ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

13 de julho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Competência em matéria de seguros — Legislação nacional que prevê, sob certas condições, o direito de a pessoa lesada intentar uma ação judicial diretamente contra o segurador do responsável pelo acidente — Cláusula atributiva de jurisdição acordada entre o segurador e o autor do dano»

No processo C‑368/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Højesteret (Supremo Tribunal, Dinamarca), por decisão de 20 de junho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de julho de 2016, no processo

Assens Havn

contra

Navigators Management (UK) Limited,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, M. Safjan (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Navigators Management (UK) Limited, por H. Nissen, advokat,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e J. Van Holm, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e L. Grønfeldt, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir o processo sem conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 13.°, ponto 5, e 14.°, ponto 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Assens Havn (porto de Assens, Dinamarca) à Navigators Management (UK) Limited, uma companhia de seguros (a seguir «Navigators Management»), a respeito da reparação do dano causado às instalações do cais do porto de Assens por um rebocador segurado nessa companhia.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 44/2001

3

Os considerandos 11 e 13 do Regulamento n.o 44/2001 têm o seguinte teor:

«(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão […]

[…]

(13)

No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.»

4

Os artigos 8.° a 14.°, que figuram na secção 3, com a epígrafe «Competência em matéria de seguros», do capítulo II do referido regulamento, contêm as regras de competência em matéria de seguros.

5

De acordo com o artigo 8.o deste mesmo regulamento:

«Em matéria de seguros, a competência é determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o»

6

O artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 dispõe:

«O segurador domiciliado no território de um Estado‑Membro pode ser demandado:

a)

Perante os tribunais do Estado‑Membro em que tiver domicílio; ou

b)

Noutro Estado‑Membro, em caso de ações intentadas pelo tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, perante o tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio […]

[…]»

7

Nos termos do artigo 10.o deste regulamento:

«O segurador pode também ser demandado perante o tribunal do lugar onde o facto danoso ocorreu quando se trate de um seguro de responsabilidade civil ou de um seguro que tenha por objeto bens imóveis. Aplica‑se a mesma regra quando se trata de um seguro que incida simultaneamente sobre bens imóveis e móveis cobertos pela mesma apólice e atingidos pelo mesmo sinistro.»

8

Segundo o artigo 11.o, n.o 2, do referido regulamento:

«O disposto nos artigos 8.°, 9.° e 10.° aplica‑se no caso de ação intentada pelo lesado diretamente contra o segurador, sempre que tal ação direta seja possível.»

9

O artigo 13.o deste mesmo regulamento dispõe:

«As partes só podem convencionar derrogações ao disposto na presente secção desde que tais convenções:

[…]

2)

Permitam ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção; ou

3)

Sejam concluídas entre um tomador do seguro e um segurador, ambos com domicílio num mesmo Estado‑Membro, e tenham por efeito atribuir competência aos tribunais desse Estado, mesmo que o facto danoso ocorra no estrangeiro, salvo se a lei desse Estado não permitir tais convenções; ou

[…]

5)

Digam respeito a um contrato de seguro que cubra um ou mais dos riscos enumerados no artigo 14.o»

10

Segundo o artigo 14.o do Regulamento n.o 44/2001:

«Os riscos a que se refere o ponto 5 do artigo 13.o são os seguintes:

1)

Qualquer dano:

a)

Em navios de mar, nas instalações ao largo da costa e no alto mar ou em aeronaves, causado por eventos relacionados com a sua utilização para fins comerciais;

[…]

2)

Qualquer responsabilidade, com exceção da relativa aos danos corporais dos passageiros ou à perda ou aos danos nas suas bagagens:

a)

Resultante da utilização ou da exploração dos navios, instalações ou aeronaves, em conformidade com a alínea a) do ponto 1, desde que, no que respeita a estas últimas, a lei do Estado‑Membro de matrícula da aeronave não proíba as cláusulas atributivas de jurisdição no seguro de tais riscos;

[…]»

11

O artigo 23.o deste regulamento, que figura na secção 7 do mesmo capítulo II, com a epígrafe «Extensão de competência», dispõe, nos seus n.os 1 e 5:

«1.   Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)

Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b)

Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c)

No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

[…]

5.   Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de “trust” não produzirão efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 13.°, 17.° e 21.°, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22.o»

12

O Regulamento n.o 44/2001 foi revogado pelo artigo 80.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1). Ora, nos termos do seu artigo 81.o, segundo parágrafo, este último regulamento só é aplicável a partir 10 de janeiro de 2015.

