ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de dezembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2000/60/CE — Política da União Europeia no domínio das águas — Artigo 4.o, n.o 1, e artigo 14.o, n.o 1 — Obrigações de prevenir a deterioração do estado das massas de água e de incentivar a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da diretiva — Convenção de Aarhus — Participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente — Artigo 6.o e artigo 9.o, n.os 3 e 4 — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito à tutela jurisdicional efetiva — Projeto suscetível de ter impacto no estado das águas — Processo administrativo de licenciamento — Organização de defesa do ambiente — Pedido de obtenção do estatuto de parte no processo administrativo — Possibilidade de invocar direitos conferidos pela Diretiva 2000/60/CE — Preclusão do estatuto de parte no processo e do direito de recurso na falta de invocação dos referidos direitos, em tempo oportuno, no decurso do processo administrativo»

No processo C‑664/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), por decisão de 26 de novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2015, no processo

Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation

contra

Bezirkshauptmannschaft Gmünd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal (relator) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de março de 2017,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation, por L. E. Riegler, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e C. Vogl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Pignataro‑Nolin, C. Hermes e E. Manhaeve, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de outubro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO 2000, L 327, p. 1), ou desta diretiva em si mesma, e do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (Protect, Organização Ambiental de Proteção da Natureza, das Espécies e da Paisagem, Áustria, a seguir «Protect») à Bezirkshauptmannschaft Gmünd (Autoridade Municipal de Gmünd, Áustria) a propósito do pedido desta organização destinado a obter o reconhecimento do estatuto de parte num processo relativo ao pedido de renovação de uma licença concedida ao abrigo da legislação das águas para uma instalação de produção de neve, apresentado pela Aichelberglift Karlstein GmbH.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O décimo oitavo considerando da Convenção de Aarhus enuncia:

«Procurando garantir ao público, bem como às organizações, o acesso a mecanismos judiciais eficazes por forma a proteger os seus interesses legítimos e a garantir a aplicação da lei».

4

O artigo 2.o desta Convenção, sob a epígrafe «Definições», estipula, nos seus n.os 4 e 5:

«4.   “Público”: uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais;

5.   “Público envolvido”: o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; para efeitos da presente definição, presumem‑se interessadas as organizações não governamentais que promovam a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional.»

5

O artigo 6.o da referida Convenção, sob a epígrafe «Participação do público nas decisões referentes a atividades específicas», dispõe que:

«1.   Cada parte:

a)

Aplicará o disposto no presente artigo às decisões relativas à autorização das atividades propostas, constantes do anexo I;

b)

Aplicará igualmente o disposto no presente artigo, em conformidade com a legislação nacional, às decisões relativas às atividades propostas não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Para este fim, as partes determinarão a pertinência da sujeição de tal atividade às disposições em apreço;

[…]

2.   O público envolvido será informado de forma adequada, atempada e efetiva, na fase inicial de um processo de tomada de decisões em matéria ambiental, através de aviso público ou individualmente, […]

[…]

3.   Os procedimentos aplicáveis à participação do público estabelecerão prazos razoáveis para as diferentes etapas, prevendo períodos de tempo suficientes para informar o público de acordo com o disposto no n.o 2 e para permitir que o público se prepare e participe ativamente no processo de tomada de decisões do domínio do ambiente.

4.   Cada parte velará pela participação do público o mais cedo possível no processo, quando todas as opções estiverem em aberto e possa haver uma participação efetiva do público.

5.   Se necessário, cada parte encorajará os possíveis requerentes a identificar o público envolvido, a proceder a debates e a fornecer as informações relativas aos objetivos do seu pedido antes do pedido de autorização.

6.   Cada parte exigirá às autoridades públicas competentes que concedam ao público envolvido, mediante pedido, sempre que a legislação nacional assim o imponha, gratuitamente e assim que estejam disponíveis, o acesso para exame a todas as informações que estiverem disponíveis no momento do procedimento de participação do público e que sejam relevantes para o processo de tomada de decisões referido no presente artigo, sem prejuízo do direito de as partes recusarem a divulgação de determinadas informações em conformidade com o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 4.o […]

[…]

7.   Os procedimentos aplicáveis à participação do público deverão prever a possibilidade de o público apresentar por escrito ou, se necessário, nas audições ou consultas públicas com o requerente, comentários, informações, análises ou pareceres que considere relevantes para a atividade proposta.

[…]»

6

O artigo 9.o da mesma Convenção, sob a epígrafe «Acesso à justiça», prevê, nos seus n.os 2 a 4:

«2.   Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a)

Que tenham um interesse suficiente; ou, em alternativa,

b)

Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia,

tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente Convenção.

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente Convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‑se‑á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

[…]

3.   Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.

4.   Além disso, e sem prejuízo do disposto no n.o 1, os processos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos. As decisões adotadas em aplicação do presente artigo serão apresentadas ou registadas por escrito. As decisões dos tribunais e, sempre que possível, de outros órgãos estarão acessíveis ao público.»

Direito da União

Diretiva 92/43

7

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2006/105/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO 2006, L 363, p. 368) (a seguir «Diretiva 92/43»), dispõe:

«Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.»

Diretiva 2000/60

8

Os considerandos 11, 19, 27 e 46 da Diretiva 2000/60 enunciam:

«(11)

Segundo o artigo 174.o do Tratado, a política comunitária no âmbito do ambiente contribuirá para a prossecução dos objetivos de preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, mediante uma utilização prudente e racional dos recursos naturais, e deve basear‑se nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor‑pagador.

[…]

(19)

A presente diretiva tem por objetivo conservar e melhorar o ambiente aquático na Comunidade. Esse objetivo diz respeito, antes de mais, à qualidade das águas em questão. […]

[…]

(27)

O objetivo último da presente diretiva é conseguir a eliminação das substâncias poluentes prioritárias e contribuir para a consecução, no ambiente marinho, de valores próximos dos de fundo quanto às substâncias naturalmente presentes.

