ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de novembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/39/CE — Mercados de instrumentos financeiros — Artigo 4.o, n.o 1, ponto 14 — Conceito de “mercado regulamentado” — Âmbito de aplicação — Sistema em que participam, por um lado, corretores que representam investidores e, por outro, agentes de organismos de investimentos “abertos” obrigados a executar as ordens respeitantes aos seus fundos»

No processo C‑658/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), por decisão de 2 de dezembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de dezembro de 2015, no processo

Robeco Hollands Bezit NV e o.

contra

Stichting Autoriteit Financiële Markten (AFM),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda (relator), E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 1 de fevereiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Robeco Hollands Bezit NV e o., por E. Pijnacker Hordijk e A. M. ter Haar, advocaten,

em representação da Stichting Autoriteit Financiële Markten (AFM), por M. J. Blotwijk, advocaat, e por M. van Kwawegen, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por D. Robertson, B. Kennelly e S. Simmons, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por I. V. Rogalski e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO 2004, L 145, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Robeco Hollands Bezit NV e dez outras sociedades à Stichting Autoriteit Financiële Markten (AFM) (Autoridade dos mercados financeiros, Países Baixos) acerca da aplicação de taxas a essas sociedades pelas despesas incorridas pela AFM no âmbito da sua missão de supervisão.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/39

3

Os considerandos 2, 5 e 6 da Diretiva 2004/39 enunciam:

«(2)

[…] é indispensável prever o grau de harmonização necessário para proporcionar aos investidores um elevado nível de proteção e permitir que as empresas de investimento prestem serviços em toda a Comunidade, no quadro de um mercado único, com base na supervisão do país de origem. […]

[…]

(5)

É necessário estabelecer um regime regulamentar completo que regule a realização de transações em instrumentos financeiros, independentemente dos métodos de negociação utilizados para a sua conclusão, por forma a garantir uma elevada qualidade de execução das transações dos investidores e apoiar a integridade e a eficiência global do sistema financeiro. Há que prever um enquadramento coerente e ajustado ao risco para a regulamentação dos principais tipos de sistemas de execução de ordens atualmente disponíveis no mercado financeiro europeu. […]

(6)

Há que introduzir definições para os conceitos de mercado regulamentado e MTF [Sistema de negociação multilateral (Multilateral Trading Facility)], estreitamente alinhadas entre si, por forma a tornar patente que representam a mesma funcionalidade de negociação organizada. Essas definições devem excluir os sistemas bilaterais em que uma empresa de investimento participa em cada transação por conta própria e não como contraparte isenta de risco interposta entre o comprador e o vendedor. O termo “sistema” compreende todos os mercados compostos por um conjunto de regras e uma plataforma de negociação, bem como os que apenas funcionam com base num conjunto de regras. Os mercados regulamentados e os MTF não são obrigados a operar um sistema “técnico” de negociação. Um mercado composto apenas por um conjunto de regras que regem os aspetos relacionados com a qualidade de membro, a admissão de instrumentos à negociação, a negociação entre membros, as obrigações de informação e, sempre que aplicável, as obrigações de transparência, é um mercado regulamentado ou um MTF na aceção da presente diretiva e as operações celebradas ao abrigo dessas regras são consideradas como tendo sido celebradas ao abrigo dos sistemas de um mercado regulamentado ou de um MTF. A expressão “interesses de compra e venda” deverá ser entendida em sentido lato, incluindo ordens, ofertas de preço e manifestações de interesse. O requisito relativo ao encontro de interesses no sistema através de regras não discricionárias estabelecidas pelo operador do sistema significa que aquele encontro deverá ocorrer segundo as regras do sistema ou através dos seus protocolos ou procedimentos operacionais internos (incluindo os procedimentos integrados em programas informáticos). […]»

4

O artigo 4.o, n.o 1, pontos 6, 7, 14, 15 e 17, desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

6)

