ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de dezembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46/CE — Artigo 2.o, alínea a) — Conceito de “dados pessoais” — Respostas escritas dadas por um candidato num exame profissional — Anotações do examinador relativas a essas respostas — Artigo 12.o, alíneas a) e b) — Alcance dos direitos de acesso e de retificação da pessoa em causa»

No processo C‑434/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), por decisão de 29 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de agosto de 2016, no processo

Peter Nowak

contra

Data Protection Commissioner,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 22 de junho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação de P. Nowak, por G. Rudden, solicitor, e N. Travers, SC,

em representação do Data Protection Commissioner, por D. Young, solicitor, e P. A. McDermott, SC,

em representação da Irlanda, por E. Creedon, L. Williams e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por A. Caroll, barrister,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por G. Papadaki e S. Charitaki, na qualidade de agentes,

em representação do Govero húngaro, por M. Z. Féher e A. Pálfy, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e I. Oliveira, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Nardi e H. Kranenborg, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 20 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Peter Nowak e o Data Protection Commissioner (comissário para a proteção de dados, Irlanda) a propósito da recusa, por este último, de acesso de P. Nowak a uma folha de respostas, já corrigida, de um exame em que era candidato, por as informações aí contidas não constituírem dados pessoais.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 95/46

3

A Diretiva 95/46 que, segundo o seu artigo 1.o, tem por objeto a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, e a eliminação dos obstáculos à livre circulação desses dados, enuncia nos seus considerandos 25, 26 e 41:

«(25)

Considerando que os princípios de proteção devem encontrar expressão, por um lado, nas obrigações que impendem sobre as pessoas […] responsáveis pelo tratamento de dados, em especial no que respeita à qualidade dos dados, à segurança técnica, à notificação à autoridade de controlo, às circunstâncias em que o tratamento pode ser efetuado, e, por outro, nos direitos das pessoas cujos dados são tratados serem informadas sobre esse tratamento, poderem ter acesso aos dados, poderem solicitar a sua retificação e mesmo, em certas circunstâncias, poderem opor‑se ao tratamento;

(26)

Considerando que os princípios da proteção devem aplicar‑se a qualquer informação relativa a uma pessoa identificada ou identificável; que, para determinar se uma pessoa é identificável, importa considerar o conjunto dos meios suscetíveis de serem razoavelmente utilizados, seja pelo responsável pelo tratamento, seja por qualquer outra pessoa, para identificar a referida pessoa; que os princípios da proteção não se aplicam a dados tornados anónimos de modo tal que a pessoa já não possa ser identificável; […]

[…]

(41)

Considerando que todas as pessoas devem poder beneficiar do direito de acesso aos dados que lhes dizem respeito e que estão em fase de tratamento, a fim de assegurarem, nomeadamente, a sua exatidão e a licitude do tratamento; […]»

4

O conceito de «dados pessoais» está definido no artigo 2.o, alínea a), desta diretiva como «qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“pessoa em causa”); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social».

5

O artigo 6.o da referida diretiva, constante da secção I, sob a epígrafe «Princípios relativos à qualidade dos dados», do capítulo II desta diretiva, tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer que os dados pessoais serão:

a)

Objeto de um tratamento leal e lícito;

b)

Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. O tratamento posterior para fins históricos, estatísticos ou científicos não é considerado incompatível desde que os Estados‑Membros estabeleçam garantias adequadas;

c)

Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente;

d)

Exatos e, se necessário, atualizados; devem ser tomadas todas as medidas razoáveis para assegurar que os dados inexatos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente, sejam apagados ou retificados;

e)

Conservados de forma a permitir a identificação das pessoas em causa apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente. Os Estados‑Membros estabelecerão garantias apropriadas para os dados pessoais conservados durante períodos mais longos do que o referido, para fins históricos, estatísticos ou científicos.

2.   Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.o 1.»