[…]

(46)

Para garantir a participação do público em geral, inclusivamente dos utilizadores das águas, na elaboração e atualização dos planos de gestão de bacias hidrográficas, é necessário fornecer informações adequadas acerca das medidas previstas e do progresso alcançado na sua execução, por forma a permitir a participação do público em geral antes da adoção das decisões finais relativas às medidas necessárias.»

9

O artigo 1.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Objetivo», prevê:

«O objetivo da presente diretiva é estabelecer um enquadramento para a proteção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas que:

a)

Evite a continuação da degradação e proteja e melhore o estado dos ecossistemas aquáticos, e também dos ecossistemas terrestres e zonas húmidas diretamente dependentes dos ecossistemas aquáticos, no que respeita às suas necessidades em água;

b)

Promova um consumo de água sustentável, baseado numa proteção a longo prazo dos recursos hídricos disponíveis;

c)

Vise uma proteção reforçada e um melhoramento do ambiente aquático, nomeadamente através de medidas específicas para a redução gradual das descargas, das emissões e perdas de substâncias prioritárias e da cessação ou eliminação por fases de descargas, emissões e perdas dessas substâncias prioritárias;

[…]»

10

O artigo 4.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objetivos ambientais», dispõe, no seu n.o 1:

«Ao garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas:

a)

Para as águas de superfície:

i)

Os Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície, em aplicação dos n.os 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8;

ii)

Os Estados‑Membros protegerão, melhorarão e recuperarão todas as massas de águas de superfície, sob reserva de aplicação da alínea iii) para as massas de água artificiais e fortemente modificadas, com o objetivo de alcançar um bom estado das águas de superfície 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva nos termos do anexo V, sob reserva da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8;

iii)

Os Estados‑Membros protegerão e melhorarão o estado de todas as massas de água artificiais e fortemente modificadas, a fim de alcançar um bom potencial ecológico e um bom estado químico das águas de superfície 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva, nos termos do disposto no anexo V, sem prejuízo da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7, bem como do n.o 8;

[…]»

11

O artigo 14.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Informação e consulta do público», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da presente diretiva, especialmente na elaboração, revisão e atualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica. Os Estados‑Membros garantirão, em relação a cada região hidrográfica, que sejam publicados e facultados ao público, incluindo os utilizadores, para eventual apresentação de observações:

[…]

2.   Os Estados‑Membros devem prever um período de, pelo menos, seis meses para a apresentação de observações escritas sobre esses documentos, a fim de possibilitar a participação ativa e a consulta.

[…]»

Direito austríaco

12

A Allgemeines Verwaltungsverfahrensgesetz (Lei geral do processo administrativo), na versão aplicável ao processo principal (a seguir «AVG»), dispõe, no seu § 8:

«As pessoas que recorrem à atividade da autoridade ou às quais esta atividade se refere têm o estatuto de interessadas; na medida em que disponham, relativamente ao objeto desta atividade, de um direito ou de um interesse jurídico, têm o estatuto de partes.»

13

O § 41 da AVG prevê:

«(1)   A convocação de uma audiência deve fazer‑se mediante notificação pessoal das partes interessadas conhecidas. Quando possa haver outras partes interessadas, a audiência deve ainda ser anunciada por edital afixado no quadro de anúncios da comuna, por comunicação no jornal determinado para os anúncios oficiais da autoridade administrativa ou por comunicação na página oficial eletrónica da mesma autoridade.

(2)   […] A notificação (anúncio) da realização da audiência deve conter as informações exigidas para as citações, incluindo a indicação das consequências previstas nos termos do § 42. […]»

14

Nos termos do § 42, n.o 1, da AVG:

«Se a realização de uma audiência nos termos do § 41, n.o 1, segundo período, for anunciada de uma forma especial prevista nas disposições administrativas, isto tem como consequência que uma pessoa perde o seu estatuto de parte se não apresentar as suas objeções à autoridade administrativa o mais tardar até ao dia anterior ao início da audiência, durante as horas de expediente, ou no decurso da própria audiência. Se as disposições administrativas forem omissas quanto ao modo de anúncio, ocorre a consequência a que se refere o primeiro período se a audiência tiver sido anunciada nos termos do § 41, n.o 1, segundo período, e com a forma adequada.»

15

O § 102 da Wasserrechtsgesetz (Lei relativa à água), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «WRG»), tem a seguinte redação:

«(1)   São partes:

a)

O requerente;

b)

As pessoas sujeitas a uma obrigação de prestação, de não oposição ou de abstenção, ou cujos direitos […] são afetados de outro modo, os titulares de direitos de pesca […] ou de utilização […], bem como as pessoas que invocam a existência de um conflito;

[…]

(2)   Gozam, em especial, do estatuto de interessado na aceção do § 8 da [AVG] — consoante o objeto da audiência em causa e na medida em que o estatuto de parte ainda não lhes tenha sido reconhecido nos termos do n.o 1 — as pessoas que tenham interesse na utilização do domínio público, os titulares de direitos reais sobre os bens imóveis afetados, os potenciais beneficiários da preservação ou do abandono de uma instalação ou da extinção de um direito sobre as águas e, para efeitos do processo de oposição aos projetos […], as pessoas que devam ser consideradas partes (n.o 1) na execução destes projetos.

(3)   As pessoas interessadas são autorizadas a invocar os seus interesses no decurso do processo, mas não têm o direito de apresentar objeções.

[…]»

16

Resulta do § 145 (b), n.o 6, da WRG que esta lei federal se destina, designadamente, a transpor a Diretiva 2000/60.