“Negociação por conta própria”: negociação com base no seu próprio capital, com vista à conclusão de transações em um ou mais instrumentos financeiros;

7)

“Internalizador sistemático”: uma empresa de investimento que, de modo organizado, frequente e sistemático, negoceia por conta própria executando ordens de clientes fora de um mercado regulamentado ou de um MTF;

[…]

14)

“Mercado regulamentado”: um sistema multilateral, operado e/ou gerido por um operador de mercado, que permite o encontro ou facilita o encontro de múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros ‑ dentro desse sistema e de acordo com as suas regras não discricionárias ‑ por forma a que tal resulte num contrato relativo a instrumentos financeiros admitidos à negociação de acordo com as suas regras e/ou sistemas e que esteja autorizado e funcione de forma regular e em conformidade com o disposto no título III;

15)

“Sistema de negociação multilateral” (Multilateral Trading Facility ‑ MTF): um sistema multilateral, operado por uma empresa de investimento ou um operador de mercado, que permite o confronto de múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros ‑ dentro desse sistema e de acordo com regras não discricionárias ‑ por forma a que tal resulte num contrato em conformidade com o disposto no título II;

[…]

17)

“Instrumento financeiro”: qualquer dos instrumentos especificados na secção C do anexo I.»

[…]»

5

A referida secção C refere‑se, no seu ponto 3, às «[u]nidades de participação em organismos de investimento coletivo».

Direito neerlandês

6

O artigo 1:40, n.o 1, da Wet op het financieel toezicht (Lei de supervisão dos mercados financeiros, a seguir «Wft») dispõe que a autoridade de supervisão imputa os custos das atividades relacionadas com o desempenho das suas funções às empresas para as quais essas atividades são realizadas, na medida em que estes custos não sejam suportados pelo orçamento do Reino.

7

Nos termos dos artigos 5.o, 6.o e 8.o, n.o 1, alínea i), ponto 4, da Besluit bekostiging financieel toezicht (Decisão relativa ao financiamento da supervisão financeira), a AFM está habilitada, para esse efeito, a aplicar taxas aos organismos emissores na aceção do artigo 5:60, n.o 1, alínea a), da Wft.

8

O artigo 5:60, n.o 1, alínea a), da Wft prevê que qualquer pessoa que determine ou codetermine a política diária de um organismo emissor com sede nos Países Baixos, que tenha emitido ou tencione emitir instrumentos financeiros na aceção do artigo 5:56, n.o 1, alínea a), da referida lei e sob cuja proposta tenha sido celebrado ou que proponha a celebração de um contrato de compra relativo a um instrumento financeiro na aceção da referida disposição, diferente de um valor mobiliário, está obrigada a comunicar, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da transação, as transações efetuadas ou executadas por conta própria em ações relativas ao organismo emissor referido, respetivamente, no artigo 5:60, n.o 1, alíneas a), b) ou c) da Wft, ou em instrumentos financeiros cujo valor também seja determinado com base no valor destas ações.

9

Nos termos do artigo 5:56, n.o 1, alínea a), da Wft, todas as pessoas pertencentes à categoria referida no n.o 2 deste artigo estão proibidas de fazer uso de informação privilegiada quando efetuam ou executam uma transação nos Países Baixos, ou a partir deste país ou de um Estado não membro da União Europeia, em instrumentos financeiros admitidos à negociação num mercado regulamentado para o qual tenha sido emitida uma autorização na aceção do artigo 5:26, n.o 1, dessa lei ou num sistema de negociação multilateral para o qual a empresa de investimento possua a autorização prevista no artigo 2:96 da referida lei ou para o qual tenha sido solicitada uma autorização para essa negociação.