6

O artigo 7.o da Diretiva 95/46, constante da secção II, sob a epígrafe «Princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados», do capítulo II desta diretiva, dispõe:

«Os Estados‑Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efetuado se:

a)

A pessoa em causa tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento;

ou

[…]

c)

O tratamento for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

ou

[…]

e)

O tratamento for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados;

ou

f)

O tratamento for necessário para prosseguir interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou do terceiro ou terceiros a quem os dados sejam comunicados, desde que não prevaleçam os interesses ou os direitos e liberdades fundamentais da pessoa em causa, protegidos ao abrigo do n.o 1 do artigo 1.o»

7

O artigo 12.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de acesso», enuncia:

«Os Estados‑Membros garantirão às pessoas em causa o direito de obterem do responsável pelo tratamento:

a)

Livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demora ou custos excessivos:

a confirmação de terem ou não sido tratados dados que lhes digam respeito, e informações pelo menos sobre os fins a que se destina esse tratamento, as categorias de dados sobre que incide e os destinatários ou categorias de destinatários a quem são comunicados os dados,

a comunicação, sob forma inteligível, dos dados sujeitos a tratamento e de quaisquer informações disponíveis sobre a origem dos dados,

[…]

b)

Consoante o caso, a retificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente diretiva, nomeadamente devido ao caráter incompleto ou inexato desses dados;

c)

A notificação aos terceiros a quem os dados tenham sido comunicados de qualquer retificação, apagamento ou bloqueio efetuado nos termos da alínea b), salvo se isso for comprovadamente impossível ou implicar um esforço desproporcionado.»

8

O artigo 13.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Derrogações e restrições», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros podem tomar medidas legislativas destinadas a restringir o alcance das obrigações e direitos referidos no n.o 1 do artigo 6.o, no artigo 10.o, no n.o 1 do artigo 11.o e nos artigos 12.o e 21.o, sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à proteção:

[…]

g)

De pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem.

[…]»

9

O artigo 14.o da Diretiva 95/46, sob a epígrafe «Direito de oposição da pessoa em causa», prevê:

«Os Estados‑Membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de:

a)

Pelo menos nos casos referidos nas alíneas e) e f) do artigo 7.o, se opor em qualquer altura, por razões preponderantes e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objeto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. Em caso de oposição justificada, o tratamento efetuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados;

[…]»

10

O artigo 28.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Autoridade de controlo», enuncia:

«1.   Cada Estado‑Membro estabelecerá que uma ou mais autoridades públicas serão responsáveis pela fiscalização da aplicação no seu território das disposições adotadas pelos Estados‑Membros nos termos da presente diretiva.

[…]

3.   Cada autoridade de controlo disporá, nomeadamente:

de poderes de inquérito, tais como o poder de aceder aos dados objeto de tratamento e de recolher todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções de controlo,

de poderes efetivos de intervenção, tais como, por exemplo, o […] de ordenar o bloqueio, o apagamento ou a destruição dos dados, o de proibir temporária ou definitivamente o tratamento […]

[…]

As decisões da autoridade de controlo que lesem interesses são passíveis de recurso jurisdicional.

4.   Qualquer pessoa ou associação que a represente pode apresentar à autoridade de controlo um pedido para proteção dos seus direitos e liberdades no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais. A pessoa em causa será informada do seguimento dado ao seu pedido.

[…]»

Regulamento (UE) 2016/679

11

O Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), é aplicável, nos termos do seu artigo 99.o, n.o 2, a partir de 25 de maio de 2018. O artigo 94.o, n.o 1, deste regulamento dispõe que a Diretiva 95/46 é revogada com efeitos a partir dessa mesma data.

12

O referido regulamento dispõe, no seu artigo 15.o, sob a epígrafe «Direito de acesso do titular dos dados»:

«1.   O titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento a confirmação de que os dados pessoais que lhe digam respeito são ou não objeto de tratamento e, se for esse o caso, o direito de aceder aos seus dados pessoais […]

[…]

3.   O responsável pelo tratamento fornece uma cópia dos dados pessoais em fase de tratamento. […]

4.   O direito de obter uma cópia a que se refere o n.o 3 não prejudica os direitos e as liberdades de terceiros.»

13

O artigo 23.o do Regulamento 2016/679, sob a epígrafe «Limitações», enuncia:

«1.   O direito da União ou dos Estados‑Membros a que estejam sujeitos o responsável pelo tratamento ou o seu subcontratante pode limitar por medida legislativa o alcance das obrigações e dos direitos previstos nos artigos 12.o a 22.o […] desde que tal limitação respeite a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente:

[…]

e)

Outros objetivos importantes do interesse público geral da União ou de um Estado‑Membro, nomeadamente um interesse económico ou financeiro importante da União ou de um Estado‑Membro, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal, da saúde pública e da segurança social;

[…]

i)

A defesa do titular dos dados ou dos direitos e liberdades de outrem;

[…]»

Direito irlandês

14

O Data Protection Act 1988 (Lei de 1988 sobre a proteção de dados), conforme alterado pelo Data Protection (Amendment) Act 2003 (Lei de alteração de 2003 sobre a proteção de dados) (a seguir «lei de proteção de dados»), destina‑se a transpor a Diretiva 95/46 para a ordem jurídica irlandesa. O artigo 1.o, n.o 1, desta lei define o conceito de «dados pessoais» nos seguintes termos:

«Dados relativos a um indivíduo vivo que é ou pode ser identificado por referência aos dados em causa ou aos dados em conjugação com outra informação que está na posse ou é suscetível de vir a estar na posse do controlador de dados».

15

O direito de acesso é regido pelo artigo 4.o da lei de proteção de dados, cujo n.o 6, que respeita especificamente aos pedidos de acesso aos resultados de exames, tem a seguinte redação:

«a)

Considera‑se que o pedido apresentado por uma pessoa ao abrigo do n.o 1 do presente artigo relativamente aos resultados de um exame em que participou como candidato, para os efeitos do presente artigo, foi efetuado:

i)

na data da primeira publicação dos resultados do exame, ou

ii)

na data do pedido,

que for mais recente; […]

b)

Para efeitos do presente número, entende‑se por “exame” qualquer processo de determinação do conhecimento, inteligência, aptidão ou competência de uma pessoa por referência ao seu desempenho num teste, trabalho ou outra atividade.»

16

O artigo 6.o da lei de proteção de dados prevê o direito de retificação e de supressão dos dados pessoais cujo tratamento não esteja conforme com essa lei.

17

O artigo 10.o, n.o 1, alínea b), i), da lei de proteção de dados impõe ao comissário para a proteção de dados a obrigação de investigar uma reclamação «salvo se este entender que tal reclamação é frívola ou vexatória».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

P. Nowak, enquanto contabilista estagiário, obteve aprovação nos exames de contabilidade de primeiro grau e em três dos exames de segundo grau organizados pelo Institute of Chartered Accountants of Ireland (Câmara irlandesa dos técnicos oficiais de contas, a seguir «Câmara dos técnicos oficiais de contas»). Todavia, reprovou no exame de «Compatibilidade de finança estratégica e de gestão», que deixava aos candidatos a possibilidade de utilizarem documentos (exame com consulta).

19

No seguimento da sua quarta reprovação nesse exame, no outono de 2009, P. Nowak apresentou, numa primeira fase, uma reclamação destinada a impugnar o resultado do exame. Depois de esta reclamação ter sido indeferida em março de 2010, apresentou, em maio de 2010, um pedido de acesso, ao abrigo do artigo 4.o da lei de proteção de dados, a todos os dados pessoais que lhe diziam respeito, detidos pela Câmara dos técnicos oficiais de contas.

20

Por carta de 1 de junho de 2010, a Câmara dos técnicos oficiais de contas comunicou a P. Nowak 17 documentos, mas recusou‑se a entregar‑lhe a sua folha de respostas do exame por esta não conter dados pessoais, na aceção da lei de proteção de dados.

21

P. Nowak dirigiu‑se então ao comissário para a proteção de dados com vista a contestar o mérito do motivo da recusa de comunicação da sua folha de respostas do exame. Em junho de 2010, este respondeu‑lhe por correio eletrónico, indicando, designadamente, que «as folhas de respostas dos exames não devem geralmente ser consideradas [para efeitos da proteção de dados] […], porque estes documentos não constituem, regra geral, um dado pessoal».