17

A Umweltverträglichkeitsprüfungsgesetz 2000 (Lei de 2000 relativa à avaliação do impacto no ambiente, BGBl. 697/1993), na versão aplicável ao processo principal (a seguir «UVP‑G 2000»), destina‑se a transpor para a ordem jurídica austríaca a Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1).

18

Nos termos do § 19, n.o 7, da UVP‑G 2000, uma organização de defesa do ambiente que satisfaça os requisitos previstos no n.o 6 deste § 19 pode requerer o seu reconhecimento para poder exercer os direitos inerentes ao estatuto de parte nos processos relativos a projetos que devam ser realizados em determinados Länder.

19

Em conformidade com o § 19, n.o 10, da UVP‑G 2000, as organizações de defesa do ambiente assim reconhecidas podem exigir o respeito das disposições de proteção do ambiente nestes processos, incluindo no âmbito de um recurso jurisdicional, desde que tenham apresentado por escrito as suas objeções durante o processo administrativo, em especial durante o período de consulta pública dos documentos do processo, previsto no § 9, n.o 1, da UVP‑G 2000, cuja duração não pode ser inferir a seis meses.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20

A Aichelberglift Karlstein apresentou, nos termos da WRG, um pedido de renovação da licença para uma instalação de produção de neve pertencente a uma estância de esqui e que contém um reservatório de água abastecido por água captada no Einsiedlbach, um rio situado na Áustria.

21

No âmbito desse processo administrativo, a Protect, uma organização de defesa do ambiente reconhecida nos termos do artigo 19.o, n.o 7, da UVP‑G 2000, pediu para lhe ser reconhecido o estatuto de parte e apresentou objeções à concessão da referida licença, com base no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43.

22

Invocando diversos estudos, alegou que o projeto em causa teria um impacto considerável nas zonas protegidas ao abrigo da Diretiva 92/43, designadamente em razão do ruído provocado pelas instalações de produção de neve, e afetaria significativamente determinadas espécies presentes naquelas zonas, entre as quais várias espécies de aves protegidas cujos habitats já estavam ameaçados pelas instalações existentes, o que, aliás, tinha levado ao desaparecimento de várias destas espécies das referidas zonas.

23

Na sequência dos debates sobre o pedido de licença que tiveram lugar na audiência de 4 de julho de 2013 em conformidade com os §§ 41 e 42 da AVG, a Autoridade Municipal de Gmünd concedeu, por decisão de 4 de novembro de 2013, a licença requerida pela Aichelberglift Karlstein.

24

A referida autoridade indeferiu o pedido e as objeções da Protect, com o fundamento de que esta não tinha invocado nenhuma violação dos direitos protegidos ao abrigo da legislação das águas e não podia, por conseguinte, invocar o estatuto de parte no processo.

25

A decisão de 4 de novembro de 2013 remete para uma decisão anterior na qual a autoridade competente em matéria de proteção da natureza considerou, com base num relatório que contém uma avaliação do eventual impacto do projeto em causa nas zonas protegidas ao abrigo da Diretiva 92/43, que não tinha de se opor ao licenciamento desse projeto ao abrigo da legislação em matéria de proteção da natureza.

26

A Protect interpôs então recurso da decisão de 4 de novembro de 2013, invocando a violação do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e das disposições da Diretiva 2000/60, tendo alegado, em especial, que, apesar de esta diretiva impor a preservação do bom estado ecológico das águas, já era notória a deterioração do estado ecológico das águas em causa, provocada pelas instalações de produção de neve existentes.

27

Por acórdão de 30 de janeiro de 2015, o Landesverwaltungsgericht Niederösterreich (Tribunal Administrativo Regional da Baixa Áustria, Áustria) negou provimento ao recurso da Protect, com o fundamento de que esta tinha perdido o seu estatuto de parte no processo, nos termos do § 42 da AVG, por não ter invocado, no decurso do processo administrativo e, o mais tardar, na audiência, direitos protegidos ao abrigo da legislação das águas e porque, além disso, a Convenção de Aarhus não é diretamente aplicável em direito interno.

28

A Protect interpôs então no órgão jurisdicional de reenvio um recurso de «Revision», alegando que o artigo 2.o, n.os 4 e 5, e o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus lhe conferem o estatuto de parte nos processos em matéria de direito das águas e que tem um interesse jurídico na observância das disposições do direito da União em matéria de proteção do ambiente, em especial das da Diretiva 2000/60, que, em seu entender, o projeto em causa infringe gravemente.

29

Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 4.o da [Diretiva 2000/60,] ou esta diretiva em si mesma, confere a uma organização de defesa do ambiente, num processo que não está sujeito à avaliação dos efeitos no ambiente, nos termos da [Diretiva 2011/92], direitos para cuja defesa aquela pode intervir em processos administrativos ou judiciais ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, da [Convenção de Aarhus]?

No caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

De acordo com as disposições da Convenção de Aarhus, é necessário que estes direitos possam ser invocados desde logo nos processos que decorrem perante as autoridades administrativas ou é suficiente que haja a possibilidade de garantir a tutela jurisdicional contra a decisão da autoridade administrativa?

3)

É admissível que o direito processual nacional (§ 42 da [AVG]) imponha à organização de defesa do ambiente — bem como às outras partes no processo — o dever de apresentarem as suas objeções, em tempo oportuno, não pela primeira vez em recurso para o tribunal administrativo, mas logo no processo que decorre perante as autoridades administrativas, sob pena de perderem o seu estatuto de parte e já não poderem interpor nenhum recurso para o tribunal administrativo?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da Diretiva 2000/60 ou esta diretiva em si mesma devem ser interpretados no sentido de que uma organização de defesa do ambiente deve poder, nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, impugnar judicialmente uma decisão de licenciamento, regida exclusivamente pela legislação das águas, de um projeto que não está sujeito à avaliação do impacto ambiental nos termos da Diretiva 2011/92.