10

O artigo 1:1 da Wtf tem a seguinte redação:

«mercado regulamentado: sistema multilateral que permite ou facilita o encontro de múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros — dentro desse sistema e de acordo com as suas regras não discricionárias — por forma a que tal resulte num contrato relativo a instrumentos financeiros admitidos à negociação de acordo com as suas regras e/ou sistemas, e funcione de forma regular e em conformidade com as regras aplicáveis à autorização e à supervisão contínua.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

As recorrentes no processo principal são organismos de investimento «abertos». Para negociar participações nos seus fundos, recorreram ao sistema «Euronext Fund Services» (a seguir «sistema EFS»), um segmento da Euronext Amsterdam NV (a seguir «Euronext»), estando este autorizado a operar ou a gerir um mercado regulamentado nos termos do artigo 5:26, n.o 1, da Wft.

12

Resulta da decisão de reenvio que o sistema EFS é um sistema de negociação específico onde são exclusivamente negociados fundos de investimento «abertos». Os seus membros incluem agentes de fundos e corretores. Estes últimos reúnem as ordens de compra e venda dos investidores e transmitem‑nas ao agente do fundo do organismo de investimento em causa. As transações são feitas a um preço «futuro», no sentido de que quando o corretor dá uma ordem a um agente de fundos até às 16 horas, este executa‑a no dia seguinte às 10 horas com base no valor patrimonial líquido do fundo de investimento, ajustado para ter em conta os custos de transação.

13

Mediante várias decisões, confirmadas pela decisão de 13 de dezembro de 2012, a AFM aplicou aos recorrentes no processo principal taxas relativas aos anos de 2009 a 2012 nos termos do artigo 1:40 da Wft. Esta autoridade considerou que essas taxas eram devidas uma vez que o sistema EFS é um «mercado regulamentado», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39, transposto para o direito neerlandês pelo artigo 1:1 da Wft, o que significa que o artigo 5:60 da Wft se aplica aos administradores e aos membros do conselho geral e de supervisão das referidas recorrentes.

14

Tendo o Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Roterdão, Países Baixos) negado provimento ao recurso da referida decisão de confirmação, as recorrentes no processo principal recorreram para o órgão jurisdicional de reenvio, que se questiona sobre a questão de saber se o sistema EFS está ou não compreendido no conceito de «mercado regulamentado» que figura na referida disposição da Diretiva 2004/39.

15

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, vários elementos fazem pensar que o sistema EFS não é um sistema multilateral e, por conseguinte, não é um mercado regulamentado na aceção dessa mesma disposição.

16

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o sistema se assemelha mais a um sistema bilateral no qual, como resulta, nomeadamente, do considerando 6 da Diretiva 2004/39, as transações são exclusivamente efetuadas entre o organismo de investimento e o investidor. A este respeito, salienta que, no âmbito do sistema EFS, o agente do fundo e o corretor representam, respetivamente, o organismo de investimento e o investidor, e que o primeiro executa sempre as ordens do segundo.

17

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio conclui que não existe obrigação de notificar as transações efetuadas recorrendo ao sistema EFS. Na sua opinião, na medida em que o referido considerando 6 faz referência às regras de um mercado regulamentado relativas, nomeadamente, à notificação das transações, pode‑se deduzir daí que um sistema em que se efetuam exclusivamente transações não sujeitas à obrigação de notificação não pode ser qualificado de «mercado regulamentado».

18

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que decorre do Regulamento (CE) n.o 1287/2006 da Comissão, de 10 de agosto de 2006, que aplica a Diretiva 2004/39 no que diz respeito às obrigações de manutenção de registos das empresas de investimento, à informação sobre transações, à transparência dos mercados, à admissão à negociação dos instrumentos financeiros e aos conceitos definidos para efeitos da referida diretiva (JO 2006, L 241, p. 1), que as transações efetuadas no mercado primário não estão sujeitas à obrigação de notificação, de modo que um sistema como o sistema EFS, no âmbito do qual são exclusivamente efetuadas transações no mercado primário, não pode ser qualificado de «mercado regulamentado».