22

A esta resposta do comissário para a proteção de dados seguiu‑se uma troca de correspondência entre P. Nowak e esse comissário que culminou com a apresentação por P. Nowak de uma reclamação formal em 1 de julho de 2010.

23

Por correio eletrónico de 21 de julho de 2010, o comissário para a proteção de dados informou P. Nowak de que, depois de ter examinado o processo, não tinha identificado uma violação substantiva da lei de proteção de dados e que, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), i), dessa lei, que prevê o caso de reclamações frívolas ou vexatórias, decidiu não investigar a sua reclamação. Além disso, esse correio eletrónico indicava que os documentos relativamente aos quais P. Nowak pretendia exercer «um direito de correção»«não eram dados pessoais sujeitos à aplicação do artigo 6.o da lei de proteção de dados».

24

P. Nowak interpôs recurso dessa decisão na Circuit Court (Tribunal Regional, Irlanda). Este órgão jurisdicional declarou a inadmissibilidade do recurso por, na inexistência de uma investigação da reclamação pelo comissário para a proteção de dados, não existir uma decisão suscetível de recurso. A título subsidiário, esse tribunal declarou que o recurso era improcedente, uma vez que a folha de respostas do exame não constituía um dado pessoal.

25

P. Nowak interpôs recurso do acórdão do referido tribunal na High Court (Tribunal Superior, Irlanda), que confirmou, todavia, esse acórdão. O acórdão da High Court (Tribunal Superior) foi, por seu turno, confirmado pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda). A Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), que autorizou o recurso do acórdão da Court of Appeal (Tribunal de Recurso), declarou a admissibilidade do recurso da decisão do comissário para a proteção de dados interposto por P. Nowak.

26

No entanto, tendo dúvidas quanto à questão de saber se uma folha de respostas de um exame pode constituir um dado pessoal, na aceção da Diretiva 95/46, a Supreme Court (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A informação contida nas respostas ou como respostas dadas por um candidato, durante um exame profissional, é suscetível de constituir um dado pessoal, na aceção da Diretiva [95/46]?

2)

Se a resposta à primeira questão for a de que toda ou alguma dessa informação pode constituir um dado pessoal, na aceção da [Diretiva 95/46], quais são os fatores relevantes para determinar se, num determinado caso, uma folha de respostas constitui um dado pessoal, e que peso deve ser atribuído a tais fatores?»

Quanto às questões prejudiciais

27

Com as suas questões, que há que examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que, em condições como as que estão em causa no processo principal, as respostas escritas dadas por um candidato durante um exame profissional e as eventuais anotações do examinador com elas relacionadas constituem dados pessoais, na aceção dessa disposição.

28

A este respeito, há que recordar que o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46 define os dados pessoais como «qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável». Segundo esta mesma disposição, «é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social».

29

É dado assente que um candidato a um exame profissional é uma pessoa singular identificável seja diretamente, a partir do seu nome, seja indiretamente, a partir de um número de identificação, os quais são inscritos na folha de respostas do exame ou na capa da mesma.

30

Ao invés do que parece alegar o comissário para a proteção de dados, não é relevante, neste contexto, a questão de saber se o examinador pode ou não identificar o candidato no momento da correção e da notação da folha de respostas do exame.

31

Com efeito, para que um dado possa ser qualificado de «dado pessoal», na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46, não é necessário que todas as informações que permitem identificar a pessoa em causa estejam na posse de uma única pessoa (acórdão de 19 de outubro de 2016, C‑582/14, EU:C:2016:779, n.o 43). Além disso, é dado assente que, na hipótese de o examinador não conhecer a identidade do candidato aquando da notação das respostas dadas por este no âmbito de um exame, a entidade que organiza o exame, no caso em apreço a Câmara dos técnicos oficiais de contas, dispõe, em contrapartida, das informações necessárias que lhe permitem identificar o candidato sem qualquer dificuldade ou dúvida a partir do seu número de identificação inscrito na folha de respostas do exame ou na capa da mesma, e, assim, atribuir‑lhe as suas respostas.

32

Todavia, há que verificar se as respostas escritas dadas pelo candidato num exame profissional e as eventuais anotações do examinador com elas relacionadas constituem informações que dizem respeito a esse candidato, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46.