31

O Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva 2000/60 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados, sem prejuízo da concessão de uma derrogação, a recusar a aprovação de um projeto concreto, quando este seja suscetível de provocar uma deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou quando comprometa a obtenção de um bom estado das águas de superfície ou de um bom potencial ecológico e de um bom estado químico das águas de superfície na data prevista por esta diretiva (acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 51).

32

Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/60 não se limita a enunciar, através de uma formulação programática, simples objetivos de planeamento de gestão, mas tem efeitos vinculativos para os Estados‑Membros, impondo‑lhes a obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, uma vez determinado o estado ecológico da massa de águas em causa em cada etapa do processo descrito pela mesma diretiva e, em especial, aquando da autorização de projetos específicos em aplicação do sistema de derrogações previsto no referido artigo 4.o (v., neste sentido, acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.os 43 e 48).

33

Deste modo, o artigo 4.o da Diretiva 2000/60 contribui para realizar o objetivo principal prosseguido pelas medidas tomadas ao abrigo desta diretiva, que, como resulta do seu artigo 1.o, lido à luz dos considerandos 11, 19 e 27 da referida diretiva, consiste em assegurar a proteção do ambiente e, em especial, conservar e melhorar a qualidade do ambiente aquático da União.

34

Ora, seria incompatível com o efeito vinculativo que o artigo 288.o TFUE reconhece a uma diretiva excluir, em princípio, que as obrigações que ela impõe possam ser invocadas pelos interessados. O efeito útil da Diretiva 2000/60 e a sua finalidade de proteção do ambiente, recordada no número anterior, exigem que os particulares ou, se for caso disso, uma organização de defesa do ambiente legalmente constituída a possam invocar em juízo e que os órgãos jurisdicionais nacionais a possam tomar em consideração enquanto elemento do direito da União, para, nomeadamente, verificar se a autoridade nacional que emitiu uma licença para um projeto suscetível de ter impacto no estado das águas respeitou as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o da referida diretiva, em especial a de prevenir a deterioração do estado das massas de água, e permaneceu, assim, dentro dos limites da margem de apreciação que esta disposição confere às autoridades nacionais competentes (v., por analogia, acórdãos de 25 de julho de 2008, Janecek, C‑237/07, EU:C:2008:447, n.o 37, e de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 44).

35

Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, em aplicação do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, assegurar a tutela jurisdicional dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União. Por outro lado, o artigo 19.o, n.o 1, TUE obriga os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União (v., designadamente, acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 57 e jurisprudência referida).

36

No que diz respeito, em especial, ao direito de uma organização de defesa do ambiente, como a Protect, de interpor recurso de decisões de licenciamento de projetos suscetíveis de serem contrários à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60, é pacífico que a decisão de licenciamento em causa no processo principal não diz respeito a nenhuma das atividades enumeradas no anexo I da Convenção de Aarhus, pelo que esta decisão não está abrangida pelo artigo 6.o, n.o 1, alínea a), desta Convenção, nem, deste modo, pelo artigo 9.o, n.o 2, da mesma Convenção.

37

Coloca‑se então a questão de saber se, no processo principal, a Protect pode, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus, basear um direito de recurso no artigo 9.o, n.o 2, desta Convenção com o fundamento de que, no caso em apreço, no âmbito de um processo anterior, a autoridade nacional analisou, com base na avaliação do impacto do projeto num sítio protegido ao abrigo da Diretiva 92/43, se esse projeto era suscetível de lesar a integridade desse sítio, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva.

38

Com efeito, as decisões adotadas pelas autoridades nacionais competentes no âmbito do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43, que respeitem, nomeadamente, à adequação das conclusões tiradas de uma avaliação ambiental do impacto de um plano ou de um projeto num sítio protegido, no que toca aos riscos desse projeto ou desse plano para a integridade do referido sítio, e que sejam autónomas ou integradas numa decisão de licenciamento, estão abrangidas pelo artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus e, por conseguinte, integram o âmbito de aplicação do artigo 9.o, n.o 2, desta Convenção, uma vez que essas decisões implicam que as autoridades competentes verifiquem, antes de autorizarem qualquer atividade, se, nas circunstâncias do caso concreto, esta pode ter um impacto significativo no ambiente (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.os 56 e 57).

39

Uma organização de defesa do ambiente como a Protect, que satisfaça os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus para poder ser abrangida pelo conceito de «público envolvido» na aceção desta disposição, deve poder invocar, no âmbito do recurso previsto no artigo 9.o, n.o 2, desta Convenção, as regras do direito nacional que aplicam a legislação da União em matéria de ambiente, nomeadamente as regras do direito nacional decorrentes do artigo 6.o da Diretiva 92/43 e as regras do direito da União em matéria de ambiente que produzem efeitos diretos (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.os 59 e 60).

40

Contudo, no caso em apreço, parece — sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio — que a Protect, apesar de ter apresentado, no âmbito do processo de licenciamento, objeções fundadas na violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43, pretende contestar a decisão de licenciamento emitida na sequência deste processo, pelo simples motivo de esta ser contrária à legislação nacional sobre as águas que transpõe a Diretiva 2000/60, e não pôs em causa a decisão anterior tomada ao abrigo do referido artigo 6.o, n.o 3.

41

Ora, uma vez que, com essa decisão anterior, a autoridade nacional competente decidiu, com base numa avaliação do impacto do projeto num sítio protegido ao abrigo da Diretiva 92/43, que este projeto não afeta a integridade deste sítio, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, daqui também se poderá inferir que o referido projeto não é suscetível de ter um impacto significativo no ambiente, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus, pelo que a decisão posterior tomada à luz da legislação das águas não está abrangida pelo artigo 6.o desta Convenção nem, por conseguinte, pelo artigo 9.o, n.o 2, da referida Convenção.