Acordo CE‑Dinamarca

13

O Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinado em Bruxelas em 19 de outubro de 2005 (JO 2005, L 299, p. 62, a seguir «Acordo CE‑Dinamarca»), aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 2006/325/CE do Conselho, de 27 de abril de 2006 (JO 2006, L 120, p. 22), tem por objetivo aplicar as disposições do Regulamento n.o 44/2001 e suas medidas de execução nas relações entre a União Europeia e o Reino da Dinamarca. Este acordo entrou em vigor em 1 de julho de 2007, em conformidade com o seu artigo 12.o, n.o 2 (JO 2007, L 94, p. 70).

14

O preâmbulo do acordo CE‑Dinamarca tem a seguinte redação:

«[…]

Considerando que o Tribunal de Justiça [da União Europeia] deve ser competente nas mesmas condições para se pronunciar a título prejudicial sobre a validade e interpretação do presente Acordo na sequência de um pedido de um órgão jurisdicional dinamarquês, e que os órgãos jurisdicionais dinamarqueses devem, por conseguinte, solicitar uma decisão a título prejudicial nas mesmas condições que os órgãos jurisdicionais dos outros Estados‑Membros, em matéria de interpretação do Regulamento [n.o 44/2001] e suas medidas de execução,

[…]»

15

O artigo 2.o do Acordo CE‑Dinamarca, com a epígrafe «Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial», dispõe, no seu n.o 1:

«As disposições do Regulamento [n.o 44/2001], anexo ao presente acordo e que dele faz parte integrante, juntamente com as suas medidas de execução adotadas nos termos do n.o 2 do artigo 74.o do regulamento e ‑ relativamente às medidas de execução adotadas após a entrada em vigor do presente acordo ‑ executadas [pelo Reino da Dinamarca] de acordo com o artigo 4.o do presente acordo, bem como as medidas adotadas nos termos do n.o 1 do artigo 74.o do regulamento, são aplicáveis nas relações entre a [União] e [o Reino da Dinamarca] em conformidade com o direito internacional.»

16

O artigo 6.o do Acordo CE‑Dinamarca, com a epígrafe «Competência do Tribunal de Justiça [da União Europeia] em matéria de interpretação do acordo», prevê, no seu n.o 1:

«Quando uma questão sobre a validade ou interpretação do presente acordo for suscitada num processo pendente num órgão jurisdicional dinamarquês, esse órgão jurisdicional deve solicitar ao Tribunal de Justiça [da União Europeia] que se pronuncie sobre a questão, sempre que nas mesmas circunstâncias um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro da União Europeia deva fazer o mesmo por força do Regulamento [n.o 44/2001] e das suas medidas de execução referidas no n.o 1 do artigo 2.o do presente acordo.»

Direito dinamarquês

17

O artigo 95.o do forsikringsaftaleloven (Lei sobre os contratos de seguro) dispõe:

«1.   Quando a obrigação do segurado de indemnizar o lesado tiver sido constatada e o montante da reparação tiver sido determinado, o lesado fica sub‑rogado nos direitos do segurado contra a companhia na medida em que não tenha sido ressarcido.

2.   O lesado fica igualmente sub‑rogado nos direitos do segurado contra a companhia se o seu crédito de indemnização for afetado pela falência do segurado ou por uma concordata ou restruturação do passivo. Se o lesado não tiver sido ressarcido, pode invocar a totalidade do seu crédito de indemnização contra a companhia. Nas situações abrangidas pelo primeiro período, a companhia informará o segurado, dentro de um prazo razoável, de que recebeu uma notificação de um crédito de indemnização.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

18

No outono de 2007, a Skåne Entreprenad Service AB (a seguir «Skåne Entreprenad»), sociedade de direito sueco, assegurou um transporte de beterraba açucareira para uma fábrica situada em Nykøbing Falster (Dinamarca). Uma parte do transporte foi feita de barco, de Assens para Nakskov (Dinamarca). Com vista a esta viagem, a Skåne Entreprenad afretou vários rebocadores e batelões, entre os quais o rebocador Sea Endeavour I, e subscreveu um seguro de responsabilidade junto da Navigators Management.

19

A apólice de seguro continha, nomeadamente, a seguinte cláusula:

«Lei aplicável e tribunais competentes

O presente seguro é regido pelo direito aplicável na Inglaterra e no País de Gales e deve ser interpretado em conformidade com esse direito, comprometendo‑se cada uma das partes a submeter‑se à competência exclusiva dos tribunais da Inglaterra e do País de Gales.»