33

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o âmbito de aplicação da Diretiva 95/46 é muito amplo e os dados a que esse diploma se refere são variados (acórdão de 7 de maio de 2009, Rijkeboer, C‑553/07, EU:C:2009:293, n.o 59 e jurisprudência referida).

34

Com efeito, o emprego da expressão «qualquer informação» no âmbito da definição do conceito de «dado pessoal», constante do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46, reflete o objetivo do legislador da União de atribuir um sentido amplo a esse conceito, que não está limitado às informações sensíveis ou de ordem privada, mas engloba potencialmente qualquer tipo de informações, tanto objetivas como subjetivas sob forma de opiniões ou de apreciações, na condição de «dizerem respeito» à pessoa em causa.

35

No caso desta última condição, ela está preenchida quando, devido ao seu conteúdo, à sua finalidade ou ao seu efeito, a informação estiver relacionada com uma pessoa determinada.

36

Ora, como alegam, em substância, P. Nowak, os Governos checo, helénico, húngaro, austríaco e português, bem como a Comissão Europeia, as respostas escritas dadas por um candidato num exame profissional constituem informações relacionadas com a sua pessoa.

37

Com efeito, antes de mais, o conteúdo dessas respostas reflete o nível de conhecimento e de competência do candidato num dado domínio, bem como, sendo caso disso, o seu processo de reflexão, o seu julgamento e o seu espírito crítico. No caso de exames redigidos à mão, as respostas contêm, além disso, informações respeitantes à sua caligrafia.

38

Em seguida, a recolha das referidas respostas tem como finalidade avaliar as capacidades profissionais do candidato e a sua aptidão para exercer a profissão em causa.

39

Por último, a utilização dessas informações, que se traduz, designadamente, pela aprovação ou reprovação do candidato no exame em causa, é suscetível de ter um efeito nos seus direitos e interesses, na medida em que pode determinar ou influenciar, por exemplo, as suas possibilidades de ter acesso à profissão ou ao emprego pretendidos.

40

A conclusão de que as respostas escritas dadas por um candidato num exame profissional constituem informações que dizem respeito a esse candidato devido ao seu conteúdo, à sua finalidade e ao seu efeito é válida igualmente quando se trate, como no caso em apreço, de um exame com consulta.

41

Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.o 24 das suas conclusões, os exames destinam‑se a determinar e a documentar a prestação de uma determinada pessoa, a saber o candidato, e não, ao contrário de um inquérito representativo, obter informações independentes dessa pessoa.

42

No que respeita às anotações do examinador relativas às respostas do candidato, há que declarar que estas constituem, tal como as respostas dadas pelo candidato no exame, informações que dizem respeito a esse candidato.

43

Assim, o conteúdo dessas anotações reflete a opinião ou a apreciação do examinador quanto à prestação individual do candidato no exame e, designadamente, quanto aos seus conhecimentos e às suas competências no domínio em causa. Além disso, as referidas anotações têm precisamente como finalidade documentar a avaliação feita pelo examinador da prestação do candidato e são suscetíveis de ter efeitos para este último, como indicado no n.o 39 do presente acórdão.

44

A conclusão de que as anotações do examinador relativas às respostas dadas pelo candidato no exame constituem informações que, devido ao seu conteúdo, à sua finalidade e ao seu efeito, estão relacionadas com esse candidato não é infirmada pelo facto de essas notações constituírem igualmente informações relativas ao examinador.

45

Com efeito, a mesma informação pode dizer respeito a várias pessoas singulares e, assim, constituir quanto a estas, na condição de essas pessoas serem identificadas ou identificáveis, um dado pessoal, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46.

46

Além disso, a qualificação de dados pessoais das respostas escritas dadas pelo candidato num exame profissional e das eventuais anotações do examinador relativas a essas respostas não pode ser influenciada, ao invés do que alegam o comissário para a proteção de dados e o Governo irlandês, pela circunstância de essa qualificação conferir, em princípio, a esse candidato direitos de acesso e de retificação, ao abrigo do artigo 12.o, alíneas a) e b), da Diretiva 95/46.