19

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que o preço das participações no sistema EFS é determinado pelo seu valor patrimonial líquido ao passo que, segundo as recorrentes no processo principal, o preço dos instrumentos financeiros negociados nos mercados regulamentados resulta do jogo da oferta e da procura.

20

Em quarto lugar, o referido órgão jurisdicional considera que, na medida em que no sistema EFS o risco de manipulação do mercado ou de negociação com base em informações privilegiadas é muito baixo, a interpretação de que este não é um mercado regulamentado não é contrária aos objetivos da Diretiva 2004/39.

21

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio não exclui a tese contrária segundo a qual o sistema EFS é um mercado regulamentado na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39. Sublinha que a Euronext, que obteve uma autorização para este efeito, opera esse sistema de modo autónomo. O referido órgão jurisdicional considera que o sistema EFS pode ser qualificado de multilateral, uma vez que tem como membros vários corretores e agentes de fundos e que nele são negociadas participações de vários organismos de investimento e colocadas ordens por várias partes. Segundo esse mesmo órgão jurisdicional, o termo «terceiros» utilizado nessa disposição, interpretado no seu sentido corrente, equivale a designar qualquer utilizador do sistema. Além disso, os compradores e os vendedores veem os seus interesses respetivos reunir‑se no sistema EFS de forma a que tal resulte em contratos, e o funcionamento deste último está sujeito a regras não discricionárias que figuram em dois documentos intitulados «EFS Trading Manual» (manual de negociação do sistema EFS) e «TCS‑web user Guide to the EFS» (guia de utilização TCS‑web do sistema EFS).

22

O órgão jurisdicional de reenvio considera também que não se pode deduzir diretamente do considerando 6 e do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39 que a não exigência de notificação e o facto de a formação dos preços não ser feita com base na oferta e na procura impede que o sistema EFS seja qualificado de «mercado regulamentado».

23

Nestas condições, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[U]m sistema, no qual participam vários agentes de fundos e corretores que representam, dentro desse sistema, respetivamente, organismos de investimento «abertos» e investidores em transações comerciais e que, na prática, [se limita a facilitar] a estes organismos de investimento “abertos” o cumprimento da obrigação que lhes incumbe de executar as ordens de compra e venda de unidades de participação [colocadas] pelos investidores, [deve] ser considerado um mercado regulamentado na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39 e, na afirmativa, quais são as características determinantes para esse efeito?»

Quanto à questão prejudicial

24

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39 deve ser interpretado no sentido de que está compreendido no conceito de «mercado regulamentado», na aceção dessa disposição, um sistema de negociação no âmbito do qual vários agentes de fundos e corretores representam, respetivamente, organismos de investimento «abertos» e investidores e que tem exclusivamente por objetivo facilitar a esses organismos de investimento o cumprimento da sua obrigação de executarem as ordens de compra e venda de unidades de participação colocadas pelos referidos investidores.

25

Embora seja da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre a qualificação do sistema EFS em função das circunstâncias concretas do caso no processo principal, também é certo que o Tribunal de Justiça tem competência para inferir das disposições da referida diretiva, neste caso do seu artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, os critérios que aquele órgão jurisdicional pode ou deve aplicar para esse efeito (v., neste sentido, acórdão de 3 de dezembro de 2015, Banif Plus Bank, C‑312/14, EU:C:2015:794, n.o 51 e jurisprudência referida).

26

O artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39 define um mercado regulamentado como um sistema multilateral, operado e/ou gerido por um operador de mercado, que permite o encontro ou facilita o encontro de múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros ‑ dentro desse sistema e de acordo com as suas regras não discricionárias ‑ por forma a que tal resulte num contrato relativo a instrumentos financeiros admitidos à negociação de acordo com as suas regras e/ou sistemas, e que esteja autorizado e funcione de forma regular e em conformidade com o disposto no título III dessa diretiva.