42

Todavia, isso só é assim se o órgão jurisdicional de reenvio puder garantir que está, efetivamente, excluído que o projeto em causa seja suscetível de ter um impacto negativo significativo no estado das águas que são objeto do processo de licenciamento em causa no processo principal.

43

Só se o órgão jurisdicional de reenvio concluir, no termo dessa verificação, que esse impacto negativo significativo está excluído é que deverá ser analisada à luz do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus a questão de saber se, no caso em apreço, uma organização de defesa do ambiente como a Protect dispõe de um direito de recurso contra uma decisão de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

44

A este respeito, há que recordar que um Estado‑Membro, quando define as regras de direito processual aplicáveis aos recursos previstos no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e relativos ao exercício dos direitos conferidos às organizações de proteção do ambiente pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60, para efeitos de fiscalização das decisões das autoridades nacionais competentes, tendo em conta as obrigações que lhes incumbem por força deste artigo, executa uma obrigação decorrente do referido artigo, pelo que se deve considerar que aplica o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), e, por conseguinte, a Carta é aplicável (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 52).

45

É certo que só «os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno» são titulares dos direitos previstos no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, pelo que esta disposição, em si, está desprovida de efeito direto em direito da União. Contudo, não é menos verdade que a referida disposição, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, nomeadamente das disposições em matéria do direito do ambiente (v., neste sentido, acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, EU:C:2011:125, n.os 45 e 51).

46

Ora, como salientou também, em substância, a advogada‑geral nos n.os 89 e 90 das suas conclusões, o direito de recurso previsto no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus seria desprovido de qualquer efeito útil, ou até mesmo da sua essência, se se admitisse que, através da imposição destes critérios, certas categorias de «membros do público», a fortiori de «membros do público envolvido», como as organizações de defesa do ambiente que satisfaçam os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus, não podem exercer qualquer tipo de direito de recurso.

47

A imposição dos referidos critérios não pode, em especial, privar as organizações de defesa do ambiente da possibilidade de solicitar a fiscalização do respeito das regras decorrentes do direito da União em matéria de ambiente, igualmente porque essas regras estão, a maioria das vezes, orientadas para o interesse geral e não apenas para a proteção dos interesses dos particulares considerados individualmente e porque a missão dessas organizações consiste em defender o interesse geral (v., neste sentido, acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, C‑115/09, EU:C:2011:289, n.o 46).

48

Com efeito, a expressão «critérios estabelecidos no direito interno», que figura no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, embora implique que os Estados contratantes conservam uma margem de apreciação na execução desta disposição, não pode permitir que os mesmos imponham critérios tão estritos que se torne efetivamente impossível para as organizações de defesa do ambiente impugnar os atos ou omissões referidos nesta disposição.

49

No caso em apreço, no que diz respeito aos «critérios» previstos no direito austríaco, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o reconhecimento do estatuto de parte no processo principal, a saber, um processo ao abrigo da legislação das águas, a organizações de defesa do ambiente que não gozam de direitos subjetivos públicos, não se pode basear nas disposições da WRG, em especial no artigo 102.o, n.o 1, alíneas a) e b), desta lei.

50

Além disso, esse órgão jurisdicional explica que, segundo o direito austríaco, só as pessoas singulares ou coletivas que gozem do estatuto de parte no processo administrativo podem interpor recurso num órgão jurisdicional contra a violação dos seus direitos.

51

Parece resultar destes elementos do direito nacional que, na falta de reconhecimento do seu estatuto de parte no processo no âmbito da legislação das águas, uma organização de defesa do ambiente não pode, nos termos do direito austríaco, ainda que satisfaça os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus para poder ser abrangida pelo conceito de «público envolvido», interpor recurso num órgão jurisdicional nacional para impugnar uma decisão de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

52

Ao excluir, desta forma, as organizações de defesa do ambiente de qualquer direito de recurso contra essa decisão de licenciamento, o direito processual nacional em causa é contrário aos requisitos decorrentes da leitura conjugada do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus com o artigo 47.o da Carta.

53

No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que não está excluído, a priori, que esse estatuto de parte no processo possa, ainda assim, ser reconhecido a uma organização de defesa do ambiente, como a Protect, com base numa interpretação da disposição geral constante do § 8 da AVG.

54

A este respeito, há que recordar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar, na medida do possível, o direito processual relativo às condições que devem estar preenchidas para interpor um recurso em conformidade tanto com os objetivos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus como com o objetivo da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, a fim de permitir a uma organização de defesa do ambiente, como a Protect, impugnar num órgão jurisdicional uma decisão tomada no termo de um processo administrativo suscetível de ser contrário ao direito da União em matéria de ambiente (v., por analogia, acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 52).

55

Todavia, se tal interpretação conforme não for possível, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio não aplicar, no litígio que lhe cabe decidir, a regra de direito processual nacional que exige que a organização de defesa do ambiente em causa tenha o estatuto de parte no processo para poder interpor recurso de uma decisão de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

56

A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o juiz nacional responsável pela aplicação, no âmbito da sua competência, das disposições do direito da União tem a obrigação de garantir o pleno efeito dessas regras, não aplicando, se necessário, no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar pela respetiva revogação prévia por via legislativa ou através de qualquer outro mecanismo constitucional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 e 24, e de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 40 e jurisprudência referida).

57

Com efeito, seria incompatível com os requisitos inerentes à própria natureza do direito da União qualquer disposição de uma ordem jurídica nacional ou qualquer prática, legislativa, administrativa ou judicial que tivesse por efeito diminuir a eficácia do direito da União pelo facto de recusar ao juiz competente pela aplicação desse direito o poder de fazer, no momento exato dessa aplicação, tudo aquilo que é necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que, eventualmente, constituam um obstáculo à plena eficácia das regras da União (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 22, e de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 41 e jurisprudência referida).

