ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

17 de abril de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento — Diferença de tratamento em razão da religião ou das convicções — Atividades profissionais de igrejas ou de outras organizações cuja ética é baseada na religião ou nas convicções — Religião ou convicções que constituem um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização — Conceito — Natureza das atividades e contexto em que estas são exercidas — Artigo 17.o TFUE — Artigos 10.o, 21.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑414/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha), por decisão de 17 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2016, no processo

Vera Egenberger

contra

Evangelisches Werk für Diakonie und Entwicklung eV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz, J. L. da Cruz Vilaça e A. Rosas, presidentes de secção, E. Juhász, M. Safjan, D. Šváby, M. Berger, A. Prechal, E. Jarašiūnas, F. Biltgen (relator), M. Vilaras e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de julho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação de V. Egenberger, por K. Bertelsmann, Rechtsanwalt, e P. Stein,

em representação da Evangelisches Werk für Diakonie und Entwicklung eV, por M. Sandmaier, Rechtsanwalt, M. Ruffert e G. Thüsing,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por E. Creedon, M. Browne, L. Williams e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por C. Toland, SC, e S. Kingston, BL,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Vera Egenberger à Evangelisches Werk für Diakonie und Entwicklung eV (a seguir «Evangelisches Werk»), a respeito de um pedido de indemnização apresentado pela primeira em razão de uma discriminação com fundamento na religião de que alega ter sido vítima no âmbito de um processo de recrutamento.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 4, 23, 24 e 29 da Diretiva 2000/78 preveem:

«(4)

O direito das pessoas à igualdade perante a lei e à proteção contra a discriminação constitui um direito universal, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, pelos pactos internacionais das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e pela Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, de que todos os Estados‑Membros são signatários. A Convenção n.o 111 da Organização Internacional de Trabalho proíbe a discriminação em matéria de emprego e atividade profissional.

[…]

(23)

Em circunstâncias muito limitadas, podem justificar‑se diferenças de tratamento sempre que uma característica relacionada com a religião ou as convicções, com uma deficiência, com a idade ou com a orientação sexual constitua um requisito genuíno e determinante para o exercício da atividade profissional, desde que o objetivo seja legítimo e o requisito proporcional. Essas circunstâncias devem ser mencionadas nas informações fornecidas pelos Estados‑Membros à Comissão.

(24)

A União Europeia, na sua Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais, anexa à ata final do Tratado de Amesterdão, reconhece explicitamente que respeita e não afeta o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as Igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros, e que respeita igualmente o estatuto das organizações filosóficas e não confessionais. Nesta perspetiva, os Estados‑Membros podem manter ou prever disposições específicas sobre os requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, suscetíveis de serem exigidos para o exercício de uma atividade profissional nos respetivos territórios.

[…]

(29)

As pessoas que tenham sido vítimas de discriminação em razão da religião, das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual devem dispor de meios de proteção jurídica adequados. Para assegurar um nível de proteção mais eficaz, as associações ou as pessoas coletivas devem igualmente ficar habilitadas a instaurar ações, nos termos estabelecidos pelos Estados‑Membros, em nome ou em prol de uma vítima, sem prejuízo das regras processuais nacionais relativas à representação e à defesa em tribunal.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 dispõe:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

5

O artigo 2.o, n.os 1, 2 e 5, desta diretiva prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o.

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

6

O artigo 4.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.

2.   Os Estados‑Membros podem manter na sua legislação nacional em vigor à data de aprovação da presente diretiva, ou prever em futura legislação que retome as práticas nacionais existentes à data de aprovação da presente diretiva, disposições em virtude das quais, no caso das atividades profissionais de igrejas e de outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções, uma diferença de tratamento baseada na religião ou nas convicções de uma pessoa não constitua discriminação sempre que, pela natureza dessas atividades ou pelo contexto da sua execução, a religião ou as convicções constituam um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização. Esta diferença de tratamento deve ser exercida no respeito das disposições e dos princípios constitucionais dos Estados‑Membros, bem como dos princípios gerais do direito comunitário, e não pode justificar uma discriminação baseada noutro motivo.

Sob reserva de outras disposições da presente diretiva as igrejas e as outras organizações públicas ou privadas cuja ética é baseada na religião ou nas convicções, atuando de acordo com as disposições constitucionais e legislativas nacionais, podem, por conseguinte, exigir das pessoas que para elas trabalham uma atitude de boa‑fé e de lealdade perante a ética da organização.»

7

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 prevê:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pelo facto de não ter sido aplicado, no que lhes diz respeito, o princípio da igualdade de tratamento, possam recorrer a processos judiciais e/ou administrativos, incluindo, se considerarem adequado, a processos de conciliação, para exigir o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, mesmo depois de extintas as relações no âmbito das quais a discriminação tenha alegadamente ocorrido.»

8

O artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias, de acordo com os respetivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pelo facto de não ter sido aplicado, no que lhe diz respeito, o princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento.»