27

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que determinadas características de um mercado regulamentado precisadas nessa definição estão efetivamente presentes no sistema EFS. Assim, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o sistema é gerido pela Euronext e está sujeito a regras não discricionárias, a saber, as contidas nos dois documentos emitidos por esse organismo, intituladas «EFS Trading Manual» e «TCS‑web user Guide to the EFS». As ordens transmitidas no âmbito do sistema EFS pelos corretores aos agentes de fundos de investimento resultam na celebração de contratos que têm por objeto unidades de participação desses fundos. Além disso, a Euronext obteve uma autorização para a exploração do sistema EFS, nada fazendo supor que não respeite as disposições do título III da Diretiva 2004/39, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

28

Há igualmente que constatar que as referidas unidades de participação dos fundos de investimento são «instrumentos financeiros» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 17, da Diretiva 2004/39, conjugado com o seu anexo I, secção C, ponto 3.

29

Assim, para responder à questão do órgão jurisdicional de reenvio, falta examinar se esse sistema de negociação deve ser considerado um sistema multilateral que permite ou facilita o encontro de múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39.

30

Embora esta diretiva não defina propriamente o conceito de «sistema multilateral», o seu considerando 6 enuncia que a definição dos conceitos de «mercado regulamentado» e de «sistema multilateral de negociação (MTF)», que são os dois tipos de sistema multilateral visados por essa diretiva, deve excluir os sistemas bilaterais em que uma empresa de investimento participa em cada transação por conta própria e não como contraparte isenta de risco interposta entre o comprador e o vendedor. Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, ponto 6, da Diretiva 2004/39, negociar por conta própria significa empregar o seu próprio capital, com vista à conclusão de transações em um ou mais instrumentos financeiros.

31

Decorre da clara distinção feita entre um sistema multilateral e um sistema bilateral que o operador de mercado ou a empresa de investimento que explora um sistema multilateral atua sem assumir o risco e sem comprometer o seu próprio capital na celebração de transações efetuadas nesse sistema. Em conformidade com a definição dada no artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39, esta intermediação tem lugar entre os múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros, os quais devem ser entendidos como qualquer pessoa singular ou coletiva distinta e independente do sistema de negociação e do seu operador.

32

As explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio sugerem que o sistema EFS possui essas características e que, por conseguinte, deve ser considerado um «mercado regulamentado» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39.

33

Com efeito, em primeiro lugar, as transações de compra e venda de unidades de participação de organismos de investimento «abertos» entre os corretores, que representam os investidores, e os agentes de fundos desses organismos de investimento são executadas no sistema EFS, que não assume nenhum risco nem compromete capitais próprios nessas transações.

34

Nesse contexto, a tese segundo a qual o sistema EFS se assemelha mais a um sistema bilateral, dado que, na realidade, continua ser um organismo de investimento que executa no seu próprio seio a ordem de um investidor, não pode ser acolhida. Como o advogado‑geral salientou no n.o 92 das suas conclusões, essa tese não tem em conta a intervenção da Euronext, que opera o sistema EFS como gestor independente no âmbito dessas transações, intervenção que não existe na negociação bilateral.

35

A este respeito, como observou o Governo do Reino Unido, o facto de num sistema como o EFS não existir negociação entre os diferentes corretores ou entre os diferentes agentes dos fundos de investimento é irrelevante, uma vez que nesse sistema os diferentes agentes podem efetuar transações com múltiplos corretores e vice‑versa.

36

Em segundo lugar, há que considerar que o encontro de múltiplos interesses de compra e venda de instrumentos financeiros manifestados por terceiros é constituído pela presença, no sistema EFS, de corretores que representam os investidores e de agentes de fundos de investimento.

37

Por um lado, esses corretores e esses agentes são terceiros em relação ao referido sistema, na medida em que são distintos e independentes dele.