58

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que uma organização de defesa do ambiente legalmente constituída e que atua em conformidade com os requisitos previstos no direito nacional deve poder impugnar num órgão jurisdicional uma decisão de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

Quanto à segunda questão

59

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, numa situação como a do processo principal, a observância da Convenção de Aarhus está assegurada quando um Estado‑Membro prevê um direito de recurso jurisdicional contra a decisão administrativa em causa ou se essa observância exige também que os direitos decorrentes da Diretiva 2000/60 possam ser invocados no âmbito do processo administrativo.

60

Resulta da resposta dada à primeira questão que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que uma organização de defesa do ambiente, como a Protect, deve poder impugnar num órgão jurisdicional uma decisão de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

61

Contudo, a questão de saber se a Convenção de Aarhus confere também à Protect um direito de participação no processo administrativo de licenciamento, de modo a poder invocar, no âmbito desse processo, uma eventual violação do artigo 4.o da Diretiva 2000/60, é uma questão distinta que deve ser analisada à luz do artigo 6.o desta Convenção, disposição esta que, segundo recordou o Tribunal de Justiça, faz parte integrante do direito da União (acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 45).

62

Com efeito, a participação no processo de decisão em matéria ambiental é distinta e tem um objetivo diferente do recurso jurisdicional, dado que este pode, eventualmente, ser interposto da decisão tomada no termo desse processo (v., neste sentido, acórdão de 15 de outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening, C‑263/08, EU:C:2009:631, n.o 38).

63

Como resulta do artigo 6.o, n.os 3, 4 e 7, da Convenção de Aarhus, esta confere ao público, designadamente, o direito de participar «ativamente no processo de tomada de decisões no domínio do ambiente», apresentando, «por escrito ou, se necessário, nas audições ou consultas públicas com o requerente, comentários, informações, análises ou pareceres que considere relevantes para a atividade proposta». Essa participação deve começar «o mais cedo possível no processo, quando todas as opções estiverem em aberto e possa haver uma participação efetiva do público».

64

Contudo, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Convenção de Aarhus, os direitos de participação conferidos por este artigo só se aplicam às decisões relativas à autorização das atividades propostas constantes do anexo I desta Convenção, ou, se não estiverem incluídas no anexo I, que possam ter um impacto significativo no ambiente.

65

Ora, conforme resulta do n.o 36 do presente acórdão, é pacífico que a atividade que é objeto da decisão de licenciamento em causa no processo principal não se encontra enumerada no anexo I da Convenção de Aarhus.

66

Por conseguinte, só se o órgão jurisdicional de reenvio concluir, no âmbito da análise que lhe cabe fazer em conformidade com o que já foi dito nos n.os 41 a 43 do presente acórdão, que o projeto em causa no processo principal é suscetível de ter um impacto significativo no ambiente, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus, em especial no estado das massas de água que são objeto do processo de licenciamento em causa no processo principal, é que a Protect beneficia, ao abrigo do artigo 6.o da Convenção de Aarhus, de um direito de participação no processo administrativo de licenciamento, de modo a poder invocar, no âmbito desse processo, uma eventual violação do artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

67

Em contrapartida, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que está excluído que o projeto em causa no processo principal possa ter um impacto significativo no estado das massas de água em causa, decorre daqui que a Protect só dispõe do direito de recurso previsto no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

68

Embora o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em si mesmo, não obrigue um Estado‑Membro a conferir um direito de participação, com o estatuto de parte, num processo administrativo de licenciamento como o que está em causa no processo principal, o mesmo não se aplica quando, segundo o direito nacional aplicável, a obtenção desse estatuto de parte for uma condição que deve necessariamente estar preenchida para se poder interpor um recurso destinado a impugnar a decisão tomada no termo desse processo.

69

Com efeito, se o direito nacional estabelecer tal vínculo entre o estatuto de parte no processo administrativo e o direito a um recurso jurisdicional, o referido estatuto não pode ser recusado sob pena de se privar o direito de recurso de qualquer efeito útil, ou mesmo da sua essência, o que seria contrário ao artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 47.o da Carta.

70

Ora, resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o direito austríaco estabelece esse vínculo.

71

Neste contexto, importa igualmente atender ao artigo 14.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Informação e consulta do público», na medida em que prevê, no primeiro período do seu n.o 1, que os Estados‑Membros «incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da presente diretiva, especialmente na elaboração, revisão e atualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica».

72

Um processo de licenciamento de um projeto concreto suscetível de provocar a deterioração do estado de uma massa de águas deve ser qualificado de «execução», na aceção desta disposição (v., neste sentido, acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 32).

73

Além disso, decorre da palavra «especialmente», que figura também no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/60, que a participação ativa de todas as partes interessadas não se limita à elaboração, revisão e atualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica.

74

Em contrapartida, a palavra «incentivarão», que consta do referido artigo 14.o, n.o 1, constitui uma formulação de natureza essencialmente programática, pelo que o caráter vinculativo desta disposição é limitado. Isto é confirmado, aliás, pelo facto de que, embora as restantes disposições deste artigo 14.o comportem, em si, verdadeiras obrigações, estas dizem especificamente respeito aos processos de elaboração, revisão e atualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica.

75

A verdade é que, ao aplicar a Diretiva 2000/60, um Estado‑Membro é obrigado a respeitar a essência do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, que consiste na obrigação de incentivar a participação ativa de todas as partes interessadas na sua execução.

76

Ora, como já se referiu nos n.os 49 a 51 do presente acórdão, parece resultar dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, nos termos do direito processual nacional aplicável, uma organização de defesa do ambiente como a Protect, ainda que satisfaça os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus para poder ser abrangida pelo conceito de «público envolvido», não pode, em princípio, adquirir o estatuto de parte no âmbito de um processo administrativo no domínio da legislação das águas.