Direito alemão

GG

9

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, a seguir «GG») dispõe:

«(1)   A liberdade de religião e de consciência, bem como a liberdade de professar uma convicção religiosa ou uma convicção filosófica, são invioláveis.

(2)   É garantida a liberdade de culto.»

10

Em conformidade com o artigo 140.o da GG, o disposto nos artigos 136.o a 139.o e 141.o da Weimarer Reichsverfasssung (Constituição de Weimar), de 11 de agosto de 1919 (a seguir «WRV»), constitui parte integrante da GG.

11

O artigo 137.o da WRV prevê:

«1.   O Estado é laico.

2.   É garantida a liberdade de associação religiosa. Podem ser criadas congregações religiosas sem qualquer restrição no território do Reich.

3.   As congregações religiosas regulam e administram os seus assuntos com independência, dentro dos limites da lei geral. A organização das suas estruturas é independente do governo central ou das autoridades locais.

[…]

7.   As associações cuja finalidade consiste em propagar uma convicção filosófica na comunidade gozarão do mesmo estatuto das congregações religiosas.»

12

Segundo a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha), os titulares do direito de autodeterminação eclesiástica garantido no artigo 140.o da GG, lido em conjugação com o artigo 137.o, n.o 3, da WRV, são não só as próprias igrejas enquanto comunidades religiosas mas também todas as instituições a estas especificamente afiliadas, se e na medida em que estas últimas sejam chamadas, segundo a consciência eclesiológica e em conformidade com o seu objetivo ou a sua missão, a assumir tarefas e missões eclesiásticas.

AGG

13

A Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz (Lei geral sobre a igualdade de tratamento), de 14 de agosto de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1897, a seguir «AGG»), visa transpor a Diretiva 2000/78 para o direito alemão.

14

O § 1 da AGG, que determina o objetivo da lei, prevê:

«A presente lei tem por objetivo prevenir ou eliminar qualquer discriminação baseada na raça, origem étnica, sexo, religião ou crença, em deficiência, na idade ou na orientação sexual.»

15

O § 7, n.o 1, da AGG dispõe:

«Os trabalhadores não podem ser alvo de discriminação por nenhum dos fundamentos enumerados no § 1. Esta proibição é igualmente aplicável quando o autor da discriminação se limita a presumir a existência de apenas uma das formas de discriminação referidas no § 1.»

16

Nos termos do § 9 da AGG:

«1.   Sem prejuízo do disposto no § 8 [da presente lei], as diferenças de tratamento baseadas na religião ou em convicções são igualmente admitidas nos casos de emprego em comunidades religiosas, em instituições nestas filiadas, independentemente da forma jurídica destas, ou em associações cujo objetivo seja estar ao serviço de uma religião ou convicções, quando, tendo em conta a própria perceção da comunidade religiosa ou da associação, uma religião ou uma convicção determinadas constituam uma exigência profissional justificada atendendo ao direito à autodeterminação [da comunidade religiosa ou da associação] ou atendendo à natureza das suas atividades.

2.   A proibição de diferenças de tratamento baseadas na religião ou nas convicções não prejudica o direito das comunidades religiosas referidas no n.o 1, das instituições a estas afiliadas, independentemente da sua forma jurídica, ou das associações que tenham por objetivo estar em comum ao serviço de uma religião ou de convicções, de poderem exigir aos seus trabalhadores uma atitude de boa‑fé e de lealdade de acordo com a sua própria consciência.»

17

O § 15 da AGG tem a seguinte redação:

«1.   Em caso de violação da proibição de discriminação, o empregador é obrigado a reparar os danos que daí resultem. Esta regra não se aplica no caso de o empregador não ser responsável pelo não cumprimento desta obrigação.

2.   Em caso de dano não patrimonial, o trabalhador pode exigir uma indemnização pecuniária adequada. Em caso de não recrutamento, a indemnização não pode exceder três meses de salário nos casos em que o trabalhador não teria sido recrutado mesmo que a seleção não tivesse sido discriminatória.

[…]»

Direito eclesiástico da Evangelische Kirche in Deutschland

18

O Grundordnung der Evangelischen Kirche in Deutschland (Regulamento fundamental da Igreja Protestante da Alemanha), de 13 de julho de 1948, conforme alterado pela última vez pela Kirchengesetz (Lei da igreja), de 12 de novembro de 2013, constitui o fundamento do direito eclesiástico da Evangelische Kirche in Deutschland (Igreja Protestante da Alemanha, a seguir «EKD»).

19

Adotada em aplicação do § 9, alínea b), desse Regulamento fundamental, conforme alterado, a Richtlinie des Rates der Evangelischen Kirche in Deutschland über die Anforderungen der privatrechtlichen beruflichen Mitarbeit in der Evangelischen Kirche in Deutschland und des Diakonischen Werkes (Diretiva do Conselho da EKD, relativa às exigências aplicáveis à colaboração profissional no âmbito do direito privado com a EKD e com a Obra Diaconal, a seguir «Diretiva relativa à colaboração profissional com a EKD»), de 1 de julho de 2005, prevê, no seu § 2, n.o 1:

«O serviço eclesiástico é determinado pela missão de dar testemunho do Evangelho em palavras e em atos. Todas as mulheres e todos os homens que trabalham na igreja e na diaconia contribuem de diferentes maneiras para permitir levar a cabo essa missão. Essa missão constitui a base dos direitos e das obrigações dos empregadores, bem como das colaboradoras e dos colaboradores.»