20

Além disso, as condições de seguro da Navigators Management continham a seguinte cláusula:

«7) Lei aplicável, procedimento em caso de litígio e resolução dos litígios

O presente seguro é regido pelo direito inglês e deve ser interpretado em conformidade com tal direito. É, em particular, submetido à Lei de 1906 sobre os seguros marítimos, conforme alterada, sendo caso disso, cujas disposições se consideram fazer parte do seguro. O presente seguro, bem como qualquer litígio decorrente da sua execução ou com ele relacionado, estão sujeitos à competência exclusiva da [High Court of Justice (England & Wales) em Londres, Reino Unido].»

21

Em 24 de novembro de 2007, durante a passagem do rebocador Sea Endeavour I no porto de Assens, foram causados danos às instalações de cais. As partes no processo principal discordam quanto às questões de saber de que modo os danos surgiram e quem deve responder pelos mesmos.

22

Dado que a Skåne Entreprenad foi entretanto objeto de um processo de insolvência, o Assens Havn intentou uma ação diretamente contra a Navigators Management, na qualidade de segurador da responsabilidade do alegado autor do prejuízo, no Sø‑ og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial, Dinamarca), pedindo a condenação desta sociedade a pagar‑lhe o montante de 1310536 coroas dinamarquesas (DKK) (cerca de 176270 euros) para reparação desses danos.

23

Após ter submetido a questão da competência judiciária a uma tramitação particular, esse tribunal, por sentença de 22 de dezembro de 2014, julgou a ação inadmissível por falta de competência dos tribunais dinamarqueses, pelo facto de a cláusula atributiva de jurisdição acordada entre as partes no contrato de seguro ser oponível ao lesado. O Assens Havn interpôs recurso desta sentença no órgão jurisdicional de reenvio.

24

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a questão principal é saber se o Assens Havn, que, ao abrigo do artigo 95.o, n.o 2, da Lei sobre os contratos de seguro, tem o direito de agir diretamente contra a companhia de seguros do autor do prejuízo, está vinculado pela cláusula atributiva de jurisdição contida no contrato de seguro celebrado entre a Skåne Entreprenad e a Navigators Management, por força do artigo 13.o, ponto 5, do Regulamento n.o 44/2001, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), deste regulamento. Na afirmativa, o Sø‑ og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial) julgou corretamente inadmissível a ação intentada pelo Assens Havn.

25

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, embora, em princípio, em direito dinamarquês, o lesado não possa intentar diretamente uma ação contra a companhia de seguros do autor do prejuízo, o artigo 95.o da Lei sobre os contratos de seguro permite‑o, todavia, quando, por exemplo, o tomador do seguro tenha falido, como sucedeu no caso em apreço.

26

Foi nestas circunstâncias que o Højesteret (Supremo Tribunal, Dinamarca) decidiu suspender a instância a submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 13.o, ponto 5, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), do Regulamento [n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que uma pessoa lesada que, ao abrigo do direito nacional, tem a faculdade de agir diretamente contra a companhia de seguros do autor do prejuízo está vinculada, por força do artigo 13.o, ponto 5, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), do referido regulamento, por uma cláusula atributiva de jurisdição regularmente estipulada entre o segurador e o tomador do seguro?»

Quanto à questão prejudicial

27

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, ponto 5, do Regulamento n.o 44/2001, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o lesado que dispõe da possibilidade de intentar diretamente uma ação contra o segurador do autor do dano por si sofrido pode estar vinculado por uma cláusula atributiva de jurisdição acordada entre este segurador e este autor.

28

Para responder a esta questão, importa referir a economia das disposições da secção 3 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 e os objetivos que lhes estão subjacentes.

29

A este respeito, deve recordar‑se que a secção 3 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 institui um sistema autónomo de repartição das competências jurisdicionais em matéria de seguros (v., neste sentido, acórdão de 12 de maio de 2005, Société financière et industrielle du Peloux, C‑112/03, EU:C:2005:280, n.o 29).

30

À semelhança das matérias relativas aos trabalhadores e aos consumidores, a ação em matéria de seguros é caracterizada por um certo desequilíbrio entre as partes (v., neste sentido, acórdão de 26 de maio de 2005, GIE Réunion européenne e o., C‑77/04, EU:C:2005:327, n.o 22), que as normas previstas no artigo 8.o da secção 3 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 visam corrigir ao fazer beneficiar a parte mais fraca de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.o 40).