47

A este respeito, cumpre antes de mais recordar, como a Comissão expôs na audiência, que vários princípios e garantias, previstos pela Diretiva 95/46, estão associados a essa qualificação e dependem dela.

48

Com efeito, resulta do considerando 25 da Diretiva 95/46 que os princípios da proteção previstos por esta encontram a sua expressão, por um lado, nas obrigações que impendem sobre as pessoas responsáveis pelo tratamento de dados, em especial no que respeita à qualidade dos dados, à segurança técnica, à notificação à autoridade de controlo, às circunstâncias em que o tratamento pode ser efetuado, e, por outro, nos direitos das pessoas cujos dados são tratados de serem informadas sobre esse tratamento, poderem ter acesso aos dados, poderem solicitar a sua retificação e mesmo, em certas circunstâncias, poderem opor‑se ao tratamento.

49

Assim, negar a qualificação de «dados pessoais» às informações que dizem respeito a um candidato, constantes das respostas dadas num exame profissional e das anotações do examinador com elas relacionadas, teria como consequência que essas informações não respeitassem totalmente os princípios e as garantias em matéria de proteção de dados pessoais e, designadamente, os princípios relativos à qualidade de tais dados e à legitimação do respetivo tratamento, previstos nos artigos 6.o e 7.o da Diretiva 95/46, bem como os direitos de acesso, de retificação e de oposição da pessoa em causa, previstos nos artigos 12.o e 14.o desta diretiva, e o controlo exercido pela autoridade de controlo nos termos do artigo 28.o da referida diretiva.

50

Ora, como salientou a advogada‑geral no n.o 26 das suas conclusões, é pacífico que um candidato a um exame tem um interesse legítimo, baseado na proteção da sua vida privada, em poder opor‑se ao tratamento das suas respostas dadas nesse exame e das anotações do examinador relativas a essas respostas fora do procedimento de exame e, em especial, a que sejam transmitidas a terceiros, ou mesmo publicadas, sem a sua autorização. Do mesmo modo, a entidade que organiza o exame está, enquanto responsável pelo tratamento dos dados, obrigada a assegurar que essas respostas e anotações são arquivadas de maneira a evitar que terceiros tenham acesso às mesmas de modo ilícito.

51

Em seguida, há que concluir que os direitos de acesso e de retificação, previstos no artigo 12.o, alíneas a) e b), da Diretiva 95/46, podem igualmente justificar‑se em relação às respostas escritas dadas pelo candidato num exame profissional e às eventuais anotações do examinador com elas relacionadas.

52

É certo que o direito de retificação, previsto no artigo 12.o, alínea b), da Diretiva 95/46, não pode, obviamente, permitir a um candidato «retificar», a posteriori, respostas «erradas».

53

Com efeito, resulta do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 95/46 que o caráter exato e completo dos dados pessoais deve ser apreciado à luz da finalidade para a qual esses dados foram recolhidos. Essa finalidade consiste, no que respeita às respostas de um candidato num exame, em poder avaliar o nível de conhecimento e de competência desse candidato à data do exame. Ora, esse nível é refletido precisamente por eventuais erros nessas respostas. Por conseguinte, tais erros não constituem de forma alguma uma inexatidão, na aceção da Diretiva 95/46, que conferiria um direito de retificação ao abrigo do seu artigo 12.o, alínea b).

54

Em contrapartida, é possível que ocorram situações em que as respostas de um candidato a um exame e as anotações do examinador relativas a essas respostas se revelem inexatas, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 95/46, por exemplo, devido ao facto de, por erro, as folhas de respostas do exame terem sido trocadas de forma que as respostas de outro candidato foram atribuídas ao candidato em causa, ou de se ter perdido uma parte das folhas com as respostas desse candidato de forma que as referidas respostas não estão completas, ou ainda de eventuais anotações feitas pelo examinador não documentarem corretamente a avaliação feita por este quanto às respostas do candidato em causa.