20

O § 3 da Diretiva relativa à colaboração profissional com a EKD dispõe:

«1.   A atividade profissional na igreja protestante e na sua diaconia pressupõe, em princípio, a pertença a uma das igrejas membros da [EKD] ou a uma igreja em comunhão com esta.

2.   É possível derrogar o n.o 1 quanto às tarefas que não digam respeito à proclamação [do Evangelho], à pastoral, ao ensino ou à direção, se não for possível recrutar outros colaboradores e outras colaboradoras adequados. Neste caso, é igualmente possível contratar pessoas que pertençam a outra igreja membro da comunidade de trabalho das igrejas cristãs na Alemanha ou da Associação das Igrejas Protestantes Livres. O recrutamento de pessoas que não satisfaçam os requisitos previstos no n.o 1 deve ser examinado caso a caso, tendo em conta a importância do serviço ou da instituição e o número dos seus outros colaboradores, bem como as tarefas a cumprir e o respetivo contexto. [A presente disposição] não prejudica o § 2, n.o 1, segundo período.»

21

Intitulado «Missão eclesiástica e diaconal», o § 2 do Dienstvertragsordnung der Evangelischen Kirche in Deutschland (Regulamento relativo aos contratos de prestação de serviços da EKD), de 25 de agosto de 2008, que regula as condições gerais de trabalho dos colaboradores contratados pela EKD no âmbito do direito privado, pelo gabinete central da Obra Diaconal e pelas outras obras e instituições, enuncia:

«O serviço eclesiástico é determinado pela missão de proclamar o Evangelho de Jesus Cristo em palavras e em atos. O serviço diaconal é a expressão da existência e da natureza da igreja protestante.»

22

Segundo o § 4 do Regulamento relativo aos contratos de prestação de serviços da EKD, intitulado «Obrigações gerais»:

«As colaboradoras e os colaboradores contribuem para levar a cabo as suas missões eclesiásticas e diaconais segundo os seus dons, as suas tarefas e o seu domínio de responsabilidade. O seu comportamento geral durante o serviço e fora deste deve estar em conformidade com a responsabilidade que tenham assumido enquanto colaboradoras ou colaboradores ao serviço da igreja.»

23

Tanto a Diretiva relativa à colaboração profissional com a EKD como o Regulamento relativo aos contratos de prestação de serviços da EKD são aplicáveis à Evangelisches Werk.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24

Em novembro de 2012, a Evangelisches Werk publicou uma oferta de emprego de duração determinada para um projeto relativo à elaboração do relatório paralelo sobre a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Em conformidade com essa oferta de emprego, as tarefas a cumprir incluíam o acompanhamento do processo de elaboração dos relatórios estatais sobre a referida Convenção respeitantes ao período compreendido entre 2012 e 2014, a elaboração do relatório paralelo sobre o relatório estatal alemão, bem como de observações e contribuições especializadas, a representação, no âmbito do projeto, da Diaconia da Alemanha perante o mundo político, o público e as organizações de defesa dos direitos humanos, assim como a cooperação com certas instâncias, a informação e a coordenação do processo de formação de opinião no domínio da associação, e ainda a organização, administração e elaboração de relatórios técnicos no domínio do trabalho.

25

Por outro lado, a referida oferta de emprego precisava os requisitos que os candidatos deviam preencher. Um deles tinha a seguinte redação:

«É exigida a pertença a uma igreja protestante ou a uma igreja evangélica membro da comunidade de trabalho das Igrejas Cristãs na Alemanha e a identificação com a missão diaconal. Queira indicar a sua confissão religiosa no seu curriculum vitæ

26

V. Egenberger, sem confissão, candidatou‑se ao emprego proposto. Embora a sua candidatura se mantivesse após uma primeira seleção pela Evangelisches Werk, a interessada não foi convocada para uma entrevista. Por sua vez, o candidato que acabou por ser escolhido tinha indicado, quanto à pertença confessional, ser «um cristão socializado na igreja protestante regional de Berlim».

27

Por considerar que a sua candidatura tinha sido rejeitada com base no facto de não ter confissão religiosa, V. Egenberger intentou uma ação no Arbeitsgericht Berlin (Tribunal do Trabalho de Berlim, Alemanha), pedindo que a Evangelisches Werk fosse condenada a pagar‑lhe a quantia de 9788,65 euros, ao abrigo do § 15, n.o 2, da AGG. A interessada indicou que a tomada em consideração da religião no processo de recrutamento, identificável na oferta de emprego em questão, violava a proibição da discriminação prevista pela AGG, conforme interpretada em conformidade com o direito da União, e que o § 9, n.o 1, da AGG não podia justificar a discriminação de que tinha sido vítima.