31

Em especial, as referidas disposições facilitam a situação do lesado de um dano que esteja segurado ao permitir‑lhe demandar o segurador em causa, nomeadamente, no tribunal do lugar onde o facto danoso ocorreu, desde que o direito nacional preveja essa possibilidade.

32

No caso vertente, conforme resulta dos n.os 24 e 25 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio, a quem incumbe interpretar o seu próprio direito nacional, considera que o artigo 95.o, n.o 2, da Lei sobre os contratos de seguro, aplicável ao litígio no processo principal, institui, em benefício do lesado, o direito de intentar diretamente uma ação contra o segurador, na aceção do artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001.

33

No que se refere à oponibilidade de um pacto atributivo de jurisdição ao lesado, afigura‑se, por um lado, que, segundo o artigo 13.o, ponto 5, do Regulamento n.o 44/2001, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), do mesmo regulamento, esse pacto pode derrogar as disposições da secção 3 do referido regulamento, nomeadamente nos casos dos contratos de seguro que cobrem toda a responsabilidade resultante da utilização ou da exploração de navios.

34

Por outro lado, está assente que o artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001, que torna aplicáveis as disposições dos artigos 8.° a 10.° deste regulamento em caso de ser diretamente intentada uma ação pelo lesado contra o segurador, não visa os artigos 13.° e 14.° do referido regulamento e, portanto, os pactos de extensão da competência.

35

Assim, não resulta da economia das disposições da secção 3 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 que seja oponível ao lesado um pacto atributivo de jurisdição.

36

A este propósito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de salientar que, em matéria de contratos de seguros, a extensão da competência permanece estritamente enquadrada pelo objetivo de proteção da pessoa economicamente mais fraca (v., neste sentido, acórdão de 12 de maio de 2005, Société financière et industrielle du Peloux, C‑112/03, EU:C:2005:280, n.o 31).

37

Assim, o artigo 13.o do Regulamento n.o 44/2001 enumera taxativamente as situações em que as partes podem convencionar derrogações ao disposto nas regras contidas na secção 3 do capítulo II deste regulamento.

38

Além disso, nos termos do artigo 23.o, n.o 5, do referido regulamento, os pactos atributivos de jurisdição não produzirão efeitos se forem contrários ao disposto no referido artigo 13.o Resulta destas disposições que esse regulamento institui um sistema em que as derrogações às regras de competência em matéria de seguros devem ser interpretadas restritivamente (v., por analogia, acórdão de 12 de maio de 2005, Société financière et industrielle du Peloux, C‑112/03, EU:C:2005:280, n.o 31).

39

Por outro lado, impõe‑se constatar que a situação do terceiro lesado por um dano que esteja segurado está ainda mais longe da relação contratual que contempla uma cláusula atributiva de jurisdição do que a do segurado beneficiário que não consentiu expressamente nessa cláusula, como sucedia no acórdão de 12 de maio de 2005, Société financière et industrielle du Peloux (C‑112/03, EU:C:2005:280).

40

Assim, há que considerar que uma cláusula atributiva de jurisdição acordada entre um segurador e um tomador de seguro não pode ser oposta ao lesado por um dano que esteja segurado que pretenda intentar diretamente uma ação contra o segurador no órgão jurisdicional do lugar onde o facto danoso ocorreu, conforme recordado no n.o 31 do presente acórdão, ou no tribunal do lugar do seu domicílio, possibilidade que o Tribunal de Justiça reconheceu no seu acórdão de 13 de dezembro de 2007, FBTO Schadeverzekeringen (C‑463/06, EU:C:2007:792, n.o 31).

41

Com efeito, a extensão aos lesados do efeito vinculativo das cláusulas atributivas de jurisdição baseadas nas disposições conjugadas dos artigos 13.° e 14.° do Regulamento n.o 44/2001 poderia comprometer o objetivo prosseguido pela secção 3 do capítulo II do regulamento, a saber, proteger a parte económica e juridicamente mais fraca (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.o 40).

42

Visto o que precede, o artigo 13.o, ponto 5, do Regulamento n.o 44/2001, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o lesado que dispõe da possibilidade de intentar diretamente uma ação contra o segurador do autor do dano por si sofrido não está vinculado por uma cláusula atributiva de jurisdição acordada entre este segurador e este autor.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 13.o, ponto 5, do Regulamento (CE) n.o 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conjugado com o artigo 14.o, ponto 2, alínea a), do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o lesado que dispõe da possibilidade de intentar diretamente uma ação contra o segurador do autor do dano por si sofrido não está vinculado por uma cláusula atributiva de jurisdição acordada entre este segurador e este autor.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.