77

Além disso, embora seja pacífico que a Protect pôde, em certa medida, participar no processo de licenciamento, com o estatuto de «pessoa interessada», na aceção do § 102, n.o 2, da WRG, o que lhe permitiu, designadamente, invocar argumentos para demonstrar que o projeto em causa no processo principal pode afetar a integridade de um sítio protegido, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43, este estatuto não é equiparável ao de parte no processo.

78

A este respeito, resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o estatuto de parte no processo teria permitido à Protect, se este lhe tivesse sido concedido, participar ativamente no processo de tomada de decisão, expondo melhor e mais pertinentemente os seus argumentos sobre os riscos para o ambiente do projeto pretendido, em especial os relativos ao impacto deste projeto no estado das águas, e apresentando esses argumentos sob a forma de objeções, as quais deveriam ter sido tidas em conta pelas autoridades competentes antes do licenciamento e da concretização do referido projeto.

79

Tal participação ativa da Protect enquanto organização de defesa do ambiente legalmente constituída e que atua em conformidade com os requisitos previstos no direito nacional aplicável era tanto mais importante quanto só este tipo de organizações estão orientadas para o interesse geral e não para a proteção dos interesses dos particulares individualmente considerados.

80

Nestas circunstâncias, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar, tanto quanto possível, o direito processual em causa, em especial a disposição geral do § 8 da AVG, num sentido que seja conforme com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/60, de modo a permitir a uma organização de defesa do ambiente como a Protect participar, com o estatuto de parte, num processo administrativo de licenciamento, como o que está em causa no processo principal, destinado a executar esta diretiva (v., por analogia, acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 52).

81

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que as disposições conjugadas do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, do artigo 47.o da Carta e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/60 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a um direito processual nacional que, numa situação como a que está em causa no processo principal, exclui as organizações de defesa do ambiente do direito de participação, com o estatuto de parte, num processo administrativo de licenciamento destinado a executar a Diretiva 2000/60 e que limita o direito de recurso para impugnar as decisões resultantes desse processo apenas às pessoas com esse estatuto.

Quanto à terceira questão

82

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9, n.os 3 e 4, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que se opõe à imposição, numa situação como a que está em causa no processo principal, a uma organização de defesa do ambiente, de uma regra de direito processual nacional de preclusão, nos termos da qual uma pessoa perde o seu estatuto de parte no processo e não pode, por conseguinte, recorrer da decisão resultante desse processo se não tiver apresentado as suas objeções em tempo oportuno logo no processo administrativo e, o mais tardar, na fase oral desse processo.

83

A título preliminar, importa recordar que, como já foi referido nos n.os 49 a 51 e 76 do presente acórdão, parece decorrer da decisão de reenvio que, nos termos do direito processual nacional aplicável, uma organização de defesa do ambiente como a Protect não pode, em princípio, adquirir o estatuto de parte no processo para participar num processo administrativo de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

84

Uma vez que parece estar, assim, excluído, a priori, que, no caso em apreço, a Protect tivesse efetivamente conseguido adquirir o estatuto de parte no referido processo administrativo de licenciamento, não é claro como pode ter perdido esse estatuto nos termos do § 42 da AVG, como pressupõe o órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua terceira questão, tanto mais que o § 102, n.o 2, da WRG prevê que só uma pessoa com o estatuto de parte no processo tem o direito de apresentar objeções no âmbito desse processo administrativo.

85

Dito isto, há que responder à terceira questão, na medida em que resulta expressamente da decisão de reenvio que, no caso em apreço, o órgão jurisdicional de primeira instância negou provimento ao recurso da Protect, precisamente, em razão da perda do seu estatuto de parte no processo, em aplicação da regra de preclusão prevista no § 42 da AVG, donde se conclui que esta questão não é manifestamente hipotética na aceção da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 12 de outubro de 2017, Kubicka, C‑218/16, EU:C:2017:755, n.os 30 e 31).

86

Quanto ao mérito da terceira questão, é de salientar que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus prevê expressamente que os recursos referidos nesta disposição podem ser sujeitos a «critérios», donde se conclui que, em princípio, os Estados‑Membros podem, no âmbito da margem de apreciação que lhes é conferida a este respeito, fixar regras de direito processual relativas aos requisitos que devem estar cumpridos para interpor esses recursos.

87

Neste contexto, importa no entanto recordar que, quando definem as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos pela Diretiva 2000/60, os Estados‑Membros devem garantir o respeito do direito à ação e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efetiva (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 59 e jurisprudência referida).

88

Ora, em princípio, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus não se opõe a uma regra de preclusão como a prevista no § 42 da AVG, que impõe a obrigação do exercício efetivo, desde a fase do processo administrativo, do direito, que decorre do estatuto de parte no processo, de apresentar objeções sobre o respeito das regras pertinentes do direito do ambiente, quando essa regra possa permitir identificar mais rapidamente os pontos controvertidos e, se necessário, resolvê‑los no âmbito do processo administrativo, de modo que já não seja necessário um recurso jurisdicional.

89

Assim, essa regra de preclusão pode contribuir para o objetivo do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, expresso no décimo oitavo considerando desta Convenção, de prever mecanismos judiciais eficazes, e parece estar igualmente em sintonia com o artigo 9.o, n.o 4, da referida Convenção, que exige que os processos referidos, designadamente, no seu artigo 9.o, n.o 3, proporcionem soluções «eficazes e adequadas» e sejam «equitativos».

90

Nestas circunstâncias, a referida regra de preclusão, não obstante constituir, enquanto condição prévia da interposição de um recurso jurisdicional, uma restrição ao direito a uma ação perante um tribunal na aceção do artigo 47.o da Carta, pode ser justificada, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, se estiver prevista na lei, se respeitar o conteúdo essencial do referido direito e se, na observância do princípio da proporcionalidade, for necessária e corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.os 61 a 71).