28

A Evangelisches Werk alegou que, no caso em apreço, uma diferença de tratamento com base na religião era justificada ao abrigo do § 9, n.o 1, da AGG. Segundo a Evangelisches Werk, o direito de impor a pertença a uma igreja cristã faz parte do direito de autodeterminação das igrejas protegido pelo artigo 140.o da GG, lido em conjugação com o artigo 137.o, n.o 3, da WRV. Ora, este direito é conforme com o direito da União, em razão, nomeadamente, do disposto no artigo 17.o TFUE. Além disso, devido à natureza da atividade referida na oferta de emprego em causa no processo principal, a pertença religiosa constitui uma exigência profissional justificada tendo em conta a consciência eclesiológica da Evangelisches Werk.

29

O Arbeitsgericht Berlin (Tribunal do Trabalho de Berlim) julgou a ação de V. Egenberger parcialmente procedente. Considerou que esta última tinha sido vítima de uma discriminação, mas limitou o montante da indemnização a 1957,73 euros. Uma vez que o Landesarbeitsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Superior do Trabalho de Berlim‑Brandeburgo, Alemanha) negou provimento ao recurso interposto por V. Egenberger contra esta decisão, a interessada interpôs um recurso de «Revision» para o órgão jurisdicional de reenvio, a fim de obter o pagamento de uma indemnização adequada.

30

O Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha) considera que a resolução do litígio no processo principal depende da questão de saber se a distinção em função da pertença religiosa a que a Evangelisches Werk procedeu é lícita, na aceção do § 9, n.o 1, da AGG. Todavia, esta disposição deve ser interpretada em conformidade com o direito da União. Assim, a resolução deste litígio depende da interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, supostamente transposto para o direito nacional pelo § 9 da AGG. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que esta diferença de tratamento deve, além disso, operar‑se no respeito das disposições e dos princípios constitucionais dos Estados‑Membros, bem como dos princípios gerais do direito da União e do artigo 17.o TFUE.

31

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo a vontade expressa do legislador alemão, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 foi transposto para o direito alemão no § 9 da AGG de modo a que fossem mantidas as disposições jurídicas e as práticas em vigor à data da adoção desta diretiva. O referido legislador tomou esta decisão em consideração da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) relativa ao privilégio de autodeterminação das igrejas. Por força desta jurisprudência, a fiscalização jurisdicional deve limitar‑se a uma fiscalização de plausibilidade com fundamento na consciência eclesiológica. Daqui resulta que, caso a consciência eclesiológica estabeleça ela própria uma distinção entre as atividades «que apresentam uma proximidade» com a proclamação da mensagem da igreja e as atividades «sem proximidade» com ela, não deve ser verificado se e em que medida essa distinção é justificada. Mesmo que uma consciência eclesiológica devesse implicar que todos os postos de trabalho devam ser preenchidos tendo em conta a pertença religiosa, e isso seja qual for a natureza desses empregos, há que a aceitar sem fiscalização jurisdicional aprofundada. No entanto, coloca‑se a questão de saber se esta interpretação do § 9, n.o 1, da AGG é conforme com o direito da União.

32

Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não se pode inferir dos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 nem dos considerandos dessa diretiva que um empregador como a Evangelisches Werk pode determinar ele próprio, de forma definitiva, que a religião constitui, independentemente da natureza da atividade em causa, uma exigência profissional justificada atendendo à ética desse empregador, e que os órgãos jurisdicionais nacionais podem unicamente exercer, a este respeito, uma fiscalização de plausibilidade. Pelo contrário, a referência, nessa disposição, ao facto de a religião dever constituir um «requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização» pode militar no sentido de uma competência de fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais que vai além de uma simples fiscalização de plausibilidade.

33

O órgão jurisdicional de reenvio observa, contudo, que, no entender de uma parte da doutrina alemã, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado em conformidade com o direito primário, mais especificamente com a Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais, anexa à Ata Final do Tratado de Amesterdão (a seguir «Declaração n.o 11»), ou com o artigo 17.o TFUE.

34

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que lhe cabe, sendo caso disso, tendo em conta todas as regras do direito nacional e aplicando os métodos de interpretação reconhecidos por este, decidir se e em que medida o § 9, n.o 1, da AGG é suscetível de ser interpretado em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, sem que seja necessário proceder a uma interpretação contra legem, ou se a aplicação da referida disposição da AGG deve ser afastada.

35

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, por um lado, sobre se a proibição das discriminações em razão da religião ou das convicções, consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), confere aos particulares um direito subjetivo que estes possam invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais e que, em litígios entre pessoas privadas, obrigue esses órgãos jurisdicionais a afastar a aplicação de disposições nacionais não conformes com essa proibição.

36

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Tribunal de Justiça ainda não precisou se a obrigação de afastar a aplicação de disposições nacionais não conformes com a proibição de discriminações em razão da religião ou das convicções, consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, se aplica igualmente no caso em que um empregador, como a Evangelisches Werk, invoca, para justificar uma diferença de tratamento baseada na religião, não só disposições do direito constitucional nacional mas também disposições do direito primário da União, no caso vertente, o artigo 17.o TFUE.

