamente os recorridos no processo principal, não figuravam nas propostas inicial e revista da diretiva, apresentadas pela Comissão Europeia [Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros (JO 2001, C 270 E, p. 150), e proposta alterada de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, COM(2003) 199 final], poderiam ser entendidos como remetendo para o exercício anterior de uma atividade assalariada.

33

Todavia, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, outras versões linguísticas desta disposição, que utilizam formulações mais neutras, não corroboram essa interpretação. Em particular, a versão em língua grega utiliza a expressão «επαγγελματική δραστηριότητα», fazendo assim referência ao exercício de uma «atividade profissional», a versão em língua italiana emprega os termos «aver esercitato un’attività», remetendo para o exercício de uma atividade, e a versão em letão contém os termos «ir bijis(‑usi) nodarbināts(‑a)», visando, de maneira geral, as pessoas que «trabalharam».

34

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. As disposições do direito da União devem, com efeito, ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Em caso de disparidade entre estas diferentes versões linguísticas, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 27 e jurisprudência referida).

35

No que respeita à economia geral da Diretiva 2004/38, há que salientar que, conforme prevê o seu artigo 1.o, alínea a), esta diretiva tem por objetivo, designadamente, estabelecer as condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União.

36

Para esse efeito, o artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva distingue, nomeadamente, a situação dos cidadãos economicamente ativos da dos cidadãos inativos e dos estudantes. Em contrapartida, esta disposição não estabelece uma distinção, dentro desta primeira categoria, entre os cidadãos que exercem uma atividade assalariada e os que exercem uma atividade não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento.

37

É desta forma que, como foi exposto no n.o 27 do presente acórdão, o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/38 confere direito de residência a qualquer cidadão da União que exerça uma «atividade assalariada ou não assalariada». Na mesma perspetiva, o artigo 7.o, n.o 3, desta diretiva visa, na sua frase introdutória, os cidadãos da União que, embora tenham deixado de exercer «uma atividade assalariada ou não assalariada», mantêm o estatuto de «trabalhador assalariado ou não assalariado», para os efeitos dessa primeira disposição.

38

Uma vez que, conforme resulta dos n.os 30 a 34 do presente acórdão, não é possível deduzir da redação da alínea b) do referido artigo 7.o, n.o 3, que esta abrange unicamente a situação das pessoas que cessaram uma atividade assalariada, com exclusão das que cessaram uma atividade não assalariada, a referida alínea b) deve ser interpretada à luz da economia geral da Diretiva 2004/38, em particular da frase introdutória desta disposição, bem como do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, no sentido de que se aplica a estas duas categorias de pessoas.

39

Esta interpretação é corroborada pela análise dos objetivos prosseguidos pela referida diretiva, mais precisamente pelo seu artigo 7.o, n.o 3, alínea b).

40

Com efeito, por um lado, resulta dos considerandos 3 e 4 da Diretiva 2004/38 que esta tem por objetivo, com vista a reforçar o direito fundamental e individual de cada cidadão da União de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros e a facilitar o exercício desse direito, ultrapassar a abordagem setorial e fragmentária que caracterizava os instrumentos do direito da União anteriores a esta diretiva, os quais visavam em separado, nomeadamente, os trabalhadores assalariados e não assalariados, através da elaboração de um ato legislativo único que codifique e reveja esses instrumentos (v., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix, C‑507/12, EU:C:2014:2007, n.o 25).

41

Ora, interpretar o artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da referida diretiva no sentido de que visa unicamente as pessoas que exerceram uma atividade assalariada durante mais de um ano, excluindo as que exerceram uma atividade não assalariada durante igual período, iria contra essa finalidade.

42

Por outro lado, essa interpretação criaria uma diferença de tratamento não justificada entre estas duas categorias de pessoas à luz do objetivo prosseguido por esta disposição, de salvaguardar, pela manutenção do estatuto de trabalhador, o direito de residência das pessoas que cessaram a sua atividade profissional devido a falta de trabalho ou a circunstâncias independentes da sua vontade.

43

Com efeito, à semelhança de um trabalhador assalariado que, na sequência nomeadamente de um despedimento, pode perder involuntariamente o seu trabalho por conta de outrem, uma pessoa que exerceu uma atividade independente pode ver‑se forçada a cessar essa atividade. Essa pessoa é, assim, suscetível de ficar numa situação de vulnerabilidade comparável à de um trabalhador assalariado despedido. Nestas circunstâncias, não se justificaria que a referida pessoa não beneficiasse, no que respeita à manutenção do seu direito de residência, da mesma proteção de que goza uma pessoa que cessou uma atividade assalariada.

44

Essa diferença de tratamento seria ainda menos justificada se implicasse tratar uma pessoa que exerceu uma atividade não assalariada durante mais de um ano no Estado‑Membro de acolhimento, e que contribuiu para o sistema social e fiscal desse Estado‑Membro através do pagamento de impostos, taxas e outros encargos sobre os seus rendimentos, da mesma maneira que uma pessoa à procura do primeiro emprego no referido Estado‑Membro, que nunca exerceu aí uma atividade económica e nunca contribuiu para esse sistema.

45

Resulta de todo o exposto que uma pessoa que cessou uma atividade não assalariada devido a falta de trabalho, por razões independentes da sua vontade, depois de ter exercido essa atividade durante mais de um ano, é, tal como uma pessoa que tenha perdido involuntariamente o seu trabalho por conta de outrem, depois de o ter desempenhado durante igual período, suscetível de beneficiar da proteção oferecida pelo artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2004/38. Conforme previsto por esta disposição, essa cessação de atividade deve ser devidamente registada.

46

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que mantém o estatuto de trabalhador não assalariado, para efeitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, um nacional de um Estado‑Membro que, após ter regularmente residido e exercido uma atividade como trabalhador não assalariado noutro Estado‑Membro, durante cerca de quatro anos, cessou essa atividade devido a falta de trabalho devidamente registada, por razões independentes da sua vontade, e se inscreveu como candidato a emprego no serviço de emprego competente deste último Estado‑Membro.

Quanto à segunda e à terceira questão

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Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda e terceira questões.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que mantém o estatuto de trabalhador não assalariado, para efeitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, um nacional de um Estado‑Membro que, após ter regularmente residido e exercido uma atividade como trabalhador não assalariado noutro Estado‑Membro, durante cerca de quatro anos, cessou essa atividade devido a falta de trabalho devidamente registada, por razões independentes da sua vontade, e se inscreveu como candidato a emprego no serviço de emprego competente deste último Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.