91

Para que o princípio da proporcionalidade seja respeitado, é necessário que as modalidades concretas de exercício das vias de recurso administrativas disponíveis no direito austríaco não afetem desproporcionadamente o direito a uma ação perante um tribunal previsto no artigo 47.o da Carta (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 72).

92

A este respeito, coloca‑se a questão de saber se a imposição, numa situação como a que está em causa no processo principal, da regra de preclusão em questão a uma organização de defesa do ambiente como a Protect pode restringir excessivamente o direito ao recurso jurisdicional que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, visa garantir para a proteção dos direitos conferidos pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

93

Embora incumba, em última instância, ao órgão jurisdicional de reenvio responder a esta questão com base numa apreciação de conjunto dos elementos de facto e de direito nacional pertinentes, afigura‑se que, tendo em conta os elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça e sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta questão deve ser respondida afirmativamente.

94

A este respeito, dificilmente se pode censurar a Protect por não ter impedido a aplicação da regra de preclusão prevista no § 42 da AVG, através do exercício, desde a fase do processo administrativo, do direito conferido pelo estatuto de parte no processo, de apresentar objeções baseadas na violação da legislação das águas que transpõe para o direito nacional a Diretiva 2000/60.

95

Com efeito, esta organização pediu às autoridades competentes que lhe reconhecessem o estatuto de parte no processo, mas este pedido foi indeferido essencialmente porque o § 102, n.o 1, da WRG não contém nenhuma base jurídica neste sentido. Por conseguinte, a referida organização teve de participar no processo administrativo com o estatuto de «pessoa interessada», na aceção do § 102, n.o 2, da WRG, que, em conformidade com o § 102, n.o 3, da WRG, não lhe conferia o direito de apresentar objeções que as autoridades devessem ter em conta antes de tomar uma decisão sobre o pedido de licenciamento.

96

Por conseguinte, atendendo ao direito processual nacional aplicável, afigura‑se que a crítica por não ter apresentado objeções em tempo oportuno para evitar a aplicação da regra de preclusão prevista no § 42 da AVG equivale a exigir que essas organizações cumpram uma obrigação que, a priori, não podem cumprir. Ora, impossibilium nulla obligatio est.

97

Além disso, embora, como alegou o Governo austríaco, a obrigação prevista no § 42 da AVG seja de natureza sobretudo formal, no sentido de que, para evitar a aplicação desta regra de preclusão, basta que sejam apresentadas objeções que se limitem a alegar, de uma maneira geral, que o licenciamento do projeto em causa é contrário a uma disposição da WRG, podendo a fundamentação das objeções ser feita em momento posterior, não é menos verdade que, no processo principal, as organizações de defesa do ambiente podiam razoavelmente deduzir das regras processuais aplicáveis que, antes de mais, tinham de adquirir o estatuto de parte no processo, para, em seguida, poder exercer o direito de apresentar objeções conferido por este estatuto.

98

Por conseguinte, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que a imposição à Protect — numa situação, no mínimo, equívoca, criada pelo direito processual nacional aplicável — da regra de preclusão prevista no § 42 da AVG, que conduz à perda quer do seu estatuto de parte no processo administrativo de licenciamento em causa quer do seu direito de interpor recurso da decisão tomada no termo deste processo, é suscetível de restringir excessivamente o direito de recurso jurisdicional que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus visa garantir, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, para a proteção dos direitos conferidos pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60.

99

Nesta medida, a imposição desta regra, numa situação como a que está em causa no processo principal, constitui uma restrição ao direito à ação perante um tribunal, na aceção do artigo 47.o da Carta, que não é justificada, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

100

Por conseguinte, sem prejuízo de verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos elementos de facto e das regras de direito nacional pertinentes, este é obrigado, em conformidade com os n.os 55 e 56 do presente acórdão, a não aplicar, no litígio que lhe cabe decidir, a regra de preclusão prevista no direito processual nacional aplicável.

101

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à terceira questão que, sem prejuízo de verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos elementos de facto e de direito nacional pertinentes, o artigo 9.o, n.os 3 e 4, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à imposição, numa situação como a que está em causa no processo principal, a uma organização de defesa do ambiente, de uma regra de direito processual nacional de preclusão, nos termos da qual uma pessoa perde o seu estatuto de parte no processo e não pode, por conseguinte, recorrer da decisão resultante desse processo se não tiver apresentado as suas objeções em tempo oportuno logo no processo administrativo e, o mais tardar, na fase oral desse processo.

Quanto às despesas

102

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 9.o, n.o 3, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que uma organização de defesa do ambiente legalmente constituída e que atua em conformidade com os requisitos previstos no direito nacional deve poder impugnar num órgão jurisdicional uma decisão de licenciamento de um projeto suscetível de ser contrário à obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de água, imposta pelo artigo 4.o da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água.

 

2)

As disposições conjugadas do artigo 9.o, n.o 3, desta Convenção, aprovada pela Decisão 2005/370, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/60 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a um direito processual nacional que, numa situação como a que está em causa no processo principal, exclui as organizações de defesa do ambiente do direito de participação, com o estatuto de parte, num processo administrativo de licenciamento destinado a executar a Diretiva 2000/60 e que limita o direito de recurso para impugnar as decisões resultantes desse processo apenas às pessoas com esse estatuto.

 

3)

Sem prejuízo da verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos elementos de facto e de direito nacional pertinentes, o artigo 9.o, n.os 3 e 4, da referida Convenção, aprovada pela Decisão 2005/370, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à imposição, numa situação como a que está em causa no processo principal, a uma organização de defesa do ambiente, de uma regra de direito processual nacional de preclusão, nos termos da qual uma pessoa perde o seu estatuto de parte no processo e não pode, por conseguinte, recorrer da decisão resultante desse processo se não tiver apresentado as suas objeções em tempo oportuno logo no processo administrativo e, o mais tardar, na fase oral desse processo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.