37

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica que lhe cabe ainda, sendo caso disso, responder à questão de saber, num caso como o do processo principal, que exigências ligadas à religião podem, pela natureza da atividade em causa ou pelo contexto do exercício desta, ser consideradas um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

38

É certo que, em processos em que estavam em causa conflitos de lealdade, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem enunciou critérios individuais, referindo‑se nomeadamente à Diretiva 2000/78, mas estes critérios diziam respeito a relações de trabalho existentes e incidiam, no essencial, em casos concretos.

39

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, designadamente, sobre se esses critérios são pertinentes para efeitos da interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 no caso de a diferença de tratamento baseada na religião se verificar quando do recrutamento e se o artigo 17.o TFUE tem incidência na interpretação dessa mesma disposição.

40

Coloca‑se também a questão de saber se os órgãos jurisdicionais nacionais devem proceder a uma fiscalização aprofundada, a uma simples fiscalização de plausibilidade ou a uma pura fiscalização dos abusos quando são chamados a verificar se, tendo em conta a natureza da atividade em causa ou o contexto do seu exercício, a religião constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

41

Nestas condições, o Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva [2000/78] ser interpretado no sentido de que uma entidade patronal como a demandada no presente processo – ou a Igreja por ela – pode determinar ela própria, de modo vinculativo, se uma determinada religião de um candidato, atenta a natureza da atividade ou o contexto da sua execução, constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da sua ética?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve deixar de ser aplicada num litígio como o do caso vertente uma disposição do direito nacional, como, neste caso, o § 9, n.o 1, primeira alternativa, da AGG […], segundo a qual um tratamento diferente no emprego pelas comunidades religiosas e pelas instituições que tutelam em razão da religião também é permitido quando uma determinada religião, tendo em conta a identidade desta comunidade religiosa à luz do seu direito de autodeterminação, constitui uma exigência profissional justificada?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Quais os requisitos que devem ser impostos à natureza da atividade e ao contexto da respetiva execução como requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados no âmbito da ética da organização, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva [2000/78]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

42

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma igreja ou uma outra organização cuja ética seja baseada na religião ou nas convicções, que tenciona proceder a um recrutamento, pode ela própria determinar, de maneira definitiva, as atividades profissionais no âmbito das quais a religião constitui, pela natureza da atividade em causa ou pelo contexto no qual é exercida, um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética dessa igreja ou dessa organização.

43

A título preliminar, importa salientar que não é controverso entre as partes no processo principal que a rejeição da candidatura de V. Egenberger com o fundamento de que esta não tinha confissão é constitutiva de uma diferença de tratamento baseada na religião na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

44

Feita esta precisão, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte e, nomeadamente, a génese dessa regulamentação (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 30).

45

Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78, resulta desta disposição que uma igreja ou uma outra organização cuja ética seja baseada na religião ou nas convicções pode prever um requisito ligado à religião ou às convicções se, atendendo à natureza da atividade em causa ou ao contexto no qual esta é exercida, a religião ou as convicções constituírem um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética da organização.

46

Ora, impõe‑se constatar que a fiscalização do respeito destes critérios, se coubesse, em caso de dúvida a esse respeito, não a uma autoridade independente, como um órgão jurisdicional nacional, mas à igreja ou à organização que tenciona pôr em prática uma diferença de tratamento baseada na religião ou nas convicções, ficaria privada de qualquer alcance.

47

Em segundo lugar, no que diz respeito ao objetivo da Diretiva 2000/78 e ao contexto em que se inscreve o seu artigo 4.o, n.o 2, há que recordar que esta diretiva tem por objeto, em conformidade com o seu artigo 1.o, estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação baseada, designadamente, na religião ou nas convicções no que se refere ao emprego e ao trabalho, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento. A referida diretiva concretiza, assim, no domínio por ela abrangido, o princípio geral da não discriminação atualmente consagrado no artigo 21.o da Carta.

48

Para assegurar o respeito deste princípio geral, o artigo 9.o da Diretiva 2000/78, lido à luz do seu considerando 29, impõe aos Estados‑Membros que prevejam processos, designadamente judiciais, com vista a exigir o respeito das obrigações decorrentes desta diretiva. Além disso, o artigo 10.o da referida diretiva exige que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias, em conformidade com os respetivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela inobservância, a seu respeito, do princípio da igualdade de tratamento e demonstre, perante um órgão jurisdicional ou outra instância competente, factos que permitam presumir a existência de uma discriminação direta ou indireta, incumba ao demandado provar que não houve violação desse princípio.

49

Além disso, a Carta — que é aplicável a um litígio como o que está em causa no processo principal uma vez que, por um lado, a AGG constitui a aplicação, em direito alemão, da Diretiva 2000/78, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, e, por outro, que este litígio diz respeito a uma pessoa que foi objeto de uma diferença de tratamento baseada na religião no contexto do acesso ao emprego — consagra, no seu artigo 47.o, o direito dos litigantes a uma proteção jurisdicional efetiva dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 50).