38

Por outro lado, o facto, salientado pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelas recorrentes no processo principal, de que os agentes e os seus fundos de investimento executam exclusiva e obrigatoriamente as ordens de emissão e de compra de unidades de participação de fundos de investimento que recebem através do sistema EFS não pode impedir que, devido à presença desses agentes e desses corretores nesse sistema, se verifique um encontro de múltiplos interesses de compra e venda. Com efeito, à luz, nomeadamente, da sua aceção ampla enunciada no considerando 6 da Diretiva 2004/39, a expressão «interesses de compra e venda» não pode ser interpretada no sentido de que exclui as posições de um participante no sistema de negociação pelo simples motivo de resultarem de uma obrigação de comprar ou demitir essas unidades de participação.

39

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio e as recorrentes no processo principal identificam certas características do sistema EFS, relativas à inexistência de obrigação de notificar as transações efetuadas nesse sistema, ao seu caráter primário, ao facto de os preços não resultarem diretamente do jogo da oferta e da procura, mas do valor patrimonial líquido das unidades de participação compradas ou vendidas, tal como estabelecido no dia seguinte à colocação das ordens, e ao baixo risco de manipulação do mercado ou da negociação com base em informações privilegiadas. Consideram que essas características militam contra a qualificação do referido sistema como mercado regulamentado.

40

Ora nenhuma dessas características, admitindo que se verificam, pode ser considerada incompatível com o conceito de «mercado regulamentado», tal como definido no artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39.

41

Com efeito, como salientam a AFM, o Governo do Reino Unido e a Comissão Europeia nas suas observações escritas, esta disposição não contém nenhuma precisão ou limitação relativa ao funcionamento de um mercado regulamentado no que se refere à notificação ou não das transações, ao caráter primário ou secundário das mesmas ou à formação do preço dessas transações.

42

No que se refere, mais precisamente, à notificação das transações, há que salientar que a menção, no considerando 6 da Diretiva 2004/39, do facto de um mercado composto unicamente por um conjunto de regras que regem os aspetos relacionados, entre outros, com a notificação das transações ser um mercado regulamentado ou um MTF indica apenas que, para o qualificar de mercado regulamentado ou MTF, basta que tenha essas características. Daí não se pode deduzir que a notificação das transações seja uma condição necessária para essa qualificação.

43

O argumento relativo, em substância, ao facto de não ser necessário qualificar o sistema EFS de «mercado regulamentado», tendo em conta o baixo risco de abuso na execução das transações, não pode prosperar. Com efeito, como a Comissão sublinha nas suas observações escritas, o objetivo das disposições da Diretiva 2004/39 relativas aos mercados regulamentados não se limita à prevenção de abusos. Assim, como decorre, nomeadamente, dos considerandos 2 e 5 desta diretiva, essas disposições visam, mais amplamente, a harmonização necessária para oferecer aos investidores um nível elevado de proteção, estabelecendo um regime regulamentar completo que regule a realização de transações em instrumentos financeiros por forma a garantir uma elevada qualidade de execução das transações e preservar a integridade e a eficiência global do sistema financeiro.

44

Em face de todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39 deve ser interpretado no sentido de que está compreendido no conceito de «mercado regulamentado», na aceção dessa disposição, um sistema de negociação no qual vários agentes de fundos e corretores representam, respetivamente, organismos de investimento «abertos» e investidores, e que tem exclusivamente por objetivo facilitar a estes organismos de investimento o cumprimento da sua obrigação de execução das ordens de compra e venda de unidades de participação colocadas pelos referidos investidores.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que está compreendido no conceito de «mercado regulamentado», na aceção dessa disposição, um sistema de negociação no qual vários agentes de fundos e corretores representam, respetivamente, organismos de investimento «abertos» e investidores, e que tem exclusivamente por objetivo facilitar a estes organismos de investimento o cumprimento da sua obrigação de execução das ordens de compra e venda de unidades de participação colocadas pelos referidos investidores.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.