55

Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.o 37 das suas conclusões, não se pode excluir que um candidato tenha, ao abrigo do artigo 12.o, alínea b), da Diretiva 95/46, o direito de pedir ao responsável pelo tratamento dos dados que as suas respostas no exame e as anotações do examinador com elas relacionadas sejam, depois de um determinado período de tempo, apagadas, ou seja, destruídas. Com efeito, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva, os dados pessoais podem, em princípio, ser conservados sob uma forma que permita a identificação das pessoas em causa apenas durante um período que não exceda o necessário à realização das finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente. Ora, tendo em conta a finalidade das respostas dadas por um candidato num exame e das anotações do examinador relativas a essas respostas, a sua conservação numa forma que permita a identificação do candidato já não se afigura, a priori, necessária uma vez que o procedimento de exame está definitivamente concluído e já não pode ser objeto de recurso, de forma que essas respostas e anotações perderam todo valor probatório.

56

Na medida em que as respostas escritas dadas por um candidato num exame profissional e as eventuais anotações do examinador com elas relacionadas são, assim, suscetíveis de estar sujeitas a uma verificação, designadamente, da respetiva exatidão e da necessidade da sua conservação, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alíneas d) e e), da Diretiva 95/46, e podem ser objeto de uma retificação ou de um apagamento, ao abrigo do seu artigo 12.o, alínea b), há que considerar que o facto de conferir ao candidato um direito de acesso a essas respostas e a essas anotações, nos termos do artigo 12.o, alínea a), desta diretiva, serve o objetivo desta última, que consiste em garantir a proteção do direito à vida privada desse candidato relativamente ao tratamento dos dados que lhe dizem respeito (v., a contrario, acórdão de 17 de julho de 2014, YS e o., C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081, n.os 45 e 46), e tal independentemente da questão de saber se o referido candidato dispõe ou não de tal direito de acesso igualmente ao abrigo da legislação nacional aplicável ao procedimento de exame.

57

Neste contexto, há que recordar que a proteção do direito fundamental ao respeito da vida privada implica, designadamente, que qualquer pessoa singular possa assegurar‑se de que os dados pessoais que lhe dizem respeito são exatos e que são tratados de forma lícita. Como resulta do considerando 41 da Diretiva 95/46, é para poder efetuar as verificações necessárias que a pessoa em causa dispõe, em virtude do artigo 12.o, alínea a), da mesma, de um direito de acesso aos dados que lhe digam respeito que são objeto de tratamento. Esse direito de acesso é necessário, designadamente, para permitir à pessoa em causa obter, se for caso disso, por parte do responsável pelo tratamento, a retificação, apagamento ou bloqueio desses dados e, por conseguinte, exercer o direito previsto no artigo 12.o, alínea b), da referida diretiva (acórdão de 17 de julho de 2014, YS e o., C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081, n.o 44 e jurisprudência referida).

58

Por último, há que concluir, por um lado, que os direitos de acesso e de retificação, ao abrigo do artigo 12.o, alíneas a) e b), da Diretiva 95/46, não se estendem às questões do exame, que não constituem, enquanto tais, dados pessoais do candidato.

59

Por outro lado, tanto a Diretiva 95/46 como o Regulamento 2016/679 que a substitui preveem certas limitações a esses direitos.

60

Assim, nos termos do artigo 13.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva 95/46, os Estados‑Membros podem tomar medidas legislativas destinadas a restringir o alcance das obrigações e direitos referidos, nomeadamente, no n.o 1 do artigo 6.o e no artigo 12.o desta diretiva, sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à proteção da pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem.

61

O artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679 estende a lista dos motivos de limitações, atualmente prevista no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, a «outros objetivos importantes do interesse público geral da União ou de um Estado‑Membro». Além disso, o artigo 15.o do Regulamento 2016/679, relativo ao direito de acesso pela pessoa em causa, prevê, no seu n.o 4, que o direito de obter uma cópia dos dados pessoais não deve prejudicar os direitos e as liberdades de terceiros.

62

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que, em condições como as que estão em causa no processo principal, as respostas escritas dadas por um candidato num exame profissional e as eventuais anotações do examinador relativas a essas respostas constituem dados pessoais, na aceção dessa disposição.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que, em condições como as que estão em causa no processo principal, as respostas escritas dadas por um candidato num exame profissional e as eventuais anotações do examinador relativas a essas respostas constituem dados pessoais, na aceção dessa disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.