50

Embora a Diretiva 2000/78 vise assim proteger o direito fundamental dos trabalhadores a não serem alvo de uma discriminação em razão da religião ou das suas convicções, não deixa de ser verdade que, com o seu artigo 4.o, n.o 2, a referida diretiva pretende igualmente ter em conta o direito à autonomia das igrejas e das outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções, como é reconhecido no artigo 17.o TFUE e no artigo 10.o da Carta, que corresponde ao artigo 9.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950.

51

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 tem, assim, como objetivo assegurar um justo equilíbrio entre, por um lado, o direito à autonomia das igrejas e das outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções e, por outro, o direito dos trabalhadores a não serem objeto, designadamente quando do seu recrutamento, de uma discriminação baseada na religião ou nas convicções, em situações em que estes direitos podem estar em conflito.

52

Nesta perspetiva, esta disposição enuncia os critérios a ter em conta no âmbito da ponderação a que há que proceder para assegurar um justo equilíbrio entre estes direitos eventualmente em conflito.

53

Todavia, em caso de litígio, essa ponderação deve poder ser objeto, sendo caso disso, de fiscalização por uma autoridade independente e, em última instância, por um órgão jurisdicional nacional.

54

Neste contexto, a circunstância de o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 se referir às legislações nacionais em vigor à data da adoção desta diretiva, bem como às práticas nacionais existentes nessa mesma data, não pode ser interpretada no sentido de autorizar os Estados‑Membros a subtrair o respeito dos critérios enunciados nesta disposição a uma fiscalização jurisdicional efetiva.

55

Tendo em conta o exposto, há que concluir que, quando uma igreja ou uma outra organização cuja ética seja baseada na religião ou em convicções alega, em apoio de um ato ou de uma decisão como a rejeição de uma candidatura a um emprego na mesma, que, pela natureza das atividades em causa ou pelo contexto no qual essas atividades são exercidas, a religião constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética dessa igreja ou organização, essa alegação deve poder, se for caso disso, ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva que exige que se garanta que, no caso concreto, estão preenchidos os critérios enunciados no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

56

O artigo 17.o TFUE não é suscetível de infirmar esta conclusão.

57

Com efeito, em primeiro lugar, a redação desta disposição corresponde, em substância, à da Declaração n.o 11. Ora, o facto de esta última ser expressamente referida no considerando 24 da Diretiva 2000/78 demonstra que o legislador da União teve necessariamente em conta a referida declaração quando da adoção desta diretiva, em especial do seu artigo 4.o, n.o 2, uma vez que esta disposição remete precisamente para as legislações e para as práticas nacionais em vigor à data da adoção da referida diretiva.

58

Em seguida, há que constatar que o artigo 17.o TFUE exprime a neutralidade da União no que respeita à organização pelos Estados‑Membros das suas relações com as igrejas e as associações ou comunidades religiosas. Em contrapartida, este artigo não é suscetível de dispensar de uma fiscalização jurisdicional efetiva o respeito dos critérios enunciados no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

59

Tendo em conta todas as considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o n.o 2, da Diretiva 2000/78, lido em conjugação com os seus artigos 9.o e 10.o, bem como com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, quando uma igreja ou outra organização cuja ética seja baseada na religião ou em convicções alega, em apoio de um ato ou de uma decisão como a rejeição de uma candidatura a um emprego na mesma, que, pela natureza das atividades em causa ou pelo contexto no qual essas atividades são exercidas, a religião constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética dessa igreja ou dessa organização, essa alegação deve poder, se for caso disso, ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva que exige que se garanta que, no caso concreto, estão preenchidos os critérios enunciados no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

Quanto à terceira questão

60

Com a sua terceira questão, que importa examinar antes da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, com base em que critérios se deve verificar em cada caso concreto se, no âmbito da ética da igreja ou da organização em causa, a religião ou as convicções constituem, dada a natureza da atividade em causa ou o contexto em que é exercida, um requisito profissional essencial, legítimo e justificado, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

61

A este respeito, embora seja verdade que, no âmbito da ponderação prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, recordada nos n.os 51 e 52 do presente acórdão, os Estados‑Membros e suas autoridades, designadamente judiciárias, devem, salvo em casos muito excecionais, abster‑se de apreciar a legitimidade da própria ética da igreja ou da organização em causa (v., neste sentido, TEDH, 12 de junho de 2014, Fernández Martínez c. Espanha, CE:ECHR:2014:0612JUD005603007, n.o 129), incumbe‑lhes, no entanto, velar para que não seja violado o direito dos trabalhadores a não serem objeto de uma discriminação baseada, nomeadamente, na religião ou nas convicções. Assim, por força do referido artigo 4.o, n.o 2, esse exame visa verificar se a exigência profissional imposta pela igreja ou pela organização em causa é, em razão da natureza das atividades em causa ou do contexto em que são executadas, essencial, legítima e justificada atendendo a essa ética.

62

No que se refere à interpretação do conceito de «requisito profissional essencial, legítimo e justificado» que figura no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, decorre expressamente dessa disposição que é tendo em consideração a «natureza» das atividades em causa ou o «contexto» em que são exercidas que a religião ou as convicções podem, sendo caso disso, constituir uma exigência profissional deste tipo.

63

Assim, a legalidade, à luz desta última disposição, de uma diferença de tratamento baseada na religião ou nas convicções depende da existência objetivamente verificável de um nexo direto entre o requisito profissional imposto pelo empregador e a atividade em causa. Esse nexo pode decorrer quer da natureza dessa atividade, por exemplo quando esta implica participar na determinação da ética da igreja ou da organização em causa ou colaborar na sua missão de proclamação, quer das condições em que a referida atividade deve ser exercida, como a necessidade de assegurar uma representação credível da igreja ou da organização no exterior desta.

64

Além disso, esse requisito profissional deve ser, como exige o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, «essencial, legítimo e justificado» no âmbito da ética da igreja ou da organização. Embora, como foi salientado no n.o 61 do presente acórdão não incumba, em princípio, aos órgãos jurisdicionais nacionais pronunciarem‑se sobre a ética, enquanto tal, que está na base do requisito profissional invocado, cabe‑lhes, no entanto, determinar, caso a caso, se, no âmbito dessa ética, estes três critérios estão preenchidos.

65

No que diz respeito a estes últimos, importa precisar, em primeiro lugar, no que se refere ao caráter «essencial» do requisito, que o recurso a este adjetivo significa que, para o legislador da União, a pertença à religião ou a adesão às convicções em que assenta a ética da igreja ou da organização em causa deve afigurar‑se necessária em razão da importância da atividade profissional em causa para a afirmação dessa ética ou para o exercício por essa igreja ou por essa organização do seu direito à autonomia.

66

No que diz respeito, em segundo lugar, ao caráter «legítimo» do requisito, a utilização deste termo demonstra que o legislador da União pretendeu assegurar que o requisito relativo à pertença à religião ou à adesão às convicções em que assenta a ética da igreja ou da organização em causa não é adequada para prosseguir um fim alheio a essa ética ou ao exercício por essa igreja ou por essa organização do seu direito à autonomia.

67

No que diz respeito, em terceiro lugar, ao caráter «justificado» do requisito, este termo implica não só que a fiscalização do respeito dos critérios que figuram no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 pode ser feita por um órgão jurisdicional nacional mas também que a igreja ou a organização que impuseram esse requisito têm a obrigação de demonstrar, à luz de circunstâncias factuais do caso concreto, que o risco alegado de violação da sua ética ou do seu direito à autonomia é provável e sério, pelo que o estabelecimento deste requisito se afigura efetivamente necessário.

68

A este respeito, o requisito referido no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser conforme com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, embora seja verdade que esta disposição não prevê expressamente, ao contrário do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, que este requisito deva ser «proporcionado», não é menos certo que a mesma dispõe que qualquer diferença de tratamento deve ser operada, designadamente, no respeito dos «princípios gerais do direito comunitário». Uma vez que o princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 2014, Siragusa, C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 34 e jurisprudência referida, e de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 51), os órgãos jurisdicionais nacionais devem verificar se o requisito em questão é adequado e não vai além do que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido.

69

Atendendo a estas considerações, há que responder à terceira questão que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que o requisito profissional essencial, legítimo e justificado que aí é referido remete para um requisito necessário e objetivamente ditado, no âmbito da ética da igreja ou da organização em causa, pela natureza ou pelas condições de exercício da atividade profissional em causa e não pode abranger considerações alheias a essa ética ou ao direito à autonomia dessa igreja ou dessa organização. O referido requisito deve ser conforme com o princípio da proporcionalidade.

Quanto à segunda questão

70

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um órgão jurisdicional nacional tem a obrigação, no âmbito de um litígio entre particulares, de afastar a aplicação de uma disposição nacional que não seja suscetível de ser interpretada de uma maneira conforme com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

71

A este respeito, importa recordar que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, tendo em conta o conjunto das regras do direito nacional e em aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, decidir se e em que medida uma disposição nacional, como o § 9, n.o 1, da AGG, é suscetível de ser interpretada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 sem proceder a uma interpretação contra legem dessa disposição nacional (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 31, 32 e jurisprudência referida).

72

O Tribunal de Justiça decidiu, por outro lado, que a exigência de uma interpretação conforme inclui a obrigação de o órgão jurisdicional nacional alterar, sendo caso disso, uma jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva (Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 33 e jurisprudência referida).

73

Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter, de forma constante, sido interpretada num sentido que não é compatível com este direito (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278 , n.o 34).

74

Assim, no caso vertente, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a disposição nacional em causa no processo principal pode ser objeto de uma interpretação que seja conforme com a Diretiva 2000/78.

75

Caso lhe seja impossível proceder a essa interpretação conforme da disposição nacional em causa no processo principal, importa precisar, por um lado, que a Diretiva 2000/78 não consagra em si mesma o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho, princípio esse que tem a sua origem em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, mas tem unicamente por objeto estabelecer, nesses mesmos domínios, um quadro geral para lutar contra a discriminação baseada em diversos motivos, entre os quais figuram a religião ou as convicções, conforme resulta da epígrafe e do artigo 1.o desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2011, Römer, C‑147/08, EU:C:2011:286, n.o 59 e jurisprudência referida).

76

A proibição de qualquer discriminação baseada na religião ou em convicções reveste caráter imperativo enquanto princípio geral de direito da União. Consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, esta proibição basta, por si só, para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que os oponha num domínio abrangido pelo direito da União (v., no que se refere ao princípio da não discriminação em razão da idade, Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 47).

77

Tendo em conta o efeito imperativo por ele produzido, o artigo 21.o da Carta não se distingue, em princípio, das diferentes disposições dos Tratados fundadores que proíbem discriminações em função de diversos motivos, mesmo quando essas discriminações resultam de contratos celebrados entre particulares (v., por analogia, Acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56, n.o 39; de 6 de junho de 2000, Angonese, C‑281/98, EU:C:2000:296, n.os 33 a 36; de 3 de outubro de 2000, Ferlini, C‑411/98, EU:C:2000:530, n.o 50; e de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.os 57 a 61).

78

Por outro lado, importa sublinhar que, à semelhança do artigo 21.o da Carta, o seu artigo 47.o, relativo ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva, é suficiente por si só e não tem de ser precisado por disposições do direito da União ou do direito nacional para conferir aos particulares um direito invocável enquanto tal.

79

Assim, na hipótese referida no n.o 75 do presente acórdão, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurídica que decorre para os litigantes dos artigos 21.o e 47.o da Carta e a garantir o pleno efeito desses artigos, se necessário afastando a aplicação de qualquer disposição nacional contrária.

80

Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de um órgão jurisdicional poder, num litígio entre particulares, ser chamado a ponderar direitos fundamentais em conflito que as partes nesse litígio retiram de disposições do Tratado FUE ou da Carta e ser mesmo obrigado, no âmbito da fiscalização que deve efetuar, a assegurar que o princípio da proporcionalidade é respeitado. Com efeito, esta obrigação de estabelecer um equilíbrio entre os diferentes interesses em presença em nada afeta a invocabilidade, nesse litígio, dos direitos em questão (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2003, Schmidberger, C‑112/00, EU:C:2003:333, n.os 77 a 80, e de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.os 85 a 89).

81

Por outro lado, quando o juiz nacional é chamado a velar pelo respeito dos artigos 21.o e 47.o da Carta, ao mesmo tempo que procede a uma eventual ponderação de vários interesses em presença, como o respeito do estatuto das igrejas, consagrado no artigo 17.o TFUE, cabe‑lhe tomar em consideração, designadamente, o equilíbrio estabelecido entre esses interesses pelo legislador da União na Diretiva 2000/78, a fim de determinar as obrigações resultantes da Carta em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal [v., por analogia, Acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold, C‑144/04, EU:C:2005:709, n.o 76, e Despacho de 23 de abril de 2015, Comissão/Vanbreda Risk & Benefits, C‑35/15 P(R), EU:C:2015:275, n.o 31].

82

Tendo em conta o exposto, há que responder à segunda questão que um órgão jurisdicional nacional ao qual tenha sido submetido um litígio que opõe dois particulares está obrigado, quando não lhe seja possível interpretar o direito nacional de maneira conforme com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, a assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurídica que decorre para os litigantes dos artigos 21.o e 47.o da Carta e a garantir o pleno efeito desses artigos, se necessário afastando a aplicação de qualquer disposição nacional contrária.

Quanto às despesas

83

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, lido em conjugação com os seus artigos 9.o e 10.o, bem como com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, quando uma igreja ou outra organização cuja ética seja baseada na religião ou em convicções alega, em apoio de um ato ou de uma decisão como a rejeição de uma candidatura a um emprego na mesma, que, pela natureza das atividades em causa ou pelo contexto no qual essas atividades são exercidas, a religião constitui um requisito profissional essencial, legítimo e justificado no âmbito da ética dessa igreja ou dessa organização, essa alegação deve poder, se for caso disso, ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva que exige que se garanta que, no caso concreto, estão preenchidos os critérios enunciados no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78.

 

2)

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que o requisito profissional essencial, legítimo e justificado que aí é referido remete para um requisito necessário e objetivamente ditado, no âmbito da ética da igreja ou da organização em causa, pela natureza ou pelas condições de exercício da atividade profissional em causa e não pode abranger considerações alheias a essa ética ou ao direito à autonomia dessa igreja ou dessa organização. O referido requisito deve ser conforme com o princípio da proporcionalidade.

 

3)

Um órgão jurisdicional nacional ao qual tenha sido submetido um litígio que opõe dois particulares está obrigado, quando não lhe seja possível interpretar o direito nacional de maneira conforme com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, a assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurídica que decorre para os litigantes dos artigos 21.o e 47.o da Carta e a garantir o pleno efeito desses artigos, se necessário afastando a aplicação de qualquer disposição nacional contrária.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.